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UNIVERSIDADE KATYAVALA BWILA

FACULDADADE DE DIREITO

TRABALHO DE MONOGRAFIA PARA OBTENÇÃO DE GRAU DE


LICENCIADO EM DIREITO, OPÇÃO JURIDICO-CIVIL

ANÁLISE AO FENÓMENO SUCESSÓRIO: PERSPECTIVA


JURÍDICO-LEGAL E CONSUETUDINÁRIA DA VOCAÇÃO
SUCESSÓRIA DOS VAHANHA. CASO MUNICÍPIO DO
CUBAL

ESTUDANTE: FÁBIO ISAÍAS CACONDA ZACARIAS

BENGUELA, 2023
UNIVERSIDADE KATYAVALA BWILA

FACULDADADE DE DIREITO

TRABALHO DE MONOGRAFIA PARA OBTENÇÃO DE GRAU DE


LICENCIADO EM DIREITO, OPÇÃO JURIDICO-CIVIL

ANÁLISE AO FENÓMENO SUCESSÓRIO: PERSPECTIVA


JURÍDICO-LEGAL E CONSUETUDINÁRIA DA VOCAÇÃO
SUCESSÓRIA DOS VAHANHA. CASO MUNICÍPIO DO
CUBAL

ESTUDANTE: FÁBIO ISAÍAS CACONDA ZACARIAS

ORIENTADOR: LIC. ANTÓNIO MANASSES

__________________________

BENGUELA, 2023
PENSAMENTO

“A sucessão é o elo entre gerações, onde o direito e a tradição se entrelaçam”.

Autor desconhecido

I
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à toda comunidade académica, aos meus dilectos Pais, familiares e
amigos, aos meus colegas e aos meus eternos ilustres professores.

II
AGRADECIMENTO

Agradeço primeiramente à Deus o criador e sustentador de tudo que existe, e destacando aqui
a minha vida académica, seguidamente agradeço aos meus Pais que mais do que todos,
confiaram em mim os seus investimentos afectivos, académicos e não só, aos meus
magníficos colegas e professores, deste último grupo destaca-se o insigne professor António
Manassés, que com paciência e zelo orientou este trabalho, e por último, mas não menos
importante à toda equipa da Faculdade de Direito da Universidade Katyavala Bwila.

III
RESUMO

A presente monografia está subordinada ao tema: “análise ao fenómeno sucessório:


perspectiva jurídico-legal e consuetudinária da vocação sucessória dos Vahanha. Caso
município do Cubal”, É relevante para qualquer comunidade social, determinar qual o destino
dos direitos e deveres de uma pessoa após a morte desta, por razões de convivência social,
algumas relações jurídicas não devem se extinguir após a morte do seu titular, por força da
segurança jurídica que é dado às relações que este se vinculou com outras pessoas. No
presente trabalho científico, fez-se uma investigação sobre a evolução histórica e
desenvolvimento do estudo temático em causa, segundo sua teoria, doutrina e legislação. O
texto temático em estudo, aborda sobre a perspectiva jurídico-legal e consuetudinária da
vocação sucessória dos vahanha no ordenamento jurídico angolano, olhando de forma
concreta a população do município do Cubal, província de Benguela. A questão da herança é
um dos muitos temas que clama com urgência uma harmonia entre o direito positivo de
origem europeu, que está formalizado no nosso ordenamento jurídico, e as práticas
costumeiras assentes na cultura angolana de orientação predominantemente bantu. Do douto
tema levantou-se o seguinte problema científico: que perspectiva jurídico-legal e
consuetudinária se tem sobre a vocação sucessória dos povos vahanha? A prática costumeira
sobre a distribuição da herança contrasta com os ditames da lei? Consta na presente
monografia um objectivo geral, analisar o fenómeno sucessório: perspectiva jurídico-legal e
consuetudinária da vocação sucessória dos vahanha: caso município do Cubal. Por
conseguinte, para a efectivação do nosso estudo utilizamos os seguintes métodos: Histórico-
lógico, jurídico-comparativo, dedutivo-indutivo, bibliográfico e hermenêutico, usamos como
técnicas: a pesquisa bibliográfica, questionário. E por fim, optou-se por um tipo de pesquisa
descritiva-qualitativa no sentido de obter um resultado pretendido à nossa investigação.

Palavras-Chave: Sucessão, Jurídico-Legal e Consuetudinária dos Vahanha.

IV
ABSTRACT

This monograph is subordinated to the theme: “analysis of the succession phenomenon: legal-
legal and customary perspective of the succession vocation of the vahanha. Case of the
municipality of cubal”, It is relevant for any social community to determine the destination of
the rights and duties of a person after his death, for reasons of social coexistence, some legal
relationships should not be extinguished after the death of their holder, by virtue of the legal
security that is given to the relationships that he has linked with other people. In the present
scientific work, an investigation was carried out on the historical evolution and development
of the thematic study in question, according to its theory, doctrine and legislation. The
thematic text under study, the border on the legal-legal and customary perspective of the
succession vocation of the vahanha in the Angolan legal system, looking concretely at the
population of the municipality of Cubal, Benguela Province. the issue of inheritance is one of
the many issues that urgently call for harmony between positive law of European origin,
which is formalized in our legal system, and customary practices based on the predominantly
bantu-oriented Angolan culture. From the learned theme, the following scientific problem
arose: what legal-legal and customary perspective do you have on the succession vocation of
the vahanha peoples? Does customary practice on the distribution of inheritance contrast with
the dictates of the law? The present monograph has a general objective, to analyze the
succession phenomenon: legal-legal and customary perspective of the succession vocation of
the Vahanha: Case of the Municipality of Cubal. Therefore, for the realization of our study we
use the following methods: Historical-logical, legal-comparative, deductive-inductive,
bibliographic and hermeneutic, we use as techniques: bibliographical research, questionnaire.
And finally, we opted for a descriptive-qualitative type of research in order to obtain the
intended result of our investigation.
Keywords: succession phenomenon: legal and customary perspective of the Vahanha.

V
LISTA DE ABREVIATURAS

CRA….Constituição da República de Angola

CC…Código Civil

CADHP….Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos

OJ…Ordenamento Jurídico

VI
ÍNDICE DAS TABELAS

TABELA 1- IDADE
TEBELA 2- GÉNERO
3.3 APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS INQUÉRITOS
APLICADOS AO MAGISTRADO JUDICIAL PROVÍNCIA DE BENGUELA
TABELA 3- Qual tem sido a média de pedidos para a partilha de herança?
TABELA 4- Já alguma vez dirigiu um processo de partilha de herança em que houve
conflito entre a lei e o costume?
TABELA 5- Na disputa do entre o costume e a lei, sabendo que, a Constituição da
República atribui força jurídica ao costume, como tem resolvidos estes litígios? Poderias
nos justificar o porquê?
TABELA 6- A decisão proferida tem comprometido a harmonia no seio da família dos
litigantes e tem tido alguma dificuldade?
TABELA 7- Enquanto jurista/advogado, já alguma vez lideu com matérias sucessórias em
que parte dos herdeiros queriam que a herança fosse distribuída com base no costume e a
outra parte, na lei?
TABELA 8- Acreditas que a resolução do conflito de herança pode ser feita pelo costume?
E teria força jurídica?

VII
ÍNDICE

Pensamento..................................................................................................................................I
Dedicatória.................................................................................................................................II
Agradecimento..........................................................................................................................III
Resumo.....................................................................................................................................IV
Abstract......................................................................................................................................V
Lista De Abreviaturas...............................................................................................................VI
Lista De Tabelas......................................................................................................................VII
1.1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................................13
CAPÍTULO I – FUNDAMENTO TEÓRICO............................................................................16
1.1 Evolução histórica.......................................................................................................16
1.2.Conceito de Direito Sucessório...................................................................................18
1.3.Vocação Sucessória.....................................................................................................20
1.4.Capacidade Sucessória................................................................................................22
CAPÍTULO II – FENÓMENO SUCESSÓRIO: PERSPECTIVA JURÍDICO-LEGAL E
CONSUETUDINÁRIA................................................................................................................24
2.1 Modalidades sucessória legal......................................................................................24
2.1.1 Sucessão legitimária.................................................................................................24
2.1.2 Sucessão Legítima....................................................................................................25
2.2.3.Sucessão Testamentária............................................................................................26
2.2 Sucessão na perspectiva Costumeira...........................................................................26
2.2.1. O costume- Noção e Elementos...............................................................................26
2.2.2 O costume como fonte primária do Direito na ordem jurídica Angolana................28
2.3 Os povos muhanhas: Localização e sucessão..............................................................29
2.3.1 A Sucessão nos Povos Vahanhas..............................................................................30
2.3.2 Quem tem direito a herdar?......................................................................................31
CAPÍTULO III – APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS
RESULTADOS OBTIDOS..........................................................................................................32
3.1. Identificação dos inquiridos........................................................................................32
3.2. APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS INQUÉRITOS
PROVÍNCIA DE BENGUELA- MUNICÍPIO DE BENGUELA...........................................32
3.3 APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS INQUÉRITOS
APLICADOS AO MAGISTRADO JUDICIAL PROVÍNCIA DE BENGUELA.................33
3.4.APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS INQUÉRITOS
APLICADOS AOS GRADUADOS EM DIREITO PROVÍNCIA DE BENGUELA...........35
3.5.APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS INQUÉRITOS
APLICADOS AOS INDIVÍDUOS MUHANHA RESIDENTES NO MUNICÍPIO DE
BENGUELA..................................................................................................................................37
ENTREVISTA AO REGEDOR CUMUNAL DA CAPUPA NO DIA 26 DE MAIO DE
2023 PELA MANHÃ....................................................................................................................39
CONCLUSÕES.............................................................................................................................42
RECOMENDAÇÕES...............................................................................................................43

BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................................44
ANEXOS........................................................................................................................................47
1.1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho de investigação intitulado “Analise ao fenómeno sucessório: perspectiva
jurídico-legal e consuetudinária da vocação sucessória dos vahanha. Caso município do
cubal. Foi elaborado no âmbito da licenciatura em Direito pela Faculdade de Direito da
Universidade Katyavala Bwila, como requisito parcial de conclusão do curso.

O Direito das Sucessões é o conjunto de normas que regula a transferência das relações
jurídico-patrimoniais por morte. É relevante para qualquer comunidade social, determinar
qual o destino dos direitos e deveres de uma pessoa após a morte desta, por razões de
convivência social, algumas relações jurídicas não devem se extinguir após a morte do seu
titular, por força da segurança jurídica que é dado às relações que este se vinculou com outras
pessoas. Assim se justifica o fenómeno sucessório, isto é o chamamento de uma ou mais
pessoas que irão suceder ao património da pessoa falecida que sejam titulares daquelas
relações jurídico-patrimoniais susceptíveis de transmissão (art.2024 cc). Mota Pinto, entende
que, em princípio só estão excluídas da sucessão as relações pessoais, isto é, as ligadas
incindivelmente à pessoa do seu titular por natureza ou por força da lei, em virtude de esta as
ter considerada normalmente constituídas intuitu personae (em consideração a pessoa.)1.

O tema deste trabalho, foi escolhido pela necessidade de se conhecer e tornar mais conhecido
o fenómeno sucessório originário da cultura angolana com destaque o da tribo “hanha”, saber
as disparidades e implicações com o fenómeno sucessório à luz do direito positivo Angolano.
Ademais, a questão da herança é um dos muitos temas que clama com urgência uma harmonia
entre o direito positivo de origem europeu, que está formalizado no nosso ordenamento
jurídico, e as práticas costumeiras assentes na cultura angolana de orientação
predominantemente bantu.

O tema é justificado pela importância que o mesmo encerra para os cidadãos em geral, dada a
falta de cultura em fazer-se a partilha da herança nos termos do Direito vigente. De acordo
com a temática em abordagem, definimos como problema científico: Analise ao fenómeno
sucessório: perspectiva jurídico-legal e consuetudinária da vocação sucessória dos vahanhas.
Caso município do Cubal.

 Quais os fundamentos doutrinários e legais que sustentam o fenómeno sucessório:


Perspectiva jurídico-legal e consuetudinária?
1
Carlos de Almeida Mota PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2005, p.168

12
 Qual é a vocação sucessória costumeira dos povos bantu na tribo dos vahanhas?
 Quais as disparidades e implicações com o fenómeno sucessório à luz do direito
positivo Angolano?
 Qual o reconhecimento do costume na vocação sucessória?

Assim, face ao problema levantado traçaram-se os seguintes objectivos;

Geral

 Analisar o fenómeno sucessório: Perspectiva jurídico-legal e consuetudinária da


vocação sucessória dos vahanhas. Caso município do Cubal

Específico

 Descrever os fundamentos doutrinários e legais que sustentam o fenómeno sucessório:


Perspectiva jurídico-legal e consuetudinária.
 Perceber a vocação sucessória costumeira dos povos bantu na tribo dos vahanha
 Saber as disparidades e implicações com o fenómeno sucessório à luz do direito
positivo Angolano.
 Entender o reconhecimento do costume na vocação sucessória

Na presente pesquisa faremos a descrição dos métodos teóricos e empíricos não


descurando as técnicas utilizadas para concretizar os objectivos do nosso estudo, como
também a população sobre a qual recai a respectiva pesquisa.

Para concretização dos objectivos de pesquisa foram fundamentais a utilização dos métodos
teóricos, como histórico-lógico que ajudou a empregar o estudo das distintas etapas e visões
dos autores sobre o fenómeno sucessório no ordenamento jurídico angolano, isto a partir das
opiniões doutrinárias2. Indutivo – dedutivo que serviu para análise de diversas correntes
teóricas durante a pesquisa, induzindo e deduzindo pensamentos ao longo da pesquisa sobre
tudo no processo de construção do referencial teórico 3. Jurídico-comparativo, ajudou a fazer
um estudo comparativo entre a lei e o costume em matéria de sucessões.

Por outro lado, utilizamos o método empírico hermenêutico que nos permitiu compreender
melhor o fenómeno sucessório no ordenamento jurídico angolano. Como se sabe, toda a
2
M. ANDRÉ, Questões sobre os fins e sobre os métodos de pesquisa em Educação. Revista Electrónica de
Educação, São Carlos, SP
3
Ibdem

13
ciência utiliza inúmeras técnicas na obtenção de seus propósitos, no caso, estas técnicas
ajudaram-nos a entender as diferentes posições dos autores sobre o perspectiva jurídico-legal
e consuetudinária da vocação sucessória dos vahanha. Por outro lado, permitiu a busca de
informação bibliográfica, relacionadas com o tema em investigação tornando mais fácil a
construção da fundamentação teórica sobre as sugestões metodológicas para melhor
entendimento da vocação sucessória no ordenamento jurídico angolano, bem como permitiu a
aplicação dos inquéritos por questionário dirigidos a juízes da sala genérica e do cível do
tribunal da comarca de Benguela; questionário dirigidos aos graduados em direito;
questionário dirigidos as populações residentes em Benguela, e entrevista ao Regedor e aos
Sobas.

Para este trabalho optou-se pela pesquisa descritiva-qualitativa que tem como único
propósito descrever condições existentes. Desta feita, este estudo visou descrever sugestões
metodológicas para o entendimento que resulte da interpretação sobre perspectiva jurídico-
legal e consuetudinária da vocação sucessória dos vahanhas.
Para a colecta de dados foram operacionados os seguintes instrumentos:
1. Boletim de inquéritos por questionário dirigidos aos juízes da sala do cível do tribunal
da comarca de Benguela;
2. Boletim de inquéritos por questionário dirigidos aos graduados em direito;
3. Boletim de inquéritos por questionário dirigidos aos indivíduos vahanha residentes no
município de Benguela;
4. Entrevista ao Regedor do município Cubal na comuna da Capupa.

Para a realização do estudo supramencionado, contamos como população o total de 13


pessoas, dos quais 5 graduados em direito, 5 pessoas da cultura hanha residentes no município
de Benguela, 2 Juízes da sala do Cível do Tribunal da comarca de Benguela, 1 regedor da
comuna da Capupa.

Assim, este trabalho de fim do curso está organizado em quatro (3) Capítulos, cujo conteúdo é
apresentado em seguida:

No 1º Capítulo apresentamos breve incursão histórica do fenómeno sucessório. no 2º


Capítulo. A vocação sucessória; no 3º Capítulo apresentação, análise e interpretação dos
resultados obtidos.

14
CAPÍTULO I – FUNDAMENTO TEÓRICO

1.1 Evolução histórica


A transmissão das relações jurídicas patrimoniais para outrem por força da morte do seu
titular, não é um fenómeno recente, pois, foi sempre reconhecido como um direito de caracter
consuetudinário desde as civilizações mais antigas, tais como o antigo Egipto, Babilónia, o
povo Hebreu, direito Romano, etc., operando-se este fenómeno de forma diferente para cada
realidade.
O direito sucessório tem origem remota, desde que o homem deixou de ser nómade e
começou a amealhar património. Os bens que antes eram comuns passaram a pertencer a
quem deles se apropriou.4 Pela análise histórica, sociológica e antropológica adquiriu-se a tese
da anterioridade da propriedade colectiva dos principais bens sobre a propriedade individual
nas sociedades primitivas, ora, esta anterioridade tinha como consequência, em matéria de
direito sucessório, que os bens comunitários e mesmo os bens pessoais verdadeiramente, não
se transmitiam aos sucessores das pessoas falecidas mas apenas que os sucessores ascendiam
à posição jurídico-política do falecido, dentro da gens. Assim, nas sociedades primitivas, os
principais bens pertenciam indivisivelmente à tribo ou à gens e em vez de serem os bens
concretamente transmitidos ou devolvidos aos sucessores, eram estes que iam entrar no
círculo de bens, sub-ingressando em determinadas posições jurídicas. Assistimos nestas
sociedades, frequentemente, a existência de um direito de carácter materno em que a
transmissão dos bens se fazia por via do parentesco definido por linha feminina e em que os
descendentes do homem não eram verdadeiramente sucessores deste, por que pertenciam
antes à família gentílica de sua mãe.
A transição de um sistema de propriedade colectiva para um sistema de propriedade
individual veio a ter profundas consequências no fenómeno sucessório. No sistema de
propriedade colectiva, os bens eram fundamentalmente, bens apropriados directamente da
natureza. Mas o sistema económico evoluiu com o desenvolvimento da agricultura, e
sobretudo, da pastorícia, vamos encontrar gradualmente a institucionalização de princípio da
chefia e o predomínio do chefe de família, o qual antepondo os seus próprios interesses aos da
gens. Esta progressiva supremacia do homem no seio familiar dá origem a um sistema
monogâmico em que a propriedade privada se consolida e em que a própria trasmissão dos
bens deverá ter lugar através da certeza da descendência legítima dos chefes de família. E

4
Maria Berenice DIAS, Manual das Sucessões, 8ªEdição,Editora Juspodivm,2022,p.46

15
assim, o casamento torna-se indissolúvel, institucionaliza-se a supremacia do homem sobre a
mulher, garante-se uma filiação conhecida do chefe de família, para este poder transmitir os
bens do seu património aos descendentes legítimos.
É daí que o próprio fenómeno sucessório vá ter lugar em moldes diferentes. Agora já não se
trata de uma certa pessoa ir assumir a posição jurídico-política de um páter-famílias no seio
de uma sociedade gentílica, mas de um património privado dum chefe de família passar para
os seus sucessores como manifestação da vontade desse autor da herança na determinação das
pessoas em relação às quais ele quer transmitir o seu património, esta transição da propriedade
colectiva para propriedade individual e respectivas sequelas familiares e sucessórias é
observável na antiga Roma. Na antiga Germânia, vamos encontrar, até muito mais tarde, um
sistema de propriedade de mão comum, de propriedade colectiva, em que os bens competiam
a todas pessoas da comunidade gentílica, não havendo uma fracção determinada nem se quer
uma quota-parte pertencente a cada um dos membros que a compunham. E daí que o próprio
fenómeno sucessório se processe através duma sucessão de pessoas numa certa posição
jurídica, o que não envolvia uma verdadeira transmissão de bens determinados. Por outro
lado, dado ao caracter eminentemente colectivo da propriedade, o de cuius não podia dispor
por testamento dos seus próprios bens. Aliás, o testamento era desconhecido na Germânia. 5
Importa referir que os institutos jurídicos romanos moldaram o Direito Ocidental, e por via
disso os actuais ordenamentos jurídicos Africanos.6 Duas linhas de evolução se registam, pois,
desde a Antiguidade, passando pela Idade Média, no tocante aos critérios de designação ou de
chamamento dos sucessores à herança. Uma linha, correspondente a evolução conhecida dos
direitos germânicos, parte da propriedade familiar e da sucessão reservada aos membros da
família para um reconhecimento posterior da liberdade de dispor de uma quota da herança.
Outra linha, correspondendo a evolução conhecida do direito romano e dos povos latinizados,
parte da total liberdade de testar para o estabelecimento ulterior de restrições em ordem a dar
cumprimento ao dever de auxílio e assistência aos familiares, assim surgindo a legítima.
Tanto na Germânia, como em Roma o testamento começou por não existir. Comparando o
direito germânico com o direito romano, pode descobrir-se a razão deste desconhecimento: os
Germanos não tinham, no seu direito, o instituto da “pátria potesta”, um poder absoluto e
unitário, pessoal e patrimonial, concentrado nas mãos do “pater” e com base no qual este
podia dispor, por morte, dos bens da família. Mas também em Direito Romano o testamento,

5
Rabindranath Capelo SOUSA, Lições de Direito das Sucessões, 2ªEdição, Coimbra Editora, 1984,p.112-115.
6
Mota PINTO, Teoria Geral do Direito Civil; op.cit.p. 170

16
expressão do poder de disposição patrimonial do pater é tardio. A sucessão legítima terá
dominado os primeiros tempos em Roma como vimos anteriormente. Em todas sociedades,
indo-europeias os familiares viviam em comunhão patrimonial (propriedade de mão comum
ou de tipo germânico). Era a unidade familiar, a proprietária dos bens; as alterações na
composição interna dessa unidade não implicavam qualquer fenómeno sucessório, pois a
unidade familiar era sempre a mesma. Nem se pode falar aqui de um direito de acrescer dos
sobreviventes, pois os membros do agregado familiar eram comproprietários ou titulares de
quotas ideais. Em Roma, foi com a confirmação da pátria potestas que o património familiar
se transformou em património do pater e este passou a poder dispor dele também mortis-
causa.. O interesse, social e juridicamente relevante, dos familiares mais próximos, levou, no
direito da Alta Idade Média, a limitar o poder de dispor. A conciliação entre a tradição
germânica da propriedade familiar e a sucessão testamentário romana, levou a separar o
património do “de cuius” em duas massas, uma de livre disposição, outra de devolução
forçada aos parentes próximos.7

1.2.Conceito de Direito Sucessório


Etimologicamente, a palavra sucessão adveio do termo latino sucessio, que deriva por sua vez
do verbo sucedere (ir para debaixo de, vir de baixo de, vir para o lugar de, tomar o lugar de,
vir depois, vir em seguida). Enquanto ramo do Direito, é certo que o Direito das Sucessões
corresponde ao conjunto de normas que regulam a instituição «Sucessão», entendida como
sucessão por morte.8 A sucessão mortis causa é objecto do Direito das Sucessões, que no qual
se disciplinam as relações jurídicas de uma pessoa depois da morte. 9 Direito das sucessões,
em sentido objectivo, é o conjunto de normas reguladoras da transmissão dos bens e
obrigações de um individuo em consequência de sua morte. No sentido subjectivo, mais
propriamente se diria, direito de suceder, isto é, de receber o acervo hereditário de um
defunto.10 O direito das Sucessões, enquanto conjunto de normas jurídicas de Direito Privado,
regula as relações inerentes à morte de alguém, morte esta que vem impor a necessidade de

7
Diogo leite de CAMPOS & Mónica Martinez de CAMPOS Lições de direito das sucessões, Vol. 1, Almedina
Editora, 2017 p.9.
8
Jorge Duarte PINHEIRO, O Direito das Sucessões Contemporâneo, 2ªedição/2ªReimpressão, AAFDL Editora,
2017.p.15
9
Jorge Carlos Moreira ALVES, Direito Romano,18ªEdição Revista, Editora Forense,2027, p.703
10
Carlos MAXIMILIANO, Direito das Sucessões,2ªEdição, Editora Freitas Bastos,1942,p.2

17
determinar o destino a atribuir ao património do falecido e de alguns direitos pessoais, normas
estas que constituem o Direito das Sucessões.11
O Código Civil apresenta-nos o seguinte conceito: Diz-se sucessão o chamamento de uma ou
mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a
consequente devolução dos bens que a este pertenciam. 12 Todavia, se a noção legal tem a
vantagem de indicar uma certa dinâmica do fenómeno sucessório, traz consigo também
diversos inconvenientes, por restringir o conceito de sucessão à sucessão mortis causa sem
declarar no início do artigo que era só esta última que se pretendia esboçar, iniciando, pelo
contrário, o artigo com a expressão «diz-se sucessão». Ora, a ideia sucessória inter vivos tem
interesse e significado material em diversas situações, nomeadamente, na cessão de crédito,
na assunção de dívidas, e na cessão da posição contratual. Por outro lado, a noção legal de
sucessão é criticável por não abarcar todo fenómeno sucessório e apenas se fixar no
chamamento e na consequente devolução dos bens. Mas perguntar-se-á então, em caso de
repúdio da herança ou de herança insolvente ou danosa não há sucessão? A sucessão não
implicará o subingresso nos elementos passivos (obrigações ou dívidas) do património? Não é
mais correcto, para designar os elementos activos do património, a expressão bens ou
direitos? Porque emprega o legislador a expressão devolução dos bens quando anteriormente
se referiu a relações jurídicas patrimoniais? Não deixará a noção legal na sombra a abertura e
a aceitação da sucessão, momentos relevantíssimos do fenómeno sucessório? É também
criticável, porque a lei emprega por diversas vezes, a ideia a expressão de transmissão bem
como a de aquisição por morte, levantando-se em alguns casos a dúvidas de saber se se há ou
não há aí sucessão, e, neste último caso, regulada ou não nos termos do Livro V do Código
Civil. Por último, parece-nos haver contradição, ou, no mínimo, desajustamento, de critério de
13
fixação de objecto da sucessão, face ao disposto no art.2024.º e no n.º 1 do art.2025.º com
efeito, pela primeira disposição o objecto é constituído pelas relações patrimoniais, enquanto
pela segunda a contrário, o objecto reside nas relações jurídicas que não devam extinguir-se
14
por morte do respectivo titular, as quais são a regra geral.
Extinguindo a personalidade jurídica do falecido, a morte abre uma crise nas relações
jurídicas de que ele era titular e que devem sobreviver-lhe. Essas relações desligam-se do seu
11
Marta FALCÃO & Miguel Diniz Pestana SERRA, Direito das Sucessões. Da teoria à prática, 2ª Edição,
Almedina, 2018,p.17
12
Artigo 2024º. Do Código Civil.
13
Sempre que sejam citados artigos, sem indicação expressa do diploma a que pertencem, a menção reporta-se
ao Código Civil.
14
Rabindranath Capelo de SOUSA, in Lições de Direito da Sucessões,p.25 e26,2º edição, Coimbra
Editora,Limitada.Ano:1984.

18
primitivo sujeito, à morte deste, e até que se liguem a novo sujeito é necessário que ocorra ou
há a possibilidade de que ocorra uma série de actos ou factos que se encandeiam num
processo mais ou menos longo. É o complexo destes actos ou factos, comummente designado
por fenómeno sucessório ou fenómeno da sucessão por morte, que constitue objecto do
Direito das Sucessões.15 O fenómeno sucessão ou transmissão, tomadas estas palavras como
sinónimo, implica a manutenção do direito em relação ao qual se verifica a referida
substituição da pessoa do seu titular. Ao transmitir-se, o direito não se estingue, mais do que
isso, matem-se o mesmo.16 Proença, estabelece uma distinção entre o conceito normativo
assente na norma e conceito sociológico assente em situações sociais. O primeiro refere-se
essencialmente a regulamentação legal da situação criada pela morte de alguém, quanto ao
destino a dar ao seu património. O segundo preocupa-se em especial com a concretização
socio-jurídica da situação resultante da quebra dos vínculos jurídicos que uniam o falecido
antes da morte aos valores que integram o seu património.17

1.3.Vocação Sucessória
Vocação sucessória é o chamamento de herdeiros ou legatários à titularidade das relações
jurídicas transmissíveis do falecido.18 Vocação sucessória é o chamamento à sucessão no
momento da morte do de cuius feito pela lei ou por força de negócio jurídico do titular da
designação sucessória prevalente.19 Vocação ou chamamento, traduz-se na atribuição ao
sucessível do direito de suceder, ou ius delationis.20 A vocação consistiria no chamamento
dos sucessíveis e inerente atribuição do direito de suceder, do direito de aceitar ou repudiar a
herança ou legado.21 A vocação sucessória é o chamamento dos sucessíveis (herdeiros e
legatários) à titularidade das relações jurídicas transmissíveis do falecido art.2032.º CC. Quer
a abertura de sucessão, quer a vocação sucessória, ocorrem no momento da morte do de cujus.
Porém, é a abertura da sucessão que dá origem ao chamamento.

15
Pereira Coelho, Direito das Sucessões, lições ao curso de 1973-1974,Coimbra,1992,p.4
16
Luís Carvalho FERNANDES, Lições de Direito das Sucessões, 4ªEdição, Quid Juris Sociedade Editora,
2012,p.53
17
José João GONÇALVES, Direito das Sucessões, 3ªEdição Revista e Actualizada, Quid Juris Sociedade
Editora,2009, p.10
18
Capelo de SOUSA, op.cit. p.201.
19
Cristina Araújo DIAS, Lições de Direito das Sucessões, 5ªEdição, Almedina Editora,2016. p.49
20
Jorge Duarte PINHEIRO, op.cit.p.188.
21
Carlos Pamplona CORTE-REAL, Curso de Direito das Sucessões, Quid iuris Sociedade Editora Ld,2012,
p.191

19
Assim, só depois de aberta a sucessão, com a morte do de cujos e a desvinculação da
titularidade das suas relações jurídicas, que passam a estar predispostas a ter um novo titular,
é que se procede ao chamamento dos sucessíveis. A vocação de um sucessível pode operar-se
de modos diferentes: de modo originário ou subsequente. Ela é normalmente originária
2032.ºCC, aberta a sucessão serão chamados originariamente à titularidade das relações
jurídicas do falecido aqueles que gozam da prioridade na hierarquia dos sucessíveis, desde
que tenham a necessária capacidade. Mas pode acontecer que os primeiros sucessíveis não
queiram ou não possam aceitar (2032º/2). São então chamados, em momento ulterior ao da
abertura da sucessão, os sucessíveis subsequentes. Importa ainda determinar, qual a posição
jurídica atribuída ao chamado por efeito do chamamento, têm sido tomadas duas posições: a
da aquisição “ipso iuri” e da aquisição mediante aceitação. Segundo a doutrina da aquisição
ipso iuri, o chamado adquire os bens por efeito da vocação; passando a ser titular dos direitos
e obrigações que pertenciam ao de cuius. A aceitação, sempre que necessária tem efeito
meramente confirmativo; o aceitante consolida definitivamente os bens, renunciado a repudia-
los. Os bens entraram pela porta aberta da esfera jurídica do sucessor; este, ao aceitar, limita-
se a fechar essa porta sobre os bens, confirmando definitivamente a presença dos bens nessa
esfera jurídica.

O repúdio, faz sair do património do sucessor, os bens que aí tinham entrado. Para a doutrina
da aquisição mediante aceitação, esta última tem efeito constitutivo. A aquisição sucessória
dá-se por força da aceitação. Com a vocação, o chamado ganha unicamente o direito de
aceitar ou de repudiar os direitos e obrigações do de cuius; que são adquiridos só com a
aceitação. Antes desta, os bens estão à entrada da esfera jurídica do sucessor, só entrando
nesta, mediante aceitação. Nestes termos o repúdio não tem sentido de rejeição da esfera
jurídica do sucessor dos bens que ali já tinham entrado, mas só de impedir a entrada dos bens
nesta esfera jurídica consolidando a sua estraneidade. É esta a doutrina que resulta do artigo
2050º nº1 do cód. Civil, segundo o qual o domínio e posse dos bens se adquirem pela
aceitação.

Ao acrescentar que o domínio e posse dos bens se adquirem sem necessidade da sua
apreensão material, o art.2050 C.C, permite que a posse se transfira independentemente do
corpus, pelo simples facto do acto jurídico da aceitação. As consequências práticas das duas
doutrinas, não são tão diversas como poderia supor-se, dado que, tendo a aceitação aquisição

20
retroactiva, a eficácia dos bens, sempre se opera juridicamente no momento da abertura da
sucessão. Contudo, algumas consequências práticas sempre existem.22

Assim, no nosso OJ, o chamamento não atribui automaticamente ao chamado a aquisição dos
bens, conferindo-lhe antes o direito de aceitar ou repudiar a herança. É este o direito central
da posição jurídica que a vocação atribui ao chamado. Mediante o exercício deste direito,
mediante a aceitação da herança, o chamado ingressa na titularidade das relações jurídicas do
de cujus. O conteúdo da vocação é o seguinte: ela coloca aqueles bens ou direitos à disposição
do chamado, em termos de a aquisição dos direitos hereditários depender apenas de um acto
da sua vontade. O chamamento não atribui automaticamente ao chamado a aquisição dos
bens, conferindo-lhe antes o direito de aceitar ou repudiar a herança.

1.4.Capacidade Sucessória
É a idoneidade para ser destinatário de uma vocação sucessória, da aptidão para ser chamado a suceder
como herdeiro ou como legatário. 23 Em sentido amplo designa a idoneidade para ser chamado a
suceder como herdeiro ou como legatário de toda e qualquer pessoa, e para ser chamado a suceder
como herdeiro ou legatário de certa pessoa. Em sentido restrito, a capacidade sucessória traduz
unicamente a idoneidade para ser chamado a suceder como herdeiro ou legatário de toda e qualquer
pessoa.24 Para haver vocação é necessário a morte, mas aponta-se a titularidade da designação
sucessória prevalente no momento da morte, a existência existência do chamado, e a
capacidade sucessória como pressupostos da vocação. O artigo 2032º CC dispõe que, aberta a
sucessão, serão chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido aqueles que gozam
de prioridade na hierarquia dos sucessíveis, desde que tenham a necessária capacidade.
Assim, o chamado é o titular da designação sucessória prevalecente no momento da morte do
de cujos, desde que exista e tenha capacidade sucessória. A designação sucessória pode ter
lugar por vários títulos sucessórios, o que implica a vocação sucessória de diversas pessoas
por títulos sucessórios diferentes. Por outro lado, o mesmo título sucessório pode abranger
várias pessoas. Contudo, nem todas as designações sucessórias se convertem em vocação. Só
são chamados como sucessíveis os designados que gozem de prioridade na hierarquia dos
sucessíveis.

22
Diogo Leite de CAMPOS & Mónica Martinez de CAMPOS, Lições de direito das sucessões, 2017. p.95
23
Pereira COELHO, op.cit. p.2010
24
Jorge Duarte PINHEIRO, op.cit.p.194.

21
Para ser chamado à sucessão, o titular da designação prevalente não só há-de existir como há-
de ainda ser capaz, ou seja, capaz de suceder ao de cujos no momento da morte deste. A
capacidade sucessória é a capacidade para ser chamado à sucessão, isto é, a idoneidade para
ser chamado a suceder, como herdeiros ou como legatário. A capacidade civil abrange a
capacidade sucessória art.67º (susceptibilidade de ser sujeito de quaisquer relação jurídica).
Só que a capacidade sucessória é mais lata que a capacidade jurídica geral.

Assim, não só as pessoas nascidas completamente e com vida têm capacidade sucessória, mas
também têm os nascituros já concebidos e os nascituros ainda não concebidos. Não valem
para a vocação sucessória, as incapacidades de gozo e de exercício, o que significa que os
menores, os interditos e os inabilitados têm capacidade sucessória. Quanto às pessoas
colectivas: a sua capacidade jurídica está limitada pelo princípio da especialidade do fim
(160º). Quanto à capacidade sucessória o (2033º/2) atribui expressamente capacidade
sucessória às pessoas colectivas e às sociedades, na sucessão testamentária e contratual. A
regra geral é a capacidade sucessória, e as excepções estão consagradas na lei.

22
CAPÍTULO II – FENÓMENO SUCESSÓRIO: PERSPECTIVA
JURÍDICO-LEGAL E CONSUETUDINÁRIA
2.1 Modalidades sucessória legal
Relativamente a classificação das espécies de sucessões mortis causa há que ter em conta dois
critérios: em primeiro lugar, um critério que atende à fonte da vocação sucessória e, em
segundo lugar, um critério que respeita ao objecto da sucessão. 25 Conforme o disposto no
artigo 2026º, os títulos de vocação sucessória são: Lei; Testamento; Contrato. Neste
enquadramento, a doutrina vem distinguindo dois tipos de sucessão mortis causa: a sucessão
legal e a sucessão voluntária. A sucessão legal é aquela que decorre da lei, defere-se por força
duma disposição normativa de carácter legal e a sucessão voluntária depende de um acto
voluntário do de cuius. Por sua vez, a sucessão legal conhece duas subespécies, ou seja, a
sucessão legítima, deferida por lei supletiva e a sucessão legitimária ou forçosa, deferida da
lei imperativa art.2027.º.26 Examinando este critério, do ponto de vista das normas que regem
estas duas modalidades de sucessão, pode de imediato ser avançado uma nota adicional, que
não passa afinal de um colorário dele. Se à vontade do de cuius é reconhecida, quanto aos
sucessíveis legítimos, a relevância de os apartar da sucessão, isso só pode significar que em
geral, as correspondentes normas têm natureza supletiva.27

2.1.1 Sucessão legitimária

A palavra legítima tanto pode ser empregada no sentido objectivo, como no sentido subjectivo
da porção que toca concretamente ao sucessível. Se há vários sucessíveis, a legítima objectiva
é a legítima global e a subjectiva, a de cada um dos interessados. A sucessão legitimária tem
por objecto a parte do património hereditário de que o de cuius não pode dispor, por a lei o
reservar para certa ou certas pessoas que deseja proteger contra o poder de disposição do autor
da sucessão.28 A sucessão legitimária, é deferida por lei e não pode ser afastada pela vontade
do autor da sucessão, art.º. 2156º. No conjunto dos bens do de cujus, podem distinguir-se duas
porções de bens:

25
Capelo de SOUSA, Lições de Direito das Sucessões, , 2.ªEdição, Coimbra Editora Limitada,1984,p.33
26
Ibidem.
27
Carvalho FERNANDES,op.cit.p.82
28
Inocêncio Galvão TELLES, Sucessão Legítima e Sucessão Legitimária, Coimbra Editora,2004,p.46

23
 Quota legítima ou indisponível – porção de bens, que varia nos termos dos arts.
2158º a 2161º, de que o autor da sucessão não pode dispor, por estar destinada aos,
descendentes e ascendentes, enquanto herdeiros legitimários.
 Quota disponível – porção de bens de que o autor da sucessão pode dispor a favor de
quem entender.

Havendo herdeiros legitimários, os poderes de disposição do autor da sucessão estão


limitados, dado que este não pode afectar a porção de bens que caberá a tais herdeiros.
Discute-se a natureza da legítima, variando consoante os ordenamentos jurídicos. No
ordenamento jurídico germânico, a legítima apresenta-se como um direito de crédito, ou seja,
o direito dos legitimários, de exigirem dos herdeiros em geral que lhes deixem usar e fruir
como própria, determinada quota hereditária, a legítima. Diferentemente, nos ordenamentos
jurídicos latinos, pelo menos no português, a legítima apresenta-se como uma quota
hereditária pertencente aos herdeiros legitimários, que a gozam e detêm como coisa sua. 29

2.1.2 Sucessão Legítima

A sucessão legítima constitui, como sabemos, uma das modalidades da sucessão legal, que se
verifica quando o título de vocação sucessória é a própria lei. 30 Pode ser afastada pela
vontade do autor da sucessão. Conforme o disposto no art.º. 2131º, são chamados à sucessão
os herdeiros legítimos se o falecido não tiver disposto válida e eficazmente, no todo ou em
parte, dos bens de que podia dispor para depois da morte. É a resultante da lei nos casos de
ausência, nulidade ou anulabilidade ou caducidade do testamento, passando o património do
falecido às pessoas indicadas pela lei, obedecendo à ordem de vocação hereditária. 31 A
sucessão legítima, é também afastada pela existência de sucessores legitimários, ainda que,
neste caso, isso se verifique necessariamente, só em relação a uma parte da herança. 32 Ainda
quando o falecido tenha disposto dos seus bens para depois da sua morte, pode haver lugar à
sucessão legítima quanto aos bens não testados. Durante séculos vigorou entre nós, como
noutros países a regra romanista segundo a qual, não se podia morrer em parte intestado, o
que significava praticamente que se alguém fizesse testamento, ainda que parcial, o
testamento abrangia toda a herança, inclusive a quota legitimária.33
29
Ibdem,p.46
30
PROENÇA,op.cit.p.91
31
Maria Helena DINIZ, curso de Direito Civil Brasileiro, Direito das sucessões, vol.6,28ªEdição:Saraiva
Jur,2015,p.33
32
Luís Carvalho FERNANDES,op.cit.p.82
33
TELLES,op.cit.p.16

24
2.2.3.Sucessão Testamentária

O testamento constitue um facto designativo negocial que está na base da sucessão


testamentária. Pinheiro, citando Oliveiveira Ascensão, define o testamento como um negócio
jurídico unilateral pelo qual alguém procede a disposição da última vontade. 34 É da essência
do testamento, não só a unilateralidade, ou seja, a existência de uma única parte, de um único
centro de interesses, como também a livre revogabilidade, a qual legitima a afirmação de que
o testamento é uma disposição de última vontade. 35 É na essência um acto de disposição
patrimonial para depois da morte, ao serviço do direito de propriedade e dos outros direitos
sobre coisas que não se extinguem à morte do titular. Mas nada impede que nele se insiram
também disposições não patrimoniais, desde que algum preceito legal o consista ou consintam
os usos da comunidade.36 A sucessão testamentária incidirá, havendo herdeiros legitimários,
sobre a quota disponível do autor da sucessão ou, caso não existam herdeiros legitimários,
sobre toda a herança. Tem por base um testamento, definido no art.º. 2179º/1 como o acto
unilateral revogável pelo qual uma pessoa dispõe, para depois da morte, de todos os seus bens
ou de parte deles.

2.2 Sucessão na perspectiva Costumeira


2.2.1. O costume- Noção e Elementos

A doutrina romano-germânica continua a designar o Ordenamento Jurídico Ancestral dos


Povos sem escrita como sendo Direito Costumeiro, ou seja, do direito que vem do costume,
tal-qualmente Roma o baptizou faz séculos ao dar-lhe a designação de Direito
Consuetudinário, palavra que vem da expressão Consuetudo, que quer dizer costume em
latim. O direito positivo em vigor no ocidente (com destaque para o de Portugal) e que
Angola adopta vem, todo ele, do Direito Romano 37. O costume, no sentido estrito do termo,
como fonte de direito, aparece-nos definido pelos autores como uma prática social, reiterada,
uniforme e constante, seguida com a convicção da sua obrigatoriedade. Integram-no, assim,
dois momentos ou elementos: um primeiro, factual e externo, que se manifesta através da
repetição constante e uniforme de certos actos, o uso; um segundo, psicológico e interno, que
se traduz no convencimento de que a prática seguida corresponde a um imperativo jurídico
(convicção de obrigatoriedade). Se a prática não é reiterada e constante, teremos, quando
34
PINHEIRO, op.cit.p.83
35
CORTE-REAL, op.
36
TELLES, Sucessão testamentária, Coimbra Editora, 2016,p.16
37
António Francisco Adão CORTEZ, Direito costumeiro e o poder tradicional dos povos de Angola,p.43.

25
muito, simples atitudes ou comportamentos sociais; se a prática é constante e reiterada, mas
não acompanhada da convicção da sua obrigatoriedade, estaremos caídos no domínio dos
simples usos sociais. O costume é base dos Direitos primitivos, que não dispunham ainda de
órgãos especializados para a elaboração do Direito. 38 Nas comunidades rurais, desde os
tempos primitivos que o costume vem formando Direito. É frequente verificar-se no meio
rural angolano, ao longo dos anos, a transmissão aos mais novos, através dos Sobas e demais
anciãos, de práticas e hábitos que vão pautando a conduta do homem dentro da comunidade. 39
Segundo Max Weber, o costume, na sua acepção primária, significará uma regra não
externamente garantida, a que o agente de facto se atém livremente, quer apenas de modo
inconsiderado, quer por comodidade, ou quaisquer outros motivos, e cuja observância
possível pode, em virtude de tais motivos, esperar de outros indivíduos que pertencem ao
mesmo círculo. Acresce que a estabilidade do simples costume baseia-se essencialmente no
facto de que quem por ele não orienta a sua acção age de modo desajustado, e deve, por essa
razão, aceitar de antemão pequenas e grandes incomodidades e inconvenientes enquanto a
acção da maioria pertencente ao seu meio ambiente contar com a subsistência do costume e a
ele se ajustar.40 A questão da obrigatoriedade do costume está relacionada com a sua
legitimidade, isto é, como gera a sua aceitação no seio da comunidade, tornando-se mesmo de
cumprimento obrigatório pelos membros desta. Inocêncio Galvão Telles refere três tipos de
construção dos fundamentos dessa obrigatoriedade do costume ao nível doutrinário. A
primeira construção é a que vê a obrigatoriedade do costume pelo facto de o mesmo ter
proveniência no aspecto volitivo do legislador; aqui o costume só tem validade jurídica
porque é obra do legislador, o Direito seria criado por duas vias, a directa pela lei e a indirecta
pelo costume; a segunda construção encara a obrigatoriedade do costume pelo facto do Estado
o autorizar, isto é, ainda que se verifiquem os seus requisitos essenciais, é o Estado que lhe dá
o cunho de juridicidade; a última construção encara a obrigatoriedade do costume, a sua
legitimidade, por ser um produto da consciência social, por ser um elemento do foro
psicológico dos membros que compõem a comunidade. 41 O costume como fonte de Direito,
varia ao longo da história. Nas sociedades primitivas, constituiu a única fonte, depois quando

38
Carlos Alberto Burity da SILVA Teoria Geral do Direito Civil, 2ºedição, p.38
39
Adilson das Necessidades Ricardo RODRIGUES Reflexões sobre a influência do Direito costumeiro no
Direito administrativo Angolano à luz da Constituição da República de Angola de 2010, p.3-5
40
Max WEBER, Conceitos Sociológicos Fundamentais, tradução de Artur Morão, Lisboa Edições, 2015,p.52
41
Inocêncio Galvão, TELLES Introdução ao Estudo do Direito,vol.1, Coimbra Editora,1999,pp.120.

26
a lei surgiu, coexistiram durante muito tempo, e finalmente o legislador não resistiu a tentação
de o limitar e recusar.42

2.2.2 O costume como fonte primária do Direito na ordem jurídica Angolana

Os objectivos socio-económicos da colonização, fortemente amparados pela sujeição política,


militar linguística e cultural de Angola à Portugal e aos interesses das metrópoles ocidentais,
além de não permitirem, tornaram-se obstáculos, dir-se-ia intransponíveis a que em Angola
nascesse ou pudesse nascer um processo autónomo de desenvolvimento.43As instituições de
Direito Costumeiro e do Poder Tradicional dos povos de Angola, encontram-se, actualmente,
mesmo depois de mais de três décadas de independência do colonialismo, num momento de
abandono e desprezo. As políticas no campo das mudanças sociais são direccionadas no
sentido de exclusão e marginalização das identidades culturais dos povos e Autoridades
Tradicionais de Angola, privilegiando claramente a perpetuação dos valores do ocidente e
deixando despersonalizados os povos de Angola. 44 Na generalidade dos países africanos, por
motivos relacionados à colonização e as tradições próprias daqueles povos, vigoram naqueles
ordenamentos jurídicos mais do que um ordenamento jurídico, razão pela qual são
comummente designados como sistemas jurídicos híbridos.45 Segundo Clementino Balsa46, em
Angola o costume nunca deixou de estar na base e de constituir uma componente social e
cultural com inequívoca relevância na dinâmica da vida dos angolanos. No entanto, várias
vertentes de tratamento podemos configurar o costume, no que toca ao reconhecimento, como
fonte de Direito, na sua relação costume e a lei e na sua consagração ou referência
infraconstitucional. Ao ver de Adalberto Luacuti47, do ponto de vista do Direito Africano em
geral, e do Direito Angolano em particular, revogou-se a ideia segundo a qual o costume
podia ser contra, segundo ou para além da lei, ou seja, a validade do costume não está
condicionada pela lei, mas sim pela CADHP, pela CRA e pela dignidade da pessoa humana,
como constatamos no art.7º. CRA. Pelo que, segundo este mesmo autor, vivemos um erro
epistemológico colectivo de condicionar o costume à lei, bem como de ter ensinado e
continuar a ensinar que o costume depende da lei na tripla dimensão: costume contra legem;
42
A. Santos JUSTO, Introdução ao estudo do Direito, 6ª Edição, Coimbra Editora,2012,p.213
43
Chico ADÃO, Direito costumeiro e o poder tradicional dos povos de Angola,vol.1, p.30,31
44
Ibidem.
45
Plataforma JLAW-elaborado por Clementino João Tiago BALSA, algumas notas sobre os tribunais
consuetudinários: entre o pluralismo jurídico e a humildade da lei n.º 18/21 de 16 de agosto - lei da revisão
constitucional - primeira revisão/2021.
46
Ibidem, p.323
47
Citado por Clementino BALSA,op.cit. p.324

27
costume secundum legem; costume praeter legem. Propondo que o costume, no Direito
Africano, deve ser entendido com base no seguinte triângulo: costume contra CADHP e a
dignidade da pessoa humana; costume secundum a CADHP e a dignidade da pessoa humana;
e costume praeter CADHP e a dignidade da pessoa humana. E à luz do Direito Angolano,
entende que o costume deve ser classificado em três perspectivas: Costume contra a
Constituição e a dignidade da pessoa humana; Costume segundo a Constituição e a dignidade
da pessoa humana; Costume para além da Constituição e a dignidade da pessoa humana. O
que significa que em caso de conflito entre as normas costumeiras e as normas estatais
prevalecerá o direito aplicável ao caso sub judice.48

2.3 O povo vahanha: Localização e sucessão

O município do Cubal, que é considerado a capital da hanha, situa-se a Leste da sede capital
da Província de Benguela e dista a cerca de 150 quilómetros, limita-se a Norte com munício
do Bocoio a Sul com os municípios de Chongoroi e Caluquembe, a Este com o município da
Ganda e a Oeste com o município de Caimbambo.

O seu clima é do tipo mesotérmico com regime hídrico, moderadamente chuvoso, com
temperaturas médias durante o tempo seco (Maio à Setembro) entre 22º à 25º. Os solos
dominantes são luminosos e muito férteis, interrompidos por uma vegetação mediante
arborização de floresta aberta. Os principais recursos naturais existentes são: o granito,
basalto, ferro, talco, cobalto e as bacias hidrográficas dos rios Cubal da Hanha e Cubal da
Ganda, Coporolo e Catumbela.49

Vivem no município mais de 345.365 habitantes, equivalentes a 61.126 famílias, de acordo


com os resultados do último Censo Geral da População e Habitação, realizado em 2014, pelo
executivo Angolano, distribuídos da seguinte forma: Sede e arredores vivem 166.823
habitantes; Comuna da Capupa 63.400 habitantes; Comuna da Yambala 51.147 habitantes;
Comuna do Tumbulo 24.264 habitantes.

48
Clementino BALSA, op.cit. p.325
49
Administração Municipal do Cubal

28
2.3.1 A Sucessão no Povo Hanha

As organizações sociais bantu, baseadas na consanguinidade real ou mística, exigem um meio


de transmissão, de herança e de preferência que as liguem a uma das genealogias biológicas
que toda pessoa recebe ou transmite: a paterna e materna. As sociedades humanas adoptam
um sistema de descendência, cujo ponto de referência se situa num dos progenitores ou em
ambos. Na África bantu, o sistema de descendência ou parentesco é unilinear ou unilateral.
Existem, pois, dois sistemas: o patrilinear e o matrilinear. A descendência está ligada a uma
só linhagem.50 Uma das razões para instaurar este sistema de linhagem, pode ter sido a divisão
de trabalho por sexo. Segundo Raúl Altuna,51 O homem caça e defende; a mulher colhe frutos,
pequenos animais, cozinha e cuida dos filhos. Ambos os sexos são necessários,
imprescindíveis. Os bantu da África central e ocidental, sedentários e agricultores, seguem em
geral o sistema Matrilinear. Enquanto no sistema Patrilinear o filho pertence à família do pai,
ou seja, o sistema reagrupa os descendentes, por via masculina, de um antepassado varão,
conhecido ou místico, o estado social e os bens são herdados por linha paterna, no sistema
Matrilinear a descendência passa através das mulheres. Luc de Heusch, 52 Explica a hipótese
de que a origem do sistema matrilinear teria nascido da crença numa situação incestuosa
simbólica, na qual o tio materno seria considerado o pai ideal, para evitar o incesto, que se
tornaria inevitável, cede os direitos sexuais sobre a sua irmã, a um homem estranho de outra
linhagem. Neste sistema, considera-se o marido como um estranho, na casa e linhagem da
esposa, dado que a comunidade verdadeira do marido é a sua família materna. Na casa da
mulher e dos filhos não tem um estado reconhecido. Os filhos pertencem à família materna e
o pai, para todos os efeitos sociais e religiosos, é o tio materno uterino. 53 os filhos não herdam
directamente do pai. À herança do tio materno, passa o sobrinho, primogénito de sua irmã
uterina mais velha ou para o seu irmão uterino, e as chefias para o sobrinho do chefe falecido,
o primogénito da irmã uterina mais velha. A autoridade paternal pertence ao tio materno
uterino mais velho que faz o papel de verdadeiro pai, de protector masculino da mãe, de
cabeça da família. Se morre, os irmãos herdam o cargo. 54 O grupo vahanha, entende a
sucessão como sendo aquela em que ocorrida a morte de um membro familiar, uma outra
pessoa ocupa a posição detida anteriormente pelo falecido, adquirindo este novo individuo por

50
Pe. Raul Ruiz De Asúa ALTUNA Cultura Tradicional Bantu,1ª edição, Paulinas editora,2006, p. 106
51
Ibdem,p.107
52
Citado por ALTUNA,op.Cit.p.109
53
Ibdem,p.110
54
Ibdem,p.110

29
este facto a generalidade das relações sociais, materiais e espirituais daquele. O que se
herda? Entre aquele povo herda-se o património, que se traduz em: Bois, Campos de Cultivo,
utensílios de cultivo, missangas, débitos e créditos do de cujos, estatus social em alguns casos,
etc.55

2.3.2 Quem tem direito a herdar?

A cultura hanha, como já vimos, tem como modelo de transmissão o sistema matrilinear, ou
seja, a transmissão dos bens obedece a linhagem materna. Sendo assim, tem direito de herdar
as seguintes pessoas: O filho mais velho da irmã mais velha do de cujus; O irmão mais velho
(se o de cujus for uma mulher sucede a filha mais velha, na falta, a irmã mais velha); outros,
desde que pertençam a linhagem materna.

55
Entrevista ao Regedor do Cubal, Feliciano Canivete.

30
CAPÍTULO III – APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS
RESULTADOS OBTIDOS

Neste capítulo procede-se a análise e interpretação dos resultados obtidos, a partir da


aplicação dos métodos que foram a base para a elaboração deste trabalho e os instrumentos
que também deram suporte para a recolha dos dados.

3.1. Identificação dos inquiridos


A investigação desdobrou-se sobre um total de 13 indivíduos, dos quais 5 graduados em
direito, 5 indivíduos muhanha residentes no município de Benguela, 2 Juízes da sala do cível
do Tribunal da Comarca de Benguela e entrevista ao regedor do Município do Cubal.

3.2. APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS INQUÉRITOS


PROVÍNCIA DE BENGUELA- MUNICÍPIO DE BENGUELA

TABELA 1- IDADE

OPÇÃO NÚMERO PERCENTEGEM


18- 25 1 7%
25-30 3 23%
30-40 3 23%
Mais de 40 6 46%
TOTAL 13 100%

Em conformidade com a investigação, sobre a idade dos inqueridos constatamos que dos 13, 1
possui a idade entre os 18 a 25 anos, o que corresponde a 7%; 3 dos inqueridos compreende a
idade entre os 25 a 30 anos, o que corresponde a 23%; 3 dos inqueridos possuem idade
compreendida entre 30 a 40, o que perfaz 23% e 6 inqueridos estão acima dos 40 anos de
idade, perfazendo 46%.

31
TEBELA 2- GÉNERO

OPÇÃO NÚMERO PERCENTAGEM


MASCULINO 13 100%
FEMININO 0 0%
TOTAL 13 100%

Quanto ao género, os indivíduos inqueridos são todos do sexo masculino. A selecção não foi
criteriosa, mas foram os indivíduos que apresentaram disponibilidade, correspondendo a
100% dos inqueridos.

3.3 APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS INQUÉRITOS


APLICADOS AOS MAGISTRADOS JUDICIAIS DA PROVÍNCIA DE BENGUELA

TABELA 3- Qual tem sido a média de pedidos para a partilha de herança?

OPÇÃO NÚMERO PERCENTAGEM


1-10 Pedidos 0 0%
10-20 Pedidos 0 0%
20-40 Pedidos 0 0%
Mais 40 pedidos 2 100%
TOTAL 2 100%

Os inquiridos, responderam que em média mais de 40 processos num período de 1 um ano.


Aqui demostra claramente que tem havido um número considerado de processo de partilha de
herança.

32
TABELA 4- Já alguma vez dirigiu um processo de partilha de herança em que houve
conflito entre a lei e o costume?

OPÇÃO NÚMERO PERCENTAGEM


Já 0 0%
Nunca 2 100%
Sempre 0 0%
TOTAL 2 100%

Em função da resposta, denota-se que os inqueridos nunca estiveram numa posição de


conflito entre a lei e o costume em caso de partilha de herança.

TABELA 5- Na disputa do entre o costume e a lei, sabendo que, a Constituição da


República atribui força jurídica ao costume, como tem resolvidos estes litígios? Poderias
nos justificar o porquê?

OPÇÃO NÚMERO PERCENTAGEM


Lei 0 100%
Costume 0 0%
Nunca resolvi 2 0%
TOTAL 2 100%

Os inqueridos mostraram mais uma vez que, nunca estiveram perante um caso daquela
natureza.

4- Qual tem sido a posição razoável que o Tribunal tem tomado nos casos em que uma
parte dos herdeiros prefere a distribuição na base do costume e a outra recorre ao
Tribunal, no caso a lei?

Os inqueridos mostraram-se que, nunca estiveram naquela posição.

33
TABELA 6- A decisão proferida tem comprometido a harmonia no seio da família dos
litigantes?

OPÇÃO NÚMERO PERCENTAGEM


Sim 0 0%
Não 0 0%
Nunca me apercebi 0 0%
TOTAL 0 0%

Os Magistrados inqueridos não responderam a esta questão, afinal nunca estiveram nesta
posição.

6- Tem havido dificuldades para decidir tais situações, se sim, quais?


Igualmente não tivemos resposta para esta pergunta.

3.4.APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS INQUÉRITOS


APLICADOS AOS GRADUADOS EM DIREITO PROVÍNCIA DE BENGUELA

TABELA 7- Enquanto jurista/advogado, já alguma vez lideu com matérias sucessórias


em que partes dos herdeiros queriam que a herança fosse distribuída com base no
costume e a outra parte, na lei?

OPÇÃO NÚMERO PERCENTAGEM


Já 1 20%
Nunca 4 80%
Sempre 0 0%
TOTAL 5 100%

Dos inqueridos apenas 1, que corresponde a 20% dos inqueridos, respondeu que já lideu com
tal situação. Os outros 4 que corresponde a 80% dos inqueridos responderam que nunca
tinham lidado com situação do género.
2- Em caso afirmativo, como resolveu?
O inquerido respondeu que a sua resolução baseou-se no direito positivo, uma vez que a
sucessão feita fora dos cânones legais em muitos casos viola o direito dos sucessíveis, a
legítima.

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TABELA 8- Acreditas que a resolução do conflito de herança pode ser feita pelo
costume? E teria força jurídica?
OPÇÃO NÚMERO PERCENTAGEM
Sim 4 80%
Não 1 20%
Sempre 0 0%
TOTAL 5 100%

Dos 5 inqueridos, 4 deles que corresponde a 80% responderam que sim, apesar de
apresentarem argumentos diversos para justificar a nota afirmativa, assim sendo: o primeiro
dos individuo afirmou que sim, poderia ser resolvida, mas não teria força jurídica; o segundo
respondeu que enquanto jurista acreditava que a questão sucessória pode sim encontrar
solução no direito costumeiro. Mas infelizmente não crê que teria força jurídica, porque
alguns costumes estão aquém daquilo que é a sucessão legal; o terceiro também respondeu
que sim, acredita, dado o facto de que o costume também é fonte do direito apesar de ser fonte
mediata, porém desde que seja o costume segundo a lei na medida em que o mesmo
consubstancia-se 3 modalidades; o quarto inquerido respondeu que apesar de haver dualidade
de critérios, é fundamental se o costume não for contra lei com vista a salvaguardar a
legítima. Olhando para o estabelecido pela CRA no art.º. 7º., só é válido o costume que não
ofenda a legislação angolana; o quinto e último graduado em direito, que corresponde a 20%
dos inqueridos, responderam que não. Apesar do nosso Ordenamento Jurídico reconhecer o
costume como uma fonte do direito, só de per si, não seria possível e não teria força jurídica,
porque a fonte imediata para a resolução dessa querela é a lei, ocupando indiscutivelmente o
lugar cimeiro no cumprimento das fontes do direito, por força do sistema em vigor, Romano-
germânico.

5- Que conselho deixaria para os nossos Tribunais no momento de decidir tais conflitos?

Os 5 inqueridos apresentaram os seus respectivos conselhos, assim, o primeiro conselho foi o


seguinte: algumas regiões têm costumes muito diferentes e contrários à lei, então, ao resolve-
los é preciso ter em conta certo aspecto, sob pena de criar mais conflitos com a sua resolução;

35
o segundo conselho dizia, que os Tribunais pautem pela equidade e que respeitem os
costumes de cada região; o terceiro dizia que deve-se primar pela justiça e pela celeridade
processual; o quarto apelou que, apesar de que os Tribunais julgam com base a lei e a justiça
dos casos concretos, ainda assim não se deve descartar a possibilidade de os tribunais
recorrerem ao costume, desde que este não seja contra a lei; e o quinto aconselhou no sentido
de legislar-se mais sobre o direito consuetudinário. Este desafio vai para os académicos no
sentido de que os dois sistemas possam coexistir harmoniosamente.

3.5.APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS INQUÉRITOS


APLICADOS AOS INDIVÍDUOS MUHANHA RESIDENTES NO MUNICÍPIO DE
BENGUELA

1- Como funciona no costume, a distribuição e a indicação de quem vai receber os bens


no caso de morrer a mãe ou o pai?

100% dos inqueridos que corresponde a 5 indivíduos, responderam que a indicação e a


distribuição é feita mediante uma cerimónia e ainda acresceram que o primogénito é o mais
provável candidato a suceder.

2- Quem é que dirige a cerimónia da entrega dos bens?

Dos 5 inqueridos, 2 indivíduos que corresponderam a 40%, afirmaram que esta cerimónia é
convocada e dirigida por um ancião idóneo da parte paterna do falecido; 1 indivíduo que
corresponde a 20% respondeu que a cerimónia é dirigida pelos familiares próximos de alta
confiança, no caso o tio, avô etc., do candidato à sucessão; 1 indivíduo que corresponde a
20% disse que é dirigida por uma comissão que existe ou é criada constituída pelos familiares;
1 indivíduo que corresponde a 20% respondeu que a cerimónia normalmente é dirigida pelo
tio do malogrado.

3- Em caso de morte do marido, a mulher recebe algum bem? E se for a mulher a


falecer, o que o homem recebe?

1 indivíduo, que no caso corresponde a 20% dos inqueridos, respondeu que em caso de morte
do marido os mais velhos decidem em função de ter havido ou não filhos na relação, do
tempo de convivência, e seu contributo na obtenção da riqueza, e se for a mulher a falecer os

36
bens continuam com o marido; 20% isto é, 1 indivíduo respondeu que sim, a mulher recebe
algum bem quando o marido falece e em caso de morte da mulher os bens ficam para os filhos
e para sua família; outro inquerido, correspondendo também 20% dos inqueridos, respondeu
que para ambos os casos o cônjuge sobrevivo recebe algum bem; o outro inquerido,
correspondendo 20% dos inqueridos, respondeu que em caso da morte do marido a mulher
não leva nada, e no caso contrário o marido leva tudo, deixando apenas o enxoval da falecida;
um outro inquerido, correspondendo a 20% indivíduo inqueridos respondeu que em caso da
morte do marido a mulher poderá receber apenas o que os sobrinhos entenderem dar à sua tia,
e morrendo a mulher o marido entregará a família da falecida as vestimentas e os utensílios de
cozinha que ela usava.

4- Quanto tempo é necessário para distribuírem os bens após a morte de alguém?

Os inqueridos responderam de forma adversa, assim sendo: o primeiro disse que depende,
mas nunca em menos de um ano; um outro individuo correspondente respondeu, dizendo que
a distribuição é feita logo após o óbito; ainda outro individuo respondeu que o tempo para a
realização da distribuição depende da organização dos mesmos e do diálogo dentro da família;
o quarto indivíduo afirmou que a cerimónia tem lugar pela manhã do quarto dia do óbito; e
por um fim, um outro indivíduo inquerido, respondeu que realizar-se-á a cerimónia um dia
após o enterro ou funeral.

5- Nestes casos, quem tem direito de receber os bens do falecido?

Para esta questão, o primeiro disse que tinha direito os filhos e os familiares próximos do
malogrado; o segundo respondeu que tinham direito a mulher e os filhos, e o mais velho deste
último grupo, como herdeiro principal; o terceiro dos inqueridos respondeu que tinha direito
de receber os bens, o primogénito (desde que fosse homem) do falecido, em caso do
primogénito for uma mulher, herdaria o rapaz mais velho dentre os filhos; o quarto dos
inqueridos respondeu que o direito de receber os bens pertencia ao irmão do falecido; e por
fim, o quinto afirmou que naquela cultura o direito de receber os bens do falecido era pertença
dos sobrinhos.

37
6- Aquele que for chamado para receber os bens, pode recusar?

Dos 5 inqueridos, 3 que corresponde a 60% responderam que o chamado para receber os bens
não podia recusar; já os 2 inqueridos, correspondendo 40% responderam que sim, podia
recusar.

7- Se o falecido não tiver filhos nem for casado quem ficará com os bens?

Os 5 inqueridos responderam: o primeiro, afirmou que nestes casos os bens ficavam com os
sobrinhos; o segundo disse que os bens ficavam com o irmão; o terceiro disse nestes casos os
bens ficavam com a família; o quarto disse que os bens ficavam com os sobrinhos e se não
tivesse sobrinhos ficaria com a família materna ou com os seus pais; por fim o quinto
respondeu que nestes casos uma parte dos bens ficava com a família materna e outra com a
família paterna.

ENTREVISTA AO REGEDOR CUMUNAL DA CAPUPA NO DIA 26 DE MAIO DE


2023 PELA MANHÃ

- Como funciona a sucessão após a morte de alguém na cultura hanha?

- Na Hanha em regra, em caso de morte de alguém e que tenha bens, é herdado por parte da
sua linhagem materna.

- De forma resumida e concreta quem são os que são chamados para herdar alguém? Há
uma ordem hierárquica para ser chamado?

- Desde os tempos remotos na cultura hanha tem direito de herdar o sobrinho mais velho do
falecido, isto é, o filho mais velho da irmã mais velha do falecido; na ausência deste é
chamado o irmão do falecido, no caso de o falecido for uma mulher, é chamada a filha mais
velha, e se não existir, sucede-lhe a sua irmã.

- O quê que se herda?

- Geralmente as suas riquezas não se consubstanciam em carros ou alguma coisa que


reflectiria riqueza hoje nas cidades. Quando se diz que alguém é rico em geral é pelas suas
possessões de bois, e terra de cultivo. Geralmente herda-se: Bois, Campos de Cultivo,
Utensílios de cultivo, Missangas, Débitos e Créditos do falecido, Estatus social em alguns
casos, etc. Na cerimónia de distribuição dos bens pode não se trazer ao local da cerimónia

38
todos bens como os bois, ou outros, mas é necessário, por exemplo, falecendo a mãe, e
deixando a sua filha mais velha como herdeira, no local da cerimónia lhe é entregue, por um
parente da linha materna, colocando-lhe por cima dos joelhos, bens de uso pessoal como
missangas, lenços, panos, etc., Como sinal de que ela é a herdeira.

- Onde é que acontece a cerimónia?

- A cerimónia é feita no lugar do óbito.

- Em caso da morte do marido a mulher tem direito de receber alguma coisa?

- Após a morte do marido a mulher não terá direito de receber qualquer coisa que pertencia ao
seu esposo, apenas ser-lhe-á devolvido os bens que trazia a quando do casamento.
Excepcionalmente poderá a vir receber qualquer bem, não como direito mas como oferta dos
sobrinhos do marido.

- Há um tempo estabelecido para a realização da cerimónia após a morte?

- A distribuição é feita logo que termina o óbito. E em normalmente, o óbito tem a duração de
4 dias, o dia da morte, o dia do enterro, o dia de reflexão ou (okulañela esupo), e o quarto dia
que é o do fecho, será conscidentemente o mesmo da distribuição da herança.

- O herdeiro pode negar a sucessão?

- Não pode. Os bens são transferidos para sua propriedade independentemente da sua vontade.

- Na possibilidade da irmã não ter filhos e nem o falecido ter deixado filhos, quem
poderá o suceder?

- Nestes casos indica-se alguém que pertença a linhagem materna do falecido.

- Qual é a razão ou fundamento da cultura hanha atribuir o direito de ser herdeiro ao


sobrinho e não aos filhos?

- Para a hanha os verdadeiros filhos de alguém são os seus sobrinhos. A intenção é sempre
preservar o património dentro do ciclo familiar, e a desconfiança de infidelidade por parte da
mulher levou a mitigar o risco da herança sair do ciclo familiar, dando primazia transferência
da herança por via materna, de modo a garantir a certeza de que o património prevalecerá no
ciclo familiar. Por esta razão é dado ao tio, direitos sobre os sobrinhos e deveres para com os

39
mesmos. Hodiernamente, já não se obedece à este costume na íntegra, devido a influência do
direito positivo e da religião.

- Já em algum momento as autoridades tradicionais da capupa tiveram que lidar com


situações de conflitos em que os filhos reclamavam para si os bens de seus pais?

- Nunca. O que não conheces também não te conhece. E talvez o desconhecimento da


existência do tal direito dos filhos sempre esteve na base.

A seguir, anexei algumas imagens da entrevista e os exemplares dos inquéritos.

40
CONCLUSÕES
Acabamos de desenvolver o nosso trabalho sob tema ‘Análise ao fenómeno sucessório:
perspectiva jurídico-legal e consuetudinária da vocação sucessória dos vahanha. Caso
município do cubal. Investigamos o presente tema porque queríamos perceber esta dualidade
de critérios, lei versus costume.
Partindo dos objectivos a que nos propomos no início da feitura desta monografia subscritos
na compreensão da aplicação das doutrinas e das normas jurídicas na análise ao fenómeno
sucessório: perspectiva jurídico-legal e consuetudinária da vocação sucessória dos vahanha.
Caso município do Cubal, entendemos que o trabalho correu muito bem de maneira que,
temos o trabalho de monografia elaborado.
Daqui, se chega a seguinte conclusão:
1. O Direito das Sucessões é o conjunto de normas que regula a transferência das
relações jurídico-patrimoniais por morte;
2. Para haver vocação é necessário a morte, mas aponta-se a titularidade da designação
sucessória prevalente no momento da morte, a existência do chamado, e a capacidade
sucessória como pressupostos da vocação;
3. No direito positivo a sucessão pode ser legal e voluntária;
4. O costume, no sentido estrito do termo, como fonte de direito, aparece-nos definido
pelos autores como uma prática social, reiterada, uniforme e constante, seguida com a
convicção da sua obrigatoriedade;
5. As instituições de Direito Costumeiro e do Poder Tradicional dos povos de Angola,
encontram-se, actualmente, mesmo depois de mais de três décadas de independência
do colonialismo, num momento de abandono e desprezo;
6. Já a sucessão no plano costumeiro nas organizações sociais bantu, baseadas na
consanguinidade real ou mística, exigem um meio de transmissão, de herança e de
preferência que as liguem a uma das genealogia biológica que toda pessoa recebe ou
transmite: a paterna e materna. Os bantu da África central, ocidental e austral,
sedentários e agricultores, seguem em geral o sistema Matrilinear, Angola não foge a
regra.
7. A sucessão para o povo hanha, que centra atenção da nossa pesquisa, é feita, desde os
tempos remotos, cabendo o direito de herdar ao sobrinho mais velho do falecido, isto
é, o filho mais velho da irmã mais velha do falecido, na ausência deste é chamado o
irmão do falecido, no caso de o falecido for uma mulher, é chamada a filha mais velha,

41
e se não existir, sucede-lhe a sua irmã. Geralmente herda-se os Bois, Campos de
Cultivo, Utensílios de cultivo, Missangas, Débitos e Créditos do falecido, Estatus
social em alguns casos, etc. Na cerimónia de distribuição dos bens pode não se trazer
ao local da cerimónia todos bens como os bois, ou outros, mas é necessário, por
exemplo, falecendo a mãe, e deixando a sua filha mais velha como herdeira, no local
da cerimónia lhe é entregue por um parente da linha materna colocando-lhe por cima
dos joelhos, bens de uso pessoal como missangas, lenços, panos, etc., Como sinal de
que ela é a herdeira. A cerimónia é feita no lugar do óbito;
8. Após a morte do marido a mulher não terá direito de receber qualquer coisa que
pertencia ao seu esposo, apenas ser-lhe-á devolvido os bens que trazia a quando do
casamento. Excepcionalmente poderá a vir receber qualquer bem, não como direito
mas como oferta dos sobrinhos do marido; A distribuição é feita logo que termina o
óbito. E normalmente, o óbito tem a duração de 4 dias, o dia da morte, o dia do
enterro, o dia de reflexão ou (okulañela esupo), e o quarto dia que é o do fecho, será
conscidentemente o mesmo da distribuição da herança;
9. Na sucessão costumeira dos povos hanha não há possibilidade de rejeição da herança.
Os bens são transferidos para sua propriedade independentemente da sua vontade.
Bem como não havendo sobrinhos e nem o falecido deixar filhos, indica-se alguém
que pertença a linhagem materna do falecido;
10. Para a Hanha os verdadeiros filhos de alguém são os seus sobrinhos. A intenção é
sempre preservar o património dentro do ciclo familiar, e a desconfiança de
infidelidade por parte da mulher levou a mitigar o risco da herança sair do ciclo
familiar, dando primazia a transferência da herança por via materna, de modo a
garantir a certeza de que o património prevalecerá no ciclo familiar. Por esta razão é
dado ao tio, direitos sobre os sobrinhos e deveres para com os mesmos.
Hodiernamente, já não se obedece à este costume na íntegra, devido a influência do
direito positivo e da religião.

42
RECOMENDAÇÕES

Feita a pesquisa, apraz-me tecer algumas recomendações para a ciência jurídica, aos
aplicadores do direito, amantes da justiça e não só, para qualquer que de certa maneira tiver
que lhe dar com assunto do género. Quando se tiver que resolver situações em que o costume
e a lei resolvem uma questão de forma diferente, é importante considerar diversos factores
para tomar uma decisão justa e equitativa; que considere os princípios gerais do direito, como
a equidade, a justiça e a razoabilidade, para orientar sua decisão; que se avalie o impacto das
decisões nas comunidades afectadas, levando em consideração a relevância do costume na
sociedade em questão, certificando-se de que a decisão respeite os direitos fundamentais das
partes envolvidas; em casos complexos, porque não solicitar ou ouvir pessoas conhecedoras
da referida cultura, pode ser útil consultar especialistas em direito costumeiro, antropologia ou
outras áreas relevantes. Ao tomar uma decisão que envolve a reconciliação de costume e lei, é
importante justificar a escolha feita, demonstrando como os factores relevantes foram
ponderados.

43
BIBLIOGRAFIA
Manuais
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 ANDRÉ, M. Questões sobre os fins e sobre os métodos de pesquisa em Educação.
Revista Electrónica de Educação, São Carlos, SP.
 CAMPOS, Diogo Leite de & CAMPOS, Mónica Martinez de, Lições de direito das
sucessões, Editora: Almedina, 2017;
 CORTEZ, António Francisco Adão, Direito Costumeiro e Poder Tradicional dos Povos
de Angola, Mayamba Editora, 2010;
 DIAS, Araújo Cristina, Lições de Direito das Sucessões, 5ªEdição;
 DINIZ, Maria Helena, curso de Direito Civil Brasileiro-Direito das sucessões, vol.6,
28ªEdição: Saraiva Jur, 2015;
 FALCÃO Marta & SERRA Miguel Diniz Pestana, Direito das Sucessões. Da teoria à
prática, 2ª Edição, Almedina, 2018;
 FERNANDES Luís Carvalho, Lições de Direito das Sucessões, 4ªEdição, Quid Juris
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 GONÇALVES José João, Direito das Sucessões, 3ªEdição Revista e Actualizada,Quid
Juris Sociedade Editora,2009
 JUSTO A. Santos, Introdução ao estudo do Direito, 6ª Edição, Coimbra Editora,2012,
 MAXIMILIANO, Carlos, Direito das Sucessões, 2ªEdição, Editora Freitas Bastos,1942;
 PINHEIRO, Jorge Duarte, O Direito das Sucessões Contemporâneo,
2ªedição/2ªReimpressão, AAFDL Editora, 2017.
 PINTO, Mota, Teoria Geral do Direito Civil, 2005;
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 TELLES, Inocêncio Galvão, Sucessão Legítima e Sucessão Legitimária, Coimbra
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 TELLES, Inocêncio Galvão, Sucessão testamentária, Coimbra Editora, 2006,
 WEBER, Max, Conceitos Sociológicos Fundamentais, tradução de Artur Morão, Lisboa:
Edições 70, 2015.

44
Artigos
 PLATAFORMA JLAW-elaborado por BALSA, Clementino João Tiago, algumas notas
sobre os tribunais consuetudinários: entre o pluralismo jurídico e a humildade da lei n.º
18/21 de 16 de agosto - lei da revisão constitucional - primeira revisão/2021; visto em:
Arquivos Clementino Balsa - JuLaw - Plataforma Jurídica, na data de 5/9/2023, as 00:4.
 RODRIGUES, Adilson das Necessidades Ricardo, reflexões sobre a influência do direito
costumeiro no direito administrativo angolano à luz da constituição da república de
angola de 2010; visto em: 304223.pdf (up.pt), na data de 5/9/2023, as 11h37;
Legislação
Nacional
 Constituição da República de Angola, 2010
 Código Civil Angolano

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ANEXOS

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