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Consulente: Sr. Eduardo Pitrez de Aguiar Corrêa

Consultado: Renan Batista Porciuncula (147633), João Pedro Barros Coch (136067) e
Frederico Terroso Jaeger (150047).

1 - CONSULTA

Trata-se de solicitação encaminhada pelo consulente supramencionado, Sr. Eduardo Pitrez


de Aguiar Corrêa, pela qual requer análise jurídica atinente aos Casos Maria Prestes e Cesare
Battisti, a fim de discorrer, em suma, acerca de suas similitudes e diferenças, bem como, e
para tanto, abordando os institutos de Direito Internacional relacionados aos casos, quais
sejam, da expulsão e extradição, e seus respectivos tratamentos no ordenamento jurídico
pátrio.

Nesse sentido, o presente parecer pretende responder os seguintes questionamentos


objetos de consulta pelo interessado, conforme se dispõem a seguir:

“1) Quais são as semelhanças e diferenças entre os Casos Maria Prestes e Cesare Battisti,
considerando (i) os institutos de direito internacional envolvidos (extradição, expulsão, etc...)
(ii) o comportamento institucional do Poder Executivo e (iii) o comportamento institucional
do Poder Judiciário?

2) O fato de o expulsando ou o extraditando ter filho brasileiro (situação presente tanto no


Caso Maria Prestes, como no Caso Battisti), produz consequências no âmbito da expulsão
e/ou extradição?

3) Poderia ser em tese imputada ao Estado brasileiro, tanto no Caso Maria Prestes, como
no Caso Cesare Battisti, em razão da ausência de proteção aos estrangeiros (por força de
expulsão e extradição, respectivamente), violação ao art. 22.7 e 22.8, da Convenção
Americana de Direitos Humanos?

4) No âmbito da cooperação internacional, há espaço para a proteção de direitos humanos


e fundamentais da pessoa requerida, por atuação do Poder Judiciário do Estado requerido?”
2

Pelo exposto, esclarecidas as questões a serem abordadas, é o breve relatório. Passo a


analisar.

2 - PARECER

I. Das semelhanças e diferenças entre os Casos Maria Prestes e Cesare Battisti

I.I. Dos institutos de Direito Internacional envolvidos

1. Acerca dos institutos operados em ambos os casos, tem-se estes como uma das
características que diferem ambos os casos, ao passo que no “Caso Maria Prestes”, estamos
diante do instituto da expulsão, enquanto ao que se alude ao “Caso Cesare Battisti”, o instituto
em tela é o da extradição, os quais – mesmo que, em suma, culminem com a mesma
finalidade de retirada do indivíduo do território que se encontra – possuem distinções, as quais
serão retratadas nos tópicos a seguir.

I.I.I. Do instituto da expulsão (Casos Maria Prestes)

2. Em relação ao instituto da expulsão, compreende-se este como uma medida


administrativa de retirada compulsória de migrante ou visitante do território nacional,
conjugada com o impedimento de reingresso por prazo determinado 1. Em observância ao
diploma referenciado, vigente em nosso ordenamento, tem-se que poderá se dar nos casos de
condenação com sentença transitada em julgado em face de migrante “que cometeu crimes
graves no país, atentando, portanto, contra dignidade nacional, a segurança e a tranquilidade
do Estado, ainda que neste tenha ingressado regularmente”2, não cabendo mais a expulsão
fundada na subjetividade oriunda do artigo 65 do revogado Estatuto do Estrangeiro, o qual
possibilitava a expulsão por quem, de qualquer forma, considerar-se-ia nocivo à conveniência
e aos interesses nacionais.

3. Razão, esta última (nocividade à ordem pública) - mesmo que não fundada no Estatuto
revogado, o qual inexistia ao tempo -, basicamente, a qual Olga Benário ou, conforme

1
Lei 13.445, de 24 de maio de 2017. Institui a Lei de Migração. Art. 54, caput.
2
MAZZUOLI, Valerio de O. Curso de Direito Internacional Público. Grupo GEN, 2023, p. 701. E-book. ISBN
9786559645886. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559645886/. Acesso em: 11 dez.
2023.
3

nomeada, Maria Prestes, militante comunista, teve sua expulsão decretada pelo Estado
brasileiro à época – “ratificada”, inclusive, quando do julgamento do Habeas Corpus 26.155,
em vista de seu não conhecimento - haja vista a não condenação de crimes em face dela,
pautando-se sua não permanência, conforme se extrai do acórdão do processo, ao
comprometimento à ordem pública e aos interesses do país que Olga/Maria causara.

4. Conforme se depreende dos fatos históricos, após o fracasso da Intentona Comunista


de 1935, contra o então presidente Getúlio Vargas, Maria Prestes e Luís Carlos Prestes são
presos em 1936, ante as perseguições do governo, sendo ela, posteriormente, à ordem do
Poder Executivo da época, entregue à Gestapo, polícia política nazista.

5. No referido caso, tem-se como agravante os fatos de que Olga, alemã, de origem judia,
seria entregue à Alemanha Nazista, onde, de pleno conhecimento das autoridades à época,
seria encaminhada a campos de concentração, sendo, consequentemente, morta em Câmara de
Gás, conforme assim ocorreu. Ademais, salienta-se o fato de que, quando do procedimento,
esta estava grávida de sua filha Anita Leocádia Prestes, fruto de seu relacionamento com Luís
Carlos Prestes, o que não foi suficiente para a relativização de sua expulsão.

I.I.II. Do instituto da extradição (Casos Cesare Battisti)

6. Diferentemente do instituto da expulsão, a extradição configura uma das espécies de


cooperação internacional, a qual se dá, em nosso caso, entre o Estado brasileiro e outro Estado
pela qual se concede ou solicita a entrega de pessoa sobre quem recaia condenação criminal
definitiva ou para fins de instrução de processo penal em curso 3.

7. Neste contexto, no caso de Battisti, afigura-se a espécie, em relação ao Estado


brasileiro, da extradição passiva 4 - comportando “as fases: a) administrativa (sob a
responsabilidade do Poder Executivo)[...]; b) uma judiciária (exame no STF da legalidade e
procedência do pedido),[...]; e c) outra novamente administrativa[...]”5, onde o governo

3
Lei 13.445, de 24 de maio de 2017. Institui a Lei de Migração. Art. 81, caput.
4
Segundo Mazzuoli, a extradição passiva “ocorre quando um país estrangeiro solicita ao Brasil a extradição de indivíduo de
lá foragido que se encontra em nosso território[...]”. MAZZUOLI, Valerio de O. Curso de Direito Internacional Público.
Grupo GEN, 2023, p. 711. E-book. ISBN 9786559645886. Disponível em:
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559645886/. Acesso em: 12 dez. 2023.
5
MAZZUOLI, Valerio de O. Curso de Direito Internacional Público. Grupo GEN, 2023, p. 716. E-book. ISBN
9786559645886. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559645886/. Acesso em: 12 dez.
2023.
4

autoriza a entrega ou comunica sua negativa, caso tenha o STF indeferido o pedido -, pelo
qual o Governo da República da Itália requereu a entrega de Battisti para cumprimento de
pena de prisão perpétua decorrente de duas sentenças criminais.

8. Em um apertado resumo contextual, tem-se que Battisti, ex integrante de Organização


político-partidária na Itália durante os chamados “anos de chumbo”, foi pego irregularmente
no Brasil com passaporte falsificado em 2007, culminando com sua prisão durante o trâmite
no complexo da Papuda, no DF. Assim, em vista do processo de extradição, requereu,
inicialmente, o reconhecimento de sua condição de refugiado, ante seu alegado
enquadramento na hipótese do art. 1º lei nº. 9.474/97, por fundados temores de perseguição
por motivos de opiniões políticas, a qual restou negada. Recorrida a decisão, o Ministro da
Justiça, Tarso Genro, reconheceu a condição de refugiado a Cesare Battisti, obstando, ao
tempo, sua extradição. Ocorre que, mais uma vez, agora em referência à análise do STF, no
Acórdão de Extradição nº 1.085, restou declarada a invalidade do ato de concessão de refúgio
a Cesare Battisti, autorizando a extradição. A qual (extradição), por sua vez, em 2010,
exercendo a soberania Estatal, foi negada pelo presidente Lula, seguindo o parecer emitido
pela AGU, pautado, essencialmente, na disposição expressa na letra “f” 6, do item 1, do artigo
3 do Tratado de Extradição entre Brasil e Itália. Sendo, por fim, em 2018, sob novo governo,
concedida a extradição em decreto assinado pelo ex presidente Michel Temer.

I.II. Do comportamento institucional do Poder Executivo

9. Em relação ao comportamento institucional do Poder Executivo em ambos os casos,


observa-se - até a mudança de postura estabelecida quando da concessão de extradição pelo
Governo Temer – notória divergência entre as posições/decisões proferidas no curso dos
institutos elencados em ambos os casos.

10. Ao passo que no caso Maria Prestes (Olga Benário), existiu ali, forte influência
político ideológica, considerando os atos revolucionários ligados a Olga, tornando evidente a
relação existente entre o espectro político do governo e as decisões do Poder Executivo.
Ademais, aliado a isso, deve-se considerar o contexto histórico jurídico da época, tendo em

6
Decreto nº 863, de 9 de julho de 1993. Art. 3. 1. A extradição não será concedida: [...] f) se a Parte requerida tiver razões
ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação por motivo de raça,
religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal; ou que sua situação possa ser agravada pó
um dos elementos antes mencionados;
5

vista a escassa proteção dada ao migrante, favorecendo práticas que afastam-se dos direitos
humanos.

11. Seguindo nesta mesma linha, já em um momento consideravelmente, no contexto


formal de direitos, mais favorável aos, à época, estrangeiros (hoje, conforme a lei, migrantes),
extrai-se das decisões emanadas pelo Poder Executivo, tanto em alusão ao Min. Tarso Genro,
quanto ao presidente Lula, uma posição voltada à manutenção dos direitos e garantias do
extraditando, com a não concessão de extradição, alinhando-se com o que dispõe a Carta
Magna, no que se refere ao exercício da soberania Estatal (art. 1º, I, CF/88), preponderando o
princípio da prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais (art. 4º, II, CF/88),
podendo citar, ainda, em decorrência deste princípio, o direito fundamental que veda penas de
caráter perpétuo (art. 5º, XLVII, CF/88), assim como disposições dos tratados que o Brasil faz
parte.

12. Nesse contexto, observam-se diferentes vieses em ambos os casos, os quais


resultaram em diferentes tomadas de decisões no curso dos casos, onde em maior parte - haja
vista o indesejável fim (extradição), entendemos, com o qual se deu no caso Battisti -,
encontra maior consonância aos ditames humanísticos o que fora adotado na extradição.

I.III. Do comportamento institucional do Poder Judiciário

13. Passando à análise do comportamento do Poder Judiciário em ambos os casos, tem-se


que, em suma, há convergências no sentido de que, em análise ao resultado final dos julgados,
abstraindo as diferenças dos institutos enfrentados, não foram consignadas decisões que
favorecessem os expulsandos/extraditandos, culminando o que, entendemos, apartar-se da
proteção devida, em razão das notórias perseguições políticas e de raça as quais poder-se-ia
denotar.

14. No entanto, deve-se aferir que no caso de Olga, o Poder Judiciário agiu estritamente a
favor do que já estava pré-estabelecido pelo Poder Executivo, denotando uma aparente
decisão com viés político ideológico, por suas razões e fundamentos, ao não reconhecimento
do recurso pelos Ministros, bem como de nenhum dos fundamentos elencados pelo advogado
Heitor Lima. Enquanto no caso de Battisti, embora surtam críticas à decisão estabelecida pela
maioria dos Ministros no Acórdão nº 1.085 do STF, ocorreu a aplicação da lei e todo o devido
6

processo legal do caso, não usurpando, ainda, a competência “final” do presidente de, no caso,
negar o pedido.

II. Da influência da existência de filho brasileiro do expulsando no âmbito dos institutos


da expulsão e/ou extradição

15. Acerca do questionamento que alude o presente tópico, tem-se que há, no âmbito da
expulsão, influência na existência de filho brasileiro, podendo, obstar a expulsão de
determinada pessoa. Tal previsão extrai-se do art. 55, II, alínea a 7 da Lei 13.445 (Lei de
Migração).

16. Contudo, salienta-se, deve-se atentar o não impedimento por si só, conforme se
depreende da leitura do dispositivo mencionado, ao passo que deve ser comprovado os
requisitos da guarda ou dependência econômica ou socioafetiva ou tiver pessoa brasileira sob
sua tutela. Portanto, conforme ensina Mazzuoli, “não tendo o expulsando provado que o filho
brasileiro está sob sua guarda e sob sua dependência econômica ou socioafetiva, ou ainda que
exista pessoa brasileira sob sua tutela, a expulsão deve ser efetivada.”8

17. De outra senda, no que se refere à extradição, não há óbice a sua concessão, conforme
já decidiu o Supremo Tribunal Federal, disposto na Súmula 421, pela qual dispõe que: “Não
impede a extradição a circunstância de ser o extraditado casado com brasileira ou ter filho
brasileiro”.

III. Das possíveis violações aos artigos 22.7 e 22.8, da Convenção Americana de Direitos
Humanos, pelo Estado brasileiro

18. No que concerne a possíveis violações aos artigos supramencionados, deve-se


esclarecer alguns pontos. Porém, inicialmente, cumpre elencá-los para melhor visualização.

ARTIGO 22. Direito de Circulação e de Residência

7
Lei 13.445, de 24 de maio de 2017. Institui a Lei de Migração. Art. 55. Não se procederá à expulsão quando: [...] II - o
expulsando: a) tiver filho brasileiro que esteja sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva ou tiver
pessoa brasileira sob sua tutela; (grifei)
8
MAZZUOLI, Valerio de O. Curso de Direito Internacional Público. Grupo GEN, 2023, p. 705. E-book. ISBN
9786559645886. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559645886/. Acesso em: 12 dez.
2023.
7

[...]
22.7. Toda pessoa tem o direito de buscar e receber asilo em território estrangeiro,
em caso de perseguição por delitos políticos ou comuns conexos com delitos
políticos, de acordo com a legislação de cada Estado e com as Convenções
internacionais.

22.8. Em nenhum caso o estrangeiro pode ser expulso ou entregue a outro país, seja
ou não de origem, onde seu direito à vida ou à liberdade pessoal esteja em risco de
violação em virtude de sua raça, nacionalidade, religião, condição social ou de suas
opiniões políticas.

19. Observado os referidos artigos, destacamos, inicialmente, sob a análise da eventual


violação no caso de Maria Prestes (Olga Benário), a qual iria de encontro ao artigo 22.8.

20. Em alusão, portanto, ao contexto histórico (temporal), deve-se compreender que a


CADH tem origem somente em 1969, passando, contudo, a produzir efeitos no Brasil apenas
em setembro de 1992, após o depósito da carta de adesão, e sua promulgação pelo Decreto nº
678, de 6 de novembro de 1992. Sob este viés, o que, aponta-se, para o contexto jurídico e o
que deve ser levado em conta, haja vista os fatos datarem dos anos trinta, não há o que se falar
em violação à Convenção.

21. Passando para o caso de Cesare Battisti, denota-se um contexto diferente,


considerando a vigência da CADH ao tempo de sua extradição. Neste caso, pode-se aferir o
enquadramento de Battisti em ambos os artigos, tendo em vista os crimes conexos com delitos
político cometidos, e a perseguição por suas opiniões políticas, caracterizadas, por exemplo,
conforme foi demonstrado no julgamento que concedeu a condição de refugiado pelo Min. Da
Justiça Tarso Genro, pelas menções recorrentes de que os crimes formam “com a finalidade
de subverter a ordem do Estado”, afirmando ainda que os panfletos e as ações criminosas de
sua lavra objetivavam “subverter as instituições e a fazer com que o proletariado tomasse o
poder”.

22. Sob essa ótica, à vista do fundado temor, justificadamente, existente em relação ao
Caso Battisti, fundado em diversos aspectos, como no transcorrer processual, o qual restaram
dúvidas quanto a efetiva verificação das garantias processuais, considerando a revelia e o
juízo probatório fundar-se em depoimento proveniente de delação premiada, assim como a
severa pena aplicada (perpétua), a qual, cogita-se, sua influência aos aspectos políticos
envolvidos, em virtude, inclusive, de seus fundamentos já mencionados acima, tem-se que
sim, entendemos, pode-se falar em violação, neste caso, aos artigos mencionados.
8

IV. Da proteção dos direitos humanos e fundamentais da pessoa requerida, por atuação
do Poder Judiciário do Estado requerido, no âmbito da cooperação internacional

23. Compreende-se como cooperação jurídica internacional, segundo Nadia, “o


intercâmbio internacional para o cumprimento extraterritorial de medidas processuais do
Poder Judiciário de outro Estado”9. Devendo, sob a menção das palavras da mesma autora, ter
“como pano de fundo da cooperação jurídica internacional, está presente a questão do respeito
aos direitos humanos e aos direitos fundamentais do indivíduo, ponto axial de todo o
ordenamento jurídico brasileiro”10.

24. Nesse contexto, já considerando, previamente, o teor da resposta que gerou o presente
tópico, cumpre demonstrar alguns dos fundamentos/meios de proteção dos direitos humanos e
fundamentais da pessoa requerida, aqui, pelo Estado brasileiro.

25. Inicialmente, conforme já mencionado, especificamente ao Estado brasileiro, tem-se


que como princípio constitucional às suas relações internacionais, a prevalência dos direitos
humanos (art. 4º, II, CF/88), o que, desde logo, caracteriza o cabimento da proteção dos
direitos humanos em matéria de cooperação internacional.

26. Ademais, a fim de configurar, mais especificamente, tem-se, no âmbito do juízo de


delibação à concessão de exequatur às Cartas Rogatórias, de competência do STJ, que não
será concedido exequatur à carta rogatória que ofender a dignidade da pessoa humana, de
forma a compreender a proteção dos direitos fundamentais, em decorrência da menção ao
princípio norteador de todo ordenamento jurídico.

Art. 216-P. Não será concedido exequatur à carta rogatória que ofender a soberania
nacional, a dignidade da pessoa humana e/ou a ordem pública. (grifei)

27. Ainda, de forma mais recente, cumpre mencionar o capítulo dedicado à cooperação
internacional presente no CPC/2015, o qual estabelece, entre outras disposições que:

9
ARAUJO, N. In: Ministério da Justiça - Secretaria Nacional de Justiça, DRCI. (Org.). Manual de Cooperação Jurídica
Internacional e Recuperação de Ativos - matéria penal. 4a ed., 2013, v. 1, pp. 39-50.
10
Ibidem
9

Art.26 – A cooperação jurídica internacional será regida por tratado de que o Brasil
faz parte e observará:
I - o respeito às garantias do devido processo legal no Estado requerente;
[...]
§ 3º Na cooperação jurídica internacional não será admitida a prática de atos que
contrariem ou que produzam resultados incompatíveis com as normas fundamentais
que regem o Estado brasileiro.
[...]

28. Sem entrar no mérito quanto à possibilidade de cooperação sem tratado entre os
Estados, hipótese do §1º, tem-se que o que é importante aqui aferir, conforme o que se
depreende nas normas esparsas aqui elencadas, considerando demais fundamentos existentes,
são, sim, uma construção que visa resguardar os direitos humanos e fundamentais, em face
dos atos de cooperação que se sobrepujam aos nacionais e migrantes que possam ter seus
direitos básicos violados pelos interesses dos Estados requerentes.

3 - CONCLUSÃO

29. Pelo exposto, amparando na orientação firmada, tem-se que:

30. No que se refere ao primeiro questionamento, tem-se que no Caso Maria Prestes, o
Estado brasileiro, sob forte influência ideológico política, utilizou-se do instituto da expulsão.
De modo que o Poder Judiciário, no caso, acabou por “ratificar”, ao passo do não
conhecimento de seu apelo em forma de Habeas Corpus, culminando com o fim trágico de
sua morte pelo nazismo.

31. Já no Caso Cesare Battisti, o instituto utilizado foi o da extradição, requerida pelo
Governo Italiano, com base na cooperação internacional, em vista, inclusive do tratado
existente entre ambos os Estados. De modo que, o Poder Executivo, em um primeiro
momento, nega a extradição, deferida pelo Poder Judiciário, sendo, após oito anos, revista e
deferida pelo então presidente Michel Temer.

32. Acerca do questionamento do fato de o migrante ter filho brasileiro gerar


consequências nos institutos da extradição e da expulsão, compreendeu-se que no âmbito da
extradição, a Súmula 421 do STF determina o não impedimento da efetivação ainda que o
estrangeiro tenha filho brasileiro, ao passo que, acerca da expulsão, há influência da
10

existência de filho brasileiro, podendo obstar a expulsão de determinada pessoa, conforme o


art. 55, II, alínea “a” da Lei 13.445 (Lei de Migração).

33. Seguindo, verificou-se a não possibilidade de imputar, ao Estado brasileiro, no Caso


Maria Prestes, violação sob à CADH, de modo que este sequer havia sido originado à época
dos fatos. Contudo, no Caso Cesare Battisti, considerando o contexto atinente ao caso, bem
como os fundamentos relatados, poder considerar violação pelo Estado brasileiro.

34. Por fim, tem-se que há espaço, no âmbito da cooperação internacional, à garantia e
proteção dos direitos humanos e fundamentais da pessoa requerida, por atuação do Poder
Judiciário do Estado requerido, conforme as normas, exemplificadamente, demonstradas.

É o parecer.

Rio Grande, 12 de dezembro de 2023.

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