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FISCALIZAÇÃO DE PODER DE POLÍCIA

Professor: Roberto Tauil

Eunápolis, agosto de 2012


ROBERTO ADOLFO TAUIL
Bacharel em Direito, Especialista em Docência do Ensino Superior e
Administração Pública. Consultor na área de Gestão Municipal.

TAUIL, Roberto Adolfo


Fiscalização de Poder de Polícia

Rio de Janeiro, 2006. Reeditado em 2012.

Bibliografia

1, Direito Administrativo. 2. Direito Tributário

Copyright © Roberto Adolfo Tauil


Todos os direitos quanto ao conteúdo deste material didático são reservados ao autor,
concedendo-se o direito ao Município de Eunápolis de repassá-lo aos seus Servidores
Públicos.

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SUMÁRIO

CAPÍTULO I ..............................................................................................................................................5
CONCEITO DE PODER DE POLÍCIA .............................................................................................................5
O PODER DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA .......................................................................9
COERCIBILIDADE E AUTO-EXECUTORIEDADE .........................................................................................13
O AGENTE FISCAL: COMPETÊNCIA DE AÇÃO..........................................................................................15
O PODER DE POLÍCIA DAS CONSTRUÇÕES ..............................................................................................16
Licença de Construção .....................................................................................................................18
AUTO DE EMBARGO E AUTO DE INTERDIÇÃO .........................................................................................18
OBRA CLANDESTINA...............................................................................................................................19
A MAIS-VALIA .......................................................................................................................................20
O PODER DE POLÍCIA SANITÁRIA ...........................................................................................................21
O PODER DE POLÍCIA DOS LOGRADOUROS PÚBLICOS .............................................................................23
O PODER DE POLÍCIA DA PROPAGANDA E PUBLICIDADE ........................................................................24
O PODER DE POLÍCIA DAS ATIVIDADES URBANAS .................................................................................26
PODER DE APREENSÃO DE MERCADORIAS .............................................................................................28
CÓDIGO DE POSTURAS ............................................................................................................................30
CAPÍTULO II...........................................................................................................................................32
O ALVARÁ DE FUNCIONAMENTO E LOCALIZAÇÃO .................................................................................32
REQUISITOS DE CONCESSÃO DO ALVARÁ ...............................................................................................34
Normas usuais de análise para concessão de alvará .......................................................................35
RENOVAÇÃO DO ALVARÁ DE FUNCIONAMENTO E LOCALIZAÇÃO ..........................................................37
Um Modelo de Regulamento de Alvará ............................................................................................39
O CADASTRO MOBILIÁRIO OU DE ATIVIDADES ECONÔMICAS ................................................................49
CONDIÇÕES LEGAIS DE CASSAÇÃO DO ALVARÁ DE FUNCIONAMENTO...................................................50
CAPÍTULO III .........................................................................................................................................51
SERVIÇOS PÚBLICOS ...............................................................................................................................51
SERVIÇOS OU ATIVIDADES ESSENCIAIS ..................................................................................................56
TAXA, TARIFA E PREÇO PÚBLICO...........................................................................................................58
Tarifa. ...............................................................................................................................................58
Preço Público. ..................................................................................................................................59
Opção Política. .................................................................................................................................62
BASE DE CÁLCULO DE TAXAS ................................................................................................................62
Decisões Judiciais sobre taxas. ........................................................................................................65
O USO DA ÁREA PÚBLICA ......................................................................................................................69
CAPÍTULO IV .........................................................................................................................................71
CONCEITO DE TAXA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS .................................................................................71
SERVIÇOS ESPECÍFICOS E DIVISÍVEIS ......................................................................................................73
UTILIZAÇÃO EFETIVA E UTILIZAÇÃO POTENCIAL...................................................................................74
O CARÁTER COMPULSÓRIO DE TAXA .....................................................................................................76
SERVIÇO PÚBLICO DELEGADO OU PERMITIDO ........................................................................................77
CAPÍTULO V ...........................................................................................................................................77
CONCEITO DE TAXA DE PODER DE POLÍCIA ............................................................................................77
As diversas taxas de polícia ..............................................................................................................79
A DISPONIBILIDADE DO SERVIÇO EM RELAÇÃO À TAXA DE PODER DE POLÍCIA.....................................79
A COMPROVAÇÃO DO EFETIVO EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA ........................................................80
A TAXA DE FISCALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES ECONÔMICAS ...................................................................83
CAPÍTULO VI .........................................................................................................................................85
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO ................................................................................................................85
Momentos da Relação Tributária .....................................................................................................85

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O Lançamento como Formalizador do Crédito Tributário...............................................................87
As três Modalidades de Lançamento ................................................................................................88
O LANÇAMENTO DA TAXA .....................................................................................................................89
O AUTO DE INFRAÇÃO COMO ATO ADMINISTRATIVO DE LANÇAMENTO ................................................91
CAPÍTULO VII........................................................................................................................................93
PRÁTICAS DE FISCALIZAÇÃO..........................................................................................................93
O PODER FISCAL DO MUNICÍPIO .............................................................................................................93
A FUNÇÃO DE FISCALIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ................................................................96
Estratégia de Ação Fiscal.................................................................................................................98
ATIVIDADES E ABRANGÊNCIA DA FISCALIZAÇÃO ..................................................................................99
Atividades .........................................................................................................................................99
Infra-estrutura ................................................................................................................................101
Organização e Gestão.....................................................................................................................102
Tecnologia ......................................................................................................................................103
Recursos Normativos ......................................................................................................................103
Recursos Materiais e Financeiros ..................................................................................................104
TIPOS DE CONTRIBUINTES ....................................................................................................................104
FORMULAÇÃO DE POLÍTICA DE FISCALIZAÇÃO ....................................................................................106
Outras Características....................................................................................................................108
A ELISÃO E A EVASÃO FISCAL. ............................................................................................................110
Evasão Fiscal..................................................................................................................................110
Elisão Fiscal ...................................................................................................................................114
FONTES DE INFORMAÇÕES FISCAIS.......................................................................................................115
O SIGILO BANCÁRIO.............................................................................................................................116
DEVER DE SIGILO DO FISCO..................................................................................................................117
BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................................................119

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CAPÍTULO I

Conceito de Poder de Polícia

Diz o art. 30, I, da Constituição Federal que compete aos Municípios


“legislar sobre assuntos de interesse local”, substituindo a expressão usada em
Constituições anteriores, de “peculiar interesse”. Tal alteração provocou uma
amplitude de competência aos Municípios, além de melhor fixar o conceito,
proporcionando condições de adaptações de acordo com as especificidades de
cada região.

Interesse local, segundo Hely Lopes Meirelles, “se caracteriza pela


predominância (e não pela exclusividade) do interesse para o Município, em
relação ao do Estado e da União”.1 Por evidência, não há assunto de exclusivo
interesse do Município que não seja também de interesse estadual e nacional.
Conclui o saudoso mestre que a “diferença é apenas de grau, e não de
substância”.

Um dos mais importantes instrumentos utilizado pelos Municípios para


legislar sobre assuntos de interesse local é o exercício do poder de polícia
incidente sobre os bens e as atividades das pessoas, visando conter abusos e
evitar a prática de atos contrários ao interesse coletivo. Diz Caio Tácito que
poder de polícia “é o conjunto de atribuições concedidas à Administração
Pública, com vistas ao disciplinamento e à restrição, em benefício do interesse
público, dos direitos e liberdades das pessoas”.2

"Poder de polícia" é a expressão que designa a atividade estatal de


condicionar a liberdade e a propriedade dos cidadãos aos interesses coletivos.
Não se trata de limitar ou cercear os direitos de liberdade ou de propriedade,
pois os direitos já estão alicerçados no sistema normativo, com suas
amplitudes e restrições previstas na Constituição e reguladas em lei.

1
Meirelles, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 11ª ed., atualizada por Célia Marisa
Prendes e Márcio Schneider Reis. São Paulo, Malheiros, 2000, p. 131.
2
Tácito, Caio. Direito Administrativo. São Paulo, Saraiva, 1975, p. 141.

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No dizer de Celso Antônio Bandeira de Mello:

"Através da Constituição e das leis os cidadãos recebem uma série de direitos.


Cumpre, todavia, que o seu exercício seja compatível com o bem-estar social.
Em suma, é necessário que o uso da liberdade e da propriedade esteja
entrosado com a utilidade coletiva, de tal modo que não implique uma barreira
capaz de obstar à realização dos objetivos públicos".3

Os direitos individuais encontram-se, geralmente, já plenamente


delineados na lei, com suas limitações e extensões. Às vezes, porém, cabe à
Administração Pública estabelecer o parâmetro, medida que viria a nortear
concretamente a efetiva extensão e limite desses direitos, diante da
generalidade da norma. Esta última hipótese não pode ser entendida como um
poder ilimitado da Administração Pública, ditando regras e vedações ao seu
talante. A sua obrigação se restringe a interpretar a lei, delimitando suas
fronteiras e compatibilizando a norma legal com o bem-estar social. Este
processo de análise e aplicação da lei, estabelecendo decisões segundo as
circunstâncias de cada caso, confere um poder discricionário de avaliação e
julgamento à Administração Pública.

A discricionariedade ocorre quando a lei deixar ao Administrador a


faculdade de verificar concretamente o melhor modo de satisfazer o
mandamento legal, ou seja, quando a extensão da liberdade individual não ter
sido delimitada legalmente em termos de tipificação aferível segundo critério
objetivo, rígido, inconfundível. Em tais situações, a ação do Administrador
Público não é somente de poder, mas de dever de assumir, sendo a omissão
uma forte característica da improbidade administrativa.

Interessante observar as reações que surgem atualmente em relação à


expressão “poder de polícia”, considerada defasada no tempo por pensadores
modernos. A crítica maior dada ao poder de polícia é a sua conotação como
atividade de “não fazer”, em lugar de “fazer”. Diz Lúcia Valle Figueiredo,
3
Bandeira de Mello, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 11ª ed., São Paulo,
Malheiros, 1999.

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citando Agustín A. Gordillo, que “o poder de polícia compreendia, na
Antiguidade, a proteção de valores como a segurança, salubridade e
moralidade públicas, mas quase acima da ordem jurídica – portanto,
praticamente, como conceitos metajurídicos”.4 E continua, transcrevendo o
jurista argentino, “que a atividade policial seja somente proibitiva é uma
concepção sem uso, atualmente: as obrigações de fazer instalações de
segurança contra acidentes, de primeiros auxílios etc.; a obrigação de vacinar-
se, de pôr silenciador nos escapamentos de veículos, de construir muros, de
expor ao público lista de preços, de colocar no comércio chapas com
identificação do ramo e do proprietário, de uso de aventais etc., são todas
obrigações policiais positivas e não meras proibições. Logo, também
desapareceu esta característica de polícia”.

Sobre o assunto, diz Celso Antônio Bandeira de Mello:

"... o Poder Público impõe ao particular um dever de agir, ao passo que através
da polícia administrativa exige-se, de regra, uma inação, um non facere. Às
vezes há, aparentemente, obrigação de fazer. Por exemplo: exibir planta para
licenciamento de construção; fazer exame de habilitação para motorista;
colocar equipamento contra incêndio nos prédios. É mera aparência de
obrigação de fazer. O Poder Público não quer estes atos. Quer, sim, evitar que
as atividades ou situações pretendidas pelos particulares sejam efetuadas de
maneira perigosa ou nociva, o que ocorreria se realizadas fora destas
condições".

Em magnífica definição, Clóvis Beznos conceitua assim poder de polícia:

“Polícia administrativa é a atividade administrativa, exercitada sob


previsão legal, com fundamento numa supremacia geral da Administração, e
que tem por objeto ou reconhecer os confins dos direitos, através de um
processo, meramente interpretativo, quando derivada de uma competência
vinculada, ou delinear os contornos dos direitos, assegurados no sistema
normativo, quando resultante de uma competência discricionária, a fim de

4
Figueiredo, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 6ª ed., São Paulo, Malheiros, 2003,
p. 293.

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adequá-los aos demais valores albergados no mesmo sistema, impondo aos
administrados uma obrigação de não fazer”.5

O art. 78 do CTN define poder de polícia nos seguintes termos:

“Art. 78 – Considera-se poder de polícia a atividade da administração


pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a
prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de interesse público
concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da
produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes
de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao
respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”.

A expressão “poder de polícia” orienta-se no sentido do interesse


público, tendo como objeto assegurar o bem-estar geral intervindo na liberdade
individual, através da adoção de normas limitadoras necessárias ao bem da
comunidade. Abrange, pois, conforme atesta Themístocles Brandão Cavalcanti,
“todas as restrições impostas pelo poder público aos indivíduos, em benefício
de interesse coletivo, saúde, ordem pública, segurança e, ainda mais, os
interesses econômicos e sociais”.

Ensina Hely Lopes Meirelles, que “poder de polícia é a faculdade de que


dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de
bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do
próprio Estado”.6

O poder de polícia possui as seguintes características:

I. é inerente à administração pública e se reparte entre todos os


níveis de governo (União, Estados e Municípios). Trata-se de uma
atividade discricionária reconhecida ao governo, uma prerrogativa
do direito público, não podendo ser substabelecida, ou seja, o

5
Beznos, Clóvis. Poder de Polícia, p. 76. Citado por Lúcia Valle Figueiredo, op. cit. p. 294.
6
Meirelles, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, 11ª ed., atualizada por Célia Marisa
Prendes e Márcio Scheneider Reis, São Paulo, Malheiros, 2000, p. 393.

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poder de polícia é sempre exercido pela administração pública e
jamais delegada a terceiros.
II. tem por fundamento o interesse público e deve ser estabelecido
sempre com essa finalidade. Em termos tributários, a lei enumera
os objetivos de interesse público: segurança, higiene, ordem,
costumes, disciplina da produção e do mercado, exercício de
atividades dependentes de concessão ou autorização do Poder
Público, tranqüilidade pública, respeito à propriedade e respeito aos
direitos individuais ou coletivos.
III. manifesta-se quando o Poder Público age limitando ou
disciplinando direito, interesse ou liberdade, mediante o
regulamento da prática de ato ou abstenção de fato. Como
somente por lei é que se pode impor limitações a direitos, fácil
concluir de que o poder de polícia tem de ser constituído através de
lei formal. Todo poder de polícia tem por requisito a autorização
legal, podendo, então, manifestar-se por meio de atos
regulamentadores da lei (decreto, regulamento etc.), submetendo
os indivíduos às respectivas normas.

Verifica-se que o poder de polícia também é inerente à prestação de um


serviço público, inexistindo poder de polícia se tal poder não é exercido através
de uma efetiva atuação do Estado. Não basta a existência da lei que o
determina se não houver um órgão devidamente constituído para realizá-lo. Se
um município dispuser em lei a proibição de barulho em área residencial,
durante a noite, mas se não possuir qualquer efetivo fiscal para coibir a
transgressão aos termos da lei, o poder de polícia não se realiza, não se
cumpre. Isso significa que o poder de polícia se materializa através da
realização de atos administrativos.

O Poder Discricionário da Administração Pública

A discricionariedade, segundo Meirelles, se traduz na livre escolha, pela


Administração, da oportunidade e conveniência de exercer o poder de polícia,

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bem como de aplicar as sanções legais e empregar os meios conducentes a
atingir o fim colimado, que é a proteção de algum interesse público.

O ato discricionário nada mais é do que um ato administrativo, cuja


definição seria a norma concreta emanada pelo Estado, ou por quem esteja no
exercício da função administrativa, que tem por finalidade criar, modificar,
extinguir ou declarar relações jurídicas entre o Poder Público e o administrado.

Como pressuposto do ato discricionário, observa-se que há sempre uma


opção a ser tomada, ou seja, na discricionariedade, a Administração estaria
sempre diante de mais de uma possibilidade de atuação. Porém, o uso dessa
liberdade de optar é restrito aos limites legais, mantendo-se a autoridade na
faixa de opção que lhe é atribuída.

Deve-se observar que o ato de polícia, discricionário, em princípio, torna-


se vinculado se a norma legal que o rege estabelecer o modo e forma de sua
realização. Neste caso, a autoridade só poderá praticá-lo validamente
atendendo às exigências da lei ou do regulamento pertinente.

Essa é uma das questões mais delicadas na atuação fiscal de poder de


polícia. Até que ponto a autoridade pode utilizar o ato discricionário com mais
de uma opção? Ao encontrar um estabelecimento comercial sem Alvará de
Localização, pode o Fiscal, em vez de interditá-lo, fixar um prazo para que o
comerciante se legalize? Tal discricionariedade seria legítima? As respostas a
essas perguntas são encontradas na lei ou nos regulamentos da
Administração, que permitem ou não tal opção de decidir da autoridade fiscal.
Mas, se a legislação for omissa, e se não houver instruções formais a respeito,
fica a autoridade fiscal, com base em seu próprio discernimento, decidir pela
interdição imediata ou concessão de um prazo ao comerciante.

Essa é a diferença entre ato discricionário ‘desvinculado’ e ato


discricionário vinculado. Mas, importante não confundir discricionariedade com
arbitrariedade, sendo a primeira um ato de agir dentro dos limites legais, e a
segunda uma ação fora ou excedente da lei, com abuso ou desvio de poder. O
ato arbitrário é sempre ilegítimo e inválido, portanto, um ato nulo.

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Fato curioso, pelo absurdo, foi noticiado tempo atrás, ocorrido em um
país da Europa. O artigo contava que um homem sofreu enfarte em uma praça
pública e, chamado o socorro médico, um guarda proibiu a ambulância de
chegar até o enfermo, porque era proibido o trânsito de veículos no interior do
parque, obrigando os paramédicos a percorrerem longo trecho a pé para
prestar o atendimento. O fato deu motivos a longos debates sobre o poder
discricionário do servidor público, cujo próprio discernimento é tão importante a
ponto de compreender o alcance de uma norma e quando pode descumpri-la.

Sobre ato discricionário, Fernando Sainz Moreno diz assim:

“A discricionariedade pura só existe quando o critério da decisão deixa


de ser jurídico para converter-se em político. Os atos de discricionariedade
administrativa somente se justificam pela natureza política da decisão que é
tomada. Isto não significa que se confundam com os atos políticos de governo,
que não são, naturalmente, atos administrativos, senão que se surpreende
neles uma essência política por ser manifestação direta do Poder Público. (...)
Contrariamente, quando o critério da decisão é um critério expressado por um
conceito jurídico (qualquer que seja a indeterminação deste, inclusive quando
se trata de interesse público), tal decisão é ajuizável para controle, de tal arte
que somente é válida quando se ajustar à idéia veiculada pelo conceito”.7

Não há na Constituição Federal, distinção entre atos vinculados e


discricionários. Assim, se a matéria estiver sub judice, será o juiz que os
interpretará e atribuir-lhes-á significado. Vale enfatizar que como limite, na
dinâmica da discricionariedade, há de prevalecer a proporcionalidade, a boa-fé,
a lealdade e a igualdade. Quando, por exemplo, a aplicação da
discricionariedade é equânime para todos os administrados, forma de cumprir o
princípio da igualdade, que não pode tolerar discriminações não compatíveis
com as situações discriminadas. Aquilo que se permite a um e que se nega a
outro, é ação intolerável e não permitida.

Enfim, em numerosas situações, designadamente quando se cuida do


exercício do poder de polícia, a definição concreta dos limites do poder

7
Moreno, Fernando Sainz. Conceptos Jurídicos, Interpretación y Discrecionalidad.

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discricionário não está estabelecida previamente. Tem o agente público apenas
uma indicação extremamente vaga de que deve existir uma proporção entre a
ação e a reação, entre a perturbação do interesse público, da ordem, da
segurança ou da saúde pública e a medida de polícia que se destina a afastá-
la.

Cotejadas a ação e a reação, a perturbação que afeta o interesse


público e a medida de polícia utilizada, é que se verificará, concretamente, se
os limites do poder discricionário foram ou não respeitados.

Aliás, em alguns casos, quando diante do fato concreto só cabe uma


única medida possível, não se poderá sequer falar em poder discricionário. A
discricionariedade fica, aí, reduzida a nada, a zero, pela eliminação da
possibilidade de escolha.

Exemplos de vícios relacionados com o exercício do poder discricionário:

• Transgressão dos limites do poder discricionário – verifica-se


quando o agente público desrespeita as balizas legais fixadas ao seu
poder discricionário (exemplo: a lei estabelece multa no valor de R$
100,00 e a multa imposta foi de R$ 150,00 ou de R$ 50,00);
• Abuso ou desvio do poder discricionário – quando o agente
público pratica o ato visando a um fim diverso daquele previsto na regra
de competência ou para a qual o poder discricionário foi instituído
(exemplo: desapropriação de um bem porque o proprietário faz oposição
ao governo; utilização do poder de polícia para fins fiscais);
• Não exercício ou exercício deficiente do poder discricionário,
por erro do agente – ocorre quando o agente público acredita que sua
faixa de escolha é menor do que a lei efetivamente lhe concede ou que
sua competência é vinculada, ou que não dispõe de competência alguma,
quando, na verdade, está investido de poder discricionário. O erro poderá
decorrer, em princípio, tanto de um equivocado entendimento da norma
quanto de uma inexata apreciação dos fatos.

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Nas duas hipóteses iniciais acima, a conseqüência jurídica será a
absoluta invalidade do ato. Na última hipótese, o erro da autoridade que
praticou o ato, se consistir em erro de direito será, via de regra, juridicamente
irrelevante; e se for erro de fato poderá dar causa à anulação de ato jurídico, o
qual, entretanto, não será nulo de pleno direito.

Coercibilidade e auto-executoriedade

Coercibilidade é a imposição coativa das medidas adotadas pela


Administração. Todo ato de polícia é imperativo (obrigatório para o seu
destinatário), admitindo o emprego da força pública para o seu cumprimento,
quando resistido pelo administrado. Não há ato de polícia facultativo para o
particular, pois todos eles admitem a coerção estatal para torná-los efetivos, e
essa coerção também independe de autorização judicial. É a própria
Administração que determina e faz executar as medidas de força que se
tornarem necessárias para a execução do ato ou aplicação da penalidade
administrativa resultante do exercício do poder de polícia.

Pode, assim, a Fiscalização requerer a presença de força policial,


quando o administrado resiste e não cumpre medidas determinadas pela
autoridade. Mas, importante esclarecer, a coercibilidade não legaliza a
violência desnecessária ou desproporcional à resistência, que em tal caso pode
caracterizar excesso de poder e abuso de autoridade, ensejando ações civis e
criminais para reparação do dano e punição dos culpados.

Auto-executoriedade é a faculdade de a Administração decidir e


executar diretamente a sua decisão, sem intervenção do Judiciário. No uso
desse poder de polícia, a Administração impõe diretamente as medidas ou
sanções necessárias à contenção de atividade anti-social, que ela visa obstar.

Fácil entender que não seria possível condicionar os atos de polícia à


aprovação prévia de qualquer outro órgão ou do Poder Judiciário, condição que
acabaria por anular o poder discricionário da autoridade fiscal. Mas, por
evidência, se o particular sentir-se agravado em seus direitos, poderá reclamar,

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pela via adequada, ao Judiciário para correção de eventual ilegalidade
administrativa por excesso de poder, ou arbitrariedade.

Exemplos de auto-executoriedade:

Um caminhão de frutas, sem permissão, estaciona no logradouro


público para vender a mercadoria, prejudicando o trânsito. A autoridade fiscal
pode interditar o veículo e mandar rebocá-lo para outro local.

Uma edificação irregular oferece perigo à coletividade. A autoridade


fiscal pode embargar a obra e promover sua demolição, se for o caso, por
determinação própria.

Neste sentido, já decidiu o STF, concluindo que, no exercício regular da


autotutela administrativa, pode a Administração executar diretamente os atos
emanados de seu poder de polícia sem utilizar-se da via cominatória, que é
posta à sua disposição em caráter facultativo (RF 124/438). Nem se opõe a
essa conclusão o disposto nos artigos 287, 934 e 936 do CPC, uma vez que o
pedido cominatório concedido ao Poder Público é simples faculdade para o
acertamento judicial prévio dos atos resistidos pelo particular, se assim o
desejar a Administração (TJSP, RJTSP 119/105)

Na mesma linha doutrinária, deixou julgado o TJSP que: “Exigir-se


prévia autorização do Poder Judiciário equivale a negar-se o próprio poder de
polícia administrativa, cujo ato tem de ser direto e imediato, sem as delongas e
complicações de um processo judiciário prévio” (TJSP, RT 183/823).

Neste teor, diz Hely Lopes Meirelles:

“Consoante esse entendimento, que se assenta em sólidas razões de


direito e de interesse público, é atribuição das Prefeituras, no âmbito municipal,
expedir, fiscalizar e cassar as licenças e autorizações concedidas no uso do
poder de polícia administrativa do Município, bem como ordenar e fazer

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executar diretamente as medidas restritivas de direito individual e as sanções
correspondentes, autorizadas em lei ou regulamento”.8

Vale destacar que tais medidas de polícia administrativa devem ser


realizadas pelos próprios servidores municipais autorizados e incumbidos do
serviço, podendo, ou não, contar com o apoio de força policial.

O Agente Fiscal: Competência de Ação

Dentre as condições de validade do ato de polícia está inserida a


competência do agente, sem a qual o ato perde toda sua eficácia. Tendo os
Municípios poder para organizar o serviço público e o seu pessoal, cada um
elabora de seu modo o regime jurídico de seus servidores, segundo as
conveniências locais. Entretanto, duas regras fundamentais devem ser
observadas: que a organização se faça por lei e a imposição dos preceitos
constitucionais.

Além do Prefeito, autoridade que delega responsabilidades, o exercício


da função de poder de polícia compete unicamente aos Agentes Fiscais. Isto
que poderia significar aos mais desavisados como “poder”, deve ser
interpretado como função de extrema responsabilidade. O Agente Fiscal
obriga-se em todos os sentidos a atuar sob o princípio da legalidade,
mantendo-se dentro dos estritos termos da lei e, tratando-se de terreno
sobremodo delicado, por tocar em direitos de propriedade e de liberdade, as
normas que disciplinam a atividade administrativa são especialmente rígidas.

O servidor público que exerce atribuições na área fiscal está jungido ao


plexo das regras genéricas do direito administrativo, a que se seguem as
dispostas na legislação fiscal que, a rigor, são também normas de direito
administrativo. E a distinção entre o trabalho exercitado externamente, ou no
âmbito interno das repartições, em nada modifica o regime jurídico de sua
atividade.

8
Meirelles, Hely Lopes. Ob. cit. p. 400.

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O Supremo Tribunal Federal já decidiu que mesmo em face da
responsabilidade objetiva do ente público, e sem prejuízo desta, é cabível a
ação de indenização promovida pela vítima também contra o agente fiscal.

O Poder de Polícia das Construções

A polícia das construções é efetivada pelo controle técnico funcional da


edificação particular, observando as exigências de segurança, higiene,
funcionalidade, destinação e o ordenamento urbanístico, expresso nas normas
de zoneamento, uso e ocupação do solo urbano.

Diz o art. 1.299, do Código Civil, que o proprietário pode levantar em seu
terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os
regulamentos administrativos. Tais regulamentos, sendo de natureza local,
competem ao Município, geralmente expressos no Plano Diretor e no Código
de Obras, ou, como alguns chamam, Código de Zoneamento Urbano. De forma
geral, o Código de Obras fixa as condições técnicas e funcionais da edificação,
enquanto o Código de Zoneamento Urbano estabelece, por evidência, o
zoneamento da cidade.

O poder municipal de controle das edificações decorre da Constituição


Federal, que outorga competência direta ao Município para promover o
ordenamento de seu território, mediante planejamento e controle de uso, do
parcelamento e da ocupação do solo urbano.

O Estatuto da Cidade – Lei nº 10.257 – regulamentou os artigos 182 e


183 da Constituição Federal, estabelecendo diretrizes gerais da política
urbanística, regulando o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo,
da segurança e do bem-estar dos cidadãos.

O Código de Obras deve estabelecer minuciosamente os requisitos de


cada modalidade de construção (residencial, comercial, industrial etc.). Dentre
as exigências edilícias, são perfeitamente cabíveis as que se relacionam com a
solidez da construção, altura, recuos, cubagem, aeração, insolação,

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coeficientes de ocupação, estética das fachadas e demais requisitos que não
contrariem as disposições da lei civil concernentes ao direito de construir.

A propósito, o Código Civil estabelece, dentre outras, as seguintes


proibições ao proprietário:

- A construção não pode despejar água diretamente sobre o prédio


vizinho;
- A construção não pode abrir janelas, ou fazer eirado, terraço ou
varanda, a menos de metro e meio do terreno vizinho;
- As janelas cuja visão não incida sobre a linha divisória, bem como
as perpendiculares, não poderão ser abertas a menos de setenta e
cinco centímetros;
- Não é lícito encostar à parede divisória chaminés, fogões, fornos ou
quaisquer aparelhos ou depósitos suscetíveis de produzir
infiltrações ou interferências prejudiciais ao vizinho;
- Não é permitida a execução de qualquer obra ou serviço suscetível
de provocar desmoronamento ou deslocação de terra, ou que
comprometa a segurança do prédio vizinho, senão após haverem
sido feitas as obras acautelatórias.

O projeto de obra deverá atender a todos os requisitos legais e


regulamentares da construção, sendo obrigatória a sua elaboração por
engenheiro ou arquiteto legalmente habilitado. Se a documentação não estiver
em ordem, a Prefeitura deve comunicar ao requerente as exigências faltantes,
para que seja suprida em prazo viável. O indeferimento e arquivamento
sumário do processo é medida considerada arbitrária e ilegal, pois a
Administração não pode esquecer que a construção é um direito do proprietário
e que a aprovação é obrigatória e vinculante para o Poder Público, quando
satisfeitos os requisitos administrativos. Aprovado o projeto, é expedida a
licença de construção em favor do requerente.

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Licença de Construção

A licença de construção é o instrumento de autorização para construir de


acordo com o projeto aprovado. Vários Municípios costumam distinguir dois
tipos de licença de construção: A licença definitiva, quando se trata de
construção definitiva em terreno do requerente; a licença de autorização,
quando se tratar de construção provisória, ou construção em terreno do
domínio público.

A licença pode ser invalidada por:

- Cassação, quando ocorrer descumprimento incorrigível do projeto,


em partes essenciais, durante sua execução;
- Anulação, quando a licença foi obtida por meio de fraude ou
desobediência a lei;
- Revogação, quando sobrevier motivo de interesse público que exija
a não realização da obra licenciada.

Em todos os casos acima, a Administração deve apontar o motivo


invalidatório e dar oportunidade de defesa ao interessado, antes de efetivar a
invalidação da licença, e só o fará em despacho fundamentado, se inaceitáveis
as razões opostas.

Auto de Embargo e Auto de Interdição

A função de fiscalizar as obras em execução é o meio mais eficiente de


o Município exercer o policiamento administrativo das edificações, por se tratar
de ação preventiva, constatando qualquer irregularidade em momento ainda
oportuno de correção. Em tais casos, a Fiscalização deverá notificar o
responsável para corrigir o defeito em prazo viável, geralmente estipulado em
lei ou regulamento.

Não sendo a notificação atendida, a Fiscalização poderá embargar a


obra, mediante a lavratura do respectivo Auto de Embargo, fazendo paralisar a
construção. Se houver resistência, a Fiscalização poderá requisitar força
policial para o cumprimento da determinação municipal.

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Portanto, Auto de Embargo é lavrado quando a construção ainda estiver
em andamento, não concluída.

Tratando-se de construções já concluídas, e até mesmo habitadas ou


com qualquer outro uso, a Fiscalização notificará os ocupantes da
irregularidade a ser corrigida e, se necessário, interditará a sua utilização,
mediante o competente Auto de Interdição, promovendo a desocupação
compulsória se houver insegurança manifesta, com risco de vida ou saúde para
seus ocupantes.

Portanto, Auto de Interdição é lavrado quando a construção já estiver


concluída, ocupada ou não.

Todos esses procedimentos devem constar em processo administrativo


regular, na forma estabelecida no Código de Obras do Município.

Obra clandestina

Tratando-se de obra clandestina, ou seja, aquela que não possui alvará


ou licença de construção, além do embargo, se não estiver concluída, ou de
interdição, se estiver concluída, a Administração pode determinar a sua
imediata demolição, porque em tal situação o particular está incidindo em
manifesto ilícito administrativo, comprovado pela ausência de autorização,
concluindo-se que o projeto nem foi analisado pela área técnica da
Administração Municipal.

Importante ressaltar que até mesmo no caso de obra clandestina, deve


ser aberto processo administrativo, permitindo-se ao infrator a oportunidade de
defesa e, se possível, a regularização da obra, mas sem a dispensa das
penalidades previstas na lei.

Uma obra clandestina deve ser severamente combatida por se tratar não
só de flagrante desrespeito às normas legais constituídas, mas também como
exemplo pernicioso de uma eventual ineficácia da Administração Municipal.
Temos, porém, que distinguir as obras clandestinas em relação ao seu vulto e
características. Assim, tanto existem obras clandestinas de edificações novas e

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integrais, quanto construções complementares ou adicionais efetuadas no
interior de uma edificação existente.

O Código de Obras geralmente se manifesta sobre os vários tipos de


construções, mas, de forma geral, há uma atenuação de penalidades quando a
obra clandestina é apenas um complemento adicional em uma edificação já
existente. Entretanto, atenuação de penalidades não pode significar dispensa
de licença ou permissão “ex-officio” da Administração. Afinal, existem ‘obras’ e
‘obras’. A pintura de uma casa não deixa de ser uma obra, embora o seu grau
de risco em nada se compara com a reforma de um telhado, ou ampliação da
área construída.

A legislação municipal deve, portanto, graduar as exigências em função


da amplitude da obra que se pretenda realizar. Até mesmo dispensá-las, nos
casos de reformas de risco mínimo, mas a lei ou regulamento é quem deve
dispor sobre a matéria. Bom lembrar que em certos Municípios a pintura da
fachada de um prédio pode prejudicar o conjunto arquitetônico daquele local,
tornando-se, por esse motivo, aspecto previsto na legislação, sujeitando-se o
proprietário a uma série de exigências.

A Mais-Valia

Mais-valia é um conceito econômico elaborado por Karl Marx, mas a


expressão é bastante difundida em Portugal em termos tributários. Para
Rubens Gomes de Souza, mais-valia consiste no “aumento de valor dos bens
capitais, verificados por ocasião de sua alienação, ou através de sua
reavaliação”. Aparentemente, portanto, nada a significar com o tema ora
discutido, mas vários Municípios instituíram a figura da “Mais-valia” em seus
códigos de obras, cujo conceito é o oferecimento de uma alternativa ao
construtor que tenha contrariado certas especificações do projeto aprovado
pela Prefeitura, durante a execução da obra.

Assim, diante da opção que lhe oferece a chamada “mais-valia”, o


construtor pode manter a obra com as irregularidades constatadas, mediante o
pagamento de uma multa, penalidade que se denomina “mais-valia”. Se o

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proprietário não concordar em pagar a “mais-valia”, fica obrigado a consertar as
irregularidades existentes.

Isolando os aspectos pragmáticos da referida “mais-valia”, não resta


dúvida que se trata de uma esdrúxula concepção jurídica, quando a penalidade
perdoa a transgressão sem remediá-la, criando um método de burlar as
normas de construção estabelecidas por lei. A “mais-valia” é revestida de uma
roupagem legal, mas, na verdade, procura disfarçar a ineficácia da Fiscalização
em suas atividades preventivas, deixando para constatar as irregularidades
somente após sua conclusão. Além disso, a medida transfigura o objeto do
código de obras, essencialmente vinculado às normas técnicas de construção e
urbanismo, para transformar-se em coletor de receitas quase tributárias,
distorcendo a validade de seu conteúdo.

O Poder de Polícia Sanitária

A Constituição Federal reserva competência à União para editar normas


gerais de defesa e proteção da saúde (art. 24, XII, e § 1º). Temos, então, a
legislação federal regulamentando as condições para a promoção, proteção e
recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços
correspondentes. Além disso, existem leis supletivas dos Estados, como o
Código Sanitário Estadual.

A Constituição reserva, também, competência comum da União, dos


Estados e dos Municípios para cuidar da saúde e da assistência pública (art.
23, II). Além disso, compete aos Municípios legislar sobre assuntos de
interesse local (art. 30, I), suplementar a legislação federal e a estadual no que
couber (art. 30, II) e prestar serviços de atendimento à saúde da população.

Temos aqui um exemplo do chamado serviço público concorrente, isto é,


quando o serviço tem caráter comum aos três níveis de governo. Em tais
casos, se houver cobrança de taxa de poder de polícia, esta só poderá ser
exigida pela pessoa jurídica de direito público que tenha atribuição específica,
prevalecendo sobre a instituída pela entidade que tenha atribuição
complementar, se ambas forem concomitantes. Assim, para a instituição de

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taxa, embora de competência comum, somente a entidade política competente
é que poderá exigir a taxa, não se admitindo invasões na área de atuação
pública estabelecida pela lei (“no âmbito das suas respectivas atribuições”,
dispõe o art. 77 do Código Tributário Nacional).

Não há, portanto, que dizer da incompetência municipal em fiscalizar as


condições sanitárias da cidade, pois cabe à Administração Municipal exercer a
polícia sanitária local em todos os assuntos de seu interesse, concernente à
saúde pública.9

Saúde pública está relacionada com a higiene, com o asseio da cidade.


E o asseio da cidade envolve varrição e lavagem dos logradouros públicos,
coleta de lixo, condução de águas pluviais, redes de água potável e de
esgotos, desinfecção de locais insalubres, desmatamento de terrenos baldios,
combate a animais nocivos, purificação do ar respirável etc.

Vai daí que se torna responsabilidade da Administração Municipal a


fiscalização e o controle das atividades poluidoras, da limpeza dos
estabelecimentos abertos ao público, da higiene dos produtos alimentícios
ofertados ao público, dos terrenos baldios particulares etc.

Nesse sentido, deve o Município dispor do poder de polícia necessário à


fiscalização sanitária das coisas e locais, públicos ou particulares, que devam
manter-se higienizados, em benefício da salubridade coletiva, podendo impor
as sanções cabíveis, na forma regulamentar.

O serviço de inspeção sanitária é constante, devendo ser praticado


regularmente. A Justiça já decidiu que “os princípios de polícia sanitária,
sempre em evolução, na medida das exigências sociais, não conferem direito
adquirido”, daí a necessidade de periódicas renovações de autorizações do
Poder Público sobre a matéria (TJSP, RT 559/130 e 670/72).

No exercício do poder de polícia de saúde pública, não podemos deixar


de lado a manutenção do sossego público. O controle dos ruídos incômodos é

9
È a questão da taxa de inspeção sanitária, que será comentada posteriormente.

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ponto relevante, pois tais ruídos são prejudiciais à vida psíquica dos cidadãos.
A ciência médica já proclamou os efeitos perniciosos dos ruídos persistentes,
estridentes e incômodos, responsáveis em boa parte pelos distúrbios nervosos
das pessoas. É dever do Poder Público amenizar tanto quanto possível a
propagação de ruídos incômodos aos habitantes, especialmente nas horas de
repouso.

O Poder de Polícia dos Logradouros Públicos

O Município detém competência para fiscalizar e controlar os


logradouros públicos, entendendo-se como tais os espaços públicos ou
particulares abertos à freqüência coletiva.

Portanto, a expressão “logradouro público” não se limita aos locais


públicos (ruas, praças, praias, parques), mas também é extensivo aos locais
particulares abertos ao público, como mercados, escolas, restaurantes, templos
religiosos, casas de show e vários outros. Segundo Amílcar Rasori, esses
espaços “constituem locais de assistência e freqüência coletiva”,10 cabendo,
portanto, à legislação municipal definir os locais de assistência e freqüência
coletiva para fins de fiscalização e controle da segurança, da higiene, do
conforto, da moral, e demais condições convenientes ao bem-estar do
público.11

Seriam medidas de segurança, dentre outras:

- limitação de lotação relativa à capacidade do espaço;


- saídas de emergência;
- equipamentos contra incêndio;
- mobiliário em estado precário e capaz de provocar acidentes;
- instalações elétricas deficientes e mal acondicionadas.

Seriam medidas de higiene, dentre outras:

10
Rasori, Amílcar. Revista de Direito e Administração Municipal. Buenos Aires, 1932.
11
Há pouco tempo, os jornais noticiaram a interdição de um cinema provocada pela existência
de ratos no salão. Um exemplo de atuação fiscal em logradouro público.

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- limpeza e asseio do local e dependências;
- ventilação adequada;
- uniformes ou vestimenta dos funcionários em bom estado de
limpeza;
- alimentos bem conservados e guardados, quando for o caso;
- utensílios limpos e desinfetados.

O Poder de Polícia da Propaganda e Publicidade

A propaganda e a publicidade, quando efetuadas na área pública,


devem estar sujeitas à regulamentação e controle da Administração Pública
Municipal.

Existe uma diferença conceitual entre propaganda e publicidade:

PROPAGANDA – Qualquer forma paga de apresentação não pessoal


de idéias, produtos ou serviços por um patrocinador identificado.

PUBLICIDADE – Qualquer forma não paga de apresentação não


pessoal de idéias, produtos ou serviços.

Essa distinção é importante para identificar no regulamento municipal as


situações do exercício do poder de polícia. Temos, por exemplo, uma placa na
porta de um consultório médico, na qual está escrito:

Dr. José da Silva

Clínico Geral

Esta placa não pode ser tratada como Propaganda, podendo até ser
entendida como Publicidade, mas, na verdade, trata-se apenas de uma placa
identificadora do consultório. Se a lei municipal determina o controle e
fiscalização tão-somente de propaganda e publicidade, esta placa,
conceitualmente, estaria fora do alcance do poder de polícia.

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Vamos, agora, tomar outro exemplo:

Dr. José da Silva

Clínico Geral

1ª Consulta GRÁTIS

Aceita todos os planos de saúde

Bem, agora o Dr. José da Silva já está fazendo propaganda, utilizando


sua placa identificadora do consultório como meio de promoção.

Alguns regulamentos não esclarecem tais situações, criando embaraços


à fiscalização. Existem outros que estabelecem medidas máximas toleráveis
para que sejam caracterizadas como placas identificadoras. É um
procedimento razoável, que, via de regra, surte efeito. Por exemplo, placa
identificadora não pode ter um tamanho superior a 50 cm de altura por 50 cm
de largura.

Outra forma de proceder é determinar o local da instalação da placa, ou


seja, placa identificadora somente pode ser fixada na porta do estabelecimento.
Se constar placa presa à marquise, na janela, na entrada do prédio, não seria
considerada como placa identificadora.

De qualquer forma, de fundamental importância que o regulamento


municipal defina o que venha a ser propaganda, daquilo que seria anúncio de
identificação.

Um exemplo de maior grandiosidade: o conhecido “M” em arco que


identifica as lanchonetes Mc Donald seria propaganda ou não? Em termos
técnicos, não, tratando-se apenas de uma identificação da loja. Entretanto, se
aquele arco estiver instalado distante da loja, ao lado de uma estrada, por

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exemplo, sua função passa a ser unicamente de propaganda, e não mais
identificadora.12

São várias as formas de propaganda que devem ser controladas pelo


Fisco Municipal:

- - Propaganda em veículos – sonoras ou não;


- - Cartazes colados nas paredes, postes ou tapumes;
- - Outdoor;
- - “Santinhos” distribuídos aos pedestres;
- - Panfletos distribuídos aos motoristas, nos sinais de trânsito;
- - Cartazes informando promoções de produtos, nas portas do
estabelecimento comercial.

São comuns hoje em dia empresas de ônibus utilizarem seus veículos


para estamparem propagandas de produtos, assim como táxis carregando
propaganda na parte superior dos carros. Outro exemplo de propaganda, são
esses cartazes (geralmente feios e antiestéticos) que lojas e supermercados
costumam pendurar na frente de seus estabelecimentos. Mais um exemplo de
propaganda nociva para o Município, são esses “santinhos” distribuídos nas
ruas que mais servem para sujar a cidade.

O Poder de Polícia das Atividades Urbanas

O poder de polícia administrativa se estende a todas as atividades e


estabelecimentos urbanos, desde a sua localização até o seu regular
funcionamento. Não importa o tipo do estabelecimento, se loja, consultório,
escritório, quiosque, todos estão sujeitos à fiscalização.

De início, é preciso esclarecer que não pertence à alçada municipal


fiscalizar a capacidade ou legitimidade do exercício profissional de ninguém, ou
examinar se a pessoa está auferindo lucros ou prejuízos. Não cabe ao
Município investigar oficialmente se o registro de um Médico é legítimo ou
12
Caso parecido ocorreu em um Município que lançou a taxa de propaganda sobre o enorme
objeto cilíndrico que identifica uma rede internacional de supermercados. A empresa recorreu e
ganhou, provando que o objeto apenas identificava a loja, enquanto o regulamento do
Município se referia somente à propaganda.

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falsificado, tarefa destinada ao Conselho da classe. No caso de uma denúncia
ou suspeita, caberia à Administração Municipal informar à Polícia do Estado, ou
ao Conselho, e não sair tomando providências investigatórias.

Compete à Administração Municipal, isso sim, fiscalizar os aspectos de


segurança, higiene, localização, horário de funcionamento, sossego público e
se a atividade autorizada não foi desvirtuada para outras não aprovadas. Até
mesmo as atividades exercidas na zona rural ficam sujeitas ao poder de polícia
do Município, desde que afetem a vida da cidade, por seus efeitos poluidores
ou por qualquer outra forma prejudicial à coletividade.

De acordo com o regulamento local, até mesmo o modo de


apresentação das mercadorias, utilidades e serviços oferecidos ao público é
fiscalizado, incluindo ocupação das calçadas, lotação demasiada de
mercadorias impedindo o trânsito dos clientes, exposição perigosa de artigos
nocivos à saúde, ou de fácil acesso de crianças.

A fixação de horário do comércio por parte da Administração Municipal já


está pacificada. O Supremo Tribunal Federal, em 24 de setembro de 2003,
emitiu a Súmula 645, considerando o Município a autoridade política
competente para fixar o horário de funcionamento de estabelecimentos
comerciais.

Compete, também, ao Município normatizar o comércio ambulante e as


feiras livres. Nas grandes cidades, o comércio informal, o camelô, tornou-se um
sério problema de difícil solução, entrando em conflito o ordenamento da
cidade contra a realidade social do País. Várias soluções foram tentadas, como
a criação de mercados populares, o camelódromo, a fixação dos ambulantes
em locais predeterminados, ou a repressão radical dos vendedores. Um
número cada vez maior de desempregados e sem outras possibilidades de
sustento, provoca o aumento contínuo de pessoas vendedoras de ruas,
invalidando as medidas de disciplinamento desse comércio.

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Poder de Apreensão de Mercadorias

Veja, abaixo, as decisões da Justiça sobre apreensão de mercadorias:

Súmulas do Supremo Tribunal Federal:

Súmula 70 – “É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio


coercitivo para cobrança de tributo”. Julgados: RMS 9698, de 11.07.62 (DJ de
29.11.62); e RE 39.933, de 09.01.61.

Súmula 323- “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio


coercitivo para pagamento de tributos”. Julgado: RE 39.933, de 09.01.61

Súmula 547- “Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em


débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça
suas atividades profissionais”. Julgados: RE60.664, de 14.02.68 (RTJ, 45/629);
RE65.047, de 14.02.68 (DJ de 28.06.68); RE 63.045, de 11.12.67 (RTJ,
44/422); e RE 64.054, de 05.03.68 (RTJ, 44/776).

Em Direito Tributário a expressão sanções políticas corresponde a


restrições ou proibições impostas ao contribuinte, como forma indireta de
obrigá-lo ao pagamento do tributo, tais como a interdição do estabelecimento, a
apreensão de mercadorias, o regime especial de fiscalização, entre outras.
Qualquer que seja a restrição que implique cerceamento da liberdade de
exercer atividade lícita é inconstitucional, porque contraria o disposto nos
artigos 5º, inciso XIII, e 170, parágrafo único, do estatuto maior do país.

São exemplos mais comuns de sanções políticas e apreensão de


mercadorias sem que a presença física destas seja necessária para a
comprovação do que o fisco aponta como ilícito; o denominado regime especial
de fiscalização, a recusa de autorização para imprimir notas fiscais, a inscrição
em cadastro de inadimplentes com as restrições daí decorrentes, a recusa de
certidão negativa de débito quando não existe lançamento consumado contra o
contribuinte, a suspensão e até o cancelamento da inscrição do contribuinte no
respectivo cadastro, entre muitos outros.

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Tais medidas são consideradas inconstitucionais, entre elas a apreensão
de mercadorias, mas quando provocadas como justificativas de ordem
tributária. Nada existe de impeditivo, porém, quando motivadas em função do
poder de polícia administrativa, com o intuito de preservar a comunidade, ou
evitar danos coletivos e difusos, desde que sempre vinculada à norma legal.

A lei municipal deve expressamente explicitar as condições e meios que


permitem a apreensão de mercadorias, interdição de estabelecimentos e
embargos de construção. Mais ainda, a lei deve relatar os procedimentos que
deverão ser adotados no momento da ação fiscal, como a lavratura do termo
de apreensão, em que se discrimina detalhadamente a mercadoria apreendida,
com todas as suas características, além de identificar a condição da
mercadoria, se perecível ou não.

Por exemplo, transcrevemos abaixo parte de uma lei municipal:

§ 3o. No caso de apreensão, lavrar-se-á através de auto próprio, em que


se discriminarão as mercadorias apreendidas, cuja devolução será feita,
imediatamente, à vista de documento de identidade e da cópia do auto de
apreensão, paga a multa e a taxa de apreensão.

§ 4o. No caso de apreensão de mercadoria perecível ou outra qualquer


de interesse de saúde pública, será adotado o seguinte procedimento:

I. Submeter-se-á a mercadoria à inspeção por técnicos sanitários da


Secretaria de Saúde do Município e/ou do Estado; se constatada
deterioração ou outra qualquer irregularidade dar-se-á destino
adequado à mercadoria.
II. Cumprindo o disposto no inciso anterior, em caso de não ser
apurada irregularidade quanto ao estado da mercadoria, dar-se-á
prazo de 01(um) dia para sua retirada, desde que esteja em
condições adequadas de conservação. Expirado o prazo, será a
mercadoria entregue à instituição de caridade mediante
comprovante;

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III. As mercadorias não perecíveis, após análise e liberação para o
consumo, deverão ser requeridas pelo autuado, no prazo máximo
de 30 (trinta) dias, após o que será objeto de leilão público, sendo
seu resultado disciplinado pela Lei nº 1.193(Código de Posturas
do Município).

Observe que o § 3º está condicionando a entrega da mercadoria ao


pagamento da multa e da taxa de apreensão, sem qualquer referência à
correção do motivo da infração, dando a entender que a medida tomada de
apreender a mercadoria teve como causa maior criar meios coercitivos para
que o infrator pague a penalidade. Em outras palavras, pagando a multa, a
normalidade estaria restabelecida, assertiva distante do razoável. Nesses
termos, o § 3º se presume em ato irregular, conflitante às decisões da Justiça.

As normas contidas no § 4º também geram dúvidas. Por aparência,


mesmo que a mercadoria esteja em estado de deterioração, o infrator poderia
recebê-la de volta, mediante o pagamento das penalidades? Qual seria, de
fato, o ‘destino adequado’ a ser dado à mercadoria?

Enfim, o legislador deve ser cuidadoso e meticuloso na redação de


normas que implicam em ações drásticas de poder de polícia, a fim de não
deixar dúvidas sobre os procedimentos que deverão ser cumpridos pela
Fiscalização.

Código de Posturas

O Código de Posturas abriga vários itens de poder de polícia especial.


Ao contrário do poder de polícia geral, a cuidar de pessoas, individual ou
coletivamente, aquele trata de bens, direitos e atividades, de setores
específicos que afetam bens de interesse coletivo, como a construção, a
higiene pública, o uso de vias e logradouros públicos, o sossego público etc...

O legislador municipal não é, porém, totalmente livre e independente


para legislar ao seu talante sobre obrigações impostas à coletividade. Existe

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um limite, demarcado pelo interesse social em conciliação com os direitos
fundamentais do indivíduo, o que é assegurado na Constituição Federal.

Um Estado democrático inspira-se nos princípios de liberdade e nos


ideais de solidariedade humana, surgindo daí a fruição dos direitos de cada um
e os interesses da coletividade, em favor do bem comum. Como diz Ripert, “o
direito do indivíduo não pode ser absoluto, visto que absolutismo é sinônimo de
soberania. Não sendo o homem soberano na sociedade, o seu direito é, por
conseqüência, simplesmente relativo”.

Assim, ao mesmo tempo em que o legislador pode proibir pessoas de


conduzir cães em locais públicos, como nos shoppings ou nas praias, não
poderia proibir, simplesmente, possuir cães, pois estaria interferindo
unicamente no direito do indivíduo. Ao proibir a condução de cães em locais
públicos, o legislador estaria cuidando da segurança da coletividade, o que não
seria o mesmo ao proibir radicalmente a posse do animal.

Ensina Hely Lopes Meirelles: “Através de restrições impostas às


atividades do indivíduo, que afetem a coletividade, cada cidadão cede parcelas
mínimas de seu direito à comunidade, e o Estado lhe retribui em segurança,
ordem, higiene, sossego, moralidade e outros benefícios públicos,
propiciadores do conforto individual e do bem-estar geral. Para efetivar essas
restrições individuais em favor da coletividade, o Estado se utiliza desse poder
discricionário, que é o poder de polícia administrativa. Tratando-se de um poder
discricionário, a norma legal que o confere não minudeia o modo e as
condições da prática do ato de polícia. Esses aspectos são confiados ao
prudente critério do administrador público. Mas, se a autoridade ultrapassar o
permitido em lei, incidirá em abuso de poder, corrigível por via judicial. O ato de
polícia, como ato administrativo que é, fica sempre sujeito à invalidação, pelo
Poder Judiciário, quando praticado com excesso ou desvio de poder”.

Em vários Municípios, o código de posturas é parte integrante do código


de zoneamento urbanístico, adicionando-se ao código de obras. Em outros, o
código de posturas é objeto de uma lei isolada, coexistindo com outra, relativa

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às edificações. Geralmente, o código de obras, ou de edificações, ou de polícia
urbanística, cuida dos seguintes setores:

- Controle das edificações;


- Controle do parcelamento do solo;
- Normas de zoneamento;
- Licença de obras.

Já o código de posturas cuida do seguinte:

- - Higiene pública;
- Sossego público;
- Trânsito e tráfego;
- Empachamento das vias públicas;
- Propaganda e Publicidade nos estabelecimentos e vias públicas;
- Trânsito de animais em áreas públicas;
- Combate à proliferação de animais nocivos à saúde pública;
- Horário de funcionamento do comércio e da indústria;
- Autorização e controle do comércio ambulante;
- Autorização e controle das feiras-livres;
- Controle do meio-ambiente;
- Controle das atividades urbanas em geral.

CAPÍTULO II
O Alvará de Funcionamento e Localização

Chama-se de Alvará de Funcionamento, ou Alvará de Localização e


Funcionamento, o documento emitido pela Prefeitura que autoriza qualquer tipo
de estabelecimento não residencial a exercer suas atividades, ao mesmo
sendo obrigadas, também, as residências de uso misto, ou seja, aquelas
utilizadas para fins residenciais e para exercício de uma atividade profissional.

O Alvará é concedido mediante a observância da lei de zoneamento


urbano do Município, que especifica as atividades permitidas em cada região,
bairro ou rua, ou até mesmo trechos de rua, com o intuito de manter o

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ordenamento da cidade. Ao mesmo tempo, a lei pode proibir expressamente o
funcionamento de certas atividades consideradas impróprias ou perigosas à
população.

O Alvará, portanto, é documento indispensável ao exercício de uma


atividade, cabendo à autoridade municipal a interdição de qualquer
estabelecimento que funcione sem a devida licença.

Uma questão a ser definida pelo regulamento municipal diz respeito a


quem se obriga a obter o Alvará, ou a quem se dispensa da exigência do
documento. Geralmente, as repartições públicas, federais, estaduais e
municipais gozam de dispensa da obrigatoriedade, mas existem certas
situações mais complexas. Uma delas é quando um profissional exerce sua
atividade em sua própria residência, como, por exemplo, um advogado, um
corretor de imóveis, um engenheiro etc. Outro exemplo é quando uma
residência serve de templo religioso.

Vários Municípios entendem que na utilização mista de uma residência,


a exigência do Alvará está vinculada ao uso público do imóvel. Assim, se a
atividade conta com a presença de público, passa a ser obrigatória a
autorização municipal. Quando o exercício da atividade dispensa a presença
de público, estaria dispensada da obrigação. Outra referência seria a utilização
do imóvel para armazenagem de mercadorias, o que determinaria a obrigação
do Alvará, mesmo que não aja freqüência de público.

Veja a decisão da Justiça sobre a exigência de alvará para


funcionamento de um templo religioso:

“(...) Outro equívoco da Impetrante, reside no fato de que, não obstante,


no âmbito deste Município, tenha a isenção da Taxa de Funcionamento, tal fato
não lhe exime de obter a respectiva Licença de Funcionamento, em virtude da
existência de norma legal lhe impondo tal obrigação. É inquestionável o direito-
dever do Município de controlar, com o poder de polícia que lhe é conferido,
todas as atividades no âmbito de sua base territorial. (...) Por isso, sendo o
Alvará um ato administrativo vinculado às leis municipais, ele é ato-condição

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para o exercício de qualquer atividade no âmbito do Município, detendo o
Poder Público o poder-dever de exigi-lo de todos aqueles que exerçam ou
pretendam exercer qualquer atividade, comercial ou não, na respectiva área
territorial” (M/S 0759 – Juízo de Direito da 4ª Vara Cível da Comarca de São
Gonçalo, RJ).

Assim, importante esclarecer, Alvará não é taxa, não é tributo. É tão-


somente um ato administrativo que autoriza um estabelecimento a funcionar.
Para sua concessão, pode até haver a necessidade do pagamento de uma
taxa, como taxa de expediente, ou uma taxa a ser paga de uma só vez em
função do poder de polícia administrativa, contrapartida pelo exame da
documentação e verificação da possibilidade legal de autorizar o
funcionamento do estabelecimento.

Requisitos de Concessão do Alvará

Existem três tipos de Alvará de Localização: o definitivo, concedido


mediante o cumprimento de todas as exigências pertinentes; o provisório,
concedido por um prazo determinado, em vista do não cumprimento de todas
as exigências de documentação, ou por ser uma atividade de caráter
transitório; e o alvará a título precário, quando concedido para atividades
singelas, de forma excepcional, que poderá ser cancelado a qualquer
momento, sem prévio aviso. O alvará definitivo consubstancia uma licença; o
alvará precário expressa uma autorização. O primeiro tem que ser expedido
desde que o requerente atenda aos requisitos legais para sua obtenção, e não
pode ser invalidado discricionariamente, a não ser a cassação por interesse
público superveniente e justificado. O segundo pode ser negado ou revogado
sumariamente a qualquer tempo.

A legislação municipal costuma atuar da seguinte maneira:

- O Alvará é obrigatório:

a. Para todos os locais onde há o exercício de atividades por


pessoas jurídicas, inclusive empresas públicas, autarquias,

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fundações e entidades beneficentes, assistenciais e
religiosas;
b. Para todos os locais onde há o exercício de atividades
profissionais por pessoas físicas.

Normas usuais de análise para concessão de


alvará

Vale observar que o Alvará de Localização diz respeito ao local,


ao estabelecimento, mas ao ser concedido observa-se a atividade que ali será
exercida, além das características do local.

Desse modo, a licença é outorgada mediante a análise:

- do local (zoneamento urbano);


- do estabelecimento (condições materiais do prédio ou do espaço
ocupado);
- da atividade (dados cadastrais e suas características).

Da análise do local, observa-se:

- se a região, bairro ou rua permite o funcionamento daquele tipo de


estabelecimento;
- se há algum impedimento em relação à vizinhança;
- questões especiais em relação à proximidade de atividades não
adequadas àquele tipo de estabelecimento.

Da análise do estabelecimento, observa-se:

- compatibilidade física do imóvel com a atividade a ser exercida;


- Situação do imóvel:
o se averbado ou licenciado para uso;
o se devidamente inscrito no Cadastro Imobiliário;
o o histórico cadastral do imóvel.

Da análise da atividade, observa-se:

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- Tipo de atividade que precisa apresentar registro de habilitação
profissional:
o Farmácia ou Drogaria;
o Construção Civil;
o Arquitetura e Projetos;
o Corretora de Imóveis;
o Clínica Médica, Casa de Saúde, Hospital;
o Clínica Odontológica;
o Clínica Veterinária;
o Ensino Regular;
o Creche (Enfermeira ou Médico responsável);
o Jardim de Infância (Enfermeira ou Médico responsável);
o Laboratório de Análise Médica;
o Leilão;
o Escritório de Contabilidade;
o Escritório de Advocacia;
o Escritório de Auditoria;
o Escritório de Consultoria Econômica;
o Clínica de Psiquiatria;
o Clínica de Psicologia;
o Clínica de Fonoaudiologia;
o Academia de Ginástica;
o Clínica de Fisioterapia;
o Escritório de Representação Comercial;
o etc.
- Tipo de atividade que obriga a apresentação de licenças especiais:
o Indústria de Gesso – IBAMA;
o Indústria Metalúrgica – Meio Ambiente;
o Indústria de Móveis – Meio Ambiente;
o Indústria de Bebidas – Fiscalização Sanitária;
o Farmácia e Drogaria – Fiscalização Sanitária;
o Posto de Combustível – Aprovação especial do Corpo de
Bombeiros;

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o Distribuidora de Gás – Aprovação especial do Corpo de
Bombeiros;
o Comércio de peças usadas de veículos – Registro na
Polícia Civil;
o Restaurante – Fiscalização Sanitária;
o Indústria alimentícia – Fiscalização Sanitária;
o etc.
- Documentação usualmente obrigatória:
o Identidade e CPF dos sócios da empresa, do Profissional
Autônomo, dos diretores de entidades sem fins lucrativos;
o Contrato Social registrado na Junta Comercial, ou Estatuto
registrado em Cartório;
o CNPJ da empresa ou entidade;
o Inscrição na Inspetoria Estadual de Fazenda, se for o caso;
o Contrato de aluguel ou registro de propriedade do imóvel;
o Laudo do Corpo de Bombeiros;
o outros, conforme a legislação local.

Renovação do Alvará de Funcionamento e Localização

Todos os municípios brasileiros determinam por lei os requisitos a serem


cumpridos por aqueles que pretendem instalar estabelecimentos comerciais,
industriais, de prestação de serviços e quaisquer outros de atendimento
público, em seus territórios, conforme visto acima. O motivo dos requisitos
legais é fácil de entender, pois ele visa critérios de disciplinamento e
ordenamento urbano, segurança pública, proteção ao meio ambiente e tantas
outras atribuições da competência do poder público municipal. Seria o caos, se
não houvesse a intervenção estatal, autorizando ou vedando o funcionamento
de estabelecimentos de uso não residencial no município.

Existem, portanto, requisitos preliminares a serem cumpridos pelos


interessados, tais como: local apropriado, projeto compatível às normas de
segurança dos usuários, comprovação de idoneidade pregressa dos
responsáveis, identificação formal da pessoa jurídica, se for o caso,

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caracterização fiscal do estabelecimento e outros. São esses requisitos
preliminares que devem ser comprovados antes do efetivo funcionamento do
estabelecimento, e o documento que atesta o referido cumprimento, que
autoriza a sua inauguração, chama-se, como já foi visto, Alvará de Localização
e Funcionamento, ou Alvará de Localização, ou outra denominação similar.

Como se vê, o Alvará de Funcionamento atesta, tão somente, o


cumprimento dos requisitos preliminares, exigidos antes do efetivo
funcionamento do estabelecimento. O Alvará não atesta a regularidade futura
e, por evidência, nem poderia, se as ocorrências poderão ou não acontecer.

A partir daí, a legislação municipal exige dos estabelecimentos a


obediência do cumprimento de requisitos indispensáveis ao exercício normal
de suas atividades, quase todos a favor do público ou de seus usuários. Neste
ponto, entra na apreciação legal a questão da higiene, do sossego público, da
manutenção da segurança e do cumprimento das normas previstas nos
requisitos preliminares.

São, portanto, duas fases distintas: antes e depois do funcionamento do


estabelecimento. E são, também, duas fases distintas da ação do poder
público: a preliminar, de verificação dos requisitos que antecedem o
funcionamento; e a posteriori, de fiscalização do efetivo funcionamento dos
estabelecimentos. Não há como confundir as duas.

Nesse sentido, desde que haja realmente um órgão aparelhado, um


quadro de fiscais e o efetivo exercício de fiscalização, devidamente habilitado
para cumprir as determinações legais impostas aos responsáveis pelos
estabelecimentos que, por sua conta e risco, solicitaram permissão para
funcionar, torna-se perfeitamente cabível a cobrança de uma taxa que permita
manter tal serviço fiscalizatório, o qual jamais se esgota no momento da
autorização, justamente por se tratar de outro tipo de ação, contínua e
permanente.

Errado considerar a taxa de fiscalização dos estabelecimentos em


funcionamento como se fosse a renovação do alvará, pois o alvará foi a

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conclusão formal do ato jurídico administrativo, podendo, sim, ser cassado por
afrontar as normas legais estabelecidas. O alvará pode, inclusive, ser alterado
ou retificado, se houver mudanças em quaisquer de seus termos (endereço,
objeto social, CNPJ, horário de funcionamento etc.), mas jamais renovado ou
ratificado. Pode ser, também, como já foi visto, provisório ou concedido a título
precário, nos termos da lei local, mas, como diz Hely Lopes Meirelles, será
definitivo e vinculante para a Administração quando expedido diante de um
direito subjetivo do requerente.

Não resta dúvida que o Município deve manter sob fiscalização o


funcionamento dos estabelecimentos, como forma coatora de obrigá-los a
cumprir as normas legais de segurança, de higiene, da ordem, dos costumes e
da disciplina da produção e do mercado. O Município que não exerce tal
atividade estaria deixando de cumprir função de sua responsabilidade pública,
podendo redundar em graves conseqüências. Ao mesmo tempo, o Município
que a exerce, mas não custeia o serviço através de taxa específica, estará
repassando à população, via imposto, o custo de uma operação que diz
respeito somente aos particulares responsáveis pela atuação dos
estabelecimentos.

Um Modelo de Regulamento de Alvará

(Baseado no Decreto nº 286, de 5/12/2002, do Município de


Petrópolis, RJ)

Título I

Do licenciamento

Art. 1º - A localização e o funcionamento de estabelecimentos


agrícolas, pecuários, extrativistas, comerciais, industriais, prestadores de
serviços de lazer, culturais, esportivos, profissionais, sociedades,
associações, instituições de qualquer natureza, que pertençam a qualquer
pessoa física ou jurídica, inclusive as que gozam de imunidade ou isenção
tributária, no Município de Petrópolis, estão sujeitas a licenciamento prévio

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na Secretaria Municipal de Fazenda, observado o disposto neste Decreto, na
legislação relativa ao Uso, Parcelamento e Ocupação do Solo, no Código
Tributário e demais legislações pertinentes.

Parágrafo único - O disposto neste Decreto aplica-se também ao


exercício regular de atividades no interior de residências e em locais
ocupados por estabelecimentos já licenciados, que pretendam exercer
atividade diversa, assim como ao exercício transitório ou temporário de
atividades.

Art. 2º - A aprovação de funcionamento de estabelecimento será


concedida pelo Diretor do Departamento de Fiscalização Tributária ou pelo
Diretor do Departamento de Receita e na ausência de ambos, pelo Assistente
do Departamento de Receita, mediante a expedição dos seguintes
documentos:

I- Alvará de Licença para estabelecimento,


válido por tempo indeterminado.
II- Alvará de Autorização Transitória, válido
por tempo determinado, para atividades
eventuais.
III- Autorização para Ponto de Referência.
IV- Demais autorizações para estabelecimento
constantes no Código Tributário Municipal.

Art. 3º - Os Alvarás serão expedidos após o deferimento, e o


pagamento da Taxa de Licença para estabelecimento, Taxa de Vigilância
Sanitária, quando for devida na forma da Lei municipal 5834 de 13 de
dezembro de 2001, e Imposto Sobre Serviços- ISS devido sobre as
instalações comerciais, cujo fato gerador está previsto na Aprovação Prévia
de Local.

§ 1º - As guias para pagamento – DAMP – serão preenchidas e


recolhidas antecipadamente pelo contribuinte.

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§ 2º - Em caso de Alvará de Autorização Transitória, com utilização
de área pública, será devida também a Taxa de Licença para Ocupação do
Solo nas Vias e Logradouros Públicos, observado o disposto no Código
Tributário do Município.

Art. 4º - Os Alvarás conterão, entre outros, os seguintes elementos


característicos:

I. nome da pessoa física ou jurídica licenciada;


II. endereço do estabelecimento;
III. atividades autorizadas;
IV. número de inscrição municipal;
V. número do processo de Concessão ou Alteração;
VI. restrições , quando houver;
VII. número do CPF/MF ou CNPJ.

Art. 5º - A concessão de Alvará será à título precário não implicando


em nenhum caso em:

I. reconhecimento de direitos e obrigações concernentes às


relações jurídicas de direito privado;
II. quitação ou prova de regularidade do cumprimento de
obrigações administrativas ou tributárias.

TÍTULO II

Do Pagamento da Taxa

Art. 6º - O licenciamento inicial do estabelecimento, a inclusão de


atividades e quaisquer outras alterações das características do Alvará, serão
efetivadas mediante o prévio pagamento da Taxa de Licença para
estabelecimento, observado o disposto no artigo 3º e parágrafos deste
Decreto e no Código Tributário do Município, e não eximirá o requerente do
cumprimento das demais obrigações junto à Administração Pública.

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§ 1º - A obrigação imposta no caput deste artigo aplica-se também
no exercício de atividades eventuais.

§ 2º - A Taxa de Licença para estabelecimento não será devida na


hipótese de alteração de Alvará decorrente de mudança de denominação, de
numeração de logradouro por iniciativa do Poder Público ou pela concessão
de 2ª via de Alvará.

TÍTULO III

Das Isenções

Art. 7º - Estão isentos do pagamento da Taxa de Licença os casos


previstos no Artigo 47, incisos IX, X e XI do Código Tributário Municipal.

Parágrafo único - As isenções previstas neste Artigo dependem de


reconhecimento pela Secretaria Municipal de Fazenda, através do órgão
técnico competente, e não eximem o contribuinte da obrigatoriedade de
requisitar o licenciamento nem das demais obrigações administrativas e
tributárias.

TÍTULO IV

Da Aprovação Prévia do Local

Art. 8º - O requerimento do Alvará será procedido pela apresentação


do Formulário para Fins de Localização, devidamente preenchido e liberado
pelo órgão competente da Secretaria de Planejamento e o Departamento de
Receita da Secretaria de Fazenda.

Art. 9º - A Aprovação Prévia do Local será deferida ou indeferida,


baseada nas informações constantes dos órgãos competentes das Secretarias
de Planejamento e Fazenda, que atuarão em conjunto no Departamento de
Receita.

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§ 1º - A devolução do Formulário para Fins de Localização a que se
refere este Artigo deverá ocorrer impreterivelmente em até 48 (quarenta e
oito) horas.

§ 2º - No caso de haver insuficiência de dados cadastrais ou de


informações de qualquer natureza sobre o imóvel, será realizada, no prazo
máximo de 03 (três) dias úteis, a vistoria do local, com vistas ao exame e a
decisão do pedido, o qual obedecerá ao prazo previsto no parágrafo anterior.

§ 3º - Ficam desobrigados da Aprovação Prévia do Local, os prédios


notoriamente reconhecidos como de atividades estritamente comerciais.

TÍTULO V

Da Concessão de Alvará de Licença para estabelecimento por


tempo indeterminado

Art. 10 - O Alvará de Licença para estabelecimento será concedido


em até 48 (quarenta e oito) horas, após a apresentação do formulário padrão
do Departamento de Receitas da Secretaria de Fazenda devidamente
preenchido e acompanhado dos seguintes documentos:

a. Formulário para Fins de Localização deferido;


b. Cópia do registro público de firma individual ou
contrato social ou estatuto e ata, no órgão competente;
c. Comprovante de inscrição no fisco federal – CNPJ;
d. Comprovante do recolhimento dos tributos
municipais, conforme dispõe o Artigo 3º e parágrafos
deste Decreto.

Parágrafo único - Nos casos de estabelecimentos sujeitos à vigilância


sanitária, conforme previsto na Lei Municipal 5834 de 13 de dezembro de
2001, após a concessão do Alvará de Licença para funcionamento, o
requerimento será encaminhado para os órgãos municipais competentes, em
especial a Secretaria de Saúde.

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Da Concessão de Alvará de Autorização Transitória

Art. 11 – O Alvará de Autorização Transitória será concedido nos


seguintes casos:

a. funcionamento de qualquer estabelecimento por prazo


determinado;
b. funcionamento de stand de venda em
empreendimento imobiliário ou de propaganda de
publicidade em geral;
c. realização de exposição, feira promocional,
congresso, encontros, simpósio e outros eventos
análogos;
d. instalação de unidade removível para prestação de
serviço ou exercício de pequeno comércio em área ou
estabelecimento particular;
e. instalação de posto de atendimento bancário
eletrônico;
f. instalação para funcionamento de circos e parques de
diversão;
g. exercício temporário e atividades festivas, recreativas,
desportivas, culturais e artísticas em logradouros
públicos, próprios municipais, praças, parques e áreas
particulares, e
h. bancas com venda de jornais, revistas e similares, em
logradouros públicos.

Parágrafo único - As atividades previstas no inciso II não são


passíveis de licenciamento em área pública.

Art. 12 - O Alvará de Autorização Transitória será concedido em até


48 (quarenta e oito) horas, após a apresentação do formulário emitido pelo
Departamento de Receitas da Secretaria de Fazenda devidamente preenchido
e acompanhado dos documentos elencados no Artigo 10 deste Decreto.

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Parágrafo único - Em se tratando de exercício de comércio eventual
ou em locais fixos, conforme previsto no Artigo 255, parágrafo 1º do
Código Tributário do Município, deverá ser apresentado o original do
Formulário para Fins de Localização Local devidamente deferido.

Art. 13 - O Alvará de Autorização Transitória terá prazo de validade


máximo até o último dia do exercício em que for concedido.

§ 1º - O Alvará de Autorização Transitória poderá ser prorrogado,


mediante requerimento, observado o disposto no Artigo 12 deste Decreto e o
caput deste Artigo.

§ 2º - O prazo de validade do Alvará de Autorização Transitória


concedido para stand em empreendimento imobiliário não poderá
ultrapassar o da respectiva licença de obra.

TÍTULO VI

Das obrigações Acessórias

Art. 14 - O original do Alvará concedido deve ser mantido em bom


estado e em local visível e de fácil acesso à fiscalização.

Art. 15 - O Alvará será obrigatoriamente substituído quando houver


qualquer alteração de suas características.

Parágrafo único - A modificação do Alvará deverá ser requerida no


prazo máximo de 30 (trinta) dias, contado a partir da data em que ocorrer a
alteração.

Art. 16 - O encerramento da atividade deverá ser comunicado à


Secretaria Municipal de Fazenda, mediante requerimento, no prazo máximo
de 30 (trinta) dias, contados a partir da ocorrência do fato.

TÍTULO VII

Das Infrações e Penalidades

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Art. 17 - O não cumprimento das obrigações previstas neste Decreto
sujeita o contribuinte à aplicação das penalidades previstas no Código
Tributário do Município, inclusive interdição do estabelecimento, sem
prejuízo do pagamento dos tributos e multas devidos.

Art. 18 - O Alvará será cassado se:

a. no estabelecimento for exercida atividade diversa


daquela autorizada no licenciamento;
b. forem infringidas quaisquer disposições referentes aos
controles de poluição, ou se o funcionamento do
estabelecimento causar danos, prejuízos, incômodos,
ou puser em risco por qualquer forma a segurança, o
sossego, a saúde e a integridade física da vizinhança
ou da coletividade e,
c. ocorrer reincidência de infrações às posturas
municipais.

Art. 19 - O Alvará será anulado se:

I- o licenciamento tiver sido concedido com inobservância de


preceitos legais regulamentares;

I. II- ficar comprovada a falsidade ou inexatidão de qualquer


declaração ou documento ou descumprimento dos termos de
responsabilidade previstos neste Decreto.

Art. 20 - Compete ao Diretor do Departamento de Fiscalização


Tributária em conjunto com o Secretário Municipal de Fazenda, determinar
a interdição do estabelecimento.

Art. 21 - Compete ao Secretário Municipal de Fazenda cassar ou


anular o Alvará nos casos previstos na Lei e neste Decreto.

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Parágrafo único - O Alvará poderá também ser cassado ou alterado
ex-ofício, mediante decisão fundamentada, quando assim exigir o interesse
público, observando o disposto no Código Tributário Municipal.

TÍTULO VII

Das Disposições Gerais

Art. 22 - A Secretaria Municipal de Fazenda poderá alterar a


qualquer tempo os modelos de Alvarás.

Art. 23 - Qualquer pessoa , entidade ou órgão público poderá


solicitar à Secretaria Municipal de Fazenda a cassação do Alvará, se
configurados quaisquer das hipóteses previstas no Art. 18 deste Decreto e no
Código Tributário Municipal.

Parágrafo único - A solicitação que trata o caput deste Artigo deverá


ser adequadamente instruída, com vistas a perfeita caracterização e
comprovação de irregularidades.

Art. 24 - O contribuinte que tiver o seu Alvará anulado ou cassado,


sujeitar-se-á às exigências referentes ao licenciamento inicial, caso pretenda
um novo Alvará.

Parágrafo único - Compete ao Secretário Municipal de Fazenda o


restabelecimento do Alvará cassado ou anulado.

Art. 25 - As normas de licenciamento previstas neste Decreto não se


aplicam à atividade descrita no regulamento de comércio ambulante, estando
esta sujeita à legislação pertinente.

Art. 26 - Serão vedados o exercício da profissão ou do ofício no


local, a colocação de publicidade e estoque de mercadorias para os
licenciamentos concedidos como "ponto de referência".

TÍTULO IX

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Das Disposições Transitórias

Art. 27 - O Poder Público Municipal poderá impor restrições às


atividades dos estabelecimentos já licenciados, no resguardo do interesse
público.

Art. 28 - As normas deste Decreto aplicam-se aos processos em


tramitação no que couber.

Art. 29 - Para os fins deste Decreto, serão adotados os formulários


específicos em anexo.

Art. 30 - Nos casos de inclusão, alteração ou baixa deverá ser


apresentada documentação em conformidade com o Anexo II deste Decreto.

Art. 31 - Fica mantida a Comissão restaurada pelo Decreto nº 281 de


24 de janeiro de 2002, composta de representantes das Secretarias de
Fazenda, Obras e Planejamento, para o exame dos pedidos de Licença para
estabelecimento de que trata este Decreto.

Parágrafo único - Somente serão examinados pela referida Comissão


os requerimentos de maior complexidade, cabendo ao Diretor do
Departamento de Fiscalização Tributária ou o Diretor do Departamento de
Receita o encaminhamento dos processos a serem analisados.

Art. 32 - O Secretário Municipal de Fazenda emitirá, quando


necessário, na forma do Artigo 92, inciso II, da Lei Orgânica Municipal,
instruções para a fiel execução do presente Decreto.

Art. 33 - Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação,


revogadas as disposições em contrário, em especial o Decreto 683 de 10 de
junho de 1996.

Gabinete do Prefeito Municipal de Petrópolis, em 05 de fevereiro de


2002.

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O Cadastro Mobiliário ou de Atividades Econômicas

O Cadastro é o instrumento mais importante no controle das atividades


econômicas exercidas no Município. O seu valor está acima das necessidades
do cotidiano, por ser o registro do desenvolvimento econômico do Município,
em termos históricos e de análise das perspectivas futuras, devendo, assim,
ser considerado patrimônio da Administração Pública e guardado sob estrita
vigilância e cuidados.

Um Cadastro bem organizado contém:

• O universo de atividades econômicas do Município;


• A distribuição das atividades econômicas por regiões e bairros;
• A indicação de concentrações da economia do Município;
• As informações individuais por segmento econômico.

Oferece, portanto, um manancial de informações para o exercício de


análise e planejamento da cidade. Com o avanço da tecnologia da informática,
os cadastros devidamente informatizados emitem relatórios diversificados,
extremamente úteis ao acompanhamento da vida econômica municipal.

Verifica-se que, propositalmente, não foi incluída acima a aplicabilidade


do cadastro em relação ao controle de receitas tributárias, porque, em geral, há
uma aparência de que a sua serventia é unicamente para tal fim, quando,
absolutamente, não é.

Um bom cadastro informatizado cruza as informações sobre os nomes


das empresas, e respectivas inscrições no CNPJ, e os dos sócios, ou
profissional autônomo, através de suas inscrições no CPF. Além disso,
consegue colher dados do cadastro imobiliário, com o qual se comunica por
meio digital, facilitando a análise do imóvel onde se localiza o estabelecimento.

Imprescindível, portanto, que o Cadastro Mobiliário esteja em


permanente atualização, trabalho pertinente a todo o quadro da Administração
Fiscal, cuja realização é definida mediante o estabelecimento de um plano de
ação rotineira. Cada agente fiscal, ao realizar serviços externos, deve levar

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consigo fichas ou planilhas de atualização cadastral, independentemente do
serviço específico que irá realizar. Alguns Municípios, mais evoluídos, já estão
usando equipamentos eletrônicos de mão, possibilitando o Servidor a consultar
o Cadastro de onde estiver, facilitando, assim, a correção dos dados.

Condições Legais de Cassação do Alvará de


Funcionamento

A licença definitiva que autoriza o funcionamento de um estabelecimento


só pode ser cassada, em tese, mediante autorização judicial. Trata-se de
direito inalienável do cidadão o exercício de sua atividade, não podendo ficar a
mercê do jugo da Administração Pública, cuja pertinência da decisão depende
de avaliação da Justiça.

Entretanto, existem situações que exigem, não a cassação da licença,


mas a interdição incontinenti do estabelecimento, provocando desdobramentos
até a cassação do alvará após o respectivo processo administrativo ser
transitado em julgado. Seriam situações de interdição imediata:

• O exercício de atividades não compatíveis às licenciadas e


expressamente vedadas em lei. Exemplo: uma loja de utensílios
domésticos que comercializa artefatos de fogos e explosivos;
• Venda de produtos deteriorados, quando reincidente e não
atendendo às determinações reiteradas da fiscalização;
• Quando o estabelecimento, por negligência e descaso do
responsável, passa a provocar constantes acidentes ao público, ou se
torna local de permanentes tumultos e algazarra, perturbando o sossego
público;
• Quando a Prefeitura é comunicada oficialmente pelo órgão de
conselho de classe de falsidade ideológica do profissional responsável do
estabelecimento.

Todas as possibilidades de interdição do estabelecimento e posterior


cassação do alvará devem estar prescritas em lei, havendo a necessidade de
transitar regularmente o processo administrativo de cassação da licença.

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CAPÍTULO III
Serviços Públicos

No ordenamento tributário nacional, a taxa é o tributo de definição mais


complexa. Em primeiro lugar, ao contrário do Imposto, o fato gerador da taxa
está vinculado a uma atividade estatal específica, tratando-se, portanto, de um
tributo vinculado à prestação de um serviço público, do mesmo modo que a
Contribuição de Melhoria. Em segundo lugar, a atividade estatal específica, que
daria direito à cobrança de taxa, não poderia estar relacionada entre os
chamados serviços essenciais que obrigatoriamente devem ser prestados
pelo Poder Público. Ou seja, a receita originária dos impostos cuidaria de
atender os serviços essenciais, enquanto as taxas custeariam os serviços
públicos não essenciais ao conjunto da população. Desse raciocínio derivam
imensas dificuldades conceituais. Afinal, quais seriam os serviços públicos
essenciais prestados pelo Estado?

Discutir serviços públicos obriga-nos distanciarmos por um momento da


doutrina tributária, ancorando-nos ao Direito Administrativo. Segundo vários
autores, nem todo serviço realizado pelo Estado pode ser considerado de
público, como aqueles desempenhados sob regime de direito privado, de
exploração de atividades econômicas, tendo, por exemplo, os serviços de
loteria. O Professor Celso Antônio Bandeira de Mello diz que a noção de
serviço público deve estar necessariamente composta de dois elementos:
substrato material (prestação pelo Estado aos administrados de utilidades ou
comodidades que normalmente não estão incluídas na esfera de atividades
privadas) e traço formal (submissão a um regime de Direito Público).13 Já
Bernardo Ribeiro de Moraes leciona que toda e qualquer atuação estatal,
voltada aos interesses da coletividade constitui serviço público, conceituando-o
como um conjunto de atividades desenvolvidas pelo Estado, para atender sua
finalidade, regidas por regime jurídico especial.14

13
Bandeira de Mello, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 11ª ed., São Paulo,
Malheiros, 1999.
14
Moraes, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário, 5ª ed., Rio de Janeiro,
Forense, 1996

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Vale destacar a classificação utilizada por Hely Lopes Meirelles:

“Serviços públicos, propriamente ditos, são os que a Administração


presta diretamente à comunidade, por reconhecer que a sua utilização é uma
necessidade coletiva e perene. Por isso mesmo tais serviços são considerados
próprios do Estado, no sentido de que compete privativamente ao Poder
Público prestá-los à coletividade, sem delegação a particulares. Exemplos
típicos desses serviços são os de defesa nacional, os de polícia, os de justiça e
outros que exijam medidas compulsórias em relação aos indivíduos”.

“Serviços de utilidade pública são os que o Poder Público, reconhecendo


a sua utilidade (não necessidade) para os indivíduos componentes da
sociedade, presta-os diretamente ou por delegação a quem deles quiser
utilizar-se, mediante remuneração. São exemplos característicos dessa
modalidade os serviços de transporte coletivo, os de fornecimento de energia
elétrica, água, gás, telefone e outros mais”.

E conclui o mestre:

“No primeiro caso (serviço público) o serviço visa a satisfazer


necessidades gerais da coletividade, para que ela possa subsistir e
desenvolver-se como tal; na segunda hipótese (serviço de utilidade pública), o
serviço visa a facilitar a existência do indivíduo na sociedade, pondo à sua
disposição utilidades que lhe proporcionarão mais comodidade, conforto e
bem-estar”.

Com base em tal distinção dos serviços, poderíamos dizer que existem
aqueles serviços dirigidos à comunidade e aqueles prestados a um cidadão
específico. Ou seja:

- Serviço Público: Pró-comunidade (prestado diretamente à


comunidade pela Administração por reconhecer a sua
essencialidade e necessidade. Esses serviços são privativos do
Poder Público e somente ele deve prestá-los. Exemplos: serviços de
justiça, segurança pública).

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- Serviço de Utilidade Pública: Pró-cidadão (aquele que a
Administração Pública reconhece a sua conveniência para a
coletividade, prestando-o diretamente ou delegando a terceiros nas
condições regulamentadas e sob o seu controle. Exemplos:
transporte coletivo, energia elétrica).

Os serviços públicos, pró-comunidade, são os chamados uti universi,


pois atendem a toda coletividade, sem usuários determinados, destinando-se
indiscriminadamente à população em geral, sem privilégios individuais. Os
serviços de utilidade pública são os chamados uti singuli, pois são prestados ou
postos à disposição de usuários determinados, que os fruirão individualmente,
mediante remuneração, tais como a coleta do lixo, o telefone, a água domiciliar.

Sobre a definição de serviços essenciais tudo vai depender do momento


histórico, ideológico e político. A religião, por exemplo, já foi considerada
serviço público no Brasil. Na ideologia neoliberal, vários serviços públicos
atuais, tidos como essenciais, seriam desconsiderados, como o ensino
universitário, enquanto os socialistas pregam uma ação bem mais ampla do
Estado, notadamente na área social. Varia, portanto, de acordo com os
interesses do Estado e em função de tendências doutrinárias. Hoje em dia, o
discurso político prende-se basicamente à Educação, Saúde e Segurança, mas
podemos, hipoteticamente, chegar em certo momento em que tais atribuições
não seriam mais consideradas atribuições essenciais do Poder Público,
transformando-se em atividades privadas, desde que, evidentemente, sejam
alterados os atuais preceitos constitucionais. Lembramos que a Carta Magna
considera, entre outros, de competência do Poder Público, indistintamente:

- cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das


pessoas portadoras de deficiência;
- proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico,
artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis
e os sítios arqueológicos;
- proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;
- proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de
suas formas;

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- preservar as florestas, a fauna e a flora.

No tocante aos municípios, especificamente, a Constituição


Federal considera de sua competência:

- organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou


permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de
transporte coletivo, que tem caráter essencial;
- manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do
Estado, programas de educação pré-escolar e de ensino
fundamental;
- prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do
Estado, serviços de atendimento à saúde da população;
- promover, no que couber, adequado ordenamento territorial,
mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da
ocupação do solo urbano;
- promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local,
observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Verifica-se que a Constituição deixou, no primeiro item, em aberto a


interpretação de serviços públicos, condicionando-os apenas ao ‘interesse
local’, mas obrigando os municípios a inclusão do transporte coletivo. Desse
modo, a legislação de um determinado município pode considerar serviço
público a prestação de uma atividade considerada dispensável por outro.

Além disso, chama a atenção o fato de que no programa de educação


pré-escolar e de ensino fundamental, o verbo utilizado foi ‘manter’ (sustentar,
prover) e no serviço de atendimento à saúde da população, utilizou-se o
verbo ‘prestar’ (dar, conceder), ambos de entendimento de uma obrigação
gratuita, sem ônus direto do usuário do serviço. Nas demais competências,
os verbos usados foram ‘promover’ (dar impulso, trabalhar a favor) e
‘organizar’ (constituir, ordenar, formar), os quais não expressam sentido
semelhante.

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Em suma, podemos dizer que de todos os serviços prestados em uma
sociedade, alguns são públicos e outros privados. Para separá-los precisamos
nos valer de dois critérios: o primeiro seria identificar as atividades que a
própria Constituição definiu como serviços públicos, tanto aqueles de
responsabilidade privativa do Estado, quanto os prestados por terceiros,
mediante autorização, concessão ou permissão. O segundo trataria dos casos
em que ocorre atuação mista ou até mesmo competitiva, mas com a ressalva
constitucional de “dever do Estado”, que seriam exatamente os serviços de
saúde e de educação.

Nesse sentido, podemos deduzir que vários outros serviços praticados


pelo Estado e correspondentes à exploração econômica não seriam serviços
públicos, e sim serviços privados que sofrem a ingerência da atuação estatal.
Entretanto, em termos municipais, tudo vai depender da legislação local,
definindo e ditando os seus serviços públicos, que devem ser prestados ou
mantidos, além da educação fundamental e da saúde.

Um bom exemplo é o serviço público que alguns municípios prestam aos


seus estudantes universitários, transportando-os gratuitamente até a cidade
mais próxima onde se localiza a Universidade. Nesses municípios, a legislação
local considera tal tipo de transporte um serviço público gratuito, de
responsabilidade municipal, o mesmo não ocorrendo em outros.

Como se vê, a definição de serviço público é, como já dissemos,


extremamente complexa. Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello:
“Toda a exposição feita evidentemente não se propôs, por impossível, a
fornecer um arrolamento preciso dos serviços passíveis de se configurarem
como públicos, mas sim a atrair atenção para o fato de que existem indicações
constitucionais claras de que há (a) certos serviços que não podem ser
serviços públicos e (b) certos serviços que o são obrigatoriamente ou que
(c) podem ser serviços públicos”.

Por conclusão, diríamos que todos os serviços públicos, exceto


aqueles que por decisão constitucional são considerados “dever do Estado”,

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estariam, hipoteticamente, sujeitos à cobrança de taxa ou preço público, desde
que obedecidas às normas da legislação tributária.

Serviços ou Atividades Essenciais

Muito se discute sobre que tipo de serviço poderá ser considerado


essencial na forma do que dispõe o art. 22 do Código de Defesa do
Consumidor – Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990:

“Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias,


permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são
obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos
serviços essenciais, contínuos”.

Já que o Código do Consumidor em nenhum lugar caracteriza ou


denomina as atividades ou serviços essenciais, vamos conjugá-la com a Lei nº
7.783, de 28 de junho de 1989, a chamada “Lei de Greve”, vez que dispôs
sobre o exercício do direito de greve, incluindo as atividades essenciais de
atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. Diz a referida lei:

“Art. 10. São considerados serviços ou atividades essenciais:

II. I – tratamento e abastecimento de água; produção e


distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;
III. II – assistência médica e hospitalar;
IV. III – distribuição e comercialização de medicamentos e
alimentos;
V. IV – funerários;
VI. V – transporte coletivo;
VII. VI – captação e tratamento de esgoto e lixo;
VIII. VII – telecomunicações;
IX. VIII – guarda, uso e controle de substâncias radioativas,
equipamentos e materiais nucleares;
X. IX – processamento de dados ligados a serviços
essenciais;

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XI. X – controle de tráfego aéreo;
XII. XI – compensação bancária “.

Tal norma sob o ponto de vista hermenêutico pode ser classificada


tecnicamente como uma norma jurídica nacional, ou seja, atinge a coletividade
sem distinção, e, portanto, é autônoma no que pertine a referida, podendo ser
estendida a quaisquer casos ou condições que levem a interrupção de serviço
de natureza essencial e não só nas greves, até porque, em sua própria ementa
insculpe que ‘define as atividades essenciais’, e não somente em situações de
greve. Portanto, a continuidade dos serviços denominados essenciais alcança
não apenas os casos em que há interrupção por motivo de greve, mas também
a qualquer tipo de interrupção, seja por cobrança de dívidas ou por falta do
próprio serviço, isto porque pela natureza essencial da prestação, presume-se
o decréscimo ou ausência de qualidade de vida, de dignidade e por vezes da
própria realização da cidadania.

Sobre a natureza dos serviços essenciais versa Ada Pellegrini Grinover:

“É sempre muito complicado investigar a natureza do serviço público,


para tentar surpreender, neste ou naquele, o traço da sua essencialidade. Com
efeito, cotejados, em seus aspectos multifários, os serviços de comunicação
telefônica, de fornecimento de energia elétrica, água, coleta de esgoto ou de
lixo domiciliar, todos passam por uma gradação de essencialidade, que se
exacerba justamente quando estão em causa os serviços públicos difusos (ut
universi) relativos à segurança, saúde e educação”.

Dessa maneira, entende-se que os serviços essenciais estão para a


coletividade como serviços indispensáveis à manutenção da vida e dos direitos,
conceito que vivifica a impossibilidade de sua interrupção. Além do mais, por
serem indispensáveis à normalidade das relações sociais, ocupam natureza
pública, onde não se evidencia proprietário destes serviços, mas apenas
gestores que devem atuar para a preservação de sua utilização pelo homem.

Neste contexto, seria medida frontalmente irregular e ilegítima a


Administração Pública cancelar ou cortar o fornecimento de um serviço

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essencial por falta de pagamento, como, por exemplo, cancelar o serviço de
coleta de lixo de um determinado imóvel porque o contribuinte está
inadimplente com a taxa de coleta de lixo. Ou, então, cortar o fornecimento de
água em razão de falta de pagamento. O caminho a ser seguido é a cobrança
judicial da dívida.

O mesmo não aconteceria na prestação de serviços não considerados


essenciais, quando a sua realização depende de um pagamento. Se o
interessado não efetuar o recolhimento do valor devido, a Administração pode
recusar-se a realizar o serviço, como, por exemplo, a liberação de uma licença
de obra.

Taxa, Tarifa e Preço Público.

Tarifa.

O vocábulo tarifa é empregado, muitas vezes, como sinônimo de preço


público. Todavia, a palavra indicada não traduz a mesma idéia dada pelo
vocábulo preço público. Tarifa exprime a idéia de tábua, de catálogo, de lista ou
relação em que se fixam cotas. No lembrar de Aliomar Baleeiro, tarifa
representa uma tabela de preços e não os preços em si. Encontramos o
emprego do termo tarifa também para exprimir o preço de venda, quando
exigido pelas empresas associadas ao Estado, concessionárias ou
permissionárias de serviços públicos. Assim, é comum encontrarmos as
expressões “tarifa telefônica”, “tarifa de luz” etc., indicando os preços ou os
preços públicos dos respectivos serviços públicos.

A Constituição Federal prevê tarifas ou “política tarifária” para remunerar


serviços públicos (federais, estaduais ou municipais) prestados por empresas
concessionárias ou permissionárias (inciso III, do Parágrafo único do art. 175).

Portanto, a tarifa representa o preço de venda de um bem, quando


exigido por empresa associada ao Estado, concessionárias ou permissionárias
de serviços públicos, na qualidade de vendedora. São exemplos de tarifas: a

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tarifa postal, telefônica, de gás, de fornecimento de água, de fornecimento de
luz etc..

Preço Público.

A distinção entre Taxa e Preço Público pode ser definida tanto no


aspecto formal quanto material. No aspecto formal, a diferença reside na
origem legal da obrigação, sendo a taxa um tributo, enquanto o preço público é
uma contraprestação por uma atividade da Administração, possuindo regime
jurídico diverso da taxa. No aspecto material, o preço é condição de uma
prestação contratual voluntária, como, por exemplo, quem aluga um imóvel
público. No preço, existe a possibilidade de livre negociação, mas na taxa
inexiste liberdade de negociação, quer da parte do Poder Público (obrigado a
prestá-lo nos termos da lei), quer da parte do contribuinte (obrigado a curvar-se
às exigências da lei).

Preço Público é o valor monetário que o Estado (órgão público, empresa


associada, permissionária ou concessionária de serviços públicos) exige do
adquirente pela venda de um bem material (produto, mercadoria), ou imaterial
(serviços, locação, guinchamento de veículo, serviço de extinção de
formigueiro, serviço de vacinação de animais, serviço de poda de árvores em
imóvel particular etc.).

Lembrando: a taxa está sempre relacionada com a prestação de um


serviço público; o preço público pode estar relacionado com a venda de um
bem ou com a prestação de um serviço.

O Estado, como qualquer pessoa, tem um certo tipo de receita ligada à


contraprestação auferida pela venda de seus bens materiais (coisas) ou
imateriais (serviços), denominada preço público. Equiparando sua economia à
economia do particular, o Estado submete-se, nessa venda, à livre
concorrência. Age como o particular, buscando receitas de seu domínio, de
suas propriedades produtivas ou da exploração de suas indústrias, bens ou
serviços. Aufere, em decorrência, uma receita de economia privada. Despido
de sua soberania, o Estado não exige compulsoriamente essa receita, mas,

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sim, de forma facultativa, segundo a vontade do interessado. É o Estado
agindo como o particular, como proprietário, como industrial, como prestador
de serviços, auferindo uma receita originária e facultativa.

Conforme a natureza da atividade, o Estado pode auferir:

a) preços por serviços prestados, diante da venda de trabalho e de


outros bens imateriais. Exemplos: serviços de transportes; de
execução de obras; de descarga; de guindaste; de socorro marítimo;
de tecnologia; de captação de esgoto, uso de telefone; de telégrafo;
de vacinação; de abate de gado; de correio; de exame médico; de
extinção de formigueiros; de guinchamento de veículos; de registro
de diplomas; de ingressos em museus e casas de artes; de limpeza
de terrenos; de construção de muros; de rebaixamento de guias; de
serviços judiciais (custas); de expediente; pela representação de
petição e documento às repartições públicas; de serviços de
cemitérios etc.;
b) preços por locação de bens, diante da cessão de uso e gozo dos
bens estatais, móveis e imóveis. Exemplos: locação de terrenos ou
prédios; locação de Box em mercados; locação de bens móveis; de
ocupação de solo nas vias e logradouros públicos; de depósito de
bens apreendidos; de estadia de veículos; de armazenagem etc.;
c) preços por venda de bens, móveis ou imóveis. Exemplos: venda de
placas numeradas para residências; de chapas de veículos; de
carteiras; de produção e distribuição de gás; de fornecimento de
água, venda de imóveis; de máquinas usadas; de sucatas; de
veículos usados etc.

Todas essas entradas financeiras, conforme opção do Estado, podem


ser denominadas de preços públicos, representando a remuneração de bens,
de utilidades ou de serviços, exigida pelo Estado (órgão estatal, empresa
concessionária ou entidade associada) da pessoa interessada.

Podemos, assim, conceituar o preço público como a prestação


pecuniária, decorrente da livre manifestação de vontade do comprador, exigida

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pelo Estado, em contraprestação pela aquisição de um bem material ou
imaterial. Como conseqüência, a receita obtida através de preços públicos
apresenta-se originária e facultativa. Essa conceituação é de Bernardo Ribeiro
de Moraes.

Características do preço público:

a) é uma prestação. Como todo contrato oneroso, a aquisição gera


uma prestação e uma contraprestação. O preço público vem a ser
a prestação relacionada com a contraprestação de caráter
econômico (venda de determinado bem) realizada pelo Estado;
b) pecuniária. O preço público é medido em termos de unidades
monetárias, havendo sempre uma referência à moeda;
c) decorrente da livre manifestação da vontade do comprador. A
causa que dá origem à obrigação relativa ao preço público é
justamente a vontade do comprador, havendo sempre uma
relação contratual, uma obrigação não compulsória. O preço
público é sempre uma receita facultativa, voluntária. Assim
estabelece o Supremo Tribunal Federal: “Preços de serviços
públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente
daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à
prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu”
(Súmula 545, aprovada em 3/10/69). O STF tem consagrado ser
característica do preço público “o elemento pacto contratual ou
facultatividade”.

Distinção de preço público e tributo (inclusive taxa):

a) Como receita pública. O preço público se caracteriza


fundamentalmente por ser uma receita pública originária
(decorrente do patrimônio do Estado) e facultativa (não há
para a sua percepção, a utilização do poder fiscal). O tributo,
ao contrário, caracteriza-se como uma receita “derivada” (não
decorrente do patrimônio do Estado) e “compulsória” (há a

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utilização do poder fiscal, da soberania estatal, que faz a
norma legal exigindo o pagamento).
b) Como prestação. O preço caracteriza-se fundamentalmente
por ser uma obrigação “contratual” (a vontade participa na
formação da obrigação) e “contraprestacional” (existe uma
troca de bem por dinheiro). A taxa caracteriza-se por ser uma
obrigação “compulsória” e não “contraprestacional”.

Opção Política.

Nas palavras de Bernardo Ribeiro de Moraes, o essencial para se saber


quando estamos diante do preço público é observar a opção política feita pelo
Poder Público, verificando o regime jurídico adotado para o custeio do
respectivo bem: se optou pelo uso do poder fiscal, exigindo contribuições
compulsórias ou se optou pela técnica contratual. O Ministro Victor Nunes Leal
afirma ser o problema nitidamente político, por estar na opção do legislador a
escolha do tipo de remuneração do serviço público. O problema fundamental,
salienta o Ministro, “não é dizer se é taxa ou não é taxa, mas sim determinar de
que natureza vai ser explorado determinado serviço. O legislador pode, em
determinado momento, transformar uma atividade em serviço remunerado por
taxa ou em serviço remunerado por preço público”. O essencial, portanto, é a
forma de custeio escolhida pelo legislador. A opção do legislador, na escolha
da forma de custeio, deve atender, portanto, a natureza do bem a ser custeado
e as regras ditadas pela Constituição, pelo ordenamento jurídico superior.

Base de Cálculo de Taxas

Nas taxas, a atuação estatal é que deve ser dimensionada, visando o


custo que lhe seja intrínseca. De acordo com o texto constitucional, a atividade
administrativa, concernente aos serviços públicos e ao poder de polícia aos
quais se obriga o Estado a prestá-lo, deve ser custeada pelo produto da
arrecadação da taxa correspondente.

Por força do principio da isonomia, o custo do serviço deve ser repartido


entre todos os usuários, obrigando-se, então, o seu usuário, a pagar pela

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manutenção da atividade na medida em que a provoque. As taxas são regidas
pelo principio da retribuição e caracterizadas pelo chamado caráter
sinalagmático, ou seja, designativo do contrato bilateral.

Nas palavras de Bernardo Ribeiro de Moraes, são características da


base de cálculo das taxas:

- é uma unidade de medida definida em lei, quando,


excepcionalmente, não seja uma importância fixa em moeda,
também definida em lei;
- é uma unidade de medida destinada a medir economicamente o fato
gerador da obrigação tributária relativa a taxa, devendo, pois, estar
com este identificada. A taxa tem sua base de cálculo ligada a certa
atividade estatal que constitui a causa jurídica do respectivo tributo;
- é uma grandeza suscetível de expressão quantitativa, constituindo
algo que possa mediar ou avaliar o fato gerador da obrigação
tributária relativa à taxa. A base de cálculo pode ser expressa em
unidade de medida ou em valor fixo.

Deve-se ressaltar que o custo da atividade estatal deve ser levado em


conta apenas como guia de referência em relação ao valor da taxa. Sabemos
da complexidade em apurar o custo real da realização de determinados
serviços públicos, além do aspecto político inerente ao caso, podendo ser de
conveniência do Poder Público em assumir parte do custo da atividade com
aqueles que utilizam o serviço. Desse modo, não há que se provar a perfeita
equalização de valores e, sim, uma razoabilidade de critério na fixação da base
de cálculo.

A legislação local pode, também, estabelecer isenções, parciais ou


totais, para determinados grupos de usuários do serviço (pessoas de baixa
renda, idosos, portadores de deficiência etc.), mas essas isenções devem ser
classificadas como renúncia de receita, ou seja, de custo próprio e não
procurando compensá-lo aumentando o valor daqueles que pagam o valor
normal estabelecido.

63
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Uma fórmula para escolher a alíquota ou a importância fixa da taxa
seria de levar em conta a apuração aproximada do número de contribuintes da
taxa, uma vez que esta somente pode ser exigida das pessoas que recebem a
atividade estatal. Posteriormente, basta prever um sistema de rateio do valor
total que se deseja obter (custo global da atividade estatal), a título de
arrecadação da taxa, entre o número de contribuintes escolhidos. O resultado
oferecerá uma alíquota fiscal que, aplicada à unidade de medida, dará o valor
da taxa.

Lembramos: inadmissível a adoção de critérios arbitrários ou


confiscatórios.

Assim sendo, no cálculo da taxa, as seguintes perguntas devem


ser respondidas:

a) Qual é o custo total da atividade, pelo menos aproximadamente?


b) Quantas vezes o serviço foi realizado, por contribuinte?
c) Quantos contribuintes futuros poderão existir em determinado
período?
d) Qual a unidade de medida e alíquota necessárias para se chegar
ao resultado desejado?

Outro ponto a destacar, dentre os critérios para determinação


quantitativa da taxa, é a capacidade contributiva do contribuinte. Alguns
autores sustentam que a taxa deve ser calculada de acordo com a capacidade
contributiva do obrigado, ajustando-se o pagamento do tributo aos índices de
tal capacidade. A taxa deve levar em conta, sempre, a capacidade econômica
do contribuinte. Esse critério é criticado, por equiparar a taxa ao imposto,
ficando ambos com a mesma base de cálculo, porque capacidade contributiva
diz respeito a impostos, enquanto as taxas uma atividade estatal dirigida de
modo especial ao contribuinte. De qualquer modo, a capacidade contributiva
não deixa de ser levada em conta, quando a determinação quantitativa da taxa
é apreciada em função da proporcionalidade do serviço realizado. Ou seja, não
seria lógico cobrar um mesmo valor pela inspeção de uma obra unifamiliar, de
100 m², e de um conjunto de edificações totalizando 10.000 m² de área de

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construção. Por evidência, o segundo exigiria mais tempo e esforço na
realização da inspeção, justificando um valor maior do que o primeiro.

Ao mesmo tempo, deve-se observar o preceito constitucional de que a


taxa não pode ser instituída com base de cálculo própria de impostos. A
propósito, vejam o exemplo de Sacha Calmon: “Uma taxa de fiscalização do
arroz para prover, desde a sua comercialização, a sanidade do cereal em prol
dos consumidores (serviço do poder de polícia), que tiver por base de cálculo o
valor de mercado do arroz fiscalizado e não o trabalho fiscalizatório, ainda
que estimado, será um imposto sobre circulação de mercadorias, no caso, o
arroz”.

E o comentário de Célio Armando Janczeski: “A jurisprudência vem


fulminando as pretensões de cobrança de taxas que não se utilizem, como
base imponível, de uma dimensão da atividade estatal. Nesse sentido,
corretamente rechaçada, taxa de licença de publicidade, que previa como
base imponível o espaço ocupado pelo anúncio na fachada externa do
estabelecimento, porque o trabalho da fiscalização independe do tamanho da
placa de publicidade”.15

Por esses motivos, sugere-se cautela na fixação de base de cálculo que


adote parâmetros de proporcionalidade do custo do serviço aplicado, como, por
exemplo, o tamanho do imóvel, ou a metragem de fachada do estabelecimento,
que podem ser confundidos com a base imponível de imposto, no caso, o
IPTU.

Decisões Judiciais sobre taxas.

TAXA DE LIMPEZA URBANA.

“A Taxa de Limpeza Urbana, no modo como disciplinada no Município


de São Paulo, remunera – além dos serviços de remoção de lixo domiciliar –
outros que não aproveitam especificamente ao contribuinte (varrição, lavagem
e capinação, desentupimento de bueiros e bocas-de-lobo); ademais, a

15
Janczeski, Célio Armando. Taxas Doutrina e Jurisprudência. Curitiba, Juruá, 2000

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respectiva base de cálculo não está vinculada à atuação estatal, valorizando
fatos incapazes de mensurar-lhe o custo (localização, utilização e metragem do
imóvel) – tudo com afronta aos arts. 77, caput, e 79, inc. II, do CTN. Embargos
de divergência acolhidos” (Rec. Esp. 102.404-SP – Rel. Min. Ari Pargendler,
STJ).

TAXA DE LIMPEZA PÚBLICA E DE CONSERVAÇÃO DE VIAS E


LOGRADOUROS PÚBLICOS.

“... por haverem violado a norma do art. 145, Parágrafo 2o., ao tomarem
para base de cálculo das taxas de limpeza e conservação de ruas elemento
que o STF tem por fator componente da base de cálculo do IPTU, qual seja, a
área do imóvel e a extensão deste no seu limite com o logradouro público.
Taxas que, de qualquer modo, no entendimento deste Relator, têm por fato
gerador prestação de serviço inespecífico, não mensurável, indivisível e
insuscetível de ser referido a determinado contribuinte, não sendo de ser
custeado senão por meio do produto da arrecadação dos impostos gerais”
(Rec. Ext. 199.969-1-SP, Rel. Min. Ilmar Galvão).

TAXA DE FISCALIZAÇÃO

“Ilegitimidade da taxa de fiscalização, dado que a base de cálculo –


incidência ou sobre a área total do imóvel, ou recaindo sobre a área ocupada
pelo estabelecimento – faz coincidir, nas duas hipóteses, o elemento
fundamental, ou seja, o metro quadrado da superfície do imóvel. A base de
cálculo da taxa, no caso, coincide, basicamente, com a base de cálculo do
IPTU: ilegitimidade constitucional: CF/88, art. 145, Parágrafo 2o.” (Rec. Ext.
207.797-6 Minas Gerais – Rel. Min. Carlos Velloso – Municipio de Belo
Horizonte).

TAXA DE LICENÇA E FUNCIONAMENTO, DE PREVENÇÃO DE


INCÊNDIO E DE PUBLICIDADE.

“Inconstitucionalidade da exação, ante a identidade de sua base de


cálculo (metro quadrado de área ocupada ou construída) com a utilizada para a

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cobrança do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU (CF/88, art. 145,
Parágrafo 2o.)” – Rec. Ext. 185.050-7 – São Paulo, Rel. Min. Ilmar Galvão.

TAXA MUNICIPAL DE CONSERVAÇÃO DE ESTRADAS DE


RODAGEM.

“Impossibilidade de a taxa de conservação e serviços de estradas


municipais ter como base de cálculo o número de hectares e outros fatores
básicos usados para o cálculo do Imposto Territorial Rural.
Inconstitucionalidade declarada por essa Corte (Súmula 595)”. Rec. Ext.
116.577-4-SP, Re. Min. Maurício Corrêa.

TAXA DE SERVIÇOS URBANOS.

“A coincidência de bases imponíveis referentes a exações tributárias


diversas afeta a validade jurídico-constitucional do tributo instituído. Não se
revela exigível, em conseqüência, porque infringente da vedação estabelecida
pelo ordenamento constitucional (CF/69, art. 18, Parágrafo 2o.; CF/88, art. 145,
Parágrafo 2o.), a taxa de serviços urbanos cuja base de cálculo repouse em
elementos – localização, área e dimensões do imóvel – que se identifiquem,
em seus aspectos essenciais, com o conteúdo da base imponível pertinente ao
imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana – IPTU” (Rec. Ext.
120.811-2-SP, Rel. Min. Ilmar Galvão).

TAXA DE COLETA DE LIXO DOMICILIAR

“Na dicção da ilustrada maioria, entendimento em relação ao qual


guardo reservas, é constitucional lei que prevê o cálculo da taxa de coleta de
lixo domiciliar a partir da metragem quadrada do imóvel. Precedente: RE
232.393-1/SP, relatado pelo Min. Carlos Velloso perante o Tribunal Pleno –
Diário da Justiça de 23/8/99” (RE 239.284-3/SP – 2a. T. – STF – 29/02/2000 –
rel. Min. Marco Aurélio – DJU 6.10.2000).

Trecho do voto da decisão acima: “O fato de um dos elementos


utilizados na fixação da base de cálculo do IPTU – a metragem da área
constituída do imóvel – que é o valor do imóvel (CTN, art. 33), ser tomado em

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linha de conta na determinação da alíquota da taxa de coleta de lixo, não quer
dizer que teria essa taxa base de cálculo igual à do IPTU: o custo do serviço
constitui a base imponível da taxa. Todavia, para o fim de aferir, em cada caso
concreto, a alíquota, utiliza-se a metragem da área construída do imóvel, certo
que a alíquota não se confunde com a base imponível do tributo. Tem-se, com
isto, também, forma de realização da isonomia tributária e do principio da
capacidade contributiva: CF, arts. 150, II, 145, Parágrafo 1o” (Min. Marco
Aurélio, reproduzindo no relatório a síntese do entendimento da matéria).

TAXA DE ÁGUA E ESGOTOS

“A cobrança de tarifa de água com base em valor mínimo encontra apoio


legal” (Rec. Esp. 150.137-Minas Gerais, Rel. Min. Garcia Vieira – STJ –
17/2/1998).

TAXA DE ÁGUA E COLETA DE ESGOTOS

“Incidência sobre prédio não edificado, desde que o serviço esteja à


disposição do contribuinte, que não se desobriga do pagamento dos tributos
enquanto não efetivada a desapropriação” (Rec. Ext. 89.827-1 – São Paulo –
Rel. Min. Cunha Peixoto – STF – 19/09/1978).

TARIFA PELO FORNECIMENTO DE ÁGUA

“Preço público – Essa a natureza jurídica da tarifa cobrada pelo


fornecimento de água. Não incidência, na hipótese, da Lei 4.591/54, art. 11,
porquanto aí se estabelece regra a observar para efeito tributário, não para
efeito de preço público” (Rec. Ext. 77.162 – São Paulo – Rel. Min. Leitão de
Abreu – STF – 24/5/1977).

TAXA LICENÇA DE LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO

“O número de empregados do contribuinte, evidentemente, nada tem a


ver com a atividade estatal, resultante do poder de polícia, remunerada pela
taxa de localização e funcionamento, de modo que, eleito como base de
cálculo do tributo, contraria o disposto no art. 77, caput, do Código Tributário

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Nacional” (Rec. Esp. 97.102-Bahia – Rel. Min. Ari Pargendler – STJ –
2/06/1998).

TAXA DE LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO

Súmula 279: 1. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios


poderão instituir taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela
utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis,
prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição. É o que estatui a
Constituição Federal, no art. 145 e seu inc. II, focalizado no RE.

2. Interpretando essa norma, assim como as que a precederam, seja na


Constituição anterior, seja no Código Tributário Nacional, a jurisprudência do
STF firmou-se no sentido de que só o exercício efetivo, por órgão
administrativo, do poder de polícia, na primeira hipótese, ou a prestação de
serviços, efetiva ou potencial, pelo Poder Público, ao contribuinte, na segunda
hipótese, é que legitimam a cobrança de taxas, como a de que se trata neste
Recurso: taxa de localização e funcionamento.

3. No caso, o acórdão extraordinariamente recorrido negou ter havido


efetivo exercício do poder de polícia, mediante atuação de órgãos
administrativos do Município, assim como qualquer prestação de serviços,
efetiva ou potencial, pelo Poder Público, ao contribuinte, que justificasse a
imposição da taxa em questão.

4. As assertivas do acórdão repousaram na interpretação das provas


dos autos ou do direito local, que não pode ser revista, por esta Corte, em RE”
(RE 140.278-4-CE – Rel. Min. Sydney Sanches – STF – 27/08/1996).

O Uso da Área Pública

Conforme os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles, “o uso e ocupação


do solo urbano, ou, mais propriamente, do espaço urbano, constitui matéria
privativa da competência ordenadora do Município, e por isso, vem sendo
objeto das diretrizes do plano diretor e da regulamentação edilícia que o
complementa”.

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O controle da ocupação da área pública insere-se como uma das
principais atividades do município, prevendo cuidados especiais no tocante aos
seguintes aspectos:

Estética Urbana: visa cuidar dos aspectos artísticos, panorâmicos,


paisagísticos, monumentais, históricos, culturais, recreativos e turísticos da
comunidade, todos eles sob proteção do poder público, conforme mandamento
constitucional (art. 180, parágrafo único).

Proteção Ambiental: visa preservar a natureza em todos os elementos


essenciais à vida humana e à manutenção do equilíbrio ecológico, tratando-se
de obrigação do poder público a proteção do meio ambiente, cabendo aos
municípios suplementar a legislação federal e estadual no que couber,
significando que sua competência fica restrita aos assuntos de interesse local.
Entretanto, compete também aos municípios a ação executiva visando
“proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas”
(art. 23, VI, da CF).

Se compete ao município preservar a estética urbana, incluindo no


conceito o disciplinamento urbano, torna-se evidente a necessidade de
imposição do poder de polícia no sentido de autorizar, através de licenças e
alvarás, o uso do solo urbano, permanente ou temporário. Assim, aqueles que
desejam utilizar a área pública para qualquer finalidade própria, até mesmo de
alegado interesse público, necessitam da autorização prévia do poder público
municipal. Estão neste rol os vendedores ambulantes, as feiras livres, os
quiosques de comércio, os circos, etc.

Estão também inseridos na exigência a instalação de postes de


sustentação de fios e cabos de transmissão de energia elétrica, telefônica ou
qualquer outro meio de comunicação. Tais equipamentos ocupam a área
pública e devem obedecer as normas legais correspondentes emanadas pelo
município. Deve, portanto, existir lei local que estabeleça os requisitos para
instalação dos equipamentos, incluindo, se for o caso, a instituição de taxa pelo
exercício do poder de polícia, necessária para custear o serviço de fiscalização
ao cumprimento das normas.

70
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Da mesma forma, a instalação de antenas para transmissão de telefonia
celular, ou TV a cabo, deve ser precedida de autorização municipal, não só
visando os aspectos urbanísticos como, também, a proteção ambiental, mais
precisamente o combate a poluição, se entendermos como poluição toda a
alteração das propriedades naturais do meio ambiente, causada por agente de
qualquer espécie, prejudicial à saúde, à segurança ou ao bem-estar da
população sujeita aos seus efeitos. Ainda não há uma resposta científica sobre
os efeitos das emissões de radiações eletromagnéticas não ionizantes no ser
humano, mas vários municípios já exigem medições regulares da intensidade
de campo, com acompanhamento e fiscalização dos agentes públicos
municipais.

CAPÍTULO IV
Conceito de Taxa de Prestação de Serviços

Em meio às dificuldades de conceituar e definir serviços públicos, a


doutrina tributária optou por partir de outras premissas, na conceituação de
taxa. A Constituição Federal permite aos entes políticos a instituição de taxas
“pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e
divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição” (art. 145, II).

As taxas são classificadas como tributos vinculados, haja vista o critério


material da hipótese tributária referir-se a uma atividade estatal. Segundo
Geraldo Ataliba, para diferenciá-las das Contribuições, a atuação estatal
descrita tem direta e imediata relação com o contribuinte. Por conseguinte, as
Contribuições não teriam relação direta e imediata com o contribuinte (de onde
surgiu a idéia de transformar a Taxa de Iluminação Pública em Contribuição).

A prestação do serviço público, como vimos, constitui uma atribuição


privativa do Estado, podendo ser desempenhada por particular quando há sua
regular delegação. Mas, para haver a taxa pela prestação de serviço público,
faz-se necessário que essa atividade estatal esteja devidamente prevista em
lei.

71
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A legalidade administrativa determina que a administração pública
somente pode fazer aquilo que a lei lhe autorizar. Na ausência de norma
jurídica legal que determine o serviço público a ser prestado, tal atividade fica
impossibilitada.

A Constituição estabelece, como vimos, um rol de serviços públicos,


discriminando as competências legislativas para sua instituição e, por
conseguinte, as competências administrativas para sua prestação. Novamente,
Geraldo Ataliba:

“Não há necessidade de a Constituição discriminar competências para


exigência de taxas (como há, pelo contrário, no que respeita a impostos),
porque a hipótese de incidência da taxa é sempre uma atuação estatal
(atividade de polícia ou prestação de serviço público). A pessoa pública
competente para desempenhar a atuação, e só ela, é competente para legislar
sobre sua atividade e colocar essa atuação no núcleo da hipótese de incidência
de taxa sua”.

A hipótese das normas jurídica pode selecionar eventos que já foram


objeto de consideração por outras normas jurídicas, ou mesmo condutas já
qualificadas pelo direito positivo. O que a hipótese tributária da taxa pela
prestação de serviço público realiza é a descrição de um comportamento do
contribuinte que tem direta referência com uma outra relação jurídica, entre o
mesmo e o Estado: a relação jurídica de serviço público.

Tal como a relação jurídica tributária, a relação jurídica de serviço


público surge quando configurado um fato jurídico. Como este vínculo jurídico
integra o critério material da taxa pela prestação de serviço público, a
instituição do tributo sob análise fica prejudicada, caso ausente a norma
jurídica que viabilize essa atuação estatal. É possível ainda, lembra Fábio
Barbalho Leite, que ambas as normas jurídicas, a que determina a prestação
do serviço público e a norma instituidora da taxa sejam veiculadas numa
mesma lei.

Seguindo a lição de Geraldo Ataliba:

72
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“(...) no caso da taxa, a Constituição está impondo duas exigências: uma
que haja o exercício do poder de polícia ou a prestação de serviços públicos,
primeira exigência; segunda exigência, que haja uma lei dizendo que essas
atividades do Estado ensejam a incidência de tributos. Então, duas leis, uma
administrativa de polícia ou de serviços públicos e uma tributária, qualificando
esses fatos para o efeito de fazerem nascer obrigações tributárias. Também
aqui é perfeita a fidelidade do texto constitucional às melhores propostas da
ciência jurídica”.

A competência para instituir a taxa será da pessoa política a qual foi


constitucionalmente designado o desempenho da atividade estatal configurada
no critério material da hipótese tributária sob análise.

Serviços Específicos e Divisíveis

Dentre os conceitos infraconstitucionais válidos, temos os referidos no


art. 79 do CTN:

“Art. 79 – Os serviços públicos a que se refere o art. 77 consideram-se:

(...)

II – específicos, quando possam ser destacados em unidades


autônomas, de intervenção, de utilidade ou de necessidade pública;

III – divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por


parte de cada um de seus usuários”.

Amparado no art. 145, II, da CF, onde se emprega “serviços públicos


específicos e divisíveis”, torna-se evidente que nem toda a espécie de serviço
público pode servir como elemento para o pressuposto da taxa pela prestação
de serviço público.

A proposta doutrinária é identificar os “serviços públicos específicos”


como serviços uti singuli, por se referirem a uma pessoa ou a número
determinado (ou determinável) de pessoas, distintos dos “serviços públicos

73
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gerais” (serviços uti universi), que seriam prestados indistintamente a todos os
cidadãos. Seria uma decorrência da natureza vinculada desse tributo.

Já a divisibilidade da prestação do serviço público, por sua vez, decorre


do caráter exclusivo e direto dos efeitos práticos que o benefício pode assumir
na esfera do cidadão que a solicitou. Sem a possibilidade da delimitação de
uma classe de indivíduos que possa fruir separadamente a prestação do
serviço público, fica impedida a instituição da taxa (motivo da
inconstitucionalidade da Taxa de Iluminação Pública).

Na prestação divisível de serviço público, o administrado pode fruir


individual e exclusivamente do benefício. Quando se trata, porém, da prestação
de um serviço público carente dessa natureza, os efeitos benéficos se irradiam
para toda a coletividade, indistintamente, impossibilitando a sua fruição
estritamente individual.

A divisibilidade da prestação do serviço público é condição indispensável


para a mensuração econômica da prestação e, portanto, para a instituição de
contribuições pecuniárias dos contribuintes para sua manutenção.

A propósito, diz Hugo de Brito Machado:

“Não é fácil definir o que seja um serviço público específico e divisível.


(...) Não obstante estejam tais definições contidas em dispositivos separados,
cuida-se de duas definições inseparáveis, no sentido de que um serviço não
pode ser divisível se não for específico. Não tem sentido prático, portanto,
separar tais definições, como a indicar que a taxa pode ter como fato gerador a
prestação de um serviço público específico, ou de um serviço público divisível.
Aliás, isto decorre do próprio dispositivo constitucional, que se refere a serviço
específico e divisível”.

Utilização Efetiva e Utilização Potencial

Novamente o art. 79 do CTN, mas em outro ponto:

“Art. 79 – Os serviços públicos a que se refere o art. 77 consideram-se:

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I – Utilizados pelo contribuinte:

a) efetivamente, quando por ele usufruídos a qualquer título;


b) potencialmente, quando sendo de utilização compulsória,
sejam postos à sua disposição mediante atividade administrativa em
efetivo funcionamento”.

Há a “utilização efetiva” da prestação de serviço público quando o


contribuinte usufrui direta e imediatamente do benefício gerado pela atuação
estatal. Entretanto, a “utilização potencial” somente se configura quando: o
serviço público é de utilização compulsória; e o mesmo se encontra acessível
aos seus consumidores.

Como conciliar essas proposições infraconstitucionais com o texto do


art. 145, II, da CF? Vejamos:

Em três momentos, há emprego do conectivo “ou”:

a) “... em razão do exercício do poder de polícia ou pela


utilização...”;
b) “... efetiva ou potencial...”;
c) “... prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição...”.

O conectivo “ou” pode ter dois sentidos. Como “includente” permite a


convivência entre termos de mesmo valor; como “excludente” afasta tal
possibilidade.

No primeiro momento, o “ou” tem o sentido de includente, ou seja, o


nosso direito permite a coexistência de dois tipos de taxas, uma pelo exercício
do poder de polícia e outra pela prestação de serviço público. Ambas são
atividades estatais, mas possuem conteúdo bastante diverso.

Os outros dois “ou” acima mencionados referem-se ao cerne da taxa


pela prestação de serviço público.

No segundo momento, o “ou” assume a acepção de excludente.


Impossível alguém utilizar o serviço efetiva e potencialmente ao mesmo tempo.

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No terceiro momento, o “ou” também fica com o significado de
excludente. Um serviço prestado ao contribuinte é um serviço efetivamente
utilizado, ainda que sua qualidade possa deixar a desejar. E se houve
utilização do serviço é porque ele esteve à sua disposição.

O Caráter Compulsório de Taxa

Não estaríamos infringindo o princípio constitucional da


proporcionalidade ao se tributar o contribuinte pela simples razão de ter sido
posto à sua disposição um serviço público cuja utilização não seja obrigatória?

Não. O que se quer indicar com “posto a sua disposição” é o caráter


compulsório que a prestação de serviço público deve ter para que a simples
acessibilidade ao benefício possa ser validamente posta como pressuposto de
uma obrigação tributaria. E, por evidência, o serviço tem que existir realmente.

Este é um ponto que consideramos de fundamental importância para


distinguir a prestação de serviço da venda de bens, ou, melhor, da diferença
entre taxa e preço público, apesar das restrições de vários eminentes
tributaristas. Se um município fornece água aos seus habitantes, por nós
entendidos como venda de bem e não prestação de serviço, um morador pode
dispensar o fornecimento, não cabendo, assim, a cobrança, por não existir o
caráter compulsório que o obrigue a receber o produto. Ao mesmo tempo,
entendemos a canalização e recepção do esgoto como prestação de serviço,
cabendo, aí sim, o caráter compulsório, pois o não uso da rede de esgoto pode
provocar problemas de saúde para a comunidade. Aliás, em vários tipos de
serviços públicos a compulsoriedade transforma-se em obrigatoriedade,
gerando infração àqueles que os recusam.

O principio da legalidade determina que o cidadão somente pode ser


obrigado a uma prestação se norma jurídica veiculada por lei assim determinar.
Ressaltamos, portanto, que a instituição da taxa pela prestação de serviço
público somente pode advir se houver norma jurídica anterior que institua
e assegure essa ação estatal.

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Serviço Público Delegado ou Permitido

E os serviços públicos concedidos ou permitidos a terceiros podem


compor o critério material da hipótese tributaria da taxa?

Sim. A CF incumbe ao Estado a prestação dos serviços públicos de


modo direto, ou através de sua delegação ao particular, mediante concessão
ou permissão precedida de licitação. Faz ainda menção à disciplina em lei da
“política tarifaria” dos serviços públicos concedidos ou permitidos.

A delegação da prestação de serviço publico ao particular não


descaracteriza a titularidade dessa atuação, havendo apenas a transferência
de seu exercício. O aspecto contratual reside no dever do Poder Público em
manter o equilíbrio econômico-financeiro que assegura o legitimo interesse do
lucro do concessionário ou permissionário.

Em vários municípios temos o exemplo do serviço público de coleta de


lixo praticado por empresa particular que, nem por isso, torna ilegítima a
cobrança da taxa correspondente.

CAPÍTULO V
Conceito de Taxa de Poder de Polícia

Conceito de poder de polícia já foi discutido neste trabalho, mas, agora,


vamos comentar o aspecto tributário correspondente, ou seja, a taxa de poder
de polícia.

A taxa pelo exercício do poder de polícia tem no próprio exercício o seu


fundamento, impondo-se, no entanto, que se constitua em uma atividade
diretamente vinculada ao contribuinte. É curial que o exercício do poder de
polícia deve ser regular, assim considerado quando desempenhado pelo órgão
competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e,
tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou
desvio do poder.

77
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Assim, quando se exige uma taxa de polícia, imprescindível se torna a
existência de:

• um poder de polícia utilizado, legislado. Um poder de polícia ‘em


si e por si’, inerente a toda administração pública, não pode dar lugar à
taxa. A taxa não pode ser devida meramente pela competência que o
Poder Público possui para legislar relativamente ao seu poder de polícia,
inerente a todo Poder Público. Mister se faz, para tal, a utilização desse
poder de polícia;
• uma atividade estatal efetiva em razão do exercício do poder de
polícia, conforme legislação específica. Com base no poder de polícia
utilizado, o Município exerce uma atividade estatal manifestadora desse
poder: fiscaliza, controla, vistoria, inspeciona, licencia etc.. Tal atividade
estatal (em razão do exercício do poder de polícia) é que será custeada
pela taxa. Caso contrário, não há o que justifique uma despesa e a
respectiva receita tributária. Inexistindo atividade estatal dirigida ao
obrigado, não haverá despesa feita e nem causa para a existência do
respectivo instrumento de custeio. Neste sentido, o STF já julgou ilegítima
a taxa de licença de localização e funcionamento em vários Municípios,
por inexistência do efetivo exercício do poder de polícia, isto é, pela falta
de uma atividade estatal dirigida ao obrigado;
• uma atividade estatal dirigida de modo especial ao obrigado,
pessoa que suportará a taxa. Há a necessidade de uma correlação entre
a atividade estatal e o contribuinte. Portanto, não é baixando atos
administrativos que o Município fica com o direito de cobrar taxas, mas,
sim, quando ele os executa, valendo-se do seu poder discricionário,
limitado pela norma jurídica. Ela é devida em razão do poder de polícia
quando efetivamente exercido. O poder de polícia de maneira ampla (uti
universi) é função do Município.

Neste teor, para efeitos de cobrança da taxa, o exercício do poder de


polícia exige a prévia elaboração da norma de polícia como a sua execução. A
atividade estatal que proporcionará a taxa é justamente a de aplicação da
norma legislativa relativa ao poder de polícia. Este se manifesta quando o

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Poder Público age, regulando ou baixando atos normativos disciplinadores
(tem-se, assim, o ‘efetivo exercício’ do poder de polícia).

Em razão da utilização efetiva de seu poder de polícia, depois de


baixadas as normas a serem obedecidas, para o Município a desenvolver
certas atividades em função da utilização de tal poder: fiscaliza as pessoas que
praticam determinados atos dependentes de policiamento administrativo,
verificando o atendimento das exigências ou condições legais; outorga licença
ou autorização, declarando que a pessoa satisfaz as exigências legais ou
regulamentares, permitindo o exercício da atividade que lhe é deferida em lei,
mas dependente de certas condições.

As diversas taxas de polícia

Existem inúmeras taxas de polícia. A denominação mais em uso é a taxa


de licença ou de taxa de fiscalização. Citamos algumas:

• taxa de licença para localização e funcionamento de


estabelecimentos;
• taxa de licença para propaganda e publicidade;
• taxa de licença para execução de obras, arruamentos e
loteamentos;
• taxa de coleta de lixo;
• taxa de inspeção sanitária;
• taxa de fiscalização de veículos do transporte público.

A Disponibilidade do Serviço em Relação à Taxa de Poder


de Polícia

Taxa de poder de polícia pode ser cobrada por mera disponibilidade do


serviço público?

Sacha Calmon Navarro Coelho diz que não: “As ditas taxas de polícia
não podem ser cobradas pela mera disponibilidade do serviço público, só as de

79
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serviço, assim mesmo se a utilização do mesmo for compulsória por força de
lei”.16

No mesmo teor, Roque Antônio Carrazza: “(...) é oportuno


consignarmos, com todas as letras, invocando, uma vez mais, as lições de
Régis Fernandes de Oliveira, que ‘a mera potencialidade ou a utilização
potencial do exercício do poder de polícia’ não autoriza a pessoa política a
exigir a taxa de polícia”.17

Temos que concordar. Ao contrário das taxas de serviços públicos, cujo


objetivo é de fornecer uma utilidade pública, as taxas de polícia, via de regra,
oferecem restrições ou cerceamentos à liberdade individual, realizando
vistorias, exames, perícias e outros atos preventivos para licenciar, autorizar,
liberar ou outros atos formais de poder de polícia. Sem a realização do serviço
prévio, não ocorre a conclusão formal do poder de polícia. Não se pode cobrar
uma taxa de licença de construção daquele que construiu sua casa
clandestinamente, a não ser do momento em que ele for apanhado pela
fiscalização e obrigado a apresentar os documentos necessários para
apreciação. Caso contrário, estaríamos concedendo licenças, e cobrando a
taxa, sem qualquer verificação prévia da qualidade da obra, anulando o
objetivo final do serviço.

A Comprovação do Efetivo Exercício do Poder de Polícia

Como comprovar o efetivo exercício do poder de polícia?

Se pudéssemos generalizar, diríamos que a comprovação do exercício


do poder de polícia se comprova com a emissão do documento formal entregue
ao contribuinte, ou seja, a licença, o alvará, a autorização, a certidão, o cartão
etc. Ocorre que existem certos exercícios do poder de polícia que, depois de
praticados, não se materializam em documento formal. Exemplos: 1) a
Vigilância Sanitária fiscaliza uma Farmácia para verificar a presença

16
Coêlho, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro, 6ª ed., Rio de Janeiro,
Forense, 2001.
17
Carrazza, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 12ª ed., São Paulo,
Malheiros, 1999.

80
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(obrigatória) do Farmacêutico responsável. Se verificada a presença do
profissional, a fiscalização simplesmente encerra sua atuação, geralmente sem
formalidades. 2) um pipoqueiro, possuidor da licença de vendedor ambulante, é
fiscalizado na rua com o intuito de verificar se está cumprindo as normas de
segurança relativas à instalação do botijão de gás. Examinado, o Fiscal
agradece e vai embora. 3) a Fiscalização de Posturas examina o painel de
publicidade preso na marquise de uma loja. Constatada a segurança, sem
perigo de cair na cabeça de um transeunte, a fiscalização deixa o local e segue
para outra loja. Nesses exemplos, a Farmácia é contribuinte da Taxa de
Vigilância Sanitária; o Pipoqueiro da Taxa de Licença de Vendedor Ambulante;
e a loja, contribuinte da Taxa de Licença de Publicidade. O efetivo exercício do
poder de policia, em todos os exemplos, foi realizado ou não?

Vamos responder através de algumas decisões do Supremo Tribunal


Federal:

“Taxa de Localização e Funcionamento de estabelecimentos comerciais


e outros. Constitucionalidade. São constitucionais taxas que abarquem a
localização e autorização anual para funcionamento e permanência de
estabelecimentos comerciais e similares, desde que haja órgão
administrativo que exercite essa faceta do poder de polícia do Município,
e que a base de cálculo não seja vedada” (RE 115.669, Rel. Min. Moreira
Alves – DJ 17/6/88).

Vejam parte do voto do Ministro Ilmar Galvão, no Recurso Extraordinário


116518-9, pelo qual foi considerada a legalidade da cobrança da Taxa de
Licença de Localização, Funcionamento e Instalação pelo Município de São
Paulo: “(...) A incidência da fiscalização pelo aparato burocrático deve ser
demonstrada de forma categórica; se a Municipalidade pretende cobrar
anualmente taxas, deve demonstrar o exercício do poder de polícia, não
bastando emitir o carnê para pagamento da taxa. O ônus imposto à
Municipalidade para demonstração de que ocorrera atividade
fiscalizadora, não pode subsistir. Ora, no desempenho do papel
fiscalizador contemplado na Constituição, a municipalidade paulistana

81
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não exercita hipotético ou burocrático poder de polícia. Exerce-o
efetivamente através de seus órgãos fiscalizadores”.

Agora, vejam essas decisões do Superior Tribunal de Justiça:

“Tributário. Taxa de Localização e Fiscalização. Anúncios luminosos.


Cobrança pela Fazenda Municipal: Impossibilidade, salvo se demonstrada a
efetiva concretização do poder de polícia. Precedentes do STJ. Recurso
provido” (RE 133.241/SP).

“É ilegítima a cobrança da taxa de renovação de alvará de


funcionamento e publicidade do Município do Rio de Janeiro por falta de
contraprestação de serviços como conseqüência do poder de polícia
municipal”.

O assunto é polêmico. Vejam a posição de Antônio Theodoro


Nascimento: “Se a taxa tem como fato gerador o poder de polícia, não há que
se falar de “utilização” ou de “possibilidade de utilização” de serviço pelo
particular; mas de sujeição deste à fiscalização do poder público, que cobra a
taxa para manter os instrumentos necessários a que essa fiscalização se
consume”.

Em nossa opinião, entende-se que a legitimidade da cobrança da taxa


de poder de polícia depende da existência de órgão administrativo que exercite
o poder de polícia e que este seja efetivamente realizado. Não haveria,
portanto, necessidade de comprovar formalmente, caso a caso, a fiscalização
efetuada. Mesmo assim, encontramos várias decisões judiciais de 1a. e 2a.
Instâncias contrárias ao afirmado. Por esse motivo, recomenda-se formalizar o
final de cada fiscalização efetivada, ou através dos autos de infração lavrados,
ou por “Termo de Fiscalização”, emitido pelo agente fiscal. Infelizmente, tal
sugestão caminha em busca de excessiva burocracia, perfeitamente
dispensável se toda a Justiça entendesse que a formalidade do ato, em muitas
situações, não seria a prova da materialidade da função exercida.

Finalmente, copiando Régis Fernandes de Oliveira, podem ensejar a


cobrança de taxa de polícia os seguintes atos administrativos:

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- a licença;
- a autorização;
- a dispensa;
- a isenção;
- a fiscalização.

Em contrapartida, não daria margem à cobrança da taxa de poder de


polícia:

- a aprovação;
- a renúncia;
- a admissão;
- a homologação;
- a recusa, ou indeferimento;
- o visto;
- o parecer;
- a proposta;
- os atos punitivos (multas, penalidades).

A Taxa de Fiscalização das Atividades Econômicas

A taxa de fiscalização das atividades econômicas, ou denominação


similar, tem como fato gerador o exercício regular do poder de polícia do
Município, ao qual se submetem todos os estabelecimentos de pessoas físicas
ou jurídicas que exerçam atividades dependentes de autorização da
Administração Municipal para funcionamento.

O exercício do poder de polícia se manifesta mediante ação regular e


permanente da fiscalização municipal, controlando e disciplinando as
atividades econômicas e sociais, visando, em razão do interesse público, a
segurança, a tranqüilidade pública, o ordenamento urbano, o meio ambiente e
os direitos coletivos.

83
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Geralmente, a legislação municipal considera devida a taxa também em
relação às instalações fixas ou removíveis nas quais se pratica atividades
comerciais, tipo quiosque e trailer.

Questão polêmica sobre essa taxa é se a sua cobrança se refere ao


estabelecimento ou à pessoa que exerce a atividade. Para ser mais claro: um
consultório médico, no qual atuam três profissionais em horários diversos, a
taxa seria única, a incidir sobre o consultório, ou seriam três taxas, cada uma
referente a um profissional?

Ao lembrarmos que a taxa de fiscalização das atividades econômicas


incide sobre os estabelecimentos, sendo estes o alvo do exercício regular do
poder de polícia, e não a atuação individual da pessoa, a resposta à pergunta
acima seria de que a taxa não poderia ser mais de uma, pois se trata de um
único estabelecimento, ao mesmo tempo em que haveria a emissão de um
único Alvará de Funcionamento, ou seja, uma só inscrição para efeitos de taxa
de poder de polícia.

Neste caso, então, o Alvará e a conseqüente taxa seriam registrados


com o nome dos três profissionais? Cada município adota um procedimento,
mas consideramos o mais correto aquele que concede o Alvará em nome do
profissional se proprietário do imóvel, ou se locatário do mesmo. Os demais
profissionais que atuam no estabelecimento teriam os seus nomes apostilados
no Alvará como usuários do estabelecimento.

Este exemplo serve para demonstrar certas diferenças que existem


entre cadastramento para efeito de taxa e de ISS. São três inscrições do
imposto, mas somente uma para taxa.

O mesmo não aconteceria em um shoping, por exemplo. Em um


estabelecimento de atividades múltiplas independentes, cada loja ou quiosque
deve possuir o seu próprio alvará, sofrendo cada um deles a incidência da taxa
de poder de polícia. Ao mesmo tempo, o próprio shoping, como um todo, é
obrigado também a requerer o seu Alvará de Funcionamento, sofrendo da
mesma forma o encargo do pagamento da taxa. Enquanto as lojas sofrem

84
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inspeções diretas sobre segurança, higiene etc., as áreas comuns do shoping
são também inspecionadas, tendo como responsável a empresa ou o síndico
que o administra.18

CAPÍTULO VI
O Lançamento Tributário

Momentos da Relação Tributária

CAUSA EFEITO
Lei editada pela pessoa política Nascimento do tributo (in
competente (hipótese de incidência abstracto)
tributária)
Ocorrência do fato gerador (o fato Nascimento da obrigação
imponível tributário) tributária (in concreto)
Ato administrativo do lançamento Declaração formal do crédito
tributário
Notificação do lançamento Informação oficial ao
contribuinte da existência do crédito
tributário
Pagamento, ou outro meio legal de Extinção do crédito tributário
extinção do crédito

O quadro acima aponta a importância do lançamento, pois a sua


inexistência, após ocorrer o fato imponível, conduz a obrigação tributária a uma
morte prematura, sem solução. Portanto, tão importante quanto o fato gerador
da obrigação tributária é a providência administrativa do lançamento.

Lançamento é um ato administrativo cuja função é a de declarar a


obrigação tributária, de acordo com os termos da lei, conferindo o valor da

18
Fato polêmico ocorreu no shoping de uma cidade. Um quiosque que vendia água de coco, foi
multado por manter as cascas do fruto amontoadas ao lado do quiosque. O responsável pelo
quiosque alegou que a responsabilidade seria da Administração do Shoping, pois o local era
área comum do estabelecimento. Enquanto as partes discutiam, a fiscalização repetia as
multas até a interdição do quiosque, medida que obrigou a Administração a pagar as multas,
resolver o problema de recolhimento do lixo e entrando com uma ação judicial contra o
responsável pelo quiosque.

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exigibilidade e definindo o sujeito passivo da obrigação. O Código Tributário
Nacional define assim o lançamento:

“Art. 142 – Compete privativamente à autoridade administrativa constituir


o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento
administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação
correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo
devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da
penalidade cabível.

Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e


obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional”.

Por ser o lançamento um ato administrativo, entende-se a necessidade


de existir um suporte administrativo tributário municipal bem estruturado, com
funções e competências devidamente delegadas e observância de normas
rígidas de controle. Importante, pois, observar que a atividade de efetuar
lançamento está obrigatoriamente sustentada nos procedimentos internos de
gestão administrativa da Fazenda Pública.

Pela definição do art. 142 do CTN, podemos perceber:

• O lançamento é uma atividade privativa da administração.


Importante: a Fazenda Pública não tem o direito de efetuar o lançamento,
e sim a obrigação de fazê-lo. A nosso ver, apesar da interpretação
diferente de vários mestres, somente os atos praticados pela
administração pública são configurados como lançamentos, por ser ofício
privativo da Administração. Os chamados autolançamentos, ou
lançamentos por declaração nada mais são do que relatórios
preparatórios ao ato do lançamento. Em suma, a Administração não pode
delegar a terceiros a responsabilidade de proceder ao lançamento, fato
que temos observado em alguns municípios, transferindo para empresas
particulares emissão de carnês e a cobrança de tributos, principalmente
do IPTU.

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• Atividade vinculada. Ou seja, a atividade não pode afastar-se da
legalidade, mas permite a Administração a agir discricionariamente em
certas e determinadas situação que analisaremos posteriormente.
• O lançamento é um ato declaratório da obrigação tributária,
embora vários autores considerem o lançamento como o ato constitutivo
da mesma, afirmando que o crédito tributário nasce com o lançamento,
teoria não sustentada em nosso Código Tributário Nacional. Como já foi
dito, o lançamento somente declara a obrigação preexistente.

O Lançamento como Formalizador do Crédito


Tributário

Já vimos que o lançamento não produz ou faz nascer o crédito tributário,


na verdade existente desde a ocorrência do fato imponível. Sua função tem
efeito de formalizar a sua existência, tornando-a material. Dessa maneira, o
lançamento está atrelado às condições fixadas na data do fato gerador e não
àquelas da data do lançamento.

Diz o art. 144 do CTN:

“Art. 144 – O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador


da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente
modificada ou revogada.

§ 1º - Aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à


ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de
apuração ou processo de fiscalização, ampliado os poderes de investigação
das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou
privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade
tributária a terceiros.

§ 2º - O disposto neste artigo não se aplica aos impostos lançados por


períodos certos de tempo, desde que a respectiva lei fixe expressamente a
data em que o fato gerador se considera ocorrido”.

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Assim, não importa se houve mudanças de lei na data do lançamento,
pois todos os cálculos da obrigação tributária “são contemporâneos ao fato
gerador e não ao lançamento”, como explica Ruy Barbosa Nogueira.
Conseqüentemente, se o tributo de um contribuinte foi lançado dois anos após
a ocorrência do fato imponível, o servidor responsável pelo lançamento fica
obrigado a obedecer às normas legais existentes na época, ou seja, há dois
anos atrás. Entretanto, se a lei fixar a data em que o fato gerador se considera
ocorrido, a data a ser considerada passa a ser a indicada na lei.

As três Modalidades de Lançamento

O Código Tributário Nacional, com o propósito evidente de facilitar os


trabalhos administrativos e procurando criar condições que permitam à
Administração o exercício pleno de lançar os créditos tributários, admite, em
certos casos, a participação do sujeito passivo na formulação de dados
preparatórios ao ato administrativo do lançamento. Em hipótese alguma a
participação dele significa que a obrigação do ato esteja sendo delegada, o que
a lei rigorosamente não permite, mas objetiva em termos práticos impedir
atrasos na arrecadação, motivados por possíveis retardamentos da ação
administrativa, além de criar facilidades de verificações fiscais posteriores.

São previstas três espécies de lançamento:

• Lançamento por declaração.

Efetuado com base na declaração ou no relatório apresentado


previamente pelo sujeito passivo. Dentro de um prazo determinado, o
contribuinte, ou um terceiro obrigado, submete à apreciação do Fisco uma série
de informações e esclarecimentos possibilitando o lançamento.

• Lançamento de ofício.

Efetuado exclusivamente pela repartição fiscal, sem colaboração do


contribuinte, mas geralmente baseado em informações já cadastradas
internamente.

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• Lançamento por homologação.

Efetuado pela repartição fiscal, homologando, ou acatando, o


pagamento do tributo já realizado pelo sujeito passivo da obrigação. Ocorre em
relação aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de
antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa e
opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da
atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.

O Lançamento da Taxa

Todas as taxas são lançadas ou por declaração, ou de ofício. De forma


geral, as taxas de prestação de serviços são lançadas mediante declaração do
contribuinte, pois compete ao responsável fornecer os dados pertinentes ao
lançamento, como é o caso da taxa de coleta de lixo. Contudo, a declaração
fornecida pelo contribuinte retrata uma posição inicial inserida no cadastro,
podendo, a partir daí, sofrer mutações decorrentes da ação fiscal. Ou seja,
embora o entendimento é de que o lançamento da taxa de prestação de
serviços é feito por declaração, na verdade, o lançamento é quase sempre de
ofício. No exemplo da taxa de coleta de lixo, se o responsável declarou tratar-
se de um imóvel unifamiliar, sendo, por conseqüência, assim lançada a taxa,
mas, posteriormente, a fiscalização constata que o imóvel foi desmembrado
para ocupação de duas famílias, sem requerer à Prefeitura permissão de
efetuar o desmembramento, além das conseqüências relativas ao IPTU, caberá
à Administração Municipal retificar o lançamento da taxa de coleta de lixo,
agora pertinente a dois imóveis unifamiliares.

Outro ponto é que dificilmente o obrigado faz a declaração e efetua o


recolhimento sem o assentimento da Administração Municipal. Em geral, a guia
é emitida na repartição depois do exame dos dados pela autoridade
administrativa.

A respeito das taxas de poder de polícia, surge um problema legal de


solução delicada. Sendo o fato gerador da taxa de poder de polícia o exercício
regular de atuação estatal, há quem diga que a taxa não poderia ser lançada

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previamente, antes do efetivo exercício do poder de polícia. Somente depois da
atuação haveria a possibilidade de lançamento do tributo.

Nos termos do art. 144, do CTN, o lançamento reporta-se à data da


ocorrência do fato gerador da obrigação, o que confirmaria a tese acima. Além
disso, a exceção contida no § 2º do aludido artigo se refere expressamente a
impostos (“O disposto neste artigo não se aplica aos impostos lançados por
períodos certos de tempo, desde que a respectiva lei fixe expressamente a
data em que o fato gerador se considera ocorrido”).

O argumento utilizado a permitir o lançamento da taxa de poder de


polícia antes do efetivo exercício deste poder estaria explicitado no art. 79 do
Código Tributário Nacional, ao dispor que os serviços públicos podem ser
considerados como utilizados pelo contribuinte:

a) efetivamente, quando por ele usufruídos a qualquer título;

b) potencialmente, quando, sendo de utilização compulsória, sejam


postos à sua disposição mediante atividade administrativa em efetivo
funcionamento.

A alínea b serviria de justificativa ao lançamento a partir do início do


exercício, por conta da existência potencial do serviço público. Ocorre, porém,
que taxa de poder de polícia não poderia ser cobrada por mera disponibilidade
do serviço, assunto já visto anteriormente neste trabalho.

Dessa maneira, as taxas de poder de polícia não poderiam ser lançadas


antes da prestação efetiva da atuação fiscal, surgindo daí um sério problema
de formalização do crédito tributário para tais tipos de taxa. Ou seja, na visão
da doutrina jurídica, a taxa de poder de polícia somente seria lançada a partir
do momento do serviço efetivado, mediante lançamento de ofício com base nas
informações fiscais, ou por auto de infração, se constatado qualquer tipo de
infração. Tal procedimento, sem dúvida, prejudicaria sensivelmente a rotina
formal dos trabalhos da Administração.

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O Auto de Infração como Ato Administrativo de
Lançamento

Como vimos, o Auto de Infração é um instrumento formalizador do


lançamento de ofício. Por si só, evidencia-se a importância do documento e a
necessidade de revestir-se de todos os elementos formais capazes de
identificar plenamente o sujeito passivo, o fato imponível e a capitulação
correta da legislação cabível. Deve conter:

I. A qualificação do autuado;
II. O local, a data e a hora da lavratura;
III. A descrição circunstanciada dos fatos que justifiquem a
exigência do tributo ou de multas;
IV. A disposição legal infringida e a da penalidade aplicável;
V. O valor do tributo exigido;
VI. A assinatura do autuante, a indicação do seu cargo ou
função e o número de matrícula;
VII. A assinatura do autuado, se possível;
VIII. O prazo para pagamento ou de apresentação de
impugnação.

Deve-se ressaltar que a assinatura do autuado no documento não


significa em hipótese alguma concordância com os termos do Auto de Infração,
tratando-se apenas de um termo de recebimento. Tampouco, a recusa de
assinatura não induz o Fisco a qualquer agravamento da infração. Por incrível
que pareça, já vimos decreto municipal estabelecendo multa adicional aos
autuados que se recusassem a assinar o Auto. Duas aberrações em um só
momento: decreto criando multa e autuado obrigado a assinar.

Desde que as normas legais locais permitam, o auto de infração poderá


ser acompanhado, como parte integrante, de quadros ou planilhas
demonstrativos do levantamento fiscal. Ocorrendo erros de soma, de cálculos
ou de capitulação da infração, verificados posteriormente à sua lavratura, a
autoridade administrativa competente poderá determinar retificação do
documento, sendo o contribuinte cientificado formalmente da alteração feita.

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O auto de infração poderá ser anulado:

I. Se praticado por servidor sem competência legal;


II. Por conter decisões não fundamentadas;
III. Por conter atos ou decisões que impliquem preterição ou
prejuízo do direito de defesa.

A competência para determinar a nulidade do auto de infração varia de


acordo com as leis dos municípios, podendo ser de uma autoridade superior,
um do conselho de recursos, de uma comissão fiscal etc.. Mas, qualquer que
seja a autoridade, imprescindível pormenorizar no processo os motivos da
nulidade e as providências que deverão ser tomadas para prosseguimento ou
solução do processo.

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CAPÍTULO VII
PRÁTICAS DE FISCALIZAÇÃO
“Temos de contribuir para que se
restabeleça e aumente no cidadão a crença no
direito, a crença de que a relação tributária é uma
relação jurídica e não uma relação simplesmente
de poder”.

Hugo de Brito Machado.

O Poder Fiscal do Município

A nossa república federativa aufere aos municípios determinados


poderes políticos e administrativos capazes de assegurar a gestão de suas
atividades internas. Em nosso regime democrático, a soberania de todos os
seus entes políticos é sempre parcial, mas proporciona um suporte de
autonomia que permita direcionar por conta própria o seu caminho, decidindo
por seu julgamento as diretrizes que deve seguir, visando o bem-estar e o
desenvolvimento de sua população. Essa parcela de autonomia é imutável,
estabelecida na Constituição Federal, como se segue:

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos,
com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros
da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos
nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes
preceitos:

(...)

Art. 30. Compete aos Municípios:

I – legislar sobre assuntos de interesse local;

II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

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III – instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como
aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e
publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV – criar, organizar e suprimir Distritos, observada a legislação estadual;

V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou


permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte
coletivo, que tem caráter essencial;

VI – manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do


Estado, programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental;

VII – prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do


Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial,


mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do
solo urbano;

IX – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local,


observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Dentre os princípios asseguradores da autonomia municipal está a


capacidade de decretar e arrecadar os tributos de sua competência. Compete,
pois, ao município impor ônus às pessoas que vivem dentro de seus limites
políticos, no âmbito de sua capacidade tributária. Trata-se do chamado Poder
Fiscal, um dos componentes do poder político atribuídos aos municípios, não
podendo, porém, ser visto como poder facultativo e sim como poder-função
obrigatório, indispondo o município de autoridade para esquivar-se da
atribuição, em vista do superior ordenamento constitucional e complementar. A
Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000) destaca como requisitos
essenciais na gestão fiscal: a instituição, previsão e efetiva arrecadação de
todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação.

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O poder fiscal do município não se limita ao ato de cobrar e coletar
recursos tributários. O exercício desse poder alcança a capacidade de instituir
as normas jurídicas tributárias suficientes para dar efetividade à cobrança,
desde que custodiadas pelos ditames constitucionais, detentores da permissão
parcial de autonomia. Nos termos de Bernardo Ribeiro de Moraes, o poder
fiscal como parte da soberania estatal tem as seguintes características: é
abstrato (é uma faculdade para atuar); permanente (faz parte da soberania do
Estado); irrenunciável (o Estado não pode renunciar esse poder); e indelegável
(não pode ser transferido).

Do mesmo modo, a pessoa para ser titular do poder fiscal, ou possuir


competência tributária, deverá preencher, no mínimo, os seguintes requisitos:

a) Ser uma entidade ou órgão estatal. Somente o órgão


estatal, detentor de soberania ou de parcela de poder, é que pode ser
titular do poder fiscal. A pessoa natural ou a pessoa jurídica não-estatal
é destituída de poder (aspecto da soberania). A entidade estatal, ao
contrário, recebe do ordenamento jurídico constitucional a competência
tributária, como um meio para atingir o fim que lhe é próprio;
b) Ser revestida de personalidade jurídica. Somente o órgão
estatal, revestido de personalidade jurídica própria, é que pode se
apresentar como titular do poder fiscal ou da competência tributária, com
força de emanar normas jurídicas tributárias;
c) Exercer função legislativa. Somente pela lei emanada do
Estado é que se manifesta a soberania, onde o tributo se acha
fundamentado. Portanto, para ser titular do poder fiscal, ou da
competência tributária, deve o órgão estatal possuir competência
legislativa.

Nos termos do art. 7o do Código Tributário Nacional, a competência


tributária é indelegável, salvo atribuição da função de arrecadar, podendo,
também, uma pessoa jurídica de direito público delegar a função de fiscalizar a
outra, sendo expressamente vedado o cometimento da atribuição à pessoa
jurídica de direito privado. Nesse teor, várias leis orgânicas municipais
determinam competência exclusiva do município nas funções de “instituir e

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arrecadar os tributos de sua competência” sem a ressalva da delegação,
enquanto esse mesmo município delega às instituições financeiras (Bancos
privados) a tarefa de arrecadar, em harmonia com o texto do CTN, mas
conflitando com o termo da sua própria Lei Orgânica.

A delegação das funções de fiscalizar e arrecadar é sempre


acompanhada das garantias e dos privilégios processuais que competem à
pessoa jurídica de direito público, em nosso caso, o Município que a confere.
Nada impede, também, que o ato ou convênio da transferência dessas funções
tributárias seja apenas em parte, outorgando-se somente algumas garantias ou
privilégios, podendo ser revogada a qualquer tempo pelo Município que a
delegou.

A Função de Fiscalização na Administração Pública

A função de fiscalização compreende um conjunto de atividades, desde


o acompanhamento das normas tributárias vigentes até o integral cumprimento
das obrigações principais e acessórias. A função de fiscalização não se limita,
portanto, ao ato de fiscalizar um contribuinte, tratando-se de uma ação bem
mais ampla e abrangente, confundindo-se até com a própria administração
tributária. Nos dias atuais, já é comum a presença do chamado “Fiscal Interno”,
operando em tempo integral na frente de um computador, analisando números
e tendências de mercado, disparando relatórios para seus colegas de campo,
ou de função externa. A Fiscalização não pode ser entendida como uma ação,
ou como um setor autônomo, e sim como um processo integrado por múltiplas
ações em produção na administração tributária. Uma Fiscalização bem
estruturada no organograma fazendário deveria dispor das seguintes funções:

- Atividades de estudo e análise de dados, produzindo relatórios


sobre aspectos macros ou sobre manifestações particulares;
- Atividades de planejamento da fiscalização, assegurando uma
política definida a ser seguida;
- Atividades de selecionar e identificar contribuintes integrantes do
universo objeto da fiscalização;

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- Atividades de atendimento interno ao contribuinte, respondendo
consultas verbais, verificando documentação, autorizando livros etc;
- Atividades de análises de reclamações ou recursos administrativos,
processando pareceres e respostas às consultas formais;
- Atividades de execução da fiscalização, em ações externas;
- Atividades de gestão, acompanhando os resultados, verificando o
cumprimento dos planos de trabalho e possíveis distorções.

A fiscalização funciona, conforme se verifica, sob dois grandes tipos de


atuação: a preventiva, voltada para o cumprimento de obrigações acessórias,
tais como, inscrição em cadastro, emissão de notas fiscais, registros em livros
fiscais etc; e de auditoria, voltada para a efetiva fiscalização dos atos já
efetuados, homologando lançamentos anteriores e analisando resultados de
um período passado. A preventiva procura evitar ou dificultar evasões ou
sonegações futuras; a auditoria procura detectar casos de evasões ou
sonegações ocorridas. Todas as duas são de alta relevância e exigem
conhecimento e qualificação técnica dos servidores públicos envolvidos.

O objetivo fundamental da função de fiscalização é o alcance e


manutenção de uma elevada percepção, por parte dos contribuintes, do risco
envolvido na tomada de decisão de descumprir com a norma tributária.

Trata a fiscalização de contribuir para quebrar as resistências fiscais


observadas em parcela dos contribuintes19. Ao inibir a disseminação da evasão
fiscal, a atuação da fiscalização serve ao aumento da arrecadação e da
competitividade da economia.

É importante observar que, para o desempenho do seu mister, é a


fiscalização que deve adaptar-se ao ambiente econômico e tecnológico, e não
o contrário, o que está relacionado com o cumprimento do princípio de
tributação que visar minimizar o impacto dos sistemas tributários sobre as
decisões dos agentes econômicos.

19
Citada por Neumark: as resistências fiscais têm por base o fato de que, regra-geral, toda pessoa se
considera melhor aplicador do seu próprio recurso que o Estado.

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Para que a função de fiscalização seja formulada e desenvolvida, é
fundamental que:

• o fenômeno da evasão fiscal seja conhecido em seu largo


espectro: causas, manifestações, dimensões, etc;
• disponha-se de recursos legais, materiais, financeiros,
tecnológicos, de informações, humanos etc.
• haja domínio de ferramentas de análise que permitam
conhecer o contribuinte, seu negócio e seu padrão de relacionamento
com o fisco;
• tenha sido tomada a decisão, em nível estratégico de
enfrentar a evasão fiscal e que essa decisão esteja refletida
claramente na explicitação da política de fiscalização e em uma
adequada programação e controle de gestão.

Estratégia de Ação Fiscal

A estratégia de ação prioritária da fiscalização deve estar voltada para a


promoção de níveis crescentes de cumprimento voluntário das obrigações
tributárias pela simplificação do sistema, disseminação do rol das obrigações
de cada um, comodidade para o cumprimento e elevação da percepção de
risco por parte de um eventual infrator.

Para bem cumprir com sua missão, a administração tributária deve


contar com:

a. adequado escopo normativo, congruente,


sistematizado e cujo grau de complexidade leve em conta as
características dos atos econômicos que estiveram na base do
fato gerador da obrigação tributária;
b. sistemas informatizados de apoio à execução tanto
das suas funções operativas quanto de apoio, pois o tratamento
massivo de informações é peça fundamental ao êxito de uma
administração tributária;

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c. pessoal adequadamente capacitado, tanto no que se
refere às habilidades técnicas necessárias quanto às gerenciais,
e amparados em adequada política de recursos humanos
abrangente, que cubra desde aspectos de seleção, formação,
capacitação permanente, lotação, movimentação, preenchimento
de cargos, etc, até normas de conduta e procedimentos
relacionados com a ética e disciplina;
d. modelo de gestão organizacional centrado nos
clientes da administração e nos objetos de sua ação e
compromissado com resultados no curto prazo, objetivos no longo
prazo e com autonomia sobre os meios.

Em termos genéricos, os procedimentos fiscais podem ser divididos em


três grandes grupos:

- Procedimentos Fiscais de Fiscalização – ações externas


direcionadas aos sujeitos passivos que objetivam a verificação do
cumprimento das obrigações tributárias e a correta aplicação da
legislação;
- Procedimentos Fiscais de Diligência – ações internas ou externas
destinadas a coletar informações ou outros elementos de interesse
da administração tributária, inclusive para atender exigência de
instrução processual;
- Procedimentos Fiscais Administrativos – ações internas
destinadas ao atendimento de contribuintes, exame de processos
fiscais, retificação ou validação de lançamentos tributários, cálculo
de principal e acessórios para emissão de guias etc.

Atividades e Abrangência da Fiscalização

Atividades

São atividades típicas da função de fiscalização:

- inteligência;

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- programação;
- seleção;
- execução; e
- gestão.

A inteligência fiscal compreende as atividades de estudos e


análise de dados visando o integral conhecimento do fenômeno da evasão
fiscal, tanto em seus aspectos macro quanto em suas manifestações
particulares. Seus resultados são fundamentais para a formulação da política
de fiscalização e retroalimentação das demais funções da administração
relacionadas com a correção de brechas que facilitam o planejamento tributário
ou regras impositivas que se demonstrem disfuncionais e pouco efetivas.
Essas tarefas de inteligência, relacionadas com análise interna de dados, tem
contrapartida com ações específicas de investigação, inclusive aquelas
relacionadas com a identificação de crimes fiscais.

A programação da fiscalização, ou plano de fiscalização, tem por


objetivo assegurar que a política definida para a fiscalização seja seguida.
Deve conter objetivos claros, tempo de vigência, atividades a serem
desenvolvidas, características dos contribuintes a serem trabalhados, tipos de
ações, critérios de seleção, metas em termos de quantidade e valor, agentes
fiscais envolvidos, produtividade pretendida.

A seleção trata de identificar, concretamente, cada contribuinte


integrante do subconjunto do universo de contribuintes que é o objeto da
fiscalização, com o objetivo de controlar o cumprimento tributário, combater a
evasão e dar sinais efetivos a todo o universo de contribuintes do risco
envolvido na tomada de decisão de evadir tributos. A seleção deve levar em
conta a necessidade de potencialização dos efeitos das ações fiscais e deve
estar amparada em modernas técnicas de análise e investigação fiscal.

A execução deve contar com ferramentas apropriadas e


procedimentos definidos em normas de execução e papéis de trabalho. Nos
procedimentos de auditoria fiscal, nada substitui o profissional experiente e
bem qualificado.

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Finalmente, a gestão deve acompanhar a execução do plano e
seus resultados, retroalimentando as demais atividades da fiscalização e
funções da administração tributária.

Deve contar com aplicativo específico, alimentado por relatórios


individualizados dos agentes fiscais e de seus supervisores. Ao controle de
gestão cabe assegurar que o trabalho fiscal não acabe com a autuação,
acompanhando os resultados e características que envolvem todos os
procedimentos posteriores.

Finalmente, é o controle de gestão que identificará chances e


riscos relacionados com a execução das atividades.

Abrangência

Assim, a função de fiscalização começa com as atividades de


análise do padrão e características dos contribuintes e do seu negócio e, ao
contrário do que é a prática da fiscalização tradicional, não termina com a
aplicação da adequada sanção. Segue acompanhando os resultados da ação
praticada e retroalimentando as demais funções da administração tributária
visando à sua maior efetividade global.

Infra-estrutura

A atuação da fiscalização deve ter suporte em:

- política de aproximação dos contribuintes à administração tributária;


- regime de penalidades adequado;
- pessoal capacitado;
- modernas ferramentas de análise de dados e auditoria fiscal;
- adequadas técnicas de análise de dados e investigação.

A infra-estrutura deve contemplar: estrutura organizacional e de


gestão, política de recursos humanos, recursos legais e normativos,
financeiros, materiais e tecnológicos.

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Organização e Gestão

Em termos de estrutura organizacional e de gestão, observa-se que,


muitas vezes, as atividades que compõem a fiscalização estão distribuídas nas
administrações fazendárias por diferentes áreas da organização, o que, quando
ocorre, exige grande esforço de integração. Onde todas as atividades estejam
sob um mesmo comando, é mais fácil e efetiva a integração entre as distintas
atividades que compõem a função.

Via de regra há duas grandes áreas em toda estrutura de apoio às


atividades de fiscalização: estudos e planejamento e execução. Cada uma
delas pode ser subdividida.

Mais importante que estrutura são os procedimentos adotados, inclusive


aqueles relacionados com a gestão. Devem estar bem definidas funções e
responsabilidade e assegurados os meios necessários para que metas fixadas
sejam exigidas e alcançadas.

Como de resto ocorre em todo modelo gerencial, a falta de autonomia na


gestão dos meios cria sérias limitações à exigência em matéria de
performance. É comum que, em nível de execução, existam áreas específicas
dirigidas a grandes contribuintes ou setores com atividades de maior
complexidade ou mais expressivos em termos de porte.

Recursos Humanos

No que se refere a pessoal, é fundamental que a administração tributária


conte com uma política de recursos humanos claramente definida, que
compreenda regras estáveis de seleção, formação, capacitação, progressão,
preenchimento de cargos, remuneração, movimentação e conduta.

Aspectos relacionados com remuneração sempre geram muita


controvérsia, sobretudo pelas características dos sistemas de remuneração
diferenciada em função da produtividade fiscal que são adotados.

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A possibilidade de progressão na carreira em funções exclusivamente
técnicas evita o risco dos bons profissionais de fiscalização serem desviados
para funções administrativas inadequadamente, ou que sejam desestimulados
em seu processo contínuo de qualificação.

Tecnologia

Em matéria de tecnologia, é notável como a função de fiscalização, em


grande medida, tem sido pouco impactada pela adoção de novas tecnologia, se
comparada com as demais funções da administração tributária. Ainda se
percebe disseminados de forma restrita a realização de estudos, seleção de
contribuintes, execução e controle de gestão com o amparo de modernas
tecnologias. São fatos ainda recentes a utilização de instrumentos para
formalização automática de autos de infração ou realização de auditorias em
sistemas computadorizados. A utilização de tecnologia adequada pode e deve
liberar a mão de obra fiscal para tarefas mais nobres.

Recursos Normativos

Quanto aos recursos legais e normativos, devem estar suficientemente


disseminados entre os contribuintes seus direitos e obrigações. Entre os
agentes do fisco, dominados os limites da sua atuação, tanto no que concerne
às suas prerrogativas quanto no que se refere às obrigações relacionadas com
a instrução processual. Deve haver um equilíbrio entre direitos e deveres, para
que a fiscalização cumpra com seu papel de elemento de garantia da eqüitativa
distribuição da carga tributária. Não é supérfluo observar que, muitas vezes, a
efetividade da ação fiscal se vê comprometida por deficiências relativas à
instrução processual.

Uma adequada lei penal tributária é elemento de grande importância na


composição da infra-estrutura legal de suporte à ação da fiscalização.

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Recursos Materiais e Financeiros

A autonomia na gestão de meios tem surgido como característica


imprescindível para uma administração tributária efetiva. Dentro da
administração tributária, a fiscalização, por suas características, igualmente
exige, em nível de execução, elevado grau de autonomia.

As condições materiais e financeiras apresentam-se como fortes fatores


limitadores para o cumprimento integral da função de fiscalização, sobretudo
na medida em que, para sua consecução, são demandados grande parte do
orçamento necessário ao funcionamento da administração tributária.

Tipos de Contribuintes

Não cabe aqui qualquer discussão sociológica sobre o comportamento


do contribuinte, mas na visão do Fiscal existem apenas dois tipos de
contribuintes: aqueles que cumprem suas obrigações fiscais e aqueles que não
as cumprem. Nesse ponto, é flagrante a influência da fiscalização em
determinar o caminho a seguir pelo contribuinte. Se a fiscalização atuar de
forma eficaz e permanente, o número de contribuintes cumpridores de suas
obrigações aumenta; caso contrário, diminui, aumentando o número de
descumpridores. Trata-se de uma lógica irrefutável, mas, infelizmente, vários
Prefeitos reclamam e lastimam o grande valor de evasão fiscal, sem nada
acrescentar de melhoria ao desempenho da fiscalização.

Um Fiscal perspicaz reconhece no grupo de contribuintes


descumpridores de obrigações tributárias aqueles considerados como
contumazes evasores de receita, daqueles que cometeram uma irregularidade
por desconhecimento das normas legais. No primeiro grupo encontram-se os
sonegadores, que utilizam meios fraudulentos para escapar do tributo, mas
nem todos contumazes evasores de receita podem ser considerados
sonegadores, pois ainda existem os que perseguem insistentemente as
brechas da lei, ou questões aparentemente dúbias, no sentido de provocar a
elisão fiscal. Esses últimos são aqueles que insistem nas reclamações

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administrativas ou recursos judiciais, ou até mesmo no plantão fiscal, tentando
convencer com seus argumentos o paciente Fiscal plantonista.

Podemos, assim, e de forma um tanto rudimentar, dividir os contribuintes


em quatro grandes grupos:

1o. Grupo: Os cumpridores sistemáticos de suas obrigações fiscais;

2o. Grupo: Os descumpridores eventuais, por motivos fortuitos ou de


força maior;

3o. Grupo Os descumpridores eventuais, por motivos de


questionamentos legais;

4o. Grupo: Os descumpridores sistemáticos e reincidentes de suas


obrigações fiscais;

Na maioria das vezes, o 1o. Grupo é o maior, o mais representativo em


número de contribuintes e, mesmo assim, dificilmente encontramos o
estabelecimento de normas legais ou administrativas no sentido de simplificar
ou facilitar o atendimento desses contribuintes. Curiosamente, toda providência
de aperto ou de pressão, malha fina, cerco fiscal, que visa no geral os
contribuintes do 4o. Grupo, os sonegadores, acaba prejudicando o universo de
pagadores, entre eles os classificados no 1o. Grupo.

Cada grupo acima deve merecer um tratamento diferenciado. E compete


à supervisão fiscal identificar os contribuintes e planejar uma forma de ação
para cada um deles. Um exemplo pode ser tirado dos Bancos: as instituições
financeiras costumam graduar sua clientela, conforme o risco de crédito
envolvido, utilizando-se de códigos registrados na ficha cadastral. Quando um
gerente bancário verifica o código, o atendimento ao cliente varia de acordo
com a informação codificada, sem que o cliente saiba. Enfim, o importante é
estabelecer critérios internos, evitando tratar todos os contribuintes como se
fossem malfeitores.

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De qualquer forma, podemos indicar dois procedimentos básicos que
devem ser levados em conta. O primeiro refere-se à necessidade de emissão
de relatórios analíticos mensais de recolhimentos tributários. Através desses
relatórios, o Fiscal poderá analisar situações de inadimplências fortuitas ou
freqüentes, sinalizando se o contribuinte é contumaz descumpridor das
obrigações fiscais ou não. Sendo a falta de pagamento um fato anormal na vida
cadastral do sujeito passivo, o caso merece uma atenção especial, uma visita
ou telefonema, indagando o motivo do não pagamento e explicando as
facilidades de parcelamento que a lei local oferece. O segundo procedimento
diz respeito aos contribuintes suspeitos de sonegação. Pela forma como
conduzem suas responsabilidades fiscais, eles precisam ser alvos de rotinas
constantes de fiscalização, não lhes dando sossego.

Sobre o assunto, importante lembrar que a impessoalidade, principio


imprescindível na atividade de fiscalização, não deve ser confundida com a
necessidade de dispensar tratamento idêntico a todos os contribuintes.
Devemos dispensar aos contribuintes um tratamento que esteja adequado às
características de cada um, levando em conta o histórico do contribuinte no
cumprimento de suas obrigações tributárias. Há, evidentemente, um limite da
(im) pessoalidade na atuação do fisco, não derivando para o desvio de
finalidade, o que seria uma falta grave do servidor público.

Formulação de Política de Fiscalização

O conhecimento das causas, manifestações e abrangência da evasão


fiscal são imprescindíveis para formulação de uma adequada política de
fiscalização.

O estabelecimento de uma política definida e transparente de combate à


evasão fiscal exige que se conheça e identifique suas motivações
fundamentais.

A evasão pode receber influências culturais, educacionais, econômicas,


legais ou mesmo resultar de conseqüências negativas decorrentes da baixa
efetividade da ação do aparelho do Estado.

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Concorrem ainda para a evasão fiscal:

• desconhecimento das regras impositivas;


• dificuldades para o cumprimento;
• grande conhecimento das regras, base para o
planejamento tributário;
• vontade de não cumprir com as obrigações; e,
• intenção de omitir receitas de fontes ilícitas.

É importante notar que, conforme seja o fator na origem da prática


evasora, diferente é a ação exigida da administração tributária para sua
correção.

A fiscalização tributária atua, preferencialmente, sobre os contribuintes


que se enquadrem nos dois últimos grupos, ao mesmo tempo em que deve
alimentar outras funções da administração no sentido de se corrigirem
disfunções que levem aos três primeiros.

A política de fiscalização deve compreender a integral supervisão do


cumprimento das obrigações tributárias e garantir um adequado balanço entre
ações massivas preventivas ou pontuais e auditorias fiscais integrais.

A estratégia para uma fiscalização efetiva quanto ao alcance dos seus


objetivos depende do êxito em:

• fazer sentir a presença do fisco no universo de


contribuintes;

• executar ações compatíveis com o padrão de relacionamento ditado


pelos próprios contribuintes e suficientes para fazê-los mudar de
atitude ante o fisco, passando a cumprir rigorosamente com suas
obrigações fiscais;
• retroalimentar a própria fiscalização e os demais processos da
administração tributária com dados e informações resultantes do
seu próprio trabalho, de forma a contribuir para a correção e
aperfeiçoamento do próprio sistema tributário como um todo.

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Outras Características

Outras características úteis para a segmentação do universo de


contribuintes são:

a) tipo de tributo a que estão sujeitos;


b) porte ou tamanho;
c) características do negócio;
d) ciclo de vida da indústria;
e) pela abrangência espacial das atividades.

Nem todos os contribuintes estão sujeitos a todos os tributos que


compõem o sistema tributário. É relevante que haja preocupação de
segmentar os contribuintes por tipo de tributos. Usualmente, pelas
características das diferentes bases impositivas, isso é feito conforme sejam
obrigados em matéria de impostos sobre a renda, patrimônio e consumo. O
controle de fluxos e estoques estão na base de um efetivo controle do
cumprimento tributário resultante de obrigações cujo fato gerador seja renda,
consumo ou propriedade.

A classificação pelo porte deve levar em conta a magnitude efetiva da


empresa ou indivíduo. Conforme sejam os contribuintes de porte pequeno,
médio ou grande, o tipo de ação requerida é completamente diferente. Note-se
que os fundamentos do próprio padrão de comportamento observado ante o
fisco é condicionado pelo porte do contribuinte.

Os pequenos, sejam empresas ou indivíduos, são altamente sujeitos a


práticas evasoras, o que requer elevada presença fiscal e fortes ações
preventivas para dar efetiva a ação da fiscalização.

O médio contribuinte já exige tratamento diferenciado, conforme seja


empresa ou indivíduo. Quanto à média empresa, nota-se situar em um grupo
de transição entre a evasão e o planejamento tributário. O controle próximo dos
sócios ou proprietários permite a alta incidência de práticas fraudulentas, ainda
que não de forma indiscriminada, como nos pequenos, como omissão de

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receitas por notas calçadas ou utilização de talonários paralelos. A diferença
entre o patrimônio da empresa e do proprietário serve apenas para assegurar
que a insolvência da primeira não resulte no empobrecimento do segundo, que
sempre estaria apto a reabrir novo negócio em nova praça.

No caso da grande empresa, deixa de fazer sentido, geralmente,


diferenciar a empresa do indivíduo. Patrimônio de um e de outro não se
confundem. É comum a constituição de holding, bem como a utilização de
empresas coligadas localizadas em paraísos fiscais. Sócios não apresentam
grandes dificuldades em derivar rendimentos da forma mais econômica quanto
aos impactos tributários. Há larga utilização de fringe-benefits, de difícil controle
por parte dos fiscos, mas práticas fraudulentas são mais raras. Há mais
planejamento tributário.

No que se refere ao mega-contribuinte, praticamente inexiste a


sonegação tradicional. Não obstante, não há limites para o planejamento
tributário. Oportunidades fiscais são amplamente aproveitadas. Esse grupo
determina o sucesso ou fracasso das metas de receita da administração
tributária. Exigem acompanhamento permanente e integral.

No que se refere à abrangência espacial, os contribuintes podem ser


municipais, estaduais, nacionais ou internacionais. Acordos de cooperação e
troca de informações são a base para o controle efetivo daqueles cujo raio de
atuação ultrapassa o território municipal.

Por fim, deve-se levar em consideração que o exame do ciclo de vida


de uma indústria (aqui tomada como sinônimo de setor ou atividade) permite a
identificação da importância do grupo de contribuintes relevantes para fins
fiscais. Esse ciclo pode ser dividido em várias etapas, a saber: criação,
implementação, conquista de mercado, maturidade, apogeu, declínio e,
eventualmente, desaparecimento. O ciclo da vida é mais importante no que se
refere à tributação da renda que na tributação do consumo e propriedade,
ainda que sua fase explique sobremaneira os níveis de arrecadação de tributos
sobre consumo, conforme o ramo de atividade.

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Por exemplo, a indústria nascente não produz arrecadação significativa
em matéria de imposto sobre lucros. São elevadas as despesas pré-
operacionais em pesquisa e desenvolvimento e na instalação da planta, além
de gastos de publicidade para a garantia do mercado.

A Elisão e a Evasão Fiscal.

Evasão Fiscal

No dizer de Sampaio Dória, a evasão fiscal é a “ação consciente e


voluntária do indivíduo tendente a, por meios ilícitos, reduzir ou retardar o
pagamento de tributo efetivamente devido”. Ao auferir o resultado econômico
pretendido, o contribuinte se vale de artifícios dolosos para distorcer, diminuir,
atrasar ou afastar a ocorrência da hipótese de incidência do tributo. Os
procedimentos fraudatórios são:

I – A Sonegação;

II – A Simulação;

III – O Conluio entre contribuintes.

Na sonegação existe uma atitude intencional omissiva do contribuinte,


deixando de prestar as informações necessárias sobre as suas atividades ao
Fisco, acarretando uma diminuição ilícita na carga tributária, dificultando a
apuração do débito e retardando, ou anulando a atividade do Fiscal.

Na simulação existe a farsa de uma aparência jurídica que serve para


encobrir a realidade, ou para mostrar uma realidade dissociada da
verdadeiramente realizada, com o propósito de induzir o Fisco em erro. O
objetivo da simulação consiste no descumprimento intencional da dívida
tributária originada pela realização válida do fato imponível. Meios são forjados
para alcançarem a evasão fiscal.

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No conluio existe um acordo de vontades entre duas ou mais pessoas
para efetuar procedimentos que vão levar à evasão de tributos. As partes
reúnem-se especificamente para lesar o Fisco.

Os artigos 1o e 2o da Lei 8.137/90 descrevem os crimes praticados por


particulares contra a ordem tributária:

I. omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades


fazendárias;
II. fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou
omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro
exigido pela lei fiscal;
III. falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou
qualquer outro documento relativo à operação tributável;
IV. elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que
saiba ou deva saber falso ou inexato;
V. negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou
documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou
prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em
desacordo com a legislação. Essa infração é caracterizada com a
falta de atendimento da exigência da autoridade no prazo de 10
(dez) dias.

Nos casos acima, a pena é de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e


multa. Constitui, também, crime da mesma natureza:

VI. fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou


fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou
parcialmente, de pagamento de tributo;
VII. deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo descontado ou
cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que
deveria recolher aos cofres públicos (casos de retenção na fonte);
VIII. exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte
beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou
reduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;

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IX. deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído,
incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou
entidade de desenvolvimento;
X. utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que
permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir
informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à
Fazenda Pública.

Nesses casos, a pena é de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos,


e multa.

O conhecimento das causas, manifestações e abrangência da evasão


fiscal são imprescindíveis para formulação de uma adequada política de
fiscalização.

O estabelecimento de uma política definida e transparente de combate à


evasão fiscal exige que se conheça e identifique suas motivações
fundamentais.

A evasão pode receber influências culturais, educacionais, econômicas,


legais ou mesmo resultar de conseqüências negativas decorrentes da baixa
efetividade da ação do aparelho do Estado.

Concorrem ainda para a evasão fiscal:

• o desconhecimento das regras impositivas;


• as dificuldades para o cumprimento;
• grande conhecimento das regras, base para o
planejamento tributário;
• a vontade de não cumprir com as obrigações; e,
• a intenção de omitir receitas de fontes ilícitas.

É importante notar que, conforme seja o fator na origem da prática de


evasão, diferente é a ação exigida da administração tributária para sua
correção.

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Quando o contribuinte deixa de atender a exigência do fisco municipal,
não entregando os documentos requeridos, tratando-se do ISS em especial, o
Fiscal Tributário geralmente lança mão do arbitramento da receita, além de
autuar o infrator com as multas previstas em lei. Poucas vezes, nessas
situações, o Fisco encaminha o fato à Procuradoria, solicitando o
enquadramento do contribuinte em ação criminal. Recentemente, o Tribunal da
2a. Vara da Comarca de Barueri condenou criminalmente um contribuinte pela
falta de exibição de documentos fiscais, entendendo o magistrado que “os fatos
praticados pelos réus são típicos e ilícitos, não existindo, ainda, qualquer causa
excludente de culpabilidade”. Para ele, “o crime em tela se consuma quando o
agente nega-se ou deixa de fornecer nota fiscal”. A infração, no caso, foi
tipificada no inciso V acima descrito.

No entanto, a doutrina entende que, em havendo penalidade


administrativa para o caso, não caberá a punição de caráter criminal, exceto se
a própria norma administrativa fizer a ressalva, como está inserida na Lei
Federal 6.374/89 (art. 85, parágrafo 1o.). Não seria supérfluo, portanto, incluir
na legislação municipal texto do mesmo teor, que diz:

“A aplicação das penalidades previstas neste artigo deve ser feita sem
prejuízo da exigência do imposto em auto de infração e das providências
necessárias à instauração da ação penal cabível, inclusive por crime de
desobediência”.

O assunto, porém, é polêmico. Vários tributaristas de renome entendem


que é dado o direito do contribuinte de não prestar informações ao Fisco que
possam incriminá-lo. Vejam as palavras de Célio Armando Janczeski: “O
descumprimento da obrigação de informar pode gerar conseqüências
desastrosas para o contribuinte, sob o ponto de vista pecuniário, inclusive o
arbitramento (art. 148, CTN). Não pode, no entanto, tal omissão, caracterizar
ilícito penal tributário, em face do direito constitucional de permanecer calado e
não se auto-incriminar”.

Trata-se, de qualquer modo, de poderosa arma para o Fiscal legalmente


compelir o infrator recalcitrante, pois a ação penal é coisa muito séria, e cujas

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conseqüências atingem a pessoa natural, e não a jurídica, podendo alcançar o
proprietário, sócios, diretores e gerentes, implicando em restrição a liberdade
pessoal e não em mero desgaste patrimonial.

Elisão Fiscal

Nas palavras de Roque Antônio Carrazza, “a elisão fiscal pode ser


definida como a conduta lícita, omissiva ou comissiva, do contribuinte, que visa
impedir o nascimento da obrigação tributária, reduzir seu montante ou adiar
seu cumprimento”. Na linguagem de Fiscal, elisão seria uma evasão fiscal
amparada na lei, apesar da afirmativa de Ives Gandra Martins de que “... (na
elisão) não há evasão, em sentido lato, posto que não há ofensa direta à lei,
além de as operações realizadas não encobrirem, deliberadamente, quaisquer
obrigações tributárias”. Um exemplo de elisão fiscal no âmbito municipal seria a
atitude das Instituições Financeiras em não lançar e recolher o ISS de serviços
bancários não constantes da lista de serviço do Decreto-lei 406/68. Ninguém
duvida que os serviços foram efetivamente prestados, mas os Bancos, às
vezes criando apenas denominações diferentes das existentes na lista,
recusam-se ao pagamento do ISS, alegando que a lista é taxativa, não
alcançando aqueles serviços. A elisão fiscal é, portanto, sempre oportunista e
baseada no conhecimento privilegiado de uma parcela de contribuintes;
conhecimento que muitos não têm e, assim, não o aproveita. Em resumido,
mas excelente artigo, André Porto Prade diz que “se a lei aponta os casos de
ilícitos fiscais, é de se concluir que condutas outras, também destinadas a
produzir economia de tributos, não são vedadas e não podem ser reprimidas, a
menos que surja nova lei que as contemple”. Tem que estar muito claro, e por
isso repetimos, que a obrigação tributária somente emerge com a
concretização de fatos que devem estar descritos na lei. Desta forma, todas e
quaisquer ações ou omissões dos contribuintes que não deflagrarem a
ocorrência destes fatos não têm o condão de acarretar qualquer repercussão
tributária.

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Fontes de Informações Fiscais.

Entre as chamadas obrigações tributárias acessórias situam-se as de


prestar informações à autoridade fiscal, no interesse da fiscalização e da
arrecadação de tributos que possam ser devidos pelo próprio sujeito passivo
dessa obrigação acessória ou por terceiros.

O art. 197 do CTN cuida especificamente da segunda situação, criando


a obrigação de uma série de pessoas de prestar informações à autoridade
fiscal, mediante intimação escrita, sobre bens, negócios ou atividades de
terceiros. É claro que deve haver pertinência entre a informação solicitada e a
pessoa que resta obrigada a prestá-la, em razão dos seus próprios negócios ou
atividades. Ninguém pode ser obrigado a prestar informações sobre outra
pessoa só porque mantenha com ele relações de amizade ou parentesco, ou
mesmo de negócios aos quais sejam alheias as informações demandadas.

O dispositivo apresenta uma lista dos possíveis informantes, encerrada


com o item genérico que dá o caráter exemplificativo da relação, ao indicar:

I. os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício;


II. os bancos, casas bancárias, caixas econômicas e demais
instituições financeiras (veja capítulo abaixo: Sigilo Bancário);
III. as empresas de administração de bens;
IV. os corretores, leiloeiros e despachantes oficiais;
V. os inventariantes;
VI. os síndicos, comissários e liquidatários;
VII. quaisquer outras entidades ou pessoas que a lei designe, em
razão de seu cargo, ofício, função, ministério, atividade ou
profissão.

Observe-se, porém, que a ampliação da lista requer lei que especifique a


pessoa obrigada, em função de suas atividades. A legislação municipal deve,
portanto, ampliar a relação designando especificamente as funções obrigadas
a prestar informações, quando requeridas por autoridade fiscal. Algumas delas
que não devemos esquecer são as empresas de Loteria Estadual, a Caixa

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Econômica (sobre prêmios de sorteios), as empresas que recolhem ISS retidos
de terceiros, as Escolas do Governo Estadual, sobre seus prestadores de
serviços etc.

O Sigilo Bancário

Outra matéria de trato delicado e polêmico diz respeito ao sigilo


bancário. As Leis Complementares 70/91 e 75/93, os artigos 197/198, do CTN,
e as Leis 4.595/64, 9.034/95 e 9.613/98 contemplam situações onde, a primeira
vista, poderíamos entender que o Poder Administrativo possuiria condições de
quebrá-lo sem a necessidade de recorrer ao Judiciário. Vários juristas
entendem que não.

A Receita Federal encontrou facilidade maior de fiscalizar as contas


bancárias, através do cruzamento de informações obtidas dos Bancos pelo
repasse do CPMF, mas, de outra forma, sérias dificuldades permanecem, por
ser o sigilo bancário considerado um dos direitos fundamentais da nossa
Constituição. O sigilo bancário insere-se no conceito amplo do direito geral de
liberdade, podendo seu titular dele dispor como lhe aprouver, inclusive
renunciar sua inviolabilidade e autorizar sua revelação. Sendo assim, para se
excepcionar o direito ao sigilo deve-se observar a determinação constitucional:
“Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo
legal” (Art. 5o, LIV, da CF).

O Superior Tribunal de Justiça tem decidido sobre a matéria adotando


como parâmetro o seguinte acórdão:

Ementa: Constitucional. Sigilo Bancário. Quebra com base em


procedimento administrativo-fiscal. Impossibilidade. O sigilo bancário não pode
ser quebrado com base em procedimento administrativo-fiscal, por implicar
indevida intromissão na privacidade do cidadão, garantia esta expressamente
amparada pela Constituição Federal (art.5o, X). Por isso, cumpre às instituições
financeiras manter sigilo acerca de qualquer informação ou documentação
pertinente à movimentação ativa e passiva do correntista/contribuinte, bem
como dos serviços bancários a ele prestados. Observadas tais vedações, cabe-

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lhes atender às demais solicitações de informações encaminhadas pelo Fisco,
desde que decorrentes de procedimento fiscal regularmente instaurado e
subscritas por autoridade administrativa competente (STJ, Resp 37.566-5/RS,
1a. T., rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJU 28.03.1994).

O Fisco municipal, nesse sentido, tem sérias dificuldades de obter


informações de origem bancária durante o exercício de uma fiscalização.
Existem, porém, situações que devemos examinar de forma diferente, as quais,
em nosso entendimento, não poderiam ser classificadas no âmbito do sigilo
bancário. Várias empresas prestadoras de serviço adotam, como forma de
pagamento de seus clientes, o depósito bancário em conta especial da
empresa, transformando os extratos dessas contas em documento contábil
imprescindível de verificação fiscal. Atividades como Escolas, Planos de
Saúde, e outras, recebem as mensalidades via pagamento bancário e se
recusarem apresentar os extratos correspondentes ao Fisco, estarão
inequivocamente cerceando o livre desempenho da atuação fiscal, impedindo
confrontar a receita real obtida com os lançamentos nos livros contábeis. Com
a devida vênia, não encontramos nesses casos qualquer afronta à privacidade
do cidadão, se o exame diz respeito ao mais lídimo interesse da fazenda
municipal, que é estabelecer a base de cálculo do imposto, utilizando
exatamente o procedimento administrativo adotado por conta e risco da
empresa. Conveniente ressaltar que a autorização para uso de carnê, ou
documento similar, substituindo a nota fiscal, provavelmente foi consentida nos
termos do regulamento legal do município, no qual deve constar
expressamente que os extratos bancários das contas de recebimento são
documentos integrantes de comprovação da receita mensal da empresa.

Dever de Sigilo do Fisco.

A Fazenda Pública e seus funcionários, sem prejuízo do disposto na


legislação penal, estão, por sua vez, proibidos de divulgar, seja qual for a
finalidade, qualquer informação obtida em razão do ofício, sobre a situação
econômica ou financeira dos sujeitos passivos ou de terceiros e sobre a

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natureza e o estado dos seus negócios ou atividades. Este é o termo do art.
198 do CTN.

As únicas exceções à proibição acima são a hipótese de requisição da


autoridade judicial, no interesse da Justiça, e os casos de mútua assistência
entre as Fazendas Públicas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), no
que respeita à fiscalização dos respectivos tributos, na forma estabelecida em
lei ou convênio. Podem, também, solicitar informações ao Fisco as comissões
parlamentares de inquérito, às quais a Constituição confere poderes de
investigação próprios das autoridades judiciais.

Fato comum as Secretarias de Fazenda Municipal receberem


solicitações de fornecimento de dados cadastrais referentes aos contribuintes.
Excluindo os requisitantes das exceções acima, somos de parecer contrário
que tais informações sejam fornecidas, a não ser dados estatísticos genéricos
ou em termos globais.

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BIBLIOGRAFIA
ATALIBA, Geraldo: Taxas e Preços no Novo Texto Constitucional, Revista de
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MORAES, Bernardo Ribeiro de: Compêndio de Direito Tributário, 5a. Edição,


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