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08/12/2005 - 19h03m

Distúrbio bipolar pode colocar pacientes em situações de


perigo
Globo Online

RIO - A morte do americano Rigoberto Alpizar, alvejado por agentes federais no Aeroporto Internacional
de Miami porque, segundo autoridades, teria dito que tinha uma bomba, fez um termo da psiquiatria virar
tema de bate-papo: o distúrbio bipolar. Segundo parentes, a vítima sofria do mal, o que poderia explicar
seu comportamento alterado dentro do avião.

Mas, afinal, o que é o distúrbio bipolar? Seria a doença capaz de fazer o paciente colocar em risco a
própria vida - dizendo para um policial que carregava uma bomba?

O que é

A forma clássica do transtorno (tipo I), se caracteriza basicamente por episódios de mania, que não é a
mania de fazer alguma coisa.

- Trata-se de crises em que a pessoa apresenta extrema euforia, agitação e, entre os sintomas, fica com uma
elevada autoconfiança e sensação de poder. Pensa ser capaz de coisas que os outros não são, como saltar
de um prédio para outro, por exemplo, se expondo a situações de perigo sem ter essa noção - explicou o
psiquiatra Antonio Egídio Nardi, do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ).

Os episódios de mania incluem, além da euforia (que não necessariamente significa alegria), exaltação do
humor, hiperatividade, loquacidade exagerada, diminuição da necessidade de sono, exacerbação da
sexualidade e comprometimento do senso crítico, irritabilidade, agressividade e incapacidade de controlar
adequadamente os impulsos. Esses episódios aparecem em alternância a períodos de depressão e momentos
de normalidade.

Mente

Durante um episódio de mania, é comum haver agilidade de pensamento, que flui de forma mais rápida,
mas, embora haja aumento da atividade, a pessoa não consegue ordenar as ações para alcançar objetivos
precisos. Em casos mais graves, o paciente pode apresentar delírios de poder ou de grandeza, resultado da
exaltação do humor, ou mania de perseguição. Os transtornos bipolares também estão associados a
algumas alterações funcionais do cérebro, que possui áreas fundamentais para o processamento de
emoções, motivação e recompensas.

- O paciente pode ter comportamento impulsivo achando que tudo vai dar certo, que tem tudo sob controle.
Sua auto-estima e sensação de poder ganham níveis elevadíssimos - completou Nardi.

Perigo

É comum nos episódios de mania o paciente se envolver em atividades potencialmente perigosas sem se
preocupar com isso. Podem surgir sintomas psicóticos típicos da esquizofrenia, em que pode haver delírio
de perseguição e alucinações, o que significaria um quadro mais grave da doença.

- A pessoa realmente perde a noção dos limites. Já tive um paciente que durante a fase maníaca subia morro
para enfrentar bandidos, para chamá-los para a briga - contou o psiquiatra Marco Antonio Brasil, também
professor da UFRJ e ex-presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria.

Motivo

Os episódios maníacos costumam ter início súbito, com rápida progressão dos sintomas. Normalmente, os
primeiros episódios ocorrem associados a fatores de estresse. Em geral, os fatores genéticos e biológicos
podem determinar como o indivíduo reage aos fatores de estresse psicológico e social, mantendo a
normalidade ou desencadeando doença. O transtorno bipolar tem um forte peso genético.

- O fato é que ainda não se sabe exatamente o que desencadeia uma crise maníaca, podem ser fatores
externos ou não. A pessoa está normal e, de repente, começa a agir de modo diferente e esse
comportamento vai se alterando progressivamente - explicou Marco Antonio Brasil.

Outras formas de manifestação

- Além da manifestação mais clássica da doença, que é o tipo I, foram aparecendo subtipos do distúrbio, o
que ajuda a explicar o aumento de casos, já que o distúrbio bipolar se enquadra em diferentes quadros de
manifestação. O tipo I, porém, é o mais grave - explica Nardi.

Um dos subtipos é a hipomania, em que também há um estado de euforia e expansão, porém de forma
muito mais suave. Um episódio hipomaníaco, por exemplo, não é suficientemente grave para causar
prejuízo no trabalho ou nas relações sociais. Há os episódios mistos, quando em um mesmo dia há
alternância entre depressão e mania - em poucas horas a pessoa pode chorar, se sentir um zero a esquerda,
e logo depois se tornar eufórica e com elevada auto-estima. Há ainda o transtorno ciclotímico, ou
ciclotimia, que se caracteriza pela alteração crônica e flutuante do humor. Sintomas maníacos e depressivos
se alternam, mas não seriam suficientemente graves nem ocorreriam em quantidade suficiente para se ter
certeza de se tratar de depressão e de mania, respectivamente. Por isso, muitas vezes é confundido com o
"jeito de ser da pessoa", marcada por instabilidade do humor.

Diagnóstico

O diagnóstico de distúrbio bipolar deve ser feito por um psiquiatra e ter como base os sintomas do
paciente. Não há exames de imagem ou laboratoriais que evidenciem o diagnóstico. Muitas vezes o
diagnóstico correto só será feito depois de muitos anos.

- No caso do americano, fica difícil avaliar se ele estava realmente tendo uma crise e o que teria dito ao
policial - comentou Nardi. - Mas o fato é que o distúrbio tem diagnóstico preciso e, se uma pessoa diz estar
com uma bomba, fica praticamente impossível para um policial identificar se ele é um paciente com esta
doença - opinou.

- É muito difícil identificar um paciente porque muitas pessoas têm um comportamento semelhante aos
vistos nos episódios maníacos, porém em grau menor, que não oferece risco e não é patológico - completou
Marco Antonio Brasil. - Mas uma coisa é fato, quando alguém impõe limites ao que o paciente quer fazer
durante uma crise, ele fica extremamente irritado e faz coisas impensadas, como desobedecer uma ordem
policial.

Incidência

Os casos de distúrbios do humor vêm aumentando, talvez porque hoje as pessoas estão submetidas a mais
fatores de estresse, dormindo menos e consumindo mais substâncias lícitas e ilícitas que interferem no
humor.
- Estimativas indicam que o tipo I atinge 0,5% da população, enquanto os subtipos, que são mais comuns,
podem atingir de 6% a 7% da população - afirmou Nardi.

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