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Pancreatite Crônica (Capítulo de Livro)
Pancreatite Crônica (Capítulo de Livro)
pancreatite crônica?
2.1 DEFINIÇÕES
A pancreatite crônica caracteriza-se por alterações irreversíveis
no pâncreas, secundárias à agressão inflamatória crônica ao
parênquima pancreático, incluindo fibrose pancreática e perda do
tecido funcional, apresentando, com frequência, sinais de
insuficiência endócrina e/ou exócrina. Ela difere da pancreatite
aguda no fato de que, nesta, uma resposta inflamatória aguda
lesa o pâncreas, mas não costuma ser progressiva, ou seja, não se
cronifica, nem deixa sequelas, exceto em casos extremos de
necrose pancreática extensa e destruição da glândula.
Figura 2.1 - Fisiologia do pâncreas
Legenda: (A) pâncreas saudável; (B) fibrose pancreática.
Fonte: Marina_ua.
2.2 ETIOLOGIA
As causas são:
▶ Álcool (70 a 80%);
▶ Idiopática (5%);
▶ Obstrutiva: trauma do ducto pancreático, tumores, cálculos,
pseudocisto, estenose ductal crônica, pâncreas divisum (0,3%);
▶ Pancreatite hereditária, como no caso da fibrose cística
(mutação no gene transmembrana CFTR — regulador de
condutância transmembrana —, com progressivo dano
pancreático como resultado de defeito na secreção pancreática
ductal e acinar), má nutrição, radioterapia;
▶ Pancreatite tropical (etiologia não conhecida, comum no sul da
Ásia e nos trópicos; a mandioca tem sido implicada como fator
etiológico);
▶ Pancreatite autoimune.
Figura 2.2 - Pancreatite crônica
Fonte: Marina_ua.
#memorize
Para categorizar as causas conhecidas e os
fatores que contribuem para a pancreatite
crônica, usa-se o sistema de classificação
TIGAR-O (Tóxico-metabólico, Idiopático,
Genético, Autoimune, pancreatite aguda
Recorrente e grave, Obstrutiva)
2.3 PATOGENIA
Na fase inicial da pancreatite alcoólica, observa-se distribuição
irregular de fibrose, que apresenta características endurecidas
com lobulações grosseiras. A alteração mais distintiva é a
deposição de rolhas proteicas na luz dos ductos pancreáticos.
Essas proteínas se ligam ao cálcio e formam cálculos e
calcificações observadas em fase mais avançada. Inicialmente,
são acometidos ductos menores que podem perder a conexão
com ductos maiores, originando dilatações císticas. Durante esse
processo, o epitélio ductal sofre diversos graus de metaplasia e
atrofia, podendo desaparecer. O ducto de Wirsung pode
apresentar segmentos estenosados, intercalados com
segmentos ectasiados, conhecido como aspecto “em contas de
rosário” ou “em colar de contas” classicamente visto na
pancreatografia. Nas crises repetidas de agudização, há edema
intersticial com infiltrado inflamatório mononuclear e áreas focais
de necrose, ou seja, há processo de destruição gradativa do
parênquima e das ilhotas, que são substituídas por fibrose. Além
dos tampões proteicos, parece ocorrer isquemia que exacerba e
perpetua a pancreatite crônica, mas que não a inicia.
De modo geral, o álcool leva a destruição crônica e progressiva do
pâncreas. Portanto, a pancreatite crônica acaba se caracterizando
por quadro lento e gradual de dor, insuficiência endócrina e
exócrina, que mais tarde leva o paciente à desnutrição e ao
diabetes. Já a pancreatite aguda decorre de evento pontual agudo
(coledocolitíase e intoxicação aguda por álcool ou drogas, por
exemplo), determinando, em sua forma grave, processo
inflamatório sistêmico. Após a resolução deste, o pâncreas
retorna às funções endócrinas e exócrinas. Trata-se de outra
doença, com fisiopatologia completamente diferente.
Pacientes com pancreatite crônica em geral são desnutridos e
particularmente apresentam deficiência de antioxidantes como
selênio, vitaminas C, E e metionina. Um desbalanço entre a
diminuição dos antioxidantes e o aumento na demanda por eles,
nas células sob “estresse”, pode levar à formação de radicais
livres associados a peroxidação lipídica e dano celular.
#importante
A alteração mais distintiva é a deposição
de rolhas proteicas na luz dos ductos
pancreáticos.
#importante
A dor é o principal sintoma na
pancreatite crônica.
2.5 COMPLICAÇÕES
As complicações mais comuns são a formação de pseudocisto e
obstrução mecânica do duodeno e do colédoco; com menor
frequência ocorrem ascite e derrame pleural, trombose da veia
esplênica com hipertensão portal e pseudoaneurisma.
2.5.1 Pseudocistos
Pseudocistos são definidos como formações cavitárias,
preenchidas por suco pancreático puro ou associado a restos de
material sanguinolento ou necrótico, podendo localizar-se dentro
ou fora do pâncreas, marcados por não ter cápsula com
revestimento epitelial, mas tecido fibroconjuntivo inflamatório,
conhecido como pseudocápsula. Desenvolvem-se como
resultado da ruptura ductal, e não do acúmulo de fluido
peripancreático; podem ser únicos ou múltiplos, pequenos ou
grandes, e são considerados coleções não reabsorvidas após seis
semanas.
Podem surgir em doenças inflamatórias, neoplásicas e
parasitárias, porém são marcadamente mais comuns na
pancreatite crônica, com incidência de 10%, chegando a 35% no
Brasil. Seu quadro clínico se inicia com a afecção de origem —
nesse caso, sintomas de pancreatite crônica —, seguindo suas
manifestações devido ao efeito de massa.
Entre todos os sintomas, a dor é o mais frequente, presente em
até 90% dos casos, enquanto a icterícia ocorre em apenas 10%.
Quando os pseudocistos atingem volumes maiores, podem ser
palpados como massa na região mesogástrica, fixa e de bordas
lisas, com pouca ou nenhuma dor ao exame. O crescimento do
pseudocisto pode levar, ainda, a obstrução biliar ou duodenal,
oclusão vascular ou formação de fístula para vísceras, pleura ou
pericárdio. Infecção é possível.
A suspeição diagnóstica se dá pela clínica e pela amilasemia
elevada de modo persistente (comunicação do pseudocisto com
o sistema ductal). A ultrassonografia abdominal é o primeiro
exame na investigação, podendo avaliar a consistência e as
características do líquido contido no pseudocisto. A TC tem sido
empregada com maior liberalidade, por ter maior acurácia,
inclusive em delimitar a relação da lesão com estruturas
adjacentes, incluindo as vasculares (Figura 2.9).
A drenagem costumava ser indicada no pseudocisto sintomático,
maior do que 6 cm ou houver persistência por mais de seis
semanas, conduta conhecida como “regra dos seis” No entanto,
esse manejo vem sendo mudado por estudos que identificaram
que os pseudocistos podem ser seguramente acompanhados por
um ano e com tamanho de 12 cm, ainda que essa informação seja
controversa.
#importante
As indicações de drenagem de
pseudocistos são compressão de
estruturas adjacentes, dor, aumento
rápido ou sinais de infecção.
#importante
A pancreatite crônica é a causa mais
comum de trombose de veia esplênica,
levando a hipertensão portal segmentar.
#importante
A drenagem ductal é indicada na dor
refratária com dilatação do ducto
principal, que varia de 5-6 a 10 mm.
#importante
No tecido pancreático, evidenciam-se
plasmócitos IgG4 positivos e níveis de
IgG4 sérica maiores do que duas vezes o
limite normal na pancreatite autoimune.
2.7.1 Classificação
No tipo 1, o pâncreas é envolvido como parte de uma doença IgG4
positiva e preenche os seguintes critérios (critérios HISORt da
MayoClinic — um ou mais): histologia diagnóstica (presença de
infiltrado plasmocitário IgG4 maior que 10 ou pancreatite
esclerosante linfoplasmocitária com, pelo menos, duas das
seguintes alterações: infiltrado linfoplasmocitário periductal,
flebite obliterativa e fibrose acinar); imagem característica na TC
ou pancreatografia (pâncreas difusamente aumentado, bordas
incaracterísticas e estreitamento do ducto pancreático principal e
dorsal); aumento da IgG4 sérica; envolvimento de outros órgãos;
resposta rápida ao corticoide.
Figura 2.16 - Tomografia de paciente com pancreatite autoimune com realce
heterogêneo na cabeça do pâncreas e dilatação da via biliar sugerindo
malignidade
Nota: toda a glândula está aumentada, com halo hipodenso e ausência de
dilatação do ducto de Wirsung.
Fonte: adaptado de Pancreatite autoimune e diagnóstico diferencial com a
neoplasia do pâncreas: a propósito de um caso clínico, 2012.
#importante
O risco cumulativo de câncer aos 70 anos
na pancreatite hereditária é de 40%, e o
tabagismo aumenta o risco em duas
vezes.
Clinicamente, ocorre pancreatite aguda recorrente na infância ou
na adolescência precoce, pancreatite crônica na adolescência ou
no adulto jovem, além de risco aumentado de câncer de pâncreas
na quinta década de vida. Recomenda-se rastreamento para
câncer a partir dos 45 anos ou 15 anos antes do caso mais jovem
na família. O teste genético é sugerido em:
▶ Pancreatite inexplicada na infância;
▶ Pancreatite crônica idiopática antes dos 25 anos;
▶ História familiar de pancreatite aguda recorrente ou crônica
idiopática, sem causa;
▶ Familiares carreadores da mutação PRSS-1;
▶ Pancreatite aguda recorrente sem causa.
O tratamento é similar ao da pancreatite crônica.
Pancreatectomia com autotransplante de ilhotas vem sendo
sugerida naqueles com dor, dependentes de narcóticos (jovens),
ou nos mais velhos para tratar dor ou diminuir risco de
desenvolver câncer.
Quais as complicações da
pancreatite crônica?
A pancreatite crônica pode provocar, em suas fases
avançadas, grande quantidade de complicações, como:
▶ Pseudocistos pancreáticos: são a complicação mais
comum, sendo formações cavitárias, preenchidas por
suco pancreático puro ou associado a restos de
material sanguinolento ou necrótico, associadas à
ruptura ductal. É indicada sua drenagem em caso de
compressão de estruturas adjacentes, dor, aumento
rápido ou sinais de infecção;
▶ Derrames cavitários: a ascite ou o derrame pleural
podem se desenvolver devido à ruptura do ducto
pancreático, levando a formação de fístula no abdome
ou tórax, ou ruptura de pseudocisto;
▶ Complicações vasculares: pode haver formação de
aneurismas de artéria esplênica, trombose de veia
esplênica com desenvolvimento de hipertensão portal e
ainda erosão de vasos como a artéria esplênica, que
pode causar sangramento volumoso pelo ducto de
Wirsung (hemosuccus pancreaticus);
▶ Infecciosas: necrose ou abscessos;
▶ Obstrutivas: obstrução de ducto biliar ou duodeno.
Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte
São duas etapas para a seleção da Santa Casa-BH. A primeira
conta com uma prova de múltipla escolha, com 75 questões. São
cerca de 15 questões para cada uma das áreas de conhecimento:
Cirurgia Geral, Clínica Médica, Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia
e Medicina Preventiva e Social. Já na segunda etapa, você deverá
apresentar seu currículo para a análise da banca examinadora.
Na primeira etapa, considerando os anos anteriores, é possível
esperar questões sobre Oncologia, abdome agudo, trauma,
Cirurgia Geral, ASA, classificação de choque e cuidados no
perioperatório, com questões mais diretas e conceituais. Já na
área de Clínica Médica, Cardiologia, HIV e tuberculose são os
temas mais recorrentes.
Aposte também em Sistema Único de Saúde (SUS),
Epidemiologia, atenção primária e análise de métodos
diagnósticos, parto, climatério, incontinência urinária,
endometriose e fisiologia de gestação, modificações do
organismo materno, pré-natal, anticoncepção, e infecções
sexualmente transmissíveis. Não esqueça de estudar para
Pediatria, que apresenta questões mais extensas e detalhadas
sobre síndromes gastrintestinais e respiratórias, aleitamento,
imunizações, desenvolvimento fisiológico, e eventualmente,
doenças exantemáticas.
SANTA CASA-BH | 2020
São indicações para cirurgia em paciente portador de pancreatite
crônica, exceto:
a) obstrução biliar
b) dor intratável
c) insuficiência endócrina
d) suspeita de neoplasia
Gabarito: c
Comentários:
a) Essa é uma indicação difundida e não costuma estar associada
a complicações pós-operatórias.
b) A principal indicação de cirurgia na pancreatite crônica é a dor
intratável.
c) É controversa a afirmação de que a drenagem do ducto
pancreático preserva ou melhora a função pancreática pela
liberação da obstrução ao fluxo da suco pancreático. Alguns
estudos mostram, inclusive, piora da função pancreática após a
cirurgia.
d) Pacientes com pancreatite crônica e suspeita de neoplasia têm
indicação de tratamento cirúrgico.