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MaAargem ESQUERDA ensaios marxistas EDITORIAL Copyright © Boitem 'PO Editorial, ‘Margem Esquerda 2008 ~ EMBAIOS marvistas me Editora ‘ana Jinkings Editor de texto Jorge Pereira Filho Assisténcia Luciene Lima Editor de imagens Luiz Renato Martins Preparagio Soraya Misleh Luis Brasilino Reviséo Ruy Cintra Paiva Thaisa Burani Producio Marcel tha Capa Antonio Kehl e Luiz Renato Martins DE FOTO: da série Comunidade da Paz (detahe) 2007 Imagens Ronaldo Camelo segunda capa: da série Da Cruz (2007); . 28:da série Da Cruz (2007); p. 29, 36, 41: detohes: . 47: da série Da Cruz (2007); CIA DE FOTO P. 6: da série Box (2006); p. 160: da série 911 (2006); terceira copa: da série Comunidade da Paz (2007) sobre imagem ClA Projeto grafico e editoragéo Antonio Kehl Fotolitos OESP Impressio e acabamento Farbe ISSN 1678-7684 ndmero 12: novembro de 2008 BOITEMPO EDITORIAL Jnkings Edtores Asociados Uta. Rua Eucides de Andrade, 27 ~ Perdze 05030-030 Sto Pauo= SP Tea: (1) 3875-7250 / 3872-68 etitor@boitempoeditaria.com » wwnwnboitempoeditoral.com. ENTREVISTA Mike Davis* O modelo de urbanizagao dominante — que transforma terra em mercadoria ~ é a principal causa da crise do meio ambiente mundial. A opiniao é do urbanista, soci6logo ¢ historiador Mike Davis, para quem a transferéncia da responsabilidade do Estado pelo suprimento de mora- dia para os pobres é a catéstrofe da vida didria nas periferias. Os mo- radores das favelas - do Planeta Favela, titulo de um dos principais livros de Davis — formam um conjunto de pessoas expulsas sistemati- camente das Areas centrais das cidades, Trabalhando sobre o que ele denomina como “ecologia politica”, denuncia que a privatizagao do espaco piiblico e a desurbanizagao cultural das classes populares dei- xam um rastro de marginalidade e de pobreza nas metrépoles Davis nasceu nos Estados Unidos, em 1946. Aos dezesseis anos abandonou os estudos em funcio de grave doenga do pai. Conseguiu emprego em um acougue e, nas horas vagas, lia os autores da geragio Beat, como Jack Kerouac. On the Road inspirou uma de suas muitas aventuras, cuja marca ainda carrega: uma cicatriz na perna direita, resultado do choque, em alta velocidade, ao dirigir um Ford 54. Sua vida mudou radicalmente em 1962 — como ele préprio afirma -, quando conheceu Congresso de Igualdade Racial (Congress of Racial Equality — Core), reuniéio de jovens pacifistas, defensores dos direitos civis, que se opunham & Guerra do Vietna. Nessa mesma época, com # Tradugdo do inglés de Roberta Fabbri Viscardi. eu Lowy Oritia Fron! ARANTES, ERMINIA MARICATO, MARIANA Fix © Mi estudos, conseguiu se matricular no Reed College, duas semanas — por dormir no quarto de ia _, mas foi nessa breve estada que conheceu © entio presidn art ovimento Estudantes para tuma Sociedade Democrtica (Studer. Denton society - SDS). Davis se mudou para ae € passous militar no SDS e a cipar de ages como 2 ia ia eee a Chemical, de Torrance, que fabricava napalm para os Estados Unidos sm contra os vietnamitas. _ . | en recrudescimento da guerra no Vietn’, Davis deixou a sp e filiou ao Partido Comunista da California do Sul. Comegou a traba. ar como motorista de caminhao e passou tres anos transportandy mercadorias — entre elas, bonecas “Barbies” — pelo interior da Califémia, Em 1973, decidiu retornar aos estudos. Calouro aos 28 anos, ingressou na University of California (Ucla), de Los Angeles, com uma bolsa do sindicato fundado por seu pai, para estudar economia € hist6ria. ‘Até entio, jamais havia cogitado se tornar escritor. Seu primeiro tra- balho foi uma bem-sucedida comparagao do Watergate com o Dezoito Brumario. De ld para c4, Mike Davis escreveu muitos livros, dois dos quais foram publicados no Brasil pela Boitempo — Planeta Favela (2006) e Apologia dos barbaros (2008). A editora planeja para breve uma nova edicio de seu livro mais conhecido, Cidade de quartzo: escavando o futuro em Los Angeles, sobre o qual ele fala longamente nesta entrevista, além de discorrer sobre 0 seu encontro com o marxismo, sobre a “urba- nizacio sem urbanidade” e sobre novos projetos. A pedido do Comité de Redac’io de Margem Esquerda, a profes- sora da Universidade de Sao Paulo Otilia Fiori Arantes coordenou a Gareviae deste ntimero, realizada por correio eletrénico em julho este ano. E dela a maior parte das questoes formuladas a Mike Davis, que respondeu ainda a per, ; is guntas envia i Erminia Maricato © Mariana Fix, 4s Por Michael Lowy a bolsa de uma bolsa d ; Portland. Foi expulso em namo! Margem Esquerda~ Como vocé de vimentos rebeldes dos anos 1960? 0 urbanas? Mike Davis ~ Temo nao ter w oe men teleerifica a essas ques- vel Canis: Quando eu tinha Entre 12 Marcem Esquero,a Qp incentivado pela minha mae, abandonei o ensino médio por mais de um ano e comecei a trabalhar em periodo integral. Eu estava muito satisfeito por estar fora da escola e ganhando um salirio de adulto, entregando carne. Ao mesmo tempo, eu estava profundamente confuso sobre 0 que aconteceria depois. Meu melhor amigo, que havia se juntado a Marinha ap6s um inciden- te com a policia, estava decidido a me recrutar para seu inforttinio, mas sua influéncia foi, felizmente, contra-atacada pela minha prima ¢ seu esposo, um. conhecido ativista afro-americano. Eles me convidaram para uma manifesta- io de direitos civis: esse evento se revelou o divisor de 4guas no curso da minha vida. Apesar de estar longe dos principais campos de batalha do Mississippi e Alabama, 0 pequeno mas militante capitulo de San Diego no Core foi uma luta de Davi contra 0 Golias do dogmatismo na cidade mais conservadora da Calif6mia. Entao, no lugar da Marinha, fui introduzido @ filial local do que todos na época chamavam apenas de “Movimento”. Minha experigncia adolescente no Core, incluindo um produtivo encontro com al- guns ativistas da universidade de Berkeley, me levou inevitavelmente a New Left. Durante trés anos (1965-1967), fui um organizador itinerante para o SDS nas cidades de Nova York, Los Angeles e Austin (Texas). Nesses anos, antes que a esclerose sectaria obscurecesse nosso juizo, a New Left era uma maravilhosa comucépia de tradigdes antiautoritarias ¢ idéias radicais: Comunismo de Conselhos, Populismo da Pradaria [Prairie Populism], Poder Ne- g10, trotskismo e antitrotskismo, e por af vai. Além disso, a educagio politica era tipicamente combinada com aventuras através do pais, no estilo das de Jack Kerouac. Assim, li Sartre pela primeira vez enquanto viajava num 6nibus Greyhound no Texas, fiquei fascinado pela trilogia de Deutscher sobre Trotski enquanto acampava em um barco abandonado no deserto do Arizona, comprei minha primeira cépia da New Left Review de um vendedor ambulante hippie em Berkeley. Apesar de ter lutado excessivamente — e normalmente sem sucesso — com “teoria”, meus escritos tardios foram mais influenciados pela minha educa- ao pritica sobre o basico do ativismo durante uma década de participagio em movimentos oposicionistas pelos direitos civis, antiguerra e sindicalistas. Embo- ra eu tenha eventualmente voltado & escola (entrando na Ucla com uma bolsa de estudos em 1973), minha verdadeira educacao académica comegou quando me filiei ao Partido Comunista da California do Sul, em 1968. Pode parecer estranho que alguém com simpatias “trotskistas” notérias (seniio sectarias) se juntasse a um PC de linha tradicional no exato momento em que os tanques soviéticos estavam esmagando a Primavera de Praga, mas o distrito da Califémia do Sul apoiava Dubek ¢ se opunha a invasiio. Além disso, a ala jovem local tinha orientacao tricontinentalista, ou guevarista, € nio pré-soviética, e seus membros afro-americanos, incluindo a recentemente recrutada Angela Davis, eram alta- mente influentes nos Panteras Negras de Los Angeles. Como qualquer outra pessoa que a tenha conhecido, fiquei fascinado pela lider do PC local, Dorothy Healey, uma mulher baixinha, brilhante e muito bonita, que era tlo durona e corajosa quanto qualquer outra pessoa da geragio radical estadunidense dos Mike Davis Otitis Flor! ARANTES, ERminiA MARICATO, MARIANA Fix & MICHAEL Lowy a alguns rumores que ela teria ficado profundamente na anos 1930. er reece Intemacional em deixar as mulheres | da pela recusa da Tercein nett Brigadas Tet an m tum ambiente social egy co tena Los Angeles esquerth. O PC € 0s sindicatas do Congres es Peele industriais (CIO) tiveram essa conquista, efetivamente, por na cs Ore molo de tempo durante os anos 1940, € Dorothy constantemente nt oe ria por rejeitar ou subestimar a arena eleitoral. Da nossa parte, pens. rogue a cidade eri um vullo, e que a politica de frente popular era un desilustio revisionista. rusty Em qualquer evento, minhas discussdes com Dorothy, hagd continurarn muito apés nossa expulsio (e seu desligamento) do PC, foram as sementes do meu interesse por politica social urbana. Apesar de nossos desacordos Politicos (que se aprofundavam quanto mais ela se direcionava a socialcemocracia e eu partia para trabalhar com a New Left Review em Londres), fui enormemente influenciado por suas paixdes e idéias, em especial por aquelas a que se dedi- cava sem hesitar — sobre andlise estratégica e o “préximo elo da corrente’, Enquanto a maioria de nés estava perdida em nuvens de ret6rica revolucion4- tia ou distraida pelos irrelevantes fildsofos franceses, Dorothy, como uma boa generala vermelha, estava absorvida em planejar o préximo levante, tijolo por tijolo. Eu tive a sorte de, através dos anos, aproveitar a amizade e a generosida- de de intelectuais de esquerda como Robert Brenner, Perry Anderson, Goran Therbom e Robin Blackburn, mas Dorothy é a verdadeira inspiragio para todo ‘o meu trabalho sobre Los Angeles. Ela faleceu h4 muitos anos, mas eu conti- nuo a editar minhas idéias em constante debate interno com ela, 2 vulnerna estida na renovagio do centro urbano, pobreza, crise ambiental e fuga she capi convergéncia de ddio : ital que U sera destruid: car © a truida por um no comego dos anos 1990: esvaecimento vagnn ee © declinio ‘ink 9 Ai, A sat que se iniciou i ane pent re eg ee recursos fiscais. Nenhuma das grandes cidades ?*dores Qualificados «dle nerdvel 4 decadéncia repentina. Além disso 4° ©@dunj me i » desde og mm TNSes esta tao vul- a moe. problemas do centro tém migrado para o: SubUirbios, Te de 1992, muitos * Assim como ENTREVISTA 4 MaARGEM ESqueroda wg novos imigrantes, tm se mudado para os subtrbios na esperanga de encon- trar paz, melhores escolas e moradias. Nesse processo, a violéncia das gangues os seguiu, as escolas estiio em declinio, e a malha residencial esté rapida- mente decaindo. Somado a isso, 0 fracasso histérico de investimento em transporte ptiblico regional tem gerado 0 pior congestionamento do pais, e ‘os aumentos no preco do combustivel tém corrofdo os rendimentos dos tra- balhadores de baixa renda, que sito levados a viajar longas distancias de suas casas ao trabalho. Em particular, a vasta expansio do chamado “Inland Empire” (rea de Riverside-San Bernardino) a leste de Los Angeles tem se tornado o epicentro da crise de baixa qualidade nacional: placas de “Interditado” e “A venda” dio um aspecto deprimente a qualquer rua. Em Cidade de quartzo eu argumento que a ressegregagio e a militarizagio do espago urbano nos Esta- dos Unidos tém, h4 muito tempo, se dado por medos sociais, especialmente como conseqiiéncia das revoltas do gueto no final dos anos 1960. © caso de Los Angeles, imagino, foi particularmente interessante (e desolador) por cau- sa do papel que os arquitetos-celebridades, como Frank Gehry, tem desem- penhado ao criar uma apologia dos estilos de vida em fortalezas. Mas Los Angeles nao é a pioneira, em termos hist6ricos, no que tange a comunidades cercadas e plazas privatizadas: Sio Paulo e Joanesburgo também so proté- tipos do apartheid espacial e da destruigio do espago ptiblico. Teresa Cal- deira tinha raz4o quando criticou meu livro por exagerar’a singularidade de Los Angeles e por nao conseguir entender a dialética comparavel de raca e exclusio do urbanismo brasileiro. Agora esses fenémenos sio candnicos e globalizados. Em todo lugar, a classe alta esté ou recuando da vida democra- tica na cidade em diregao a enclaves coloniais, normalmente com atmosferas de fantasia, que replicam imagens televisivas de estilos de vida luxuosos da Calif6rnia, ou esté completando sua conquista do centro hist6rico e a conver- sao deste em um parque tematico autoparodiante (Manhattan, Paris, Pequim central apés as Olimpiadas e assim por diante). Num planeta onde mais de 2 bilhdes de pessoas subsistem com dois délares ou menos por dia, esses mundos dos sonhos inflamam desejos — por consumo infinito, exclusividade social, seguranca fisica e monumentalidade arquiteténica — que sao clara- mente incompativeis com a sobrevivéncia ecolégica e moral da humanidade. ME- Segundo alguns criticos seu raciocinio seria apocaliptico e antiurbano, por ndio perceber 0 quanto as dreas urbanas marginalizadas, seu Planeta Favela, estdio em conexdes muiltiplas e complexas com diversos setores (for- mais e ilegais) da cidade. Qual sua resposta a isso? Mike Davis Fi claro que as redes de produgaio transnacional integram um grande nero de trabalhadores ilegais, assim como fazem os empregadores locais de mio-de-obra explorada e trabalho doméstico. Mas, mesmo que tenhamos tole- Fancia em relagio as dezenas de milhdes clesses trabalhadores ocultos, centenas de milhdes de moradores urbanos niio tém sequer o privilégio da exploracao na Parte invisivel de alguma linha de produgio. De certo modo, “trabalho informal” OTILIA FioR| ARANTES, ERMINIA MARICATO, MARIANA Fix & MICHAEL Lowy a sania fr 0 CeNeMPELO NO Tey sufemismo X ; 19 0 Tey : ome ie resrico scl isso ou economia politico anteyiy js nent uth fnde exeala, UM enorme bag Ma pinalicace urbana J prance ese, Hn enorme bata a reprodugio cht margin’ dre mance desir ey ‘unipo, Mitaico expubo (0 ¢ mance deste thao cle pessoas fr ann tlic ot Den sen, de alg an cu um desenvolvimento extruordin ie, en ano sustentivel. anxistan fatino-mericios © em seguida dlebatide A economia informal, além disso, ¢ dnt mundo danwiniano, onde os pobres = somo preps de res = explora Os ainda mais pobres. medida que nichos tornam superpove yados, ha uma pressao inevits a compelig@o por meio de algum tipo de mecanismo. As vezes (como 0s Ci adores de papel no Mee iso toms forma de um patrocinio politico tradicional. Em outros casos (Lagos, a pout lumbai), movimentos sectdrios ganharam forgi #0 prometer reservar trabalhos inform para membros de sua propria tribo, religito ou BPO lingiistico. Em oposigto a isso, no entanto, temos os exemplos de movimentos solidirios, movimentos dos pobres urbanos sspecialmente na América 1a ina, onde tradigoe do movimento repalhacor clissico mignram part a favela, Em titima instincia, € impossivel generalizar sobre a politica da classe trabalhadora informal global: a populagio pobre est procurando, em todo lugar, € freqiientemente de maneira desesper da, por fontes de poder social e controle sobre suit vic. Isso tem se toma lo geopolitico na medida em que governos dos pobres - abarcando desde gangues religiosas até iskimicos reformistas ¢ partidos populis tados, 1 lo Primero Mundo | 6 simplesment ceiro Mundo. economi: futuro hun cado primeiramente pelos 1 ta literatura de pesqui em uma freqientemente terras ou chefes menor de sobrevivencia econdmica SC vel para controlar & entrada ¢ limita do narcotrifico ¢ sei radicais - exercem poder duplo nos espagos urbanos abdlicados pelos Como seqiiéncia de Planeta Favela, pesquisarei a politica da favela moderna por meio de mais ou menos uma diizia de estudos de caso, incluindo o [partido] Shiv Sena em Mumbai, o Movimento Mohajir Qaumi em Karachi, 0 Congreso Popu- lar O'Odua em Lagos, o Pagad [People Against Gangsterism and Drugs} na Cid de do Cabo, o pentecostalismo em Belém e Accra, 0 movimento civico em Joanesburgo, a luta das poblaciones na Santiago pés-golpe, a Izquierda Unida em Lima a Asamblea de Barrios como resultado do Caracazo. O KPD (Altona € Berlim) dos anos 1920 também sera incluido, uma vez que foi o Gnico partido da Terceira Internacional que teve como estratégia a favela industrial, mais do que a fabrrica, como caminho para o poder. ME -Vocé. iti _ voce yee earlleaian que chama de “urbantza¢ao auténoma’, dada 4 Giancia do Hees nao seria essa a tinica forma de sobrevivéncla ¢ ae incia das populagées desassistidas? Mike Davis— Essa 6 uma leitura equivoc pobres urbanos podem solucionar fundamental de riqueza social habilidades de sobrevivéncia e favelas, enquanto é ignorada ‘ada: €u critico a mitologia de que a crise da vida didria sem redistribulgl? Poder politico. Est4 na moda a celebragito ts as capacidades de auto-ajuda dos moracdores ‘ @ evidencia gritante de que as oportunidacles €° némicas informais esto se degradando rapidamente na maior parte dos paises desenvolvidos, enquanto as ocupagoes tradicionais vem sendo largamente privatizadas ou forcadas a terrenos mais perigosos. A “urbanizagio auténoma” soa muito bem se vocé nunca viveu em uma favela, mas, como outros conceitos distorcidos clo discurso “ONG urbanista” (‘concessio” € 0 pior), isso romantiza a auto-ajuda, minimiza a escala de necessida- de humana e substitui luta social e redistribuigio de renda por filantropia, Além Acrise interna na arquitetura disso, em discussdes oficiais sobre moradia arias prodissBex da e emprego informais, valiosas idéias anat- planejamento 6 precisamente quistas sobre auto-organizacao dos pobres a tikrdeconenkeaadia tém sido estranhamente distorcidas para servir aos objetivos da agenda neoliberal de desenvolvimento. Mais pemiciosa ainda — como o UN-Habitat [Centro das Nagdes Unidas para Assentamentos Humanos] foi brilhante em apontar em seu relat6rio de 2003, O desafio da favela — é a desvaloriza- do da iniciativa do setor ptiblico e, certa~ mente, da responsabilidade do governo em garantir montante adequado de in- vestimento social em infra-estrutura urbana € recursos humanos. O Banco Mundial e-as grandes fundagdes adoram falar sobre microempresas ¢ banco popular, mas nunca tratam de quest6es fundamentais: posse de terra urbana, tributagao re- gressiva, investimento estrangeiro ou da administracio paralela por poderosas agéncias de desenvolvimento. Nos Estados Unidos, além do mais, os urbanistas tendem a ser ignorantes em relagio experiéncia de movimentos que t@m ten- tado combinar mobilizagGes baseadas em favelas com lutas nacionais pela refor- ma ov transformagio do Estado. A recente histéria da esquerda urbana (para melhor ou para piot) em Caracas, Lima, Cidade do México, la Paz, Porto Alegre, Cidade do Cabo, Durban e Kolkata deveriam ser a base de todas as reflexdes sobre © futuro da cidade em desenvolvimento. Arquitetos, em particular, sio inclinados a abracar slogans ¢ fcones em vez de fazer um esforco para entender a atual politica que molda a forma urbana. designs inteligentes que tratem da pobreza no contexto das cidades em desenvolvimento ‘ou das periferias pobres de metrépoles mais antigas. ME~ Ao mesmo tempo em que se refere a uma “urbanizagdo sem urbanida- de’, vocé afirma que o futuro esta nas cidades e, ainda, que, justamente, ele depende da iniciativa dos novos barbaros. Como isso pode se dar? Como rom- per com o circulo infernal: desenvolvimento-catdstrofe ambiental? Mike Davis — A urbanizagio é obviamente a maior causa da crise global do meio ambiente, Embora o desmatamento florestal e as monoculturas exporta- doras tenham desempenhado um papel fundamental no aquecimento global, o principal agente tem sido o aumento quase ‘exponencial da emissao de car- s urbanas do Hemisfério Norte. Em certo sentido, a vida urba- bono nas regides ica na est4 destruindo rapidamente 0 nicho ambiental — estabilidade clima Mike Davis A FIORI ARANTES, ERMINIA Maricato, MARIANA Fix € MICHAEL Lowy on \7 1 EN ao na ecologia planetiria dom). aqui, pols © que tora ag Imente Sao precisamente ©8848 ca. Jopoles que sao quase antiurbanas oy sival acompanhada pela degradagio oy tunais vitals (aqiifferos, bacias hidro. yssistemas litorfineos); 0 monstruoso aumento poluigao area de integrate i cultura one e do eee a jasse traballa Jora; @ privatizagao do. espago P\ 2 10 € a fuga dos adisneyficados” enclaves murados. Em onset ‘ As qualia. des, que gsicamente” urbanas, mesmo no Aimbito Ce pequenas cidades ce municipios, se combinam para gerar um circulo mais virtuoso. Embora um rbanismo candnico, cujas coordenadas incluiriam eficiéncia ambiental ¢ — para invocar Fourier - a “multiplicagto da afinidade humana", permanega sin- tetizado de maneira incompleta, poclemos facilmente reconhecer suas prin- cipais qualidades: @ substituig¢io do consumo privatizado por luxo ptiblico; a socializagzio do desejo e da jdentidade no interior do espacgo publico; economi- as ambientais de escala no transporte € & na construgio residencial; fronteiras bem-definidas entre cidade e campo preservado; uma rica dialética entre vizi- nhanga e cultura mundial; a prioridade da meméria civica sobre 0 icone proprie. trio; ea integragao de trabalho, recreagio e vida doméstica. Em jogo, hé al ; muito mais profando que © mero alivio ambiental wabalha ie hiper-tealidade de Las Vegas com o B Senta 0 estigio Major do urbanismo? uw Ne 4 capital do Século XX1? Temos de SMO quando derivadas de famosas 2 Mang pressoes de Lenin © Walter Benjamin) colocarem quest6es de forma muito dramatica, Certamente, essas cidades esto sendo desenhadas com a intengio consciente e grandiosa de hegemonizar nossa concepgao de urbano para a pré- xima gergao, talvez as du: s, do ponto de vista de um gedgrafo nidical, cones ¢ metonimias ndo necessariamente condensam tendéncias-chave sisten Na tentativa de definir o futuro, nossos farads da atualidade podem mertmente estar monumentalizando o que jé 6 obsoleto (o arranha-céu, afinal, & uma tecnologia remanescente dos idos de 1880). Em vez de coroar estégios ou capitais, prefiro ent s tendéncias estruturais que podem diferenciar siste- mas urbanos do inicio do século XXI desde o fim do século XX. Em primeiro lugar (a conclusto de Planeta favela), a capacidade cada vez menor dos setores de moradia e empregos informais de absorver o crescimento da populagio urba- na face aos altos indices continuos de desemprego estrutural ¢ migragao rural (que provavelmente aumentario com a mudanga climética). Em segundo, os custos logisticos e econdmicos de expansio periurbana na auséncia de investi- mentos equivalentes em recursos humanos, transporte e espaco puiblicos. Em terceiro lugar, a imensa despesa para a reestruturagao das economias urbanas padrdes de moradia que de um mundo pés-globalizado com maiores custos de energia e, conseqiientemente, de transportes. (A geogra- fia da vantagem comparativa — em cujos nédulos cidades mundiais e entepostos financeiros florescem — deve mudar para uma nova agenda.) Algumas vantagens em potencial, claro, podem também advir da revalorizagio de manufaturas lo- cais ¢ produtos agricolas, mas isso pressupde um sistema diferente de regulaco econdmica. Em quarto lugar, gragas mudanga climatica, a0 uso ndio-sustentivel de digua e a infra-estruturas de satide publica inadequadas, as cidades se tomario mais vulneriveis a eventos naturais extremos: pragas e doencas pandémicas, ciclones e secas. ME- A relativa “tolerancia” em relagdo a invaséo de terras pelos pobres - ao menos nas dreas de menor interesse para o mercado imobilidrio ~ nas tilti- mas décadas é um fendmeno transitério que se mostrou capaz de acomodar, em certa medida, conflitos que poderiam ter sido maiores em tempos de crise econémica? Esse modelo tende a se esgotar e a tensdo a se acirrar, com 0 adensamento populacional das favelas? Mike Davis — A fronteira da terra urbana livre deixou de existir hd muito tempo na maioria das cidades em desenvolvimento. Certamente, ocupagdes clissicas ainda existem, mas a maioria A margem: em terra t6xica, em encostas ingremes € nas margens em crosio de c6rregos poluidos, onde é mais dificil transformar a terra em mercadoria. Nos anos 1960 e 1970, recém-chegados A cidade — Istam- bul, Déli, Cidade do México, Lima etc, — tiveram oportunidades para cair de para-quedas (como eles dizem no México) em baitros ou criar novos assenta- mentos porque: (1) terras periféricas ainda eram extensivas, baratas e freqiientemente de titularidade publica ou duvicosa; (2) em alguns casos, a ocu- Pacio era encorajada para prover mio-de-obra barata; e/ou (3) elites e partidos Mike Davis OTILIA Float ARANTES, ERMINIA MARICATO, MARIANA FIX € MICHAEL Lowy n a emplo, a tolerg . (veja, por exeMP'O, ancy 4 poiaclore™ ‘venezuela ou coma chegada dg vot r » jimene? eta politicos estavar ade Jimene ys 1970) Entretanto, NO Caso do. a invasio depos ¢ vera nos ane areceram abri ofa 280 sit 0 pe 08 rcs OW parceera BAL 2 fo, regime mH as favelas que #PO! reprimiram vigorosamente 2 OCUPACOES (jy moradore: A, recém-chegados e jovens regimes " 1970). Agora sas subversivas " istle 108 ANOS alk a stp aes 1X oF CE HOT terra deseo com pouca espe, Seta vim de nego merc’ com governos populistas ou paternalistas almente trazida do campo) para construtores de Mora. ie locais pod cextremamente lucrativo om av yptos &até funds deine incluindo de familias ricas tricia, por enerca do Terceiro Mun do se to timento inci, Nese Sn na na Europa ou na América do Norte, que ‘nou mais parecida coma fave a" 5 err uma planta de creat pte Gee SPO mas ais dificil a crenga nas favelas d@ J . at por vim simples formalizacao da posse do et Cot isso tam- bém proporciona a familias ha mais tempo estabelecidas em favelas alavancarem renda através da simples posse de terra: em Soweto, por exemplo, proprietari- ‘os de casas construiram cabanas para inquilinos em seus quintais. Os inquili- nos, por sua vez, iro sublocar seu espago para pessoas ainda mais pobres e assim por diante, O crescimento dos mercados imobilidrios, formais e infor- mais, contribuiu para a crescente complexidade e a desigualdade fractal da estrutura social da favela e dos distritos da classe trabalhadora. >a maior de que a maioria dos PY ocupagoes Hlegais (um to, ha ampla ev jdéncia de q vtdtica que foi origi ue vender terra pennit , olve intere: Com et dias informais € ME~ No langamento de Planeta Favela no Brasil, 0 socidlogo Francisco de oe fez a seguinte indagagdo: “Nao terd Mike Davis atribuido ao Fundo Monetario Internacional e ao Banco Mundial um papel por demais lemais » tante na generalizagao das favelas?”. O que acha? —_ impor Mil 7" ee ee Fl © Banco Muna sto, com frequéncia € de Washington”, normalmente as cuker Ge nay dragiies do mal do “Consenso de Papel ds forcas de cise locas. Todavi, Beek eos sas macionas ¢ dP ean wre sincontes ie | ‘elas e economias informais broti- de pesquisa apdia a hipctese de auc oon Sem precedentes, e a lteratun u h mit deamitiee eNOS Proprietirios ce terra rural {eek munkipis. Hn especial na Aen Coogee lic oe. 2 big desvinclada do eet eo A ios pam g Glares hes investimentos urbanos social € Colapso de mercados ge p80 esteutural ou, lades humanas basicas; outto, fo! eek ; : ; & urbana, em que ele tem desempenhado papel central, com pacotes de politicas que consistentemente tém priorizado o automatismo do mercado e a privatizagao em detrimento do planejamento do setor pubblico e da justiga social. ME-~ Planeta Favela retine uma massa espantosa de informacdo. Para orga- nizar todos os dados com os quais lida, qual seu método de trabalho? Mike Davis — Eu simplesmente leio muito, ¢ sou muito eficiente em absorver informacdes de uma grande biblioteca de pesquisa. Mas meus interesses si0 promiscuos demais, e pelo menos metade dos projetos que eu lango acabam como pilhas empoeiradas de notas nao-usadas, ou como alguns poucos € pequenos artigos quando, na verdade, eu pretendia escrever um livro. Minha pesquisa, desconsiderando 0 comentirio politico, ¢ organizada, grosso modo, em dois metaprojetos: o primeiro, minha exploragao, ainda em andamento, da transformagao de Los Angeles e outras dreas urbanas do sudoeste; e 0 segundo, uma hist6ria da globalizacio (entre as décadas de 1870 € 1890, e da década de 1970 até os dias atuais) com foco particular na interseccao de hist6ria ambiental e economia politica. Apés a seqiiéncia de Planeta favela, pretendo escrever um pequeno livro sobre socialismo ¢ mudanga climitica. Eu nao fago trabalho académico no sentido convencional, nem posso dizer — sem um PhD — ser um membro maduro de qualquer disciplina aprovada por meus colegas. Por outro lado, lisonjeia-me que gedgrafos radicais normal- mente me deixem compartilhar suas tendas; e também tenho feito referéncia ao meu trabalho, talvez pretensiosamente, como ecologia politica. Para ser franco, desisti de lecionar porque, inicialmente, minha politica me colocou na lista negra como um pesquisador de sindicato (minha raison d’étre para ter freqiientado a faculdade na década de 1970), e posteriormente eu nao obtive sucesso em outras ocupagées mais preferiveis (editoragao e um breve retorno ao trabalho como caminhoneiro de longas distancias na década de 1980). Meus livros sobre Los Angeles devem imensamente ao Instituto de Arquitetura da Califérnia do Sul, onde lecionei em uma atmosfera de aventu- ra e anarquia criativa de 1989 a 1999. Toda a instituigdo era dirigida em um estilo meio Bauhaus, gerando novas perspectivas sobre processos urbanos e estratégias de design. Além disso, fui encorajado a levar os alunos a campo, explorar cada canto e cada fenda de Los Angeles em uma época tumultuada e excitante. Desde a experiéncia no instituto, tenho voado solo, desconectado de qualquer rede académica. A excecio é um grupo de trabalho sobre climatologia da seca, encabecado pelo geofisico Richard Seager do Observa- t6rio da Terra Lamont-Doherty. Tenho interesse pela economia politica da mudanga climatica nas terras da fronteira entre os Estados Unidos e 0 Méxi- co, portant, tem sido emocionante estar em contato com pesquisadores cientificos de vanguarda. OTILIA Flor! ARANTES, ERMINIA MARICATO, MARIANA Fix E MICHAEL Lowy N &

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