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Título original em inglês:

Humble Hero

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1ª edição neste formato


Versão 1.0
2017

Editoração: Neila D. Oliveira e Ozeas C. Moura


Programação visual: Vilma B. Piergentile
Designer Developer: Taffarel Toso
Capa: Flávio Oak
Foto da Capa: Matt Freer
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio,
sem prévia autorização escrita do autor e da Editora.

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INTRODUÇÃO

Desde a publicação do meu livro Present Truth in the Real World [A Verdade
Presente no Mundo Real], muitas pessoas expressaram o desejo de que eu não me
houvesse limitado basicamente ao método para alcançar as pessoas secularizadas;
gostariam que eu tivesse escrito mais sobre a questão da mensagem. Acham que
uma barreira considerável, ou até mesmo a maior barreira para alcançar a mente
de pessoas seculares, seja o fato de que a mensagem que apresentamos é expressa
em linguagem que não faz sentido para as pessoas da grande corrente da sociedade
atual. Prometi que continuaria a dar mais consideração à questão da mensagem, e
que poderia escrever um livro sobre o tipo de mensagem que faria sentido para
pessoas seculares, sem comprometer os claros ensinos da Escritura. Este livro é
uma tentativa inicial nessa direção.

Neste livro, trato do cristianismo básico. Qual é o fundamento da fé cristã?


Porém, é mais do que apenas o fundamento. Como podem os elementos básicos
do evangelho ser expressos de modo a fazer sentido no ambiente secular? Este
livro examina a questão da salvação em nível pessoal. Como as pessoas se
relacionam corretamente com Deus? É a Bíblia razoavelmente clara sobre o
assunto? Por que desejaria alguém ter um relacionamento com Deus? O que
significa relacionar-se com alguém que você não vê, não ouve ou não toca?
Como posso conhecer verdadeiramente a Deus no mundo real? O que significa
orar, num mundo computadorizado? Deus ainda Se comunica

diretamente com pessoas nos dias de hoje? Como andar verdadeiramente com
Deus de um modo que faça diferença no mundo atual? Que diferença faz
conhecê-Lo?

Essas são algumas perguntas que abordaremos neste livro, Deus no Mundo Real.
Embora cada um dos seis capítulos possa ser considerado isoladamente, há uma
progressão intencional ao longo do livro. O primeiro capítulo, “O Fundamental
na Vida”, articula o evangelho em termos do mundo que conhecemos hoje. Seu
propósito é mostrar que o evangelho não só faz diferença, mas é a única solução
duradoura para a questão mais importante da existência humana. O segundo
capítulo, “O Beisebol e o Jogo da Vida”, esclarece o equilíbrio bíblico do
evangelho ao analisar um texto claro e específico, Romanos 3:23-25, em seu
contexto. O evangelho não pode ser plenamente apreciado quando expressões
confusas ou desequilibradas afastam os inquiridores.

O terceiro capítulo, “Mantendo a Fé”, trata da ampla questão de como manter


um relacionamento vivo com Alguém que não podemos ver, ouvir ou tocar. A
vida cristã tem que ver com algo mais do que aceitar a cruz uma única vez. A
vida cristã é uma experiência viva e permanente com o mesmo Jesus que morreu
naquela cruz há dois mil anos. Sendo que a oração mostra ser, com freqüência,
um desafio para pessoas influenciadas pelo pensamento secular, o quarto e o
quinto capítulos oferecem sugestões práticas para tornar a oração uma parte mais
dinâmica da experiência de cada dia.

O capítulo final, “Você é Autêntico?”, explora como um relacionamento


crescente com Deus afeta até mesmo as motivações, os pensamentos e
sentimentos mais profundos. Aplica o evangelho aos recessos ocultos da nossa
experiência. Nenhuma experiência com Deus exercerá algum impacto
significativo sobre a sociedade secular, a menos que seja autêntica e faça diferença
em cada aspecto de nossa vida.

Antes de encerrar esta introdução, gostaria de dizer algo acerca do público-alvo


deste livro. Deus no Mundo Real não foi escrito visando somente pessoas
secularizadas. Duvido sinceramente de que um livro assim fosse útil para leitores
seculares, se eu fosse escrever um. Pessoas de mente secular prestam pouca
atenção aos vários “macetes” evangelísticos que tão cuidadosamente preparamos
para elas. São alcançadas mais facilmente não por livros ou evangelismo pela
televisão, mas por relacionamentos pessoais com cristãos genuínos, cheios do
Espírito. Este livro, portanto, não oferece um atalho evangelístico que se dirija
especificamente a pessoas secularizadas. Seu objetivo é afetar a compreensão e a
experiência daqueles que conhecem essas pessoas e se importam com elas.
Somente quando conhecemos e experimentamos o evangelho por nós mesmos é
que poderemos esperar exercer algum impacto significativo sobre a vida de
pessoas de mente secular. Este livro, portanto, não se dirige a pessoas de mente
secular, mas sim a dois outros públicos.

1. Àqueles que têm contvato com a fé cristã, mas procuram um relacionamento mais
profundo com Deus. Esse público pode incluir membros ativos da igreja que podem
não conhecer claramente os elementos básicos da salvação ou o que significa ter
um relacionamento vivo com Deus. A esses crentes, o conceito de caminhar com
Deus pode parecer um clichê vazio, algo que dá a impressão de piedade, mas que
na prática não funciona. Para esses, uma abordagem contemporânea do
cristianismo básico pode proporcionar a chave necessária para um relacionamento
genuíno e gratificante com Deus.

2. Àqueles cristãos que desejam preparar-se melhor para partilhar as “boas-novas da


salvação” num mundo real. Muitos adventistas do sétimo dia e outros cristãos
conhecem a Deus pessoalmente, mas têm dificuldade para partilhar esse
conhecimento de modo significativo com a corrente de nossa sociedade
tecnológica. Conhecer a Deus no Mundo Real é um livro para aqueles que sabem
“dirigir um carro”, mas não sabem como transmitir esse conhecimento ao tipo de
pessoas com quem se associam diariamente.

Minha oração é que Deus use este livro para energizar um movimento que
alcance os não-alcançados como nunca antes.
O FUNDAMENTAL NA VIDA

Quando pessoas de mente secular vêem um adesivo de carro ou uma placa que
diz: “Jesus é a resposta”, raramente são levadas a reconsiderar a direção de sua
vida. Não sentem a necessidade de ir para o acostamento, ajoelhar-se e agradecer
a Deus Sua resposta aos problemas existenciais. Ou ignorarão a mensagem e suas
implicações, ou reagirão com irreverência: “E a pergunta, qual seria?” Mesmo
que tenham consciência de questões sérias na vida, mesmo que no fundo saibam
qual é a pergunta, pessoas de mente secular geralmente não esperam encontrar a
resposta na igreja ou em Jesus.

Existe algum meio de apresentar o evangelho a uma pessoa de mentalidade


secular de um modo que faça sentido para ela? É o evangelho tão relevante hoje
como já foi? Que diferença ele faz? Neste capítulo, eu gostaria de partilhar com
você uma apresentação contemporânea do evangelho que tem feito algum sentido
para pessoas de mente secular com quem me encontro de tempos em tempos.

Paus e pedras
Lembra-se daquele antigo ditado: “Paus e pedras podem me quebrar os ossos,
mas as palavras nunca me machucarão”? Esse não parece o ditado mais tolo que
você já ouviu? Isso não é mesmo verdade, certo? Homens maduros, que
suportariam qualquer dor física por uma boa causa, muitas vezes se descontrolam
por completo quando colocados numa sala cheia de gente que zomba deles.

Na minha juventude, fui um garoto durão. Aos catorze anos de idade, minha
voz já era de baixo, grave, e eu havia atingido minha altura completa, como
também o peso (bom, acho que engordei um pouquinho nos últimos anos). Isso
me dava uma enorme vantagem no campo de futebol [americano] durante o
tempo de escola. Recordo aqueles dias atléticos com certa satisfação, agora que
cheguei à meia-idade e as coisas não são do jeito como eram. Mas houve um dia
que deixou um tipo muito diferente de lembrança.

Era meu último ano de ensino médio, e tínhamos uma impressionante equipe.
Eu era o capitão e o zagueiro. Meu companheiro que ficava na posição de médio
era o Danny, incrivelmente rápido e criativo. Era mestre em mostrar-se aos
adversários numa determinada posição, e depois afastar-se quando o outro jogador
chegava perto. Um outro zagueiro era Oscar, ainda maior e mais corpulento que
eu. Lembro-me dele, derrubando dois ou três jogadores para fora do meu
caminho e ainda olhando em volta à procura de mais alguém para bloquear. Na
posição de atacante ficava o Carlos. Era tão alto como Oscar e tinha mãos
grandes. Tudo o que eu precisava fazer era jogar a bola para o grupo, e Carlos
dava um jeito de sair com ela. Depois havia o Jaime, o receptor. Tinha 1,90 m e
pesava aproximadamente 60 quilos, o jogador mais rápido que já vi, fora os
profissionais.

Éramos o máximo! Eu estava fazendo bons lançamentos e conseguíamos ótimo


resultado. Tudo ia bem, com exceção de uma regra daquela escola: os capitães dos
times que não estivessem jogando tinham que arbitrar as outras partidas. Tudo
bem, até certo ponto, mas as coisas começaram a azedar quando o professor de
Bíblia fraturou o tornozelo. Ele havia sido o zagueiro de nossos maiores rivais, e
agora era torcedor quando seu time favorito jogava. Esse homem era meu herói, a
pessoa a quem eu mais admirava na vida. Ele estava me ensinando a conhecer o
Senhor. Era o modelo de tudo o que eu queria me tornar um dia – professor,
amigo e homem de Deus. Até aquele dia.

Naquele dia, tive que apitar um jogo do qual sua equipe participava, e ele estava
em pé, de muletas, na linha lateral. Não demorou para que eu ouvisse a voz dele.

– Esse apito não faz sentido! Qual é o problema, você está cego ou coisa
parecida?

Vez ou outra ele tinha algo a dizer acerca da qualidade da minha arbitragem. Fiz
o possível para ignorá-lo, mas o impacto dos comentários começou a se acumular
enquanto o jogo prosseguia.

– Ah, por misericórdia, isso foi óbvio! Você está dormindo em pé?

– Nunca vi uma exibição tão ridícula de arbitragem em toda a minha vida!

Achei que eu estivesse no controle total até um lance em particular na área.


Uma jogada acabou em cima da linha lateral, bem na frente dele. Eu estava em
cima do lance e apitei. Ele gritou, irado:

– Não acredito! Estou parado aqui. Estou vendo tudo. Você é tonto? É cego?
Qual é o problema?

Virei-me para ele e, com a voz tremendo, disse:

– Veja, estou fazendo o melhor que posso.

Ele me olhou dentro dos olhos por dois segundos e depois disse, com desgosto
na voz:

– Pois o seu melhor não é bom o suficiente.

Aquele jogo aconteceu num pequeno ginásio no meio de uma grande cidade.
Peguei a bola e, furioso, fiz o maior arremesso da minha vida. Ela foi parar em
cima de um prédio vizinho. Saí do campo com a cabeça baixa. Procurei o canto
mais fundo e escuro do porão daquela escola e chorei durante duas horas sem
parar. Danny, Oscar, Carlos e Jaime seguiram-me, todos, ao porão para mostrar
solidariedade, mas aquilo não ajudou. Chorei, chorei e ninguém conseguia fazer
com que eu parasse. Meus amigos tentaram dizer que o professor de Bíblia não
estava falando sério e que se desculparia no dia seguinte (ele nunca chegou a fazer
isso), mas nada me servia de consolo. Por quê?

Que valor você tem?


Por que um tipo durão como eu choraria na frente dos amigos por duas horas?
Como pode acontecer que palavras, meras palavras, causem tanta dor? Tem que
ver com a auto-estima, com o valor pessoal – como nos sentimos a respeito de
nós mesmos bem lá no fundo. Parece que, se a pessoa que você mais admira na
vida acha que o seu melhor não é bom o suficiente, uma vozinha lá dentro de você
diz: “O seu melhor nunca será bom o suficiente. Sua vida está acabada. Você é um
fracasso. Jamais será alguma coisa.”

O valor pessoal, quer você perceba, quer não, é muito importante para o tipo de
vida que vivemos. A maneira como nos sentimos determina em alto grau como
tratamos outras pessoas e como encaramos as grandes questões da vida. A menos
que encontremos um jeito de desenvolver uma avaliação positiva e firme daquilo
que valemos, tudo o que fizermos será afetado negativamente. Portanto, a busca
de uma apreciação sólida daquilo que valemos está no centro de nossa busca pelo
melhor que a vida pode oferecer.

A maioria das pessoas procura construir seu senso de valor pessoal de três
maneiras básicas. Como as pessoas nem sempre têm consciência do motivo pelo
qual fazem o que fazem, vamos considerar mais de perto essas três maneiras.
Examinaremos cada abordagem e avaliaremos sua utilidade na construção da auto-
estima e na conquista dos nossos objetivos na vida.

Estratégia nº 1: O que você tem (abordagem das posses)


Uma das maneiras pelas quais as pessoas procuram construir seu valor próprio é
através do acúmulo de bens. São os “yuppies” (jovens profissionais em ascenção)
de ontem. Buscam valor em termos das coisas que possuem, usam e ostentam. Se
você perguntar a uma pessoa movida pelas posses quanto ela vale, poderá obter
uma resposta como esta: “Ah, sim, algo em torno de 450 mil dólares em ações,
títulos, contas bancárias e imóveis” (o que alguns do mundo financeiro chamam
de “fundamental”). Essas pessoas se valorizam em termos do quanto possuem.
Lembro-me do adesivo de carro: “Quem morrer com o maior número de
brinquedos é o ganhador.” Essa é uma declaração típica da abordagem das posses
para a auto-estima.

Certa vez tive o privilégio de receber um BMW por engano, de uma locadora
de automóveis em Frankfurt, Alemanha. Sem limite de velocidade nas auto-
estradas alemãs, sentia-me no paraíso dos motoristas! Ao longo das duas semanas
seguintes, ficou óbvio por que as pessoas amam os seus BMWs – aquele pessoal
faz brinquedos fantásticos. Mesmo que eu nunca chegue a possuir um, jamais me
esquecerei da experiência! Os cínicos dizem: “A única diferença entre homens e
meninos é o preço dos seus brinquedinhos!” E embora eu já tenha passado dos 50
anos de idade, vejo que não faltam “brinquedos” que ainda são atraentes para
mim e para meus amigos.

Cada vez mais, a idéia das pessoas acerca do significado e valor da vida é
moldada pelo cinema e pelos programas de televisão. Já notou que uma elevada
porcentagem dos roteiros de Hollywood, atualmente, apresenta heróis que
passaram dos farrapos para as riquezas? No passado, era comum que o roteiro
mostrasse uma pessoa abastada que renunciava às mordomias da riqueza para
identificar-se com os pobres, mesmo com o risco de ser mal interpretada. Hoje,
entretanto, parece que por mais pobre que seja o herói, mais cedo ou mais tarde
na história ele acaba recompensado com riquezas e aclamação. Essas histórias do
cinema e da TV exercem muita influência sobre mentes jovens. Como resultado,
muitos jovens de hoje identificam riquezas com sucesso e felicidade.

Lembro-me de um jovem assim. Depois da formatura na universidade, voltei


para a mesma escola de bairro que eu havia freqüentado – dessa vez para lecionar.
Chester era um dos alunos nas minhas aulas. Era um garoto de rua, grande,
valentão, de uma decadente vizinhança no subúrbio. Um dia, perguntei a Chester
qual era a sua idéia de felicidade. Ele não hesitou nem um pouquinho.

– Felicidade – afirmou ele – é um Cadilac preto e grande.

É mesmo? Para ele, era. Afinal, naquelas redondezas, as únicas pessoas com
dinheiro e respeito pareciam ser os gigolôs e traficantes que andavam dirigindo
lustrosos cadilacs pretos. Para ele, naquele momento, esses carros representavam
tudo o que uma pessoa poderia desejar na vida. O “sucesso” que esses criminosos
exibiam pesava muito mais do qualquer preocupação que Chester poderia ter
quanto à maneira através da qual enriqueciam.

Já ouviu alguém dizer: “Quando as coisas se complicam, o bom mesmo é sair


para fazer compras”? Existe alguma verdade nessa declaração. Quando a vida se
torna difícil, fazer compras pode proporcionar uma distração maravilhosa. Pode
também proporcionar a satisfação genuína que vem de comprar a maior novidade.
É ótima a sensação de trazer para casa um sofisticado equipamento de som ou TV
e exibi-lo aos amigos. É ótima a sensação de entrar num automóvel zero-
quilômetro e sentir aquele cheiro maravilhoso de carro novo. É ótima a sensação
de finalmente possuir o tipo de casa com que você sempre sonhou, ou até
acrescentar um belo jardim de inverno à casinha básica na qual você mora há
anos. “Não ficar atrás dos Cardoso” é mais do que uma simples ocupação
passageira. Para muitos de nós, tem que ver com a vida, com ser alguém, com o
que você vale como ser humano. Nossas posses podem exercer um grande impacto
sobre como nos sentimos a nosso próprio respeito.

Quando o alicerce afunda


Mas existem alguns problemas com a abordagem do “fundamental” na
construção da auto-estima. Por um lado, os brinquedos não duram. Ficam
arranhados; estragam, enferrujam e se acidentam – ou, pior ainda, a BMW lança
um carro melhor no ano seguinte! Você já teve um carro novo e decidiu sair para
um passeio num dia lindo e ensolarado? Ao você se aproximar dele, o sol incidiu
sobre a pintura no ângulo exato, e você o viu: o primeiro arranhão! A sensação é
a de que alguém enfiou uma faca no seu peito e a torceu. Em momentos assim,
entendemos que os bens representam para nós mais do que simples ferramentas
úteis na vida. Podem representar alguns dos nossos mais profundos desejos e
necessidades. E eles realmente satisfazem, pelo menos por algum tempo. No fim,
contudo, a abordagem do alicerce é devastadora para o nosso valor próprio,
porque a sensação não perdura. Quando o brinquedo se quebra, a alegria
proporcionada por ele também se vai.

Você diz que a solução é simples? É só ficar tão rico que possa ter todos os
brinquedos novos que desejar, o tempo todo! Afinal de contas, se você tiver uma
coleção completa de BMWs, não importa que um deles sofra um arranhão. Se
tiver trezentos pares de sapatos, não importa que caia o salto de um ou dois deles.
Se puder adquirir um palacete, você saberá que é alguém.

Mas é aqui que parece instalar-se uma decepção cruel. Os pobres podem sempre
sonhar em ficar ricos e achar que isso fará a diferença. Mas os ricos logo
descobrem que, quanto mais coisas possuem, tanto menos valor lhes atribuem.
São cegados por um horrível efeito colateral da riqueza, que chamo de
“desvalorização”. Os bens perdem o valor ao crescerem em quantidade. Existe
algo especial em trabalhar e economizar e sonhar com uma compra. Os ultra-ricos
não chegam a experimentar esse prazer especial. Quando você pode ter tudo o
que deseja, sempre que deseja, isso tudo não significa mais tanto assim. Quando
alguém gasta trezentos milhões de dólares num único iate ou constrói uma casa
com mais cômodos do que poderia vir a ocupar algum dia, isso não retrata um
certo senso de desespero?

Quando minha filha Tammy tinha 7 anos de idade, me perguntou:

– Por que a Oma (nome em alemão para vovó) sempre faz coisas para os outros
e não compra um monte de coisas para ela mesma?

Respondi:
– Oma aprendeu que é mais bem-aventurado dar que receber.

Tammy continuou:

– Não entendo isso; eu gosto de ganhar presentes e de ter um monte de


brinquedos.

O que um pai deve dizer diante disso? Lembro-me de ter dito alguma coisa
assim:

– Tammy, nenhuma criança que tenha 100 brinquedos vai apreciar um


brinquedo do mesmo jeito que uma criança que só tem um.

Ela pensou por um momento, e então seus olhos se iluminaram.

– Sabe de uma coisa? Isso é verdade! Tenho tantos brinquedos, que nem me
importo mais com a maioria deles!

Menina esperta. O problema com montes e montes de brinquedos é que eles


acabam barateados – desvalorizados – pela quantidade. O problema com os bens é
que, quanto mais você tem, menos significam eles para você. É um mecanismo
interno, que leva a uma frustração. Os pobres podem não ter tido a oportunidade
de descobri-lo, mas os ricos o conhecem bem.

Com o acúmulo de posses, você não só passa pela experiência da desvalorização,


mas também da preocupação. Quanto mais você possui, mais precisa preocupar-se
– com ladrões, com o mercado financeiro, com as pessoas que procuram fazer
amizade com você. Pode até preocupar-se mais com sua saúde, porque a riqueza
sem saúde não é nada! E mesmo que consiga ser saudável e rico a vida toda, você
acabará enfrentando o dilema dos faraós. Não dá para levar a riqueza junto com
você! Não importa qual seja seu status econômico na vida, o valor pessoal precisa
ser construído sobre algo mais permanente e confiável do que os bens.

Estratégia nº 2: O que você faz

(abordagem do desenvolvimento pessoal)


A segunda maneira com a qual as pessoas buscam construir seu próprio valor é a
abordagem do desenvolvimento pessoal. São orientadas pelo desempenho. Pessoas
orientadas pelo desempenho medem seu valor em termos de quão bem realizam
certas coisas. Sonham em realizar grandes coisas na vida e depois desfrutar a
satisfação que advém dessas conquistas. Sonham em tornar-se um astro no mundo
esportivo. “Se eu tão-somente pudesse ser Brett Favre (o melhor zagueiro do
momento no futebol americano), então eu seria alguém!” “Se eu só pudesse ser o
Michael Jordan ou o Tiger Woods, então eu realmente seria alguém.” Os rapazes,
em particular, costumam envolver-se com academias de ginástica ou atividades
atléticas como forma de construir a auto-estima. Leve a malhação a sério, e você
se tornará mesmo o tipo “sarado” que sempre quis ser! As mulheres buscam o
corpo perfeito de modo diferente do que a maioria dos homens. Concentram-se
em descobrir o tipo certo de maquiagem ou o vestido perfeito que virará a cabeça
de todos.

Algumas pessoas podem interessar-se mais em consecuções intelectuais do que


na modelagem do corpo. “Acho que voltarei à faculdade para conseguir um
doutorado; então realmente serei alguém.” Talvez nos esforcemos para ser o
melhor aluno da turma, o mais bem-sucedido vendedor da equipe, o escritor de
best-sellers sobre determinado assunto ou até o melhor pastor da região.

Outros se sentem atraídos pelo poder e influência que advêm de um cargo de


prestígio. “Se eu tão-somente pudesse ser o presidente do país, então seria alguém
de verdade.” A maioria já ficaria satisfeita em ser presidente de qualquer coisa! Até
uma pequena empresa serviria. Para pessoas dentro de um contexto religioso, ser
presidente de alguma organização da igreja seria melhor do que presidente de uma
companhia. Se nunca chegarmos tão longe, seria ótimo pelo menos ter o próprio
negócio ou ser um profissional reconhecido, como advogado, médico, professor
ou orador. Na verdade, alguns são tentados a se tornar pregadores porque isso os
coloca na frente, numa posição de algum poder e influência. Em busca do senso
de realização, é tentador começar valorizando a nós mesmos em termos de quanto
conseguimos na vida. E, naturalmente, existe um senso de satisfação concedido
por Deus, que advém de executar bem alguma tarefa, independentemente de os
outros reconhecerem ou não o que fizemos.

Quando o desempenho não é tudo


A abordagem do desenvolvimento pessoal na construção do valor próprio,
todavia, tem alguns dos mesmos problemas da abordagem do alicerce. Aqueles
que realizaram grandes coisas geralmente chegam a perceber que o valor da
conquista na busca da auto-estima não chega a ser tão grande como se poderia
pensar. Por exemplo, se um elevado nível de consecução acadêmica fosse a chave
para o valor próprio, os portadores de um doutorado seriam as pessoas mais felizes
sobre a face da Terra, mas simplesmente não é esse o caso. Se o fato de ser um
astro dos esportes fosse a chave para o valor próprio, não haveria problemas com
dependência de álcool ou drogas no mundo do esporte profissional. O
desempenho, por si só, não significa satisfação na vida.

Um elevado nível de desempenho parece sofrer também do seu próprio tipo de


desvalorização. Por exemplo, alguns anos atrás eu ficaria todo emocionado ao
marcar cem pontos no campo de golfe. Hoje, normalmente fico desapontado ao
marcar noventa (no golfe, a pontuação mais baixa é melhor). Quanto maior o
nosso desempenho, mais para cima será colocada a barra. É como se fôssemos
programados para ficar insatisfeitos com nossas conquistas.

Porém, mesmo que a conquista pudesse dar-nos o procurado senso de valor


pessoal, a satisfação que vem dessa realização não perdura. Não importa quão
bem-sucedidos tenhamos sido, acabamos por envelhecer. O corpo atlético
começa a fragilizar-se. A mente do professor começa a pregar peças estranhas.
Somos despedidos daquele emprego dos sonhos. Ou quem sabe um acidente ou
enfermidade nos leve embora o talento.

Muitas pessoas se lembram de Joe Montana, o melhor jogador de futebol


americano da geração anterior. Aos 38 anos de idade, Joe saiu dos 49 de San
Francisco e foi para os Chiefs de Kansas City. Ainda era o melhor. Ainda
movimentava o time de um lado para outro do campo. Mas seu corpo começava
a desconjuntar-se. Ele passou mais da metade daquela temporada no banco,
tratando de uma variedade de incômodos. No encerramento do campeonato, foi
forçado a aposentar-se, embora ainda conseguisse jogar como qualquer outro.

Mais triste ainda foi a experiência de um ex-presidente de Associação, a quem


respeito muito. Ele entrou na reunião da assembléia trienal cheio de planos para
os três anos seguintes naquela Associação. Mas, em vez de passar a tarde
presidindo a reunião que discutiria esses planos, ele a passou esvaziando a
escrivaninha no escritório! Embora fossem os negócios da igreja, a rejeição o
deixou arrasado. Enquanto nosso valor pessoal se basear em conquistas – mesmo
coisas boas que fazemos para o Senhor – estamos apoiados numa vara quebrada
que pode estalar a qualquer momento. Estamos no topo da nossa carreira num
dia, e no dia seguinte podemos estar esvaziando as gavetas.

Vamos supor, entretanto, que você seja extremamente bem-sucedido naquilo


que está fazendo agora. Você sente uma grande satisfação com suas realizações e
não há indício de destruição à vista. É seguro basear sua noção de valor próprio
no desempenho, quando você está trabalhando bem? Você consegue mesmo
encontrar um valor duradouro no seu desempenho, quando está na sua melhor
fase? Pense nisso. Até os melhores jogadores de basquete de vez em quando erram
um arremesso que decide um jogo. Até os melhores jogadores de golfe erram por
vezes uma tacada leve, a um metro de distância. Se o seu senso de valor se baseia
no desempenho, você pode estar lá no alto num dia, e cá embaixo no dia
seguinte.

Como é que eu sei? Durante um dos nossos campeonatos de softball * na


Universidade Andrews, joguei na terceira base na equipe do Seminário. Em geral,
eu não era particularmente bom ou ruim. Mas em uma partida cometi quatro
erros! Embora eu seja um homem crescido e tenha passado a maior parte da vida
lecionando e escrevendo, fiquei deprimido por quatro dias. Tolice, não é mesmo?
Ou será que esse tipo de coisa acontece com você também? Estaria eu de alguma
forma baseando meu valor no meu desempenho em uma partida de softball?
Depois disso, concluí que é melhor ser um lançador do que um jogador da
terceira base. Os lançadores não cometem erros no softball. As bolas passam
voando, e você ou apanha, por sorte, a bola na sua luva, e o pessoal diz: “Bela
jogada!”, ou ela passa por você, e eles dizem: “Bem, de qualquer maneira ela foi
lançada com muita força”. Mas na terceira base não há misericórdia.

Embora eu tenha plena consciência dos princípios de valor pessoal que estou
comentando neste capítulo, vez por outra me pego medindo meu valor com base
no desempenho. Essa foi certamente uma parte da razão pela qual chorei quando
o professor de Bíblia se dirigiu a mim de modo tão rude. Eu havia fracassado em
atingir minhas próprias expectativas. Havia esperado ser tão bom na arbitragem,
que ninguém pusesse defeito nela. Em vez disso, passei pela experiência de uma
arrasadora humilhação. Basear o nosso valor no desempenho e nas consecuções é,
na melhor das hipóteses, um remédio frágil para a condição humana.
Estratégia nº 3: Quem você conhece (abordagem do relacionamento)
O terceiro modo pelo qual as pessoas avaliam seu valor como seres humanos é
pelas opiniões que os outros têm a respeito delas e pela maneira como os outros se
comportam em relação a elas. Nas duas primeiras abordagens da auto-estima, os
critérios eram as posses e o desempenho. Agora passamos para a abordagem do
relacionamento, na qual a base para a forma como nos sentimos em relação a nós
mesmos é a percepção daquilo que os outros pensam de nós. As palavras deles, seu
comportamento para conosco e nossas reações às suas palavras e comportamento
afetam fortemente nosso senso de valor pessoal, se somos indivíduos orientados
pelos relacionamentos.

Das três abordagens que promovem o valor próprio que estamos analisando, a
do relacionamento é a que nos deixa mais à vontade para comentar. Geralmente
nos sentimos mais justificados em construir nossa auto-estima sobre
relacionamentos do que sobre bens ou desempenho. Certamente, parece bem
mais nobre. A maioria não deseja ser considerada dependente dos bens ou do
desempenho (embora todos tenhamos essa tendência numa ocasião ou noutra),
mas nos dispomos a esperar que bons relacionamentos proporcionem um nível
suficiente de significado e realização na vida. E a experiência certamente parece
sugerir que os relacionamentos sejam a resposta que temos procurado.

Uma boa ilustração é o namoro dos adolescentes. Sem dúvida, você já notou a
tremenda transformação na vida dos adolescentes quando descobrem que outro
ser humano por aí acha que eles são o princípio e o fim de toda a existência. Essa
descoberta muda tudo, repentinamente! Os espinhos se tornam rosas, numa
transformação milagrosa. Patinhos feios se tornam belos cisnes. Personalidades
melancólicas ou negativas se tornam radiantes. Nada tem um poder tão tremendo
de promover nosso senso de valor como a percepção de que outro ser humano
nos considera preciosos, únicos e capazes. Quem nós somos, como seres
humanos, é poderosamente afetado por aquilo que outras pessoas pensam.

Às vezes, os pais buscam encontrar seu próprio valor na vida e atos dos filhos.
Queremos que nossos filhos tenham oportunidades que não tivemos. Queremos
que sejam bem-sucedidos onde falhamos. Desejamos que sejam tudo o que não
pudemos ser. No processo, às vezes colocamos sobre nossos filhos o tremendo
fardo de carregar nossos valores, bem como os deles mesmos. Quando têm um
bom desempenho ou se saem bem numa tarefa, nós mesmos nos orgulhamos
disso. Quando fracassam ou são rejeitados por seus colegas, também assumimos o
fato pessoalmente. O que os outros pensam de nós exerce um efeito poderoso
sobre nosso senso de valor pessoal. O que os outros pensam dos nossos queridos
pode ter um efeito semelhante.

A abordagem centralizada em pessoas também explica o poder das celebridades


no mundo atual. Quando eu era adolescente, meu irmão sugeriu que fôssemos
assistir a um evento político. Era 1964, e Barry Goldwater concorria à presidência
contra Lyndon Johnson. Goldwater devia fazer um discurso naquela tarde num
hangar do aeroporto, a 1,5 quilômetro da nossa casa. Meu irmão achou que seria
interessante ir e ouvir o que o candidato tinha a dizer.

Depois de estacionar o carro do meu irmão no aeroporto, encaminhamo-nos ao


hangar. Justamente antes de chegarmos à porta principal, ela se abriu de repente e
três garotas usando bonés republicanos em vermelho, branco e azul saíam
correndo. Elas gritavam: “Não vou mais lavar. Nunca mais vou lavar. Ele apertou
minha mão! Nunca mais vou lavar minha mão!” Aparentemente, haviam tido a
oportunidade de conhecer o candidato em particular, antes do discurso. Desde
então, tenho pensado naquelas meninas. E me pergunto como estarão as mãos
delas depois de mais de 35 anos! É impressionante como o contato com uma
celebridade pode afetar nosso senso de quem somos e do que valemos. Um
contato próximo com alguém que parece ser importante pode conferir um
tremendo impulso à nossa auto-estima.

Essa é a principal razão pela qual as pessoas praticam a menção de nomes.


Quando alguém diz casualmente que é amigo pessoal (ou até parente) de uma
pessoa famosa, o resultado é que o valor dessa pessoa aumenta.

Sem dúvida, você ficará impressionado ao saber que tenho ligação com Hillary
Clinton. Relacionamentos assim podem, naturalmente, proporcionar acesso
especial a uma pessoa pública. Lembro-me de uma das vezes em que o casal
Clinton passava por tremendos transtornos com acusações públicas de
infidelidade. Achei que Hillary apreciaria um conselho ministerial sobre como
lidar com aquela situação difícil. Expliquei-lhe algumas das dinâmicas da infância
de Bill que afetariam a maneira como ele se relaciona com as mulheres à sua volta.
Mostrei-lhe algumas das ferramentas e estratégias que os cônjuges podem usar
para conviver com a tragédia da infidelidade. Animei-a, dizendo que Deus estaria
com ela, não importando o que acontecesse.
Eu realmente disse essas coisas para ela. Ela e Bill estavam assistindo a um
comício no Hoosier Dome em Indianápolis, Indiana. Eu passei pelo Dome
enquanto dirigia na rodovia interestadual que passa perto. Na verdade, eu lhe
disse essas coisas mentalmente – enquanto passava por ali de carro. Por algum
motivo, não tenho certeza de que ela me ouviu... Ah, por falar nisso, não tenho
ligação apenas com Hillary, mas com Bill também. Não sei exatamente como é a
nossa relação, mas a Bíblia demonstra conclusivamente que nós três descendemos
de Adão e Eva!

Quando uso essa ilustração em apresentações públicas, o lugar fica


imediatamente silencioso e os olhos se arregalam um pouco, enquanto as pessoas
ouvem sobre a minha ligação com Hillary. Posso ver as pessoas absorvendo as
implicações. E sinto que o auditório fica mais impressionado ainda com minha
importância. Mas depois ficam doidos comigo, por eu ter feito essa brincadeira
com eles! Nada do que escrevi acima é falso; a impressão que deixo é que
demonstra o poder da citação de nomes. Por que somos tão tentados a exagerar
nossa ligação com pessoas importantes? Porque quanto mais elevado é o status
social da pessoa, maior é o valor que sua opinião a nosso respeito tem aos olhos
dos outros. Medimos nosso valor por aquilo que os outros pensam de nós.
Embora os Clinton não sejam universalmente admirados, sua presença constante
aos olhos do público durante a década de 90 deu à sua personalidade um grande
poder evocativo na mente das pessoas comuns.

A discussão acima enfatiza uma grande realidade. O valor humano é atribuído


pelos outros. E o valor de um ser humano transcende em muito a matéria de que
ele é feito fisicamente. Entendo que o valor total dos minerais e elementos
químicos no corpo humano comum chega a uns doze dólares. Mas se você avalia
o mesmo corpo em termos biológicos, seus órgãos podem valer milhões no
mercado dos transplantes. Ainda mais extravagante é o valor do espírito humano.
A personalidade de um Michael Jordan ou de um Tiger Woods é avaliada em
centenas de milhões de dólares. E os americanos valorizam as idéias de um Bill
Gates ou um Warren Buffet em múltiplos bilhões de dólares! Mas, para a maioria
de nós, isso traz pouco ânimo quando nos sentimos rejeitados ou deixados de lado
pelos outros.

Quando as pessoas o decepcionam


Embora freqüentemente meçamos o valor humano em termos daquilo que os
outros pensam de nós, esse processo se mostra muito frágil como base para a auto-
estima. Esperar dos outros o senso de valor pessoal pode ser nocivo, tanto a eles
como a nós. Veja o casamento como exemplo, já que o matrimônio é o meio
mais comum de as pessoas buscarem construir seu valor pessoal através de um
relacionamento. Muitas pessoas entram para a vida matrimonial com a esperança
de que o valor que encontraram aos olhos do outro os carregue ao longo da vida
de casados. As pessoas buscam seu valor no casamento de duas maneiras básicas, e
nenhuma delas funciona a longo prazo.

1. Os Recebedores: Pessoas muito carentes esperam encontrar valor em termos


daquilo que recebem dos outros. Suas necessidades emocionais e psicológicas
geralmente as motivam a buscar afirmação e apoio; sobra-lhes pouca energia para
cuidar dos outros. De tempos em tempos, até podem sentir-se bem ao estimular
os demais, porém o papel predominante para muitos é o de receber.

2. Os Doadores: Por outro lado, pessoas que se sentem mais seguras por natureza
podem encontrar muito valor pessoal ao incentivar e promover os outros. Obtêm
seu senso de valor ao darem mais ânimo e ajuda do que recebem. Alguns
“doadores” gostam de ser elogiados de tempos em tempos; outros detestam isso.
Mas, em ambos os casos, para os “doadores”, a motivação predominante no
relacionamento é a alegria que sentem ao elogiar e encorajar os outros.

A maioria dos seres humanos é um pouco mais complicada do aquilo que essas
simples categorias sugerem. Na verdade, a experiência mostra que a vasta maioria
das pessoas se encaixa mais nos “recebedores” que nos “doadores”, porém a
maioria argumenta que é basicamente “doadora”. Aqui há uma séria desconexão
com a realidade. Assim, a abordagem que apresento a seguir pode não encontrar
eco em todos. Ela mostra, porém, que a busca pelo valor pessoal através de
relacionamentos é deficiente quase desde o início, não importando quais sejam as
tendências básicas dos indivíduos numa determinada relação.

1. O casamento de recebedor com recebedor. O casamento entre dois “recebedores”


pode rapidamente criar um inferno, que acabe fazendo com que a própria solidão
se torne atraente. O casal é como uma dupla de filhotes de leão, exigindo mais e
mais, enquanto nenhum tem os recursos para proporcionar aquilo de que o outro
necessita. O desabrochar da auto-estima que o romance proporcionou (a flor do
romance pode transformar temporariamente recebedores em doadores) é
rapidamente transformado no esmagador desapontamento do conflito e das
necessidades não supridas. Duas pessoas vazias, olhando uma para a outra na
esperança de serem preenchidas – essa é a fórmula para um grande desastre. O
casamento entre “recebedores” é comum – afinal, existem mais “recebedores” do
que “doadores” no mundo – mas não é o vínculo matrimonial mais comum.

2. O casamento de doador com recebedor. Com maior freqüência, por implausível


que possa parecer, os “doadores” e “recebedores” se atraem. Para eles, esse arranjo
pode parecer como um casamento feito no Céu. Os “doadores” precisam dar, e
os “recebedores” precisam receber. Então, por que não uni-los, para que todos
sejam felizes? Mas essa, também, é uma fórmula para o desastre. Em casos
extremos, nos quais há “recebedores” e “doadores” altamente comprometidos no
casamento, o “recebedor” não precisa crescer nunca. Pode simplesmente
continuar jogando seus videogames, assistindo a partidas de futebol e jogando
tempo fora com os amigos, enquanto sua “mãe” suplente toma conta das crianças
e dele também e luta, nesse meio tempo, para arranjar dinheiro a fim de pagar as
contas (é lógico que a mulher também pode ser a “recebedora” num casamento
assim).

O casamento “doador-recebedor” é destrutivo para os “recebedores”, no


sentido de que ficam amarrados a uma dependência que os impede de descobrir a
realização proveniente do crescimento pessoal e do investimento no crescimento
de outros. Os “recebedores” não obterão as habilidades necessárias para
concretizar esperanças e sonhos na vida. E nenhum “doador” jamais dará o
suficiente para satisfazer a necessidade sem fim que o “recebedor” sente de
afirmação e apoio. Assim, o casamento que começou com tanta expectativa acaba
por estilhaçar toda a esperança de um genuíno senso de valor e propósito na vida.

O relacionamento “doador-recebedor” é igualmente destrutivo para o


“doador”. Na medida em que dar é a base do valor pessoal, em vez de ser o
resultado, o dar torna-se um beco sem saída, não importa quão nobre possa parecer
à primeira vista. O “doador” nesse casamento descobre rapidamente que está
recebendo em troca muito pouca afirmação e apoio. Um “doador” consciencioso
suspeita que sua doação é insuficiente e redobra os esforços. Mas a falta de apoio,
por sua vez, acaba conduzindo a várias reações nada saudáveis. O “doador” pode
esgotar-se ou sucumbir como resultado de um dispêndio descomunal, sem
receber nada em troca. O “doador” pode usar a doação para manipular reações do
“recebedor”, e isso os “recebedores” em geral considerarão ainda mais
humilhante do que a negligência. O “doador” acaba perdendo o respeito pelo
“recebedor”, o que conduz a um grave rompimento na relação.

3. O casamento de doador com doador. O segredo do valor pessoal, então, pareceria


encontrar-se no relacionamento doador-doador. Vamos examinar essa
possibilidade um pouco mais de perto. Para início, o casamento doador-doador é
na verdade muito raro. Os “doadores” tendem a não sentir-se atraídos um pelo
outro, em parte, porque muitos “doadores” se sentem desconfortáveis com outros
“doadores”. Quando seu senso de valor depende de dar, o fato de receber de
outro produz culpa e constrangimento. A relutância de ambos em receber, frustra
cada um em sua tentativa de obter auto-estima através do relacionamento. Os
“recebedores” são muito mais atraentes, já que suprem a necessidade que o
“doador” sente de dar e encontrar valor na doação. Casamentos entre “doadores”
tendem a romper-se quando um ou outro se sente fascinado por alguma pessoa
profundamente carente “lá fora”. Mesmo o casamento “ideal” em termos
humanos, então, não é a resposta final à nossa necessidade de valor e significado
na vida.

O mesmo vale para nossa tendência de buscar valor pessoal através dos filhos ou
pela interação com “celebridades” que possam cruzar nosso caminho. Quando
uma pessoa busca valor próprio nos filhos ou netos, coloca uma pressão incrível
sobre um ser jovem. Os filhos são forçados a suprir necessidades que nunca foram
responsáveis por suprir em seus pais. Os pais que procuram suprir suas
necessidades através dos filhos tendem a ser muito exigentes com eles, desafiando-
os com expectativas impossíveis. Com certa freqüência, esses pais voltam um dia
para casa para encontrar um bilhete dizendo: “Não importa o que eu fizer, sei que
nunca estará bom o bastante para você. Portanto, decidi pôr um fim à nossa
desgraça.”

Procurar valor por meio de celebridades também é frustrante. A famosa estrela


de Hollywood geralmente é tão vazia de auto-estima quanto qualquer um – e
muitas vezes é mais ainda. Muitas celebridades se espantam e até ficam confusas
pelo fato de outras pessoas terem um conceito tão elevado a respeito delas. O
índice de divórcios em Hollywood dá uma evidência clara dessas lutas com o
valor pessoal. Se ter algum relacionamento com um astro de Hollywood é o
máximo para a auto-estima, por que tantos atores fracassam no casamento, vez
após vez? As celebridades podem sorrir na tela, mas quando voltam para casa
freqüentemente não suportam a pessoa com quem vivem ou a vida que precisam
viver.

Nossa dependência das celebridades pode ser destrutiva até para elas. Tornam-se
os grandes “doadores”. A vida de estrela traz muito louvor e admiração. Mas
existe também a pressão constante das pessoas com “necessidades” a serem
supridas pelas celebridades. Suprir constantemente essas necessidades através de
uma palavra, um autógrafo ou um pouquinho de tempo pode ser extenuante.
Depois de algum tempo, uma celebridade chega a sentir-se completamente vazia
e exaurida, de tanto dar. E ser uma pessoa pública significa também receber crítica
pública, pelo menos por parte de alguns seguidores. Se o sucesso eleva as
expectativas, inevitavelmente a crítica vem atrás. E a crítica magoa celebridades
tanto quanto aos demais. O resultado? Um número muito grande de celebridades
acaba com a própria vida ou se destrói com álcool e drogas.

Mesmo que tenhamos a sorte de viver um relacionamento saudável e


mutuamente gratificante, ainda resta o perigo de que não dure. O valor que
obtemos pelos relacionamentos tende a ser temporário, instável e fugaz. Muitas
vezes tenho ficado feliz por fazer uma nova amizade, só para descobrir que a
pessoa está para mudar-se para o outro lado do país. Os professores podem relutar
em aproximar-se muito de alunos da pós-graduação, porque esses quase sempre
vão embora em um ano ou dois. Todavia, mesmo que a pessoa que respeita e
admira você não vá embora, sempre existe a possibilidade de que descubra a seu
respeito algo que a faça mudar de idéia.

Alguns sabem por experiência quão arrasador pode ser um divórcio. Você
começa com uma pessoa que fez uma enorme diferença na sua vida. A pessoa
achou você o máximo e fez tudo por você. Por sua vez, você se viu dependente
dessa relação para encontrar significado e valor pessoal. Então, chega o dia em
que, nas palavras de uma divorciada, “ele arrancou meu coração, jogou-o no
chão, pisou em cima por um tempo e depois cuspiu sobre ele”. Que rejeição ou
humilhação pode superar isso? Se você depende de outro ser humano para sentir
que tem valor, encaminha-se para o desastre. Quando seu melhor amigo pode
traí-lo, em quem você irá confiar?

Mesmo no melhor dos relacionamentos, cada um de nós se encontra a apenas


alguns fôlegos de distância da realidade da morte. Nunca me esquecerei do dia em
que uma senhora telefonou e disse: “Meu esposo simplesmente se foi e morreu!”
Ela estava zangada! Por 42 anos, ele havia sido a terra e o céu para ela. Por 42
anos, seu senso de valor se enraizara no amor que ele nutria por ela. Ele não tinha
o direito de morrer quando ela precisava tanto dele! Você percebe o que ela
estava sentindo? “Esse homem era tudo para mim e, quando ele morreu, foi tão
terrível como se ele tivesse ido embora com alguém.” A raiva dela era real e
compreensível.

Embora a abordagem do valor pessoal que se concentra nos outros pareça trazer
alguma promessa em casos especiais, no fim demonstra ser tão efêmera como as
outras duas abordagens.

Estratégia nº 4: A relação perfeita (um parceiro ideal)


Não existe saída? Todas as abordagens humanas em busca de um senso de valor
estão destinadas a acabar em decepção? A resposta a essa pergunta é tanto “Sim”
como “Não”. Veja só, as maneiras que procuramos para encontrar auto-estima
fazem, às vezes, mais mal que bem. Uma coisa é certa – a abordagem do alicerce
não é o caminho. Qualquer um que tenha montes de coisas sabe que essas coisas
não satisfazem a longo prazo. É só perguntar a algum Kennedy. Se o dinheiro e as
coisas que ele proporciona fossem a base da felicidade, os Kennedy seriam uma
das famílias mais felizes sobre a Terra. Pode-se possuir tudo no sentido material,
mas descobrir que isso não dá conta do recado.

Além do mais, as pessoas que realizaram grandes coisas sabem que o desempenho
tampouco satisfaz a longo prazo. Os jogadores profissionais de basquete não só
ganham milhões de dólares por ano, como são celebridades do mais alto nível.
Mas se o dinheiro e a fama fossem tudo, por que tantos astros do basquete buscam
consolo no álcool, em casos passageiros e nas drogas? Por que apelar para as
drogas, quando você está vivendo exatamente a vida que tantos outros dariam
tudo para viver? Evidentemente, o desempenho, mesmo quando combinado com
uma enorme riqueza, não é o caminho para a felicidade e a realização.

Não existe saída? A estima dos outros parece ser a única esperança que resta. Mas
parece que não encontramos um senso de valor num relacionamento com
qualquer um. É necessário que seja um amigo com características especiais, para
proporcionar o tipo de valor pessoal de que tão desesperadamente necessitamos.
Segundo minha maneira de ver, necessitamos de um amigo com quatro
características exclusivas.
1. Alguém que tenha valor genuíno e inerente. Necessitamos é de um amigo que seja
valioso, genuína e inerentemente. Não um Magic Johnson que esteja em busca de
realização nos mesmos becos sem saída onde você e eu temos procurado. Deve
ser alguém que seja inerentemente valioso. Alguém que não necessite encontrar
valor nos outros ou nas coisas. Alguém que seja digno por causa de quem ele já é.

2. Alguém que conheça tudo a nosso respeito. Esse amigo também deve ser alguém
que saiba tudo sobre nós, porque relações cheias de segredos e surpresas são
relações frágeis. Você nunca sabe quando as pessoas descobrirão algo a seu
respeito e mudarão de idéia. “Ora, se você é realmente assim, não quero ter nada
a ver com você.” O tipo de relação que promove o valor pessoal não guarda
segredos num armário em algum lugar. A franqueza e a transparência são
essenciais.

3. Alguém que nos ame como somos. Muitas pessoas, contudo, já decidiram que não
gostam de nós por sermos quem somos. Precisamos de um amigo genuíno,
verdadeiro, que não se desconcerte diante de nossas fragilidades e deficiências.
Precisamos de alguém que tome tempo para nos conhecer intimamente, mas que
se comprometa de modo pleno a nos aceitar e amar, independentemente do que
dissermos ou fizermos. Precisamos de alguém que nunca nos abandone, mesmo
que tentemos deixá-lo. Precisamos de alguém que conheça tudo a nosso respeito,
mas assim mesmo nos ame. Um relacionamento como esse pode proporcionar um
chão firme para nosso senso de valor pessoal.

4. Alguém que nunca morra. Mesmo uma relação com todas as três características
será insegura enquanto a morte se apresentar como uma ameaça diária. Você
poderia encontrar o parceiro perfeito, aquele que supre sua demanda de valor
próprio, só para perdê-lo na morte, quando você mais necessita dele. A questão
decisiva com a auto-estima é que só a encontraremos de verdade num
relacionamento com uma pessoa que viva para sempre.

Por impossível que pareça, consideremos por um momento as conseqüências


positivas de encontrar um amigo que (1) tenha valor genuíno, (2) saiba tudo sobre
nós, (3) que nos ame assim mesmo e (4) nunca morra. Ser amado e acalentado por
uma pessoa assim vai nivelar os altos e baixos da nossa experiência. Enquanto nos
deleitamos nesse tipo de amor, ficamos livres da necessidade de mostrar quem
somos aos outros (e até a nós mesmos); temos paz interior acerca de quem somos.
Se somos amados por alguém que é verdadeiramente valioso, não nos
importaremos com o que os outros pensam a nosso respeito. Quando alguém
começa a nos criticar e humilhar, podemos simplesmente sorrir sozinhos e dizer:
“Já tenho o relacionamento que verdadeiramente importa. Vou ignorar os
comentários.”

O genuíno valor pessoal significa que a vida oferece um tremendo senso de


realização, sabendo que somos importantes para a única pessoa em nossa vida que
é importante de verdade. Somente quando são supridas as nossas necessidades mais
profundas, podemos começar a considerar verdadeiramente as necessidades de
outras pessoas. Com base em nosso senso de valor, poderemos dar-nos em serviço
a outros, sem manipular ou esperar algum retorno.

O verdadeiro senso de valor pessoal também é a base para uma liberdade


genuína. Posses, desempenho e pessoas – as avenidas para a auto-estima – deixam-
nos confinados como escravos de uma ilusão. Esforçamo-nos intensamente cada
dia por coisas e experiências que não satisfazem, no sentido definitivo. Mas
quando sabemos que Deus nos aceita, tornamo-nos despertos para a realidade
como ela é. Despertamos para nossas fraquezas, mas sem autocondenação.
Despertamos para necessidades dos outros, mas sem a necessidade de manipulá-los
para atingir nossos próprios objetivos. Em Cristo, escapamos do confinamento no
“mundo” para uma realidade que transcende nossa limitada experiência. É como
no filme O Show de Truman, no qual o ator principal, sem saber, viveu sua vida
toda num gigantesco set de filmagens – tendo sido cuidadosamente programadas
todas as suas interações com os outros. No final do filme, Truman encontra uma
porta no “horizonte” e escapa de seu mundo fictício para a realidade!

Um senso de valor pessoal é, na verdade, a base de uma vida que vale a pena ser
vivida. Mas isso é realmente possível na Terra? Existe mesmo alguém por aí que
seja autenticamente valioso e viva para sempre? Ou estamos simplesmente falando
em termos filosóficos acerca de algo que nunca nos irá acontecer? Não existe
saída? Chegamos mesmo ao fim de toda esperança? Não, não, mil vezes não! A
maior história já contada é que um Amigo, com exatamente as quatro
características descritas acima, realmente existe. Estou falando de uma Pessoa que
vale o Universo inteiro, que vive para sempre, que conhece tudo a seu respeito e
que o ama do jeito como você é. E está ansioso por fazer-Se conhecido a você.

O nome desse Amigo é Jesus. É Ele verdadeiramente valioso? A realidade é que


Ele fez o Universo inteiro e tudo o que nele há. Ele vale o Universo todo e
qualquer Universo que ainda pudesse vir a ser criado. Ele possui mais e conseguiu
mais do que qualquer outro que poderíamos imaginar. Sabe Ele tudo a nosso
respeito? Sim, sabe, até mesmo nossos pensamentos e sentimentos mais íntimos
(ver João 2:23-25; Hebreus 4:12, 13). E ainda nos ama, apesar de tudo o que sabe
sobre nós? Sim, Ele ama tanto a você e a mim, que teria morrido por nós se
fôssemos os únicos que necessitassem de salvação! Morreu por nós, mesmo antes
de fazermos qualquer coisa em resposta a Ele (ver Romanos 5:6, 8). E agora que
foi ressuscitado dentre os mortos, a morte não mais tem poder sobre Ele (ver 1
Coríntios 15).

Jesus preenche todas as qualificações daquele de quem necessitamos tão


desesperadamente. É o tipo de amigo que nos oferece real esperança. Você não
precisa merecer Jesus; você não precisa conquistar-Lhe o amor. Ele já o ama e
aceita como você é. Não importa o que você fez ou por onde tem andado. Ele é
a verdadeira Fonte do valor pessoal. Se estivermos procurando auto-estima em
qualquer outro lugar, nós a encontraremos apenas por um tempo, e depois a
perderemos de novo. Essa é a realidade. Mas nossa situação não é desesperançada.
Nosso Amigo mais precioso e autêntico vive, e Seu nome é Jesus.

Para mim, isso explica a tremenda sobrevivência do cristianismo. Século após


século, o cristianismo continua, porque século após século as pessoas descobrem o
que significa conhecer a Jesus. Elas descobrem que conhecê-Lo é a chave para
tudo o que importa na vida. Isso explica os mártires. As pessoas enfrentariam a
morte por Jesus se não soubessem que morrer com Jesus é preferível a viver sem
Ele?

É por isso que a certeza da salvação, de estar bem com Deus, não é opcional. Os
seres humanos precisam desesperadamente saber onde se encontram no Universo,
qual é o seu verdadeiro valor. Se você não sabe que tem vida eterna, que está em
harmonia com Deus, será forçado a buscar essa realidade de alguma outra
maneira. Você viverá com base nos bens, no desempenho ou dependerá de suas
relações humanas para ser feliz. Pode até procurar a vida através de realizações e
relacionamentos religiosos.

Mas nada disso será verdadeiramente satisfatório. Com grande freqüência,


pessoas sem a certeza da salvação se tornam críticas, procurando defeitos nos
outros. Sem mesmo perceber, afastaram-se de Jesus para procurar a vida nos bens,
no desempenho ou em pessoas. A certeza da salvação, por outro lado, é a base de
um viver radiante e jubiloso. Quando você está em paz com Deus, não precisa
provar quem é, nem para Ele nem para alguém mais. Você não precisa acumular
coisas, troféus ou relacionamentos.

A certeza da salvação também é a chave para afastar-se do pecado. O pecado é


simplesmente a abordagem do beco sem saída para suprir necessidades. O pecado
é tentar suprir necessidades comprando coisas. O pecado é tentar suprir
necessidades através do desempenho ou por meio de outra pessoa. Às vezes, até
pastores podem chegar a um ponto de sua vida em que digam: “Minha vida está
vazia e, quem sabe, esta outra pessoa pode me proporcionar a faísca de que
preciso. Talvez essa outra pessoa me ame do jeito como mereço ser amado.” E
essa pessoa não é seu cônjuge. O pecado é qualquer coisa, mesmo uma coisa boa,
que promete vida fora de um relacionamento com Jesus. Um lar confortável é
uma coisa boa. Campanhas evangelísticas bem-sucedidas e títulos acadêmicos são
coisas boas. Relações sólidas com outros seres humanos são coisas boas. Mas, se
alguma delas tomar o lugar de Jesus em nossa vida, revelar-se-á como falsa
esperança.

E essa é a essência da tentação. Tentação não é simplesmente o impulso de fazer


algo mau ou contrário às leis de Deus ou da humanidade. Tentação é, muitas
vezes, o impulso de fazer algo bom a fim de encontrar vida. Até as melhores
atividades podem tornar-se substitutas da verdadeira vida. Assim, quando formos
tentados por estas três áreas da auto-estima – desempenho, bens ou pessoas –
precisamos fazer-nos algumas perguntas sérias.

Por que minha necessidade não está sendo suprida em Cristo neste momento?
Por que mesmo estou comprando estes brinquedos? Por que acho que preciso
voltar aos estudos? Por que estou procurando encontrar um emprego melhor? Por
que essa pessoa me atrai tanto? Nossa tendência é evitar refletir sobre essas
perguntas. Mas as razões são importantes. O fundamental é isto: a menos que
nosso senso de valor se estabeleça no relacionamento com Jesus Cristo, seremos
forçados a buscá-lo em algum outro lugar, e os resultados não serão bons.

Bíblico ou psicológico?
São realmente bíblicos esses conceitos, ou teria eu me perdido nos labirintos da
psicologia? Essa é uma pergunta muito importante. A menos que nossas respostas
básicas diante da vida estejam alicerçadas em algo mais do que simplesmente
suposições humanas, estamos a caminho do desapontamento. Por sorte, a Bíblia
fala enfaticamente sobre a questão do valor pessoal. A palavra-chave que nos
conduz à perspectiva bíblica sobre o valor é a palavra “glória”. A pergunta crucial
que os escritores bíblicos fazem é: “Em que me glorio?” Para encerrar, vejamos
alguns textos.

Jeremias 9:23, 24 diz:

Não se glorie o sábio na sua sabedoria,

nem o forte, na sua força,

nem o rico, nas suas riquezas;

mas o que se gloriar, glorie-se nisto:

em Me conhecer e saber que Eu sou o Senhor.

Jeremias diz: “Não se glorie nas riquezas, nas posses. Não se glorie na fortaleza
física ou mental. Glorie-se no Senhor. Essa é a essência da vida.” Jeremias viu
claramente que a base da vida real não se podia encontrar em nosso fascínio com
bens e desempenho. João 12:42, 43 nos aponta os perigos da glória movida por
pessoas:

Contudo, muitos dentre as próprias autoridades

creram nEle,

mas, por causa dos fariseus, não o confessavam,

para não serem expulsos da sinagoga;

porque amaram mais a glória dos homens

do que a glória de Deus.

Por que as autoridades da época rejeitaram a Jesus? Porque amavam o louvor


que outras pessoas lhes estendiam, mais do que o louvor que Deus proporciona.
Sempre que colocamos as relações humanas à frente de Deus, mostramos o que
realmente valorizamos na vida.

Talvez o melhor texto que trata do assunto do valor pessoal e seus substitutos se
encontre em Gálatas 6:14.

Mas longe esteja de mim gloriar-me,

senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo,

pela qual o mundo está crucificado para mim,

e eu, para o mundo.

Quando Paulo fala nesse texto acerca do “mundo”, está falando de bens,
desempenho e pessoas. Essa é a essência do “mundo”. O mundo é necessário; não
existiríamos sem bens, conquistas e relacionamentos com outras pessoas. Mas nem
as melhores coisas do mundo podem competir com a cruz, como meio de
determinar o valor humano. Nada que eu faça, ou que alguém mais faça por mim,
pode ocupar o lugar daquilo que Deus tem feito em meu favor por meio de Jesus
Cristo.

Quando verdadeiramente soubermos o que a cruz significa, teremos algo de que


nos gloriar. Quando verdadeiramente compreendermos o significado daquilo que
Cristo fez por nós na cruz, o mundo, com seus bens, desempenho e pessoas, será
colocado em seu verdadeiro lugar. A cruz nos conta que a maior Pessoa de todo o
Universo nos valoriza tanto que Se dispôs a morrer em nosso favor. Isso coloca
sobre nós um valor infinito. Para Jesus, valemos tanto quanto o Universo inteiro.
Posses, desempenho e pessoas são importantes, mas seu papel ao construir nossa
auto-estima é insignificante em comparação com a cruz. Quando dependemos de
posses, desempenho e pessoas para sentirmos que temos valor, tudo isso se torna
pecado, formas sem saída para encontrar valor pessoal.

Na Bíblia, então, uma pergunta predomina sobre todas as outras no que se refere
ao valor dos seres humanos. E a pergunta é: “Qual é sua glória?” Sua maior glória
está nas posses, nas realizações ou na lista de amigos? Ou você se gloria na cruz de
Jesus Cristo? Onde está sua glória? Essa se torna a pergunta mais importante.

* Nota da tradutora: Forma modificada de beisebol, jogada com bola maior e mais macia.
O BEISEBOL E O JOGO DA VIDA

No capítulo 1, aprendemos que o único caminho para obter um genuíno senso


de valor pessoal é através do relacionamento com Jesus. Todos os outros serão
insatisfatórios a longo prazo. E é somente através de uma saudável auto-estima
que nos tornamos o tipo de pessoa que precisamos e desejamos ser.

Isso nos deixa com a pergunta crucial: Como podemos ter esse tipo de
relacionamento com Jesus? Como chegar a uma posição aceitável diante de Deus?
Como saber quando estamos bem com Deus? O que devemos fazer a fim de ter a
vida eterna? (ver Mateus 19:16). Sob a perspectiva humana, a resposta óbvia é:
Não cometa erros! Viva uma vida irrepreensível. Viva sem cometer faltas. Então
Deus terá de aceitá-lo! Todavia, por mais lógica que essa abordagem pareça, ela
tem sérios problemas. Neste capítulo, examinaremos um dos textos mais claros
sobre esse assunto na Bíblia. A menos que o evangelho que partilhamos, as “boas-
novas” nas quais cremos, estejam solidamente alicerçados na revelação de Deus,
nós nos encontraremos caindo de novo nas armadilhas da ilusão. E não podemos
esperar que pessoas de mente secular renunciem às suas ilusões em troca de algo
ainda mais incerto! Então, consideremos novamente o que a Bíblia chama de
“salvação”.

Não cometa erros!


A vida cristã se parece muito com o beisebol – pelo menos isso tem sido verdade
na minha experiência. Freqüentemente, acordamos pela manhã decididos a
rebater 1.000 naquele dia. (Para os leitores que se sintam intelectualmente
desafiados no que se refere ao beisebol, rebater 1.000 significa pegar a bola com
segurança toda vez que você rebate – algo que raramente acontece num único
jogo, para não dizer numa temporada ou na carreira de um jogador.) Podemos
pensar: “Hoje vou ser muito legal com o meu cônjuge e paciente com as crianças.
Hoje vou pensar só coisas boas a respeito do meu chefe.” Se for sábado,
planejamos pensar exclusivamente acerca da excelsa graça, e nunca no assunto
mais comentado da semana.
Aí, a noite chega, e percebemos que mais uma vez ficamos longe das nossas
intenções. Então, começamos a nos questionar. Dizemos coisas como: “Que
diferença faz ser cristão, afinal de contas? Não vou mudar nunca?”

Não é de admirar que haja tantos cristãos de rosto comprido! Como poderia
alguém regozijar-se no contexto de frustrações e fracassos contínuos? Quero
dizer, a vida é uma batalha real. Consigo entender os cristãos que se sentem sem
tempo para sorrir, sem tempo para comemorar. Entendo esses cristãos porque essa
é a minha batalha também. Estou batalhando e me machuco todos os dias. Eu
também não rebati 1.000.

Certo sábado, entretanto, saí decidido a consegui-lo. Levantei-me bem antes do


restante da família. Passei uma hora em devoção, preparei-me para o sábado, fiz
meu desjejum com grãos integrais e gentilmente despertei a família, para que
minha esposa pudesse cuidar de si mesma. Depois, providenciei para que as
crianças se lavassem, vestissem e se alimentassem. Chegamos em tempo à Escola
Sabatina, sem uma única palavra de frustração. Estava me sentindo realmente bem
naquela manhã de sábado – até que a professora da escolinha de Kimberly se
aproximasse de mim e dissesse:

– Foi o senhor quem vestiu a Kimberly hoje de manhã, não foi?

– Sim, fui eu – respondi, com um justo toque de orgulho. Achei que ela fosse
pensar: “Gente, mas que homem!”

Em vez disso, ela me olhou nos olhos e disse:

– Ela está com os sapatos trocados (o esquerdo no pé direito)!

E por aí acabou a intenção de rebater mil naquele dia de sábado! Pode parecer
trivial, mas os sapatos ao contrário causaram em mim a mesma sensação de
fracasso que uma infração mais séria teria causado.

Paulo e o beisebol – um problema duplo


No livro de Romanos, Paulo apresenta a essência do quadro mais profundo da
existência humana. Ele nunca jogou beisebol, mas parece ter entendido
exatamente o que estou dizendo. Em Romanos 3:23, ele descreveu o problema
fundamental da vida humana em breves palavras:

Pois todos pecaram

e carecem da glória de Deus.

Se você costuma acompanhar jogos de beisebol, sabe que ninguém consegue


acertar todas as rebatidas por mais do que um jogo ou dois. Na verdade, a maioria
dos jogadores se sente muito bem se rebate 300 bolas numa temporada. Mark
Grace é atualmente um dos melhores rebatedores do beisebol. Durante toda sua
carreira, ele rebateu por volta de 315. Isso significa que ele consegue rebater com
acerto uns 30% das vezes, e fracassa 70% do tempo. O mais bem-sucedido
rebatedor de todos os tempos foi Ty Cobb; ele rebateu 367 bolas ao longo de sua
carreira. Portanto, até mesmo Ty Cobb fracassou quase o dobro das vezes em que
obteve sucesso.

O que Paulo nos diz em Romanos 3:23 confirma a idéia de que a vida se parece
bastante com o beisebol. Exatamente assim como os melhores jogadores de
beisebol acertam apenas ocasionalmente em meio ao fracasso geral, assim Paulo
indicia a humanidade toda, quando diz: “Todos pecaram”. Gramaticalmente, a
palavra grega que Paulo usa para “pecaram” é um indicativo aoristo que, nesta
sentença, expressa a idéia de que o pecado é característico de nossa história
passada inteirinha, vista como um todo. Todos temos um registro passado que
desejaríamos não existisse. Todos perdemos muitas jogadas no curso de nossa
carreira. Não há exceções a essa regra, além do próprio Jesus. É por isso que “se
cale toda boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus” (Romanos 3:19). Por
isso, as “obras da lei” não podem ser a base para que alguém acerte tudo com
Deus (ver Romanos 3:20). Todos cometeram erros suficientes para ficar sob a
condenação da lei. Rebater 1.000 com perfeição é a exigência, e ninguém até
hoje cumpriu essa exigência. Qualquer pessoa que tenha chegado à idade adulta
cometeu erros suficientes para ser condenado para sempre aos olhos da lei.

Mas o problema é ainda muito mais grave do que isso. Mesmo que o nosso
registro anterior pudesse de alguma forma ser perdoado, isso ainda não seria
suficiente. Paulo continua dizendo que nós carecemos da glória de Deus. Isso
significa que, mesmo que começássemos tudo de novo, nossos melhores atos a
partir de então não seriam bons o bastante para atingir o padrão. A palavra grega
que Paulo usa para “carecem” está no tempo do presente contínuo. Isso enfatiza a
natureza permanente da nossa carência. A inadequação até das coisas boas que
fazemos é contínua e constante. Todos nós carecemos continuamente da glória de
Deus. Paulo deixa claro que, assim como os jogadores de beisebol que rebatem
200, 300 ou até 400, nossos melhores esforços não se aproximam do ideal. Todos
nós fracassamos continuamente em rebater 1.000 na vida cristã; carecemos
continuamente da glória de Deus.

Bem, pode parecer irrazoável da parte de Deus esperar que os seres humanos de
alguma forma atinjam Seus padrões de caráter. Afinal de contas, Ele é Deus, e nós
somos humanos. Mas creio que a idéia de Paulo aqui é prática. Ele afirma aquilo
que já sentimos no íntimo, bem fundo. Com poucas exceções, a maioria de nós
sente que não está vivendo à altura de nossos próprios padrões de certo e errado,
quanto mais dos de Deus! Como é que eu sei? Toda vez que criticamos os outros,
estamos subindo a barra º para o nosso próprio desempenho. Se achamos que um
pensamento ou ato está errado em outra pessoa, sentimos que está igualmente
errado em nós mesmos. Paulo nos ajuda a evitar um falso senso de valor pessoal,
baseado num conceito inadequado de responsabilidade humana.

Em Romanos 3:23, então, Paulo identifica em nossa vida duas realidades que
tornam impossível a salvação com base nos próprios esforços. Primeira, todos
temos um registro passado de pensamentos e atos pecaminosos, o qual não
podemos anular. Em algum momento, todos nos rebelamos contra Deus; todos
fizemos coisas que refletem nossa natural inimizade contra Ele (ver Romanos 8:7).
Segunda, mesmo nossos melhores esforços no presente, mesmo nossas boas ações,
deixam de atingir o ideal que Deus mantém diante de nós. Falhamos – não só em
guardar Sua lei dos Dez Mandamentos, como também em seguir o exemplo
perfeito da vida terrestre de Jesus. Se, portanto, estou contando com meu
desempenho como base para acertar tudo com Deus, minha situação é insustentável
(ver Romanos 1:18-3:20), e assim o é a de toda a humanidade. É necessário
existir outro meio de alcançar o favor de Deus e entrar em relacionamento com
Ele.

E, graças a Deus, esse meio existe.

Sendo justificados diante de Deus


Paulo não perde tempo para declarar qual é a solução. Ele a resume simples e
claramente em Romanos 3:24, onde nos diz como Deus trata as pessoas que
pecaram no passado e carecem continuamente de Sua glória no presente:

Sendo justificados gratuitamente, por Sua graça,

mediante a redenção que há em Cristo Jesus.

Quando Paulo diz “sendo justificados”, está preocupado com a maneira como a
pessoa se sai sob o escrutínio de Deus no juízo final, no encerramento da história
(ver Romanos 2:12, 13; 3:6, 19, 20). Nesse contexto, a ligação entre os versos 23
e 24 é surpreendente. Na verdade, é tão surpreendente que alguns eruditos da
Bíblia sugerem que o verso 23 não estava no original de Paulo, mas deve ter sido
acrescentado mais tarde por algum editor que o entendeu mal. A mensagem
bíblica às vezes parece boa demais para ser verdade. Mas, como não existe
evidência de que alguém mexeu nesse texto, devemos aceitar que os versos 23 e
24 expressam a mensagem que Paulo pretendia.

Falando daqueles que “pecaram e carecem continuamente da glória de Deus”,


Paulo os descreve como “sendo justificados”. “Sendo justificados” é um particípio
presente no idioma original. De acordo com gramáticos da língua grega, o tempo
de um particípio é entendido como sendo relativo ao tempo do verbo principal.
Nesse caso, os verbos principais são “pecaram” e “carecem”. A ação de um
particípio presente ocorre no mesmo tempo do verbo principal. Gramaticalmente,
isso significa que nós “estamos sendo justificados” não só em relação aos pecados
cometidos no passado, mas também em relação com os pecados que cometemos
enquanto continuamos carentes. Essa é uma notícia incrivelmente boa!

O problema do pecado é duplo; a solução, portanto, deve também ser dupla.


Todos temos um triste registro que precisa ser perdoado. Também estamos
diariamente fazendo coisas que carecem da glória de Deus. A justificação resolve
os dois problemas. Cobre nossos pecados do passado e cobre também nossa
carência no presente. Em Romanos 4, Paulo descreve um pouco mais esses dois
aspectos da justificação. Para aqueles que, como Davi, cometeram pecados
terríveis, Deus oferece perdão (ver Romanos 4:6-8). Para aqueles que, como
Abraão, praticaram muitas coisas boas, mas ainda não atingiram a marca, vem um
crédito de justificação da parte de Deus (ver Romanos 4:1-5). Eu ilustraria a
dupla natureza dessa justificação como segue:
O “sendo justificados” de Romanos 3:24 indica que Deus revê o registro
pecaminoso de nosso passado e perdoa. Mas a justificação de que Paulo fala não é
meramente um ato único da parte de Deus que nos deixa a partir daí à mercê de
nossos próprios recursos. O “sendo justificados” permanece no lugar como um
contínuo aperfeiçoamento de nossos melhores esforços. A “justificação” não só
perdoa o registro do passado; também cobre a diferença entre nossos melhores
esforços e os elevados e santos padrões de Deus. Posicionamo-nos bem diante de
Deus, portanto, não só no momento em que somos perdoados, mas
continuamente ao longo da permanente imputação de Sua justiça aos nossos atos
diários. Que notícia boa! Nossa posição diante de Deus não está sujeita aos altos e
baixos de nossa obediência diária, mas à natureza permanente de Sua justiça
perfeita!

Para os leitores de formação adventista, isso pode parecer surpreendente ou


novo. Então, permitam-me citar algumas declarações de Ellen White que
mostram que essa visão de estar bem com Deus não é nova no pensamento
adventista. A primeira declaração trata da insuficiência até de nossos melhores atos
para agradar a Deus:

Os cultos, as orações, o louvor, a penitente confissão dos pecados,


sobem dos crentes fiéis, qual incenso ao santuário celestial, mas passando
através dos corruptos canais da humanidade, ficam tão maculados que, a
menos que sejam purificados por sangue, jamais podem ser de valor
perante Deus. Não ascendem em imaculada pureza, e a menos que o
Intercessor, que está à direita de Deus, apresente e purifique tudo por Sua
justiça, não será aceitável a Deus. [...]

Oxalá vissem todos que quanto a obediência, penitência, louvor e


ações de graças, tudo tem que ser colocado sobre o ardente fogo da justiça
de Cristo! (Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, v. 1, p. 344).
Até mesmo as ações mais puras e reverentes que possamos conceber (obediência,
louvor, oração) necessitam de purificação através da perfeita justiça de Cristo para
serem aceitáveis a Deus. Mesmo em nossa adoração carecemos continuamente da
glória de Deus.

A declaração seguinte sublinha o fato de que somente somos completos em


Cristo.

Se está no coração obedecer a Deus, se são feitos esforços nesse sentido,


Jesus aceita esta disposição e esforço como o melhor serviço do homem, e
supre a deficiência, com Seu próprio mérito divino (Ellen G. White,
Mensagens Escolhidas, v. 1, p. 382).

A seguir, uma declaração semelhante:

A pessoa que vê a Jesus pela fé rejeita sua própria justiça. Encara a si


mesma como incompleta, seu arrependimento como insuficiente, sua mais
forte fé como sendo apenas debilidade, seu mais custoso sacrifício como
escasso, e se prostra com humildade ao pé da cruz. Mas uma voz lhe fala
dos oráculos da Palavra de Deus. Com estupefação ela ouve a mensagem:
“NEle estais aperfeiçoados.” Agora, tudo está em paz nessa pessoa (Ellen
G. White, Fé e Obras, p. 107, 108).

Ellen White enfatizou corretamente a importância da obediência como resposta


à poderosa obra de Deus em nossa vida. Mas essas declarações deixam claro que a
obediência nunca pode ser a base sobre a qual nos tornamos aceitáveis a Deus. A
decisiva obra da salvação deve vir de fora de nós. Ellen White e Paulo não se
contradizem.

Voltemos a Romanos 3. Com base em que pode Deus justificar aqueles que
pecaram e carecem continuamente de Sua glória? Como pode Ele justificar os
ímpios (ver Romanos 4:5) sem contrariar Seu próprio caráter? Como pode Deus
absolver no juízo final pessoas que pecaram? Paulo resume em três partes a
estratégia de Deus para justificar pecadores. Somos justificados pela graça, em
Jesus Cristo e mediante a fé. Note o que diz o texto:

Pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados


gratuitamente, por Sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, a
quem Deus propôs, no Seu sangue, como propiciação, mediante a fé
(Romanos 3:23-25).

Pela graça
A primeira parte da estratégia divina que Paulo está delineando em Romanos 3 é
que somos salvos pela graça, “gratuitamente”. A palavra grega traduzida como
“gratuitamente” se encontra também em João 15:25. Ali Jesus diz: “Odiaram-Me
sem motivo”. A expressão “sem motivo” traduz exatamente a mesma palavra grega
que é traduzida como “gratuitamente” em Romanos 3:24. Jesus foi odiado sem
motivo. Em outras palavras, Ele não fez absolutamente nada para merecer o ódio
do povo. De modo semelhante, nossa justificação ocorre “sem motivo”. Não
fizemos absolutamente nada para merecer a justificação. Somos justificados “sem
motivo” por Sua graça.

Na língua original, a palavra “graça” está relacionada com a palavra “dádiva”.


Quanto você precisa fazer para conseguir um presente? Se for um presente, você
não faz nada. Ele é dado livremente, sem motivo, às vezes por nenhuma razão a
não ser que a pessoa gosta de você ou se importa com você. Em outras palavras,
graça é uma qualidade que está no coração de Deus, e não no nosso. Nenhuma
quantidade de crença, obediência ou arrependimento de nossa parte leva Deus a
nos considerar justos. Sua própria graça é a razão para cobrir-nos completamente
com a salvação. E essa graça não é um ato único, que não se repete. Nós estamos
“sendo justificados” sem motivo por Sua graça. A graça é tão contínua quanto a
justificação. Tão contínua quanto nossa carência da glória de Deus!

Isso significa que, ao longo da vida, permanecemos justificados livremente pela


graça. Você fica feliz? Eu, com certeza, fico! Todos os dias reconheço que sou um
ser humano falível. Que apesar dos meus melhores esforços, sou uma pessoa que
não vive à altura das próprias normas, muito menos das dos outros. Minhas
intenções podem ser todas na direção certa, mas quando chega o fim do dia, não
rebati os 1.000 naquele dia, e sei disso. Então, quando me ajoelho ao lado da
cama, agradeço a Deus porque a Bíblia deixa claro que sou justificado
gratuitamente pela graça de Deus – de modo contínuo. A graça não diz respeito a
algo que eu tenha feito, mas a algo que Deus escolheu derramar sobre mim. Ellen
White usou o termo “favor imerecido” como definição de graça. Em outras
palavras, nada fiz para merecer o favor de Deus. Ele nos considera de modo
favorável, mesmo sem que o mereçamos. É isso que constitui a graça.

Mas a notícia acerca da graça fica ainda melhor. Essa graça constante dura por
um longo tempo. Vai até a segunda vinda. Na próxima vez que você ler o livro
O Grande Conflito, verifique a página 641, onde Ellen White descreve a vinda de
Jesus Cristo nas nuvens. O povo de Deus está olhando para cima, vendo a
chegada dEle. O que dizem, à medida que Jesus Se aproxima sobre as nuvens?
Será que estão dizendo: “Afinal, já era tempo, mesmo! Venho rebatendo 1.000
durante os últimos 25 anos, e sei que estou preparado!”? De jeito nenhum!
Enquanto Jesus Se aproxima, a última coisa na mente deles é a sua prontidão para
recebê-Lo! Em vez disso, clamam: “Quem poderá subsistir?” Esses são os filhos de
Deus, não os ímpios que acabaram de clamar para que as rochas e montanhas
caíssem sobre eles. Até mesmo os justos por ocasião da segunda vinda se sentirão
indignos de viver na presença da incrível glória de Deus. O que Jesus lhes diz? “A
Minha graça te basta” (2 Coríntios 12:9). Por ocasião da segunda vinda!

Caro leitor, se podemos regozijar-nos em Sua graça na segunda vinda, não acha
que estaria certo regozijar-nos um pouquinho hoje? Seríamos capazes de sorrir de
vez em quando – mesmo nos dias em que rebatemos, digamos, uns 148, como
acontece às vezes comigo? Jesus diz: “A Minha graça te basta”. Para mim, isso é
absolutamente fantástico! E essa graça não só é suficiente; ela me é concedida sem
motivo. Tenho tudo de que necessito porque Deus Se importou em concedê-lo.
Não mereço, e em certo sentido nunca merecerei, mas Deus concede sem
motivo.

Assim, Paulo abre sua discussão sobre a base de nossa salvação alegando que ela é
pela graça. Mas Paulo não pára nesse primeiro passo. Se tivesse parado, teria
deixado a impressão de que Deus é como um pai indulgente. E, para ser honesto
com você, não simpatizo muito com pais indulgentes.

Lembro-me de ter estado numa mercearia e visto um garotinho jogando coisas


para fora das prateleiras, se intrometendo, fazendo todo tipo de bagunça e
causando transtornos. Eu começava a ranger meus dentes, frustrado, quando vi
sua mãe se aproximando. Mas em vez de assumir o controle da situação, ela
simplesmente sorriu para mim e disse: “Ele não é uma gracinha?” Bem, eu não
achei que ele fosse uma gracinha. E imaginei que tipo de adulto ele se tornaria
como resultado daquele tipo de mãe. Aquela mãe enviava para o filho a
mensagem segundo a qual não importa o que você faz – siga o seu coração; tudo
o que é espontâneo está certo. E conhecemos as conseqüências destrutivas desse
estilo de paternidade/maternidade.

Em Cristo
Assim, a doutrina de Paulo sobre a base da justificação não pára no passo
número um. É verdade que somos justificados pela graça, gratuitamente, sem
motivo. Todavia, embora a graça não nos custe nada, custou tudo a Jesus. Note
uma vez mais Romanos 3:24:

Sendo justificados gratuitamente, por Sua graça, mediante a redenção


que há em Cristo Jesus.

A graça é outorgada gratuitamente, mas num outro sentido não é grátis. Somos
justificados gratuitamente por Sua graça mediante a redenção que há em Cristo
Jesus. Em outras palavras, somos justificados não só pela graça; também somos
justificados em Cristo mediante a redenção que Ele operou na cruz. Romanos diz
que Deus apresentou a Jesus como um sacrifício de expiação mediante a fé em
Seu sangue. Somos justificados não só pela graça, mas também pelo sangue.

A graça me diz que a salvação é sem motivo minha. Não dou motivo que leve
Deus a derramar Seu amor sobre mim. Mas o sangue diz que a salvação não é
barata; custou tudo a Jesus! A graça, de acordo com João 1:17, veio por meio de
Jesus Cristo. A ilustração do pai indulgente não basta. Se você prega somente a
graça e nunca o sangue, a graça resultará em presunção e permissividade.
Devemos entender que a graça é possível devido ao infinito custo da vida do
Filho de Deus.

De acordo com a Bíblia, a lei e suas conseqüências permanecem; o salário do


pecado ainda é a morte (ver Romanos 6:23). A ação humana nos levou a um
ponto em que não podemos consertar a nós mesmos. Não conseguimos estar em
harmonia com Deus. Uma vez quebrada a lei, uma vez tendo a pessoa cometido
uma única falta, a lei não poderá ser guardada perfeitamente. A partir desse
momento, a obediência – agir corretamente – jamais poderá tornar-se a base da
aceitação diante de Deus. Embora uma conclusão tão rápida pareça dura e
inflexível, a realidade é que, uma vez tendo começado a descida no caminho da
desobediência, raramente ela termina com uma ofensa só. Um pecado leva a
outro, até que tenhamos perdido a capacidade de discernir entre o certo e o
errado.

Assim, não há saída humana para o pecador. Você precisa rebater mil, acertar
todas para ser salvo, de acordo com a lei. E mesmo que um ser humano ou um
anjo fosse bem-sucedido em guardar perfeitamente as leis do Universo, essa
obediência salvaria apenas esse indivíduo. Seria em resposta a seu próprio mérito.

Mas tenho boas notícias. Existe Alguém cuja natureza transcende os limites da
humanidade. E foi Ele mesmo quem fez a lei. A história da cruz é a história de
um Deus que desceu à Terra e assumiu as limitações da natureza humana. Deus e
a raça humana estão perfeitamente representados nessa Pessoa divino-humana. A
raça humana inteira participou da perfeita obediência do Homem Jesus. A todos
aqueles que “carecem da glória de Deus”, Jesus oferece o dom de Sua justiça
perfeita, conquistada em 33 anos de perfeita obediência aqui na Terra.

Mas isso gera uma pergunta interessante: Como podem os atos de um único
homem ser igualados aos atos de tantos bilhões de pessoas? Como pôde alguém
morrer no lugar de tantos? Como podem os atos de justiça de um homem fazer
expiação pelos atos imperfeitos de tantas pessoas pecadoras? Que tipo de
combinação celestial ocorre na equação divina da salvação?

Permita-me fazer uma pergunta que, no momento, pode parecer desligada do


assunto: O que é maior – o artista ou sua obra de arte? A resposta devia ser óbvia.
Muito tempo antes de uma peça artística existir em pedra ou na tela, já foi
concebida na mente do artista. Se algo acontecesse com a obra, o autor seria capaz
de reproduzi-la. O artista é maior que a obra de arte.

Algum tempo atrás, visitando a Catedral de São Pedro, em Roma, vi a bela


estátua de Michelangelo, a Pietà, perto dos fundos da nave, no lado direito. A
escultura de mármore mostra Maria sentada, segurando o corpo massacrado de
Jesus, tirado da cruz. A arte está além da magnificência; a própria pedra parece
viva, com movimento. É uma autêntica descrição de como o artista imaginou a
cena original.

Um dia, um maluco escondeu um martelo por baixo de sua jaqueta e entrou na


catedral. Aproximou-se da estátua, empunhou o martelo e começou a depredá-la,
golpe após golpe. Primeiro, um dos braços de Maria caiu ao chão, depois o seu
nariz foi quebrado. Espectadores chocados, por fim, seguraram o homem antes
que ele fizesse mais estragos. Os maiores escultores da Itália foram convocados
para restaurar aquela obra de valor inestimável. Trabalharam com diligência por
oito semanas, tentando desesperadamente restaurar a Pietà à sua beleza original.
Finalmente, o líder dos artistas rompeu em lágrimas e exclamou: “Se tão-somente
Michelangelo estivesse aqui, ele saberia o que fazer!”

Quem é maior, a criação ou o seu Criador? Uma vez mais, a resposta é óbvia.
Jesus é claramente maior que a criação. Ele não só fez a lei moral do Universo,
como também o Universo inteiro. Isso explica por que não seria suficiente que
um anjo morresse por nós. Tinha que ser o Criador. Quanto valor tem Cristo,
então? Ele vale o Universo inteiro porque é Aquele que criou tudo! Quando
Jesus morreu na cruz, um valor igual ao Universo inteiro estava em jogo. Como
Jesus é o Criador, Sua morte na cruz expia todo pecado que já se cometeu ou que
poderia ser cometido. Ele é igual, em valor, a tudo o que existe.

Algum tempo atrás, passei um mês viajando pela Europa, assistindo várias
reuniões para pastores. A caminho de casa, minha bagagem se perdeu, e assim
cheguei sem meias e roupa de baixo. Um dia depois, minha família e eu partimos
para uma longa viagem pelo Oeste dos Estados Unidos. Antes de sair, comprei
um novo par de meias e roupa íntima. Enquanto cruzava o continente norte-
americano, continuei telefonando para a empresa aérea a fim de descobrir por
onde andava minha bagagem. “Provavelmente em Copenhague”, disse o
funcionário, e isso não foi nada animador. Por que estou contando isso: Porque
essa experiência toda me impressionou muito com a imensidão deste grande
planeta. Só a Europa já é vasta, mas quando voltei para os Estados Unidos,
descobri outro grande continente.

Fiquei impressionado com a enormidade da tarefa da criação. A circunferência


da superfície da Terra é de 38.000 quilômetros. Levaria pelo menos um mês para
dar a volta à Terra de carro, pelo Equador – se fosse possível! O mundo é tão
vasto, mas Jesus Cristo o fez, todo. Este planeta, porém, é apenas uma partícula na
vastidão do Universo. Nossa vizinha mais próxima no espaço, a Lua, fica a
384.000 quilômetros de distância. A luz leva apenas um segundo e meio para ir da
Terra à Lua.

Compare isso com a vastidão do Universo. A luz leva mais de dez bilhões de anos
para chegar até nós, partindo do ponto mais distante daquilo que até agora
descobrimos acerca do Universo. E Jesus fez o Universo inteiro – cada galáxia,
cada planeta (ver João 1:3). Ele é igual em valor a tudo isso, e assim mesmo
escolheu descer a esta Terra e obedecer a Deus de modo perfeito em nosso lugar.
Ele desceu e recebeu a conseqüência total do nosso pecado – morte eterna,
extinção permanente. Na cruz, os pecados do mundo inteiro foram colocados
sobre Cristo.

Na cruz, descobrimos um sofrimento infinito, uma humilhação infinita e uma


rejeição infinita. Ninguém jamais será capaz de saber o que significou para o
Criador ser pregado a uma cruz, reservada para criminosos, pelos próprios seres
que Ele criou! Todavia, ao suportar a agonia máxima, Ele expiava os pecados e as
deficiências do Seu Universo todo. De alguma forma, “em Cristo”, Deus tem o
direito legal de considerar cada pecador como justo diante dEle. Isso pode ser
explicado de diferentes maneiras. As pessoas falam em expiação vicária, expiação
representativa, expiação demonstrativa e outras formas de descrever essa transação.
Mas, uma coisa é perfeitamente clara: O que Deus fez em Cristo é suficiente para
me colocar dentro de uma relação inteiramente nova com Ele. Por causa da cruz,
Deus tem todo direito de me considerar justo diante dEle. Meu registro velho se
foi. Um registro novo e perfeito ocupou o lugar. Meus melhores esforços atuais
são aceitáveis a Ele. E o que Cristo fez é suficiente em valor para redimir não só a
mim, mas ao Universo inteiro.

Em termos humanos, pode ser impossível explicar de modo adequado


exatamente como e por que ocorre a grande troca entre Cristo e nós. Mas,
quanto a mim, a história seguinte ajuda um pouquinho. Embora não tenha
podido verificar todos os seus pormenores, resolvo contá-la para facilitar a
compreensão.

Durante a Guerra Civil americana, os crentes adventistas pioneiros viram-se


diante de um problema ao chegarem à convicção de que o combate militar era
impróprio dentro da experiência cristã. De alguma forma, os jovens adventistas
precisavam encontrar um jeito de servir seu país sem envolver-se em combate.
Felizmente, o governo dos Estados Unidos tinha um plano especial para jovens
nessa situação. Se um homem encontrasse um substituto que estivesse disposto a ir
para a guerra em seu lugar, ele não precisaria ir. Um rapaz adventista foi chamado
a servir o exército do Norte. Ele tinha um amigo que estava ansioso para ajudar a
pôr fim à rebelião! Assim, o jovem adventista permitiu que seu amigo ingressasse
no exército da União em seu lugar. Pouco tempo depois, esse amigo foi morto na
batalha de Shiloh.
Cerca de um ano mais tarde, chegou uma carta do gabinete de recrutamento
informando ao jovem adventista que ele havia sido convocado novamente. Ele
respondeu, avisando às autoridades que não podia ser convocado porque estava
morto! As autoridades nunca antes haviam recebido uma carta como aquela; os
mortos geralmente não escrevem! Assim, levaram o jovem ao tribunal. O
impressionante é que ele ganhou a causa! O tribunal concluiu que, quando seu
substituto morreu em Shiloh, o próprio jovem morrera para o recrutamento.
Legalmente, era como se ele mesmo estivesse na batalha e perdesse a vida. Por
mais inadequada que essa analogia pareça, ela me ajuda a entender como a morte
de alguém pode ser aceita em lugar de outro. De alguma forma, “em Cristo”,
Deus encontrou a maneira de considerar-nos justos diante dEle.

Paulo fala acerca da grande transação evangélica nestes termos:

Aquele que não conheceu pecado, Ele o fez pecado por nós; para que,
nEle, fôssemos feitos justiça de Deus (2 Coríntios 5:21).

Esse texto me diz que, em Cristo, Deus é plenamente capaz de considerar-nos


justos. De algum modo misterioso, o que Deus fez na cruz produziu uma grande
troca para a raça humana. Embora o texto não explique o processo tão claramente
como apreciaríamos, o que está claro é o seguinte: Não precisamos permanecer na
condição de “ter pecado e carecer”. Podemos ser retos diante de Deus agora.
Podemos regozijar-nos em quem somos como resultado daquilo que Cristo fez.
Repetindo uma vez mais a linguagem de Paulo, somos justificados não só pela
graça; também somos justificados em Cristo.

Se Paulo tivesse parado aqui, teria deixado a impressão de que todos serão salvos.
Por quê? Porque somos salvos pela graça, e Deus derrama Sua graça sobre todos.
Também somos salvos pelo sangue de Cristo, e Ele morreu por todos. Sua morte
teve um valor igual ao do Universo inteiro. Isso não deixa ninguém de fora.
Inclui a todos os que já viveram. Em Cristo, fez-se expiação por todos na cruz.
Significa isso que todos serão alvos, queiram ou não? De maneira nenhuma, como
veremos.

Mediante a fé
Embora a expiação tenha sido feita por todos, nem todos colherão os benefícios
dessa expiação. Na verdade, por várias razões, seria má idéia que todos fossem
“salvos”.

1. Se todos os pecadores fossem aceitos por Deus, sem mudança alguma de


atitude ou caráter, isso introduziria o pecado, o caos e o medo no Universo todo,
através da eternidade. Um Universo que continue para sempre no tipo de caos
em que vivemos hoje não é muito atraente. Deve chegar o dia em que o pecado
tenha o seu fim.

2. Salvar pecadores não transformados seria ruim para os pecadores também.


Pode imaginar alcoólatras não regenerados serem forçados a viver para sempre
num lugar sem bares ou botecos? Jogadores compulsivos forçados a viver sem
cassinos e loterias? Isso seria pior que o inferno para eles, e Deus não tem a
intenção de transformar o Céu em inferno.

3. Salvar a todos também seria má idéia porque Deus respeita a liberdade


humana. Se algumas pessoas não desejam um relacionamento com Deus, Ele não
fará essa imposição. Deus não salvará a todos, porque respeita a liberdade da
pessoa de escolher se deseja ou não ser salva.

Assim, em Romanos 3, Paulo tem mais uma coisa a dizer acerca da maneira
como as pessoas entram numa relação de justiça com Deus. A justificação ocorre
pela graça e em Cristo. Mas há um terceiro aspecto nessa questão da justificação, e
nós a encontramos nos versos 25 e 26:

Sendo justificados gratuitamente, por Sua graça, mediante a redenção


que há em Cristo Jesus; a quem Deus propôs, no Seu sangue, como
propiciação, mediante a fé.

Não somos justificados apenas pela graça e em Cristo, mas, de acordo com
Paulo, também somos justificados mediante a “fé”. Seja o que for que Paulo
queira dizer aqui com “fé”, ele não quer dizer que a fé seja a base de nossa
salvação. A fé não pode conquistar nossa justificação, de forma alguma. Somos
justificados por causa de algo que aconteceu no coração de Deus (graça) e de algo
que foi feito em Cristo na cruz. A salvação jamais vem a uma pessoa porque essa
pessoa a merece. A salvação é pela graça e em Cristo. Mas Paulo diz que também
somos justificados mediante a fé. Assim, os três pré-requisitos pelos quais as
pessoas são justificadas são: pela graça, em Cristo e mediante a fé.
Ser justificados pela fé significa que, embora a graça e o sangue de Cristo
providenciem o necessário para estarmos bem diante de Deus, a justificação ainda
é algo que temos que desejar e escolher conscientemente. A fé não é uma obra; é
um dom. Ainda assim, a fé é algo que exercemos da mesma forma como
estendemos a mão para receber um presente. Se colocamos a mão atrás das costas,
não recebemos o presente. A fé é uma dádiva, mas tem que ser exercida. É uma
capacidade que Deus nos concede, mas também é uma escolha que devemos
colocar em prática.

O que, então, é a fé e como saber quando a tenho? A fé salvadora não é uma


obra, mas nunca vem sem obras. As obras são a evidência de que nossa fé é
genuína. Quando temos fé em Cristo – fé em um Deus que justifica – algo
acontece conosco. Somos salvos apenas pela fé, sem as obras da lei, mas a fé
salvadora nunca está só. Fé é mais do que um mero assentimento mental à dádiva
da salvação. É uma ousada confiança em Deus. Fé significa apoiar a vida em Deus,
dizendo: “Senhor, vou aceitar Tua salvação, não importa aonde ela me leve e
qual seja o custo.” A salvação é gratuita, mas nos deixa pessoas transformadas.

A melhor ilustração de fé que já vi é a história de Blondin, um equilibrista


francês da corda bamba, que prendeu um cabo acima das Cataratas de Niágara.
Diante dos espectadores, percorreu a extensão sobre o abismo e retornou. Todos
aplaudiram. Então, ele disse: “Quantos aqui acham que consigo atravessar as
cataratas empurrando um carrinho de mão sobre o cabo?” Ele também fez isso
com êxito e todos aplaudiram de novo. Depois, perguntou: “Quantos acham que
posso ir e voltar com um homem dentro do carrinho?” Praticamente todos
levantaram a mão, porque a habilidade dele era óbvia. Mas então ele perguntou
quem seria o primeiro a entrar no carrinho – e todas as mãos baixaram!

Você vê a diferença? Um tipo de fé diz: “Sim, eu acredito que você consegue.”


O outro tipo de fé apóia a vida nessa crença. Fé salvadora significa que apoiamos
nossa vida naquilo que Deus fez por nós em Cristo. Quando a fé salvadora se
torna parte da nossa vida, então tudo o que fazemos, dizemos ou vivemos está
relacionado com Cristo. Fé genuína é mais do que meramente uma decisão
casual; a fé autêntica toma conta de nós – corpo, alma e espírito. A verdadeira fé
se torna o foco central de nossa vida.

Essa é a razão pela qual muitas pessoas não desejam a salvação, mesmo que seja
gratuita. Não querem entregar a vida a outrem. Desejam permanecer no centro
de seu universo pessoal. Mas para todos os que estão dispostos a trocar a vida que
têm por algo melhor, a notícia é boa. Jesus nunca deixa de responder a esse tipo
de disposição. Se você diz a Jesus que deseja que Ele esteja no centro de seu
universo, Ele virá, sem impor condições. Você não conseguiu rebater mil? Ele fez
isso. Quando seus melhores esforços carecem da glória de Deus, você pode ainda
regozijar-se porque sabe que os melhores esforços dEle são mais do
suficientemente bons.

Mas ser salvo pela fé não significa que não importa mais o que fazemos. A fé
nunca está separada de uma pessoa em sua totalidade. Aqueles que são salvos pela
fé tornam-se pessoas mudadas. As decisões que tomam daquele dia em diante são
decisões diferentes. A fé significa que você entra naquele carrinho de mão, e que
você vai com Ele – para onde quer que Ele o conduza.

A prática da fé
No mundo real, em termos práticos, como respondemos àquilo que Cristo fez
por nós? Como é que eu faço para começar um relacionamento com Deus? O
que significa responder ao poderoso ato divino de salvação na cruz? O que
significa, na prática, ser justificado pela graça, em Cristo, e mediante a fé? Eu
gostaria de sugerir alguns passos práticos:

1. Reconheça sua necessidade. Precisamos perceber e livremente admitir que não


temos rebatido mil, e nem mesmo chegamos perto disso. A menos que
entendamos e admitamos esse fato, nunca poderemos ir a Cristo. Essa é a
diferença entre um fariseu e um publicano. Os fariseus têm confiança na
qualidade de seus esforços como “rebatedores”; os publicanos sabem que vão
continuar limitados a equipes menores. Sabem que precisam de Cristo, se
quiserem ser vencedores nesta vida ou na próxima.

Como podemos ter mais consciência de nossa necessidade de Deus? Ler a Bíblia
nos torna conscientes dos tipos de coisas que fizeram tropeçar os santos de
outrora. A Bíblia retrata honestamente os feitos de seus personagens – os bons, e
os maus e feios. Ler acerca de Davi, Moisés e Pedro nos ajuda a ter mais
consciência de nossas próprias limitações. Também é útil orar para que Deus abra
a compreensão que temos de nós mesmos. Alguns consideram proveitoso manter
um diário espiritual, no qual registram as coisas que aprenderam com Deus e com
as experiências da vida acerca de si próprios. Consulte também amigos de
confiança (mais sobre essas estratégias no último capítulo do livro). O caminho
para a salvação começa com a consciência de nossa própria necessidade.

2. Deseje e aceite aquilo que Cristo fez. Assimile o valor incrível que lhe foi
atribuído na cruz. E você pode ter todo esse valor hoje. Não precisa esperar até
que o tenha “conquistado”. Ao ler isto, se você percebe que não está em Cristo,
que você só está rebatendo uns 240, que não há chance de você vencer por seus
próprios esforços, não precisa permanecer fora do contato com a graça e o sangue
de Cristo por um instante mais. Você pode escolher aceitar o que Ele fez em seu
favor, agora mesmo.

Você realmente deseja estar bem com Deus? Tem medo daquilo que pode
perder? Você não está sozinho. Quase todos, no fundo, estão um tanto divididos
quanto à questão da salvação. Uma parte sua sabe que você está metido numa
encrenca, e deseja desesperadamente sair dela. O restante de você se apega à
encrenca e faz a lista de todas as vantagens de estar nela! Tome conta daquela
parte que deseja estar bem com Deus, a parte que deseja fazer a vontade de Deus.
Ore para que Deus lhe dê amor por Ele, amor pela salvação, amor pela verdade,
não importa o custo (mais sobre isso adiante, no livro). Descobri que quando as
pessoas oram dessa maneira, Deus toma providências. Aceitar a salvação envolve
custo, mas o regozijo e a liberdade que vêm de estar em paz com Deus valem
qualquer coisa que se esteja disposto a renunciar.

3. Regozije-se naquilo que Deus tem feito por você. Não há motivo para andar por aí
com o rosto comprido, quando você entende que foi salvo pela graça, em Cristo.
Não importa por onde você esteve ou o que já aprontou, Deus fez mais do que o
suficiente para salvá-lo. Vale a pena comemorar isso para o resto da vida!

Mas como mantemos essa atitude de gratidão num mundo tão cínico?
Desenvolvendo uma atitude de gratidão. Há milhares de coisas boas na vida pelas
quais nunca agradecemos a Deus. Quando aprendemos a concentrar a atenção
nessas coisas, mais do que nas frustrações, teremos muito mais alegria e fé
(considerações adicionais a esse respeito no capítulo seguinte)!

4. Deixe que cada ato de sua vida demonstre lealdade e confiança nEle. Boas ações e
obras fiéis nunca serão a base de sua salvação, mas constituem o resultado glorioso
dessa salvação. Quando você sabe que foi salvo, e quando sabe que pode sorrir em
Cristo, torna-se muito mais fácil ser tudo o que você pode ser para Cristo. Torna-
se uma alegria servir e abençoar os outros. Torna-se um gozo partilhar essa fé que
lhe dá energia, aonde quer que você vá.

E se esqueça do número de rebatidas daqui para a frente. Deixe que Deus faça a
contagem da média. Em Cristo, nossos melhores esforços são aceitáveis a Deus.
Em Cristo, estamos rebatendo mil hoje, amanhã e no dia seguinte –
independentemente de como nos sentimos. E, ao nos empenharmos em Cristo
para tornar nossa vida mais e mais semelhante à forma como Ele nos vê, mudanças
reais acontecerão. Nossa vida em mudança é uma resposta natural a uma salvação
inacreditável que é gratuita e disponível neste exato momento.

Como anda a sua vida atualmente? Sente-se frustrado dia a dia por suas
limitações? A melhor maneira de saber se você está vivendo pela média de
rebatidas, e não pela graça, é como você interage com os outros. Se sua reação
natural à maioria das situações da vida é ser crítico, amargo e fazer com que os
outros se sintam humilhados, isso é sinal de que você está vivendo pela média das
suas rebatidas. Se você sabe que está rebatendo 214, e chega a encontrar alguém
que está rebatendo 188, é natural olhar para essa pessoa e dizer: “Qual é o seu
problema?” Um espírito crítico e apontador de erros é a indicação mais clara de
que estamos vivendo por nossa média de rebatidas, e não pela graça. A pessoa que
vive pela graça sabe duas coisas: (1) ela não a merece, e portanto não vai apontar o
dedo a ninguém; e (2) em Cristo, ela recebe essa graça de qualquer maneira, de
modo que não precisa mais exaltar-se criticando os outros.

Reflexões resumidas sobre dois capítulos


Permita-me fazer uma ligação entre os conceitos bíblicos deste capítulo e as
categorias mais comportamentais do capítulo anterior. Todos nós, como
pecadores no sentido bíblico, estamos procurando administrar a vida
independentemente de Deus. Mas a vida sem Deus, sem a Sua purificação e
aceitação, resulta numa sensação insegura de valor pessoal. Assim, para cobrir
nossa insegurança, construímos um sistema de crença que nos dê valor.
Atribuímos valor àquilo que temos, ao que conseguimos realizar e a quem
conhecemos. As posses, o desempenho e as pessoas se tornam a base sobre a qual
nos sentimos bem conosco.

Isso é verdade não só entre as pessoas de mente secular; cristãos praticantes


também são vulneráveis nesse aspecto. Podemos inclusive usar nossas realizações
espirituais como medida do valor pessoal. Quando os cristãos não têm certeza se
Deus os ama e aceita em Cristo, podem sentir-se ainda mais inseguros do que as
pessoas de mente secular, porque conhecem os elevados padrões de desempenho
ensinados na Bíblia.

O problema é que, quando nos afastamos da graça de Deus e procuramos


engrandecer-nos através de nossos próprios esforços (tanto os seculares quanto os
religiosos), sempre nos sentiremos superiores ou inferiores a outros. Sentimo-nos
superiores quando as coisas estão indo bem ou quando nos comparamos com os
“perdedores” da nossa sociedade. Quando nos sentimos superiores, serve-nos de
conforto o fato de que não somos tão “maus” como outros. Mas nossa confiança
está mal colocada e nos lança numa ilusão de justificação própria.

Por outro lado, sentimo-nos inferiores toda vez que falhamos em viver à altura
de nossas normas ou quando entramos em contato com os “superastros” das
realizações em nosso ambiente. Embora essa inferioridade esteja mais próxima da
realidade do que uma superioridade falsa, ela nos rouba a confiança de que
necessitamos para fazer uma diferença positiva no mundo. Quando vivemos fora
da aceitação de Deus, na qualidade de cristãos ou mundanos, tendemos a oscilar
para frente e para trás entre uma superioridade ilusória e uma inferioridade
deprimente.

O evangelho põe fim a esse jogo. Cria uma nova auto-imagem. O evangelho
nos humilha na presença dos outros porque nos ensina que somos pecadores
salvos apenas pela graça. Ao mesmo tempo, encoraja-nos diante dos outros
quando entendemos que somos amados e honrados pelos únicos olhos que
realmente contam no Universo. O evangelho nos dá tanto ousadia quanto
humildade. Concede-nos uma ousadia que não precisa estar arraigada à
superioridade. E nos concede uma humildade que não deprime. Não há uma
simples filosofia ou religião que consiga realizar isso em nós. Na verdade,
libertamo-nos! Não mais permanecemos presos por mentiras.

Sem o evangelho, todos os nossos bens, realizações e relacionamentos são


ferramentas para construir ou manter nosso senso de valor. Mas, quando o
evangelho nos transforma, nossos bens, realizações e relacionamentos deixam de
girar ao nosso redor porque não precisamos fazer com que nosso valor se derive
deles. Podemos usar nossos bens como decidimos. Podemos concentrar nossas
energias em realizações que sejam realmente importantes para nós e para o
mundo. E podemos relacionar-nos com outros e apreciá-los por aquilo que são, e
não pela maneira como fazem com que nos sintamos a nosso respeito. É um sabor
de verdadeira liberdade, liberdade que só vem com o evangelho. Nada mais, no
mundo inteiro, chega perto. Somos libertados para servir aos outros, não para
reforçar nosso status, mas em gratidão pelo benefício máximo que se produziu
para nós na cruz.

O efeito do evangelho é belamente ilustrado por uma história para a hora de


dormir, contada pelo Tio Arthur (Arthur Maxwell era um escritor muito querido
quando eu era criança). É uma história acerca do mercado de escravos em Nova
Orleans, no início do século dezenove. Um enorme africano estava à venda.
Media uns dois metros e pesava em torno de 125 quilos. Tinha uma poderosa
estrutura física. Se vivesse hoje, provavelmente seria transformado em jogador de
futebol americano. O vendedor apregoava a grande quantidade de trabalho que se
poderia esperar de um homem como aquele. Havia um problema só. Durante o
tempo todo em que ocorria o leilão, o homem permaneceu ali, numa pose
desafiadora, com os braços cruzados sobre o peito, dizendo: “Não vou trabalhar!
Não Vou Trabalhar! NÃO VOU TRABALHAR!”

Os compradores no mercado de escravos ignoravam os comentários dele, e os


lances começaram a subir cada vez mais. Um homem, particularmente, parecia
interessado naquele africano de modo especial. Continuava aumentando seus
lances. Não demorou muito, o homem foi vendido a ele pelo mais elevado preço
já obtido no mercado de escravos de Nova Orleans. Quando o novo proprietário
se aproximou para levá-lo, o africano lhe falou com um toque de compaixão,
dizendo:

– Sei que o senhor pagou um elevado preço por mim, mas precisa saber que
falei sério. Não vou trabalhar. Pode gritar comigo, pode me bater, pode fazer o
que quiser, mas não vou trabalhar!

– Não nos preocupemos com isso agora – disse o proprietário do escravo. –


Entre no carroção e eu lhe mostrarei onde você vai morar.

Depois de percorrer alguns quilômetros para fora da cidade, os dois homens


chegaram a uma graciosa cabana rodeada por uma cerquinha branca. O
proprietário parou o carroção e disse:
– É aqui que você vai morar.

– Esta casa é para mim? Verdade? Eu não esperava um lugar tão bonito!

– Sim, esta será a sua casa – respondeu o proprietário.

– É muita generosidade sua – disse o escravo. – O senhor pagou um preço alto


por mim, e agora me dá isto! Mas ainda devo dizer-lhe que não vou trabalhar.
Não importa o que fizer para comprar minha simpatia, não vou trabalhar!

– Está bem – disse o dono. – Você não precisa trabalhar para mim. Eu o
comprei para dar-lhe a liberdade! – E, com isso, fez sinal ao cavalo, e o carroção
começou a afastar-se, deixando um africano boquiaberto, parado junto à estrada,
na frente de sua nova casa.

– Pare! Pare! – O homem correu atrás de seu ex-proprietário. Quando o


carroção parou, o ex-escravo se ajoelhou no chão, diante do homem que lhe
havia comprado a liberdade, e disse:

– Se o senhor realmente me libertou, vou servi-lo pelo resto da minha vida!

Nessa história, detecto um traço da grande transação que acontece entre Jesus e
nós quando captamos o significado da cruz para a nossa vida. Se Jesus realmente
nos libertou na cruz, não vale a pena servi-Lo durante o restante da nossa
existência?

* Nota da tradutora: Alusão à modalidade atlética do salto em altura.


MANTENDO A FÉ

Os capítulos anteriores tratam dos fundamentos e das premissas sobre as quais as


pessoas são aceitas diante de Deus. Apresentam a base para o estabelecimento de
uma relação com Deus. Neste capítulo, consideraremos o processo permanente de
desenvolver e manter esse relacionamento com Deus. Se desejamos conduzir
pessoas de mente secular a um relacionamento com Deus, é imperativo que nós
mesmos o tenhamos. Não podemos, todavia, pensar que isso desabrocha de
maneira espontânea, mesmo em igrejas adventistas.

Um dos momentos inesquecíveis da minha vida ocorreu quando eu conversava


com um pastor que trabalha fora da América do Norte. Durante algum tempo,
tive grande dificuldade para acreditar no que ele me contou. Ele disse que,
quando os pastores se reuniam informalmente, lá na sua Associação, o tópico
principal das conversas era se Deus existia! Não estou falando de algum grupo de
ministros, sacerdotes ou rabis. Eles eram pastores adventistas do sétimo dia,
trabalhando numa Associação adventista do sétimo dia, em situação regular na
igreja! Conto isso não para ridicularizá-los ou para desabafar o meu horror, mas
simplesmente para mostrar que manter uma caminhada viva com Deus em meio a
uma era secular e tecnológica não é uma questão simples. A realidade é que nunca
enfrentamos uma época na história em que os adventistas se hajam sentido mais
inseguros acerca da fé em Deus ou mais inseguros como adventistas do sétimo dia.

Um tempo de crise espiritual


Se você já está na igreja há quarenta ou cinqüenta anos, pode não ter
experimentado essa insegurança tanto quanto a minha geração e a geração que
veio a seguir. Essa insegurança aflige aqueles que cresceram na turbulência da
década de 60 – e seus filhos. Minha geração não é necessariamente mais perversa
ou mais relapsa ao transmitir valores fundamentais do que as gerações anteriores.
Mas, quanto à minha geração, muitas coisas que foram repassadas como certezas,
mostraram-se questionáveis, na verdade. Parece que algumas “verdades” são
menos a respeito da vontade de Deus e mais a respeito de conservar certas pessoas
no poder. Um número muito grande de coisas que faziam sentido no passado
acabaram virando enigmas, quando vistas no presente. Como resultado, minha
geração sentiu-se traída e compelida a abrir tudo ao questionamento. Isso teve
resultados tanto positivos como negativos. Neste capítulo, o foco está sobre os
negativos – e alguns remédios como sugestão.

É claro que essa experiência de questionar certezas mais antigas, esse senso de
traição, não se limita aos adventistas do sétimo dia. A segunda metade do século
vinte foi um período de mudanças convulsivas em todos os aspectos da vida. O
advento da tecnologia da computação e a internet mudaram fundamentalmente a
maneira como as pessoas pensam e raciocinam. A velocidade e a complexidade da
vida se aceleraram rapidamente. Nada mais parece estável. Os empregos são
enxugados no minuto em que o seu salário se torna confortável. Famílias parecem
ter perdido a chave da estabilidade e da permanência. O lugar onde você mora
está mais sujeito à casualidade do que à intenção. Como resultado, membros de
famílias maiores vêem-se afastados uns dos outros.

Numa época em que os fundamentos da vida cotidiana parecem desmoronar


com velocidade exponencial, igrejas e outras instituições religiosas vêm sendo
sacudidas com força devastadora por duas grandes realidades espirituais:

1. O domínio geral da cultura secular, primeiro no mundo ocidental e cada vez mais,
também, no mundo em desenvolvimento. O pensamento secular tem solapado as
instituições da religião, justamente num tempo em que mais necessária é a
estabilidade espiritual. O sobrenatural parece cada vez mais distante da realidade.
Interpretações conflitantes da realidade parecem desacreditar todas as alegações de
verdade absoluta. Expressões de fé têm sido varridas para as margens da
consciência, enquanto os cinco sentidos se tornam os árbitros da verdade.

2. O pensamento da Nova Era. Uma segunda grande realidade tem abalado a


confiança das gerações de hoje na fé adventista. Perto do fim do século 20, o
secularismo foi parcialmente substituído por uma espiritualidade amorfa,
agradável, conhecida por muitos como o pensamento da Nova Era. A
espiritualidade da Nova Era falou muito acerca de Deus e até afirmou a idéia dos
“canais” proféticos. Ao mesmo tempo, manifestava pouco interesse nos
vislumbres proféticos da Bíblia ou no tipo de preocupações doutrinárias que
energizaram a fé adventista no passado. O pensamento da Nova Era trivializou a
base moral das normas adventistas do sétimo dia. Num sentido real, a
espiritualidade da Nova Era é o complemento perfeito para a filosofia secular.
Embora espiritual no tom, ela não é mais amigável para com instituições religiosas
ou convicções doutrinárias do que o secularismo tem sido. Assim, não é de
surpreender que os adventistas do sétimo dia nunca tenham estado mais inseguros
quanto ao que crêem ou como sua crença se deva traduzir na vida e prática de
cada dia.

O processo da tendência ao secularismo


Essas grandes tendências me sugerem que o relato das conversas naquela
Associação distante a respeito da existência de Deus provavelmente não esteja tão
longe do lugar onde muitos de nós moramos. Se não cultivamos conscienciosa e
intencionalmente um relacionamento com Deus, seremos levados de modo
inevitável a um estilo de pensamento secular ou da Nova Era. A mudança de
curso em direção aos tipos seculares de pensamento não acontece da noite para o
dia. As pessoas não acordam de manhã e decidem que não vão mais crer ou que
os ensinos de sua igreja não importam mais. Em geral, acontece gradualmente,
num período de meses ou anos. É um processo, uma tendência para o secular. O
processo dessa trajetória para o secular envolve vários passos:

1. A primeira coisa a ser deixada de lado é a vida de oração particular. A incerteza que
abala a fé no mundo de hoje mostra-se freqüentemente, antes de qualquer outra
coisa, na área da oração particular. Mais de uma esposa de pastor me contou que
seu marido não orava fazia anos, a não ser em público. Não faço uma
generalização que inclua todos os pastores adventistas, mas creio que o esforço
para manter aberta a linha de comunicação com Deus é mais difícil hoje do que
nunca. Quantos de nós temos uma vida de oração que seja tudo o que pode e
deve ser?

Este item específico é profundamente pessoal. Talvez nem mesmo seu cônjuge
saiba que a sua vida particular de oração esteja patinando. Ela acontece naquele
momento silencioso, quando você fica sozinho e ninguém mais está por perto. É
nesse lugar que geralmente começa a inclinação rumo ao secularismo.

2. A vida de leitura e estudo começa a declinar. Conheço pessoas que não oram há
anos, mas continuam uma rotina de estudos. Podem até nem ir à igreja, mas
levantam-se na manhã de sábado e lêem a Revista Adventista, o devocional ou
Diálogo Universitário. Aos sábados, podem assistir à TV Novo Tempo, em vez de a
um jogo de futebol ou um filme. Todavia, sem um forte componente de oração,
o interesse em assuntos espirituais tende a declinar com o tempo, pelo menos em
termos da espiritualidade pessoal. Quando o estudo continua na ausência da
oração, pode significar menos para a jornada espiritual do indivíduo do que
questionar a jornada espiritual dos outros.

3. As normas do estilo de vida pessoal começam a cair. A mudança no estilo de vida


pessoal é geralmente o primeiro indicador público de uma inclinação para o
secular. É verdade que hoje muitas questões acerca do estilo de vida adventista
têm sido levantadas e discutidas. Não posso tratar dessas questões aqui, mas meus
anos de experiência como pastor me dizem que quando uma pessoa relaxa suas
normas de estilo de vida em áreas nas quais antes defendia fortes convicções, com
freqüência esse é um sinal de que está sendo levada pelo pensamento secular.

Eu o incentivaria a pensar seriamente nas mudanças que você faz no seu estilo de
vida. Muitos adventistas crêem sinceramente que usar jóias não está em harmonia
com a vontade de Deus para eles. Essa crença não é universalmente compartilhada
entre os adventistas, mas faz parte de um pacote espiritual que procura comunicar
a idéia de modéstia, simplicidade e uma beleza dada por Deus. Quando uma
pessoa começa a usar jóias, ela faz isso como forma de glorificar ainda mais a
Deus? Ou como um modo socialmente aceitável de condescender com o amor ao
brilho?

Minha experiência como pastor também me ensinou que quando uma mudança
no estilo de vida ou nas normas vem combinada com um declínio na vida
devocional, é quase sempre sinal de uma atração para o que é secular. A mudança
na aparência exterior é freqüentemente o primeiro sinal público de um declínio
na vida espiritual particular.

Quando pessoas que ao longo da vida foram abstêmias começam a trazer cerveja
ou vinho para a geladeira, geralmente isso é sinal de tendência à secularização.
Quando pessoas verazes começam a torcer a verdade a serviço de uma boa causa,
geralmente isso é sinal de tendência à secularização. Quando pessoas honestas se
sentem à vontade falsificando a declaração de renda, geralmente isso é sinal de
tendência à secularização. Quando pessoas de hábitos econômicos começam a
envolver-se com aquisições dispendiosas, mais do que em ajudar os pobres e
oprimidos, geralmente isso é sinal de tendência à secularização. Quando pessoas
modestas começam a surpreender-nos com a escolha de suas roupas, geralmente
isso é sinal de tendência à secularização.
Não devo prosseguir sem um alerta. Por mais que eu creia naquilo que escrevi
acima, entendo que, numa comunidade fechada e disfuncional de igreja,
observações feitas sobre o comportamento exterior podem causar grande dano.
Afastamos as pessoas de Deus quando impomos arbitrariamente nossas convicções
pessoais sobre os outros, que nem as entendem, nem as aceitam. O meu apelo
aqui é relacionado a uma conscientização pessoal de nossa posição diante de Deus. Se
temos consciência dos indícios de tendência ao secularismo, teremos menor
probabilidade de perder nossa ligação pessoal com Deus. Assim, o objetivo desta
seção é estimular a conscientização pessoal; não é um chamado para que mais
adventistas se tornem “policiais da conformidade”.

Numa comunidade aberta e verdadeiramente amorosa, uma análise gentil do


estilo de vida, numa atmosfera de aceitação, pode às vezes ajudar as pessoas a
comprometer-se com Deus, algo que seriam incapazes de fazer sozinhas. Em
minha experiência, contudo, essas comunidades são raras entre os adventistas. Na
maioria das situações, é mais saudável e eficaz aplicar os conselhos deste capítulo
basicamente a nós mesmos, e não aos outros.

4. Freqüência irregular à igreja. O passo seguinte na tendência à secularização é o


efeito que ela tem sobre a freqüência à igreja. Mais uma vez, é raro acontecer que
uma pessoa passe de uma freqüência regular à igreja para a ausência completa num
período curto de tempo. A queda na freqüência à igreja pode começar com algo
tão inofensivo como um “Sábado ao Ar Livre”, levando o veículo e a família para
o meio da natureza.

Consigo identificar-me com a idéia de passar sábados longe do culto de adoração


na igreja, porque já fiz isso algumas vezes. Se você é uma pessoa um tanto pública
dentro da Igreja Adventista do Sétimo Dia, aparecer numa igrejinha do interior
num dia de sábado pode ser uma experiência extenuante. Um dia, apareci sem
aviso numa igreja de vinte membros. Antes de me dar conta, eu estava dirigindo o
estudo da Lição da Escola Sabatina, pregando o sermão e conduzindo um
“seminário” de três horas depois do almoço. Naquela tarde visitei enfermos em
casa e no dia seguinte fiz visitas ao hospital. Minha família e eu concordamos em
que na oportunidade seguinte em que estivéssemos de férias e no meio do nada,
iríamos para a natureza no sábado – qualquer lugar, menos a igreja. Na minha
posição, igreja e férias nem sempre combinam.

Mas você precisa tomar cuidado com esse tipo de pensamento. Deixar de ir à
igreja pode começar num nível muito inocente, talvez um sábado aqui, outro ali.
Mas então, num sábado, você não está com vontade de levantar, e a coisa seguinte
que você percebe é que não consegue ir à igreja mais de uma vez por mês. Um
dia, você descobre que é bem mais fácil ficar simplesmente na cama ou fazer
alguma outra coisa. Quando nosso registro de freqüência atinge esse estágio, é um
importante sinal público de que a caminhada com Deus já não é como costumava
ser.

Entendo que, para adventistas profundamente envolvidos com o mundo real, a


igreja hoje em dia pode tornar-se um lugar muito desconfortável. Embora nunca
devamos tolerar o abuso espiritual ou social, tenho um desafio para quem não se
sente à vontade nos “velhos caminhos”. Não tenha medo de conviver com o
desconforto que a igreja representa. O desconforto pode significar uma palavra de
Deus para você, um caminho rumo ao crescimento pessoal. O desconforto e a
perturbação estão entre os meios pelos quais Deus cuida de nós, rompendo nossa
tendência de nos satisfazermos com o estágio em que nos encontramos na jornada
espiritual. Se corremos diante do primeiro sinal de desconforto, podemos preparar
o cenário para uma tendência à secularização, sem perceber.

5. Dúvidas acerca da Bíblia e da vida futura. Enquanto avançam os passos rumo à


secularização, dúvidas de todo tipo começam a surgir com freqüência crescente.
Você começa a questionar algumas coisas que aprendeu. Ocupa-se com os “textos
problemáticos” da Bíblia. Começa a questionar os sermões do pastor – pelo
menos mentalmente – ouvindo mais com um ouvido crítico do que com um
coração receptivo. Você toma a Bíblia e tenta lê-la, mas uma voz baixinha no
fundo da cabeça diz: “Isso é apenas tinta em folhas de papel. Não é uma resposta
mágica aos problemas da vida. Para que perder seu tempo com isso?”

Entendo que, para alguns, a Bíblia tem sido usada como ferramenta de opressão
e abuso. Grupos étnicos ouvem que são inferiores porque a Bíblia diz isso.
Estudantes bem-intencionados da Bíblia impedem mulheres de exercer alguns dos
talentos que Deus lhes deu. Exige-se que crianças “honrem” seus pais, mesmo
quando esses pais estão cometendo atos criminosos. Para esses indivíduos, um
pouco de dúvida pode ser um passo importante no caminho para a saúde
espiritual. Para crescer espiritualmente, pode parecer que estão rejeitando a Bíblia.
Mas não estão realmente rejeitando a Bíblia; estão rejeitando falsas crenças que
foram erroneamente baseadas na Bíblia.
Com mais freqüência, entretanto, as dúvidas vêm como conseqüência natural da
transgressão de normas pessoais. Deixe-me explicar. Quando você age de uma
forma que viole sua consciência (ou, em outros termos, quando você peca
voluntariamente), só dois caminhos se abrem diante de você. Você pode
arrepender-se desse pecado ou pode mudar sua teologia. A abordagem
recomendada na Bíblia é confessar os pecados, arrepender-se e lidar com as
conseqüências. A passagem por esse processo leva a um senso do perdão e da
renovada aceitação por parte de Deus. Ela joga esse pecado para trás de você e
restaura o seu relacionamento com Deus.

Mas se você se recusa a confessar e arrepender-se, haverá uma mudança em sua


relação com a verdade. Deus planejou que nos sentíssemos desconfortáveis
quando violamos normas pessoais. Assim, se não lidamos com nossos pecados e
condescendências, acabaremos por mudar nossa visão do certo e do errado, a fim
de evitar as agulhadas da consciência. Violações morais não confessadas nos
forçam a racionalizar e justificar nosso comportamento, diante dos outros e de nós
mesmos. Antes que o percebamos, nossas crenças começam a conformar-se com
nossa prática. Na raiz das nossas dúvidas mais profundas acerca de Deus, portanto,
há uma história pessoal de fracasso moral que não foi enfrentada segundo o
ensinamento bíblico. E esses tipos de dúvida são um dos maiores sinais de
tendência à secularização.

6. Desconfiança crescente nas instituições religiosas. O último passo no caminho da


virada rumo ao secularismo é uma completa desconfiança em todas as instituições,
particularmente as religiosas. É um rompimento de nossa lealdade para com
qualquer tipo de instituição que represente a Deus. E isso é um desdobramento
natural dos passos anteriores. Dúvidas acerca da Bíblia e das coisas que lhe foram
ensinadas no passado produzem dúvidas acerca das idéias do pastor e dos
pronunciamentos da Associação. Na sua raiz está a rejeição da autoridade
espiritual em todas as suas formas.

A rejeição da autoridade religiosa dentro da Igreja Adventista do Sétimo Dia


costumava ser de domínio exclusivo dos assim chamados “liberais”. Não é mais
esse o caso, porém. Hoje em dia, a rejeição da autoridade religiosa é tão comum
na assim chamada “ala direitista” da Igreja como na esquerda. Seria possível que a
tendência à secularização afete mais aqueles que têm plena certeza de que não são
afetados por ela? É possível que esse desrespeito da “direita” para com nossa
Igreja, seus administradores e instituições esteja enraizado numa tendência à
secularização? Embora nenhuma instituição terrestre, nem mesmo a Igreja
Adventista do Sétimo Dia, mereça uma subserviência inquestionável, uma atitude
de desrespeito, sarcasmo e crítica raramente anda de mãos dadas com um
relacionamento profundo e vital com Deus.

O antídoto para a tendência à secularização


O que podemos fazer para neutralizar os efeitos espirituais devastadores da
inclinação ao secularismo? Como manter a fé em um mundo secular, no mundo
da Nova Era?

A solução não é adotar uma postura defensiva e viver com medo e desconfiança.
Em vez disso, precisamos apoderar-nos agressivamente da realidade do reino de
Deus, que está bem vivo em meio a este mundo secular, da Nova Era. A chave
não é inventar algum tipo de escape, mas apoderar-nos preventivamente daquilo
que Deus já providenciou em Cristo. De acordo com o Novo Testamento, o
reino de Deus já está aqui, no meio desta realidade. Mediante o Espírito Santo,
podemos ter com Deus uma caminhada real num mundo que questiona a Sua
própria realidade.

Como se faz isso na prática? O ponto de partida é a vida devocional. Como já


sugerimos, uma debilidade crescente na vida devocional particular constitui os
primeiros dois passos no caminho que envereda para o secularismo. Precisamos
reduzir a marcha, refletir e atentar para a presença de Deus. A mensagem mais
clara acerca de Deus que muitas pessoas de mente secular verão é a que lêem na
vida de um cristão conhecido delas. Seria algo raro conduzirmos uma pessoa de
mente secular numa caminhada com Deus, se nós mesmos não a praticássemos.

Cresci na cidade de Nova York, uma das cidadelas do secularismo. Passei a


maior parte da minha vida adulta envolvido com a educação superior. Nem
mesmo trabalhar como pastor de igreja por nove anos me protegeu do efeito
corrosivo da atração do secularismo. Os pastores passam a vida correndo de uma
coisa para outra, de uma idéia para outra, de uma situação para outra, de uma
emergência para outra. E quando você lida com coisas espirituais todos os dias,
alguns pensamentos seculares podem parecer um recreio saudável em meio à
labuta.

Reuni, portanto, algumas idéias que emergiram do cadinho da minha vida.


Apresento-as não como uma fórmula infalível a ser seguida por todos. Antes,
ofereço-as como um bufê de self-service do qual você pode escolher o que parece
apropriado às suas circunstâncias. Quanto a mim, aprendi que quatro coisas são
necessárias e importantes para evitar a atração do secularismo e assegurar um
relacionamento vital com Deus num mundo secular: estudo, oração, ação e
testemunho.

Os relacionamentos são construídos sobre a comunicação mútua. Isso envolve


ouvir e falar. Aprendemos a respeito de outra pessoa ouvindo, e partilhamos nossa
maneira de ser falando acerca das coisas que consideramos importantes. Mas surge
uma dificuldade quando se trata de nossa relação com Deus. Como falar com
alguém que você não vê, ouve ou toca? Como escutar alguém que você não vê,
ouve ou toca? A parte de falar com Deus não é tão estranha. Podemos fazer isso
na oração. Mas como ouvimos um Deus cuja voz não escutamos?

Uma vida de estudo


O lugar onde podemos ouvir mais claramente a voz de Deus hoje é em Sua
Palavra escrita. Assim, um passo fundamental rumo a uma relação viva com Deus
começa com um tempo definido de estudo de Sua Palavra e de outros escritos de
elevado valor espiritual, como os de Ellen White. Mas nem tudo na Bíblia traz
benefício devocional. As seleções que fazemos para o estudo, portanto, podem ser
tão importantes como a quantidade de tempo investida nesse estudo. Nas
sugestões que seguem, quero ajudá-lo a evitar alguns dos equívocos que cometi
ao buscar uma aproximação maior com Deus.

1. O que estudamos deve ser relevante para a vida de cada dia. A escolha que fazemos
do material devocional deve ter ligação com o que acontece naquele momento na
nossa vida. Se aquilo de que você necessita num determinado estágio é a
recuperação do uso do álcool ou de um passado doloroso, a literatura que
apresente o passo a passo é a melhor leitura devocional para você nesse ponto. Por
outro lado, se sua necessidade mais profunda é uma compreensão melhor da
Bíblia, então os comentários devocionais podem ser o ponto de partida. A vida
devocional deve estar voltada para as questões básicas com que você se defronta.
De outra maneira, provavelmente não afetará a sua vida. Será simplesmente um
vácuo no meio do nada.

2. O estudo devocional deve concentrar-se na pessoa de Jesus. Considerando que Jesus


é Aquele por intermédio de quem Deus interagiu mais claramente com a raça
humana, o foco na pessoa de Jesus é essencial para os seres humanos que desejam
conhecer a Deus. Na sua escolha da leitura, concentre-se naquela que o ajuda a
entender melhor a Jesus. Na Bíblia, os quatro Evangelhos e muitas das epístolas de
Paulo ocupam um lugar especial nesse estudo. Nos escritos de Ellen White, livros
como O Desejado de Todas as Nações e Caminho a Cristo destinam-se a fazer com
que conheçamos melhor a Deus na pessoa de Jesus.

Algumas partes da Bíblia e do Espírito de Profecia podem não conduzir a uma


experiência devocional crescente com Deus. Por exemplo, 1 Crônicas é um livro
inspirado, mas não consta da relação de “leitura recomendada” para a vida
devocional. As listas infindáveis de genealogias e dos oficiais da corte de Davi são
úteis para os arqueólogos e outros interessados em nomes e seqüências históricas,
que fazem parte do contexto no qual a Bíblia foi escrita. Mas não se encaixam
bem nas nossas necessidades devocionais. De modo semelhante, um livro como
Conselhos Sobre o Regime Alimentar, de Ellen White, pode ser extremamente
valioso dentro do seu propósito, mas nem sempre focalizará o relacionamento
com Jesus. Um conhecimento cabal de quais alimentos são saudáveis ou
prejudiciais pode ser de grande importância, mas não necessariamente nos levará
para mais perto de Jesus.

3. A leitura devocional não pode ser apressada. A leitura devocional deve ser
aprazível. Procure arranjar as coisas de modo que você não tenha de usar o
despertador ou limitar o tempo que você investe. Devocionais apressados podem
fazer mais dano que bem. Eu cheguei a tomar a Bíblia, O Grande Conflito ou O
Desejado de Todas as Nações e desafiar-me a ler o maior número de páginas que
conseguisse num período de uma hora. Não demorou para que aquilo se tornasse
um concurso. Eu lia motivado por metas seculares, mais do que pelo meu desejo
de conhecer melhor a Jesus.

Quando se trata de leitura devocional, tome tempo. Seria melhor passar uma
hora inteira num texto, e explorar profundamente o que esse texto tem a dizer,
do que ler página após página e experimentar um impacto mínimo em sua vida.
O ritmo da vida atual vem-se acelerando há mais de uma geração. Nesta era
tecnológica, precisamos desesperadamente aprender a reduzir o ritmo, a refletir e
a fazer um levantamento da nossa vida. Precisamos fazer com que nosso coração
apressado passe para o ponto morto por algum tempo e simplesmente comungue
com Deus. Se não tomamos tempo para refletir, podemos encontrar-nos cada vez
mais distanciados de uma relação pessoal com Deus – mesmo em meio ao serviço
direto para Ele.

4. Mantenha um diário devocional. Uma das mais importantes orientações na minha


vida tem sido o adágio: “Os papéis se lembram; as pessoas se esquecem.” Quando
eu era mais jovem e minha mente andava menos atravancada que agora, parecia
que eu me lembrava de tudo o que era importante. Mas as coisas mudaram. As
informações chegam voando em quantidades tão enormes que as coisas
importantes caem continuamente pelas frestas, se eu não as anotar. Descobri que
algumas das minhas percepções espirituais mais importantes brilham por um
instante e depois desaparecem no esquecimento. No mundo de hoje, não me
posso dar ao luxo de não arranjar um espaço para Deus, mesmo em meio a uma
multidão de coisas boas.

O papel não só se lembra das coisas das quais me esqueço, mas o ato de escrever
parece também implantar as coisas mais profundamente na memória. “A expressão
aprofunda a impressão.” Digo as coisas na minha mente enquanto me preparo
para escrever. Vejo as palavras que estou escrevendo. Sinto a esferográfica e a
pressão sobre o papel. Estou utilizando uma variedade de modos de aprendizado.
Isso é útil para fazer com que aquilo que escrevo se torne uma parte mais
permanente de quem eu sou como pessoa. Não só isso, mas o processo de
escrever parece extrair pensamentos e sentimentos que haviam estado ocultos de
mim antes.

Creio, portanto, que uma das melhores maneiras de praticar uma caminhada
com Deus é fazer anotações, escrever as idéias que surgem da leitura da Bíblia ou
de outros livros espirituais. Não anote qualquer percepção espiritual. Para o seu
diário devocional, anote somente aqueles vislumbres que causam um impacto
profundo em sua alma. Se você escrever tudo, o diário pode ficar emaranhado
demais para ser útil. O melhor livro devocional que você lerá é aquele que você
mesmo escreveu. Não há dois seres humanos iguais. Uma coleção de idéias
impregnada de poder que já o motivou no passado será um recurso poderoso para
manter e restaurar seu relacionamento com Deus no futuro.

Certo dia, passei 45 minutos lendo um livro espiritual. Ele me preencheu tanto
o coração, que precisei fazer anotações sobre a experiência. Não encontrando
papel e caneta para escrever, peguei meu notebook e me sentei. Por mais de uma
hora, ocupei-me digitando as idéias que o Senhor me deu naquela manhã. A
maioria delas cairia no esquecimento para sempre, se eu não tivesse feito isso.
Quer você anote percepções espirituais importantes usando papel e caneta, quer
use o computador, o resultante “livro das idéias”, seu próprio livro de reflexões
devocionais, será uma ferramenta poderosa que Deus pode usar para tornar-Se
mais real em sua vida.

5. Crie um diário de reflexões. Através de um “livro de idéias” no qual você anota


os conceitos especiais que o animam em seu relacionamento com Deus, você
reforça a sua capacidade de “ouvir” a Palavra de Deus. Mas há um outro meio
pelo qual essas anotações reforçam a sua habilidade de ouvir – o diário de
reflexões. Eu o chamo de “o livro das minhas experiências”.

Parece que os maiores gigantes espirituais através da história mantinham o seu


diário. Ellen G. White fazia isso, como também Lutero, Wesley e muitos outros.
O que encontramos ao ler esses diários espirituais? As pessoas revelam neles as suas
lutas íntimas. Externam a sensação de que Deus Se comunicou com eles
diretamente, de uma forma ou de outra. Registram seu progresso através dos
desafios da vida.

Gosto de colocar diante de mim uma página em branco do diário e fazer


perguntas ao Senhor, como por exemplo: “Como Te sentes diante da maneira
como tratei meu filho ontem? Minha esposa? De que maneiras posso melhorar as
aulas da matéria que estou lecionando? Como encontro uma forma de reconciliar
esses dois professores que estão se hostilizando?” Então começo a escrever,
deixando que a escrita me leve para onde quiser. Muitas vezes me vejo em lugares
aonde eu não havia planejado ir, mas para os quais Deus estava claramente me
conduzindo. Às vezes, chego à percepção de que falo demais em grupos pequenos
ou deixo de expressar atenção aos meus alunos ou espero demais dos meus filhos.
Posso ignorar alguém que realmente precisa de mim. Às vezes, simplesmente
resumo minhas reflexões sobre o dia ou a semana; é algo assim como marcar a
contagem de pontos. Consigo detectar tendências no curso da minha caminhada
com Deus, as quais eu perderia se não tomasse tempo para refletir dessa maneira.

O Senhor usa esse tempo de reflexão para me ensinar o valor de ouvi-Lo.


Quando volto mais tarde e leio essas reflexões, elas continuam relevantes. Aprendi
que, se não guardo o registro da minha vida e dos meus comportamentos, tendo a
cometer os mesmos erros vez após outra. Assim, manter um diário de reflexões ou
um livro de experiências pode desempenhar um papel extremamente importante
em nosso relacionamento com Jesus.

Uma vida de oração


Quando se trata de uma relação com Deus, falar com Ele em oração parece
muito mais fácil de compreender do que escutar alguém a quem você não pode
ouvir. Mesmo assim, uma vida pessoal de oração é o maior desafio que grande
parte dos cristãos enfrenta na vida. Repetidamente, os cristãos decidem melhorar
sua vida de oração, apenas para sentir como se tivessem fracassado. Passei muitas
vezes pela experiência do fracasso na oração. Ao longo dos anos, porém, aprendi
várias coisas que me ajudaram muito. Apresento-as aqui, com a esperança de que
sua próxima tentativa de melhorar a vida de oração seja mais bem-sucedida do
que já foi antes.

1. Do jeito como você puder. Não existe uma maneira única de orar. Algumas
pessoas lhe dirão que a única posição apropriada do corpo para a oração é sobre os
joelhos, com os olhos fechados e as mãos cruzadas. E, para ser honesto, essa é a
maneira que adoto com mais freqüência. Mas a Bíblia não determina nenhum
tipo de exclusividade relacionada com a posição corporal durante a oração. As
pessoas descritas na Bíblia oraram em pé, ajoelhadas e com o rosto em terra.
Oraram com os olhos abertos e com os olhos fechados. Oraram com as mãos
cruzadas ou com as mãos estendidas para o alto. Mais importante do que uma
posição específica do corpo é fazer contato com Deus.

Ter conhecimento disso traz importantes conseqüências. Por exemplo, toda vez
que oro em silêncio, com os olhos fechados, minha mente tende a vagar. Fecho
os olhos para orar, e quinze minutos mais tarde me acho vagueando em algum
outro município. Em geral, não tenho idéia de como cheguei lá. Simplesmente
me envolvi em algum tipo de flutuação mental. Por isso, acho muito útil manter
os olhos abertos quando oro, e concentrá-los em algum objeto na sala, como um
sofá ou o desenho do tapete. Focalizar os olhos me ajuda a focalizar a mente
também. Eu me pergunto quantas pessoas se angustiam em oração, simplesmente
porque não sabem que Deus não Se importa se conservamos os olhos abertos ao
orar. O que importa é que a mente esteja concentrada nEle.

2. Encontrar o foco através do processo de anotações. Descobri que outra maneira de


concentrar a mente é pelo processo de escrever. Mas, desta vez, em lugar de
anotar vislumbres sobre a Bíblia ou minha própria experiência, direciono a escrita
ao próprio Deus. Alguma vez você já escreveu uma oração a Deus? É como
escrever-Lhe uma carta. Pode ser uma experiência maravilhosa. Descobri que,
quando tomo tempo para escolher cuidadosamente as palavras de uma oração ou
carta para Deus, a oração se torna muito mais significativa. O processo todo de
escrever ajuda a tirar de mim o que realmente quero dizer a Deus – coisas que
não teriam vindo ao meu estado consciente de outra maneira.

Um “livro de oração” é o local onde seus pensamentos dirigidos a Deus ganham


foco e são registrados para serem lidos novamente outro dia. Você poderá
comparar o processo da oração com algo como um e-mail. O “livro da
experiência” registra aquilo que você acha que Deus deseja dizer-lhe a respeito do
relacionamento. O “livro da oração” registra aquilo que você deseja dizer a Deus.
Como a experiência com o e-mail nos ensina, escrever é um meio maravilhoso de
desenvolver relacionamentos, mesmo que não estejamos fisicamente com a pessoa
a quem escrevemos. E os cientistas sociais notaram uma característica interessante
do e-mail. As pessoas, de alguma forma, se sentem mais seguras com o e-mail do
que com qualquer outro tipo de comunicação. Dispõem-se a dizer coisas que
nunca poriam numa carta formal ou diriam pessoalmente a alguém. Assim, essa
pode ser uma forma eficaz de sermos mais autênticos com Deus em oração.

Se o conceito de um “livro de oração” não lhe parecer nada ortodoxo, lembre-


se de que a vasta maioria dos salmos é composta de orações escritas. O que era
bom para os santos de outrora pode ainda desempenhar um papel em nosso
relacionamento com Deus hoje! Esse é um aspecto da “religião dos velhos
tempos” do qual muitos tradicionalistas se esqueceram.

3. Permita que a oração chegue ao âmago. Na oração, é fácil mencionar de passagem


os missionários e colportores, e deixar de cavar as profundezas de quem você é e
de como vai o seu relacionamento com Deus naquele dia. Uma razão pela qual a
oração pode parecer irrelevante na vida cotidiana é que os elementos cruciais da
vida diária não são levados a Deus enquanto se está orando. Discuta com Deus
exatamente as coisas que seu diário revelou como sendo sua preocupação máxima
num dado momento. Conte-Lhe os acontecimentos do dia anterior. Conte a Ele
suas preocupações relacionadas com as implicações desses eventos.

A oração se torna verdadeiramente significativa quando mostramos a disposição


de nos expor diante de Deus, para discutir as coisas que mais importam para nós,
para partilhar com Ele nossos pensamentos mais profundos. Se na oração você não
Lhe conta essas coisas que não contaria nem a seu cônjuge, a quem você as
relataria? A oração particular é nossa melhor oportunidade de falar com Alguém
que nos conhece, cuida de nós e nos aceita do jeito como somos. Com segurança,
podemos falar com Deus a respeito de coisas que não ousaríamos contar a
nenhum outro ser humano, nem mesmo a um conselheiro que jurou sigilo
profissional. Afinal de contas, nada que digamos chocará ou surpreenderá a Deus.
Ele já sabe, e nos ama do mesmo jeito. É seguro expor diante dEle até nossas
profundezas mais tenebrosas.

4. Permita que Deus responda suas orações. Outra estratégia útil é dar a Deus a
oportunidade de responder às suas orações. É fácil passar apressadamente pela lista
de pedidos de oração e depois se pôr em pé e sair para o dia, sem esperar que
Deus responda de alguma forma. Dizemos: “Senhor, estou com pressa hoje.
Preciso me aprontar para o trabalho, mas lá longe há missionários e colportores
que precisam de alguma ajuda. Bem, preciso correr agora. Tchauzinho.”

Incentivo-o a tentar algo diferente na próxima vez em que estiver em oração.


Providencie papel e uma caneta e, quando terminar a oração, segure a caneta e
espere. Anote qualquer coisa que lhe vier à mente. Algumas podem ser bobas ou
irrelevantes. Com certeza, já aconteceu comigo. Mas, em alguns dias, Deus
simplesmente agendou a minha vida! Na quietude daquele momento, Ele me
trouxe à lembrança pessoas que eu precisava visitar ou a quem devia telefonar.

Certo dia, no Seminário, apresentei essa idéia. Um aluno do Canadá foi movido
a experimentá-la naquela noite. Depois da oração, teve a repetida sensação de que
precisava entrar em contato com certa mulher no Canadá. Como a esposa dele se
encontrava no Canadá naquela época, não longe de onde a mulher morava, ele
decidiu ligar para sua esposa e pedir que entrasse em contato com a mulher. No
dia seguinte, sua esposa telefonou e disse que não havia conseguido fazer o
contato. Ele insistiu com a esposa para que continuasse tentando. Tinha a
convicção de que o Senhor sabia por que aquela mulher precisava ser encontrada.
A esposa ligou de novo. Desta vez a mulher atendeu. Sua resposta foi espantosa.
“Meu marido faleceu há uma semana, e acabo de voltar do médico, que me disse
que tenho câncer. Estou sentada aqui ao lado do telefone, querendo saber se
alguém se importa comigo.” Meu aluno canadense não teve dúvida de que Deus
ainda Se comunica com Seu povo hoje!

5. Ênfase na gratidão. Glenn Coon, um dos meus pregadores preferidos,


costumava enfatizar Neemias 8:10: “A alegria do Senhor é a vossa força.” Coon
acreditava que o segredo do poder espiritual é a alegria que vem de um espírito
de gratidão e louvor. É impossível ficar triste por muito tempo, quando você
recita continuamente as maneiras pelas quais Deus tem abençoado e enriquecido
sua vida. Minha experiência ao longo dos anos confirma claramente a percepção
de Coon.

Embora a estratégia de Coon pareça simplista e sentimental, funciona mesmo.


Ele sugere passar um pouco de tempo cada manhã escrevendo dez coisas pelas
quais você se sente agradecido. Ao longo do dia, cada um desses itens se torna o
foco de uma breve oração. “Obrigado, Senhor, pelo ar.” “Obrigado, Senhor,
pelo gato (ou cachorro).” “Obrigada, Senhor, pelas rosas vermelhas.” Coisas
muito corriqueiras, práticas. Esse tipo de oração desce até os elementos básicos da
vida. Traz até nós o senso da preocupação de Deus com cada pormenor da
existência. E o impressionante é que, ao expressarmos gratidão ao Senhor por atos
específicos que nos afetam a vida, um senso incrível de confiança e alegria toma
conta de nós. Você não se lembra de nada pelo qual possa agradecer? Pegue um
dicionário. “Macacos”, “maçãs”, “melancias” – você encontrará em cada página
muitas coisas pelas quais nunca expressou gratidão a Deus! O esforço vale a pena.
Nada pode iluminar tanto nossa vida como um espírito de gratidão e louvor.

Dispersividade: encontrar tempo


Como encontrar tempo para estudo e oração em meio ao fardo esmagador de
responsabilidades que quase todos nós carregamos? Afinal, poucas pessoas têm
tempo para realizar tudo o que esperam executar num dia. Isso significa que, em
última análise, cabe a nós decidir com o que vale a pena usar o tempo. Quando
atividades novas clamam por envolvimento, é essencial entender que você não
pode acrescentar nada à sua vida sem remover alguma outra coisa.

O problema é que a maioria das pessoas prefere não fazer essas escolhas.
Procuram realizar tudo quanto é posto diante delas, e isso simplesmente não
funciona. De modo inevitável, ou a família ou a vida devocional, ou ambos, são
colocados sobre o altar da indecisão. Assim, hoje em dia, quando alguém me pede
que aceite um cargo ou execute alguma tarefa, pergunto a mim mesmo: “Qual
das minhas atividades isso vai substituir? Isso é mais importante ou interessante do
que aquela ocupação à qual terei de renunciar para executar esta?” Viver é fazer
escolhas. Se não escolhemos, o tempo escolherá por nós. E ficaremos infelizes
com a escolha.

Tudo isso tem grandes implicações no que tange à parte devocional da vida.
Nosso tempo com Deus é freqüentemente substituído pela pressão de ocupações
de menor importância. Se não escolhemos passar a melhor parte de cada dia com
Deus, inevitavelmente seremos levados em direção daquilo que é secular. Assim,
o primeiro passo para reforçar nossa experiência devocional é escolher torná-la a
prioridade da nossa vida. O mais importante acerca da força de vontade é que ela
é fortalecida pelo uso. Escolha colocar Deus em primeiro lugar. Diga isso em voz
alta. Escreva sobre isso aos seus amigos. Expressar essa escolha vai torná-la mais
forte. Decida o que precisa ser descartado em sua vida, se a sua experiência
devocional deve crescer. Tenha cuidado ao aceitar novas incumbências ou
responsabilidades. Na vida devocional, acima de todas as outras coisas, devemos
ecoar as palavras de Paulo: “Uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que para
trás ficam...” (Filipenses 3:13).

A importância do estilo de vida


Se você deseja manter a fé num mundo secular, precisará ter mais do que apenas
vida interior. A oração e o estudo, somente, não bastam. Sem fé-ação concreta e
prática na vida, a experiência devocional pode facilmente ficar confinada a um
compartimento na mente. Isso leva a uma existência esquizofrênica, na qual a fé
afeta a vida por um curto período apenas, cada dia, seguida por uma existência
essencialmente secular durante o restante do tempo. Travar uma batalha contra a
inclinação para o secularismo exige mais do que uma experiência devocional
apenas, por mais eficaz que seja.

Em seu livro The Human Puzzle [O Quebra-Cabeça Humano], David G.


Meyers confirma o que Ellen White ensinou cem anos atrás – aquilo em que uma
pessoa crê pode exercer um impacto relativamente pequeno sobre a maneira
como ela vive. Aquilo que acontece na vida devocional terá pouco impacto sobre
a experiência cotidiana, a menos que seja acompanhado por uma ação
correspondente, conscienciosa. Quando pesquisadores investigam igrejas cristãs
conservadoras, incluindo as adventistas, descobrem que a igreja cristã
conservadora típica pode apresentar virtualmente tanto adultério, violência física e
sexual, alcoolismo e uso de drogas quanto a cultura dos que não freqüentam
igrejas; os problemas são apenas menos visíveis no ambiente de igreja. Isso é
particularmente verdade quanto ao ambiente adventista, porque nossos elevados
padrões de comportamento tornam socialmente inaceitável admitir pecados como
adultério, alcoolismo, uso de drogas e a agressão a filhos ou cônjuge. Nossos
elevados padrões podem criar um ambiente no qual raramente ocorram o auxílio
e a cura. Com muita freqüência, portanto, a crença no ensino adventista exerce
um impacto relativamente pequeno sobre a maneira como as pessoas vivem.

O outro lado da moeda, por sorte, é muito diferente. A maneira como você
vive exerce um impacto poderoso sobre aquilo em que você crê. Esse é o tema
predominante do capítulo intitulado “A Cura Mental”, do livro A Ciência do Bom
Viver (p. 241-259). Os atos rotineiros da vida de cada dia produzem efeito sobre
aquilo em que as pessoas crêem e a maneira como se sentem e pensam.

Esse é um dos segredos do estilo de vida adventista. Ele nos compele a incluir
Deus em cada pormenor de nossa existência. Ao preparar o orçamento familiar,
qual é a primeira coisa que você considera? O dízimo. Deus é o centro de sua
vida financeira. Quando faz compras numa loja de roupas, em que está pensando?
“Se eu usasse esta peça, ela confirmaria meu testemunho cristão ou seria uma
contradição e incoerência? Essa roupa chamaria a atenção para mim ou apontaria
para aquilo que Deus faz na minha vida?” Quando você está no supermercado, lê
rótulos. Por quê? Porque não deseja colocar dentro do seu organismo coisas que
Deus não aprovaria. Coisas que poderiam atrapalhar sua eficiência para Ele.
Corretamente adotado, o estilo de vida adventista inclui Deus em todas as
atividades da vida diária.

A mais poderosa salvaguarda contra a tendência ao secularismo – e até um


psicólogo de mente secular lhe dirá isso, se você perguntar – é uma religião de
sete dias por semana. É uma fé que, de certa forma, afete cada momento de cada
dia da nossa vida. Achei engraçado quando descobri que, em muitas ilhas do
Caribe, os adventistas são conhecidos como “Os Sete Dias”. Quando cheguei
para uma reunião campal nas Bahamas, o jornal declarou: “Chegou o Orador Para
o Encontro dos Sete Dias”. Desejei que aquilo não fosse um equívoco, mas uma
declaração de nossa realidade em âmbito mundial. Não se pode permitir que o
adventismo fique isolado num compartimento da nossa experiência. Para ser
eficaz num mundo secularizado, o adventismo deve afetar a totalidade de nossa
experiência no mundo.
Esse estilo de vida sincero não é uma negação da justificação pela fé; ele
simplesmente reconhece que quando Cristo oferece a dádiva, Ele também pede
uma contrapartida. Praticamos o estilo de vida de Deus porque fomos aceitos por
Ele, e não a fim de conquistar-Lhe a aceitação. Embora os apóstolos tenham sido
claros ao dizer que a salvação é um dom, o grande brado de conclamação da
igreja cristã no primeiro século era “Jesus é o Senhor”. Modernizar um pouco
essa terminologia resultaria em algo como “Jesus é o Chefe”. Quando os cristãos
do primeiro século diziam: “Jesus é o Senhor”, queriam dizer: “Ele tem o direito
de me dizer o que devo fazer e como devo viver.”

A relação entre justificação e senhorio é ilustrada com mais eficácia por uma
história que Jesus contou aos discípulos. Em Mateus 18:23-35, um rei perdoa uma
dívida de dez mil talentos (talvez dez bilhões de dólares, em moeda inflacionada)
de seu servo. Supõe-se, na história, que o servo fosse reagir alegremente,
perdoando uma dívida equivalente ao salário de apenas cem dias de seu conservo.
Todos em volta ficam chocados quando ele não o faz. A história é uma parábola
do perdão divino e do humano. O que Deus faz por nós torna-se o modelo de
como devemos tratar-nos uns aos outros. Uma fé equilibrada e viva inclui
devoção e ação. Somos salvos pela fé somente, mas a fé salvadora nunca está
sozinha!

Assim, embora as devoções sejam vitais para um relacionamento vivo com Deus,
elas fracassarão em seu propósito, a menos que a caminhada com Deus permeie
nossa experiência num mundo real. Mediante o estilo de vida adventista, temos a
oportunidade de experimentar Deus no centro de cada pormenor da nossa vida.
Mediante a prática da fé, nossas crenças se tornam mais fortes e nossa experiência
toda se integra à caminhada com Deus.

Partilhar a fé não é uma opção


Relacionada com o ato de colocar a fé em prática diária está a importância de
partilhar a fé com os outros. A fim de manter forte nossa fé, é necessário partilhá-
la. Isso é verdade não só para hoje; foi sempre um fato na vida espiritual. No
contexto do Antigo Testamento, a chave para trazer o poder de Deus para a vida
de Seu povo era sempre recapitular as coisas que Deus havia feito em seu favor na
história passada.

Considere a situação difícil do rei Josafá. De acordo com 2 Crônicas 20, ele
estava sendo atacado pelos exércitos de três nações! Reuniu seu conselho, mas em
vez de traçar uma estratégia militar ou diplomática, dirigiu-os em oração. Bem,
como é que você e eu oraríamos numa situação como essa? Não sucumbiríamos a
rogos abjetos, de autocomiseração? Em vez disso, Josafá disse:

Senhor, Tu nos tiraste da terra do Egito com mão


poderosa e braço estendido; conduziste-nos pelo deserto. E quando
chegamos à Terra Prometida, como nos prometeste, havia nações hostis ao
redor. Ordenaste que não as invadíssemos, e agora elas marcham contra
nós. Naquela ocasião cuidaste de nós. Podes fazê-lo de novo. Nossos olhos
esperam em Ti (v. 10-12).

Enquanto Josafá relembrava os feitos de Deus, o poder da experiência do Êxodo


se manifestou novamente. Em lugar de batalha, os exércitos inimigos foram
combatidos com um coral. O coral cantou um hino e simplesmente os repeliu da
cidade. O poder de Deus, que dividiu o Mar Vermelho e alimentou Seu povo no
deserto, retornou em resposta à recapitulação que Josafá fez do Êxodo. Recontar
o que Deus fez por você no passado traz de volta o poder dEle para sua vida no
presente.

A expressão aprofunda a impressão. Fale de fé, e você terá mais fé. Ellen White
expressa essa idéia com palavras vigorosas:

É uma lei da natureza que nossas idéias e sentimentos sejam animados e


fortalecidos ao lhes darmos expressão. Ao passo que as palavras exprimem
pensamentos, é também verdade que estes seguem aquelas. Se
exprimíssemos mais a nossa fé, mais nos regozijássemos nas bênçãos que
sabemos possuir – a grande misericórdia e o amor de Deus – teríamos mais
fé e maior alegria. Língua alguma pode traduzir, nenhuma mente conceber
a bênção que resulta de apreciar as bondades e o amor de Deus (Ellen G.
White, A Ciência do Bom Viver, p. 251-253).

Consegue se lembrar de uma ocasião em que tenha dado um testemunho pessoal


a um amigo ou até a um estranho? Você falou acerca da impotência de sua
condição humana. Contou da vibração e alegria que resultaram da descoberta de
que Cristo morreu particularmente por você. Toda vez que é exaltada a cruz de
Cristo, o Espírito Santo impressiona a mente de quem ouve com o poder de
atração da cruz. E esse mesmo poder retorna para quem dá o testemunho. Você
se lembra de como o ato de testemunhar da fé confirmou sua própria fé?
Raramente me sinto tão confiante e seguro em minha caminhada com Deus
como quando partilho com outros o que Ele tem feito em meu favor.

Se isso acontece, por que testemunhamos tão pouco? Um grande impedimento


para o ato de partilhar a fé num mundo secularizado é a idéia de que o
testemunho muitas vezes extrapola os limites daquilo que é socialmente
apropriado. Quando pensamos em testemunho, pensamos em apoquentar pessoas
e intrometer-nos na vida delas. Aqui entra a regra áurea. “Fazei aos outros o que
quereis que vos façam” (Mateus 7:12). Tenho conversado com centenas de
adventistas cuja consciência os perturba quando se trata da maneira como tentam
partilhar a fé. O resultado é triste. Muitos se sentem culpados quando dão seu
testemunho e quando não o fazem. Isso não é jeito de viver.

Podemos sentir-nos livres para testemunhar de novo quando descobrimos que o


verdadeiro testemunho tem dois princípios básicos que nos impedem de extrapolar
os limites do socialmente aceitável.

Primeiro princípio: Antes de fazer com que uma pessoa o escute, você precisa
deixá-la à vontade; ela precisa sentir-se confortável. Cercar alguém numa esquina
pode causar o oposto daquilo que você pretende. Você gosta de estar com uma
pessoa que repetidamente lhe diz o que você deve fazer e que o humilha ao
enaltecer sua própria compreensão superior? Essa pessoa faz com que você se sinta
à vontade? Você está disposto a ouvir aquilo que ela ainda tem a dizer? Deseja
tornar-se como essa pessoa?

Deixar as pessoas à vontade significa evitar a atitude de mostrar-se superior.


Deixar as pessoas à vontade significa relacionar-se com elas de uma forma que as
deixe confortáveis na sua presença. Significa investir mais tempo ouvindo do que
falando, pelo menos a princípio. Jesus certamente possuía essa habilidade, pois
prostitutas e pecadores gostavam de permanecer perto dEle. Precisamos
“conquistar” o direito de abordar com os outros as questões centrais da vida deles.
Conquistamos esse direito mediante uma solicitude genuína, que esteja mais
disposta a ouvir do que a instruir. Não é necessário humilhar as pessoas ou
incomodá-las a fim de partilhar a fé.

O segundo princípio do verdadeiro testemunho é viver um estilo de vida


atraente, cristocêntrico. A maioria das pessoas de mente secular está em busca de
algo melhor. Quando vêem pessoas coerentes, sentem-se incrivelmente atraídas
para elas, muito mais do que pelos sorrisos afetados da mídia. As pessoas gostam
de estar com outras que tenham paz consigo mesmas. Gostam de pessoas que as
ouçam e que não as humilhem. Um bom teste para saber se minha jornada cristã
é atraente é o seguinte: Como as crianças (as minhas e as dos outros) reagem em
minha presença? Gostam de estar perto de mim? Ou tendem a afastar-se,
intimidadas ou temerosas? Se você deixa crianças à vontade, provavelmente
também o faz com seus pais e outros adultos, através da mesma abordagem.

Partilhar a fé no mundo secular é um tremendo desafio. Precisamos aprender um


modo inteiramente novo de expressar nossa fé. Precisamos aprender a fazê-lo sem
ultrapassar barreiras sociais com atitudes que ponham fim a um relacionamento. O
ponto principal deste capítulo, todavia, é que partilhar a fé é importante não só
porque as pessoas de mente secular precisam de Cristo, mas porque também
necessitamos da força e da valorização espiritual que nos vêm quando a
partilhamos. Guardar a fé no mundo de hoje não acontece de maneira
espontânea. É o resultado de um esforço consciente no sentido de conhecer a
Deus.
IMPRESSÕES

Para muitos cristãos, a maior barreira contra o desenvolvimento de uma relação


viva com Deus é a falta de constância na oração pessoal, particular. Tocamos nesse
assunto no capítulo anterior. Neste capítulo e no próximo, examinaremos
algumas questões difíceis relacionadas com a oração. O foco deste capítulo se
volta para as respostas de Deus à oração. Um grande desincentivo à oração
constante é a sensação de que ela é uma comunicação de mão única. Falamos com
Deus, mas Ele nunca responde.

Ou será que responde? Como saber das respostas de Deus às nossas orações?
Deus ainda fala com viva voz hoje ou precisamos adivinhar Sua vontade através
da cadeia de circunstâncias que segue à oração? Você conheceria a voz de Deus se
a ouvisse? Você distinguiria Sua voz dentre as muitas que o rodeiam no mundo
de hoje?

Imagine que você é um fazendeiro. Um dia, você está parado na sua


propriedade, com um pé apoiado no pneu dianteiro do trator. Contempla os
campos com satisfação; a terra é boa. Você trabalhou muito ao longo dos anos; a
produção não vai ser muito melhor do que a atual. De repente, você ouve uma
voz por trás dizendo: “Neste ano, plante milho em vez de trigo.” Você faria isso?
Se soubesse sem dúvida que era a voz de Deus, plantaria milho? Mas como saber?

Imagine-se como uma mãe abandonada pelo companheiro, fazendo malabarismo


para dar conta do emprego e de três filhos. Parece que nunca sobra um momento
de descanso. Então, um dia, você ouve uma voz dizendo: “Convide seus pais
idosos para morarem com você.” Você o faria? Se soubesse, sem dúvida, que era a
voz de Deus, faria isso? Mas como ter certeza?

Imagine que você é membro de uma igreja. Deus o abençoou através dos anos
em suas tentativas de servir à igreja. Tem sido fiel nos dízimos e nas ofertas. Mas
então, um dia, uma voz atrás de você diz: “Venda tudo o que possui e dê o
dinheiro à Adra, para alimentar os famintos.” Você faria isso? Se soubesse, sem
dúvida, que era a voz de Deus, você venderia tudo? Mas como saber?
Se Deus lhe falasse hoje, você saberia que era Ele?

Lembro-me de um idoso pecuarista. Até ali, fora muito bem-sucedido. Na


verdade, possuía um dos maiores rebanhos daquela terra. Com idade avançada,
todas as suas esperanças relacionadas com o futuro se concentravam no filho.
Certo dia, bem cedo, foi despertado por uma voz que disse: “Leve seu filho único
ao topo daquele monte a 32 quilômetros ao norte daqui, mate-o com uma
punhalada e depois toque fogo nele.” Se você fosse aquele fazendeiro, teria feito
isso? Se soubesse que era Deus quem ordenava tal coisa, obedeceria? Como saber?

Como sabia Abraão que aquele estranho pedido vinha diretamente de Deus?
Com toda franqueza, foi até bom Abraão não ser adventista do sétimo dia,
porque, se fosse, provavelmente não teria ido ao Monte Moriá. Um fervoroso
adventista do sétimo dia teria comparado o que a voz disse com as Escrituras e
teria concluído: “Isso não vem de Deus.” Perceba, a voz dizia que ele devia fazer
algo contrário ao sexto mandamento. E não só isso, mas os profetas revelam que o
sacrifício de um filho é abominação ao Senhor. Um bom adventista seria levado a
concluir que a voz, obviamente, não era de Deus. Só há um problema. A voz era
de Deus!

Como sabia Abraão que a voz que lhe ordenava fazer algo contrário à vontade
de Deus era de Deus? Minha suspeita é de que, em sua longa vida, Abraão andou
e conversou muito com Deus. Chegara a saber quando Deus Se comunicava com
ele e quando era simplesmente a voz de seus sentimentos íntimos ou alguma outra
influência. Abraão tinha experiência com Deus. Havia testado suas impressões.
Havia praticado o que ouvia. E discernia quando era Deus falando e quando não
era.

Deus, provavelmente, não lhe pedirá que faça algo semelhante ao que pediu a
Abraão. Somente alguém com uma experiência vitalícia de caminhada com Deus
poderia ter reagido da forma como Abraão reagiu àquela ordem. Deus sabia com
quem estava lidando. Abraão mostrou-se fiel a Deus, mesmo numa situação
torturante e carregada de perplexidade. Através desse exemplo, Deus pôde ensinar
ao Universo inteiro algo especial acerca do Seu plano de salvação (ver Patriarcas e
Profetas, p. 153-155). Não há como dizer o que Deus faz com alguém que esteja
disposto a ouvir Sua voz e obedecer a ela.
Relacionamento vivo com Deus
Se desejamos ter o tipo de relacionamento com Deus que Abraão teve, então
precisamos aprender a reconhecer a voz de Deus em nossa vida diária. Creio que
há somente dois tipos de viver cristão. Um pode ser descrito como uma
simulação. O outro se baseia em uma experiência genuína, viva, com Deus.

O viver à base de um “faz-de-conta” é como colocar a vida espiritual no piloto


automático. Você vai à igreja no sábado de manhã. Deus está sendo adorado, mas
sua mente vai de piloto automático. Você canta os hinos no piloto automático.
Durante a oração, você está pensando no período da tarde. E como pode alguém
ouvir um sermão enquanto luta para impedir que as crianças perturbem os
demais? Esqueça! O piloto automático na vida espiritual pode facilmente
transformar-se num estilo de vida.

Sua vida cristã está no piloto automático? Professa o cristianismo porque seus
pais o fazem? Porque sua família o faz? Porque seus melhores amigos o fazem? Ao
longo dos anos como pastor, cheguei a reconhecer que uma elevada porcentagem
de homens, de modo particular, estava na igreja principalmente porque seus
familiares eram membros. Não havia um sólido compromisso pessoal.

Você vai à igreja simplesmente por causa do hábito? Porque você cresceu indo,
e assim continua? A vida se torna interessante apenas quando você está no
trabalho ou na quadra de esportes ou no shopping – fazendo algo de natureza
secular? É aí que você se sente mais vivo e envolvido com a vida?

Creio que o único tipo de vida cristã que interessa é o segundo: uma
experiência genuína e viva com Deus. Você sabe que Deus existe e sabe que Ele
está com você, e sabe que pode expor a Ele suas mais profundas necessidades e
preocupações. E sabe que Ele fará a mesma coisa com você. Uma relação viva e
genuína com Deus é a base para o único tipo de cristianismo que realmente
importa.

O que fazer com as impressões


No capítulo anterior, vimos que um estudo meticuloso, a oração, um estilo de
vida integrado e o testemunhar da fé são as melhores maneiras de reverter a
tendência ao secularismo. Mas um elemento adicional da experiência cristã é
freqüentemente deixado fora das discussões adventistas sobre o assunto. Um
fundamento decisivo para a caminhada com Deus é compreender o que fazer com
as impressões. O que você faz quando sente que Deus está procurando manifestar-
Se a você, particularmente? Com que seriedade você pode encarar impressões no
sentido de dizer e fazer coisas, e de acreditar nelas, especialmente quando a
impressão diz respeito a questões não tratadas nas Escrituras?

Não estou falando aqui de vozes audíveis. Se você me dissesse que ouve vozes o
tempo todo, eu o escutaria, mas ficaria um pouco preocupado. Quando falo de
impressões que tive, não estou dizendo que Deus me favoreça de algum modo
especial. Não ouço vozes audíveis, e não creio que minha experiência com Deus
seja incomum, em algum sentido. Mesmo assim, tenho sabido por experiência
que Deus é capaz de comunicar-Se comigo, ainda que eu não ouça uma voz
audível, ainda que não veja uma figura angélica. A Bíblia sugere que Deus deseja
comunicar-Se conosco diretamente; por isso, quando prestamos atenção à voz de
Deus fora das Escrituras, estamos sendo fiéis às Escrituras.

Prestar atenção à voz de Deus é vital para um dinâmico relacionamento com


Ele. Falando com franqueza, embora a Bíblia e o Espírito de Profecia (os escritos
de Ellen G. White) sejam guias essenciais para a vida cristã, eles não cobrem
especificamente a maioria das situações da vida. Nenhuma mensagem direta e
específica na Inspiração abrange a maioria das decisões que você toma num dia
comum. Por exemplo: a Bíblia lhe diz com qual pessoa seria melhor que você se
casasse? Diz onde vocês devem morar? Diz que trabalho devem procurar ou que
tipo de educação obter? Os princípios bíblicos certamente se aplicam ao processo
de tomada de decisão nessas situações, mas a escolha final geralmente é deixada
por nossa conta.

Por conseguinte, muitas das decisões mais importantes ou corriqueiras da vida


não são orientadas por uma palavra direta de Deus na Escritura ou no Espírito de
Profecia. Nem todos estão dispostos a aceitar isso. É tentador usar uma variedade
de abordagens interpretativas da Bíblia e do Espírito de Profecia, a fim de
descobrir um conselho direto para a existência cotidiana. O resultado, muitas
vezes, é fazer com que tanto a Bíblia quanto o Espírito de Profecia digam coisas
que os próprios autores nunca teriam dito. Creio firmemente, porém, que Deus
gostaria de guiar-nos nas decisões mais críticas da vida. Essas decisões seriam
baseadas nos princípios da Escritura e do Espírito de Profecia. Mas, além desses
princípios, Deus gostaria de guiar-nos de maneira muito específica e direta. Ele
também gostaria de advertir-nos quanto a perigos espirituais e físicos.
Considere, por exemplo, a minha experiência em Lost Lake, o local de uma das
reuniões campais da Associação da Upper Columbia. Ficava a 56 quilômetros da
cidadezinha mais próxima e a 25 quilômetros da estrada mais próxima no meu
mapa do Estado de Washington. Fui convidado para falar naquela reunião campal,
anos atrás.

Gosto da mudança de ritmo que as viagens proporcionam. Gosto de ver lugares


novos e conhecer pessoas. Assim, normalmente, quando uma viagem se aproxima,
aguardo-a com certa expectativa. Mas dessa vez não era o caso. Em vez disso, eu
sentia uma sensação geral de apreensão, quase pavor, e não conseguia descobrir o
porquê. Por que cada fibra do meu ser dizia que eu não desejava fazer aquela
viagem?

Tendo carregado o carro e partido na direção de Lost Lake, passando por


Indiana, Illinois, Wisconsin, Minnesota e Dakota do Sul, a sensação geral de
apreensão começou a cristalizar-se numa sensação específica de perigo na rodovia.
Não comentei nada sobre meus sentimentos com os membros da família; só fiquei
um pouco mais alerta ao dirigir e um pouco mais cauteloso que de costume.
Também não reclamei por minha esposa estar contente de permitir que eu
dirigisse a maior parte do tempo!

As coisas transcorreram sem novidades até chegarmos ao oeste de Montana e a


rodovia interestadual começar a subir pelas montanhas Bitterroot. Minha van é
muito confiável, mas tem um pequeno motor de quatro cilindros, o que nos
reduziu a velocidade a uns 40 quilômetros por hora na íngreme subida. A certa
altura, um caminhão se aproximou vindo de trás, andando um pouquinho mais
rápido que eu. Ele se desviou para me ultrapassar. Quando emparelhou comigo, a
estrada ficou um pouco mais plana, e minha van pegou mais velocidade. Por um
minuto ou mais, alternamos as posições; às vezes o caminhão me passava, e depois
a van recuperava um pouco o terreno. De repente, vi o pisca de luz amarela à
minha esquerda. Percebi que o motorista do caminhão me havia perdido de vista
ao lado dele. Estava assinalando sua intenção de passar para a minha faixa! Acionei
a buzina, mas o motor dele era barulhento demais para que me ouvisse. Quando
ele começou a passar para a minha faixa, buzinei de novo, mas acabei sendo
forçado a sair da pista. Reduzi a velocidade no gramado junto à estrada, consegui
controlar o veículo e depois voltei novamente à rodovia. Mais adiante, quando a
pista ficou plana de novo, alcancei-o e acelerei a mais de 130 por hora a fim de
ultrapassá-lo. Não correria mais risco com as mudanças de faixa!

Duvido muito que ele tenha tido consciência de haver nos expulsado da estrada.
O interessante é que, uns 180 metros adiante do local onde fomos forçados a sair
da pista, havia um guardrail. Se ele nos houvesse apertado naquele ponto, não teria
havido lugar para onde escapar. Teríamos sido esmagados contra a mureta ou
possivelmente jogados por cima dela, barranco abaixo. Depois desse incidente,
contei por fim à minha esposa sobre a impressão de perigo na rodovia.

A resposta dela foi:

– Bem, nesse caso, é melhor tomarmos mais cuidado daqui para a frente.

Mas respondi:

– Não; já passou. Era sobre isso que o Senhor estava tentando me acautelar.
Agora tudo vai ficar bem. – Eu sentia um alívio completo da ansiedade, e esse
alívio era tão real quanto a impressão anterior de perigo. De alguma forma, senti
que o perigo havia passado e que o restante da viagem transcorreria razoavelmente
sem novidades. Senti total gratidão a Deus, que Se importa conosco e é
plenamente capaz de nos avisar com antecedência sobre coisas assim.

Não quero dar a entender que Deus sempre nos avisará ou protegerá. Quando
coisas ruins acontecem com o povo de Deus, isso não significa necessariamente
que fizeram algo errado ou estão sendo punidos. Ironicamente, na volta para casa
daquela viagem, eu dirigia feliz pelo Estado de Dakota do Sul, com meu controle
de velocidade fixado em 100 km/h (o limite exato de velocidade naquele trecho
da estrada). Até hoje me pergunto por que Deus não me avisou sobre o policial
rodoviário cujo radar estava calibrado (intencionalmente ou não) 20 quilômetros a
mais que a velocidade real. Embora meu velocímetro dissesse que eu viajava a 100
por hora (aquela região de Dakota do Sul é muito plana), o radar dele dizia que
eu estava a cento e vinte por hora. E ele não demonstrou, absolutamente, senso
de misericórdia. Para mim, acabou sendo muito cara aquela parada, embora eu
tivesse obedecido fielmente à lei, pelo menos no que dizia respeito ao meu
conhecimento. Pretendo perguntar ao Senhor sobre esse incidente durante o
milênio. Mas se tiver de escolher, prefiro ser avisado sobre motoristas de
caminhão desatentos, em vez de policiais rodoviários equivocados ou corruptos.
Esses incidentes e outros me levam a crer que Deus é muito real e objetivo. Ele
não Se ocupa exclusivamente com a administração do Universo; também gostaria
de envolver-Se mais com as atividades corriqueiras da nossa vida. E parece tão
disposto a comunicar-Se conosco hoje como esteve com as pessoas dos tempos
bíblicos.

Algumas palavras de cautela


Os adventistas, contudo, podem achar difícil aceitar a idéia de que Deus usaria
impressões na comunicação conosco. Como adventistas, desconfiamos de
impressões. Tememos os excessos do pentecostalismo, e com bons motivos. Os
cristãos carismáticos, muitas vezes, parecem levar mais a sério o seu “espírito” do
que as Escrituras. Certa ocasião, assisti a um culto numa igreja pentecostal onde o
nome de Jesus era usado e onde reinava muita sinceridade, mas pude sentir a
presença demoníaca. É possível que as pessoas estejam louvando a Deus com os
lábios e cultuando o demônio ao mesmo tempo, sem saber. Dessa maneira, a
experiência oferece muitos motivos para nos preocuparmos com impressões.

Textos como o de Gálatas 1:8 e 9 apresentam um equilíbrio significativo para


aquilo que aprendemos da experiência de Abraão.

Mas, ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue
evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja anátema. Assim,
como já dissemos, e agora repito, se alguém vos prega evangelho que vá
além daquele que recebestes, seja anátema.

Paulo, aqui, sugere que as impressões (como anjos ou pregadores) podem levar-
nos em sentido contrário ao dos claros ensinos de Deus. Satanás pode vir a nós
disfarçado de anjo de luz (ver 2 Coríntios 11:14, 15). Não importa qual seja a
fonte, não devemos jamais aceitar uma impressão contrária àquilo que já
conhecemos como sendo certo.

As impressões, afinal, podem vir de diferentes fontes. As impressões podem vir


de Deus, designadas a auxiliar-nos a navegar em meio a uma variedade de
situações na vida. Mas Satanás também pode dar-nos impressões; muitas vezes as
chamamos de tentações. É muito importante, por isso, que sejamos capazes de
reconhecer se Deus ou Satanás está falando conosco num determinado tempo e
lugar.
Muitas impressões, porém, não vêm de Deus nem de Satanás. Algumas
impressões podem surgir das profundezas obscuras de nosso próprio íntimo.
Outras, ainda, refletem as expectativas de outras pessoas. Se desejamos estar
atentos à voz interior de Deus, precisamos ser capazes de reconhecer a diferença
entre esses vários tipos de impressão.

Independentemente de virem de Satanás, de algum tipo de nevoeiro interior ou


das expectativas dos outros, as impressões podem guiar-nos em sentido contrário
ao das Escrituras. Com exceção de circunstâncias incomuns, como aquela de
Abraão, as impressões nunca devem suplantar a Escritura. Aqui está uma
ilustração: Um dia, um amigo me telefonou e disse que precisava me ver. Como
eu me havia mudado para outra parte do país, ele teve que dirigir uma distância
considerável para se encontrar comigo. Quando chegou, estava acompanhado de
uma mulher que não era sua esposa. Eles eram adventistas conservadores.
Queriam fazer a coisa certa, mas estavam convencidos de que cada um se havia
casado com a pessoa errada e que Deus pretendia que estivessem juntos na
eternidade. Haviam orado acerca da situação e queriam saber se seria apropriado
exercer os seus “direitos matrimoniais celestes” agora, ou se precisariam aguardar
até chegarem ao Céu para casar-se. Da maneira mais bondosa que eu conhecia,
disse-lhes que uma impressão que os levasse a ser infiéis ao cônjuge não vinha de
Deus. É simples assim. As impressões podem guiar-nos em sentido contrário ao
das Escrituras, mas essas impressões devem ser descartadas de imediato, em
praticamente todas as situações.

As impressões também podem levar-nos em sentido contrário à maneira como


Deus nos fez. Se uma pessoa, absolutamente sem talento teatral, se sentisse
impressionada a tornar-se comediante, eu me inclinaria a duvidar de que seria
Deus a fonte dessa impressão. Se uma pessoa que não presta atenção em detalhes,
e com poucas habilidades de liderança, se sentisse impressionada a tornar-se
administradora, eu questionaria a fonte da impressão. Se um mecânico que não
sabe ler se sentisse impressionado a tornar-se bibliotecário, eu questionaria a fonte
da impressão. Deus constituiu as pessoas de muitas maneiras diferentes. Seremos
mais felizes e prestaremos melhor serviço quando fizermos o que Deus designou
que fizéssemos.

Alguns se sentem motivados quando estão com outras pessoas; outros se apagam
dentro desse mesmo tipo de contato. Quando os introvertidos precisam sujeitar-se
a um ajuntamento muito grande, em geral precisam ir para casa depois, fechar as
cortinas e deitar-se num quarto escuro por algum tempo até recuperar as forças. É
de cortar o coração ver pessoas se esforçando para servir a Deus de um modo
contrário à maneira como Ele as “programou”. Assim, gasta-se muita energia
meramente para “sobreviver”. Tenha cautela com impressões que o conduzam
em sentido contrário à forma como Deus o fez.

As impressões também podem levá-lo a praticar atos de autopromoção e em


benefício próprio. Você pode sentir-se impressionado no sentido de que
vangloriar-se é da vontade de Deus. Pode sentir a impressão de que tem a solução
definitiva para algum problema na igreja. Mas, ao agir para resolver o problema,
você descobre que está simplesmente suprindo sua necessidade pessoal de poder e
controle. Atos destrutivos podem parecer sublimes e nobres quando são
respaldados por fortes impressões de estar fazendo a vontade de Deus.

Não percamos, portanto, nosso senso de equilíbrio espiritual simplesmente


porque Abraão teve uma experiência muito incomum com a voz de Deus.
Devemos lidar com as impressões com cuidado. Os perigos que acompanham as
impressões não devem, contudo, levar-nos a perder as fantásticas bênçãos que vêm
de uma caminhada dinâmica com Deus. Para os cristãos que vivem num mundo
secular, não há substituto para uma relação viva com Deus. Essa relação é a
melhor salvaguarda contra a inclinação ao secularismo. Essa relação também é
vital em qualquer contato com pessoas de mente secular. Essas pessoas foram
“treinadas” a fazer vista grossa para Deus, quer O encontrem na igreja, num
programa religioso da televisão ou em livros religiosos. Para muitas pessoas de
mente secular, o único quadro nítido de Deus que verão algum dia é a Sua
presença viva na vida de outra pessoa. “Ouvir a Deus” O torna real, não só para
nós, como também para aqueles que não O conhecem.

A maneira de lidar com as impressões


Para os nossos amigos carismáticos, o perigo está em colocar as impressões acima
dos claros ensinos da Escritura. Por outro lado, muitos adventistas ficam tão
desconfiados diante de uma “experiência” emocional, que achariam melhor viver
sem nenhum senso da presença de Deus do que arriscar-se a cometer um erro de
julgamento de vez em quando. Aqui, então, está o desafio: Como aprender a
conhecer a voz de Deus sem cair na armadilha de ir contra a Escritura ou contra a
maneira como Deus nos fez? Creio que existem algumas maneiras práticas de
conseguir isso.

Permita-me ampliar uma das minhas sugestões sobre oração, do capítulo


anterior. Observei que, embora nos acostumemos a falar com Deus em oração,
raramente tomamos tempo para ouvir Sua resposta. Experimente este processo
algumas vezes. Quando estiver pronto para orar, tome lápis e papel. Quando
terminar, permaneça no seu lugar e aguarde em silêncio. Anote qualquer tipo de
pensamento e idéia que lhe vier à mente durante os 5 ou 10 minutos seguintes.
Isso é um tipo de debate espiritual. Quando é mais provável que Deus o
impressione com uma idéia, se não for quando você já se encontra numa atitude
de concentração?

Bem, quando eu faço isso, vejo que uma grande porcentagem dos pensamentos
e idéias que me passam pela mente são irrelevantes para a minha vida naquele
momento. Se você se sente impressionado a visitar alguém, visite! Se o impulso é
de telefonar, telefone! Se você se sente inclinado a ir a um determinado shopping,
vá até lá e veja o que acontece. Quando você recapitular suas experiências
passadas, pode muitas vezes dizer quando era Deus que estava guiando ou quando
era você que estava seguindo seu próprio caminho. Recapitular a reação às várias
impressões e os seus resultados pode aguçar o senso de como Deus o guia
pessoalmente.

Vamos supor que eu sinta a impressão de que preciso entrar em contato com
alguém ou orar com essa pessoa. Vamos supor que, ao fazer o contato, essa pessoa
faça repetidas observações sobre o momento excepcionalmente oportuno do
telefonema ou o quanto precisava de uma visita. Suponha que, aonde eu for
naquele dia, as pessoas se sintam abençoadas e o reino de Deus avance. Isso me
sugeriria que a mão de Deus estava claramente por trás das impressões que me
levaram a fazer o bem, no momento certo. Deus já me deu vários dias assim, e é
tão gostoso! Sinto-me nas nuvens, realizado e com um senso de propósito. Fico
sabendo que há um Deus vivo que Se importa de me guiar, mesmo nos
pormenores da vida.

Mas as coisas nem sempre acontecem desse jeito. Às vezes, sinto o impulso de
fazer telefonemas ou visitas, e a reação é menos positiva. As pessoas coçam a
cabeça, sem ter idéia do motivo pelo qual Deus poderia querer que eu entrasse
em contato com elas naquele momento. O contato, inclusive, pode provocar
algum problema, para mim ou para elas. Às vezes, sinto que devo fazer algo
especial por um membro da minha família, só para descobrir que errei feio!
Quando os resultados de uma determinada impressão não cooperam para o bem,
essa impressão provavelmente veio de uma fonte que não era Deus.

A chave, então, é testar nossas impressões, ou pelo menos aquelas que não são
obviamente tolas ou contrárias à Bíblia. Faça experiências com elas. Mantenha um
registro dos resultados. Com o passar do tempo, você aprenderá gradualmente a
distinguir a voz de Deus de algumas das outras vozes na sua cabeça. Descobrirá
que Deus utiliza um certo modo de falar com você, um que você chegará
gradualmente a reconhecer. Notará que a voz dEle vem até você com um
“sotaque” particular. Chegar a esse reconhecimento não acontece de maneira
fácil. Exige tempo e atenção cuidadosa. Mas a alegria produzida pela orientação
de Deus vale o tempo e o esforço. Deus cuida de muitas áreas da sua vida que não
são diretamente governadas pela Escritura. E os outros também serão beneficiados
pela sensibilidade que você revela.

Em muitas ocasiões, desejei auxiliar alguma pessoa, mas senti que poderia fazer
mais dano do que bem. Para produzir o máximo efeito, o auxílio deve ocorrer no
momento certo, no lugar certo e do jeito certo. Ser sensível à guia de Deus pode
fazer uma grande diferença aqui. A Escritura não nos diz quando ou a quem
visitar. Deus Se dispõe a nos ajudar a saber quando e como abordar as pessoas,
mas precisamos estar sintonizados com a voz dEle.

Ellen G. White declara: “Nada temos que recear quanto ao futuro, a menos que
esqueçamos a maneira em que o Senhor nos tem guiado, e os ensinos que nos
ministrou no passado” (Eventos Finais, p. 72). Você alguma vez já pensou em
aplicar esse princípio à sua própria vida e experiência? Ao ver como o Senhor o
guiou no passado, você ganhará confiança para saber que Ele o guiará também no
futuro. Talvez eu possa contar mais algumas experiências do meu passado, nas
quais tive certeza absoluta de que Deus me guiava.

Encontrar a pessoa certa


Uma das áreas em que a orientação de Deus é importante é a do casamento.
Muitas pessoas se aventuram num casamento “pela fé”, só para descobrir, muitas
vezes cedo demais, que cometeram um grande equívoco. No meu caso, procurei
a pessoa certa o tempo todo durante a universidade, mas não houve nenhum
“estalo” duradouro. Eu era um rapaz um tanto solitário quando me formei, pois
estava deixando as garotas para trás e iria pastorear em uma região onde as
“velhinhas” eram maioria. A igreja para a qual fui designado me relegou à
experiência de quatro paredes solitárias e uns quinze membros idosos na reunião
de oração. Não havia uma vida social de verdade para um rapaz de 23 anos.

Minha primeira entrevista com o presidente da Associação não ajudou. Durante


quinze minutos, ele me encheu a cabeça dizendo que gostaria que seus pastores se
casassem. Depois, mudou de rumo e me advertiu por outros quinze minutos de
que não aprovava pastores que namorassem! Vá entender! Lá pela sexta-feira da
minha primeira semana as coisas andavam bem deprimentes.

Naquela sexta-feira à tarde, o pastor titular me ligou e disse que à noite daria um
estudo bíblico numa parte perigosa da cidade. Acrescentou que não se importaria
de ir acompanhado, se eu tivesse algum tempo livre. Feliz pela oportunidade de
sair daquele solitário apartamento, concordei em estar às 18h na casa dele. A
caminho do estudo bíblico, ele fez uma parada num bairro que parecia diferente
daquele que mencionara.

– Como temos um pouquinho de tempo a mais – ele disse –, pensei em passar


pela casa da Pam por alguns minutos.

– Quem é a Pam?

– É uma pergunta interessante. Uns dois meses atrás, ela veio andando pela rua
num sábado e anunciou que havia encontrado a igreja na lista telefônica. E tem
vindo desde aquele dia. Acho que ela está interessada em batizar-se logo.

Assim, fomos ao apartamento da Pam e a encontramos. Devia estar perto dos 20


anos de idade. Estava vestida muito à vontade, e de início não me impressionei
particularmente com ela. Entretanto, quando a vi com outra roupa na igreja, no
dia seguinte, fiquei um pouco mais impressionado. Três dias depois, eu estava
novamente fazendo visitas com o pastor. Ele mencionou seu plano de realizar um
batismo naquele sábado, e achava que devíamos visitar Pam novamente para saber
se ela gostaria de batizar-se também. Havíamos acabado de nos sentar quando ela
tomou a dianteira na conversa.

– Fiquei sabendo que o senhor está planejando um batismo neste sábado – disse
ela.
– Sim, dois ou três jovens querem batizar-se – respondeu o pastor.

– O senhor acha que haverá algum espaço para mim? – perguntou ela.

Os pastores, naturalmente, vivem para momentos como esse. Mas então


aconteceu uma coisa estranha (ou quem sabe nem tão estranha). Ao sair da casa
dela naquele dia, despedimo-nos com um aperto de mão, como é o costume
pastoral. Mas, para mim, havia eletricidade naquele aperto de mão. E eu não sabia
o que fazer com aquilo. Parece totalmente impróprio que um pastor sinta emoção
com um cumprimento como aquele. Meses mais tarde, ela admitiu que também
havia sentido a mesma coisa, e se perguntara se aquilo era apropriado. Seja como
for, tomei nota da sensação, e nosso relacionamento começou a crescer. Eu lhe
oferecia carona, da igreja para casa. (Eu achava muito legal o meu carrinho
esportivo alemão, mas naquela época ela sentia atração pelos Mustangs.)

O pastor titular descobriu logo que não precisaria mais levar Pam para casa
depois dos cultos. Com sabedoria, entregou para mim os estudos bíblicos que ela
ainda teria de fazer. Nas tardes de sábado, encontrávamos todos os parques mais
lindos da cidade de Nova York e passávamos o tempo estudando a Bíblia, bem
como conhecendo um ao outro. Sou agradecido pelo fato de que nosso
relacionamento estava centralizado no aspecto espiritual quando começamos. Não
demorou muito para que expandíssemos o nosso tempo juntos aos domingos
também, e conversávamos bastante depois da reunião de oração das quartas-feiras
(o impressionante é que nenhuma das velhinhas desconfiou que aquela moça
começara a freqüentar os cultos de oração depois da chegada do pastor-assistente).

Depois de algumas semanas, Pam decidiu me avisar a respeito de uma coisa.


Contou-me que tinha um longo currículo de interessar-se por um rapaz por uns
dois meses, e depois perder o interesse de repente. Não me preocupei demais,
porque as coisas estavam andando muito bem até ali. Afinal, agora ela era cristã,
de modo que as coisas deveriam ser diferentes. Além do mais, eu era diferente de
todos os outros rapazes (a arrogância da juventude)! Mas os cristãos continuam
sendo pessoas, e sua personalidade continua sendo afetada por experiências
anteriores. Embora Deus use nossa personalidade exclusiva para Ele, muitas
peculiaridades podem continuar após a conversão. Dito e feito: uns dois meses
depois do início do relacionamento, senti que algo estava faltando.

Continuamos a nos encontrar, mas a centelha claramente se fora. Testei todas as


técnicas do romance, desde restaurantes sofisticados até caminhadas à luz do luar
no parque. Nada parecia funcionar. Senti-me atormentado, com uma sensação de
desespero, e tenho certeza de que aquilo transpareceu na maneira como eu agia.
Eu a amava e não conseguia suportar a idéia de perdê-la.

A essa altura, ela ficou sabendo que seu bisavô morrera. Ela e sua mãe decidiram
ir para o funeral no Centro-Oeste. Pam havia crescido numa fazenda na Dakota
do Norte e passado lá a maior parte da sua vida. Depois que seus pais se
divorciaram, ela acabou acompanhando a mãe para a cidade de Nova York.
Depois de mais ou menos um ano na grande cidade, ela suspirava por algum
toque do torrão natal. Ela o encontrou na igreja, que a fazia lembrar-se do “porto
seguro” que a igreja pode oferecer para os mais jovens num mundo confuso. Pam
nunca apreciara de verdade a cidade de Nova York e falava freqüentemente em
voltar para o Centro-Oeste a fim de cursar a universidade. Assim, quando ela e a
mãe compraram passagens só de ida para o funeral em Dakota do Norte (naquela
época, a tarifa para bilhetes só de ida era mais baixa que para ida e volta), percebi
que o relacionamento havia acabado. No aeroporto, ela se despediu sem nenhum
entusiasmo. Sem graça, dispus-me a pagar a passagem de volta para ela e a mãe,
caso decidissem retornar. Então, assisti à entrada dela no avião e sua saída da
minha vida.

Voltei para as minhas solitárias quatro paredes – zangado com Deus. Quando
finalmente encontrei a pessoa certa, Ele a levou embora. Como podia Ele brincar
comigo desse jeito, só para me deixar mais sozinho que nunca? Depois de algum
tempo, contudo, percebi que minha ira contra Deus não era unânime dentro de
mim. Eu não estava 100% zangado com Deus; só uns 80%. Os outros 20% dentro
de mim raciocinaram que, se um casamento com Pam não fosse da vontade de
Deus, então na verdade não importava quão fantástica ela era. Casar com alguém
que não fosse da vontade de Deus só podia ser desastroso. Assim, travou-se uma
batalha no meu íntimo – 80% de mim queriam-na de volta, não importava o
custo; os outros 20% queriam fazer a vontade de Deus, não importava o custo.

Apesar do meu oferecimento de trazer Pam e sua mãe de volta, vários dias
passaram sem notícias dela. Minhas orações confusas e embaralhadas continuaram
sendo elevadas a Deus. Alguns dias mais tarde, notei que uns 70% de mim a
queriam de volta, e 30% diziam que a vontade de Deus era o que realmente
importava. Depois de oito ou nove dias de silêncio, apenas 60% queriam que ela
voltasse; 40% oravam para que se fizesse a vontade de Deus e pediam a ajuda de
que eu necessitava para aceitar o fato.

Aprendi uma lição muito importante durante essa época. Na jornada cristã,
freqüentemente nos vemos divididos contra nós mesmos. Nossa devoção plena a
Deus é solapada por uma variedade de vozes lá dentro, algumas das quais
podemos nem perceber. Mas aprendi que a vontade humana pode apegar-se
inclusive à menor migalha de fé, dirigi-la a Deus e então, por Sua vez, Deus fará
essa fé crescer. Embora a impressão de colocar o retorno de Pam nas mãos de
Deus partisse de mim mesmo, eu sabia que era a impressão certa, mesmo que a
maior parte de mim lutasse contra ela. Quando colocamos nossa vontade por trás
das impressões que sabemos virem de Deus, ocorrerá o crescimento de caráter, e
nossa caminhada com Deus se tornará cada vez mais real.

Era o dia número onze. Eu orava ao lado da cama por volta das onze da noite
(os dois números onze facilitaram a memorização). No meio daquela oração,
tomei consciência de que 51% de mim queriam obedecer à vontade de Deus,
fosse qual fosse o custo. Contei ao Senhor que, mesmo que nunca mais visse Pam,
tudo estaria bem. Mesmo que eu tivesse que permanecer solteiro para o resto da
minha vida, estaria bem. Eu só queria fazer a Sua vontade. Um sensação incrível
de paz me dominou. Uma sensação de entrega, plena e completa. O senso de que
Deus aprovava minha decisão. Eu sabia que, de um jeito ou de outro, tudo ficaria
bem. Deus estaria comigo e Ele tomaria conta das coisas.

Você precisa entender que meus dois relacionamentos anteriores com moças na
universidade haviam terminado de modo semelhante. Em cada caso, a pessoa pela
qual eu estava interessado foi embora, algo aconteceu, e nunca mais nos
encontramos. Para mim, essa experiência com Pam foi “três tentativas, e você está
fora!” – uma experiência completamente arrasadora. Que alívio foi entregar nas
mãos de Deus todo o conceito de uma companheira de vida! O meu jeito não
estava funcionando, de qualquer maneira!

O que aconteceu a seguir não foi um exagero de evangelista. Estou contando a


você exatamente o que ocorreu. Quando encerrei aquela oração das onze da
noite, disse mentalmente “em nome de Jesus, Amém”. No exato instante em que
a palavra “Amém” passou pela minha mente, o telefone tocou. Levantei-me, fui
até o telefone e o atendi. Uma voz disse: “Tenho uma ligação a cobrar da Pam.
Aceita o débito?” O primeiro contato em onze dias! Pam disse alguma coisa sobre
a necessidade dela e da mãe de voltarem para a cidade, e teria eu realmente
prometido pagar a passagem? Bem, é desnecessário dizer que eu estava à porta da
agência de viagem no minuto em que a porta se abriu na manhã seguinte. E me
maravilhei diante desse incrível sinal do cuidado de Deus para com nosso
relacionamento.

Já houve dias em nosso casamento em que fui tentado a dizer que ele foi um
erro. (Ela também já teve esses dias.) Agradeço a Deus pela certeza pessoal de que
nosso casamento tem a Sua aprovação. Ele escolheu usar esse relacionamento na
prosperidade e na adversidade, para me tornar tudo o que posso ser para Ele.
Creio que às vezes Deus está apenas aguardando para nos conceder o desejo de
nosso coração, mas o retém porque o exigimos com nossas próprias condições.
Ele espera até que nos dediquemos totalmente a Ele, para que recebamos o Seu
dom de um modo que seja benéfico. Por vezes, nosso egoísmo pode ser o maior
obstáculo para receber exatamente aquilo que mais queremos.

Há, porém, mais um episódio na história. Quando Pam voltou de Dakota do


Norte, não tinha maior interesse em mim do que quando partira. Ela precisava era
de uma passagem de volta para Nova York, e tinha a intenção de me reembolsar
o dinheiro. Depois, ela iria para um colégio adventista próximo. Continuamos
amigos. Mas, na mente dela, a parte romântica do nosso relacionamento havia
acabado.

Fiquei muito confuso. O que teria significado o sinal das onze horas da noite, se
não a aprovação de Deus para nosso possível casamento? Como aconteceria
aquele casamento, se um de nós não estava interessado? Nosso verão terminou
numa sala do Atlantic Union College, onde ela se matriculava no seu curso. Eu
estava pronto para dirigir meu carro de volta para Nova York e seguir minha
vida. Ela estava pronta para fazer um teste e seguir a vida dela. Despedimo-nos
com um aperto de mão. Eu disse: “Foi um lindo verão. Nunca me esquecerei de
você!” Entrei no carro e me afastei. E assim acabou. Ou pelo menos parecia.
Graças à minha entrega a Deus, consegui fechar a porta e sair sem maiores
traumas.

Quando voltei a Nova York, fiz arranjos para expandir meu ministério em áreas
que aumentassem minhas oportunidades sociais (como lecionar no ensino médio).
Comecei a pensar em ir para o Seminário no ano seguinte, como opção através da
qual Deus me abrisse o futuro. Mas, acima de tudo, eu estava satisfeito por seguir
no Seu ritmo e no lugar indicado por Ele. Embora sentisse solidão às vezes,
sentia-me bem por ter-me dedicado totalmente a Deus.

Então, num sábado à noite, o telefone tocou. Mais uma vez, a operadora disse:
“Tenho uma ligação a cobrar da Pam. Aceita o débito?”

Respondi que aceitaria.

– Ooooooiiiiiii! – disse uma voz alegre e vibrante do outro lado da linha.

– Ah, é você? – respondi, com um tom de indiferença.

Pam tivera tempo para pensar. Tempo para explorar outras opções. Começou a
achar que havia perdido algo que mais tarde se arrependeria de perder. Começara
a sentir que havia cometido um erro ao permitir que eu escapasse. Minha resposta
deixou claro que eu continuava minha vida e não passava os dias pensando nela.
Ela ficou chocada. Nenhum rapaz a havia deixado antes. Eles sempre ficavam
desesperados quando ela se afastava, e isso a deixava menos interessada ainda.
Agora era a vez de ela ficar confusa. Sem ter planejado, sentiu que a atração surgia
novamente. Era a sua vez de reacender a chama entre nós. E se saiu muito melhor
do que eu.

Durante os meses seguintes, telefonemas e visitas reconstruíram gradualmente


nosso relacionamento. Pouco a pouco, construímos um alicerce relacional que
tem perdurado por décadas. Mas entendemos agora que o elemento-chave foi a
minha disposição de renunciar a ela. E eu jamais teria feito isso
independentemente do meu relacionamento com Deus. Somente através de uma
relação viva com Deus podemos ter o tipo de desprendimento que
verdadeiramente ama outra pessoa sem prendê-la numa gaiola. Nossa relação
jamais teria funcionado sem uma forte sensibilidade à guia divina. Mas, com Deus,
tudo é possível!

Como servir?
Com respeito à questão do companheiro de vida, uma experiência saudável com
as impressões é essencial. Quando se trata de romance, os sentimentos e as
impressões são extremamente perigosos. Assim, em nenhum outro momento,
uma relação viva com Deus é mais vital para o sucesso. O interesse de Deus pelos
romances humanos está claramente ilustrado nas histórias bíblicas de Isaque, Jacó e
Moisés.

A segunda área na qual a orientação de Deus é absolutamente vital é a do


trabalho. O valor de nosso trabalho para Deus ao longo da vida é ampliado
quando descobrimos o Seu plano exclusivo para nós e como Ele nos destinou ao
sucesso na execução desse plano. Também sou grato a Deus por Sua orientação
pessoal nessa área da minha vida.

Depois que Pam e eu nos casamos, fomos para o Seminário. Então, ingressei no
ministério pastoral em tempo integral. Deus nos abençoou, e parecia que se
estendia diante de nós uma carreira vitalícia no ministério. Mas, depois de algum
tempo, várias pequenas coisas sugeriam que eu ainda não havia chegado ao lugar
do trabalho definitivo. As pessoas diziam coisas como: “Você é um bom pastor,
mas alguma vez já pensou em lecionar?” Ou então: “Sua pregação é boa, mas
quando você tem uma lousa atrás de si e dá início a um debate, é aí que você se
inflama!” Eu vibrava mais no meu estudo pessoal e na classe da Escola Sabatina do
que no púlpito ou fazendo visitação.

Então, me conscientizei acerca do conceito bíblico dos dons espirituais. Aprendi


tudo o que pude sobre eles e fiz um teste. O teste sugeriu três áreas de maior
aptidão na minha vida: ensino, pesquisa e missão (a capacidade de relacionar-se
com outras culturas). Enquanto ponderava as possibilidades, parecia que o lugar,
acima de qualquer outro, onde eu poderia exercer esses dons seria o Seminário
Teológico da Universidade Andrews em Berrien Springs, Michigan. Lá eu
poderia lecionar e ter tempo para pesquisa, além de lidar com pessoas do mundo
todo. Se isso não desse certo, outra possibilidade seria dar aulas de Bíblia num
colégio de outro país.

Uma coisa parecia certa: se Deus me quisesse numa sala de aula, eu precisaria de
um doutorado. Como ninguém se ofereceria para pagar meus estudos, Pam e eu
decidimos, com muita oração, começar a fazer sacrifícios e economizar tudo o
que pudéssemos enquanto continuávamos no ministério. Quando tivéssemos
economizado o suficiente para pagar uns dois anos de estudo, nós nos
mudaríamos para Michigan e ela conseguiria o restante trabalhando como
secretária. Mas sempre nos comprometemos com um aspecto: quando viessem os
filhos, ela lhes daria atenção em tempo integral. Assim, decidimos adiar a chegada
dos filhos para depois de concluído o doutorado ou pelo menos até que
tivéssemos recursos suficientes para cobrir as despesas com educação.
Quando atingimos nossas metas financeiras, fizemos planos de mudança para
Michigan. Informamos a Associação e nossa igreja que partiríamos. Autorizamos o
senhorio a alugar nossa casa para outros inquilinos. Pam encontrou um bom
emprego como secretária na Universidade Andrews, onde eu estudaria.
Entregamos a papelada e fizemos os exames de ingresso. Então, um mês antes da
mudança, aconteceu o grande choque. Pam estava grávida. Isso significava que ela
não trabalharia mais depois da chegada do bebê. Também significava que a maior
parte da sua renda potencial não entraria. Significava que agora estava em jogo
tudo aquilo para o qual havíamos trabalhado.

Sugeri à Associação que poderíamos permanecer em nossa igreja por mais uns
dois anos a fim de economizar mais dinheiro para os estudos. Tanto a Associação
quanto a igreja receberam bem a idéia. Mas havia outro problema. O proprietário
já havia concordado em alugar nossa casa para outras pessoas. Mas ficou feliz
quando lhe disse que desejávamos permanecer (éramos bons amigos). Ele disse:
“Se o caso é esse, vou fazer com que aconteça. Sou advogado. De qualquer
maneira, não tenho nada registrado por escrito com essas pessoas. Vou
simplesmente dizer-lhes que terão de encontrar outro lugar.” Com esse estímulo,
orei ao Senhor dizendo que, se pudéssemos permanecer na mesma casa e na
mesma igreja, seria um sinal para que adiássemos o doutorado para uma ocasião
posterior.

Quando vi Mike, o proprietário, no seu quintal no dia seguinte, ele estava com
a cabeça baixa e as mãos nos bolsos. Fui até a cerquinha que separa os dois
terrenos. Ele me disse que gostava muito de nós e queria que ficássemos, mas
simplesmente não poderia romper o acordo que havia feito com as outras pessoas.

– Jon, eu lhes dei a minha palavra – disse ele. – Simplesmente não me sinto bem
em voltar atrás.

Concluí que, se aquele advogado de mente secular queria manter sua palavra e,
como resultado, perder um bom amigo, Deus devia estar por trás daquilo de
alguma forma.

– Mike – eu disse –, você é a voz de Deus para mim hoje. – Pude ver que ele
não sabia bem o que fazer com a situação, mas ele entendeu que eu achava que
era uma boa coisa. Eu disse que ele estava fazendo a coisa certa, e que eu
procuraria fazer o mesmo com a minha vida. Sabia que, se Deus estivesse
conduzindo os fatos, tudo daria certo, mesmo que não soubéssemos de onde viria
o dinheiro. Então, Pam e eu nos preparamos para deixar a cidade.

Dois dias depois, outro amigo meu, que era presidente de uma empresa,
procurou-me e disse:

– Você tem habilidades de pesquisa que eu poderia usar. Enquanto faz o seu
doutorado, estaria interessado em ser consultor para minha empresa? Eu lhe
mandaria um cheque de trezentos dólares cada mês, e você faria algumas pesquisas
para mim de tempos em tempos, para me ajudar no meu negócio. – Meu
interesse por pesquisas e as expectativas dele coincidiam, e o dinheiro que ele me
ofereceu cobriria a metade daquilo que minha esposa conseguiria! O Senhor nos
dava um sinal: Ele cuidaria das coisas se tão-só confiássemos nEle. Como
resultado, fomos para Michigan pela fé, mas com alguma evidência para apoiar a
fé.

Tendo Deus entrado em ação, um milagre seguiu ao outro. Durante os


primeiros dois anos do meu programa de doutorado, as taxas de juros chegaram
ao nível mais alto do século. Isso significou que, por mais de dois anos, os juros de
nossa poupança, combinados com os cheques do empresário, constituíram uma
renda igual à que minha esposa teria obtido se estivesse trabalhando. Então, pouco
depois de minha chegada ao Seminário, a Comissão Diretiva da Associação Geral
me escolheu, entre todos, para realizar um grande projeto de pesquisa pelo qual se
dispôs a pagar mil dólares. Um ano depois que cheguei, o diretor do
Departamento de Novo Testamento me disse que um professor, que estava de
licença, ficaria ausente mais um trimestre. Eu me importaria de dar as aulas no
lugar dele? Por alguma razão, esse professor continuou adiando o seu retorno
trimestre após trimestre. Durante dois anos completos, dei aulas enquanto
estudava quase em tempo integral também.O salário como professor substituto era
pequeno, mas para mim parecia grande! E a experiência foi ainda mais valiosa que
o dinheiro.

Um dia, o reitor me chamou ao seu escritório.

– Apreciamos muito o que você vem fazendo aqui – ele disse. – Dei uma olhada
nos seus registros, e vejo que você nunca recebeu auxílio financeiro de nossa
parte. Por que não o solicitou?
– Não creio que seja o meu caso – respondi. – O senhor sabe, minha esposa e
eu gostamos de saber de onde virá nossa refeição seguinte, e decidimos fazer o
que fosse necessário para manter um saldo na conta. Embora fosse ótimo receber
ajuda financeira, não temos uma necessidade imediata.

– Precisamos fazer algo por você – disse ele. – Deixe-me ver. – Ele pegou um
livreto e começou a folheá-lo. – Deve haver em algum lugar uma bolsa que seja
concedida por mérito, e não por necessidade.

É dessa maneira que Deus trabalha quando você está no lugar certo, na hora
certa. Eu não havia solicitado ajuda, mas o reitor me chamou. Eu não achava que
seria um candidato qualificado, mas ele decidiu encontrar um jeito de fazer com
que aquilo acontecesse. Ao longo do ano seguinte, ele arranjou quase quatro mil
dólares a título de bolsa por mérito! E isso foi apenas o início. A casa na qual
residimos também nos veio sob circunstâncias praticamente miraculosas, no que
diz respeito ao momento, ao custo e à localização. Não teria sido melhor se
houvéssemos planejado daquela forma. Um ano depois, quando nosso dinheiro
estava para esgotar-se, ofereceram-me um emprego permanente no Seminário.
Quando me graduei, não devíamos nada, a ninguém.

Nada se compara à sensação de saber que nos encontramos onde Deus deseja
que estejamos e fazendo o que Ele quer que façamos! E não é esse o tipo de
experiência que Deus deseja para todos os que O seguem? Sei que há ocasiões em
que Deus não escolhe proteger ou guiar. Há ocasiões em que Deus, em Seu
propósito, pode não advertir-nos com antecedência quanto a um perigo. Mas
quando vemos o amor que encaminhou Jesus para a cruz, sabemos que podemos
confiar nEle, não importa quais sejam as circunstâncias. Não há voz de orientação
que se compare com a Sua voz, quer nas Escrituras, no Espírito de Profecia, quer
por impressões ou circunstâncias. Disso eu sei. Toda vez que Deus Se dispuser a
falar comigo, quero ser como Samuel e dizer: “Fala, Senhor, porque o Teu servo
ouve” (1 Samuel 3:9).
UMA LIÇÃO DA GUERRA DO GOLFO

Neste capítulo, continuamos examinando o papel da oração num


relacionamento vivo com Deus. Como já notamos no capítulo anterior, uma
experiência cristã que faça a diferença no mundo secular terá consciência da
presença e orientação de Deus na vida diária. Mas a oração pode afetar mais do
que simplesmente vidas individuais. Pode ser uma força que desencadeia o poder
ativo de Deus no contexto mais amplo do mundo. Neste capítulo, examinaremos
esse significado mais amplo da oração e sua influência sobre os grandes eventos ao
nosso redor. A analogia que nos ajudará a entender o significado dessa categoria
especial de oração baseia-se na estratégia militar.

Você se lembra onde estava e o que estava fazendo quando soube que a Guerra
do Golfo havia começado? Eu me encontrava no Walla Walla College,
lecionando num curso de extensão da Universidade Andrews para uns 35
pastores. Além de dar aulas, eu devia fazer um recrutamento de candidatos para os
programas de pós-graduação do Seminário. Eram aproximadamente 16 horas do
dia 15 de janeiro. Eu entrevistava um estudante, quando Ernie Bursey passou pela
porta aberta da sala de entrevistas. Ernie, um dos professores de religião em Walla
Walla, é conhecido por sua oposição à guerra. Quando ele passou, dava a
impressão de que seu queixo ia encostar nos sapatos.

– Qual é o problema, Ernie? Você parece péssimo! – brinquei.

– Você não ouviu? – respondeu ele. – Começaram a bombardear Bagdá agora,


minutos atrás!

Uma sensação de entorpecimento me dominou, enquanto eu sentia o impacto


do que estava realmente ocorrendo a 11.000 quilômetros de distância. Eu havia
passado pelos anos do Vietnã, mas a guerra no Vietnã fora diferente. Embora o
Vietnã fosse uma experiência horrível para todos os que tiveram de participar, o
governo e a mídia sempre o retrataram mais como uma ação policial ou coisa
parecida. Mas a Guerra do Golfo era uma guerra à semelhança da Segunda Guerra
Mundial ou do conflito na Coréia – um tipo de guerra que eu nunca havia
testemunhado na minha vida toda. Dezenas de milhares de iraquianos, a maioria
deles totalmente inocente em relação aos atos de Saddam Hussein, estariam
mortos quando a guerra terminasse. Centenas de milhares de meus compatriotas
americanos enfrentavam uma situação de perigo e estresse sem paralelo.

De repente, nada mais parecia importante. Mal pude esperar para voltar ao meu
quarto no hotel e fazer exatamente o que Saddam Hussein fazia naquele
momento – sintonizar a CNN para descobrir o que afinal estava acontecendo.

A primeira notícia que chegou foi uma enorme surpresa. Os analistas militares
haviam previsto que as perdas num ataque inicial com bombas sobre o Iraque
representariam mais de 10% dos aviões aliados envolvidos no bombardeio. Como
1.700 aeronaves militares participaram do primeiro ataque, aproximadamente 200
poderiam ser abatidas antes que as defesas aéreas do Iraque fossem neutralizadas.
Então, a notícia de que todos os aviões, com exceção de apenas um, retornaram à
base com segurança depois da primeira onda foi uma surpresa enorme. O sucesso
foi não só além da expectativa; foi além dos limites da imaginação. Nunca se
ouvira algo sobre esse nível de perdas em toda a história da aviação militar.

A essa altura, percebi que a guerra exerceria um impacto muito maior sobre
nossas percepções do mundo do que eu havia esperado. Como a maioria dos
americanos, aguardei ansiosamente o relatório Cheney-Powell sobre o ataque
inicial. Estava programado para as nove horas da noite, pelo fuso horário do
Pacífico. Entendi que a primeira missão do ataque aliado seria destruir a força
aérea iraquiana e os aeroportos militares.

Mas eu estava “por fora”. Quando Cheney e Powell se apresentaram na


plataforma, não falaram nada acerca de bases militares ou da força aérea iraquiana.
O foco do primeiro ataque foi totalmente outro. Disseram que o alvo prioritário
dos ataques iniciais era “o comando e o controle”. Na verdade, o comando e o
controle continuaram como o alvo prioritário por várias semanas. Em que, afinal,
consistia isso?

O comando e o controle não tinham que ver particularmente com as armas que
os iraquianos usariam para responder a um ataque. O comando e o controle
diziam respeito às linhas de comunicação e autoridade dentro da força militar e da
sociedade iraquiana em geral. O que Cheney e Powell diziam era que não
estavam com medo dos aviões ou tanques iraquianos. Estavam mais preocupados
com a capacidade iraquiana de comandar e controlar seu pessoal e equipamento,
sua capacidade de comunicar-se.

A comunicação, e não os sistemas bélicos, era a maior prioridade do ataque


aliado. Isso era diferente de qualquer outra guerra de que eu tinha notícia. E você
conhece o resultado dessa estratégia. Quando o combate começou em terra,
simplesmente não houve enfrentamento. Todos os objetivos foram atingidos
numa questão de horas e com um mínimo de perdas.

Você vê, os iraquianos eram muito mais competentes do que os resultados


pareciam indicar. O exército iraquiano era, de fato, o quarto maior do mundo na
época, e um dos mais bem equipados. Tinha força aérea, tanques e outras armas
em grande quantidade e alta qualidade. Poucos países teriam tido mais êxito
contra o tipo de forças arregimentadas contra o Iraque naquela ocasião. A razão
pela qual o exército iraquiano se mostrou em estado tão deplorável e impotente
foi que ele perdera a comunicação – a capacidade de comandar e controlar essa
tremenda força. Como resultado, quando aconteceu o ataque em terra, cada
unidade iraquiana se sentia como se estivesse combatendo sozinha contra uma
força esmagadora que vinha contra ela, e só contra ela. Não foi de admirar que os
soldados iraquianos se rendessem rapidamente, em massa.

Um exemplo específico do poder da comunicação numa guerra moderna foi


publicado num artigo da revista Newsweek, uns seis meses após o término do
conflito. Contava a história de um destacamento de três soldados americanos que
foi aerotransportado para uns 250 quilômetros Iraque adentro um pouco antes de
começar a guerra. O objetivo da equipe era observar os movimentos iraquianos e
mandar o relatório via rádio.

Quando escurecia, os soldados usavam óculos para visão noturna e se


movimentavam ao redor para fazer as observações. Ao amanhecer, cavavam uma
pequena trincheira num bom local para observação, entravam nela e a cobriam
com vegetação como camuflagem. Permaneciam em silêncio no buraco o dia
todo, e depois saíam novamente à noite para fazer mais observações.

Certa manhã, localizaram um bom posto de observação nos arredores de uma


vila iraquiana. Não muito depois do amanhecer, um dos membros do
destacamento ficou curioso para saber o que acontecia do lado de fora do buraco.
Isso acabou sendo um grande erro. Quando ele ergueu um ou dois dos galhos que
serviam de camuflagem, viu-se face a face com uma menina iraquiana de uns sete
anos de idade. Sua mente percorreu de imediato as opções disponíveis. As regras
do compromisso sob as quais ele servia exigiam que ele a matasse no ato e
arrastasse o corpo para dentro da pequena trincheira. Permanecer sem ser
detectado pelo inimigo era a mais alta prioridade da missão. Mas, quando olhou
dentro daqueles olhos infantis, tão cheios de vida, ele simplesmente não conseguiu
fazer aquilo. Ela podia ser uma “inimiga”, mas naquele momento ele também viu
a humanidade da criança. Pensou em puxá-la rapidamente para dentro da cova,
mas mesmo que conseguisse mantê-la quieta, a sua ausência logo seria percebida.
Assim, tentou uma terceira opção: dizer-lhe, por mímica, que estava fazendo uma
brincadeira e que ela não devia contar a seu pai ou a qualquer outra pessoa que
ele se encontrava ali. Então, permitiu que ela se fosse.

É lógico que ela foi direto ao seu pai e apontou o local onde estavam os
soldados. Numa questão de minutos, a pequena trincheira contendo os três
homens estava rodeada por uma força de várias centenas de iraquianos. Balas
voavam ao redor e equipamentos mais pesados já se encontravam a caminho. A
situação dos três soldados parecia totalmente perdida, com exceção de um detalhe
– comando e controle. Um dos soldados falou ao rádio e transmitiu um
desesperado pedido de socorro.

Na Arábia Saudita, as forças de apoio entraram em ação imediatamente. Um


helicóptero Blackhawk com armamento pesado decolou em menos de um
minuto e partiu para o Iraque a 320 Km/h, voando a apenas alguns metros do
chão para evitar ser detectado pelos radares iraquianos. Com efeito, o helicóptero
voava tão baixo que o piloto em determinado momento precisou fazer uma
manobra para evitar atingir um camelo que por ali perambulava. O Blackhawk
chegou à trincheira menos de uma hora depois de a menina tê-la descoberto, e
voou em círculos ao redor do buraco várias vezes, espalhando munição para todos
os lados. Então, pousou rapidamente e os três soldados embarcaram de um salto,
fazendo um arriscado percurso de volta para a Arábia Saudita, ao estilo dos filmes.
Quando o helicóptero pousou na base, nenhum dos homens estava ferido.

Esse é um poderoso exemplo do impacto daquilo que Cheney e Powell


chamavam de “comando e controle”. A comunicação é a chave das operações
bélicas modernas. A diferença entre a coalizão dos aliados e os iraquianos era a
capacidade de comunicar-se e coordenar forças no momento decisivo. Enquanto
eu lia vários relatos após a Guerra do Golfo, fazia-me uma pergunta: Existe aqui,
em algum ponto, uma lição espiritual? Pode a Guerra do Golfo ensinar-nos a ter
um nível semelhante de sucesso na vida cristã? Existe um aspecto de comando e
controle na experiência cristã?

Voltei-me ao Novo Testamento em busca de respostas. Descobri que o conflito


armado é uma metáfora bíblica comum para as batalhas que os cristãos travam na
vida cotidiana. Também é uma metáfora para os tipos de desafio que o povo de
Deus enfrentará durante os eventos finais da história terrestre. Um texto crítico é
o de Apocalipse 16:14-16.

Porque eles são espíritos de demônios,

operadores de sinais,

e se dirigem aos reis do mundo inteiro

com o fim de ajuntá-los para a peleja

do grande Dia do Deus Todo-poderoso.

(Eis que venho como vem o ladrão.

Bem-aventurado aquele que vigia

e guarda as suas vestes,

para que não ande nu,

e não se veja a sua vergonha.)

Então, os ajuntaram no lugar

que em hebraico se chama

Armagedom.

A palavra traduzida como “peleja”, no verso 14, deixa claro que esses versos
empregam linguagem militar. Mas note o verso 15, colocado bem no meio dessa
passagem!

Eis que venho como vem o ladrão.


Bem-aventurado aquele que vigia

e guarda as suas vestes,

para que não ande nu,e não se veja a sua vergonha.

Em outra parte do Novo Testamento, essas imagens: “ladrão”, “vigiar” e


“guardar as vestes” são usadas para ilustrar a prontidão espiritual para a segunda
vinda de Jesus. Assim, bem no meio desse texto sobre o Armagedom, está um
apelo para a fidelidade a Deus. O Apocalipse não usa linguagem militar para
satisfazer nossa curiosidade a respeito dos eventos políticos futuros. Esse vislumbre
do futuro é dado a fim de preparar-nos para viver de modo correto no presente!
A batalha do Armagedom é, acima de qualquer coisa, uma batalha espiritual. Não
diz respeito à Rússia e aos Estados Unidos ou a um conflito pelo petróleo do
Oriente Médio. A batalha do Armagedom é uma batalha entre Cristo e Satanás
pela lealdade da mente humana.

A experiência cristã nos últimos dias da história terrestre, portanto, é descrita em


termos militares no Novo Testamento. Isso fica ainda mais claro quando lemos a
declaração de Paulo encontrada em 2 Coríntios 10:3-5.

Porque, embora andando na carne, não militamos segundo a carne.


Porque as armas da nossa milícia não são carnais, e sim poderosas em Deus,
para destruir fortalezas, anulando nós sofismas e toda altivez que se levante
contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo pensamento à
obediência de Cristo.

Embora não faça parte do Apocalipse, esse é, em certo sentido, o texto mais
claro sobre o Armagedom em toda a Bíblia. Os cristãos enfrentam uma guerra
como o restante do mundo também, mas não é um estilo carnal de guerra. As
armas da nossa milícia não são carnais. Quais são as armas carnais? Fuzis AK47 são
armas carnais. Bombardeiros F14 são armas carnais. Tanques M1A1 são armas
carnais. O que fazem essas armas? Elas estraçalham pessoas. De acordo com o
Novo Testamento, os cristãos não combatem com esse tipo de armas. As armas
com as quais lutamos não são armas carnais; ao contrário, têm o divino poder de
demolir fortalezas.

Que tipo de fortalezas? Fortalezas espirituais, não carnais. De acordo com Paulo,
em 2 Coríntios, os cristãos recebem poder divino para capacitá-los a demolir
argumentos e todo tipo de altiva pretensão que se levante contra o conhecimento
de Deus. Ainda além, a guerra cristã é descrita como levando cativo todo
pensamento e tornando-o obediente a Cristo. Você vê, a guerra cristã é uma
batalha pela mente. Uma batalha entre forças sobrenaturais que desejam engajar-
nos no serviço de Cristo ou no de Satanás. Você participou de uma batalha
travada pela conquista de sua mente nesta semana? Uma batalha pelos
pensamentos da sua mente? É exatamente a isso que o Armagedom diz respeito. É
a isso que a vida cristã diz respeito.

Assim, a Bíblia usa a guerra como um quadro mental da vida cristã. Mas a
“guerra” cristã também é muito diferente do tipo “carnal”. Embora seja uma
imagem violenta, a guerra bíblica conquista ao amar os inimigos, abençoar os que
nos maldizem, orar pelos que nos ferem e andar a segunda milha quando nos
pedem um favor. A guerra cristã vence o mal com a estratégia de Ghandi e
Martin Luther King, e não a de Átila, o huno, e Norman Schwartzkopf
[comandante das tropas aliadas na Guerra do Golfo]. Os verdadeiros cristãos
bombardeiam as pessoas com amor e misericórdia, lançam graça perante os outros
e se escudam com autenticidade e vulnerabilidade. Para usar uma expressão
comum, a guerra cristã trata de “matar suavemente”. Isso é loucura do ponto de
vista secular. Mas, embora as alegações do evangelho pareçam absurdas à primeira
vista, a Bíblia declara que as “armas” do evangelho são muito mais poderosas do
que as armas carnais de destruição em massa, e que exercerão impacto maior no
curso da história humana!

Como é possível? Como pode a fragilidade da guerra espiritual ser mais forte
que todas as armas carnais? Creio, à luz desses textos bíblicos, que os eventos da
Guerra do Golfo podem ajudar-nos a responder a essa pergunta. A força do
ataque aliado não jazia no poder explosivo das bombas ou no impacto destruidor
dos mísseis, mas numa coisa simples chamada comando e controle! Existe aqui
uma analogia que abra caminho para o poder secreto da fé cristã? Qual é o
comando e controle da guerra cristã? Qual é o elemento crucial que faz a
diferença entre vitória e derrota na vida cristã?

Cheguei à conclusão de que a melhor analogia cristã com o efeito que o


comando e o controle tiveram sobre a Guerra do Golfo é nada mais que a oração
intercessória. A oração intercessória é quando intercedemos com Deus, não por
nós, mas em favor de outros. A oração intercessória cria uma corrente de interesse
que nos liga não só a Deus, mas uns aos outros. É esse aspecto da existência cristã
que forma um paralelo mais próximo com a cadeia de comando, bem como com
as comunicações interligadas da moderna operação bélica. E a oração intercessória
é muitas vezes mal entendida. Trataremos de três coisas acerca da oração
intercessória neste capítulo: (1) a oração intercessória funciona; (2) é perigosa, e
(3) é boa para nós.

A oração intercessória faz diferença


Em primeiro lugar, a oração intercessória funciona. Não se trata meramente do
efeito que a oração exerce sobre mim; é muito mais sobre o efeito que ela exerce
sobre os outros. A oração intercessória baseia-se na crença de que minhas orações,
de alguma forma, fazem diferença em questões sobre as quais tenho pouco ou
nenhum controle. Isso pode ser difícil de aceitar intelectualmente. Deus já não
sabe das coisas pelas quais estou orando? Não deseja Ele intervir positivamente,
tanto quanto ou mais ainda do que eu desejo que Ele o faça? Que diferença
poderia minha oração fazer na vida de alguém distante de mim?

A despeito dessas dificuldades, tenho experimentado poderosos e inexplicáveis


resultados da oração intercessória, não apenas uma vez ou duas, mas
constantemente ao longo de décadas.

Certa vez, fui enviado a uma igreja, como pastor. Antes de conhecer a
congregação, achei que seria proveitoso obter algumas informações com o pastor
anterior. Eu não estava preparado para o que ele me contou. Ele disse: “É
impossível trabalhar com essa igreja. Você não pode fazer absolutamente nada por
aqueles membros. Gaste tempo com seu carro; leia bastante; mas trabalhar com
aquele povo não o levará a lugar nenhum.” Ele continuou: “Nunca consegui
pregar mais do que dez minutos nessa igreja. Quando chego a esse ponto, uma
sensação incrível de escuridão me cobre e simplesmente não consigo prosseguir.”
Ele concluiu, com certo humor, que a única coisa a ser feita por aquela igreja
seria amarrar um cabo ao seu redor, arrastá-la até o mar e então cortar o cabo.

Vi diante de mim um homem abatido e derrotado, afundado no seu assento.


Como jovem pastor, recém-saído do seminário, pensei comigo mesmo: “Bem,
talvez ele não tenha conseguido lidar com ela, mas eu não sou ele. Vou mostrar o
que se pode fazer em circunstâncias como essa!” Assim, com autoconfiança e
ingenuidade, parti garbosamente naquele sábado para pregar meu primeiro sermão
àquela igreja. Quando me levantei para pregar, percebi nesse mesmo instante que
ele sabia exatamente do que estivera falando. Não era um jogo de palavras. Havia
uma presença demoníaca naquela igreja adventista! Senti uma sensação de
sufocamento, e parecia que estava ficando cada vez mais escuro.

O aspecto mais incrível dessa experiência foi que havia uma chapa de vidro de
uma polegada de espessura, separando completamente o púlpito da congregação.
Assim, nada do que eu dizia passava para o outro lado. Agora sei que o vidro não
estava lá na verdade, mas eu podia senti-lo plenamente como se estivesse. Olhei
para a congregação através daquele vidro, e o que vi era esquisito. As crianças
subiam pelo encosto dos bancos e passavam por baixo deles, para saírem pela
frente. Os adultos conversavam uns com os outros e simplesmente não prestavam
atenção em mim.

Nada do que eu dizia alcançava a congregação, e o tempo todo me senti


asfixiado, percebendo uma escuridão que me cobria. Mas nem tudo estava
perdido. Minha esposa entendeu imediatamente que havia problemas graves na
igreja naquela manhã. Ela começou a interceder com Deus por mim e pela
congregação, sem o meu conhecimento. Depois de uns vinte e cinco minutos de
sermão, ouvi um sino. O sino tinha um som um tanto distinto, algo como o sino
da missa numa igreja católica. No instante em que ouvi o som do sino, o vidro
que me separava da congregação desapareceu. De súbito, todos os olhares naquela
igreja se arregalaram e se fixaram diretamente em mim. Os últimos minutos
daquele sermão foram tão poderosos quanto os de qualquer outro que eu já
tivesse pregado. A oração intercessória funciona. Não fiz nada de especial naquele
dia, mas, pelo fato de minha esposa ter orado, algo muito especial aconteceu.

Alguns anos mais tarde, na Austrália, um pastor e sua esposa me procuraram.


Queriam que eu orasse com eles pela cura de uma enfermidade fatal de que a
esposa sofria. Eu lhes disse que não me sentia chamado a fazer esse tipo de coisa
como regra geral, mas que estava disposto a tentar. Também decidi pedir que o
presidente da Associação estivesse junto, porque ele conhecia o casal e era um
homem de oração. Eu estava realizando uma série de reuniões naquela ocasião
com Roland Hegstad, que era editor da revista Liberty. Decidimos que ele
pregaria, enquanto nós nos reuniríamos para orar num quarto dos fundos.
Oramos. Foi um momento especial, mas não houve sinal imediato de cura.

Quando entrei na plataforma, o pastor Hegstad quis saber o que havia


acontecido no quarto dos fundos. Perguntei-lhe a que se referia. Ele me disse que
na hora anterior experimentara um incrível senso da presença e do poder do
Senhor, como nunca havia sentido antes na vida. Era como se uma radiação saísse
do quartinho. Fui tentado a sentir um pouco de orgulho diante do poder das
minhas orações, até descobrir que minha esposa se havia sentido tocada a orar
naquele mesmo instante, lá nos Estados Unidos. Desde aquele dia, aprendi a
reconhecer quando minha esposa ora por mim, mesmo do outro lado do mundo.
As orações dela nos Estados Unidos naquela noite (acho que era a manhã do
mesmo dia para ela) fizeram uma poderosa diferença na Austrália – uma diferença
que outros, além de mim, puderam sentir. E talvez o mais emocionante de tudo,
encontrei-me com a esposa daquele pastor novamente, seis anos depois, e ela se
sentia muito, muito melhor! E alegava que sua mudança para melhor havia
começado um dia depois daquela oração.

Algum tempo depois da minha experiência na Austrália, eu estava dando aulas


num curso de extensão em Walla Walla; foi na mesma ocasião relatada há pouco
neste capítulo. Fiz uma coisa realmente boba naquela ocasião (algo que não é
incomum para mim). O plano do Seminário era que eu lecionasse por cinco dias
e depois passasse cinco dias recrutando formandos em Teologia. Mas eu não
queria passar dez dias longe de casa. Decidi fazer as duas coisas ao mesmo tempo,
para poder voltar para casa mais cedo. Isso significava que eu daria aulas das oito
horas da manhã até às três e meia da tarde. Depois, passaria o restante do dia
entrevistando os alunos em perspectiva. Quando me prepararia para dar as aulas?
Ah, imaginei que poderia inserir esse preparo aqui e ali. Que idéia mais tonta!

Não apenas me sobrecarreguei com um nível extenuante de responsabilidade,


como a Guerra do Golfo irrompeu bem no meio daquilo tudo. Para completar o
estresse relacionado com o meu trabalho, veio a preocupação com a situação
mundial. Quando voltei para casa, estava sofrendo com uma crise dolorosa de
bursite que mal me permitiu mover-me por uma semana (é desse jeito que meu
corpo costuma reagir a um estresse esmagador). Creio, portanto, que nunca dei
aulas num estado de mais cansaço, distração e despreparo. O impressionante é que
quando chegaram as avaliações no final da semana, descobri que nunca havia
lecionado uma matéria que tivesse sido tão apreciada pelos alunos!

O que acontecera? O mérito, certamente, não estava comigo. Eu me sentia um


caco. Quando voltei para casa, descobri que minha esposa e minha filha haviam
traçado um plano. As duas (embora eu não tivesse contado muita coisa) se
sentiram impressionadas a reunir-se ao longo daquela semana e orar por mim a
intervalos regulares. Os resultados foram muito além de qualquer cálculo humano.
A oração intercessória faz a diferença. Não precisamos entender o porquê para
experimentar essa diferença.

Minha igreja local, Buchanan, em Michigan, tem o costume, cada sábado, de


tomar tempo para compartilhar alegrias, louvores, tristezas e pedidos. Num ano,
sem contar a ninguém, um psicólogo da nossa igreja fez anotações sobre os vários
comentários e os tabulou. Em janeiro, surpreendeu a igreja com o seu projeto e
os resultados que descobrira.

“Semana após semana vocês fazem isso”, disse ele, “e não têm idéia do que
realmente está acontecendo. Anotei todos os pedidos de oração mencionados no
ano passado. Depois, prestei atenção para ver se alguma coisa acontecia. Sabiam
que, ao longo do último ano, 80% de todos os pedidos foram claramente
respondidos de maneira positiva? Precisamos levar essa parte do programa ainda
mais a sério do que até agora. Suas orações fazem diferença. Suas orações estão
mudando o mundo, quer percebam, quer não!”

Clinicamente falando, pelo menos para o nosso grupo, essa foi uma evidência
indiscutível de que a oração intercessória faz diferença. Desde aquela época, tenho
tomado conhecimento de pesquisas científicas que colocam esse conceito sobre
uma base

empírica ainda mais forte. Em 1995, Dwight Nelson relatou à comunidade da


Universidade Andrews os resultados de um estudo feito no Hospital Geral de San
Francisco e relatado no Southern Medical Journal (v. 81, nº 7). Durante dez meses,
393 pacientes cardíacos em situação crítica foram aleatoriamente distribuídos em
dois grupos. Nem os pacientes, nem os médicos que os atendiam sabiam qual
paciente estava em qual grupo.

Um grupo recebeu o tratamento médico normal para a sua condição. O outro


grupo recebeu o mesmo tratamento, mas foi também entregue a “intercessores”
anônimos, pessoas cristãs que haviam passado pelo novo nascimento, criam na
oração intercessória e a praticavam. Tudo o que os intercessores sabiam sobre os
pacientes que lhes foram designados era seu primeiro nome, o diagnóstico e a
condição geral de saúde. Oraram diariamente em favor de seu rápido
restabelecimento, pedindo também que não houvesse complicações nem a morte.
E quando o estudo se encerrou, esses pacientes que foram objeto de oração se
saíram significativamente melhor na avaliação médica do que os pacientes pelos
quais ninguém havia orado – apesar do fato de que nenhum grupo tinha
conhecimento da experiência.

De acordo com o artigo, os pacientes que receberam o tratamento da oração


“tiveram menos insuficiência cardíaca congestiva, precisaram de terapia com
menos diuréticos e antibióticos, apresentaram menos episódios de pneumonia,
tiveram menos paradas cardíacas e foram menos freqüentemente entubados”.

Você pode questionar minha experiência pessoal o quanto quiser; afinal de


contas, não deve acreditar em alguma coisa só porque alguém falou. Mas pesquisas
utilizando grupos significativamente grandes estão começando a confirmar aquilo
que os guerreiros da oração suspeitam o tempo todo: a oração intercessória faz
diferença, uma grande diferença.

Não me pergunte por quê. Sei de pessoas que ficam muito nervosas por causa da
oração intercessória, como se Deus estivesse de alguma forma sendo compelido a
fazer algo na vida de outra pessoa. A oração intercessória pode não ser lógica. Não
entendo por que ela funciona, mas sei que funciona. E a Bíblia apóia claramente
sua validade. Penso em 1 Timóteo 2:1, 2, onde o apóstolo claramente insiste com
os fiéis para que orem pelos “reis” e por todos aqueles que exercem autoridade,
muitos dos quais nunca influenciaremos pessoalmente. E Paulo espera que essas
orações façam a diferença. Ele diz que devemos orar por essas autoridades “para
que tenhamos uma vida tranqüila e pacífica, com toda a piedade e dignidade” (1
Timóteo 2:2, NVI). Também penso em Daniel 10, onde as orações de um
homem conseguiram alterar o curso de uma nação que era uma superpotência.

Não sei por que coisas como essas acontecem, mas sei que acontecem! De
alguma forma, no curso do grande conflito entre a luz e as trevas, as intercessões
voluntárias de agentes morais como nós providenciam o contexto no qual Deus
pode agir contra Satanás com uma autoridade que de outra forma não seria
possível. Isso, claramente, não acontece porque Deus seja incapaz ou indisposto
sem as nossas orações. Mas, de alguma forma, nossas orações mudam as
circunstâncias nas quais Deus atua. Dwight Nelson sugeriu: “Talvez, na grande
batalha pela lealdade humana, as forças da luz e das trevas se hajam de alguma
forma apegado às regras do jogo limpo. Seria o caso de que nossas orações
intercessórias concedam a Deus a permissão de intervir com poder e amor na vida
de alguém que esteja sendo vítima das forças do mal, de alguém que não tenha a
presença de espírito ou a força da fé para fazer ele mesmo sua petição a Deus?”
(Andrews University Student Movement, 10 de janeiro de 1995, p. 11). Podemos
concordar ou não com essa idéia, mas os resultados da oração intercessória são
dignos de nossa atenção.

A oração intercessória pode ser perigosa


Embora haja abundantes evidências de que a oração intercessória funciona,
também existe evidência de que ela é perigosa. Parece aumentar o vigor dos
ataques de Satanás contra nós, pessoalmente. Satanás é um inimigo derrotado, mas
pode certamente ser irritante, para dizer o mínimo, e assustadoramente perigoso,
para dizer o pior. Permita-me esclarecer essa complexa dinâmica com outra
ilustração tirada dos domínios da ação militar.

Ao contrário da Guerra do Golfo, que se caracterizou por movimentos militares


em massa à semelhança da Segunda Guerra Mundial, a guerra no Vietnã foi
travada, em termos gerais, por unidades relativamente pequenas. De modo típico,
mais ou menos uma dúzia de homens saía de sua base para a missão de patrulha,
procurando pequenas unidades inimigas. Normalmente, todos os homens
carregavam armas pesadas, com exceção de um, o homem do rádio. Ele portava
armas leves porque tinha que carregar uma pesada sacola contendo o equipamento
para as comunicações por rádio.

Veteranos me contaram que, quando os inimigos apareciam e viam a patrulha,


raramente disparavam contra os membros mais pesadamente armados do grupo.
Procuravam primeiro o homem do rádio, se pudessem identificá-lo. Faziam isso
porque sabiam que o homem do rádio era a chave para a escaramuça. O que faria
o homem do rádio, sem armas pesadas? Mais do que qualquer outro naquele
campo de batalha. Com uma simples chamada pelo rádio, podia mudar
totalmente a situação.

Se a patrulha se visse diante de um regimento de mais de mil homens, por


exemplo, o homem do rádio entraria imediatamente em ação. Podia convocar
um ataque aéreo com helicópteros ou aviões equipados com armamento pesado.
Podia acionar um ataque da artilharia com morteiros, dando a localização exata
para garantir o êxito. Podia providenciar reforço maciço de pessoal e
equipamento. Podia sugerir o envio de pára-quedistas para rodear o inimigo de
surpresa. Em outras palavras, por sua própria conta o homem do rádio podia
trazer números decisivos ao ponto decisivo da batalha. Era tão valioso quanto
qualquer general na modalidade de ação típica no Vietnã. Não era de admirar que
o trabalho do homem do rádio fosse tão perigoso. O inimigo o temia, mais do
que a qualquer outro!

Mas havia mais razões ainda para que o inimigo se preocupasse. A comunicação
é uma via de mão dupla. O homem do rádio podia fazer mais do que
simplesmente chamar socorro; ele podia também operar como investigador. Podia
detectar sinais e comunicações do inimigo. Podia responder a perguntas sobre a
situação da batalha que afetaria as decisões tomadas pelos oficiais no
acampamento. Podia descobrir onde, exatamente, se encontrava o inimigo e
transmitir essa informação. Podia avaliar a força do inimigo e que tipo de ataque
viria. O homem do rádio era a chave para manter os comandantes no controle da
situação. No meio da batalha, ele era melhor do que uma centena de espiões sem
a capacidade de comunicar-se rapidamente. Não é para menos que era tão
perigoso carregar o rádio! No sistema de guerrilha, o silêncio e o segredo são
essenciais. O homem do rádio tinha a capacidade de abortar sozinho as operações
do inimigo, de um modo como ninguém mais conseguia.

Assim como na Guerra do Golfo, a chave era “comando e controle”. Os


comandantes precisavam de “inteligência”; suas decisões dependiam de saber
exatamente o que acontecia no nível do chão. No mundo de hoje, essa
informação é obtida cada vez mais através de satélites. Mas durante a Guerra do
Vietnã, o homem do rádio no campo era a figura decisiva na maior parte dos
pequenos enfrentamentos. A “inteligência” faz a diferença entre o sucesso e o
fracasso em muitas batalhas.

Lembro-me de quando o presidente norte-americano Reagan estava no


primeiro ano do seu mandato. Um dia, ele se queixou de que seu trabalho ficava
grandemente dificultado pela decisão de seu antecessor de enxugar a Agência
Central de Inteligência (CIA), a mais conhecida agência americana de
espionagem. Em um dos seus primeiros discursos, ele cometeu o tipo de deslize
verbal modesto pelo qual é lembrado com carinho: “Desde que me tornei
presidente, há uma grave falta de inteligência na Casa Branca!” Os comandantes
precisam de boas informações a fim de tomar decisões acertadas. O resultado de
uma comunicação eficaz na batalha é a vitória, mesmo quando a situação das
unidades sugeriria derrota.
Assim como nas comunicações militares, o comando e o controle cristão têm
dois lados. Um lado é a oração intercessória, o envio de pedidos de ajuda. Mas o
outro lado é sintonizar o que Deus está respondendo. A oração intercessória
provê a rede de encorajamento e apoio que libera as ações do Comandante no
campo. As impressões constituem um meio importante pelo qual o Comandante-
em-chefe orienta as tropas.

Mas existe um lado sombrio dessa realidade. O comando e o controle na guerra


cristã é uma missão tão perigosa como era a função do homem do rádio no
Vietnã. Minha esposa pode contar as vezes em que ela sentiu o ataque de Satanás
no contexto da oração intercessória. Assim como Satanás fez tudo o que pôde
para acabar com as orações de Daniel em favor de seu povo (a história da cova dos
leões acontece em conexão com a poderosa oração intercessória de Daniel pelo
povo de Israel; compare Daniel 5:31 e capítulo 6 com Daniel 9:1-19), assim ele
dedica atenção semelhante àqueles que hoje em dia fazem a diferença pela oração.
Ele fará todo o possível para assaltar o intercessor com temores, dores físicas
aleatórias e, às vezes, manifestações diretas de sua presença. Se ele puder fazer com
que as pessoas deixem de orar, a batalha estará praticamente ganha. Mas, embora a
oração intercessória crie complicações para os que a praticam, o comando e o
controle são a chave para a vitória. Não nos devemos permitir ser impedidos de
fazer exatamente aquilo que faz a diferença decisiva em tantos combates
espirituais.

A oração intercessória é boa para nós


As seções anteriores deste capítulo sugerem que, enquanto a oração intercessória
faz grandes coisas em favor de outras pessoas, ela traz um elevado custo àquele
que ora. Pode ser difícil sustentar uma vida de oração quando se tem de Deus
uma visão de máquina de venda de produtos. Se a oração intercessória atrai sobre
nós a atenção negativa de Satanás, podemos achar que o preço não vale a pena.
Mas existe na oração intercessória uma terceira dimensão que contrabalança o
perigo espiritual que se faz presente no contexto da oração em favor dos outros. A
oração intercessória não beneficia apenas os outros; ela também é muito benéfica
para quem ora. Há várias razões para isso.

Um aspecto é que, quando oramos pelos outros, nossa atitude para com essas
pessoas muda. Certamente é difícil manter sentimentos hostis contra alguém por
quem você ora todos os dias. Quando buscamos a Deus para o bem daqueles que
O têm rejeitado, o Espírito de Deus Se aproxima e nos traz um gosto do infinito
amor de Deus por essas pessoas. Quando buscamos a Deus em favor daqueles que
não gostam de nós, recebemos uma prova do Seu amor por aqueles que O
desprezam. Quando fazemos contato com a atitude de Deus para com os
perdidos, nossa própria atitude começa a mudar. A oração pelos outros nos
transforma.

Há outros benefícios para aqueles que oram. Quando oramos pelos outros, nós
recebemos em espécie. Quando oramos para que alguém se achegue a Cristo e
seja perdoado, tornamo-nos mais capazes de sentir que estamos perdoados diante
de Deus. Ao aprendermos a orar pelas pessoas que nos magoaram,
experimentamos o perdão pelas vezes em que magoamos os outros. Quando
oramos pelos outros, nosso relacionamento com Deus cresce. As duas coisas
parecem trabalhar juntas; se oramos em favor dos outros, nós mesmos somos
abençoados.

Outro benefício da oração intercessória é que, quando oramos pelos outros,


sentimo-nos mais e mais semelhantes a Jesus, que orou por Seus inimigos tanto
quanto por nós. Ao orar em nosso favor, Jesus deixou um exemplo para que
oremos uns pelos outros. Na oração intercessória, desenvolvemos um
relacionamento mais profundo com o Senhor e adquirimos um apreço mais
profundo por Seu interesse pelos demais e suas circunstâncias.

O mais importante, talvez, é que a oração intercessória nos dá um tremendo


senso de realização, ao entendermos que algo que praticamos está fazendo
diferença no mundo. Uma das mais profundas necessidades humanas em todas as
gerações é a de realização na vida, de fazer alguma diferença, de algum modo. A
oração intercessória é uma das mais poderosas maneiras de fazer a diferença.
Deixe-me dar um exemplo.

Alguns anos atrás, enquanto viajava em outra parte do país, decidi telefonar para
o pastor que me batizou quando eu tinha 12 anos de idade. Como garoto, eu
sempre o respeitara muito. Que homem de Deus era aquele! Eu via nele um
modelo daquilo que eu poderia tornar-me se entrasse para o ministério. Ele era
sempre circunspecto e sério, mas mostrava para com as crianças uma cordialidade
tranqüila que sempre me atraiu. Quando decidi fazer a ligação, ele estava
aposentado, na faixa dos 80 anos, e morando perto do lugar onde eu ficaria
hospedado. Fiz a ligação, sem saber o que esperar. Quando ele atendeu,
perguntei-lhe o que andava fazendo na vida. Eu estava totalmente despreparado
para a resposta.

– Nada! Não faço nada! – disse ele. – Não faço nada; eu não sou nada; sou um
lixo! Todos os dias, simplesmente fico sentado, sem fazer nada, só esperando que
chegue o dia seguinte. Às vezes, saio para o jardim por meia hora, por aí, mas fora
isso apenas fico sentado sem fazer nada. Espero no Senhor que me leve para o lar
e me dê descanso.

Fiquei estupefato. Não sabia o que dizer. Fiz uma breve súplica pedindo
orientação e então tive uma idéia. Perguntei-lhe se ainda orava.

– Sim, é lógico – disse ele.

Perguntei-lhe se sabia que a oração intercessória faz diferença.

– Sim, imagino – disse ele.

Pedi-lhe que orasse por mim e por meu ministério, por onde vou. Contei-lhe
como as orações de outros faziam a diferença no meu pastorado. Disse-lhe que,
embora seu corpo não fosse capaz de fazer muito mais pelo Senhor, ele ainda
podia fazer uma grande diferença. Podia orar pela Associação Geral; os que ali
trabalham precisam de toda ajuda que puderem obter! Podia orar pelo presidente
de sua Associação. Comentei com ele que os administradores da igreja eram
pessoas muito ocupadas. Eles amam ao Senhor e sabem quão importante é orar
pela obra em seus territórios, mas são extremamente ocupados. Não têm tempo
para orar tanto quanto gostariam. Mas ele tinha tempo para orar. Talvez Deus o
estivesse conservando com vida porque precisava de indivíduos que tomassem
tempo para orar em favor de Sua causa naquela região.

Contei a ele algumas das coisas que você leu neste capítulo; de como a oração
intercessória fez a diferença em vários pontos da minha experiência. Uma coisa
impressionante aconteceu. Enquanto o telefonema prosseguia, comecei a detectar
um sinal de sorriso na voz dele. Depois, ele foi ficando cada vez mais
entusiasmado, e uma sensação de esperança brotou com força. Ele começou a crer
que o Senhor lhe dava tempo para que ele orasse.
– É fácil, quando se envelhece, sentir que os melhores dias ficaram para trás –
disse eu –, mas Deus o conservou com vida até aqui, talvez porque seus maiores
dias ainda estão pela frente! Quem sabe a sua Associação esteja definhando por
falta das orações que só o senhor pode fazer. É possível que o senhor seja a chave
da obra de Deus nesta região, e o senhor nem sabe!

Quando a ligação telefônica se encerrou, ele vibrava de vontade de viver. Não


mais esperava que o Senhor o levasse para o lar. O Senhor já estava com ele em
casa. Agora a vida tinha missão e propósito. Que diferença o conceito de oração
intercessória pode fazer! Talvez você também se encontre “descendo a ladeira”.
Sei que também não estou muito longe disso. Assim como meu ex-pastor,
também me pergunto às vezes que diferença faço nesta vida. Pergunto-me se os
meus melhores dias já ficaram para trás. Também me esqueço de que há um jeito
de fazer uma diferença enorme nesta vida. Não são as armas que carregamos que
farão diferença na guerra espiritual; é o comando e o controle que vencem a
batalha.

Barreiras para uma vida de oração


Se a oração intercessória é a chave para a vitória espiritual, por que a praticamos
tão pouco? Seria porque, no fundo, temos uma mentalidade secular? Por algum
motivo cremos que a oração é um desperdício de tempo, e que ela não faz uma
diferença real? Ou o problema é que somos auto-suficientes? Achamos que, a
despeito das afirmações da Bíblia, Deus não está realmente ligado com o que
ocorre neste mundo, e assim nada acontece a menos que nós façamos algo?
Pergunte aos iraquianos como é que funciona a confiança própria.

Negligenciamos a oração intercessória basicamente porque somos esquecidos?


Pretendemos orar, mas simplesmente nos esquecemos? Distraímo-nos como
criancinhas, apesar de nosso compromisso de passar mais tempo em oração? Ou é
a tirania daquilo que é urgente? “Sim, vou orar assim que houver um tempinho.
Estou bastante ocupado neste momento, mas na semana que vem eu começo. Sei
que devo orar, mas tenho este prazo final amanhã, e a oração terá que esperar.”
Como podemos mudar esses hábitos entranhados de deixar que a oração
intercessória venha por último e seja o menos importante?

Parece-me que a oração intercessória é o momento, acima de todos os outros,


em que ficamos expostos ao secularismo. Qual é a vantagem de orar pelos outros,
se não cremos que isso fará alguma diferença? Qual é a vantagem de orar pelos
outros, se não temos certeza de que Deus é real? Qualquer desejo que tenhamos
de fazer contato com pessoas de mente secular deste mundo acabará sucumbindo,
a menos que nossa compaixão se expresse em oração por elas. Eu mesmo já
tropecei várias vezes nessa área, mas ao longo dos anos aprendi algumas estratégias
que ajudam.

Reunindo os elementos da oração


A primeira coisa que fará diferença na área da oração intercessória é separar um
tempo regular para ela. Isso parece um tanto elementar, mas é essencial. Separe
um tempo específico para a oração intercessória, se possível na mesma hora de
cada dia. Uma das melhores disciplinas espirituais é desenvolver o hábito da
oração. Os hábitos se desenvolvem com a regularidade e a repetição. Quando
você faz alguma coisa de novo e outra vez cada dia, ela se torna um hábito.
Quando as coisas se tornam hábitos, tornam-se mais fáceis de fazer.

Uma segunda sugestão é fazer uma lista de oração, mas evitar algumas ciladas ao
fazê-la. A maioria das pessoas comete o erro de fazer uma longa lista de nomes
pelos quais gostariam de orar. Listas longas são fáceis de fazer. As pessoas gostam
de saber que outros estão orando por elas, e não é agradável rejeitar um pedido
assim. Mas a realidade pura e simples é que listas longas são exaustivas para a
maioria das pessoas, e o resultado final é, freqüentemente, que a lista existe, mas
recebe muito pouca atenção. Depois de algum tempo, orar por uma longa lista de
nomes se torna muito trabalhoso para a maioria das pessoas.

Sugiro, portanto, conservar a lista reduzida, pelo menos para começar. Três
nomes talvez sejam suficientes, especialmente se você nunca perseverou por
muito tempo na oração intercessória. No topo da lista, eu sugeriria colocar o
nome da pessoa mais difícil que você conhece. Estou falando da pessoa que o
incomoda, mais do que qualquer outra. A pessoa que produz um nó no seu
estômago, toda vez que está por perto. A pessoa que não leva em consideração os
seus sentimentos e necessidades. A pessoa que passa por sua vida como um rolo
compressor, esmagando tudo pelo caminho. Espero não estar falando aqui de seu
chefe ou cônjuge.

Não há nada de arrogante em reconhecer o impacto negativo que algumas


pessoas exercem na sua vida. Em parte, isso se deve ao conflito de personalidades.
É possível que uma grande parte esteja além do conhecimento da outra pessoa.
Sem dúvida, você está no topo da lista de alguém, e por isso é interessante sermos
humildes nesse aspecto! Mas Deus deseja que tenhamos a experiência de orar por
pessoas difíceis, assim como Jesus fez por Seus discípulos (ver João 17). Algo
espantoso acontece quando oramos por uma pessoa difícil. O tempo muda os seus
sentimentos em relação com essa pessoa. Ao vê-la através dos olhos de Deus, você
vê valor e possibilidades que antes não via.

Junto com o nome do topo da sua lista, coloque uns dois nomes de pessoas mais
promissoras. Ver alguns resultados em pouco tempo é extremamente animador.
Quando as coisas mudam na vida das pessoas por quem você ora, você desejará
substituir um ou mais nomes da lista por outros que tenham uma necessidade
imediata maior. Alguns podem preferir fazer uma segunda lista, mais longa, que
receba atenção de tempos em tempos. Mas a lista básica deve ser relativamente
curta e administrável.

O auxílio mais importante numa vida coerente de oração, por fim, é o


compromisso. Muito poucas pessoas conseguem algo na vida sem compromisso.
Se quiser ter bom êxito num programa de exercícios, por exemplo, não há nada
melhor do que convidar um amigo para caminhar ou exercitar-se com você. A
chave para a batalha é muitas vezes como você reage ao despertador pela manhã.
A cama é tão convidativa e o exercício parece tão difícil! Mas então você se
lembra de que seu amigo o aguarda dentro de dez minutos. Isso o faz levantar-se,
quando nada mais faria. E não importa se o amigo provavelmente não conseguiria
levantar-se também, se você não tivesse prometido estar lá! O compromisso pode
substituir pontos fracos da nossa força de vontade, com aço suficiente para dar
conta do serviço. E o resultado é benéfico para ambas as partes.

Como funciona o compromisso com relação à oração intercessória? Há várias


possibilidades; mencionarei três. Um tipo de compromisso é reunir-se
regularmente com um grupo de oração – num tempo e lugar separados para a
oração, com pessoas com quem você se identifica. O lado negativo de um grupo
assim diz respeito a mexericos e confidências. Os grupos podem, às vezes, deixar
de concentrar-se na tarefa principal. Mas o lado positivo de um grupo é a
variedade de estilos e interesses existentes num encontro de pessoas com uma
preocupação comum. Isso pode impedir que o foco na oração caia na rotina ou
pareça desinteressante.
Outro tipo de compromisso ocorre quando você forma uma dupla com um
companheiro de oração. Reunir-se regularmente reforça o compromisso com a
tarefa. Há uma ligação especial entre duas pessoas que mantêm um
relacionamento comum com o Senhor. Como são só duas pessoas, há menos
oportunidade de que o tempo para a oração seja ocupado com fofocas ou assuntos
paralelos. Vocês podem chegar a conhecer-se bem o suficiente para levar o
compromisso a um nível mais profundo do que seria possível na maioria dos
grupos.

Mas um encontro regular com um ou mais amigos não funciona para todos. Em
alguns casos, o melhor tipo de compromisso é entrar em entendimento com um
amigo intransigente. Tenho alguns amigos inflexíveis e sou grato a Deus por eles.
Que quero dizer com amigo intransigente? O tipo de amigo que se importa com
você o suficiente para confrontá-lo, quando necessário. Suponha que você diz a
um amigo que planejou passar 15 minutos – das 7h às 7h15 – todas as manhãs em
oração intercessória. Você pede a essa pessoa que lhe cobre o compromisso de
cumprir o combinado. Um amigo inflexível é alguém que lhe telefona às 7h17 da
manhã para saber se você cumpriu ou não! Esse tipo de amigo pode fazer uma
grande diferença na vida de oração. Todas as três formas de compromisso podem
ajudar-nos a manter o tipo de coerência desejado.

A oração move montanhas


No livro The Master´s Plan of Prayer (p. 186), conta-se a história do resultado do
espancamento de Rodney King e o subseqüente julgamento dos policiais
envolvidos. Tumultos irromperam em Los Angeles, em abril de 1992. A cidade
de Nova York previu transtornos semelhantes. Equipes dos noticiários de TV se
prepararam para cobrir os acontecimentos. Mas, em vez de tumultos, os
repórteres encontraram pessoas orando em toda a cidade.

Parece que um mês antes de começarem os tumultos em Los Angeles, vários


pastores de Nova York sentiram o forte impulso de começar uma ofensiva de
oração em favor da cidade. As igrejas começaram a abrir todas as noites, e
milhares de pessoas acorriam a elas, orando pelas necessidades da cidade. As
pessoas oravam pelos pobres, pela harmonia racial, oravam pela proteção de Deus
sobre Nova York. Um dia depois de estourarem os tumultos em Los Angeles, um
fim de semana de oito Concertos Comunitários de Oração envolveu trezentas
igrejas metropolitanas. E, em vez de tumulto, prevaleceu a calma.

Pode ter havido um resultado ainda maior e de mais longa duração do que os
originalmente observados. Uma queda impressionante nas estatísticas do crime na
última década tornou Nova York um dos lugares mais seguros do país. Eu mesmo
experimentei essa nova atmosfera na cidade no último verão, ao retornar após
dezoito anos. Vi muitas mulheres caminhando sozinhas à noite, algo que
raramente ocorria quando morei lá nas décadas de 60 e 70. A mudança foi
notável.

Muitos têm atribuído as mudanças na cidade de Nova York ao prefeito e a uma


nova filosofia de combate à criminalidade. Mas eventos recentes demonstraram
que os policiais de Nova York cometem erros, assim como a polícia de Los
Angeles. Outros têm mencionado as tendências demográficas como a razão da
mudança. Mas essas mesmas tendências não causaram um efeito tão assombroso
em Chicago ou Los Angeles. Ambos os fatores desempenharam sua parte, não há
dúvida. Mas não é igualmente possível que uma dedicação da cidade toda à
oração cause um impacto tão grande ao repelir as forças do mal como a polícia e
as tendências demográficas? Talvez a cidade que ore unida permaneça unida! Por
que o comando e o controle de Deus seriam menos eficazes que o de Colin
Powell?

Chego a acreditar, mais e mais, que minha vida e ministério seriam um total
desperdício se ninguém orasse por mim. Deus me deu muitos talentos, mas tenho
cada vez menos confiança nas minhas habilidades, com o passar dos anos. Vejo
com mais freqüência que a oração é a chave que abre portas espirituais e move
montanhas espirituais. Como isso é uma verdade, sou um dos homens mais
abençoados do mundo por ter uma esposa que ora por mim quando mais preciso.
Além dela, há muitas outras pessoas, em seis continentes, que tomaram por conta
própria a decisão de orar por mim e meu ministério, e posso apenas começar a
imaginar o tipo de diferença que isso faz.

Talvez você queira considerar a possibilidade de que Deus o esteja chamando


para ser um membro-chave na Sua equipe de comando e controle.
VOCÊ É AUTÊNTICO?

Neste capítulo final, investigaremos aquilo que considero ser a questão máxima
da fé cristã no mundo real: Ela faz uma diferença que a maioria das pessoas possa
notar? É uma expressão genuína da realidade ou um escape da realidade, um
“ópio do povo”? Que significa ser um cristão real? Que significa ser autêntico ou
genuíno? Todos conhecemos o conceito de “máscaras psicológicas”, uma pessoa
tentando mostrar uma coisa que ela não é. Isso pode ser especialmente tentador
quando você é um cristão entre cristãos, porque todos sabem que tipo de
comportamento esperar. Se você não se considera muito “cristão” naquele dia, é
fácil exteriorizar os sinais apropriados sem na verdade ser coerente. Mas um
cristianismo falso causa grandes danos no mundo secular.

Se você me houvesse perguntado trinta anos atrás se eu era um “cristão real”, eu


não teria problema em responder: “Mas é lógico! O que você está vendo é o que
eu sou. Acerto sempre na mosca.” E eu estaria errado.

Visitei a igreja Riverside, em Nova York, num domingo, com alguns amigos. A
igreja Riverside tem um dos cinco maiores órgãos clássicos do mundo. Sendo eu
mesmo um organista, nunca me canso de ouvi-lo. O organista naquele dia foi
Frederick Swann. Ele é internacionalmente famoso, com dezenas de gravações. E
tocou de modo magnificente naquela manhã de domingo.

Quando terminou o culto, levei meus amigos à plataforma para olhar o órgão
mais de perto. E como eu conhecia um bocado acerca daquilo, comecei a
explicar algumas das diferentes características do órgão. Enquanto eu falava, o
auditório começou a aumentar. Foi interessante! Assim, comecei a exagerar um
pouquinho a história. E o auditório ficou maior ainda. Então, de repente, notei
que as pessoas não estavam mais olhando para mim. Estavam olhando para trás de
mim. Virei-me e me vi face a face com Frederick Swann. Ele me olhou dentro
dos olhos e disse: “Seria melhor conhecer os fatos corretamente, filho, antes de
abrir a boca.” Depois, virou-se e se afastou. Alguma vez você já desejou que o
chão se abrisse e o engolisse? Naquele dia, aprendi uma lição muito dolorosa
sobre autenticidade.
Agora, honestamente, você é autêntico? É realmente a pessoa que parece ser? Se
você me houvesse feito essa pergunta há 25 anos, eu teria dito: “Mas é lógico.
Você está vendo o próprio.” Todavia, mesmo naquela época, duvido que as
evidências me dessem razão.

Veja, eu estava começando no ministério. E uma coisa estranha parecia


acontecer. Cada sábado, eu sentia uma forte dor de cabeça. Começava no meio
da Escola Sabatina e durava até o meio da tarde. Eu não entendia por quê. Depois
de um ano, mais ou menos, o Senhor finalmente me revelou qual era o problema.
O problema era que eu estava tentando ser alguém que não era. Estava tentando
ser o tipo de pastor que achava que todos queriam que eu fosse. E aquilo me
deixava doente. Então, o Senhor passou para a minha mente esta mensagem:
“Não lhe pedi que fosse o Billy Graham. Não pedi que você fosse H. M. S.
Richards. Não pedi que você fosse George Vandeman. Tudo o que desejo é que
você seja o Jon Paulien. E faça isso por Mim.”

Que alívio!

Agora, honestamente, você é autêntico? É realmente a pessoa que parece ser? Se


você me houvesse feito essa pergunta há dez anos, eu teria dito: “Mas é lógico.
Eu sou o que você está vendo.” Novamente, duvido que as evidências me dessem
razão.

Uns dez anos atrás, ouvi certo pregador pela primeira vez. Ele causou um
impacto incrível sobre mim. Toda vez que ele falava, meu coração ardia lá
dentro. Era como se ele pudesse ler a minha alma. Era semelhante à maneira
como às vezes me sinto quando leio Ellen White. Mas ele não era profeta. E
deixou isso muito claro. Era só um cristão comum, falando do fundo do coração.
Ainda assim, suas palavras tinham um poder profético.

O que tornava sua pregação tão poderosa? Noventa por cento das ilustrações
vinham de sua experiência pessoal. E quase sempre falava dos seus fracassos – não
dos seus sucessos. Isso me levou a pensar nos meus sermões. E comecei a perceber
que, quando apresentava ilustrações de minha experiência pessoal, sempre
mencionava meus sucessos. Quase nunca falava dos meus fracassos. Assim, dez
anos atrás, comecei a perceber que ainda usava o púlpito para lustrar a minha
imagem.
Um novo olhar sobre Laodicéia
Agora, honestamente, você é autêntico? É realmente a pessoa que parece ser?
Alguns anos atrás, eu estava sentado num restaurante com vários líderes da Igreja
Adventista do Sétimo Dia na América do Norte. No meio da refeição, um deles
se virou para mim e perguntou:

– Jon, qual você acha que é a maior necessidade da Igreja Adventista hoje?

Talvez por causa desta minha história – essa jornada com vistas à autenticidade –
foi que respondi assim, rapidamente:

– Hã, provavelmente, deixar de viver uma mentira.

A princípio, minha resposta me intrigou. Porém, quanto mais pensava no que


havia dito, mais sentido aquilo fazia. Creio que um dos maiores desafios que
enfrentamos como Igreja é o de deixar de apresentar um show diante do mundo.
Parar de tentar agir como se fôssemos perfeitos e, em vez disso, buscar ser
honestos e francos acerca da nossa fé.

Mas não leve minha palavra tão a sério. É só perguntar a Jesus qual é a maior
necessidade da Igreja Adventista. Ele responde com termos claros em Apocalipse
3, na mensagem à igreja de Laodicéia. Nela, Jesus traz Sua mensagem à Sua igreja
do tempo do fim. Note as palavras dEle no verso 17:

Você diz: “Estou rico, adquiri riquezas e não preciso de nada”. Não
reconhece, porém, que é miserável, digno de compaixão, pobre, cego, e
que está nu (NVI).

De acordo com esse texto, qual é o problema de Laodicéia? O problema é:


aquilo que Laodicéia diz e o que ela realmente é são duas coisas diferentes.
Laodicéia colocou a máscara das riquezas, mas vive uma realidade de pobreza.
Colocou a máscara das roupas bonitas, mas vive a realidade da nudez. Alega estar
vivendo com conforto, mas na verdade é miserável e destituída de um lar. De que
ela precisa? Note o verso 18:

Dou-lhe este conselho: Compre de Mim ouro refinado no fogo, e


você se tornará rico; compre roupas brancas e vista-se para cobrir a sua
vergonhosa nudez; e compre colírio para ungir os seus olhos e poder
enxergar (NVI).

Desejo focalizar especificamente a última parte do verso 18, o problema da


cegueira espiritual. A resposta para o problema de Laodicéia é medicamento para
os olhos, a fim de que sua visão se torne clara. Laodicéia está vivendo num
mundo de fantasia espiritual. Sua auto-imagem não tem relação nenhuma com a
opinião que Jesus tem dela, relação nenhuma com a realidade. Ele propõe dar-lhe
aquilo que ela não tem – uma percepção clara de sua condição.

Jesus faz um resumo no verso 19: “Repreendo e disciplino aqueles que Eu amo.
Por isso, seja diligente e arrependa-se.” Jesus apresenta essa mensagem não porque
odeie Laodicéia, mas porque a ama. E deseja dar-lhe essa mensagem para que ela
seja curada e se torne autêntica de novo.

Nesses versos, Jesus identifica um problema duplo. Primeiro: Laodicéia precisa


arrepender-se de seu fingimento, sua falta de autenticidade. Sem esse
arrependimento, jamais será o que Jesus deseja que ela seja. Mas o segundo
problema é ainda mais grave: ela nem sequer sabe que está fingindo! É totalmente
inconsciente de que suas alegações espirituais são espúrias!

Ao aplicar esse texto à situação atual da Igreja Adventista, não estou apontando o
dedo para os outros. Por um lado, é Jesus quem está julgando aqui, não eu. Por
outro lado, seria impróprio que eu acusasse os outros de algo pelo qual também
tenho culpa. Minha história toda é uma história de ser algo que não sou. Então,
por favor, entenda que o problema de não ser autêntico não é apenas o seu
problema ou o problema da Igreja; é o nosso problema; é o meu problema.

Sei que esse problema não se limita à América do Norte. Onde quer que eu vá,
as pessoas vêm a mim e dizem: “Quero lhe contar algumas coisas que estão
acontecendo aqui, porque o senhor é de outro país. Se eu disser essas coisas aqui,
as pessoas as usarão contra mim. Se eu falar com o senhor, posso ser franco.” Esse
é o grande temor de Laodicéia. Temos medo de que, se revelarmos quem
realmente somos, as pessoas se voltarão contra nós.

O esforço para ser autêntico


O que significa ser autêntico? Ser autêntico é quando o exterior e o interior são
a mesma coisa. É quando as coisas que revelamos sobre nós estão de acordo com a
verdade a nosso respeito. Esse problema de “interior versus exterior” era
conhecido do apóstolo Paulo:

Pois a nossa exortação não procede de engano, nem de impureza, nem


se baseia em dolo; pelo contrário, visto que fomos aprovados por Deus, a
ponto de nos confiar Ele o evangelho, assim falamos, não para que
agrademos a homens, e sim a Deus, que prova o nosso coração. A verdade
é que nunca usamos de linguagem de bajulação, como sabeis, nem de
intuitos gananciosos. Deus disto é testemunha. Também jamais andamos
buscando glória de homens, nem de vós, nem de outros (1 Tessalonicenses
2:3-6).

Tudo indica que Paulo estava respondendo a uma acusação que atacava seus
motivos. Foi acusado de ser falso. E ele concorda com seus oponentes no sentido
de que o ministério não está imune a esse problema. Uma pessoa pode ingressar
no ministério por várias razões. Pode entrar no ministério porque acha uma glória
colocar-se em pé diante do público. Pode entrar no ministério para ganhar
dinheiro. De acordo com Paulo, alguns podem até entrar no ministério para obter
vantagem sexual (essa é a implicação da palavra impureza no verso 3)! Paulo,
certamente, não está fazendo rodeios quanto à questão nesses versos.

Paulo fala da necessidade de motivos puros, não só de atos puros. No grego, essa
passagem é ainda mais franca do que na tradução. Paulo fala diretamente de
motivos sexuais, financeiros e dos motivos de glória humana e bajulação. Há
muitas razões pelas quais uma pessoa pode escolher servir ao Senhor, e muitas
delas não são espiritualmente sadias. O que mais me assusta, contudo, é que nós,
os envolvidos no ministério, podemos nem ter consciência de alguns desses
motivos mais profundos. É fácil dissimular. É natural colocar a máscara.

Lembro-me de um amigo no colégio – um daqueles tipos rebeldes. Sempre


estacionava o carro na vaga para os deficientes ou impedindo o acesso ao latão de
lixo. Sentava nos fundos da sala de aula, jogava bolinhas de papel ao redor e
geralmente torcia o nariz para a autoridade da Igreja. Anos mais tarde, foi aluno
de uma matéria de doutorado que lecionei. Ele se sentava, com postura
desleixada, na última fila. E quase todos os dias levantava a mão e falava sobre
“eles” e como “eles” estavam arruinando a Igreja. Falava dos administradores da
Igreja.
Finalmente, um dia, fiz com que ele parasse. Eu disse: “Sabe de uma coisa? ‘Eles’
somos ‘nós’.”

Acontece que três presidentes de Associação e cinco presidentes de União


estavam naquela aula. Então, eu disse ao indivíduo: “Aqueles que têm um título
de doutorado em ministério serão os líderes da igreja amanhã. O que você vai
fazer se ‘eles’ o tornarem presidente de uma Associação?”

O que aconteceu a seguir foi realmente irônico. Três semanas depois de


concluído o curso, recebi um telefonema dessa pessoa. Ele acabava de ser eleito
vice-presidente de uma das maiores Associações na América do Norte. Eu lhe
disse: “Esta é sua chance de demonstrar que você pode fazer melhor.”

E ele deve ter trabalhado bem. Alguns anos mais tarde, tornou-se presidente de
uma Associação em outra área. Tive o interesse de descobrir como ele estava
sobrevivendo entre “eles”. Um dia, notei que havíamos sido designados para a
mesma comissão da Associação Geral. Estaríamos juntos naquele dia. Entrei na
sala e o vi no lado oposto. Aproximei-me rapidamente, planejando cumprimentá-
lo ao nosso costumeiro estilo informal. Então, ele se virou e me viu. Estava
vestindo um terno completo, com colete, e seu cotovelo parecia amarrado ao
corpo. Ergueu a mão de maneira digna e disse, com voz baixa: “Olá, Jon. Que
bom vê-lo novamente.” Para mim, foi um choque! Num período de três anos,
ele se havia tornado “um deles”!

Mas não me interprete mal; ele é realmente uma ótima pessoa. Porém, essa
experiência me faz lembrar de que é totalmente natural tentar ficar à altura da
imagem que as pessoas têm de nós. É humano querer que os outros pensem bem
de nós. É difícil não mudar quando você se acha numa posição de alguma
importância. É natural tentar construir um senso de valor próprio através do
desempenho, da formação de imagem e do elogio dos outros. A boa notícia é que
meu amigo está se encontrando de novo. Fiquei sabendo que começou a
estabelecer uma tendência rumo a um estilo mais aberto e honesto de liderança.
Mas não há dúvida de que foi uma grande luta para ele. Sei, porque não sou
diferente. Para nós, é natural tentar ser alguém que não somos.

Por que isso é tão natural? Porque temos medo de ser autênticos. Tememos
mostrar o nosso eu verdadeiro. Temos medo daquilo que outras pessoas podem
pensar. Tememos a maneira como reagirão. Isso não é novidade; a mesma coisa
acontecia no tempo de Jesus. Note João 12:42, 43:

Contudo, muitos dentre as próprias autoridades

creram nEle, mas, por causa dos fariseus, não O confessavam,

para não serem expulsos da sinagoga; porque amaram mais a glória dos
homens do que a glória de Deus.

De acordo com o evangelho de João, se fazemos o que fazemos porque amamos


o louvor de outras pessoas, não estamos fazendo as coisas que dão glória a Deus.
Jesus vai ainda mais fundo em João 3:20 (NVI): “Quem pratica o mal odeia a luz
e não se aproxima da luz, temendo que as suas obras sejam manifestas.” É óbvio
que existe algo realmente assustador em permitir que nosso verdadeiro eu apareça.
Pergunte para mim. Tenho muita experiência!

Mecanismos de defesa
Por que é tão difícil ser genuíno? Por que é tão difícil ser autêntico? Existe uma
seção inteira da psicologia relacionada com aquilo que conhecemos como
mecanismos de defesa. Parece que os seres humanos têm mecanismos internos de
defesa. Eles entram em ação no momento em que nos sentimos pressionados,
emocional ou psicologicamente.

Permita-me ilustrar como os mecanismos de defesa funcionam. Vamos supor


que um dia eu esteja dando aula numa sala grande. Então, Randy Johnson entra
pela porta dos fundos da sala com uma bola de beisebol na mão. Para aqueles que
nunca ouviram falar de Randy Johnson, informo que ele tem 2,07 m de altura e
arremessa uma bola a 160 km/h por hora com a mão esquerda! Suponhamos que
Randy desaprove algo que eu disse à classe e jogue a bola a 160 km/h na direção
da minha cabeça. Eu pararia de falar e pensaria numa reação? Começaria a
raciocinar, dizendo: “Bem, vejamos. O Randy Johnson acaba de arremessar uma
bola a 160 km/h na direção do meu nariz. Acho que devo considerar a
necessidade de sair do caminho”? Claro que não! Muito mais rapidamente do que
dizer “Randy Johnson”, minhas mãos voariam para a frente do meu rosto para
bloquear aquele ataque contra a minha vida! Eu nem precisaria pensar sobre a
questão. Nem sequer teria consciência do que fiz, até sentir o impacto da bola de
beisebol contra os meus pulsos. A reação seria automática.
Assim como há mecanismos naturais de defesa em nível físico, há também
mecanismos naturais de defesa em nível emocional e psicológico. Se alguém diz
algo ofensivo a nosso respeito, podemos reagir defensivamente sem sequer ter
consciência de que fizemos algo. Somos rápidos para defender nossa honra e
reputação, mesmo que aleguemos em alto e bom som que não estamos agindo
defensivamente!

Em nível básico, esses mecanismos de defesa são auto-enganos. Quando as coisas


dão errado, quando fracassamos em algo importante ou quando nos encontramos
sob ataque verbal ou emocional, saímos rapidamente em nossa própria defesa,
tenhamos essa intenção ou não. Em outras palavras, temos maneiras de enganar a
nós mesmos, para podermos continuar apegados à nossa auto-estima e evitar a
culpa e o sofrimento. Os mecanismos de defesa nos ajudam a evitar sentimentos
negativos a nosso respeito. E se o fato de conhecer a verdade vai fazer com que
nos sintamos mal a nosso respeito, é preferível para a maioria nem conhecer a
verdade!

Os mecanismos de defesa são tão naturais, que podem até ser engraçados, porque
nos reconhecemos quando ouvimos falar deles. Deixe-me mostrar um bom
exemplo de mecanismo de defesa na Bíblia. De acordo com o registro bíblico,
Saul estava tentando matar Davi. Mas o que fez Saul? Começou a espalhar para
todo o mundo que Davi estava conspirando para matá-lo! (ver 1 Samuel 22:8, 13;
24:9). Esse é um mecanismo de defesa chamado “projeção”. Saul não queria
considerar a si mesmo um homicida brutal. Então, projetou sobre Davi as
motivações malignas com base nas quais estava agindo. Quando você se sente mal
a respeito de si próprio, é fácil começar a culpar todo o mundo.

Outro mecanismo de defesa é chamado “deslocamento”. O chefe grita com


você no ambiente de trabalho. Mas você não lhe pode pagar com a mesma
moeda; provavelmente seria despedido se o fizesse. Então, você vai para casa e
grita com seu cônjuge. O cônjuge não quer esclarecer as coisas naquele momento
e então grita com as crianças, em vez de gritar com você. As crianças foram
ensinadas a não responder aos pais, de modo que, frustradas, chutam o cachorro.
Isso se chama “deslocamento”. Você expressa ira para com alguma pessoa ou
situação, mas a ira na verdade é dirigida a uma pessoa ou situação completamente
diferente. O deslocamento poderia completar o círculo somente se o seu chefe
viesse para jantar, e o cachorro o mordesse!
Outro mecanismo de defesa é conhecido como “sublimação”. A sublimação
ocorre quando uma pessoa tem impulsos internos que são socialmente
inaceitáveis. A sublimação ajuda a pessoa a canalizar esses impulsos inaceitáveis
por meio de expressões que são aceitas socialmente. Por exemplo: um rapaz pode
sentir ira assassina contra seu pai. Mas é socialmente inaceitável matar o pai (sem
mencionar o fato de que é contrário à lei de Deus). Assim, o rapaz canaliza seu
impulso para uma trilha mais aceitável. Pode dedicar-se à caça ou tornar-se
jogador de futebol. A violência nesse campo é até valorizada! O jovem poderia
inclusive tornar-se cirurgião! Mas não me entendam mal: não estou dizendo que
todos os cirurgiões nutrem ira assassina contra os pais! Estou simplesmente
mostrando que muitos de nós não entendemos plenamente as razões pelas quais
fazemos o que fazemos. Muitos rapazes tranqüilos e atenciosos podem virar uma
fera num campo de futebol. Seria o caso de perguntar de onde vem aquela ira.

A Clínica Minirth-Meier, conhecida instituição psiquiátrica cristã, produziu um


livro, Introduction to Psychology and Counseling. Ele contém uma seção chamada
“Os Mecanismos de Defesa”. Essa seção apresenta vários argumentos acerca dos
mecanismos de defesa, com evidente apoio da Bíblia. Deixe-me comentar alguns
deles.

1. Os mecanismos de defesa são reações automáticas diante de um conflito ou frustração.


Transformam-se em ação sem nossa decisão ou intenção. Todos nós os
experimentamos em nível emocional, assim como já experimentamos reações
físicas, como desviar-nos de uma bola arremessada. Alguém diz uma palavrinha
com o tom certo de voz – e nós nos viramos e reagimos com violência! Nem
planejamos fazer isso. Às vezes chamamos esses incidentes de “botão vermelho”.
É como se alguém apertasse um botão vermelho e reagíssemos de maneira
previsível. A reação é automática.

2. Os mecanismos de defesa são inconscientes. Na maioria das vezes, nem mesmo


sabemos que os estamos empregando. São maneiras internas de nos proteger de
emoções e experiências dolorosas. Por exemplo, podemos rejeitar pessoas que
tenham problemas semelhantes aos nossos, porque elas nos fazem lembrar de nossa
situação de maneira dolorosa (ver Romanos 2:1-3). Essa dinâmica é muito
comum nos pais, porque ninguém é mais parecido com você do que seus filhos.
Os pais, muitas vezes, não têm consciência das razões pelas quais reagem
negativamente diante dos filhos.
3. O propósito interior dos mecanismos de defesa é manter um falso senso de auto-estima e
evitar a ansiedade. Por não nos sentirmos bem conosco, nossa auto-estima fica
baixa. E faremos o que for preciso para impedir que a auto-estima caia ainda mais.
Por natureza, evitamos investigar nossos motivos mais profundos, por medo de
encontrar algo que produza culpa e faça com que tenhamos um sentimento ainda
pior a nosso respeito. Embora os mecanismos de defesa nos protejam do impacto
esmagador da violência ou da dor emocional, é mais saudável permitir que Deus,
no tempo oportuno, nos revele a verdade a nosso respeito, para que obtenhamos
uma liberdade genuína.

4. Os mecanismos de defesa são pecaminosos, porque todos os tipos de engano são pecado.
A presença de mecanismos de defesa indica que a maioria dos pensamentos,
objetivos, desejos e motivos humanos são egoístas, destrutivos e distorcidos. A
natureza pecaminosa está escrita em nossos nervos; escrita nas próprias fibras do
nosso ser. Num mundo pecaminoso, é natural ser egocêntrico e defensivo. A
Escritura (Jeremias 17:9) apresenta claramente o diagnóstico: “Enganoso é o
coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem o
conhecerá?”

O coração é enganoso
Esse texto é como o golpe final. Não só é enganoso o seu coração; não só é
enganoso o meu coração; nós nem mesmo sabemos quão enganoso ele é! Só há
uma conclusão à qual posso chegar depois de tudo o que vimos neste capítulo:
Ser autêntico é um evento sobrenatural. Quando você encontra uma pessoa
verdadeiramente autêntica, sabe que ela esteve face a face com Deus. E eu daria
um passo além. Ninguém pode ser autêntico a menos que seu valor pessoal seja
construído sobre algo além de si mesmo. Se a auto-estima está baseada no
desempenho, você tem medo de ser autêntico porque suspeita que seu
desempenho é menos do que perfeito. Ao olhar bem lá no fundo, você sabe que
encontrará coisas que não desejaria realmente conhecer. Em sentido puramente
humano, portanto, não existe uma coisa assim como ser autêntico. Todo ato de
pecaminosa humanidade é uma impostura.

“Mas espere um pouco”, você pode estar pensando. “Talvez tenhamos


problemas de autenticidade na igreja, mas eu conheço muitas pessoas de mente
secular que são genuínas e autênticas.” Provavelmente seja verdade. Parece que
pessoas de mente secular acham mais fácil falar de suas faltas do que a maioria dos
cristãos. Pessoas de mente secular parecem menos preocupadas com objeções do
que o típico membro de igreja. Existe até bastante autenticidade no mundo lá
fora.

Mas existe muito menos em jogo no mundo secular. Para os adventistas do


sétimo dia, cada pensamento, cada palavra, cada ato tem conseqüências eternas. E
não só isso, mas você está sendo muitas vezes observado por olhos críticos. Sob
essa pressão toda, pode ser muito, muito fácil apelar para a dissimulação. Pode ser
fácil colocar a máscara. E podemos ser tentados a usar a máscara como estilo de
vida. Assim, embora pareça haver mais autenticidade no mundo secular, o auto-
engano não está ausente lá, tampouco. Ele só está mascarado com os riscos
menores envolvidos.

Precisamos mesmo?
Se a autenticidade é impossível com a nossa força humana, podemos ser tentados
a desistir de tentar ser autênticos. Não faria mais sentido simplesmente encontrar
uma máscara que não caia quando estamos em dificuldade? Não seria um “mundo
ideal” se cada um pudesse ocultar-se completamente, e com sucesso? Bem, se
você estiver tentado por essa idéia, tenho más notícias para dar. A autenticidade
não é uma opção. Não podemos afastar-nos desse desafio e continuar
espiritualmente vivos. Note as palavras de Jesus em João 3:21.

Quem pratica a verdade

aproxima-se da luz,

a fim de que as suas obras sejam manifestas,

porque feitas em Deus.

João 3:20 nos diz que pessoas afastadas de Cristo procuram as trevas. Procuram
ocultar-se. Mas, segundo o verso 21, aqueles que estão em Cristo são diferentes.
Eles se aproximam da luz. São francos e honestos acerca de suas falhas. E dessa
honestidade surge uma percepção maravilhosa: Quando pessoas perturbadas e
confusas fazem alguma coisa corretamente, é porque Deus está operando na vida
delas!
A autenticidade cristã traz glória a Deus – não ao agente humano. Porque
quando agentes humanos são autênticos, você sabe que eles cometem erros. E
você sabe que eles sabem que cometem erros. Assim, se um pregador ou
administrador não é melhor do que você ou eu, qualquer bem que ele fizer só
pode ser um milagre de Deus! E a glória por esse ato vai para Deus – não para o
agente humano.

A autenticidade não é meramente uma opção para os cristãos. No minuto em


que colocamos a máscara, estamos sendo alguém que não somos. Estamos
tentando dar a nós mesmos uma aparência melhor do que a real. Na medida em
que sejamos bem-sucedidos, furtamos a glória que pertence a Deus. Esse é o auto-
engano máximo, a raiz do pecado no coração de Lúcifer bem lá no princípio.
Não só isso; a falta de autenticidade afasta as pessoas de Cristo, em vez de atraí-las
para Ele.

Certa vez perguntei a um grupo de jovens: “Na igreja, o que constitui a maior
barreira para permanecer cristão quando se atinge a idade adulta?” Cada um
respondeu em particular. E a maioria disse, essencialmente, a mesma coisa:
“Pessoas que agem como se não cometessem faltas.”

Que ironia! Desejamos dar um bom exemplo para os jovens. Queremos


mostrar-lhes as alegrias da vida na igreja. Assim, lutamos para esconder nossos
defeitos e dúvidas. Apresentamos a imagem de um “bom adventista”, mesmo que
não nos sintamos assim no coração. Colocamos a máscara da fidelidade e do
sucesso cristão. E os jovens enxergam por trás da máscara. Ela não só deixa de
funcionar, como os afasta da igreja mais rapidamente do que qualquer outra coisa
que possamos fazer.

O que faremos, então, com nossos defeitos e dúvidas? Vamos festejá-los e


espalhá-los ao redor como a marca de nossa autenticidade?

Essa também não é a resposta. Em minha experiência, falar sobre nossos defeitos
e dúvidas do momento tende a desanimar os outros. Pode até fazer com que se
inclinem para idéias e comportamentos perigosos. O primeiro passo antes de
ministrar aos outros é ter consciência de nossos defeitos e levá-los a Deus,
pedindo perdão e cura. Partilhar os fracassos do momento é desanimar os outros.
Por outro lado, contar acerca de lutas em áreas nas quais estamos obtendo
progresso pode dar aos outros a coragem de lidar com seus próprios desafios.
A falta de autenticidade também destrói nosso crescimento espiritual. Nossas
máscaras nos impedem de ver as deficiências específicas que precisamos levar a
Cristo em busca de cura. Embora a autenticidade não nos compre a salvação, a
falta de autenticidade pode levar-nos a perdê-la. Afinal, somos salvos somente à
medida que confessamos nossos pecados, à medida que admitimos nossa
necessidade daquilo que Deus tem para oferecer. A confissão é simplesmente dizer
a verdade sobre nós mesmos. Não confessar é contar uma perigosa mentira diante
de Deus, que já conhece a verdade completa a nosso respeito.

Outra razão pela qual a falta de autenticidade não é uma opção para os cristãos é
que ela destrói nossos relacionamentos. Num casamento, as pessoas muitas vezes
fazem de tudo para conservar a máscara. Quando surgem os problemas, tentamos
abafá-los e manter a paz. Um casamento não autêntico pode durar vinte anos ou
mais. Todos os vizinhos acham que aquela é a família perfeita. Um dia, o marido
volta para casa e encontra a esposa furiosa, arrumando as malas.

– Para mim, chega! – diz ela.

O marido responde: – Qual é o problema?

– Não preciso dizer; você sabe o que está errado!

– Mas eu não sei! O que está acontecendo aqui?

É isso o que a falta de autenticidade faz. Escondemos, escondemos, e os


problemas ficam cada vez maiores. Um dia, tudo explode diante de nós e é tarde
demais para resolver.

A falta de autenticidade também é destrutiva na área das finanças pessoais. Um


bom exemplo é o problema dos cartões de crédito. Você pode comprar qualquer
coisa – até metade do valor de sua renda anual, ao que parece – com um cartão de
crédito, e não pagar um centavo no ato. Ah, sim, a conta vem no mês seguinte.
Mas a empresa do cartão de crédito quer apenas alguns reais. Nesse meio tempo, é
como se você conseguisse todas aquelas coisas de graça! Mas, na verdade, nada é
de graça. Um dia, a realidade aparece. Em termos financeiros, autenticidade
significa fazer um orçamento. Significa saber para onde vai cada real. Se você não
deseja ser financeiramente autêntico – e a maioria não deseja – as dívidas vão se
empilhando até que você se veja na rua da amargura.
A mesma coisa acontece com a saúde. Não queremos ser autênticos com nossa
saúde. Gostamos de imaginar que podemos comer tudo o que dá vontade, ficar
sentados o dia inteiro, ignorar as regras da saúde e ainda chegar aos 100 anos sem
uma única enfermidade. Mas essa não é a vida real. A falta de autenticidade pode
matá-lo, e você provavelmente será o último a saber, antes de partir. A
autenticidade não é simplesmente uma opção para os cristãos; na maior parte das
áreas da existência, a autenticidade é uma questão de vida e morte.

Mas há um grande problema com a autenticidade. Não sabemos como


consegui-la. Nosso coração é enganoso, e nem mesmo sabemos quão enganoso
ele é! Ser autêntico é a coisa mais difícil que já tentamos.

Parece-me que existem duas grandes barreiras no caminho da autenticidade.


Primeira: não conhecemos nossa condição, a profundeza de nosso auto-engano.
Até que nos vejamos claramente, nem mesmo saberemos quando estamos
fingindo.

Segunda: não temos o senso de nosso verdadeiro valor diante de Deus. Um


frágil senso de valor pessoal, uma profunda percepção íntima de que somos
impotentes e sem valor, impede que sejamos autênticos. Assim, se devemos
compreender nosso auto-engano, se devemos ter um quadro claro de nossa
depravação, devemos, antes de tudo, ter um genuíno senso de nosso valor.

Nosso valor diante de Deus


Considerando que o pecado está profundamente entranhado em cada fibra de
nosso ser, quanto mais soubermos a nosso respeito, tanto menos gostaremos de
nós, e pior nos sentiremos. Quando o valor pessoal anda baixo, a coisa mais
natural no mundo é exteriorizar uma imagem, em lugar de submeter-nos à
realidade. Como vimos no primeiro capítulo deste livro, o valor pessoal deve estar
alicerçado num relacionamento com Jesus Cristo. Qualquer outro caminho para o
valor pessoal acabará por causar desapontamento.

Por isso, o evangelho é tão central em tudo o que fazemos na vida. Sem o
evangelho, é impossível acreditar que Deus nos valoriza. Sem o conhecimento do
evangelho, não temos escolha a não ser projetar nosso senso de dano e
indignidade sobre Deus e crer que Ele nos despreza tanto quanto nós mesmos nos
desprezamos. A única trilha rumo ao valor pessoal, então, vem no evangelho da
aceitação em Cristo na cruz. É junto à cruz que descobrimos quão preciosos
somos para Deus.

Vamos examinar um pouco mais fundo essa questão. Um amigo meu, Ed


Dickerson, faz uma análise proveitosa da necessidade humana de valor pessoal. Ele
acredita que a auto-estima se baseia em três convicções na vida: (1) sou precioso,
(2) sou único e (3) sou capaz. Ter plena consciência das três é ter um senso seguro
de valor. Mas muito poucos entre nós têm consciência de sua preciosidade,
singularidade e capacidade, porque ao longo da vida ouvimos mensagens que
contradizem essas convicções.

Se uma criança crescesse sabendo que é preciosa, teria um sólido alicerce para
seu valor pessoal. Mas em vez de ouvir que são preciosas, as crianças em sua
maioria ouvem mensagens muito diferentes. “Você não vale nada.” “Você é uma
desmazelada.” “Você é muito egoísta.” A mensagem que lhes é martelada dentro
da cabeça é que não têm nenhum valor especial, que são apenas toleradas pelos
outros, que não são preciosas para os demais.

Em vez de ouvir a mensagem de que são únicas, as crianças ouvem: “Você é


igualzinha a todo o resto.” Nas raras ocasiões em que suas características exclusivas
são notadas, tornam-se objeto de escárnio: “Ainda bem que não existe ninguém
igual a você; acho que o Universo não agüentaria!”

Em vez de serem elogiadas pelos muitos dons e talentos que Deus lhes deu, a
maioria das crianças ouve mensagens como: “O seu melhor não é bom o
suficiente” (e como eu sei disso!). Ou: “Você nunca consegue fazer nada certo?”
Ou: “Você é tão preguiçoso, que na hora em que terminar essa tarefa o cachorro
terá morrido de velhice!” Desde o primeiro dia, a vida nos apresenta um
inexorável assalto contra nosso valor pessoal. E isso não é para pôr toda a culpa
nos pais. (Não preciso disso; já sou pai!) Mas os pais e outros que lidam com
crianças estão freqüentemente apenas projetando seu próprio senso de indignidade
quando interagem com elas. Assim, a menos que lidemos com nossa falta de valor
pessoal, transmitimos o problema para a geração seguinte.

Mas, graças a Deus, há uma saída. Junto à cruz, Deus enviou uma mensagem
muito diferente para a raça humana. O evangelho diz: “Você é absolutamente
precioso. Para Deus, tem o valor do Universo inteiro.” O mesmo Jesus que
morreu na cruz é o Criador do Universo todo. Assim, quando Jesus morreu por
mim, o Seu sacrifício cobriu o valor do Universo inteiro! Que valor incrível Deus
atribuiu a você e a mim! Somos tão preciosos para Deus, que Ele Se dispôs a
sacrificar Seu Filho por nós. Dessa maneira, o evangelho de Jesus Cristo nos diz
que somos infinitamente preciosos.

O evangelho também nos diz que somos únicos. Lemos que Jesus teria
enfrentado a cruz mesmo que uma só pessoa precisasse de salvação! Ele teria
morrido só por você! Isso me diz que nossa singularidade é muito importante para
Deus. O mesmo Deus que não fez dois flocos de neve exatamente iguais, não fez
dois seres humanos exatamente iguais. Isso quer dizer que cada ser humano é
testemunha de uma faceta única do caráter de Deus e de Seu plano para a raça
humana. Se uma pessoa se perde para a eternidade, há uma perda eterna que não
pode ser plenamente compensada. Somos verdadeiramente únicos –
preciosamente únicos!

O evangelho também nos diz que somos capazes. Quando uma pessoa entra em
relacionamento salvífico com Jesus, recebe dons espirituais através da operação do
Espírito Santo. Não há duas pessoas que tenham exatamente a mesma combinação
de dons, mas todos têm algum dom. E esses dons são poderosas capacitações de
Deus que nos habilitam a fazer uma verdadeira diferença no mundo.

Assim, junto à cruz, encontramos o verdadeiro senso do nosso valor. Pelo


evangelho, chegamos a saber que somos preciosos, únicos e capazes. Em nosso
relacionamento com Jesus, encontramos um valor pessoal que não pode ser tirado
de nós. E essa é a chave da autenticidade cristã. Na aceitação que encontramos em
Jesus, podemos começar a retirar a cobertura das trevas interiores. Podemos
começar uma jornada rumo à autenticidade, honestidade e conhecimento pessoal.

Passos básicos no caminho da autenticidade


Quais são os passos básicos na jornada que nos leva a ser autênticos? Pela minha
experiência, a trilha para a autenticidade pode ser resumida em cinco passos. Vale
a pena memorizá-los, para que você possa repeti-los vez após vez e torná-los parte
de sua caminhada diária com Deus.

1. Conheça sua verdadeira condição. Você não pode tornar-se autêntico, a menos
que se disponha a enfrentar a verdade a seu respeito. Teremos mais a dizer sobre
esse processo permanente na próxima seção deste capítulo.
2. Aceite a verdade sobre si mesmo. Aceite a realidade de que você tem estado
fingindo. Quando você enxergar a profundeza completa de sua depravação e
pecado, aceite que ela é uma declaração verdadeira de sua condição.

3. Leve a Cristo a verdade acerca de si mesmo, em busca de perdão e libertação. Você a


leva a Cristo ao confessá-la. Você Lhe conta a verdade a seu próprio respeito, não
importa quão dolorosa seja. O que o impede? Ele já sabe tudo sobre você. Nada
há que você possa contar-Lhe que Ele ainda não saiba. Mas quando você Lhe
confessa a realidade do seu pecado, duas coisas maravilhosas acontecem. Primeira,
existe perdão. Existe o reconhecimento de que Ele o aceita como você é, mesmo
na sua obscuridade. Segunda, há libertação do poder desse pecado. Existe algo na
confissão de nosso passado que lhe tira o poder. O seu passado não mais pode
definir você, porque Jesus removerá esse poder, se você tão-somente for franco e
honesto acerca dele.

4. Aceite, pela graça de Deus, que você é relevante e valioso em Cristo. Quando se trata
de autenticidade, esse é talvez o mais importante dos cinco passos básicos. Só uma
pessoa que sabe que é valiosa ousaria examinar suas trevas interiores. A única
maneira de obtermos esse conhecimento é através do evangelho. Nosso valor é
definido pela cruz. A partir desse senso de valor, vem a inclinação para ser
autêntico. Por outro lado, no momento em que achamos que Deus não nos
aceita, as máscaras entram imediatamente em ação. Nenhum ser humano é capaz
de ser verdadeiramente autêntico em sua própria força. Somente na força que
recebemos de Cristo podemos realizar essa obra.

5. Procure crescer cada vez mais em autenticidade. A autenticidade é um processo,


não um estado. Nenhum ser humano pode tornar-se plenamente autêntico num
momento. Se pudesse, isso o mataria. Nossos nervos não conseguiriam suportá-lo.
Assim, Deus nos serve uma pequena porção da má notícia de cada vez. E, na
coragem de Cristo, podemos enfrentar um pouquinho de cada vez. Ao
crescermos no relacionamento com Ele, tornamo-nos cada vez mais genuínos.
Autenticidade é relacionamento. É viver na prática o que Deus disse a nosso
respeito na cruz. Como tenho importância para Deus, sou importante para mim
também. Se Deus me valoriza, então é melhor que eu me valorize.

Ninguém pode valorizar os outros a menos que admita algum valor em si


mesmo. Os cristãos que são amargos, cínicos e críticos, têm pouco ou nenhum
senso do próprio valor. Embora estejam na igreja por cinqüenta anos ou mais, não
alcançaram uma compreensão clara do evangelho. Não conhecem o Jesus que
estão procurando proteger com suas críticas.

A luta para “conhecer-se a si mesmo”


Embora o mais importante dos cinco passos relacionados acima seja o quarto – a
afirmação acerca do evangelho – o passo mais difícil é o primeiro. É conhecer a
verdade sobre nós mesmos. Lembre-se da longa peregrinação sobre a qual lhe
contei no início deste capítulo. Repetidas vezes eu tinha certeza de ter atingido a
autenticidade – só para descobrir uma falsidade escondida bem no meio dos meus
melhores esforços para ser genuíno.

Qualquer pessoa que tenha lutado em busca da autenticidade sabe quão difícil é
apoderar-se dela. Você pode tê-la, e daí a 24 horas se vê fingindo outra vez.
Como chegar a um quadro claro de nossa realidade? Como encontrar a verdadeira
autenticidade, quando a realidade óbvia a nosso respeito é o auto-engano (ver
Jeremias 17:9)? Deixe-me apresentar uma série de passos práticos voltados para o
autoconhecimento – coisas que aprendi ao longo dos últimos trinta anos, na
maior batalha da minha vida. Minha luta terá valido a pena, se puder ser o meio
de ajudar outros.

1. Passe tempo com a Palavra de Deus. Um passo na direção da autenticidade é


empregar tanto tempo quanto puder lendo a Palavra de Deus. Esse parece ser o
lugar óbvio por onde começar. Mas muitas pessoas que lêem a Bíblia todos os dias
ainda não se viram diante de seu auto-engano. Precisamos, portanto, desdobrar
um pouco mais esse conceito.

Em primeiro lugar, a Bíblia nos auxilia em nossa busca pela autenticidade ao


afirmar nosso valor diante de Deus. Enquanto você lê as páginas sagradas, fique
atento às muitas maneiras pelas quais o evangelho transparece. Marque as
passagens que indicam o quanto Deus o valoriza. Muitos de nós fomos criados
num ambiente legalista, no qual o evangelho é aceito no discurso, mas não crido
na experiência. Nós restringimos declarações do evangelho a ponto de não
parecerem mais verdadeiramente bíblicas: “somos salvos pela fé, sem as obras,
mas...” É imperativo, portanto, que nos abasteçamos com textos bíblicos que
confirmem o evangelho, até que todo o legalismo seja afastado de nossa mente.
Esse processo pode levar bastante tempo. Somente quando conhecermos e
entendermos o evangelho, teremos coragem de entrar no processo de uma
crescente conscientização a nosso respeito.

Um auxílio adicional na busca de autoconhecimento pode ser encontrado nas


biografias da Bíblia, nas histórias de grandes personagens. Ainda bem que eu não
escrevi a Bíblia, porque teria provavelmente tratado seus principais personagens
como heróis. Abraão, Moisés, Davi e outros poderiam ter sido facilmente
retratados como santos, sem defeito. Eu teria narrado seus maravilhosos atos de
modo que as outras pessoas se animassem. Mas, em vez de se animarem, aqueles
que lutam pela autenticidade teriam se afastado da Bíblia, desanimados. Teriam
sentido que jamais atingiriam o tipo de relacionamento com Deus que esses heróis
bíblicos experimentaram. E seriam tentados a desistir da luta.

Mas eu não escrevi a Bíblia; Deus dirigiu sua produção. Personagem após
personagem é retratado com autenticidade, como uma pessoa real, com falhas
significativas. Aliás, os personagens bíblicos, em sua maioria, parecem até mais
atrapalhados que você ou eu. Ainda assim, Deus os usou. Não esperou que se
tornassem perfeitos para que Sua reputação não fosse manchada pela ligação com
eles. Usou-os a despeito de suas falhas. Essa característica das biografias bíblicas é
poderosamente descrita em uma das mais notáveis passagens dos escritos de Ellen
White (ver Testemunhos para a Igreja, v. 4, p. 9-11).

A história de Ester é um exemplo. Como os bastidores da história não estão


assim tão claros na tradução, temos a tendência de elevar Ester a um certo nível
de santidade. Ela foi a garota corajosa, que pela graça de Deus venceu um
concurso de beleza e se tornou uma fiel testemunha da verdade na corte de um
rei pagão. Não duvido de que ela tenha sido corajosa. Mas o texto hebraico do
livro deixa claro que não foi um concurso de beleza e que Ester não foi exemplo
de como praticar a fé num ambiente hostil.

Tenha Ester escolhido ou não ser candidata no “concurso”, ele não foi de
beleza. O concurso envolvia um “programa” de uma noite com o rei. E ela
participou, evidentemente com entusiasmo. De alguma forma, Ester provou que
era melhor na cama do que todas as outras moças. No hebraico, Ester 2:13, 14 diz
que, à noite, as moças iam à presença do rei, saindo da Casa das Virgens, e pela
manhã iam para a Casa das Concubinas. A maioria das traduções passa por cima
disso, por constrangimento. Se você se ofendeu com essa história, conviva mais
com o Autor. Ele revelará que tem a mente mais aberta do que nós.
Ester não só se tornou rainha após essa escolha incomum; também parece que
ela não praticou a fé como deveria quando viveu no palácio (ver Ester 2:10; 5:12,
13; 7:3, 4). Não há menção de oração ou de Deus em parte alguma do livro.
Talvez Ester tenha tido problemas com a guarda do sábado e o regime alimentar
especial dos judeus. Era uma judia “cultural”. Como sabemos? Seu próprio
marido não tinha pistas de que ela era judia. É muito difícil não identificar um
judeu autêntico, especialmente se ele vive no seu dormitório e cozinha.

Como você sabe, Ester e Mardoqueu não deviam estar na Pérsia. Deus havia
chamado Seu povo para fora de Babilônia (e Pérsia) cinqüenta anos antes. Muitos
voltaram para a Palestina sob a direção de Deus. A maioria não. A vida era
confortável e o chamado de Deus parecia ser mais do que podiam suportar. Ester
e Mardoqueu representavam um grande número de pessoas fora do esquema das
ordens de Deus. E uma vez tendo entrado pelo caminho da condescendência,
pode ser difícil sair, e se acaba chegando a lugares surpreendentes.

Mas, apesar de todas as coisas nebulosas que aconteceram, o que sabemos acerca
de Ester? Quando o povo de Deus enfrentou uma grande crise, ela estava no
lugar certo e na hora certa para cumprir o propósito de Deus. Embora o povo
estivesse vivendo em apostasia, Deus não os abandonou. Embora a vida de Ester
estivesse cheia de pequenas e grandes condescendências, Deus ainda estava
disposto a usá-la. Foi verdadeiramente uma heroína corajosa, apesar de suas faltas.
A que Deus nós servimos! Não importa onde você tenha estado, não importa o
que tenha feito, Deus ainda pode operar milagres em sua vida, se você permitir.
Não importa quão tenebrosas sejam as descobertas que você faz na busca por
autenticidade, Deus está disposto a redimir sua vida e usá-la para Sua glória.

A Bíblia é um livro autêntico. Mesmo na tradução, 2 Samuel o deixa chocado.


Com base nos critérios de Hollywood, 2 Samuel seria definitivamente classificado
como Proibido Para Menores de 18 Anos, por conter cenas de sexo e violência.
Mas no caso da Bíblia, ao contrário de Hollywood, o sexo e a violência estão lá
para mostrar-nos a insensatez de uma existência separada de Deus e a dor que nos
vem quando violamos as leis da vida. E estão lá para mostrar-nos que, como Davi,
podemos escapar das trevas e adotar um estilo de vida melhor.

Uma leitura honesta da Bíblia, portanto, deve conduzir-nos à autenticidade e


dar-nos a coragem de confessar nossos pecados. Se Deus aceitou Ester e Davi, há
esperança de que Ele me aceite também. Mas, por si só, ler a Bíblia não é
suficiente. Alguma vez você já leu a Bíblia por uns 15 minutos e então percebeu
que não se lembrava de nadinha do que havia lido? Os mecanismos de defesa não
param de funcionar só porque estamos lendo a Bíblia. Aliás, todos temos a
tendência de ver o que queremos ver quando estamos lendo a Bíblia. Aprendi,
gradualmente, que não encontro autenticidade plena apenas com o estudo da
Bíblia. Preciso combiná-lo com algo mais.

2. Pratique uma oração autêntica. Uma companhia essencial para um estudo


autêntico da Bíblia é a oração autêntica. Quando fazemos uma oração autêntica
no contexto do estudo da Bíblia, existe alguma esperança de que aprendamos algo
com ela. Os cristãos genuínos encontram algo fresquinho na Palavra todos os dias,
porque estão receptivos à “sacudidura” de Deus no espírito.

Oração autêntica não é qualquer tipo de oração. O que quero dizer com oração
autêntica é a oração dirigida a Deus com dedicação total. É uma imersão completa
do coração e da alma na experiência da oração. A oração autêntica diz: “Quero
conhecer a verdade, não importa o custo.” Quando procuramos a verdade na
Bíblia, precisamos permitir que o Espírito de Deus nos abra a mente, nos torne
dispostos a conhecer a verdade, aceitar a verdade e seguir a verdade para onde ela
nos conduzir. Quando você diz a Deus: “Eu quero a verdade, não importa o
custo”, você a receberá – mas também pagará o custo. A verdade pode custar-lhe
a família, o emprego, a reputação. A verdade pode até custar-lhe a vida. Você
quer conhecer a verdade tanto assim? Se quiser, Deus a dará.

No meu livro Present Truth in the Real World [A Verdade Presente no Mundo
Real], conto de uma ocasião em que lutava para saber qual era a vontade de Deus
para a minha vida. Eu estava deitado de bruços num chão de madeira rija, no
Brooklyn. Não sabia o que fazer. Finalmente, desesperado, clamei a Deus: “Eu
quero a verdade, a verdade completa, nada menos que a verdade, e não ligo para
quanto isso vai me custar!” E Deus me deu o que eu precisava. Minha vida nunca
mais foi a mesma.

3. Aplique os vários tipos de anotações. Um companheiro para a oração autêntica é


o diário, um assunto que abordamos com alguns pormenores, capítulos atrás. Ao
fazer anotações, procuro permitir que Deus me exponha ao meu genuíno eu.
Deus usa a escrita para revelar as profundezas do meu ser de uma forma como
nada mais consegue fazer. Posso usar as anotações para orar, para registrar as
respostas de Deus à oração e relatar as várias maneiras pelas quais o poder de Deus
tem atuado na minha vida. Mas a anotação mais pertinente à questão da
autenticidade é o Livro da Experiência. Aqui, convido Deus para investigar a área
da minha vida que Ele deseja examinar e me revelar, por escrito! Essa tem sido
uma experiência de valor inestimável para desenvolver a autenticidade.

Descobri, todavia, que o auto-engano é uma coisa incrivelmente sutil. Você


pode enganar a si mesmo até no seu diário! Lembro-me de um dia em que estava
escrevendo no diário e realmente me aprofundando. De súbito, pensei: “E se
você morresse hoje à noite e o mundo inteiro visse o que você escreveu neste
diário?” Então, comecei a editá-lo um pouco para fazer com que ele desse uma
impressão melhor. Algo não muito inteligente, mas muito humano! Nenhuma
pessoa quer que os outros pensem mal dela, mesmo após a morte. Assim, as
anotações, por mais úteis que sejam, não são em si mesmas a resposta final.

4. Leve a oração autêntica a um nível mais profundo. Já falamos sobre querer a


verdade sem nos importarmos com o custo. E isso é tremendamente relevante.
Mas quando se trata de conhecer a você mesmo, não é bom o suficiente. Aprendi
a avançar para um nível ainda mais profundo de oração. Pode-se chamar esse
nível mais profundo de “Oração Autêntica II: A Seqüência”! Essa oração diz algo
assim: “Senhor, quero a verdade a meu respeito, não importa o custo.”

Você vê a diferença? A verdade pode ser muito abstrata. A verdade pode ser
doutrinária. A verdade pode dizer respeito a obter uma compreensão correta de
todas as bestas do Apocalipse e saber organizá-las em fila. Conhecer a verdade
pode ser muito satisfatório. Mas pode tornar-se um substituto para um tipo mais
prático de verdade. Conhecer a verdade a meu respeito é muito diferente da
verdade abstrata. Isso me afeta muito, muito de perto. É o tipo de conhecimento
a nosso respeito que outras pessoas muitas vezes têm. Então, você poderia orar
assim: “Senhor, ajuda-me a me ver assim como as outras pessoas me vêem.
Ajuda-me a obter o tipo de conhecimento sobre mim mesmo que as outras
pessoas têm.”

Deus é muito bom nisso. Hebreus 4 diz que Ele é um cirurgião “cardíaco” que
corta fundo. Pode até separar o osso da medula. Pode cavar ainda mais fundo para
ver os pensamentos e intenções do coração. O livro Caminho a Cristo contém uma
declaração muito preciosa: “Quanto mais perto de Jesus você chegar, tanto mais
cheio de faltas você se sentirá” (p. 64). Na prática, muitas pessoas torcem essa
declaração. Agem como se ela dissesse: “Quanto mais perto de Jesus você chegar,
tanto mais cheios de faltas os outros lhe parecerão.” Mas essa não é a realidade.

Aqueles que estão perto de Jesus têm plena consciência de suas próprias faltas,
tanto que nem têm tempo para fixar-se nas faltas dos outros. Um dos sinais mais
claros de uma experiência cristã em estado terminal é o espírito crítico e acusador
de faltas. Contudo, embora a oração autêntica seja uma ferramenta valiosa,
aprendi que mesmo os níveis mais profundos da oração não chegam sempre ao
âmago. Aprendi que podemos enganar-nos até mesmo na oração. Por exemplo,
você alguma vez já mentiu para Deus em oração? Já foi para a igreja tão irado
contra Deus que desejou dar-Lhe um soco no nariz? Mas, quando chegou sua vez
de orar, você disse algo assim: “Ah, Senhor, eu Te amo tanto! És tão importante
para mim!” É verdadeiramente espantoso! Sabemos que Deus conhece tudo sobre
nós, mas Lhe dizemos coisas que achamos que Ele deseja ouvir! Assim, nossa
busca de autenticidade precisa ir ainda mais fundo que a vida de oração –mais
fundo ainda que escrever um diário e estudar a Bíblia.

5. Prestação de contas. O nível mais profundo de todos pode ser o mais crítico
para o sucesso na área de conhecer a si mesmo: a prestação de contas. O auto-
engano está enraizado em todos nós o suficiente para entretecer-se até mesmo na
nossa vida de oração e em nosso estudo da Bíblia. Às vezes, a única maneira de
Deus chegar até nós é por intermédio de outro ser humano.

Almas existem perplexas pela dúvida, opressas pelas fraquezas, débeis na


fé, incapazes de apegar-se ao
Invisível; mas um amigo a quem podem ver, indo ter com eles em lugar
de Cristo, pode ser um elo para firmar-lhes a trêmula fé no filho de Deus
(Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações, p. 297).

Prestar contas significa permitir que outros o ajudem a vigiar-se. Há várias


maneiras pelas quais você pode tirar vantagem disso. Uma delas é através de um
grupo como os Alcoólatras Anônimos ou um pequeno grupo na igreja, no qual a
única penalidade é para quem não é autêntico. Exige-se que todos digam a
verdade e sejam aceitos por dizê-la. Uma coisa fascinante acontece num grupo
como esses. Quando você ouve alguém dizendo a verdade sobre si mesmo, você
se conecta com o que ele está dizendo e percebe que tem algumas das mesmas
faltas também. Você se reconhece na confissão de outra pessoa. Numa atmosfera
na qual as pessoas confessam pecados, você tem coragem de confessar os seus.
Esse é um verdadeiro desafio para os adventistas do sétimo dia. Os grupos de
oração na Igreja Adventista freqüentemente fracassam por falta de autenticidade.
Somos rápidos em fazer pedidos de oração por outras pessoas, particularmente
pessoas que estão a certa distância de nossas preocupações: “A esposa do meu
vizinho tem um sobrinho, e este tem um primo em terceiro grau, cujo patrão
recebeu o diagnóstico de câncer. Por favor, orem por ele.” Ou nossos pedidos
por nós mesmos são inconseqüentes: “Orem para que Deus me mande dez
dólares, a fim de eu poder comprar um novo secador de cabelo.”

Os problemas profundos, com os quais nos preocupamos no escuro, tendem a


continuar ocultos. Ao fazer pedidos relativamente inconseqüentes, mantemos a
ilusão de autenticidade enquanto nos protegemos de um doloroso escrutínio por
parte dos outros. Minha esposa, certa ocasião, fez parte de um pequeno grupo de
mulheres na nossa igreja. Para estimular a autenticidade, estabeleceu-se uma regra:
Ninguém podia pedir oração por outra pessoa, ou falar dos problemas de outra
pessoa. Qualquer pedido devia ser por si mesma ou relacionado com suas
necessidades (a enfermidade de um cônjuge pode causar um impacto assustador
sobre a pessoa). Era um grupo poderoso.

Relacionado com esse conceito de grupos pequenos, encontramos uma lição na


história da Igreja Adventista. Um amigo me fez ver isso. Muitos dos testemunhos
de Ellen White na série Testemunhos Para a Igreja dão a impressão de terem saído
dos diários das pessoas a quem foram escritos. Nesses testemunhos, Deus apresenta
um caminho exclusivo para a autenticidade, contando às pessoas verdades a
respeito delas que elas mesmas haviam deixado de compreender por conta
própria. Talvez o propósito desses testemunhos não tenha sido tanto o de
apresentar regras rígidas para todos os que os lessem, mas o de fazer a obra de um
pequeno grupo para os leitores em busca de autenticidade. Lendo os Testemunhos,
podemos com freqüência identificar-nos com coisas que Ellen White estava
dizendo a outra pessoa. Os Testemunhos, corretamente usados, revelam nossa
própria depravação, à qual podemos aplicar o evangelho como fonte de perdão e
cura.

Tenho uma sugestão ainda mais assustadora, para poucos e corajosos. Encontre
um amigo cuidadosamente escolhido (inflexível) que o ame e se importe
profundamente com você. Alguém que não desejaria jamais vê-lo sofrendo. Vá a
esse amigo e lhe diga: “Se você soubesse que eu não ficaria com raiva nem me
vingaria de você mais tarde, o que você me diria a meu respeito? Que problemas
você vê no meu relacionamento com Deus? Como é que eu me relaciono com
outras pessoas?”

Isso assusta, não é mesmo? Bem, eu não viveria sem isso. Tenho três desses
amigos, além da minha esposa. Um é branco, outro é negro e o terceiro é
hispânico. Sei que esses três homens me amam, e confio no amor deles. Dei-lhes
o direito de me confrontarem acerca dos meus erros, a qualquer momento. Toda
vez que nos reunimos, realizamos sessões de prestação de contas, nas quais nos
isolamos e abrimos uns aos outros os recessos mais profundos do coração. A Bíblia
diz: “Leais são as feridas feitas pelo que ama” (Provérbios 27:6). E nenhum amigo
é tão leal quanto aquele que o ama o suficiente para dizer-lhe a verdade sobre
você mesmo.

Observe que sou uma pessoa um tanto pública. Muita gente sente um pouco de
medo de mim, porque tenho uma personalidade muito forte. Uma pessoa comum
tende a me dizer o que ela acha que eu quero ouvir. Mas não quero acabar como
Saddam Hussein. Ninguém jamais lhe dizia a verdade, porque os conselheiros que
lhe diziam a verdade eram executados! Assim, quando Saddam Hussein cometia
um grande erro, era provavelmente a última pessoa a saber disso. Um número
muito grande de pessoas depende de mim e da minha jornada com Deus. Por
isso, cultivei amizades nas quais posso confiar e as incentivei a serem honestas
comigo. Esse é um dos melhores métodos para desviar-nos dos nossos
mecanismos de defesa.

Mas, e se você não tem nenhum amigo íntimo? E se não há ninguém neste
mundo a quem você confiaria a angústia mais profunda do seu coração? Ainda
existe um jeito. Encontre um bom conselheiro cristão para ajudá-lo. Os
conselheiros são preparados para ajudar as pessoas a se abrirem e descobrirem as
verdades mais profundas sobre si mesmas. Os conselheiros se preparam para ser
bons ouvintes. Os conselheiros conseguem freqüentemente perceber quando você
está fazendo um jogo de auto-engano. São preparados para nos estimular a fazer o
tipo de desabafo necessário, no contexto do sigilo. Embora eu tenha considerado
proveitoso esse aconselhamento em vários estágios da minha vida, ele é
particularmente essencial para pessoas que não têm ninguém mais a quem
recorrer. A vida é breve demais para ser desperdiçada com falta de autenticidade.
CONCLUSÃO

Com o objetivo de alcançar aqueles que não conhecem a Deus, os cristãos –


particularmente os adventistas do sétimo dia – são tentados a esculpir uma
imagem de fé cristã de alta qualidade. Desejamos que pessoas de mente secular
vejam nossa igreja como uma comunidade ideal, na qual a vida delas se veja
liberta da hostilidade e da confusão do mundo real. Desejamos que a igreja seja
realmente atraente para elas. Assim, tentamos ocultar nossas dúvidas e conflitos,
para o bem dos inquiridores seculares. Temos medo de que a autenticidade, que
revela nossos aspectos negativos, não se harmonize com o dever de sermos boas
testemunhas.

Quando se trata de influenciar pessoas de mente secular, porém, a verdade é


boa. Ser autêntico é o melhor caminho para alcançar pessoas de mente secular
com o evangelho, pois lhes permite identificar-se conosco. Pessoas de mente
secular acreditam que a igreja é um meio de evitar realidades dolorosas. Mas
quando vêem pessoas imperfeitas seguindo a Jesus, isso sacode suas concepções
erradas acerca da fé cristã. Quando vêem pessoas reais encontrando a fé, são
tentadas a fazer a experiência por conta própria. Quando pessoas de mente secular
descobrem que até Jesus, que era sem pecado, passou necessidade, sentiu ira,
tristeza e frustração, tornam-se acessíveis a um relacionamento com Ele. Quando
os cristãos são autênticos, portanto, os inquiridores têm motivos para esperar que
também eles sejam bem-vindos ao se aproximar do trono de Deus.

Assim, para os cristãos que desejam conhecer a Deus por si mesmos e alcançar
seus semelhantes no mundo real, a estrada que leva à autenticidade é o único
caminho a seguir. É certamente uma estrada difícil, levando montanha acima.
Começa ao pé da cruz, com a compreensão de que para Ele valemos o Universo
inteiro. Se valemos tanto, então não importa o que alguém mais pense a nosso
respeito. Com a coragem que recebemos em Cristo, podemos começar a
peregrinação em busca da honestidade e genuinidade.

Conquanto você se sinta desanimado diante da enormidade da tarefa, deixe-me


lembrar-lhe que existe Alguém que conhece tudo o que se pode saber a respeito
de você – e Ele sabia disso tudo antes de decidir ir até a cruz. Ao sondar as
profundezas de sua alma, Ele poderia facilmente ter dito: “Ah, não vou morrer
por esse aí!” Em vez disso, Ele estendeu os braços para você e para o mundo
inteiro. Ele diz: “Eu o abraço como você é. Abraço você com todas as suas
deficiências. Abraço-o com todas as suas tentativas de enganar a si mesmo.
Abraço-o com todos os seus mecanismos de defesa. E, se você permitir, desejo
erguê-lo para sentar-se comigo no Meu trono, a fim de estar entre os seres mais
honrados de todo o Universo (ver Apocalipse 3:21). Em Mim, você tem tudo de
que necessita.”

Ao pé da cruz, você pode começar a permitir que a máscara caia. Pode começar
a deixar que seu verdadeiro eu apareça, porque também pode falar do valor que
tem em Jesus. Não há saída para o dilema humano sem Jesus. Enquanto você lê
estas palavras conclusivas, quero convidá-lo a entregar-se a Jesus sem reservas, na
quietude dos seus pensamentos. Afinal, a que mesmo você está renunciando? Vai
perder o quê? O que você está entregando a Ele é a confusão e o auto-engano,
coisas das quais você queria ver-se livre de qualquer maneira. Receba-O, e dê as
boas-vindas a um novo dia de autoconhecimento, misturado com paz.

Muitos de nós sonhamos com uma igreja que assuma o papel ordenado por
Deus para o tempo do fim, e prepare o mundo para o retorno de Jesus. Mas o
único tipo de igreja que fará uma diferença decisiva no mundo de hoje é aquela
em que as pessoas e a fé sejam genuínas. Não é fácil essa tarefa, mas hoje é um dia
apropriado como qualquer outro para começar. Hoje pode ser o início de uma fé
cristã mais autêntica na sua vida. Convido-o para que me acompanhe ao longo do
caminho. É íngreme a estrada, mas você vai gostar do panorama!

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