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XVIII ERIAC

DÉCIMO OITAVO ENCONTRO


REGIONAL IBERO-AMERICANO DO CIGRE
Foz do Iguaçu, Brasil 19 a 23 de maio de 2019 CE-NN

Comitê de Estudos C5 – Mercados de eletricidade e regulação

OS PROCESSOS DE ABERTURA DOS MERCADOS LIVRES DE ENERGIA ELÉTRICA


NO CONTEXTO INTERNACIONAL

W.J. SOARES* L.R. MAGALHÃES E.F. ARRUDA


Universidade Federal de Universidade Federal de Universidade Federal de
Itajubá Itajubá Itajubá
Brasil Brasil Brasil

Resumo – No final das décadas de 1980 e 1990, diversos países passaram por processos de
reestruturações em seus mercados de energia, o que ofereceu aos consumidores melhores oportunidades de
escolha e novos desafios para as empresas atuantes. Algumas décadas depois, o setor elétrico brasileiro
encontra-se em meio a esses desafios, existindo assim, a forte necessidade de conhecer as experiências
positivas e negativas encontradas em outros países. Neste sentido, o presente trabalho visa discutir os
processos de abertura dos mercados livre de energia no contexto internacional por meio de uma análise
teórica das ações executadas pelos governos, verificando a dinâmica causada pelas empresas e
consumidores no setor, além de analisar também as principais taxas do mercado em uma ordem cronológica
após o processo de abertura. Os países escolhidos para este trabalho foram o Reino Unido, Austrália e o
estado da Califórnia nos Estados Unidos.

Palavras-chave: Mercado Livre – Mercado de varejo – Brasil – Reino Unido – Austrália – Califórnia.

1 INTRODUÇÃO
O final do último século foi marcado por profundas transformações nos setores energéticos mundiais,
alterando desde a cadeia de geração de energia, até a comercialização deste bem para os consumidores finais.
As concepções e estruturas existentes antes do processo, como uma maior confiabilidade e melhor eficiência
causada por empresas em estruturas verticalmente integradas, ou seja, apenas uma organização empresarial
sendo responsável pela geração, transmissão e distribuição, foram consideradas obsoletas e com possíveis
investimentos acima do esperado [1], existindo uma tendência clara para um aumento da tarifa nos anos
subsequentes, caso não houvesse mudanças no setor. Desta forma, buscando também um aumento da
rentabilidade financeira, baseada na possiblidade de concorrência no mercado e a potencial redução dos
custos, os órgãos regulatórios e grandes empresas empenharam-se de maneira significativa para um processo
de restruturação, cujos resultados já são alcançados em todo o mundo [2], conforme mostra-se o crescimento
e desenvolvimento de mercados de energia na Europa, Oceania e Estados Unidos.
Dentre as diversas mudanças causadas pela reforma energética, a abertura do mercado de energia para uma
modalidade de varejo, onde diversos níveis de consumidores podem realizar negociações com diferentes
empresas, tornou-se uma estratégia crucial para a evolução e sucesso deste cenário. A possiblidade de
realização de contratos bilaterais com comercializadoras, buscando as melhores oportunidades para cada
perfil de consumo, bem como a esperança de uma participação mais ativa do consumidor em sua conta de
eletricidade, beneficiaram diversos países com uma melhor transparência na estrutura tarifária, além de
melhores respostas por parte dos consumidores à possíveis alterações no valor da mesma. Todos esses
resultados permitiram que grande parte dos mercados com tal perfil, se desenvolvessem e crescessem,
auxiliando em diversos outros impasses sistêmicos, como foi o caso do Reino Unido, onde decorrente de
ajustes na estrutura tarifária, pôde-se amenizar problemas atrelados a característica de sua matriz, onde
encontrava-se fontes predominantemente não renováveis, e com o advento de tal mudanças, houve um
aumento da geração distribuída local, conforme [3].

*E-mail para contato: waltersoaresjunior@hotmail.com


Decorrente dos inúmeros benefícios apresentados anteriormente, o Brasil encontra-se em um processo de
abertura de mercado para um maior número de consumidores. Atualmente, é necessário requisitos mínimos
de potência e tensão para que consumidores possam realizar negociações no ambiente de varejo (conhecido
popularmente por ambiente livre), mas já existem projetos de lei em tramite no Congresso para uma redução
gradual destas condições, até sua completa extinção no ano de 2028. Neste sentido, conhecendo os novos
desafios para o setor elétrico brasileiro, visto a grandiosidade de um procedimento como este, faz-se
necessário entender de forma concisa os principais pontos positivos e negativos encontrados em experiencias
internacionais, buscando conhecer os aspectos gerais dos processos e a dinâmica resultante. O presente
trabalho discorre sobre a abertura de mercado de energia elétrica, realizando uma análise teórica das ações
executadas pelos governos e empresas de três importantes países, verificando quais foram os resultados
desses procedimentos. Além disso, são examinados os principais índices apresentados pelos órgãos
reguladores, realizando uma comparação entre os cenários encontrados e o contexto geral brasileiro, sempre
buscando lições e aprendizados para o Brasil. Os países escolhidos são o Reino Unido, país pioneiro neste
contexto e com um dos mercados de energia mais sólidos no mundo; Austrália, por apresentar semelhanças
geográficas e excelentes políticas regulatórias; e o estado da Califórnia nos Estados Unidos, devido às
adversidades nas ultimas décadas e suas respectivas políticas energéticas.

2 A CONSTITUIÇÃO DO MERCADO LIVRE BRASILEIRO E O ATUAL CENÁRIO


Desde os primeiros registros de uma intervenção regulatória ou um plano de mercado de energia no Brasil, o
setor sofreu profundas transformações técnicas e econômicas, resultando em uma quebra de paradigma de
muitas concepções. Acredita-se que o primeiro marco de organização e regulamentação do setor foi o
Código das Águas em 1934, atribuindo ao poder público e o papel do Estado o protagonismo no setor. Tal
configuração perdurou até os anos de 1980, quando o país enfrentou uma série de crises políticas e
econômicas, face ao agravamento do processo inflacionário e à crise da dívida, resultando na utilização do
setor elétrico para contenção dos níveis de inflação, com reajustes tarifários contidos, discorre [4] e [5]. Tudo
isso, gerou a percepção de que a contribuição do governo como provedor e operador dos serviços de
infraestrutura estava sendo insuficiente [5].
Já nos anos de 1990, após importantes marcos regulatórios como a Lei Elizeu Resende (nº 8.631/1993),
responsável pela promoção do saneamento da dívida das concessionárias e uma maior garantia da eficiência
operacional e econômica do setor, somado ainda com os resultados alcançados com o Plano Real, houve-se
um empenho por parte do governo para atrair investimentos privados acompanhando o contexto de
reestruturação nos setores elétricos internacionais, afirma [5]. Esta nova tendência mundial, e o parecer
social em relação ao papel do Estado, culminou na criação da Lei nº 9.074 em 1995, conhecido como o
marco principal do processo, discorre [6], e concedendo acesso à consumidores conectados acima de 69 kV
(antes de 08/07/1995), ou qualquer nível de tensão, que possuíssem potência de consumo maior do que 3
MW. Está ação governamental criou o papel do Consumidor Livre e do Produtor Independente de energia,
desenvolvendo um plano gradual de abertura de mercado para consumidores de potências inferior ao
estabelecido. Com o passar dos anos, foram desenvolvidas várias medidas no sentido de consolidar o
ambiente de competição, porém no meio desta evolução o sistema brasileiro se defrontou em 2001 com o
pior racionamento de energia elétrica de sua história [6], problema caracterizado pela ausência de chuva nas
principais bacias e pela capacidade de geração limitada. Tal impasse, refletiu diretamente em toda a estrutura
do setor, colocando em xeque o cronograma de abertura de mercado.
Desta forma, em 2004, estabilizado os problemas energéticos dos anos anteriores, foi proposto uma
estratégia mais efetiva desta consolidação com a Lei nº 10.847 e nº 10.848, sendo conhecido como o Novo
Modelo. Nesta configuração, buscou-se atender os principais problemas que eram encontrados no setor
nacional, além dos impasses que poderiam ser enfrentados, à exemplo de mercados avançados de energia,
exibe [7]. No Novo Modelo, foi criado o Ambiente de Contratação Regulada (ACR), onde a contratação é
realizada por meio de leilões públicos entre as distribuidoras e geradores, e o Ambiente de Contratação Livre
(ACL), onde geradores e comercializadoras realizam negociações livremente. Algumas mudanças pontuais
foram colocadas em prática nos últimos anos no modelo proposto em 2004, mas a base do mercado atual
ainda é sustentada pelo mesmo, expõe [5].
Atualmente, para consolidar o mercado de energia livre para os consumidores, o Ministério de Minas e
Energia prevê um cronograma para um processo de abertura até o ano de 2028, quando todos os
consumidores conectados à alta tensão (grupo A) teriam direito a optarem pelo mercado livre. Já para

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consumidores de baixa tensão (grupo B), um possível cronograma ainda será discutido em 2022. Existe
empenho por parte de diversas empresas e entidades em um processo de abertura mais rápido, à exemplo do
que aconteceu no cenário internacional. O posicionamento das empresas é de que se deve realizar um
processo gradual de abertura até o ano de 2024, quanto consumidores do grupo A e B teriam acesso
livremente aos dois ambientes de negociação. Atualmente, os requisitos mínimos para pertencer ao ACL são
de potência superior ou igual a 3.000 kW e tensão mínima de 2,3 kV (após 08/07/1995) ou 69 kV (antes de
08/07/1995) para ser um Cliente Livre, ou então com potência mínima de 500 kW e tensão de 2,3 kV, para
pertencerem aos Consumidores Especiais. Já em relação à números, o setor se encontra à um crescimento
considerável nos últimos anos, oferecendo diversos resultados para grandes e médias empresas. Em 2017, o
mercado alcançou 30% do consumo do Sistema Interligado Nacional, correspondendo a 77% do consumo
industrial nacional. O total de consumidores neste ambiente é de 5.158, dos quais 872 são consumidores
livres e 4.286 são especiais, com valores médios de 86.174 MW comercializados, apresenta [8].

3 O MERCADO ENERGÉTICO DE VAREJO NO REINO UNIDO


O mercado de energia no Reino Unido destaca-se no cenário global pelo seu pioneirismo nos processos de
reestruturações e suas efetivas políticas regulatórias, sendo um dos exemplos mais bem-sucedidos e também
um modelo para diversos países. O processo de reestruturação neste cenário pode ser caracterizado por duas
etapas, sendo elas as grandes privatizações em empresas, antes em estruturas verticalmente integradas, e a
abertura do mercado de energia buscando uma maior concorrência entre as empresas.
Antes das privatizações, o setor elétrico inglês era tratado como um monopólio verticalmente integrado,
sendo composto pela Central Electricity Generation Board (CEGB), responsável pela geração e transmissão,
com uma parcela de 95% da energia consumida no território, além das doze empresas regionais, incumbidas
pela distribuição e comercialização. O fato de a privatização no setor elétrico ter sido realizada após diversas
outras privatizações, onde foram encontrados problemas de maximização de ganhos pelas empresas,
garantiram ao setor algumas particularidades em relação as demais, como uma boa estrutura regulatória e
ações de classe especial pertencentes ao estado, como aponta [9]. É importante salientar ainda, que em suma
o processo de reestruturação de mercados de energia não necessita de privatizações, mas que tal ponto foi
crucial para o mercado britânico, uma vez que grandes empresas eram responsáveis por parcelas
consideráveis de mercado, e muito da dinâmica posteriormente encontrada a ao processo de abertura foi
atrelada a tal fato.
O processo de abertura de mercado de eletricidade no Reino Unido foi iniciado em 1990, e perdurou até a
liberalização completa em 1998, quando os consumidores residenciais puderam pertencer ao ambiente de
varejo. O foco deste processo era a inserção da competição no setor, buscando uma diminuição do papel do
estado e melhores serviços e produtos para o cliente, alcançados com a concorrência entre as empresas, à
exemplo dos conceitos da escola austríaca de pensadores. No entanto, a experiencia real encontrada no
mercado nos seus anos inicias foi um pouco diferente das expectativas originais, em parte devido à algumas
consequências dos processos de privatizações e em parte pelas características estruturais [10]. Um dos
principais pontos neste sentido foi o desenvolvimento de um oligopólio por parte das empresas. Inicialmente,
nos anos de 1999, existiam 14 fornecedores estabelecidos, mas decorrente de uma série de fusões e
aquisições, o número foi reduzido para um total de 5 empresas, ficando mais tarde conhecida como Big Six,
quando somadas com uma empresa de gás. Conforme afirma [3] e [11], houve-se preocupação por parte das
autoridades em relação a tal quantidade de fornecedores, e até especulações de que tais empresas
trabalhavam em uma estrutura vertical, suprindo a liquidez do mercado e criando barreiras ou dificultando a
entrada de novas ofertas. Com isso, o órgão regulador britânico, Office of Gas and Electricity Markets
(OFGEM), impôs uma série de reformas exigindo que as empresas negociassem certos produtos e condições,
o que possibilitou a entrada de novos concorrentes. Os índices de junho de 2018 indicam que esses
fornecedores atendiam 76% dos consumidores no Reino Unido, enquanto o restante era gerido por pequenos
e médios fornecedores [12], que cresceram de forma vagarosa nos últimos anos.
Os anos iniciais foram marcados também por uma gama cada vez maior de tipos de contratos de energia. A
possibilidade da venda combinada de eletricidade e gás se tornou uma das maiores inovações neste período,
explica [3], com aproximadamente um terço dos clientes nestas relações. O crescimento de possíveis
contratos de energia gerou também grandes incertezas para o órgão regulador, afirmando que o alto número
de contratos dificultava ao cliente a realização de boas escolhas e que muitas vezes não havia transparência
por parte das empresas aos seus consumidores. Somado a outros fatores, como a homogeneidade e a

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complexidade do produto, se tornou cada vez maior o número de consumidores inertes no mercado, não
realizando pesquisas e busca por melhores oportunidades, permanecendo em suas respectivas empresas sem
uma participação ativa no cenário. Tudo isso, levou o órgão regulador em 2013, à maiores intervenções
buscando proteger o cliente de possíveis contratos pouco eficientes e aumentando a transparência do setor,
resultando em maiores taxas de mudanças entre os contratos, e um crescimento do número de empresas no
setor (ver Fig. 1), discorre [12] e [13]. Atualmente, estima-se que o engajamento dos consumidores no
mercado é de 41%, sendo caracterizado como a troca de fornecedor, modificação da tarifa ou comparação
com outras propostas, em um intervalo de 12 meses. Além disso, uma análise dos perfis destes consumidores
engajados mostra-se que os clientes com maior poder aquisitivos são mais propensos a mudarem, seguidos
dos consumidores de classe média. Ressalta-se ainda que a idade dos mesmos também reflete neste mercado,
sendo que consumidores de 16 a 34 anos são mais propensos a mudarem de empresa, enquanto de 35 a 64
são mais predispostos a mudarem de tarifa, apresenta [12].

Fig. 1. Crescimento das empresas de comercialização de energia. Período de 2004 a 2018. [12].

Para realização de uma análise da tarifa de energia elétrica, bem como os impactos que a reestruturação
causou na mesma, é necessário levar em consideração diversos fatores, como o perfil da geração no Reino
Unido e as mudanças na matriz energética ao longo do período em questão. O país enfrenta duas pressões
conflitantes neste horizonte, sendo elas a necessidade de mudança da matriz energética para fontes
renováveis e o crescimento significativo da demanda de consumo [14]. Tudo isso, afeta diretamente os
preços da energia britânica. Historicamente, os preços da eletricidade mudaram pouco até meados da década
de 1990, mas sofreram quedas consistentes nos anos posteriores, garantindo uma redução real de 30%. Esta
redução continuada, conforme afirma [15], reflete os controles impostos pelos reguladores sob o preço e a
concorrência de oferta no mercado, assim como a redução nas taxas de combustíveis fósseis. No entanto, de
2003 a 2008, o preço da energia sofreu um crescimento considerável motivado pela alta do preço do
combustível, estabilizando-se nos anos posteriores. Atualmente, o preço da energia ainda é volátil em relação
a sua matéria prima, mas existe uma tendência clara para uma diminuição deste seguimento, visto a
necessidade de mudança da matriz. A Fig. 2 exibe a dinâmica entre as grandes empresas do setor (Big Six) e
suas concorrentes menores, apresentando o preço da energia elétrica do período de outubro de 2012 a abril
de 2018.

Fig. 2. Preço da energia elétrica no mercado de varejo do Reino Unido. Período de 2012 a 2018. [12]

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4 O MERCADO ENERGÉTICO DE VAREJO NA AUSTRÁLIA

O estudo do mercado de energia australiano é justificado pelas suas efetivas políticas regulatórias,
características similares com o contexto brasileiro e seu crescimento considerável nos últimos anos, a
exemplo da própria economia nacional. O setor elétrico, que conta com um dos maiores sistemas do mundo,
colhe bons resultados técnicos e econômicos nas ultimas décadas, que se somado ao contexto existente no
mercado, como uma participação ativa dos consumidores e uma boa regulação, apresenta lições valiosas para
o cenário brasileiro. O processo de restruturação neste país, assim como na Nova Zelândia, foi iniciado nos
primeiros anos da década de 1990, impulsionados pelo contexto internacional, buscando um maior incentivo
para a competição como formar de garantir o aumento da eficiência e preços competitivos, conforme [6]. O
cenário encontrado anteriormente era composto por estruturas similares as do Reino Unido, onde a geração,
transmissão e distribuição caracterizavam-se como estruturas verticalmente integradas, o que poderia
oferecer gastos e investimentos sem necessidades técnicas. A discussão sobre desregulamentação e reforma
começou em 1991 com a Comissão da Indústria Australiana, à exemplo dos movimentos de liberalização ao
redor do mundo, desenvolvendo um relatório com inúmeros benefícios para o país se feito as devidas
reestruturações no mercado, como a privatização de diversas empresas de geração e abertura para
concorrência [14]. Assim, nos anos posteriores, foram iniciadas diversas reformas com a criação do
Conselho Nacional de Gerenciamento da rede, buscando estabelecer um mercado competitivo. Embora a
abordagem da restruturação tenha partido por parte do governo federal, cada estado teve a responsabilidade
de garantir o processo [15], visando respeitar as diferenças geográficas e sociais. É importante salientar ainda
que esses processos tiveram um aspecto bem desafiador, uma vez que o setor não possuía um quadro
regulamentar, além de grande hostilidade por parte de grupos sindicais, realizando oposição ao processo
descrito, especialmente às privatizações, exibe [16].
A abertura do mercado de energia para a modalidade estudada na Austrália apresentou algumas
características heterogêneas entre os estados, como as demandas mínimas necessárias para o mercado e o
tempo de abertura, conforme pode ser visto na Fig. 3. Este fato, deve-se as características econômicas
técnicas e sociais de cada região, marcadas por grande diversidade. Na criação deste cenário, a Austrália
optou por um papel mais ativo da agência reguladora no mercado, desenvolvendo diversas atividades de
intervenção e fixação de preços que perduram até os dias atuais. A ideia do maior intervencionismo baseia-se
em proteger os consumidores de eventuais preços excessivos ou más práticas por parte das empresas.
Durante o processo, cada estado criou uma equipe de reforma com informações de representantes e
especialistas externos, supervisionando todo o gerenciamento das atividades. Além disso, o governo optou
por diversas consultas populares buscando uma análise do desenvolvimento do processo, garantindo que os
clientes, geradores e distribuidores apresentassem informações e recomendações para o mesmo, aponta [14].

Fig. 3. Tempo de abertura completa do mercado de varejo nos estados da Austrália. Elaboração própria.

A dinâmica encontrada nos primeiros anos de mercado de varejo foi menos progressiva do que à do Reino
Unido, mas muito semelhante em alguns aspectos. Desde o princípio, o órgão regulador não excluiu a
possiblidade das empresas no mercado se adaptarem à um sistema de oligopólio e de prejudicar os
consumidores com determinadas ações. Por isso, foi instituído o Quadro Nacional para Consumidores, uma

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estrutura composta por algumas leis para garantir a segurança de fornecimento e regras rígidas entre as
relações consumidor-empresa, conforme descreve [14]. Um bom exemplo destas relações são os
procedimentos de desligamento de comercializadoras do sistema, exigindo que antes de sair do mercado, a
empresa aloque seus clientes em novos fornecedores, garantindo a segurança de suprimento e que os
consumidores não sofram com custos adicionais ao processo. Embora o governo tenha se empenhado
também pela competição, só nos últimos anos houve um crescimento das empresas de comercialização no
setor, em taxas muito próximas das encontradas no plano britânico. Até então, existiam grandes empresas
sendo responsáveis por determinadas áreas regionais, cobrindo até mesmo taxas maiores do que 90% dos
consumidores de uma cidade, mostra [17]. Este cenário sofreu uma alteração quando pequenas empresas
começaram a inovar no setor, vendendo planos de pagamento a prazo e a possibilidade de instalação de
painéis fotovoltaicos para diminuição da tarifa [15], embora o governo tenha ajudando também com
incentivos fiscais. Atualmente o número de comercializadoras é de 20 a 27 empresas por estado (exceto a
Tasmânia com apenas 2 empresas), contando com parcelas de 80 a 90% dos consumidores no ambiente livre,
variando entre os estados.
A política de maior intervencionismo no mercado para alguns pesquisadores não é aconselhável em um
cenário onde busca-se competitividade, mas os resultados depois de mais de 10 anos de mercado de varejo,
mostram-se que o setor tem se tornado eficiente e sólido, como exibe [17] e [18]. No segmento da tarifa de
energia elétrica, o governo desenvolveu uma série de recomendações e buscou transparência para os clientes,
criando até mesmo um site onde são apresentados os melhores preços de energia em relação a localidade do
consumidor. Os preços da energia elétrica não sofreram tantas modificações com o advento do mercado
varejista, mantendo-se com pouco crescimento do período de 1980 até 2007, como mostra [14]. Depois deste
período, o autor afirma que houve um crescimento mais considerável da tarifa por dois motivos: a mudança
política ambiental, com a necessidade de mudança da matriz energética para fontes mais renováveis, e a
necessidade de investimentos de reestruturação na rede elétrica. Depois de 2007, o mercado varejista
contribuiu de maneira mais eficaz para a concorrência, uma vez que as tarifas cresceram. Esses resultados
podem ser verificados nas taxas de mudanças entre comercializadoras e contratos de energia, que cresceram
após o período mencionado, impulsionados principalmente pelos consumidores de alto poder aquisitivo e de
classe média, conforme mostra [18].

5 O MERCADO ENERGÉTICO DE VAREJO NA CALIFÓRNIA


O mercado de energia na Califórnia (Estados Unidos) tornou-se um dos cenários mais emblemáticos no
mundo. Com um processo de reestruturação de mercado extremamente rápido, além de uma crise devida a
escassez do fornecimento de energia e de manipulação por parte de grandes empresas, resultando em um
aumento de 800% na tarifa de energia e apagões em diversas regiões [20], o setor californiano se tornou uma
experiência necessária para qualquer outro país no âmbito energético, principalmente no que tange a abertura
de mercado de energia para uma modalidade de varejo, uma vez que o setor realizou esse procedimento e
depois de alguns anos alterou toda a sua estrutura.
A conjuntura encontrada no setor elétrico da Califórnia antes do período de reestruturação era muito parecida
com os ambientes encontrados em outros países e aqui estudados. As empresas se organizavam em grandes
monopólios verticalizados, contrastando apenas no que tange o modelo institucional, onde os americanos
tinham a predominância do capital privado em serviços de utilidade pública, como mostra [21]. Essa
configuração perdurou por muitos anos, mas no final da década de 80 mostrou-se como uma estrutura
obsoleta, exigindo uma nova reformulação. Segundo [20] e [21], o arcabouço para o governo iniciar os
movimentos de reforma no estado da Califórnia pode ser divididos em duas frentes básicas: a justificativa
pelo método de regulação por custo, sujeito a um aumento na tarifa decorrente da ineficiência alocativa das
empresas, e a economia em recessão no estado, o que contribuiu para altas taxas de desemprego e um
aumento na tarifa de energia. É importante destacar neste contexto que as reestruturações seguiram o modelo
internacional para uma livre concorrência e desverticalização, assim como no Reino Unido e na Austrália, e
os processos não sofreram hostilidades por parte do setor elétrico e da política, visto a instabilidade local.
O processo de reestruturação na Califórnia foi iniciado em 1996, buscando principalmente a criação de um
mercado de varejo de energia e a oportunidade de os clientes realizarem negociações no ambiente livre. O
cenário era marcado por um crescimento da tarifa nos últimos anos, por isso, a reforma se tornou a melhor
esperança para que houvesse uma redução desses valores decorrente da concorrência. Um bom exemplo
dessa carência por soluções no mercado é o tempo que o processo perdurou para a completa abertura, como

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mostra [22], durando aproximadamente 2 anos (1996 a 1998) para sua completa execução, enquanto outros
países perduraram por mais de 5 anos. O problema de aumento da tarifa na Califórnia foi fruto das mudanças
na matriz energética estadual nos anos anteriores à década de 90. Com o fim do uso de gás natural para
produção de energia por ordem do governo federal, e o choque dos preços causados pelos embargos de
petróleo na década de 70, foram construídas rapidamente grandes usinas nucleares, gerando custos
excessivos aos consumidores em todo o estado [23]. Neste sentido, buscando uma recuperação dos custos
para as concessionárias, o governo congelou as tarifas de energia no mercado de varejo após a
reestruturação, enquanto os preços no ambiente regulado cresciam de forma significativa. Esse congelamento
no ambiente de varejo fez com que os consumidores não tivessem o fornecimento de energia de maneira
efetiva e somado a diversas estratégias e fraudes de mercado por grandes empresas de energia, onde foram
encontrados brechas na regulação para tais ações, o setor entrou em um colapso, exigindo que o então
governo decretasse estado de emergência nacional, aponta [20], [21] e [22].
Para solucionar a crise de energia na Califórnia foram necessárias diferentes ações para contenção da tarifa e
das ações fraudulentas por parte das empresas, como uma maior intervenção da agência reguladora no
mercado. Dentro das ações realizadas pelo governo em relação ao mercado de varejo, a principal mudança
foi no teto do preço da energia elétrica, alterando o congelamento existente anteriormente para consumidores
de grande porte. Em relação aos resultados deste mercado, não foram obtidos valores sólidos de como a foi a
dinâmica e os benefícios que o processo resultou ao sistema, pois nos anos subsequentes ao evento o setor
sofreu diversas dificuldades. As lições apreendidas deste contexto se restringem em como o setor e os
consumidores podem ser influenciando por uma estrutura regulatória com lacunas e pouco eficaz. O atual
cenário na Califórnia mostra que o estado segue o caminho de uma modalidade de varejo novamente, à
exemplo dos resultados dos demais estados que fizeram esse processo nos Estados Unidos. Além disso, a
Califórnia conta com políticas lideres no plano de energias renováveis, incentivando principalmente a
geração distribuída, o que aumenta as esperanças de uma regulação que vise a realização de contratos
bilaterais com comercializadoras para qualquer consumidor. Embora o setor apresente este cenário, [24]
afirma que ainda não há um plano e um caminho fortificado para lidar com todos os desafios associados à
competição, desde regras renováveis de aquisição até confiabilidade requisitos e proteção do consumidor.

6 CONCLUSÕES
Com o desenvolvimento do presente trabalho, foram encontradas lições valiosas para o contexto brasileiro.
De fato, o ambiente livre alcançou diversos resultados significativos em outros países, principalmente em
mercados que já possuem essas características há determinado tempo. Fruto da maior competição no setor,
principalmente nos últimos anos, com o advento de novas empresas oferecendo melhores serviços e planos
de pagamento, houve-se uma diminuição na tarifa de energia elétrica e uma participação mais ativa dos
consumidores, realizando pesquisas de mercado e verificando os melhores contratos para seus respectivos
perfis. Toda essa estrutura e dinâmica existente em mercados avançados, mostra que o setor se desenvolve
com o passar dos anos, apresentando melhores resultados para os consumidores e seus agentes.
Embora os conceitos que foram responsáveis pelo desenvolvimento de um mercado que incentive a livre
concorrência coloquem o papel do estado e da regulação em segundo plano, a participação da agência
reguladora, tanto na fiscalização como no desenvolvimento de uma legislação sólida e de políticas para o
mercado, torna-se extremamente necessária, conforme foi verificado no trabalho. As experiências
comprovam que um cenário como este possui inúmeras variáveis que podem influenciar toda a sua estrutura,
por isso, é papel das agências reguladoras verificar quais são essas condições e prezar pela segurança dos
clientes e empresas contra eventuais riscos. Boas estratégias de incentivo ao consumidor a pertencer ao
ambiente livre também são muito bem-vindas, à exemplo dos benefícios encontrados no cenário australiano.
No Brasil, quando comparado com o contexto internacional, uma abertura do mercado de energia elétrica
poderia trazer diversos benefícios para o setor, principalmente atrelado à concorrência, uma vez que o país já
possui dezenas de empresas no ambiente de varejo oferecendo energia elétrica para consumidores de maior
potência. Além disso, os números do atual cenário mostram o que o setor apresenta bons resultados nos
últimos anos, o que comprova que o sistema tem uma característica sólida para suas eventuais consolidações.
Salienta-se ainda que se desenvolvido uma estrutura regulatória mais eficaz no que tange a geração
distribuída, concomitantemente uma política de abertura, este cenário poderia crescer no Brasil, melhorando
o mix energético nacional e colocando o consumidor em um papel muito menos passivo, o que garante
resultados nesta esfera.

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7 REFERÊNCIAS
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