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Sumário

Capa
Folha de rosto
Sumário
Dedicatória
1. Ah, não. Ele de novo, não
2. O novo testamento nunca soou tão sexy
3. Um brasileiro, um espanhol e um italiano entram em uma festa gay em
Barcelona
4. O dia em que quase beijei Jesus
5. Como assim estão dando convite para um ménage e não recebi nenhum?
6. O m
7. Alguém aí pediu um McClimão?
8. O beijo de Judas
9. Quem disse que três era demais estava mentindo
10. E vai se formando um clima terrível entre os brothers
11. Porque eu mereço
12. A noite do fogo
Epílogo
Baseado em fatos reais

Agradecimentos
Sobre o autor
Créditos
Também de Pedro Rhuas:

Enquanto eu não te encontro


Para todo mundo que já teve o coração partido e achou que não daria a
volta por cima.
O que pensamos ser o m de uma história é apenas o Universo nos
preparando para uma nova.
1
Ah, não. Ele de novo, não

BARCELONA, CATALUNHA

23 DE JUNHO DE 2016

Acho que acabei de ver um fantasma.


Isso ou os biscoitos que o Murilo me deu foram batizados com algum tipo
de alucinógeno e só começaram a bater duas horas depois.
É a única explicação que encontro quando chego na la da Acrópolis — a
festa onde todos os meus amigos de Barcelona vieram comemorar a véspera
de São João, um feriado importante na cidade, com fogueiras armadas nas
ruas e o céu tomado por fogos de artifício — e vejo um cara idêntico ao
meu ex desaparecer dentro da balada antes que eu tenha a chance de
con rmar sua identidade.
Puta merda.
Esse ex é especialmente perigoso porque, não satisfeito em picotar meu
coração, fodeu minha autoestima e destruiu meu psicológico. Então, não. Se
meu ex está aqui, eu não estou nada feliz.
Mas talvez não seja Raul.
Talvez seja só de fato o biscoito batizado.
Fico com sérias dúvidas se dou ou não meia-volta e me abrigo no único
esconderijo seguro: a casa que divido com outros três colegas do Ciências
Sem Fronteiras, onde meu ex jamais conseguiria entrar. Porém, isso
signi caria perder uma festa. E não vou fazer isso por uma mera
possibilidade.
Sou o último do meu grupo a chegar na balada. Além de arrependido por
não ter vindo mais cedo com Murilo, Ariel e Gustavo, ainda por cima tenho
a porra de uma crise de ansiedade na la, torcendo para que o fantasma seja,
sei lá, só minha imaginação pregando peças.
Deve ser.
Meu Deus, precisa ser.
A nal, qual é possibilidade de Raul estar em Barcelona, no mesmo lugar
que eu, justo esta noite?
Quando terminamos em outubro do ano passado, cortei relações. Eu o
bloqueei em cada uma das minhas redes sociais (e dos meus amigos também,
por precaução), mas Raul insistiu em tentar fazer contato através de contas
fakes. Foi parte do motivo pelo qual precisei tornar meus per s privados —
meu pai e seus eleitores conservadores eram a outra. Então a menos que ele
tenha usado métodos de espionagem bem escusos, não me parece plausível
que saiba que estou aqui.
Mas quando é que a vida foi plausível?
— Perdón, tío. ¿Estás bien?
A voz é de um cara atrás de mim na la, preocupado.
— ¿Estás hablando conmigo? — Franzo a testa. Evito fazer contato visual
porque sei que minha ansiedade deve transparecer pelos olhos.
— Sí, te veo un poco raro — diz ele. — Estás temblando.
Merda, nem reparei que tremia. Envergonhado, en o as mãos nos bolsos da
calça branca que escolhi usar. Forço um sorriso e tento não dar mais
bandeira.
— Estoy bien — dispenso as preocupações.
— ¿En serio? — O rapaz insiste, educado. — Si necesitas algo, una aguita o lo
que sea, puedo ayudarte…
Eu só nego com a cabeça, incapaz de pronunciar qualquer outra palavra.
Estamos em uma parte central do distrito de Eixample, com ruas largas
inicialmente projetadas para as carruagens que passavam por ali séculos atrás.
Quando cheguei, os quarteirões octogonais foram os primeiros que explorei
nos tours oferecidos por alunos de arquitetura.
Perto da Praça da Catalunha ca a Acrópolis, que se tornou a boate
favorita do meu grupo de amigos. A música é legal, e os preços, bem
razoáveis. Por fora, a fachada não entrega muito, mas lá dentro a estrutura
imita um templo grego, com colunas clássicas altas e brancas e jogos de luzes
fantásticos.
Normalmente, co feliz em estar aqui. Nessa noite, penso no que
aconteceria se simplesmente decidisse sair da la e caminhar por Barcelona.
Poderia ir à praia, ver os fogos de artifício reluzirem no espelho d’água, me
perder nas ruas estreitas do Bairro Gótico…
Mas não faz sentido. Eu nem deveria me sentir sufocado. Raul e eu
acabamos há meses. Ele não tem mais poder sobre mim.
Com o coração acelerado, tiro o celular do bolso e envio um pedido de
socorro para a única pessoa que vai me entender.

Acho que o Raul está em Barcelona, Lucas

MAS QUE PORRA?

Esse demônio não para de atormentar nem DO OUTRO LADO DO


MUNDO?!

Me conta tudo
Eu não sei, acabei de entrar na festa que te falei que ia e vi um cara
igualzinho a ele, Lu

IGUALZINHO

Tem certeza?

Tipo, de um a dez, qual a possibilidade de ser ele mesmo?

Talvez oito?

Oito é muito, Eri

AFFFFFF

Vsf, que droga

Conseguiu identificar alguma característica, algo que realmente DIZ que é


*aquele cara cujo nome me recuso a escrever*?

ele tava com uma camiseta cinza com a capa de um álbum da Marina and
the Diamonds, que é a única coisa que existe no guarda-roupa do Raul, e
eu acho que…

hum…

tipo, ele tinha franja

e era meio alto

e usava jeans cintura alta

Eri, você descreveu todo gay branco padrão na face da Terra


Com essa descrição poderia ser literalmente qualquer um

HAHAHAHAHAHAHAH

Eu sei, mas…

Minha intuição tá dizendo que é ele

Sabe? Eu sinto que é

Normalmente diria pra confiar na sua intuição e tal

mas nesse caso acho melhor deixar pra lá

Vc tava super animado pra ir nessa festa, né?

Sim 😔

Quer que eu dê uma olhada?

Eu posso, tipo, stalkear o desgraçado, ver se ele postou algo…

Não, melhor não…

Pode ser só coisa da minha cabeça

E me recuso a deixar o Raul estragar minha primeira festa no verão


espanhol

Eu me RECUSO

ISSO AAAAÍ!

Promete me ligar a QUALQUER MOMENTO se precisar?


Sempre

Ótimo, agora sai do celular, olha ao seu redor

E põe essa raba pra jogo

Vai que tem algum gatinho te esperando (sempre tem) 😉

Te amo, viu?

Amo mais!

APROVEITE POR MIMMMMM

Queria estar em Barcelona contigo

Eu tb queria que vc estivesse aqui ❤

Queria mesmo.
Sigo as instruções de Lucas — o irmão que a vida me deu, a pessoa que
melhor me conhece no mundo — e olho em volta. A la para entrar na
Acrópolis é grande e anda devagar, mas as pessoas daqui nunca estiveram tão
soltas.
Não que Barcelona tenha sido chata antes; acredite, essa cidade pode ser
tudo menos entediante, e os espanhóis amam uma festa. A diferença é que
existe uma energia inegável no ar hoje, como uma promessa se tornando
realidade, Barcelona saindo de um estado de hibernação.
Deve ser efeito do verão. Quando cheguei, era janeiro, no auge do
inverno. Chovia sem dar trégua e a cidade estava fria, cinzenta. A água só
parou de cair durante uma breve estiagem em fevereiro, para logo voltar com
força em março e abril. Senti mais saudades do calor de Natal e de Luna do
Norte do que imaginava que sentiria, mas as baixas temperaturas também
caíram como uma luva: combinavam com meu estado de espírito.
Com o coração partido, ngia felicidade para os amigos que caram no
Brasil e disfarçava como o término tinha me afetado. Eles só queriam que eu
aproveitasse ao máximo a cidade dos meus sonhos, mas era difícil fazer isso
com um buraco no peito.
Meus novos amigos zeram o possível para me animar durante as
primeiras semanas. Em geral, isso signi cava me tirar de dentro do quarto
para ir beber em algum bar em Las Ramblas que descobriram ou em alguma
festinha na casa de alguém que conheceram pelo Grindr.
A universidade era incrível, mesmo que o nível fosse altíssimo e bastante
puxado. Fora das aulas, também aprendia rápido. Catalão era tenebroso,
praticamente mandarim para os meus ouvidos, então concentrei meus
esforços em sair de Barcelona falando o melhor espanhol possível. Cinco
meses depois, ia em restaurantes sem me sentir um impostor pelas carrers da
capital.
E quando a primavera sorriu inesperadamente na metade de abril,
trazendo os primeiros sinais de verde para a cidade, en m comecei a me
sentir melhor. Finalmente pronto para abandonar o passado e viver o
momento Vicky Cristina Barcelona pelo qual tanto esperei.
A nal, Barcelona é uma instalação de arte a céu aberto. Desde o Bairro
Gótico às áreas mais modernas, da grandiosidade em processo da Sagrada
Família à zona portuária com seus iates caríssimos, as mãos dos grandes
mestres da arquitetura, como Gaudí e Puig, se revelam a cada esquina. Até
do alto, vista a partir dos Bunkers del Carmel, as ruas e os prédios da cidade
sempre contam histórias.
Espero também conseguir deixar minha impressão digital em seu mapa.
Qualquer marca duradoura de que estive aqui durante esses meses.
— ¿De verdad estás bien? — o cara atrás de mim volta a puxar assunto.
Fico incomodado com a insistência, me viro e rebato:
— Ya te dije que…
A frase morre antes de sair da boca.
Puta merda, ele é um gostoso.
Gordo e branco, com sardas nas bochechas que cobrem o nariz
arredondado. O cabelo é loiro-mel, e a barba é aparada na no queixo, sem
bigode. Veste uma regata branca lisa, calça jeans desbotada e uma bota de
couro marrom escura. Além das várias pulseiras no braço, leva um cigarro
atrás da orelha.
São os olhos castanhos avermelhados que roubam minha atenção, porém.
Mais que lindos e intensos, são sábios, astutos. Como se enxergassem além da
superfície e vissem através de mim.
O fato de que estão focados nos meus lábios me desnorteia.
— ¿Que ibas a decir? — As sobrancelhas dele franzem enquanto me espera
nalizar a frase, mas, por um instante, desaprendo a falar.
Quando me recupero, faço uma manobra rápida para reverter a situação.
— Que estoy bien, gracias. Y que eres muy amable por preguntar. — Respiro
fundo e abro um sorriso, o primeiro desde meu encontro com o fantasma do
Raul.
— Me alegro. — A voz é grave, grossa. — Eres demasiado guapo para estar
nervioso.
— Tu tambíen eres guapo — devolvo o elogio, o que o faz sorrir.
— ¿Tienes mechero? — ele tira o cigarro da orelha e pergunta. Devo fazer
uma expressão confusa, já que emenda: — Fuego. ¿Fire?
— Sí, por supuesto. — Balanço a cabeça e en o a mão no bolso da calça à
procura do isqueiro.
— Gracias. Yo olvidé el mío. — Ele gira o cigarro entre os dedos enquanto
espera.
O objeto não está guardado no primeiro bolso que vasculho. Tenho
certeza de que trouxe comigo, mas o fato de que o garoto não para de me
encarar tampouco facilita.
— Perdóname — digo, espremendo os lábios. — No encontré. Creí que tenía,
pero…
— No pasa nada. — Ele penteia a lateral do cabelo com a mão. O
compasso da voz é relaxado; chuto que talvez tenha vinte e três anos. —
Gracias por intentar.
Esse deveria ser o momento em que continuo o erte, certo? Porém, uma
onda de timidez me atropela e escapo do seu olhar.
O garoto não desiste tão fácil. Logo toca meu ombro quando me viro para
a frente, e ali estão aqueles olhos inteligentes outra vez, bonitos demais para
não serem apreciados.
— Eres brasileño, ¿no?
— ¿Como sabes?
— El acento es inconfundible — responde com uma mordida breve no lábio
inferior. — Eu gosto do Brasil, gosto de falar português.
Por esse sotaque carioca — o chiado do “s” quando repete “gosto” — eu
não esperava.
— E fala bem — retomo o português.
Agradecido, ele junta as duas mãos no coração.
— Bom saber que ainda não esqueci.
— Ah, para. Seu português é perfeito, bem melhor que o meu espanhol.
— No, tío — ele se opõe. — Hablas español muy bien.
— Vale — é minha vez de sorrir com o elogio —, gracias entonces.
— En serio. Me gusta tu acento. — O garoto repousa a mão na minha
cintura quando a la avança, me guiando para dar um passo à frente. Ao se
afastar, não deixo de notar que o ponto em que me tocou ca em brasa, mais
quente que o resto do corpo. — De que parte do Brasil?
— Natal.
— Ah, no Nordeste, então.
— Sabe onde é? — Surpreso, ergo uma sobrancelha. — A maioria das
pessoas aqui não conhece bem o Brasil.
— Bem, você vai ver que eu sei mais do que você pensa. — Ele passa a
mão pelos cabelos loiros.
— Ah, é?
Seu olhar percorre meu corpo antes de concordar com uma expressão
sedutora.
— Soy Jesús — murmura. O sorriso convencido se espalha pelos cantos da
boca. — Encantado.
2
O novo testamento nunca soou tão sexy

Jesús.
É obsceno que esse seja o nome dele. Esse homem não tem nada a ver
com o Jesus dos sermões frenéticos do padre Bento, o Jesus das aulas de
catequese e das missas de domingo em Luna do Norte, que eu só frequentava
porque tinha um crush num garoto do coral.
O Jesus que foi à cruz por insurreição ao poder de Roma.
O Jesus que opera milagres e transforma água em vinho.
Mas aqueles olhos…
Ele tem olhos de Jesus, não tem?
Profundos, revelando mais de quem o observa do que o contrário, um
espelho convidativo. Diante deles, o entorno se desfoca — uma fotogra a
tirada com uma lente de cinquenta milímetros.
De algum modo, sinto que posso con ar nesse estranho.
Sinto que existe algo — um vínculo invisível, talvez — me conectando a
ele.
— Eric. — Estendo o braço para cumprimentá-lo. — Mi nombre es Eric.
— Eric — ele ecoa. Envolve meus dedos e os leva diretamente à boca. Os
lábios encontram minha pele enquanto me encara e beija minha mão,
galanteador.
Algo se agita em mim, quente e leve, a ponto de quase me fazer suspirar.
Eu não sou do tipo que suspira. Não mais.
O maior desa o para alguém que teve o coração partido é seguir
acreditando no amor.
As borboletas no estômago despertadas por Jesús me fazem voltar à época
em que eu e Lucas chegamos em Natal para fazer faculdade. Eu era cheio de
sonhos, inocente demais para ver o perigo. Naquela época, amar e ser amado
parecia inevitável. Lembro das primeiras festas, de como eu ainda con ava
nos encontros do Universo, como desejava mais do que tudo conhecer um
cara disposto a viver uma história de amor que valesse a pena ser contada.
Pensei que Raul fosse essa pessoa; queria que fosse. Só que nunca me
enganei tanto na vida…
Desde que cheguei a Barcelona, ninguém foi capaz de balançar meu
coração.
Claro que não sou santo: vários caras passaram pela minha cama nesses
poucos meses na Espanha, até mais do que no ano em que morei em Natal.
Era só sexo casual. Um ou outro tentou me conhecer melhor, mas rejeitei as
investidas. Não conseguia nem pensar a fundo no assunto.
Como poderia con ar que nenhum deles me machucaria como fui
machucado?
Como garantir que, uma vez que me permitisse ser vulnerável, não iriam
arruinar todo o progresso que z desde o término com Raul?
Mas isso cou no passado. Agora é verão. Essa noite pode ser o começo de
algo novo.
— É um prazer te conhecer, Jesús — digo, e ele ainda respira contra a pele
da minha mão quando pronuncio seu nome com meu melhor espanhol:
Ressús.
— O prazer é todo meu. — Um sorriso imprudente. — Todo mesmo.
Ele me solta e olho ao redor. O movimento de Barcelona em torno da
Acrópolis é intenso. Conversas em inglês, espanhol e catalão se misturam
com o som abafado que escapa da boate sempre que o segurança permite a
entrada de alguém. Cheiro de lenha queimada, cigarro e haxixe paira no ar.
Meu celular vibra com mensagens do Murilo, e peço licença a Jesús para
responder. A julgar pela sel e tremida que recebo dos três, já estão bastante
bêbados; nenhuma novidade.

BARCELOBICHAS

Murilo
eri, já tá vindo? 😟

a gente tá te esperando!

a festa tá incríveeeeeeel, vem logo!!!

só falta vc!

Já tô na fila, migo!

Murilo
URGENTE

ERIC, MEU DEUS!

veja o que está acontecendo aqui!!!

Foto

MENTIRA?!

Ariel e…
Gustavo?

Se beijando???

Murilo
Sim!!! Se beijando!!!

Por favor, só vc pode me SALVAR!!!

Caio na gargalhada. Apesar de cursarmos graduações diferentes, Murilo,


Gustavo, Ariel e eu somos da mesma leva do Ciências sem Fronteiras. Nos
conhecemos em um grupo de intercambistas meses antes da viagem. O fato
de que éramos os únicos usando memes de divas pop nos uniu de imediato.
Enquanto Murilo, o baiano estudante de engenharia que divide quarto
comigo, é o nerd gatinho do grupo, Ariel é o festeiro recifense que ninguém
segura, e Gustavo é o paraense aventureiro que mal para em casa. Conviver
com eles é uma delícia. Murilo é gay, Gustavo é pansexual e Ariel é trans e
bi. Considerando a maioria das possibilidades (tipo morar em uma república
só com héteros-cis-brancos das exatas), tive muita sorte.
Tiro uma foto na la e mando de volta no grupo, tentando pegar Jesús
casualmente no fundo (para depois ter uma prova de que ele existiu). Estou
lindo pra cacete usando a trança raiz que elevou em mil por cento minha
autoestima, uma calça branca e uma camisa laranja com lantejoulas que
acentua o gostoso que sou.
Encaminho a sel e para os grupos com meus novos e velhos amigos.

A ELITE

Ana
Tá lindo! Trate de pegar geral!
Thammy
amigooo, como vc tá gato!

se eu tivesse aí faria fotos tão perfeitas hojeee

Lucas

ERICCCCCC

GATOOOO

ORGULHO DA FAMÍLIA

E ESSE ESPANHOL AÍ NO FUNDO EIN???

ESPERO QUE ELE DERRAME BEBIDA NA SUA CALÇA BRANCA

KKKKKKKKKKK

Amo vcs, raparigas!!!

Juro, é como se meus amigos estivessem aqui. Seria tão perfeito todos nós
em Barcelona.
Penso na vida que deixei no Brasil. Agora eu estaria em Luna do Norte,
comendo a canjica da minha vó e milho cozido, dançando quadrilha e
ouvindo “Olha pro céu”, do Luiz Gonzaga, até o refrão car martelando por
semanas na minha cabeça. Só que minha cidade natal está a um milhão de
quilômetros de distância, uma canção esquecida no tempo desde que
embarquei no voo para Madri.
A mão de Jesús toca minha lombar.
— A la andou — ele diz, cuidadoso, e avanço alguns passos. — Acho
que não vamos precisar esperar muito para entrar.
Esticando o pescoço, dou uma espiada. A la ainda dobra a esquina, e
conto umas trinta pessoas à frente. Parece estar lotado lá dentro, com a
entrada controlada.
Já que estamos empacados de novo, volto a me virar para conversar com
ele. Vou tirar proveito do tempo que ganhamos juntos enquanto estamos
aqui.
— Como você aprendeu a falar português?
— Com a vida — ele diz com um gesto vago.
Eu o encaro, curioso.
— Por favor, desenvolva.
— Hm. Tem certeza? — ele pergunta, reticente. Depois que assinto, Jesús
suspira. — Meu ex-namorado era do Rio.
Claro que precisa ter um ex envolvido na história. Espero que ele tenha
tido mais sorte com o dele do que eu com o meu.
— Por que terminaram?
— Muito ciumento.
Bom, aparentemente não.
— Ah, é?
— Tío, muchísimo. — Jesús solta o ar com força. — Vocês brasileiros
podem ser intensos demais.
— Aham… E vocês não gostam, né?
Ele dá de ombros, ta o chão e depois me olha com cara de quem foderia
minha vida num estalar de dedos.
— Primeira vez em Barcelona, Eric?
— Comecei a estudar aqui no início do ano — respondo, e njo que não
reparei no modo como rapidamente mudou de assunto.
— Onde?
— Na La Salle — digo. — Estudo arquitetura. Você também faz faculdade
aqui?
— Isso, relações internacionais.
— Pensa em seguir a carreira de diplomata?
— Sim. Vou passar um tempo em São Paulo, inclusive. Em agosto — ele
complementa. — Consegui um estágio na Embaixada da Espanha.
— Ei, que demais. — Jesús deve ter um excelente rendimento acadêmico
se conquistou uma vaga dessas. Pelo que sei, são disputadíssimas. — Espero
que goste do Brasil. Temos vários problemas, como qualquer lugar, mas é um
país incrível.
— Eu sei, amo o Brasil. Visitei meu ex no Carnaval e mochilei um pouco
pelo litoral do Rio — Jesús conta. — Como estão as coisas no momento?
Sei que a situação política não é das melhores.
— Uma merda — con rmo.
— Vocês brasileiros merecem mais. O que acha da Dilma?
— Que ela é corajosa — respondo. — A maneira como se mantém rme
contra todos que tentam derrubá-la é impressionante.
Noto o interesse de Jesús com o rumo da conversa. Será que ele está
tentando sacar qual é a minha posição política? Muitos dos meus colegas
intercambistas vêm de famílias ricas e têm opiniões bastante conservadoras.
Cansei de entrar em discussões com eles, que parecem não entender tudo o
que está em jogo em Brasília.
— Você acha que o impeachment é uma tentativa de golpe de Estado? —
Jesús pergunta.
— Claro. Isso me preocupa. Só estou em Barcelona por causa de uma
bolsa de estudos do governo. Se a Dilma cair, não sei se consigo car aqui
por muito mais tempo.
— Bom, espero que isso não aconteça — ele diz. — Seria uma pena se
partisse.
— É, eu também acho. Mas tenho esperanças. Parece que o Supremo vai
formar maioria para decretar o impeachment como ilegal. — Paro de falar
quando noto que a la andou de novo, e caminho um pouco para alcançar o
novo lugar. — Foi só por isso que falou comigo, Jesús? Para praticar
português e conversar sobre política?
Ele balança a cabeça e coça a barba no queixo com um sorriso maroto.
— Estava preocupado contigo, a princípio. — Jesús baixa o tom de voz.
Lentamente, se aproxima de mim. — Pero además eres muy guapo, Eric.
Sou incapaz de tirar os olhos da boca de Jesús. É a maneira como se move,
o sinalzinho perto do lábio inferior, quão macia…
Porra.
Eu poderia beijá-lo.
Eu poderia beijá-lo agora.
Mas não tenho essa chance.
Um cara tão gato quanto o espanhol surge por trás dele, abraçando-o
enquanto ri, e o beija exatamente como desejei segundos atrás.
3
Um brasileiro, um espanhol e um italiano
entram em uma festa gay em Barcelona

O garoto que acaba de surgir faz Jesús parecer inocente.


Porque onde Jesús é, bem, Jesus, o recém-chegado é Judas.
Judas: alto e forte, o cabelo como ônix, olhos escuros de uma dália negra
orescendo em noite sem lua, uma pequena tatuagem de clave de fá acima
da sobrancelha direita. Não parece fazer o tipo contido. Sorri com entrega
absoluta, franzindo o canto dos olhos. E a visão dos dois juntos — o recém-
chegado com o braço em volta de Jesús, o beijo rápido mas rme, a forma
como Judas passa a mão na bunda de Jesús, puxa-o pela bermuda — faz meu
coração disparar.
Será que existe algo entre os dois?
Judas acaricia a lateral do rosto de Jesús depois de beijá-lo.
Ou são apenas bons amigos?
Amigos tão íntimos que se beijam como se não fosse nada, como quem
busca um coquetel de mimosa em um iate para aplacar o calor do verão.
Como se não fossem o maior acontecimento que já presenciei.
Jesús corresponde o afeto, embora tenha voltado a me olhar depois do
beijo. O sorriso safado garante que aquela cena — e seja lá o que role entre
os dois — não será um empecilho para o que pode acontecer entre nós.
— Dai, Jesú! Ti stavo cercando. — As palavras valsam em italiano conforme
passa o braço ao redor de Jesús e registra minha presença, já que não parei de
encará-los esse tempo todo. — Chi è il tuo amico?
Não sei o que Jesús responde, mas o rapaz me sonda de cima a baixo e diz:
— Ciao, bello, piacere! — E me surpreende ao me puxar em um abraço
apertado também.
Eu permito que ele me envolva. O perfume do italiano é uma delícia,
estrategicamente concentrado na região do pescoço, onde há seis compassos
de uma partitura tatuados. Ele é mais alto que eu, o corpo esguio. A camisa
com gola V deixa visível os pelos escuros do peito.
Quando me solta, não sei bem o que fazer. Falo com ele em português?
Mudo para inglês ou espanhol? Continuo imaginando-o sem camisa na cama
com Jesús? Tantas opções.
— Nico fala português, Eric — Jesús diz.
— Enferrujado — completa o italiano. Ele junta as pontas do polegar e do
indicador para reforçar que fala só um pouco. — Mas funciona.
— E seu nome é Nico — digo. — Pensei que fosse Judas.
— Judas? — repete, confuso.
— Bem, a gente já tem um Jesús aqui. Seria no mínimo engraçado.
— Seria — Nico assente e mordisca o lábio. — Pena que não posso te dar
esse prazer, Eric.
Esse.
Minha pele esconde o rubor que o comentário provoca.
— Deixa eu adivinhar… — Entro no jogo. — Você também tem um ex-
namorado brasileiro?
— Por quê? — Nico pergunta. Ele volta a apoiar o peso no ombro de
Jesús, a boca curvada em um sorriso.
— Sei lá, vai que vocês fazem parte do clube dos gringos com corações
partidos por brasileiros.
O som das risadas se mistura ao barulho na la.
— Poderia, mas não foi assim que aprendi português — Nico responde.
— Meu tio mora no Brasil há muitos anos, tem uma pizzaria em Canoa
Quebrada. De vez em quando viajo ao Nordeste.
Isso explica o sotaque. Não é parecido com o do Pierre — o namorado
francês do Lucas —, mas é tão fofo quanto, com as palavras mais demarcadas
e uma cadência cantarolada. Na minha opinião, a sonoridade do italiano é
melhor que a do francês, embora tenha certeza de que Lucas não
concordaria comigo (ele é #TeamFrança até a morte).
Jesús aperta a cintura de Nico.
— Nicolò está em Barcelona para um concerto.
— Que já aconteceu — o italiano acrescenta com uma piscadela. — Hoje
é o dia de comemorar.
— Você é músico?
— Pianista.
Beleza, ele não segue o estereótipo do que se esperaria de um pianista
clássico. Agora os dedos longos e delicados e as tatuagens musicais fazem
mais sentido. Ninguém deve ser capaz de se concentrar na música quando ele
está no palco; não quando é bonito desse jeito.
— Gostaria de ter visto sua apresentação.
— Você teria amado. — Não há uma gota sequer de falsa modéstia na
voz. E eu teria mesmo. — Volto para a Itália amanhã, é minha última noite
em Barcelona. Quero me divertir bastante.
— De onde na Itália, Nico?
— Firenze.
Quê?! Florença é a primeira parada do mochilão que vou fazer no verão
(que além da Itália ainda inclui Malta, Grécia e Croácia). Não conheci
ninguém da cidade nos meus meses em Barcelona, e agora me encontro com
Nico na la da Acrópolis poucos dias antes do voo? Quais as chances?
— Nico, eu tenho um voo para Florença em uma semana! A gente tem
que sair quando estivermos por lá!
— Você pode car comigo, se quiser — diz ele de imediato, a
ambiguidade evidente. — Meu roommate viajou e o quarto dele estará livre
— explica.
— Poxa, já tenho reserva em um hostel. Mesmo assim, obrigado.
Tudo bem que é uma reserva cancelável. Ainda que as metas para o verão
envolvam me aventurar e viver coisas novas, não conheço esse cara bem o
bastante para aceitar um convite como esse.
Pelo menos, não ainda.
Quem sabe até o m da noite?
— Que pena, adoraria te mostrar a cidade.
— Uma coisa não impede a outra. Posso não me hospedar contigo e ainda
ganhar um tour, certo?
Nico sorri.
— Tem razão. Não há nada como Florença em uma manhã de sol.
Jesús dá um empurrãozinho em Nico.
— Italianos sempre acham que a Itália é o que há de melhor no mundo.
— Porque é verdade! Barcelona vira apenas uma sombra em comparação a
Firenze. Você vai ver, Eric — Nico rebate e xa o olhar em mim. Depois,
com o sorriso ampliado: — Me dá seu número. Serei seu guia particular na
Itália.
— Ah, claro. — Tento não parecer empolgado demais, embora esteja. Pra
caramba. — Aqui.
Jesús me analisa enquanto passo meu celular a Nico. Ele tira o cigarro da
orelha e apalpa a calça de Nico em busca de um isqueiro como se aquele
gesto já fosse familiar. Quando encontra, acende o cigarro. Dá um trago. Em
seguida, estende o braço na minha direção.
— ¿Quieres? — Jesús oferece. Os olhos castanhos percorrem os meus.
— Sí, gracias.
Faço menção de pegar o cigarro, mas então, no último segundo, ele se
aproxima e o leva à minha boca. O rosto está colado ao meu agora — um
ato de covardia, uma declaração de guerra.
Puxo a fumaça e a solto.
— Só um trago. — Sou incapaz de parar de encarar os lábios dele. — Tô
tentando parar.
— Vale. — A ponta do seu polegar encontra meu queixo, depois passeia
suavemente por minha boca…
— Pronto, fatto. — Nico me devolve o celular. Jesús dá um passo para trás
e gira o corpo para continuar fumando, embora não rompa nosso contato
visual. A brisa marítima de Barcelona dissipa a fumaça. — Salvei meu
número, me procura quando estiver na Itália. A hora que for, no momento
que quiser.
Esboço um sorriso ao olhar a tela do celular. Nico salvou seu contato
como “Judas de Firenze”.
A la avança de verdade agora.
Com a conversa, nem percebi que já estávamos quase na entrada.
Finalmente, o segurança nos revista e permite nosso acesso ao saguão da
Acrópolis. As paredes brancas vibram; o espaço já é mais quente, com uma
estátua do deus Príapo no meio do salão, o chão de mármore polido
re etindo as luzes coloridas.
Me preparo para pagar o ingresso, mas Jesús me puxa pela cintura. O
quadril pressiona o meu rapidamente, só a sugestão de um toque, mas o
su ciente para arrepiar todo meu corpo.
— Deixa comigo — ele murmura.
— Não precisa, Jesús.
Balança a cabeça.
— Cortesia da casa.
E porque os dois devem ter armado um complô, Nico se aproxima de
mim quando Jesús abre espaço; sua mão passa de raspão na minha. Só então
percebo a outra tatuagem no antebraço, uma cobra serpenteando.
— Gosta? — pergunta ao me ver observá-la. Ele ergue o braço, mas eu
hesito. — Pode tocar.
Parece íntimo passar os dedos na tatuagem, na sinuosidade do traço. Ainda
assim, é o que faço. Analiso o trabalho criativo do desenho. Não é uma
cobra prestes a dar um bote, e sim uma criatura adaptada ao seu habitat,
confortável demais consigo mesma para precisar trocar de pele.
Como Nico.
— É bonita. — Ergo a vista; a atenção de Nico está completamente
focada em mim. — E a partitura?
— “La passione secondo Matteo”. A primeira do Bach que meu avô me
ensinou — explica, a voz caindo um tom. — Ele adorava.
A primeira impressão que tive de Nico foi equivocada. A princípio, achei
que fosse mais velho do que realmente é — mas deve ter a minha idade,
talvez apenas um pouco mais. Os olhos de pirata são contornados por cílios
longos, como se pintados com lápis. Os lábios formam um coração e a pele é
macia ao toque. O modo como o cabelo liso cai sobre a testa e ele o joga
para trás; o jeito como sorri despreocupado…
— Veio só, Eric? — Nico pergunta.
Faço que não com a cabeça.
— Meus amigos estão lá dentro.
— Hum — ele diz. — Mas vai dançar comigo e Jesús um pouco, não vai?
— Claro. Uma dança não mata ninguém.
Ele me enlaça pelo quadril.
— Mais que uma dança também vale?
— Depende, eu teria que pensar a respeito.
Nico me encara.
— Gostei do seu cabelo, gostei do seu jeito — ele decreta meio do nada.
— Gostei de você.
Ainda estamos presos no olhar um do outro quando Jesús chega. Ele
parece mais animado; dança no ritmo da música pop que faz as paredes
estremecerem.
O garoto abre um sorriso iluminado para Nico. A luz rosa da escadaria
que leva ao subsolo da boate cintila sobre suas feições, e ele passa
relaxadamente um braço ao redor do meu ombro.
— Bueno, así mejor que empieze la esta, ¿no? — Jesús beija minha
bochecha. Parado na entrada do templo da Acrópolis, ele diz: — Um
brasileiro, um espanhol e um italiano entram em uma festa gay em
Barcelona. Como termina mesmo essa piada?
Não faço a menor ideia, mas estou gostando das possibilidades.
4
O dia em que quase beijei Jesus

A nostalgia é sorrateira. Ela te quebra por dentro, destrói cada pedacinho do


seu coração com uma saudade que parece — mas só parece — inofensiva. Te
paralisa quando você escuta músicas antigas que te transportam a lugares
impossíveis de regressar, beijos que não serão repetidos, pessoas que não
voltará a ver… É uma bomba-relógio prestes a explodir.
Não sinto nostalgia da minha infância nem da maior parte da minha
adolescência. Porém, sei que vou sentir falta disso. Da Acrópolis. Dos meus
dias de intercâmbio. De Nico e Jesús. Da versão de mim que erta com esses
garotos, entra na festa abraçado com eles.
Gosto de quem eu sou em Barcelona, especialmente porque o Eric do
passado não se sentia desejável. Só comecei a ter noção de que a perspectiva
das outras pessoas em relação a mim havia mudado no último ano do ensino
médio. Passei tanto tempo sendo motivo de chacota que descon ava daquele
súbito interesse das meninas (e alguns meninos) do colégio por mim.
Eu não via o que viam, a nal, apenas conhecia o ódio que meu corpo
sofrera.
No dia em que Lucas falou que talvez tivesse sentimentos românticos por
mim, ri na cara dele. Impossível. Antes, eu era o garoto sem graça e que não
era digno da atenção de ninguém, deixado de canto. Só não mexiam comigo
por medo do meu pai. Sem que soubesse, foi a reputação ferrenha do
vereador Dino Santos que me salvou.
Passei minha infância me esforçando para viver na sombra, onde a chance
de ser machucado era menor. Foi muito custoso desapegar desse sistema de
defesa. E, quando comecei a gostar um pouquinho de mim, achei que entrar
no padrão era a saída. Nas férias depois do segundo ano do ensino médio,
me joguei na academia como se fosse a solução de todos os meus problemas.
Não para car saudável, mas sim para parecer saudável frente aos outros.
Uma performance que não levava em conta minhas próprias necessidades,
que buscava um padrão inalcançável na prática. Eu só queria ser desejado —
e estava disposto a fazer o que fosse para isso.
Dentro de casa, car no armário foi uma questão de sobrevivência. Eu e
minha mãe não tínhamos voz ou liberdade para nada, apenas obedecíamos às
vontades do meu pai, mantendo a imagem de família perfeita para seus
eleitores sem jamais sair da linha. Não era apenas minha sexualidade que eu
escondia. Era eu mesmo.
Acho que foi por isso que me apaixonei pela Lady Gaga.
Um gay com sua diva: existe clichê maior? Parece que somos assim há
gerações. Donna Summer, Cher, Janet Jackson, Gal Costa, Madonna,
Britney, Whitney Houston, Rita Lee, Mariah Carey e tantas outras mais.
Gays sempre tiveram seus ícones, mulheres que os faziam se sentir à vontade
com a própria feminilidade em uma sociedade machista e homofóbica. Claro
que eu não sabia de nada disso ao conhecer Gaga — pessoas queer não
marchavam pelas ruas de Luna do Norte com bandeiras arco-íris.
Quando não existe mais ninguém ao seu redor dizendo que você é
incrível por ser exatamente quem é, e uma baixinha sem medo de expressar
suas várias facetas aparece na televisão te dizendo para ter orgulho, você
acredita.
Na capital, até é possível ver um ou outro casal de bichas de mãos dadas
no shopping. No interior, não. Porém, Stefani Germanotta tinha um jeito
monstruoso de me fazer sentir visto. Escutar “Bad Romance” na rádio com
meu pai sem que ele zesse a menor ideia de quem era a cantora por trás da
música, ou assistir uma reportagem do Fantástico sobre a Gaga no meio de
um jantar de família, fortalecia quem eu era.
Era como vencer às escondidas.
Quando dançava as faixas do The Fame Monster sozinho no quarto,
nocauteava papai todos os dias. E quando ia para a escola de cabeça erguida,
era só porque meu  tocava Born This Way no fone de ouvido, e ninguém
poderia me deter.
(Isso e o fato de que Lucas estava lá também, claro, fã da Katy Perry, uma
rivalidade alimentada durante anos. Nunca foi Flamengo versus Botafogo
entre a gente; era Gaga versus Katy, “Roar” versus “Applause”, e a gente
adorava.)
Uma vez, Lu me perguntou por que eu amava tanto Stefani Germanotta.
Assistíamos pela milésima vez a reprise do  de 2011, agarrados a uma
panela de brigadeiro no apartamento que dividíamos em Natal.
— Sabe por que a Gaga é tão incrível? — respondi. — Porque tem muita
gente que põe um sorriso no rosto, uma roupa colorida e nge que está tudo
bem. Mas quando a Gaga abraça a própria sombra sem se esconder, ela
conforta a minha sombra. Está dizendo que não há nada de errado em ser
quem eu sou, ou sentir o que eu sinto, mesmo se for algo considerado feio.
Ela não dissimula, e essa honestidade em ser quem ela é, em mostrar todos os
monstros que a consomem por dentro… isso é foda. Ela não odeia a própria
esquisitice, ela a celebra. E eu acho que isso é como ser .
Não acho que estaria aqui hoje se não fosse pela Gaga. Por isso, quando a
primeira canção que toca na festa assim que Jesús, Nico e eu descemos as
escadas brancas de mármore da Acrópolis é a faixa de número treze do
Artpop, “Gypsy”, eu me jogo na pista e berro “    !”
enquanto os garotos me olham com um sorriso.
É óbvio que a maior parte das pessoas não conhece a canção, mas eu seria
capaz de beijar os pés do  em agradecimento. Outros little monsters saem
das sombras. As luzes roxas da boate dançam com a gente, piscam enquanto
traçam caminhos elaborados pela multidão. Grito cada parte da letra que
Gaga canta, os versos sobre arrumar as malas e partir na direção do
desconhecido, sobre seguir em frente apesar do que deixamos para trás.
Gravo vídeos para amigos do fandom e para Lucas, que sabe mais do que
ninguém a importância desse momento para mim. Acho até que choro, só
um pouco, de mãos dadas com uma drag queen. Nos esgoelamos; sua peruca
rosa balança alto, glitter reluz como escaravelhos no deserto. A lace dela
descola um pouquinho na testa, mas quem se importa?
Agora sou um viajante em outro continente, e a letra da canção ganha
novo sentido. Não estou sozinho. Mesmo se estivesse, faria diferença? A
música é minha companheira.
— Lindo te ver leve assim — Jesús diz por cima da música seguinte
quando chego ao seu lado. Ele me puxa para um canto da boate onde
podemos conversar sem precisar berrar para sermos ouvidos e me entrega um
copo de gim-tônica com pepino e pimenta negra.
— Não passei vergonha, né? — respondo depois de brindarmos. A
garganta agradece a bebida gelada.
— Claro que não. Me encantó verte feliz. — Jesús me encara daquela forma
intensa que me deixa sem jeito.
Desvio o olhar. Não por muito tempo, só enquanto recupero o fôlego.
— Cadê o Nico?
— Ali.
Jesús indica o banheiro com a cabeça. Nico tenta falar com alguém pelo
celular, aproximando a boca do microfone. Está sério, o cenho franzido.
— Provavelmente é a mãe dele — Jesús conta ao analisar o italiano. — Ela
segue cada passo do Nico e, quando ele não dá notícias, liga pra saber como
está, mesmo Nico morando sozinho em Florença há bastante tempo.
— E a sua mãe? É assim também?
— Não, não. Nos falamos de vez em quando. Ela vive a vida dela em
Málaga, e eu a minha em Barcelona. — Então Jesús não é da Catalunha, mas
da Andaluzia. Ainda não consigo diferenciar os sotaques entre as regiões. —
Estamos bem assim.
Será que as mães de Nico e Jesús sabem de suas sexualidades? Sinto que
mainha sabe da minha. Mesmo que guarde essa informação para si — duvido
que conversaria a respeito com meu pai —, não acredito que haja a menor
possibilidade de que desconheça o fato de que sou gay.
Nos meses confusos em que Lucas e eu camos a m um do outro, só
pensávamos em nos beijar. De repente, assistir clipes, jogar The Sims e s
de Percy Jackson no Orkut já não bastava. Trocávamos beijos sorrateiros no
banheiro da escola, ou atrás do ginásio, ou na sala de aula antes dos outros
alunos chegarem.
Na época, quei obcecado. Não por estar apaixonado por Lucas, mas por
estar apaixonado pelo desejo que ele acendia em mim. Pela sensação de tocar
outro garoto, sentir meu corpo vivo, ter alguém com quem experimentar
cada vontade sem precisar sofrer uma rejeição.
Era algo tão novo.
Como era possível que o mesmo corpo que foi motivo de risada entre os
valentões da escola me proporcionasse tamanho prazer? Tomar consciência
de que meu corpo não era uma prisão, e sim uma fonte de desejo, um mapa
a ser desbravado, foi transformador.
Tenho uma lembrança dessa época que se destaca. Lucas e eu assistíamos
um lme no meu quarto. Era Tron: O legado, que demorou horas para baixar.
Também era chato que só a porra, por isso beijar Lucas era muito mais
divertido.
Meus pais estavam em casa, mas mainha não era de invadir minha
privacidade. Me despreocupei. Só que ela fez pipoca para a gente e entrou
no quarto sem bater. A cabeça de Lucas estava no meu colo; eu fazia cafuné
no cabelo dele de uma maneira romântica demais, mesmo para dois melhores
amigos inseparáveis.
Ela me encarou. Estava escuro, mas vislumbrei a suspeita em seus olhos
castanhos.
— Aqui — ela disse, seca, e estendeu a bacia de plástico para mim. — A
pipoca de vocês.
Soube na hora que alguma coisa estava errada. Peguei o balde e bati de
leve em Lucas para ele se sentar. Coloquei a pipoca no colo e agradeci. Por
sorte, Lucas estava entretido com uma cena de ação e só balbuciou um
obrigado rápido para mainha, sem nem tirar os olhos da tela do computador.
Pelo menos aquela merda de lme valeu para alguma coisa. Se Lucas tivesse
sacado a tensão no ar, o desastre seria certo.
Antes de sair do quarto, minha mãe me estudou mais um pouco. Algo
deve tê-la convencido. Ao menos parcialmente, já que deixou a porta do
quarto entreaberta, não fechada como encontrara, e não disse mais nada.
Depois que ela saiu, esperei um tempo até cochichar com Lucas.
— Acha que ela sabe?
— Quem sabe o quê?
— Minha mãe, Lucas! — continuei murmurando. — Ela acabou de ver a
gente.
— E?
— Você estava deitado no meu colo! E eu estava fazendo cafuné…
— Não viu nada de mais. — Lucas pegou um punhado de pipoca do
balde. Seus olhos ngiam estar concentrados no lme. — Se a gente estivesse
se beijando, pelo menos…
— Você só fala assim porque não é a sua mãe!
— Ai, Eric, come a pipoca, vai!
Dei um soco nele.
— Não sei onde eu estava com a cabeça quando comecei a car contigo.
Lucas me roubou um selinho.
— Nem eu.
(Mas depois que Lucas me deixou com um chupão no pescoço, coloquei
um m naquela história. Logo depois, comecei a namorar uma garota. Ele
me odiou, eu me iludi que conseguiria gostar de uma menina e tirei meus
pais da minha cola por um tempo. Não durou muito.)
— E você com a sua mãe? — Jesús me pergunta. — Ela sabe que você é
gay?
— Acho que sim, mas nunca contei. A sua?
— Sabe. Não se importa.
— Isso é bom — digo. — No fundo, acho que a minha também não vai
deixar de me amar. Meu pai que é o problema.
— Quando é que pais não são o problema? — ele diz com uma pitada de
rancor.
Momentaneamente em silêncio, observamos a liberdade ao nosso redor.
Todos aqueles garotos desinibidos, sem medo de ser quem são no subsolo da
Acrópolis, os beijos e as fantasias que não ocultam nesse universo paralelo. A
noite ainda é o único refúgio para muitos deles — para muitos de nós —,
embora a lua e as estrelas não reluzam no céu do teto da boate.
— Obrigado pelo drinque, e pelo ingresso também. — Bato meu quadril
de leve no de Jesús e sorrio para ele. — Não precisava, foi gentil da sua
parte.
— É um agradecimento adiantado ao Brasil.
Franzo a testa.
— Como assim?
— Um presente por tudo que o país vai fazer por mim em breve. Cosechas
lo que siembras — acrescenta. — Como é isso em português?
— A gente colhe o que planta — traduzo para ele. — Faz sentido… Mas
nem sempre funciona, Jesús.
Penso em como me dediquei na relação com Raul, e o que recebi em
troca. Eu não merecia viver um relacionamento abusivo. Ninguém merece.
Mas às vezes achamos que sim.
Um dos meus livros favoritos, As vantagens de ser invisível, tem uma frase
que aborda esse tema. Lembro de tê-la sublinhado a lápis no exemplar que
Lucas me deu de presente anos atrás. É engraçado como, mesmo tendo
relido aquelas palavras — “a gente aceita o amor que acha que merece” —
inúmeras vezes, isso não me impediu de cair na armadilha, de não perceber
que aceitava tão pouco dos outros por desconhecer meu verdadeiro valor.
Foi preciso me perder em um relacionamento tóxico para descobrir que
ainda tenho um longo caminho pela frente na minha jornada de
autoconhecimento e amor-próprio.
— Tem razão — Jesús concede —, nem sempre.
Eu encosto meu ombro em Jesús.
— Tô feliz que puxou assunto na la, a festa não ia ter tanta graça se a
gente não tivesse se conhecido.
— Não perderia a oportunidade.
— De fazer amizade com um brasileiro e praticar português, né?
— Não, Eric. — Ele me olha intensamente mais uma vez. — De te
conhecer.
Mordo o lábio. Droga, preciso aprender a receber elogios sem fugir deles.
Mas é tão difícil. Quando crescemos ouvindo nosso pai dizer para nos
esforçarmos mais, mesmo entregando o nosso melhor, é fácil acreditar que
nunca seremos su cientes.
Bebo mais um gole da gim-tônica e procuro por Nico. É conveniente usar
o italiano como desculpa, sobretudo quando é tão disputado na festa. Depois
da ligação, erta com um garoto branco com camisa de lantejoulas azuis.
— Acho que você está mais a m do Nico que de mim. Estou certo? —
Jesús conduz meu braço para eu car de frente para o italiano.
A pergunta me surpreende.
— O Nico é… Você sabe. Não tem como olhar pra ele e não babar.
Jesús passa a língua no canto da boca, dá uma risada e desvia o olhar para a
pista de dança.
— Sei muito bem.
Acho que pisei em algum calo. É a primeira vez que noto sua con ança
vacilar.
— Ei, é impossível olhar pra ti e não te achar maravilhoso — digo. Jesús
vira a cabeça ao ouvir minhas palavras. — Você não ca atrás. É tão lindo
quanto ele, se não mais.
Jesús fecha os olhos. Quando os abre, parece grato.
Não consigo conter a curiosidade.
— Jesús, você e Nico namoram?
O espanhol apoia uma das pernas na parede e respira fundo antes de
responder; os feixes de luzes coloridas da balada iluminam as feições do
garoto.
— Não exatamente…
— Parece que sim.
Dá de ombros.
— Somos só bons amigos.
— Bons amigos que se beijam?
— Bons amigos que fazem muita coisa — Jesús diz com malícia, mas então
há uma mudança em sua postura. — Nico e eu… — Ele pisca devagar. — É
complicado.
Me encosto na parede.
— Gosto de histórias complicadas.
Jesús suspira.
— Nos conhecemos uns meses atrás, Eric. Nico veio para um concerto
em Barcelona, na minha faculdade. Depois da apresentação, reparei que ele
estava sozinho e convidei Nico para sair com meus amigos. — Seu rosto se
ilumina com a lembrança. — Eu estava nervoso, mas senti uma conexão.
Nico topou e a gente viveu alguns dias bem intensos. Desde então, sempre
que está na cidade, ca na minha casa. Me apaixonei por Nico de cara, e
acho que ele por mim também, da maneira dele. No início, era forte demais.
Eu até considerei passar um semestre em Florença, mas desisti do plano.
— Por quê?
Jesús pega o drinque da minha mão e dá um gole.
— Porque faria isso por amor, mas o amor é traiçoeiro — ele confessa. —
Não sei se conseguiria correr esse risco. Por isso, quando Nico está aqui,
camos juntos. Quando ele volta para casa, vive sua vida. Não é um namoro
à distância, não chega a ser algo sério…
— Mas namoraria com ele?
Nós dois assistimos Nico beijar o garoto na pista de dança, e me pergunto
se isso afeta Jesús de alguma forma.
— Não, trabalhoso demais. — Ele me olha de soslaio e dá uma risada. —
Pelo bem do meu coração, acho melhor manter as coisas como estão. Não
quero me iludir.
Recordo a alegria de Nico ao encontrar com Jesús na la do lado de fora
da Acrópolis. O carinho transbordava dele.
— Ele parece gostar muito de você também, Jesús.
— E de você.
Solto uma risada.
— Ah, tá.
Jesús se aproxima, passa o indicador pela minha mandíbula, me força a
olhá-lo.
— Nós dois gostamos.
Se existe o melhor momento para beijá-lo, é agora: quando Jesús corre os
dedos pelo meu rosto. Do seu toque, nasce uma corrente elétrica, o impulso
de um motor propelindo uma nave no espaço. Os olhos castanhos
avermelhados estão xos na minha boca, assim como antes, vorazes. Imagino
o roçar da barba do queixo dele na minha pele, a maciez de seu braço se
minha mão passeasse por ali, explorando-o…
Contrario essa vontade, me aproximo de Jesús e dou apenas um selinho
nele.
É rápido, terno, até infantil.
Me afasto antes que mude de ideia e pego o gim de volta. Está mais
aguado que antes; o gelo deve ter derretido. Viro o copo para terminar.
— Preciso encontrar meus amigos — digo a Jesús. — Volto logo,
prometo.
— ¿Pero ya? — A decepção contagia sua voz. — Pensé que te besaria ahora.
— Después.
— ¿De verdade vuelves?
— Por supuesto. Aparte la esta no es tan grande — enuncio cada palavra com
cuidado, entrelaçando nossos dedos. — Creo que me encontrarías sin problemas.
— Bueno… Sei que você já tem o número do Nico — Jesús sussurra na
minha orelha ao me puxar em um abraço —, mas posso pegar o seu
também? Por precaução.
Fofo.
Salvo meu contato no celular de Jesús com emojis de foguinho e uma
bandeira do Brasil. Ao terminar, beijo a bochecha dele.
— Na minha ausência, vai lá curtir com eles. — Aponto para Nico e o
cante. — Parecem se divertir.
— Não tanto quanto nos divertiríamos com você.
— Sei. — Aumento nossa distância. — Cuidado com os pecados, Jesús.
Ele junta as mãos na altura do queixo e pisca para mim.
— Nada que uma boa oração antes de dormir não resolva.
Quando o perco de vista, sorrindo sozinho, tiro o celular do bolso e
mando mensagem para meus amigos.

Cadê vocês?

Acabei de QUASE dar um beijo em JESUS! 😌✌

Murilo
estamos no bar da pista de reggaeton!

não faço ideia do que vc tomou, mas deixa um pouquinho pra mim. to a fim
de beijar Jesus tb
5
Como assim estão dando convite para um
ménage e não recebi nenhum?

— Tá, deixa eu ver se captei. — Murilo, nitidamente bêbado, me encara


quando termino de fazer a retrospectiva dos últimos acontecimentos. —
Você tava quase pegando um espanhol chamado Jesús, e o italiano amigo ou
namorado ou sei lá o quê dele vai ser seu guia turístico particular em
Florença? E também quer te pegar? — Ele entendeu direitinho. — Meu
Deus, Eri! Como assim estão dando convite para um ménage e eu não recebi
nenhum?
Dou de ombros, girando em uma cadeira perto do bar com um sorriso na
boca.
— Que sorte, puta merda — Murilo continua. — Eu nem cheguei perto
de pegar ninguém hoje.
Paro na frente dele.
— Por que não?
— Porque ninguém me quer.
— Ai, bicha. Que mentira da porra!
Murilo é um gato, com o cabelo loiro na altura do queixo, a franja
geralmente jogada de lado e um bigodinho no, suave. Tem cara de nerd que
passa o dia jogando League of Legends e à noite salva o mundo com uma
identidade secreta. Não faz o menor sentido, portanto, que sua autoestima
seja do tamanho de uma ervilha pisoteada. Se realmente quisesse, Murilo
passaria o rodo na festa.
— Oxe, é verdade. Sou imbeijável.
— Até parece — digo, e o encaro de volta, sério. — Tenho certeza que já
te deram mole hoje.
— Não vi nada disso — resmunga e ajeita a camisa. Murilo é todo
engomadinho, sempre com o cabelo perfeitamente penteado e a roupa como
se tivesse saído da lavanderia. Depois de duas horas de festa em um lugar
quente e úmido, nem derrete como qualquer outro mero mortal.
— Porque você está completamente obcecado em achar que é um oompa
loompa quando é a porra do Clark Kent, Murilo!
Ele nge que não me ouviu.
— Ali, até o Ariel e o Gustavo estão se pegando — diz.
De rabo de olho, espio a cena: em cima do tablado geralmente ocupado
por dançarinos seminus, nossos colegas de apartamento sarram um no outro
sem qualquer pudor. Bom pra eles.
— O Ariel tá a m do Gustavo desde que a gente começou a morar junto
— revelo. Com o canudo, rodopio o gelo no copo de bebida que acabei de
pegar.
— O Gustavo tá a m dele desde essa época também.
— Por que não caram antes?
Murilo dá de ombros.
— Gustavo não queria estragar as coisas no nosso grupo. Se não desse
certo com Ariel, não queria que a gente sofresse as consequências.
— Tava na cara que os dois queriam se comer — digo —, assim como tá
na cara que você é um gostoso e vai pegar geral hoje, se deixar de ser besta.
Murilo exala profundamente.
— Às vezes acho que nada disso aqui é pra mim.
Lá vem.
— Disso o quê?
— Da vida gay. Festas, pegação, corpo malhado e boys do Grindr…
— Quantos anos você tem, Muri? — eu arengo. — Trinta?
Murilo me ignora, inabalável enquanto segue seu discurso.
— Nunca sinto que realmente me encaixo, esses relacionamentos líquidos
como… — Ele ergue o próprio copo. — Como uma taça de gim.
Minha gargalhada é abafada pelas batidas de uma música do Daddy
Yankee.
— Tá bom, Bauman. Entendo completamente sua insatisfação com o
mundo gay. Acredite, também compartilho dessa mesma dor, mas agora você
está em uma festa. — Dou uma batidinha na perna dele. — As pessoas estão
aqui para se divertir e escapar da realidade. Não pra, tipo, acharem o parceiro
ideal com quem vão passar o resto da vida.
— Mas isso também pode acontecer!
Tá. Ele tem razão. Penso em Lucas e Pierre, um ponto fora da curva
depois que se apaixonaram à primeira vista em uma boate. Ainda assim…
— Por que não acontece comigo? — Murilo pergunta, a voz na.
— Nada vai acontecer se car choramingando aqui no bar, vai?
Esse andar da boate tem músicas latinas tocando no lugar do pop habitual
e das batidas eletrônicas. Há mais gente também, e eu me abano com um
leque de papel que encontrei na mesa, afastando as gotículas de suor na testa
enquanto observo os arredores.
A decoração geral, no entanto, permanece: os bartenders servem coquetéis
exóticos vestidos com togas brancas, alguns com acessórios com folhas de
louro e coroas douradas. Máscaras e enfeites de cabeça criam um visual
teatral no interior da boate. É divertido ver todos esses gays sem camisa,
alguns com jockstrap e body chains, em meio a colunas de mármore que
simulam templos gregos clássicos.
Em um m de semana comum em Natal, eu estaria no Titanic. Ainda que
minha primeira lembrança na balada seja gritando um meme da Inês Brasil
na proa, quebrando o celular do Lucas e vomitando nos pés do meu amigo
depois de uma briga com Raul, ainda consigo sentir uma pontada de
saudades de casa.
Morar em Barcelona só comprova o quanto a cena queer em Natal é
icônica. Achei que a Europa seria muito mais inovadora nesse quesito, e até
é, só que a gente não ca tão atrás. Uma única festa no Titanic reúne mais
drags do que vi em todos os dias na Espanha.
Observo tudo ao meu redor. Ariel e Gustavo continuam se pegando, e
Murilo está mais relaxado. À esquerda, vejo um garoto tímido lançar olhares
para meu amigo.
— Você tem um admirador, Murilo.
— Para de coisa.
— Juro. Olha só. — Aproveito que o garoto está de costas para apontar. —
Ali, o de vermelho. Viu? Tava te encarando.
Murilo claramente não acredita em mim, mas paga com a língua quando o
garoto se vira de novo e sorri para ele. É tudo breve; o gesto, o olhar, o
modo como o menino levanta o copo em um sinal de reconhecimento,
bebendo pelo canudo.
— Vai lá.
— Eu não.
—  ! — insisto, e dou um empurrão para que vá para a pista.
— E eu falo o quê, Eric?
— Qualquer coisa! Ou nada! Só puxa ele, beija e pronto, boy!
— E-eu não sou bom nessas coisas.
Reviro os olhos e o seguro pelos ombros, de frente para ele.
Se ainda não cou evidente, Murilo só tem dezoito anos. É o mais novo
do grupo, enquanto eu sou o mais velho com meus recém-completados
vinte e um. Antes desse intercâmbio, Muri nem podia ir em festas. Os
primeiros rolés da sua vida são esses de Barcelona. De certo modo, me sinto
responsável, um irmão mais velho gay abrindo as portas do vale.
— Aqui, deixa eu dar um jeito em você. — Tiro a camisa de Murilo de
dentro da calça e desabotoo os primeiros botões de cima.
— O que você tá fazendo? — ele protesta e tenta se desvencilhar.
— Te desencalhando! — Destruo a pose de playboy riquinho que vai
arrastar as vítimas para uma seita de criptomoedas ao bagunçar o cabelo de
Murilo. Fica bem melhor, e abro um sorriso orgulhoso. — Pronto. Fiz o que
podia, agora é com você.
— Eric, eu espero mesmo que…
— Chega, viado. Vai beijar, vai. — Eu o empurro, e ele cambaleia até
esbarrar no garoto, que nge surpresa ao vê-lo.
Murilo nem puxa conversa: simplesmente dá um beijão de língua no cara.
É um tanto desajeitado, mas sincero, e eu caio na gargalhada. Já que nenhum
dos meus colegas de apartamento precisa de mim no momento, é melhor eu
cuidar da minha própria diversão (ou melhor, diversão em dobro).
A caminho do banheiro, porém, meu olfato detecta. A fragrância oral,
misturada com patchouli e vetiver. O aroma passa por mim como uma
echa, e minhas lembranças são inundadas — o garoto nu no banheiro da
minha casa em Natal, borrifando o líquido em sua pele após a ducha, o
cabelo preto molhado, o sorriso dirigido a mim re etido naquele instante
turvo anterior ao colapso de tudo, quando eu ainda acreditava ter encontrado
o amor da minha vida; tão tolo.
Eu reconheceria o perfume preferido de Raul em qualquer lugar.
É ele.
Só pode ser ele.
Olho para os lados, à procura de quem mais temo encontrar ali. Fico na
ponta dos pés, esbarro em estranhos na multidão com medo de que seja ele.
Vejo rostos que não são os de Raul, e as pessoas ao meu redor viram o
pescoço para me encarar, confusas.
E então, bem na entrada do dark room da Acrópolis, a camisa cinza, o
corpo esguio, o cabelo escorrendo pela testa.
Meu fantasma materializado.
6
O fim

O dia em que nalmente terminei com Raul foi um dos piores da minha
vida.
Raul me recebeu com um selinho na porta de sua casa, mal reparando em
mim. Disse um “oi” rápido e se jogou no sofá, a cara en ada no celular.
Desconfortável, quei em pé ao lado dele. Ao me ver ainda parado perto da
porta, ele franziu a testa e perguntou por que eu estava estranho.
— Precisamos conversar — eu disse, hesitante.
— Não pode ser depois? Tô no meio de uma partida aqui. — Ergueu o
celular, conectado em um joguinho inútil que claramente era mais
importante do que qualquer assunto que eu poderia querer discutir.
— Não. — Me forcei a parar de morder o interior da boca. — Tem que
ser agora.
E precisava mesmo. Nosso relacionamento era insustentável. Me sentia
mais doente a cada dia, as energias drenadas. Quanto mais eu cava com
Raul, mais pedaços de quem eu era pareciam se perder. Quando ele tentava
me beijar, eu me fechava. E quando queria transar, fazia só para agradá-lo,
olhando para o teto esperando que acabasse, que gozasse logo e virasse para o
lado na cama para que não visse a expressão no meu rosto.
Eu esperava que o amor e o encanto que senti por ele no início
retornassem a qualquer momento, mas, quanto mais tempo esperava, mais a
dor me consumia. Ao car do lado dele, eu me traía.
Não existe nada pior do que trair a si mesmo.
— O que você quer, Eric? — ele disse.
Ríspido, grosso. Eu não era nada para ele, só uma mosquinha zumbindo
em sua orelha. Ainda assim, ele queria me manter ao seu lado. Se eu era tão
vazio de importância para Raul, por que ele não me deixava partir?
— Ainda com aquela história de ir para Barcelona?
— Não é só uma história. Eu vou, Raul. Ganhei uma bolsa de estudos
importante.
— Ah, tá. Sei. — Raul estalou o pescoço. — E você acha que vai dar
certo? Você nunca nem saiu do Brasil, Eric. Nem sabe falar espanhol direito,
seu sotaque vai ser péssimo de entender. O nível das faculdades lá fora é bem
mais alto do que aqui, sabia?
Os comentários maldosos, o ar de superioridade, a constante rea rmação
de que eu não era capaz, que meus sonhos eram menores que os dele, menos
dignos de serem partilhados…
Como pude demorar tanto tempo para perceber?
Sempre que algo bom acontecia na minha vida, Raul fazia eu me sentir
um lixo. Em seguida, emendava com algum assunto dele, transformando toda
e qualquer conversa sobre ele, seus interesses e vontades.
Raul era o protagonista de sua vida, e reduzia todos à sua volta a meros
coadjuvantes.
— Acho que você tem que car. A gente pode viajar pelo Brasil, se é isso
que tanto deseja — Raul falou diante do meu silêncio. — Seria bem mais
barato pra você e sua família.
Raul me achava pobre, mas ele nem era tão rico. E era pão duro pra
cacete. Para alguém cheio da grana como gostava de se mostrar, contava cada
centavo no rolé e evitava se juntar aos meus amigos em passeios ou jantares.
Demorei para perceber como era errado o jeito que me tratava porque eu
não queria enxergar. E porque, lá no fundo, achava que merecia esse
tratamento. Eu sei, eu sei. Horrível. Por que nos sujeitamos a tão pouco? Por
que negamos o nosso valor?
— Para com isso. Para de achar que vou desistir do meu sonho por você.
Eu não quero viajar contigo ou com a sua família — falei. — Eu quero
terminar. E tô falando sério.
Ele riu.
— Foi pra isso que você veio? — Raul cerrou o maxilar. — Pra terminar
comigo, Eric?
— Foi. Isso aqui — eu apontei para nós dois —, não funciona mais. Eu
nem acho que você esteja apaixonado por mim. Você só gosta de me tratar
como lixo. Isso te deixa bem, né? Me humilhar e acreditar que eu vou car
quieto, que eu vou simplesmente te deixar sair impune numa boa.
— Do que você tá falando? Eu nunca te tratei mal, Eric. Tá exagerando,
bebê, não precisa ser tão sentimental. — Ele suavizou a voz. — São as provas
da faculdade? Os professores estão pegando pesado? Sabe que pode conversar
comigo sobre tudo, amor.
Travei, mordendo a boca com ainda mais força. Para Raul, aquela cena era
só mais um jogo. Um ciclo in nito de desdenhar de mim ➞ dizer palavras
cruéis ➞ botar panos quentes para suavizar o próximo ataque. Ele adoraria
que eu caísse em sua chantagem, que mostrasse que aquela narrativa barata
funcionava comigo.
Só que eu não estava mais disposto a me submeter a ele.
— A gente não tem mais nada junto, ouviu? — ralhei. — Acabou.
Ele revirou os olhos.
— Isso, vai nessa. Duvido que vai encontrar alguém que goste de você.
Quis xingá-lo de todos os palavrões possíveis e quebrar os vasos caros da
mãe dele, que Raul dizia serem preciosos demais para serem tocados.
Quis partir para cima dele, enchê-lo de porrada, obrigá-lo a implorar
perdão por tudo que me fez.
Mas não me rebaixaria assim.
— Sabe de uma coisa? Eu tô cansado, Raul! Esse seu jeito nojento de me
tratar como um merda só para se sentir superior não cola mais. — Peguei
uma sacola que tinha arrumado mais cedo, com os pertences que ele deixara
no meu quarto, incluindo roupas e livros, e joguei para ele, que a agarrou no
ar.
— Ah, é assim que você resolve as coisas? — Raul soltou uma risada
debochada, a voz carregada de sarcasmo. — Sempre o coitadinho, a vítima
da história. Depois não adianta mandar mensagem querendo voltar, hein? Já
perdi tempo demais contigo. Some da minha vida de uma vez por todas, que
eu vou encontrar alguém muito melhor do que você.
Calei as palavras cruéis dele ao fechar a porta do apartamento atrás de
mim. Foi a última vez que o vi.
Até agora.
7
Alguém aí pediu um McClimão?

— Espera, por que você tá no McDonald’s?


É a primeira coisa que Lucas fala quando atende minha videochamada.
Está com a câmera frontal tão perto do rosto que só vejo seu nariz.
Eu me afundo mais na cadeira, escondido em uma mesinha no
McDonald’s em Ronda de la Universitat, perto da Praça da Catalunha, e
tento não demonstrar como meu peito sobe e desce desenfreado, a ansiedade
me corroendo como ácido.
— Eu o vi de novo — sussurro.
— Quem?
— O Raul, Lucas! O Raul!
Silêncio.
A imagem trava bem quando Lu faz uma careta. O cabelo castanho
encaracolado cresceu desde a última vez que o vi em Paris, no início da
primavera. Ele colocou alargadores pequenos nas orelhas e veste uma camisa
de chita quadriculada. Tudo nele é tão familiar.
— Então é ele mesmo?
— Não, é um irmão gêmeo perdido na Europa — ironizo, impaciente. —
Claro que é ele, Lucas!
A expressão do meu amigo se fecha.
— Que porra ele tá fazendo aí?
— Não sei.
Encolho os ombros, me recosto no banco acolchoado do McDonald’s e
suspiro.
— Você está sozinho? — Lu pergunta.
— Sim…
— E por que os meninos não estão contigo?
Viro o rosto para escapar do olhar sério de Lucas.
— Eu não contei que vi o Raul.
— Eric! Você deveria ter avisado que era uma emergência! Você não está
bem!
— Não quero estragar a festa dos outros — resmungo.
— Eles são seus amigos. Não estamos falando de um chilique por um
garoto aleatório. Você acabou de ver um cara que realmente te machucou no
passado e te fez sofrer pra caralho, e que desperta todos os seus gatilhos. Não
deveria estar sozinho agora!
Fecho os olhos.
Ele tem razão. Quando vi Raul na la, senti o princípio de uma crise de
ansiedade. Jesús e Nico me distraíram por tempo o bastante para que a
sensação passasse, mas agora piorou. Saí às pressas da Acrópolis, andando a
esmo em Barcelona com taquicardia e palpitações até passar na frente do
McDonald’s. Parei para comprar água e sorvete, torcendo para que a glicose
ajudasse a subir a pressão ou pelo menos me ajudasse focar em outra sensação
que não fosse meu corpo inteiro em estado de alerta.
Não é a primeira vez que tenho uma crise assim, mas já fazia bastante
tempo desde a última.
Odeio me sentir indefeso.
Odeio que Raul ainda me cause isso, ainda tenha esse poder sobre mim.
Eu já deveria ter superado, não?
— Por que você não está aqui, Lu? — Minha voz sai diminuta. — Um
abraço seu… — Encaro meu melhor amigo. — Ajudaria bastante.
A ternura em Lucas me acolhe mesmo a milhares de quilômetros.
— Eri… — A imagem pixelizada se torna um borrão. — Queria te
abraçar também. Pelo menos você me ligou. Como tá se sentindo?
— Um pouco melhor falando contigo, mas…
— A gente pode fazer a respiração do sopro da vela que o Pierre ensinou,
o que acha?
É uma boa ideia. Deixo o celular apoiado na horizontal junto à minha
carteira na mesa e ignoro a vergonha de fazer isso em público. Endireito os
ombros. Começo a acompanhar as respirações, guiadas por Lucas do outro
lado da ligação. Inspiro forte pelo nariz e exalo o ar pela boca. Pierre nos
ensinou a visualizar uma vela na mão, soprando-a sem apagar a chama, e é o
que faço.
— Melhor? — Lucas indaga depois de algumas repetições. Faço que sim,
e é verdade. Meu corpo parece mais rme e a dor no peito diminuiu.
— Eu tinha tanta certeza de que, se acabasse encontrando com ele, eu não
teria reação nenhuma — solto as palavras de uma vez. — Que, tipo, a gente
se cruzaria na rua e eu só passaria direto, sem nem erguer o queixo pra
cumprimentar, sabe? Mas não. Aqui estou eu, me escondendo na porra de
um McDonald’s quando poderia estar curtindo com dois caras super
maneiros claramente a m de mim!
— Ei, pega leve. Raul foi seu primeiro namorado de verdade, seu
primeiro em tantos sentidos… — Lucas me tranquiliza. — Nossos
sentimentos e emoções não seguem uma linha reta. Você é humano. E daí
que não reagiu como um robô? Sua dor tem direito de existir. O pior que
você pode fazer é silenciar o que está sentindo.
Sua dor tem direito de existir.
Algo custoso de entender e assimilar. Depois que terminei com Raul, por
muito tempo pensei que minha dor não fosse uma prioridade, e que a
melhor maneira de lidar com sua presença era ignorá-la.
Há tantas coisas urgentes acontecendo no mundo, a nal.
Em comparação, que importam meus sentimentos?
Porém, é claro que importam, pois são meus.
Negar minha dor é negar a mim mesmo, me anular. A questão nunca foi
apenas um coração partido. Foi a violência na relação, a dinâmica abusiva
dentro dela, que re etia em outras violências que passei a vida sofrendo.
Negar minha dor é continuar com o meu processo de opressão e
desumanização.
Já não posso mais permitir que isso se estenda.
— Sem falar que encontrar seu ex em Barcelona depois de séculos sem se
verem, numa festa onde você só queria car bem e curtir, não é pouca coisa!
— Lucas preenche a lacuna do nosso silêncio. — Mesmo que, beleza, ele seja
um ex tóxico e terrível e provavelmente a pior pessoa que eu conheço depois
do seu pai, Eri, tá tudo bem car mexido.
Termino de beber a água que comprei e reparo melhor em Lucas. No
alpendre da casa dos pais em Luna, se balança na rede amarela que conheço
desde sempre.
Vê-lo assim traz uma nova onda de saudades. Não é algo que me acontece
com frequência — adoro estar aqui, os desa os que a vida no exterior me
traz, todos os desconhecidos que ainda vou encontrar. Só que às vezes é
impossível controlar o desejo de estar perto dos meus amigos.
Os olhos castanhos de Lucas, granulados na tela, focam só em mim, me
dão completa atenção.
— Qual o próximo passo agora? Vai voltar pra festa ou pro seu apê?
— Pra festa.
Lucas comemora.
— Boa, migo! Isso aí, não deixa o Raul estragar sua noite!
— Mesmo com medo — falo —, não vou dar esse gostinho a ele.
— Ele já fodeu demais com a sua vida. Volta pra lá porque você tem uma
missão — Lucas acrescenta. — Esqueceu que tá me devendo um cunhado?
Reviro os olhos.
— Por que eu não posso simplesmente car solteiro?
— Porque isso estragaria nossos planos de fazer casamento duplo!
— E eu lá quero casar, Lucas?!
— Ah, mas você vai, sim! Nem que seja obrigado.
Caímos na risada, a primeira verdadeira da ligação. Minha respiração já
não está mais trêmula, e a risada alivia meus pulmões. Lucas anda mais
obcecado que de costume com esse lance de casamento desde que… bom.
Deixa pra lá. O protagonista dessa história aqui sou eu, né?
— Se encontrar o Raul de novo…
— Vou falar o que precisa ser dito, e pronto.
— Ou nem falar, se não quiser. Não precisa fazer nada que não queira.
Você sabe disso, né?
— Sei.
— A única coisa que aquele lho da puta merece é uma surra.
— Violência não resolve tudo, Lucas.
— Ah, mas que ia ser bonito de ver, ia.
Solto uma gargalhada tão alta que o carinha à minha frente no
McDonald’s me olha feio.
A tensão nos ombros diminui. Quem se importa se Raul está em
Barcelona, porra? Quem se importa se está na mesma festa que eu? Nossa
história acabou, e não vou voltar atrás.
Raul e eu nunca, jamais, JAMAIS vamos voltar a car juntos.
— Vou nessa. Deixei algumas pessoas me esperando.
— Quem? O espanhol lá?
Faço uma retrospectiva do meu encontro com os meninos. Lucas me dá
um sorriso malicioso no m.
— Tá vendo? É disso que eu tô falando, Eri! O Universo não te deixou
sozinho.
Ah, a ironia dessa frase vinda dele. Lucas odiava quando eu falava em
conexões do Universo até a noite em que conheceu o francês, o amor que
ele achava não ser capaz de viver, em uma série de casualidades digna de
cinema. Aquele foi o dia que sua vida se transformou. Para ser sincero, foi o
dia que nossas vidas começaram uma nova página. Um ano atrás, o Titanic
nos transformou.
É absurdo pensar em como os papéis se inverteram, como tudo pode
mudar em um estalar de dedos. Hoje sou eu o solteirão do grupo, e não
Lucas, apesar das di culdades de um relacionamento à distância. Eu seria
incapaz de acreditar se me contassem que, em doze meses, iria embora de
Natal, me mudaria para Barcelona, terminaria com Raul e estaria de rolo
com dois garotos lindos em uma festa.
— Te amo — digo para Lucas. — De verdade.
— Também te amo. E Eri — ele sorri e aproxima a câmera do rosto —,
só mais uma coisa. Você me ajudou a entender que nada acontece por acaso,
que a vida tem seu próprio ritmo… Então, acho que a situação de hoje é
como o bicho-papão de que a gente morre de medo na infância. Ele só
assusta quando está escondido. Quando a gente decide acender a luz, descobre
que não tinha nada ali. Talvez você só precise aprender que o seu monstro já
não te domina como antes, mas você nunca vai saber se não encarar isso de
frente. E eu sei — Lucas continua, tão gentil — que você é uma das pessoas
mais fortes e fantásticas que já conheci. Não se esqueça disso.
Minha boca se curva em um sorriso gigante. É como se meu amigo não
estivesse em outro continente, e sim do meu lado, me apoiando. Isso nunca
vai mudar.
8
O beijo de Judas

De volta à festa, faço uma promessa para mim mesmo: não vou dar a
mínima.
Sério, que se foda.
   !
Raul pode ir pro quinto dos infernos, exatamente como merece. Por que
eu deveria me sentir mal por ter esbarrado nele? Por que eu deveria sair pra
deixá-lo mais à vontade? Nunca z nada de errado, exceto me apaixonar. Ele
é quem está no meu espaço, na boate que virou tradição com meus amigos,
na cidade que não estava ao meu alcance, segundo ele.
Se no começo me assustei com a possibilidade de esbarrar em Raul, agora
estou com tanta raiva que, se acontecer, é melhor que ele esteja preparado.
Enquanto Britney Spears canta “Gimme More”, encaro meu re exo no
banheiro da Acrópolis. Antes, preferia desintegrar a me olhar no espelho.
Odiava cada parte do que via ali. Se os outros me viam com repulsa, eu não
deveria sentir o mesmo? Às vezes, tudo o que eu mais queria era sumir,
sumir pra valer.
Agora tento ser mais gentil, rebato pensamentos negativos com positivos.
Quando penso que sou feio e que minha existência não vale de nada, respiro
fundo e digo que sou lindo e tenho valor. Parece bobo, mas a gente passa a
maior parte do tempo se colocando para baixo, principalmente se nosso
corpo, sotaque, sexualidade ou identidade de gênero não seguem os padrões
esperados pela sociedade.
Lembro da primeira vez que falei que me amava em voz alta. Busquei as
palavras várias vezes, só que, entaladas na garganta, custavam a vir. Por uns
cinco minutos, tentei falar. A voz não saía. Lágrimas começaram a rolar pelo
rosto, eu me sentia fervendo por dentro, até en m arrancar as palavras em
meio aos soluços:
— Eu me amo.
Meu Deus, como foi difícil. Porém, depois de romper esse bloqueio, nunca
mais deixei de repetir a frase. Descobri que um simples “eu me amo”
funcionava como um mantra poderoso. Uma vida toda de “eu me odeio”,
“eu sou horrível”, “ninguém nunca vai me querer” me fazia encarar o amor
como se eu estivesse à beira de um precipício, suspenso apenas por um galho
seco e quebradiço, esperando uma mão oferecer ajuda.
Ninguém nunca esteve destinado a me salvar. Sou minha própria salvação;
só não sabia disso ainda.
— Dai, Eric! Te achei!
Nico aparece no banheiro movimentado da Acrópolis, com os primeiros
botões da camisa entreabertos e o cabelo bagunçado. Acabou de sair de uma
das cabines. Se posiciona ao meu lado e lava as mãos distraído. Está mais
solto do que antes, uma pena utuando pela brisa.
— Estava te procurando, você sumiu — ele continua. — Ficamos
preocupados. Está tudo bem?
Involuntariamente, encolho os ombros. Forço um sorriso, endireito a
postura; tento recuperar a animação de antes. Não quero que saibam sobre o
lance com Raul; só quero ser o estrangeiro legal se divertindo na festa. Não é
pedir demais.
— Tive um contratempo e quei lá fora enquanto resolvia — respondo,
sem dar muitos detalhes. — Já estou melhor, obrigado por perguntar.
Ele sorri.
— Daqui a pouco já não vou mais conseguir falar português — Nico
brinca ao enxugar as mãos com papel toalha.
— Por que não?
— Duas possibilidades. Ou estarei muito bêbado… — Ele faz uma
bolinha com o papel e a atira na lixeira. — Ou estarei te beijando.
— Bem — sorrio para ele —, que tal os dois juntos?
Nico se aproxima por trás e encaixa a cintura na minha bunda. Seu olhar
encontra o meu pelo re exo do espelho à medida que insinua a boca para
perto da minha orelha.
— Somos guapíssimos juntos, ¿no?
Até então, Nico não falara nada em espanhol. O sotaque italiano segue
presente; a cadência musical do idioma materno se esgueira entre as palavras.
Observo nosso re exo. Nico, com as tatuagens na pele alva, os lábios
vermelhos, um quê de mistério e entusiasmo no olhar. Eu, com a calça
branca e a camisa laranja com lantejoulas resplandecentes, a trança-raiz no
cabelo com degradê dos lados, os lábios grossos e a barba geometricamente
perfeita.
— Eres guapo — digo, mantendo a conversa no espanhol.
— Não. — Ele balança a cabeça lentamente. — Eu disse que nós dois
somos.
Uma onda de calor me percorre quando Nico mordisca o lóbulo da
minha orelha.
Em outro lugar, os caras que entravam e saíam banheiro sem dúvida
reparariam naquela interação, a julgariam. Não aqui. No mínimo, noto
desejo na reação de outros homens que passam por nós antes de voltar à
festa. Tampouco somos os únicos que se divertem; algumas cabines estão
fechadas há mais tempo do que deveriam.
Nico sorri malicioso enquanto a língua desliza pelo meu pescoço.
— Nunca peguei um italiano — digo, mordendo o lábio.
— Não? — ele pergunta. Com as mãos na minha cintura, ele me vira até
carmos cara a cara, meu corpo preso contra a pia. Sem deixar de olhar para
ele, balanço a cabeça. — Isso é bom, vou ser o seu primeiro.
Filho da puta.
A sensação que experimento ao lado dele, o Eric sedutor que Nico traz à
tona, é deliciosa.
— Foi bom, Nico? — pergunto. Agora mais de perto, noto os olhos
vermelhos e o cheiro de maconha em sua camisa.
Momentaneamente confuso, ele franze o cenho.
— O quê?
— O beijo que você deu naquele garoto quando Jesús e eu estávamos
olhando.
Ele se afasta para me sondar melhor, mas logo se aproxima de novo e toca
minha boca com o polegar.
— Ficou com ciúmes?
— Do outro cara? — digo, e ele assente. — Um pouco, talvez.
— Por quê?
— Preferia que você me beijasse.
Nico aperta meu quadril. O som abafado do baixo elétrico de uma música
pop pulsa do lado de fora do banheiro.
— Todavía puedo besarte, si quieres — ele sussurra. — ¿Puedo?
Sei que ertar com Nico é ertar com fogo. Com Jesús, tudo parecia mais
seguro. Com o pianista, por sua vez, é arriscado, perigoso. Ainda assim, é
apenas uma noite, uma festa entre tantas… Esse beijo de Judas pode ser o
início da solução, não do problema.
Nico pressente minha resposta e me puxa para a única cabine disponível.
Fecha a porta atrás de nós e me pressiona com força contra a superfície de
madeira enquanto suas mãos exploram meu corpo. Ele esgueira um dedo até
o elástico da minha cueca, sem perder tempo.
Murmura meu nome, os olhos cor da noite xados em mim.
— O que você dizia?
Mesmo com a respiração e os pensamentos nebulosos, encontro lucidez
su ciente para elaborar as próximas palavras:
— Que quero muito te beijar.
Nico grunhe. Quando cou tão quente nesse banheiro? Suor brota da
minha pele, ensopando rapidamente a camisa. Dentro da cabine no subsolo
de Barcelona, o verão recém-chegado escalda como as areias de um deserto à
luz do dia.
Ou talvez seja apenas Nico.
Nico: o Sol, cinco mil e novecentos graus queimando em toda a
superfície. Tenho medo de que, se chegar perto demais, vou acabar em
chamas.
Mas é exatamente isso que eu quero, não?
Ser queimado por Nico, como Roma incendiada por Nero.
— Jesús… — minha voz vacila.
Os olhos castanho-avermelhados do espanhol me vêm à mente. Falei que
o beijaria, mas agora estou dentro de uma cabine com Nico, prestes a…
Se nos visse, o que Jesús pensaria?
Nico rebate minha pergunta com um sorriso atrevido e me puxa para mais
perto. Nossos lábios estão a menos de dois centímetros de distância, a
respiração dele quente em meu rosto.
— Não se preocupa, bello. Jesús não se importa.
— Como você tem tanta certeza?
— Vamos todos nos divertir juntos essa noite. Não te ensinaram na
matemática que a ordem dos fatores não altera o resultado?
Então Nero acende a tocha, o Sol encontra minha boca e Roma arde em
chamas. Sinto meu corpo enrijecer quando Nico me agarra e me beija.
Aprecio o vazio repentino da minha mente, como cada pensamento se esvai
sob o fogo.
Dedico atenção plena à sua boca, completamente concentrado no
presente, no fato de que a mão ultrapassa as fronteiras do tecido da cueca e
me toca. É atenção plena o que sinto quando ele morde e chupa meu lábio,
depois ofega contra meu rosto, enforca levemente meu pescoço…
— Mi dispiace, bello. I was going too fast — ele mistura idiomas em seu
sussurro. Se interrompe e alinha nossos olhares; a mão permanece no mesmo
lugar de antes, onde deveria estar. — Foi você, sabia? — diz ele, em
português, enquanto os dedos sobem lentamente de dentro da cueca até meu
peitoral. — Que me deixou assim.
— Como?
Mas não há resposta verbal. Passo as mãos pelo cabelo liso de Nico,
prendo-o entre meus dedos e o puxo para um beijo. É boa a sensação de ter
sua língua descendo pela minha nuca, as mordidas que deixa no meu lábio
inferior, nunca fortes a ponto de doer — mas beijar a sua boca é ainda
melhor.
Levo os dedos para o interior da camisa dele, erguendo-a para que eu
possa tocar sua pele. Ele a arranca de uma vez e a deixa apoiada em um dos
ombros.
Um delicado piercing de prata adorna o mamilo direito de Nico, alojado
entre a camada de pelos escuros e nos do peito de nido. Devagar, me
ajoelho diante dele e toco a joia metalizada.
Nico repete meu nome com seu forte sotaque italiano. O som da sua voz
ecoa como uma melodia que eu gostaria de ouvir repetidas vezes.
— O quê? — Eu ergo a cabeça e o to com um sorriso travesso. — Você
é sensível aí?
Nico concorda, as sobrancelhas franzidas. Ele é ainda mais gostoso sob essa
perspectiva, a tatuagem de partitura sinuosa iluminada pelo brilho vermelho
do interior da cabine.
Gosto de manter os olhos abertos para assistir o que provoco em Nico
quando brinco com a língua na área do piercing em seu mamilo. Gosto do
sabor dele, da mistura do perfume com suor. Gosto da forma como ele se
contorce, os espasmos na pele, o franzir da testa, os lábios semiabertos.
Aos poucos, minha língua desce. Sigo sua linha alba, e paro apenas onde o
cinto impõe uma barreira. Roço a bochecha no volume da calça de Nico,
sentindo sua rigidez.
— Bello… — adverte e sacode o queixo em uma negativa. Ainda assim,
me ajuda a desa velar o cinto quando minhas mãos se atrapalham. A roupa
desliza pelo quadril dele; cai até seus pés e revela uma apertada boxer branca
Calvin Klein.
Seu corpo se curva sob o meu toque, o pescoço arqueia para trás.
Finalmente me livro da cueca. Com os olhos abertos para acompanhar as
reverberações dos toques, o subir e descer do peito dele, dedilho cada
centímetro dos muitos de Nico.
Em determinado ponto, porém, ele me interrompe. Puxa uma das tranças,
ergue meu queixo com o polegar. Um sinal de alerta emana das íris
escuras…
Mas nosso momento é interrompido por uma batida estrondosa na porta
da cabine, lembrete de onde estamos e do que estamos fazendo.
— ¿Cuánto tiempo se van a quedar ahí, maricones? ¿Una vida? — Alguém
bate várias vezes seguidas em nossa cabine. — Reinas, si quieren follar, ¡van al
puto dark room!
Sem graça, me levanto rapidamente com a ajuda de Nico, que me estende
o braço como apoio. Ele parece levar a interrupção numa boa, embora as
bochechas coradas contem uma história diferente.
— Continuamos depois — Nico diz baixinho no meu ouvido. Me dá um
selinho enquanto veste as roupas rapidamente; a calça apertada falha em
esconder o volume, e co ressentindo quando ele volta a vestir a camisa,
escondendo o peitoral esculpido pelos músculos.
— Com Jesús — acrescento, mais sério.
— Claro — responde, ainda sorrindo com os lábios inchados —, com
Jesús.
A pessoa do lado de fora insiste:
— ¡Algunas de nosotras necesitamos usar el baño!
— ¡Vale, vale! ¡Ya está! — Nico responde com um revirar de olhos. Antes
que a gente deixe a cabine, ele me segura e me beija outra vez, a expressão
mais suave. — Estava gostoso.
— Muito. Mas é melhor a gente sair antes que arrombem a porta.
— Aqui, Eric. — Ele alisa minha camisa e passa papel higiênico nos
joelhos da minha calça. Eu nem lembrei que usava uma calça branca quando
me abaixei. — Mais apresentável assim.
Saímos da cabine com Nico escondendo sua ereção atrás de mim. Ao
erguer a vista, vejo que quem quase demoliu a nossa porta é a drag queen de
peruca rosa que dançou comigo na pista.
— Mira lo que tenemos aquí. — A voz da drag sobe de tom ao me
reconhecer. Ela repousa a mão no meu ombro, rindo. — ¡No sabia que eras
tú! Perdóname, cariño.
Abro um sorriso amarelo.
— Bueno, puedes entrar ahora.
— Pues no. Que si quieren follar, vuelvan. — Ela sorri e aponta para o
interior da cabine. — Pero si quieren seguir la esta, están invitados. Por Gaga.
9
Quem disse que três era demais estava
mentindo

Encontramos Jesús perto da cabine do  na área pop da Acrópolis.


Ele dança de olhos fechados. O cabelo cor de mel balança conforme se
mexe no ritmo da música — “Cheers (Drink to That)”, da Rihanna, que
canta com um sorriso. Quando Nico e eu nos aproximamos, camos sem
graça de interrompê-lo; Jesús está tão bonito assim, completamente entregue
ao momento. As pessoas começam a erguer os braços e a brindar com
amigos ou desconhecidos, como a letra pede, e é arriscado demais segurar
dois drinques — um para mim e outro para ele — enquanto nos
esprememos para passar pela multidão animada.
— Jesús — quase grito, bem próximo ao ouvido dele, para conseguir sua
atenção. — Aqui, toma.
Ele abre os olhos lentamente. Um sorriso ainda maior se forma em seus
lábios ao me ver. Seus braços me puxam pela cintura e a boca encontra o
meu pescoço. Mesmo com o corpo inclinado para trás, tentando manter o
equilíbrio dos copos nas mãos, a gim-tônica escorre e mancha a camisa dele.
Jesús, alheio, parece não se importar; sua voz é alta e animada ao me abraçar
ainda mais forte e dizer em espanhol que sentiu minha falta.
Resisto ao impulso de beijá-lo quando Nico passa os braços ao redor de
nós dois. Uma drag queen com roupa de guerreira amazona serve shots de
tequila depois que Rihanna diz que há uma festa rolando e todos deveriam
brindar.
A tequila é forte; Jesús engasga e Nico faz careta. Imediatamente,
tentamos camu ar o sabor com a gim-tônica misturada com soda italiana de
limão siciliano. Há um acordo tácito para todos engolirem a bebida de uma
vez só, em um só gole. Ao terminar, o coro da música se mistura com os
sons da Acrópolis, tudo ca turvo e eu relaxo.
Tiro o celular do bolso e faço uma sel e de nós três. Nico pede para ver a
foto; no meio, ele saiu de olhos fechados, então tiramos outra, e mais uma e
mais uma e mais uma, os feixes de luz da boate girando ao nosso redor. Já
estamos bêbados demais e as fotos saem cada vez piores. É divertido, o rosto
corado de Jesús, as gargalhadas de Nico, o empurra-empurra das pessoas…
Lembro de outra festa, meses atrás. Lucas, Pierre e eu fomos na Raidd,
uma boate famosa no Marais, o bairro gay de Paris. O choque foi imenso ao
nos depararmos com os dançarinos só de sunguinha se banhando no
chuveiro em vitrines espalhadas pela balada.
Foi na quarta-feira que cheguei a Paris para surpreender meu melhor
amigo. Pierre foi quem organizou a viagem, e nunca vou esquecer a cara do
Lucas quando abriu a porta do apartamento do namorado em Montmartre e
me viu.
— ! — gritou ao pular em cima de mim, quase me derrubando. Eu
estava exausto depois de arrastar duas malas pesadas pela escadaria íngreme e
in nita do prédio de Pierre, mas retribuí o abraço de Lucas. Fazia meses que
não o via; não me recordava de passar tanto tempo longe assim dele na vida.
— Se eu soubesse que eram tantas escadas — reclamei, dramático —, teria
cado num hostel.
A memória de primavera me traz um sorriso enquanto danço de olhos
fechados. Durante a visita, Pierre, Lucas e eu conversamos muito sobre o
verão que viria a seguir, as possibilidades que se apresentavam para mim no
horizonte, e agora o horizonte está aqui, na pista de dança da Acrópolis com
Nico e Jesús. Em uma semana, viajo para a Itália. Porém, até lá, não consigo
evitar a sensação de que as coisas estão prestes a mudar mais uma vez.
Penso no breve encontro com Raul, que quase me fez ir embora mais
cedo da festa. E se eu tivesse voltado para casa? Não estaria agora com Jesús e
Nico. Deve haver algum motivo para o destino ter me trazido a esses garotos
em plena noite de São João. E, caramba, Nico é de Florença, minha próxima
parada! Só pode ser a resposta de que estou na estrada certa, porque é assim
que o Universo funciona após aprendermos a ler os sinais.
Sequer registro a transição entre as faixas, e quando dou por mim, estou
ouvindo “Lush Life”, da Zara Larsson. Nico dança na frente do , e Jesús,
recuado, me encara. As luzes preenchem a pista com uma tonalidade forte de
roxo. Ele parece mais lindo do que nunca.
— Que foi? — digo só mexendo os lábios, já que minha voz não será
ouvida.
— Nada — responde, mas é mentira.
Eu me aproximo. É um fascínio etílico que me puxa para dançar mais
perto, nossos corpos colados. Toco o braço de Jesús, depois descanso a mão
em seu peitoral. Faço carinho na bochecha dele e brinco com a orelha. Se
essa é uma missão de reconhecimento, preciso memorizar tudo caso precise
de um relatório mais tarde. A textura da pele, os arrepios que meu toque
provoca, como nos mexemos juntos ao som da música… Por um tempo, não
há mais ninguém ali além de nós dois. Eu, perdido nos olhos de Jesús. Ele,
deliciando-se com os meus.
Quando a ponte da faixa começa, aproximo mais meu rosto. Vejo cada
detalhe de suas feições: as sardas que pontilham suas bochechas, os cílios
longos que destacam os olhos, o contorno das íris avermelhadas que brilham
na luz neon. Ele avança a boca, centímetro a centímetro. Então desvia, leva
os lábios ao meu ouvido e sussurra, com a voz estremecida:
— Quiero besarte.
Eu quero também, então o puxo. Beijo Jesús, aquele beijo prometido
desde que nos encontramos na la, o beijo que sempre foi dele e agora
também é meu.
Acho que é disso que mais gosto: como o beijo é fácil. Por que nas
histórias o beijo do protagonista precisa demorar para acontecer, ser
cautelosamente conquistado? Eu não vivi in nitos dias de inverno para
desperdiçar esse beijo no verão.
E o beijo de Jesús é uma delícia.
Ele tem gosto de manhãs de sol na praia, mel e fumaça e dedos que
raspam a areia do mar para construir castelos que logo serão devorados pelas
ondas.
De bíblico, nosso beijo não tem nada, nada mesmo, mas sinto vontade de
cair de joelhos e rezar para que nunca termine.
Jesús desce a mão até a minha bunda, e eu levo a minha à dele também. O
gelo do último gole de gim ainda derrete na boca enquanto ele suga e morde
meu lábio.
Desejo Jesús ainda mais perto, sua ereção contra a minha. Mexo o quadril
no ritmo da música, apenas o su ciente para que saiba o que quero, o quanto
irei rebolar para ele mais tarde.
Quando o beijo termina, Jesús se afasta, sorri. Passa o dedo pela minha
testa e balança a cabeça como se reagisse a uma piada não dita.
— Hermoso — sussurra, o calor da respiração pesando entre nós. Então
imerge em mim outra vez.
Meu coração acelera ainda mais que no primeiro beijo. Penso que beijá-lo
é como encontrar uma memória que eu não sabia guardar, enterrada em
mim à espera de ser desvendada.
Mas agora há outro alguém entre nós.
A versão do Calvin Harris para “How Deep Is Your Love” começa a tocar
quando Nico aparece.
— Vocês juntos — ele diz, as costas eretas — são lindos.
Nós três nos entreolhamos. Estamos bem debaixo de um globo de luz, e
os raios que refratam em seus vários espelhos brilham sobre nossa pele em
mil tons de roxo. Nico passa a língua pelo lábio, Jesús sorri com a
sobrancelha arqueada e eu memorizo a cena com o que me resta de
sobriedade.
Percebo que esperam por uma deixa minha. Não demoro para entregá-la.
Beijo Jesús primeiro, em seguida me viro para Nico. Então, é a hora deles.
A visão dos dois… Nico e Jesús se provam com cumplicidade; gosto de
testemunhá-los, integrar essa tríade.
A primeira rodada é apenas o começo. Depois dela, vislumbres: Jesús me
beijando enquanto Nico nca as unhas nas minhas costas. Nico descendo a
mão para dentro da minha cueca enquanto Jesús bloqueia a visão do restante
das pessoas. Jesús rindo quando a cabeça de Nico bate na minha sem querer
na pressa do movimento…
Eu quero mais disso, da testosterona que corre debaixo da nossa pele sob a
esfera de espelhos; o painel de  na parede atrás do  avivando nossos
rostos entre as colunas de mármore polido. É uma experiência nova para
mim. Nós três nos beijando, o paraíso completo.
— Demasiado caliente, chicos — Jesús diz depois de mais alguns beijos,
falando alto por conta da música. — ¿Salimos un poco?
Nico e eu concordamos com a ideia.
Jesús segura minha mão direita, e Nico, a esquerda. É difícil atravessar a
multidão pulando ao som da música vencedora do Eurovision do ano
passado, “Heroes”, do Måns Zelmerlöw. Para chegar à saída, somos forçados
a mudar de formação. Seguimos em la, com Jesús na dianteira e eu no meio
com as mãos em seus ombros.
Finalmente, conseguimos subir as escadas para sair da Acrópolis.
Desviamos de drag queens bêbadas e de um grupo barulhento de
estadunidenses, até que Nico para no meio dos degraus e se ajoelha. Ali,
bloqueia nosso caminho.
— ¿Estás borracho, chico? — Jesús o questiona.
— ¡Claro que no! — Nico arrasta a frase, tentando manter a sobriedade.
— Bueno, ¿entonces que haces?
Ele ca sério de repente, um olhar intenso direcionado a nós dois.
— Estou apaixonado por vocês.
— Apaixonado? — repito, incrédulo. Ouvi certo mesmo?
— Sim — o italiano insiste. — Molto innamorato.
Solto uma risada.
— Nico, você tem uma história com Jesús, faz sentido estar apaixonado
por ele — eu digo. — Mas a gente acabou de se conhecer, cara, talvez seja
meio precipitado e…
— Não, Eric — ele me interrompe, fazendo beicinho. — Vai estragar
meu plano!
O português dele é uma delícia de ouvir. Antes, ele tinha mais controle
do idioma. Agora o sotaque é uma mistura deliciosa, ora italiana, ora
espanhola.
— ¿Que haces, tío? — Jesús pergunta com as mãos na cintura.
— Eu quero — Nico abre um sorriso bêbado —, que vocês dois sejam
meus namorados.
Isso basta para Jesús entrar imediatamente na onda de Nico.
— Tudo bem, eu topo — o espanhol diz. — Mas só se o Eric quiser
também. Isso é uma via de, sabe, mão tripla.
Os dois me olham na expectativa. A cena inteira é ridícula.
— Não tenho certeza do que está acontecendo, mas se Jesús topou, topo
também.
— ¡buenísimo! — Nico, que se levanta com um pulo, ergue o punho no ar.
— Agora tenho dois namorados!
É fofo, mas me sinto na obrigação de corrigi-lo:
— Só por essa noite. Ainda tenho muito que re etir antes de entrar em
um trisal.
Nico volta a fazer um biquinho. Depois, agarra nós dois pela camisa.
— Posso beijar meus namorados? — sussurra. Ele mordisca os lábios; os
olhos escuros devoram os nossos.
Esse beijo é mais atrapalhado que os outros: Nico cai na gargalhada e Jesús
esbarra o nariz no meu. Ao mesmo tempo, é tão leve e simples que me pego
desejando prolongá-lo a noite toda. Nossa comédia romântica particular.
Ainda estou abraçado aos dois quando sinto uma mão no meu ombro e
meu coração parar por um momento.
— Eric, não acredito! Que bom que te encontrei!
10
E vai se formando um clima terrível entre os
brothers

— Eric! — Raul repete. — Sou eu. Não está feliz em me ver?


Eu me viro para encará-lo, depois de descer um degrau no susto. Ele se
aproxima e me abraça. Não retribuo. Fico tenso. O perfume. O tom
animado e alegre. A sensação do corpo junto ao meu…
Sinto meu estômago revirar. Apesar do que me convenci enquanto estava
sentado no McDonald’s, não estava preparado para vê-lo — não assim de
perto, como se a muralha que construí para separar nossos destinos ruísse de
repente, em um desabamento inesperado.
Raul sorri como se nada tivesse acontecido. Como se fosse o reencontro
aguardado entre duas pessoas que se gostam e se amam. Como se não tivesse
dito tudo que disse.
Sempre o coitadinho, a vítima da história.
Duvido que vai encontrar alguém que goste de você.
Recobro meus sentidos e me afasto dele com força.
Raul está ali em carne e osso, com a pele branca que eu costumava traçar
com os dedos, o cabelo escuro e bagunçado, a franja longa demais caindo
sobre a sobrancelha direita… Diante do meu silêncio, os olhos dele me
perscrutam com uma mistura de animação e ressentimento enquanto sobe
um degrau e impõe uma barreira física entre mim e os homens que eu
beijava instantes atrás.
Penso em todas as vezes que imaginei nosso reencontro. Todas as frases
que formulei na cabeça, cada ação e cada gesto. Nada me preparou para estar
cara a cara com meu ex.
— Caramba, Eric, vai só me ignorar assim?
Não consigo reagir, falar, sequer me livrar da mão dele que agora aperta
meu braço. O ar se interrompe a meio caminho dos meus pulmões. Fico
acuado, constrangido, amedrontado. Eu gostaria de poder me defender, eu
gostaria de…
— Larga ele. — Nico praticamente rosna para Raul. — Agora.
Raul se vira para Nico, depois volta a olhar para mim. Subitamente,
parece se dar conta do que faz. Ele se sobressalta; olha para os próprios dedos
que me seguram com força, e, en m, me solta.
— Desculpa — ele diz. É vergonha que vejo estampada em seu rosto?
Arrependimento? É difícil de nir suas intenções. — É que quei tão
surpreso de te ver.
Não consigo responder.
Tento abrir a boca de novo, mas a voz não sai.
— Sai de perto dele — Nico insiste, descendo um degrau na escada para
car no mesmo nível de Raul.
— Não se mete — Raul rebate. — Eu conheço o Eric, não somos
estranhos.
— Não importa. Não faço a mínima ideia de quem você é, cara, mas ele
claramente não quer conversar. Vai embora.
Raul não se intimida. Cruza os braços na frente do peito e desa a Nico.
— Quem você pensa que é?
— Sou amigo do Eric — o italiano responde —, ao contrário de você.
O confronto entre os dois se estende naqueles segundos de silêncio. Jesús
se coloca atrás de Nico e puxa-o pela camisa sem dizer uma palavra. Atrás
deles, mais pessoas esperam o embate terminar na escadaria, e a sensação de
sufoco aumenta.
— Eric, é sério isso? — Raul levanta a voz. — Vai me tratar como um
desconhecido depois de tudo que a gente viveu? Pensei que ia ter mais
consideração por mim!
— Consideração? E depois de tudo o quê, Raul? — As palavras raspam
minha garganta, mais altas do que eu pretendia. — Você acha que estou feliz
em te encontrar?!
Raul afasta a franja da testa e endireita a postura.
— Ei, calma, sem gritar. Aqui não é o lugar, podemos conversar em um
ambiente mais calmo…
— Não!
— Por favor — ele baixa a voz. — Preciso muito falar contigo.
Essa estratégia é velha: sempre me empurrava até o limite da minha
estabilidade emocional e então resolvia recuar para manter sua fachada calma,
como se eu estivesse me precipitando na situação.
— Qual é o seu problema? Não é não, porra! — Nico se desvencilha de
Jesús. — Sai daqui agora!
Mas Raul não se intimida.
— Manda seu cão de guarda car longe de mim, Eric — ele diz,
marchando um passo na minha direção bem quando uma drag queen risonha
arrisca passar pela escada ao nosso lado, o vestido rosa de paetês farfalhando,
as asas de fadas em suas costas tremeluzindo.
A cena se desenrola em câmera lenta.
Raul tenta partir para cima de Nico, mas quando o italiano desvia, meu ex
pisa em falso e escorrega na cauda do vestido da drag.
A drag se segura no corrimão e consegue se rmar, e eu me encolho ao
lado dela. Raul não tem a mesma sorte.
Ele perde o equilíbrio e seu corpo começa a rolar pelos degraus — um,
dois, três — com uma rapidez impressionante. Os braços se agitam
descontroladamente no ar, ele tenta encontrar apoio, mas é tarde demais.
Levo a mão à boca e sinto um arrepio percorrer o corpo quando Raul
nalmente atinge o chão e seu grito agudo ecoa pela Acrópolis.
Não sou o único pego de surpresa: Nico também parece completamente
atordoado. É Jesús quem age primeiro e corre para amparar Raul. Ao meu
lado, a drag queen se oferece para chamar ajuda, mas tudo o que consigo
fazer é continuar paralisado, meu olhar xo em Raul enquanto ele se
contorce no chão, lutando para se levantar.
— ¿Estás bien? — o espanhol pergunta ao estender a mão para ele.
— Sai de perto de mim! — ele vocifera.
Raul consegue se levantar sozinho. Um lete vermelho escorre do nariz e
mancha a gola da camisa cinza ensacada em uma calça jeans cintura alta com
rasgos nos joelhos. Ele leva a mão ao rosto, tonto, e é quando nota o sangue.
Seu rosto se alarma, se trans gura.
No instante seguinte, Raul desmaia nos braços de Jesús.

Dois seguranças carregam Raul até uma espécie de enfermaria. Ficamos


do lado de fora, numa área da boate que eu nem sabia que existia. O
paramédico diz que vai averiguar a necessidade de encaminhá-lo a um
pronto-socorro.
Depois que Jesús e eu nos sentamos em um sofá apertado, minha cabeça
repassa os últimos acontecimentos. Na real, ver Raul ferido não é tão
satisfatório quanto imaginei que seria.
Nico volta do bar com garrafas de água que distribui entre nós três. A
sensação é de que a vida real nos deu um tapa na cara depois do sonho que
foram nossos beijos na pista.
— Desculpa — digo a eles, de cabeça baixa.
— Desculpa pelo quê? — Jesús pergunta.
— Estraguei a noite de vocês.
— Não estragou nada, Eric.
Eu suspiro.
— Sei lá, agora vocês estão aqui em vez de estarem se divertindo.
— Não precisa se desculpar. — Há impaciência na voz de Nico. — Eric,
o cara estava segurando seu braço com força, você claramente não estava
bem. Se alguém precisa pedir desculpas, é ele. Ou eu.
Eu o encaro com uma sobrancelha erguida enquanto ele senta ao meu
lado no sofá.
— Você?
— Sim. Eu não deveria ter reagido de forma tão agressiva, mas a atitude
dele… — Uma sombra cruza o rosto de Nico. — Me lembrou tanto meu
padrasto. Quando eu era criança, ele batia na minha mãe. Era como se fosse
ele de novo ali na minha frente. — Nico desvia o olhar. — Senti que era ele.
Eu não podia deixar, eu não podia deixar que…
— Nico. — Me agacho diante dele e repouso a mão em sua coxa. —
Sinto muito pelo lance da sua mãe, que essas lembranças tenham vindo à
tona…
— Tudo bem, só promete que não vai se culpar pelo que aconteceu — ele
diz.
Fico com um aperto no coração. É impossível não lembrar da minha
própria infância. Não gosto de pensar a respeito. Tenho tanto em mim que
nunca verbalizei. Meu pai…
Respiro fundo outra vez. Não é a hora nem o lugar para revisitar essas
lembranças.
Nico faz carinho na minha bochecha, nalmente encontrando meus
olhos.
— Quem é ele? — Jesús me pergunta em seguida. Sua cabeça aponta para
a porta fechada da enfermaria. Sangue do Raul mancha sua camisa.
Com um suspiro, volto a sentar e bebo um gole de água.
— É meu ex.
— Você o conheceu em Barcelona?
— Não, nós namoramos no Brasil. Terminamos antes de eu vir pra cá.
Não o via há meses. Eu queria… — Endireito a postura. — Teria sido
melhor se a gente não tivesse se encontrado. Raul me machucou muito. Foi
um relacionamento bastante tóxico, mas eu demorei para entender os
problemas.
A voz de Jesús é suave.
— Foi por causa dele que você cou ansioso na la?
— Achei que o tinha visto — con rmo —, mas não tinha certeza.
A expressão no rosto do espanhol é solidária.
— Lo siento, Eric. Então ele não mora em Barcelona?
— Não, ele mora em Natal. Eu não fazia a menor ideia de que estava
aqui, mas também não é nenhuma surpresa. Parte da família dele é de
Lisboa.
Jesús afasta uma mecha de cabelo da frente do rosto.
— Você podia ter nos avisado que isso estava acontecendo. Poderíamos ter
ido pra outra festa ou…
— Eu ia falar o quê, Jesús? Que eu achava que a porra do meu ex tinha
resolvido aparecer só para me atormentar? — Olho de Nico para Jesús. Sei
que estão tentando ajudar, mas… — Raul já arruinou tantas coisas pra mim,
não queria que destruísse mais isso… Nós três, nossa noite.
— Eric… — Jesús meneia a cabeça e entrelaça nossas mãos. — Foi um
presente para mim te conhecer na la. Me sinto bem ao seu lado, como se
nosso encontro tivesse uma importância que só vamos descobrir mais tarde.
Não quero que ninguém te machuque.
— Você está seguro agora. — A expressão de Nico é reconfortante. —
Ninguém vai te fazer mal.
Gentilmente nos abraçamos, esses estranhos e eu.
Que vida levam fora das luzes da Acrópolis, com suas colunas e arcos
simetricamente calculados, fumaça de gelo seco e o pulsar das músicas? O
que fazem em suas manhãs, que comida preferem, o que escutam em dias
cinzentos? Que sonhos têm quando estão dormindo, e o que sonham
acordados?
A proximidade é reconfortante. Não entendo por que permanecem ao
meu lado depois da confusão com Raul. Isso me faz pensar que, mesmo após
esta noite terminar, talvez continuem presentes na minha vida.
Amantes ou amigos, não ligo. Só quero ter a chance de encontrá-los mais
uma vez.
A porta da sala onde Raul recebe os primeiros socorros se abre. Uma
mulher simpática de olhos verdes com hijab e uma bata branca coloca a
cabeça para fora e nos diz:
— Buenas notícias, el chico despertó. Detenemos la hemorragia. Solo fue un susto,
voy a liberarlo ahora. — Ela se interrompe, e então, nos analisando: — ¿Quién
de ustedes es Eric?
— Soy yo — digo.
— Raul quiere verte.
Só que eu não quero.
— Dile que estaré afuera.
As sobrancelhas da mulher fazem uma careta.
— ¿No vas a esperar por él?
— No. No tengo nada que ver con él.
11
Porque eu mereço

A mancha escarlate de sangue confere um aspecto macabro à camisa de Raul.


A impressão que deixa é que se meteu em uma briga, faltando apenas um
olho roxo para completar a imagem. Fora isso, está bem. Vaso ruim não
quebra fácil. Poderia ter sido pior — um degrau a mais, um pouco mais de
força no esbarrão com a drag queen, e talvez essa história terminasse em um
hospital.
Para ele, no caso. Eu não o acompanharia nem se me pagassem.
Uma parte de mim acha que, independente de qualquer coisa, a justiça foi
feita hoje.
Evito olhar diretamente para Raul. Estamos do lado de fora da boate,
sentados no meio- o enquanto ele pressiona a compressa gelada que a
equipe da Acrópolis forneceu. Nosso silêncio é tão a ado e frio quanto o
gelo sobre o machucado em sua pele.
A meu pedido, os meninos nos deixaram a sós. Insistiram em permanecer
do meu lado, mas acabei por recusar.
— Te daremos espaço — Jesús disse, todo preocupado —, mas não vamos
voltar pra festa ainda.
— Deviam. Não quero que parem de se divertir por minha causa. —
Olhei para Jesús, sério. — Por favor.
Ele negou com a cabeça. Nico, ao seu lado, estava em silêncio,
desconfortável perto de Raul, que não podia nos ouvir.
— Não, Eric. Vamos car por perto, só por precaução. — Jesús indicou a
cervejaria e restaurante de tapas ao lado da boate, ainda aberto para atender o
uxo da clientela no São João.
— Jesús…
— Estamos com fome. — Ele deu um sorriso sutil. — Não é só por você,
ca tranquilo.
Suspirei, exausto. Estava cansado demais para rebater. Eu não queria
envolver mais ninguém nessa história; sequer contei aos meus amigos esse
rolo todo — Gustavo e Ariel avisaram que retornaram para casa mais cedo, e
Murilo sumiu desde que o deixei no bar. Porém, Nico e Jesús já estavam
envolvidos. Se queriam montar guarda e tomar conta de mim, eu ia me
permitir esse cuidado.
— Nesse caso, tudo bem — falei.
— Nico está precisando colocar alguma coisa na barriga que não seja gim-
tônica.
— Mas se precisar de ajuda pra bater nesse stronzo — Nico se empertigou
—, só me chamar. Farei com prazer.
Dei um beijo na bochecha dele.
— Meu herói. Acho que você já me defendeu o bastante por hoje.
— Tome cuidado — Jesús sussurrou antes de arrastar Nico para o
restaurante. — E qualquer coisa…
— Sei onde encontrar vocês.
— Isso. — Ele deu um beijo rápido no canto da minha boca e fez um
carinho rápido na minha bochecha. — Nos vemos pronto.
Agora, sentado na calçada, não faço ideia de como começar essa conversa
com Raul.
O silêncio se prolonga.
É difícil me livrar do sabor amargo no céu da boca.
Odeio estar aqui com Raul.
Odeio.
— Então. — Ele pigarreia. — Barcelona. Tá gostando?
Ah, não.
Não, não e não.
Nem a pau!
Essa é a primeira conversa que temos depois de tudo o que aconteceu
entre nós. Raul só pode estar de sacanagem se acha que vou car de papinho
ado.
— O que você tá fazendo aqui, Raul? — Ríspido, tamborilo impaciente
os pés no asfalto.
— Te mandei um e-mail mais cedo falando pra gente se encontrar, não sei
se você viu.
— E-mail?
— Estou bloqueado nas suas redes sociais, e dos seus amigos também. —
Ele não esconde o ressentimento. — Nunca entendi por que precisava de
tudo isso.
Meu Deus, inacreditável.
— Você realmente achou que eu ia querer te ver?
— Por que não?
— Porque estar perto de você me faz mal! É sério mesmo que não
percebe?
Raul engole em seco.
— Eu não sabia que ia te encontrar aqui. Um amigo me disse que o
melhor rolé de hoje era no Acrópolis e eu vim. Não era minha intenção te
enquadrar, boy. Se soubesse que viria…
— O quê, Raul? Teria evitado?
— Acho que teria vindo de qualquer forma — ele admite. — Pra tentar
falar contigo.
— Eu só quero distância.
A boca dele treme.
— É um direito seu.
— Pois é, mas olha onde a gente tá. — Faço um gesto amplo indicando o
pequeno espaço entre nós. — Então acho que conseguiu o que queria.
Por meses, achei que evitar Raul — evitar olhar para o que deu errado no
nosso relacionamento, para as cicatrizes e bagagens que me deixou — era a
melhor solução. Só que ngir que nada tinha acontecido claramente não
funcionava.
Agora estamos cara a cara, distantes da cidade onde nossa história
começou, também em uma festa. Algo em mim acreditava que, se o
reencontrasse, eu me desmancharia. Perderia a razão e a lógica, me sentiria
fraco. De certa forma, foi o que passou quando paralisei na escada da
Acrópolis.
Não voltará a se repetir.
— Aqueles caras lá… — Raul diz.
— Não, nem começa.
Mas ele não conhece o conceito de limites, nem mesmo com a porra do
nariz destroçado.
— Você tá com eles? — sua voz sai anasalada por causa do machucado. —
Tipo um trisal?
— Cara, não é da sua conta! Você não tem direito a nenhuma informação
sobre o que eu faço ou com quem estou.
— Desculpa — ele diz. — É só que… Você sabe. Me importo com você.
— Você agarrou meu braço, Raul! Mal me encontrou e já apertou meu
braço com força e não queria soltar! Só soltou porque o Nico se meteu! —
minha voz se eleva. — Raul, esse sentimento de posse que você tem por
mim é… é doentio! Eu não sou seu, nunca fui seu. Tudo que eu quero é que
você suma da minha vida!
Raul tira a compressa de gelo do rosto, apenas para fazer uma careta de
dor e recolocá-la de volta no lugar.
— Sei que você me odeia, e tá tudo bem se sentir assim. — Ele olha para
os pés. — Entendo que esteja com raiva de mim. Você cou, tipo,
condicionado a enxergar maldade em cada palavra minha. Sinceramente, eu
também caria bravo se fosse você. Não tem nada que eu diga que possa
mudar isso.
O farol de um carro joga a luz sobre nós dois e ofusca minha visão. Desvio
o olhar para o restaurante em que Nico e Jesús pegaram uma mesa do lado
de fora. Consigo sentir a atenção rme dos dois em mim, o que me
tranquiliza. Não acho que vou precisar de ajuda, mas é bom saber que tenho
a quem recorrer.
— Eu te machuquei, você me odeia… — Raul continua. — Se é assim
que as coisas são…
— E essa conversa é o quê, Raul? Seu arco de redenção? Você quer que
eu tenha pena de você?
Ele afasta a franja na testa. Há uma pequena linha de sangue seco ali, mas
não faço questão de avisá-lo.
— Quero me desculpar.
É impossível cair na lábia desse novo Raul arrependido. Talvez, se ele não
tivesse me agarrado na escada, eu poderia ceder ao benefício da dúvida…
mas o jeito como me segurou mudou tudo. Foi no calor do momento, sem
que tivesse tempo de premeditar nada. E são situações assim que revelam as
reais intenções de alguém.
Pessoas mudam, aprendem com seus erros, e, se estão realmente dispostas,
tentam melhorar. Mas eu não nasci ontem. É muito conveniente da parte de
Raul ressurgir das cinzas tal qual um cavaleiro montado em um unicórnio
erguendo uma bandeira da paz.
Na época em que estávamos juntos, Raul não poupava comentários
escrotos sobre mim, mesmo na frente dos meus amigos e de outras pessoas.
Na verdade, parecia gostar de plateia. Uma vez, ele disse para o Lucas que a
bolsa de iniciação cientí ca que eu batalhei para conseguir não era grande
coisa comparada à sua própria vida acadêmica.
Em outra, enquanto andávamos numa loja de departamentos, falou na
frente da vendedora que eu estava gordo demais e precisava perder alguns
quilos se quisesse car bonito com a roupa que estava experimentando.
Fiquei completamente sem graça na frente da garota, que baixou o rosto e se
afastou.
No entanto, o pior foi no dia em que contei a ele que viria para
Barcelona. Eu estava tão feliz. Ana, Thamirys, Lucas e Pierre tinham
celebrado aquela vitória comigo. Era o meu maior desejo se tornando
realidade, e Raul sabia disso.
Só que em vez de vibrar pela conquista, Raul apenas me olhou com
desdém e disse:
— Acho que a Europa não é pra você. Tem certeza que vai?
Fiquei sem chão. Se ele me amasse de verdade, teria pulado de alegria.
Mesmo confuso com nosso futuro, me parabenizaria.
Quando realmente se ama alguém, você não faz essa pessoa se sentir
indigna dos próprios sonhos.
— Por que não se candidata pra uma faculdade na Colômbia? Ou sei lá,
faz algo em São Paulo mesmo? — ele acrescentou casualmente, a voz
inabalável. — É muito mais barato car por aqui.
Eu sequer conseguia sentir raiva. Tudo que sentia era… decepção. Me
senti arrasado, completamente desmerecido. Era a con rmação de que passei
meses me doando e entregando meu coração a alguém que jamais se
importou.
Nocauteado na cama de Raul, eu tentei mais uma vez:
— Amor, não ouviu o que eu disse? — perguntei. — Passei no Ciência
Sem Fronteiras! Fui aprovado em uma das melhores universidades de
Barcelona. Não tá orgulhoso do seu namorado?
Quando ele nalmente tirou a atenção do celular e me encarou, pensei
que seria o momento em que cairia na real e me tomaria em seus braços.
— Legal, Eric — ele disse, apenas. — Dá pra trazer um pouco de água
gelada pra mim da cozinha? Tô com sede.
Ao olhar para trás, tenho plena consciência de quão ingênuo fui. Não
queria aceitar que Raul não me amava. Admitir que nosso relacionamento
estava condenado signi cava reconhecer que o conto de fadas construído na
minha cabeça não passava disso: uma invenção.
As mentiras que contamos a nós mesmos são mais perigosas do que as
contadas pelos outros.
Respiro fundo, deixo as memórias se dissiparem. Pelo menos não está frio.
Ter essa conversa com ele no inverno seria insuportável.
— Ensaiei tantas vezes o que diria se te encontrasse de novo. A maneira
como z você se sentir… — Raul prossegue com a voz vacilante. Fita o
chão, a testa contraída. — Eric, sinto muito por ter agido tão mal. Você me
amou com todo o coração, e eu te tratei de forma horrível, no passado e
naquela hora na escadaria também. Você não merecia, nunca mereceu.
Mantenho o olhar xo na aldrava de bronze na porta do prédio do outro
lado da rua.
— Espero que um dia possa me perdoar — Raul murmura.
— Por que precisa tanto do meu perdão?
— Porque eu também te amei.
— Será que me amou mesmo? Tem certeza que era amor?! — Deixo a
chama da raiva explodir dentro de mim, os braços erguidos. — Você acabou
com meu amor-próprio, sempre me fez sentir insu ciente! E isso é o oposto
do que uma relação saudável deveria fazer! Nunca vibrou ou cou feliz pelas
minhas conquistas! E agora que estou nalmente conseguindo me divertir,
que conheci dois caras incríveis, você resolveu aparecer de novo e é incapaz
de me deixar em paz!
Raul se contorce. Busca palavras, abre a boca, fecha. E então solta:
— Eu te amei de verdade, Eric.
Palavras… É fácil usá-las para manipular. Escolha-as com cuidado, mova-as
entre os dedos, brinque com elas, até conseguir o efeito desejado. Até
encontrar alguém disposto a engoli-las.
Não con o em Raul. Porra, o que ele acha? Que basta pedir desculpas e
tudo vai car bem? Que as memórias horríveis serão apagadas? Que as
violências serão esquecidas? Na vida real, não é assim que funciona.
Só que também não quero carregar comigo o peso da raiva, conservar
Raul na minha vida nem mesmo para odiá-lo. Não. Não posso. Fui eu quem
abriu as portas da minha vida para ele. Somente eu posso fechá-las.
Sei que não preciso perdoá-lo, mas, para seguir em frente, é isso que eu
vou fazer.
Não por ele.
Por mim.
Eu volto a encarar a primeira pessoa a quem me entreguei de corpo e
alma e percebo que tinha erguido vários muros desde que terminamos. Eu
me fechei, não deixei que outras pessoas se aproximassem. Parei de con ar
plenamente nos outros porque, da última vez que me abri, quei tão
machucado.
Logo quando me sentia mais seguro para ser quem sou, apareceu alguém
na minha vida para refazer os caminhos de abuso que sofri do meu pai. Foi
isso que Lucas me disse uma vez, e eu não quis ouvir. Disse que eu estava
reproduzindo com Raul a mesma dinâmica do relacionamento com o
homem que me criou.
A ferida que permanece no meu coração desde o dia que saí do quarto de
Raul em Natal segue aberta. É hora de pegar agulha e linha e fechar os
pontos, mesmo doendo — e como dói. Nunca vou deixar o que aconteceu
comigo se repetir.
Quando decido perdoar Raul, é de mim que estou cuidando. A última
coisa que eu quero é me agarrar ao ódio e ao ressentimento, não me permitir
virar a página para os novos começos que Jesús e Nico provaram estar à
minha espera.
Estou pronto para abandonar o pesadelo que foi nosso relacionamento.
Estou pronto para tirar de Raul o poder que ele tem sobre mim.
Estou pronto para deixá-lo no passado — não como algo esquecido, mas
como um aprendizado.
E se não con o em Raul, sei em quem con o.
Con o no Universo.
O Universo sabe o que faz.
Quem chega, quem entra, quem sai.
A nal, quais eram as chances de encontrar meu ex hoje à noite, na
Acrópolis, a um mundo de distância do lugar onde nos conhecemos? Se
existe um motivo para termos nos reencontrado, é para nalmente encerrar
esse ciclo e abrir caminho para um novo.
— Escuta, Raul. Quando me liguei no que nosso relacionamento se
transformou, não quis acreditar. Me esforçava para ver só o lado positivo e
fugia das sombras. Acontece que, mesmo que a gente as ignore, nossas
sombras não vão embora. Se não jogamos luz sobre elas, nos seguem,
machucam.
Endireito a coluna e faço questão de olhar diretamente em seus olhos.
— O que mais me doeu não foi só você ter sido abusivo. Foi perceber que
eu não consegui escapar dessa realidade, que acreditei que merecia ser tratado
daquele jeito. Eu não odiei apenas você, mas a mim também. E era isso que
eu não podia tolerar.
— Eric…
Lágrimas rolam pelo rosto de Raul, mas o curioso de tudo é que eu não
estou chorando. Não me sobraram lágrimas para lamentar pelo nosso
relacionamento.
— Então, antes de você ir, saiba que fechei essa porta entre a gente para
sempre. Você e eu — digo, mantendo a voz rme — não vamos nos
encontrar de novo. Entendeu? Nunca. Nunca mais.
Raul limpa as lágrimas com o dorso da mão.
— Posso te abraçar?
— Não — falo, simplesmente. — Não pode.
Ele assente e levanta, resignado. Já cumpri o desejo do Universo. Dentro
de mim, sei que o perdoei, mas Raul não merece ouvir essas palavras. Nada
mais precisa ser dito.
— Te desejo tudo de melhor, Eric.
— Valeu. Pra você também.
Raul ca parado na minha frente quando nos levantamos. Acho que
espera algum gesto. Um aperto de mão, uma batidinha nas costas… Se é isso,
vai car sonhando.
— Aliás, ainda penso em você quando escuto a Gaga — diz.
— E você arruinou Marina & The Diamonds pra mim.
— Ah, não. Ela não tem culpa de eu ter sido um otário. — Raul solta
uma risada, mas sente dor por conta do machucado no nariz e se encolhe. —
Bom, então vou nessa. Foi… hum… legal te encontrar aqui, não esperava…
— Tchau, Raul — eu o interrompo, e o silêncio é de nitivo.
De pé na calçada, observo Raul se distanciar. Conforme se apequena no
meu campo de visão, andando com di culdade, imagino que ele também
reduz em meu peito e se desintegra aos poucos, minúsculo. No meio do
caminho, ele para e olha na minha direção antes de entrar num táxi.
Compreendo que essa é a última vez que o verei.
O carro vira a esquina e desaparece na Carrer de la Diputació.
Sinto alívio. Alívio, e um novo sentimento.
A certeza de que essa história acabou e que meu coração está livre para
amar novamente, sem medo.
Por mim.
Porque eu mereço.
12
A noite do fogo

Depois que Raul vai embora, comemoro.


O ponto- nal colocado nessa história me eletriza. Primeiro, respiro fundo,
ainda sem acreditar. Depois, sou devorado por uma vontade incontrolável de
viver. Um sorriso insistente se exibe na minha boca, leve e honesto como
não sentia há meses.
Busco Nico e Jesús no restaurante. Digo que está tudo bem agora, e a
felicidade estampada em meu rosto os convence.
Voltamos para a Acrópolis, onde aproveitamos para dançar e nos beijar
mais. Eu me liberto na pista de dança, e, quando Cher pergunta se acredito
em vida após o amor, eu berro alto que sim, pois já desvendei a resposta, fui
ao fundo do poço e escalei meu caminho de volta.
Canto aos berros cada música, me sentindo em paz comigo mesmo —
especialmente depois que o  manda um hit da Gaga após o outro.
Sou o Eric que piruetava pelo quarto, o Eric que sonhava acordado com
um palco colorido em que pudesse subir sem medo e mostrar exatamente
quem era, o Eric que acreditava no amor antes de ter seu coração pisoteado.
Ninguém tira esse momento de mim.
Às três da manhã, Jesús me puxa de lado e faz a proposta que muda o
rumo da noite.
— E se a gente for embora? — ele sussurra no meu ouvido, o hálito
etílico.
— Já? — Pisco. — Não sei se quero ir pra casa.
— Pra sua, não. — Umedece os lábios e sorri, maroto. — Para a minha.
Esse é um convite bem interessante.
— Ah. Pra sua casa.
— Com o Nico — Jesús acrescenta.
— E você quer que eu vá, tipo, com vocês?
Ele revira os olhos e dá um tapinha no meu braço.
— Me encantaría que vinieras dormir con nosotros. Minha cama é espaçosa, e
meu guarda-roupa é seu, se quiser se trocar depois.
— Jesús, eu…
— Não vamos dormir logo — ele continua, sem deixar que eu
interrompa. — Só quero dar uma passada lá para nos trocarmos e irmos à
praia em seguida, se você quiser.
Então nada de outras coisas?
— À praia? — Franzo o cenho. — Não é meio tarde?
— É noite de São João, a verdadeira festa é em Barceloneta. E o voo do
Nico é à tarde. Podemos ver os fogos e o nascer do sol na praia. É uma noite
mágica. Não sei onde estaremos no ano que vem nesta época — Jesús baixa
a voz, praticamente murmurando —, mas sei que quero aproveitar o agora
com você.
Eu o encaro. Ele tem um olhar carregado de promessas, tão charmoso e
certo do que quer — de que me quer. Com o passar da noite, só me senti
mais próximo dele. E por mais que esteja adorando o rolé na Acrópolis, ele
tem razão. Ir à Barceloneta ver o sol raiar seria incrível.
Finalmente, concordo com a cabeça.
— Que bueno que vienes. — Satisfeito, ele se inclina e me dá um beijo. —
Vou chamar o Nico. Me espera aqui, já volto.

Na festa de São João, Barcelona é uma cidade viva mesmo depois da meia-
noite. Sinto um pouco da magia do Carnaval que perdi ao deixar o Brasil em
janeiro, antes da folia começar, e essa sensação me enche de alegria. Pessoas
lotam as calçadas, e quem não está nas ruas ocupa as varandas e os terraços
das residências, muitas delas com bandeiras da Catalunha — bem diferentes
da espanhola — hasteadas nas sacadas.
— Os catalães chamam a data de Nit del Foc — Jesús diz com uma
pronúncia perfeita.
— Noche del Fuego? — traduzo.
— Isso.
Pensei que pegaríamos um táxi, mas Jesús disse que morava ali perto e
seguimos andando. Ele explica cada detalhe da comemoração durante o
percurso. Na Nit del Foc, existem três elementos principais: o fogo é a
puri cação e a renovação, por isso as diversas fogueiras acesas pela cidade; a
água simboliza a cura; e as ervas representam o remédio. Alguns acreditam
que, na Noite do Fogo, as ervas medicinais são muito mais poderosas, por
isso muita gente sai em busca delas durante a celebração.
Também conversamos sobre outros assuntos. Jesús está ansioso para a
viagem ao Brasil. Vai em setembro por cinco meses e Nico planeja visitá-lo.
Faço a maior propaganda do Nordeste e ofereço meu quarto em Natal como
hospedagem.
Nico me enche de expectativa em relação a Florença. Ele vai tocar num
concerto em um museu da cidade quando eu estiver por lá, e me quer como
convidado de honra. Fico surpreso ao descobrir que sua carreira de pianista
está deslanchando. Nico tem apresentações marcadas durante todo o verão
em um importante circuito europeu que vai de Oslo a Praga, além de estar
no meio das gravações do seu primeiro álbum com composições próprias.
Guiado pelos dois, nunca estive tão à vontade em Barcelona. Mais uma
vez, a cidade me deixa embasbacado. A Plaça Catalunya está repleta de
pessoas que esperam por transporte público ou simplesmente caminham.
Lentamente, deixamos o Eixample e acessamos a área mais icônica de
Barcelona, o Bairro Gótico.
A transição é gradativa: os prédios envelhecem e a arquitetura revela
gárgulas e estruturas re nadas. Quando chegamos à Pla de la Seu, a Catedral
de Barcelona salta aos olhos. Um grupo de skatistas fuma na escadaria, e
alguns turistas aproveitam a caminhada noturna para tirar sel es bem em
frente à Catedral, com suas torres pontiagudas e formas triangulares.
Em seguida pegamos a ruazinha estreita junto ao museu Frederic Marès.
— Esse é o caminho pra sua casa? Você mora no Bairro Gótico?
O sorriso que Jesús me dá é simplesmente estonteante.
— Gosta daqui?
— Para, é o meu lugar favorito de Barcelona! — digo, empolgado. — Eu
e meus amigos tentamos encontrar um apartamento na região, mas não
achamos na época.
Caminhamos por mais três minutos. A iluminação vem de lampiões
antigos xados nas muralhas de pedra. No meio dos labirintos do bairro, a
sensação é de que viajamos no tempo. Chegamos à parte traseira da Catedral
e, de lá, viramos em uma esquina ainda mais estreita.
De repente, paramos.
— Jesús, seu apartamento ca no Templo de Augusto?
Arregalo os olhos e ele solta uma risada.
— Tecnicamente, ca atrás do templo. A essa hora está fechado, por isso
não consigo te mostrar, mas da janela do meu quarto tem uma vista direta
para lá.
Por um momento penso que Jesús pregou uma peça, mas não é o caso.
Escorado na janela do seu apartamento, vejo as ruínas de um templo
romano construído no século  a.C. Foi um dos primeiros lugares que visitei
quando me mudei para Barcelona. É um ponto turístico até que secreto;
nem todo mundo sabe da existência desse templo dedicado ao imperador
César Augusto.
— Parece que você gostou — diz Nico, se empertigando atrás de mim na
janela.
— Com certeza. Olha pra isso, Nico!
Ele passa a mão pela minha clavícula.
— Na primeira vez que Jesús me trouxe aqui quase não acreditei.
— É incrível.
Escondidas em um pátio cercado de paredes azuis e verdes, as quatro
colunas preservadas do antigo templo cam no meio da cidade. Quando
soube pelo meu guia que pessoas realmente moravam ali ao redor, quei
chocado. Estar na casa de Jesús e comprovar com meus próprios olhos me dá
a sensação de que não sou um mero espectador da história, mas parte viva
dela.
Eu me viro para Nico, que já está sem camisa. Jesús foi à cozinha pegar
água. O italiano e eu camos sozinhos no quarto espaçoso e repleto de livros
do an trião, a mala de Nico debaixo de uma escrivaninha e uma enorme
bandeira da Andaluzia no alto da parede onde ca a cama de Jesús.
— Dá para acreditar que os romanos construíram isso há tanto tempo? —
pergunta Nico. Ele desvia o olhar para observar o templo.
— Eles tiveram um grande império — digo. — Mas também foram
cruéis.
— Criaram monumentos que duram até hoje.
— Os gregos também, e a mitologia deles é mais legal.
Nico morde o meu pescoço.
— Desrespeitando meus ancestrais, Eric?
Circulo seu piercing com a ponta do dedo.
— Então você e Jesús já… dormiram juntos… aqui, praticamente dentro
do Templo de Augusto.
Seus olhos cam ainda mais escuros quando me encaram novamente. Com
a ponta do dedo indicador, traço a tatuagem de uma clave de fá acima da
sobrancelha.
— Ah, Eric. — Um suspiro sacana. — Sim, muitas vezes.
— E não achou estranho?
— Estranho o quê?
— Sei lá, Nico. Transar com Jesús em solo sagrado.
Ele dá um tapinha na minha bunda.
— Minha mãe enlouqueceria se soubesse disso — ele diz. — Do meu
lance com Jesús.
— Por quê?
— É extremamente católica e conservadora. Me acusaria duplamente de
blasfemar Jesus.
O espanhol volta com duas toalhas limpas em um braço e uma jarra de
água no outro, bem a tempo. Se é surpreendido por Nico sem camisa
praticamente me prensando contra a parede, não deixa transparecer.
— Ouvi meu nome — diz, jogando as toalhas na minha direção. Eu pego
as duas no ar, sentindo o algodão macio entre os dedos, e rapidamente
entrego uma para Nico, que a deixa despreocupadamente sobre o ombro.
— Errado, a gente tava falando do seu homônimo famoso — respondo.
— Ah, o cara lá de cima? — Ele aponta para o céu.
— Esse mesmo.
— Todos pensam que, por ter esse nome, sou um santo. Ou deveria ser.
Jesús balança a cabeça; um sorriso leve brinca em seus lábios.
— Isso a gente sabe que não é verdade — murmuro.
Jesús arqueia uma sobrancelha e senta na beirada da cama; as botas rangem
levemente contra o assoalho de madeira. Ele as descalça e as coloca com
cuidado ao lado da cama. Quando termina e nos ta, os olhos brilham com
malícia.
— Bom, vou tomar banho e lavar o sangue do seu ex de mim, Eric — diz
como se fosse uma tarefa rotineira.
Envergonhado, escondo o rosto com as mãos.
— Desculpa. Ninguém merece.
— Não é sua culpa. — Jesús dispensa minha preocupação e foca em Nico,
que está atrás de mim com os braços cruzados. — Foi Nicolò quem…
— Dai, eu estava pedindo vocês em namoro! — o italiano interrompe. —
E Eric partiu meu coração dizendo que aceitaria meu amor apenas por uma
noite!
Jesús tira a camisa. Não consigo evitar que meus olhos acompanhem sua
pálida pele nua, seguindo até a tatuagem no lado direito do peito: um círculo
com a Árvore da Vida, passarinhos voando na direção dos ombros. É um dos
meus símbolos favoritos; já pensei em tatuar no pulso, mas ainda não tive a
chance.
— Vou entrar agora. — Ele aponta para o banheiro da suíte, e então tira a
calça sem quebrar o contato visual, cando pelado sem nenhum pudor.
Ao entrar no banheiro, Jesús deixa a porta aberta, um claro convite. Ouço
o barulho da água caindo no box. A velocidade do meu coração dá um salto;
o uxo sanguíneo se agita.
Nico dá um beijo suave no meu pescoço.
— Também vou para o chuveiro — ele sussurra, então se afasta e se despe
rapidamente.
Seus músculos retesam sob a pele enquanto ele se livra da calça e da cueca.
Diferente de Jesús, faz uma pilha com as peças e as joga de qualquer jeito em
cima da mala. Parado na soleira da porta, seu corpo esguio na contraluz,
Nico apoia o antebraço na parede e diz:
— Por que não se junta a nós? Tem espaço de sobra para três.
E então o lho da puta dá um sorrisinho malicioso e desaparece dentro do
banheiro, a bunda contraindo antes de desaparecer.
O antigo eu hesitaria, caria escondido sob as cobertas com medo de ser
visto, esperando pela escuridão para nalmente se soltar. Silencio minhas
inseguranças com um grande foda-se, tiro a roupa e me junto a eles no
banheiro.
Vapor espirala, e o som da água escoando pelo ralo não abafa as risadas dos
meninos.
— Permiso — eu digo.
Jesús abre a porta do box imediatamente.
— Oi. Bem-vindo.
Ele está bonito, a pele avermelhada por causa da água fervente. O cabelo
loiro está jogado para o lado. Reparo nas sardas que cobrem seu corpo, nas
estrias esparsas na região da bunda, os pelos praticamente inexistentes.
Tantos minúsculos sinais pincelam a pele de Jesús. Em espanhol, são
chamados de “lunares”. Não tem como não pensar na lua ao vê-lo assim,
radiante.
— Que bom que decidiu se juntar a nós. — Ele estende a mão para mim,
e eu a aceito. Os olhos me escaneiam de cima a baixo e, em seguida, voltam
para os meus lábios.
Jesús gosta de olhar para a minha boca. E sei que também gosta de beijá-
la.
Entro no box. Nico está virado para a parede, os bíceps contraídos
enquanto lava o cabelo; os músculos das costas ondulam quando esfrega a
parte de trás da cabeça. Noto uma marquinha de bronzeado que não reparei
antes.
— Nicolò — pede Jesús, o corpo bastante próximo ao meu. — Dá espaço
pro Eric também. — E então, abaixando o tom de voz: — É bom ter vocês
aqui comigo. Parece certo.
Nico salpica água em mim ao girar. Não me surpreende vê-lo já excitado.
O corpo molhado se insinua contra o meu; a boca roça em mim quando
passo por ele para car embaixo do chuveiro.
— Porra, tá muito quente!
— O Jesús só gosta assim.
Sinto um choque térmico com a água escaldante. Demoro alguns
segundos para me acostumar com a temperatura, aumentando um pouco o
uxo gelado para neutralizá-la.
— Tem sabonete? — pergunto a Jesús.
— Aqui. — Ele se adianta para fazer as honras. As mãos deslizam pelo
meu corpo e me ensaboam com carinho.
Há desejo e afeto em seu toque; um arrepio me atravessa quando
massageia a curva da minha cintura sensualmente. Nico ca observando, as
próprias mãos percorrendo seu corpo enquanto observa a cena.
Acontece sem ninguém precisar dizer nada. Não sei quem dá o primeiro
passo, se Nico, Jesús ou eu. Apenas sei que, de repente, nos abraçamos e nos
beijamos, corpos nus em meio à água morna, mãos que provocam a
intimidade um do outro, exploram novos limites.
E há uma urgência entre nós que não senti antes, nem mesmo quando
nalmente nos beijamos na pista. Lá, descobríamos o que aquele momento
signi cava para nós, como funcionaríamos em um trio.
Agora? Agora é poesia — cadência perfeita, rápida e intensa, entre nós.
O espaço no banheiro se torna muito pequeno para o que queremos fazer,
então saímos pingando do chuveiro. Enxugamos um ao outro aos risos
enquanto seguimos para o quarto.
Meu corpo é o primeiro a cair no colchão quando Jesús me joga na cama
e monta em cima de mim. Sinto o sangue pulsar da cabeça aos pés; cada bra
do meu ser responde a ele e a Nico, que, deitado, mordisca meu mamilo,
puxa-o entre os dentes.
Perco o controle por um momento.
Adoro o caos que se segue, me divirto sem saber o que vai acontecer em
seguida.
A surpresa quando eles me beijam e me beijam e me beijam ainda mais.
Nico, me tocando como se eu fosse seu piano, os dedos longos e calosos
sabendo perfeitamente o que fazem, o peito de nido que sobe e desce com a
respiração ofegante.
Jesús, dominando a diplomacia, orquestra nossas posições, indica aos
poucos o caminho se não sabemos em que direção prosseguir.
Con denciamos carícias, minhas mãos traçam o peitoral de Jesús, as dele
descem pela minha virilha, a boca de Nico resvala minhas costas…
Jesús cobre a extensão de todas as partes que Nico não acessa.
Depois de fazermos tudo que podemos com bocas e dedos, Jesús se afasta
e abre a gaveta da mesa de cabeceira. De lá, tira um tubo de lubri cante e
mais duas camisinhas. Ele repassa um preservativo para mim, e deposita o
outro na de Nico. Em seguida, liga o pisca-pisca amarelo xado à parede, e
abre o Spotify no celular. “Same Ol’ Mistakes”, do álbum ANTI, começa a
tocar baixinho. Nos imagino em um ângulo diferente, as luzes nos
enquadrando na cama do espanhol com a bandeira da Andaluzia ao fundo.
Nunca z o que vamos fazer agora — nunca estive com mais de uma
pessoa ao mesmo tempo —, e a dúvida deve car evidente em meu rosto, na
respiração ofegante e entrecortada, no suor que verte sem trégua.
— ¿Te sientes cómodo estando en el medio? — a pergunta parte de Jesús.
— Sí — respondo com o olhar xo nele.
— Bien. — Ele sorri. — Y si necesitas parar en algún momento…
Balanço a cabeça antes que ele possa concluir a frase.
— No creo que lo haga.
— Yo tampoco.
— Y si te hago daño, Jesús… — Eu faço uma pausa enquanto o encaro,
sério. — Dime, ¿vale?
— Solo intenta ir despacio.
— Prometo.
Ele corre a mão por minhas tranças.
— Tú también, Nico — Jesús o adverte, cuidando de mim. — Despacio.
O italiano sussurra em concordância, põe o queixo no meu ombro e se
inclina para beijar o outro garoto. Estamos mais próximos do que nunca,
cada centímetro de pele conectada.
Conforme os dois se beijam, tento abrir a embalagem da camisinha, mas
me atrapalho. Meus dedos tremem.
— Deixa comigo, bello — Nico murmura. Abre a minha, joga a
embalagem no chão e põe a camisinha em mim. Estremeço ao sentir a mão
dele encaixando a proteção. — Listo.
Nico, já ensopado de suor, é sólido como diamante. A parte posterior das
coxas se choca contra o meu quadril, e ele usa as mãos para abrir minhas
pernas um pouco mais. Jesús despeja lubri cante na palma estendida de
Nico, depois o aplica em mim, e em si mesmo.
A expectativa no ar é quase palpável. As luzes douradas que Jesús acendeu
piscam cada vez mais rápido, dando ritmo ao nosso uxo veloz. Banham as
costas de Jesús, com a bunda empinada pronta para me sentir.
Acontece tudo ao mesmo tempo: eu, dentro de Jesús; Nico, dentro de
mim. Gemidos arranham nossas gargantas e se juntam à música abafada.
A única forma de não gritar e acordar a vizinhança nos arredores do
Templo de Augusto é mordendo a pele de Jesús. Puxo seu cabelo para me
distrair do terremoto em meu peito, fecho os olhos enquanto Nico vai cada
vez mais fundo, devagar, com cautela.
Dói no começo, mas depois me acostumo — depois imploro por mais,
incerto da capacidade de voltar a uma realidade em que não estou sentindo o
que sinto agora, perfeitamente em casa entre os dois.
Entramos em um ritmo só nosso. Nico massageia minhas costas, me beija,
dá tapas na minha bunda quando o ritmo acelera. Ele segue com
movimentos amplos, indo o mais profundamente que pode e em seguida
recuando, sem nunca me deixar. E eu mostro a eles o que sei também, a
ginga do meu rebolado em meio aos gemidos de Jesús…
Não há um centímetro meu que não seja explorado pelos dois.
Esquecemos os planos de ver o nascer do sol na praia, esquecemos que ainda
existe um Universo fora deste apartamento e, na cama, brincamos de amar.
Invertemos papéis — Nico de quatro enquanto eu assisto Jesús provar do seu
gosto. Testamos estratégias novas que nunca julguei possíveis, Nico e eu ao
mesmo tempo dentro de Jesús, nos beijando enquanto ele geme e agarra o
travesseiro ao alcançar o êxtase. Em seguida temos o nosso, em sincronia,
desabando nos lençóis ensopados de suor, o mundo turvo, sinestésico.
— La mejor manera de empezar el verano, ¿no? — Jesús ofega e ri ao limpar o
peito molhado com a toalha.
— Sim — Nico sussurra. — Eu e meus namorados.
Nós três caímos na gargalhada. A Nit del Foc faz jus ao seu nome, a
madrugada tão quente no quarto que o resto do álcool em meu corpo
evapora. Naquele instante, sei que é o começo.
O verão da minha vida não é amanhã ou depois.
É hoje.
Aqui e agora.

Acordo um tempo depois com uma voz sussurrando meu nome. Por um
instante, esqueço completamente onde estou ou como vim parar aqui.
Então, vejo o rosto de Jesús, a boca dele próxima à minha, e a realidade me
atinge.
— ¿Eric? ¿Estás despierto?
— Sí — sussurro, sonolento e um tanto desnorteado. — ¿Qué pasó?
— Tuve um sueño.
Me ajeito para encará-lo melhor.
— ¿Una pesadilla?
Ele nega. A intensidade do sonho relampeja em seu rosto suado. Ao lado,
Nico ronca baixinho, a perna parcialmente entrelaçada à minha, o ruído
constante de um ventilador compondo a trilha sonora do nosso sono.
— No, no era malo. — Seus olhos estão carregados pela urgência. — Mas,
Eric, não era um sonho para mim. Era para você.
— Pra mim? — pergunto. — Você lembra de alguma coisa?
— Era numa praia. Cala Waikiki, em Tarragona. É uma cidade perto
daqui. Estive lá no verão passado — ele murmura, depois se apoia no
cotovelo. — Eric, não sei explicar direito, mas sinto que você precisa ir a esse
lugar.
— Por que você acha isso?
Jesús hesita, como se procurasse as palavras certas.
— No sonho, você… — Jesús franze a testa com força, tentando recordar.
—Parece que tem uma coisa te esperando lá. Algo que você tem procurado,
alguém importante. Eu só vi uma silhueta, mas havia essa voz na minha
cabeça me dizendo que você precisava estar lá, para te avisar.
Meu corpo inteiro se arrepia.
— Acha que alguma coisa ruim vai acontecer comigo?
— Não parecia um mau presságio. Parecia… — Ele se cala. Depois, os
vincos em sua testa relaxam. — Parecia algo muito bom.
— Tarragona — repito. O nome não me é completamente estranho. De
repente, eu me recordo onde o escutei antes. Em uma aula da faculdade, um
professor comentara sobre um an teatro romano localizado lá.
— De trem, ca perto de Barcelona — Jesús diz. — Você pode passar um
dia lá antes da sua viagem à Itália. Eu te ensino como chegar.
— Por que não vem comigo?
— Não. É algo que você precisa fazer sozinho.
Respiro fundo ao ouvir aquelas palavras. Ao meu lado, Nico se mexe, mas
não desperta.
— Você costuma ter sonhos assim, proféticos?
Jesús alisa meu rosto. O dedo trilha o caminho desde minha bochecha até
o couro cabeludo entre as tranças.
— Às vezes. E eles geralmente viram realidade. — Ele tapa a boca com a
mão ao bocejar. — Vamos dormir mais um pouco? Quando acordarmos,
conversamos melhor sobre o sonho.
Eu assinto. Dou um selinho em Jesús e o agradeço por me contar sobre o
sonho. Faço um registro mental desse momento, do corpo quente e desnudo
se enroscando contra o meu ao se ajeitar na cama, a bunda encaixando em
mim como uma peça de quebra-cabeça…
E então, depois que já fechei os olhos e quase adormeci outra vez, Jesús se
agita de novo.
— Eric, lembrei de uma coisa.
— Fala — digo, ainda sem abrir os olhos.
Não sei se estou acordado ou dormindo, se isso faz parte do sonho ou da
realidade.
— É às 15h15. É nesse horário que você precisa estar na praia.
— Por que 15h15?
— Eu não sei, mas é importante.
— Quando acha que eu devo ir?
— Quando você estiver pronto.
— Hum. — Eu beijo a nuca de Jesús e suspiro. — Gracias, Jesús.
Epílogo

CALA WAIKIKI, TARRAGONA

Não tenho certeza do que estou esperando.


Caminhei por mais de duas horas até chegar na praia do sonho de Jesús. E
é mesmo paradisíaca: uma enseada secreta rodeada por árvores frondosas e
montanhas de calcário amarelo, as águas claras do Mediterrâneo se chocando
contra pedras esparsas na areia, uma visão idílica no verão europeu.
Sentado com as pernas cruzadas em uma canga com o desenho do Morro
do Careca e o mar de Natal, to o horizonte e depois olho o relógio no
pulso.
15h.
Só mais quinze minutos até o horário que o espanhol sussurrou para mim
em sua cama antes de voltar a dormir.
E se nada acontecer?
E se ninguém importante aparecer no meu caminho?
Mesmo se nada acontecer, terá valido a pena.
Esse lugar é fantástico. Segui as instruções de Jesús e, três dias depois da
noite em que exorcizei meu fantasma, antes de começar a minha viagem pela
Itália, vim a Tarragona. A viagem de trem foi incrível, desvendando aos
poucos a Costa Dourada, como se chama essa zona da Catalunha. Passei por
algumas das praias mais lindas que já vi, que se estendiam no rápido intervalo
antes de desaparecermos em túneis estreitos.
A arquitetura de Tarragona também é linda, distinta do modernismo de
Barcelona. Com mais de dois milênios de história, seu passado esplendoroso
se expõe nas ruínas romanas, das muralhas ao an teatro com vista para o mar
azul-turquesa. Peguei um hostel no centro histórico e, às doze, logo depois
de almoçar, parti na minha missão.
Fui de ônibus do centro de Tarragona até a metade do percurso. Me guiei
pelo Google Maps e só vez ou outra pedi informações a estranhos na rua
para con rmar. Da parada, segui a pé pela praia até escalar o início de uma
encosta irregular e adentrar uma trilha em meio à vegetação. Praticamente
não cruzei com ninguém; me deliciava com o sentimento de estar só,
apaixonado pela cor do céu vibrante do verão, os rápidos descansos na mata
quando ela se abria e revelava uma vista especial do mar.
Cala Waikiki en m se apresentou em uma brecha no meio dos pinheiros,
e meu peito bateu acelerado. Conseguia pressentir algo me chamando. Um
lampejo imprevisível de intuição tomou conta. Algo parecia fora de lugar e,
ainda assim, perfeitamente encaixado…
Fui descendo pela trilha até chegar na entrada da praia. Um cartel de
madeira dizia que era uma zona liberada para nudismo. A princípio, quei
ansioso. Não me sentia completamente à vontade para car pelado. Neguei
todos os convites para ir a Mar Bella, a praia de nudismo em Barcelona que
meus colegas de apartamento visitam desde que o sol começou a aparecer.
Eles sempre voltavam com histórias de amores de verão que duravam menos
que um fósforo riscado.
Desde que começaram a frequentar o lugar, ir em uma praia de nudismo
se tornou uma meta pessoal para mim. Queria enfrentar meus medos,
mostrar a mim mesmo que não precisava questionar ou esconder meu corpo.
Jesús não fazia ideia de nada disso, e gargalhei ao ver a placa.
Felizmente, não fosse por mim e mais quatro pessoas espalhadas pela faixa
de areia, a praia estaria vazia. Tirei a roupa e agora estou tostando no sol,
livre como raras vezes antes.
Olho o relógio.
15h10.
Esperar só me deixa ansioso, então decido matar o tempo com um banho
de mar. Coloco os pés primeiro. A água está fria, nada como o calor do mar
de Natal. Ainda assim, insisto e mergulho de uma vez.
Depois que me acostumo à temperatura, é um bom banho. Nado, e dali
aprecio melhor a vista da praia, as falésias amarelas e o paraíso esverdeado que
as rodeia. Agradeço ao Universo por esse momento, por estar vivo, por estar
aqui. Não é só o sonho de Jesús que vivo: é o meu também.
Fecho os olhos e, quando os abro mais uma vez, vejo um clarão dentro da
água, a poucos metros de mim.
Franzo a testa.
O brilho forte mais parece alguém apontando uma lanterna na minha
direção.
Intrigado, nado até lá. Não sou dos melhores nadadores, então não é fácil
encontrar a fonte da luz como pensei que seria. Depois de um tempo
observando, porém, mergulho no ponto que julgo ser correto.
Minhas mãos agarram a areia. Subo à superfície, cuspindo e sacudindo a
água dos olhos. Espero encontrar um tesouro, um diamante lapidado.
Estreito os olhos sob o sol forte. O que encontro é um pedaço de concha,
no e irregular, com a parte rosada do interior reluzindo com madrepérola.
Giro a concha entre os dedos. É tão linda e delicada. Fora da água, não
tem o mesmo fulgor, mas continua sendo um desenho surpreendente da
natureza. Tenho a impressão de que é um presente, e que o levarei comigo
como um amuleto de agora em diante.
Saio da água e sento na canga, à vontade com partes de mim que nunca
foram tocadas pelo sol antes.
Outra vez, busco o relógio.
15h25.
Os 15h15 vieram e foram embora. E se o encontro prometido fosse com a
madrepérola? Talvez seja o Universo conversando comigo através daquele
amuleto, mostrando seu brilho logo após minha prece, como se me dissesse
que não estou sozinho, que o tesouro mais importante é aquele que já
carrego dentro de mim.
Embora seja verdade, vejo que o Universo tem planos maiores. Descubro
isso após sentir vontade de olhar para trás e vê-lo. Sua pele é tão negra
quanto a minha, linda e dourada. Ele veste um calção de praia branco do
qual se livra sem a menor hesitação ao se sentar perto de mim na areia.
Será que é possível olhar para alguém e sentir que já o conhece? Como se
a pessoa sempre tivesse feito parte de mim, sempre existido na minha
história, no fundo da minha alma, apenas esperando para ser anunciada?
Se é possível, aqui está a prova.
Ele carrega um livro em espanhol: Viver en la luz. Abaixo do título, o
nome da autora: Shakti Gawain.
Nossos olhos se cruzam e sorrimos um para o outro.
— Hola — ele diz com um sotaque que não identi co. — ¿Puedo sentarme
aqui?
— Hola — respondo. — Óbvio.
Em alguns minutos, ele perguntará meu nome.
Eu descobrirei o seu — Isaac.
Isaac, que tem os olhos verdes e a pele preta retinta, sobrancelhas e lábios
grossos, e a risada mais linda que já ouvi. Isaac, que só por hoje é mistério,
mas logo se tornará a melhor rotina que já conheci, um companheiro de
viagem inseparável, a pessoa que vai me ensinar a con ar mais uma vez, a
quem devotarei meu coração com mais entrega do que jamais z antes,
escrevendo não só um capítulo, mas um livro inteiramente novo para a
minha história. Isaac, que me enxergará exatamente por quem eu sou, que
entenderá meus medos e dilemas, que os partilhará e me acolherá
plenamente, porque não é alheio a nada que se passa na minha vida; porque
me ama como mereço ser amado.
Aqui é onde tudo começa, e, com a madrepérola em mãos, me dou este
início de presente.
— ¿Cual es tu nombre?
— Soy Eric.
— Isaac — ele diz. — Es un hermoso día de verano, ¿verdad, Eric?
— Sí. Creo que es lo mejor.
Baseado em fatos reais

O ano era 2018. Fevereiro, pleno inverno na Europa.


Três semestres depois de ganhar uma bolsa de estudos, eu nalmente tinha
me mudado para a cidade do Porto, em Portugal. Não falava inglês, não
falava espanhol, mas queria uma coisa: me desa ar — e viver cada segundo
do intercâmbio que tanto batalhei para conseguir.
Logo na minha primeira viagem para Lisboa, fui parar em um hostel gay
chamado My Rainbow Rooms. Saí para almoçar em um café no bairro
Saldanha, perto do Parque Eduardo , com meu an trião, um homem de
meia-idade nascido nos Estados Unidos, mas de família portuguesa.
Ele preferia falar inglês, mas, ao perceber que eu não dava conta do
idioma, manteve a conversa em nosso idioma comum. Contei tudo a ele
sobre os meus sonhos e projetos, em especial um certo livro que começara a
escrever em 2016, e que ainda me enchia de dúvidas, sem saber que, anos
depois, essa mesma história mudaria minha vida.
De cara, meu an trião se solidarizou por mim. Ele me fez um convite. Se
quisesse, eu poderia voltar a Lisboa durante o verão para trabalhar no hostel.
O trabalho era exatamente o que eu buscava: cuidar das redes sociais e fazer
ações de marketing digital. Só havia um porém: para conseguir a vaga, eu
precisava falar inglês.
Foi assim que, depois desse encontro, decidi que não havia tempo a
perder. Entre dates com gringos, leituras, séries e lmes legendados,
conversas inteiras usando Google Tradutor, muita boa vontade e nenhum
medo de passar vergonha, ao longo de cinco meses me joguei na estrada.
Uma das minhas aventuras favoritas nesse período foi Barcelona.
Imagine só: eu havia acabado de fazer uma jornada incrível sozinho
passando por Londres, Oslo, Estocolmo e Copenhague para celebrar meu
aniversário de vinte e dois anos. Mal havia parado no Porto quando
encontrei uma passagem baratíssima para a Espanha e parti.
A essa altura, meu inglês já não era horrível. Eu até dava conta de algumas
conversas interessantes, não tão complexas quanto gostaria. Mas havia
sobrevivido a pelo menos doze países sem usar português nenhuma vez —
uma vitória.
Eu me sentia tão empoderado por minhas recentes aventuras que decidi
me arriscar mais. Foi assim que desembarquei em Barcelona às onze horas da
noite sem ter um lugar para me hospedar.
Nessa época, o Couchsur ng, um aplicativo que nos permite dormir na
casa de outras pessoas sem pagar nada, era meu el escudeiro. Era uma forma
de me conectar com outros viajantes e economizar na hospedagem, que
sempre foi a parte mais cara da viagem para quem sobrevivia na Europa com
250 euros — na época, por volta de 1200 reais. O Couchsur ng tinha me
salvado em todos os lugares onde eu estivera até então, menos, claro, em
Barcelona.
Ninguém me respondia.
Absolutamente ninguém.
Con ando somente no Universo, não entrei em pânico. Aterrissei. A
Ryanair — empresa low cost que usava para fazer essas viagens — atrasou a
entrega das malas. Quando consegui sair do aeroporto, era quase meia-noite
e ainda não tinha lugar para car. O pesadelo de qualquer viajante, certo?
Bem, para mim, não.
No ônibus que ia ao centro da cidade, z amizade com duas portuguesas,
e juntos saímos para comer em um restaurante-bar na Plaza Catalunya.
Tentei contato com mais algumas pessoas no Couchsur ng. Nada. Em
determinado ponto, as meninas seguiram o rumo delas e eu fui atrás do meu,
seja lá qual fosse.
Fiz, portanto, o que qualquer sem vergonha faria nas minhas condições:
comecei a perguntar para outros jovens onde podia encontrar uma boa festa
naquela noite. Arrastando minha mala a esmo por Barcelona, com uma
mochila nas costas e à procura de uma festa, causava comoção por onde
passava, e todos estavam dispostos a me ajudar.
Meu espanhol não era dos melhores, mas, depois de virar uma esquina e
me deparar com duas meninas se beijando, consegui a resposta de que
precisava.
— Chicas, ¿dónde puedo encuentrar una buena esta com música pop y gays?
Elas me olharam com um sorriso piedoso e compartilharam a informação
que eu tanto procurava. Após dobrar a esquina e caminhar pouco mais de
uma quadra, cava uma das boates mais famosas da região. Lá, me garantiram
que não faltariam gays e música pop.
Foi assim que fui parar na Arena, com minha bagagem e a recomendação
das sá cas perfeitas que salvaram minha noite. Na la da boate, enquanto
esperava para entrar, mandei um áudio para um amigo contando minha
aventura — e garantindo à minha mãe que eu estava vivo, contra todas as
expectativas.
Aquelas breves conversas mudariam o rumo da minha experiência em
Barcelona.
Senti uma mão no meu ombro. Ao me virar, me deparei com um
espanhol bonito, mais ou menos da minha idade, que perguntou se eu era
brasileiro. Assenti na hora, surpreso. Em português, ele explicou que ouvira
minha conversa e que amava o Brasil. Seu nome era…
Jesús.
Ele era estudante de relações internacionais, e não estava sozinho: era
acompanhado por um italiano chamado Nico, que apareceu pouco depois.
Nico, pianista que morava em Florença, estava hospedado na casa de Jesús
em Barcelona. Jesús pagou meu ingresso em um ato de pura bondade, e eu
deixei minha mala e mochila no guarda-volumes da boate.
Conversa vai, conversa vem, e quando contei aos dois que não tinha lugar
para car em Barcelona, Jesús ofereceu sua casa. Assim que entramos na festa,
ele e Nico começaram a se beijar, e logo outro cara se juntou a eles. A nal,
por que não? Bebemos e curtimos os quatro. A noite parecia fácil, alegre,
despreocupada.
E foi.
Só que antes das duas da manhã, Jesús e Nico queriam ir para casa com
nosso quarto elemento, um garoto que, honestamente, sequer lembro do
rosto. Eu estava tão animado com a minha primeira festa em Barcelona que
rejeitei a oferta.
Combinamos o seguinte: eles iriam embora e, mais tarde, se precisasse, eu
daria sinal de fumaça e dormiria na casa de Jesús. Na minha cabeça, se nada
desse certo, eu poderia ir a algum McDonald’s procurar alguma solução on-
line, talvez mais uma tentativa com couchsurfers ou um hostel barato.
Depois que Jesús e Nico foram embora, eu me acabei na balada. Enchi a
cara, passeei pelo dark room, fui parar em uma cabine do banheiro com um
espanhol (que depois me mostrou a foto do marido e do lho lindinho, na
maior naturalidade), rebolei ao máximo e até me juntei aos dançarinos para
girar em uma barra de pole dance.
A noite era minha.
Mas o problema de noites como essas é que elas terminam.
Às seis e pouco da manhã, a música parou.
Lembro de me esgueirar pelas escadas e perguntar a uma drag queen:
— ¿Qué pasa, la esta ya acabó? — Isso e, claro, o mais importante de tudo:
— ¿Dónde es el after?
— El after es en nuestras camas, cariño — ela respondeu antes de dar as costas
e sair utuando com suas plumas, a maquiagem já derretida.
Com o sol ainda por nascer, voltei para as ruas de Barcelona suado,
levemente bêbado, com glitter pelo corpo, a boca inchada de tanto beijar,
carregando a mala, a mochila e… ainda sem rumo.
As pessoas já estavam indo embora. Meu celular tinha apenas um por
cento de bateria. Precisava pensar rápido, ou logo dormiria debaixo da
ponte. Ao olhar adiante, vi um grupo de seis outras bichas dobrarem a
esquina. Não sei. Algo em meu peito disse: são elas. Simplesmente saí em
disparada na direção do grupo, arrastando a mala. Desacelerei ao chegar mais
perto, para não assustar ninguém.
Fingi tranquilidade. Fiz como antes, perguntei onde era o after, e ganhei a
mesma resposta. Fiz uma carinha triste e, dessa vez, expliquei minha situação.
Disse que não tinha lugar para car, não tinha ideia de onde ir, e que
estava com fome. Perguntei se sabiam onde eu poderia comer alguma coisa.
Por sorte, eles também tinham larica, e estavam justamente a caminho de
uma padaria ali perto.
Éramos sete. O grupo era composto por quatro amigos do Panamá,
dançarinos que moravam na Espanha havia um tempo. As outras duas bichas
eram peguetes casuais. Lancei meu charme, fui a pessoa mais simpática do
mundo e, quando terminamos de comer (não me pergunte detalhes, não
recordo), o mais sério deles, que me analisara bastante o tempo todo,
perguntou se eu já sabia o que ia fazer.
Obviamente, não.
Ele suspirou, olhou para o lado, então esfregou os olhos, abriu a boca,
fechou…
— Tudo bem, pode dormir no nosso apartamento — disse —, mas só
hoje.
Que. Alívio. Da. Porra.
Eu estava con ante de que Jesús me receberia mais tarde — minha
intuição con ava bastante nele —, então uma parada breve para cochilar
enquanto o garoto não me respondia era tudo que eu precisava. Agradeci,
abracei meu novo an trião, e acompanhei o grupo até o apartamento.
Poderia ser uma viagem qualquer, mas foi meu primeiro tour de verdade
por Barcelona. E foi o melhor, aliás: o apartamento em questão cava na
parte mais central do Bairro Gótico, com uma bandeira do Panamá
pendurada na janela em meio aos prédios com uma das arquiteturas mais
fascinantes que eu já vira.
Minha sorte era inacreditável. Ganhei um sofá, cobertores e uma garrafa
d’água — mais do que o su ciente. Me ajeitei, agradeci ao Universo, dormi
e só saí da casa dos meus anjos da guarda panamenses ao m da manhã,
quando Jesús me enviou uma mensagem dizendo que eu podia ir para o
apartamento dele, não muito longe dali.
Meu reencontro com Jesús foi exatamente como premeditei.
No m das contas, passei três dias na casa dele junto com Nico. Pre ro
não entrar em detalhes sobre o que aconteceu — se você leu este livro, já
deve ter uma ideia. Não con rmo nem nego nada, e meus advogados estão a
postos caso me questionem.
Foi Jesús, inclusive, quem me propôs ir a Tarragona, onde tive minha
primeira experiência em uma praia nudista (a mesma onde nalizei este
livro). A cena da madrepérola realmente aconteceu, mas na Costa da
Caparica, em Portugal.
Jesús e eu mantivemos contato. Ele viajou um tempo pelo Brasil, nos
reencontramos em Lisboa, e também no ano seguinte, quando me mudei
para Barcelona depois de passar alguns meses no Marrocos.
Desde então, sempre conto a história do dia em que “Jesus” me salvou em
uma boate em Barcelona, me beijou, me levou para sua cama e eu gostei.
Porque é uma história boa demais para não ser aproveitada.
Então, sim.
Essa história é baseada em fatos reais — exceto pelo ex-tóxico, que foi
inspirado em outra pessoa de verdade, que teve uma relação com uma pessoa
próxima. Eu só não imaginava que o Eric, um dos meus personagens mais
queridos, acabaria por herdá-la. Quando tive a ideia de escrever algo sobre
ele, sabia que precisava se passar em Barcelona. Nessa época, as noites eram
vividas de forma tão intensa que cada festa daria um livro. Amores voláteis,
sonhos lúcidos. Bons tempos.
Cinco anos depois de ter vivido o que vivi ao desembarcar em Barcelona
naquela noite sem lenço e sem documento, guardo a sensação deliciosa desse
dia que me marcou para sempre. A nal, foi a consolidação da minha certeza
de que eu era amparado e cuidado pelo Universo. A partir daí, me arriscaria
muito mais — para desespero completo da minha mãe e boas risadas dos
meus amigos.
Depois daquela viagem, voltei a Portugal para en m trabalhar no hostel
durante o verão. Quando nos reencontramos, meu chefe nem lembrava que
no passado eu não falava inglês. Antes de começar o trabalho, porém, eu
ainda faria mais uma viagem, dessa vez pela Holanda e pela Espanha. No
meio dessa aventura, que me levou a escolher “Rhuas” como sobrenome
artístico, trouxe meu despertar espiritual e marcou o retorno da escrita de
 — que até então seguia nos rascunhos, esperando sua hora —, eu
viveria uma história de amor.
Não com um francês.
Não com um espanhol.
Com um italiano.
Não o Nico. Outro.
Mas essa história eu vou car te devendo. Talvez um dia, no futuro…
Quem sabe?

Com amor em uma noite de lua cheia em Palomino, na Colômbia,

Pedro Rhuas
Maio de 2023
Agradecimentos

Escrever agradecimentos é sempre um choque.


Eu lembro da versão de mim que achava que nunca terminaria de escrever
um livro, e, meu Deus, aqui estamos. Outro. E não um livro qualquer, mas
uma história que é tão pessoal e aprofunda um personagem tão querido
como o Eric. Começo agradecendo, portanto, aos meus leitores. Sem vocês,
nada disso seria possível — nada mesmo. Foram muitas mensagens pedindo
por mais do universo de Enquanto eu não te encontro, tantas que eu não podia
simplesmente ignorar.
A nal, o Eric é um personagem especial para muita gente. Diversos
leitores se viram nas feridas dele, no relacionamento tóxico e abusivo em que
estava envolvido, na família homofóbica que ainda prende suas asas. Só que
também se viram na alegria, no companheirismo, nas conquistas, na linda
relação com o Lucas e na força para acreditar em seus sonhos. Este livro é um
agradecimento a todos os Erics por aí. Obrigado por existirem, por viverem
sua verdade, por lutarem por dignidade e amor.
Espero que a jornada do Eric de fechar um ciclo de abuso em sua vida te
inspire, e que você se lembre de que novos começos estão à nossa espera,
basta seguirmos rumo a um futuro que nos priorize, onde sejamos amados
como merecemos.
Dito isso, obrigado a Juan, meu querido e grande amigo, por ter sido meu
el escudeiro na adolescência e no início da nossa vida adulta, em um
momento em que, sem nossa amizade, estaríamos completamente perdidos.
Obrigado por ser luz e uma presença constante, mesmo hoje cada um
vivendo sua própria jornada e já não conversando tanto quanto antes.
Sabemos da importância que tivemos na construção de nossas identidades e
sonhos. Você foi um dos meus primeiros leitores, e sei que continuará sendo
por muito, muito tempo.
Fred, como não incluiria você aqui? Algumas pessoas surgem em nossas
vidas com tanta potência, trazendo tanta transformação. Você é uma delas.
Quando te falei que queria escrever um livro sobre o Eric, você me
incentivou e deu apoio. Suas leituras e direcionamentos, como sempre,
impactaram o material que aqui está. O rumo do livro, o aprofundamento
dos personagens, o con ito — tudo isso amadureceu contigo, Fred.
Obrigado, amigo. Você sabe que, na minha cabeça, você é e sempre vai ser o
meu empresário. Obrigado por existir. O mundo é mais lindo com você
nele.
Minha querida agente Alba Milena, sinto gratidão por absolutamente
TUDO. É uma delícia viver essa jornada literária sendo acompanhado por
uma pessoa tão empenhada em me ver vencer. Obrigado por estender a mão
e estar ao meu lado para conquistarmos o mundo juntos!
E agora, como não poderia deixar de ser, Nino e Thalyta! Meu Deus, que
sorte a minha ter encontrado vocês. Obrigado do fundo do coração por
terem topado essa ideia mirabolante de construir o meu universo literário
comigo. Eu não sei o que seria de mim sem o amor que vocês dão ao
Rhuasverso e às minhas obras, sem os surtos no nosso grupo quando mando
os trechos mais picantes ou simplesmente o carinho inesgotável que me
acompanha a qualquer hora do dia. Sinto que encontrei duas pessoas
dispostas a crescerem comigo, que me incentivam e que são os leitores betas
mais éis que poderia encontrar. Vocês são um presente do Universo. Amo
vocês!
Muito obrigado ao meu amigo Luca Guadagnini pelos surtos incríveis
quando mandei versões desta história e por todas as horas iguais que vimos
junto; te amo. E gratidão para sempre ao maravilhoso ícone Rodolfo
Rodrigues pela leitura antecipada! Amigo, outra vez, sem querer, eu escrevi a
sua vida, e isso me deixa muito orgulhoso. Gays não têm um segundo de
paz, né?
Gratidão à minha família por serem tão pacientes. Enquanto eu escrevia
este livro no início de 2023, ia dormir tarde da noite, varando a madrugada.
Myio, você é luz, e meu coração transborda por inteiro em te ver crescer e se
encontrar nesse universo em expansão que é a vida. Mãe, você é força que
sempre me inspira. Obrigado por respeitar as minhas jornadas e a necessidade
de voar para longe, passarinho que sou e você criou. Amo vocês!
Obrigado à minha editora, Nathália Dimambro, por sempre lapidar tão
bem minhas histórias e fazer com que elas se desenvolvam na direção certa.
Nath, você é uma pro ssional incrível e tenho muito orgulho dos projetos
que já zemos juntos. Obrigado de coração, e espero que diversas viagens de
parapente te esperem por aí, como você merece!
À Laura Pohl, pela excelente contribuição na etapa editorial. Você é uma
escritora maravilhosa. Seu apoio na reta nal de O Universo sabe o que faz foi
extremamente importante para o livro. Te desejo milhares de best-sellers,
meu bem!
À equipe da Seguinte, cada pro ssional envolvido em tornar este livro real,
muito obrigado!
À Renata Nolasco, nossa capista maravilhosa, ! Foi uma delícia
repetir nossa dobradinha mossoroense de sucesso!
A todos os in uenciadores literários que vão ler e apoiar este livro
também, valeu demais, gente! Por favor, não hesitem em entrar em contato
comigo para colaborarmos e pensarmos juntos em ideias para espalhar esta
história. O trabalho de vocês é fantástico e muito me orgulha.
Aos viajantes do Lagarto Banana Hostel em Pipa, no Rio Grande do
Norte, onde escrevi boa parte desta história, muito obrigado! Seja em uma
rede na Casa da Árvore ou simplesmente deitado na minha barraca à sombra
da Mata Atlântica, vocês foram uma companhia gostosa demais enquanto eu
trabalhava, me distraindo quando eu mais precisava e me ouvindo falar sobre
a história. Não vejo a hora de voltar!
A todos os rhuers por aí, aos meus amores do fã clube, preparados para
pedir pela história em formato físico, peçam mesmo. Cobrem a Seguinte (oi,
editora, tudo bem? haha). Brincadeiras à parte, sério. Caramba. Amo tanto
vocês! , , , . Obrigado por respeitarem meu
tempo, surtarem com cada trabalho que faço (no Telegram, Instagram,
TikTok e basicamente qualquer rede social existente), comentarem nos posts,
por fazerem tudo o que vocês fazem por mim. Não vai ser hoje que vou
pagar a terapia, mas quem sabe um dia?
Finalmente, ao Universo.
À espiritualidade, por ter me presenteado com o nal desta história em
uma linda cerimônia com medicina sagrada que me permitiu ver a
importância de um arco de crescimento consistente…
Por favor, Universo, continue protegendo meu caminho, continue
trazendo abundância à minha vida, continue proporcionando encontros que
não são por acaso e me presenteando com revelações nos meus sonhos.
Permita que minhas histórias cheguem a mais e mais pessoas, no Brasil e no
mundo.
Universo, eu sou grato por toda a inspiração, amor e apoio que recebo na
minha vida. Eu me coloco à sua disposição para ser um canal para suas
palavras. Me torne cada vez mais aberto para espalhar suas bênçãos e me
conectar com o sagrado. Eu amo a vida e agradeço a oportunidade de existir
hoje, agora, neste plano. Com sua força me guiando, caminho rumo ao meu
propósito de alma.
Gratidão a todas as pessoas que vão ler este livro, às entidades que me
protegem, à vida, à Mãe Terra em regeneração.
Seguimos de mãos dadas.
PEDRO RHUAS cresceu entre o Rio Grande do Norte e o Ceará. Contador de histórias, é
escritor, cantor e jornalista. Suas letras e narrativas falam de amor à primeira vista,
protagonismo + e as potências de um Nordeste vivo. Enquanto eu não te encontro
— vencedor da Clipop, o concurso literário da Seguinte — é seu livro de estreia.
t i y @pedrorhuas
Copyright © 2023 by Pedro Rhuas

O selo Seguinte pertence à Editora Schwarcz ..

Gra a atualizada segundo o Acordo Ortográ co da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil
em 2009.

 Renata Nolasco


 Renato Potenza Rodrigues
  Verba Editorial
 978-85-5534-260-8

Todos os direitos desta edição reservados à


  ..
Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 32
04532-002 — São Paulo — 
Telefone: (11) 3707-3500
www.seguinte.com.br
contato@seguinte.com.br
Enquanto eu não te encontro
Rhuas, Pedro
9786557822272
272 páginas

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Em seu livro de estreia, Pedro Rhuas traz uma história sobre amor à
primeira vista, encontros e desencontros, cultura nordestina, música
pop e drag queens. Nenhum encontro é por acaso. A vida tem sido
boa para Lucas. Ele passou no Enem para estudar publicidade; se
mudou com Eric, seu melhor amigo, do interior do Rio Grande do
Norte para a capital; e conseguiu sua tão aguardada liberdade. Mas,
no amor, Lucas é um desastre. O maior fã de Katy Perry no
Nordeste tem certeza de que nem toda a sorte do mundo poderia
fazer com que ele finalmente se apaixonasse pela primeira vez. Até
que, em uma despretensiosa noite de sábado em 2015, tudo muda.
Quando Lucas e Eric vão na inauguração do Titanic, a mais nova
balada da cidade, Lucas esbarra (literalmente!) em Pierre, um lindo
garoto francês que parece ter saído dos seus sonhos. Em meio a
drinques, segredos e sonhos partilhados, Lucas e Pierre se
conectam instantaneamente. Eles vivem o encontro mais especial
de suas vidas, mas o Universo tem outros planos para o futuro…
Até a noite acabar, o que será que vai acontecer com eles? Com
uma voz original e divertida, repleta de referências pop e à cultura
do Rio Grande do Norte, o livro de estreia de Pedro Rhuas vai te
fazer rir alto e se apaixonar. "Com protagonistas LGBTQIAP+ e
ambientado no Nordeste, o clássico clichê de encontros e
desencontros ganha nova força neste delicioso romance de Pedro
Rhuas. Um livro divertidíssimo e apaixonante, para deixar o leitor
torcendo pelo felizes para sempre." — Clara Alves, autora de
Conectadas "Com o ritmo contagiante de uma música que não sai
da cabeça, Enquanto eu não te encontro me deixou com um sorriso
no rosto e uma vontade incontrolável de dançar." — Vitor Martins,
autor de Quinze dias e Um milhão de finais felizes

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Eu, minha crush e minha irmã
Crespo, Bia
9788555342905
264 páginas

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Em seu romance de estreia, Bia Crespo nos presenteia com uma


história hilária e cativante sobre primeiros amores, o amor entre
irmãs e o amor-próprio. Antônia se meteu numa baita confusão. Ela
topou um namoro de mentira com sua maior crush, Júlia. Tudo
porque Júlia quer ficar mais perto de Tamires, irmã de Antônia — e a
lésbica mais disputada da faculdade. Antônia não quer enganar a
irmã e tem plena consciência de que Júlia está se aproveitando da
situação, mas é impossível dizer "não" quando sua crush tem os
olhos grandes e expressivos, o cabelo cheiroso, um sorriso
radiante… Quanto mais dates falsos as duas têm, mais elas se
aproximam, e Antônia pode jurar que aquela conexão é pra valer.
Mas Júlia está irredutível em sua missão de conquistar Tamires, e
talvez Antônia esteja perdendo a chance de se envolver com
Camila, uma colega do curso de cinema que parece gostar de
Antônia do jeitinho que ela é. Agora caberá a Antônia decidir até
onde consegue levar essa mentira sem machucar quem ama — e o
próprio coração.

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O príncipe
Cass, Kiera
9788580866827
72 páginas

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Antes que trinta e cinco garotas fossem escolhidas para participar


da Seleção... Antes que Aspen partisse o coração de America...
Havia outra garota na vida do príncipe Maxon. Conto inédito e
gratuito, O Príncipe não só proporciona um vislumbre dos
pensamentos de Maxon nas semanas que antecedem a Seleção,
como também revela mais um pouco sobre a família real e as
dinâmicas internas do palácio. Você descobrirá como era a vida do
príncipe antes da competição, suas expectativas e inseguranças,
assim como suas primeiras impressões quando as trinta e cinco
garotas chegam ao palácio. É uma leitura indispensável a todos que
terminaram A Seleção e ficaram querendo mais! Ao final, contém os
dois primeiros capítulos de A Elite, segundo volume da trilogia.

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A mágica mortal
Montes, Raphael
9788555342875
272 páginas

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A cada truque de mágica, um crime. Em seu primeiro livro juvenil, o


mestre do suspense Raphael Montes nos apresenta ao Esquadrão
Zero — um grupo de jovens detetives que vai encarar uma
investigação repleta de perigos e reviravoltas. No mundo da mágica,
nem tudo é o que parece. Pedro sabe disso muito bem, afinal,
sempre foi fascinado por ilusionismo. Só não imaginava que ia
entrar para valer nesse universo por causa de um crime terrível.
Depois que seu melhor amigo é vítima de um mágico sinistro, Pedro
decide encontrar o culpado a qualquer custo. Assim, o garoto reúne
Pipa, Analu e Miloca, seus amigos de escola, para formar o
Esquadrão Zero — e juntos desvendarem o caso. Não demora para
o criminoso fazer novas vítimas, sempre utilizando números de
mágica famosos. Em uma corrida contra o tempo, os quatro jovens
investigadores terão de cruzar a cidade numa aventura que envolve
ilusionistas excêntricos, livros eletrizantes e um castelo imponente.
Será que o grupo conseguirá descobrir quem é o mágico assustador
antes que ele realize seu próximo truque? Indicado para leitores a
partir de 10 anos. "Um suspense mais intrincado do que um quebra-
cabeça montado pelo avesso." — Pedro Bandeira "Com escrita
fluida e magnética, Raphael Montes fez um thriller adolescente com
tudo a que tem direito: morte, suspense e muita, muita mágica." —
Thalita Rebouças

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O guarda
Cass, Kiera
9788580869507
102 páginas

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O guarda é o segundo conto que se passa no universo criado por


Kiera Cass, autora da trilogia A Seleção. Depois de conhecermos os
verdadeiros pensamentos e inquietações de Maxon em O príncipe,
agora temos um vislumbre das ideias e emoções do jovem Aspen,
ex-namorado de America, que vai trabalhar como soldado no
palácio durante o concurso. Antes de ir para o palácio competir pelo
coração do príncipe Maxon, America Singer era completamente
apaixonada por Aspen. Criado como um Seis, ele nunca imaginou
que acabaria se tornando um dos soldados responsáveis por
proteger a monarquia. Em O guarda, a história é contada pelo seu
ponto de vista, a partir do momento que a Seleção é reduzida à
Elite. Sua rotina é composta de exercícios e tarefas variadas dentro
da casa da família real — desde cuidar da correspondência até
combater os ataques rebeldes. Pela primeira vez, o enfoque é o
mundo paralelo dos funcionários do palácio, suas dinâmicas e rede
de relacionamentos, que America nunca chegou a conhecer. O
guarda também está disponível em edição impressa, como parte da
antologia Contos da Seleção, que traz ainda O príncipe com final
estendido e bônus exclusivos (como uma entrevista com a autora e
informações inéditas sobre os personagens), além dos três
primeiros capítulos de A escolha, último livro da trilogia, que será
lançado em maio de 2014.

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