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O Universo Sabe o Que Faz Pedro Rhuas
O Universo Sabe o Que Faz Pedro Rhuas
Capa
Folha de rosto
Sumário
Dedicatória
1. Ah, não. Ele de novo, não
2. O novo testamento nunca soou tão sexy
3. Um brasileiro, um espanhol e um italiano entram em uma festa gay em
Barcelona
4. O dia em que quase beijei Jesus
5. Como assim estão dando convite para um ménage e não recebi nenhum?
6. O m
7. Alguém aí pediu um McClimão?
8. O beijo de Judas
9. Quem disse que três era demais estava mentindo
10. E vai se formando um clima terrível entre os brothers
11. Porque eu mereço
12. A noite do fogo
Epílogo
Baseado em fatos reais
Agradecimentos
Sobre o autor
Créditos
Também de Pedro Rhuas:
BARCELONA, CATALUNHA
23 DE JUNHO DE 2016
Me conta tudo
Eu não sei, acabei de entrar na festa que te falei que ia e vi um cara
igualzinho a ele, Lu
IGUALZINHO
Tem certeza?
Talvez oito?
AFFFFFF
ele tava com uma camiseta cinza com a capa de um álbum da Marina and
the Diamonds, que é a única coisa que existe no guarda-roupa do Raul, e
eu acho que…
hum…
HAHAHAHAHAHAHAH
Eu sei, mas…
Sim 😔
Eu me RECUSO
ISSO AAAAÍ!
Te amo, viu?
Amo mais!
Queria mesmo.
Sigo as instruções de Lucas — o irmão que a vida me deu, a pessoa que
melhor me conhece no mundo — e olho em volta. A la para entrar na
Acrópolis é grande e anda devagar, mas as pessoas daqui nunca estiveram tão
soltas.
Não que Barcelona tenha sido chata antes; acredite, essa cidade pode ser
tudo menos entediante, e os espanhóis amam uma festa. A diferença é que
existe uma energia inegável no ar hoje, como uma promessa se tornando
realidade, Barcelona saindo de um estado de hibernação.
Deve ser efeito do verão. Quando cheguei, era janeiro, no auge do
inverno. Chovia sem dar trégua e a cidade estava fria, cinzenta. A água só
parou de cair durante uma breve estiagem em fevereiro, para logo voltar com
força em março e abril. Senti mais saudades do calor de Natal e de Luna do
Norte do que imaginava que sentiria, mas as baixas temperaturas também
caíram como uma luva: combinavam com meu estado de espírito.
Com o coração partido, ngia felicidade para os amigos que caram no
Brasil e disfarçava como o término tinha me afetado. Eles só queriam que eu
aproveitasse ao máximo a cidade dos meus sonhos, mas era difícil fazer isso
com um buraco no peito.
Meus novos amigos zeram o possível para me animar durante as
primeiras semanas. Em geral, isso signi cava me tirar de dentro do quarto
para ir beber em algum bar em Las Ramblas que descobriram ou em alguma
festinha na casa de alguém que conheceram pelo Grindr.
A universidade era incrível, mesmo que o nível fosse altíssimo e bastante
puxado. Fora das aulas, também aprendia rápido. Catalão era tenebroso,
praticamente mandarim para os meus ouvidos, então concentrei meus
esforços em sair de Barcelona falando o melhor espanhol possível. Cinco
meses depois, ia em restaurantes sem me sentir um impostor pelas carrers da
capital.
E quando a primavera sorriu inesperadamente na metade de abril,
trazendo os primeiros sinais de verde para a cidade, en m comecei a me
sentir melhor. Finalmente pronto para abandonar o passado e viver o
momento Vicky Cristina Barcelona pelo qual tanto esperei.
A nal, Barcelona é uma instalação de arte a céu aberto. Desde o Bairro
Gótico às áreas mais modernas, da grandiosidade em processo da Sagrada
Família à zona portuária com seus iates caríssimos, as mãos dos grandes
mestres da arquitetura, como Gaudí e Puig, se revelam a cada esquina. Até
do alto, vista a partir dos Bunkers del Carmel, as ruas e os prédios da cidade
sempre contam histórias.
Espero também conseguir deixar minha impressão digital em seu mapa.
Qualquer marca duradoura de que estive aqui durante esses meses.
— ¿De verdad estás bien? — o cara atrás de mim volta a puxar assunto.
Fico incomodado com a insistência, me viro e rebato:
— Ya te dije que…
A frase morre antes de sair da boca.
Puta merda, ele é um gostoso.
Gordo e branco, com sardas nas bochechas que cobrem o nariz
arredondado. O cabelo é loiro-mel, e a barba é aparada na no queixo, sem
bigode. Veste uma regata branca lisa, calça jeans desbotada e uma bota de
couro marrom escura. Além das várias pulseiras no braço, leva um cigarro
atrás da orelha.
São os olhos castanhos avermelhados que roubam minha atenção, porém.
Mais que lindos e intensos, são sábios, astutos. Como se enxergassem além da
superfície e vissem através de mim.
O fato de que estão focados nos meus lábios me desnorteia.
— ¿Que ibas a decir? — As sobrancelhas dele franzem enquanto me espera
nalizar a frase, mas, por um instante, desaprendo a falar.
Quando me recupero, faço uma manobra rápida para reverter a situação.
— Que estoy bien, gracias. Y que eres muy amable por preguntar. — Respiro
fundo e abro um sorriso, o primeiro desde meu encontro com o fantasma do
Raul.
— Me alegro. — A voz é grave, grossa. — Eres demasiado guapo para estar
nervioso.
— Tu tambíen eres guapo — devolvo o elogio, o que o faz sorrir.
— ¿Tienes mechero? — ele tira o cigarro da orelha e pergunta. Devo fazer
uma expressão confusa, já que emenda: — Fuego. ¿Fire?
— Sí, por supuesto. — Balanço a cabeça e en o a mão no bolso da calça à
procura do isqueiro.
— Gracias. Yo olvidé el mío. — Ele gira o cigarro entre os dedos enquanto
espera.
O objeto não está guardado no primeiro bolso que vasculho. Tenho
certeza de que trouxe comigo, mas o fato de que o garoto não para de me
encarar tampouco facilita.
— Perdóname — digo, espremendo os lábios. — No encontré. Creí que tenía,
pero…
— No pasa nada. — Ele penteia a lateral do cabelo com a mão. O
compasso da voz é relaxado; chuto que talvez tenha vinte e três anos. —
Gracias por intentar.
Esse deveria ser o momento em que continuo o erte, certo? Porém, uma
onda de timidez me atropela e escapo do seu olhar.
O garoto não desiste tão fácil. Logo toca meu ombro quando me viro para
a frente, e ali estão aqueles olhos inteligentes outra vez, bonitos demais para
não serem apreciados.
— Eres brasileño, ¿no?
— ¿Como sabes?
— El acento es inconfundible — responde com uma mordida breve no lábio
inferior. — Eu gosto do Brasil, gosto de falar português.
Por esse sotaque carioca — o chiado do “s” quando repete “gosto” — eu
não esperava.
— E fala bem — retomo o português.
Agradecido, ele junta as duas mãos no coração.
— Bom saber que ainda não esqueci.
— Ah, para. Seu português é perfeito, bem melhor que o meu espanhol.
— No, tío — ele se opõe. — Hablas español muy bien.
— Vale — é minha vez de sorrir com o elogio —, gracias entonces.
— En serio. Me gusta tu acento. — O garoto repousa a mão na minha
cintura quando a la avança, me guiando para dar um passo à frente. Ao se
afastar, não deixo de notar que o ponto em que me tocou ca em brasa, mais
quente que o resto do corpo. — De que parte do Brasil?
— Natal.
— Ah, no Nordeste, então.
— Sabe onde é? — Surpreso, ergo uma sobrancelha. — A maioria das
pessoas aqui não conhece bem o Brasil.
— Bem, você vai ver que eu sei mais do que você pensa. — Ele passa a
mão pelos cabelos loiros.
— Ah, é?
Seu olhar percorre meu corpo antes de concordar com uma expressão
sedutora.
— Soy Jesús — murmura. O sorriso convencido se espalha pelos cantos da
boca. — Encantado.
2
O novo testamento nunca soou tão sexy
Jesús.
É obsceno que esse seja o nome dele. Esse homem não tem nada a ver
com o Jesus dos sermões frenéticos do padre Bento, o Jesus das aulas de
catequese e das missas de domingo em Luna do Norte, que eu só frequentava
porque tinha um crush num garoto do coral.
O Jesus que foi à cruz por insurreição ao poder de Roma.
O Jesus que opera milagres e transforma água em vinho.
Mas aqueles olhos…
Ele tem olhos de Jesus, não tem?
Profundos, revelando mais de quem o observa do que o contrário, um
espelho convidativo. Diante deles, o entorno se desfoca — uma fotogra a
tirada com uma lente de cinquenta milímetros.
De algum modo, sinto que posso con ar nesse estranho.
Sinto que existe algo — um vínculo invisível, talvez — me conectando a
ele.
— Eric. — Estendo o braço para cumprimentá-lo. — Mi nombre es Eric.
— Eric — ele ecoa. Envolve meus dedos e os leva diretamente à boca. Os
lábios encontram minha pele enquanto me encara e beija minha mão,
galanteador.
Algo se agita em mim, quente e leve, a ponto de quase me fazer suspirar.
Eu não sou do tipo que suspira. Não mais.
O maior desa o para alguém que teve o coração partido é seguir
acreditando no amor.
As borboletas no estômago despertadas por Jesús me fazem voltar à época
em que eu e Lucas chegamos em Natal para fazer faculdade. Eu era cheio de
sonhos, inocente demais para ver o perigo. Naquela época, amar e ser amado
parecia inevitável. Lembro das primeiras festas, de como eu ainda con ava
nos encontros do Universo, como desejava mais do que tudo conhecer um
cara disposto a viver uma história de amor que valesse a pena ser contada.
Pensei que Raul fosse essa pessoa; queria que fosse. Só que nunca me
enganei tanto na vida…
Desde que cheguei a Barcelona, ninguém foi capaz de balançar meu
coração.
Claro que não sou santo: vários caras passaram pela minha cama nesses
poucos meses na Espanha, até mais do que no ano em que morei em Natal.
Era só sexo casual. Um ou outro tentou me conhecer melhor, mas rejeitei as
investidas. Não conseguia nem pensar a fundo no assunto.
Como poderia con ar que nenhum deles me machucaria como fui
machucado?
Como garantir que, uma vez que me permitisse ser vulnerável, não iriam
arruinar todo o progresso que z desde o término com Raul?
Mas isso cou no passado. Agora é verão. Essa noite pode ser o começo de
algo novo.
— É um prazer te conhecer, Jesús — digo, e ele ainda respira contra a pele
da minha mão quando pronuncio seu nome com meu melhor espanhol:
Ressús.
— O prazer é todo meu. — Um sorriso imprudente. — Todo mesmo.
Ele me solta e olho ao redor. O movimento de Barcelona em torno da
Acrópolis é intenso. Conversas em inglês, espanhol e catalão se misturam
com o som abafado que escapa da boate sempre que o segurança permite a
entrada de alguém. Cheiro de lenha queimada, cigarro e haxixe paira no ar.
Meu celular vibra com mensagens do Murilo, e peço licença a Jesús para
responder. A julgar pela sel e tremida que recebo dos três, já estão bastante
bêbados; nenhuma novidade.
BARCELOBICHAS
Murilo
eri, já tá vindo? 😟
a gente tá te esperando!
só falta vc!
Já tô na fila, migo!
Murilo
URGENTE
Foto
MENTIRA?!
Ariel e…
Gustavo?
Se beijando???
Murilo
Sim!!! Se beijando!!!
A ELITE
Ana
Tá lindo! Trate de pegar geral!
Thammy
amigooo, como vc tá gato!
Lucas
ERICCCCCC
GATOOOO
ORGULHO DA FAMÍLIA
KKKKKKKKKKK
Juro, é como se meus amigos estivessem aqui. Seria tão perfeito todos nós
em Barcelona.
Penso na vida que deixei no Brasil. Agora eu estaria em Luna do Norte,
comendo a canjica da minha vó e milho cozido, dançando quadrilha e
ouvindo “Olha pro céu”, do Luiz Gonzaga, até o refrão car martelando por
semanas na minha cabeça. Só que minha cidade natal está a um milhão de
quilômetros de distância, uma canção esquecida no tempo desde que
embarquei no voo para Madri.
A mão de Jesús toca minha lombar.
— A la andou — ele diz, cuidadoso, e avanço alguns passos. — Acho
que não vamos precisar esperar muito para entrar.
Esticando o pescoço, dou uma espiada. A la ainda dobra a esquina, e
conto umas trinta pessoas à frente. Parece estar lotado lá dentro, com a
entrada controlada.
Já que estamos empacados de novo, volto a me virar para conversar com
ele. Vou tirar proveito do tempo que ganhamos juntos enquanto estamos
aqui.
— Como você aprendeu a falar português?
— Com a vida — ele diz com um gesto vago.
Eu o encaro, curioso.
— Por favor, desenvolva.
— Hm. Tem certeza? — ele pergunta, reticente. Depois que assinto, Jesús
suspira. — Meu ex-namorado era do Rio.
Claro que precisa ter um ex envolvido na história. Espero que ele tenha
tido mais sorte com o dele do que eu com o meu.
— Por que terminaram?
— Muito ciumento.
Bom, aparentemente não.
— Ah, é?
— Tío, muchísimo. — Jesús solta o ar com força. — Vocês brasileiros
podem ser intensos demais.
— Aham… E vocês não gostam, né?
Ele dá de ombros, ta o chão e depois me olha com cara de quem foderia
minha vida num estalar de dedos.
— Primeira vez em Barcelona, Eric?
— Comecei a estudar aqui no início do ano — respondo, e njo que não
reparei no modo como rapidamente mudou de assunto.
— Onde?
— Na La Salle — digo. — Estudo arquitetura. Você também faz faculdade
aqui?
— Isso, relações internacionais.
— Pensa em seguir a carreira de diplomata?
— Sim. Vou passar um tempo em São Paulo, inclusive. Em agosto — ele
complementa. — Consegui um estágio na Embaixada da Espanha.
— Ei, que demais. — Jesús deve ter um excelente rendimento acadêmico
se conquistou uma vaga dessas. Pelo que sei, são disputadíssimas. — Espero
que goste do Brasil. Temos vários problemas, como qualquer lugar, mas é um
país incrível.
— Eu sei, amo o Brasil. Visitei meu ex no Carnaval e mochilei um pouco
pelo litoral do Rio — Jesús conta. — Como estão as coisas no momento?
Sei que a situação política não é das melhores.
— Uma merda — con rmo.
— Vocês brasileiros merecem mais. O que acha da Dilma?
— Que ela é corajosa — respondo. — A maneira como se mantém rme
contra todos que tentam derrubá-la é impressionante.
Noto o interesse de Jesús com o rumo da conversa. Será que ele está
tentando sacar qual é a minha posição política? Muitos dos meus colegas
intercambistas vêm de famílias ricas e têm opiniões bastante conservadoras.
Cansei de entrar em discussões com eles, que parecem não entender tudo o
que está em jogo em Brasília.
— Você acha que o impeachment é uma tentativa de golpe de Estado? —
Jesús pergunta.
— Claro. Isso me preocupa. Só estou em Barcelona por causa de uma
bolsa de estudos do governo. Se a Dilma cair, não sei se consigo car aqui
por muito mais tempo.
— Bom, espero que isso não aconteça — ele diz. — Seria uma pena se
partisse.
— É, eu também acho. Mas tenho esperanças. Parece que o Supremo vai
formar maioria para decretar o impeachment como ilegal. — Paro de falar
quando noto que a la andou de novo, e caminho um pouco para alcançar o
novo lugar. — Foi só por isso que falou comigo, Jesús? Para praticar
português e conversar sobre política?
Ele balança a cabeça e coça a barba no queixo com um sorriso maroto.
— Estava preocupado contigo, a princípio. — Jesús baixa o tom de voz.
Lentamente, se aproxima de mim. — Pero además eres muy guapo, Eric.
Sou incapaz de tirar os olhos da boca de Jesús. É a maneira como se move,
o sinalzinho perto do lábio inferior, quão macia…
Porra.
Eu poderia beijá-lo.
Eu poderia beijá-lo agora.
Mas não tenho essa chance.
Um cara tão gato quanto o espanhol surge por trás dele, abraçando-o
enquanto ri, e o beija exatamente como desejei segundos atrás.
3
Um brasileiro, um espanhol e um italiano
entram em uma festa gay em Barcelona
Cadê vocês?
Murilo
estamos no bar da pista de reggaeton!
não faço ideia do que vc tomou, mas deixa um pouquinho pra mim. to a fim
de beijar Jesus tb
5
Como assim estão dando convite para um
ménage e não recebi nenhum?
O dia em que nalmente terminei com Raul foi um dos piores da minha
vida.
Raul me recebeu com um selinho na porta de sua casa, mal reparando em
mim. Disse um “oi” rápido e se jogou no sofá, a cara en ada no celular.
Desconfortável, quei em pé ao lado dele. Ao me ver ainda parado perto da
porta, ele franziu a testa e perguntou por que eu estava estranho.
— Precisamos conversar — eu disse, hesitante.
— Não pode ser depois? Tô no meio de uma partida aqui. — Ergueu o
celular, conectado em um joguinho inútil que claramente era mais
importante do que qualquer assunto que eu poderia querer discutir.
— Não. — Me forcei a parar de morder o interior da boca. — Tem que
ser agora.
E precisava mesmo. Nosso relacionamento era insustentável. Me sentia
mais doente a cada dia, as energias drenadas. Quanto mais eu cava com
Raul, mais pedaços de quem eu era pareciam se perder. Quando ele tentava
me beijar, eu me fechava. E quando queria transar, fazia só para agradá-lo,
olhando para o teto esperando que acabasse, que gozasse logo e virasse para o
lado na cama para que não visse a expressão no meu rosto.
Eu esperava que o amor e o encanto que senti por ele no início
retornassem a qualquer momento, mas, quanto mais tempo esperava, mais a
dor me consumia. Ao car do lado dele, eu me traía.
Não existe nada pior do que trair a si mesmo.
— O que você quer, Eric? — ele disse.
Ríspido, grosso. Eu não era nada para ele, só uma mosquinha zumbindo
em sua orelha. Ainda assim, ele queria me manter ao seu lado. Se eu era tão
vazio de importância para Raul, por que ele não me deixava partir?
— Ainda com aquela história de ir para Barcelona?
— Não é só uma história. Eu vou, Raul. Ganhei uma bolsa de estudos
importante.
— Ah, tá. Sei. — Raul estalou o pescoço. — E você acha que vai dar
certo? Você nunca nem saiu do Brasil, Eric. Nem sabe falar espanhol direito,
seu sotaque vai ser péssimo de entender. O nível das faculdades lá fora é bem
mais alto do que aqui, sabia?
Os comentários maldosos, o ar de superioridade, a constante rea rmação
de que eu não era capaz, que meus sonhos eram menores que os dele, menos
dignos de serem partilhados…
Como pude demorar tanto tempo para perceber?
Sempre que algo bom acontecia na minha vida, Raul fazia eu me sentir
um lixo. Em seguida, emendava com algum assunto dele, transformando toda
e qualquer conversa sobre ele, seus interesses e vontades.
Raul era o protagonista de sua vida, e reduzia todos à sua volta a meros
coadjuvantes.
— Acho que você tem que car. A gente pode viajar pelo Brasil, se é isso
que tanto deseja — Raul falou diante do meu silêncio. — Seria bem mais
barato pra você e sua família.
Raul me achava pobre, mas ele nem era tão rico. E era pão duro pra
cacete. Para alguém cheio da grana como gostava de se mostrar, contava cada
centavo no rolé e evitava se juntar aos meus amigos em passeios ou jantares.
Demorei para perceber como era errado o jeito que me tratava porque eu
não queria enxergar. E porque, lá no fundo, achava que merecia esse
tratamento. Eu sei, eu sei. Horrível. Por que nos sujeitamos a tão pouco? Por
que negamos o nosso valor?
— Para com isso. Para de achar que vou desistir do meu sonho por você.
Eu não quero viajar contigo ou com a sua família — falei. — Eu quero
terminar. E tô falando sério.
Ele riu.
— Foi pra isso que você veio? — Raul cerrou o maxilar. — Pra terminar
comigo, Eric?
— Foi. Isso aqui — eu apontei para nós dois —, não funciona mais. Eu
nem acho que você esteja apaixonado por mim. Você só gosta de me tratar
como lixo. Isso te deixa bem, né? Me humilhar e acreditar que eu vou car
quieto, que eu vou simplesmente te deixar sair impune numa boa.
— Do que você tá falando? Eu nunca te tratei mal, Eric. Tá exagerando,
bebê, não precisa ser tão sentimental. — Ele suavizou a voz. — São as provas
da faculdade? Os professores estão pegando pesado? Sabe que pode conversar
comigo sobre tudo, amor.
Travei, mordendo a boca com ainda mais força. Para Raul, aquela cena era
só mais um jogo. Um ciclo in nito de desdenhar de mim ➞ dizer palavras
cruéis ➞ botar panos quentes para suavizar o próximo ataque. Ele adoraria
que eu caísse em sua chantagem, que mostrasse que aquela narrativa barata
funcionava comigo.
Só que eu não estava mais disposto a me submeter a ele.
— A gente não tem mais nada junto, ouviu? — ralhei. — Acabou.
Ele revirou os olhos.
— Isso, vai nessa. Duvido que vai encontrar alguém que goste de você.
Quis xingá-lo de todos os palavrões possíveis e quebrar os vasos caros da
mãe dele, que Raul dizia serem preciosos demais para serem tocados.
Quis partir para cima dele, enchê-lo de porrada, obrigá-lo a implorar
perdão por tudo que me fez.
Mas não me rebaixaria assim.
— Sabe de uma coisa? Eu tô cansado, Raul! Esse seu jeito nojento de me
tratar como um merda só para se sentir superior não cola mais. — Peguei
uma sacola que tinha arrumado mais cedo, com os pertences que ele deixara
no meu quarto, incluindo roupas e livros, e joguei para ele, que a agarrou no
ar.
— Ah, é assim que você resolve as coisas? — Raul soltou uma risada
debochada, a voz carregada de sarcasmo. — Sempre o coitadinho, a vítima
da história. Depois não adianta mandar mensagem querendo voltar, hein? Já
perdi tempo demais contigo. Some da minha vida de uma vez por todas, que
eu vou encontrar alguém muito melhor do que você.
Calei as palavras cruéis dele ao fechar a porta do apartamento atrás de
mim. Foi a última vez que o vi.
Até agora.
7
Alguém aí pediu um McClimão?
De volta à festa, faço uma promessa para mim mesmo: não vou dar a
mínima.
Sério, que se foda.
!
Raul pode ir pro quinto dos infernos, exatamente como merece. Por que
eu deveria me sentir mal por ter esbarrado nele? Por que eu deveria sair pra
deixá-lo mais à vontade? Nunca z nada de errado, exceto me apaixonar. Ele
é quem está no meu espaço, na boate que virou tradição com meus amigos,
na cidade que não estava ao meu alcance, segundo ele.
Se no começo me assustei com a possibilidade de esbarrar em Raul, agora
estou com tanta raiva que, se acontecer, é melhor que ele esteja preparado.
Enquanto Britney Spears canta “Gimme More”, encaro meu re exo no
banheiro da Acrópolis. Antes, preferia desintegrar a me olhar no espelho.
Odiava cada parte do que via ali. Se os outros me viam com repulsa, eu não
deveria sentir o mesmo? Às vezes, tudo o que eu mais queria era sumir,
sumir pra valer.
Agora tento ser mais gentil, rebato pensamentos negativos com positivos.
Quando penso que sou feio e que minha existência não vale de nada, respiro
fundo e digo que sou lindo e tenho valor. Parece bobo, mas a gente passa a
maior parte do tempo se colocando para baixo, principalmente se nosso
corpo, sotaque, sexualidade ou identidade de gênero não seguem os padrões
esperados pela sociedade.
Lembro da primeira vez que falei que me amava em voz alta. Busquei as
palavras várias vezes, só que, entaladas na garganta, custavam a vir. Por uns
cinco minutos, tentei falar. A voz não saía. Lágrimas começaram a rolar pelo
rosto, eu me sentia fervendo por dentro, até en m arrancar as palavras em
meio aos soluços:
— Eu me amo.
Meu Deus, como foi difícil. Porém, depois de romper esse bloqueio, nunca
mais deixei de repetir a frase. Descobri que um simples “eu me amo”
funcionava como um mantra poderoso. Uma vida toda de “eu me odeio”,
“eu sou horrível”, “ninguém nunca vai me querer” me fazia encarar o amor
como se eu estivesse à beira de um precipício, suspenso apenas por um galho
seco e quebradiço, esperando uma mão oferecer ajuda.
Ninguém nunca esteve destinado a me salvar. Sou minha própria salvação;
só não sabia disso ainda.
— Dai, Eric! Te achei!
Nico aparece no banheiro movimentado da Acrópolis, com os primeiros
botões da camisa entreabertos e o cabelo bagunçado. Acabou de sair de uma
das cabines. Se posiciona ao meu lado e lava as mãos distraído. Está mais
solto do que antes, uma pena utuando pela brisa.
— Estava te procurando, você sumiu — ele continua. — Ficamos
preocupados. Está tudo bem?
Involuntariamente, encolho os ombros. Forço um sorriso, endireito a
postura; tento recuperar a animação de antes. Não quero que saibam sobre o
lance com Raul; só quero ser o estrangeiro legal se divertindo na festa. Não é
pedir demais.
— Tive um contratempo e quei lá fora enquanto resolvia — respondo,
sem dar muitos detalhes. — Já estou melhor, obrigado por perguntar.
Ele sorri.
— Daqui a pouco já não vou mais conseguir falar português — Nico
brinca ao enxugar as mãos com papel toalha.
— Por que não?
— Duas possibilidades. Ou estarei muito bêbado… — Ele faz uma
bolinha com o papel e a atira na lixeira. — Ou estarei te beijando.
— Bem — sorrio para ele —, que tal os dois juntos?
Nico se aproxima por trás e encaixa a cintura na minha bunda. Seu olhar
encontra o meu pelo re exo do espelho à medida que insinua a boca para
perto da minha orelha.
— Somos guapíssimos juntos, ¿no?
Até então, Nico não falara nada em espanhol. O sotaque italiano segue
presente; a cadência musical do idioma materno se esgueira entre as palavras.
Observo nosso re exo. Nico, com as tatuagens na pele alva, os lábios
vermelhos, um quê de mistério e entusiasmo no olhar. Eu, com a calça
branca e a camisa laranja com lantejoulas resplandecentes, a trança-raiz no
cabelo com degradê dos lados, os lábios grossos e a barba geometricamente
perfeita.
— Eres guapo — digo, mantendo a conversa no espanhol.
— Não. — Ele balança a cabeça lentamente. — Eu disse que nós dois
somos.
Uma onda de calor me percorre quando Nico mordisca o lóbulo da
minha orelha.
Em outro lugar, os caras que entravam e saíam banheiro sem dúvida
reparariam naquela interação, a julgariam. Não aqui. No mínimo, noto
desejo na reação de outros homens que passam por nós antes de voltar à
festa. Tampouco somos os únicos que se divertem; algumas cabines estão
fechadas há mais tempo do que deveriam.
Nico sorri malicioso enquanto a língua desliza pelo meu pescoço.
— Nunca peguei um italiano — digo, mordendo o lábio.
— Não? — ele pergunta. Com as mãos na minha cintura, ele me vira até
carmos cara a cara, meu corpo preso contra a pia. Sem deixar de olhar para
ele, balanço a cabeça. — Isso é bom, vou ser o seu primeiro.
Filho da puta.
A sensação que experimento ao lado dele, o Eric sedutor que Nico traz à
tona, é deliciosa.
— Foi bom, Nico? — pergunto. Agora mais de perto, noto os olhos
vermelhos e o cheiro de maconha em sua camisa.
Momentaneamente confuso, ele franze o cenho.
— O quê?
— O beijo que você deu naquele garoto quando Jesús e eu estávamos
olhando.
Ele se afasta para me sondar melhor, mas logo se aproxima de novo e toca
minha boca com o polegar.
— Ficou com ciúmes?
— Do outro cara? — digo, e ele assente. — Um pouco, talvez.
— Por quê?
— Preferia que você me beijasse.
Nico aperta meu quadril. O som abafado do baixo elétrico de uma música
pop pulsa do lado de fora do banheiro.
— Todavía puedo besarte, si quieres — ele sussurra. — ¿Puedo?
Sei que ertar com Nico é ertar com fogo. Com Jesús, tudo parecia mais
seguro. Com o pianista, por sua vez, é arriscado, perigoso. Ainda assim, é
apenas uma noite, uma festa entre tantas… Esse beijo de Judas pode ser o
início da solução, não do problema.
Nico pressente minha resposta e me puxa para a única cabine disponível.
Fecha a porta atrás de nós e me pressiona com força contra a superfície de
madeira enquanto suas mãos exploram meu corpo. Ele esgueira um dedo até
o elástico da minha cueca, sem perder tempo.
Murmura meu nome, os olhos cor da noite xados em mim.
— O que você dizia?
Mesmo com a respiração e os pensamentos nebulosos, encontro lucidez
su ciente para elaborar as próximas palavras:
— Que quero muito te beijar.
Nico grunhe. Quando cou tão quente nesse banheiro? Suor brota da
minha pele, ensopando rapidamente a camisa. Dentro da cabine no subsolo
de Barcelona, o verão recém-chegado escalda como as areias de um deserto à
luz do dia.
Ou talvez seja apenas Nico.
Nico: o Sol, cinco mil e novecentos graus queimando em toda a
superfície. Tenho medo de que, se chegar perto demais, vou acabar em
chamas.
Mas é exatamente isso que eu quero, não?
Ser queimado por Nico, como Roma incendiada por Nero.
— Jesús… — minha voz vacila.
Os olhos castanho-avermelhados do espanhol me vêm à mente. Falei que
o beijaria, mas agora estou dentro de uma cabine com Nico, prestes a…
Se nos visse, o que Jesús pensaria?
Nico rebate minha pergunta com um sorriso atrevido e me puxa para mais
perto. Nossos lábios estão a menos de dois centímetros de distância, a
respiração dele quente em meu rosto.
— Não se preocupa, bello. Jesús não se importa.
— Como você tem tanta certeza?
— Vamos todos nos divertir juntos essa noite. Não te ensinaram na
matemática que a ordem dos fatores não altera o resultado?
Então Nero acende a tocha, o Sol encontra minha boca e Roma arde em
chamas. Sinto meu corpo enrijecer quando Nico me agarra e me beija.
Aprecio o vazio repentino da minha mente, como cada pensamento se esvai
sob o fogo.
Dedico atenção plena à sua boca, completamente concentrado no
presente, no fato de que a mão ultrapassa as fronteiras do tecido da cueca e
me toca. É atenção plena o que sinto quando ele morde e chupa meu lábio,
depois ofega contra meu rosto, enforca levemente meu pescoço…
— Mi dispiace, bello. I was going too fast — ele mistura idiomas em seu
sussurro. Se interrompe e alinha nossos olhares; a mão permanece no mesmo
lugar de antes, onde deveria estar. — Foi você, sabia? — diz ele, em
português, enquanto os dedos sobem lentamente de dentro da cueca até meu
peitoral. — Que me deixou assim.
— Como?
Mas não há resposta verbal. Passo as mãos pelo cabelo liso de Nico,
prendo-o entre meus dedos e o puxo para um beijo. É boa a sensação de ter
sua língua descendo pela minha nuca, as mordidas que deixa no meu lábio
inferior, nunca fortes a ponto de doer — mas beijar a sua boca é ainda
melhor.
Levo os dedos para o interior da camisa dele, erguendo-a para que eu
possa tocar sua pele. Ele a arranca de uma vez e a deixa apoiada em um dos
ombros.
Um delicado piercing de prata adorna o mamilo direito de Nico, alojado
entre a camada de pelos escuros e nos do peito de nido. Devagar, me
ajoelho diante dele e toco a joia metalizada.
Nico repete meu nome com seu forte sotaque italiano. O som da sua voz
ecoa como uma melodia que eu gostaria de ouvir repetidas vezes.
— O quê? — Eu ergo a cabeça e o to com um sorriso travesso. — Você
é sensível aí?
Nico concorda, as sobrancelhas franzidas. Ele é ainda mais gostoso sob essa
perspectiva, a tatuagem de partitura sinuosa iluminada pelo brilho vermelho
do interior da cabine.
Gosto de manter os olhos abertos para assistir o que provoco em Nico
quando brinco com a língua na área do piercing em seu mamilo. Gosto do
sabor dele, da mistura do perfume com suor. Gosto da forma como ele se
contorce, os espasmos na pele, o franzir da testa, os lábios semiabertos.
Aos poucos, minha língua desce. Sigo sua linha alba, e paro apenas onde o
cinto impõe uma barreira. Roço a bochecha no volume da calça de Nico,
sentindo sua rigidez.
— Bello… — adverte e sacode o queixo em uma negativa. Ainda assim,
me ajuda a desa velar o cinto quando minhas mãos se atrapalham. A roupa
desliza pelo quadril dele; cai até seus pés e revela uma apertada boxer branca
Calvin Klein.
Seu corpo se curva sob o meu toque, o pescoço arqueia para trás.
Finalmente me livro da cueca. Com os olhos abertos para acompanhar as
reverberações dos toques, o subir e descer do peito dele, dedilho cada
centímetro dos muitos de Nico.
Em determinado ponto, porém, ele me interrompe. Puxa uma das tranças,
ergue meu queixo com o polegar. Um sinal de alerta emana das íris
escuras…
Mas nosso momento é interrompido por uma batida estrondosa na porta
da cabine, lembrete de onde estamos e do que estamos fazendo.
— ¿Cuánto tiempo se van a quedar ahí, maricones? ¿Una vida? — Alguém
bate várias vezes seguidas em nossa cabine. — Reinas, si quieren follar, ¡van al
puto dark room!
Sem graça, me levanto rapidamente com a ajuda de Nico, que me estende
o braço como apoio. Ele parece levar a interrupção numa boa, embora as
bochechas coradas contem uma história diferente.
— Continuamos depois — Nico diz baixinho no meu ouvido. Me dá um
selinho enquanto veste as roupas rapidamente; a calça apertada falha em
esconder o volume, e co ressentindo quando ele volta a vestir a camisa,
escondendo o peitoral esculpido pelos músculos.
— Com Jesús — acrescento, mais sério.
— Claro — responde, ainda sorrindo com os lábios inchados —, com
Jesús.
A pessoa do lado de fora insiste:
— ¡Algunas de nosotras necesitamos usar el baño!
— ¡Vale, vale! ¡Ya está! — Nico responde com um revirar de olhos. Antes
que a gente deixe a cabine, ele me segura e me beija outra vez, a expressão
mais suave. — Estava gostoso.
— Muito. Mas é melhor a gente sair antes que arrombem a porta.
— Aqui, Eric. — Ele alisa minha camisa e passa papel higiênico nos
joelhos da minha calça. Eu nem lembrei que usava uma calça branca quando
me abaixei. — Mais apresentável assim.
Saímos da cabine com Nico escondendo sua ereção atrás de mim. Ao
erguer a vista, vejo que quem quase demoliu a nossa porta é a drag queen de
peruca rosa que dançou comigo na pista.
— Mira lo que tenemos aquí. — A voz da drag sobe de tom ao me
reconhecer. Ela repousa a mão no meu ombro, rindo. — ¡No sabia que eras
tú! Perdóname, cariño.
Abro um sorriso amarelo.
— Bueno, puedes entrar ahora.
— Pues no. Que si quieren follar, vuelvan. — Ela sorri e aponta para o
interior da cabine. — Pero si quieren seguir la esta, están invitados. Por Gaga.
9
Quem disse que três era demais estava
mentindo
Na festa de São João, Barcelona é uma cidade viva mesmo depois da meia-
noite. Sinto um pouco da magia do Carnaval que perdi ao deixar o Brasil em
janeiro, antes da folia começar, e essa sensação me enche de alegria. Pessoas
lotam as calçadas, e quem não está nas ruas ocupa as varandas e os terraços
das residências, muitas delas com bandeiras da Catalunha — bem diferentes
da espanhola — hasteadas nas sacadas.
— Os catalães chamam a data de Nit del Foc — Jesús diz com uma
pronúncia perfeita.
— Noche del Fuego? — traduzo.
— Isso.
Pensei que pegaríamos um táxi, mas Jesús disse que morava ali perto e
seguimos andando. Ele explica cada detalhe da comemoração durante o
percurso. Na Nit del Foc, existem três elementos principais: o fogo é a
puri cação e a renovação, por isso as diversas fogueiras acesas pela cidade; a
água simboliza a cura; e as ervas representam o remédio. Alguns acreditam
que, na Noite do Fogo, as ervas medicinais são muito mais poderosas, por
isso muita gente sai em busca delas durante a celebração.
Também conversamos sobre outros assuntos. Jesús está ansioso para a
viagem ao Brasil. Vai em setembro por cinco meses e Nico planeja visitá-lo.
Faço a maior propaganda do Nordeste e ofereço meu quarto em Natal como
hospedagem.
Nico me enche de expectativa em relação a Florença. Ele vai tocar num
concerto em um museu da cidade quando eu estiver por lá, e me quer como
convidado de honra. Fico surpreso ao descobrir que sua carreira de pianista
está deslanchando. Nico tem apresentações marcadas durante todo o verão
em um importante circuito europeu que vai de Oslo a Praga, além de estar
no meio das gravações do seu primeiro álbum com composições próprias.
Guiado pelos dois, nunca estive tão à vontade em Barcelona. Mais uma
vez, a cidade me deixa embasbacado. A Plaça Catalunya está repleta de
pessoas que esperam por transporte público ou simplesmente caminham.
Lentamente, deixamos o Eixample e acessamos a área mais icônica de
Barcelona, o Bairro Gótico.
A transição é gradativa: os prédios envelhecem e a arquitetura revela
gárgulas e estruturas re nadas. Quando chegamos à Pla de la Seu, a Catedral
de Barcelona salta aos olhos. Um grupo de skatistas fuma na escadaria, e
alguns turistas aproveitam a caminhada noturna para tirar sel es bem em
frente à Catedral, com suas torres pontiagudas e formas triangulares.
Em seguida pegamos a ruazinha estreita junto ao museu Frederic Marès.
— Esse é o caminho pra sua casa? Você mora no Bairro Gótico?
O sorriso que Jesús me dá é simplesmente estonteante.
— Gosta daqui?
— Para, é o meu lugar favorito de Barcelona! — digo, empolgado. — Eu
e meus amigos tentamos encontrar um apartamento na região, mas não
achamos na época.
Caminhamos por mais três minutos. A iluminação vem de lampiões
antigos xados nas muralhas de pedra. No meio dos labirintos do bairro, a
sensação é de que viajamos no tempo. Chegamos à parte traseira da Catedral
e, de lá, viramos em uma esquina ainda mais estreita.
De repente, paramos.
— Jesús, seu apartamento ca no Templo de Augusto?
Arregalo os olhos e ele solta uma risada.
— Tecnicamente, ca atrás do templo. A essa hora está fechado, por isso
não consigo te mostrar, mas da janela do meu quarto tem uma vista direta
para lá.
Por um momento penso que Jesús pregou uma peça, mas não é o caso.
Escorado na janela do seu apartamento, vejo as ruínas de um templo
romano construído no século a.C. Foi um dos primeiros lugares que visitei
quando me mudei para Barcelona. É um ponto turístico até que secreto;
nem todo mundo sabe da existência desse templo dedicado ao imperador
César Augusto.
— Parece que você gostou — diz Nico, se empertigando atrás de mim na
janela.
— Com certeza. Olha pra isso, Nico!
Ele passa a mão pela minha clavícula.
— Na primeira vez que Jesús me trouxe aqui quase não acreditei.
— É incrível.
Escondidas em um pátio cercado de paredes azuis e verdes, as quatro
colunas preservadas do antigo templo cam no meio da cidade. Quando
soube pelo meu guia que pessoas realmente moravam ali ao redor, quei
chocado. Estar na casa de Jesús e comprovar com meus próprios olhos me dá
a sensação de que não sou um mero espectador da história, mas parte viva
dela.
Eu me viro para Nico, que já está sem camisa. Jesús foi à cozinha pegar
água. O italiano e eu camos sozinhos no quarto espaçoso e repleto de livros
do an trião, a mala de Nico debaixo de uma escrivaninha e uma enorme
bandeira da Andaluzia no alto da parede onde ca a cama de Jesús.
— Dá para acreditar que os romanos construíram isso há tanto tempo? —
pergunta Nico. Ele desvia o olhar para observar o templo.
— Eles tiveram um grande império — digo. — Mas também foram
cruéis.
— Criaram monumentos que duram até hoje.
— Os gregos também, e a mitologia deles é mais legal.
Nico morde o meu pescoço.
— Desrespeitando meus ancestrais, Eric?
Circulo seu piercing com a ponta do dedo.
— Então você e Jesús já… dormiram juntos… aqui, praticamente dentro
do Templo de Augusto.
Seus olhos cam ainda mais escuros quando me encaram novamente. Com
a ponta do dedo indicador, traço a tatuagem de uma clave de fá acima da
sobrancelha.
— Ah, Eric. — Um suspiro sacana. — Sim, muitas vezes.
— E não achou estranho?
— Estranho o quê?
— Sei lá, Nico. Transar com Jesús em solo sagrado.
Ele dá um tapinha na minha bunda.
— Minha mãe enlouqueceria se soubesse disso — ele diz. — Do meu
lance com Jesús.
— Por quê?
— É extremamente católica e conservadora. Me acusaria duplamente de
blasfemar Jesus.
O espanhol volta com duas toalhas limpas em um braço e uma jarra de
água no outro, bem a tempo. Se é surpreendido por Nico sem camisa
praticamente me prensando contra a parede, não deixa transparecer.
— Ouvi meu nome — diz, jogando as toalhas na minha direção. Eu pego
as duas no ar, sentindo o algodão macio entre os dedos, e rapidamente
entrego uma para Nico, que a deixa despreocupadamente sobre o ombro.
— Errado, a gente tava falando do seu homônimo famoso — respondo.
— Ah, o cara lá de cima? — Ele aponta para o céu.
— Esse mesmo.
— Todos pensam que, por ter esse nome, sou um santo. Ou deveria ser.
Jesús balança a cabeça; um sorriso leve brinca em seus lábios.
— Isso a gente sabe que não é verdade — murmuro.
Jesús arqueia uma sobrancelha e senta na beirada da cama; as botas rangem
levemente contra o assoalho de madeira. Ele as descalça e as coloca com
cuidado ao lado da cama. Quando termina e nos ta, os olhos brilham com
malícia.
— Bom, vou tomar banho e lavar o sangue do seu ex de mim, Eric — diz
como se fosse uma tarefa rotineira.
Envergonhado, escondo o rosto com as mãos.
— Desculpa. Ninguém merece.
— Não é sua culpa. — Jesús dispensa minha preocupação e foca em Nico,
que está atrás de mim com os braços cruzados. — Foi Nicolò quem…
— Dai, eu estava pedindo vocês em namoro! — o italiano interrompe. —
E Eric partiu meu coração dizendo que aceitaria meu amor apenas por uma
noite!
Jesús tira a camisa. Não consigo evitar que meus olhos acompanhem sua
pálida pele nua, seguindo até a tatuagem no lado direito do peito: um círculo
com a Árvore da Vida, passarinhos voando na direção dos ombros. É um dos
meus símbolos favoritos; já pensei em tatuar no pulso, mas ainda não tive a
chance.
— Vou entrar agora. — Ele aponta para o banheiro da suíte, e então tira a
calça sem quebrar o contato visual, cando pelado sem nenhum pudor.
Ao entrar no banheiro, Jesús deixa a porta aberta, um claro convite. Ouço
o barulho da água caindo no box. A velocidade do meu coração dá um salto;
o uxo sanguíneo se agita.
Nico dá um beijo suave no meu pescoço.
— Também vou para o chuveiro — ele sussurra, então se afasta e se despe
rapidamente.
Seus músculos retesam sob a pele enquanto ele se livra da calça e da cueca.
Diferente de Jesús, faz uma pilha com as peças e as joga de qualquer jeito em
cima da mala. Parado na soleira da porta, seu corpo esguio na contraluz,
Nico apoia o antebraço na parede e diz:
— Por que não se junta a nós? Tem espaço de sobra para três.
E então o lho da puta dá um sorrisinho malicioso e desaparece dentro do
banheiro, a bunda contraindo antes de desaparecer.
O antigo eu hesitaria, caria escondido sob as cobertas com medo de ser
visto, esperando pela escuridão para nalmente se soltar. Silencio minhas
inseguranças com um grande foda-se, tiro a roupa e me junto a eles no
banheiro.
Vapor espirala, e o som da água escoando pelo ralo não abafa as risadas dos
meninos.
— Permiso — eu digo.
Jesús abre a porta do box imediatamente.
— Oi. Bem-vindo.
Ele está bonito, a pele avermelhada por causa da água fervente. O cabelo
loiro está jogado para o lado. Reparo nas sardas que cobrem seu corpo, nas
estrias esparsas na região da bunda, os pelos praticamente inexistentes.
Tantos minúsculos sinais pincelam a pele de Jesús. Em espanhol, são
chamados de “lunares”. Não tem como não pensar na lua ao vê-lo assim,
radiante.
— Que bom que decidiu se juntar a nós. — Ele estende a mão para mim,
e eu a aceito. Os olhos me escaneiam de cima a baixo e, em seguida, voltam
para os meus lábios.
Jesús gosta de olhar para a minha boca. E sei que também gosta de beijá-
la.
Entro no box. Nico está virado para a parede, os bíceps contraídos
enquanto lava o cabelo; os músculos das costas ondulam quando esfrega a
parte de trás da cabeça. Noto uma marquinha de bronzeado que não reparei
antes.
— Nicolò — pede Jesús, o corpo bastante próximo ao meu. — Dá espaço
pro Eric também. — E então, abaixando o tom de voz: — É bom ter vocês
aqui comigo. Parece certo.
Nico salpica água em mim ao girar. Não me surpreende vê-lo já excitado.
O corpo molhado se insinua contra o meu; a boca roça em mim quando
passo por ele para car embaixo do chuveiro.
— Porra, tá muito quente!
— O Jesús só gosta assim.
Sinto um choque térmico com a água escaldante. Demoro alguns
segundos para me acostumar com a temperatura, aumentando um pouco o
uxo gelado para neutralizá-la.
— Tem sabonete? — pergunto a Jesús.
— Aqui. — Ele se adianta para fazer as honras. As mãos deslizam pelo
meu corpo e me ensaboam com carinho.
Há desejo e afeto em seu toque; um arrepio me atravessa quando
massageia a curva da minha cintura sensualmente. Nico ca observando, as
próprias mãos percorrendo seu corpo enquanto observa a cena.
Acontece sem ninguém precisar dizer nada. Não sei quem dá o primeiro
passo, se Nico, Jesús ou eu. Apenas sei que, de repente, nos abraçamos e nos
beijamos, corpos nus em meio à água morna, mãos que provocam a
intimidade um do outro, exploram novos limites.
E há uma urgência entre nós que não senti antes, nem mesmo quando
nalmente nos beijamos na pista. Lá, descobríamos o que aquele momento
signi cava para nós, como funcionaríamos em um trio.
Agora? Agora é poesia — cadência perfeita, rápida e intensa, entre nós.
O espaço no banheiro se torna muito pequeno para o que queremos fazer,
então saímos pingando do chuveiro. Enxugamos um ao outro aos risos
enquanto seguimos para o quarto.
Meu corpo é o primeiro a cair no colchão quando Jesús me joga na cama
e monta em cima de mim. Sinto o sangue pulsar da cabeça aos pés; cada bra
do meu ser responde a ele e a Nico, que, deitado, mordisca meu mamilo,
puxa-o entre os dentes.
Perco o controle por um momento.
Adoro o caos que se segue, me divirto sem saber o que vai acontecer em
seguida.
A surpresa quando eles me beijam e me beijam e me beijam ainda mais.
Nico, me tocando como se eu fosse seu piano, os dedos longos e calosos
sabendo perfeitamente o que fazem, o peito de nido que sobe e desce com a
respiração ofegante.
Jesús, dominando a diplomacia, orquestra nossas posições, indica aos
poucos o caminho se não sabemos em que direção prosseguir.
Con denciamos carícias, minhas mãos traçam o peitoral de Jesús, as dele
descem pela minha virilha, a boca de Nico resvala minhas costas…
Jesús cobre a extensão de todas as partes que Nico não acessa.
Depois de fazermos tudo que podemos com bocas e dedos, Jesús se afasta
e abre a gaveta da mesa de cabeceira. De lá, tira um tubo de lubri cante e
mais duas camisinhas. Ele repassa um preservativo para mim, e deposita o
outro na de Nico. Em seguida, liga o pisca-pisca amarelo xado à parede, e
abre o Spotify no celular. “Same Ol’ Mistakes”, do álbum ANTI, começa a
tocar baixinho. Nos imagino em um ângulo diferente, as luzes nos
enquadrando na cama do espanhol com a bandeira da Andaluzia ao fundo.
Nunca z o que vamos fazer agora — nunca estive com mais de uma
pessoa ao mesmo tempo —, e a dúvida deve car evidente em meu rosto, na
respiração ofegante e entrecortada, no suor que verte sem trégua.
— ¿Te sientes cómodo estando en el medio? — a pergunta parte de Jesús.
— Sí — respondo com o olhar xo nele.
— Bien. — Ele sorri. — Y si necesitas parar en algún momento…
Balanço a cabeça antes que ele possa concluir a frase.
— No creo que lo haga.
— Yo tampoco.
— Y si te hago daño, Jesús… — Eu faço uma pausa enquanto o encaro,
sério. — Dime, ¿vale?
— Solo intenta ir despacio.
— Prometo.
Ele corre a mão por minhas tranças.
— Tú también, Nico — Jesús o adverte, cuidando de mim. — Despacio.
O italiano sussurra em concordância, põe o queixo no meu ombro e se
inclina para beijar o outro garoto. Estamos mais próximos do que nunca,
cada centímetro de pele conectada.
Conforme os dois se beijam, tento abrir a embalagem da camisinha, mas
me atrapalho. Meus dedos tremem.
— Deixa comigo, bello — Nico murmura. Abre a minha, joga a
embalagem no chão e põe a camisinha em mim. Estremeço ao sentir a mão
dele encaixando a proteção. — Listo.
Nico, já ensopado de suor, é sólido como diamante. A parte posterior das
coxas se choca contra o meu quadril, e ele usa as mãos para abrir minhas
pernas um pouco mais. Jesús despeja lubri cante na palma estendida de
Nico, depois o aplica em mim, e em si mesmo.
A expectativa no ar é quase palpável. As luzes douradas que Jesús acendeu
piscam cada vez mais rápido, dando ritmo ao nosso uxo veloz. Banham as
costas de Jesús, com a bunda empinada pronta para me sentir.
Acontece tudo ao mesmo tempo: eu, dentro de Jesús; Nico, dentro de
mim. Gemidos arranham nossas gargantas e se juntam à música abafada.
A única forma de não gritar e acordar a vizinhança nos arredores do
Templo de Augusto é mordendo a pele de Jesús. Puxo seu cabelo para me
distrair do terremoto em meu peito, fecho os olhos enquanto Nico vai cada
vez mais fundo, devagar, com cautela.
Dói no começo, mas depois me acostumo — depois imploro por mais,
incerto da capacidade de voltar a uma realidade em que não estou sentindo o
que sinto agora, perfeitamente em casa entre os dois.
Entramos em um ritmo só nosso. Nico massageia minhas costas, me beija,
dá tapas na minha bunda quando o ritmo acelera. Ele segue com
movimentos amplos, indo o mais profundamente que pode e em seguida
recuando, sem nunca me deixar. E eu mostro a eles o que sei também, a
ginga do meu rebolado em meio aos gemidos de Jesús…
Não há um centímetro meu que não seja explorado pelos dois.
Esquecemos os planos de ver o nascer do sol na praia, esquecemos que ainda
existe um Universo fora deste apartamento e, na cama, brincamos de amar.
Invertemos papéis — Nico de quatro enquanto eu assisto Jesús provar do seu
gosto. Testamos estratégias novas que nunca julguei possíveis, Nico e eu ao
mesmo tempo dentro de Jesús, nos beijando enquanto ele geme e agarra o
travesseiro ao alcançar o êxtase. Em seguida temos o nosso, em sincronia,
desabando nos lençóis ensopados de suor, o mundo turvo, sinestésico.
— La mejor manera de empezar el verano, ¿no? — Jesús ofega e ri ao limpar o
peito molhado com a toalha.
— Sim — Nico sussurra. — Eu e meus namorados.
Nós três caímos na gargalhada. A Nit del Foc faz jus ao seu nome, a
madrugada tão quente no quarto que o resto do álcool em meu corpo
evapora. Naquele instante, sei que é o começo.
O verão da minha vida não é amanhã ou depois.
É hoje.
Aqui e agora.
Acordo um tempo depois com uma voz sussurrando meu nome. Por um
instante, esqueço completamente onde estou ou como vim parar aqui.
Então, vejo o rosto de Jesús, a boca dele próxima à minha, e a realidade me
atinge.
— ¿Eric? ¿Estás despierto?
— Sí — sussurro, sonolento e um tanto desnorteado. — ¿Qué pasó?
— Tuve um sueño.
Me ajeito para encará-lo melhor.
— ¿Una pesadilla?
Ele nega. A intensidade do sonho relampeja em seu rosto suado. Ao lado,
Nico ronca baixinho, a perna parcialmente entrelaçada à minha, o ruído
constante de um ventilador compondo a trilha sonora do nosso sono.
— No, no era malo. — Seus olhos estão carregados pela urgência. — Mas,
Eric, não era um sonho para mim. Era para você.
— Pra mim? — pergunto. — Você lembra de alguma coisa?
— Era numa praia. Cala Waikiki, em Tarragona. É uma cidade perto
daqui. Estive lá no verão passado — ele murmura, depois se apoia no
cotovelo. — Eric, não sei explicar direito, mas sinto que você precisa ir a esse
lugar.
— Por que você acha isso?
Jesús hesita, como se procurasse as palavras certas.
— No sonho, você… — Jesús franze a testa com força, tentando recordar.
—Parece que tem uma coisa te esperando lá. Algo que você tem procurado,
alguém importante. Eu só vi uma silhueta, mas havia essa voz na minha
cabeça me dizendo que você precisava estar lá, para te avisar.
Meu corpo inteiro se arrepia.
— Acha que alguma coisa ruim vai acontecer comigo?
— Não parecia um mau presságio. Parecia… — Ele se cala. Depois, os
vincos em sua testa relaxam. — Parecia algo muito bom.
— Tarragona — repito. O nome não me é completamente estranho. De
repente, eu me recordo onde o escutei antes. Em uma aula da faculdade, um
professor comentara sobre um an teatro romano localizado lá.
— De trem, ca perto de Barcelona — Jesús diz. — Você pode passar um
dia lá antes da sua viagem à Itália. Eu te ensino como chegar.
— Por que não vem comigo?
— Não. É algo que você precisa fazer sozinho.
Respiro fundo ao ouvir aquelas palavras. Ao meu lado, Nico se mexe, mas
não desperta.
— Você costuma ter sonhos assim, proféticos?
Jesús alisa meu rosto. O dedo trilha o caminho desde minha bochecha até
o couro cabeludo entre as tranças.
— Às vezes. E eles geralmente viram realidade. — Ele tapa a boca com a
mão ao bocejar. — Vamos dormir mais um pouco? Quando acordarmos,
conversamos melhor sobre o sonho.
Eu assinto. Dou um selinho em Jesús e o agradeço por me contar sobre o
sonho. Faço um registro mental desse momento, do corpo quente e desnudo
se enroscando contra o meu ao se ajeitar na cama, a bunda encaixando em
mim como uma peça de quebra-cabeça…
E então, depois que já fechei os olhos e quase adormeci outra vez, Jesús se
agita de novo.
— Eric, lembrei de uma coisa.
— Fala — digo, ainda sem abrir os olhos.
Não sei se estou acordado ou dormindo, se isso faz parte do sonho ou da
realidade.
— É às 15h15. É nesse horário que você precisa estar na praia.
— Por que 15h15?
— Eu não sei, mas é importante.
— Quando acha que eu devo ir?
— Quando você estiver pronto.
— Hum. — Eu beijo a nuca de Jesús e suspiro. — Gracias, Jesús.
Epílogo
Pedro Rhuas
Maio de 2023
Agradecimentos
Gra a atualizada segundo o Acordo Ortográ co da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil
em 2009.
Em seu livro de estreia, Pedro Rhuas traz uma história sobre amor à
primeira vista, encontros e desencontros, cultura nordestina, música
pop e drag queens. Nenhum encontro é por acaso. A vida tem sido
boa para Lucas. Ele passou no Enem para estudar publicidade; se
mudou com Eric, seu melhor amigo, do interior do Rio Grande do
Norte para a capital; e conseguiu sua tão aguardada liberdade. Mas,
no amor, Lucas é um desastre. O maior fã de Katy Perry no
Nordeste tem certeza de que nem toda a sorte do mundo poderia
fazer com que ele finalmente se apaixonasse pela primeira vez. Até
que, em uma despretensiosa noite de sábado em 2015, tudo muda.
Quando Lucas e Eric vão na inauguração do Titanic, a mais nova
balada da cidade, Lucas esbarra (literalmente!) em Pierre, um lindo
garoto francês que parece ter saído dos seus sonhos. Em meio a
drinques, segredos e sonhos partilhados, Lucas e Pierre se
conectam instantaneamente. Eles vivem o encontro mais especial
de suas vidas, mas o Universo tem outros planos para o futuro…
Até a noite acabar, o que será que vai acontecer com eles? Com
uma voz original e divertida, repleta de referências pop e à cultura
do Rio Grande do Norte, o livro de estreia de Pedro Rhuas vai te
fazer rir alto e se apaixonar. "Com protagonistas LGBTQIAP+ e
ambientado no Nordeste, o clássico clichê de encontros e
desencontros ganha nova força neste delicioso romance de Pedro
Rhuas. Um livro divertidíssimo e apaixonante, para deixar o leitor
torcendo pelo felizes para sempre." — Clara Alves, autora de
Conectadas "Com o ritmo contagiante de uma música que não sai
da cabeça, Enquanto eu não te encontro me deixou com um sorriso
no rosto e uma vontade incontrolável de dançar." — Vitor Martins,
autor de Quinze dias e Um milhão de finais felizes