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Copyright © 2023 by Michele O.

de Abreu

Categoria: Direito Penal

Produção Editorial
Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.

Diagramação: Alex Sandro Nunes de Souza

A LIVRARIA E EDITORA LUMEN JURIS LTDA.


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emitidas nesta obra por seu Autor.

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Todos os direitos desta edição reservados à


Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
Abreu, Michele O. de
A162i Da imputabilidade do psicopata / Michele O. de Abreu. – 3. ed. rev., atual. e ampl. – Rio
de Janeiro : Lumen Juris, 2023.
Inclui bibliografia
Epub 1425kb
ISBN 978-85-519-2705-2

1. Direito penal. 2. Imputabilidade (Direito). 3. Transtorno de personalidade antissocial.


4. Psicopatia. I. Título.
CDD 345
Ficha catalográfica elaborada por Ellen Tuzi CRB-7: 6927
Àquele que tudo pode e faz acontecer.
Ao meu sobrinho Lorenzo e aos meus pais,
pelo amor incondicional.
“Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo,
não precisa temer o resultado de cem batalhas.”
Sun Tzu, A arte da guerra.
Agradecimentos

O livro apresentado ao leitor é fruto da dissertação de mestrado


desenvolvida e defendida no curso de pós-graduação da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), em 2011. Assim, agradeço
ao Professor Dr. Oswaldo Henrique Duek Marques, então orientador, pela
dedicação, orientação e contribuição salutares à elaboração do trabalho.
Agradeço imensamente ao Dr. Walfredo Cunha Campos que, gentilmente,
aceitou prefaciar a terceira edição do livro “Da imputabilidade do
psicopata” e contribuiu para o aprimoramento desta obra.
Ao médico psiquiatra argentino Dr. Hugo Marietan, especialista e autor de
várias obras sobre psicopatia, agradeço pela dedicação e presteza em
esclarecer questões polêmicas que levaram ao pensamento conclusivo
acerca do tema.
Aos meus pais, familiares e amigos, agradeço pelo apoio incondicional.
Aos estudantes e operadores do direito, os mais sinceros agradecimentos
pelo respeito por esta autora e por este livro.
Notas da Autora à 3ª. Edição

Percebe-se, com a 3ª. edição do livro “Da imputabilidade do psicopata”,


que o trabalho foi aprimorado em sua forma e apresentação, com a
finalidade de esclarecer, com maior fluidez, a psicopatia como transtorno de
personalidade, conforme a Organização Mundial da Saúde e a Associação
Americana de Psiquiatria.
Esta edição foi atualizada de acordo com a quinta edição revisada do
Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-V-TR) e
traz novas abordagens sobre o transtorno de personalidade antissocial,
como: características associadas, prevalência, desenvolvimento e curso,
fatores de risco e prognósticos e questões diagnósticas relativas à cultura,
ao sexo e ao gênero.
Foi também apresentada a nova classificação dos transtornos de
personalidade nos termos da décima primeira revisão da Classificação
Internacional dos Transtornos Mentais e de Comportamento (CID-11), com
destaque para a exclusão dos transtornos de personalidade em espécie e a
proposta de classificação baseada, principalmente, na gravidade do
transtorno (leve, moderado e grave). Como a CID-11 ainda não foi
traduzida e adaptada no Brasil, não foi possível, nesta edição, discorrer com
profundidade sobre as alterações provocadas. Enquanto a CID-11 não for
aplicada no Brasil, permanece a classificação diagnóstica prevista na CID-
10 e, por conseguinte, o entendimento da psicopatia como transtorno de
personalidade antissocial (F60.2).
Nesta edição, ressaltamos a importância do diagnóstico clínico no
transtorno de personalidade antissocial e a utilização de testes psicológicos
validados no Brasil. Atualizamos também a situação da validade da Escala
Hare (PCL-R) no Brasil [Sistema de Avaliação dos Testes Psicológicos
(Satepsi), do Conselho Federal de Psicologia].
Por fim, atualizamos os posicionamentos doutrinário e jurisprudencial
acerca da imputabilidade do psicopata, e reformulamos textos conclusivos
desse trabalho sem, contudo, alterar o posicionamento desta autora no
tocante à problemática proposta.
Notas da Autora à 2ª. Edição

Ultrapassados oito anos da publicação da 1ª edição, essa edição é


apresentada com novas informações científicas acerca do tema, reflexões e
abordagens que enriquecem e reforçam a compreensão da problemática
central.
Diversamente da edição anterior, esse trabalho reflete sobre a necessidade
de diferenciar o indivíduo com o transtorno de personalidade antissocial, do
indivíduo que também possui psicopatia e as consequências de tal
diferenciação.
Destaca-se que, na espacialidade de tempo das edições, decisões judiciais
têm avançado no sentido de reconhecer e tratar o infrator psicopata com o
rigor científico e jurídico devidos. Antes apontada como “pressuposto
necessário” para o reconhecimento da semi-imputabilidade, a psicopatia
vem sendo tratada como impedimento para benefícios executórios e até
para o reconhecimento da imputabilidade do infrator.
Pretende-se, com este trabalho, continuar contribuindo para que o tema
seja difundido e levado ao conhecimento de todos os estudiosos e
interessados no tema.
Por fim, essa autora esclarece que, apesar de a nova edição da
Classificação Internacional de Doenças (CID-11) entrar em vigor em 01 de
janeiro de 2022, tal instrumento ainda não foi traduzido para a língua
portuguesa e, até a apresentação deste trabalho à editora, não constam
maiores estudos acerca das possíveis alterações no tocante ao transtorno de
personalidade antissocial. Assim, a análise detida deste instrumento será
tema em uma próxima edição.
Sumário

Prefácio 3ª. Edição


Prefácio 2ª. Edição
Prefácio 1ª. Edição
Introdução
1 Psicopatia
1.1 Psicopatia e a questão terminológica
1.2 Critérios Internacionais de Classificação Diagnóstica
1.2.1 Organização Mundial da Saúde: Classificação Internacional de
Transtornos Mentais e de Comportamento (CID)
1.2.1.1 Transtorno de Personalidade Antissocial conforme a
Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10
1.2.1.1 Considerações preliminares sobre o transtorno de personalidade
antissocial na 11ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças
(CID-11)
1.2.2 Associação Americana de Psiquiatria: Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM)
1.2.2.1 Transtorno da personalidade antissocial e as suas considerações
no DSM-V-TR
1.2.2.2 Diagnóstico Diferencial do transtorno da personalidade
antissocial no DSM-V-TR
1.3 Conceito
1.3.1 Do conceito de psicopatia de acordo com a descrição
comportamental
1.3.2 Do conceito de psicopatia de acordo com a etiologia e o quadro
comparativo com doenças mentais
1.3.3 Desenvolvimento histórico do conceito de psicopatia
1.4 O perfil do psicopata
1.4.1 Área emocional/interpessoal
1.4.1.1 Eloquência e encanto superficial
1.4.1.2 Personalidade egocêntrica e presunçosa
1.4.1.3 Ausência de remorso ou culpa
1.4.1.4 Ausência de empatia
1.4.1.5 Talento para mentiras e manipulações
1.4.1.6 Emoções superficiais
1.4.2 Estilo de vida
1.4.2.1 Impulsividade
1.4.2.2 Autocontrole deficiente
1.4.2.3 Necessidade de excitação continuada
1.4.2.4 Falta de responsabilidade
1.4.2.5 Problemas de conduta na infância
1.4.2.5.1 Transtorno da conduta
1.4.2.6 Comportamento antissocial na fase adulta
1.4.3 O perfil do psicopata. Considerações finais.
1.5 Etiologia da psicopatia
1.6 Causa originária da psicopatia
1.7 Diagnóstico clínico e testes psicológicos
1.7.1 Teste ou psicodiagnóstico de Rorschach – “Teste do Borrão”
1.7.2 Psychopathy Checklist Revised ou Escala Hare (PCL-R)
1.7.3 Outros testes
1.8 Tratamento e reversibilidade do quadro clínico
1.9 Considerações
2 Da Imputabilidade
2.1 Considerações iniciais
2.2 Conceito
2.3 Fundamentação filosófica da imputabilidade
2.4 Histórico da imputabilidade na legislação penal brasileira
2.5 Imputabilidade e responsabilidade – correlação
2.6 Das causas que excluem a imputabilidade
2.6.1 Da inimputabilidade por doença mental, perturbação da saúde
mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado
2.6.2 Da inimputabilidade por idade
2.6.3 Da inimputabilidade por embriaguez
2.6.4 Da inimputabilidade e semi-imputabilidade na Lei n. 11.343/2006
2.7 Das causas que não excluem a imputabilidade
2.7.1 Emoção e paixão
2.7.2 Embriaguez voluntária ou culposa
3 Da Inimputabilidade e Semi-Imputabilidade de Acordo com o
Critério Biopsicológico
3.1 Da inimputabilidade
3.1.1 Do conteúdo da inimputabilidade
3.1.1.1 Dos elementos constitutivos causais da inimputabilidade
3.1.1.1.1Doença mental
3.1.1.1.1.1 Considerações históricas sobre o conceito
3.1.1.1.2 Desenvolvimento mental incompleto ou retardado
3.1.1.2 Dos elementos constitutivos consequenciais da inimputabilidade
3.1.1.2.1 Incapacidade de entender o caráter ilícito do fato
3.1.1.2.2 Incapacidade de determinar-se de acordo com esse
entendimento
3.2 Da semi-imputabilidade
3.2.1 Do conteúdo da semi-imputabilidade
3.2.1.1 Dos elementos constitutivos causais da semi-imputabilidade
3.2.1.1.1 Perturbação da saúde mental
3.2.1.1.2 Desenvolvimento mental incompleto ou retardado
3.2.1.2 Dos elementos constitutivos consequenciais da semi-
imputabilidade
3.2.1.2.1 Incapacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de
autodeterminar-se de acordo com tal entendimento
3.3 Consequências jurídico-penais
4 Da Imputabilidade do Psicopata
4.1 Considerações iniciais
4.2 O psicopata delinquente
4.3 O psicopata e o Código Penal
4.4 Da imputabilidade do psicopata (transtorno da personalidade
antissocial) de acordo com a doutrina
4.5 O psicopata (transtorno de personalidade antissocial) nos Tribunais
4.5.1 Transtorno de Personalidade Antissocial (psicopatia):
Imputabilidade e Circunstância judicial desfavorável (arts. 59, caput, e
68, ambos do Código Penal)
4.5.1.2 Transtorno de personalidade antissocial (psicopatia) e a
impossibilidade de progressão de regimes
4.5.1.3 Transtorno de personalidade antissocial (psicopatia) e a
impossibilidade de livramento condicional
4.6 Capacidade de culpabilidade do psicopata
4.6.1 Psicopatia e inimputabilidade
4.6.1.1 Psicopatia e doença mental
4.6.1.2 Psicopatia e desenvolvimento mental incompleto ou retardado
4.6.1.3 Da capacidade para entender o caráter ilícito dos fatos ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento
4.6.1.4 Considerações
4.6.1.5 O psicopata com transtorno mental
4.6.2 Psicopatia e semi-imputabilidade
4.6.2.1 Psicopatia e perturbação da saúde mental
4.6.2.2 Da capacidade para entender o caráter ilícito dos fatos ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento
4.6.2.3 Considerações
4.7 Psicopatia e imputabilidade
Conclusão
Referências
Prefácio
3ª. Edição

Psicopata. A palavra já evoca lembranças de crimes bárbaros noticiados


com sensacionalismo, bem como de filmes e séries de televisão de sucesso,
dado o enorme interesse do grande público sobre o assunto.
Longe de ser matéria de enredos de ficção, a psicopatia é uma realidade
jurídica com a qual se defrontam aqueles que militam na área criminal,
sobretudo os que atuam no Tribunal do Júri.
É o psicopata louco, e não deve ser punido?
Parcialmente responsável por seus atos criminosos?
Ou, então, plenamente imputável, merecendo lhe ser imposta uma pena?
A questão é intrigante, e as respostas possíveis contraditórias.
Na literatura quanto ao tema, não raras vezes, a abordagem se bifurca em
obras que o desenvolvem superficialmente, dando ênfase a casos escabrosos
e sanguinários, que nem sempre são proveitosos a quem pretende conhecer,
de maneira objetiva e científica, o que é efetivamente a psicopatia. De outro
giro, há aqueles livros que tentam esmiuçar o tema, compilando autores
diversos, em uma demonstração de erudição vazia, que, além de pouco
didática, qual uma noz vazia, dela nada se extrai do pensamento do autor, de
suas ideias quanto ao assunto abordado (se é que as possuía...), mas apenas
cascas dos pensamentos alheios.
O filósofo alemão Arthur Schopenhauer1 bem diferencia os verdadeiros
escritores ÷ os que pensam ÷ daqueles que deixaram de exercer essa nobre
faculdade humana, sendo macaqueadores de ideias alheias:
É extremamente reduzida a quantidade daqueles que pensam sobre as próprias coisas,
enquanto os demais pensam apenas sobre livros, sobre o que os outros disseram. Ou seja,
para pensar, eles precisam de um forte estímulo de pensamentos alheios já disponíveis.
Os leitores quebram em vão a cabeça na tentativa de descobrir o que eles pensam afinal.
Eles simplesmente não pensam.
Apenas aqueles que, ao escrever, tiram a matéria diretamente de suas cabeças são dignos de
serem lidos.
Leitor, tenha a certeza de que a obra que se encontra em suas mãos, Da
imputabilidade do psicopata, da Dra. Michele O. de Abreu, é da lavra de
uma escritora digna de ser lida, a qual, aliada à grande erudição que
permeia as páginas deste livro, demonstra a indiscutível capacidade de
pensar por conta própria (e de nos fazer pensar junto com ela).
A autora destrincha com profundidade, sem perder a veia didática, as
questões mais complexas referentes ao conceito de psicopatia, o perfil e o
estilo de vida do psicopata, e o correlato tratamento penal a ser dispensado
a quem possua esse transtorno de personalidade.
Obra essencial para os que pretendem conhecer o assunto, para aqueles
que desejam nele se aprofundar, e para todos os operadores do direito,
especialmente os que atuam na área criminal.
Por isso que na nossa obra Tribunal do Júri, Teoria e Prática2, ao
tratarmos dos conceitos de imputabilidade, semi-imputabilidade e
inimputabilidade aplicáveis ao rito do Júri, recomendamos vivamente aos
nossos leitores o estudo do livro da Dra. Michele O. de Abreu, como
material acadêmico imprescindível à compreensão, ao questionamento e até
à eventual desmistificação de laudos periciais que tenham por objeto o
acusado psicopata.
O livro já se tornou uma referência nacional pela honestidade intelectual
da autora, sua verve literária e a objetividade de seu conteúdo, o que torna
muito bem-vinda − e necessária − a nova edição da obra, revisada,
atualizada e ainda mais aprimorada.
O leitor tem em mãos uma obra cujo estilo, claro e alto, segue as lições do
que deve ser a comunicação humana pregada pelo maior orador de língua
portuguesa de todos os tempos, o Padre Antônio Vieira3:
“O Estilo pode ser muito claro e muito alto; tão claro que o entendam os
que não sabem, e tão alto que tenham muito que entender nele os que
sabem”.
Walfredo Cunha Campos
Promotor de Justiça do Estado de São Paulo
Professor e Autor do livro “Tribunal do Júri, Teoria e Prática”.

1 SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de escrever. Porto Alegre: Editora L& PM., 2019. pp. 58-59.
2 CAMPOS, Walfredo Cunha. Tribunal do Júri, Teoria e Prática. 8. ed. Leme/SP: Mizuno, 2022.
Página 434
3 Obras completas do Padre Antônio Vieira. Sermões. Porto: Lello & Irmão Editores, 1959. p. 20.
Prefácio
2ª. Edição

Inicialmente, com grande satisfação registro a alegria em aceitar o convite


para prefaciar a 2ª edição da obra Da Imputabilidade do Psicopata, de
autoria da exímia professora Michele Oliveira de Abreu que, desde os
tempos de estagiária do Ministério Público do Estado de São Paulo, sempre
se mostrou muito estudiosa e dedicada.
Frequentemente citada como fonte de pesquisa, a presente obra reúne
conteúdo multidisciplinar, correlacionando a ciência jurídica com a
psiquiatria e a psicologia. Originalmente apresentado como dissertação de
Mestrado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),
enriquecido pela orientação do Professor Doutor Oswaldo Henrique Duek
Marques, o trabalho demonstra sua relevância e sensível percepção concreta
do tema.
O estudo enfatiza ser impraticável o conhecimento da psicopatia e dos
seus reflexos na imputabilidade penal sem a análise das ciências médicas e
sociais que abordam a psicopatia, notadamente a psiquiatria e a psicologia,
sobretudo no tocante ao enfoque relacionado às controvérsias jurídicas
correlatas. Para tanto, a autora realizou profunda e sólida pesquisa
bibliográfica e jurisprudencial, contextualizando o tema sob a ótica dos
tribunais pátrios, da doutrina e da saúde, estabelecendo um escorço
histórico transdisciplinar do psicopata. A obra em questão reflete o
inquietante cuidado com a matéria, examinando-a com prudência e
conhecimento técnico-científico.
Nesse sentido, a perquirição da imputabilidade do psicopata pautada nas
descobertas biológicas, psicológicas e no conhecimento da medicina se
mostra imperativa para a plena compreensão das questões
multidisciplinares envolvendo a pessoa com psicopatia e sua
responsabilidade penal.
No âmbito jurídico, é inequívoco que a lei penal define como imputável a
pessoa que, no momento da ação ou omissão, seja mentalmente
desenvolvida e saudável, possua condição de compreender a natureza
criminosa de seu ato e de se determinar de acordo com esse entendimento.
Contudo, na prática, apesar do sobredito diploma normativo enunciar as
diretrizes a serem trilhadas, não há qualquer menção sobre o indivíduo com
psicopatia, o que tem resultado em divergências e discussões sobre a sua
imputabilidade, em especial, se ele deve ser considerado doente mental ou
pessoa com transtorno na personalidade.
Nessa linha, a constatação da capacidade volitiva, da capacidade cognitiva
e da capacidade intelectual, assim como a verificação de possíveis atos
involuntários, de distorções cognitivas, alucinações, impulsividade,
comportamento antissocial, autocontrole, delírios, pensamentos
desvirtuados, de problemas envolvendo a consciência dos próprios atos, o
raciocínio, a percepção da realidade e a conduta do agente na fase da
infância devem ser conjuntamente considerados tanto na avaliação clínica,
como na perícia, de forma associada às condições determinantes para o
reconhecimento da imputabilidade do sujeito. Não é recomendada, tão
pouco adequada, à luz do disposto no art. 26, caput e parágrafo único do
Código Penal, a exclusão desses importantes fatores.
Nesse contexto, a abordagem do comportamento humano explorada no
presente estudo, de forma competente e minuciosa, analisa a consumação
dos comportamentos antissociais e hostis e sua correlação com a
personalidade classificada como psicopática. Examina os sintomas
característicos do transtorno de personalidade antissocial, descortina a
impulsividade do psicopata e sua correspondência direta com o desprezo
pelas consequências jurídicas e sociais de suas ações, além de analisar o
prejuízo e a diminuição de sua compreensão e discernimento da realidade
dos fatos, o domínio e o controle de sua conduta, sopesando sua
imputabilidade diante da legitimação do jus puniendi.
O conhecimento intelectual produzido nesta obra traz a certeza de que a
professora Michele Oliveira de Abreu produziu um livro de inusitado valor
e conteúdo, revelando-se, desta maneira, como de grande importância não
só aos operadores do Direito, mas também aos profissionais da saúde, da
psicologia e a todos aqueles que constantemente aceitam o desafio de
melhor decifrar o perfil da pessoa com psicopatia e seus desdobramentos na
dogmática penal.
Por conseguinte, os preceitos e teorias lançados adiante refletem parte do
trajeto necessário para nortear a cognição da controvertida disciplina
relacionada à psicopatia. Cuida-se, destarte, de obra abrangente e
contemporânea que indubitavelmente traz significativo subsídio para o
estudo do tema e do sistema legal correlato.
Yuri Giuseppe Castiglione
Promotor de Justiça do Estado de São Paulo
Mestrando em Saúde Coletiva pela Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (FMUSP)
Prefácio
1ª. Edição

Com muita alegria aceitei o convite para prefaciar a obra Da


Imputabilidade do Psicopata, de autoria de Michele Oliveira de Abreu, que
teve origem em Dissertação de Mestrado aprovada por Banca Examinadora
por mim presidida e integrada pelos renomados Professores Alexis Couto
de Brito e Gustavo Octaviano Diniz Junqueira.
Minha satisfação em prefaciar esta obra é redobrada. De um lado, no
tocante ao aspecto pessoal e acadêmico, por ter sido a autora minha aluna
no curso de Pós-Graduação em Direito Penal na Pontifícia Universidade
Católica, além de minha orientanda na Dissertação de Mestrado. Os anos de
convivência até a defesa da Dissertação despertaram-me respeito acadêmico
pela autora, empenhada em investigar tema pouco comum, mas de grande
interesse para o mundo acadêmico, acerca da imputabilidade do psicopata.
De outro lado, por revestir-se a obra ora prefaciada de aprofundado rigor
científico, arrimada em sólida pesquisa bibliográfica, de autores nacionais e
estrangeiros, tanto no campo do Direito, como no da Criminologia e da
Psiquiatria. Somente por meio da conjugação da análise de aspectos de
vários campos do conhecimento afigura-se possível desenvolver tema
difícil e polêmico, que guarda relação com a questão da imputabilidade –
enquanto elemento da culpabilidade – no âmbito penal e, por via de
consequência, com a perspectiva da liberdade a ela inerente.
Com efeito, a imputabilidade penal possui estreito vínculo com a esfera de
liberdade do indivíduo, na medida em que a culpabilidade implica, em cada
situação fática concreta, a capacidade e a possibilidade de o sujeito ativo
agir em obediência à norma penal preestabelecida. Em outras palavras, só é
passível de imputabilidade e de reprovação quem atua contra a norma,
quando podia atuar de outro modo, evitando a conduta proibida.
O Código Penal vigente, em seu artigo 26, adotou a teoria biopsicológica,
ao considerar inimputáveis aqueles que, em razão de doença mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, são inteiramente
incapazes de entender o caráter ilícito do fato delituoso ou de determinar-se
segundo esse entendimento, no momento da ação ou da omissão.
Pelo parágrafo único do mesmo artigo, serão considerados semi-
imputáveis – ou com imputabilidade reduzida – os portadores de
perturbação mental ou de desenvolvimento incompleto ou retardado que, no
momento da ação ou da omissão, não possuam a plena capacidade de
entendimento ou de determinação em relação ao ilícito penal.
Tanto em uma situação, quanto na outra, afigura-se imprescindível saber,
em um primeiro momento, se a psicopatia se insere entre as doenças
mentais ou entre as perturbações mentais. Em caso de resposta positiva,
cabe então indagar, na etapa seguinte, se essas patologias são capazes de
suprimir ou de reduzir a capacidade de entendimento ou de determinação do
indivíduo em face do comando normativo.
Essas importantes indagações são respondidas nesta obra pela autora,
arrimada em séria pesquisa desenvolvida. Sua obra parte das características
da psicopatia, sem deixar de mencionar as recentes descobertas científicas
sobre o tema. O estudo prossegue com o enfoque histórico da
imputabilidade e da semi-imputabilidade, com exame da legislação penal
vigente, a partir da reforma penal de 1984.
A leitura do livro nos permite constatar que as conclusões apresentadas
por Michele Oliveira de Abreu servirão de norte e poderão contribuir para
solucionar assunto controvertido e atual relacionado à psicopatia. Daí o
interesse científico indiscutível de sua obra para os profissionais e
estudiosos não só do Direito Penal, como também de outras áreas do
conhecimento, interessados na difícil questão acerca da responsabilidade
penal dos psicopatas.

Oswaldo Henrique Duek Marques


Livre-docente em Direito Penal e Professor Titular de Direito
Penal da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Introdução

O presente trabalho tem fim precípuo examinar o campo do estudo


científico da psicopatia e verificar se as pessoas com psicopatia detêm ou
não as características determinantes para o reconhecimento da
imputabilidade nos termos do art. 26, caput e parágrafo único, do Código
Penal vigente.
Em primeiro lugar, o trabalho pretende abordar se a psicopatia é doença
mental, perturbação da saúde mental, desenvolvimento mental incompleto
ou retardado ou apenas um transtorno da personalidade. Na oportunidade,
analisaremos, a partir dos traços comportamentais, se os psicopatas têm a
capacidade de conhecer o caráter ilícito dos fatos ou de determinar-se de
acordo com esse entendimento.
Aferida a psicopatia como doença mental, perturbação da saúde mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, verificaremos se estas
condições são suficientes para, no momento dos fatos, tornar o seu portador
inimputável ou semi-imputável, nos termos do art. 26, caput e parágrafo
único, do Código Penal.
Desse objeto de estudo surgem as seguintes problemáticas sequenciais e
consequenciais: tendo em vista que o dispositivo legal ora abordado (ab
initio) considera, respectivamente, inimputável e semi-imputável os
indivíduos com doença mental e perturbação da saúde mental, indaga-se,
primeiramente, a natureza etiológica da psicopatia.
Caso seja reconhecida como doença mental, é imprescindível verificar se
essa circunstância o tornou inteiramente incapaz de, ao tempo da ação ou
omissão, entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo
com esse entendimento. Na hipótese do reconhecimento de perturbação da
saúde mental, imperioso indagar se o diagnóstico é suficiente para ter
tornado o indivíduo parcialmente incapaz de, ao tempo da ação ou omissão,
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com tal
entendimento.
Com o objetivo de findar tais questionamentos ou ao menos destacar a
necessidade e a relevância de maiores estudos acerca do assunto,
desenvolveremos nosso trabalho a partir do perfil comportamental exposto
pelo psicólogo forense canadense Robert D. Hare, responsável pela criação
de um dos mais relevantes instrumentos para avaliar o grau de
periculosidade e identificar o indivíduo com personalidade psicopática. O
trabalho ainda está segmentado em constructos da medicina (psiquiatria,
psiquiatria forense e neurociência), psicologia (psicologia médica,
psicologia comportamental, psicologia cognitiva e psicologia
comportamental-cognitiva), criminologia e medicina legal.
Em razão da complexidade do tema ora proposto, este trabalho será
desenvolvido conforme exposto a seguir.
No primeiro capítulo, serão apontados todos os caracteres que envolvem a
figura do psicopata. Abordaremos, inicialmente, as diversas perspectivas
acerca do conceito de psicopatia e a evolução histórica da terminologia,
ultrapassando, ainda, a problemática acerca da nomenclatura
cientificamente empregada.
Aprofundaremos a existência de indivíduos que apresentam
comportamento antissocial como se psicopatas fossem, mas que com eles
não se confundem, oportunidade na qual apontaremos a importância desta
diferenciação para fins de tratamento e recuperabilidade do indivíduo.
Destacaremos as teorias que justificam as causas originárias da psicopatia
e delinearemos o perfil comportamental do psicopata, os critérios e os
resultados obtidos a partir de pesquisas realizadas como meios de
diagnóstico, além das mais recentes descobertas científicas sobre o tema.
Por fim, daremos atenção à potencial tratabilidade e reversibilidade desse
quadro.
O segundo capítulo aborda o instituto da imputabilidade. Iniciaremos com
o conceito do instituto e, a seguir, traremos sua evolução histórico-legal
(respeitando as alterações sofridas pela Lei n. 7.209, de 11 de julho de
1984). Momento seguinte, dedicaremos à análise das causas que o
fundamentam sob a perspectiva das Escolas Clássica, Positiva e outras
apontadas pela doutrina. Por fim, apontaremos as possíveis causas com
condão de excluí-la ou diminuí-la e os critérios doutrinários existentes para
a averiguação da inimputabilidade, quais sejam, biológico, psicológico e
biopsicológico.
No terceiro capítulo, dedicado à análise da inimputabilidade e da semi-
imputabilidade sob a perspectiva do critério biopsicológico, serão
observados todos os requisitos legalmente previstos e imprescindíveis para
sua configuração.
Dando continuidade ao raciocínio ora apresentado, iniciaremos o quarto
capítulo expondo a dificuldade em verificar a psicopatia no caso concreto e
traçaremos um quadro paralelo entre a psicopatia e os institutos da
inimputabilidade e semi-imputabilidade. Primeiramente, analisaremos se a
psicopatia é transtorno mental, perturbação da saúde mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Em caso afirmativo,
verificaremos se, diante de uma situação fática concreta, o psicopata pode
ser considerado imputável, semi-imputável ou inimputável, nos termos do
art. 26, caput e parágrafo único, do Código Penal.
Entendemos que somente a partir desse complexo raciocínio poderemos
apresentar um posicionamento lógico e cientificamente comprovado para
melhor esclarecer um dos maiores questionamentos do direito penal.
1 Psicopatia

Nasci com o diabo dentro de mim. Não pude evitar o fato de ser um assassino, da mesma
forma que o poeta não consegue impedir a inspiração de se expressar... Nasci com o mal
sendo meu tutor ao lado da cama onde fui trazido ao mundo, e desde então ele tem estado
comigo.
(H. H. Holmes, conhecido como o primeiro serial killer americano, executado em 1986)1.

Dedicar-se ao estudo da psicopatia exige árduo empenho para desconstruir


“conceitos” equivocadamente incutidos na sociedade e que, reflexamente,
foram acolhidos no âmbito jurídico.
É certo que a psicopatia ultrapassa a narrativa comum e
indiscriminadamente associada ao comportamento de serial killers,
estupradores, golpistas e outros criminosos. O tema reveste-se de
cientificidade.
Certos da impossibilidade do enfrentamento da questão sem a sua
abordagem científica; e reconhecida a necessidade da apresentação da base
teórica sobre todos os aspectos relacionados à psicopatia, dedicaremos esse
capítulo à sua exposição. Para esse fim, sustentaremos, ao longo deste
trabalho, os principais estudos de psicopatologia e os ensinamentos de
renomados cientistas, psiquiatras e psicólogos clínicos e/ou forenses ao
redor do mundo
1.1 Psicopatia e a questão terminológica
Dada a necessária construção teórica sobre os fundamentos da psicopatia,
forçoso dedicarmos esse primeiro momento ao enfrentamento da
problemática terminológica.
Primeiramente, cumpre destacar que psicopatia está associada a um
transtorno, conforme descrição diagnóstica estabelecida pela Organização
Mundial da Saúde (OMS) e Associação Americana de Psiquiatria (APA).
Tal afirmação não implica defender a existência de um “transtorno de
psicopatia” ou “transtorno psicopático”; essa classificação inexiste. A
psicopatia, há alguns anos, corresponde aos critérios diagnósticos previstos
ao transtorno da personalidade antissocial, conforme previsão da OMS e
APA.
Ultrapassados os esclarecimentos acerca da psicopatia como transtorno e
da sua correspondência com o transtorno da personalidade antissocial, outra
discussão terminológica sobrevém: o transtorno da personalidade
antissocial e psicopatia são expressões sinônimas?
Como veremos ao longo do trabalho, a existência de um transtorno da
personalidade que corresponda à psicopatia não implica, necessariamente,
sejam eles considerados inteiramente correspondentes (psicopatia e
transtorno da personalidade antissocial). Ou seja, não há que falar sejam
eles expressões sinônimas sob todos os aspectos.
Conforme melhores ensinamentos, e como trataremos oportunamente, os
critérios diagnósticos atuais para o transtorno da personalidade antissocial
permitem que duas categorias de indivíduos recebam o mesmo diagnóstico:
psicopatas e não psicopatas2.
Segundo Vicente Garrido, o conceito de ‘psicopatia’ vem sendo
constantemente revisado ao longo de anos, a ponto de suas características
clínicas não estarem mais devidamente abarcadas pelo Manual Diagnóstico
e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V). A psicopatia diz respeito a
um transtorno mais grave e de difícil tratamento, enquanto o Transtorno de
Personalidade Antissocial se refere, fundamentalmente, às condutas
antissociais e delitivas.
Em tudo isso há uma grande confusão. O DSM de 1968 ainda descrevia alguns dos aspectos
essenciais da personalidade psicopática [o que levou Cleckley a aprovar esse termo na
última edição de seu livro The mask of sanity (A máscara da sanidade), em 1976]. Mas os
DSMs posteriores forçavam um diagnóstico baseado em uma série de comportamentos
antissociais e atos delituosos, evitando a maioria dos traços de personalidade que definiram
a psicopatia desde sempre e que tão bem descreveu Cleckley em 19413.

A psiquiatra forense Hilda Clotilde Penteado Morana critica esses


critérios ao afirmar que eles não consideram as diferenças de tendências
antissociais encontradas em populações psiquiátricas e forenses4. A autora
ainda ressalta a tendência em considerar a psicopatia como categoria
diagnóstica específica entre os transtornos de personalidade:
Embora o termo ‘psicopatia tenha sido usado até o momento em diferentes contextos, há
uma tendência crescente entre os cientistas do comportamento para restringir-lhe o uso a
um distúrbio clínico e comportamental relativamente específico. Esse distúrbio foi descrito
detalhadamente por Clekley (1964) e Karpman (1961). Em sentido largo, foi enquadrado
pela American Psychiatric Association (1952) na categoria – “distúrbio sociopático da
personalidade, reação anti-social”5.

Destaca, por fim, que segundo a Classificação Internacional das Doenças


(CID-10), os critérios diagnósticos do transtorno da personalidade
antissocial são dirigidos à identificação das características da personalidade.
Dessa forma, é possível que tanto psicopatas como outros indivíduos não
psicopatas possam preencher os critérios ora mencionados. Em detrimento
de tal temeridade, a autora sustenta a necessidade de diferenciar esses
indivíduos: os psicopatas e as pessoas com transtorno da personalidade
antissocial propriamente dito (não psicopata)6.
Entendendo a necessária diferenciação e preservando a classificação
diagnóstica, a psiquiatra forense Hilda Clotilde Penteado Morana defende a
existência de dois tipos de transtorno da personalidade antissocial:
transtorno global e transtorno parcial, que se referem, respectivamente, aos
psicopatas e aos não psicopatas. Importante ressaltar que, ainda que tal
classificação tenha coerência e preserve a nomenclatura científica
(transtorno da personalidade antissocial), essa distinção é apenas doutrinária
e não obriga o profissional da saúde a adotá-la7.
De outra sorte, encontramos a terminologia conhecida como sociopatia.
Conforme preceituam Paul Babiak e Robert D. Hare8, a sociopatia não
consiste em condição psiquiátrica formal, muito embora tenha sido utilizada
para se referir a indivíduos com características psicopáticas resultantes de
questões sociais (1930). Destacam o fato de que, atualmente, a sociopatia
“se refere a padrões de atitudes e comportamentos que a sociedade
considera antissociais e criminosos, mas que são normais ou necessários na
subcultura ou no ambiente social em que se desenvolveram.” A título de
exemplo, apontam aqueles que cresceram em um ambiente criminoso,
marginalizado ou empobrecido e que adotaram sua cultura e seu
comportamento.
Vicente Garrido esclarece que:
em algumas ocasiões, profissionais e aflicionados utilizam o termo ‘sociopata’ no lugar de
psicopata. Essa expressão era freqüente por volta de 1960 e 1970, quando se pretendia
destacar a origem social do quadro, ou seja, dizer que havia determinadas causas em nosso
modo de funcionar em sociedade que eram as responsáveis últimas pelo fenômeno.
Atualmente, o termo é pouco utilizado. A partir de 1968, a Sociedade Americana de
Psiquiatria introduziu o conceito de ‘personalidade antissocial’ para definir o psicopata
dentro dos transtornos de personalidade. E as edições seguintes do Manual de Diagnóstico e
Estatística das Perturbações Mentais, o DSM (1980, 1987 e 1994) – um tratado ao qual
recorrem profissionais do mundo todo para diagnosticar transtornos psíquicos e de
comportamento –, não fizeram outra coisa senão continuar nessa linha, prescindindo do
termo psicopata – que é muito antigo, como veremos – e substituindo-o pela expressão
‘transtorno de personalidade antissocial’9.

Por fim, importante apontarmos a nomenclatura apresentada pelo


psiquiatra forense brasileiro Guido Arturo Palomba que, ao discordar do
sentido etimológico da expressão ‘psicopatia’10, defende o uso do termo
‘condutopatia’:
‘condutopatia’ é uma palavra composta por sufixação (conduta + páthos, moléstia), com
vogal de ligação (conduta + o + patia). Como o nome diz, é própria dos que apresentam
distúrbios de conduta, distúrbios de comportamento, ou seja, o páthos está na conduta11.

Importante esclarecermos que, assim como se dá com a expressão


“psicopatia”, os termos “sociopatia” e “condutopatia” não são reconhecidos
- sob as respectivas terminologias - como transtornos pela Organização
Mundial da Saúde (OMS) e a Associação Americana de Psiquiatria (APA).
Essas nomenclaturas atualmente encontram correspondência ao “transtorno
de personalidade antissocial” (F60.2) e, caso o médico psiquiatra e/ou o
psicólogo forenses queiram especificar certas condições ao diagnóstico,
poderão acrescer (e nunca substituir) as expressões acima à classificação
diagnóstica devida (F60.2, segundo a CID-10).
Encerramos o presente item reafirmando que “psicopatia” é tema
científico e, como tal, deve assim ser compreendido. Esse aspecto assume
absoluta relevância nos contextos clínico, científico e forense, quando
necessária a classificação diagnóstica correspondente e descrita pela
Organização Mundial da Saúde e/ou a Associação Americana de
Psiquiatria: transtorno de personalidade antissocial.
Considerando a existência dessas concepções (transtorno da personalidade
antissocial e psicopatia) e o reconhecimento de que o transtorno da
personalidade antissocial previsto no CID-10 e no DSM-V-TR alcança
indivíduos psicopatas e não psicopatas, adotaremos, com ressalvas e para
fins absolutamente didáticos nesta terceira edição, a expressão ‘psicopatia’
como sinônima de ‘transtorno da personalidade antissocial”, e quando
verificada a necessária distinção, assim a faremos expressamente.
1.2 Critérios Internacionais de Classificação
Diagnóstica
Conforme apontamentos anteriores, os critérios para classificar os
transtornos mentais e de comportamento estão previstos, atualmente, na
décima primeira Classificação Internacional de Doenças (CID-11) e na
quinta edição revisada do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM-V-
TR), respectivamente elaborados pela Organização Mundial da Saúde e pela
Associação Americana de Psiquiatria.
Como seu irmão gêmeo, o CID, o DSM destina-se, desde então, a uniformizar os critérios
de diagnóstico, o registro estatístico e a comunicação entre clínicos. Mas, por ser uma
ordenação das doenças mentais em grupos e subgrupos, embora com critérios
eminentemente descritivos, traduz uma concepção das formas da doença mental ou, pelo
menos, uma definição delas em categorias distintas. É, portanto, como o CID, uma
autêntica classificação das formas da alienação mental (ou da loucura)12.

Primeiramente, cabe destacar que a Classificação Estatística Internacional


de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID) é de aplicação
obrigatória nos Estados-membros da Organização Mundial da Saúde. Por
outro lado, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
(DSM) é aplicável nos Estados Unidos, embora outros países o adotem para
facilitar e reforçar o diagnóstico dos transtornos mentais e dos
comportamentos previstos na CID.
Para evitar discrepância de resultados científicos entre países e outros
problemas relacionados à dificuldade de coleta, uso de estatísticas,
desenvolvimento de tratamentos e indicação da população idêntica de
pacientes, o DSM tem-se esforçado para, com suas revisões, acompanhar as
revisões da CID.
Passaremos, a seguir, ao estudo do transtorno da personalidade antissocial
conforme preceituam a CID-10, CID-11 e o DSM-V-TR.

1.2.1 Organização Mundial da Saúde:


Classificação Internacional de Transtornos
Mentais e de Comportamento (CID)
Criada em 1948, a Organização Mundial da Saúde consiste em uma
agência especializada das Nações Unidas com a responsabilidade de
“promover saúde, manter o mundo seguro e servir os vulneráveis – para que
todos, em todos os lugares, possam atingir o mais alto nível de saúde”13.
Foi na primeira Assembleia Mundial da Saúde, em 30 de abril de 1948,
que os delegados confiaram à Organização Mundial da Saúde o dever de
estabelecer e revisar periodicamente as nomenclaturas internacionais
necessárias de doenças e causas da morte, concedendo-lhe autoridade para
adaptar os regulamentos a respeito, como nomenclatura para a Classificação
Estatística Internacional de Doenças, Lesões e Causas de Morte e as
recomendações que a acompanham, com a finalidade de uniformização
(padronização) e comparação internacional das estatísticas de morbidade e
mortalidade.
A Classificação Internacional de Doenças pode ser definida como um
sistema de categorias atribuído a entidades mórbidas segundo algum critério
estabelecido, o qual fornece códigos concernentes à classificação estatística
de doenças. “A CID é usada para traduzir diagnósticos de doenças e outros
problemas de saúde em um código alfanumérico que permite o
armazenamento, a recuperação e a análise dos dados”14.
Aponta a história que as primeiras revisões da classificação diziam
respeito somente às causas de morte. Em 1948, porém, com a Sexta
Revisão, suas finalidades se expandiram, passando a incluir doenças não
fatais e, em 1952, as doenças ou transtornos mentais.
No quadro abaixo, é possível verificarmos a evolução história das
classificações elaboradas e publicadas pela Organização Mundial da Saúde.
Revisões Adoção Entrada em Vigor

CID-6 Adotada em 1948 1948

CID-7 Adotada em maio de 1956 1º de janeiro de 1958

CID-8 Adotada em maio de 1966 1º de janeiro de 1968

CID-9 Adotada em maio de 1976 1º de janeiro de 1979

CID-10 Adotada em maio de 1990 1º de janeiro de 1993

CID-11 Adotada em maio de 2019 1º de janeiro de 2022


Verificada a evolução das revisões, a Organização Mundial da Saúde
atualmente considera a classificação fruto da Décima Primeira Revisão
(CID-11)15. Como trataremos oportunamente, a CID-11 – adotada em 2019
pela 72ª. Assembleia Mundial da Saúde – entrou em vigor em janeiro de
2022. Apesar da sua vigência, a Organização Mundial de Saúde estima que
o período de transição da CID-10 para a CID-11 deva ocorrer de dois a três
anos, e passe a ser usada a partir de 1º de janeiro de 2025.
No Brasil, o Ministério da Saúde, em parceria com a Câmara Técnica
Assessora para Gestão da Família de Classificações Internacionais e com a
Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), está coordenando o processo
de tradução da CID-11 para o português16. Enquanto os processos de
tradução, revisão e validação por especialistas na área de classificações não
se findam, o Brasil continua adotando a CID-10.
Uma vez que a CID-10 ainda é a versão utilizada no Brasil enquanto a
CID-11 não é implementada, continuaremos, nesta edição, a tratar o
transtorno de personalidade conforme a CID-10, sem deixar, contudo, de
tecer considerações sobre sua abordagem na CID-11.

1.2.1.1 Transtorno de Personalidade Antissocial


conforme a Classificação de Transtornos
Mentais e de Comportamento da CID-10
Conforme o instrumento de Classificação de Transtornos Mentais e de
Comportamentos atualmente utilizado no país (CID-10), o transtorno da
personalidade antissocial consiste em um dos tipos específicos de transtorno
da personalidade elencados (F-60). Para melhor elucidação, segue abaixo,
de forma resumida, sua posição na CID-1017:
F-60 – F69
Transtornos de personalidade e de comportamentos em adultos
F60 Transtornos específicos de personalidade
F60.0 Transtorno de personalidade paranoide
F60.1 Transtorno de personalidade esquizoide
F60.2 Transtorno de personalidade antissocial
F60.3 Transtorno de personalidade emocionalmente instável
.30 Tipo impulsivo
. 31Tipo borderline (limítrofe)
F60.4 Transtorno de personalidade histriônica
F60.0 Transtorno de personalidade anancástica
F60.0 Transtorno de personalidade ansiosa (de evitação)
F60.0 Transtorno de personalidade dependente
F60.0 Outros transtornos específicos de personalidade
F60.0 Transtorno de personalidade não especificado
F61 Transtornos de personalidade mistas e outros
(...)
F62. Alterações permanentes de personalidade, não atribuíveis a lesão ou doença cerebral
(...)
F63. Transtornos de hábitos e impulsos
(..)
F64 Transtornos de identidade sexual
(...)
F65 Transtornos de preferência sexual
(...)
F66 Transtornos psicológicos e de comportamento associados ao desenvolvimento e
orientação sexual
(...)
F68 Outros transtornos de personalidade e de comportamentos em adultos
(...)
F69 Transtorno não especificado de personalidade e de comportamento em adultos

Conforme o estabelecido no CID-10, os transtornos de personalidade


consistem em “uma variedade de condições e padrões de comportamentos
clinicamente significativos, os quais tendem a ser persistentes e são a
expressão do estilo de vida e do modo de se relacionar, consigo mesmo e
com os outros, característicos de um indivíduo”18.
Os critérios para estabelecer os tipos específicos dos transtornos de
personalidade consideraram as manifestações comportamentais
predominantes e mais assíduas, bem como as causas e antecedentes que
provocaram a alteração na personalidade do indivíduo (experiência
catastrófica, estresse ou tensão prolongada e doença psiquiátrica, exceto a
esquizofrenia residual).
A Organização Mundial de Saúde (OMS) destaca o fato de as variações
culturais ou regionais terem relevância para as manifestações de condições
de personalidade, contudo reconhece que os estudos na área ainda são
escassos. Para solucionar os casos em que as condições de personalidade de
determinada área do mundo não correspondam a qualquer dos subtipos dos
Transtornos de Personalidade, orienta sua classificação como “outros”
transtornos de personalidade e que seja identificada por meio de um código
de cinco caracteres, fornecido em uma adaptação da CID-10 para
determinado país ou região19.
Importante destacar que a CID-10, antes de apresentar as descrições
clínicas (ou descrições suplementares) dos subtipos de Transtornos de
Personalidade, expõe as diretrizes diagnósticas gerais aplicáveis a todos
eles. São elas:
Diretrizes Diagnósticas
Condições não diretamente atribuíveis à lesão ou à doença cerebral flagrante ou a outro
transtorno psiquiátrico, satisfazendo os seguintes critérios:
atitudes e condutas marcantemente desarmônicas, envolvendo em várias áreas de
funcionamento, p. ex., afetividade, excitabilidade, controle de impulsos, modo de percepção
e de pensamento e estilo de relacionamento com os outros;
o padrão anormal de comportamento é permanente, de longa duração e não limitado a
episódios de doença mental;
o padrão anormal de comportamento é invasivo e claramente mal-adaptativo para uma
ampla série de situações pessoais e sociais;
as manifestações acima sempre aparecem durante a infância ou adolescência e continuam
pela idade adulta;
o transtorno leva à angústia pessoal considerável, mas isso pode se tornar aparente apenas
tardiamente em seu curso;
o transtorno é usual, mas não invariavelmente associado a problemas significativos no
desempenho ocupacional e social.

Conforme o exposto na CID-10, para o diagnóstico dos transtornos de


personalidade, “em geral é requerida uma evidência clara da presença de
pelo menos três dos traços ou comportamentos dados na descrição
clínica”20.
Ultrapassada a verificação dos critérios gerais dos transtornos de
personalidade, a OMS expõe os critérios diagnósticos para os transtornos de
personalidade específicos. Conforme se abstrai da CID-10, o transtorno de
personalidade antissocial é tratado no código F60.2. Vejamos:
F60.2 Transtorno de personalidade antissocial
Transtorno de personalidade, usualmente vindo de atenção por uma disparidade flagrante
entre o comportamento e as normas sociais predominantes, e caracterizado por:
(a) Indiferença sensível pelos sentimentos alheios;
(b) Atitude flagrante e persistente de irresponsabilidade e desrespeito por normas, regras e
obrigações sociais;
(c) Incapacidade de manter relacionamentos, embora não haja dificuldade em estabelecê-
los;
(d) Muito baixa tolerância à frustração e um baixo limiar para descarga de agressão,
incluindo violência;
(e) Incapacidade de experimentar culpa e de aprender com a experiência, particularmente
punição;
(f) Propensão marcante para culpar os outros ou para oferecer racionalizações plausíveis
para o comportamento que levou o paciente a conflito com a sociedade.
Pode haver também irritabilidade persistente como um aspecto associado. Transtorno de
conduta durante a infância e adolescência, ainda que não invariavelmente presente, pode
dar maior suporte ao diagnóstico21.

Segundo a classificação, o transtorno de personalidade antissocial é


caracterizado por um desprezo das obrigações sociais e falta de empatia em
relação aos outros. Há um desvio considerável entre o comportamento e as
normas sociais estabelecidas. O comportamento não é facilmente
modificado pelas experiências adversas, inclusive pelas punições. Existe
baixa tolerância à frustração e baixo limiar de descarga da agressividade,
inclusive da violência. Existe ainda a tendência a culpar os outros ou a
fornecer racionalizações plausíveis para explicar um comportamento que
leva o sujeito a entrar em conflito com a sociedade22.

1.2.1.1 Considerações preliminares sobre o


transtorno de personalidade antissocial na 11ª
Revisão da Classificação Internacional de
Doenças (CID-11)
Como mencionado anteriormente, a CID-11 foi adotada em 2019 na 72ª.
Assembleia Mundial da Saúde, entrando em vigor em janeiro de 2022. Em
11 de fevereiro de 2022, teve publicada a sua “última atualização”23.
A Organização Mundial da Saúde esclarece que a CID-11 consiste em um
padrão de dados de saúde obrigatório (Constituição da OMS e
Regulamentos), possui estrutura conceitual independente de idioma e
cultura, é totalmente digital e acessível a todos. Destaca ainda ser mais
extensa quando comparada à décima revisão da CID; o seu conteúdo está
cientificamente atualizado e há maior integração entre terminologia e
classificação24.
Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde, a
classificação foi compilada e atualizada com informações de mais de 90 países e
envolvimento sem precedentes de prestadores de serviços de saúde, permitindo a evolução
de um sistema imposto aos médicos para um banco de dados de classificação clínica e
terminologia verdadeiramente capacitador, que atende a uma ampla gama de usos para
registrar e relatar estatísticas na saúde25.

Em que pese a entrada em vigor em janeiro de 2022, a CID-11 ainda não


foi traduzida e implementada no Brasil − como também não a foi em outros
países. A Organização Mundial da Saúde acredita que a transição da CID-
10 para a CID-11 deve ocorrer de dois a três anos, contados da sua entrada
em vigor.
Conforme se abstrai da CID-11, em sua versão publicada em inglês, já é
possível adiantar que os “transtornos mentais, comportamentais ou de
neurodesenvolvimento” vêm tratados no Capítulo 6. Segundo o texto,
os transtornos mentais, comportamentais e de neurodesenvolvimento são síndromes
caracterizadas por distúrbios clinicamente significativos na cognição, na regulação
emocional ou no comportamento de um indivíduo que reflete uma disfunção nos processos
psicológicos, biológicos ou de desenvolvimento que fundamentam o funcionamento mental
e comportamental. Esses distúrbios geralmente estão associados à angústia ou prejuízo em
pessoal, familiar, social, educacional, ocupacional ou em outras áreas importantes do
funcionamento26.

Assumindo nova codificação e enfrentamento, verificamos que os


Transtornos de Personalidade (Transtorno comportamental) sofreram
grandes alterações na CID-11. Estabelecidos com novos códigos (do 6D10
a 6D11.5), classificações e conceitos, reconhecemos que, enquanto os
países encontrarem-se em processo de transição, não será possível tratarmos
sobre o assunto, ao menos nesta edição, com a profundidade devida.
Em um primeiro momento – após tradução livre da International
Classification of Diseases for Mortality and Morbidity Statistics – Eleventh
Revision (ICD-11) – é possível verificar que o conceito de “transtorno da
personalidade” foi reformulado. Vejamos:
O transtorno da personalidade é caracterizado por problemas no funcionamento de aspectos
do eu (p. ex., identidade, autoestima, precisão da visão de si mesmo, autodireção) e/ou
disfunção interpessoal (p. ex., capacidade de desenvolver e manter relacionamentos
próximos e mutuamente satisfatórios, capacidade de entender as perspectivas dos outros e
de gerenciar conflito nos relacionamentos) que persistiram por um longo período de tempo
(p. ex., 2 anos ou mais). O distúrbio se manifesta em padrões de cognição, experiência
emocional, expressão emocional e comportamento que são desadaptativos (p. ex.,
inflexíveis ou mal regulados), e se manifesta em uma série de situações pessoais e sociais
(ou seja, não se limita a relacionamentos ou papéis sociais específicos). Os padrões de
comportamento que caracterizam o distúrbio não são apropriados para o desenvolvimento e
não podem ser explicados principalmente por fatores sociais ou culturais, inclusive
conflitos sociopolíticos27.

Conforme a CID-11, o transtorno está relacionado a um sofrimento


substancial ou prejuízo significativo nas áreas pessoal, familiar, social,
educacional, ocupacional, etc.
A alteração substancial e que tem provocado grandes debates entre
estudiosos, diz respeito à exclusão dos tipos específicos de transtornos de
personalidade na CID-11 – que são característicos da CID-10 e DSM-V-TR.
Nessa versão, esse modelo foi substituído pelo modelo dimensional baseado
na gravidade da manifestação do transtorno de personalidade (leve,
moderado, grave ou sem gravidade especificada), ultrapassada a presença
dos critérios diagnósticos gerais para o transtorno de personalidade acima
apontados.
Segundo a CID-11, os transtornos de personalidade passaram a ser
classificados conforme sua gravidade28: leve (6D10.0), moderado (6D10.1),
grave (610D.2) e de gravidade não especificada (6D10.Z).
São considerados transtornos de personalidade leves as perturbações que
afetam apenas algumas áreas do funcionamento da personalidade, mas não
outras, e podem não estar aparentes em alguns contextos. Segundo o
exposto, “há problemas em muitos relacionamentos interpessoais e/ou no
desempenho dos papéis ocupacionais e sociais esperados, mas alguns
relacionamentos são mantidos e/ou alguns papéis são desempenhados”.
Segundo a CID-11, o transtorno de personalidade leve é ainda
caracterizado pelo fato de não provocar danos substanciais ao seu portador
ou a terceiros, apesar de poder gerar angústia substancial ou prejuízo nos
contextos pessoal, familiar, social, educacional, ocupacional, ou em outras
áreas importantes do funcionamento que se limitam a campos específicos
(por exemplo, relacionamentos românticos, emprego) ou a uma variedade
deles, porém de forma mais branda.
Nos transtornos de personalidade moderados, por sua vez, as perturbações
afetam várias áreas do funcionamento da personalidade, como identidade
ou senso de si mesmo, a capacidade de estabelecer relações interpessoais e
íntimas, de controlar impulsos e de modular o comportamento (conflitos,
evitação, retraimento ou dependência extrema). A CID-11 ressalva, porém,
que certas áreas do funcionamento da personalidade podem ser
relativamente menos afetadas.
Conforme a nova revisão, o transtorno de personalidade moderado às
vezes está associado a danos a si mesmo ou a outros e a um prejuízo
acentuado em áreas de funcionamento pessoal, familiar, social, educacional,
ocupacional ou outras áreas importantes, embora o funcionamento em áreas
circunscritas possa ser mantido.
Por fim, nos transtornos de personalidade graves, o seu portador apresenta
graves perturbações no funcionamento do self (por exemplo, o senso de self
pode ser tão instável que os indivíduos relatam não ter noção de quem são,
ou tornam-se tão rígidos que se recusam a participar de qualquer situação,
exceto em uma gama extremamente restrita; a visão de si mesmos pode ser
caracterizada pelo desprezo próprio ou ser grandiosa ou altamente
excêntrica). No que diz respeito ao funcionamento interpessoal, os
indivíduos com transtorno de personalidade grave têm praticamente todos
seus relacionamentos seriamente afetados. A capacidade e a disposição para
desempenhar os papéis sociais e ocupacionais esperados estão ausentes ou
severamente comprometidas.
O transtorno de personalidade grave afeta a maioria das áreas de
funcionamento da personalidade e está frequentemente associado a graves
danos a si mesmo ou a outros em quase todas as áreas da vida do seu
portador (pessoal, familiar, social, educacional, ocupacional e em outras
áreas importantes).
Ultrapassada a classificação dos transtornos de personalidade consoante
sua gravidade, a CID-11 estabelece no código 6D11 categorias específicas
que consideram os traços ou padrões de personalidade proeminentes. Sem
tradução oficial para o português e para evitar equívocos, apontaremos as
categorias específicas em sua versão original:
6D11.0 Afetividade negativa
6D11.2 Dissociality in personality disorder or personality difficulty
6D11.3 Disinhibition in personality disorder or personality difficulty
6D11.4 Anankastia in personality disorder or personality difficulty
6D11.5 Borderline pattern

Oportuno destacar que, no Capítulo 24, a Organização Mundial da Saúde


estabeleceu uma listagem de Problemas Associados ao Ambiente Social ou
Cultural (QE00 – QE0Z). Entre eles, há a previsão da “dificuldade de
personalidade”29, consistente na presença de características pronunciadas de
personalidade que podem afetar tratamentos ou serviços de saúde, mas que
não chegam no nível de gravidade suficiente para o diagnóstico do
transtorno de personalidade leve, moderado ou grave (6D10). Conforme
dispõe a CID-11, a “dificuldade de personalidade” é caracterizada por
dificuldades de longa data na forma como o indivíduo vivencia e pensa
sobre si, os outros e o mundo.
O que os diferencia dos transtornos de personalidade é que essas
dificuldades se manifestam na experiência cognitiva e emocional
intermitentemente (durante períodos de estresse, por exemplo) ou apenas
em baixa intensidade. Outrossim, não assumem gravidade suficiente para
provocar perturbações notáveis no contexto de vida de um indivíduo;
podendo apenas se limitar a relações ou situações específicas.
Como pudemos verificar, a CID-11 trouxe grandes alterações em seu
texto, em especial aos transtornos de personalidade. A exclusão dos tipos
específicos de transtornos de personalidade para um padrão baseado na
gravidade da sua manifestação e na relação do indivíduo consigo, com os
outros e com o mundo, demandará maiores estudos. Percebe-se ser essa
uma preocupação que alcança outros países, o que pode ser facilmente
verificado pela variedade de palestras previstas na programação científica
do 23º Congresso Mundial de Psiquiatria, da Associação Mundial da
Psiquiatria (WPA), que acontecerá dos dias 28 de setembro a 01 de outubro
de 2023, em Vienna.30
É certo que, enquanto o tema não for consolidado pela classe científica e a
CID-11 não for implementada no Brasil, continuaremos a estudar a
classificação diagnóstica disposta no CID-10, tratando o psicopata como
indivíduo com transtorno da personalidade (observadas as considerações
tratadas neste trabalho).

1.2.2 Associação Americana de Psiquiatria:


Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM)
Elaborado pela Associação Americana de Psiquiatria, o Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) é o instrumento
empregado por profissionais de saúde nos Estados Unidos e em grande
parte do mundo como o guia oficial para o diagnóstico de transtornos
mentais. Nele, constam descrições, sintomas e outros critérios para
“facilitar o estabelecimento de diagnósticos mais confiáveis desses
transtornos”31.
Em sua primeira edição, (DSM-I), publicada em 1952, constavam no
diagnóstico de perturbação da personalidade sociopática os indivíduos
irresponsáveis – sempre envolvidos em problemas – e aqueles que viviam
em um ambiente moral anormal, como os que apresentavam desvios sexuais
– abrangendo a homossexualidade, transvestismos, pedofilia, fetichismo e
sadismo sexual.
De acordo com o Manual, distúrbio de personalidade sociopata era assim
definido:
Este termo se refere aos indivíduos cronicamente anti-sociais que estão sempre em
complicações, não aprendendo nem com a experiência nem com a punição e que não
mantêm nenhuma ligação real com qualquer pessoa, grupo ou padrão. São freqüentemente
hedonistas, demonstrando acentuada imaturidade emocional, falta de responsabilidade e de
senso crítico. São dotados de grande habilidade de racionalizar seu comportamento de
forma a fazê-lo lógico, razoável e justificado.
Já na segunda edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais (DSM-II), publicado em 1968, foi revisado o diagnóstico de
transtorno da personalidade antissocial, incluindo aqueles
incapazes de lealdade significativa a indivíduos, grupos ou valores sociais. Eles são
grosseiramente egoístas, insensíveis, irresponsáveis, impulsivos e incapazes de sentir culpa
ou aprender com a experiência e o castigo. A tolerância à frustração é baixa. Eles tendem a
culpar os outros ou oferecer racionalizações plausíveis para o seu comportamento.

Na terceira edição, publicada em 1980, o referido Manual acrescentou a


advertência de que havia uma cronicidade no comportamento, que
começava antes dos quinze anos. Isso incluía “mentir, roubar, vadiar e
resistir à autoridade” e “comportamento sexual incomumente precoce ou
agressivo, beber excessivamente e usar drogas ilícitas”. Segundo William
O’Donhohue, Katherine A. Fowler e Scott O. Lilienfeld, foi nessa edição
que surgiu a classificação formal de ‘transtornos de personalidade’32. Em
1987, incluiu crueldade física, vandalismo e fuga de casa.
Conforme a quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM-IV), publicado em 2000, a psicopatia vem
tratada como transtorno da personalidade antissocial.
De acordo com a publicação, os transtornos de personalidade são
descritos e classificados em três grupos. No Grupo A estão os transtornos
da personalidade paranoide, esquizoide e esquizotípica. No Grupo B
aparecem os transtornos da personalidade antissocial, borderline,
histriônica e narcisista. Por fim, no Grupo C estão os transtornos da
personalidade esquiva, dependente e obsessivo-compulsivo e uma categoria
chamada transtorno da personalidade sem outra especificação.
O transtorno da personalidade antissocial difere dos outros transtornos de
personalidade delineados no DSM-IV porque se trata do único que não
pode ser diagnosticado na infância e adolescência – uma vez que o item B
impõe seu diagnóstico somente a partir dos dezoito anos de idade. Contudo,
destaca-se que o transtorno da personalidade antissocial sinaliza para a
existência do transtorno de conduta, com início anterior aos quinze anos de
idade.
Lançado na Reunião Anual da American Psychiatric Association, em
maio de 2013, o DSM-V foi desenvolvido a partir de criterioso
planejamento iniciado em 1999. Seu desenvolvimento contou com a
participação de mais de 160 pesquisadores e clínicos de todo o mundo,
dentre eles especialistas em neurociência, biologia, genética, estatística,
epidemiologia, ciências sociais e comportamentais, nosologia e saúde
pública33. Seguindo a 4ª edição do DSM, a quinta edição do Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) permaneceu
com a divisão dos transtornos da personalidade em categorias e
subdivididos em Grupos (A, B e C), conforme segue:
Transtornos da Personalidade

Transtornos da Personalidade do Grupo A


F60.0 Transtorno da Personalidade Paranoide
F60.1 Transtorno da Personalidade Esquizoide
F21 Transtorno da Personalidade Esquizotípica

Transtornos da Personalidade do Grupo B


F60.2 Transtorno da Personalidade Antissocial
F60.3 Transtorno da Personalidade Borderline
F60.4 Transtorno da Personalidade Histriônica
F60.81 Transtorno da Personalidade Narcisista

Transtornos da Personalidade do Grupo C


F60.6 Transtorno da Personalidade Evitativa
F60.7 Transtorno da Personalidade Dependente
F60.5 Transtorno da Personalidade Obsessivo Compulsiva

Outros Transtornos da Personalidade


F07.0 Mudança de Personalidade Devido a Outra Condição Médica
F60.89 Outro Transtorno da Personalidade Especificado
F60.9 Transtorno da Personalidade Não Especificado

Na lição do DSM-V, os transtornos da personalidade em espécie devem


antes apresentar os critérios globais para o reconhecimento do transtorno da
personalidade. Assim, antes de analisar em qual especificidade o transtorno
de personalidade se insere, é forçoso restar evidente a presença dos critérios
gerais para reconhecer o transtorno da personalidade.
Transtorno da Personalidade
Critérios
A. Um padrão persistente de experiência interna e comportamento que se desvia
acentuadamente das expectativas da cultura do indivíduo. Esse padrão manifesta-se em
duas (ou mais) das seguintes áreas:
1. Cognição (i.e., formas de perceber e interpretar a si mesmo, outras pessoas e eventos).
2. Afetividade (i.e., variação, intensidade, labilidade e adequação da resposta emocional).
3. Funcionamento interpessoal.
4. Controle de impulsos.
B. O padrão persistente é inflexível e abrange uma faixa ampla de situações pessoais e
sociais.
C. O padrão persistente provoca sofrimento clinicamente significativo e prejuízo no
funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.
D. O padrão é estável e de longa duração, e seu surgimento ocorre pelo menos a partir da
adolescência ou do início da fase adulta.
E. O padrão persistente não é mais bem explicado como uma manifestação ou consequência
de outro transtorno mental.
F. O padrão persistente não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância (p. ex.,
droga de abuso, medicamento) ou a outra condição médica (p.ex., traumatismo
cranioencefálico).34

Segundo a Associação Americana de Psiquiatria35, “traços de


personalidade são padrões persistentes de percepção, de relacionamento
com e de pensamentos sobre o ambiente e si mesmo que são exibidos em
uma ampla gama de contextos sociais e pessoais” e somente constituem
transtornos de personalidade quando “são inflexíveis e mal-adaptativos e
causam prejuízo funcional ou sofrimento subjetivo significativos”.
Esclarece também que a característica essencial desses transtornos está na
presença de “padrão persistente de experiência interna e comportamento
que se desvia acentuadamente das expectativas da cultura do indivíduo e
que se manifesta em pelo menos duas das seguintes áreas: cognição,
afetividade, funcionamento interpessoal ou controle dos impulsos (Critério
A)”.
Os transtornos da personalidade continuam reunidos em três Grupos no
DSM-V, específicos de acordo com as semelhanças descritivas. No Grupo
A36 encontram-se os transtornos de personalidade paranoide37, esquizoide38
e esquizotípica39. O Grupo B40 é formado pelos transtornos de
personalidade antissocial41, borderline42, histriônica43 e narcisista44. Por
fim, o Grupo C45, que inclui os transtornos de personalidade evitativa,
dependente e obsessivo-compulsivo.
Para o diagnóstico do transtorno da personalidade, o profissional deve
atentar-se ao período de apresentação destes comportamentos visto que ele
está intrinsicamente ligado à sua durabilidade e constância no
comportamento do indivíduo.
A natureza persistente e global dos transtornos da personalidade é o motivo pelo qual o
DSM-5 especifica que essas condições devem ser aparentes em situações diversas em
múltiplas esferas de funcionamento, ter duração prolongada e remontar à adolescência ou
ao início da fase adulta46.

Ainda neste contexto, o DSM-V salienta a possibilidade de o diagnóstico


de transtorno da personalidade (exceto o transtorno da personalidade
antissocial) a um menor de 18 anos de idade, condicionando-o à
apresentação das características diagnósticas pelo período mínimo de um
ano47.
Ultrapassado o preenchimento dos critérios globais para a verificação de
um transtorno da personalidade, segue-se à verificação do transtorno da
personalidade antissocial.
De acordo com o DSM-V, são considerados critérios diagnósticos para o
transtorno da personalidade antissocial 301.7 (F60.2):
A. Um padrão difuso de desconsideração dos direitos das outras pessoas que ocorre desde
os 15 anos de idade, conforme indicado por três (ou mais) dos seguintes:
1. Fracasso em ajustar-se às normas sociais relativas a comportamentos legais, conforme
indicado pela repetição de atos que constituem motivos de detenção.
2. Tendência à falsidade, conforme indicado por mentiras repetidas, uso de nomes falsos
ou de trapaça para ganho ou prazer pessoal.
3. Impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro.
4. Irritabilidade e agressividade, conforme indicado por repetidas lutas corporais ou
agressões físicas.
5. Descaso pela segurança de si ou de outros.
6. Irresponsabilidade reiterada, conforme indicado por falha repetida em manter uma
conduta consistente no trabalho ou honrar obrigações financeiras.
7. Ausência de remorso, conforme indicado pela indiferença ou racionalização em
relação a ter ferido, maltratado ou roubado outras pessoas.
B. O indivíduo tem no mínimo 18 anos de idade.
C. Há evidências de transtorno de conduta com surgimento anterior aos 15 anos de idade.
D. A ocorrência de comportamento antissocial não se dá exclusivamente durante o curso de
esquizofrenia ou transtorno bipolar.

Em um comparativo ao DSM-IV, notamos diferenças apenas nas


expressões linguísticas empregadas, e não no seu sentido substancial.
Segundo o DSM-V, o diagnóstico do transtorno da personalidade
antissocial continua sendo direcionado aos maiores de 18 anos,
reconhecendo que os seus traços já podem ser evidenciados antes dos 15
anos – quando se tem o diagnóstico de transtorno da conduta ou evidências
do seu surgimento.
O DSM-V ratifica esse entendimento ao esclarecer que a “característica
essencial do transtorno de personalidade antissocial é um padrão difuso de
indiferença e violação dos direitos dos outros, o qual surge na infância ou
no início da adolescência e continua na vida adulta”48.
A Associação Americana de Psiquiatria alerta para o fato de que esse
“padrão difuso de indiferença e violação dos direitos dos outros” já foi
referido como psicopatia, sociopatia e transtorno de personalidade
dissocial. Ressalta ainda que, como a falsidade e a manipulação são
características dos seus portadores, seu diagnóstico deve valer-se da
integração de “informações adquiridas por meio de avaliações clínicas
sistemáticas e informações coletadas de outras fontes colaterais”49.
A quinta edição do DSM teve seu texto revisado em 2022, pela
Associação Americana de Psiquiatria (DSM-V-TR). Para esse trabalho, que
teve a contribuição de mais de duzentos especialistas no assunto, a
Associação procurou atentar-se à literatura científica atualizada. Além de
incluir um novo diagnóstico (distúrbio de luto prolongado), esclarecer
modificações nos conjuntos de mais de setenta distúrbios, códigos de
sintomas para comportamento suicida e automutilação não suicida, e
atualizar o texto descritivo para a maioria dos transtornos, realizou uma
revisão abrangente acerca do impacto do racismo e da discriminação no
diagnóstico e nas manifestações dos transtornos mentais50.
O DSM-V-TR foi traduzido para o português e teve seu texto publicado
no Brasil, no início de 2023. No que diz respeito ao transtorno da
personalidade antissocial, não encontramos alterações substanciais, exceto
uma pequena alteração na redação do critério A-5. Vejamos:
A. Um padrão difuso de desconsideração dos direitos das outras pessoas que ocorre desde
os 15 anos de idade, conforme indicado por três (ou mais) dos seguintes:
1. Fracasso em ajustar-se às normas sociais relativas a comportamentos legais, conforme
indicado pela repetição de atos que constituem motivos de detenção.
2. Tendência à falsidade, conforme indicado por mentiras repetidas, uso de nomes falsos
ou de trapaça para ganho ou prazer pessoal.
3. Impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro.
4. Irritabilidade e agressividade, conforme indicado por repetidas lutas corporais ou
agressões físicas.
5. Desrespeito imprudente pela segurança própria ou de outros.
6. Irresponsabilidade reiterada, conforme indicado por falha repetida em manter uma
conduta consistente no trabalho ou honrar obrigações financeiras.
7. Ausência de remorso, conforme indicado pela indiferença ou racionalização em
relação a ter ferido, maltratado ou roubado outras pessoas.
B. O indivíduo tem no mínimo 18 anos de idade.
C. Há evidências de transtorno de conduta com surgimento anterior aos 15 anos de idade.
D. A ocorrência de comportamento antissocial não se dá exclusivamente durante o curso de
esquizofrenia ou transtorno bipolar. (grifo nosso)

1.2.2.1 Transtorno da personalidade antissocial e


as suas considerações no DSM-V-TR
Ultrapassada a exposição dos Critérios Diagnósticos do transtorno da
personalidade antissocial e sua explanação, o DSM-V-TR apresentou outros
assuntos relacionados ao transtorno, como: características associadas,
prevalência, desenvolvimento e curso, fatores de risco e prognósticos e
questões diagnósticas relativas à cultura, ao sexo e ao gênero.
Inicialmente, foram apresentadas as seguintes características associadas
ao transtorno da personalidade antissocial:
Características Associadas
Indivíduos com transtorno da personalidade antissocial frequentemente carecem de empatia
e tendem a ser insensíveis, cínicos e desdenhosos em relação aos sentimentos, direitos e
sofrimentos dos outros. Podem ter autoconceito inflado e arrogante (p. ex., sentem que o
trabalho comum cotidiano está abaixo deles ou carecem de uma preocupação real a respeito
dos seus problemas atuais ou a respeito de seu futuro) e podem ser excessivamente
opiniáticos, autoconfiantes ou convencidos. Alguns indivíduos antissociais podem exibir
um charme desinibido e superficial e podem ser muito volúveis e verbalmente fluentes (p.
ex., usar termos técnicos ou jargão que podem impressionar uma pessoa que desconhece o
assunto. Falta de empatia, autoapreciação inflada e charme superficial são aspectos que têm
sido comumente incluídos em concepções tradicionais da psicopatia e que podem ser
particularmente característicos do transtorno e mais preditivos de recidiva em ambientes
prisionais ou forenses, onde atos criminosos, delinquentes ou agressivos tendem a ser
inespecíficos. Esses indivíduos podem, ainda, ser irresponsáveis e exploradores nos seus
relacionamentos sexuais. Podem ter história de vários parceiros sexuais e jamais ter
mantido um relacionamento monogâmico. Como pais, podem ser irresponsáveis, conforme
evidenciado pode desnutrição de um filho, doença de um filho resultante de falta de higiene
mínima, dependência de vizinhos ou outros familiares para abrigo ou alimento de um filho,
fracasso em encontrar um cuidado para um filho pequeno quando está fora de casa ou,
ainda, desperdício recorrente do dinheiro necessário para a manutenção doméstica. Esses
indivíduos podem ser dispensados do exército de forma desonrosa, fracassar em prover o
próprio sustento, empobrecer ou até ficar sem teto ou, ainda, passar muitos anos em
institutos penais. Indivíduos com personalidade antissocial são mais propensos a morrer
prematuramente de causas naturais e suicídio do que a população geral51.

Interessante notar que a Associação Americana de Psiquiatria apresenta


características associadas ao transtorno da personalidade antissocial que se
aproximam da psicopatia. Contudo, não as exige, em sua integralidade,
como critérios (A) para o diagnóstico de transtorno de personalidade
antissocial.
Segundo o estabelecido no DSM-V-TR, para o diagnóstico do transtorno
da personalidade antissocial são necessárias, no mínimo, três das
características do Critério A. São elas:
A. Um padrão difuso de desconsideração dos direitos das outras pessoas que ocorre desde
os 15 anos de idade, conforme indicado por três (ou mais) dos seguintes:
1. Fracasso em ajustar-se às normas sociais relativas a comportamentos legais, conforme
indicado pela repetição de atos que constituem motivos de detenção.
2. Tendência à falsidade, conforme indicado por mentiras repetidas, uso de nomes falsos
ou de trapaça para ganho ou prazer pessoal.
3. Impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro.
4. Irritabilidade e agressividade, conforme indicado por repetidas lutas corporais ou
agressões físicas.
5. Desrespeito imprudente pela segurança própria ou de outros.
6. Irresponsabilidade reiterada, conforme indicado por falha repetida em manter uma
conduta consistente no trabalho ou honrar obrigações financeiras.
7. Ausência de remorso, conforme indicado pela indiferença ou racionalização em
relação a ter ferido, maltratado ou roubado outras pessoas.
Estabelecer os critérios diagnósticos e a exigência de, ao menos, três
características para diagnosticar o transtorno da personalidade não implica
afirmar sejam todos eles psicopatas. A psicopatia é muito mais grave, e sua
presença certamente implicará o atendimento de todas as características
previstas no Critério A (1-7), bem como estará inserte nas “características
associadas” ao transtorno, conforme acima apontadas. A pessoa não
psicopata e com transtorno da personalidade antissocial poderá apresentar
apenas três das sete características previstas.
Por essa razão, compreendemos e defendemos o transtorno de
personalidade antissocial não como expressão sinônima de psicopatia, mas
como o gênero do qual a psicopatia é espécie.
Conforme o DSM-V-TR, a prevalência do transtorno da personalidade
antissocial com base em uma subamostra de probabilidade da Parte II da
National Comorbitiy Survey Replication foi de 0,6%. Segundo a National
Epidemiologic Survey on Alcohol and Related Conditions, a prevalência foi
de 3,6%. Em uma revisão de sete estudos epidemiológicos (seis realizados
nos Estados Unidos), a prevalência mediana foi de 3,6%. Ressalta ainda que
a maior prevalência do transtorno de personalidade antissocial (superior a
70%) está entre amostras de homens com transtornos mais graves por uso
de álcool, e de clínicas por abuso de substâncias, prisões ou em outros
contextos forenses52.
No tocante ao desenvolvimento e curso do transtorno da personalidade
antissocial, a Associação Americana de Psiquiatria entende que o transtorno
tem curso crônico, mas que seu portador pode sofrer remissão por volta dos
40 anos de idade.
São considerados fatores de risco do transtorno da personalidade
antissocial53: os ambientais, genéticos e fisiológicos. Segundo o exposto,
“abuso ou negligência infantil, paternidade/maternidade instável ou errática
ou disciplina parental inconsistente” podem ser responsáveis por um
transtorno de conduta evoluir para o transtorno da personalidade antissocial.
Sustenta, ainda, que esse transtorno da personalidade é mais comum “entre
familiares biológicos de primeiro grau daqueles que têm o transtorno em
comparação com a população em geral”.
No que diz respeito a considerar cultura, sexo e gênero para fins
diagnósticos, a Associação Americana de Psiquiatria primeiramente associa
o transtorno da personalidade às condições socioeconômicas baixas e em
contextos urbanos.
Contextos socioculturais com altas taxas de maus-tratos infantis ou exposição à violência
também costumam ter prevalência elevada de comportamentos antissociais, sugerindo um
potencial fator de risco para o desenvolvimento de transtorno da personalidade antissocial
ou um ambiente adverso que evoca comportamentos antissociais relativos e contextuais que
não representam traços penetrantes e duradouros consistentes com um transtorno da
personalidade. Na avaliação de traços antissociais, é útil para o clínico considerar o
contexto social e econômico em que ocorrem os comportamentos54.

Segundo o DSM-V-TR, o transtorno da personalidade antissocial é três


vezes mais prevalente em homens do que em mulheres, apesar de essas
últimas estarem mais suscetíveis ao sofrimento de abusos e questões
adversas na infância e na fase adulta.

1.2.2.2 Diagnóstico Diferencial do transtorno da


personalidade antissocial no DSM-V-TR
Para fins de diagnóstico diferencial, a Associação Americana de
Psiquiatria destaca o fato de que os comportamentos antissociais nem
sempre indicam a presença e o consequente diagnóstico do transtorno de
personalidade antissocial. Isso porque os comportamentos antissociais
podem resultar de outros transtornos, que não o do transtorno em estudo.
De outra sorte, o diagnóstico de transtorno de personalidade antissocial
não impede sejam outros transtornos também diagnosticados, o que a
psicopatologia chama de comorbidade. Assim, é possível que pessoas com
esse diagnóstico apresentem, em comorbidade: transtornos de ansiedade,
transtornos do humor, transtornos por uso de substâncias, transtorno de
sintomas somáticos, transtorno de jogos associados, bem como atendam a
critérios de outros transtornos de personalidade.
Segundo estabelece a Associação Americana de Psiquiatria, quando o
comportamento antissocial está associado a um transtorno por uso de
substância, o diagnóstico do transtorno de personalidade antissocial só
estará evidente se o comportamento antissocial esteve presente durante a
infância e se manteve na idade adulta (desde que preenchidos os respectivos
critérios diagnósticos). Isso, porque o comportamento antissocial pode ser
consequência do transtorno por abuso de substâncias.
Na hipótese de o comportamento antissocial estar evidente somente
durante o curso da esquizofrenia ou do transtorno bipolar, afastado está o
transtorno de personalidade antissocial.
No tocante aos demais transtornos de personalidade, há maior
possibilidade de serem confundidos, já que cada um deles pode apresentar
características comuns que apontam ou não para o diagnóstico de mais de
um transtorno de personalidade. “Indivíduos com transtorno de
personalidade antissocial e transtorno de personalidade narcisista
compartilham uma tendência a determinação exagerada, desembaraço,
superficialidade, exploração e falta de empatia”.
Em que pesem as características compartilhadas, em muito se distanciam.
O indivíduo com transtorno de personalidade narcisista não apresenta
comportamento impulsivo ou agressivo, bem como não tem tendência à
falsidade – o que está evidentemente presente no transtorno de
personalidade antissocial. Ademais, embora pessoas com o diagnóstico de
transtorno de personalidade narcisista tenham necessidade de serem
admirados e de causar inveja aos demais, o transtorno de personalidade
antissocial nem sempre provoca tais comportamentos em seus portadores.
Por fim, indivíduos com transtorno de personalidade narcisista não
costumam apresentar as características diagnósticas para o transtorno de
conduta, bem como comportamento criminoso.
Quanto ao transtorno de personalidade histriônica, embora se assemelhe
ao transtorno de personalidade antissocial no tocante à “tendência a serem
impulsivos, superficiais, incansáveis, sedutores e manipuladores”, os seus
portadores, em geral, não praticam comportamentos antissociais. Assim
como se dá com os indivíduos com transtorno de personalidade borderline,
os portadores do transtorno de personalidade histriônica manipulam para
obter cuidados, enquanto os indivíduos com transtorno de personalidade
antissocial visam à obtenção de lucro, poder ou qualquer outra gratificação.
Em relação ao transtorno de personalidade borderline, o portador de
transtorno de personalidade antissocial tende a ser menos instável
emocionalmente e a apresentar comportamento mais agressivo.
Por fim, a Associação Americana de Psiquiatria destaca que, embora o
comportamento antissocial esteja presente em algumas pessoas com
transtorno de personalidade paranoide, não está associado ao “desejo de
ganho pessoal ou exploração dos outros”, mas à vingança.
1.3 Conceito55
Ultrapassada a compreensão científica da psicopatia como um transtorno
de personalidade dissocial ou antissocial, destacaremos, nessa
oportunidade, o seu conceito – o que fazemos para fins de diferenciar o
transtorno de personalidade antissocial propriamente dito. Como veremos a
seguir, seu conceito é apresentado segundo a percepção dos seus estudiosos.

1.3.1 Do conceito de psicopatia de acordo com a


descrição comportamental
De acordo com essa vertente, verificamos que pesquisadores preferiram
adotar o conceito de psicopatia, pautados pela clara descrição
comportamental. Como veremos a seguir, o conceito de psicopatia parece
confundir-se com as características comportamentais do psicopata.
Na lição de Michel H. Stone, os psicopatas são considerados indivíduos
anormais pelas razões abaixo explicitadas:
Pessoas que carecem da capacidade de entender as emoções dos outros ou, ainda pior, que
reconhecem, mas não se comovem com a tristeza dos outros, são consideradas anormais e
recebem rótulos, tais como “incapacidade de aprendizagem social-emocional ou
“psicopata”56.

Segundo o Dicionário de Psicologia da Associação Americana de


Psicologia, o termo ‘psicopatia’ é apresentado como expressão substituída
pela nova nomenclatura adotada pelos critérios científicos de classificação
de doenças. Mesmo reconhecendo a alteração da nomenclatura, o diploma
apontou o conceito empregando a expressão psicopatia:
Termo antigo para um traço de personalidade marcado por egocentrismo, impulsividade e
falta de emoções como culpa e remorso, que é particularmente prevalente entre os
criminosos reincidentes diagnosticados com TRANSTORNO DE PERSONALIDADE
ANTISSOCIAL. 2. Antigamente, qualquer transtorno psicológico ou doença mental57.

O Dicionário de Psicologia apresentou, com muita clareza e eloquência, o


perfil comportamental dos psicopatas:
O psicopata (ou sociopata) é um indivíduo impulsivo, irresponsável, hedonista,
“bidimensional”, carente de capacidade de experimentar os componentes emocionais
normais do comportamento interpessoal, como p. ex., culpa, arrependimento, empatia,
afeição, interesse autêntico pelo bem-estar de outrem. Embora muitas vezes possa imitar
emoções normais e simular apegos afetivos, suas relações sociais e sexuais com outras
pessoas continuam superficiais e exigentes. Sua capacidade de juízo é limitada; ele parece
incapaz de adiar a satisfação de necessidades momentâneas, não importando as
conseqüências para si e para os outros. Está sempre em apuros; tentando livrar-se das
dificuldades, ele cria com freqüência uma rede complicada e contraditória de mentiras e
racionalizações, ligada a explicações teatrais e às vezes convincentes, expressões de
remorsos e promessas de mudar. Muitos psicopatas são rapinantes calejados e agressivos;
outros, ao contrário, são típicos parasitas, ou manipuladores passivos, que se fiam em
confusões e loquacidade, atratividade artificial, e em sua aparência de desamparo para
conseguir o que desejam58.

No entendimento de Vicente Garrido, a psicopatia é considerada, em sua


essência, como pressuposto de ruptura com os códigos morais existentes.
“Na vida cotidiana do psicopata estão ausentes as mínimas habilidades que
lhe permitem estabelecer uma relação sincera, previsível e plenamente
humana”59.
Hervey Cleckley, por sua vez, a descreveu do seguinte modo:
O psicopata mostra a mais absoluta indiferença diante dos valores pessoais e é incapaz de
compreender qualquer assunto relacionado a esses valores. Não é capaz de se interessar
minimamente por questões abordadas pela literatura ou pela arte, tais como a tragédia, a
alegria ou o esforço da humanidade em progredir. Também não cuida dessas questões na
vida diária. A beleza e a feiúra, exceto em um nível bem superficial, a bondade, a maldade,
o amor, o horror e o humor não têm um sentido real, não constituem nenhuma motivação
para ele. Também é incapaz de apreciar o que motiva as outras pessoas. É como se fosse
cego às cores, apesar da sua aguda inteligência para os aspectos da existência humana. No
entanto, é inútil explicar-lhe tais aspectos, já que não há nada em seu conhecimento que lhe
permita cobrir essa lacuna com o auxílio da comparação. Pode, isto sim, repetir as palavras
e dizer que compreende, e não há nenhum modo de ele perceber que, realmente, não
compreende60.

Considerando o termo ‘condutopatia’ como expressão sinônima de


‘psicopatia’, Guido Arturo Palomba ressalta:
Condutopatia caracteriza-se por transtornos do comportamento que se originam por
afetação da afetividade, da intenção-volição e da capacidade de crítica, estando o restante
do psiquismo conservado, tendo ainda por característica básica a falta de remorso ou de
arrependimento, no caso de prática de ato prejudicial a outras pessoas ou à sociedade61.
Conforme observamos, o conceito de psicopata pautado na descrição
comportamental é de grande valia.
Possuir um critério descritivo do comportamento destes indivíduos é
elemento fundamental para o diagnóstico do transtorno, mas deve ser
avaliado com ressalvas. Isso porque, uma situação isolada não tem o condão
de, por si só, sustentar o diagnóstico de psicopatia. A avaliação da conduta
do infrator (a) que praticou um delito de forma perversa, provocando
comoção social, não pode ser elemento suficiente para determiná-lo
psicopata.
Tal conclusão vem da premissa de que a psicopatia é manifestada desde a
infância do indivíduo e de que todo o seu comportamento antissocial é
evidenciado desde então. É evidentemente temerário e imprudente oferecer
o diagnóstico da psicopatia para alguém, sem considerar todo o seu
histórico comportamental.

1.3.2 Do conceito de psicopatia de acordo com a


etiologia e o quadro comparativo com doenças
mentais
Sidney Shine Kiyoshi preferiu estabelecer o conceito de psicopatia
partindo do conceito da expressão apontado pelo Dicionário Aurélio62. De
acordo com o autor, ao termo psicopatia, consoante a literatura destacada,
correspondem três acepções63:
1. Designação comum às doenças mentais;
2. Estado mental patológico caracterizado por desvios, sobretudo caracterológicos que
acarretam comportamentos antissociais;
3. Psicose.

De acordo com o autor, somente a segunda acepção merece destaque para


o estudo. No tocante à primeira assertiva, o autor ressalta que essa
afirmação não corrobora o entendimento atual acerca do tema. Este
posicionamento se deve ao sentido etimológico da expressão64. Essa
acepção correspondia ao entendimento adotado sobre psicopatia no período
da História em que a empregavam para designar qualquer transtorno
psicológico ou doença mental65.
Outrossim, destaca o autor que a psicopatia não pode ser considerada
sinônima de psicose. Segundo Sidney Kiyoshi Shine, “a confusão procede
porque, em psiquiatria, o termo psicose já foi usado para abranger toda uma
gama de doenças mentais, igualando-se ao termo psicopatia enquanto
categoria genérica”66. Salienta ainda que, para a Psicanálise, a psicopatia
não se enquadra na categoria das psicoses67.
Ao conceituar a psicopatia, o Dicionário Enciclopédico da Psicologia
primeiramente descartou a possibilidade de a expressão ser considerada da
mesma ordem da psicose e da neurose. A seguir, destacou-a como
perturbação permanente da personalidade caracterizada, essencialmente,
pela prática de comportamentos antissociais impulsivos que não geram
habitualmente sentimento de culpa(bilidade) no sujeito68.
Antes de apontar o conceito de psicopatia, o Dicionário Crítico de
Psicanálise ressalta que a expressão é uma construção empregada pela
Psiquiatria e pela Medicina Legal. A seguir, a define de acordo com os
termos da Lei da Saúde Mental de 1959.
Termo psiquiátrico e médico-legal para designar o que costumava ser chamado de
imbecilidade moral. É definida pela Lei da Saúde Mental, de 1959, como ‘um distúrbio ou
incapacidade persistente da mente (incluindo ou não subnormalidade de inteligência) que
resulta em conduta anormalmente agressiva ou seriamente irresponsável por parte do
paciente, e necessita ou é suscetível de tratamento médico’. A ‘promiscuidade ou outras
condutas imorais’ são especificamente excluídas das formas de conduta que tornam um
paciente sujeito a esse diagnóstico. O conceito constitui um híbrido lógico, pois combina
critérios médicos e legais, desempenhando, porém, a útil função de permitir que os
infratores sejam tratados em hospitais especiais. O conceito não é reconhecido pela lei
escocesa. Psiquiatricamente, a condição é relacionada como um distúrbio de
comportamento69.

Conforme verificamos, a psicopatia apresenta características próprias que


não lhe permite ser equiparada a doenças mentais como psicose,
esquizofrenia e outras, bem como empregá-la como expressão sinônima de
‘doença mental’.
Considerando o conceito da psicopatia sob esse prisma, verificamos o
reconhecimento da necessidade de compreender a psicopatia como um
‘fenômeno’ independente e desvinculado de qualquer transtorno mental.
Conjugando os conceitos ora apresentados, entendemos por psicopatia um
fenômeno da personalidade característico de indivíduos que não apresentam
qualquer alteração no intelecto e na percepção da realidade. Os psicopatas
são egocêntricos, mentirosos, desprovidos de sentimentos e afetividade e,
em alguns casos, podem incorrer na prática de delitos.

1.3.3 Desenvolvimento histórico do conceito de


psicopatia
É imprescindível destacarmos uma oportunidade para apresentar o
desenvolvimento histórico do conceito de psicopatia, porque todas as
nomenclaturas até hoje adotadas proveem da evolução do conceito.
As razões que levam determinados indivíduos a praticar delitos sempre foi
tema de interesse de estudiosos. Assim, a figura do criminoso foi
questionada ao longo dos anos, seja em razão das circunstâncias que o
levam à prática de delitos, seja da existência de alguma anomalia psíquica
ou social impulsionadora para a prática desses atos.
Diante disso, apontaremos, a partir de então, o desenvolvimento histórico
do conceito e, consequentemente, da terminologia, ressaltando os principais
pesquisadores que se ativeram a buscar uma nomenclatura coerente com os
relatos descritivos dos indivíduos com psicopatia. Para tanto, adotaremos o
critério cronológico como termo referencial.
Dados históricos atribuem a Philippe Pinel (1801/1962)70, considerado
por muitos o ‘Pai da Psiquiatria’, as primeiras descrições da síndrome
conhecida como psicopatia. Segundo o psiquiatra, estas descrições
enfatizavam desvios comportamentais extremos no contexto de um
raciocínio e de uma capacidade de comunicação intactos. Ainda de acordo
com o médico – destacando exemplos de pacientes –, tais indivíduos não
demonstraram qualquer deficiência de entendimento, porém apresentaram
estar sob forte domínio de uma fúria instintiva.
Na lição de Philippe Pinel, esse diagnóstico passou a chamar-se manie
sans delire (insanidade sem delírio), e compreendia a hipótese de o
indivíduo controlar suas emoções (déficit no controle afetivo), opondo-se a
qualquer déficit na razão ou entendimento71.
Em 1812, o médico americano Benjamin Rush relatou casos semelhantes,
porém, apontou a fraqueza moral como causa da psicopatia. Em contraste
com o posicionamento de Philippe Pinel, para Benjamin Rush, tais
indivíduos apresentam comportamentos desajustados porque são
moralmente desarranjados, além de terem o poder de enganar e manipular
outras pessoas.
Cesare Lombroso – fundador da Escola Positiva de Direito Penal –
publicou em 1876 a obra O Homem Delinqüente, na qual instaurou um
período científico de relevantes estudos criminológicos. Grande destaque
recebeu ao traçar o perfil dos criminosos com fundamento em ideias
fisionomistas (estatura, peso, tipo de cabelo, comprimento das mãos e das
pernas, estrutura torácica etc.) e estudos de frenologia (estudo do formato
do cérebro para constatar aspectos do caráter, características da
personalidade e grau de criminalidade). Lombroso não se ateve somente a
determinado estudo científico, mas empregou aspectos multidisciplinares
para desenvolver o conceito de criminoso nato72.
Segundo o autor, o criminoso nato73 seria o indivíduo geneticamente
determinado para o mal. Assim, além das características físicas e
fisiológicas (como o tamanho da mandíbula, a conformação do cérebro e a
estrutura óssea), o criminoso nato assim nasceu e assim permanecerá –
considerando tal circunstância como uma doença. Trata-se de um indivíduo
que, por razões genéticas, está involuntariamente voltado para a prática de
delitos.
Ressalta Lydio Machado Bandeira de Mello:
Para a escola de Antropologia Criminal fundada por Lombroso, o criminoso é levado ao
crime por um conjunto de anomalias típicas de seu organismo acentuadas pela
hereditariedade e reforçadas pelo clima. [...] Seu organismo leva-os ao crime, como o
organismo de um artista o leva ao estudo do belo.
[...]
Resumindo: A vontade seria um produto da hereditariedade e do clima, isto é, das
condições do organismo, influenciadas pelo clima.
O ato decorre necessariamente do organismo e do meio: o livre arbítrio não passa de
ilusão74.

Esta teoria teve inúmeras reações desfavoráveis. Primeiramente, os


críticos apontavam que Cesare Lombroso desconsiderava quaisquer outras
circunstâncias (social e educacional) que pudessem influenciar na prática
dos delitos, imputando somente à doença sua justificativa. Além disso, ele
desprezava o livre-arbítrio e a impossibilidade de responsabilização do
criminoso nato, ao defender que tal agente não tem potencialidade para
lutar contra os seus ímpetos.
O psiquiatra britânico J. C. Pritchard (1835) denominou esses casos de
‘insanidade moral’, enfatizando que o desvio de comportamento se dá por
um déficit no senso intrínseco de retidão, decência e responsabilidade que
os indivíduos normais possuem. Estudos ressaltam que o autor não
apresentou a mesma linha de pensamento sustentada por Phillipe Pinel e
Rush. Enquanto J. C. Pritchard “falava de aberrações de sentimento como
exemplos de insanidade moral, por cujo termo ele queria denotar
transtornos mentais envolvendo ‘disposição’ (no sentido francês) de espírito
ou estado emocional geral”75, Benjamin Rush empregou o termo como um
“rótulo para a faculdade mental que diferencia o socialmente certo do
socialmente nocivo”76.
Em monografia apresentada em 1844, Arthur Wigan sustentou uma nova
teoria acerca da origem da insanidade: dualidade da mente. Primeiramente,
destacou as semelhanças dos dois hemisférios cerebrais, porém os designou
como “dois cérebros separados”, cada um com suas respectivas funções. O
trabalho científico foi desenvolvido com fulcro em autópsias em
determinados casos de insanidade, nos quais foi constatada a presença da
doença em apenas um hemisfério do cérebro. Assim, passou a defender que
uma parte do cérebro era superior à outra: há uma parte dominante ou
racional e outra irracional. Segundo o autor, na medida em que o hemisfério
dominante monitorava o conteúdo do outro inferior, podia determinar
quando algumas ideias, imagens ou alucinações não passassem de
invenções da imaginação.
O termo ‘psicopático’, por sua vez, foi introduzido pelo psiquiatra alemão
J. L. Koch77, em 1891, como forma alternativa ao rótulo apresentado por J.
C. Pritchard. Especificamente, o médico apresentou a expressão
‘inferioridade psicopática’ para apontar condições de uma natureza crônica
que, sob seu entendimento, refletiam em alguma causa orgânica subjacente
(física, com base no cérebro). Koch também ampliou o termo ‘psicopático’
abarcando, além das condições clínicas atualmente conhecidas como
psicopatia e transtorno de personalidade antissocial, as condições neuróticas
e algumas formas de retardo mental, assim como distúrbios de caráter.
Em 1904, Emil Kraepelin, na publicação da sétima edição da sua obra
Psychiatrie: Ein Lehrbuch (Psiquiatria: um Livro Texto), apresentou o
termo ‘personalidade psicopática’ referindo-se às condições clínicas as
quais considera crônicas e constitucionais em origem. Para o autor,
‘psicopata’ referia-se a qualquer indivíduo que apresentasse doença
mental78.
Segundo Michael H. Stone:
Kraepelin usava o termo psicopata para designar transtornos mentais em geral, embora
entre eles ele tenha descrito diversas variedades de comportamento anti-social semelhante
ao nosso uso moderno do termo79.

No mesmo ano, Adolf Meyer introduziu os conceitos germânicos


apresentados por Emil Kraepelin à comunidade psiquiátrica americana.
Adolf Meyer empregou o termo “inferioridade constitucional” para
identificar clinicamente o que considerou como transtornos caracterológicos
crônicos. No mesmo sentido que Emil Kraepelin, porém contrário a Koch,
excluiu as condições neuróticas dessa classe de transtornos. A distinção
apontada por Meyer – entre as síndromes crônicas e as condições neuróticas
– foi a sustentada pela classe psiquiátrica americana, porém, o termo
‘inferioridade constitucional’ foi substituído pelo termo ‘personalidade
psicopática’ (apresentado por Emil Kraepelin).
Nesse contexto surgiu, em 1909, o termo ‘sociopático’, sustentado pelo
psiquiatra alemão Karl Birnbaum em objeção ao termo empregado por Emil
Kraepelin para classificar tais indivíduos através das condições crônicas
como constitucionais em origem. Segundo Karl Birnbaum, muitas formas
de transtornos mentais eram originárias primariamente de fatores
socioambientais.
Apesar de apresentarem, fundamentalmente, características diversas, os
termos ‘psicopático’ e ‘sociopático’ passaram a ser utilizados de forma
equivocada. Ao mesmo tempo em que Hervey Cleckley adotou (1941-
1976) o termo ‘personalidade psicopática’, a primeira edição do Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (1952) empregou a
expressão ‘distúrbio de personalidade sociopática’.
Durante os anos de 1920 e 1930, as figuras mais influentes foram o
alemão Kurt Schneider e o americano Eugen Kahn. Ambos apresentaram
amplo conhecimento acerca da psicopatia.
Na classificação elaborada por Kurt Schneider, as personalidades
psicopáticas constituíam uma variante da personalidade normal e, desta
feita, a psicopatia não podia ser tratada como uma verdadeira doença
psíquica. Estas personalidades deveriam ser observadas pelos demais e
consideradas anômalas a tudo o que a sociedade considera parâmetro para o
equilíbrio.
O “psicopata de Schneider” busca seu equilíbrio no outro complementar.
Considera que sua incompletude foi causada pelos outros e, por isso, acha
justo que os outros paguem por ela80. Para o autor, as personalidades
psicopáticas constituíam subtipos de personalidades anormais – o que
contrasta com a personalidade do homem médio –, caracterizadas pela
possibilidade de causar sofrimento à sociedade ou a si.
Relevante destacar que para Kurt Schneider – inovando em relação às
escolas alemãs que o antecederam –, a personalidade psicopática do
indivíduo era uma extensão da psiquiatria “para o âmbito dos planos
relacionais e para o sofrimento também dos ‘outros’”81.
Por fim, Kurt Schneider ressalta que personalidade psicopática é um
distúrbio da personalidade que não afeta nem a inteligência e nem a
estrutura orgânica do indivíduo.
A. Fernandes Fonseca ressalta a semelhança entre os conceitos adotados
por Schneider e Pritchard:
Poder-se-á, todavia, afirmar que esse conceito de anormalidade estatístico social encontra
os seus verdadeiros antecedentes científicos nos estudos do médico inglês Prichard (1835),
que definiu as psicopatias como manifestações de ‘loucura moral’, às quais faltava,
portanto, o sentido ético e o domínio pessoal82.

Em sua obra, Schneider identificou dez subtipos distintos de psicopatas83:


hipertímico, depressivo, personalidade psicopática explosiva, personalidade
psicopática disfórica, personalidade psicopática abúlica, personalidade
psicopática inafetiva, personalidade psicopática ostentativa, personalidade
psicopática fanática, personalidade psicopática insegura de si mesma e, por
fim, personalidade psicopática sistêmica84.
Apresentando um conceito voltado para a psiquiatria forense, Hervey
Cleckley (1941), em The Mask of Sanity (A Máscara da Sanidade), opôs-se
às terminologias ora apresentadas – que até então apenas ampliavam os
critérios clínicos da psicopatia – e sustentou um conceito elaborado
mediante experiências clínicas com pacientes em um dos maiores hospitais
psiquiátricos nos Estados Unidos – o Veteran’s Administration Hospital,
localizado na Georgia.
Em sua obra, Hervey Cleckley assinalou alguns casos clínicos para
apontar a personalidade e as características comportamentais dos indivíduos
que entendia como psicopatas. Hervey Cleckley mencionou a psicopatia
como uma síndrome clínica altamente diversa, na qual indicava um déficit
central na reatividade emocional. Para o autor, a essência da psicopatia
encontra-se na deficiência afetiva.
Das suas experiências profissionais, Hervey Cleckley apresentou uma
lista com dezesseis critérios específicos capazes de identificar a figura do
psicopata. Na lição do autor, a superfície externa do psicopata parece igual
ou melhor do que a do normal e não dá nenhuma pista de um transtorno
interior. Nada nele sugere estranheza, inadequação ou fragilidade moral.
Sua máscara é de saúde mental robusta85.
Os critérios diagnósticos de Cleckley são:
1. Encanto superficial e boa “inteligência”
2. Ausência de delírios e outros sinais de pensamento irracional
3. Ausência de “nervosismo” ou manifestações psiconeuróticas
4. Inconfiabilidade
5. Desonestidade e insinceridade
6. Falta de remorso ou vergonha
7. Comportamento antissocial inadequadamente motivado
8. Julgamento ruim e falha em aprender pela experiência
9. Egocentrismo patológico e incapacidade para amar
10. Pobreza generalizada nas principais reações afetivas
11. Perda de crítica específica
12. Falta de responsividade nas relações interpessoais em geral
13. Comportamento fantasioso e não convidativo com bebidas e algumas vezes sem
14. Raramente ocorre suicídio
15. Vida sexual impessoal, trivial e pobremente integrada
16. Falha em seguir qualquer plano de vida.

Hervey Cleckley teve fundamental importância para a Psiquiatria naquele


momento. Isso porque, com a definição de psicopatia apresentada em sua
obra, muitos médicos em serviços psiquiátricos e psiquiatras forenses
puderam utilizar estes critérios para prontamente diagnosticar o transtorno.
Seu conceito de psicopatia enfatizava claramente – pelas características
emocionais/interpessoais –, a diferença entre os indivíduos psicopatas dos
tipos criminosos e antissociais. Além de apontar a figura dos psicopatas que
sempre esbarravam nas normas legais, também apresentou a figura dos
psicopatas bem-sucedidos como, por exemplo, médicos, advogados e
executivos.
Importante destacar que o contemporâneo de Hervey Cleckley, Karpman,
apresentou a distinção entre psicopata primário e secundário86.
Paralelamente à atuação de Hervey Cleckley, Karpman87 defendeu que o
legítimo psicopata (também conhecido como primário) apresenta déficit
emocional constitucional, enquanto o psicopata secundário é fruto de
experiências de socialização negativas que o remete à prática de atos
contrários às normas.
Seguindo os delineamentos apontados por Hervey Cleckley, o médico
psiquiatra Robert D. Hare apresentou o perfil do psicopata fundado em
pesquisas (consistentes em entrevistas e em informações) realizadas com a
população carcerária masculina. O perfil (características específicas
encontradas na relação interpessoal e no estilo de vida) do psicopata foi
obtido por meio do Psycopathy checklist ou PCL e PCL-R – escala de
pontuação para a avaliação de psicopatia em populações forenses
masculinas, desenvolvida pelo autor após vinte e cinco anos de trabalho
experimental88.
Apesar da existência desses critérios, a psiquiatria forense vem se
inclinando ao estudo aplicativo do conceito de Robert D. Hare. A adoção do
seu critério se deve ao fato de que o perfil previsto para o psicopata foi
embasado em experiências aplicadas em pacientes encarcerados, o que, de
fato, nos interessa no presente trabalho.
1.4 O perfil do psicopata
Destacamos essa oportunidade para apresentar o perfil do psicopata e
desmistificar a figura de que estes indivíduos são sempre criminosos, serial
killers e que apenas podem ser encontrados em ambientes sociais mais
propícios para a prática de condutas antissociais.
Visando apresentar com clareza e eloquência o perfil do psicopata,
adotamos a classificação apresentada pelo psiquiatra canadense Robert D.
Hare89 – sem desconsiderar as características pontuadas por outros
estudiosos. O perfil retrata as características mais notáveis desse transtorno,
obtidas mediante avaliações com o emprego do Psycopathy checklist
Revised90 ou PCL-R.
Para melhor esclarecer o tema, Robert D. Hare dividiu o perfil do
psicopata conforme suas relações interpessoal/emocional e seu estilo de
vida.
Apontando os comportamentos do indivíduo por meio da sua relação
‘emocional’/interpessoal, verificaremos a capacidade do psicopata de
expressar seus sentimentos a terceiros. Quanto ao seu estilo de vida,
analisaremos a relação do psicopata com as normas sociais ‘vigentes’.

1.4.1 Área emocional/interpessoal


Essa primeira classificação tem por fim apresentar o componente humano
mais básico do ser humano: a capacidade de sentimento em relação a
terceiros. Nesse contexto, analisamos qualquer sentimento capaz de unir
duas pessoas em afeto, sentimentos de pena e arrependimento.
Os psicopatas são pessoas insensíveis. São incapazes de vivenciar
sentimentos puros. Pesquisadores atentam para o fato de que os psicopatas
são perfeitamente capazes de externar ‘seus sentimentos’, mas que esses
atos devem ser revistos com ressalvas, uma vez que qualquer demonstração
de afeto ou sentimentalismo é fruto de aprendizagem.
O psicopata é incapaz de conhecer sua essência. Assim, todos os atos
demonstrativos de pena, arrependimento, amor etc. são frutos de seu poder
de simulação. Delineado seu perfil, concluímos tratar-se de indivíduos
carentes dos sentimentos humanos mais puros e que, em razão disso, são
profundamente egocêntricos, mentirosos, manipuladores e cruéis.
Robert D. Hare ressalva que “muitas pessoas são impulsivas, simples,
frias, insensíveis ou anti-sociais, mas isso não significa que sejam
psicopatas. A psicopatia é uma síndrome: um conjunto de sintomas
relacionados”91.

1.4.1.1 Eloquência e encanto superficial


O psicopata geralmente se expressa muito bem e apresenta-se socialmente
como uma pessoa divertida, agradável92 e bem articulada. Frequentemente
conta estórias fascinantes e pouco prováveis, mas de alguma maneira –
agindo com charme e poder atraente – consegue convencer os demais.
O discurso do psicopata é, em si mesmo, raso e dotado de contrariedades
e incoerências. As falas muitas vezes não condizem com todo o contexto e
os fatos se contradizem.
Estas constatações seriam prontamente verificadas por qualquer ouvinte
atento. Ocorre que o discurso e as falas proferidas pelo psicopata vão além
de uma narrativa linguística. Toda exposição vem acompanhada de
circunstâncias que envolvem o ouvinte, como a sua eloquência e encanto
superficial.
O psicopata cria um cenário de distração consistente em manipulação,
envolvimento, encantamento e eloquência nas palavras e nos gestos. Assim,
o seu ouvinte é facilmente ludibriado e deixa de se atentar às palavras
proferidas em seu contexto.
Uma das suas características é que pouco se importa se as falsas estórias
são detectadas. Uma vez constatada a ausência de veracidade do que foi
contado, o psicopata é capaz de permanecer pautado na mesma estória ou
ainda mudar de assunto a qualquer momento sem maiores
constrangimentos.
Os psicopatas estão tão habituados às mentiras que, muitas vezes, não se
dão conta de que as contam. Orgulham-se desse poder de enganar os outros.
A seu ver, o mundo é feito de caça e predadores e, assim, não há porque
deixar de aproveitar-se da boa-fé dos mais vulneráveis para ‘vencerem o
mundo’. Esse tipo de psicopata é muito comum no mercado de trabalho, já
que fingem sua qualificação profissional sem, muitas vezes, terem feito um
curso superior ou técnico conforme as exigências do cargo exercido.
São indivíduos que fazem de tudo para conseguir o que querem. Utilizam-
se, ainda, do seu poder de sedução, carisma, encanto e talento para constatar
e preencher as carências dos demais. Suas principais vítimas são pessoas
que se mostram sentimentalmente vulneráveis.
A piedade e a generosidade das pessoas boas podem se transformar em uma folha de papel
em branco assinada nas mãos de um psicopata. Quando sentimos pena, estamos vulneráveis
emocionalmente, e é essa a maior arma que os psicopatas podem usar contra nós93.

Vicente Garrido exemplifica essa característica citando o caso de Dionisio


Rodríguez Martín, também conhecido por Dioni. Dionisio era um ladrão
muito conhecido na Espanha quando, em julho de 1989, roubou94 o furgão
blindado de uma companhia de segurança na qual trabalhava e fugiu para o
Brasil com mais de dois milhões de dólares. Vicente Garrido relata que os
que o conheciam apontavam, principalmente, sua grande facilidade em
atrair o público com simpatia e confiança. Tamanho era seu talento que,
após o cumprimento da pena, empreendeu as carreiras de cantor e
escritor95.

1.4.1.2 Personalidade egocêntrica e presunçosa


O psicopata possui uma visão supervalorizada da sua importância e poder.
Sente-se tão importante que acredita ser a pessoa mais importante do
mundo, por isso cria suas normas.
Robert D. Hare cita um trecho escrito por Ann Rule acerca de Diane
Downs, condenada em 1984 por efetuar disparos de arma de fogo contra
seus três filhos: “Eu. Eu. Eu... Para ela o mundo teria que girar ao seu redor;
não lhe bastava ser a estrela mais brilhante, mas ser a única estrela”96.
Os psicopatas possuem uma visão narcisista da vida. Muitas vezes se
apresentam de modo arrogante, autoconfiantes, dogmáticos e dominadores.
Sentem-se realizados quando têm poder e controle sobre os demais e
parecem incapazes de crer que os outros possam ter opiniões válidas97.
Segundo Martha Stout:
[...] indivíduos sem consciência costumam acreditar que seu jeito de ser é superior ao nosso.
Vivem falando da ingenuidade dos outros e de seus escrúpulos ridículos, ou como é curioso
que tantas pessoas não estejam dispostas a manipular em prol de suas ambições mais
importantes. Podem também elaborar teorias segundo as quais todos são inescrupulosos
como eles e apenas fingem, de maneira desonesta, possuir algo mítico chamado
“consciência”. De acordo com esse raciocínio, os únicos indivíduos francos e honestos no
mundo são eles próprios – são “verdadeiros” numa sociedade de falsos98.

Acham-se tão importantes que pouco se preocupam com dívidas


contraídas, pendências financeiras ou problemas de ordem legal ou pessoal.
Acreditam que estes problemas são apenas transitórios ou fruto de falta de
sorte, infidelidade de amigos ou de um sistema econômico e social injusto,
coordenado por pessoas incompetentes.
Mergulhados nesse mundo de superioridade, demonstram falta de
interesse por uma educação direcionada ou uma qualificação, haja vista
entenderem que suas habilidades lhes proporcionam adquirir o que
quiserem ao longo da vida.

1.4.1.3 Ausência de remorso ou culpa


Os psicopatas demonstram total ausência de culpa ou remorso pelos
efeitos decorrentes dos atos praticados. Por onde passam, devastam a vida
de outras pessoas (pessoal, sentimental, financeira) sem sentirem qualquer
ressentimento. Em sua mentalidade, a culpa não passa de um pressuposto
ilusório empregado pelo sistema para controlar a vida das pessoas.
O psicopata pode até externar qualquer sentimento de remorso ou pena,
porém não passará de uma demonstração superficial do sentimento na qual
foi ‘obrigado’ a aprender para conseguir seus intentos ou para se ajustar
socialmente: “Uma das primeiras coisas que os psicopatas aprendem é a
importância da palavra remorso e como devem elaborar um bom discurso
para demonstrar esse sentimento”99.
Importante destacar que a ausência de remorso e culpa está associada a
uma notória propensão do psicopata em racionalizar e apresentar
justificativas que validem os seus próprios atos delituosos. É comum ainda
que, para amenizar as consequências dos seus atos, o psicopata transfira a
responsabilidade da sua conduta para a vítima ou terceiros.
Exemplo próximo e claro do perfil que se aproxima do comportamento de
um psicopata pode ser encontrado na figura de “Pedrinho Matador”.
Segundo relatos, Pedrinho nasceu em 1954, na cidade de Santa Rita do
Sapucaí, no Estado de Minas Gerais, em um ambiente familiar conturbado
por brigas e espancamentos. Numa dessas brigas, seu genitor desferiu
chutes contra a barriga da sua genitora que, na ocasião, estava grávida de
‘Pedrinho’. Dados dão conta de que ‘Pedrinho’ nasceu com uma
deformidade no crânio em razão desses golpes.
Sem qualquer sentimento de culpa ou remorso, Pedrinho relata que os
seus atos criminosos começaram ainda muito cedo, quando tentou matar o
primo em uma briga, empurrando-o sobre uma moenda de cana. Com
aproximadamente treze anos, praticou seu primeiro homicídio, no qual
vitimou o prefeito da cidade; isso porque este demitiu seu genitor sob a
acusação de furto de merenda. Na oportunidade, também matou o vigia –
por acreditar ser ele o verdadeiro autor do delito.
Após entrar para o crime de tráfico ilícito de drogas e praticar outros
homicídios, Pedrinho conheceu uma mulher que, conforme relata, foi a
única que realmente amou. Por vingança ou outro motivo qualquer, foi
assassinada por um inimigo do tráfico, quando esperava um filho seu. O
fato foi culminante para Pedrinho buscar o mandante do crime. Para isso,
matou inúmeras pessoas – número de vítimas que não sabe ao certo – até
chegar ao seu inimigo.
Uma curiosidade da sua personalidade é o fato de Pedrinho possuir
enorme ‘senso de justiça’. Segundo diz, nunca matou crianças ou mulheres.
Apenas homens maus – pessoas que, de acordo com seu senso moral,
devem morrer. Tal ‘senso de justiça’ levou-o, inclusive, a matar seu pai a
facadas, porque a vítima matara sua mãe com o mesmo modus operandi.
Os espelhos da cela individual na Penitenciária do Estado, em São Paulo, refletiam imagens
curiosas de um mundo particular. Aqui, um quadro com uma cachoeira derramando-se
sobre pedras idílicas, dessas paisagens que já não dizem mais nada; ali, um Jesus pintado à
mão, de braços abertos e olhar absorto; e lá, mais para o cantinho, sobre uma cama dura e
sob um olhar ainda mais frio que o do Cristo, a carne rija do antebraço esquerdo, tatuada
“Mato por prazer”.
A carne é intocável. Pertence ao homem mais temido da história das cadeias brasileiras,
ícone de uma geração de bandidos e lenda viva entre as paredes do sistema prisional.
[...]
No dia vinte e quatro de maio de 1973, Pedrinho foi preso. Tinha dezoito anos. Atrás das
grades, passou a acumular novas penas. Matou companheiros de prisão – por suas contas,
foram 47 homens100.

1.4.1.4 Ausência de empatia101


Muitas das características presentes nos psicopatas estão estritamente
associadas à falta de empatia, ou seja, à capacidade para construir uma
ligação mental e emocional com outra pessoa.
Os psicopatas são insensíveis aos sentimentos alheios; não possuem a
capacidade de respeitá-los e de reconhecê-los. É impossível se colocarem
no lugar dos outros porque nunca foram capazes de experimentar os
sentimentos humanos mais genuínos. São incapazes de vivenciar as
experiências reais humanas. O que se passa com outras pessoas não lhes
interessa, já que o egocentrismo lhes permite apenas olhar para si e para
seus interesses. Os demais indivíduos (inclusive a própria família) são
vistos como coisas e obstáculos para o alcance de seus objetivos.
Jamais sentirão a intensa angústia resultante de uma traição, da prática de
um crime ou de um ato que venha a causar decepção, mágoa, privação e até
a morte de outro indivíduo.
A falta de compreensão e preocupação com o sentimento alheio não é
obstáculo para alcançar seus objetivos. Mesmo sem essa percepção, são
capazes de consegui-los sem qualquer remorso e praticar delitos brutais102.

1.4.1.5 Talento para mentiras e manipulações


Mentir, enganar e manipular são talentos natos para os psicopatas103.
A mentira é uma de suas maiores aliadas, ainda que contada sem qualquer
finalidade. O simples fato de contá-la e verificar que os ouvintes prestam
atenção e depositam confiança no dito, já lhe proporciona grande satisfação.
Se são capazes de mentir sem qualquer motivação, não se importam em
mentir quando necessitam alcançar seus intentos.
Seu alto poder de imaginação e manipulação permite criar estórias
convincentes, sedutoras e acompanhadas de um discurso teatral. Quando
flagrados em suas mentiras não se desconsertam, nem demonstram qualquer
vergonha ou perplexidade.
O simples fato de mentir lhes parece sedutor. Imaginar que possuem o
poder de manipular qualquer pessoa, inclusive pela mentira, lhes dá uma
sensação de poder e satisfação pessoal.
O americano Anthony Owens é um homem de palavra. Em 2002, após conhecer Gwen
Robinson no Texas e lhe propor casamento, ele viajou ao Mississipi para pedir sua mão ao
futuro sogro. A família da noiva se encantou com o homem de voz suave e sorriso confiante
que se apresentou como pastor, um “homem de Deus”. Meses depois da festa, Gwen
descobriu que Anthony era casado com outras 7 mulheres, sem se divorciar de nenhuma.
Ele as seduzia para depois deixá-las sem um tostão. Uma delas perdeu 5 carros e 1 casa.
Outra teve problemas na Justiça por causa de cheques sem fundo que ele emitiu em seu
nome.
Mentir é uma habilidade de todo psicopata, mas falsários como Anthony Owens têm um
talento especial. Disfarçados de profissionais como pastores, advogados e médicos,
enganam as pessoas para conseguir vantagens econômicas ilicitamente. E fazem da mentira
uma ferramenta de trabalho tão importante quanto o terno ou o guarda-pó que vestem para
realizar seus golpes104.

Ainda que tenham a facilidade para criar estórias e utilizar da sua


habilidade de persuasão para fazer com que os seus interlocutores acreditem
na sua veracidade, um ouvinte mais preparado (quando também não é
seduzido pelo locutor) pode verificar que todo o seu discurso carrega em si
inúmeras contradições e inconsistências.
Robert D. Hare ressalta que muitos estudiosos têm a impressão de que os
psicopatas não se dão conta de quando mentem; é como se as palavras
tomassem vida própria105. O autor ainda salienta que o poder de
manipulação e de contar estórias mentirosas é empregado dentro do sistema
prisional quando da avaliação para a concessão de benefícios da execução
penal106.
Essas características dos psicopatas os tornam especialmente aptos para perpetrar fraudes,
logros e falsificações de identidade. Se estiverem na prisão, saberão como convencer as
autoridades de que estão se recuperando; para isso, inscrevem-se em cursos, exibem uma
“profunda” religiosidade e participam de numerosos programas de orientação, desde que os
habilitem, o quanto antes, para regimes próximos ao da liberdade condicional107.

Ao descrever o psicopata de “colarinho branco”, Robert D. Hare afirmou


que os psicopatas que têm ânsias empreendedoras são um modelo de como
usar a educação e as relações sociais para subtrair grandes quantias em
dinheiro de pessoas e instituições sem o emprego da violência. O que os
diferencia dos criminosos comuns é que aqueles enganam e manipulam não
somente os que lhes podem proporcionar grandes quantias de dinheiro, mas
também todos que encontram ao seu redor (família, amigos e até o sistema
Judiciário)108.

1.4.1.6 Emoções superficiais


Os psicopatas são desprovidos de afeto e emoções, e “parecem sofrer de
um tipo de pobreza emocional que limita a amplitude e a profundidade dos
seus sentimentos.”109 À medida que conhecem as emoções no seu campo
literário, são incapazes de vivenciá-las.
Quando externam qualquer reação emocional, é porque foi resultado de
uma educação social – aprenderam ao longo do tempo os conceitos dos
sentimentos e como devem se portar em cada situação.
Muitas vezes revelam-se frios e calculistas; porém, quando lhes interessa,
externam emoções superficiais. As reações e emoções sustentadas são
sempre frutos de um plano criterioso.
Pesquisas experimentais desenvolvidas em laboratório revelam que o
psicopata não aponta as respostas psicofisiológicas associadas ao medo ou à
ansiedade110, por exemplo.

1.4.2 Estilo de vida


Em análise crítica aos aspectos intrínsecos do psicopata, não nos resta
outra dúvida acerca do seu desviado estilo de vida. Além de incorrer em
desvios interpessoais, o psicopata apresenta-se à sociedade com um
comportamento instável e sem direção, delineado pela sua tendência à
violação das normas sociais.
Passemos agora às principais características que denotam seu
comportamento social.

1.4.2.1 Impulsividade
A impulsividade no psicopata retrata a figura do indivíduo que, apesar de
racional e consciente dos atos e das respectivas consequências, é capaz de
praticá-los sem considerá-las, apenas desejando obter satisfação
momentânea.
Se os atos são propícios para lhe dar uma sensação de prazer ou apenas
um obstáculo para alcançar seu intento, ele os pratica sem qualquer pudor.
Situação inversa acontece quando esse sentimento é superado; o psicopata é
capaz de largar tudo sem qualquer explicação.
Essa característica indica que o psicopata tende a viver apenas as
satisfações que o momento presente pode lhe proporcionar.
Imprescindível destacar que a impulsividade não lhe retira a consciência
dos atos praticados e dos que pretende praticar, já que o psicopata traça
muito dos seus passos de modo premeditado.

1.4.2.2 Autocontrole deficiente


Os psicopatas possuem deficiência quanto ao poder de autocontrole.
Diversamente dos não psicopatas, rapidamente perdem o controle dos seus
atos, podendo agir desproporcionalmente a qualquer insulto, frustração e
ameaça.
Segundo Robert D. Hare, os psicopatas reagem diversamente dos não
psicopatas diante de uma frustração ou ataque pessoal. Enquanto o não
psicopata consegue facilmente frear os sentimentos mais primitivos nestas
situações, os psicopatas reagem agressivamente diante de, inclusive,
pequenas trivialidades – já que possuem baixo poder inibitório da sua
agressividade111.
Enquanto alguns sentimentos ou questões de cunho social (medo de
punições, empatia ou ainda, das vantagens e desvantagens de ser pego, etc.)
podem inibir as condutas dos não psicopatas frente a uma agressão ou
ameaça, os psicopatas pouco se importam com estes inibidores.
O detento Carl telefonou da prisão para sua esposa e ficou sabendo que ela não podia visitá-
lo naquele fim de semana porque não tinha ninguém para tomar conta dos filhos. Portanto,
ele não teria os cigarros e a comida que pedira. “Sua filha da puta”, ele gritou ao telefone.
“Eu vou matar você, sua puta”, disse, enquanto dava um toque convincente à ameaça,
socando a parede e tirando sangue dos nós dos dedos. Assim que desligou, entretanto, Carl
começou a rir e a fazer brincadeira com alguns de seus colegas de prisão e pareceu
sinceramente perplexo quando um guarda, que ouvira parte de sua conversa ao telefone,
acusou-o de abuso verbal e de comportamento intimidador112.

Merece destaque o fato de que o psicopata, apesar de ter autocontrole


deficiente, “não perde o controle sobre o próprio comportamento no
decorrer do episódio”113 e a consciência dos atos que estão por vir, como
magoar, amedrontar ou machucar uma pessoa114. Robert Hare destaca a fala
de um detento com alta pontuação no Psycopathy Checklist quando
questionado se conseguia se controlar no momento da raiva: “Não. Eu
mantenho o controle. Tipo assim, eu decido se vou bater muito ou pouco na
cara”115.
1.4.2.3 Necessidade de excitação continuada
Os psicopatas têm grande necessidade de viver em contínua excitação.
São avessos às circunstâncias que os levam ao tédio ou à rotina. Estão
sempre em busca de situações que lhe deem a sensação de excitação – de
preferência, de caráter permanente.
Na obra The Mask of Sanity116, Hervey Clekley descreveu a um psiquiatra
a forma de vida que levava um psicopata. Segundo o autor, ele jamais havia
infringido a lei, porém não tolerava por muito tempo o autocontrole que sua
vida profissional lhe exigia. Assim, vivia emocionalmente desenfreado.
Muitos psicopatas procuram nas drogas ilícitas, em atos perigosos,
proibidos e ilegais a sensação prazerosa da excitação. Em razão dessa busca
incessante pelo ‘novo’ (excitação), dificilmente encontrar-se-á um psicopata
em uma mesma posição na empresa ou em um estilo de vida.
A sensação de adrenalina soa, para o psicopata, como algo vital; por isso,
não há de se esperar muito desses indivíduos, já que sempre procurarão
formas antissociais para suprirem esse vazio interno.

1.4.2.4 Falta de responsabilidade


Para os psicopatas, as obrigações e os compromissos não merecem
atenção. Para esse grupo, é quase impossível prender-se a qualquer situação
que lhes remeta ao cumprimento de obrigações.
A irresponsabilidade dos psicopatas pode ser verificada em todas as áreas
da sua vida. São incapazes de tornarem-se exemplo, onde quer que estejam.
Nas relações de trabalho, a irresponsabilidade pode ser evidenciada nas
constantes ausências injustificadas, nas violações das normas
administrativas e legais, no uso inapropriado ou desvios dos recursos e em
outras condutas que extrapolem as normas e prejudiquem o bom
funcionamento do trabalho.
No âmbito familiar, agem com total indiferença e irresponsabilidade. É
comum assumirem dívidas dentre os familiares ou deixarem de cumprir
suas obrigações parentais (de ordem moral e legal). Há um comportamento
indiferente em relação ao bem-estar e às necessidades da sua família.
Importante destacar que a falta de responsabilidade é qualidade intrínseca
do comportamento do psicopata. Contudo, é possível que em episódios ou
situações pautadas encontremos psicopatas extremamente responsáveis.
Trata-se de um comportamento conveniente e proposital com um fim maior.
Há de se notar que, quando um psicopata constitui família, o faz apenas
para criar a falsa percepção de que a sua vida está de acordo com o padrão
socialmente exigido. Assim, muitas vezes a constitui por conveniência ou
porque entende que constituir uma família é um passo imprescindível para
alcançar o seu intento (como um cargo de confiança no mundo empresarial
ou político, por exemplo). A externalização dessa falsa realidade muitas
vezes é demonstrada com comportamentos de ciúmes (o que configura um
sentimento de posse e não de afeto e consideração).
No ambiente prisional, por exemplo, o psicopata pode ser o principal
responsável por provocar a perturbação da ordem ou da disciplina da prisão,
ou ainda, subverter a ordem do sistema prisional ao violar normas de cunho
administrativo ou da legislação penal vigente. Em contrapartida, os
psicopatas podem se tornar presos com bom comportamento prisional
quando esta for condição para obter certos benefícios (administrativos ou
legais).
A irresponsabilidade e a falta de confiabilidade nas palavras são
qualidades que acompanham o psicopata nas suas relações sociais, mas que
não os impedem de se tornarem pessoas responsáveis e confiáveis em
situações pautadas que lhe confiram algum retorno benéfico.

1.4.2.5 Problemas de conduta na infância


Circunstância imprescindível para diferenciar o indivíduo psicopata do
não psicopata provém da análise comportamental do indivíduo durante a
sua infância.
Considerando que o psicopata já nasceu com o transtorno, inequívoco que
seu comportamento antissocial esteve presente durante a sua infância.
São sinais precoces demonstrativos do perfil psicopático durante a
infância: divertimento com o sofrimento alheio, constantes mentiras para se
safarem de punições, roubos e furtos, fugas de casa e da escola, uso de
substâncias ilícitas, violência, provocação de incêndios, vandalismo,
sexualidade precoce e arrogância no agir, falar e no modo de se vestir. Já no
ambiente doméstico, apresentam condutas desafiadoras e agressivas em
relação aos familiares.
Importante referência indicativa dos traços precoces de psicopatia é a
conduta agressiva contra animais. Psicopatas costumam, desde cedo,
maltratá-los como forma de diversão, sem demonstrar qualquer remorso.
Daniel Blair tem quatro anos e achou que seu cachorrinho de apenas uma semana de vida
estava muito sujo. O melhor jeito encontrado para um banho rápido foi atirar o animal na
água do vaso sanitário – e dar descarga. Por sorte, a mãe descobriu a tempo, e bombeiros
resgataram o animalzinho ainda vivo no esgoto. O caso aconteceu no início de junho de
2009, na Inglaterra, e chamou a atenção das câmeras do mundo inteiro. Muitos
perguntaram: será que Daniel seria um pequeno psicopata divertindo-se com o sofrimento
do bichinho?
Provavelmente não117.
A inglesa Mary Bell, por exemplo, aos dois anos de idade era uma menina diferente das
outras. Nunca chorava quando se machucava e adorava surrar seus brinquedos. Aos quatro
anos precisou ser contida ao tentar enforcar uma coleguinha, dizendo às professoras que
sabia que a atitude poderia matá-la. Aos cinco, presenciou a morte de outro amiguinho sem
esboçar nenhum espanto. Depois de alfabetizada, passou a ficar incontrolável. Pichava
paredes da escola, incendiou a casa onde morava, maltratava animais.
Aos onze anos, Mary matou por estrangulamento dois meninos entre três e quatro anos, sem
dó nem piedade. O caso aconteceu em 1968. Antes de ir a julgamento, a menina foi
avaliada por psiquiatras, que concluíram um gravíssimo transtorno de conduta. “Ela não
demonstrou remorso, ansiedade, nem lágrimas ao saber que seria detida. Nem ao menos deu
um motivo para ter matado. É um caso clássico de sociopatia”, dizia seu laudo118.

O maltrato a outras crianças, inclusive amigos e irmãos, também é um


indicativo. Quando os atos de violência (física ou moral), ou ainda as
brincadeiras acompanhadas com ‘segundas intenções’, são praticados
continuamente e de forma intencional no ambiente escolar, estamos diante
do ‘bullying escolar’119.
Importante destacar que a expressão bullying também pode ser empregada
quando estes atos forem praticados em qualquer ambiente social, inclusive
no ambiente familiar e profissional, independentemente da idade das partes
envolvidas. Não precisa envolver, necessariamente, crianças ou
adolescentes ou encontrar-se no ambiente escolar. Contudo, para melhor
explicitarmos uma das características marcantes do psicopata, apontaremos
apenas o bullying escolar, já que é desde cedo que se manifesta o seu lado
sombrio, e o bullying é, muitas vezes, o instrumento por eles praticado.
Na lição de Ana Beatriz Barbosa Silva:
Além dos bullies escolherem um aluno-alvo que se encontra em franca desigualdade de
poder, geralmente este também já apresenta uma baixa autoestima. A prática do bullying
agrava um problema preexistente, assim como pode abrir quadros graves de transtornos
psíquicos e/ou comportamentais que, muitas vezes, trazem prejuízos irreversíveis120.

Ante a importância decorrente do reconhecimento clínico da psicopatia,


consideramos esta característica (problemas de conduta na infância) como
uma das grandes responsáveis para conferir um diagnóstico dotado de
confiabilidade. Inclusive para poder diferenciá-lo dos demais indivíduos
com transtorno de personalidade antissocial que não se enquadram no seu
perfil.
Diversamente da postura de alguns profissionais que fundamentam o
diagnóstico com fulcro em fatos isolados, entendemos não ser possível
reconhecer a psicopatia sem antes avaliar o histórico comportamental do
indivíduo durante sua infância e adolescência.
Reconhecendo a importância da presença latente e indubitável desta
característica do psicopata, Robert D. Hare dedicou, no PCL-R, alguns itens
e vários questionamentos que remontam ao comportamento do entrevistado
durante a sua infância e adolescência.

1.4.2.5.1 Transtorno da conduta


Conforme a Organização Mundial da Saúde (CID-10) e a Associação
Americana de Psiquiatria (DSM-V), o menor de 18 anos não pode ser
clinicamente diagnosticado com transtorno de personalidade antissocial. Há
um transtorno específico para crianças e adolescentes que apresentam
condutas antissociais durante este período da vida, a saber, o transtorno de
conduta.
Oportuno declinarmos que o fato de crianças ou adolescentes serem
responsáveis pela prática de manifestações antissociais não pressupõe,
necessariamente, o diagnóstico futuro de transtorno de personalidade
antissocial (a partir dos 18 anos). Contudo, é certo que um psicopata
apresentou na sua infância e/ou adolescência os critérios diagnósticos para
o transtorno de conduta – seja por meio de um diagnóstico ou por
evidências da sua presença.
O diagnóstico de transtorno de personalidade antissocial não é dado a indivíduos com
menos de 18 anos e somente é atribuído quando há história de alguns sintomas de
transtorno da conduta antes dos 15 anos de idade. Para indivíduos com mais de 18 anos, um
diagnóstico de transtorno da conduta somente é dado quando não são atendidos os critérios
para transtorno da personalidade antissocial121.

Apontado como espécie de transtorno de comportamento, o transtorno de


conduta é uma perturbação com evidências de início na infância e
adolescência, caracterizado pela manifestação de
comportamentos conflituosos graves de maneira repetitiva e persistente, os quais podem ser
muito diversos, mas têm sempre como afinidade o fato de desrespeitarem os direitos
fundamentais alheios, as regras ou normas sociais e culturais geralmente respeitadas pela
maioria dos jovens da mesma idade122.

Na lição do CID-10, os transtornos de conduta recebem as seguintes


classificações:
F91. Transtornos de Conduta
F91.0 Transtorno de conduta restrito ao contexto familiar123
F91.1 Transtorno de conduta não socializado124
F91.2 Transtorno de conduta socializado125
F91.3 Transtorno desafiador de oposição126
F91.8 Outros transtornos de conduta
F91.9 Transtorno de conduta, não especificado127

No tocante às diretrizes diagnósticas estabelecidas pelo CID-10, a


Organização Mundial da Saúde exemplifica os comportamentos nos quais o
diagnóstico pode ser baseado:
níveis excessivos de brigas ou intimidação; crueldade com animais ou outras pessoas;
destruição grave de propriedades; comportamento incendiário; roubo; mentiras repetidas;
cabular aulas ou fugir de casa; ataques de birra inusualmente frequentes e graves;
comportamento provocativo desafiador e desobediência grave e persistente128.

O CID-10 ressalta, acertadamente, que a prática dos atos isolados não tem
o condão de, por si só, permitir o diagnóstico do transtorno em questão. Os
atos antissociais devem estar presentes de modo duradouro e, ao menos, por
seis meses. Outrossim, é necessário considerar o comportamento médio e o
nível de desenvolvimento do menor.
Com o advento do DSM-V, o transtorno de conduta passou a integrar o
capítulo Transtornos Disruptivos, Do Controle de Impulsos e de Conduta
junto ao transtorno de oposição desafiante, transtorno explosivo
intermitente, transtorno da personalidade antissocial, piromania,
cleptomania, outro transtorno disruptivo, do controle de impulsos e da
conduta especificado e transtorno disruptivo do controle de impulsos e da
conduta não especificado.
Na lição do DSM-V-TR, transtorno da conduta é:
A. Um padrão de comportamento repetitivo e persistente no qual são violados direitos
básicos de outras pessoas ou normas ou regras sociais relevantes e apropriadas para a idade,
tal como manifestado pela presença de ao menos três dos 15 critérios seguintes, nos últimos
12 meses, de qualquer uma das categorias adiante, com ao menos um critério presente nos
últimos seis meses:

Agressão a Pessoas e Animais


1. Frequentemente provoca, ameaça ou intimida os outros.
2. Frequentemente inicia brigas físicas.
3. Usou alguma arma que pode causar danos físicos graves a outros (p. ex., gastão, tijolo,
garrafa quebrada, faca, arma de fogo).
4. Foi fisicamente cruel com pessoas.
5. Foi fisicamente cruel com animais.
6. Roubou durante o confronto com uma vítima (p. ex., assalto, roubo de bolsa, extorsão,
roubo à mão armada)
7. Forçou alguém à atividade sexual.

Destruição de Propriedade
8. Envolveu-se deliberadamente na provocação de incêndios com a intenção de causar
danos graves.
9. Destruiu deliberadamente propriedade de outras pessoas (excluindo provocação de
incêndios).

Falsidade ou Furto
10. Invadiu a casa, o edifício ou o carro de outra pessoa.
11. Frequentemente mente para obter bens materiais ou favores ou para evitar obrigações
(i.e., “trapaceia”).
12. Furtou itens de valores consideráveis sem confrontar a vítima (p. ex., furto em lojas,
mas sem invadir ou forçar a entrada; falsificação).

Violações Graves de Regras


13. Frequentemente fica fora de casa à noite, apesar da proibição dos pais, com início antes
dos 13 anos de idade.
14. Fugiu de casa, passando a noite fora, pelo menos duas vezes enquanto morando com os
pais ou em lar substituto, ou uma vez sem retornar por um longo período.
15. Com frequência falta às aulas, com início antes dos 13 anos de idade.

B. A perturbação comportamental causa prejuízos clinicamente significativos no


funcionamento social, acadêmico ou profissional.
C. Se o indivíduo tem 18 anos ou mais, os critérios para transtorno da personalidade
antissocial não são preenchidos.
O transtorno de conduta apresenta três subtipos assim considerados por
meio da verificação da idade em que deu início: subtipo com início na
infância, subtipo com início na adolescência e subtipo de início não
especificado.
O primeiro subtipo de transtorno de conduta é o iniciado na infância do
indivíduo. Trata-se de transtorno geralmente evidenciado em crianças do
sexo masculino e que estão mais propensos a apresentar comportamentos
mais agressivos que os demais, relações antissociais com os pares e
persistência do comportamento antissocial até a fase adulta.
O subtipo com início na adolescência é evidenciado proporcionalmente
entre os sexos feminino e masculino. Tais indivíduos apresentam
comportamento menos agressivo que os do primeiro subtipo e “tendem a ter
relações mais habituais com os seus pares (embora, frequentemente,
apresentem problemas de conduta na companhia de outras pessoas)”129.

1.4.2.6 Comportamento antissocial na fase adulta


Uma vez diagnosticado com psicopatia (transtorno de personalidade
antissocial), o indivíduo demonstrará seus traços ao longo da vida. Dados
dão conta de que em algumas situações o psicopata pode sofrer remissão do
seu perfil psicopático aos 45 anos de idade. De acordo com Michael H.
Stone, “pessoas anti-sociais com poucos traços psicopáticos e hábitos não
violentos podem, à medida que se aproximam da quarta década, cessar seus
atos anti-sociais, mas outras tendem a permanecer anti-sociais à medida que
envelhecem”130.
O psicopata não é necessariamente um criminoso ou um serial killer. Seu
comportamento antissocial pode apenas ficar no campo moral ou civil.
Contudo, é bem provável que seus atos se aproximem de atos delituosos,
ou, ainda, que chegue a praticá-los sem serem descobertos. Esse é o perfil
dos psicopatas que se aproximam de outras pessoas no trabalho, para criar
laços de amizade e iniciar relacionamentos íntimos.
O predador pode passar toda sua vida sem atrair atenções. Nessa
circunstância, provavelmente estará manipulando os outros, aproveitando-
se de suas qualidades ou buscando o que lhe provoque interesse.
Nos relacionamentos amorosos e de amizade, o psicopata primeiro traça o
perfil da sua presa e conquista sua confiança. Nesse momento, o indivíduo
passa a ser vítima. A partir daí, o psicopata abstrai tudo o que o
relacionamento tem a lhe oferecer: dinheiro, bens, status, carros,
empréstimos etc. Quando a vítima se dá conta, não há mais o que fazer.
Os psicopatas têm uma nefasta habilidade para identificar e explorar mulheres “maternais”,
ou seja, aquelas com forte necessidade de ajudar ou cuidar dos outros. [...] Em geral, essas
mulheres sofrem muitos abusos por acreditarem que podem ajudar os demais; elas estão
prontas a se deixarem esgotar emocional, física e financeiramente131.

Nas relações de trabalho, segundo Paul Babiak e Robert D. Hare132, o


psicopata percorre alguns caminhos. Na contratação, apresentar-se-á
emocionalmente estável e contará estórias que lhe beneficiem. Assim que
contratado, descobrirá quem são as pessoas mais importantes da empresa
que possam lhe oferecer alguma vantagem. O psicopata utilizar-se-á de
todos os meios para afastar seus possíveis concorrentes. Alcançado seu
intento, afastar-se-á daqueles que inicialmente nele confiaram e passará a
humilhá-los.
Na prisão, a conduta do psicopata não será diferente. Assim como
poderão manipular os demais detentos a realizar uma rebelião, são capazes
de influenciar na recuperação dos outros encarcerados e de manipular os
psicólogos e assistentes sociais e todos aqueles que possam de alguma
forma favorecê-lo.

1.4.3 O perfil do psicopata. Considerações finais.


Antes de tecermos considerações finais acerca do perfil do psicopata
apresentado por Robert D. Hare, nada mais oportuno do que apresentarmos
a história clínica de um psicopata paciente do mencionado psiquiatra. Neste
relato, é possível verificar todas as características descritas na área
emocional/interpessoal e o estilo de vida do psicopata.
“Donald, de 30 anos de idade, acabou de completar uma pena de 3 anos
de prisão por fraude, bigamia, negócios ilícitos e fuga à custódia legal. As
circunstâncias que o levaram a esses crimes são interessantes e têm relação
com o seu comportamento pregresso. Quando faltava menos de um mês
para o término de uma pena de 18 meses por fraude, Donald simulou
doença e fugiu do hospital da prisão. Durante os 10 meses de liberdade que
se seguiram, participou de uma série de negócios ilegais. A atividade que
resultou na sua recaptura é típica de seu modo de agir. Passando-se por um
dos diretores de uma fundação filantrópica internacional, Donald
conseguiu o apoio de várias organizações religiosas numa campanha de
levantamento de fundos. Essa campanha foi iniciada em âmbito restrito e
numa tentativa de apressar as coisas, Donald marcou uma entrevista na
televisão local. Sua atuação durante a entrevista foi tão expressiva que
começaram a chover donativos. Infelizmente, porém, para Donald, a
entrevista foi transmitida em cadeia para outros Estados e ele foi
reconhecido e preso rapidamente. Durante o julgamento subsequente ficou
claro que Donald não experimentava sentimento algum de estar
procedendo mal. Ele defendia, por exemplo, a ideia de que sua apaixonada
campanha por donativos fazia com que as pessoas dessem dinheiro para
outras obras de caridade também e não só para a instituição que ele dizia
representar. Ao mesmo tempo, afirmava que a maioria dos doadores eram
pessoas que se sentiam culpadas por alguma coisa e que por isso mereciam
ter sido enganadas. Essa habilidade para racionalizar o seu próprio
comportamento e sua falta de autocrítica eram também evidentes em suas
tentativas de pedir ajuda às próprias pessoas a quem antes havia
enganado. Talvez seja um tributo à sua capacidade persuasória o fato de
que alguns indivíduos realmente o ajudaram. Durante os três anos em que
esteve na prisão, Donald passou boa parte do tempo procurando recursos
legais que o libertassem e escrevendo a autoridades como advogados
locais, o Primeiro Ministro do Canadá e um representante canadense na
ONU. Em suas cartas, Donald os atacava verbalmente por representarem a
autoridade e a injustiça responsável por sua sentença. Ao mesmo tempo,
pedia-lhes que intercedessem em seu favor em nome da Justiça por eles
representada.
Enquanto esteve na prisão, Donald foi usado como sujeito em algumas
pesquisas feitas pelo autor. Na ocasião de sua libertação, inscreveu-se em
uma universidade e, como referência declarou ter sido um dos
colaboradores na pesquisa do autor. Vários meses depois, o autor recebeu
uma carta da universidade, pedindo uma carta de recomendação em favor
de Donald.
Donald era o mais novo de três garotos nascidos numa família da classe
média. Seus dois irmãos são pessoas normais e bem-sucedidas. O pai de
Donald passava grande parte do tempo às voltas com seus negócios;
quando estava em casa, ficava mal-humorado e tendia a beber muito
quando as coisas não iam bem. A mãe era uma mulher delicada, tímida,
que tentava agradar ao marido e manter uma aparência de tranquilidade
familiar.
Quando descobria seus filhos fazendo alguma travessura ou algo errado,
ameaçava contar tudo ao pai. No entanto ela nunca cumpria as ameaças,
pois não queria aborrecer o marido e porque as reações dele eram
imprevisíveis; variavam conforme seu estado de humor. Ora surrava as
crianças num ataque de raiva, ora as repreendia verbalmente, às vezes com
brandura, outras com severidade.
Donald sempre foi considerado por todos uma criança difícil e
voluntariosa. Quando queria doces ou brinquedos e não era atendido,
tentava, em primeiro lugar, mostrar afeto e carinho e se isso não adiantava
tinha ataques de raiva. Quase nunca era necessário chegar a este segundo
recurso, porque sua aparência angelical e sua maneira gentil geralmente
faziam com que conseguisse o que queria. Utilizava-se de táticas similares
para fugir à punição de muitos de seus atos indevidos. Primeiramente,
procurava esconder a verdade através de uma complicada rede de
mentiras, culpando frequentemente seus irmãos. Se isto não funcionava,
dava demonstrações convincentes de profundo remorso e arrependimento.
Quando a punição era inevitável, Donald tornava-se obstinadamente
desafiante, encarando o castigo como um preço injustificável que ele
tivesse que pagar por seus prazeres.
Embora fosse obviamente muito inteligente, seu aproveitamento escolar
foi medíocre. Era inquieto, entediava-se facilmente e faltava às aulas. Seu
comportamento na presença do professor ou de outra autoridade qualquer,
era em geral muito bom, mas, quando estava por sua própria conta, não
raro se metia ou metia os colegas em encrencas. Embora se suspeitasse de
que Donald fosse o culpado, ele sempre apresentava argumentos que
conseguiam livrá-lo.
Os distúrbios de comportamento de Donald na infância tomaram várias
formas, incluindo mentiras, trapaças, pequenos roubos e molestação de
crianças menores. Entrando na adolescência, tornou-se cada vez mais
interessado em sexo, jogo e álcool. Quando tinha 14 anos, fez uma tentativa
rude de aproximação sexual com uma menina mais nova e quando esta
ameaçou contar a seus pais, Donald a trancou num barracão. A menina
passou 16 horas trancada. Quando a encontraram, Donald inicialmente
negou ter conhecimento do caso, para em seguida dizer que ela o havia
seduzido e que a porta devia ter se fechado sozinha. Não manifestou
qualquer sentimento pelo sofrimento da menina e de seus pais, nem deu
qualquer indício de sentir-se moralmente culpado pelo que havia feito. Os
pais de Donald conseguiram evitar a queixa. No entanto, incidentes dessa
ordem estavam se tornando mais e mais frequentes e, numa tentativa de
impedir futuros embaraços para a família, Donald foi mandado para um
internato particular. Seu aproveitamento nessa escola era de baixo nível
dependendo de suas motivações momentâneas. No entanto, se saía bem em
esportes individuais competitivos e em debates com plateia. Donald
representava uma fonte contínua de excitação para vários colegas e sempre
inventava coisas interessantes e extravagantes para fazer. Regras e
regulamentos eram obstáculos insignificantes para sua autoexpressão e os
violava com tanta habilidade que, frequentemente, era difícil provar sua
culpa nos vários incidentes. Os professores o descreviam como um
indivíduo cujo comportamento era inteiramente determinado pela
possibilidade de conseguir o que queria, na maioria dos casos, coisas
concretas, imediatas e de interesse puramente pessoal.
Quando tinha 17 anos, Donald deixou o internato, falsificou a assinatura
do pai em um cheque de vultosa quantia e passou um ano viajando pelo
mundo. Aparentemente, vivia bem, usando uma combinação de encanto,
atração física e meios ilícitos para financiar suas andanças. Durante os
anos subsequentes, teve uma variedade de empregos, nunca ficando em
cada um mais do que alguns meses. Nessa época, foi acusado de uma
porção de crimes, incluindo roubo, embriaguez em local público, assaltos e
várias infrações de trânsito. Na maioria dos casos foi multado ou
condenado a uma pena curta.
Suas experiências sexuais eram frequentes, casuais e superficiais. Aos 22
anos, casou-se com uma mulher de 41 anos que havia encontrado em um
bar. Seguiram-se outros casamentos, todos ilegais (bígamos). O esquema
era sempre o mesmo: casava-se num ímpeto, era sustentado por alguns
meses e depois sumia. Um dos seus casamentos foi particularmente
interessante. Depois de ter sido acusado de fraude, Donald foi mandado a
uma instituição psiquiátrica para um período de observação. Lá, chamou a
atenção de uma integrante da equipe de profissionais. Seu encanto, atração
física e promessas convincentes de se corrigir, levaram-na a intervir em seu
favor. Sua sentença foi suspensa e eles se casaram uma semana depois.
Inicialmente, tudo estava indo razoavelmente bem, mas, quando a moça se
recusou a pagar algumas de suas dívidas de jogo, Donald falsificou sua
assinatura e a abandonou. Foi preso logo em seguida e sentenciado a 18
meses de cadeia. Como mencionado, fugiu quando faltava menos de um
mês para o final da pena.
Interessante notar que Donald nada vê de particularmente errado em seu
comportamento, nem expressa remorsos ou culpa por usar os outros como
objetos e causar-lhes sofrimentos. Embora seu comportamento seja, em
longo prazo, autodestruidor, ele o considera prático e de bom senso.
Punições periódicas não diminuem seu egocentrismo e confiança em suas
próprias habilidades, nem compensam os ganhos em curto prazo de que
Donald é capaz. No entanto, esses ganhos breves são sempre obtidos às
expensas de outras pessoas. Sob esse aspecto, seu comportamento e suas
necessidades são inteiramente egocêntricas, sem qualquer preocupação
com o bem-estar e com os sentimentos dos outros”133.
A partir da narrativa clínica do seu paciente, Robert D. Hare torna claro o
perfil de um psicopata, evidenciando a presença de todas as características
para o seu reconhecimento.
Em vários momentos da descrição clínica, Donald se valeu do seu talento
de persuasão e de contar estórias mentirosas para conseguir seus objetivos,
características evidenciadas quando Donald se passou por um dos diretores
de uma fundação filantrópica e conseguiu angariar muitos donativos.
Comportamento idêntico quando simulou doença e fugiu do hospital da
prisão prestes a terminar o cumprimento da pena. Donald ainda se valeu da
sua personalidade para se aproximar de uma integrante da equipe de
profissionais de uma instituição psiquiátrica para obter benefícios. Logo
após a suspensão da sentença, casaram-se e, após a recusa quanto ao
pagamento envolvendo dívidas de jogos, Donald falsificou sua assinatura e
a abandonou.
Em nenhum momento, demonstrou culpa ou remorso pelos atos
praticados. Ao contrário, afastou sua responsabilidade e culpou terceiros e o
próprio sistema pelas suas ocorrências. A falta de responsabilidade do
psicopata esteve presente, por exemplo, quando culpou a maioria dos
doadores por terem sido enganados, haja vista carregarem sentimento de
culpa por algo que fizeram.
Contudo, para fins de reconhecimento da psicopatia, não há como ignorar
sua infância e adolescência.
Segundo o autor, “os distúrbios de comportamento de Donald na infância
tomaram várias formas, incluindo mentiras, trapaças, pequenos roubos e
molestação de crianças menores. Entrando na adolescência, tornou-se cada
vez mais interessado em sexo, jogo e álcool [...]” Aos 17 anos, falsificou
um cheque do pai e viajou o mundo.
A conduta antissocial presente durante a infância de Donald permaneceu
até a fase adulta. Donald usou diversos artifícios para conseguir o que
queria quando adulto, cometeu inúmeras infrações e foi preso em algumas
situações. Os comportamentos foram evoluindo conforme a própria
perspectiva das suas necessidades, habilidades e dos resultados pretendidos.
A narrativa clínica acima foi surpreendentemente indispensável para nos
aproximar do perfil clínico-comportamental de um psicopata.
Os psicopatas são indivíduos que se apresentam na sociedade
descaracterizados da própria figura, a fim de se instalarem nos mais
diversos ambientes sociais. Para realizar esse primeiro intento, além de
outros que entendam necessários, empregam os mais variados meios de
manipulação. Estórias mentirosas são constantes. O alto poder de
convencimento e de sedução são instrumentos imprescindíveis para
alcançarem a confiança das suas vítimas. São capazes de fingirem um
sentimento para não despertarem qualquer suspeita acerca da sua verdadeira
personalidade.
Devemos, por ora, considerar que o problema que rege a vida de um
psicopata não é um transtorno mental, mas um transtorno na sua
personalidade. Diversamente do que ocorre com pessoas com doenças
mentais que sofrem com psicoses (alterações da realidade ou alucinações), e
podem praticar crimes em série – por exemplo, porque na ocasião tiveram
uma percepção absolutamente errada da realidade – o psicopata sabe
exatamente o que acontece ao seu redor. O seu transtorno está ligado tão
somente à sua personalidade.
No que diz respeito à impulsividade e ao deficiente poder de autocontrole
do psicopata, devemos observá-los e ponderá-los com parcimônia. No caso
clínico apontado pelo próprio psiquiatra, o psicopata sabe exatamente o que
faz; ele é capaz de premeditar seus atos para atingir às finalidades desejadas
e construir todos os passos a serem seguidos ao longo da sua jornada. Se
algum imprevisto acontece com condão de prejudicar seus intentos, ele é
capaz de conter seus atos e agir quando a situação lhe parecer mais
favorável.
A impulsividade do psicopata está ligada ao descaso das consequências
dos seus atos. Não há, em nenhum momento, perda da racionalidade e da
percepção do cenário real. As condutas são voltadas para uma circunstância
preservada na sua realidade, com o domínio e controle dos seus atos pelo
próprio psicopata.
Entendemos que a absoluta impulsividade somente pode ser traço
característico da psicopatia quando atrelada concomitantemente à
ocorrência de algum transtorno mental, o que na psiquiatria é conhecido
como comorbidade. Ou seja, quando o indivíduo, além de sofrer de
psicopatia, sofre de alteração da percepção da realidade (como psicose, por
exemplo), é possível que, em razão das alucinações provocadas pela
doença, aja em total impulso e descontrole. O mesmo comportamento pode
ser esperado quando está sob efeito de álcool ou droga.
1.5 Etiologia da psicopatia
Um dos maiores questionamentos envolvendo a psicopatia diz respeito à
etiologia134.
Encontramos grande resistência por parte das ciências no sentido de
apresentarem a etiologia da psicopatia. Isso se deve às inúmeras
consequências decorrentes da sua adoção, sejam na esfera das ciências da
saúde e/ou jurídicas.
Igualmente, talvez pareça ser mais fácil culpar o passado vivencial do ser
humano como causador do seu futuro tortuoso a adentrar em um campo
obscuro e realizar infindáveis e, muitas vezes, inconclusivas teorias.
Considerando que o transtorno de personalidade antissocial encontra-se
no rol descritivo da Classificação Internacional das Doenças, na parte
destinada à disposição das doenças mentais, há quem defenda tratar-se de
doença mental.
Este constructo ainda se baseia no próprio sentido etimológico da
expressão, conforme abordado em oportunidade anterior. Do grego,
psicopatia trata-se de doença da mente [do grego psyche (mente) e pathos
(doença)]135. Na definição do Dicionário de Medicina Legal, psicopatia é
expressão sinônima de doente mental136.
Como já mencionamos, a expressão psicopatia foi empregada, em um
período da História, como sinônima de doença mental. Este sentido foi
defendido até que estudos verificaram que as descrições clínicas da
psicopatia não mais coadunavam com o conceito de transtorno mental (ou
doença mental).
Para Vicente Garrido, o “critério de inclusão universal que qualifica um
sujeito de ‘doente mental’ baseia-se na correção do raciocínio e no contato
que ele tem da realidade”137.
A. Fernandes da Fonseca considera “‘doença psíquica’ um estado de
desequilíbrio dos sistemas do organismo, susceptível de arrastar o indivíduo
para situações de desadaptação social”138. Segundo o autor:
Defende a O.M.S. que a saúde deve ser entendida como um estado de completo bem-estar
físico, mental e social, o que nos permitirá concluir que, no sentido oposto, a doença será
todo e qualquer estado que se afaste daquela situação de completo bem-estar geral, ou seja,
que uma situação de completo bem-estar físico, mental e social se encontre ausente139.

Na lição de Leonardo Caixeta, Moysés Chaves e Marcelo Caixeta, o


conceito médico de doença deveria ser definido como envolvendo algum
processo autodesvantajoso. Todos ressaltam que o “paciente psiquiátrico”
deve apresentar os efeitos de um processo biológico autodesvantajoso sobre
seus pensamentos, sentimentos ou comportamento140.
E completam:
O critério de comportamento diretamente autolesivo é interessante porque envolve a
possibilidade de uma disfunção biológica, uma vez que só em uma “doença vemos um
organismo biológico trabalhando contra a própria homeostase”141.

Grande parte dos pesquisadores não considera a psicopatia uma doença


mental por não provocar qualquer sintoma, como ocorre com as doenças
mentais como esquizofrenia142, psicose143 e outras anomalias
(desorientação mental, alucinações e sofrimento mental)144.
Jorge Trindade, Andréa Beheregaray e Mônica Rodrigues Cuneo assim
dispõem:
[...] a psicopatia não é um transtorno mental da mesma ordem da esquizofrenia ou da
depressão. A rigor, pode-se dizer que a psicopatia não é propriamente um transtorno mental.
Mais adequado é considerar a psicopatia um transtorno de personalidade.
Psicopatia é personalidade; ela não é uma simples entidade, pois o que nela se procura
captar são essencialmente aspectos que configuram “uma personalidade” 145.

Os adeptos desse entendimento ainda justificam seu posicionamento


sustentando que os psicopatas têm plena consciência dos seus atos e dos
instrumentos necessários para alcançar seus mais sórdidos intentos. São
conhecedores das normas legais e sociais e as desconsideram na prática de
seus atos.
Chamamos personalidades psicopáticas a certos indivíduos que, sem perturbação da
inteligência, inobstante não tenham sofrido sinais de deterioração, nem de degeneração dos
elementos integrantes da psique, exibem através de sua vida intensos transtornos dos
instintos, da afetividade, do temperamento e do caráter, mercê de uma anormalidade mental
definitivamente preconstituída, sem, contudo, assumir a forma de verdadeira enfermidade
mental146.

Vicente Garrido ainda declina que se forem atendidas todas as principais


classificações empregadas por psicólogos e psiquiatras, o psicopata não
pode ser considerado pessoa com doença mental. Para ele, o critério de
inclusão universal que qualifica o sujeito como “doente mental”
fundamenta-se na correção do raciocínio e no seu contato com a realidade.
Assim, encerra seu posicionamento apontando que o psicopata não
demonstra problemas em seu raciocínio (normal), apesar de apresentar uma
inteligência emocional mínima147.
Adrian Raine e José Sanmartín defendem que, apesar de haver
entendimento de que a psicopatia trata-se de transtorno mental equiparado à
esquizofrenia e à depressão, ainda que haja uma classe de psicopatas mais
transtornados, estes não evidenciam graves distorções cognitivas, como
alucinações, delírios e pensamentos distorcidos. Assim, o transtorno de que
padecem os psicopatas traduz-se na constatação de problemas em três
searas: na sua relação com os demais, na sua afetividade e na sua conduta.
“No primeiro âmbito, os psicopatas tendem a manipular e enganar os
demais. Em sua vertente afetiva, sofrem de empatia: são incapazes de
colocar-se no lugar do outro. Finalmente, seu comportamento é anti-
social”148.
Importante destacar que o fato de o transtorno de personalidade
antissocial (compartilhando, nessa hipótese, a congruência entre tais
anomalias) constar na Classificação Internacional das Doenças Mentais não
o inclui, necessariamente, nesse quadro.
Segundo leciona Hilda Clotilde Penteado Morana:
[...] os TEP são atualmente considerados anomalias do desenvolvimento psicológico que
envolvem a desarmonia da afetividade, da excitabilidade, do controle dos impulsos, das
atitudes e das condutas, manifestando-se no relacionamento interpessoal. Dessa forma
impedem a integração social adequada, de modo contínuo e persistente.
Apesar da capacidade mental poder situar-se em limites normais, os indivíduos que os
apresentam evidenciam comprometimento da capacidade de consideração pelos demais, de
sentir culpa ou remorso pelos atos danosos infligidos a outras pessoas, comportamento
impiedoso, e em alguns transtornos é freqüente a incursão criminal149.

Entendemos que a psicopatia não é um transtorno mental, já que não


sustenta quaisquer dos requisitos impostos para seu reconhecimento. O fato
de restar comprovada a existência de características cerebrais diversas do
cérebro dos não psicopatas não lhe confere o título de transtorno mental150.
Os psicopatas não sofrem de qualquer alteração na percepção da realidade
ou de atos involuntários; ao contrário, são plenamente cientes de todas as
suas condutas e respectivas consequências. Podemos considerá-los apenas
como indivíduos com distúrbio de personalidade151.
1.6 Causa originária da psicopatia
Buscar fundamentos que justifiquem o comportamento antissocial do ser
humano ainda é matéria em aberto e objeto de constantes estudos e
pesquisas científicas. Enquanto há quem atribua o comportamento
antissocial às causas sociais desfavoráveis ou a um ambiente destrutivo,
pesquisadores o têm atribuído a fatores genéticos e neurobiológicos, em
atuação conjunta a fatores ambientais.
A partir de um acidente ocorrido em 1848 na Nova Inglaterra, nos Estados
Unidos da América, o cérebro de indivíduos que apresentam
comportamento antissocial passou a ser objeto de pesquisas. Desde então, a
neurociência tem recebido especial destaque para os estudos relacionados
ao tema.
Com 25 anos de idade na época, Phineas Gage trabalhava para a estrada
de ferro Rutland e Burlington quando sofreu um grave acidente. Phineas
Gage era um homem reto, íntegro e exemplo de bom trabalhador –
principalmente na profissão que escolhera exercer. Sua função era bastante
perigosa e lhe exigia muita concentração, atenção e destreza física. Além de
coordenar uma equipe de vários operários, era responsável por preparar as
detonações das rochas, para abrir caminho para a estrada de ferro.
O processo que antecedia à explosão da rocha deveria ser realizado de
forma metódica. Primeiro, era necessário fazer um buraco na rocha e
preenchê-lo até metade com pólvora, adicionar o rastilho e cobrir a pólvora
com areia. Depois, com a ajuda de uma barra de ferro, a areia deveria ser
calcada com uma série de pancadas e, somente então, o rastilho era aceso.
Se tudo ocorresse conforme o planejado, a pólvora explodiria dentro da
rocha e a areia serviria para impedir que a pólvora fosse projetada para fora
do buraco.
Contudo, algo de errado aconteceu. Gage colocou a pólvora sem perceber
que a areia não havia sido introduzida por seu ajudante. O resultado foi uma
grande explosão, que fez com que uma barra de ferro invadisse sua face
esquerda e atravessasse o crânio, saindo no topo da cabeça, e caindo a mais
de trinta metros de distância.
Phineas Gage sofreu grave ferimento. Apesar disso e, para espanto de
todos que estavam no local, Gage manteve-se consciente todo o tempo,
inclusive conseguindo falar, andar e aguardar uma hora até receber o
primeiro tratamento médico.
A sobrevivência torna-se tanto mais surpreendente quando se toma em consideração a
forma e o peso da barra de ferro. Henry J. Biglow, professor de cirurgia em Harvard,
descreve-a assim: “O ferro que atravessou o crânio pesa cerca de seis quilos. Mede cerca de
um metro de comprimento e tem aproximadamente três centímetros de diâmetro. A
extremidade que penetrou primeiro é pontiaguda; o bico mede 21 centímetros de
comprimento, tendo a sua ponta meio centímetro de diâmetro, são essas as circunstâncias às
quais o doente deve provavelmente a sua vida. O ferro é único, tendo sido fabricado por um
ferreiro da área para satisfazer as exigências do dono152.

A recuperação de Gage impressionou sob muitos aspectos, principalmente


pelo fato de o acidente não ter deixado sequelas. A recuperação física foi
completa, exceto pela visão do olho esquerdo. Logo depois do acidente,
Gage andava e se movimentava como antes; a linguagem e a fala não
apresentavam alterações. Em pouco tempo, porém, processou-se uma
surpreendente mudança na personalidade de Gage.
Em razão do acidente, Gage tornou-se uma pessoa desagradável,
grosseira, impaciente, irreverente e não mais possuía os atributos exigíveis
para sua profissão, motivo pelo qual foi dispensado. Na época do acidente,
constatou-se que Phineas Gage sofreu lesões na região frontal do
cérebro153. Desde então, não mais conseguiu se firmar em outro emprego, a
não ser em um circo onde se apresentava como uma aberração. Em 21 de
maio de 1861, com apenas 38 anos de idade, Gage faleceu em decorrência
de ataques epilépticos.
A partir do ocorrido com Phineas Gage, inúmeros estudos surgiram a fim
de apontar a razão para justificar a alteração comportamental (ou psicopatia
adquirida, segundo alguns) decorrente de traumatismo cerebral, bem como
daqueles que já assim nasceram.
Após cinco anos da morte de Phineas Gage, com o avanço tecnológico e a
necessidade de se apurar a real causa da mudança da sua personalidade, seu
corpo foi exumado para novas pesquisas. Exames em 3D do crânio de Gage
constataram que os danos foram mais extensos em um dos hemisférios,
atingindo mais setores anteriores do que posteriores da região frontal. A
lesão ocorreu, principalmente, nos córtices pré-frontais na superfície
ventral, ou orbital, interna de ambos os hemisférios154.
Os estudos realizados em Phineas Gage levaram pesquisadores a sustentar
– após a utilização da técnica de neuroimagem – que o comportamento
antissocial está ligado ao envolvimento de estruturas cerebrais frontais,
especialmente para o córtex orbitofrontal e para a amígdala, sugerindo
prejuízos na função serotoninérgica155.
O caso nos leva a concluir que há uma parte do cérebro humano
responsável pela personalidade e pelas emoções de cada ser humano.
Quando essa parte do cérebro sofre qualquer interferência (genética ou
acidental) que lhe modifique a normalidade padrão, encontraremos um ser
humano desprovido das mais singelas emoções e sentimentos.
A princípio, sabe-se que os psicopatas nascem com este transtorno – o que
o faz diferenciar dos demais indivíduos com comportamento antissocial.
Por outro lado, os não psicopatas, porém dotados de comportamento
antissocial, evidenciam a antissocialidade dos seus atos ao longo da sua
vida, seja em razão de uma doença, lesão, disfunção cerebral156 ou por
decisão livre de qualquer causa biológica.
Diversos estudos realizados por meio de registros eletroencefalográficos
(EEG) foram realizados para determinar se a psicopatia está associada a
anormalidades no cérebro. Estes estudos verificaram que a incidência de
anormalidades do EEG ou ondas cerebrais entre os psicopatas é
extraordinariamente alta. Constatou-se que há excessiva quantidade da
atividade de ondas lentas (4-7 hertz) espalhadas ou, em casos de psicopatas
severamente impulsivos e agressivos, em áreas localizadas nas regiões
temporais do cérebro. De acordo com o resultado, alguns pesquisadores
sustentam que a psicopatia esteja associada à imaturidade estrutural ou
funcional do cérebro157.
Baseando-se ainda na presença de anormalidades de EEG localizadas, há
quem sustente que a psicopatia está relacionada a algum defeito ou
disfunção dos mecanismos cerebrais conexos com a atividade emocional e à
regulação do comportamento158.
Para Steven Pinker, assassinos e outros indivíduos antissociais violentos
tendem a possuir um córtex pré-frontal menor e menos ativo, região
cerebral responsável pela inibição dos impulsos e tomada de decisões159.
Rita Carter ressalta a semelhança de atuação nos dois hemisférios e
aponta que a amígdala dos psicopatas apresenta baixa reação ante situações
que demonstram o sofrimento alheio160:
Uma amígdala normal é ativada por estímulos emocionais. A amígdala de psicopatas exibe
pouca resposta à visão do sofrimento de outra pessoa. Alguns estudos mostram que
tampouco reagem aos estímulos de ameaça. As varreduras mostram que os psicopatas
processam as informações emocionais de um modo fora do comum: na maioria das pessoas,
o hemisfério direito se ilumina principalmente em uma situação emocional, mas os cérebros
psicopáticos são igualmente ativos nos dois hemisférios161.

Adrian Raine e José Sanmartín já afirmavam a correlação direta entre a


tendência para a prática de comportamentos ilícitos e algumas deficiências
cerebrais, especialmente nos lóbulos frontal e temporal, ou em estruturas
subcorticais, como a amígdala e o hipocampo162.
Importante pesquisa realizada em psicopatas foi apresentada em fevereiro
de 2011, na 177ª Conferência Anual da Associação Americana para o
Avanço da Ciência163 (também conhecida como AAAS), em Washington,
nos Estados Unidos.
Os pesquisadores Adrian Raine164 e Nathalie Fontaine surpreenderam os
demais pares ao apresentar o resultado da pesquisa realizada a partir do
escâner no cérebro de psicopatas. O objetivo era verificar a formação da
amígdala165 e do córtex pré-frontal nesses indivíduos, já que são regiões
estritamente ligadas a emoções como medo, culpa e remorso.
Os resultados foram surpreendentes. Comprovou-se que os psicopatas têm
a amígdala 20% menores do que o normal, diagnóstico também verificado
no cérebro de crianças (a partir de três anos de idade) consideradas
problemáticas pelos seus genitores e professores. Outrossim, também foi
verificada essa semelhança cerebral em 21 condenados por fraudes
financeiras: “cérebro ruim, comportamento ruim”.
Nathalie Fontaine ressaltou a importância de diagnosticar a psicopatia o
mais cedo possível. Segundo a pesquisadora, quanto antes for detectado o
problema, maiores serão as chances de que a criança não se revele um
adulto criminoso de alta periculosidade. Nesse sentido, políticas sociais
deverão ser implantadas para evitar um mal maior na sociedade.
Ao final da exposição, os pesquisadores ressaltaram que a pesquisa
desenvolvida deve ser mais bem estudada no futuro, a fim de evitar
diagnósticos “falsos positivos”.
Jorge Trindade, Andréa Beheregaray e Mônica Rodrigues Cuneo
ressaltam que defender esse posicionamento não pressupõe a aceitação
expressa da ‘teoria lombrosiana’ do criminoso nato:
Não se pode afirmar que o psicopata nasce criminoso, senão com certa predisposição para
atuar de maneira violenta diante de determinadas circunstâncias sociais. Traços psicopáticos
podem se manifestar desde a infância e a adolescência, fases em que o comportamento anti-
social costuma aparecer progressivamente166.

Ao analisarem os estudos acerca do cérebro dos psicopatas, Paul Babiak e


Robert D. Hare questionam, ao final do livro “Psicopatas no trabalho: como
identificar e se proteger”, a incongruência na defesa de que os psicopatas
apresentam conexões cerebrais defeituosas, principalmente quando muitos
deles são corporativos altamente funcionais.
Então, após essa longa exposição, fica a pergunta: existe um cérebro psicopático? Dezenas
de estudos empíricos com criminosos, muitos dos quais chegaram aos mesmos resultados,
sugerem que existe uma diferença na estrutura e na função do cérebro dos psicopatas, pelo
menos no nível de amostra. (Muitos psicopatas exibem as anomalias descritas acima, mas
muitos outros não) Acreditamos que, como grupos, eles são programados de maneira
diferente, mas por razões ainda não explicadas. A maioria dos pesquisadores usa termos
como danificado, disfuncional ou deficitário, embora seja possível que as diferenças não
indiquem um déficit, e sim um processo adaptativo evolucionário. Certamente é difícil
entender como executivos psicopatas altamente funcionais podem ser produtos de conexões
cerebrais defeituosas167.

Apesar de inúmeras pesquisas e estudos científicos avançarem ao redor do


mundo, cientistas reconhecem não ser possível estabelecer de modo
incontestável, a causa originária da psicopatia. Isso porque, ainda que o
comportamento antissocial possa ser justificado por questões científicas em
casos pautados, tais evidências não estão unissonamente presentes em todas
as demais situações.
Neste trabalho nos posicionamos no sentido de que o psicopata nasce
psicopata e assim permanece até o fim da sua vida. Os fatores ambientais,
por sua vez, têm papel importante apenas na manifestação do
comportamento do indivíduo que já nasceu psicopata.
Ninguém se torna psicopata, tão somente, em razão dos sofrimentos
presenciados ou ocorrentes durante a infância, em situações de abusos ou de
traumas. Outrossim, ninguém se torna psicopata ao escolher levar uma vida
antissocial por pressão de um grupo ou por circunstâncias sociais (o que
muitos entendem por sociopatia).
Contudo, apesar de os fatores ambientais não serem determinantes para o
surgimento da psicopatia, há de se destacar o seu poder de influência no
comportamento do indivíduo que já nasceu psicopata.
Crianças e adolescentes com comportamento antissocial (com indícios
latentes de psicopatia) que crescem em um ambiente hostil e violento,
podem se tornar extremamente violentos caso não haja uma intervenção
desde cedo. Essa intervenção não terá o condão de cura, mas de evitar que o
psicopata não se revele progressivamente agressivo com o passar dos anos.
Adrian Raine e José Sanmartín se posicionam no sentido da
impossibilidade da atuação única e exclusiva das forças e influências
sociais e ambientais sobre o agente, como também da atuação exclusiva dos
fatores biológicos. A psicopatia, portanto, se dá pela interação entre as
predisposições biológicas e os fatores sociais168.
Sally P. Springer e Georg Deutsch ressaltam:
Repetidamente mencionamos a importância de se reconhecer que muitas disfunções
provavelmente têm mais do que uma causa. Assumir que sintomas semelhantes sempre
procedem da mesma causa é simplificar de modo grosseiro a complexidade das relações
entre o comportamento e o cérebro humano169.

Robert D. Hare ressalta que a observação de uma relação entre fenômenos


fisiológicos e comportamentais não significa necessariamente que esses
fenômenos estejam casualmente relacionados.
Mesmo que não possamos afirmar sempre que a relação fisiologia-comportamento é uma
relação causal, a simples constatação de tal relação pode ser importante para outros
aspectos do estudo. No momento atual, nossas descrições da psicopatia são de natureza
inteiramente clínica. Se pudéssemos determinar que os psicopatas diferem dos outros
indivíduos quanto a alguma variável fisiológica, esta variável poderia ser utilizada como
característica em termos de uma definição de psicopatia170.

Apesar de muitas teorias explicarem a origem da psicopatia sob o


fundamento de diversos argumentos 171, é claro para nós que a deturpação
do sistema emocional está ligada, ao menos em parte, ao sistema cerebral
responsável pelas emoções e sentimentos: mau funcionamento da amígdala,
particularmente no hemisfério direito. Contudo, devemos considerar que,
além de haver grandes evidências de anormalidade cerebral nos psicopatas,
diversos fatores ambientais (sociais, econômicos, educacionais, familiares
etc.) atuam conjuntamente.
Com efeito, as modernas técnicas de neuroimagem estão confirmando antigas hipóteses de
uma correlação entre comportamento delinqüente e alterações no lobo frontal e temporal,
em estruturas subcorticias como a amígdala e o hipocampo (sic)172.
1.7 Diagnóstico clínico e testes psicológicos
Uma das maiores dificuldades relacionadas à psicopatia está no seu
diagnóstico. Isso se deve, sobretudo, ao poder de dissimulação e
manipulação do psicopata, além da impossibilidade de sua participação
contributiva em entrevistas clínicas, avaliação psiquiátrica e psicológica, e
em testes psicológicos173.
Conforme já destacado, a psicopatia não retira do agente sua inteligência,
mas sua capacidade de sentir emoções. Assim, considerando as
circunstâncias e as possíveis consequências do teste, o psicopata é capaz de
atuar, com muita habilidade, utilizando seu poder de dissimulação, o qual
afetará diretamente o resultado do teste. O psicopata é esperto e inteligente
o suficiente para saber quais respostas devem ser dadas para obter eventuais
benefícios.
A justificação de seu uso pode ser dada explicando-se para o examinando que se trata de
um recurso que pode abreviar o tempo de contato necessário para se conhecê-lo.
Obviamente, um nível mínimo de cooperação é necessário para que o teste seja realizado (o
que chamamos de um bom rapport). Ou seja, a pessoa deve querer ser conhecida pelo
profissional. Daí a reserva quanto à possibilidade de uso destes instrumentos com
psicopatas, uma vez que estes estão por definição “se escondendo”174.

Segundo se abstrai do art. 4º da Resolução n. 1.598/2000, do Conselho


Federal de Medicina, o diagnóstico de psicopatia (transtorno da
personalidade antissocial – F60.2) é um procedimento que deve ser
realizado por médico, observados os padrões médicos aceitos
internacionalmente (CID e DSM).
Art. 4º - O diagnóstico de doença psiquiátrica é um procedimento médico que deve ser
realizado de acordo com os padrões médicos aceitos internacionalmente, e não com base no
status econômico, político, social ou orientação sexual, na pertinência a um grupo cultural,
racial ou religioso, ou em qualquer outra razão não diretamente significativa para o estado
de saúde mental da pessoa examinada.

Conforme o disposto na Resolução, o médico psiquiatra deverá atentar-se


aos critérios diagnósticos previstos na CID-10 e no DSM-V-TR. Isso
implica avaliar não somente aspectos relacionados à personalidade do
indivíduo, mas ao preenchimento de outros critérios, como, por exemplo,
comportamentos antissociais praticados em período anterior aos 15 anos de
idade (diagnóstico de transtorno de conduta).
O diagnóstico clínico da psicopatia (transtorno da personalidade
antissocial – F60.2), quando realizado por médico psiquiatra experiente e
atento às particularidades dos seus portadores (capacidade de manipulação
durante a avaliação diagnóstica, por exemplo), é suficiente e pode até
dispensar testes psicológicos.
Inobstante a imprescindibilidade do diagnóstico clínico, os testes
psicológicos contribuem para avaliar a personalidade do indivíduo. De uso
privativo do psicólogo, conforme estabelece o §1º do art. 13 da Lei n,.
4.119/1962, os testes psicológicos consistem em instrumentos de avaliação
ou mensuração de características psicológicas (art. 1º da Resolução n.
002/2003, do Conselho Federal de Psicologia).
Art. 1º - Os Testes Psicológicos são instrumentos de avaliação ou mensuração de
características psicológicas, constituindo-se um método ou uma técnica de uso privativo do
psicólogo, em decorrência do que dispõe o §1o do art. 13 da Lei n. 4.119/62.
Parágrafo único. Para efeito do disposto no caput deste artigo, os testes psicológicos são
procedimentos sistemáticos de observação e registro de amostras de comportamentos e
respostas de indivíduos com o objetivo de descrever e/ou mensurar características e
processos psicológicos, compreendidos tradicionalmente nas áreas emoção/afeto,
cognição/inteligência, motivação, personalidade, psicomotricidade, atenção, memória,
percepção, dentre outras, nas suas mais diversas formas de expressão, segundo padrões
definidos pela construção dos instrumentos.

Segundo estabelece o art. 7º, da Resolução n. 31/2022, do Conselho


Federal de Psicologia, os testes psicológicos têm por finalidade:
Art. 7º Os testes psicológicos têm como objetivos identificar, descrever, qualificar e
mensurar características psicológicas, por meio de procedimentos sistemáticos de
observação e descrição do comportamento humano, nas suas diversas formas de expressão,
acordados pela comunidade científica.

Por fim, importante apontar que todos os testes psicológicos dependem,


para sua aplicação, de validação e parecer favorável do Conselho Federal de
Psicologia. Constantemente, as listas dos testes com parecer favorável e
desfavorável são virtualmente divulgadas pelo Sistema de Avaliação dos
Testes Psicológicos (Satepsi), do Conselho Federal de Psicologia.
Ultrapassadas as considerações iniciais, passaremos a apresentar os
principais testes aplicados, especialmente, no contexto forense.
1.7.1 Teste ou psicodiagnóstico de Rorschach –
“Teste
do Borrão”
Criado pelo psiquiatra suíço Hermann Rorschach, o “Teste do Borrão”
teve seu início em período anterior ao da publicação do seu livro
Psicodiagnóstico. Em 1910, Rorschach iniciou experimentos em borrões de
tinta ambíguos, visando obter um método de análise da personalidade,
através da interpretação das manchas de tinta padronizadas nos campos da
percepção e apercepção.
Somente em 1921175, e após dezenas de anos de experiências práticas,
Rorschach publicou a obra Psicodiagnóstico, que se tornou um dos
principais e mais importantes testes de personalidade do mundo.
Na lição de Isabel Adrados, “o teste revela a organização básica da
estrutura da personalidade, incluindo características da afetividade,
sensualidade, vida interior, recursos mentais, energia psíquica e traços
gerais e particulares do estado intelectual do indivíduo”176.
O teste projectivo consiste em apresentar ao indivíduo uma série de dez
pranchas com “borrões de tinta”, solicitando respostas verbais do
examinando sobre aquilo que observa.
Hermann Rorschach destaca que o teste consiste em “interpretar formas
fortuitas, isto é, figuras formadas ao acaso”177. As figuras imprecisas são
criadas a partir de alguns borrões grandes feitos em uma folha de papel, de
forma simétrica (obtida por dobradura), com pequenas diferenças entre uma
metade e outra.
De acordo com o Compêndio de Psiquiatria, “O teste de Rorschach
focaliza claramente os padrões de pensamento e associação dos sujeitos,
pois a ambiguidade do estímulo proporciona relativamente poucas pistas
sobre as respostas convencionais, padronizadas ou normais”178.
Após o teste, é feita uma análise formal. O resultado está atrelado,
inicialmente, às seguintes questões (que seguem um protocolo para sua
compreensão e análise):
1. Qual o número de respostas? Qual a duração do tempo de reação? Quantas recusas houve
nas diferentes pranchas?
2. A resposta foi determinada apenas pela forma das imagens fortuitas ou, também, por uma
sensação de movimento ou, ainda, pela cor das figuras?
3. A imagem é percebida e interpretada como um todo ou em partes e, neste caso, em que
partes?
4. O que foi visto pelo indivíduo179.

Somente após a análise formal e, em aspecto secundário, analisa-se


[...] o conteúdo material das interpretações. A acuidade da visão das formas, a atitude dos
momentos cinestésicos e dos momentos-cor, o modo como as imagens dos testes são
apreendidas em seu todo ou em partes, além de uma série de outros fatores que podem ser
extraídos do protocolo da prova [...]180

Por fim, Hermann Rorschach ressalta:


Com o decorrer do tempo o teste tem-se revelado de valor diagnóstico. Em indivíduos
normais, ele permite um diagnóstico diferencial de personalidade e, em doentes, permite,
frequentemente, um diagnóstico diferencial de diferentes espécies. Além do mais, ele
representa uma prova de inteligência quase que totalmente independente do saber, da
memória, do exercício e do grau de cultura; permite também conclusões sobre numerosas
relações afetivas. Apresenta, finalmente, a vantagem de poder ser aplicado a um número
ilimitado de casos, sendo comparáveis, entre si, resultados de examinandos os mais
heterogêneos181.

De acordo com a Sociedade Internacional de Rorschach e Métodos


Projetivos, para garantir a confiabilidade científica e a reputação do teste, a
impressão de cada prancha deve atentar-se para a “coloração precisa,
sombreamento das manchas de tinta e sua consistência e constância”:
Trata-se de um processo extremamente delicado. Mesmo hoje em dia, cada reimpressão das
placas exige grande atenção, ela é realizada por um equipamento antigo que é
cuidadosamente mantido exclusivamente para esse fim, de modo a manter uma reprodução
praticamente idêntica a dos originais. O clima também interfere em sua produção, não pode
ser nem demasiadamente seco e nem úmido182.

Apesar da importância, de ser um instrumento muito utilizado no meio


forense e de ter capacidade de fornecer traços da personalidade do
indivíduo, seu uso exige do aplicador larga experiência prática e grandes
estudos de interpretação.
Nesse sentido, encontramos na própria obra de Hermann Rorschach a
temeridade de apoiar-se somente neste teste no estudo de casos isolados e
para fins práticos aos diagnósticos cegos183:
Psicodiagnóstico de Rorschach é um meio auxiliar valioso e insubstituível para apreensão
de um grande número de facetas de personalidade. É, porém, um abuso contentar-se
unicamente com o Psicodiagnóstico de Rorschach para estudo de casos isolados e para fins
práticos. [...] Os resultados obtidos através do teste de Rorschach precisam, de acordo com
as possibilidades, ser comprovados através de outros métodos, provas, observações,
levantamentos etc. Por outro lado, o teste de Rorschach pode confirmar ou completar, de
maneira valiosa, os resultados provenientes de outras fontes ou pô-los em dúvida ou
contradição.
Somente quando o Psicodiagnóstico de Rorschach articular-se com um elo no âmbito geral
do diagnóstico da personalidade, é que ele conservará seu elevado valor. Mas, se tomado
como método isolado destacado deste conjunto, ele seria ainda mais perigoso do que outros
métodos, porque ofusca o examinador menos experimentado conduzindo-o, sem que ele
mesmo o saiba, a caminhos errôneos184.

Hobert D. Hare relata que Kingsley aplicou o teste a internos psicopatas e


não psicopatas de estabelecimentos militares. As respostas foram avaliadas
por dois psicólogos clínicos experimentados e as discordâncias foram
resolvidas por um terceiro psicólogo. Comparadas às de outros sujeitos, as
respostas dos psicopatas foram consideradas significativamente mais
indicativas de impulsividade, imaturidade, hostilidade, agressividade,
insinceridade e egocentrismo185.

1.7.2 Psychopathy Checklist Revised ou Escala


Hare (PCL-R)
Com base nos estudos de Hervey Cleckley, Robert D. Hare186 criou, em
1980, um instrumento de avaliação clínica: o Psychopathy Checklist –
também conhecido como PCL, visando identificar infratores encarcerados
que exemplificavam os critérios comportamentais descritivos por Hervey
Cleckley acerca da personalidade psicopática. Igualmente, foi desenvolvido
a fim de ser empregado em ambientes corretivos e forenses masculinos.
O PCL-R é o instrumento de eleição para o estudo da psicopatia. Os
países que o instituíram apresentaram índice de redução da reincidência
criminal considerável. Em 1990, porém, o instrumento foi revisado –
passando a ser conhecido como PCL-R187 – e dois itens lhe foram retirados.
Assim, de 22, o manual passou a ter 20 itens. Importante destacar que os
critérios de pontuação apontados na primeira revisão permaneceram na
segunda edição do PCL-R, realizada em 2003.
O PCL-R188 consiste em um Roteiro de Entrevistas e Informações; todos
são direcionados a responder objetivamente os 20 itens já prefixados pelo
autor.
São feitos inúmeros questionamentos, por exemplo, relacionados à
educação, profissão, histórico criminal, uso de álcool e drogas,
comportamento na infância e fase adulta. Este Roteiro de Entrevistas pode
ter questionamentos alterados ou adaptados pelo seu aplicador dependendo
da situação concreta. O seu Caderno de Pontuação direciona o seu aplicador
a classificar cada um dos itens em uma escala de 0-2 (com respostas como
não, talvez/em alguns aspectos ou sim, respectivamente), a partir de
informações obtidas em entrevistas e arquivos de prisão189.
O escore varia entre 0 e 40 de acordo com a análise das respostas obtidas
na avaliação. Este ponto de corte é individualizado em cada país adotante
do método de avaliação e está ligado às questões culturais e às
consequências jurídicas do reconhecimento da psicopatia ao indivíduo.
Em países no qual o reconhecimento da psicopatia implica em prisão
perpétua ou de morte, por exemplo, o seu ponto de corte no teste PCL-R é
alto. Em razão das consequências jurídicas do seu reconhecimento e, para
evitar falsos positivos, a imposição de um ponto de corte alto é condição
obrigatória.
Por outro lado, em países nos quais o reconhecimento da psicopatia não
apresenta maiores consequências jurídicas, o ponto de corte é mais baixo –
o que permite também os falsos positivos que, apesar de não ter implicações
tão gravosas no âmbito jurídico, estigmatiza o indivíduo.
De qualquer modo, atingido o ponto de corte do PCL-R para o país
adotante, reconhece-se a possibilidade de o sujeito vir a delinquir.
Outra questão que norteia o PCL-R é a sua possível aplicação na
população forense feminina. Isso porque o teste foi inicialmente
desenvolvido para ser aplicado na população forense masculina. Estudos
ainda estão sendo realizados para a adaptação à população feminina.
Para garantir que a sua aplicação atenda às expectativas do próprio teste, o
autor oferece recursos de treinamento190. Assim, aos seus aplicadores são
disponibilizados workshops e a experiência prática, através da observação
da aplicação dos testes por aplicadores com mais experiência. Outrossim, o
teste tem o condão de diagnosticar efetivamente o psicopata, e não apenas o
indivíduo com transtorno de personalidade antissocial, como ocorre com
outros testes.
No Brasil, o PCL-R chegou a ser traduzido, validado e, por conseguinte,
aplicado. Contudo, a partir de 31 de dezembro de 2022, deixou de ser
validado pelo Conselho Federal de Psicologia, sob o fundamento de os
estudos de normatização estarem vencidos191. Enquanto não forem
atendidas as exigências regulamentares, os psicólogos continuarão
impedidos de aplicar a Escala Hare (PCL-R), sob pena de infração ética.
Importante mencionarmos que o PCL-R somente é aplicável aos maiores
de 18 anos. Aos indivíduos com idade entre 12 e 17 anos, utiliza-se a Hare
Psychopathy Checklist: Yourth Version (PCL:UV). Trata-se de uma escala
de classificação de 20 itens para a avaliação de traços psicopáticos em
infratores, com base em uma “entrevista semiestruturada e informações
colaterais que avaliam as características interpessoais, afetivas e
comportamentais relacionadas a um conceito tradicional e amplamente
compreendido de psicopatia”192.
Oportuno destacar que, com a finalidade de atender às expectativas de
profissionais que solicitavam instrumento de avaliação célere e que se
assemelhasse ao PCL-R em sua credibilidade e validade, Robert D. Hare
contribuiu para a criação do PCL-SV193. Esse instrumento consiste em uma
escala de 12 itens baseada em um subconjunto do PCL-R, com aplicação
em avaliações psiquiátricas, seleção de pessoal e estudos comunitários.
No Brasil, a tentativa da sua validação obteve parecer desfavorável do
Conselho Federal de Psicologia. Segundo dispõem o art. 15 da Resolução n.
31/2022 e as alíneas “c” do art. 1º e “d” do art. 2º do Código de Ética
Profissional do Psicólogo, sua utilização será considerada falta ética.

1.7.3 Outros testes


Há, por sua vez, estudos da emoção que não dependem da manifestação
verbal do agente. Em um teste em que se recebem, repetidas vezes,
descargas elétricas, estímulos dolorosos ou ruídos fortes, o psicopata
apresenta, ao seu final, um quadro de medo com menor intensidade do que
o não psicopata194.
A menor condutividade elétrica da pele deles indica que são muito menos sensíveis ao
medo de receber um castigo ou um estímulo desagradável. Como é lógico, isso tem
repercussões práticas importantes, já que sentenças de prisão pouco efeito têm em modificar
a conduta futura dos psicopatas195.

Em estudos baseados no piscar de olhos, foi exibida uma série de slides de


dois tipos: uma que continha uma imagem agradável e a outra desagradável.
O psicopata reage da mesma forma ante a exposição dos dois tipos de
slides, enquanto as pessoas normais tendem a piscar mais quando expostas
a imagens desagradáveis.
Em outro teste, ao solicitarem a um grupo de pessoas que imaginassem
determinadas frases a serem memorizadas – uma delas com carga
emocional desagradável –, comprovou-se que os psicopatas não
apresentaram diferenças quanto à reação às expressões imaginadas,
enquanto os não psicopatas apresentaram ritmo cardíaco acelerado e
movimentos faciais sutis.
Quando submetidos à tomografia computadorizada, o cérebro dos
psicopatas mostra maior atividade que os cérebros dos não psicopatas
diante das palavras emotivas. A razão é que os não psicopatas codificam e
interpretam habitualmente palavras emocionais, isto é, conseguem
processar a emoção da linguagem. Os psicopatas, por sua vez, demonstram
maior esforço para reconhecer e processar palavras de carga emocional do
que para processar palavras neutras196.
1.8 Tratamento e reversibilidade do quadro clínico
Nesta oportunidade, imperiosa a distinção entre o indivíduo psicopata e o
não psicopata que apresenta comportamento antissocial (o que inclui as
pessoas com transtorno de personalidade antissocial que não se enquadram
no quadro de psicopatia).
Conforme apresentado neste estudo, todo psicopata possui transtorno de
personalidade antissocial, mas nem todo indivíduo com transtorno de
personalidade antissocial é psicopata. Esta distinção é necessária em razão
dos reflexos que o seu reconhecimento provoca no tocante ao tratamento e à
reversibilidade do quadro.
Ressalvadas outras questões clínicas e diagnósticas, entende-se que o
indivíduo que não apresenta o quadro de psicopatia é passível de tratamento
e recuperação. Isso porque a origem do seu transtorno e do seu
comportamento antissocial se deu por fatores exógenos, também
conhecidos por questões ambientais. Assim, é possível que, após
acompanhamento psicológico ou o próprio cumprimento da pena, o
indivíduo seja recuperado.
No tocante aos psicopatas, considerando que a causa originária do
transtorno é, predominantemente, endógena, pesquisadores têm destacado a
dificuldade e a divergência entre médicos e psicólogos no sentido de
apresentar um método ‘curativo’ ou, ao menos, amenizador, desse
transtorno. A divergência se deve, principalmente, à possibilidade da
recuperação do agente.
Segundo Antônio Matos Fontana, os pacientes dotados de personalidade
antissocial podem ser considerados totalmente não tratáveis ou tratáveis sob
determinadas condições. Quanto maiores as influências genéticas, menor a
probabilidade de tratamento:
De modo geral, quanto maior seja a participação dos fatores genéticos, mais intratável
mostra-se o psicopata – nesse caso, há o que se chama de estado psicopático. Por outro
lado, quando o meio se revela tão ou mais importante que os fatores inatos, tem-se o
chamado desenvolvimento psicopático, em que as chances de sucesso terapêutico se
mostram maiores.
[...]
Além disso, todos são socialmente inadaptados, não conseguindo assimilar as normas da
cultura em que vivem197.

Estudos concluíram que intervenções psicológicas padrões para infratores,


como terapia cognitivo-comportamental, psicoterapia em grupo e
programas de comunidade terapêutica, são completamente ineficazes com
psicopatas.
Os psicopatas costumam mentir, roubar, agredir ou abordar sexualmente os demais
pacientes. Introduzem álcool e drogas na unidade, corrompem os funcionários, induzindo-
os a ter conduta desonesta ou antiética; altamente críticos, destroçam as alianças
terapêuticas que os outros pacientes estabelecem com a equipe terapêutica198.

Têm-se como pressupostos necessários para a eficácia de uma terapia a


existência de um paciente que precisa de ajuda, que reconhece necessária
esta ajuda e que esteja disposto às mudanças. O paciente tem atuação ativa,
indispensável e insubstituível neste cenário.
Ocorre que os psicopatas são incapazes de reconhecer que necessitam de
ajuda e não conseguem enxergar qualquer problema em suas condutas e na
sua forma de ser. A visão do mundo e de si os impede de reconhecer suas
debilidades morais e, por conseguinte, de submeter-se às terapias. Do ponto
de vista do psicopata, não há motivos para procurar ajuda.
Por possuírem uma personalidade resistente às intervenções externas,
qualquer mudança comportamental e emocional não se verificará. Não há
razão para mudanças quando não há motivos para tal. Esse é o pensamento
de um psicopata.
Um dos grandes problemas de submeter um psicopata a uma terapia
individual ou em grupo é o que as abordagens e técnicas terapêuticas acerca
do comportamento e emoções de um indivíduo pode fazer com uma pessoa
determinada a não mudar. É provável que estas técnicas alimentem o
‘acervo’ de condutas de manipulação para serem utilizadas no mundo. De
processo extremamente benéfico a qualquer ser humano, a terapia passa a
ser uma arma nas mãos de um psicopata.
A maioria dos programas de terapia faz pouco mais do que fornecer ao psicopata novas
desculpas e racionalizações para seu comportamento e novos modos de compreensão da
vulnerabilidade humana. Eles aprendem novos e melhores modos de manipular as outras
pessoas, mas fazem pouco esforço para mudar suas próprias visões e atitudes ou para
entender que os outros têm necessidades, sentimentos e direitos. Em especial, tentativas de
ensinar aos psicopatas como “de fato sentir” remorso ou empatia estão fadadas ao
fracasso199.

Outrossim, não podemos negar que os poderes de dissimulação,


eloquência e manipulação também desvirtuarão os propósitos do tratamento
– o que poderá levar a conclusões terapêuticas errôneas por um psicólogo
desavisado. Desta forma, é provável ainda que o psicólogo seja convencido
pelo psicopata de que está reabilitado, regenerado e pronto para ser uma
‘nova pessoa’.
Estudos dão conta de que estes indivíduos são mais propensos a recusar
auxílio psiquiátrico e negar seus problemas do que as pessoas com
transtornos de ansiedade, depressivos ou obsessivo-compulsivos. Apontam,
ainda, que os indivíduos com transtorno de personalidade têm capacidade
de adaptar-se e alterar o ambiente externo, além de não sentirem qualquer
ansiedade acerca de seu comportamento mal-adaptativo.
Em razão dessas características (como a impossibilidade de reconhecer a
própria ‘anormalidade’, seus sintomas e os prejuízos causados), são
apontados, por grande parte da doutrina, como irrecuperáveis.
David Zimerman ressalta que na prática psicanalítica os psicopatas são
pacientes que dificilmente entram espontaneamente em análise. Quando o
fazem, mostram forte propensão para atuações e para o abandono do
tratamento, se este é levado a sério pelo analista200.
Quer sejam prisioneiros, pacientes internados ou ambulatoriais, a motivação para esses
indivíduos procurarem tratamento normalmente resulta de uma fonte (ou força) externa, que
pressiona o indivíduo para que ele “mude”. Membros da família, outros significativos,
empregadores, professores ou, mais frequentemente, o sistema judiciário criminal podem
insistir para que a pessoa com TPAS busque tratamento, devido a comportamentos
inaceitáveis ou relacionamentos interpessoais tensos. Com freqüência, as recomendações
terapêuticas são realmente um ultimato: é fazer o tratamento ou perder o emprego ou ser
expulso da escola. Os tribunais podem oferecer uma escolha a réus condenados – fazer
terapia ou ir para a prisão. A escolha, em geral, é fazer terapia. Em muitos casos, a
liberdade condicional depende da frequência à terapia201.

Ao serem imobilizados (hospitalizados), os pacientes frequentemente


tornam-se suscetíveis ao tratamento pela psicoterapia. Quando sentem que
estão entre seus pares, a falta de motivação para mudar desaparece. Talvez,
por isso, os grupos de auxílio mútuo sejam mais úteis do que as
penitenciárias, no alívio do transtorno202.
Já em 1964, Hervey Cleckley revelou-se desencorajado a tentar técnicas
de tratamento e reabilitação dos psicopatas. Cleckley destacou que chegou a
lidar com pacientes tratados por vários tipos de terapias e, mesmo durante
anos de tratamento, nenhuma destas técnicas foi capaz de apresentar
resultados diferenciados. Os psicopatas mantinham o mesmo
comportamento.
Permaneci desencorajado durante muitos anos sobre a eficácia do tratamento do psicopata.
Tendo falhado regularmente em meus próprios esforços de ajudar tais pacientes a alterar seu
padrão fundamental de atividade e inadequação social, julguei por um momento, que outros
tratamentos poderiam ser bem-sucedidos. Tive oportunidade de lidar com pacientes tratados
por psicanálise, por psicoterapias psicanaliticamente orientadas, por terapias de grupo e
ambientais, e por outras variações do método dinâmico. Vi pacientes que foram tratados
durante anos e anos. Sei também de casos em que não apenas o paciente, mas também
vários membros de sua família foram prolongadamente tratados por psicoterapia. Nenhuma
destas medidas me convenceu quanto à eficácia de seus resultados. Os psicopatas
continuavam a se comportar do mesmo modo que antes da terapia203.

Não há, até o momento, um instrumento hábil ou uma técnica de


psicologia com implicação positiva no tratamento do psicopata. Não se
pode curar aquele que nada padece. Bem como não se pode tratar aquele
que não reconhece necessitar de tratamento.
1.9 Considerações
Considerada doença da mente, de acordo com seu sentido etimológico,
‘psicopatia’ nem sempre foi a nomenclatura adotada para classificar os
indivíduos que apresentam conduta antissocial.
Inúmeras nomenclaturas foram criadas até que a expressão ‘psicopatia’
fosse adotada. A expressão ganhou popularidade e até hoje é empregada e
reconhecida por leigos e pesquisadores de alto renome.
Cabe destacar que a Organização Mundial da Saúde não adota esta
expressão, preferindo nomear esses indivíduos como pessoas com
transtorno de personalidade antissocial.
Entendemos que essa nomenclatura seria a mais adequada para
diagnosticar esses agentes não fosse o fato de a Organização Mundial da
Saúde, por meio do CID-10, apresentar os traços descritivos desses
indivíduos. Compartilhamos do entendimento de Robert D. Hare ao afirmar
que esta classificação não abarca exclusivamente os psicopatas, mas
também os ‘criminosos normais’ não psicopatas. Por esse motivo, alguns
estudiosos resistem a empregar a nomenclatura em questão.
Outro fator preponderante diz respeito à incongruência do sentido
etimológico da expressão com o verdadeiro diagnóstico da psicopatia.
Inúmeras pesquisas têm comprovado que a psicopatia não é uma doença da
mente, mas um transtorno voltado para a personalidade do indivíduo.
Por fim, devemos considerar ainda o posicionamento daqueles que
entendem que a psicopatia e o transtorno de personalidade antissocial dizem
respeito a indivíduos antissociais, mas que se distanciam quanto à causa
originária. Segundo eles, a prática de atos antissociais dos psicopatas se dá,
predominantemente, por influência de fatores biológicos, enquanto os
demais são socialmente aversivos por influência de fatores ambientais.
Como vimos, inúmeros estudiosos apresentaram, e assim o fazem até
hoje, o perfil dos indivíduos com psicopatia. Muitos ainda preferem adotar
as classificações e, por conseguinte, o perfil dos psicopatas delineados por
Kurt Schneider. À parte a fundamental importância do autor para a
psiquiatria, entendemos que sua classificação abarca situações não
compreendidas pela psicopatia.
Considerando esta circunstância e o fato de que Robert D. Hare
estabeleceu o perfil dos psicopatas baseado em pesquisas realizadas no
sistema penitenciário com indivíduos psicopatas e não psicopatas,
preferimos adotar as suas lições.
Na lição de Robert D. Hare, o perfil do psicopata pode ser verificado nas
suas relações interpessoal/emocional e no seu estilo de vida.
No tocante às suas relações interpessoal/emocional, o psicopata apresenta
eloquência e encanto superficial, personalidade egocêntrica e presunçosa,
ausência de remorso ou culpa, ausência de empatia, talento para mentiras e
manipulações e emoções superficiais. No que diz respeito ao seu estilo de
vida, o perfil do psicopata destaca-se pela sua impulsividade, autocontrole
deficiente, necessidade de excitação continuada, falta de responsabilidade,
comportamento antissocial na fase adulta e a verificação de problemas de
conduta na infância.
Incapazes de sentir qualquer emoção, os psicopatas são indivíduos que
usam das suas habilidades de sedução e de contar estórias falsas para
manipular suas vítimas. São capazes de se envolver com outras pessoas sem
realmente vivenciar os verdadeiros sentimentos.
O que os diferencia do não psicopata é que os traços antissociais são
verificados desde a mais tenra idade. Desde muito cedo, despertam a
atenção dos demais pela prática de atos cruéis contra animais e outras
crianças. São capazes de matar pequenos animais e não sentirem qualquer
sentimento de culpa ou remorso.
Pontuamos no presente trabalho esta característica como uma das
principais para o reconhecimento e diagnóstico da psicopatia, como
também de fundamental importância para diferenciá-lo dos indivíduos com
comportamento antissocial, mas que não são considerados psicopatas. A
psicopatia não tem cura e não há possibilidade de reversão do seu quadro; o
não psicopata cujo comportamento antissocial se manifestou em momento
posterior ao seu nascimento e desvinculado dele, é tecnicamente
recuperável e o seu comportamento pode ser revertido – ressalvados os
casos de doença, lesão ou disfunção cerebral.
Os psicopatas geralmente se afastam das tarefas que lhe exigem alto grau
de responsabilidade. Porém, quando o alto grau de responsabilidade é meio
para alcançar seu intento, é capaz de subordinar-se a quaisquer ordens.
Segundo Robert D. Hare, os psicopatas são impulsivos e têm poder de
autocontrole deficiente. Essas características, no entanto, devem ser
consideradas com ressalvas, para evitar conclusões errôneas.
Embora os psicopatas possam ser, em sua essência, impulsivos e terem
baixo poder de autocontrole, a impulsividade não lhes retira a consciência
dos seus atos e do conhecimento claro das questões que norteiam a situação
concreta. A ação do psicopata é livre de qualquer causa que afaste o seu
comportamento da realidade dos fatos e do conhecimento das suas
consequências. O psicopata mantém controle da situação fática, inclusive
do próprio comportamento.
Outrossim, não podemos defender que os psicopatas são pessoas
desequilibradas, irracionais e capazes de, a todo tempo, praticar delitos.
Estes agentes são meticulosos, premeditam seus atos e têm plena
consciência do que pretendem praticar e das suas consequências. Sabem
exatamente até que ponto podem ir e o momento em que devem parar.
Admitimos, porém, o comprometimento da impulsividade do psicopata
quando acometido de qualquer doença mental (comorbidade) ou em
situações que provoquem a alteração da realidade dos fatos.
Os psicopatas não são, necessariamente, criminosos ou serial killers. É
preciso considerar que existem muitos indivíduos que se prestam à vida
criminosa influenciados pelo ambiente social e psicopatas que apenas agem
imoralmente sem, contudo, violar qualquer norma jurídica.
Considerando a dificuldade de diagnóstico, Robert D. Hare criou um
questionário baseado nas características mencionadas para diferenciar os
indivíduos psicopatas dos não psicopatas: o Psychopathy Checlist Revised –
PCL-R.
No tocante à natureza do transtorno, verificamos não haver alinhamento
científico a respeito, mas consideramos a possibilidade de a psicopatia estar
relacionada a qualquer alteração no sistema nervoso central. Pesquisas dão
conta de que, quando submetidos a exames ligados a neurotransmissores, os
psicopatas demonstram a mais absoluta falta de sentimento (ou sua
deficiência) diante de situações às quais um homem médio demonstraria
emoção ou sentimento.
No que diz respeito à possibilidade de tratamento, cura e reversibilidade
do quadro, psiquiatras e psicólogos têm se apresentado descrentes da sua
ocorrência. Isso porque a psicopatia não provoca qualquer mal-estar (físico
ou emocional) no indivíduo, nem qualquer sintoma como ocorre com as
pessoas com depressão, esquizofrenia ou ansiedade, por exemplo.
Destacamos ainda que a impossibilidade da reversibilidade do quadro
também se dá pelo fato de o psicopata não reconhecer qualquer problema
no seu comportamento, o que o faz negar ou não contribuir com tratamento
terapêutico.
A psicopatia precisa ser conhecida pela classe jurídica a fim de evitar
situações que não sejam as mais adequadas ao próprio sistema. Dados
indicam que o transtorno tem maior incidência entre a população
masculina204 e que pode estar presente em 3% dos homens e apenas 1%
dentre as mulheres205.

1 Frase declarada por H. H. Holmes, também conhecido como Herman W. Mudgett (ROLAND, Paul.
Por dentro das mentes assassinas: a história dos perfis criminosos. Tradução de Antônio Fiel
Cabral. São Paulo: Madras, 2010, p. 20).
2 Compartilham desse entendimento Jorge Trindade, Andréa Beheregaray e Mônica Rodrigues
Cuneo, ao estabelecerem criteriosamente a distinção entre as duas expressões: “Psicopatas, além
de apresentarem as características proeminentes do Transtorno de Personalidade Antissocial
(TPAS), possuem significativo comprometimento afetivo e das relações interpessoais. 1.
Psicopatas tendem a serem mais insensíveis e, portanto, mais violentos. Agem com mais crueldade
e são mais devastadores. São mais predadores e destrutivos das relações e vêem as suas vítimas
como presas. Possuem um prognóstico ainda mais sombrio e pessimista do que indivíduos com
Transtorno de Personalidade Anti-social. 2. Psicopatas não conseguem fazer vínculos afetivos
verdadeiros e tendem a manipular os outros para obter vantagem para si” (TRINDADE, Jorge;
BEHEREGARAY, Andréa; CUNEO, Mônica Rodrigues. Psicopatia – a máscara da justiça. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2009, pp. 101-102). Hilda Clotilde Penteado Morana destaca que
Robert D. Hare não coaduna com o entendimento de que tais expressões são sinônimas.
“Acrescenta que, no ano de 1980, com a publicação do DSM-III, ‘psicopatia’ tornou-se sinônimo
de transtorno anti-social de personalidade. [...] Seu argumento baseou-se na consideração de que é
mais fácil identificar condutas peculiares que se relacionam a um distúrbio de personalidade do
que encontrar a dinâmica subjacente. Em outras palavras, caracterizar um aspecto explícito da
conduta de um sujeito implica maior confiabilidade do que entender a disposição psíquica
específica. O resultado foi, segundo o autor, um diagnóstico com elevada confiabilidade e
duvidosa validade”. De acordo com a autora, as classificações ora defendidas (Transtorno Global e
Transtorno Parcial de Personalidade) podem ser consideradas como uma expressão defendida por
Robert D. Hare, ao estabelecer as figuras do psicopata e do não psicopata (MORANA, Hilda
Clotilde Penteado. Identificação do ponto de corte para a escala PCL-R (Psychopathy
Checklist Revised) em população forense brasileira: caracterização de dois subtipos de
personalidade; transtorno global e parcial. São Paulo. 178p. Tese (Doutorado). Faculdade de
Medicina, Universidade de São Paulo (USP), 2003, p. 34). Em 1973, Robert D. Hare já
mencionava que o termo seria de difícil uso e que, na prática, seria algumas vezes substituído por
‘sociopatia’ ou ‘personalidade sociopática’. No entanto, destacou que o antigo e mais popular
termo ‘psicopatia’ ainda tem popularidade e é geralmente usado para indicar a categoria do
diagnóstico (HARE, Robert D. Psicopatia: teoria e pesquisa. Tradução de Cláudia Moraes Rêgo.
Rio de Janeiro: Livros técnicos e Científicos Editora S.A, 1973, p. 04.).
3 (GARRIDO, Vicente. O psicopata: um camaleão na sociedade atual. Tradução de Juliana Teixeira.
São Paulo: Paulinas, 2005, p. 34).
4 MORANA, Hilda Clotilde Penteado. Identificação do ponto de corte para a escala PCL-R
(Psychopathy Checklist Revised) em população forense brasileira: caracterização de dois
subtipos de personalidade; transtorno global e parcial. São Paulo. 178p. Tese (Doutorado).
Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (USP), 2003, p. 04.
5 MARTINS, Waldemar Valle (coord.) Dicionário de psicologia. São Paulo: Loyola, 1982, p. 166.
6 MORANA, Hilda Clotilde Penteado. Reincidência criminal: é possível prevenir? De jure: Revista
Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte. n. 12, pp. 140-147,
jan.-jun. 2009. Disponível em: http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/28054. Acesso em: 17
mar. 2010, p. 142.
7 Conforme se abstrai do julgamento de Agravo em Execução Penal (TJ-MS - EP:
16029694320228120000 Dourados, Relator: Des. Jairo Roberto de Quadros, Data de Julgamento:
15/07/2022, 3ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 19/07/2022), foi negado o benefício da
progressão de regime ao condenado que não teve preenchido o requisito subjetivo, conforme
dispõe o art. 112 da Lei das Execuções Penais. Segundo o exame criminológico realizado, o expert
atestou que o recorrente “demonstrou um perfil dissocial, indiferente, insensível, sem remorso ou
culpa ou empatia, manipulador e vigarista, sendo que tais características foram confirmadas pelos
testes psicológicos, cujos resultados denotam imaturidade no trato com as emoções e manejos
defensivos, instabilidade, possibilidade de ruptura do equilíbrio interno, dificuldade de elaborar
conflitos intrapsíquicos, ausência de repressões indispensáveis do homem socialmente adaptado e
que seu perfil pode ser classificado como psicopático, motivo pelo qual concluí que ele é
acometido pelo transtorno de personalidade antissocial global (CID10 F60.2)". Por fim, o
expert concluiu (fl. 54) que o sentenciado "é acometido pelo transtorno de personalidade
antissocial global, também conhecido como psicopatia, motivo pelo qual precisa ser submetido
a tratamento psicoterápico, a fim de que lhe seja propiciada a remissão dos sintomas dessa
psicopatologia" (grifo nosso).
8 BABIAK, Paul e HARE, Robert D.. Psicopatas no trabalho: como se identificar e se proteger.
Trad. Márcia Men.São Paulo: Universo dos Livros, 2022. p.35.
9 GARRIDO, Vicente. O psicopata: um camaleão na sociedade atual. Tradução de Juliana Teixeira.
São Paulo: Paulinas, 2005, pp. 33-34. De acordo com J. C. Dias Cordeiro, o vocabulário
americano substituiu a expressão ‘psicopatia’ por ‘sociopatia’ e, quando empregada pela
legislação e literatura, a expressão está ligada a delinquência e perversão sexual. CORDEIRO, J.
C. Dias. Psiquiatria forense. A pessoa como sujeito ético em medicina e em direito. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 64).
10 De acordo com o sentido etimológico da expressão, psicopatia vem a ser doença da mente [do
grego psyche (mente) e, pathos (doença)].
11 PALOMBA, Guido Arturo. Tratado de psiquiatria forense civil e penal. De acordo com o
Código Civil de 2002. São Paulo: Atheneu, 2003, p. 515.
12 PESSOTI, Isaias. Os nomes da loucura. São Paulo: Ed. 34, 1999, p. 182.
13 WORLD HEALTH ORGANIZATION. Disponível em: https://www.who.int/about. Acesso em:
27 de julho de 2023.
14 Campus Virtual de Saúde Pública. Manual de capacitação da Classificação Internacional de
Doenças e problemas relacionados com a saúde, 11º. Revisão (CID-11) – 2022. Disponível no site:
https://www.campusvirtualsp.org/pt-br/curso/cid-11-manual-de-capacitacao-da-classificacao-
internacional-de-doencas-e-problemas. Acesso em 27 de julho de 2023.
15 A Conferência Internacional para a Décima Revisão da Classificação Internacional de Doenças foi
convocada pela Organização Mundial da Saúde e realizada em sua sede, em Genebra, de 26 de
setembro a 2 de outubro de 1989. Participaram da Conferência delegados de 43 Países Membros,
dentre os quais se encontram o Brasil, representantes das Nações Unidas, da Organização
Internacional do Trabalho, dos Escritórios Regionais da OMS, bem como representantes do
Conselho das Organizações Internacionais de Ciências Médicas e de doze outras organizações não
governamentais (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação Internacional de
Doenças (CID-10). Tradução de Centro Colaborador da OMS para a Classificação de Doenças em
Português. 9. ed. São Paulo: Edusp, 2003, pp. 9-10).
16 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Ministério da Saúde coordena tradução do novo Código Internacional
de Doenças para a língua portuguesa. Disponível no site: https://www.gov.br/saude/pt-
br/assuntos/noticias/2022/julho/ministerio-da-saude-coordena-traducao-do-novo-codigo-
internacional-de-doencas-para-a-lingua-portuguesa. Acesso em: 25 de jul. de 2023.
17 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação Internacional de Doenças (CID-10).
Tradução de Centro Colaborador da OMS para a Classificação de Doenças em Português. 9. ed.
São Paulo: Edusp, 2003, p. 33.
18 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação Internacional de Doenças (CID-10).
Tradução de Centro Colaborador da OMS para a Classificação de Doenças em Português. 9. ed.
São Paulo: Edusp, 2003, p. 196.
19 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação Internacional de Doenças (CID-10).
Tradução de Centro Colaborador da OMS para a Classificação de Doenças em Português. 9. ed.
São Paulo: Edusp, 2003, p. 197.
20 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação Internacional de Doenças (CID-10).
Tradução de Centro Colaborador da OMS para a Classificação de Doenças em Português. 9. ed.
São Paulo: Edusp, 2003, p. 198.
21 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação Internacional de Doenças (CID-10).
Tradução de Centro Colaborador da OMS para a Classificação de Doenças em Português. 9. ed.
São Paulo: Edusp, 2003, pp. 199-200.
22 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação Internacional de Doenças (CID-10).
Tradução de Centro Colaborador da OMS para a Classificação de Doenças em Português. 9. ed.
São Paulo: Edusp, 2003, pp. 199-200.
23 ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE. Versão final da nova Classificação
Internacional de Doenças da OMS (CID-11) é publicada. Texto publicado em 11 de fevereiro de
2022. Disponível em: https://www.paho.org/pt/noticias/11-2-2022-versao-final-da-nova-
classificacao-internacional-doencas-da-oms-cid-11-e. Acesso em: 27 jul. de 2023.
24 WORLD HEALTH ORGANIZATION. International Statistical Classification of Diseases and
Related Health Problems (ICD). Disponível no site:
https://www.who.int/classifications/classification-of-diseases. Acesso em: 27 jul de 2023.
25 ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE. Versão final da nova Classificação
Internacional de Doenças da OMS (CID-11) é publicada. Texto publicado em 11 de fevereiro de
2022. Disponível em: https://www.paho.org/pt/noticias/11-2-2022-versao-final-da-nova-
classificacao-internacional-doencas-da-oms-cid-11-e. Acesso em: 27 jul. de 2023.
26 WORLD HEALTH ORGANIZATION. International Classification of Diseases for Mortality
and Morbidity Statistics - Eleventh Revision (ICD-11). Geneva: World Health Organization,
2022. p. 385.
27 “Personality disorder is characterised by problems in functioning of aspects of the self (e.g.,
identity, self-worth, accuracy of self-view, self-direction), and/or interpersonal dysfunction (e.g.,
ability to develop and maintain close and mutually satisfying relationships, ability to understand
others’ perspectives and to manage conflict in relationships) that have persisted over an extended
period of time (e.g., 2 years or more). The disturbance is manifest in patterns of cognition,
emotional experience, emotional expression, and behaviour that are maladaptive (e.g., inflexible
or poorly regulated) and is manifest across a range of personal and social situations (i.e., is not
limited to specific relationships or social roles). The patterns of behaviour characterizing the
disturbance are not developmentally appropriate and cannot be explained primarily by social or
cultural factors, including socio-political conflict. The disturbance is associated with substantial
distress or significant impairment in personal, family, social, educational, occupational or other
important areas of functioning.” WORLD HEALTH ORGANIZATION. International
Classification of Diseases for Mortality and Morbidity Statistics - Eleventh Revision (ICD-11).
Geneva: World Health Organization, 2022. p. 560.
28 WORLD HEALTH ORGANIZATION. International Classification of Diseases for Mortality
and Morbidity Statistics - Eleventh Revision (ICD-11). Geneva: World Health Organization, 2022.
p. 560-561.
29 Tradução livre de “personality difficulty – QE50.7. WORLD HEALTH ORGANIZATION.
International Classification of Diseases for Mortality and Morbidity Statistics - Eleventh
Revision (ICD-11). Geneva: World Health Organization, 2022. p. 1750.
30 WORLD CONGRESS OF PSYCHIATRY. 23º WPA World Congress of Psychiatry: Scientific
Program. Disponível: https://wcp-congress.com/program-at-a-glance/. Acesso: 27 de jul. de 2023.
31 AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Trad.: Daniel Vieira, Marcos Viola Cardoso,
Sandra Maria Mallmann da Rosa. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais –
DSM-V-TR. 5 ed., texto revisado. Porto Alegre: Artmed, 2023.
32 Os autores ainda ressaltam: “a maior parte dos transtornos que recebeu o novo nome de transtorno
de personalidade não era nova; na verdade, alguns (personalidade esquizoide, personalidade
paranoide) haviam sido incluídos em edições anteriores do DSM” (FOWLER, Katherine A.;
O’DONHOHUE, William; LILIENFELD, Scott O. (org.). Transtornos de personalidade: em
direção ao DSM-V. Tradução de Fábio Moraes Corregiari. São Paulo: Roca, 2010, p. 1).
33 Disponível em: http://www.dsm5.org/about/Pages/faq.aspx. Acesso em: 20 ago. 2013.
34 Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5/ [American Psychiatric
Association...[et. al.]; revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli... [et al.]. 5 ed. Porto Alegre:
Artmed, 2014, p.p. 646-647.
35 Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5/ [American Psychiatric
Association...[et. al.]; revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli... [et al.]. 5 ed. Porto Alegre:
Artmed, 2014, p. 647.
36 “Indivíduos com esses transtornos frequentemente parecem esquisitos ou excêntricos”. (Manual
diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5/ [American Psychiatric Association...[et.
al.]; revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli... [et al.]. 5 ed. Porto Alegre: Artmed, 2014, p.
646).
37 “Transtorno da personalidade paranoide é um padrão de desconfiança e de suspeita tamanhas
que as motivações dos outros são interpretadas como malévolas. (Manual diagnóstico e estatístico
de transtornos mentais: DSM-5/ [American Psychiatric Association... et al.]; revisão técnica:
Aristides Volpato Cordioli... [et al.]. 5 ed. Porto Alegre: Artmed, 2014, p. 645.
38 “Transtorno da personalidade esquizoide é um padrão de distanciamento das relações sociais e
uma faixa restrita de expressão emocional.” (Manual diagnóstico e estatístico de transtornos
mentais: DSM-5/ [American Psychiatric Association... et al.]; revisão técnica: Aristides Volpato
Cordioli... [et al.]. 5 ed. Porto Alegre: Artmed, 2014, p. 645).
39 “Transtorno da personalidade esquizotípica é um padrão de desconforto agudo nas relações
íntimas, distorções cognitivas ou perceptivas e excentricidades do comportamento. Manual
diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5/ [American Psychiatric Association... et
al.]; revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli... [et al.]. 5 ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
40 “Indivíduos com esses transtornos costumam parecer dramáticos, emotivos ou erráticos”. (Manual
diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5/ [American Psychiatric Association... et
al.]; revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli... [et al.]. 5 ed. Porto Alegre: Artmed, 2014, p.
646).
41 “Transtorno da personalidade antissocial é um padrão de desrespeito e violação dos direitos
dos outros. (Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5/ [American
Psychiatric Association... et al.]; revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli... [et al.]. 5 ed. Porto
Alegre: Artmed, 2014, p. 645).
42 “Transtorno da personalidade borderline é um padrão de instabilidade nas relações
interpessoais, na autoimagem e nos afetos, com impulsividade acentuada” (Manual diagnóstico e
estatístico de transtornos mentais: DSM-5/ [American Psychiatric Association... et al.]; revisão
técnica: Aristides Volpato Cordioli... [et al.]. 5 ed. Porto Alegre: Artmed, 2014, p. 645).
43 “Transtorno da personalidade histriônica é um padrão de emocionalidade e busca de atenção
em excesso.” (Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5/ [American
Psychiatric Association... et al.]; revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli... [et al.]. 5. ed. Porto
Alegre: Artmed, 2014, p. 645).
44 “Transtorno da personalidade narcisista é um padrão de grandiosidade, necessidade de
admiração e falta de empatia.” (Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5/
[American Psychiatric Association... et al.]; revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli... [et al.]. 5
ed. Porto Alegre: Artmed, 2014, p. 645).
45 “Indivíduos com esses transtornos com frequência parecem ansiosos ou medrosos” (Manual
diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5/ [American Psychiatric Association... et
al.]; revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli... [et al.]. 5 ed. Porto Alegre: Artmed, 2014, p.
646).
46 ROBERTS, Laura Weiss; LOUIE, Alan K. Guia de estudo para o DSM-5. Tradução de Régis
Pizzato. Revisão técnica: Neury José Botega. Porto Alegre: Artmed, 2017, p. 416.
47 AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos
mentais: DSM-V. Tradução de Maria Inês Corrêa Nascimento. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014,
pp. 647-648.
48 AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos
mentais: DSM-V. Tradução de Maria Inês Corrêa Nascimento. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014,
p. 659.
49 AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos
mentais: DSM-V. Tradução de Maria Inês Corrêa Nascimento. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014,
p. 659.
50 AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders (DSM-5-TR). Disponível: https://www.psychiatry.org/psychiatrists/practice/dsm.
Acesso: 28 de jul. de 2023.
51 AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos
mentais: DSM-V-TR. Tradução de Daniel Vieira, Marcos Viola Cardoso, Sandra Maria Mallmann
da Rosa. Revisão Técnica: José Alexandre de Souza Crippa, Flávia de Lima Osório e José Diogo
Ribeiro de Souza. 5. ed., texto revisado. Porto Alegre: Artmed, 2023. pp. 751-752.
52 AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos
mentais: DSM-V-TR. Tradução de Daniel Vieira, Marcos Viola Cardoso, Sandra Maria Mallmann
da Rosa. Revisão Técnica: José Alexandre de Souza Crippa, Flávia de Lima Osório e José Diogo
Ribeiro de Souza. 5. ed., texto revisado. Porto Alegre: Artmed, 2023. p. 752.
53 AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos
mentais: DSM-V-TR. Tradução de Daniel Vieira, Marcos Viola Cardoso, Sandra Maria Mallmann
da Rosa. Revisão Técnica: José Alexandre de Souza Crippa, Flávia de Lima Osório e José Diogo
Ribeiro de Souza. 5. ed., texto revisado. Porto Alegre: Artmed, 2023. pp. 752.
54 AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos
mentais: DSM-V-TR. Tradução de Daniel Vieira, Marcos Viola Cardoso, Sandra Maria Mallmann
da Rosa. Revisão Técnica: José Alexandre de Souza Crippa, Flávia de Lima Osório e José Diogo
Ribeiro de Souza. 5. ed., texto revisado. Porto Alegre: Artmed, 2023. p. 753.
55 De acordo com a classificação francesa, psicopatia é reconhecida como desequilíbrio mental.
INSERM (Statistiques Médicales dês Établissements Psychiatriques: Année 1976): 11.0. Estados
de desequilíbrio mental: Classificar aqui os sujeitos que se caracterizam essencialmente por sua
instabilidade, sua impulsividade, sua inadaptabilidade e, eventualmente, por condutas
delinquentes. (Debray, 1982) (SHINE, Sidney Kiyoshi. Psicopatia. Clínica psicanalítica. 4. ed.
São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010, pp. 19-20).
56 STONE, Michael H. A cura da mente: a história da psiquiatria da antiguidade até o presente.
Porto Alegre: Artmed, 1999, p. 113.
57 VANDENBOS, Gary R. (org.) Dicionário de psicologia da APA. Tradução de Daniel Bueno,
Maria Adriana Veríssimo Veronese e Maria Cristina Monteiro. Porto Alegre: Artmed, 2010, p.
764.
58 MARTINS, Waldemar Valle (coord.) Dicionário de psicologia. São Paulo: Loyola, 2010, p. 167.
59 GARRIDO, Vicente. O psicopata: um camaleão na sociedade atual. Tradução de Juliana Teixeira.
São Paulo: Paulinas, 2005, p. 29.
60 CHECKLEY, Hervey. The mask of sanity. 5. ed. St. Louis: Mosby, 1976, p. 90.
61 PALOMBA, Guido Arturo. Tratado de psiquiatria forense civil e penal. De acordo com o
Código Civil de 2002. São Paulo: Atheneu, 2003, p. 516.
62 Apesar de não se tratar de obra científica, a referência ao conceito empregado pelo Dicionário
Aurélio é importante para esclarecer antigos conceitos e relatar perspectivas históricas acerca da
terminologia.
63 A construção de tal entendimento é realizada por Sidney Kiyoshi Shine (SHINE, Sidney Kiyoshi.
Psicopatia. Clínica psicanalítica. 4. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010, pp. 14-15).
64 “É nesta acepção, por exemplo, que um grupo de psiquiatras lança a obra “Arquivos da
Assistência Geral a Psicopatas do Estado de São Paulo” em 1936, seguindo os passos do Dr.
Franco da Rocha no estudo das afecções mentais. Esta é uma coletânea de artigos que abordam
várias afecções mentais por meio de contribuições vindas dos membros deste grupo paulista. Os
quadros clínicos abordados vão de esquizofrenia a paralisia cerebral” (SHINE, Sidney Kiyoshi.
Psicopatia. Clínica psicanalítica. 4. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010, pp. 13-14)
65 VANDEBOS, Gary R. (org.) Dicionário de psicologia da APA. Tradução de Daniel Bueno,
Maria Adriana Veríssimo Veronese e Maria Cristina Monteiro. Porto Alegre: Artmed, 2010, p.
764.
66 SHINE, Sidney Kiyoshi. Psicopatia. Clínica psicanalítica. 4. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo,
2010, p. 15.
67 SHINE, Sidney Kiyoshi. Psicopatia. Clínica psicanalítica. 4. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo,
2010, p. 15.
68 AGATHON, Melinée et al. (colaboradores). Dicionário enciclopédico da psicologia. Tradução
de Hélder Viçoso. Lisboa: Edições Texto e Grafia, 2008, p. 564.
69 RYCROFT, Charles. Dicionário crítico de psicanálise. Tradução de José Octávio de Aguiar
Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1975, pp. 193-194.
70 Na lição de Antônio José EÇA, um dos primeiros apontamentos registrados acerca do
comportamento de personalidades psicopáticas foi a de Girolano Cardamo, “professor de
Medicina italiano que viveu por volta dos anos 1500. É neste relato que Cardamo fala pela
primeira vez em ‘improbidade’, quadro que, segundo ele, não chegava a alcançar a total
insanidade apenas porque as pessoas que disso padeciam ainda conseguiam manter a aptidão para
dirigir sua vontade” (EÇA, Antônio José. Roteiro de psiquiatria forense. São Paulo: Saraiva,
2010, p. 279).
71 Segundo Rogério Paes Henriques (HENRIQUES, Rogério Paes. De H. Cleckley ao DSM-IV-TR:
a evolução do conceito de psicopatia rumo à medicalização da delinqüência. Rev. Latinoam.
Psicopat. Fund., São Paulo, v. 12, n. 2, pp. 285-302, jun. 2009, p. 286), o conceito apresentado
por Philippe Pinel pouco se coaduna com o atual conceito de personalidade antissocial. O autor
confere, porém, a Cesare Lombroso e Morel a responsabilidade pela descrição clínica compatível
com a psiquiatria moderna.
72 De acordo com Valter Fernandes e Newton Fernandes, “Lombroso, através de exames procedidos
em vivos recolhidos aos cárceres e em mortos, aos quais necropsiava, como, por exemplo, Vilela,
de cuja autópsia nasceu, no dizer de Drapkin, a ‘eureca’ de Lombroso, pois nesse delinqüente ele
encontrou a terceira fosseta occipital ou média, retirando desse fato o elemento que procurava para
dar origem à sua teoria do ‘atavismo’, porque também é encontrada em alguns crânios de homens
primitivos e símios. Por aí deu início à construção de sua doutrina antropológica-criminal. Os
pontos fundamentais dessa doutrina, resumindo e sistematizando o que até aqui foi exposto,
poderiam ser alinhados da forma que adiante segue” (FERNANDES, Valter; FERNANDES,
Newton. Criminologia integrada. 3. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 86). Segundo os autores,
Lombroso jamais afirmou que todo criminoso seria nato, mas que o verdadeiro criminoso é nato
(FERNANDES, Valter; FERNANDES, Newton. Criminologia integrada. 3. ed. São Paulo: RT,
2010, p. 85). Nestor Sampaio Penteado Filho ressalta que “suas pesquisas foram feitas na maioria
em manicômios e prisões, concluindo que o criminoso é um ser atávico, um ser que regride ao
primitivismo, um verdadeiro selvagem (ser bestial), que nasce criminoso, cuja degeneração é
causada pela epilepsia, que ataca seus centros nervosos. Embora Lombroso não tenha afastado os
fatores exógenos da gênese criminal, entendia que eram apenas aspectos motivadores dos fatores
endógenos. Assim, o clima, a vida social etc. apenas desencadeariam a propulsão interna para o
delito, pois o criminoso nasce criminoso (determinismo biológico)” (PENTEADO FILHO, Nestor
Sampaio. Manual esquemático de criminologia. São Paulo: Saraiva, 2010, pp. 32-33).
73 Valter Fernandes e Newton Fernandes declinam que Enrico Ferri teria sido o criador da expressão
“criminoso nato”, como o próprio autor assim afirma em sua obra “Os delinqüentes a que eu dava,
em 1881, o nome de criminosos natos” (FERNANDES, Valter; FERNANDES, Newton.
Criminologia integrada. 3. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 93).
74 MELLO, Lydio Machado Bandeira de. Manual de direito penal. Responsabilidade penal. Das
causas de isenção de pena. Da embriaguez. v. 3. Belo Horizonte: Manuais da Faculdade de Direito
da Universidade de Minas Gerais, 1956, p. 21.
75 STONE, Michael H. A cura da mente: a história da psiquiatria da antiguidade até o presente.
Porto Alegre: Artmed, 1999, p. 108.
76 STONE, Michael H. A cura da mente: a história da psiquiatria da antiguidade até o presente.
Porto Alegre: Artmed, 1999, p. 108.
77 Segundo A. Fernandes da Fonseca, a escola alemã foi a pioneira em apresentar um conceito
preciso de psicopatia. Para o autor, foi o alemão Koch quem definiu a psicopatia como uma das
formas de anormalidade psíquica congênita ou adquirida, que não constitui uma verdadeira doença
mental (FONSECA, A. Fernandes. Psiquiatria e psicopatologia. 2. ed. Lisboa: Serviço de
Educação – Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, pp. 467-468.)
78 STONE, Michael H. A cura da mente: a história da psiquiatria da antiguidade até o presente.
Porto Alegre: Artmed, 1999, p. 187.
79 STONE, Michael H. A cura da mente: a história da psiquiatria da antiguidade até o presente.
Porto Alegre: Artmed, 1999, p. 143.
80 TRINDADE, Jorge; BEHEREGARAY, Andréa; CUNEO, Mônica Rodrigues. Psicopatia – a
máscara da justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 32.
81 FONSECA, A. Fernandes. Psiquiatria e psicopatologia. 2. ed. Lisboa: Serviço de Educação –
Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 468.
82 FONSECA, A. Fernandes. Psiquiatria e psicopatologia. 2. ed. Lisboa: Serviço de Educação –
Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 469.
83 Em sua obra, Schneider identificou dez subtipos distintos de psicopatas: Hipertímico (trata-se do
psicopata eufórico, alegre, sem preocupações, com rápida mobilidade, com fáceis decisões,
autoconfiança absoluta em sua capacidade de realização); Depressivo (os depressivos apresentam
humor triste e preocupado, insegurança quanto à capacidade de ação e pouca atividade intelectual
e física); Personalidade Psicopática Explosiva (caracterizam-se pela extrema manifestação de
irritabilidade do humor e da vida afetiva. São caracterizados ainda, pelo desagrado fácil e pela
impulsividade irritável); Personalidade Psicopática Disfórica (também conhecida como lábil de
humor, psicopata instável ou lábil do estado de ânimo, tal caracterização é marcada por indivíduos
que apresentam constantes variações no estado de humor); Personalidade Psicopática Abúlica (são
indivíduos que apresentam o enfraquecimento da volição, grande ausência de volição e de
impulsos, de tenacidade, de vontade e falta de iniciativa); Personalidade Psicopática Inafetiva (tais
indivíduos são assim classificados porque são absolutamente incapazes de apresentar qualquer
sentimento alheio); Personalidade Psicopática Ostentativa (revela-se extremamente necessitado de
valorização social e estima. Por isso, luta incessantemente pela conquista do seu reconhecimento.
Preocupa-se somente em mostrar ser melhor do que realmente é); Personalidade Psicopática
Fanática (caracteriza-se pelo fato de o indivíduo apresentar um alto grau de autossuficiência e por
manter-se permanentemente em atitude ativa); Personalidade Psicopática insegura de si mesma
(são indivíduos caracterizados pela elevada incapacidade de apresentarem uma conduta reflexo de
autoestima) e, por fim, Personalidade Psicopática Astênica (caracterizada pelo fácil cansaço físico
e mental e, consequentemente, pela falta de vitalidade. Assim, vivem em estado de angústia,
apresentando sintomas neurastênicos e hipocondríacos).
84 Na lição de Michael H. Stone, quando Kurt Schneider dispôs sobre as personalidades
psicopáticas, apresentou-as como variantes anormais, não antissociais. O autor ainda apontou as
semelhanças entre as personalidades psicopáticas descritas por Kurt Schneider e os transtornos de
personalidade atualmente existentes. “Sua caracterologia era ‘ateórica’ – ou seja, não estava ligada
a nenhuma pressuposição sobre etiologia – ao contrário dos ‘temperamentos’ de Kraepelin, que
ele via como formas atenuadas de depressão maníaca. Embora Schneider usasse um conjunto
diferente de termos, há estreitas correspondências entre sua tipologia e as classificações de
transtornos de personalidade em uso atualmente. Portanto, o tipo ‘inseguro’ de Schneider, com
seus dois subtipos de ‘sensível’ e ‘anancástico’, corresponde subtipos ao nosso ‘dependente’ e
‘obsessivo’; seu ‘fanático’ é como nosso ‘paranóide’; seu ‘carente de atenção’ como nosso
‘histérico’. Pessoas que agora distinguimos como ‘psicopatas\anti-sociais’ eram ‘sem sentimento’
na terminologia de Schneider” (STONE, Michael H. A cura da mente: a história da psiquiatria da
antiguidade até o presente. Porto Alegre: Artmed, 1999, p. 145). Importante destacar que a
classificação de Kurt Schneider, apesar de ainda ser reconhecida e adotada por alguns
doutrinadores, apresenta vários tipos de psicopatas que destoam do conceito modernamente aceito
de psicopatia, inclusive de personalidade antissocial.
85 CHECKLEY, Hervey. The mask of sanity. 5. ed. St. Louis: Mosby, 1976, p. 383.
86 Seguindo a mesma linha de estudo de Hervey Cleckley, Karpman desenvolveu sua teoria após
observações clínicas (GARRIDO, Vicente. O psicopata: um camaleão na sociedade atual.
Tradução de Juliana Teixeira. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 37).
87 De acordo com Robert D. Hare, “Karpman considerou os psicopatas como sendo ou do tipo
agressivo predatório ou do tipo passivo parasitário. O primeiro se refere ao indivíduo psicopata
que satisfaz suas necessidades através de uma tendência destruidora extremamente agressiva e
fria, tomando posse ativamente do que quer. O segundo tipo se refere ao psicopata que consegue o
que quer pelo ‘sangramento’ parasitário de outros, aparecendo freqüentemente como um indivíduo
indefeso, com uma necessidade infinita de ajuda e piedade. [...] Karpman (1961) descreveu o
psicopata como pessoa insensível, emocionalmente imatura, com apenas duas dimensões e sem
nenhuma profundidade real. Suas reações emocionais são reais e primitivas, ocorrendo apenas em
resposta à frustração e desconforto imediato. No entanto, é capaz de simular reações emocionais e
ligações afetivas quando isso o ajuda a obter o que deseja dos outros. Ele não experimenta nem os
aspectos psicológicos nem os fisiológicos da ansiedade ou do medo, embora possa reagir com algo
semelhante ao medo quando seu bem-estar é ameaçado. Suas relações sociais e sexuais são
superficiais, porém absorventes e manipulatórias. Recompensas e punições futuras só existem de
uma maneira abstrata, resultando daí que não têm efeito, sobre seu comportamento imediato. Seu
senso crítico é falho e seu comportamento é freqüentemente guiado pelos impulsos e necessidades
do momento; portanto está sempre em apuros. Suas tentativas de se inocentar, não raro, produzem
uma rede intrincada e contraditória de mentiras gritantes” (HARE, Robert D. Psicopatia: teoria e
pesquisa. Tradução de Cláudia Moraes Rêgo. Rio de Janeiro: Livros técnicos e Científicos Editora
S.A, 1973, p. 5).
88 Segundo estudos realizados em indivíduos infratores, muitos dos que preencheram o critério para
um diagnóstico de psicopatia, de acordo com a classificação de Robert Hare, também preencheram
o critério para um diagnóstico de transtorno de personalidade antissocial. Contudo, a maioria dos
indivíduos que preencheu o critério para um diagnóstico de transtorno de personalidade antissocial
não preencheu os critérios de psicopatia previstos do PCL-R.
89 HARE, Robert D. Sin conciencia: el inquietante mundo de los psicópatas que nos rodean.
Tradução de Rafael Santandreu. Barcelona: Spasa Libros, 2003, pp. 55-99.
90 Robert D. Hare esclarece que o PCL é uma ferramenta clínica para o diagnóstico da psicopatia de
uso e manuseio exclusivos de profissionais qualificados. Outrossim, elucida a possibilidade de
indivíduos não psicopatas apresentarem um ou alguns dos traços mencionados e ressalta que tal
compatibilidade não pressupõe o diagnóstico (HARE, Robert D. Sin conciencia: el inquietante
mundo de los psicópatas que nos rodean. Tradução de Rafael Santandreu. Barcelona: Spasa
Libros, 2003, pp. 56-57).
91 HARE, Robert D. Sin conciencia: el inquietante mundo de los psicópatas que nos rodean.
Tradução de Rafael Santandreu. Barcelona: Spasa Libros, 2003, p. 57.
92 Martha Stout equipara o modus operandi do psicopata com o de mamíferos predadores. Segundo a
autora, “o charme do sociopata se assemelha ao carisma de outros mamíferos predadores.
Observamos os grandes felinos, por exemplo, e ficamos fascinados com seus movimentos, sua
independência e seu poder. Mas o olhar direto de um leopardo, no lugar errado e na hora errada, é
inescapável e paralisante, e o charme fascinante do predador costuma ser a última coisa que a
presa vivencia” (STOUT, Martha. Meu vizinho é um psicopata. Tradução de Regina Lyra. Rio de
Janeiro: Sextante, 2010, p. 103).
93 SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2008, p. 46.
94 De acordo com o autor, trata-se de crime de roubo; mas não se sabe ao certo se o crime praticado
foi o de furto.
95 GARRIDO, Vicente. O psicopata: um camaleão na sociedade atual. Tradução de Juliana Teixeira.
São Paulo: Paulinas, 2005, p. 37.
96 Ann Rule apud HARE, Robert D. Sin conciencia: el inquietante mundo de los psicópatas que nos
rodean. Tradução de Rafael Santandreu. Barcelona: Spasa Libros, 2003, p. 61.
97 HARE, Robert D. Sin conciencia: el inquietante mundo de los psicópatas que nos rodean.
Tradução de Rafael Santandreu. Barcelona: Spasa Libros, 2003, pp. 61-62.
98 HARE, Robert D. Sin conciencia: el inquietante mundo de los psicópatas que nos rodean.
Tradução de Rafael Santandreu. Barcelona: Spasa Libros, 2003, p. 64.
99 SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2008, p. 72.
100 VIEIRA, Willian. Revista Super Interessante. Mentes psicopatas. O cérebro, a vida e os crimes
das pessoas que não têm sentimento. Ed. 267-A. São Paulo: Abril, 2009, p. 64.
101 De acordo com o Dicionário Michaelis, empatia vem a ser: projeção imaginária ou mental de um
estado subjetivo, quer afetivo, quer conato ou cognitivo, nos elementos de uma obra de arte ou de
um objeto natural, de modo que estes parecem imbuídos dele. Na psicanálise, estado de espírito no
qual uma pessoa se identifica com outra, presumindo sentir o que esta está sentindo.
102 Pesquisa de opinião publicada pela Oxford Psychologists Press, em 1996, apontou que quase um
em cada seis gerentes do Reino Unido satisfazia os critérios diagnósticos para psicopatia ou,
oficialmente, Transtorno de Personalidade Antissocial (CARTER, Rita. O livro de ouro da
mente. O funcionamento e os mistérios do cérebro humano. Tradução de Vera de Paula Assis. Rio
de Janeiro: Ediouro, 2003, p. 176).
103 Martha Stout salienta que os psicopatas, “por serem atores natos, indivíduos sem consciência,
podem se valer dos papéis sociais e profissionais que constituem excelentes máscaras pré-
fabricadas através das quais os outros relutam em espiar. Os papéis ajudam a organizar nossa
complexa sociedade e são extremamente importantes para nós” (STOUT, Martha. Meu vizinho é
um psicopata. Tradução de Regina Lyra. Rio de Janeiro: Sextante, 2010, p. 107).
104 VIEIRA, Willian. “Mato por Prazer”. In: Quem são? Os malditos, pp. 44-65; Revista Super
Interessante. Mentes Psicopatas. O cérebro, a vida e os crimes das pessoas que não têm
sentimento. Ed. 267-A. São Paulo: Abril, 2009, p. 64.
105 HARE, Robert D. Sin conciencia: el inquietante mundo de los psicópatas que nos rodean.
Tradução de Rafael Santandreu. Barcelona: Spasa Libros, 2003, p. 72.
106 HARE, Robert D. Sin conciencia: el inquietante mundo de los psicópatas que nos rodean.
Tradução de Rafael Santandreu. Barcelona: Spasa Libros, 2003, p. 75.
107 GARRIDO, Vicente. O psicopata: um camaleão na sociedade atual. Tradução de Juliana
Teixeira. São Paulo: Paulinas, 2005, pp. 41-42.
108 HARE, Robert D. Sin conciencia: el inquietante mundo de los psicópatas que nos rodean.
Tradução de Rafael Santandreu. Barcelona: Spasa Libros, 2003, p. 139.
109 HARE, Robert D. Sem consciência: o mundo perturbador dos psicopatas que vivem entre nós.
Tradução de Denise Regina de Sales. Porto Alegre: Artmed, 2013, p. 66.
110 GARRIDO, Vicente. O psicopata: um camaleão na sociedade atual. Tradução de Juliana
Teixeira. São Paulo: Paulinas, 2005, pp. 42-43.
111 HARE, Robert D. Sin conciencia: el inquietante mundo de los psicópatas que nos rodean.
Tradução de Rafael Santandreu. Barcelona: Spasa Libros, 2003, pp. 85-86.
112 HARE, Robert D. Sem consciência: o mundo perturbador dos psicopatas que vivem entre nós.
Tradução de Denise Regina de Sales. Porto Alegre: Artmed, 2013, p. 74.
113 HARE, Robert D. Sem consciência: o mundo perturbador dos psicopatas que vivem entre nós.
Tradução de Denise Regina de Sales. Porto Alegre: Artmed, 2013, p. 74.
114 SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2008, p. 80.
115 HARE, Robert D. Sem consciência: o mundo perturbador dos psicopatas que vivem entre nós.
Tradução de Denise Regina de Sales. Porto Alegre: Artmed, 2013, p. 74.
116 CHECKLEY, Hervey. The mask of sanity. 5. ed. St. Louis: Mosby, 1976, p. 208.
117 Revista Super Interessante. Mentes psicopatas. O cérebro, a vida e os crimes das pessoas que
não têm sentimento. Ed. 267-A. São Paulo: Abril, 2009, p. 32. Artigo escrito por Mariana
Sgarioni. “Anjos Malvados”, pp. 30-35.
118 Revista Super Interessante. Mentes Psicopatas. O cérebro, a vida e os crimes das pessoas que
não têm sentimento. Ed. 267-A. São Paulo: Abril, 2009, p. 33. Artigo escrito por Mariana
Sgarioni. “Anjos Malvados”, pp. 30-35.
119 Nas palavras de Ana Beatriz Barbosa Silva, a palavra bullying ainda é pouco conhecida do
grande público. De origem inglesa e sem tradução ainda no Brasil, é utilizada para qualificar
comportamentos violentos no âmbito escolar, tanto de meninos quanto de meninas. Dentre esses
comportamentos, podemos destacar as agressões, os assédios e as ações desrespeitosas, todos
realizados de maneira recorrente e intencional por parte dos agressores (SILVA, Ana Beatriz
Barbosa. Mentes perigosas nas escolas: bullying. Como identificar e combater o preconceito, a
violência e a covardia entre os alunos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010, p. 21).
120 SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas nas escolas: bullying. Como identificar e
combater o preconceito, a violência e a covardia entre os alunos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010, p.
25.
121 AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de
transtornos mentais: DSM-V. Tradução de Maria Inês Corrêa Nascimento. 5. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2014, p. 662.
122 DUMAS, Jean E. Psicopatologia da infância e da adolescência. Tradução de Fátima Murad;
revisão técnica de Francisco B. Assumpção Jr. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2011, p. 284.
123 “Esta categoria compreende transtornos de conduta envolvendo comportamento antissocial ou
agressivo (e não meramente comportamento de oposição, desafiador ou destrutivo), nos quais o
comportamento anormal é inteiramente ou quase inteiramente confinado ao lar e/ou a interações
com membros da família nuclear ou objetos domésticos” (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA
SAÚDE (coord.). Classificação de Transtornos mentais e de Comportamento da CID-10:
descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Tradução de Dorgival Caetano. Porto Alegre: Artmed,
1993, p. 261).
124 “Esse tipo de transtorno de conduta é caracterizado pela combinação de comportamento
antissocial ou agressivo persistente (satisfazendo os critérios globais para F91 e não meramente
compreendendo comportamento desafiador, de oposição e destrutivo) com uma anormalidade
invasiva e significativa nos relacionamentos do indivíduo com outras crianças” (ORGANIZAÇÃO
MUNDIAL DA SAÚDE (coord.). Classificação de Transtornos mentais e de Comportamento
da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Tradução de Dorgival Caetano. Porto
Alegre: Artmed, 1993, p. 262).
125 “Esse tipo de transtorno de conduta é caracterizado pela combinação de comportamento
antissocial ou agressivo persistente (satisfazendo os critérios globais para F91 e não meramente
compreendendo comportamento desafiador, de oposição e destrutivo) ocorrendo em indivíduos
que são geralmente bem integrados em seu grupo de companheiros.” (ORGANIZAÇÃO
MUNDIAL DA SAÚDE (coord.). Classificação de Transtornos mentais e de Comportamento
da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Tradução de Dorgival Caetano. Porto
Alegre: Artmed, 1993, p. 263).
126 “pela presença de comportamento marcantemente desafiador, desobediente e provocativo e pela
ausência de atos antissociais ou agressivos mais graves, que violem a lei ou os direitos de outros”
(ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (coord.). Classificação de Transtornos mentais e
de Comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Tradução de
Dorgival Caetano. Porto Alegre: Artmed, 1993, p. 264).
127 “Essa categoria residual não é recomendada e deve ser usada apenas para transtornos que
satisfazem os critérios gerais para F91, mas que não foram especificadas no que diz respeito a
subtipos ou que não preenchem os critérios para qualquer dos subtipos especificados”
(ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (coord.). Classificação de Transtornos mentais e
de Comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Tradução de
Dorgival Caetano. Porto Alegre: Artmed, 1993, p. 265).
128 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (coord.). Classificação de Transtornos mentais e
de Comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Tradução de
Dorgival Caetano. Porto Alegre: Artmed, 1993, p. 260.
129 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (coord.). Classificação de Transtornos mentais e
de Comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Tradução de
Dorgival Caetano. Porto Alegre: Artmed, 1993, p. 471.
130 STONE, Michael H. A cura da mente: a história da psiquiatria da antiguidade até o presente.
Porto Alegre: Artmed, 1999, p. 321. Robert D. Hare corrobora tal entendimento, mas ressalta que
essa diminuição é mais comum nos casos de psicopatas não violentos do que dentre os violentos.
Outrossim, dispõe que nem todos os psicopatas afastam-se da prática delitiva depois dos quarenta
anos – há quem continue a praticar delitos até o último dia da sua vida (HARE, Robert D. Sin
conciencia: el inquietante mundo de los psicópatas que nos rodean. Tradução de Rafael
Santandreu. Barcelona: Spasa Libros, 2003, pp. 131-132).
131 HARE, Robert D. Sem consciência: o mundo perturbador dos psicopatas que vivem entre nós.
Tradução de Denise Regina de Sales. Porto Alegre: Artmed, 2013, pp. 156-157.
132 BABIAK, Paul; HARE, Robert D. Snakes in suits: when psychopaths go to work. Nova York:
Harper Collins, 2007.
133 HARE, Robert D. Psicopatia: teoria e pesquisa. Tradução de Cláudia Moraes Rêgo. Rio de
Janeiro: Livros técnicos e Científicos Editora S.A, 1973, pp. 1-4.
134 RAINE, Adrian; SANMARTÍN, José. Violencia y psicopatía. 3. ed. Barcelona: Ariel, 2008, p.
18.
135 Acreditamos que, por esse motivo, Guido Arturo Palomba criou a expressão condutopatia
(conduta + páthos, moléstia) para tratar de tais indivíduos, já que tal expressão, em seu sentido
etimológico, aponta para um distúrbio de conduta.
136 AZEVEDO, José Barros. Dicionário de medicina legal. Bauru: Jalovi, 1967, p. 145.
137 GARRIDO, Vicente. O psicopata: um camaleão na sociedade atual. Tradução de Juliana
Teixeira. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 89.
138 FONSECA, A. Fernandes. Psiquiatria e psicopatologia. 2. ed. Lisboa: Serviço de Educação –
Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 169.
139 FONSECA, A. Fernandes. Psiquiatria e psicopatologia. 2. ed. Lisboa: Serviço de Educação –
Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 166.
140 CAIXETA, Leonardo; CHAVES, Moysés; CAIXETA, Marcelo. Personalidade patológica. São
Paulo: Memnon, 2004, p. 15.
141 CAIXETA, Leonardo; CHAVES, Moysés; CAIXETA, Marcelo. Personalidade patológica. São
Paulo: Memnon, 2004, p. 33.
142 Em primeiro lugar, os esquizofrênicos apresentam alterações de pensamento, especialmente por
acreditarem que estão roubando suas ideias, que estas são públicas conhecidas por todos, ou,
então, que alguém de fora está-lhe impondo uma série de ideias. O conteúdo do pensamento
apresenta associações estranhas, de um modo que se torna difícil seguir o seu discurso, assim
como suas ideias delirantes. Como o pensamento, a linguagem do esquizofrênico mostra-se,
também, gravemente alterada, com palavras novas e, em algumas ocasiões, impossíveis de serem
compreendidas. Segundo lugar, a percepção do esquizofrênico apresenta alucinações que afetam
qualquer órgão sensorial. As mais frequentes são as auditivas, que reforçam suas ideias de roubo e
difusão externa do pensamento. Em terceiro lugar, a motricidade do esquizofrênico pode ser
afetada por movimentos estereotipados ou movimentos de complexidade desnecessária. E,
finalmente, na esquizofrenia há alterações graves de afetividade, principalmente um
entorpecimento sensitivo que impede que o paciente reaja até diante de situações de grande
impacto emocional (GARRIDO, Vicente. O psicopata: um camaleão na sociedade atual. Tradução
de Juliana Teixeira. São Paulo: Paulinas, 2005, pp. 98-99). De acordo com Maximiliano Roberto
Ernesto Führer, a esquizofrenia é a mais comum das psicoses funcionais. É o desmantelamento
lento e progressivo da personalidade (Bleuler), também chamado de “demência precoce”, por se
instalar já na mocidade. Pode ocorrer na infância, com progressivo isolamento e grande variação
no humor (FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade no direito
penal. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 58).
143 Os sintomas típicos de diversas espécies de psicose incluem delírios, alucinações, fala
incompreensível (“salada de palavras”), mudanças profundas do estado de ânimo e condutas
perturbadas. É provável que as espécies de psicose mais importantes sejam o transtorno bipolar –
antigamente chamado de “psicose maníaco-depressiva” –, em que se observa no indivíduo uma
alternância de períodos de extrema euforia com períodos de profunda depressão, e a paranóia, na
qual o indivíduo apresenta um conjunto de crenças falsas, mas absolutamente válidas para ele,
como acreditar que está sendo perseguido, que é um personagem eminente ou estar convencido(a)
de que seu cônjuge é infiel, só para citar alguns dos sistemas de crenças delirantes mais populares
(GARRIDO, Vicente. O psicopata: um camaleão na sociedade atual. Tradução de Juliana
Teixeira. São Paulo: Paulinas, 2005, pp. 96-97). Segundo Maximiliano Roberto Ernesto Führer,
psicose é o termo técnico que se aproxima da idéia popular da loucura e insanidade mental. Trata-
se de uma designação geral para toda doença mental importante, onde se verifica modificação
substancial da consciência e desestruturação da personalidade. É importante destacar que não
raramente o psicótico tem o juízo afetado unicamente em relação a determinado assunto ou tema,
mantendo a razão relativamente íntegra no resto (FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto.
Tratado da inimputabilidade no direito penal. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 56).
144 Os pacientes neuróticos sofrem por seus comportamentos inadequados e, certamente, queixam-se
das dificuldades que estes lhes provêm a quem quiser ouvi-los (CHECKLEY, Hervey. The mask
of sanity. 5. ed. St. Louis: Mosby, 1976, p. 259).
145 TRINDADE, Jorge; BEHEREGARAY, Andréa; CUNEO, Mônica Rodrigues. Psicopatia – a
máscara da justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 59.
146 CROCE, Delton; CROCE JR., Delton. Manual de medicina legal. 7. ed. São Paulo: Saraiva,
2010, p. 674.
147 GARRIDO, Vicente. O psicopata: um camaleão na sociedade atual. Tradução de Juliana
Teixeira. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 89.
148 RAINE, Adrian; SANMARTÍN, José. Violencia y psicopatía. 3. ed. Barcelona: Ariel, 2008, p.
8.
149 De acordo com a autora, as classificações ora defendidas (Transtorno Global e Transtorno
Parcial de Personalidade) podem ser consideradas como uma expressão do defendido por Robert
D. Hare ao estabelecer as figuras do psicopata e do não psicopata (MORANA, Hilda Clotilde
Penteado. Identificação do ponto de corte para a escala PCL-R (Psychopathy Checklist
Revised) em população forense brasileira: caracterização de dois subtipos de personalidade;
transtorno global e parcial. São Paulo. 178p. Tese (Doutorado). Faculdade de Medicina,
Universidade de São Paulo (USP), 2003, p. 31).
150 Hugo Marietan entende que as recentes pesquisas realizadas nos cérebros de indivíduos
reconhecidos como psicopatas não podem ser entendidas como verdade absoluta, já que tal
constatação não pode ser verificada em todos os psicopatas (Hugo Marietan, contato informal
através de endereço eletrônico).
151 Em contato informal, Hugo Marietan declarou que a psicopatia é uma forma de ser no mundo,
uma classe de ser humano. [...] É distinto, mas não é um doente mental. A psicopatia é apenas um
tipo de personalidade.
152 DAMÁSIO, António R. O erro de Descartes. Emoção, razão e o cérebro humano. Tradução de
Dora Vicente e Georgina Segurado. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 26.
153 Em 1994, Damásio e colaboradores utilizaram o poder de reconstrução computadorizada no caso
clássico de Gage. Eles começaram tirando um raio-x do crânio e medindo-o com precisão,
prestando atenção particular à posição dos furos de entrada e saída. A partir dessas medidas, eles
reconstruíram o acidente e determinaram a provável região da lesão cerebral de Gage. Parece que
a lesão no seu cérebro afetou os logos pré-frontais mediais, que atualmente sabemos estar
envolvidos no planejamento e nas emoções (MONTEIRO, Janeme G. Pinel: o pai da psiquiatria
moderna. São Paulo: Edicon, 1990, p. 451).
154 DAMÁSIO, António R. Em busca de Espinosa: prazer e dor na ciência dos sentimentos.
Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 54.
155 TRINDADE, Jorge; BEHEREGARAY, Andréa; CUNEO, Mônica Rodrigues. Psicopatia – a
máscara da justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 51.
156 F07 Transtornos de personalidade e do comportamento devidos à doença, à lesão e à
disfunção cerebral
F07.0 Transtorno orgânico da personalidade
F07.1 Síndrome pós-encefalítica
F07.2 Síndrome pós-concussional
F07.8 Outros transtornos orgânicos de personalidade e de comportamento decorrentes de doença,
lesão ou disfunção cerebral
157 MARTINS, Waldemar Valle (coord.) Dicionário de psicologia. São Paulo: Loyola, 1982, p. 167.
158 MARTINS, Waldemar Valle (coord.) Dicionário de psicologia. São Paulo: Loyola, 1982, p. 168.
159 PINKER, Steven. Tábula rasa: a negociação contemporânea da natureza humana. Tradução de
Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 72.
160 Rita Carter apresentou duas possibilidades propulsoras para o controle emocional entrar em
colapso. A primeira é provocada “se os sinais enviados do córtex para o sistema límbico forem
fracos demais ou não-orientados e não superarem a atividade que se origina da amígdala”. A outra
justificativa consiste no fato de a amígdala ser ativada “na ausência de qualquer estímulo externo
que excitaria simultaneamente o córtex”. Segundo a autora, a primeira justificativa é a mais
comum: “É a relativa fraqueza e a difusão dos sinais corticais que fazem as crianças terem muito
mais explosões emocionais que os adultos. Os bebês não conseguem controlar suas emoções
porque os axônios que transportam os sinais do córtex ao sistema límbico ainda precisam crescer.
E as células no lobo pré-frontal, onde ocorre o processamento racional da emoção, só estarão
plenamente amadurecidas na idade adulta. A amígdala, em contraste, é mais ou menos madura ao
nascimento e, consequentemente, capaz de plena atividade. O cérebro jovem é, portanto,
essencialmente desequilibrado – o córtex imaturo não é páreo para a poderosa amígdala”
(CARTER, Rita. O livro de ouro da mente. O funcionamento e os mistérios do cérebro humano.
Tradução de Vera de Paula Assis. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003, p. 177).
161 CARTER, Rita. O livro de ouro da mente. O funcionamento e os mistérios do cérebro humano.
Tradução de Vera de Paula Assis. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003, p. 176.
162 RAINE, Adrian; SANMARTÍN, José. Violencia y psicopatía. 3. ed. Barcelona: Ariel, 2008, p.
7.
163 Washington, DC, não é apenas uma capital política, é uma capital internacional em ciência,
também. O National Science Foundation, dos Institutos Nacionais de Saúde, as Academias
Nacionais, do Smithsonian, e até o Memorial Jefferson atestam o papel central da ciência e dos
cientistas do passado da nação e o seu futuro. Milhares de cientistas, engenheiros, políticos,
educadores e jornalistas de cerca de 50 nações presenciaram a 177 Reunião Anual da AAAS para
explorar uma ampla gama de descobertas recentes e iminentes desafios globais. O Escritório de
AAAS de programas públicos fornece cobertura de notícias, além de uma amostragem de notícias
da reunião anual de todo o mundo (Disponível em: www.aaas.org. Acesso em: 01 mar. 2020).
164 O que distingue os psicopatas é que a eles "falta emoção, falta-lhes o remorso, medo, culpa. Isso
é parcialmente explicado por uma diminuição no volume da amígdala, sede da emoção no [parte
límbico do] cérebro. Segundo pesquisas, Raine encontrou uma redução de 18% no volume da
amígdala em psicopatas adultos. Adrian Raine ainda explicitou: “Diferenças no cérebro são
importantes para explicar por que os homens cometem mais crimes do que as mulheres". Ele
identificou diversos fatores que estão associados com o maior risco de comportamento antissocial.
Ressaltou o pesquisador que o córtex órbito-frontal do cérebro regula a emoção. Em média, as
mulheres têm um maior volume nesta parte do cérebro do que os homens, e as pessoas de ambos
os sexos, com um volume proporcionalmente menor nesta área são mais antissociais. Emoção é
pensada para residir no sistema límbico, o mais velho, parte mais primitiva do cérebro reptiliano.
Raine identificou um marcador [septo pelúcido cavum (CSP)] para o mau desenvolvimento desta
região, que ocorre nos primeiros seis meses de vida. (Disponível em: www.aaas.org).
165 Também conhecidas como amígdalas límbicas, corpo ou núcleo amigdalóide, situam-se na
porção mediana do encéfalo, na região anterior do córtex temporal interno, polo superior do
hipocampo. Parecem ser a estrutura límbica mais importante na fisiologia das emoções pela sua
extensa ligação com outras partes do sistema límbico, estando relacionadas também ao
comportamento agressivo (ataque, defesa, fuga) e ao comportamento social. [...] Após receber um
estímulo, a amígdala emite sinais às áreas corticais (registros), ao hipocampo (memória), ao
tálamo e, principalmente, ao hipotálamo, realizando um constante feedback com todas as áreas
límbicas (emoções) (OLIVEIRA, Maria Aparecida Domingues de. Neurofisiologia do
comportamento. Uma relação entre o funcionamento cerebral e as manifestações
comportamentais. 2. ed. Canoas: Ulbra, 2000, pp. 104-105; 112). Segundo Jorge Trindade, Andréa
Beheregaray e Mônica Rodrigues Cuneo: “localizada na profundidade de cada lobo temporal
anterior, a amígdala funciona de modo íntimo com o hipotálamo. Está envolvida na produção de
uma resposta ao medo e a outras emoções negativas, na qualidade de centro identificador do
perigo. Nos seres humanos, a lesão da amígdala provoca a perda do sentido afetivo da percepção
de uma informação externa, como a visão de uma pessoa conhecida ou querida. Ele sabe o que
está vendo, mas não sabe se gosta ou não da pessoa que vê. A amígdala compõe a região límbica
que exerce um papel transcendente na agressividade” (TRINDADE, Jorge; BEHEREGARAY,
Andréa; CUNEO, Mônica Rodrigues. Psicopatia – a máscara da justiça. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2009, p. 53).
166 TRINDADE, Jorge; BEHEREGARAY, Andréa; CUNEO, Mônica Rodrigues. Psicopatia – a
máscara da justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 19.
167 BABIAK, Paul; HARE, Robert D. Psicopatas no trabalho: como identificar e se proteger. Trad.
Márcia Men. São Paulo: Universo dos Livros, 2022. p. 355.
168 RAINE, Adrian; SANMARTÍN, José. Violencia y psicopatía. 3. ed. Barcelona: Ariel, 2008, pp.
6-7.
169 SPRINGER, Sally P.; DEUTSCH, Georg. Cérebro esquerdo, cérebro direito. Tradução de
Thomaz Yoshiura. São Paulo: Summus, 1998, p. 315.
170 HARE, Robert D. Psicopatia: teoria e pesquisa. Tradução de Cláudia Moraes Rêgo. Rio de
Janeiro: Livros técnicos e Científicos Editora S.A, 1973, p. 25.
171 Contrariando os estudos atualmente desenvolvidos, Vicente Garrido aponta que a lesão nos
córtices pré-frontais ou, ainda, na amígdala, encontrada em Phineas Gage, não é característica dos
psicopatas. Portanto, rechaça a possibilidade de lesão cerebral ser causadora do transtorno de
personalidade antissocial (GARRIDO, Vicente. O psicopata: um camaleão na sociedade atual.
Tradução de Juliana Teixeira. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 62). “Porque, lembremos, o psicopata
não tem essa lesão nos córtices pré-frontais ou na amígdala que acabamos de descrever. Os
pacientes com tais lesões apresentam comportamentos que nos lembram os do psicopata quando
desvinculam-se do que acontece com os outros e, diríamos, do seu próprio bem-estar como
pessoas maduras. Mas tem de haver algo mais, porque os pacientes com lesão cerebral são
incapazes de se adaptar convenientemente a um trabalho, a sua família e a seus amigos. E os
psicopatas por certo apresentam em um grau variável esses desajustes. Alguns estudam com
interesse; outros trabalham muitos anos com sucesso.” Segundo o autor, há dois elementos que
podem provocar o surgimento da psicopatia: dano no sistema nervoso e o ‘aprendizado social’ ao
longo da vida. Contudo, aponta a não satisfatoriedade dos estudos realizados no sistema nervoso
central. Apesar dessa constatação, ressalta que todos os estudos direcionam-se no sentido de que a
chave está nesse déficit de integração entre afeto e pensamento, associada a uma menor
capacidade para sentir e experimentar as emoções (GARRIDO, Vicente. O psicopata: um
camaleão na sociedade atual. Tradução de Juliana Teixeira. São Paulo: Paulinas, 2005, pp. 62-63).
Segundo O. V. Kerbibov et al, os fatores que determinam a aparição das particularidades
congênitas que são a base da psicopatia podem ter duas origens. A existência de lesões do sistema
nervoso pode ter sido resultado da ação de diversos agentes nocivos sobre o embrião ou sobre o
feto durante a sua vida intrauterina, produzidos por traumatismos do parto ou por enfermidades
ocorrentes nos primeiros meses de vida. Os autores ainda ressaltam que a psicopatia pode decorrer
de fatores hereditários. Apesar da apresentação dessas duas formas explicativas do surgimento da
psicopatia, os autores ressaltam a dificuldade de apresentar uma classificação completa das
psicopatias (KERBIKOV, O. V. et al. Manual de psiquiatria. Tradução de F. Villa Landa. Cuba,
Revista Del Hospital Psiquiatrico de La Habana, v. 5, 1965).
172 TRINDADE, Jorge; BEHEREGARAY, Andréa; CUNEO, Mônica Rodrigues. Psicopatia – a
máscara da justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 52.
173 O uso de testes psicológicos – realizados exclusivamente por psicólogos – pode ser útil para o
diagnóstico do transtorno. Conforme a Lei n. 4.119, de 27/08/62, “parágrafo 1º – Constitui função
privativa do Psicólogo a utilização de métodos e técnicas psicológicas com os seguintes objetivos:
A) diagnóstico psicológico; B) orientação e seleção profissional; C) orientação psicopedagógica;
D) Solução de problemas de ajustamento”.
174 SHINE, Sidney Kiyoshi. Psicopatia. Clínica psicanalítica. 4. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo,
2010, p. 142.
175 ADRADOS, Isabel. Teoria e prática do teste de Rorschach. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1973, p.
5.
176 ADRADOS, Isabel. Teoria e prática do teste de Rorschach. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1973, p.
5.
177 RORSCHACH, Hermann. Psicodiagnóstico. Tradução de Marie Sophie de Villemor Amaral. 3.
ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978, p. 15.
178 SADOCK, Benjamin James; SADOCK, Virginia Alcott. Compêndio de psiquiatria. Tradução
de Claudia Dornelles [et al.]. 9. ed. Porto Alegre: Artmed, 2009, p. 210.
179 RORSCHACH, Hermann. Psicodiagnóstico. Tradução de Marie Sophie de Villemor Amaral. 3.
ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978, p. 19.
180 RORSCHACH, Hermann. Psicodiagnóstico. Tradução de Marie Sophie de Villemor Amaral. 3.
ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978, p. 199.
181 RORSCHACH, Hermann. Psicodiagnóstico. Tradução de Marie Sophie de Villemor Amaral. 3.
ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978, p. 201.
182 Disponível em: http://www.valordoconhecimento.com.br/rorscharch-folha-de-localizacao.html.
Acesso em: 16 fev. 2018.
183 Consideram-se diagnósticos cegos “qualquer coisa de imensamente precioso, primeiro como
iniciação, para aprendizado do método, em segundo lugar, para se convencer os céticos, estranhos
ao método, do valor da prova e, em terceiro, para fins de comparações cientificas”
(RORSCHACH, Hermann. Psicodiagnóstico. Tradução de Marie Sophie de Villemor Amaral. 3.
ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978, p. 260).
184 RORSCHACH, Hermann. Psicodiagnóstico. Tradução de Marie Sophie de Villemor Amaral. 3.
ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978, pp. 260-261.
185 HARE, Robert D. Psicopatia: teoria e pesquisa. Tradução de Cláudia Moraes Rêgo. Rio de
Janeiro: Livros técnicos e Científicos Editora S.A, 1973, p. 20.
186 Além do PCL-R, Robert D. Hare também contribuiu para Psychopathy Checklist: Screening
Version (PCL:SV), o P -Scan, a Lista de Verificação de Psicopatia: Versão Juvenil (PCL:YV) e o
Dispositivo de Triagem de Processo Antissocial (APSD).
187 Apesar de os sujeitos identificados como psicopatas no meio carcerário serem minoria, sua
influência maléfica é relativamente muito maior. O seu reconhecimento é de importância
fundamental para questões essenciais, como a previsão da reincidência criminal, a possibilidade de
reabilitação social e a concessão de benefícios penitenciários.
188 Segundo estudo realizado pelo emprego do PCL-R, restou constatado que a incidência da
psicopatia é menor dentre a população de pacientes de centros psiquiátricos penitenciários (10-
15%) do que na população de reclusos (15-15%) (RAINE, Adrian; SANMARTÍN, José. Violencia
y psicopatía. 3. ed. Barcelona: Ariel, 2008, p. 31).
189 FOWLER, Katherine A.; O’DONHOHUE, William; LILIENFELD, Scott O. (org.).
Transtornos de personalidade: em direção ao DSM-V. Tradução de Fábio Moraes Corregiari.
São Paulo: Roca, 2010, p. 125.
190 Disponível em: http://www.hare.org/training/. Acesso em: 16 fev. 2018.
191 Disponível em: https://satepsi.cfp.org.br/Lista_Teste_Completa.cfm. Acesso em: 30 jul. 2023.
192 Disponível em: http://www.hare.org/scales/pclyv.html. Acesso em: 30 jul. 2023.
193 Disponível em: http://www.hare.org/scales/pclsv.html. Acesso em: 30 jul. 2023.
194 “alterações na condutividade elétrica, no eletroencefalograma, foram encontradas em alguns
pacientes com transtornos de personalidade, mais comumente nos tipos anti-social e borderline,
nos quais é observada uma atividade de ondas lentas” (KAPLAN, Harold I. et al. Compêndio de
psiquiatria: ciências do comportamento e psiquiatria clínica. Tradução de Dayse Batista. 7. ed.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1997, p. 687).
195 GARRIDO, Vicente. O psicopata: um camaleão na sociedade atual. Tradução de Juliana
Teixeira. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 65.
196 GARRIDO, Vicente. O psicopata: um camaleão na sociedade atual. Tradução de Juliana
Teixeira. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 70.
197 FONTANA, Antônio Matos. Manual de clínica em psiquiatria. São Paulo: Atheneu, 2005, p.
374.
198 FONTANA, Antônio Matos. Manual de clínica em psiquiatria. São Paulo: Atheneu, 2005, pp.
375-376.
199 HARE, Robert D. Sem consciência: o mundo perturbador dos psicopatas que vivem entre nós.
Tradução de Denise Regina de Sales. Porto Alegre: Artmed, 2013, p. 202.
200 ZIMERMAN, David. Vocabulário contemporâneo de psicanálise. Porto Alegre: Artmed,
2001, p. 338.
201 BECK, Aaron T.; FREEMAN, Arthur; DAVIS, Denise D. Terapia cognitiva dos transtornos
da personalidade. Tradução de Maria Adriana Veríssimo Veronese. 2. ed. Porto Alegre: Artmed,
2005, p. 147.
202 KAPLAN, Harold I. et al. Compêndio de psiquiatria: ciências do comportamento e psiquiatria
clínica. Tradução de Dayse Batista. 7. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997, p. 693.
203 Over a period of many years I have remained discouraged about the effect of treatment on the
psychopath. Having regularly failed in my own efforts to help such patients alter their
fundamental pattern of inadequacy and antisocial activity, I hoped for a while that treatment by
others would be more successful. I have had the opportunity to see patients of this sort who were
treated by psychoanalysis, by psychoanalytically oriented psychotherapy, by group and by milieu
therapy, and by many other variations of dynamic method. I have seen some patients who were
treated for years. I have also known cases in which not only the patient but various members of his
family were given prolonged psychotherapy. None of these measures impressed me as achieving
successful results. The psychopaths continued to behave as they had behaved in the past.
(CHECKLEY, Hervey. The mask of sanity. 5. ed. St. Louis: Mosby, 1976, pp. 476-477).
204 “Alguns transtornos de personalidade (p. ex., transtorno de personalidade antissocial) são
diagnosticados com maior frequência em indivíduos do sexo masculino).” (Manual diagnóstico e
estatístico de transtornos mentais: DSM-5/ [American Psychiatric Association... et al.]; revisão
técnica: Aristides Volpato Cordioli... [et al.]. 5 ed. Porto Alegre: Artmed, 2014, p. 648).
205 Na lição de John P. J. Pinel, “o fato de a agressão social em muitas espécies ser mais freqüente
em machos do que em fêmeas normalmente é explicado em referência aos efeitos da testosterona
sobre a organização e a ativação” (PINEL, John P. J. Biopsicologia. Tradução de Ronaldo Cataldo
Costa. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005, p. 458; GARRIDO, Vicente. O psicopata: um camaleão
na sociedade atual. Tradução e adaptação de Juliana Teixeira. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 275;
KAPLAN, Harold I.; SADOCK, Benjamin J.; GREBB, Jack A. Compêndio de psiquiatria.
Ciências do comportamento e psiquiatria clínica. Tradução de Dayse Batista. Porto Alegre:
Artmed, 1997, p. 692).
2 Da Imputabilidade

2.1 Considerações iniciais


Previsto no Título III do Código Penal, o instituto da imputabilidade penal
vem disciplinado nos arts. 26 a 28. Conhecida também por capacidade de
culpabilidade206, a imputabilidade é considerada elemento ou
pressuposto207 da culpabilidade208.
O reconhecimento da culpabilidade é de extrema importância, porque
somente é possível aplicar a pena concretamente se o agente for
considerado culpável209. Segundo Juan Carlos Ferré Olivé et al., a
culpabilidade e a pena têm estreita ligação e se estruturam de acordo com a
presença de “três exigências condicionadas pela realidade social, histórica e
cultural: que o sujeito seja imputável210, que conheça a proibição e que
uma conduta alternativa lícita lhe seja exigível”211.
No âmbito desses três elementos da culpabilidade, reconhecemos três
causas com o condão de afastá-la, conhecidas também como dirimentes da
culpabilidade: inimputabilidade, erro de proibição e inexigibilidade de
conduta diversa.
Questão tormentosa diz respeito à possibilidade de existir mais de uma
dirimente da culpabilidade no caso concreto. A questão tem provocado
inúmeras discussões entre juristas e aplicadores da lei, haja vista as diversas
consequências que cada dirimente pode instaurar no plano jurídico.
O tema é tormentoso, mas tem a imperiosa necessidade de ser
solucionado. Considerando que o magistrado não pode deixar de exercer
suas funções, é imprescindível que uma solução lhe seja conferida e, por
força do princípio in dubio pro reo, deve-se aplicar a medida mais benéfica
ao autor dos fatos: inaplicabilidade da medida de segurança.
Como princípio geral, não se pode exigir dos inimputáveis mais do que dos imputáveis e,
por conseqüência, deverão prevalecer as causas de exclusão que não possibilitem a
imposição de medida de segurança. Excepcionalmente, poderá ocorrer a solução inversa,
prevalecendo a inimputabilidade e as medidas, se a causa de não culpabilidade é
conseqüência direta da inimputabilidade (por exemplo, o desconhecimento da proibição
deriva diretamente de um transtorno mental)212.

Por fim, consideramos que o reconhecimento de qualquer das dirimentes


não tem o condão de afastar o fato típico e ilícito já praticado.
2.2 Conceito
Tendo em vista que o Código Penal apenas propôs apresentar as causas
que afastam a imputabilidade do agente, conceituaremos o instituto da
imputabilidade a partir da interpretação negativa dos artigos 26 a 28 do
diploma legal.
Também conhecida como capacidade de culpabilidade213, temos por
imputabilidade um elemento da culpabilidade que exige do agente ter
capacidade psíquica suficiente para, no momento da ação ou omissão,
entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse
entendimento.
Segundo Luiz Regis Prado, imputabilidade consiste na
[...] plena capacidade (estado ou condição) de culpabilidade entendida como capacidade de
entender e de querer, e, por conseguinte, de responsabilidade criminal (o imputável
responde pelos seus atos). Costuma ser definida como o “conjunto de maturidade e
sanidade mental que permitem ao agente conhecer o caráter ilícito do seu ato e determinar-
se de acordo com esse entendimento”214.

Heleno Cláudio Fragoso sustenta que a imputabilidade é a condição


pessoal de maturidade e sanidade mental que confere ao agente a
capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de se determinar segundo
esse entendimento215.
Na lição de Marcello Jardim Linhares, imputabilidade consiste no atributo
de uma pessoa, de um modo de agir a um fato descrito pela lei como crime:
“Se não integra a estrutura do crime, dele é, entretanto, um pressuposto
lógico”216.
Imputável é o homem que reúne dentro de si qualidades de saúde que o direito estabelece
para que sofra uma pena; que se exigem juntamente com o crime, como qualidades mínimas
para poder ser apenado. Tais qualidades são a capacidade de entender o que faz e de querer
aquilo que faz217.

Por fim, e não menos importante, Rogério Greco aponta que a


imputabilidade é a possibilidade de se atribuir, imputar o fato típico e ilícito
ao agente. Ao final, argumenta que a imputabilidade é a regra; a
inimputabilidade é a exceção218.
Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli destacam que a
imputabilidade já foi por vezes considerada “a total incapacidade psíquica
para o delito pelo que devia situar-se com anterioridade à própria conduta,
enquanto, no outro extremo, estão aqueles que crêem que não faz parte do
delito e sim da teoria da sanção”219.
No direito penal brasileiro, por sua vez, entendemos que a imputabilidade
decorre da junção dos elementos intelectual (capacidade de entender o
caráter ilícito do fato) e volitivo (capacidade de determinar-se de acordo
com tal entendimento)220.
É por essa razão que a imputabilidade – entendida como capacidade de culpabilidade –
possui dois níveis, um que deve ser considerado como a capacidade de entender a ilicitude,
e outro que consiste na capacidade para adequar a conduta a esta compreensão. Quando
faltar a primeira, não haverá culpabilidade por ausência da possibilidade exigível de
compreensão da antijuridicidade; quando faltar a segunda, estaremos diante de uma
hipótese de estreitamento do âmbito de autodeterminação do sujeito, neste caso, por uma
circunstância que provém da própria incapacidade psíquica221.

Outro requisito de grande valor para configurar a imputabilidade é que


estas circunstâncias estejam presentes no momento da ação ou da omissão
delituosa. Essa afirmação impõe que o agente, ao tempo da ação ou
omissão, seja plenamente capaz de conhecer o caráter ilícito do fato e de
determinar-se de acordo com tal entendimento.
A doutrina tem apontado essa exigência como decorrência do princípio da
coincidência ou similitude, segundo o qual “a imputabilidade ou capacidade
psíquica de motivação normativa deve ser analisada no momento da
comissão do delito”222.
O requisito é fundamental para o processo penal. Uma vez constatado
que, na prática do fato típico, o agente era plenamente capaz de entender o
caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com tal entendimento,
pouco importa se, no momento do resultado, o agente encontrava-se em
estado de perturbação psíquica.
A questão levanta maiores discussões quando tratamos da imputabilidade
do enfermo mental que, ao tempo dos fatos, encontrava-se no seu período
de lucidez: “Pelo direito romano (L.14, Dig. 1,18), afirmava-se que na
hipótese de ser averiguada a loucura, o louco é punido pelo seu próprio
estado, descabendo assim a aplicação da pena”223.
A doutrina parece divergir. Uma corrente sustenta que estes indivíduos,
quando praticam o delito nesse intervalo de lucidez, devem ser
responsabilizados. Outra, por sua vez, inclina-se no sentido de que esse
período somente retrata a enganadora aparência de lucidez e saúde daqueles
que se encontram enfermos.
Entendemos que nessa circunstância, conhecida como intervalo lúcido,
como a anomalia psíquica não afetou a capacidade do agente de conhecer o
caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento,
não há que falar em inimputabilidade.
Não é inadmissível que um doente mental se encontre, no momento da conduta proibida,
em situação de entender e querer. O Código não vislumbra inalterável relação de causa e
efeito entre doença mental, mesmo grave, e inimputabilidade. Assim, nos chamados
intervalos lúcidos ou períodos livres. Na realidade, o agente é um enfermo. O seu mal,
porém, teve interrupção. Será imputável se praticar delito durante o intervalo de lucidez224.

Creditar ao momento da ação ou omissão do delito a análise acerca da


imputabilidade do agente leva-nos a defender que, se em qualquer outro
momento da apuração dos fatos (inquérito policial ou peças de informação)
ou do processo, restar evidente que o agente não detém plena capacidade
psíquica, afastada está a discussão sobre a sua imputabilidade. Isso porque,
não há que se falar em ‘inimputabilidade ou semi-imputabilidade
superveniente’225, tendo em vista que a legislação penal em vigor
estabelece o elemento temporal (no momento da ação ou omissão) como
determinante para a sua verificação.
Ao reconhecer a possibilidade da ocorrência de qualquer anomalia antes
ou após a prática do delito, César da Silveira aponta algumas situações de
forma exemplificativa:
Vejamos o exemplo da psicose carcerária: esta pode explodir em indivíduos que nunca
estiveram em prisões, em decorrência da situação desmoralizante em que se acham, ou em
outros psicopáticos. A explosão da psicose carcerária, destarte, ocorrida após a prática do
crime, não exerce influência na apuração da responsabilidade do acusado, para o efeito de
irresponsabilizá-lo, ou diminuir-lhe as conseqüências condenatórias. Mesmamente sucederá
na hipótese de um epilético, que pratique um crime, embora sujeito aos clássicos acessos
convulsivos. Se, no momento de praticar o delito, se encontrava ele em boas situações
psíquicas, torna-se inteiramente responsável226.

Diante disso, temos por imputabilidade o elemento da culpabilidade que


exige que, no momento da ação ou omissão delituosa, o agente seja
plenamente capaz de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de
acordo com tal entendimento, ainda que, em momento anterior ou posterior
ao fato delituoso, sua capacidade psíquica tenha sido afetada.
2.3 Fundamentação filosófica da imputabilidade
São considerados fundamentos da imputabilidade as circunstâncias que
buscam explicar o liame existente entre a liberdade de agir, a conduta ilícita
e a aplicação de pena ou medida de segurança227.
Segundo Edmundo Oliveira228, seis teorias filosóficas procuram
fundamentar a imputabilidade229: teoria da Escola Clássica ou livre-
arbitrista, teoria da Escola Positiva ou determinista, teoria da intimidação,
teoria da identidade pessoal, teoria pautada na capacidade normal de o
agente conduzir-se socialmente, ancorando no parâmetro do homem médio,
e a teoria atualmente adotada.
A primeira é a teoria da Escola Clássica ou livre-arbitrista, atribuída ao
filósofo grego Aristóteles e desenvolvida por Francesco Carrara, na Itália.
De acordo com a Escola Liberal, a responsabilidade penal é o reflexo direto
entre a liberdade de agir e a plena consciência230. O homem é considerado
criminalmente responsável porque é moralmente livre para escolher entre o
bem e o mal. Na opção pelo mal, nada mais coerente que lhe seja aplicada
uma sanção penal como castigo.
Quem não goza da plena liberdade de agir, como ocorre amiúde com o doente mental, não
pode sofrer castigo, já que o eventual desvio de conduta foi inconsciente. Neste caso, a
medida de segurança apresenta-se como tratamento e estrutura de contenção da
periculosidade231.

Para Rogério Greco, o livre-arbítrio decorrente dos ensinamentos da


Escola Clássica advém da seguinte afirmativa: “o homem é moralmente
livre para fazer suas escolhas. O fundamento da responsabilidade penal está
na responsabilidade moral do indivíduo, sendo que esta, ou seja, a
responsabilidade moral, tem por base o livre-arbítrio”232.
Segundo a Escola Clássica, a pena deve ser empregada como mecanismo
e tutela da sociedade e não somente como meio de intervenção estatal sobre
o sujeito infrator: “Os limites da cominação e da aplicação da sanção penal,
assim como as modalidades de exercício do poder punitivo do Estado, eram
assinalados pela necessidade ou utilidade da pena e pelo princípio de
legalidade”233.
São preceitos norteadores da Escola Clássica: o livre arbítrio (a liberdade
de escolha entre o bem e o mal), a igualdade (o homem livre é igual em
direitos e deveres), a entidade do crime (injustiça social, criação da lei); a
imputabilidade moral (consiste na escolha pelo mal por mera liberalidade
do agente são).
Pregando o determinismo e, consequentemente a inexistência de livre-
arbítrio, temos a Escola Positiva, segundo a qual todos os acontecimentos
da natureza estão atrelados a leis físicas inafastáveis. Para seus adeptos, não
há que se falar em livre-arbítrio e, consequentemente, não se pode admitir a
pena como simples castigo234. Para os adeptos dessa teoria, o crime não é
relevante e objeto central de pesquisas. O objeto de estudo recai sobre o
indivíduo que delinquiu, o qual é considerado ‘diferente’ e ‘clinicamente
observável’235.
De acordo com essa teoria, o crime não decorre da liberdade de escolha
do seu autor entre agir corretamente ou não, mas da reunião de fatores
(internos ou externos)236 determinantes à provocação da sua atuação.
Marion Minerbo e Oswaldo Henrique Duek Marques explicitam o
comportamento do delinquente à luz da teoria positivista: “o delinqüente,
dado seu comportamento atávico, quente, desprovido do livre-arbítrio, não
consegue organizar-se a ponto de evitar o cometimento de crimes”237.
Para seus adeptos, não é possível falar em castigo. Assim, para os que
infringem os preceitos da legislação penal, é imperiosa a imposição de
medidas de recuperação como meio de defender a sociedade contra o
indivíduo que violou as normas sociais.
A Escola Positiva é fundamentada em constructos antropológicos e
sociológicos. Estudos antropológicos apontam a delinquência como
decorrência de fatores biológicos; os estudos sociológicos de Enrico Ferri,
por sua vez, primeiramente utilizaram os conceitos da imputabilidade física,
ou seja, entendem possível imputar determinada ação, física ou muscular, a
qualquer indivíduo, sem analisar o liame psíquico com tal ação. A Escola
Sociológica, de acordo com Von Liszt238, Van Hamel, Gabriel Tarde,
Adolphe Prinz, Marc Ancel e Jean Pinatel, empresta influência do meio239.
De acordo com os sociólogos, há indivíduos perigosos que podem
praticar, rotineiramente, delitos; os que não praticam podem estar sujeitos a
incidir em culpa. Assim, sugerem a imposição de medida de segurança
como critério curativo, visando tutelar a sociedade desses indivíduos
perigosos; e para os que ocasionalmente praticam delitos, sugerem a
imposição de pena retributiva proporcional à gravidade do fato praticado.
Diante do exposto, a Escola Positiva entende que a justiça penal tem por
objeto central a pessoa do criminoso. O delito, por sua vez, representa a
manifestação do estado perigoso em que o indivíduo se encontra. O crime
não é uma entidade política, mas um fenômeno natural. A pena, portanto,
tem por fim reformar os inadaptáveis e segregar os incorrigíveis.
Apesar da aparente discrepância entre estas escolas, Rogério Greco
entende que não há que se falar em incompatibilidade entre livre-arbítrio e
determinismo. Segundo o autor, esses elementos se completam:
Todos sabemos a influência, por exemplo, do meio social na prática de determinada
infração penal. [...]
Concluindo, a culpabilidade, ou seja, o juízo de censura que recai sobre a conduta típica e
ilícita, é individual, pois o homem é um ser que possui sua própria identidade, razão pela
qual não existe um ser igual ao outro. Temos nossas peculiaridades, que nos distinguem dos
demais. Por isso, em tema de culpabilidade, todos os fatos, internos e externos, devem ser
considerados a fim de se apurar se o agente, nas condições em que se encontrava, podia agir
de outro modo240.

Basileu Garcia destaca: “limitar o tema da imputabilidade à existência ou


não de livre arbítrio, ademais, implicaria virtual redução de todas as
faculdades mentais do ser humano ao plano intelectivo”241.
Na lição de Marcello J. Linhares, surgiu uma terceira escola (Alimena,
Carnevale e outros) – além das já previstas –, que também negava o livre-
arbítrio, “entendendo ser o delito um fenômeno ao mesmo tempo individual
e social”242. Segundo esta escola, a finalidade da pena está na defesa social;
a imputabilidade e a inimputabilidade devem ser distinguidas.
Marion Minerbo e Oswaldo Henrique Duek Marques preceituam que,
após a Segunda Guerra Mundial, surgiu uma nova concepção de defesa
social firmada por Marc Ancel:
A nova corrente postula o livre-arbítrio como fundamento da responsabilidade penal,
visualizando no infrator uma responsabilidade de cunho moral, arrimada na noção do dever
de respeito à coletividade, decorrente do convívio em sociedade, sem indagar do conteúdo
real de liberdade que possuímos em cada passo da nossa existência243.

Por fim, ressaltam que o direito penal ora em vigor está fundado em uma
“visão de liberdade puramente normativa, segundo a qual o indivíduo é
considerado a priori dotado de liberdade de autodeterminação, e, portanto,
culpável, ao praticar um fato previsto como crime e antijurídico”, desde que
presentes determinadas condições, sejam elas biológicas, psíquicas ou
fáticas descritas na lei244.
Definida por Romagnosi, Feuerbach e Impallomeni, a terceira teoria
fundamenta a imputabilidade na intimidação. De acordo com essa teoria,
tem-se na lei penal o poder intimidatório que somente atingirá sua eficácia
se os destinatários da norma possuírem capacidade para sofrer a coação
psicológica da lei. Dessa forma, estão afastados desse rol de destinatários as
crianças e as pessoas com doença mental porque, conforme os estudiosos,
não possuem capacidade para sentir esse poder coercitivo da norma penal.
Criada por Gabriel Tarde, a Teoria da Identidade Pessoal justifica a
imputabilidade do agente de acordo com os critérios da sua identidade
pessoal reflexamente. Assim, seus atos são considerados o reflexo da
adaptação do seu próprio ‘eu’ adaptado ao meio social. De acordo com o
autor, os indivíduos com doença mental e embriaguez não permitem o
processo de adaptação do ‘eu’ com o ambiente social e, por isso, devem ser
considerados irresponsáveis.
De acordo com a teoria de Von Liszt, a imputabilidade está fundamentada
na capacidade normal de o agente conduzir-se socialmente, pautado no
parâmetro oferecido do homem médio. Somente é considerado inimputável
aquele que demonstrar incapacidade para conduzir-se socialmente.
A teoria apontada por Max Ernst Mayer apresenta a particularidade de ser
a concepção por ora dominante nas modernas legislações penais. De acordo
com essa teoria, somente é considerado imputável aquele que possui
capacidade de entender e de querer, atrelando estas circunstâncias às
condições de maturidade e de sanidade mental. Essa é a teoria adotada pelo
direito penal brasileiro.
2.4 Histórico da imputabilidade na legislação
penal brasileira
De acordo com José Henrique Pierangeli, a primeira legislação penal
vigente no país foi o Livro V das Ordenações Filipinas245.
As Ordenações do Reino (Filipinas), de 11 de janeiro de 1603, não
previam especificamente a figura do louco, contudo incluíam, no capítulo
destinado à responsabilidade mental, o desenvolvimento mental incompleto
em razão da menoridade246.
Quanto à figura do louco, encontramos a primeira previsão expressa
somente no Código Criminal do Império do Brasil, de 16 de dezembro de
1824:
Art.10 Também não se julgarão criminosos:
1º Os menores de quatorze annos.
2º Os loucos de todo o gênero, salvo se tiverem lúcidos intervallos e nelles commetterem o
crime.
3º Os que commetterem crimes violentados por força ou por medo irresistíveis.
4º Os que commetterem crimes casualmente no exercício ou pratica de qualquer acto licito,
feito com a tenção ordinária.
Art.11. Posto que os mencionados no artigo antecedente não possão ser punidos, os seus
bens com tudo serão sujeitos á satisfação do mal causado.
Art.12. Os loucos que tiverem commetido crimes serão recolhidos ás casas para elles
destinadas, ou entregues ás suas famílias, como ao Juiz parecer mais conveniente.
Art.13. Se se provar que os menores de quatorze annos, que tiverem commettido crimes,
obrarão com discernimento, deverão ser recolhidos ás casas de correcção, pelo tempo que
ao juiz parecer, com tanto que o recolhimento não exceda a idade de dezasete annos. (sic)

O dispositivo legal passou a excluir o crime quando o fato fosse praticado


por louco de todo gênero, salvo se estivesse em intervalos lúcidos.
Segundo previa o art. 12, competia ao magistrado, após avaliação judicial
discricionária, encaminhar o agente à internação ou à entrega em confiança
à família. Conforme verificamos, o dispositivo apenas retrata a percepção e
a sensibilidade quanto à real figura do agente delinquente e suas
necessidades.
Já no Código Penal dos Estados Unidos do Brasil (Decreto n. 847, de 11
de outubro de 1890) – também conhecido como Código Republicano,
encontramos no Título III disposição expressa acerca da responsabilidade
criminal.
De acordo com o art. 27, § 1º do diploma legal, não eram considerados
criminosos os menores de 9 anos completos, nem os maiores de 9 anos e
menores de 14 que agirem sem discernimento.
Segundo o art. 29, os incapazes em razão de doença mental continuariam
sendo encaminhados às suas famílias ou recolhidos a hospitais de alienados,
se o seu estado mental assim exigisse para a segurança pública.
Neste contexto, Maximiliano Roberto Ernesto Führer ressalta: “o destino
do louco criminoso continua a ser determinado pelo juiz, mas a internação
passou a exigir fundamentação, com base na doença mental, na
periculosidade do agente e na garantia da ordem pública”247.
Art. 27. Não são criminosos:
§1º Os menores de 9 annos completos;
§2º Os maiores de 9 e menores de 14, que obrarem sem discernimento;
§3º Os que por imbecialidade nativa, ou enfraquecimento senil, forem absolutamente
incapazes de imputação;
§4º Os que se acharem em estado completa privação de sentidos e de intelligencia no acto
de commetter o crime;
§5º Os que forem impellidos a commeter o crime por violência physica irresistive, ou
ameaças acompanhadas de perigo actual;
§6º Os que commetterem crime casualmente, no exercício ou prática de qualquer acto licito,
feito com attenção ordinária;
§7º Os surdos-mudos de nascimento que não tiverem recebido educação, nem instrucção,
salvo provando-se que obraram com discernimento.
[...]
Art. 29. Os indivíduos isentos de culpabilidade em resultado de affecção mental serão
entregues ás suas famílias, ou recolhidos a hospitaes de alienados, si o seu estado mental
assim exigir para segurança do publico. (sic)

Em 1932 foi aprovada e adotada a Consolidação das Leis Penais que em


seu Título III dispôs sobre a responsabilidade criminal:
Art. 27. Não são criminosos:
§1º Os menores de 14 annos;
§2º Os surdos-mudos de nascimento que não tiverem recebido educação, nem instrucção,
salvo provando-se que obraram com discernimento;
§3º Os que, por imbecialidade nativa, ou enfraquecimento senil, forem absolutamente
incapazes de imputação;
§4º Os que se acharem em estado de completa perturbação de sentidos e de intelligencia no
acto de commetter o crime;
§5º Os que forem impellidos a commeter o crime por violência physica irresistivel, ou
ameaças acompanhadas de perigo actual;
§6º Os que commetterem crime casualmente, no exercício ou prática de qualquer acto licito,
feito com attenção ordinária. Não terá cabimento essa dirimente nos crimes previstos nos
arts.108, §§1º, 2º, e 3º, 126, 315, 317 e 322, §2º.
[...]
Art.29. Os indivíduos isentos de culpabilidade em resultado de affecção mental serão
entregues a suas famílias, ou recolhidos a hospitaes de alienados, si o seu estado mental
assim exigir para segurança do publico. Emquanto não possuírem os Estados manicômios
criminaes, os alienados delinqüentes e os condemnados alienados sómente poderão
permanecer em asylos públicos, nos pavilhões que especialmente se lhes reservem. (sic)

Em princípio, verificamos que a maioridade penal passou a atingir os


indivíduos a partir dos quatorze anos. Tratava-se de presunção absoluta de
inimputabilidade – mesmo comprovado que o agente possuía pleno
discernimento248.
No tocante à redação do § 4º do artigo 27, Maximiliano Roberto Ernesto
Führer ressaltou que a “nova lei empregou impropriamente a expressão
‘completa perturbação dos sentidos e da inteligência’ em substituição à
antiga ‘completa privação’, de melhor técnica. Foi afastada a exceção do
intervalo lúcido”249.
Por fim, no tocante à possibilidade de internação, as normas
permaneceram as mesmas, com a ressalva da necessidade de os Estados
construírem manicômios criminais para abrigar os “alienados
delinquentes”. Enquanto não eram construídos, estes agentes somente
poderiam permanecer em asilos públicos, desde que em pavilhões a eles
destinados.
Seguindo a tendência mundial, o Código Penal de 1940 foi o primeiro a
definir responsabilidade criminal em contraposição aos pressupostos da
existência do crime250. Assim, em determinadas ocasiões, empregou os
termos “é isento de pena” para disciplinar os que não possuíam
responsabilidade criminal e “não há crime” para referir-se às excludentes de
antijuridicidade251.
A partir de então, eram considerados isentos de pena os agentes que – em
detrimento de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou
retardado – eram, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapazes de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinarem-se de acordo com esse
entendimento.
Outrossim, a expressão até então adotada pelo Código Republicano de
1890, “internação para segurança do público”, foi substituída por “medida
de segurança”, que pressupunha periculosidade252. A partir daí, de acordo
com o artigo 91 da reprimenda legal, a internação do delinquente passou a
ser obrigatória, já que sua periculosidade era legalmente presumida.
Nas hipóteses em que a periculosidade do agente não era presumida,
competia ao magistrado verificar se a personalidade do agente, seus
antecedentes, os motivos e as circunstâncias do delito autorizavam o
entendimento de que ele voltaria a delinquir.
Em 1977, por meio da Lei n. 6.416, o rol das situações que apontavam
pela periculosidade do agente foi ampliado, passando a prever: os
antecedentes, a personalidade, os motivos determinantes e as circunstâncias
do fato, os meios empregados para a prática do delito, os modos de
execução, a intensidade do dolo e o grau de culpa, que deveriam ser
analisados para formar o juízo de perigo.
Com base no Código Rocco, foi adotado o sistema de aplicação sucessiva
de pena e medida de segurança (duplo binário). Outrossim, ficou
estabelecida a maioridade penal somente aos dezoito anos, presumindo a
irresponsabilidade dos menores de dezoito anos.
Já no Código Penal de 1969 (Decreto-lei n. 1.004, de 1969)253, o Título
III da Parte Geral passou a ser denominado Da imputabilidade Penal254,
dispondo o art. 31, caput, e o seu parágrafo único os institutos da
inimputabilidade e semi-imputabilidade.
Art. 31. Não é imputável quem, no momento da ação ou a omissão, não possui a capacidade
de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento,
em virtude de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado.
Parágrafo único. Se a doença ou a deficiência mental não suprime, mas diminui
consideravelmente a capacidade de entendimento da ilicitude do fato ou de
autodeterminação, não fica excluída a imputabilidade, mas a pena pode ser atenuada, sem
prejuízo do disposto no art. 94 255.
De acordo com o Código de 1969, o sistema do duplo binário não mais
seria aplicável ao semi-imputável, prevendo como substituição somente o
sistema vicariante (ou se diminuía a pena ou aplicar-se-ia medida de
segurança).
Importante novidade trazida pelo diploma foi a abolição da medida de
segurança aos imputáveis. Entendia-se que o tratamento penitenciário era
suficiente como instrumento de recuperação social.
Outra grande inovação diz respeito à possibilidade da não internação do
louco caso não fosse reconhecida sua periculosidade.
Atribuía-se a periculosidade em três graus: acentuada, escassa e nenhuma:
Seria acentuada quando o exame dos elementos e circunstâncias indicasse que o agente
tinha inclinação para o crime ou se se tratasse de criminoso habitual ou por tendência. A
periculosidade era considerada escassa quando o exame dos elementos e circunstâncias
evidenciava a possibilidade de rápida regeneração do agente, desde que submetido a medida
reeducativa. Era nenhuma se o exame dos mesmos elementos e circunstâncias evidenciasse
a desnecessidade do emprego de medidas educativas256.

Por fim, em 11 de julho de 1984, a Lei n. 7.209257 alterou a parte geral do


Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940, passando assim a dispor:
Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental
incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de
perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não
era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo
com esse entendimento.

No tocante à imposição da medida de segurança, tivemos importantes


inovações. Primeiramente, ela só é cabível aos inimputáveis ou semi-
imputáveis; a medida de segurança aos semi-imputáveis somente seria
aplicada se observado o sistema vicariante, e a qualidade da pena (reclusão
e detenção) passou a ser determinante para a espécie de medida de
segurança (internação ou tratamento ambulatorial).
Conforme verificamos, esse é o regramento que permeia até a presente
data.
2.5 Imputabilidade e responsabilidade –
correlação
A imputabilidade foi inserida no Código Penal por meio da Reforma de
1982. Na sua redação original, as hipóteses de irresponsabilidades
(atualmente nomeadas como inimputabilidade) constavam do Título III, Da
Responsabilidade258. Em detrimento dessa alteração nominativa, a doutrina
atual tem dedicado espaços para diferenciá-las.
A questão já era objeto de grandes debates à época. Em razão dessa
alteração terminológica, a doutrina aponta a diferenciação entre essas
nomenclaturas.
Para os estudiosos, a responsabilidade contém necessariamente a ideia da
imputabilidade. Nesse sentido, Basileu Garcia ressalta: “responsabilidade
não se considera como sinônimo de imputabilidade e sim, mais
precisamente, como uma decorrência da imputabilidade. Esta representa um
pressuposto daquela [...]”259.
Nélson Hungria reconhece a diferenciação das nomenclaturas, mas
ressalta que podem ser indistintamente empregadas tanto para apontar a
capacidade penal, quanto a obrigação de responder penalmente pelo crime
praticado.
Segundo um critério tradicional, que o Código rejeitou, haveria que distinguir entre
responsabilidade e imputabilidade, significando esta a capacidade de direito penal ou
abstrata condição psíquica da punibilidade, enquanto aquela designaria a obrigação de
responder penalmente in concreto ou de sofrer a pena por um fato determinado, pressuposta
a imputabilidade. A distinção é bizantina e inútil. Responsabilidade e imputabilidade
representam conceitos que de tal modo se entrosam, que são equivalentes, podendo, com
idêntico sentido, ser consideradas in abstracto ou in concreto, a priori ou a posteriori.

Para E. Magalhães Noronha, a imputabilidade consiste na conjunção de


requisitos pessoais previstos em lei, que “conferem ao indivíduo
capacidade, para que, juridicamente, lhe possa ser atribuído um fato
delituoso”260. Responsabilidade, por sua vez, consiste na obrigatoriedade
que os que infringiram a lei penal tenham de responder pelos atos
praticados.
De acordo com o autor, a responsabilidade estará configurada se, ao autor
dos fatos, for atribuída a imputabilidade. Assim, o agente somente será
considerado responsável se a lei lhe conferiu capacidade de, no momento da
ação ou omissão, entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de
acordo com esse entendimento261.
2.6 Das causas que excluem a imputabilidade
São causas que excluem a imputabilidade do agente: a doença mental, o
desenvolvimento mental incompleto, o desenvolvimento mental retardado e
a embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior. Na
lição de Magalhães Noronha, o reconhecimento da inimputabilidade
“atribui ao sujeito a incapacidade para ser responsabilizado”262.
Considera-se inimputável aquele que a legislação penal entendeu por bem
isentar de pena, ou seja, o indivíduo que não possui condições psíquicas
latentes para, no momento dos fatos, entender o caráter ilícito do fato ou
agir conforme esse entendimento.
Segundo a doutrina, a inimputabilidade deve ser estudada segundo os
critérios designados para sua identificação: biológico, psicológico e
biopsicológico.
De acordo com o critério biológico, de inspiração francesa, o fator
decisivo e preponderante é a comprovação de que o autor dos fatos sofra
alguma doença mental ou possua desenvolvimento mental incompleto ou
retardado. Assim, de acordo com esse critério, independe se, ao tempo da
ação, o agente mostrou agir lucidamente a ponto de entender o caráter
ilícito do fato e de determinar-se de acordo com tal entendimento. A sua
inimputabilidade estará configurada apenas pela constatação pericial de que
o agente sofre doença mental ou possui desenvolvimento mental incompleto
ou retardado.
Magalhães Noronha ressalta:
O biológico ou etiológico condiciona a imputabilidade à rigidez mental do indivíduo.
Presente a enfermidade mental, ou o desenvolvimento psíquico deficiente ou a perturbação
transitória da mente, é ele, sem quaisquer outras investigações psicológicas, considerado
inimputável. Seguem esse sistema os Códigos da França, Espanha, Chile, Bélgica e pouco
mais. O último, por exemplo, reza: “Il n’y a pás d’infraction, lorsque I’ accusé ou Le
prévenu était em état de demence au moment du fait...!” (art.7). Tem ele o inconveniente de
admitir uma relação causal entre a enfermidade e o crime, quando isso não é exato, já que
depende de outros fatores, como da etiologia do mal, sua intensidade, momento etc.
Ademais, suprime o caráter ético da imputabilidade e coloca o juiz na absoluta dependência
do perito263.
Pelo critério psicológico, não se considera a existência ou não de alguma
anomalia mental. A inimputabilidade do agente somente será reconhecida
se ele mostrar-se incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento.
Para E. Magalhães Noronha, o sistema psicológico
é o contrário do anterior: contenta-se com as condições psíquicas do autor, no momento do
fato, sem indagar da existência de causa patológica que as tenha determinado. Basta,
portanto, a ausência da capacidade intelectiva e volitiva para exculpar o agente. Como se
vê, é ele vago e impreciso, ensejando abusos na prática e dilatando desmesuradamente a
esfera da inimputabilidade264.

Por fim, de acordo com o critério biopsicológico – que retrata a fusão dos
dois critérios mencionados –, é considerado inimputável quem, ao tempo da
ação, apresenta alguma anomalia mental e, em razão dessa circunstância,
não possui capacidade para entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com tal entendimento.

2.6.1 Da inimputabilidade por doença mental,


perturbação da saúde mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou
retardado
Conforme a redação do artigo 26, caput, do Código Penal, a legislação
penal pátria adotou, como regra, o critério biopsicológico:
Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental
incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Estão previstas no caput do art. 26 do Código Penal as causas que afastam


a imputabilidade do agente em razão de doença mental ou desenvolvimento
mental incompleto ou retardado. Entendemos como causas que reconhecem
a inimputabilidade do autor dos fatos, porque o legislador determina a
isenção da pena aplicada. Estas circunstâncias devem estar presentes no
momento da ação ou omissão dos fatos, desde que tornem o acusado
inteiramente incapaz de entender seu caráter ilícito ou de determinar-se de
acordo com esse entendimento.
As hipóteses de semi-imputabilidade ou capacidade diminuída estão
previstas no parágrafo único do mesmo dispositivo legal:
Art. 26. [...] Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em
virtude de perturbação da saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou
retardado, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-
se de acordo com esse entendimento.

As causas que determinam o reconhecimento da semi-imputabilidade


impõem a redução da pena de um a dois terços do autor dos fatos. O
legislador entendeu que a verificação da semi-imputabilidade não impõe
que o agente possua doença mental, mas que esteja presente alguma
perturbação na sua saúde mental. São também beneficiados pela redução da
pena aqueles que, por desenvolvimento mental incompleto ou retardado,
não eram, ao tempo dos fatos, inteiramente incapazes de entender o caráter
ilícito dos fatos ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

2.6.2 Da inimputabilidade por idade


Excepcionalmente, por sua vez, foi adotado o sistema biológico. Preceitua
o art. 27 do Código Penal que os menores de dezoito anos são penalmente
inimputáveis, sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial265. O
art. 104 da Lei n. 8.069/1990 preceitua que os menores de dezoito anos são
penalmente inimputáveis, mas estão sujeitos às medidas previstas na lei. A
inimputabilidade do menor de dezoito anos foi tratada, inclusive, no art.
228 da Constituição Federal de 1988266.
Segundo estabelece o dispositivo, os menores de dezoito anos são
presumidamente considerados inimputáveis. Entende-se que não possuem
capacidade psicológica ainda formada para compreender o caráter ilícito
dos fatos e de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Ainda que demonstre maturidade precoce e venha a praticar fato definido
como crime, o menor de idade não responderá como se maior fosse. A
presunção de inimputabilidade que recai sobre o menor é absoluta e
independe de futura constatação pericial de que era, ao tempo dos fatos,
plenamente capaz de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de
acordo com tal entendimento.
Segundo Rogério Greco,
A inimputabilidade por imaturidade natural ocorre em virtude de uma presunção legal,
onde, por questões de política criminal, entendeu o legislador brasileiro que os menores de
18 anos não gozam de plena capacidade de entendimento que lhes permita imputar a prática
de um fato típico e ilícito. Adotou-se, portanto, o critério puramente biológico267.

Conforme o art. 27 do Código Penal, os menores estão sujeitos às normas


da Lei n. 8.069/1990. Quando maiores de doze e menores de dezoito anos
de idade, responderão por ato infracional e ser-lhe-ão aplicadas medidas
socioeducativas268. Se menores de doze anos de idade, ser-lhe-ão aplicadas
medidas de proteção269.

2.6.3 Da inimputabilidade por embriaguez


Por fim, exclui a imputabilidade a embriaguez completa provocada por
caso fortuito ou força maior, conforme o art. 28, §1º, do Código Penal270.
Segundo Juan Carlos Ferré Olivé et al., a embriaguez provocada por caso
fortuito ou força maior trata-se de embriaguez involuntária, ocasionada por
“ingestão forçada de álcool, substâncias ou medicamentos, e também por
acesso fortuito a essas substâncias”271.
Somente quando a embriaguez se der por caso fortuito ou força maior e
for completa, a imputabilidade do agente poderá ser afastada. Isso porque o
art. 28, § 1º do Código Penal, impõe que, para determinar a isenção da pena
do autor dos fatos, é preciso que, em razão dessa modalidade de
embriaguez, o agente seja inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito
do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Se ocorrerem as mesmas condições e a embriaguez for incompleta, dever-
se-á reduzir a pena de um a dois terços.
Gustavo Octaviano Diniz Junqueira apresenta o conceito de embriaguez
determinado pelo Código Penal272. Segundo ele, corresponde “à
intoxicação de caráter agudo causada pela ingestão de álcool ou substância
de efeitos análogos capaz de provocar desde ligeira excitação até a perda da
consciência”273.
A embriaguez pelo álcool ou outra substância de efeito análogo não tem o
condão de, por si só, afastar a imputabilidade. A afirmativa decorre da
ficção legal de que o embriagado mantém as funções intelectivas e de
vontade.
Importante destacar a distinção doutrinária acerca das possibilidades de
embriaguez274: preordenada (a embriaguez é propositadamente utilizada
como ‘meio’ para praticar o delito), culposa (o agente não age com cautela
para evitar a embriaguez e, em razão disso, contribui para a prática do
delito), voluntária (a embriaguez é causada de forma proposital e o agente
contribuiu para a prática do delito sem, contudo, ter a intenção inicial de
praticá-lo), patológica (é o alcoolismo em estágio avançado –
caracterizando doença – capaz de provocar a inimputabilidade) e acidental
(“é a embriaguez que não poude ser PREVISTA ou não poude ser
EVITADA pelo autor da infração penal”)275 (sic).

2.6.4 Da inimputabilidade e semi-imputabilidade


na
Lei n. 11.343/2006
A Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006, também conhecida como Lei
Antidrogas, prevê em seu art. 45 a possibilidade de reconhecer a
inimputabilidade do réu se, “em razão de dependência, ou sob o efeito,
proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da ação
ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração praticada, inteiramente
incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo
com esse entendimento”276.
Reconhecida a inimputabilidade do réu em razão da dependência de
drogas, o magistrado poderá determinar na sentença absolutória, o seu
encaminhamento para tratamento médico adequado. Na hipótese do
reconhecimento da inimputabilidade do agente que praticou o delito sob
efeito de drogas por caso fortuito ou força maior, a sentença se limitará à
sua absolvição.
Se, por força das circunstâncias mencionadas no caput do art. 45 da Lei
Antidrogas, o agente não possuía, ao tempo da ação ou omissão, plena
capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de
acordo com esse entendimento, a pena poderá ser reduzida de um terço a
dois terços (Lei n. 11.343/2006, art. 46).
Em havendo necessidade reconhecida por meio de avaliação médica, o
juiz poderá ordenar o tratamento médico durante o cumprimento da pena
(Lei n. 11.343/2006, art. 47).
Guido Arturo Palomba aponta serem três os graus de dependência de
droga: leve, moderada e grave277.
Segundo o autor, a dependência leve de drogas não retira do indivíduo a
sua capacidade para entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de
acordo com esse entendimento. Nessa classificação estão os dependentes
que não sofrem crise de abstinência (física ou psíquica) quando não fazem
uso da substância.
Na dependência moderada, o indivíduo entende o caráter ilícito do fato,
mas é parcialmente capaz de determinar-se de acordo com esse
entendimento. “Nesses casos há crise de abstinência moderada, psíquica e
física, maior ou menor, dependendo da droga”278.
Por fim, destaca o autor que, na dependência grave, o indivíduo é
considerado doente mental. O dependente grave pode até entender
parcialmente o caráter ilícito do fato, mas é absolutamente incapaz de
determinar-se de acordo com esse entendimento.
Destacando a existência dos três graus de dependência, Maximiliano
Roberto Ernesto Führer pondera a sua associação, quase que matemática,
para o reconhecimento da imputabilidade, semi-imputabilidade e
inimputabilidade do indivíduo.
Segundo o autor,
A matéria, evidentemente, não é passível de medição em balança de farmácia, como diria
Nélson Hungria, mas é inegável que não se pode estabelecer a imputabilidade apenas pelo
grau de dependência, sem a minuciosa verificação de todos os requisitos legais e lógicos,
além das circunstâncias especiais do crime e da personalidade do agente279.
2.7 Das causas que não excluem a imputabilidade
2.7.1 Emoção e paixão
Por força do art. 28, I, do Código Penal, não excluem a imputabilidade
penal a emoção e a paixão. Segundo Basileu Garcia, a norma é fruto de
inspiração no Código Penal italiano, que assim preceitua: “os estados
emotivos e passionais não excluem nem diminuem a imputabilidade”280.
Emoção traduz-se em intensa perturbação afetiva de curta duração (medo,
alegria, espanto, aflição, surpresa, vergonha etc.), enquanto paixão é um
estado afetivo violento de maior duração (ideologia política, ciúme, ódio
etc.) que pode provocar alteração na conduta do agente.
A infração penal praticada a pretexto de emoção ou paixão não tem o
condão de afastar a culpabilidade do agente. Em certas situações, estes
sentimentos ultrapassam a normalidade psíquica e sua representação acaba
sendo reflexo da manifestação de determinada doença mental281.
Segundo Basileu Garcia, durante a vigência do Código Penal de 1890, a
paixão era empregada como pretexto para a prática de delitos passionais282.
A fim de evitar maiores temeridades, o legislador repeliu os delitos
passionais ao considerar, expressamente, que emoção e paixão não têm o
condão de afastar a imputabilidade.
Se não houvesse previsão legal disciplinando a matéria, poder-se-iam até
incluir tais situações no rol das ‘perturbações da saúde mental’, quando
estas circunstâncias fossem suficientes para parcialmente afastar a
capacidade de entendimento do caráter ilícito dos fatos ou de determinar-se
de acordo com esse entendimento na ocasião dos fatos.
O legislador agiu de forma acertada ao dispor expressamente a matéria,
evitando quaisquer dúvidas acerca do tema.
Apesar de não possuir autoridade para, por si só, afastar a imputabilidade,
a emoção tem por vezes o condão de figurar como atenuante genérica,
conforme prevê o art. 65, III, c, do Código Penal, ou causa de diminuição
de pena, como previsto nos arts. 121, § 1º, e 129, § 4º, do Código Penal.
2.7.2 Embriaguez voluntária ou culposa
Não excluem a imputabilidade do agente se, por embriaguez voluntária ou
culposa, o agente praticar fato definido como infração penal.
A embriaguez voluntária é configurada pela embriaguez deliberada do
agente. O agente ingere bebida alcoólica pelo simples fato de quedar-se
embriagado. A embriaguez será culposa quando o agente ingere bebida
alcoólica ou substância de efeitos análogos deliberadamente, mas não tem a
pretensão de embriagar-se.
Nas duas espécies de embriaguez há o elemento da voluntariedade. A
finalidade com que ingere bebida alcoólica ou substância de efeitos
análogos é o que as difere.
Nessas duas hipóteses de embriaguez, o indivíduo será responsabilizado
pelos seus atos, ainda que no momento da conduta seja inteiramente
incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo
com esse entendimento. Essa posição se deve à aplicação da teoria da actio
libera in causa. Se a sua ação “foi livre na causa, ou seja, no ato de ingerir
bebida alcoólica, poderá o agente ser responsabilizado criminalmente pelo
resultado”283.
Na hipótese de o agente embriagar-se deliberadamente, mas com o fim de
praticar crime, responderá pelo resultado com a incidência da agravante
genérica prevista no art. 61, II, l, do Código Penal284.

206 ROXIN, Claus. Culpabilidad y prevención en derecho penal. Tradução de Francisco Muñoz
Conde. Madrid: Instituto Editorial Reus, 1981, p. 33.
207 Cezar Roberto Bitencourt aborda com clareza o entendimento de que a imputabilidade é
elemento da culpabilidade, e não pressuposto da mesma (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado
de direito penal: parte geral. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 438).
208 De acordo com Francisco Muñoz Conde, do ponto de vista formal, culpabilidade consiste no
conjunto de condições que justificam a imposição de uma pena ao autor dos fatos (ROXIN, Claus.
Culpabilidad y prevención en derecho penal. Tradução de Francisco Muñoz Conde. Madrid:
Instituto Editorial Reus, 1981, p. 14). Na lição de Miguel Reale Júnior, “a imputabilidade,
portanto, não é pressuposto da culpabilidade nem obstáculo à culpabilidade, mas dado distintivo
da pessoa humana, razão pela qual constitui um pressuposto da ação, vista esta como decorrência
de uma opção valorativa” (REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de direito penal – parte geral.
3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 206).
209 Importante destacar que, segundo a doutrina majoritária, a culpabilidade é elemento do conceito
analítico de crime. Para a minoria doutrinária, a culpabilidade é analisada como pressuposto de
aplicação da pena.
210 Para Alexis Augusto Couto de Brito e Maria Patrícia Vanzolini, a imputabilidade é o primeiro
elemento normativo da culpabilidade como reprovabilidade. Alguns doutrinadores a interpretam
como a capacidade de entender e de se determinar; segundo Roxin, ser imputável significa possuir
capacidade para ser destinatário da norma. Para Claus Roxin, o fundamento de tal afirmação se dá
na capacidade real ou fictícia de “compreensão da finalidade buscada, e de conduzir sua conduta
conforme esta compreensão” (BRITO, Alexis Augusto Couto de; VANZOLINI, Maria Patrícia
(org.). Direito penal: aspectos jurídicos controvertidos. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 249).
211 OLIVÉ, Juan Carlos Ferré et al. Direito penal brasileiro – parte geral. Princípios fundamentais
e sistema. São Paulo: RT, 2011, p. 459. De acordo com a concepção do finalismo apontada por
Welzel, a culpabilidade é composta de três elementos normativos: imputabilidade, potencial
consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa.
212 OLIVÉ, Juan Carlos Ferré et al. Direito penal brasileiro – parte geral. Princípios fundamentais
e sistema. São Paulo: RT, 2011, p. 460.
213 GRECO, Rogério. Curso de direito penal – parte geral. 10. ed. Niterói: Ímpetus, 2008, p. 394.
214 PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro – parte geral. 7. ed. São Paulo: RT,
2007, p. 434.
215 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: a nova parte geral. 10. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1986, p. 203.
216 LINHARES, Marcello Jardim. Responsabilidade penal. t. I. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p.
21.
217 LINHARES, Marcello Jardim. Responsabilidade penal. t. I. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p.
22.
218 GRECO, Rogério. Curso de direito penal – parte geral. 10. ed. Niterói: Ímpetus, 2008, p. 396.
219 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal
brasileiro – parte geral. 9. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 539.
220 Hans Welzel ressalta: “a capacidade de culpa tem, portanto, um elemento adequado ao
conhecimento (intelectual) e outro adequado à vontade (volitivo): os dois juntos constituem a
capacidade de culpa [...]. Para o elemento intelectual é decisiva a compreensão do ‘injusto’ do
fato, como expressa o § 3, JGG. [...]” (WELZEL, Hans. Derecho penal – parte general. Buenos
Aires: Roque Depalma, 1956, p. 165).
221 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal
brasileiro – parte geral. 9. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 540.
222 OLIVÉ, Juan Carlos Ferré et al. Direito penal brasileiro – parte geral. Princípios fundamentais
e sistema. São Paulo: RT, 2011, p. 462. Acrescemos a tal afirmação a exigência de que a
imputabilidade ou capacidade psíquica de motivação normativa seja analisada também no
momento da omissão, ou comissão por omissão do delito.
223 SILVEIRA, V. César da. Tratado da responsabilidade criminal. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1955,
p. 482. “Os códigos do imperador romano Justiniano já distinguiam nos agentes a insanidade
psíquica (furor), a demência (dementia), a estupidez (moria) e os alienados em geral (mente-capti)
e consideravam que, se o delito fosse cometido em um lucidum intervallum, o indivíduo deveria
ser responsável pelo seu ato. Os romanos, que também regulamentavam os direitos civis de seu
povo, consideravam os imbecilitas como incapazes de dispor de seus próprios bens, mas julgavam
que o indivíduo, durante o intervalla perfectissima de sua doença, deveria recuperar os seus
direitos civis” (COHEN, Cláudio; FERRAZ, Flávio Carvalho; SEGRE, Marco (org.) Saúde
mental, crime e justiça. 2. ed. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2006, p. 119).
224 GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. v. I. Tomo I. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2008,
p. 455.
225 ABREU, Michele O. de; ABREU, Evandro Luiz Oliveira de. Inimputabilidade superveniente:
uma impropriedade jurídica. Boletim IBCCrim, ano 22, n. 256, mar. 2014, p. 13-14
226 SILVEIRA, V. César da. Tratado da responsabilidade criminal. v.1. São Paulo: Saraiva, 1955,
p. 119.
227 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade no direito penal. São
Paulo: Malheiros, 2000, p. 39.
228 OLIVEIRA, Edmundo. Comentários ao Código Penal – parte geral. 2. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1998, pp. 301-302.
229 Segundo Maximiliano Roberto Ernesto Führer, os fundamentos podem ser explicados pelos
preceitos adotados pelas Escolas Liberal Clássica e Positiva Determinista.
230 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade no direito penal. São
Paulo: Malheiros, 2000, p. 40.
231 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade no direito penal. São
Paulo: Malheiros, 2000, p. 40.
232 GRECO, Rogério. Curso de direito penal – parte geral. 10. ed. Niterói: Ímpetus, 2008, p. 381.
233 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à
sociologia do direito penal. Tradução de Juarez Cirino dos Santos. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos/Instituto Carioca de Criminologia, 1999, p. 31.
234 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à
sociologia do direito penal. Tradução de Juarez Cirino dos Santos. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos/Instituto Carioca de Criminologia, 1999, p. 40.
235 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à
sociologia do direito penal. Tradução de Juarez Cirino dos Santos. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos/Instituto Carioca de Criminologia, 1999, p. 29.
236 GRECO, Rogério. Curso de direito penal – parte geral. 10. ed. Niterói: Ímpetus, 2008, p. 382.
237 DUEK MARQUES, Oswaldo Henrique; MINERBO, Marion. Liberdade (possível) e
responsabilidade normativa ou ontológica, ideal ou possível, a noção de liberdade analisada da
perspectiva da filosofia do direito e da psicanálise. Revista Filosofia. Conhecimento Prático n. 28,
2011, pp. 46-54.
238 Marcello Jardim Linhares ressalta que, para Von Liszt, o crime não é resultante da liberdade
humana, mas de fatores individuais, físicos, sociais e econômicos (LINHARES, Marcello Jardim.
Responsabilidade penal. t. I. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 8).
239 LINHARES, Marcello Jardim. Responsabilidade penal. t. I. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p.
06.
240 GRECO, Rogério. Curso de direito penal – parte geral. 10. ed. Niterói: Ímpetus, 2008, p. 383.
241 GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. v. I. t. I. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.
450.
242 LINHARES, Marcello Jardim. Responsabilidade penal. t. I. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 7.
243 DUEK MARQUES, Oswaldo Henrique; MINERBO, Marion. Liberdade (possível) e
responsabilidade normativa ou ontológica, ideal ou possível, a noção de liberdade analisada da
perspectiva da filosofia do direito e da psicanálise. Revista Filosofia. Conhecimento Prático n. 28,
2011, pp. 46-54.
244 DUEK MARQUES, Oswaldo Henrique; MINERBO, Marion. Liberdade (possível) e
responsabilidade normativa ou ontológica, ideal ou possível, a noção de liberdade analisada da
perspectiva da filosofia do direito e da psicanálise. Revista Filosofia. Conhecimento Prático n. 28,
2011, pp. 46-54.
245 Ressalta ainda que as Ordenações Afonsinas e as Manuelinas, embora vigentes em Portugal,
foram letra morta no Brasil (PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil: evolução
histórica. 2. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 7).
246 Livro V, Título CXXXV: “Quando os menores serão punidos por os delictos, que fizerem –
Quando algum homem, ou mulher, que passar de vinte annos, commetter qualquer delicto, dar-se-
lhe-há a pena total, que lhe sereia dada, se de vinte e cinco annos passasse. E se for de idade de
dezasete annos até vinte, ficará em arbítrio dos Julgadores dar-lhe a pena total, ou diminuir-lha. E,
em este caso, olhará o Julgador o modo, com que o delicto foi commettido, e as circunstâncias
delle, e a pessoa do menor; e se o achar em tanta malicia, que lhe pareça que merece total pena,
dar-lhe-há, postoque seja de morte natural. E parecendo-lhe que a não merece, poder-lha-há
diminuir, segundo a qualidade, ou simpleza, com que achar, que o delicto foi commettido. E
quando o delinqüente for menor de dezasete annos cumpridos, postoque o delicto mereça morte
natural, em nenhum caso lhe será dada, mas ficará em arbítrio do Julgador dar-lhe outra menor
pena. E não sendo o delicto tal, em que caiba pena de morte natural, se guardará a disposição do
Direito Comum” (sic).
247 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade no direito penal. São
Paulo: Malheiros, 2000, p. 21.
248 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade no direito penal. São
Paulo: Malheiros, 2000, p. 22.
249 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade no direito penal. São
Paulo: Malheiros, 2000, p. 23.
250 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade no direito penal. São
Paulo: Malheiros, 2000, p. 23.
251 Imperioso destacar que este posicionamento não é unânime na doutrina e na jurisprudência.
252 De acordo com o art. 78 do Código Penal de 1940, a periculosidade era legalmente presumida
nas seguintes hipóteses:
Portador de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado inteiramente
incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com este entendimento;
2. O agente que, em virtude de perturbação da saúde mental ou por desenvolvimento mental
incompleto ou retardado, estava privado da plena capacidade de entender o caráter criminoso do
fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento; 3. Condenado por crime cometido em
estado de embriaguez pelo álcool ou substância de efeitos análogos, se habitual a embriaguez; 4.
Reincidente em crime doloso; 5. Condenado por crime cometido em associação, bando ou
quadrilha de malfeitores.
253 O Código Penal de 1969 sequer chegou a entrar em vigor. No período correspondente à vacatio
legis – na qual foi inúmeras vezes prorrogada – tal diploma foi revogado antes mesmo do período
findar-se.
254 De acordo com a Exposição de Motivos do Código Penal de 1969 (item 16), diversas e
importantes propostas foram apresentadas em tema de imputabilidade fruto do largo exame que o
anteprojeto mereceu em todo o País. A Comissão Revisora elaborou, após demorados debates,
uma fórmula tecnicamente perfeita, a mesma que o grupo brasileiro levou à reunião realizada na
cidade do México pela Comissão Redatora do Código Penal Tipo para a América Latina e foi ali
aprovada. Todavia, a meticulosa consideração da realidade brasileira e, sobretudo, da longa
experiência com a aplicação do Código vigente desaconselhou uma alteração substancial, para
incluir também a grave perturbação da consciência como capaz de excluir a imputabilidade.
Parece certo que a fórmula do Código vigente, apesar de sua rigidez, não conduziu a soluções
iníquas ou a situações de responsabilidade sem culpa. É altamente duvidosa a conveniência de
ampliar a fórmula, comprometendo a eficiência da repressão com as incorreções e abusos a que
poderia dar lugar, nesta passagem essencial da lei a proposta da Comissão Revisora. Por essas
razões, na revisão final se manteve, basicamente, a disposição da lei vigente.
Em relação aos semi-imputáveis, inovação importante ocorre com a regra prevista no art. 94, que
adotou o sistema vicariante, para aplicação ou da pena ou da medida de segurança. O projeto
termina com o sistema do duplo binário (pena e medida de segurança detentiva sucessivamente
aplicadas). Esse sistema, que teve a missão histórica de conciliar duas tendências opostas está em
franco declínio por toda parte. No Brasil, afora uma ou outra malograda experiência, ele realmente
não chegou a ser posto em prática. [...] O projeto termina com o defeituoso sistema das medidas de
segurança detentivas para imputáveis. A pena, não obstante a sua natureza retributiva, deve ser
cumprida como uma medida de segurança, ou seja, tendendo à recuperação social do delinqüente.
As únicas medidas de segurança detentivas são a internação em manicômio judiciário e a
internação em estabelecimento psiquiátrico, anexo ao manicômio judiciário ou ao estabelecimento
penal.
255 O dispositivo ora apontado assim dispunha: Art. 94. A internação, em qualquer dos casos
previstos nos artigos precedentes, deve visar não apenas ao tratamento curativo do internado,
senão também ao seu afeiçoamento a um regime educativo ou de trabalho, lucrativo ou não,
segundo o permitirem suas condições pessoais.
256 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade no direito penal. São
Paulo: Malheiros, 2000, p. 27.
257 No item 22 da Lei n. 7.209/84, ou seja, da Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do Código
Penal, restou assim disposto: 22. Além das correções terminológicas necessárias, prevê o Projeto,
no parágrafo único, in fine, do art. 26, o sistema vicariante para o semi-imputável, como
conseqüência lógica da extinção da medida de segurança para o imputável. Nos casos fronteiriços
em que predominar o quadro mórbido, optará o juiz pela medida de segurança. Na hipótese
oposta, pela pena reduzida [...].
258 “A verdadeira responsabilidade (A RESPONSABILIDADE JUSTA) não é, porém, a
responsabilidade psicológica ou subjetiva (quantidade de livre arbítrio com que o réu delinqüiu)
nem a responsabilidade legal ou objetiva (pena descrita na parte especial do Código Penal) – a
primeira, por não ter medida numérica adequada; a segunda, por ser indefinida: por ir de tanto a
tanto. É, portanto a RESPONSABILIDADE PENAL, a responsabilidade medida, a
responsabilidade medida em pena, e que resulta do reajustamento das duas primeiras, realizado
por um cálculo numérico [...]” (MELLO, Lydio Machado Bandeira de. Manual de direito penal.
Responsabilidade penal. Das causas de isenção de pena. Da embriaguez. v. 3. Belo Horizonte:
Manuais da Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais, 1956, p. 111).
259 GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. v. I. t. I. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.
452.
260 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal – introdução e parte geral. 32. ed. São Paulo, 1997, p.
164.
261 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal – introdução e parte geral. 32. ed. São Paulo, 1997, p.
164.
262 JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Direito penal. 2. ed. São Paulo: Prima Cursos
Preparatórios, 2004, p. 96.
263 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal – introdução e parte geral. 32. ed. São Paulo, 1997, p.
165.
264 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal – introdução e parte geral. 32. ed. São Paulo, 1997, p.
165.
265 O art. 50 do Código Penal Militar, segundo o qual “o menor de 18 (dezoito) anos é inimputável,
salvo se, já tendo completado 16 (dezesseis) anos, revela suficiente desenvolvimento psíquico para
entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento” foi
parcialmente recebido pela Constituição Federal.
266 Há muito tem-se intentado diminuir a maioridade penal. Estudiosos do Direito têm debatido a
questão e parece que a discussão não tem previsão para findar-se. Há uma corrente que sustenta
não ser possível a redução da maioridade penal porque não se permite proposta de emenda
constitucional tendente a abolir direito e garantia individual. Trata-se, segundo essa corrente, de
previsão constitucional protegida pela cláusula pétrea. Outros entendem que a maioridade penal
pode ser reduzida sob o fundamento que o art. 60, § 4º, IV, da Constituição Federal não pressupõe
o entendimento que a questão não possa ser modificada.
267 GRECO, Rogério. Curso de direito penal – parte geral. 10. ed. Niterói: Ímpetus, 2008, p. 399.
268 São consideradas medidas socioeducativas, conforme preceitua o art. 112 da Lei n. 8.069/1990:
advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida,
inserção em regime de semiliberdade, internação em estabelecimento educacional e determinadas
medidas de proteção previstas no art. 101 da mesma lei.
269 O art. 101 da Lei n. 8.069/1990 prevê as seguintes medidas de proteção: encaminhamento aos
pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; orientação, apoio e acompanhamento
temporários; matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino
fundamental; inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao
adolescente; requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar
ou ambulatorial; inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento
a alcoólatras e toxicômanos; acolhimento institucional; inclusão em programa de acolhimento
familiar e colocação em família substituta.
270 Supremo Tribunal Federal: “Embriaguez. Isenção de pena. Suficiência. A embriaguez que isenta
o agente de pena é aquela decorrente de caso fortuito ou força maior que, mostrando-se completa,
revela que ao tempo da ação ou da omissão era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito
do fato, ou de determinar-se de acordo com esse entendimento” (DJU de 17-2-1995, p. 2.746 e
JSTF 199/374).
271 OLIVÉ, Juan Carlos Ferré et al. Direito penal brasileiro – parte geral. Princípios fundamentais
e sistema. São Paulo: RT, 2011, p. 481.
272 Entendemos que o conceito de embriaguez apresentado pelo autor traduz o conteúdo que o artigo
pretendeu dispor. Salientamos, porém, que o conceito apresentado não corresponde, em sua
totalidade, ao conceito de embriaguez alcoólica.
273 JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Direito penal. 2. ed. São Paulo: Prima Cursos
Preparatórios, 2004, p. 98.
274 Rogério Greco prefere analisar a embriaguez sob duas variações: voluntária e involuntária
(GRECO, Rogério. Curso de direito penal – parte geral. 10. ed. Niterói: Ímpetus, 2008, pp. 404-
405).
275 MELLO, Lydio Machado Bandeira de. Manual de direito penal. Responsabilidade penal. Das
causas de isenção de pena. Da embriaguez. v. 3. Belo Horizonte: Manuais da Faculdade de Direito
da Universidade de Minas Gerais, 1956, p. 288.
276 Para os indivíduos que não são dependentes, mas apenas usuários, aplicar-se-á a parte final do
inciso II do art. 28 do Código Penal.
277 PALOMBA, Guido Arturo. Tratado de Psiquiatria Forense Civil e Penal. São Paulo: Atheneu
Editora, 2003, p.368.
278 PALOMBA, Guido Arturo. Tratado de Psiquiatria Forense Civil e Penal. São Paulo: Atheneu
Editora, 2003, p.368.
279 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade no direito penal. São
Paulo: Malheiros, 2000, p. 91.
280 GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. v. I. t. I. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.
480.
281 GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. v. I. t. I. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, pp.
479-480.
282 GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. v. I. t. I. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, pp.
479-480.
283 GRECO, Rogério. Curso de direito penal – parte geral. 10. ed. Niterói: Ímpetus, 2008, p. 405.
284 A doutrina reconhece essa situação como embriaguez preordenada.
3 Da Inimputabilidade e Semi-
Imputabilidade de Acordo com o Critério
Biopsicológico

O presente capítulo destina-se a analisar as causas de inimputabilidade e


semi-imputabilidade decorrentes da adoção do critério biopsicológico. Em
razão disso, destacaremos, inicialmente, as considerações imprescindíveis
que levam à inimputabilidade do agente e, posteriormente, à semi-
imputabilidade.
3.1 Da inimputabilidade
De acordo com o caput do art. 26 do Código Penal, o autor é isento de
pena se, no momento da ação ou omissão, em virtude de doença mental ou
desenvolvimento incompleto ou retardado, era inteiramente incapaz de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento. Trata-se de causa que exclui a imputabilidade do agente e,
por conseguinte, justifica a isenção da pena.
Conforme observa Nélson Hungria,
Acolhendo o método biopsicológico o Código brasileiro inspirou-se, mas sem imitação
servil, no art. 10 do atual Código suíço, artigo este resultante de uma emenda apresentada
por Philip Thormann, quando da revisão (em 1916), do projeto helvético de 1908, e de que
foi antecedente o § 3º do projeto austríaco de 1912. O texto da fórmula austríaca é o
seguinte:
“Não é punível aquele que, no momento do fato, por motivo de perturbação ou deficiência
mental, ou alteração da consciência, não possui a capacidade de entender o caráter ilícito de
sua conduta ou de agir em conformidade com esse entendimento”.
[...]
A fórmula é menos ampla.
“Não é punível quem, por motivo de doença mental, de idiotia ou de grave alteração da
consciência, não possuía, ao tempo do fato, a faculdade de apreciar o caráter ilícito de sua
conduta ou de se determinar de acordo com essa apreciação”285.

De acordo com Hans Welzel, a capacidade para reconhecer o injusto e


atuar correspondentemente, pressupõe a integridade das forças psíquicas do
indivíduo, que são as que possibilitam a existência de uma personalidade
moral286. Para o autor, determinados estados mentais anormais entram em
discussão ao se tratar do pressuposto da incapacidade de culpa, quais sejam:
transtornos da consciência (transtornos transitórios da consciência de
duração mais ou menos extensa), perturbação patológica da atividade
mental (transtornos mentais e psicopatias de alto grau) e debilidade mental
(idiotia, imbecilidade, debilidade e transtornos patológicos de menor grau).
Segundo Hans Welzel, tais estados mentais podem ou não afastar por
completo a capacidade de culpa287.
Questão de tamanha importância diz respeito à interpretação do próprio
texto legal. Segundo o art. 26, a doença mental ou o desenvolvimento
mental incompleto ou retardado devem ser de tal gravidade que, ao tempo
da conduta, tornam o agente inteiramente incapaz de entender o caráter
ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (grifo
nosso)288.
Dessa forma, a existência por si só de doença mental ou desenvolvimento
mental incompleto ou retardado não exclui a imputabilidade do agente. A
atuação desses fatores deve ser necessariamente conjunta289. Assim, a
imputabilidade somente será afastada se, no momento da conduta humana
(comissiva ou omissiva), o agente, por doença mental ou desenvolvimento
mental incompleto ou retardado, era inteiramente incapaz de conhecer o
caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
A circunstância de o agente apresentar doença mental ou desenvolvimento mental
incompleto ou retardado (critério biológico) pode até justificar a incapacidade civil, mas
não é suficiente para que ele seja considerado penalmente inimputável. É indispensável que
seja verificado se o réu, ao tempo da ação ou da omissão, era inteiramente incapaz de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento
(critério psicológico). (...) A marcha processual deve seguir normalmente em caso de
dúvida sobre a integridade mental do acusado, para que, durante a instrução dos autos, seja
instaurado o incidente de insanidade mental, que irá subsidiar o juiz na decisão sobre a
culpabilidade ou não do réu. (HC 101.930, rel. min. Cármen Lúcia, j. 27-4-2010, 1ª. T, DJE
de 14-5-2010)

3.1.1 Do conteúdo da inimputabilidade


Segundo interpretação literal do art. 26 do Código Penal, somente é
considerado inimputável quem, em razão de doença mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado era, ao tempo da ação ou
omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento.
Conforme preceitua o dispositivo, somente a pessoa com doença mental
ou com desenvolvimento mental incompleto ou retardado pode ser
considerada inimputável, desde que verificadas as demais condições.
Reconhecemos como elementos constitutivos causais da inimputabilidade:
doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou desenvolvimento
mental retardado.
Quanto aos seus elementos constitutivos consequenciais290, destacamos a
completa incapacidade de entender o caráter ilícito dos fatos ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento.
Destacamos por fim que, sem a presença do elemento constitutivo
temporal (no momento da ação ou omissão), não há que falar em
inimputabilidade, ainda que verificados os dois elementos constitutivos
mencionados.

3.1.1.1 Dos elementos constitutivos causais da


inimputabilidade
3.1.1.1.1Doença mental291
A análise da legislação penal ora vigente permite verificar a
impossibilidade de encontrar o conceito de doença mental. Considerando
seu objeto de estudo, entendemos que seu conceito não compete
exclusivamente às ciências jurídicas, mas às ciências médicas.
De acordo com esse entendimento, o conceito de doença mental compete
à medicina, mais especificamente à psicopatologia forense.
Segundo Cláudio Cohen,
O campo de estudo da psicopatologia forense pode ser compreendido como a aplicação dos
conhecimentos provenientes da área da Saúde Mental em todos os casos de ordem civil,
penal ou laboral em que se torne necessária a comprovação do estado mental de um
indivíduo292.

O direito não pode caminhar em sentido contrário ao que vêm


preceituando as ciências médicas. Ao contrário, deve atentar-se a qualquer
entendimento técnico de quem o detém.
Segundo Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, para fins de
imputabilidade, não deve ser considerado o conceito de normalidade. Além
disso, compete somente aos psiquiatras esclarecer as características
psíquicas que dificultam ou facilitam a compreensão da “antijuridicidade no
momento da realização do injusto”293.
Segundo Antônio Carlos da Ponte, o termo “doença mental” empregado
no Código Penal alcança todas as alterações mórbidas da saúde mental,
independentemente da causa, referindo-se, assim, tanto às psicoses
endógenas ou congênitas, ou exógenas, à paralisia geral progressiva, e à
epilepsia, como às neuroses e aos transtornos psicossomáticos294.
Nélson Hungria, por sua vez, demonstrou grande preocupação quanto a
adequar-se o conceito de doença mental àquele determinado pela
psiquiatria. Assim, desde logo, ao abordar o tema, relatou a insatisfação de
determinados psiquiatras quanto ao emprego da expressão “doença mental”
e sugeriu a substituição do termo por “alienação mental”.
Segundo o autor, a preferência pela expressão “doença mental” deve-se ao
fato de esta abranger todas as psicoses, quer as orgânicas e tóxicas, quer as
funcionais:
A latitude da expressão “doença mental”, na interpretação do art. 22 do Código, tem por si
o apoio da psiquiatria moderna, e é tanto mais aceitável quanto o método biopsicológico é
preservativo contra uma exagerada admissão da irresponsabilidade. Assim, não há disparate
algum em que sejam colocadas sob tal rubrica as perturbações de atividade mental que se
ligam a certos estados somáticos ou fisiológicos mórbidos, de caráter transitório, como o
delírio febril e o sonambulismo295.

Na lição de Miguel Reale Júnior:


São, assim, doenças mentais as alterações orgânicas graves como paralisia progressiva,
demência senil, bem como a esquizofrenia e a psicose maníaco-depressiva e algumas
formas de oligofrenia, que também apresentam um substrato somático296.

Encontramos, por sua vez, entendimentos no sentido de que o termo


‘doença mental’ empregado no direito penal pátrio deve alcançar outras
situações que não se enquadram no rol nosológico da psiquiatria297.
Reconhecendo a diferença de conceitos empregados pelas duas ciências,
Maximiliano Roberto Ernesto Führer assinala que o conceito de doença
mental empregado no direito não corresponde exatamente àquele apontado
pela medicina298.
De acordo com Maximiliano Roberto Ernesto Führer, a doença mental
tratada no direito penal, capaz de afastar a imputabilidade do agente, deve
ser considerada de forma ampla e pode consistir em situações diversas das
doenças mentais propriamente ditas. Diante disso, segundo o autor, doença
mental consiste em
[...] toda manifestação nosológica, de cunho orgânico, funcional ou psíquico, episódica ou
crônica, que pode, eventualmente, ter como efeito a situação de incapacidade psicológica do
agente de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento.
[...]
O conceito e tomado de forma ampla, incluindo estados que não são propriamente doenças
mentais, como o desmaio e o delírio febril. É possível dizer, com Enrique Bacigalupo, que o
conceito jurídico de doença mental não se sobrepõe exatamente ao conceito médico de
enfermidade mental299.

Marcello Jardim Linhares entende por doença mental qualquer estado


patológico de ordem mental ou física (permanente ou temporária), desde
que influencie nas capacidades de entendimento e de vontade300.
Oportuno dispormos que, em 15 de fevereiro de 2023, o Conselho
Nacional de Justiça apresentou, por meio da Resolução n. 487 novo
conceito de “pessoas com transtorno mental ou com qualquer forma de
deficiência psicossocial”.
Art. 2º Para fins desta Resolução, considera-se:
I – pessoa com transtorno mental ou com qualquer forma de deficiência psicossocial: aquela
com algum comprometimento, impedimento ou dificuldade psíquica, intelectual ou mental
que, confrontada por barreiras atitudinais ou institucionais, tenha inviabilizada a plena
manutenção da organização da vida ou lhe cause sofrimento psíquico e que apresente
necessidade de cuidado em saúde mental em qualquer fase do ciclo penal,
independentemente de exame médico-legal ou medida de segurança em curso;

O conceito de doença mental empregado pelo Código Penal vigente tem


sido objeto de grandes e relevantes debates. Verificamos grande tendência,
dentre os doutrinadores, em ampliar o conceito ora apostado para quaisquer
outras circunstâncias suficientes para retirar do agente301, no momento da
conduta, a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-
se de acordo com esse entendimento.
Primeiramente, cumpre destacar que doença mental é um conceito
autônomo e independente de qualquer outra complementação. Isso significa
que seu o conceito não está intrinsecamente ligado à total incapacidade de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com tal
entendimento. Ou seja, a existência de uma doença mental não pode ser
considerada pressuposto necessário para que, quem a possua, tenham
afastadas as capacidades intelectiva e volitiva.
Entendemos também, que doença mental é uma terminologia empregada
pela psiquiatria e de sua ordem. Estender esse rol para alcançar outras
patologias, seria criar situação não prevista em lei.
A Organização Mundial da Saúde estabeleceu, na Classificação
Internacional das Doenças (CID-10), o rol de ‘doenças mentais’. Seria de
tamanha facilidade utilizá-lo para apontar quais são as doenças mentais
cientificamente reconhecidas. Devemos, porém, atentar para o fato de que
tal descrição não pressupõe necessariamente o reconhecimento de doenças
mentais. Segundo pesquisadores, o fato de determinado distúrbio encontrar-
se nesse rol somente indica a necessidade e a direção que a OMS quis
estabelecer aos especialistas para diagnosticar qualquer distúrbio.
Devemos considerar que a Organização Mundial de Saúde não apontou
com clareza o que vem a ser doença mental. Na lição de Cláudio Cohen,
Flávio Carvalho Ferraz e Marco Segre, “a saúde mental toma a definição de
saúde proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e postula que a
etiologia da doença mental é biopsicossocial”302.

3.1.1.1.1.1 Considerações históricas sobre o


conceito
A época exata do surgimento da expressão loucura é muito imprecisa,
contudo, apontam como certo que, desde o século XIII, ela abarca aqueles
que perderam a razão, o débil mental e os doidos em geral.
Desde os povos primitivos, os loucos tinham posição de destaque social.
Diversamente do seu perfil social atual, os loucos eram considerados
sagrados e mereciam grande veneração e respeito. Para Maximiliano
Roberto Ernesto Führer, “os índios americanos demonstravam respeito e
veneração pelos perturbados mentais, preparando cerimônias religiosas em
sua homenagem”303.
Segundo apontam Cláudio Cohen e José Álvaro Marques Marcolino:
Desde aurora da nossa civilização, a sociedade vem desenvolvendo lentamente uma
preocupação tanto com a relação entre os indivíduos portadores de doença mental como em
relação a seus direitos civis. Nas escrituras dos egípcios, na Bíblia e nas leis da Grécia e de
Roma existem anúncios precursores da futura relação entre os conceitos de Saúde Mental e
da Justiça. Por exemplo, no Código de Justiniano distinguiam-se nos agentes a insanidade
psíquica (furor), a demência (dementia), a estupidez (moria) e os alienados em geral (mente
capti). Os romanos regulavam os direitos civis de seus cidadãos, considerando os
imbecilitas como incapazes de dispor de seus próprios bens304.

Para os autores, “no século XX a.C, os egípcios atribuíam a histeria aos


movimentos do útero. O casamento era a solução curativa aconselhada para
as viúvas. Os pré-gregos já utilizavam a trepanação para curar algumas
disfunções cerebrais”305.
Durante a Idade Média, podemos sustentar que ou a loucura era
socialmente aceita – sob o fundamento de que os loucos tinham
participação ativa nos acontecimentos sociais –, ou simplesmente esta
circunstância passava despercebida pelos demais.
Tamanha sua aceitabilidade ou sua ‘desconsideração social’ que, no final
do século XV, a loucura passou a influenciar diretamente nas artes e na
cultura306.
Somente no século XVII a loucura passou a ser tratada com exclusão.
Assim, foram criados estabelecimentos específicos para o recolhimento das
pessoas com doença mental, os mendigos, os criminosos e as prostitutas.
Estes locais tinham o caráter de exclusão e não de tratamento ou de
reabilitação dessas pessoas. De objetos demonstrativos de afeição cultural,
passaram a ser marginalizados e submetidos a tortura e maus-tratos.
Somente com a Revolução Francesa as internações foram restritas aos
loucos.
Em meados de 1795, por meio de Philippe Pinel, a loucura deixou de ser
apreciada como possessão de espíritos malignos para assumir a qualidade
de problema de cunho moral.
Assim, o conceito de transtorno mental, como também a aceitabilidade ou
a suportabilidade social, passaram por várias mudanças ao longo dos anos.
O modo como hoje é compreendido o transtorno mental é muito diferente
do modo como se entendia o assunto no passado. Essa mudança pode ser
explicitada na interpretação da Classificação Internacional de Doenças
(CID-10), elaborada pela Organização Mundial da Saúde e da Associação
Americana de Psiquiatria.
A moderna psiquiatria apresenta três períodos de evolução do conceito,
considerados fundamentais: da Custódia (que se estendeu do final do século
XIX até a década de 1930), da Terapia (dentre as décadas de 1930 e 1950) e
da Saúde Mental (a partir do pós-guerra até os dias atuais).
No Período da Custódia – fundado sob o ponto de vista do naturalismo
proposto por Darwin sobre a seleção natural das espécies –, as pessoas com
doença mental eram consideradas mais fracas e, em razão disso,
dependeriam da ajuda dos mais fortes, mais precisamente do Estado, para
responsabilizar sua custódia.
Na lição de Cláudio Cohen,
Quanto à etiologia da doença mental, considerou-se, durante o período da custódia, que sua
origem se ligava a questões de ordem física e biológica. Esse ponto de vista achava-se
atrelado à descoberta na paralisia geral progressiva de um agente etiológico, o Treponema
pallidum, reforçando a expectativa de que toda doença mental poderia ter sua origem e
causa descobertas e, dessa maneira, ser combatida307.

Durante o Período da Custódia, competia única e exclusivamente ao


médico psiquiatra reconhecer a doença mental. O doente mental era
presumidamente considerado incompetente para realizar qualquer atividade
e, uma vez assim considerado, para sempre permanecia nessa condição, já
que a doença mental era vista como incurável. Os tratamentos consistiam
apenas no controle da doença.
Por fim, importante destacar que foi durante esse período que surgiram
grandes hospitais psiquiátricos como, por exemplo, o de Franco da Rocha,
em São Paulo.
No segundo Período, o da Terapia, o pensamento filosófico predominante
era o da escola positivista, no qual se buscava encontrar uma relação – um
nexo – entre a causa e o efeito dos acontecimentos. Assim, era necessária
uma metodologia que permitisse investigar os fenômenos da natureza para
chegar a conhecê-la308.
Segundo a teoria base do positivismo, somente seria aceitável qualquer
posicionamento se fosse possível sua comprovação científica.
De acordo com Cláudio Cohen,
Nesse período, a etiologia da doença mental começava a receber a influência das teorias de
enfoque psicológico e social que começavam a ser elaboradas. A psicanálise propunha um
modelo de funcionamento mental baseado nas instâncias do id, do ego e do superego,
enquanto o marxismo apontava para a origem social da doença mental. Começava a ocorrer,
assim, uma transformação no modo de se entender as alterações mentais, passando da
compreensão física e biológica para uma de base psicológica e social309.

Durante esse período, o hospital não tinha mais a função de custodiar o


doente mental, uma vez que já possuía condições para oferecer determinado
tratamento, que consistia na colaboração do próprio doente com o terapeuta
– relação essa indicada pelo médico.
Concomitantemente às melhoras eventualmente verificadas em alguns
pacientes, verificou-se um avanço no prognóstico da doença mental.
Contudo, não foi o suficiente para determinar o perfil dos doentes que
reagiriam positivamente a essa forma de tratamento. Apesar desse avanço
considerável, estudos se iniciaram para identificar as circunstâncias
responsáveis por essa diferenciação.
Os doentes mentais, em geral, não eram mais considerados incompetentes,
mas possuíam um potencial de competência – apesar de terem a capacidade
prejudicada.
Por fim, durante o Período da Saúde Mental, passou-se a chamar de saúde
mental:
Um período de desenvolvimento da psiquiatria característico dos últimos cinqüenta anos,
no qual linhas seqüenciais de desenvolvimento se rearranjaram, resultando em um modo
especial de observar a relação saúde-doença do indivíduo inserido na sociedade. Cabe
ressaltar que não estamos nos referindo a um acontecimento estático e isolado, em que a
estrutura de conhecimento pertinente a esse período abandona o que lhe antecedeu. [...] A
saúde mental surge como tentativa de se buscar pontos de encontro dos diversos momentos,
bem como de se adequar uma linguagem capaz de reunir modos de conhecimento a respeito
do funcionamento mental do ser humano, muitas vezes tão difícil de ser compreendido310.

Primeiramente, no que se refere à doença mental, importante ressaltar a


inexistência de um conceito sobre o assunto.
Quanto à doença mental, expressão vaga e sem maior rigor científico, é pacífico que estão
incluídas todas as moléstias que causam alterações mórbidas à saúde mental, sejam elas
orgânicas (paralisia progressiva, sífilis e tumores cerebrais, arteriosclerose etc.), tóxicas
(psicose alcoólica ou por medicamentos) ou funcionais (esquizofrenia, psicose maníaco-
depressiva etc.)311.

Durante esse período, “a saúde mental toma a definição de saúde proposta


pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e postula que a etiologia da
doença mental é biopsicossocial, ou seja, composta pela união dos enfoques
biológicos, psicológicos e sociais”. Tanto a psicanálise como a genética têm
papel fundamental na contribuição de diagnosticar o funcionamento mental.
O tratamento, por sua vez, passou a ser realizado por uma equipe
multiprofissional formada por psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais e
terapeutas ocupacionais, ou, ainda, um advogado – se da questão resultasse
alguma consequência jurídica.
Nesse período, o paciente deixou de ser considerado absolutamente
incompetente para tornar-se competente, inclusive para participar do seu
próprio processo de tratamento.
Com o avanço dessas transformações, o conceito de saúde passou a ser
entendido não mais como ausência de doença, mas como bem-estar
psicológico, biológico e social.
No Período da Saúde Mental, a psicanálise, a psicofarmacologia, a
psiquiatria biológica, a psicologia, a antropologia e a sociologia foram
fundamentais para alterar o conceito de saúde mental e o funcionamento da
mente. Assim, o reconhecimento de doença mental, no caso concreto, não
depende exclusivamente do parecer do médico psiquiatra, mas de uma
equipe multidisciplinar.

3.1.1.1.2 Desenvolvimento mental incompleto ou


retardado
Na lição de Nélson Hungria, nessas expressões agrupam-se não só os
deficitários congênitos do desenvolvimento psíquico ou oligofrênicos,
como os que o são por carência de certos sentidos, e até mesmo os
silvícolas inadaptados. Esclarece, ainda, que desenvolvimento mental
retardado é o que não pode chegar à maturidade psíquica, enquanto
desenvolvimento mental incompleto é o que ainda não concluiu312.
Enquanto a doença mental abrange todas as manifestações mórbidas do funcionamento
psíquico, impedindo o indivíduo de adaptar-se às normas reguladoras da vida em sociedade,
o desenvolvimento mental incompleto ou retardado dirige-se àqueles que não alcançaram
um estágio de maturidade psicológica razoável, ou que, por causas patogênicas ou do meio
ambiente em que vivem, tiveram retardado o desenvolvimento das faculdades mentais313.
No amplo quadro dos criminosos que revelam desenvolvimento mental incompleto ou
retardado estão os idiotas, portadores de um grave estado de insuficiência mental congênita
e que representa o cálculo mais baixo do retardamento mental. De sentimentos afetivos
rudimentares, com capacidade de querer só pelos lados do instinto, o idiota tem nula sua
responsabilidade penal, tais as deformações cerebrais que apresenta, as atrofias das
circunvoluções do cérebro e escleroses diversas. Sua atenção é escassíssima, sua
representação é pobre, impedindo até o desenvolvimento da palavra, ficando a vida
reduzida ao instinto, que apenas se mostra desenvolvido no ângulo da sexualidade. O seu
quociente intelectual é igual a 20 e sua própria fisionomia retrata, no comum das vezes, sua
miséria mental314.
Tem-se por desenvolvimento mental incompleto a noção de psiquismo
que ainda não se desenvolveu por completo. Estão acobertadas nesse
diagnóstico as seguintes situações: surdo-mudez315, cegueira, silvícola não
aculturado ou também conhecido como silvícola puro316, apedeutismo317 e
menor de dezoito anos.
Na lição de Cezar Roberto Bitencourt, desenvolvimento mental
incompleto diz respeito ao que ainda não se concluiu, abrangendo somente
os surdos-mudos e os silvícolas inadaptados. Declina o autor que é a
psicopatologia forense quem determinará, em cada caso concreto, se a
anormalidade produz a incapacidade apontada pela lei318.
O autor ainda inclui nesse rol os menores de idade, mas ressalta que, por
presunção legal absoluta, estão fora da imputabilidade. De acordo com o
art. 27, aos menores de dezoito anos será aplicada legislação penal
específica.
Quanto aos silvícolas, há quem sustente que, no país, ao longo do século
XX, foram considerados inimputáveis os silvícolas inadaptados. O
fundamento de tal entendimento estava baseado na previsão da
incapacidade relativa dos silvícolas, de acordo com o Código Civil de 1916,
e na caracterização desses indivíduos como deficientes mentais pela
Exposição de Motivos do Código Penal de 1940.
Na lição de Juan Carlos Ferré Olivé et. al., a situação em que se
encontram esses indivíduos passou a ser chamada de diversidade
sociocultural319. Atualmente, não se fala mais que são pessoas com
desenvolvimento mental incompleto. Não se admite mais que, por força de
diferença sociocultural, tenha a capacidade mental considerada incompleta.
Imprescindível ressaltar que, na hipótese de os indígenas praticarem uma
conduta típica e ilícita, desconhecendo que o fato configura um tipo penal,
não caberá o reconhecimento da sua inimputabilidade e, por consequente, a
imposição de medida de segurança. Tal hipótese é ensejadora para o
reconhecimento do erro de proibição e, por conseguinte, de isenção da
pena.
Segundo Guido Arturo Palomba, retardo mental “caracteriza-se por déficit
de inteligência, que pode ocorrer sem qualquer outro transtorno psíquico,
embora indivíduos mentalmente retardados possam apresentar certos
transtornos psíquicos, de modo associado”320.
O retardado mental é portador de funcionamento intelectual significativamente inferior à
média, o que vem a gerar inabilidades sociais, pessoais, psíquicas, culturais, tanto mais
graves quanto maior for o grau de retardamento321.

O autor subdivide o “retardo mental” em três graus: leve, moderado e


grave322.
O retardo mental em grau leve é caracterizado pela diminuição da
inteligência (debilidade mental). Ressalta ainda que os indivíduos com esse
tipo de retardo mental, em sua maioria, conseguem viver com relativa
independência, chegando, inclusive, a constituir família e trabalhar. No
trabalho, praticam suas atividades de forma mais lenta que os demais.
O retardo mental em grau moderado (imbecilidade) é responsável por
tornar o indivíduo deficiente em associar as ideias, em compreender e
empregar a linguagem.
Os retardados mentais moderados que têm boa mobilidade são capazes de executar certos
trabalhos braçais, pois acabam entendendo instruções simples, e os que não aprenderam a
usar a linguagem conseguem se comunicar com os que com eles convivem, por meio de
sinais simples. Outros emitem sons ou palavras monossilábicas, suficientes para manter a
comunicação323.

Por fim, as pessoas com retardo mental em grau grave (idiotia) são
aqueles que vivem em estado semivegetativo ou vegetativo. São incapazes
de praticar quaisquer atos que exijam complexidade, ainda que de menor
grau. Outro traço característico, mas não presente em todos os indivíduos, é
a linguagem na forma mais primitiva: emissão de ruídos ou som
ininteligíveis.
Cezar Roberto Bitencourt entende que as pessoas com desenvolvimento
mental retardado são aquelas que não atingiram a maturidade psíquica. Em
regra, nessas hipóteses, aparecem com alguma frequência as dificuldades
dos chamados casos fronteiriços, particularmente nas oligofrenias, em que o
diagnóstico não oferece a segurança desejada324.

3.1.1.2 Dos elementos constitutivos consequenciais


da inimputabilidade
Conforme observamos no art. 26, caput do Código Penal, não basta que o
agente sofra de doença mental ou tenha o desenvolvimento mental
incompleto ou retardado. O tipo impõe que, em razão da existência dessas
circunstâncias, o agente seja inteiramente incapaz de entender o caráter
ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com tal entendimento.
Desta feita, se o agente possuir doença mental ou o desenvolvimento
mental incompleto ou retardado e estes não forem capazes e suficientes para
afastar completamente as capacidades intelectiva ou volitiva do indivíduo,
não há que falar em inimputabilidade.
Cezar Roberto Bitencourt ressalta:
Para o reconhecimento da existência da incapacidade é suficiente que o agente não tenha
uma das capacidades: de entendimento e de autodeterminação. É evidente que, se falta a
primeira, ou seja, não tem capacidade de avaliar os próprios atos, de valorar sua conduta,
positiva ou negativa, em cotejo com a ordem jurídica, o agente não sabe e não pode saber a
natureza valorativa do ato que pratica. Faltando essa capacidade, logicamente também não
tem a de autodeterminar-se, porque a capacidade de autocontrole pressupõe a capacidade de
entendimento. O indivíduo controla ou pode controlar, isto é, evitar aquilo que sabe que é
errado. [...]
Agora, o oposto não é verdadeiro: o agente pode ter perfeitamente íntegra capacidade de
discernimento, de valoração, saber perfeitamente o que é certo e o que é errado e, no
entanto, não ter a capacidade de autocontrole, de autodeterminação325.

César Dario Mariano da Silva trata esses elementos como requisitos


normativos da imputabilidade, os quais se resumem em capacidade de
entender e de querer no momento do fato326.
Segundo o autor, são requisitos normativos da imputabilidade: o
intelectivo e o volitivo; o intelectivo consiste na capacidade de entender o
caráter ilícito do fato; já o volitivo compreende a capacidade de
autodeterminação327.
Nélson Hungria os reconhece como critérios psicológicos da
responsabilidade328.

3.1.1.2.1 Incapacidade de entender o caráter ilícito


do fato
Tem-se pela incapacidade de entender o caráter ilícito do fato o “momento
da responsabilidade”. É a possibilidade ou a faculdade de compreender que
o fato é reprovável pela ordem jurídica329.
Quem, em detrimento de doença mental ou desenvolvimento mental
incompleto ou retardado, não possuir plena capacidade para reconhecer que
o fato a ser praticado é considerado ilícito penal, deve ter reconhecida a sua
inimputabilidade.
Assim ressalta Nélson Hungria:
Não se trata, aqui, da efetiva ou possível consciência da injuricidade objetiva, que, como já
vimos, é requisito da culpabilidade, mas da capacidade de discernimento ético-jurídico in
genere, no momento da ação ou omissão. Tal capacidade deve ser entendida no sentido da
possível consciência ético-jurídica normal ou comum. Como o Direito é um minus em
relação à moral, pode dizer-se que a capacidade de entendimento ético faz presumir a
possibilidade de consciência jurídica. Em outros termos: a possibilidade de consciência do
dever ético é presunção da possibilidade de consciência do dever jurídico330.

A doutrina vai além. Segundo Nélson Hungria, para que esteja presente o
requisito normativo ora apontado, basta que o agente tenha a capacidade de
perceber que o fato seja possivelmente criminoso – o que difere do efetivo
conhecimento de que tal ato realmente o seja331.
A valoração da consciência da ilicitude de determinado indivíduo deve ser
apreciada segundo o conhecimento que todo homem médio possui em
relação ao direito. “A consciência da ilicitude abrange a compreensão da
lei, entendida de forma profana, da existência e dos limites reais das causas
de antijuridicidade e da posição de garante”332.
Dessa forma, importante esclarecer que exclui a imputabilidade do agente
se, em razão das circunstâncias psíquicas mencionadas, foi suprida a sua
falta de consciência acerca da ilicitude dos atos praticados.

3.1.1.2.2 Incapacidade de determinar-se de acordo


com
esse entendimento
O segundo elemento da inimputabilidade diz respeito ao requisito
volitivo, que consiste na capacidade de autodeterminação, ou seja, na
possibilidade de dirigir a conduta de acordo com o entendimento ético-
jurídico333.
Trata-se da capacidade de resistência ou de inibição ao impulso criminal.
Nélson Hungria ressalta que tal requisito diz respeito à capacidade de
autodeterminação não no sentido filosófico, mas no sentido empírico ou da
vida habitual334.
É, em última análise, a capacidade de ajustar a ação aos motivos, a faculdade de agir
normalmente, de conformar a conduta a motivos razoáveis. Sabe-se que há certas
anormalidades psíquicas, bem definidas como entidades nosológicas, que podem interessar
só uma ou outra das citadas condições da responsabilidade; mas esta é excluída pela
ausência de qualquer delas335.

César Dario Mariano da Silva associa o requisito à capacidade do agente


de conter seus atos. Ele pode até ter conhecimento de que o ato é
reprovável, mas não consegue conter-se336.
A incapacidade de determinar-se de acordo com o entendimento do
caráter ilícito do fato não retira ou diminui a capacidade intelectual do
agente em conhecer a ilicitude do fato. O que configura o requisito é sua
incapacidade de agir conforme a razão e a prática de atos resultantes de um
impulso interno irresistível.
A incapacidade de “determinar-se de acordo com esse entendimento” pressupõe a
existência de entendimento pleno acerca da ilicitude do fato, nos moldes referidos linhas
antes. Isto significa que o agente sabe que está cometendo um possível crime, mas mesmo
assim pratica a conduta típica337.

Por fim, a capacidade de autodeterminação do agente consiste na


capacidade psíquica de compreender o alcance das suas condutas; na
possibilidade de escolha criteriosa entre duas ou mais ações.
3.2 Da semi-imputabilidade338
A semi-imputabilidade está prevista no parágrafo único do art. 26 do
Código Penal. De acordo com o dispositivo, é considerado semi-imputável
quem, ao tempo da ação ou omissão, em virtude de perturbação mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não possui plena
capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de
acordo com esse entendimento339.
De acordo com Hilário Veiga de Carvalho et. al., o Código italiano de
1889 foi um dos primeiros a incluir em redação a responsabilidade
atenuada340.
Em face do parágrafo único do art. 22, a responsabilidade subsiste quando a causa biológica
não é de molde a suprimir totalmente a capacidade de entendimento ético-jurídico ou de
autogoverno; mas, em tal caso, é autorizada a redução da pena, de um a dois terços341.

A expressão adotada pelo Código Penal tem provocado diversas críticas.


Há muito discutiu-se a potencial existência de uma categoria intermediária
entre a doença mental e a normalidade psíquica. Findando a controvérsia e
defendendo a possibilidade de uma classificação intermediária, Basileu
Garcia ressalta que a natureza não faz saltos entre a normalidade e a
anormalidade. Há, entre elas, graus intermediários. Só resta apurar se esses
indivíduos devem ou não ser responsáveis342.
Segundo Nélson Hungria, não há que falar mais na existência de
semiloucos ou semirresponsáveis, mas na existência de uma classe que não
se enquadra nas classificações de saúde mental e loucura. Segundo o autor,
há um estado psíquico que diminui a capacidade de discernimento ou de
autoinibição ao impulso criminoso e que não se enquadra nos limites
apontados (saúde mental – loucura).
Atualmente, porém, pode dizer-se que o dissídio está superado: não há semiloucos ou semi-
responsáveis, mas entre a saúde mental e a loucura há estados psíquicos que representam
uma variação mórbida da norma, embora alheios à órbita da loucura ou doença mental, e os
seus portadores são responsáveis, mas com menor culpabilidade, em razão de sua
inferioridade bio-ético-sociológica, isto é, de sua menor capacidade de discernimento ético-
social ou de auto-inibição ao impulso criminal343.
3.2.1 Do conteúdo da semi-imputabilidade
A semi-imputabilidade deve ser reconhecida quando presente alguma
perturbação mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado
que torne o indivíduo parcialmente incapaz de entender o caráter ilícito do
fato ou de determinar-se de acordo com tal entendimento.
O que a difere da inimputabilidade é a necessidade da existência de
perturbação mental, e não de doença mental; e a exigência de que o
desenvolvimento mental incompleto ou retardado retire somente
parcialmente a capacidade do agente de entender o caráter ilícito do fato ou
de determinar-se de acordo com tal entendimento.
Não se trata mais de doença mental, mas de perturbação mental, o que enquadraria as
psicopatologias, em especial a falha de caráter do portador de personalidade psicopática, ou
anormal, que apresenta grau considerável de inteligência, mas ausência de afetividade, de
sentimentos, e logo de arrependimento344.

Em razão da divergência dos requisitos presentes no caput e parágrafo


único do art. 26 do Código Penal (saúde mental e perturbação da saúde
mental, respectivamente), imprescindível extrairmos do texto legal a
expressão ‘perturbação da saúde mental’ para prestar-lhe maiores
considerações.

3.2.1.1 Dos elementos constitutivos causais da


semi-imputabilidade
3.2.1.1.1 Perturbação da saúde mental
São consideradas perturbações da saúde mental as alterações do
pensamento, das emoções e do comportamento. Segundo Nélson Hungria,
há quem decline que as expressões ‘doença mental’ e ‘perturbação da saúde
mental’ são sinônimas, porém aponta que, apesar de considerar toda doença
mental como uma perturbação da saúde mental, a recíproca não deve ser
considerada verdadeira345.
Maximiliano Roberto Ernesto Führer critica esta posição: “o conceito de
doença mental é elástico e abrange estados próximos, de modo que toda
doença mental perturba a saúde mental e toda perturbação da saúde mental
deve receber tratamento de doença, no mundo do Direito”346.
Segundo o autor, a justificativa para o legislador ter empregado a
expressão “perturbação da saúde mental” é a de que algumas anomalias
(neuroses, psicopatias e dependências não graves) “geralmente têm
potencial apenas para turbar parcialmente a consciência da ilicitude da
conduta”347.
Apesar dessa inclinação doutrinária, o autor rechaça veementemente esse
posicionamento348. Para Maximiliano Roberto Ernesto Führer, “os efeitos
de determinada anomalia dependem da gravidade, das circunstâncias e
especialmente da predisposição do indivíduo”349.
Segundo Nelson Hungria e Heleno Claudio Fragoso, houve um período na
história em que muito se divergiu acerca da possibilidade de uma zona
fronteiriça entre a saúde e a doença mental350. Para melhor explicitar,
abordaram duas teorias que dizem respeito à possibilidade de existência
dessa zona intermediária. Segundo a teoria dos “dois blocos” – na qual se
afiliou a escola positiva –, ou o agente é ou não é considerado louco; não há
meio termo. A teoria do “bloco único”, por sua vez, sustenta não ser
possível traçar uma linha limítrofe entre o que vem a ser normalidade
psíquica ou doença mental, porém aponta a existência dos chamados
“fronteiriços” (assim chamados porque se encontram em um grau de
passagem entre a sanidade e a insanidade e, por essa razão, não podem ser
considerados inimputáveis).
Apesar dessas divergências, segundo a doutrina, pertencem a esse grupo
psíquico todos aqueles que “são uma mistura de caracteres normais e
caracteres anormais. São os degenerados ou inferiorizados psíquicos”351.
Ou seja, são todos aqueles que possuem inferiorização psíquica, mas não se
incluem no quadro de doença mental; ou seja, possuem personalidade
diversa daquela do tipo normal.

3.2.1.1.2 Desenvolvimento mental incompleto ou


retardado
O Código Penal reconhece que, em razão de desenvolvimento mental
incompleto ou retardado, o indivíduo pode ser total (inimputabilidade) ou
parcialmente (semi-imputabilidade) incapaz de compreender o caráter
ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento –
condições psíquicas que já foram aqui abordadas.
Importante, no entanto, frisar que o desenvolvimento mental incompleto
ou retardado somente implicará a determinação da semi-imputabilidade do
agente se for determinante para retirar parcialmente a compreensão do
caráter ilícito do fato ou de autodeterminação.
A semi-imputabilidade, conforme se depreende da leitura do art. 26, parágrafo único, do
CP, não constitui causa de isenção da responsabilidade, pois não suprime a capacidade de o
réu entender o caráter criminoso do fato ou de autodeterminar-se segundo tal entendimento,
antes a considerando enfraquecida, diminuída, e subsistindo, portanto, sua responsabilidade,
facultando ao Juiz a redução da pena (TACrimSP – AC – rel. Devienne Ferraz –
j.21.03.2000 – RT 780/622)

3.2.1.2 Dos elementos constitutivos consequenciais


da semi-imputabilidade
3.2.1.2.1 Incapacidade de entender o caráter ilícito
do fato ou de autodeterminar-se de acordo com
tal entendimento
Em razão de perturbação da saúde mental ou desenvolvimento mental
incompleto ou retardado, o agente deve encontrar-se, no momento dos
fatos, parcialmente incapaz de compreensão normativa352 ou de
determinação.
Júlio Fabbrini Mirabete e Renato Fabbrini entendem que na semi-
imputabilidade o indivíduo é considerado imputável, mas por despender
maior esforço para conhecer o caráter ilícito do fato e autodeterminar-se,
sua conduta é considerada de menor reprovabilidade353.
Por fim, o que difere a inimputabilidade da semi-imputabilidade acerca da
matéria é o grau de incapacidade para compreender o caráter ilícito do fato
ou determinar-se de acordo com esse entendimento. Enquanto a
inimputabilidade exige que essa incapacidade seja total, a semi-
imputabilidade é reconhecida quando essa capacidade é parcialmente
diminuída.
3.3 Consequências jurídico-penais
Também conhecida como medida de correção e segurança pelo direito
alemão, a medida de segurança possui caráter estritamente preventivo
(especial) e é considerada uma das consequências jurídicas do crime354.
A medida de segurança constitui forma de imposição de ‘tratamento’
aplicável a determinados agentes que tenham praticado fato definido como
crime e sejam considerados, por lei, perigosos. Essa periculosidade deve,
para imposição da medida de segurança, ser constatada na época dos fatos e
nos momentos que se seguem355.
Por força do art. 97, caput, do Código Penal, ao inimputável impõe-se
medida de segurança de internação ou tratamento ambulatorial. Segundo o
dispositivo em tela, a forma como o agente cumprirá a medida de segurança
dependerá exclusivamente da espécie da pena privativa de liberdade
(reclusão ou detenção).
Aos crimes apenados com pena de reclusão, impõe-se a medida de
segurança de internação; aos apenados com pena de detenção, o tratamento
ambulatorial.
Aos considerados semi-imputáveis aplica-se o sistema vicariante356. De
acordo com esse sistema, o juiz poderá optar por reduzir a pena privativa de
liberdade de um a dois terços ou substituí-la por medida de segurança (art.
98, do Código Penal).
Há de se observar que a lei estabeleceu a natureza da pena como critério
de determinação da medida de segurança a ser imposta. Assim, se para o
fato praticado for prevista pena de reclusão, o agente deverá ser internado
em Hospital de Custódia; se prevista pena de detenção, receberá tratamento
ambulatorial.
De outro prisma, verificamos que o legislador preferiu voltar-se para a
natureza da pena imposta ao crime praticado, a verificar as reais condições
e necessidades psíquicas de quem o praticou.
Corroboramos com o entendimento apregoado por Jaques de Camargo
Penteado e Oswaldo Henrique Duek Marques de que a forma como a
redação legal foi elaborada nos dá a ideia de que a periculosidade do agente
está sempre ligada à prática de determinadas infrações357.
A medida de segurança deve ser imposta de acordo com as condições do
autor dos fatos e das circunstâncias necessárias para seu tratamento. Impor
qual a melhor medida de tratamento à pessoa com anomalia psíquica a
partir de dois critérios objetivos coloca o magistrado em posição
insustentável.
Apesar dessa determinação legal, há entendimento no sentido de que, se
não houver prova de maior periculosidade ou recomendação médica, a
substituição das medidas se impõe. Tratamento inverso, por sua vez, tem
previsão legal no art. 184 da Lei n. 7.210/1984. Assim, se o agente revelar
incompatibilidade com a medida, o tratamento ambulatorial poderá ser
convertido. A medida de segurança deve ser a mais adequada à situação
psíquica do sujeito.
A imposição das medidas de segurança relacionadas às espécies de pena
trata-se, na verdade, de uma recomendação. A substituição vem a ser o
retrato da realidade. Não há como aplicar a medida mais adequada,
avaliando-se objetivamente a pena que seria eventualmente aplicada ao
agente.

285 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. v. 1. t. II. 6.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, pp. 262-265.
286 WELZEL, Hans. Derecho penal – parte general. Buenos Aires: Roque Depalma, 1956, p. 166.
287 WELZEL, Hans. Derecho penal – parte general. Buenos Aires: Roque Depalma, 1956, pp. 166-
167.
288 Tal referência deve-se ao fato de alguns doutrinadores desconsiderarem a conjunção
coordenativa alternativa ‘ou’ e tratam o requisito in fine como conjunção coordenativa aditiva.
289 O mesmo preceito aplica-se à hipótese de semi-imputabilidade.
290 Resolvemos por assim denominá-los, pois sua presença depende necessariamente da existência
dos elementos constitutivos principais.
291 Enrique Ferri destaca a dificuldade de apresentar a condição jurídico-penal dos enfermos mentais
que praticaram fato delitivo (FERRI, Enrique. Principios de derecho criminal. Delincuente y
delito em la ciência, em la legislacion y em la jurisprudência. Trad. José Arturo Rodriguez Muñoz.
Madrid: Reus, 1933, p. 643).
292 COHEN, Cláudio; FERRAZ, Flávio Carvalho; SEGRE, Marco (org.) Saúde mental, crime e
justiça. 2. ed. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2006, p. 17.
293 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal
brasileiro – parte geral. 9. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 543.
294 PONTE, Antônio Carlos da. Inimputabilidade e processo penal. São Paulo: Quartier Latin,
2007, pp. 42-43.
295 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. v. 1. t. II. 6.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 270.
296 REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de direito penal – parte geral. 3. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2009, p. 208.
297 Marcello Jardim Linhares ressalta que no direito penal italiano, a diversidade da terminologia
(enfermidade da mente, psicoses, distúrbios da atividade da mente, incapacidade de entender ou
querer etc.) torna dificultoso sustentar um conceito exato de doença mental (LINHARES,
Marcello Jardim. Responsabilidade penal. t. I. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 24).
298 Assim assinala o autor: “o conceito é tomado de forma ampla, incluindo estados que não são
propriamente doenças mentais, como o desmaio e o delírio febril. É possível dizer, com Enrique
Bacigalupo, que o conceito jurídico de doença mental não se sobrepõe exatamente ao conceito
médico de enfermidade mental” (FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da
inimputabilidade no direito penal. São Paulo: Malheiros, 2000, pp. 55-56).
299 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade no direito penal. São
Paulo: Malheiros, 2000, pp. 55-56.
300 LINHARES, Marcello Jardim. Responsabilidade penal. t. I. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p.
23.
301 Marcello Jardim Linhares destaca que o conceito de doença mental deve abarcar não somente a
enfermidade psíquica, mas também a enfermidade física que provoque reflexos sobre a capacidade
de entendimento e vontade (LINHARES, Marcello Jardim. Responsabilidade penal. t. I. Rio de
Janeiro: Forense, 1978, p. 23).
302 COHEN, Cláudio; FERRAZ, Flávio Carvalho; SEGRE, Marco (org.) Saúde mental, crime e
justiça. 2. ed. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2006, p. 25.
303 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade no direito penal. São
Paulo: Malheiros, 2000, p. 16.
304 COHEN, Cláudio; FERRAZ, Flávio Carvalho; SEGRE, Marco (org.) Saúde mental, crime e
justiça. 2. ed. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2006, p. 17.
305 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade no direito penal. São
Paulo: Malheiros, 2000, p. 16.
306 Maximiliano Roberto Ernesto Führer ressaltou a obra de Erasmo de Rotterdam, Elogio da
loucura, oportunidade em que o artista considerava a loucura como fonte de criatividade.
307 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade no direito penal. São
Paulo: Malheiros, 2000, p. 21.
308 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade no direito penal. São
Paulo: Malheiros, 2000, p. 22.
309 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade no direito penal. São
Paulo: Malheiros, 2000, p. 22.
310 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade no direito penal. São
Paulo: Malheiros, 2000, pp. 23-24.
311 MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Código penal interpretado. 6. ed. São
Paulo: Atlas, 2007, p. 264.
312 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. v. 1. t. II. 6.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, pp. 270-271.
313 PONTE, Antônio Carlos da. Inimputabilidade e processo penal. São Paulo: Quartier Latin,
2007, p. 46.
314 LINHARES, Marcello Jardim. Responsabilidade penal. t. I. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p.
27.
315 “[...] quanto mais precoce for a instalação do defeito, tanto maior e mais evidente será a
deficiência, que costuma vir acompanhada, via de regra, de um psiquismo que flui com incerteza,
inferioridade, labilidade emotiva, impulsividade e dificuldade de relacionamento com o mundo,
isso quando não vem acompanhada de desenvolvimento mental retardado ou com dano
neuropsiquiátrico.” O autor ainda ressalta que se houver transtorno mental concomitante, a surdo-
mudez deve ser considerada como doença mental e não como desenvolvimento mental incompleto
(PALOMBA, Guido Arturo. Tratado de psiquiatria forense civil e penal. De acordo com o
Código Civil de 2002. São Paulo: Atheneu, 2003, p. 502).
316 De acordo com Guido Arturo Palomba, o silvícola puro “possui maneira de pensar, de agir e de
sentir próprias de sua comunidade, profundamente diferentes do homem civilizado. Entre os
conceitos totalmente divergentes estão a noção de coletividade e de individualidade, de
propriedade, de ambição e de desapego. [...] O comportamento dos índios, embora tenha nuances
de tribo para tribo, de maneira geral tende à apatia, à frieza e à insensibilidade [...]” (PALOMBA,
Guido Arturo. Tratado de psiquiatria forense civil e penal. De acordo com o Código Civil de
2002. São Paulo: Atheneu, 2003, p. 505).
317 Apedeutismo corresponde à figura de indivíduos considerados ignorantes por não saberem ler e
escrever e não terem acesso (ou, ainda que tenham acesso, mas não tenham contato) aos sistemas
de comunicação.
318 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 10. ed. São Paulo:
Saraiva, 2006, p. 443.
319 OLIVÉ, Juan Carlos Ferré et al. Direito penal brasileiro – parte geral. Princípios fundamentais
e sistema. São Paulo: RT, 2011, p. 467.
320 PALOMBA, Guido Arturo. Tratado de psiquiatria forense civil e penal. De acordo com o
Código Civil de 2002. São Paulo: Atheneu, 2003, p. 483.
321 PALOMBA, Guido Arturo. Tratado de psiquiatria forense civil e penal. De acordo com o
Código Civil de 2002. São Paulo: Atheneu, 2003, p. 483.
322 PALOMBA, Guido Arturo. Tratado de psiquiatria forense civil e penal. De acordo com o
Código Civil de 2002. São Paulo: Atheneu, 2003, pp. 486-487.
323 PALOMBA, Guido Arturo. Tratado de psiquiatria forense civil e penal. De acordo com o
Código Civil de 2002. São Paulo: Atheneu, 2003, p. 487.
324 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 10. ed. São Paulo:
Saraiva, 2006, p. 444.
325 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 10. ed. São Paulo:
Saraiva, 2006, p. 440.
326 SILVA, César Dario Mariano da. Manual de direito penal – parte geral. v. 1. 4. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2006, p. 144.
327 SILVA, César Dario Mariano da. Manual de direito penal – parte geral. v. 1. 4. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2006, p. 144.
328 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. v. 1. t. II. 6.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 288.
329 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. v. 1. t. II. 6.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 288.
330 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. v. 1. t. II. 6.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, pp. 288-289.
331 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. v. 1. t. II. 6.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 289.
332 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade no direito penal. São
Paulo: Malheiros, 2000, p. 51.
333 Segundo Maximiliano Roberto Ernesto Führer, “a singela vontade de praticar o crime não é
dirimente e, neste caso, o agente será totalmente responsável. A exclusão da culpabilidade ocorre
se a enfermidade mental chega a causar incapacidade de autodeterminação, por eversão, adversão
e perversão, que são os mecanismos de adulteração da vontade. Eversão é a subversão das
atividades volitivas. Ocorre na psicose maníaco-depressiva e nas demais manias. Adversão é a
redução ou ablação daquelas atividades, como por exemplo, acontece nas depressões em geral, no
autismo e nas síndromes de diminuição do impulso vital. Perversão é todo o desvio mórbido da
vontade que atinge o caráter, especialmente no que se refere aos limites esperados como normais.
É encontrável amiúde nas personalidades psicopáticas” (FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto.
Tratado da inimputabilidade no direito penal. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 52).
334 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. v. 1. t. II. 6.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 289.
335 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. v. 1. t. II. 6.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 289.
336 SILVA, César Dario Mariano da. Manual de direito penal – parte geral. v. 1. 4. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2006, p. 144.
337 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade no direito penal. São
Paulo: Malheiros, 2000, p. 53.
338 Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli declaram discordar das terminologias
‘imputabilidade diminuída’ e ‘semi-imputabilidade’ “pois trata-se de hipóteses em que há delito,
com todos os seus caracteres, inclusive, logicamente, a culpabilidade que, em tal situação,
apresenta um menor grau de censurabilidade, em virtude de uma perturbação da consciência que
não chega a configurar uma inimputabilidade” (ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José
Henrique. Manual de direito penal brasileiro – parte geral. 9. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 548).
339 Cezar Roberto Bitencourt critica as expressões imputabilidade diminuída ou semi-
imputabilidade ao afirmar que são “absolutamente impróprias, pois, na verdade, soam mais ou
menos com algo parecido como semivirgem, semigrávida, ou então como uma pessoa de cor
semibranca! Em realidade, a pessoa, nessas circunstâncias, tem diminuída sua capacidade de
censura, de valoração, consequentemente a censurabilidade de sua conduta antijurídica deve sofrer
redução” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 10. ed. São
Paulo: Saraiva, 2006, p. 444).
340 CARVALHO, Hilário Veiga de et al. Compêndio de medicina legal. São Paulo: Saraiva, 1987,
p. 349.
341 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. v. 1. t. II. 6.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 271.
342 GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. v. I. t. I. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.
462.
343 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. v. 1. t. II. 6.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 272.
344 REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de direito penal – parte geral. 3. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2009, p. 209.
345 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. v. 1. t. II. 6.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 271.
346 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade no direito penal. São
Paulo: Malheiros, 2000, p. 60.
347 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade no direito penal. São
Paulo: Malheiros, 2000, p. 60.
348 Segundo o autor, o grau de inimputabilidade deve ser observado pelos efeitos concretos que a
anomalia produziu na consciência da ilicitude e na capacidade de autodeterminação do indivíduo,
ao tempo do crime. Não é possível previsão segura apenas considerando a classificação estática
em perturbação ou doença mental (FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da
inimputabilidade no direito penal. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 63).
349 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade no direito penal. São
Paulo: Malheiros, 2000, p. 61.
350 “Falava-se antigamente, em relação aos ‘fronteiriços’, que eram semi-loucos (GRASSET,
Regis). E é bem conhecida a polêmica que este conceito suscitou. Digladiaram-se em campos
opostos a teoria dos ‘dois blocos’ e a teoria do ‘bloco único’. Segundo a primeira (a que se apegou
à ‘escola positiva’ como a uma definitiva solução científica), ou é-se louco ou não se é louco, ou
é-se responsável ou não se é responsável: não há graus intermédios. A unidade das faculdades
psíquicas não admite a concepção de indivíduos parcialmente loucos. De modo diverso,
entretanto, postulava a teoria do ‘bloco único’: não há uma nítida linha de separação entre os
mentalmente sãos e os doentes mentais; estão de permeio os ‘fronteiriços’, que são graus de
passagem (natura non facit saltus). Se os ‘fronteiriços’ não são inteiramente responsáveis,
também não podem ser declarados irresponsáveis. Atualmente, porém, pode dizer-se que o
dissídio está superado: não há semiloucos ou semi-responsáveis, mas entre a saúde mental e a
loucura há estados psíquicos que representam uma variação mórbida da norma, embora alheias à
órbita da loucura ou doença mental, e os seus portadores são responsáveis, mas com menor
culpabilidade, em razão da sua inferioridade bio-ético-sociológica, isto é, de sua menor capacidade
de discernimento ético-social ou de auto-inibição ao impulso criminoso. Não se trata, como
outrora se dizia, de um artifício de política criminal. A moderna psiquiatria fornece base científica
ao critério do ‘vício parcial de mente’ (segundo a expressão do Código italiano)” (HUNGRIA,
Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. v. 1. t. II. 6. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1983, p. 272).
351 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. v. 1. t. II. 6.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 273.
352 OLIVÉ, Juan Carlos Ferré et al. Direito penal brasileiro – parte geral. Princípios fundamentais
e sistema. São Paulo: RT, 2011, p. 477.
353 MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Código penal interpretado. 6. ed. São
Paulo: Atlas, 2007, p. 270.
354 OLIVÉ, Juan Carlos Ferré et al. Direito penal brasileiro – parte geral. Princípios fundamentais
e sistema. São Paulo: RT, 2011, p. 674. Segundo Jaques de Camargo Penteado e Oswaldo
Henrique Duek Marques, “embora tenha como pressuposto a prática de fato previsto como crime,
em decorrência do princípio da reserva legal, a medida de segurança não constitui retribuição, nem
se fundamenta na culpabilidade do agente” (DUEK MARQUES, Oswaldo Henrique;
PENTEADO, Jaques de Camargo. Nova proposta de aplicação de medida de segurança para os
inimputáveis. Boletim IBCCrim, n. 58, set.1997).
355 O entendimento de que a medida de segurança deve ser verificada nos instantes que prosseguem
à prática do crime é fator preponderante para a aplicação da medida de segurança decorrente da
interpretação do art. 97, § 1º, do Código Penal. De acordo com o dispositivo, o prazo mínimo de
cumprimento da medida de segurança é de um a três anos e permanecerá por tempo indeterminado
até à cessação da periculosidade do agente.
356 Importante declinarmos que a reforma da Parte Geral do Código Penal alterou o tratamento dado
ao semi-imputável. A redação originária do diploma adotava o sistema ‘duplo binário’, ou seja,
aos semi-imputáveis aplicavam-se medida de segurança e pena. Com a reforma, passou a imperar
o sistema vicariante segundo o qual ao juiz compete aplicar a pena, reduzida de um a dois terços,
ou medida de segurança.
357 DUEK MARQUES, Oswaldo Henrique; PENTEADO, Jaques de Camargo. Nova proposta de
aplicação de medida de segurança para os inimputáveis. Boletim IBCCrim, n. 58, set.1997.
4 Da Imputabilidade do Psicopata

Iniciamos o presente capítulo com uma breve abordagem da obra de


Michel Foucault “Eu Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e
meu irmão”358.
De acordo com a obra, 3 de junho de 1835 foi marcado pela prática cruel
de um crime que abalou a comuna de Aunay, na aldeia chamada La
Faucterie. Filho de um agricultor da região, Pierre Rivière matou a golpes
de foice a mãe grávida, a irmã adolescente e um irmão de sete anos de
idade.
Relatos dão conta de que, após o delito, Pierre saiu do local dos fatos
empunhando uma foice ensanguentada sem esboçar qualquer sentimento de
culpa ou remorso. Pierre Rivière fugiu e dias depois foi preso.
Quando interrogado, narrou uma história fantasiosa, afirmando ter
praticado os crimes obedecendo à ordem divina. Engenhoso em todos os
seus planos, quis passar a ideia de que não estaria dentro da normalidade
mental.
Enquanto esteve preso, Pierre Rivière escreveu, em memoriais, os fatos
que o levaram à prática dos crimes. A história fantasiosa até então
sustentada foi substituída por uma narrativa rica em detalhes, que apontava
os motivos que o levaram a praticar os delitos.
Até a apresentação dos memoriais, Pierre era considerado louco por todos
que o conheciam. Segundo testemunhas, o passado de Pierre sempre
chamou a atenção de moradores da localidade e da própria família. Quando
criança, era conhecido pela dureza de caráter e dificuldade de demonstrar
afetos. Pierre tinha ainda o hábito de assustar os seus amigos e irmãos. Em
uma das ocasiões, apontou uma foice para um dos seus irmãos, ameaçando-
lhe cortar as pernas. Um dos seus divertimentos consistia em pegar pássaros
e rãs, levantar suas peles e pregar os animais, ainda com vida, em árvores.
Considerado doente mental, peritos passaram a questionar a capacidade
psíquica de Pierre após a leitura do memorial escrito pelo próprio
criminoso. A figura que até então aparentava portar algum transtorno
mental passou a ser avaliada por determinados psiquiatras como indivíduo
plenamente normal e consciente dos seus atos. Esses profissionais
perceberam que os traços comportamentais de Pierre retratavam mais o
perfil de um indivíduo normal, mas maldoso, do que o de um doente
mental.
Apesar dessa discussão, Pierre foi condenado por crime de parricídio à
pena de morte, mas, por clemência real, sua pena foi comutada para prisão
perpétua. Meses depois, foi encontrado morto em sua cela.
Os fatos narrados por Michel Foucault nos dão a ideia da dificuldade de
se encontrar o diagnóstico de um indivíduo que se fazia passar por doente
mental, mas ao mesmo tempo demonstrou tamanha lucidez quando relatou
com detalhes todos os atos ardilosos pensados e executados até a prática
dos crimes.
Dados dão conta de que Pierre Rivière sustentava um comportamento
típico de psicopatas. Sempre mostrou-se consciente dos seus atos e da
figura que queria passar para os demais. Tempos se passaram e o
diagnóstico permaneceu incerto. Essa incerteza do diagnóstico reflete as
inúmeras incertezas que moldam o instituto.
No caso concreto, Pierre Rivière foi considerado pessoa com doença
mental e, em razão disso, condenado à pena de morte. Na legislação
brasileira, a matéria ainda não foi disciplinada sob inúmeras justificativas.
Considerando a ausência legislativa, e a necessidade de apreciação da
matéria, passaremos a estudá-la, fundamentando nossos posicionamentos a
partir das ferramentas oferecidas pelo direito penal e com os mandamentos
que parecem não demandar maiores questionamentos no campo da
medicina, da psicologia e da criminologia.
4.1 Considerações iniciais
A psicopatia encontra-se em um campo obscuro de todas as ciências que a
estudam. Por isso, ingressamos no estudo da psicopatia e abstraímos das
inúmeras proposições o perfil do psicopata e suas circunstâncias
norteadoras.
Considerando que a aferição da inimputabilidade ou semi-imputabilidade
advém da interpretação do art. 26, caput e parágrafo único, do Código
Penal, traçaremos neste capítulo um quadro comparativo entre os
delineamentos apresentados pelo direito penal e o estudo acerca da
psicopatia.
4.2 O psicopata delinquente
A psicopatia não pressupõe que todos os seus portadores pratiquem
infrações penais. Não são raros os casos em que os psicopatas sejam
considerados apenas pessoas desagradáveis ou que os seus ilícitos se
limitem à esfera cível.
Contudo, quando praticam crimes, a sua personalidade é evidenciada na
forma e circunstâncias em que as infrações se deram, bem como na
gravidade e sadismo evidenciados.
De acordo com a psiquiatra Hilda Clotilde Penteado Morana, o
diagnóstico de transtorno de personalidade antissocial é frequente no
ambiente prisional359. E, não há no Brasil, estudos epidemiológicos para
validar a sua incidência360.
Segundo a autora, “para crimes violentos, a taxa dos psicopatas é quatro
vezes maior que a dos não psicopatas. Em apenados brasileiros, encontrou
reincidência criminal 4,52 vezes maior em psicopatas que em não
psicopatas”361.
A necessidade de excitação continuada é muitas vezes a justificativa para
que repetidas infrações sejam praticadas. Viver emoções contínuas é
circunstância de subsistência do psicopata. Estejam onde estiver, serão
capazes de repetir suas ações, criminosas ou não. Isso não implica afirmar
que, necessariamente, sempre cometerão a mesma modalidade de delito.
Em geral, os psicopatas praticam diversos delitos para alcançar sua
finalidade ou o seu simples bem-estar.
O que nos preocupa é o tratamento penal conferido a esses indivíduos.
Considerando que eles têm alto poder de manipulação e apresentam-se
destemidos ante qualquer ameaça, tornam-se os principais inimigos do
sistema penitenciário.
No sistema, são capazes de sustentar conduta exemplar visando receber os
benefícios legais. Dentre os presidiários, despem-se da figura de bom
interno e podem praticar os mais cruéis crimes ou apenas impedir a
recuperação dos demais. Os psicopatas são irrecuperáveis. Assim como a
aplicação de medida de segurança é de grande desvalia.
Reconhecendo a irrecuperabilidade e a potencialidade de praticarem
condutas antissociais no sistema penitenciário, sugere-se a imposição de
pena especial aos psicopatas, de modo que venham cumprir a sua pena sem
que os fins da pena se tornem inalcançáveis para os demais internos.
4.3 O psicopata e o Código Penal
O Código Penal nada disciplinou acerca da psicopatia, inclusive quanto a
sua existência.
Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli reconhecem a
necessidade de disposição legal específica e a problemática envolvendo a
ausência de definição da psiquiatria acerca do assunto.
Outro dos problemas que continuam preocupando a ciência penal é o das chamadas
psicopatias ou personalidades psicopáticas. A psiquiatria não define claramente o que é um
psicopata, pois há grandes dúvidas a seu respeito. Dada esta falha proveniente do campo
psiquiátrico, não podemos dizer como trataremos o psicopata no direito penal362.

Importante destaque recebeu o transtorno com o Código Penal em vigor,


na sua redação original. Apesar de o Código nada dispor sobre o tema em
seu art. 22, caput, e parágrafo único do Código Penal de 1940, a psicopatia
recebeu grande consideração no item 19 da Exposição de Motivos do
Decreto-Lei n. 2.848/1940.
Segundo se extrai da norma citada, o projeto visou disciplinar a
responsabilidade penal dos chamados ‘fronteiriços’, a saber, os psicopatas e
os anormais psíquicos.
Desde a entrada em vigor do Código Penal de 1940, já pairavam dúvidas
acerca da imputabilidade do psicopata, principalmente em razão da
dificuldade de entrosamento no campo da psiquiatria. Apesar disso,
resolveu a Exposição de Motivos do Decreto-Lei n. 2.848/1940 assim
disciplinar:
Em face da diversidade ou dubiedade dos critérios científicos, o projeto, no interesse da
defesa social, só podia tomar um partido: declarar responsáveis os “fronteiriços”, ficando ao
prudente arbítrio do juiz, nos casos concretos, uma redução de pena, e isto sem prejuízo da
aplicação obrigatória de medida de segurança. Para a adoção de tal critério milita, além
disso, uma razão de ordem prática. É preciso reforçar no espírito público a idéia da
inexorabilidade da punição. Deixando-se a coberto de pena, quando autores de crimes, os
anômalos psíquicos, que vivem no seio do povo, identificados com o ambiente social, e que
o povo, por isso mesmo, não considera irresponsáveis, fica desacreditada a função
repressiva do Estado. A fórmula do projeto virá aumentar a certeza geral da punição dos
que delinqüem, tornando maior a eficiência preventiva da sanção penal, não somente em
relação ao homo typicus, como em relação aos psicopatas, que são, sem dúvida alguma,
intimidáveis.

No texto em destaque, observamos a preocupação do legislador de


apresentar à sociedade o posicionamento legal a ser aplicável aos
psicopatas, seja demonstrando preocupação com o bem-estar social, seja
com a necessidade do cumprimento de sua função como Estado.
Com a reforma da Parte Geral do Código Penal, por meio do item 22 da
Lei n. 7.209/1984, assim ficou disciplinada a matéria:
22. Além das correções terminológicas necessárias, prevê o Projeto, no parágrafo único, in
fine, do art. 26, o sistema vicariante para o semi-imputável, como conseqüência lógica da
extinção da medida de segurança para o imputável. Nos casos fronteiriços em que
predominar o quadro mórbido, optará o juiz pela medida de segurança. Na hipótese oposta,
pela pena reduzida. Adotada, porém, a medida de segurança, dela se extrairão todas as
conseqüências, passando o agente à condição de inimputável e, portanto, submetido às
regras do Título VI, onde se situa o art. 98, objeto da remissão contida no mencionado
parágrafo único do art. 26.

O legislador não conferiu à psicopatia a sua devida importância. Ateve-se


apenas a alterar o modo de cumprimento da medida de segurança (passando
do duplo binário para o sistema vicariante) e a prever aos ‘fronteiriços’ que
apresentassem quadro mórbido a imposição de medida de segurança.
Parece-nos que falta ao direito, em toda sua completude, a coragem para
apreciar a questão. Ainda que pairem dúvidas nos demais campos de
estudo, o direito precisa posicionar-se a respeito e, se necessário, propor
mudanças nas formas de aplicação da pena (imposição de pena ou medida
de segurança).
Entendemos que, apesar de o Código Penal nada disciplinar acerca dos
psicopatas, a omissão não tem o condão de afastar qualquer interpretação
acerca do assunto. O legislador conferiu o ‘critério-base’ para o
reconhecimento da inimputabilidade e semi-imputabilidade. Por outro lado,
temos a psiquiatria, que nos confere instrumentos para analisar a psicopatia
de acordo com os ditames previstos pelo Código Penal.
O fato de haver omissão legislativa não nos impede de analisar a
psicopatia de acordo com as regras gerais estabelecidas pelo Código Penal.
Por esse motivo, dedicamos o primeiro capítulo para estudar a psicopatia e
retirar desse estudo os aspectos essenciais exigidos pela legislação penal
pátria para o reconhecimento ou não da imputabilidade do agente.
4.4 Da imputabilidade do psicopata (transtorno da
personalidade antissocial) de acordo com a
doutrina
Como abordaremos adiante, a verificação da imputabilidade do psicopata
não apresenta entendimento uníssono entre os doutrinadores.
Ao discorrer sobre o conceito de perturbação da saúde mental, Guilherme
de Souza Nucci apontou a “condutopatia” – terminologia não formal criada
pelo psiquiatra brasileiro Guido A. Palomba para se referir aos psicopatas –
como uma forma de perturbação da saúde mental. O autor defende que,
nessas situações, a inimputabilidade está afastada, devendo levar o juiz a
reconhecer a semi-imputabilidade e assim reduzir a pena do acusado ou
determinar o cumprimento de medida de segurança, conforme a intensidade
da perturbação da saúde mental.
São caracterizadas as perturbações por várias espécies de neuroses, como síndrome de
pânico, condutopatia, encefalopatia menor, alcoolismo moderado, toxicomania moderada,
reações a estresse etc.
Nesse caso, não há eliminação completa da imputabilidade; logo, pode o agente sofrer o
juízo de reprovação social inerente à culpabilidade, embora o juiz seja levado a atenuar a
censura feita, reduzindo a pena de 1/3 a 2/3.
Além disso, caso a perturbação da saúde mental (como dissemos, uma forma de doença
mental) seja intensa o suficiente, de modo a justificar um especial tratamento curativo, o
magistrado ainda pode substituir a pena privativa de liberdade por medida de segurança
(internação ou tratamento ambulatorial), conforme preceitua o art. 98 do Código Penal363.

Cezar Roberto Bittencourt destaca o fato de grande parte das “chamadas


personalidades psicopáticas” – sem explicitar em qual contexto essa
terminologia está sendo utilizada –, encontrarem-se na zona fronteiriça e,
em razão disso, têm a culpabilidade diminuída.
Situam-se nessa faixa intermediária os chamados fronteiriços, que apresentam situações
atenuadas ou residuais de psicoses, de oligofrenias e, particularmente, grande parte das
chamadas personalidades psicopáticas ou mesmo transtornos mentais transitórios. Esses
estados afetam a saúde mental do indivíduo sem, contudo, excluí-la. Ou, na expressão do
Código Penal, o agente não é “inteiramente” capaz de entender o caráter ilícito do fato ou
de determinar-se de acordo com esse entendimento (art. 26, parágrafo único, do CP). A
culpabilidade fica diminuída em razão da menor censura que se lhe pode fazer, em razão da
maior dificuldade de valorar adequadamente o fato e posicionar-se de acordo com essa
capacidade364.

Guido Arturo Palomba ressalta que a psicopatia365 é uma perturbação da


saúde mental e, dessa forma, deve ser reconhecida a semi-imputabilidade
dos psicopatas. Excepcionalmente, porém, ao psicopata poderá ser
determinada a inimputabilidade ou imputabilidade366.
Segundo Santiago Mir Puig367, o tratamento penal a ser reconhecido aos
psicopatas provoca grandes discussões. O Tribunal Supremo na Espanha
tem rechaçado o reconhecimento da irresponsabilidade completa, mas
admite em algumas situações o reconhecimento da semi-imputabilidade.
Estas decisões são fundamentadas sob a justificativa de que a psicopatia
somente está ligada ao campo da afetividade e não à lucidez mental368.
Para o autor, o termo ‘alienado’, antes previsto em lei, não era apropriado
para alcançar os indivíduos com psicopatia que praticavam delitos. Isso
porque os psicopatas não são considerados enfermos mentais, não estão
‘fora de si’, e os seus atos não ultrapassam o limite da personalidade do
sujeito. Atualmente, o legislador substituiu o termo por ‘anomalia’ (art. 20,
1º, do Código Penal espanhol). A partir de então, a psicopatia passou a ser
disciplinada.
Entende ainda que o psicopata não sofre qualquer alteração psíquica que o
impeça de entender o caráter ilícito do fato, mas seu poder de autocontrole
parece não ser o mesmo de uma pessoa normal369.
Günther Jakobs declara que as psicopatias tratam de variações da
personalidade do agente em seu sentido negativo, responsáveis por torná-lo
pessoa anormal. Segundo o autor, “os representantes da psiquiatria forense
consideram, em consonância com a jurisprudência, como uma rara exceção
uma conformação tão intensa a ponto de caber uma plena exculpação”370.
César Dario Mariano da Silva elenca a psicopatia como uma das hipóteses
de perturbação da saúde mental e, por conseguinte, trata-a como causa de
semi-imputabilidade371. Do mesmo modo, E. Magalhães Noronha372,
Hilário Veiga de Carvalho373 e Miguel Reale Júnior374 compartilham o
entendimento.
Segundo Juan Carlos Ferré Olivé et al., houve um período na história que
considerar os psicopatas inimputáveis provocaria grande alarme social, mas
as recentes revisões das classificações científicas internacionais produziram
uma nova caracterização das enfermidades que permite propor tratamento
similar ao dos transtornos mentais, ou, ainda, avaliar a proposição de
redução da pena para estes indivíduos 375.
Se em outros tempos rechaçava-se de plano a possibilidade de se considerar uma
inimputabilidade plena ou diminuída para os psicopatas, as tendências científicas
evoluíram, ainda que seja justo dizer que em certas ocasiões a jurisprudência não tenha
seguido o mesmo caminho que a ciência. O transtorno do comportamento é um estado
similar à enfermidade mental, o que pressupõe – se alcançada suficiente gravidade – contar
como pressuposto psicopatológico para poder considerar uma imputabilidade diminuída.
Entretanto, como se verá a seguir, este pressuposto é necessário, mas ineficiente para se
falar de inimputabilidade, porque deve ser complementado com os efeitos psicológicos
concretos (capacidade de motivação normativa), que serão determinantes para se estimar ou
não a culpabilidade do sujeito376.

Ao tratar dos psicopatas, Basileu Garcia os identifica como loucos morais


ou psicopatas amorais e defende o reconhecimento da inimputabilidade dos
seus portadores.
Lembre-se, outrossim, a categoria terrível dos loucos morais, ou psicopatas amorais, como
prefere denominá-los JOSÉ ALVES GARCIA, ao traçar-lhes este perfil, na sua
psicopatologia forense: “São indivíduos insensíveis, anti-sociais ou perversos, destituídos
de compaixão, de vergonha, de sentimentos de honra e conceitos éticos; não sentem
simpatia pelas pessoas de seu grupo social e têm conduta lesiva ao bem-estar e à ordem
estabelecida. As personalidades desse tipo mostram-se precocemente voluntariosas, cruéis,
insinceras, cometem faltas, não se adaptam nos colégios, e, já na maturidade, tornam-se
inacessíveis, impiedosas, brutais e impulsivas. São frias, pérfidas e arrogantes. Seu campo
de ação anti-social é o das ofensas físicas contra pessoas e a propriedade, reincidindo
freqüentemente nos delitos de sangue”.
Os criminalistas propendem a incluir o louco moral entre os imputáveis, visto como tem
íntegra a inteligência, embora grandemente transviada a afetividade. Não deixa de ser uma
anormal, mas a defesa da coletividade reclama que se lhe apliquem penas. E, visivelmente,
não o impede a fórmula prescrita no art. 22, ao aludir, de modo expressivo, à total, à
absoluta inaptidão para compreender ou orientar-se377.

Maximiliano Roberto Ernesto Führer declara que, embora a grande


maioria dos doutrinadores aponte a semi-imputabilidade como classificação
adequada aos psicopatas, esses agentes geralmente têm plena consciência
da ilicitude dos fatos e da capacidade de autodeterminação. Segundo o
autor, a deformidade ética não pode ser considerada pressuposto de
inimputabilidade jurídica:
Muito se tem falado que a dinâmica da pena criminal não é satisfatória nem adequada para
a ressocialização do psicopata. Daí a conveniência do juízo de semi-imputabilidade, onde
poderia ser aplicada medida de segurança.
A estrutura da argumentação não se sustenta.
[...]
Um juízo equivocado de semi-imputabilidade estará premiando a malvadez pura378.

Ao defender a imputabilidade do psicopata, o professor Walfredo Cunha


Campos adota essa obra para justificar seu entendimento.
É o que pode ocorrer, na prática, em caso de acusado que seja considerado psicopata,
havendo entendimento de se tratar semi-imputável, o que, com a devida vênia, não
pensamos ser a mais acertada posição; preferimos seguir o ensinamento da professora
Michele O. de Abreu que, em seu brilhante livro sobre o tema, afirma que os psicopatas são
imputáveis porque ‘(...) são meticulosos, premeditam seus atos e têm plena consciência do
que pretendem praticar e das suas consequências. Sabem exatamente até que ponto podem
ir e o momento em que devem parar’. E conclui, com integral acerto: ‘O psicopata é
imputável porque não está acometido de qualquer distúrbio que provoque alteração em sua
saúde psíquica; além disso, tem plena consciência da leviandade (imoralidade e ilegalidade)
dos atos que pretendem praticar e autocontrole suficiente para repeli-los no momento que
refutarem mais benéfico’379.

O psiquiatra forense argentino Hugo Marietan380 destacou os três critérios


estabelecidos por Genoves para apurar o grau de responsabilidade criminal
dos psicopatas que avaliam o grau de responsabilidade penal do autor dos
fatos. O primeiro deles impõe a consideração da excepcionalidade da
inimputabilidade, ou seja, todos são considerados imputáveis até que a
inimputabilidade do sujeito seja constatada. Para o autor, os psicopatas são,
a priori, responsáveis penalmente porque, assim como os infratores não
psicopatas, têm pleno conhecimento da norma penal.
O segundo critério diz respeito à irresistibilidade dos impulsos. De acordo
com esse aspecto, verifica-se se o agente, além de ter conhecimento da
ilicitude dos fatos, consegue conter os impulsos irresistivelmente. Inserindo
a figura do psicopata nesse contexto, Hugo Marietan ressalta que a ideia de
‘impulso irresistível’ é ambígua ao fato de que alguns psicopatas preparam
seus crimes antes de praticá-lo.
Por fim, o último critério propõe que o sujeito não pode ser considerado
responsável criminalmente se sua ação delitiva é produto da sua
enfermidade mental. O autor ressalta que a psicopatia não pode ser
considerada doença mental, portanto, o psicopata deve responder
criminalmente pelos fatos praticados.
Na Argentina, entende-se que essas pessoas não possuem transtorno
mental e “podem discernir e entender a criminalidade de seus atos e dirigir
suas ações; em conseqüência, são responsáveis pelo que fazem”381.
Segundo Hugo Marietan, são considerados imputáveis porque suas
condições não estão abarcadas pelo artigo 34 do Código Penal382.
Conforme observamos, a doutrina majoritária tende a defender a semi-
imputabilidade do psicopata, sob a justificativa de que a psicopatia
encontra-se na “zona fronteiriça”. Percebe-se que, parte dos adeptos desse
entendimento, sequer consideram os critérios biopsicológicos adotados pelo
Código Penal, expressamente expostos no caput e parágrafo único do art.
26 do Código Penal.
A existência de uma “perturbação da saúde mental” (se a psicopatia for
compreendida em laudo pericial) – que, aliás, é uma construção jurídica –
não é suficiente, por si só, para determinar a semi-imputabilidade do seu
portador. Como vimos ao longo deste trabalho, a existência de uma “doença
mental”, “perturbação mental” ou “desenvolvimento mental incompleto ou
retardado” deve ser suficiente para afastar ou diminuir a capacidade de o
indivíduo, no momento da ação ou omissão, entender o caráter ilícito do
fato ou de autodeterminar-se conforme esse entendimento.
Assim, não basta a constatação de uma doença mental ou perturbação da
saúde mental para o reconhecimento da inimputabilidade ou semi-
imputabilidade. Até porque é possível que, por exemplo, uma pessoa com
transtorno afetivo bipolar (F31 – CID-10) ou com outro transtorno, seja
considerada imputável porque, no momento da ação ou omissão criminosa,
estiveram intactas suas capacidades intelectiva e volitiva. Reduzir um
transtorno – muitas vezes sequer considerado uma doença mental
propriamente dita – à inimputabilidade ou semi-imputabilidade do réu,
viola a lei penal e revela a necessidade de maior conhecimento sobre como
os transtornos mentais e de comportamento afetam e se manifestam em seus
portadores.
4.5 O psicopata (transtorno de personalidade
antissocial) nos Tribunais
Retomamos os estudos iniciais deste livro para reforçar que a psicopatia
corresponde ao transtorno de personalidade antissocial. Sustentar esse
entendimento nos parece adequado e oportuno, haja vista que um laudo
pericial ou avaliação psicológica realizados no contexto forense criminal
irão se valer da nomenclatura diagnóstica prevista na décima revisão da
Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados com a Saúde (CID-10)383, elaborada e revisada pela
Organização Mundial da Saúde (OMS), a saber: transtorno de personalidade
antissocial.
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO
ESPECIAL. NÃO CONHECIMENTO DO WRIT. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO
INDEFERIDA EM 1º GRAU. MANUTENÇÃO DO DECISUM PELO TRIBUNAL DE
ORIGEM. REQUISITO SUBJETIVO NÃO PREENCHIDO. PARECER
PSICOLÓGICO DESFAVORÁVEL. PSICOPATIA COMPATÍVEL COM
TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ANTISSOCIAL. ELEVADO RISCO DE
COMETIMENTO DE OUTROS DELITOS. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA.
ILEGALIDADE FLAGRANTE. INEXISTÊNCIA. HABEAS CORPUS NÃO
CONHECIDO. 1. Ressalvada pessoal compreensão diversa, uniformizou o Superior
Tribunal de Justiça ser inadequado o writ em substituição a recursos especial e ordinário, ou
de revisão criminal, admitindo-se, de ofício, a concessão da ordem ante a constatação de
ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia. 2. Legítima é a denegação de
progressão de regime com fundamentos concretos, no caso pelo não preenchimento do
requisito subjetivo em virtude, essencialmente, do conteúdo da avaliação psicológica
desfavorável à concessão do benefício, com a presença de psicopatia compatível
transtorno de personalidade antissocial, estando presente elevado risco de cometimento
de outros delitos. Precedentes. 3. Habeas corpus não conhecido. (STJ - HC: 308246 SP
2014/0283229-8, Relator: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Julgamento: 24/02/2015,
T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/03/2015) (grifo nosso)

Até a publicação da primeira edição deste livro (2013), os laudos periciais


produzidos nos incidentes de insanidade mental (arts. 149 a 154 do Código
de Processo Penal), apontavam, em regra, à semi-imputabilidade do agente
diagnosticado com transtorno da personalidade antissocial (psicopatia).
Além de certas decisões apresentarem erroneamente o transtorno de
personalidade antissocial como expressão sinônima de psicopatia, o seu
diagnóstico foi tratado como “pressuposto necessário” para o
reconhecimento da semi-imputabilidade dos periciados384. Entendia-se que,
além de o transtorno de personalidade antissocial (psicopatia) dizer respeito
a uma perturbação da saúde mental, seus portadores possuíam parcial
capacidade de autodeterminação (parte final do parágrafo único do art. 26
do Código Penal)385. Os laudos eram judicialmente acolhidos, e esse
entendimento foi corroborado pelos tribunais.
A questão parecia divergir apenas no tocante às consequências do seu
reconhecimento: a redução da pena386 ou a aplicação de medida de
segurança387 (art. 98 c.c o art. 96 do Código Penal).
Na segunda edição (publicado em 2021), constatamos que o tema passou
a ser tratado de modo diverso. À medida que estudos e pesquisas científicas
ganharam destaque no país, sobretudo as produzidas internacionalmente, as
decisões judiciais já apontavam para um novo entendimento: a
imputabilidade do psicopata e a sua influência desde a dosimetria da pena
aos aspectos ligados à sua execução388.
Nesta edição, a questão parece ter-se firmado. Ressalvadas decisões
isoladas389, o avanço sobre o entendimento da imputabilidade do indivíduo
com transtorno de personalidade antissocial (psicopatia) já é uma realidade.
Além de os laudos atestarem que o transtorno de personalidade em estudo
não consiste em transtorno mental, têm apontado que sua existência, por si
só, não é capaz de retirar as capacidades de entendimento e de
autodeterminação do seu portador.
Não bastasse o reconhecimento da sua imputabilidade, aspectos
relacionados à personalidade, culpabilidade e conduta social dos réus com o
diagnóstico de transtorno de personalidade têm sido preponderantes para
provocar a majoração da pena-base (art. 59 do Código Penal), na dosimetria
da pena (art. 68 do Código Penal). De igual sorte, a presença nos autos de
laudo e/ou avaliação psicológica que apontem para o diagnóstico de
transtorno de personalidade antissocial do acusado tem sido preponderante
para o indeferimento dos pedidos de progressão de regime (art. 33, 2º, do
Código Penal e art. 112, §2º, da Lei n. 7.210/84) e livramento condicional
(art. 83 do Código Penal e art. 131 da Lei n. 7.210/84). Nessas situações, a
psicopatia (transtorno de personalidade antissocial) é considerada requisito
subjetivo impeditivo para a concessão das benesses, ainda que o condenado
comprove “ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do
estabelecimento” (art. 112, §1º, da Lei n. 7.210/84).390
À medida que os ensinamentos acerca da psicopatia têm avançado391,
acreditamos que seu reconhecimento também influirá na determinação do
regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade mais gravoso
(art. 33, §3º, do Código Penal); na impossibilidade de substituir a pena
privativa de liberdade nos termos dos incisos I a IV, do art. 59, do Código
Penal; como circunstância impeditiva para a concessão de benesses; e em
decisões judiciais que dependam da avaliação da “culpabilidade, dos
antecedentes, da conduta social e da personalidade do agente” do indivíduo,
como a suspensão condicional da pena (art. 77, inciso II, do Código Penal).
Sem a pretensão de esgotar a exposição dos julgados sobre a matéria,
destacaremos abaixo apenas alguns que refutamos importantes, dadas as
particularidades.

4.5.1 Transtorno de Personalidade Antissocial


(psicopatia): Imputabilidade e Circunstância
judicial desfavorável (arts. 59, caput, e 68,
ambos do Código Penal)392
APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO CONSUMADO E HOMICÍDIO
QUALIFICADO TENTADO. ALEGAÇÃO DE VEREDICTO MANIFESTAMENTE
CONTRÁRIO À PROVA DOS AUTOS. NÃO RECONHECIMENTO DA SEMI-
IMPUTABILIDADE PELOS JURADOS. RÉU DIAGNOSTICADO COMO PSICOPATA.
IRRELEVÂNCIA. EXISTÊNCIA DE LAUDO PSIQUIÁTRICO INDICANDO QUE O
RÉU TINHA CAPACIDADES COGNITIVA E VOLITIVA PRESERVADAS.
VEREDICTO DOS JURADOS AMPARADO EM PROVA CONSTANTE DOS AUTOS.
VEREDICTO MANTIDO.
1. A doutrina da psiquiatria forense é uníssona no sentido de que, a despeito de
padecer de um transtorno de personalidade, o psicopata é inteiramente capaz de
entender o caráter ilícito de sua conduta (capacidade cognitiva).
2. Amparados em laudo psiquiátrico atestando que o réu possuía, ao tempo da
infração, a capacidade de entendimento (capacidade cognitiva) e a capacidade de
autodeterminar-se diante da situação (capacidade volitiva) preservadas, os jurados
refutaram a tese da semi-imputabilidade, reconhecendo que o réu era imputável.
3. Não merece qualquer censura a sentença proferida pelo Presidente do Tribunal do Júri
que deixou de reduzir a reprimenda pela causa prevista no art. 26, parágrafo único, do
Código Penal, se o soberano conselho de sentença não afastou a tese da semi-
inimputabilidade do réu. Precedentes do TJDFT.
4. Existindo duas teses contrárias e havendo plausibilidade na escolha de uma delas pelo
Tribunal do Júri, não pode a Corte Estadual cassar a decisão do conselho de sentença para
dizer que esta ou aquela é a melhor solução, sob pena de ofensa ao princípio constitucional
da soberania dos veredictos (art. 5º, XXXVIII, CF).
5. O Júri é livre para escolher a solução que lhe pareça justa, ainda que não seja melhor sob
a ótica técnico-jurídica, entre as teses agitadas na discussão da causa. Esse procedimento
decorre do princípio da convicção íntima.
6. Pretensão recursal de cassação do julgamento improvida.
ALEGAÇÃO DE VEREDICTO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIO À PROVA DOS
AUTOS, PELA INEXISTÊNCIA DE PROVAS QUANTO ÀS QUALIFICADORAS.
DESCABIMENTO. PROVAS SUFICIENTES QUANTO À CONFIGURAÇÃO DAS
QUALIFICADORAS REFERENTES AO MOTIVO TORPE E À DISSIMULAÇÃO. 1.
Adequada a incidência da qualificadora do motivo torpe, em razão da existência de provas
dando conta de que o crime foi praticado pelo ciúme obsessivo nutrido pelo apelante em
razão do relacionamento de sua prima e ex-namorada com outrem. Precedentes. 2. Resta
configurada a dissimulação quando o agente, a pretexto de falsa trégua, dissimuladamente
atrai as vítimas com a finalidade de obter aproximação física com elas, viabilizando a
prática dos homicídios, um tentado e o outro consumado. ALEGAÇÃO DE ERRO NA
FIXAÇÃO DA PENA. PRIMEIRA FASE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS.
ALEGAÇÃO DE FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. DESCABIMENTO.
PROCEDIMENTO DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA CORRETO. OBSERVÂNCIA
DO DISPOSTO NO ART. 59 DO CÓDIGO PENAL. FUNDAMENTAÇÃO VINCULADA
E CORRETA. 1. Não há que se falar em reforma da dosimetria da pena quando referido 1/2
procedimento foi elaborado em total consonância com os artigos 59 e 68 do Código Penal,
bem como com os artigos 5º, inciso XLVI; e 93, inciso IX, ambos da Constituição Federal.
2. O juiz sentenciante dispõe de discricionariedade na análise das circunstâncias judiciais e
na fixação das penas, desde que o faça com estrita observância das diretrizes dos artigos 59
e 68 do Código Penal. 3. A circunstância judicial relativa à conduta social refere-se ao
comportamento do agente no seio social, familiar e profissional. Revela-se por seu
relacionamento no meio em que vive, tanto perante a comunidade, quanto perante sua
família e seus colegas de trabalho. Assim, é suficiente para exasperação da pena-base o fato
de o agente não estudar, não exercer qualquer ocupação lícita e levar vida desregrada. 4. As
consequências do crime devem ser consideradas desfavoráveis ao agente quando um ente é
brutal e intempestivamente retirado do seio familiar, gerando traumas e sequelas que
dificilmente serão superadas. Alegar que o trauma e a sequela carecem de maior
fundamentação a justificá-las é atender a anseios demasiadamente garantistas, eis que
somente a família da vítima pode dimensionar o sofrimento decorrente da perda da mesma.
5. A premeditação é elemento concreto apto a justificar a exasperação da pena base a título
de circunstâncias do crime. Precedentes do STJ. 6. A circunstância judicial relativa à
personalidade do agente pode ser aferida a partir do modo de agir do réu no evento
delituoso. Assim, deve o juiz sentenciante avaliar a insensibilidade acentuada, a maldade, a
desonestidade, a cupidez ou a perversidade demonstrada e utilizada pelo criminoso na
consecução do delito, sendo dispensável, portanto, a submissão do réu a exame psiquiátrico
ou psicológico para se chegar a tal conclusão. Precedentes do TJTO. 7. De acordo com a
posição majoritária da doutrina e da jurisprudência, a continuidade delitiva é uma ficção
jurídica, de modo que, a despeito da pluralidade de crimes, considera-se a existência de um
só delito, conforme o preenchimento dos requisitos objetivos (delitos da mesma espécie,
condições de tempo, lugar e modo de execução semelhantes) e, ainda, subjetivos (unidade
de desígnios). Com isso, adotou-se a teoria mista ou objetivo-subjetiva. Precedentes STJ. 8.
Não há que se falar em continuidade delitiva, no caso concreto, quando restou comprovado
que o agente possuía desígnios autônomos. Mantido, pois, o concurso material (art. 69, CP).
9. Apelação conhecida e improvida. (TJTO - AP 5004417-64.2012.827.0000, Rel. Juíza
convocada ADELINA GURAK, 5ª Turma da 1ª Câmara Criminal, julgado em 10/2/2015).

Trata-se de apelação criminal interposta contra sentença penal


condenatória proferida pelo Tribunal do Júri da comarca de Araguaína, no
Estado de Tocantins, que condenou o apelante aos crimes de homicídio
consumado, qualificado por motivo torpe e dissimulação (art. 121, §2º, I e
IV, do Código Penal), e de homicídio tentado, qualificado por motivo torpe
e dissimulação (art. 121, §2º, I e IV, c/c art. 14, II, Código Penal),
cometidos em concurso material (art. 69, Código Penal).
Entre outras matérias alegadas, o apelante pleiteou a anulação do
julgamento, por considerar a decisão dos jurados manifestamente contrária
à prova dos autos (art. 593, III, alínea d) do Código de Processo Penal).
Segundo o recorrente, mesmo havendo laudo psiquiátrico atestando a
psicopatia do réu, os jurados não entenderam pela sua semi-imputabilidade.
O Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso e, no tocante à
matéria, destacou que o laudo psiquiátrico que atestou a psicopatia do réu
também indicou pela sua plena capacidade de culpabilidade. Outrossim,
pontuou que a decisão dos jurados coadunou com as provas constantes nos
autos e, portanto, não há que falar na nulidade do julgamento.
O Tribunal de Justiça destacou trechos do laudo psiquiátrico em sua
decisão, apontando a conclusão do perito oficial:
[...] o réu entendia o caráter ilícito do fato, se determinava de acordo com este entendimento
e ainda simulou doença mental antes de cometer o crime e, como revelou, já tinha a
intenção homicida; o uso do álcool aponta que a embriaguez foi preordenada e o único
distúrbio encontrado foi em relação ao seu tipo de personalidade que não tenho dúvida de
afirmar é anti-social, o que não modificou a sua capacidade de entendimento e
determinação.
Igualmente, informou que o perito oficial, em resposta aos quesitos
formulados pelo Ministério Público, concluiu ser o réu pessoa com
transtorno de personalidade antissocial, reconhecendo-o como “psicopata”.
Destacamos o fato de a juíza relatora, ao julgar o recurso, ter invocado o
atual entendimento acerca da psicopatia, argumentando que o psicopata é
inteiramente capaz de entender o caráter ilícito da sua conduta (capacidade
cognitiva) e de determinar-se (capacidade volitiva).
A doutrina da psiquiatria forense é uníssona no sentido de que, a despeito de padecer de um
transtorno de personalidade, o psicopata é inteiramente capaz de entender o caráter ilícito
de sua conduta (capacidade cognitiva).
[...]
Quanto à capacidade volitiva, isto é, de autodeterminar-se diante da situação, Robert Hare
ensina que o comportamento dos psicopatas […] é resultado de uma escolha exercida
livremente.
Portanto, segundo o autor supracitado, o psicopata possui suas capacidades cognitiva e
volitiva preservadas.

A discussão acerca da imputabilidade do psicopata também se deu nos


seguintes julgados:
a) Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
APELAÇÃO CRIMINAL. JÚRI. ARTIGO 121, §2°, II E IV, DO CÓDIGO PENAL.
DECISÃO DOS JURADOS PELA CONDENAÇÃO DO RÉU, RECONHECENDO
APENAS A QUALIFICADORA PREVISTA NO INCISO IV, BEM COMO A
SEMIIMPUTABILIDADE DO RÉU. SENTENÇA. RECURSO DA DEFESA TÉCNICA
COM FULCRO NO ARTIGO 593, III, “A”, “B”, “C” E “D”, DO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL.

1. O Juízo de Direito da 4ª Vara Criminal da Comarca de Nova Iguaçu, considerando a


decisão dos Jurados, julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal para
condenar S.J.G. como incurso no artigo 121, §2º, IV, do Código Penal, à pena de 17
(dezessete) anos e 04(quatro) meses de reclusão, em Regime Fechado, ex vi do artigo 33,
§2º, alínea “a”, do citado Diploma Legal (indexador 947).

2. Recurso de Apelação da Defesa Técnica com fundamento no artigo 593, III, “a”, “b”, “c”
e “d”, do CPP (indexador 918), alegando, inicialmente, nulidade do laudo produzido no
incidente de insanidade mental, em razão de a perícia ter sido realizada por apenas um
Perito, conforme informações colhidas durante o julgamento, embora esteja assinado por
dois experts, bem como tendo em vista a falta de fundamentação da referida peça técnica.
Argumenta, ainda, que o aludido laudo ingressou nos autos como prova emprestada. No
mérito, sustenta que a Decisão dos Jurados é manifestamente contrária à prova dos autos e,
ainda, negativa de autoria. Requer, pois, a anulação da Decisão condenatória, submetendo o
Acusado a novo julgamento. Subsidiariamente, pede a diminuição da pena. Formula,
outrossim, prequestionamento com vistas ao eventual manejo de recurso aos Tribunais
Superiores (indexador 974).

3. Passa-se, desde logo, à análise da alegação defensiva de nulidade do laudo produzido no


incidente de insanidade mental nº 0021724-19.2015.8.19.0038, relativo ao processo-crime
0021724-19.2015.8.19.0038, concernente à vítima Fátima Miranda, juntado aos presentes
autos por linha, conforme apenso, sendo, pois, utilizado neste feito como prova emprestada.
Sendo assim, não foi requerido pelas partes nos presentes autos a instauração de incidente
de insanidade mental.

4. Primeiramente, convém observar que o Código de Processo Penal autorizou,


expressamente, a realização de perícia por apenas um expert, nos termos do artigo 159, com
redação dada pela Lei 11.690, de 2008, portanto, posteriormente à edição da Súmula nº 361
do Supremo Tribunal Federal, cuja aprovação data de 13/12/1963, sendo certo que a
jurisprudência do Pretório Excelso já se orientava no sentido da inaplicabilidade da aludida
Súmula em se tratando de peritos oficiais. No caso vertente, o Laudo Pericial foi elaborado
pela Perita Sandra Guenhalgh (anexo 885/889 – fls. 67/71), sendo assinado por ela e pelo
Doutor Miguel Challub. De qualquer forma, não há como se afirmar que o Dr. Miguel
Challub, que era o Médico Diretor do Departamento de Perícias Forenses do Hospital
Psiquiátrico Heitor Carrilho, não tenha, em algum momento, examinado o Recorrente,
mormente considerando existir nos autos entrevista concedida pelo respeitável médico-
perito sobre o caso em tela, em rede nacional de televisão. O laudo em questão concluiu
que, ao tempo da ação ou omissão, o Recorrente era capaz de entender o caráter ilícito do
fato e era inteiramente capaz de determinar-se de acordo com esse entendimento. A
combativa Defesa Técnica pretende questionar as conclusões do incidente de sanidade
mental em sede de apelação. Todavia, tal já ocorreu por ocasião da Sessão Plenária, onde
foram ouvidos não só a Perita que subscreve o aludido laudo, como, também, outros experts
que foram chamados para prestarem esclarecimentos, tendo o Júri de tudo ficado ciente e
decidido. Cabe destacar, por outro lado, que o Laudo de Sanidade em tela foi aproveitado
neste feito como prova emprestada e, eventual nulidade, deveria ter sido arguida nos autos
dos quais se originou. A peça técnica em tela, aqui, é mais um, dentre outros elementos, que
serviu de base para a tomada de Decisão do Conselho de Sentença, o qual, inclusive,
decidiu de modo diverso à conclusão ali chegada, já que reconheceu a semi-imputabilidade,
favorecendo ao Apelante. Deste modo, não há como se acolher o pleito defensivo de
nulidade.

5. Quanto à alegada contrariedade à prova dos autos, também não assiste razão à Defesa,
tendo em vista o acervo probatório coligido ao longo das duas fases do procedimento
escalonado do Júri, com destaque para os depoimentos colhidos, em Juízo, sendo certo que
a materialidade delitiva restou positivada pelos Laudos de Exame de Corpo de Delito de
Necropsia (indexador 65, 296) e Laudo Complementar de Exame de Corpo de Delito de
Necropsia (indexador 293). Senão vejamos.

O Delegado da Polícia Civil, o Doutor Marcelo Machado, que gravou a confissão feita pelo
Recorrente em sede inquisitorial, apresentou relato firme e seguro em ambas as fases do
procedimento escalonado, esclarecendo que o Acusado deu detalhes quanto à execução da
vítima M.O.S.B, informações que, segundo o depoente, só alguém que esteve na cena do
crime poderia dar, conforme trechos de sua fala colacionados. O Policial civil Carlos
Eduardo de Carvalho Pinheiro, por sua vez, disse que, em três dias de diligências em Nova
Iguaçu, o Acusado indicou aos policiais os locais em que teria cometido diversos crimes,
detalhando-os. Ressalta que as vítimas eram sempre mulheres, brancas e que residiam
sozinhas. Pontua que o Recorrente indicou a residência da vítima M.O.S.B e que esclareceu
que esperou os cães da casa vizinha pararem de latir para só então entrar no local. Salienta
que o Réu relatou que observou a rotina da vítima durante alguns dias, relatando, ainda, os
crimes cometidos em face de Caroline e Bianca, ressaltando que o interior do imóvel da
casa onde Bianca residia correspondia à descrição feita pelo Acusado. Pontua, ainda, que o
apelante disse que gostava de ver as vítimas sofrerem.
G.E.S.B.N. filha da vítima do delito apurado nestes autos, narra, em juízo, que, ao chegar à
residência de sua mãe, percebeu que a porta estava encostada e, ao adentrar ali, deparou-se
com a vítima deitada na sala, em um colchão, ensanguentada, com cortes nos pés e com um
cabo de faca em suas costas. Salienta que o trinco da janela da sala já se encontrava
quebrado antes do ocorrido e que a depoente teve de passar por tratamento psicológico em
razão dos fatos. A Psiquiatra do Sistema Penitenciário, também Psiquiatra forense do
Hospital Psiquiátrico Heitor Carrilho, Doutora Sandra, forneceu esclarecimentos
sobre o laudo elaborado por ela, nos autos do processo tendo por vítima Fátima
Miranda, afirmando que foi apurado que o Recorrente tem transtorno de
personalidade antissocial, mas que isso não lhe retira a capacidade de entender o
caráter ilícito de sua conduta. Aduz que ele pode ser considerado um psicopata, o que
não se confunde com enfermidade mental, ressaltando que o Réu não mostra qualquer
arrependimento ou empatia. Assevera que os psicopatas, em 99% das vezes, têm
consciência da ilicitude, de estar praticando um ato criminoso e que, inclusive, tem
capacidade para se controlar. Esta última assertiva encontra eco nas declarações do
Doutor José de Mattos, Assistente Técnico do Ministério Público, o qual não examinou
pessoalmente o Réu, mas assistiu à gravação das entrevistas realizadas com o Apelante
pelo Delegado de Polícia, tendo o expert afirmado, em plenário, que o psicopata
consegue controlar o seu impulso, adiando uma ação criminosa, se o momento não se
mostrar propício.
C.P.C, vítima em outro processo e que sobreviveu a um ataque do Recorrente, ouvida em
Sessão Plenária, relatou que, ao acordar, avistou o Acusado abaixado no chão e que, após
ele a tocar, a depoente tentou lutar, mas desmaiou. Ressalta que, ao recobrar a consciência,
o Réu ainda se encontrava em sua residência e que ele admitiu que a observava há
determinado período e que a mataria. Relata que o Acusado informou que gostava de matar
mulheres brancas e loiras, ressaltando que havia matado diversas vítimas. Disse, ainda, que
o Réu portava um facão na cintura e que, após conversar com o Apelante, este desistiu de
matá-la.

B.R.C, vítima em outro procedimento, por sua vez, narra, em juízo, que, ao acordar de
madrugada, avistou o Acusado ao seu lado, em pé observando a depoente. Afirma, ainda,
que o Acusado imobilizou a declarante e a enforcou, momento em que desmaiou. Salienta
que recebeu nove golpes com faca no pescoço e na boca e que seu filho, de apenas cinco
meses à época dos fatos, recebeu três cortes no pescoço. Esclarece que, após a prisão do
Réu, este levou os policiais a residência da depoente, tendo admitido o crime. Salienta que
sua avó havia visto o Acusado em sua rua, ressaltando que o mesmo já lhe pedira comida.

Desta forma, diante de todos os elementos coligidos ao longo das duas fases do
procedimento do Júri, não se vislumbra que a Decisão dos Jurados se mostre contrária a
prova dos autos. Não é demais lembrar que, em sede de apelação, é defeso, no
procedimento dos crimes dolosos contra a vida, nova análise do mérito pelo Egrégio
Tribunal de Justiça, sob pena de violação do Princípio Constitucional da Soberania dos
Veredictos. Antes, o que cabe a este Colegiado é verificar se a Decisão do Conselho de
Sentença afigura-se completamente dissociada do acervo probatório, o que inocorre no caso
vertente. Ao contrário do argumentado pela Defesa, há elementos, sim, que podem indicar a
autoria do crime ao Réu, sendo certo que a confissão extrajudicial do Recorrente não restou
isolada nos autos e foi confrontada com as demais provas do processo, mormente nas
declarações dos policiais civis e demais relatos colhidos ao longo das duas fases do
procedimento. Destarte, em havendo mais de uma versão sobre a mecânica dos fatos, como
acontece do caso vertente, todas com respaldo probatório nos autos e tendo os Jurados
optado por uma delas, não há de se falar em cassação do veredicto, com vistas à realização
de novo julgamento. Nessa linha de ideias, somente se vislumbraria decisão manifestamente
contrária à prova dos autos se a Decisão do Conselho de Sentença fosse absolutamente
atentatória à verdade apurada no feito, com dissociação integral do acervo probatório
coligido, com total e incontroverso desprezo da prova produzida no processo, o que, repita-
se, não se verifica na espécie. Deste modo, não se acolhe a alegação defensiva.

6. DOSIMETRIA. O Juízo a quo fixou a pena-base acima do mínimo previsto no tipo penal
incriminador, ou seja, em 22(vinte e dois) anos de reclusão, ao argumento, em síntese, de
que o Réu ostenta maus antecedentes, conforme Folha Penal (anotações 2 e 4 de 12,
indexador 369), personalidade marcada pela frieza, agressividade, insensibilidade
acentuada, passionalidade exagerada, maldade, irresponsabilidade no cumprimento das
obrigações, preguiça, já que não tem trabalho fixo, covardia, torpeza, crueldade, aferidas
pelo Juízo através da análise das provas dos autos, inclusive, depoimento das testemunhas,
laudos médicos e termos de declarações do Acusado na Delegacia e perante a Perícia
Judicial. Destaca que o Réu confessa friamente, contando detalhes sobre a morte violenta e
cruel da vítima destes autos, bem como de outras 11(onze) mortes ainda em apuração, com
o mesmo requinte de frieza e desprezo pela vida humana. Assevera que o Réu possui
personalidade sádica, que une agressividade e libido, sentindo prazer em infligir dor e
humilhação a outras pessoas, mormente em vítimas mulheres, vulneráveis por natureza.
Quando à culpabilidade, consigna que esta revela-se exacerbada, considerando a frieza e
premeditação com que o Acusado deu fim à vida da vítima, já que passou semanas
organizando sua ação, inteirando-se da rotina da vítima, seguindo-a do trabalho até a casa
até encontrar o momento oportuno para a consumar seu intento criminoso. Pontua,
inclusive, que, na noite do crime, o Recorrente esperou os cachorros da vizinhança pararem
de latir, a fim de dar início à execução do crime. Também ressalta que a conduta social do
Réu merece maior censura, considerando a forma do seu convívio em âmbito familiar, do
trabalho, da comunidade entre outros. Assevera que o Acusado não era bem quisto por sua
família, estando dela separado há alguns anos, sem qualquer tipo de contato. Argumenta
que, de acordo com a entrevista prestada perante a perita do Juízo, o Réu não convive com
seu filho e isso não faz qualquer diferença em sua vida, ressaltando que o Recorrente vivia
perambulando pelas ruas sem trabalho fixo e residência certa. Destaca que as consequências
do crime também devem ser levadas em conta, eis que famílias foram marcadas para
sempre pela dor e sofrimento, aduzindo que a filha da vítima Marilene ficou destruída, após
a morte de sua genitora. Destaca que ela informou que sua mãe era pessoa boa e
trabalhadora, cuidando dos pais doentes e que a família até hoje não se reestruturou, tendo
que se submeter a tratamento psicológico. Assinala, outrossim, que a vítima deixou 03(três)
filhos e 04(quatro) netos. No que respeita às circunstâncias do crime, ressalta que merece
destaque o modus operandi, já que o Recorrente ingressou na casa da vítima mediante
escalada, durante o repouso noturno, surpreendendo-a, iniciando a execução do crime por
esganadura, seguida de marteladas, consumando-o por meio de facadas em várias partes do
corpo. Por fim, quanto aos motivos do crime, Rel. Adriana Lopes Moutinho Daudt
d’Oliveira salienta que merece reprovabilidade os fatos de o Réu ceifar a vida de suas
vítimas pelo simples prazer de subjugá-las de vê-las padecerem em suas mãos. Como se vê,
a douta Magistrada sentenciante, após análise minuciosa das circunstâncias judiciais do
artigo 59 do Código Penal, baseada em elementos concretos presentes nos autos, procedeu
ao incremento da pena mínima em 5/6 (cinco sextos), alcançando a reprimenda de 22(vinte)
dois anos de reclusão, em brilhante e fundamentada decisão, a qual não merece qualquer
retoque, nesta fase, sendo certo que a majorante referente ao recurso que dificultou a defesa
da vítima, acolhida pelos Jurados, foi utilizada para qualificar o crime. Na segunda fase da
fixação da reprimenda, considerando a circunstância agravante da reincidência (indexador
625), consubstanciada na anotação 1 de 12, relativa à condenação transitada em julgado por
crime de roubo, em 06/05/2009, aumentou a pena em 04(quatro) anos, obtendo a sanção
intermédia de 26(vinte e seis) anos de reclusão. Contudo, verifica-se que a confissão
extrajudicial do Acusado não foi considerada na Sentença impugnada. Assim, nos termos
da Súmula nº 545 do STJ, entendo que deve ser reconhecida no caso vertente. Com efeito,
diante dos termos do artigo 67 do Código Penal, operando-se o devido abatimento entre as
circunstâncias, reduzo a pena para 24(vinte e quatro) anos e 09(nove) meses de reclusão.
Derradeiramente, tendo em vista o reconhecimento pelos Jurados da causa de diminuição de
pena relativa à semi-imputabilidade, reduzo a pena na mesma razão adotada na Sentença
impugnada, ou seja, em 1/3(um terço), acomodando a pena em 16(dezesseis) anos e
06(seis) meses de reclusão. Quanto ao Regime Prisional de cumprimento de pena,
mantendo o Fechado, ex vi legis.

7. Por fim, no que tange às alegações de prequestionamento para fins de interposição


eventual de recursos extraordinário ou especial arguido, as mesmas não merecem
conhecimento e tampouco provimento eis que não se vislumbra a incidência de quaisquer
das hipóteses itemizadas no inciso III, letras “a”, “b”, “c” e “d” do art. 102 e inciso III,
letras “a”, “b” e “c” do art. 105 da C.R.F.B. e por consequência nenhuma
contrariedade/negativa de vigência, nem demonstração de violação de normas
constitucionais ou infraconstitucionais, de caráter abstrato e geral

8. DADO PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO para reduzir a pena de S.J.G para 16


(DEZESSEIS) ANOS E 06 (SEIS) MESES DE RECLUSÃO, mantido o Regime Fechado.
DETERMINA-SE, ainda, que a Secretaria observe o artigo 1º, p.u. da Resolução CNJ nº
113/2010 (com redação que lhe foi Rel. Adriana Lopes Moutinho Daudt d’Oliveira 8ª
Câmara Criminal AP 0027769-39.2015.8.19.0038 dada pela Resolução CNJ nº 237/2016),
conforme divulgado pelo Aviso TJ nº 57/2016, de 28/09/2016, a fim de que esta decisão
seja comunicada à VEP, imediatamente. (TJ-RJ - APL: 00277693920158190038
201805007233, Relator: Des(a). ADRIANA LOPES MOUTINHO DAUDT D’
OLIVEIRA, Data de Julgamento: 31/10/2018, OITAVA CÂMARA CRIMINAL, Data de
Publicação: 05/11/2018).

Merece destaque o recurso de apelação n. 0027769-39.2015.8.19.0038,


interposto pelo réu, da decisão condenatória proferida pelo presidente do
Tribunal do Júri da Comarca de Nova Iguaçu/RJ. O recorrente foi
condenado pela prática do crime de homicídio qualificado com recurso que
impossibilitou a defesa da vítima, na forma do art. 121, §2º, IV do Código
Penal.
Trata-se apenas de um dos julgamentos a que o condenado foi submetido.
Denominado como “serial killer da Baixada” e “serial killer de Nova
Iguaçu”, o condenado ficou conhecido ao declarar, em depoimento policial
(2014), ter matado mais de 40 pessoas na Baixada Fluminense, entre os
anos de 2005 e 2014.
Conforme o laudo produzido no incidente de insanidade mental, o
recorrente é pessoa com transtorno de personalidade antissocial e possui
plena capacidade de culpabilidade. Segundo a psiquiatra forense
responsável pela elaboração do laudo, em 99% das vezes, os psicopatas têm
consciência da ilicitude e capacidade para se controlar.
A Psiquiatra do Sistema Penitenciário, também Psiquiatra forense do Hospital Psiquiátrico
Heitor Carrilho, Doutora Sandra, forneceu esclarecimentos sobre o laudo elaborado por ela,
nos autos do processo tendo por vítima Fátima Miranda, afirmando que foi apurado que o
Recorrente tem transtorno de personalidade antissocial, mas que isso não lhe retira a
capacidade de entender o caráter ilícito de sua conduta. Aduz que ele pode ser considerado
um psicopata, o que não se confunde com enfermidade mental, ressaltando que o Réu não
mostra qualquer arrependimento ou empatia. Assevera que os psicopatas, em 99% das
vezes, têm consciência da ilicitude, de estar praticando um ato criminoso e que,
inclusive, tem capacidade para se controlar (grifo nosso).
De acordo com o depoimento do assistente técnico do Ministério Público,
em Plenário, consoante as gravações das entrevistas realizadas com o
delegado de polícia, o “psicopata consegue controlar o seu impulso,
adiando uma ação criminosa, se o momento não se mostrar propício”.
Em suas declarações, o recorrente ainda declarou que matava por prazer.
“Só matava mesmo por prazer. [...] Matava, ficava lá um pouco e depois
saía”393. Confessou também que os crimes eram premeditados e preparados
com uma semana ou mês de antecedência e as vítimas eram aleatoriamente
escolhidas e tinham suas rotinas estudadas por ele.
[Ficava] observando a vítima, estudando. Esperava um mês, às vezes uma semana [...].
Procurava saber onde ela mora, como era a família dela. Passava na rua, via, dava uma
olhada na casa... [...] aí passava uns tempinho [sic] assim, eu ia de madrugada, numa brecha
da casa, numa facilidade, aproveitava, entrava e [...]394.

A preferência do apelante era por mulheres, e o modus operandi era


preferencialmente asfixia ou esganadura. Somente quando as mortes lhe
eram encomendadas, os assassinatos se davam por golpes de faca.
Senti prazer, gostei.
Senti um desejo mais forte assim, aí continuei praticando.
Depois da primeira, continuei.
Eu gostava quando gritava, debatia... me arranhava.
Jornalista: Dava prazer?
Dava.
[...]
Eu saía, ia dar umas voltinhas, saía de bicicleta ou pegava um ônibus. Sentava numa praça,
parava numa padaria. Aí via uma mulher lá, procurava me aproximar dela. Se ela estivesse
numa barraca ou numa padaria bebendo, parava perto, comprava um jornal, ficava lendo.
Fazia isso, comprava bebida. Aí seguia até em casa.
[...]
Usava luva, touca...
Era tipo, como vou dizer? Calculista. Calculava tudo. Fazia tudo no cálculo.
Jornalista: Como foi a primeira que você matou?
Enforcada, degolada, com a mão.
Jornalista: Como você descobriu essa vontade?
Quando eu matei a primeira.
[...]
Falar a verdade. Parar é complicado, é difícil.
Jornalista: Mataria mais 38?
Mataria. Porque já fui preso.
Jornalista. Se você sair hoje, você vai voltar a matar?
Provavelmente sim.
Se eu saísse daqui, por exemplo, daqui uns dez anos, quinze anos, vinte anos... eu vou
voltar a fazer a mesma coisa. É a vontade mesmo, não tem jeito. Eu escolho a minha
mulher, o meu perfil, o que eu achar que deve ser, vai ser395.

Apesar da repercussão mundial que os delitos supostamente praticados


provocaram; da lucidez e tranquilidade do recorrente ao narrar seus crimes;
do laudo de sanidade mental atestando ser o réu imputável e plenamente
capaz de entender o caráter ilícito dos fatos e de se controlar, os jurados
reconheceram a tese de semi-imputabilidade do réu e a consequente causa
de diminuição da pena.
Derradeiramente, tendo em vista o reconhecimento pelos Jurados da causa de diminuição de
pena relativa à semi-imputabilidade, reduzo a pena na mesma razão adotada na Sentença
impugnada, ou seja, em 1/3 (um terço), acomodando a pena em 16 (dezesseis) anos e 06
(seis) meses de reclusão. Quanto ao Regime Prisional de cumprimento de pena, mantendo o
fechado, ex vi legis.

No momento da aplicação da pena, o juiz a quo fixou a pena-base acima


do mínimo legal, considerando também o comportamento do então
condenado (personalidade, culpabilidade e conduta social).
O Juízo a quo fixou a pena-base acima do mínimo previsto no tipo penal incriminador, ou
seja, em 22 (vinte e dois) anos de reclusão, ao argumento, em síntese, de que o Réu ostenta
maus antecedentes, conforme Folha Penal (anotações 2 e 4 de 12, indexador 369),
personalidade marcada pela frieza, agressividade, insensibilidade acentuada,
passionalidade exagerada, maldade, irresponsabilidade no cumprimento das
obrigações, preguiça, já que não tem trabalho fixo, covardia, torpeza, crueldade,
aferidas pelo Juízo através da análise das provas dos autos, inclusive, depoimento das
testemunhas, laudos médicos e termos de declarações do Acusado na Delegacia e perante a
Perícia Judicial. Destaca que o Réu confessa friamente, contando detalhes sobre a morte
violenta e cruel da vítima destes autos, bem como de outras 11 (onze) mortes ainda em
apuração, com o mesmo requinte de frieza e desprezo pela vida humana. Assevera que o
Réu possui personalidade sádica, que une agressividade e libido, sentindo prazer em
infligir dor e humilhação a outras pessoas, mormente em vítimas mulheres,
vulneráveis por natureza. Quanto à culpabilidade, consigna que esta revela-se
exacerbada, considerando a frieza e premeditação com que o Acusado deu fim à vida
da vítima, já que passou semanas organizando sua ação, inteirando-se da rotina da
vítima, seguindo-a do trabalho até a casa até encontrar o momento oportuno para
consumar seu intento criminoso. Pontua, inclusive, que, na noite do crime, o
Recorrente esperou os cachorros da vizinhança pararem de latir, a fim de dar início à
execução do crime.
Também ressalta que a conduta social do Réu merece maior censura, considerando a
forma do seu convívio em âmbito familiar, do trabalho, da comunidade entre outros.
Assevera que o Acusado não era bem quisto por sua família, estando dela separado há
alguns anos, sem qualquer tipo de contato. Argumenta que, de acordo com a entrevista
prestada perante a perita do Juízo, o Réu não convive com seu filho e isso não faz qualquer
diferença em sua vida, ressaltando que o Recorrente vivia perambulando pelas ruas sem
trabalho fixo e residência certa.

b) Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais


AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. LATROCÍNIO. MEDIDA DE SEGURANÇA.
CONDENADO PORTADOR DE TRANSTORNO ANTISSOCIAL DE
PERSONALIDADE. INEXISTÊNCIA DE TRATAMENTO PARA O TRANSTORNO DE
PERSONALIDADE. MEDIDA DE SEGURANÇA APLICADA EM RAZÃO DE VÍCIO
EM DROGAS E ÁLCOOL. REEDUCANDO PRESO HÁ MAIS DE TRÊS ANOS
AGUARDANDO VAGA EM HOSPITAL DE CUSTÓDIA. POSSIBILIDADE DE
APLICAÇÃO DE TRATAMENTO AMBULATORIAL. RECURSO PARCIALMENTE
PROVIDO. Não é possível a manutenção de medida de segurança com base em
transtorno de personalidade incurável se ele não constitui doença que torna o
reeducando inimputável ou semi-imputável, pois a situação constituiria, na prática,
em imposição de pena de caráter perpétuo, vedada pelo artigo 5º, XLVII, b, da
Constituição da República. Tratando-se de condenado viciado em drogas e álcool, razão
pela qual lhe foi aplicada medida de segurança de internação, e encontrando-se em
abstinência há mais de três anos, tempo em que permaneceu preso, mostra-se adequada sua
colocação em tratamento ambulatorial, para que seja avaliado se continuará afastado do
vício após o retorno à sociedade (TJMG. Agravo em Execução Penal n. 1.0145.13.002236-
4/001, Rel. Des. Nelson Missias de Morais, 2ª Câmara Criminal, j. 16/3/2017, P. 27/3/2017)
(grifo nosso).

Trata-se de recurso de agravo em Execução Penal parcialmente provido,


para determinar que o recorrente, pessoa com transtorno de personalidade
antissocial, cumpra medida de segurança consistente em tratamento
ambulatorial tão somente em razão do seu vício em drogas e álcool.
Na decisão, o Tribunal ratificou nosso entendimento e esclareceu que o
recorrente só fora submetido à medida de segurança em razão dos seus
vícios. Esclareceu a inexistência de tratamento para o indivíduo com
transtorno de personalidade antissocial, destacando que se trata “de um
transtorno estrutural, ou seja, não é uma doença que a pessoa tem, é aquilo
que ela é”.
No relatório, ainda constou:
O sentenciado não tem feito uso de álcool ou tóxicos, embora esteja em ambiente protegido.
Entretanto, trata-se de personalidade antissocial. Seu histórico de ilícitos penais é
volumoso. A psicopatia ou transtorno antissocial de personalidade não priva o indivíduo de
sua capacidade de entendimento ou de autodeterminação. Seu comportamento padrão é por
natureza transgressor e avesso às normas de convívio social. Não há tratamento para tal
desvio de personalidade. Não há qualquer indicação técnica para remeter o sentenciado para
tratamento hospitalar ou ambulatorial, bem como, pode-se afirmar que não ocorreu
cessação de sua periculosidade. (f. 84v)

O Tribunal ainda levantou a problemática envolvendo a imputabilidade do


agente, a impossibilidade de cura e o risco que ele é para a sociedade.
O caso do agravante encontra-se em zona fronteiriça. Por um lado, enquanto portador de
transtorno de personalidade, não é inimputável, pois completamente capaz de compreender
o caráter ilícito de seus atos e de se autodeterminar por esse entendimento. Por outro,
embora imputável, seu transtorno faz dele um risco à sociedade, como ressaltado em ambos
os exames. Não bastasse, não há cura para o transtorno.

Seguindo o voto, destacou que se fosse aplicada medida de segurança tão


somente pelo reconhecimento da psicopatia (transtorno de personalidade
antissocial), a segregação do indivíduo dar-se-ia fundamentada
exclusivamente devido a sua personalidade. Assim, considerando o fato de
a psicopatia não ter cura e de que sua segregação dar-se-ia até cessada sua
periculosidade – o que nunca ocorreria –, restaria evidente a imposição de
pena de caráter perpétuo, expressamente vedada na Constituição Federal
(art. 5º, XLVII, ‘b’).
Tivesse sido condenado à pena privativa de liberdade, a situação seria diversa. Todavia,
aplicada medida de segurança e não havendo tratamento para seu transtorno, a segregação
apenas com base em sua personalidade é medida que, em última análise, significa a
imposição de verdadeira pena de caráter perpétuo, vedada em nosso ordenamento jurídico
por força do artigo 5º, XLVII, “b”, da Constituição.

c) Superior Tribunal de Justiça


AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO.
ART. 59 DO CP. CULPABILIDADE, PERSONALIDADE, CONDUTA SOCIAL E
CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. RECURSO
DESPROVIDO.
1. O aumento da pena-base está concretamente fundamentado em elementos que
extrapolam o tipo penal, não havendo que se falar em violação do art. 59 do Código Penal.
2. A moduladora da personalidade “deve ser aferida a partir de uma análise pormenorizada,
com base em elementos concretos extraídos dos autos, acerca da insensibilidade,
desonestidade e modo de agir do criminoso para a consumação do delito [...]” (HC
472.654/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Sexta Turma, DJe 11/3/2019).
3. No caso concreto, o referido vetor foi avaliado em razão da forma como a recorrente
planejou a ação criminosa, sua frieza, dissimulação e traços de psicopatia.
4. Já a vetorial conduta social “corresponde ao comportamento do réu no seu ambiente
familiar e em sociedade, de modo que a sua valoração negativa exige concreta
demonstração de desvio de natureza comportamental” (HC 544.080/PE, Rel. Ministro
RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, DJe 14/2/2020).
5. Na hipótese vertente, as instâncias de origem ressaltaram a existência de alienação
parental e a ausência de cuidados com seus filhos, deixando-os inclusive aos cuidados dos
coautores do crime.
6. Em relação às consequências do crime, qual seja, ter deixado a vítima filhos órfãos, pode
sim ser valorado de forma negativa, haja vista tal componente não ser elemento inerente ao
tipo penal do homicídio (ut, AgRg no REsp 1616691/TO, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS
JÚNIOR, Sexta Turma, DJe 18/11/2016) 7. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AgRg no AREsp n. 1.843.720/DF, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca,
Quinta Turma, julgado em 18/5/2021, DJe de 24/5/2021) (grifo nosso).

Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão de autoria do


relator, em que conheceu do agravo para negar provimento ao recurso
especial, por não vislumbrar ilegalidade na valoração das circunstâncias
judiciais do art. 59 do Código Penal.
O agravante reitera que “a conduta social, culpabilidade e personalidade
foram analisadas segundo a opinião do julgador, mas sem que fossem
indicados dados técnicos, científicos ou fáticos que emprestassem força às
opiniões”. A Quinta Turma, por unanimidade, negou provimento ao
recurso.
Verifica-se que, no julgamento em apreço, o recorrente infere-se contra
decisão judicial que majorou a pena-base, com fundamento na presença das
seguintes circunstâncias judiciais desfavoráveis: culpabilidade,
personalidade, conduta social e consequências do crime.
No caso em apreço, a avaliação pessoal do magistrado sobre a presença de
“traços de psicopatia” na ré foi suficiente e determinante para a majoração
da pena-base, considerada a circunstância judicial “personalidade”. No
julgamento do recurso, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça
afastou qualquer ilegalidade na consideração pessoal do magistrado, sob os
seguintes fundamentos:
O juiz, ainda que tenha conhecimento jurídico, também é leigo no que tange ao
conhecimento aprofundado da mente humana. Contudo, quis o legislador que o Magistrado,
ao avaliar a fixação da pena, levasse cm conta a personalidade do agente. Não como perito,
mas considerando os parâmetros do homem médio, à luz do caso concreto.
O juiz, ainda que tenha conhecimento jurídico, também é leigo no que tange ao
conhecimento aprofundado da mente humana. Contudo, quis o legislador que o Magistrado,
ao avaliar a fixação da pena, levasse cm conta a personalidade do agente. Não como perito,
mas considerando os parâmetros do homem médio, à luz do caso concreto.

4.5.1.2 Transtorno de personalidade antissocial


(psicopatia) e a impossibilidade de progressão
de regimes396
AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. FECHADO PARA O
SEMIABERTO. IMPOSSIBILIDADE. CARÊNCIA DO REQUISITO SUBJETIVO.
SUBMISSÃO A EXAME CRIMINOLÓGICO. RÉU DIAGNOSTICADO COMO
SOCIOPATA E PSICOPATA. DECISÃO IDÔNEA. RECURSO CONHECIDO E
IMPROVIDO.
1. Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão
motivada. Súmula 439/STJ. Súmula Vinculante 26/STF.
2. A atual redação do art. 112 da Lei de Execução Penal – LEP, conferida pela Lei
10.792/2003, retirou a obrigatoriedade do exame criminológico para concessão de benefício
da execução penal. Contudo, a despeito de retirar a obrigatoriedade de tal exame, a nova
redação do art. 112 da LEP não proibiu sua realização, que pode ocorrer quando o
magistrado entender ser conveniente, desde que mediante decisão fundamentada.
3. O silêncio da Lei a respeito da obrigatoriedade do exame criminológico, contudo, não
inibe o juízo da execução do poder de determiná-lo, desde que fundamentadamente. Isso
porque a análise do requisito subjetivo pressupõe a verificação do mérito do condenado,
que não está adstrito ao “bom comportamento carcerário”, como faz parecer a literalidade
da lei, sob pena de concretizar-se o absurdo de transformar o diretor do presídio no
verdadeiro concedente do benefício e o juiz em simples homologador. Precedente do STF.
4. Agravo em execução penal conhecido e improvido.
(TJ-TO- EP: 50078487220138270000, Rel. Juíza Adelina Gurak).

Trata-se de recurso de Agravo em Execução contra decisão que indeferiu


o pedido de progressão do regime fechado para o semiaberto, com
fundamento no parecer desfavorável obtido por meio de exame
criminológico.
O Tribunal de Justiça de Tocantins negou provimento ao recurso, por
unanimidade, ao ratificar a decisão do juiz a quo, que negou a progressão
de regime do apenado, haja vista não preencher o requisito subjetivo para
sua concessão.
Conforme o exame criminológico, o apenado é psicopata, e colocá-lo em
sociedade, no momento, é medida descabida, tendo em vista a alta
probabilidade de que volte a delinquir, inclusive em escalada.
Além disso, o recorrente apresenta risco social e à sua família, vez que os
próprios familiares alegam ter medo do indivíduo – o que coaduna com o
crime pelo qual foi condenado: parricídio.
CONCLUSÃO
Baseado nos fortes e detalhados relatos de testemunhas, inclusiva de sua própria genitora;
no contexto no qual foram praticados os crimes; no cometimento de parricídio; nos métodos
utilizados (modus operandi); nas motivações dos mesmos; na postura intimidadora que
assumiu para com as testemunhas mesmo perante o magistrado; na discrepância e
inadequação de suas emoções em relação aos homicídios cometidos (ausência de empatia
e/ou remorso); na atuação (mentira, fingimento, sedução, manipulação) perante este perito
subscritor, podemos afirmar sem a menor sombra de dúvida que se trata de um indivíduo
frio, traiçoeiro, calculista, dissimulado, de tal magnitude que, além de sociopata, pode e
deve ser considerado um psicopata, com todas as características de prognóstico reservado
em função da irrecuperabilidade.
Portanto, a progressão de regime carcerário para o reeducando está, do ponto de vista
médico psiquiátrico forense, total e definitivamente contra-indicada, sob pena de o mesmo
voltar a delinqüir, inclusive em escalada.

Ao negar provimento ao recurso, o Tribunal de Justiça do Estado do


Tocantins sustentou a sua decisão na conclusão apresentada pelo psiquiatra
da Junta Médica do Poder Judiciário do Estado, a qual também sustentou
ser o avaliado pessoa com “transtorno dissocial (sociopatia) e psicopatia”.
No presente caso, o exame criminológico fora contundente em demonstrar que o
reeducando não faz jus à concessão do benefício da progressão para o regime semiaberto. O
psiquiatra da Junta Médica do Poder Judiciário do Estado do Tocantins, Dr. Wordney
Carvalho Camarço, concluiu que o apenado é portador de personalidade dissocial
(sociopatia) e psicopatia [...]. Desse modo, na presente situação, levando em conta o
elevado apenamento, a gravidade dos delitos praticados, inclusive um parricídio, as notícias
constantes dos autos levadas a efeito pela mãe do sentenciado, a respeito de que os
familiares ainda têm medo do reeducando, bem como o teor do exame criminológico, tenho
que o requisito subjetivo não se encontra preenchido por enquanto.

a) Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul


AGRAVO EM EXECUÇÃO. PROGRESSÃO DE REGIME. CONDIÇÕES SUBJETIVAS.
A progressão de regime assenta-se na conjugação favorável dos requisitos objetivos e
subjetivos a informarem modificação de comportamento e condições que permitam ao
apenado ser transferido de regime mais rigoroso a outro menos rigoroso, em gradual
reinserção no meio social. Hipótese na qual o preso ostenta atestados carcerários de conduta
plenamente satisfatória, consignando, a psicóloga, que a boa conduta deriva apenas da
contenção, constatando quadro clínico de psicopatia. Apenado que narra com extrema frieza
o latrocínio cometido, sem traços de arrependimento. Adentrou na casa da vítima, senhora
de avançada idade e que era sua amiga, a pretexto de consertar um aparelho de DVD,
levando consigo seu filho de 4 anos de idade, mesmo sabendo a cena de horror que a
criança iria presenciar, não havendo nenhuma dúvida do grau de periculosidade desse
indivíduo, a qual não restou abrandada pelo encarceramento, ainda representando sério
risco a si mesmo e à sociedade, não tendo a mínima condição de ingressar em regime mais
brando. Mazelas do sistema penitenciário que não servem a lastrear a concessão de
benefícios. Decisão indeferitória mantida. AGRAVO EM EXECUÇÃO IMPROVIDO
(Agravo, n. 70037159431, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Rel.
Fabianne Breton Baisch, j. 11/8/2010).

A 8ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul negou


provimento ao recurso de Agravo em Execução Penal (n. 70037159431)
interposto contra decisão que negou o benefício da progressão de regime ao
agravante que supostamente atendeu aos requisitos objetivo e subjetivo,
previstos no art. 112 da Lei de Execuções Penais.
Segundo o Tribunal, agiu acertadamente o magistrado a quo ao negar o
benefício, tendo em vista tratar-se de preso com avaliações negativas
resultantes dos laudos social e psicológico aos quais foi submetido. No
caso, invocou a Súmula Vinculante n. 26397 e a Súmula n. 439398 do
Superior Tribunal de Justiça.
Consoante o parecer psicológico, o quadro clínico do agravante indica
traços de psicopatia, destacando que o bom comportamento carcerário do
recorrente decorre, exclusivamente, do controle interno imposto.
A psicóloga ressaltou a frieza com a qual o preso descreveu o latrocínio cometido,
salientando que o mesmo tinha laços de amizade com a vítima, uma senhora já de avançada
idade. Não demonstrou sentimentos de culpa ou de arrependimento; o crime foi cometido
com requintes de perversidade e o quadro clínico indicava traços de psicopatia.
Desaconselhou a progressão, fazendo constar, inclusive, que a boa conduta carcerária
derivava, exclusivamente, do controle interno imposto (fls. 72/73).
No mesmo sentido foram as conclusões da assistente social, observando que o reeducando
descreveu o crime com exagerada frieza, não demonstrando arrependimento. Concluiu que
ainda era precoce a concessão do benefício (fls. 74/75).
Nesse contexto, por óbvio, que a amenização do regime carcerário no qual o preso se
encontra atualmente colocaria em risco não só o próprio apenado, como também a
sociedade.
A progressão de regime não se constitui em direito subjetivo do preso, mas depende da
demonstração de mérito para tanto, consubstanciado numa tomada de consciência sobre o
delito cometido, ainda que mínima, resultando na redução do grau de periculosidade
verificada quando do encarceramento.
Como se pode notar, a verificação de um preso com psicopatia foi o
suficiente para ser-lhe negado o direito de progressão de regime, haja vista
tratar-se de indivíduo com alto grau de periculosidade.
Em recente decisão em sede de Agravo em Execução, o Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul decidiu no mesmo sentido:
AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. PLEITO DE PROGRESSÃO AO REGIME
SEMIABERTO. IMPOSSIBILIDADE. REQUISITO SUBJETIVO NÃO
IMPLEMENTADO. Embora apresente conduta carcerária plenamente satisfatória (fl.
04), há situação excepcional nos autos que torna necessária a manutenção do
recorrente no regime fechado. Duas informações são extraídas do exame do parecer
psicológico de fls. 07/16, que desautorizam a convivência em sociedade do condenado.
Primeiramente, verifica-se que o apenado não demonstra qualquer senso de
responsabilidade ou remorso, apontando a culpa por estar preso a um erro judicial, sem
demonstrar, no entanto, qualquer prova que pudesse servir a embasar alguma revisão
criminal no sentido. Em segundo lugar, o laudo conclui que o encarcerado possui transtorno
de personalidade dissocial, comumente denominado de psicopatia, aparentando frieza nas
respostas e demonstrando desprezo pela necessidade do outro ao negar a realidade.
RECURSO IMPROVIDO (grifo nosso) (Agravo, n. 70074805862, Segunda Câmara
Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Rel. Rosaura Marques Borba, j. 14/9/2017).

Na decisão, o Tribunal destacou o cumprimento do critério objetivo para a


concessão do benefício da progressão do regime fechado para o semiaberto,
contudo, reconheceu o descumprimento do requisito subjetivo, já que se
trata de indivíduo com transtorno de personalidade dissocial, também
conhecido como psicopata.
b) Superior Tribunal de Justiça
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2221309 - MS (2022/0311246-6) DECISÃO.
Trata-se de agravo interposto por APARECIDO PEREIRA MARQUES contra decisão do
Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, que não admitiu o recurso especial
manejado com apoio no art. 105, III, a, da Constituição Federal, em oposição a acórdão
assim ementado (e-STJ, fl. 100):
“EMENTA - AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL - PROGRESSÃO DE REGIME -
EXAME CRIMINOLÓGICO DESFAVORÁVEL - REQUISITO SUBJETIVO NÃO
COMPROVADO - FALTA GRAVE - FUGA - DECISÃO DEVIDAMENTE
FUNDAMENTADA - PREQUESTIONAMENTO - DESNECESSIDADE DE
MANIFESTAÇÃO EXPRESSA SOBRE DISPOSITIVOS APONTADOS - COM O
PARECER, RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Ao Juízo da Execução Penal não
é vedado exigir a realização de exame criminológico, desde que o faça por decisão
devidamente fundamentada, em consonância com as peculiaridades do caso concreto,
consoante Súmula 439 do Superior Tribunal de Justiça e Súmula Vinculante 26 do Pretório
Excelso. Para que o reeducando obtenha progressão de regime, não basta demonstrar o
preenchimento de requisito meramente objetivo, a tanto afigurando-se imprescindível,
também, requisito de natureza subjetiva, nos termos do art. 112 da Lei de Execuções Penais.
Realizado exame criminológico e demonstrado em laudo que o reeducando não se mostra
em condições de retornar ao convívio social, representando risco à segurança pública e à
coletividade, o indeferimento da concessão do benefício se revela inevitável, porquanto
ausente indispensável requisito subjetivo. Ademais, a prática de falta grave durante a
execução da pena, embora não interrompa o prazo para a obtenção do benefício do
livramento condicional (requisito objetivo), afasta o preenchimento do requisito subjetivo,
obstando a concessão da benesse. É assente na jurisprudência que, se o julgador aprecia
integralmente as matérias que lhe são submetidas, se torna despicienda a manifestação
expressa acerca de dispositivos legais utilizados pelas partes como sustentáculo às suas
pretensões. “
A defesa aponta negativa à vigência dos arts. 8 e 112 da LEP, uma vez que “o juiz não fica
adstrito às conclusões extraídas pelos peritos, ainda mais quando as condições pessoais do
requerente indicam a viabilidade da fixação de regime prisional mais brando ou até mesmo
a sua colocação em liberdade condicional”. Aduz, ainda, que “o laudo inconclusivo
apresentado não é hábil para impedir a progressão, pois não é enfático à situação
psicológica do reeducando, e os argumentos postos no laudo não foram aptos para a
denegação”. Requer, assim, seja concedida a progressão de regime para o semiaberto. O
recurso foi inadmitido com fundamento na incidência da Súmula 83 do STJ (e- STJ, fls.
142-143). Daí este agravo. O Ministério Público Federal manifestou-se pelo não
provimento do recurso especial (e-STJ, fls. 189-197).
É o relatório.
Decido.
O Tribunal de origem indeferiu a progressão de regime pelos seguintes fundamentos:
“Consoante se vê do Laudo Psicológico de fls. 45-69, não há confirmação alguma
acerca do preenchimento satisfatório de requisito subjetivo, posto que o reeducando
não demonstra estar em condições de aceitar e retornar ao convívio social e cumprir
regras”. Nesse diapasão, enfatizou (fl. 52) o expert que “o Sentenciado demonstrou um
perfil dissocial, indiferente, insensível, sem remorso ou culpa ou empatia, manipulador
e vigarista, sendo que tais características foram confirmadas pelos testes psicológicos,
cujos resultados denotam imaturidade no trato com as emoções e manejos defensivos,
instabilidade, possibilidade de ruptura do equilíbrio interno, dificuldade de elaborar
conflitos intrapsíquicos, ausência de repressões indispensáveis do homem socialmente
adaptado e que seu perfil pode ser classificado como psicopático, motivo pelo qual
concluí que ele é acometido pelo transtorno de personalidade antissocial global
(CID10 F60.2) “. Por fim, o expert concluiu (fl. 54) que o sentenciado “é acometido pelo
transtorno de personalidade antissocial global, também conhecido como psicopatia, motivo
pelo qual precisa ser submetido a tratamento psicoterápico, a fim de que lhe seja propiciada
a remissão dos sintomas dessa psicopatologia. PORTANTO, CONSIDERANDO O
OBJETIVO DO PRESENTE EXAME CRIMINOLÓGICO, CONCLUO QUE O
SENTENCIADO NÃO ESTÁ APTO A PROGREDIR PARA O REGIME
SEMIABERTO”. Ademais, o agravante não apresentou qualquer fato técnico que pudesse
macular ou impugnar o referido laudo, salvo a menção atinente à subjetividade do exame
criminológico. Como cediço, ex vi do art. 112 da Lei de Execução Penal, a concessão da
progressão de regime está subordinada à constatação de condições pessoais que façam
presumir que o sentenciado tem aptidão para o convívio social e apresente indicativos de
que não voltará a delinquir, sendo, portanto, necessário uma análise mais acurada do
comportamento do mesmo dada as circunstâncias pessoais do condenado, máxime
considerando que, in casu, fora condenado a 19 anos, 4 meses e 15 dias de reclusão, pela
prática dos delitos capitulados nos artigos 33, caput, da Lei nº 11.343/06, e artigos 129, §3º
e 157, §2º, I, ambos do Código Penal (fls. 29-31). Aliás, o risco ao convívio restou
expressamente consignado pelo perito, consoante salientado alhures. Nesse contexto, a
realização do exame revelou-se imprescindível, face às particularidades detectadas,
mormente considerando que inexiste qualquer vedação neste particular, desde que
determinado em decisão fundamentada e motivada, consoante Súmula nº 439 do Superior
Tribunal de Justiça. [...] Mas não é só. Mister se faz observar que durante o cumprimento da
pena o agravante cometeu falta grave (fuga), justamente no período que obteve o direito a
progressão para o regime semiaberto, consoante se vê do Relatório da Situação Processual
Executória de fl. 33. Com efeito, em que pese o argumento de que o recorrente possui
conduta carcerária ótima, não se pode olvidar que realça histórico prisional censurável, a
colocar em xeque a pretensão enfocada. Como pontuou a Procuradoria de Justiça (fl. 94), “o
fato de o comportamento do reeducando ter sido considerado ‘bom’ ou ‘ótimo’ não é
suficiente para tirar conclusões acerca de suas condições subjetivas, posto que essa
avaliação é referente apenas às ações praticadas dentro do sistema prisional, enquanto o
benefício ora analisado está ligado à segurança da vida em sociedade” (e-STJ, fls. 103-107).
Verifica-se, pois, que as instâncias ordinárias entenderam pelo indeferimento do benefício
em razão do não cumprimento do requisito subjetivo por parte do recorrente, evidenciado
pela conclusão da avaliação psicológica que não foi favorável à concessão do benefício,
acarretando dúvidas sobre o juízo crítico do apenado. Com efeito, “o julgador forma sua
convicção pela livre apreciação da prova, de modo que, uma vez realizado o exame
criminológico, não é possível suprimir dele a consideração de relatórios profissionais
desfavoráveis ao deferimento de benefícios da execução penal” (AgRg no HC 426201/SP,
Rel. Ministro ROGÉRIO SCHIETTI, SEXTA TURMA, julgado em 5/6/2018, DJe
12/6/2018). Ademais, o “atestado de boa conduta carcerária não assegura o livramento
condicional ou a progressão de regime ao apenado que cumpriu o requisito temporal, pois o
Juiz não é mero órgão chancelador de documentos administrativos e pode, com lastros em
dados concretos, fundamentar sua dúvida quanto ao bom comportamento durante a
execução da pena” (AgRg no HC 572.409/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ,
SEXTA TURMA, julgado em 2/6/2020, DJe 10/6/2020).
Sobre o tema: “AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL.
PROGRESSÃO DE REGIME. REQUISITO SUBJETIVO. EXAME CRIMINOLÓGICO
REALIZADO. LAUDO DESFAVORÁVEL. INDEFERIMENTO MOTIVADO.
AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO DESPROVIDO. 1. É certo
que o Superior Tribunal de Justiça possui orientação de que a exigência de exame
criminológico depende de decisão fundamentada, em que sejam declinados elementos
concretos e individualizados, ocorridos durante o cumprimento da pena, que apontem
desabono ou demérito do Sentenciado. 2. Na espécie, todavia, não há notícia nos autos de
que a decisão do Juiz das Execuções Criminais que condicionou a pretendida progressão de
regime prisional à realização da perícia foi impugnada pelo Reeducando. Portanto, a
despeito das alegações defensivas sobre o comportamento carcerário do Agravante, a
determinação para a confecção do exame criminológico, a rigor, está preclusa. 3.
Concretizada a realização da perícia, o resultado desfavorável pode ser empregado pelo
Magistrado para firmar sua convicção sobre o implemento do requisito subjetivo para o
abrandamento do regime carcerário. 4. Hipótese na qual o resultado do exame
criminológico concluiu que o Apenado não está apto a cumprir pena em regime semiaberto,
pois “é acometido pelo transtorno de personalidade emocionalmente instável” e apresenta
“um perfil impulsivo, emocionalmente desequilibrado e imaturo, não possuindo capacidade
psicológica para controlar seus impulsos primários, sublimar sua agressividade e aceitar o
convívio social e cumprir regras de conduta”(fl. 27). 5. Agravo desprovido.” (AgRg no HC
662.367/MS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 18/5/2021, DJe
28/5/2021).
“EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS.
INCONFORMISMO DA PARTE, ALEGANDO DETERMINAÇÃO DE EXAME
CRIMINOLÓGICO SEM FUNDAMENTOS CONCRETOS. IMPUGNAÇÃO
INCABÍVEL. EXAME JÁ EFETUADO. PRECLUSÃO. LAUDO PSICOLÓGICO
CONCLUSIVO, BASEADO EM ASPECTOS ABSTRATOS DA GRAVIDADE DO
CRIME. INOCORRÊNCIA. PSICÓLOGOS SE ATIVERAM À PERICULOSIDADE DO
EXECUTADO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. Incabível a impugnação de
determinação de exame criminológico com base em decisão sem fundamentos concretos,
uma vez que a defesa deveria ter se insurgido contra a realização da avaliação em momento
oportuno, ou seja, após a determinação do exame e antes de sua confecção. Nesse sentido:
Contra a determinação da realização do exame, contudo, a d. Defesa sequer se insurgiu e,
agora, além de matéria abarcada pela preclusão, o que se tem é que há prova recente nos
autos, produzida durante a execução penal, que não recomenda o benefício almejado (STJ -
HC 609042, Rel. Ministro FELIX FISCHER, data da publicação: 39/9/2020). 2. Segundo
jurisprudência firmada por esta Corte, o parecer psicossocial desfavorável é suficiente para
impedir a progressão de regime: Não se vislumbra qualquer ilegalidade ou arbitrariedade na
decisão impugnada, tendo em vista as peculiaridades do caso concreto - avaliação técnica
desfavorável - que justificam o indeferimento da progressão do regime prisional em razão
da ausência do cumprimento do requisito subjetivo pelo apenado (precedentes). Habeas
Corpus não conhecido. (HC 322.501/MS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma,
julgado em 1º/9/2015, DJe 9/9/2015. 3. No caso, ficou claro que os peritos da área
psicológica avaliaram a situação de periculosidade do apenado, quando descreveram que
ele não tem condições de retornar a viver em sociedade, bem como não se ressentiu dos
crimes que praticou. 4. Agravo regimental improvido.” (AgRg no HC 650.845/AL, Rel.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em
13/4/2021, DJe 19/4/2021)”
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PLEITO DE
PROGRESSÃO AO REGIME SEMIABERTO. LIVRAMENTO CONDICIONAL.
INDEFERIMENTO FUNDAMENTADO. AUSÊNCIA DO REQUISITO SUBJETIVO.
AGRAVO DESPROVIDO. 1. Na hipótese, o indeferimento do benefício foi devidamente
fundamentado pelo Juízo singular, em decisum confirmado pela Corte a quo, em razão do
não preenchimento do requisito subjetivo, com base em laudo pericial parcialmente
favorável ao Impetrante, não se constatando, pois, o apontado constrangimento ilegal. 2.
Agravo regimental desprovido.” (AgRg no HC 477.529/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ,
SEXTA TURMA, julgado em 5/11/2019, DJe 28/11/2019)
Por fim, as instâncias ordinárias concluíram pelo não cumprimento do requisito subjetivo
por parte do recorrente, evidenciado pela conclusão da avaliação psicológica que não foi
favorável à concessão do benefício. Desse modo, evidente que chegar a conclusão contrária
demandaria o revolvimento fático-probatório, providência inviável em sede de recurso
especial, conforme dispõe a Súmula 7/STJ.
Ante o exposto, com fundamento no art. 253, parágrafo único, II, b, do RISTJ, conheço do
agravo para negar provimento ao recurso especial. Publique-se. Intimem-se. (STJ - AREsp:
2221309 MS 2022/0311246-6, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Publicação:
DJ 22/2/2023).

Trata-se de recurso de agravo interposto contra decisão do Tribunal de


Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, que não admitiu o recurso
especial manejado com apoio no art. 105, III, “a”, da Constituição Federal,
em oposição a acórdão assim ementado (e-STJ, fl. 100):
“EMENTA - AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL – PROGRESSÃO DE REGIME –
EXAME CRIMINOLÓGICO DESFAVORÁVEL - REQUISITO SUBJETIVO NÃO
COMPROVADO – FALTA GRAVE – FUGA - DECISÃO DEVIDAMENTE
FUNDAMENTADA – PREQUESTIONAMENTO - DESNECESSIDADE DE
MANIFESTAÇÃO EXPRESSA SOBRE DISPOSITIVOS APONTADOS - COM O
PARECER, RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Ao Juízo da Execução Penal não
é vedado exigir a realização de exame criminológico, desde que o faça por decisão
devidamente fundamentada, em consonância com as peculiaridades do caso concreto,
consoante Súmula 439 do Superior Tribunal de Justiça e Súmula Vinculante 26 do Pretório
Excelso.
Para que o reeducando obtenha progressão de regime, não basta demonstrar o
preenchimento de requisito meramente objetivo, a tanto afigurando-se imprescindível,
também, requisito de natureza subjetiva, nos termos do art. 112 da Lei de Execuções Penais.
Realizado exame criminológico e demonstrado em laudo que o reeducando não se mostra
em condições de retornar ao convívio social, representando risco à segurança pública e à
coletividade, o indeferimento da concessão do benefício se revela inevitável, porquanto
ausente indispensável requisito subjetivo.
Ademais, a prática de falta grave durante a execução da pena, embora não interrompa o
prazo para a obtenção do benefício do livramento condicional (requisito objetivo), afasta o
preenchimento do requisito subjetivo, obstando a concessão da benesse.
É assente na jurisprudência que, se o julgador aprecia integralmente as matérias que lhe são
submetidas, se torna despicienda a manifestação expressa acerca de dispositivos legais
utilizados pelas partes como sustentáculo às suas pretensões”.

Com fundamento no art. 253, parágrafo único, II, “b”, do RISTJ, o


recurso de agravo foi conhecido para negar provimento ao recurso especial
(Súmula 7, do STJ).
Segundo constou da decisão, o Tribunal de origem indeferiu o benefício
da progressão de regime, após a avaliação psicológica do condenado atestar
ser o mesmo portador do transtorno de personalidade antissocial “global” e
verificadas as seguintes características:
Consoante se vê do Laudo Psicológico de fls. 45-69, não há confirmação alguma acerca do
preenchimento satisfatório de requisito subjetivo, posto que o reeducando não demonstra
estar em condições de aceitar e retornar ao convívio social e cumprir regras. Nesse
diapasão, enfatizou (fl. 52) o expert que “o Sentenciado demonstrou um perfil dissocial,
indiferente, insensível, sem remorso ou culpa ou empatia, manipulador e vigarista,
sendo que tais características foram confirmadas pelos testes psicológicos, cujos resultados
denotam imaturidade no trato com as emoções e manejos defensivos, instabilidade,
possibilidade de ruptura do equilíbrio interno, dificuldade de elaborar conflitos
intrapsíquicos, ausência de repressões indispensáveis do homem socialmente adaptado
e que seu perfil pode ser classificado como psicopático, motivo pelo qual concluí que ele é
acometido pelo transtorno de personalidade antissocial global (CID10 F60.2)” (grifo
nosso).

Oportuno destacar que, conforme estudado no primeiro capítulo do livro,


a expressão transtorno de personalidade antissocial “global” é uma
terminologia criada pela psiquiatra forense Hilda Clotilde Penteado Morana
para se referir aos indivíduos com transtorno de personalidade antissocial
que também são psicopatas. Relembramos, porém, que essa terminologia,
apesar de utilizada por determinados psiquiatras e psicólogos, não vem
categorizada na CID-10 ou DSM-V-TR.
Por fim, o expert concluiu (fl. 54) que o sentenciado “é acometido pelo transtorno de
personalidade antissocial global, também conhecido como psicopatia, motivo pelo qual
precisa ser submetido a tratamento psicoterápico, a fim de que lhe seja propiciada a
remissão dos sintomas dessa psicopatologia. PORTANTO, CONSIDERANDO O
OBJETIVO DO PRESENTE EXAME CRIMINOLÓGICO, CONCLUO QUE O
SENTENCIADA NÃO ESTÁ APTO A PROGREDIR PARA O REGIME SEMIABERTO”
(grifo nosso).

4.5.1.3 Transtorno de personalidade antissocial


(psicopatia) e a impossibilidade de livramento
condicional
RECURSO DE AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL INTERPOSTO PELO APENADO
CONTRA DECISÃO JUDICIAL QUE INDEFERIU O PLEITO DE CONCESSÃO DO
BENEFÍCIO DE LIVRAMENTO CONDICIONAL, AO FUNDAMENTO DE QUE O
MESMO NÃO ATENDE AOS REQUISITOS SUBJETIVOS INSERTOS NO ARTIGO 83,
INC. III E PARÁGRAFO ÚNICO DO CÓDIGO PENAL. AGRAVANTE CONDENADO
PELA PRÁTICA DE CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL CONTRA SUA FILHA
BIOLÓGICA MENOR, COM 04 (QUATRO) ANOS DE IDADE À ÉPOCA DOS FATOS.
EXAMES CRIMINOLÓGICO E PSIQUIÁTRICO REALIZADOS EM DUAS
OPORTUNIDADES, EM QUE SE CONSTATOU QUE O PENITENTE POSSUI
PATOLOGIA CONSUBSTANCIADA EM TRANSTORNO DE PERSONALIDADE
ANTISSOCIAL. ADEMAIS, CONCLUI-SE QUE, O MESMO NÃO DEMONSTRA
ARREPENDIMENTO PELO QUE FEZ, NÃO TENDO APOIO FAMILIAR, E
TAMPOUCO PROVA TER CONDIÇÕES EM PROVER A PRÓPRIA SUBSISTÊNCIA,
BEM COMO LOCAL ONDE RESIDIRIA, CASO O BENEFÍCIO FOSSE CONCEDIDO.
AGRAVANTE QUE, APESAR DO IMPLEMENTO DO REQUISITO TEMPORAL, NÃO
ATENDE AO DISPOSTO NO INCISO III E PARÁGRAFO ÚNICO, DO ART. 83 DO
CÓDIGO PENAL. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO. Trata-se de
recurso de agravo em execução, interposto pelo apenado de André Ramalho Fernandes,
representado por órgão da Defensoria Pública, contra a decisão proferida pelo Juiz da Vara
de Execuções Penais, o qual indeferiu o benefício do livramento condicional ao penitente,
ao fundamento de que o mesmo, embora preencha o requisito temporal, não demonstrou
possuir juízo crítico acerca do “grave crime sexual que cometeu contra a própria filha, visto
que tentou minimizar o que fez, não demonstrou arrependimento”, e não percebe as causas
determinantes do delito. Sustenta o agravante, em suas razões, que da análise dos requisitos
subjetivos para a concessão do benefício, o magistrado não está adstrito ao resultado do
exame criminológico, cuja realização poderá ser dispensada, podendo e devendo, “se
arvorar em outras documentações que comprovem que o apenado se encontra apto para
usufruir do benefício” por possuir autodisciplina e senso de responsabilidade. Dentro dessa
perspectiva, no caso dos autos, não obstante as alegações defensivas de que o agravante
preenche o requisito de ordem objetiva, ante o cumprimento de 2/3 (dois terços) da pena de
15 (quinze) anos e 9 (nove) meses de reclusão, pela prática do crime de estupro de
vulnerável cometido contra a própria filha, menor à época com 04 (quatro) anos de idade,
nos autos do processo nº 0309420-31.2012.8.19.0001, tem-se que o agravante não atende ao
requisito subjetivo do art. 83, inciso III, e parágrafo único, do Código Penal. Por certo, do
exame do conjunto de todo o histórico do apenado, ora agravante, verifica-se que de acordo
com os pareceres médicos, o mesmo, além de não ter demonstrado arrependimento do grave
delito que cometeu, não encontra respostas, não justifica, assim como não possui apoio
familiar, pois os parentes da “esposa e dele não aceitam o que fez”, além da ausência de
instrução nos autos de que o mesmo possui residência para morar, caso seja concedido o
benefício. Com efeito, o primeiro parecer psiquiátrico a que o ora penitente foi submetido
foi conclusivo no sentido de que “com muito custo, o mesmo tenta se explicar e relata que
sua esposa não o queria mais, estava desesperado e um dia viu sua filha sair do banho e
estava sem roupas e logo sentiu desejo (...) todo o relato do interno tem (...) algo (...) para se
defender. Não mostra arrependimento (...) entra em contradições. O único medo que tem é
de morrer ao sair pois familiares da esposa e dele não aceitam o que fez (...) Paciente
lúcido, orientado, normovigil, articulado e tentou manipular todo o exame e minimizar o
que fez. Existe patologia que impeça o benefício. F60. Transtorno de personalidade,
antissocial.” (fls. 04/09 de índice 02) Em seguida, o agravante, André, realizou o
segundo exame, o qual atestou a existência de transtorno de personalidade, in litteris:
“(...) o mesmo mostra-se totalmente sem emoção ao relatar o fato, demonstra no
diálogo querer se redimir, mas totalmente sem culpa, sem querer bem a filha, parece
querer apenas se livrar da acusação. Não mostra de verdade arrependimento e não
pensa como sua filha está. Mostrando um desvio de personalidade (totalmente sem
empatia com seus familiares).” (F-60): (fls. 15/21 de índice 02). Destarte, a despeito do
penitente nominado ter preenchido o requisito objetivo temporal, as circunstâncias fáticas
do caso concreto revelam que o mesmo não reúne condições pessoais, que autorizem a
concessão do livramento condicional, por ausência de atendimento ao requisito subjetivo
previsto no art. 83, parágrafo único, do Código Penal. CONHECIMENTO E
DESPROVIMENTO DO RECURSO.
(TJ-RJ - EP: 50065370820228190500 202207601509, Relator: Des(a). ELIZABETE
ALVES DE AGUIAR, Data de Julgamento: 21/09/2022, OITAVA CÂMARA CRIMINAL,
Data de Publicação: 23/9/2022) (grifo nosso).

Em recente decisão, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro


conheceu e julgou desprovido o Recurso de Agravo em Execução contra
decisão que indeferiu a concessão do benefício de livramento condicional,
sob o fundamento de o executado não atender ao requisito subjetivo exposto
no art. 83, inciso III, e parágrafo único do Código Penal.
Segundo constou nos autos, o recorrente foi condenado pela prática do
crime de estupro de vulnerável contra sua filha, que contava, à época dos
fatos, com 4 anos de idade.
Conforme a decisão do Juiz da Vara das Execuções Penais, o réu não
possui “juízo crítico acerca do ‘grave crime sexual que cometeu contra a
própria filha, visto que tentou minimizar o que fez, não demonstrou
arrependimento’, e não percebe as causas determinantes do delito”.
Quando submetido a uma primeira avaliação psiquiátrica, o réu foi
diagnosticado com transtorno da personalidade antissocial (F60.2).
Conforme se abstrai da conclusão do laudo psiquiátrico, o réu transferiu a
culpa dos seus atos ao fato de a sua esposa não “o querer mais”; não
demonstrou arrependimento e entrou em contradição. O seu único “medo”
(não está associado ao medo em si ou a eventual remorso, mas a um
mecanismo de preservação) é de morrer ao sair, vez que os seus familiares e
os da sua esposa não aceitaram os seus atos:
“com muito custo, o mesmo tenta se explicar e relata que sua esposa não o queria mais,
estava desesperado e um dia viu sua filha sair do banho e estava sem roupas e logo sentiu
desejo (...) todo o relato do interno tem (...) algo (...) para se defender. Não mostra
arrependimento (...) entra em contradições. O único medo que tem é de morrer ao sair pois
familiares da esposa e dele não aceitam o que fez (...) Paciente lúcido, orientado,
normovigil, articulado e tentou manipular todo o exame e minimizar o que fez. Existe
patologia que impeça o benefício. F60. Transtorno de personalidade, antissocial” (fls.
04/09 de índice 02). (grifo nosso)

Quando submetido a um segundo exame, novamente foi diagnosticado


com transtorno de personalidade. O réu não demonstrou ter
verdadeiramente se arrependido dos fatos. Todo o seu relato apenas expôs
sua intenção de ser beneficiado de algum modo.
“(...) o mesmo mostra-se totalmente sem emoção ao relatar o fato, demonstra no diálogo
querer se redimir, mas totalmente sem culpa, sem querer bem a filha, parece querer apenas
se livrar da acusação. Não mostra de verdade arrependimento e não pensa como sua filha
está. Mostrando um desvio de personalidade (totalmente sem empatia com seus familiares)”
(F-60): (fls. 15/21 de índice 02).

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro entendeu que, apesar


de o recorrente ter preenchido o requisito objetivo temporal, “as
circunstâncias fáticas do caso concreto revelam que o mesmo não reúne
condições pessoais que autorizem a concessão do livramento condicional,
por ausência de atendimento ao requisito subjetivo previsto no art. 83,
parágrafo único, do Código Penal”.
4.6 Capacidade de culpabilidade do psicopata
A partir desse momento, discutiremos a capacidade de culpabilidade do
psicopata, com fundamento nos ensinamentos até o momento apregoados.
Reconhecemos, por ora, que a complexidade do assunto também nos remete
a soluções diversas e pautadas em determinadas situações.

4.6.1 Psicopatia e inimputabilidade


A inimputabilidade do agente somente estará configurada se, por doença
mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, o agente era,
ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter
ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Seguindo a sistemática até então adotada, analisaremos primeiramente se
a psicopatia é um transtorno mental ou desenvolvimento mental incompleto
ou retardado. Momento seguinte, na hipótese de ser verificado o fato de a
psicopatia tratar-se de doença mental ou desenvolvimento mental
incompleto ou retardado, analisaremos se, em razão dessas circunstâncias, o
agente possui capacidade para entender o caráter ilícito dos fatos ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento.

4.6.1.1 Psicopatia e doença mental


Conforme visto no primeiro capítulo, há muito se defendeu o caráter de
doença mental da psicopatia. Tal concepção se deve principalmente à
própria compreensão etimológica do termo [do grego psyche (mente) e
pathos (doença)].
Há ainda quem sustente tal posicionamento, sob o argumento de que a
Organização Mundial da Saúde e a Associação Americana de Psiquiatria
dispuseram o transtorno de personalidade antissocial no rol das doenças
mentais, portanto, como tal deve ser considerada.
Com o avanço das pesquisas e dos estudos direcionados, surgiu uma nova
compreensão do tema.
A classe psiquiátrica vem se inclinando no sentido de que o fato da
psicopatia encontrar-se nesse rol nosológico, não lhe confere,
necessariamente, o caráter de doença mental. Segundo esta corrente, a
psicopatia é um transtorno na personalidade do indivíduo, no qual não
provoca qualquer perturbação de ordem psíquica, das perspectivas acerca
da realidade ou qualquer outro sintoma ocorrente em transtornos mentais
como psicose, depressão ou esquizofrenia:
[...] a psicopatia não pode ser compreendida a partir da visão tradicional da doença mental.
Os psicopatas não são pessoas desorientadas ou que perderam o contato com a realidade;
não apresentam ilusões, alucinações ou a angústia subjetiva intensa que caracterizam a
maioria dos transtornos mentais399.
O critério de inclusão universal que qualifica um sujeito de “doente mental” baseia-se na
correção do raciocínio que ele tem da realidade. O psicopata demonstra pensar
corretamente, ainda que as provas apontem para uma inteligência emocional mínima. Sem
dúvida, este tipo de inteligência – que supõe a união cognoscitivo com o emocional e que
conforma um pensamento genuinamente humano – ainda não é contemplado no momento
de se considerar uma pessoa como “doente mental”400.

Compartilhamos do entendimento majoritário no sentido de que a


psicopatia não se trata de um transtorno mental, mas de um transtorno na
personalidade do indivíduo.
Coadunamos ainda com a posição do psiquiatra argentino Hugo Marietan,
ao afirmar que a psicopatia é uma forma de ser401, um tipo de
personalidade402 e, portanto, não uma manifestação decorrente de
transtorno mental.
Questão que poderia provocar dúvidas acerca da normalidade psíquica do
agente diz respeito às recentes pesquisas científicas que revelam que o
sistema nervoso do psicopata apresenta diferenciações quando comparado
ao sistema nervoso de indivíduos ‘normais’.
Hugo Marietan ressalta: “sempre se encontram algumas anomalias
cerebrais em psicopata e em psicóticos, mas não são estatisticamente
significativas nem constantes em todos os psicopatas”403.
Outrossim, por muito tempo anunciaram que o cérebro dos homossexuais
era estruturalmente diferente do cérebro dos homens heterossexuais. Apesar
de atualmente pesquisas darem conta de que a homossexualidade pode estar
atrelada à existência de um gene específico, não há que se falar no
homossexualismo como doença mental404.
Defendemos que embora seja realmente convalidado o entendimento de
que todos os psicopatas apresentam alguma alteração na estrutura do crânio,
isso não lhe impõe, necessariamente, a condição de doente mental.
Admitimos que eventual alteração apenas retrata a diferença natural
existente na classe humana.

4.6.1.2 Psicopatia e desenvolvimento mental


incompleto
ou retardado
Passemos a traçar um quadro comparativo entre a psicopatia e o
desenvolvimento mental incompleto ou retardado.
Considerando que o desenvolvimento mental incompleto nos confere a
noção de psiquismo que ainda não se desenvolveu por completo, e
desenvolvimento mental retardado, que ainda não atingiu a maturidade
psíquica, não é possível compartilhar o entendimento de que o psicopata se
enquadra nesse perfil.
Conforme verificamos, uma das maiores qualidades do psicopata consiste
na sua engenhosidade em planejar atos quase infalíveis e executá-los de
forma surpreendente. O psicopata possui capacidade intelectual intacta.
Muitas vezes, inclusive, apresenta coeficiente intelectual acima da média.
Assim, não há que se falar que a psicopatia é forma exemplificativa de
desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Além disso, mesmo que
fosse comprovado tratar-se de doença mental, a informação não seria
suficiente para declará-lo inimputável. Os elementos consequenciais
precisariam ser avaliados e verificados.

4.6.1.3 Da capacidade para entender o caráter


ilícito dos fatos ou de determinar-se de acordo
com esse entendimento
De acordo com o art. 26 do Código Penal, a doença mental ou o
desenvolvimento mental incompleto ou retardado devem ser fatores
desencadeantes para, no momento dos fatos, tornarem o agente inteiramente
incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo
com esse entendimento.
O psicopata nasce conhecendo as normas que imperam na sociedade para
tornar uma convivência mais saudável e justa. Em razão da divergência de
ideais entre a finalidade dessas normas e dos seus intentos, o psicopata
geralmente cria sua própria norma, porque tem consciência que a norma
vigente é fator impeditivo para a prática livre dos seus atos.
Segundo Hugo Marietan, o psicopata compartilha a maioria das normas
que regem a sociedade, por isso, pode adaptar-se comumente na sociedade
sem ser facilmente detectado. O psicopata conhece a norma geral e se
comporta de acordo com ela desde que esta lhe seja mais benéfica405.
Conforme verificado, o psicopata não apresenta qualquer alteração na
percepção da realidade ou na sua capacidade intelectiva – o que nos leva a
concluir sua plena capacidade para compreender o caráter ilícito do fato.
O que poderia provocar questionamentos diz respeito à sua capacidade de
autodeterminação. Entendemos que esse requisito consiste na verificação da
incapacidade que o sujeito possui na forma de agir conforme a razão e a
prática de atos resultantes de um impulso interno irresistível.
O que tem levado inúmeros doutrinadores a entender que a psicopatia está
ligada à incapacidade (total ou parcial) de frear os seus impulsos decorre,
em parte, da compreensão errônea do perfil do psicopata delineado pela
moderna psiquiatria.
Segundo Robert D. Hare, os psicopatas são impulsivos e têm autocontrole
deficiente. Em princípio, a afirmação parece coadunar com o segundo
elemento consequencial da inimputabilidade (ausência de capacidade de
autodeterminação). Contudo, a impulsividade e o autocontrole deficiente
característicos do psicopata, não são suficientes para afastar sua capacidade
de autodeterminação.
Os psicopatas são estritamente racionais. Suas condutas são sempre
valoradas e pormenorizadamente delineadas. Não é incomum encontrarmos
psicopatas que escolhem um perfil de vítima, o modus operandi e
circunstâncias similares para a consecução dos seus atos. Sua forma de agir
está geralmente ligada a um plano premeditado.
Entendemos ser contraditório afirmar, inicialmente, que os psicopatas
planejam seus crimes e seus atos, até ocupam altos cargos e, ao mesmo
tempo, defender que são impulsivos e sem poder de autocontrole. Evidente
que pessoas bem-sucedidas apresentam um mínimo de controle das suas
ações.
O psicopata direciona sua conduta a uma finalidade já determinada e tem
consciência das suas consequências. Ele ainda mantém o controle de toda a
situação e do seu comportamento, podendo, a qualquer tempo, interromper
ou adiar a execução dos seus atos se lhe for mais conveniente.
Declinamos que o ato impulsivo e o autocontrole deficiente são
características que podem ser encontradas em qualquer ser humano sem
distinção de raça, cor, sexo e opção sexual. Por esse motivo, entendemos
não ser plausível criar uma distinção de classificação e nela abranger
somente os psicopatas.
Pelos motivos mencionados, entendemos que o psicopata tem plena
capacidade para entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de
acordo com esse entendimento.

4.6.1.4 Considerações
Tendo em vista o fato de que a inimputabilidade depende da existência
concomitante dos elementos constitutivos causais, consequenciais e
temporal (no momento da ação ou omissão), a psicopatia não tem, por si só,
o condão de afastar a imputabilidade do agente.
Primeiramente, não encontramos qualquer relação da psicopatia com
doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado.
Consequentemente, não haveria que avaliar se os elementos constitutivos
consequenciais estariam presentes. Ainda que houvesse relação direta da
psicopatia com os elementos constitutivos causais, os consequenciais não
estariam presentes.
Diante disso, a psicopatia não tem o condão de excluir (inimputabilidade)
a imputabilidade do agente.

4.6.1.5 O psicopata com transtorno mental


Atentamos ao fato de que, assim como qualquer outra pessoa, o agente
psicopata pode manifestar, concomitantemente à psicopatia, algum
transtorno mental como esquizofrenia, psicose etc. Nessa situação, é
possível que o psicopata apresente sintomas característicos do referido
transtorno e, em razão desses, venha a praticar delitos, tornando-se, ao
tempo dos fatos, inteiramente incapaz de entender seu caráter ilícito ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento. Nesta hipótese, ao agente
deve ser reconhecida a inimputabilidade.
Igual tratamento deve ser conferido ao psicopata com embriaguez
patológica. Dessa forma, na eventualidade de o psicopata praticar delito
nessas condições, deve ser reconhecida sua inimputabilidade desde que esta
circunstância tenha retirado do agente a capacidade plena de ter
conhecimento da ilicitude dos fatos ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento.
Como destacado, a psicopatia não é manifestação de alguma doença
mental, mas é possível que o psicopata apresente algum transtorno mental
em caráter de comorbidade. Somente nessa circunstância entendemos ser
ele inimputável ou semi-imputável desde que verificados os demais
requisitos delineados pelo art. 26 do Código Penal.
Neste sentido, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais decidiu, em Recurso
de Agravo em Execução, o cabimento de medida de segurança consistente
em tratamento ambulatorial a réu com transtorno de personalidade
antissocial tão somente em razão do vício em álcool e tóxicos. Na decisão,
destacou que o transtorno não é causa para o reconhecimento da
inimputabilidade ou semi-imputabilidade do agente.
EMENTA: AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. LATROCÍNIO. MEDIDA DE
SEGURANÇA. CONDENADO PORTADOR DE TRANSTORNO ANTISSOCIAL DE
PERSONALIDADE. INEXISTÊNCIA DE TRATAMENTO PARA O TRANSTORNO DE
PERSONALIDADE. MEDIDA DE SEGURANÇA APLICADA EM RAZÃO DE VÍCIO
EM DROGAS E ÁLCOOL. REEDUCANDO PRESO HÁ MAIS DE TRÊS ANOS
AGUARDANDO VAGA EM HOSPITAL DE CUSTÓDIA. POSSIBILIDADE DE
APLICAÇÃO DE TRATAMENTO AMBULATORIAL. RECURSO PARCIALMENTE
PROVIDO. Não é possível a manutenção de medida de segurança com base em transtorno
de personalidade incurável se ele não constitui doença que torna o reeducando inimputável
ou semi-imputável, pois a situação constituiria, na prática, em imposição de pena de caráter
perpétuo, vedada pelo artigo 5º, XLVII, b, da Constituição da República. Tratando-se de
condenado viciado em drogas e álcool, razão pela qual lhe foi aplicada medida de segurança
de internação, e encontrando-se em abstinência há mais de três anos, tempo em que
permaneceu preso, mostra-se adequada sua colocação em tratamento ambulatorial, para que
seja avaliado se continuará afastado do vício após o retorno à sociedade. (TJMG. Agravo
em Execução Penal n. 1.0145.13.002236-4/001, Rel. Des. Nelson Missias de Morais, 2ª
Câmara Criminal, j. 16-03-2017, Public 27-03-2017).

4.6.2 Psicopatia e semi-imputabilidade


Conforme o Código Penal, a semi-imputabilidade do agente deve ser
reconhecida se, em razão de perturbação da saúde mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado o agente não era, ao
tempo da ação ou omissão, inteiramente capaz de entender o caráter ilícito
do fato ou de determinar-se de acordo com este entendimento.
Seguindo a sistemática proposta pelo Código Penal, analisaremos
primeiro se a psicopatia consiste em perturbação da saúde mental ou em
desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Em seguida,
pontuaremos se a psicopatia afeta a capacidade de os seus portadores
entenderem o caráter ilícito dos fatos e de autodeterminaram-se de acordo
com esse entendimento.

4.6.2.1 Psicopatia e perturbação da saúde mental


Como vimos ao longo do trabalho, a doutrina majoritária aponta a
psicopatia como causa para o reconhecimento da semi-imputabilidade, sob
o fundamento de corresponder a uma perturbação da saúde mental.
Cabe salientar que a terminologia “perturbação da saúde mental” é fruto
de criação jurídica. Os instrumentos internacionais de classificação
diagnóstica (CID-10 e DSM-V-TR) em nenhum momento expõem ou
tratam dessa categoria. Data venia a doutrina majoritária nacional apontar a
psicopatia como perturbação da saúde mental, é necessário expor que essa
associação não é verificada pela Organização Mundial da Saúde e a
Associação Americana de Psiquiatria.
Com base nos ensinamentos sobre o conceito de “perturbação da saúde
mental”, defendemos que os psicopatas não podem ser assim considerados.
Seus portadores são plenos em sua capacidade psíquica. Ademais,
psicopatia refere-se a um transtorno que alcança apenas a personalidade do
indivíduo; a sua forma de se manifestar no mundo. Trata-se de uma
personalidade que assola determinados indivíduos e provoca
comportamentos não aceitos pela sociedade (que podem ou não consistir
em infrações penais).
4.6.2.2 Da capacidade para entender o caráter
ilícito dos fatos ou de determinar-se de acordo
com esse entendimento
De acordo com o parágrafo único do art. 26 do Código Penal, a
perturbação da saúde mental ou o desenvolvimento mental incompleto ou
retardado devem ser fatores desencadeantes para, no momento dos fatos,
tornar o agente parcialmente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou
de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Os psicopatas são pessoas que não se importam com suas escolhas ou com
os resultados desta. São meticulosos em armar o plano e, quando agem,
apesar de aparentar serem impulsivos, seus atos retratam, muitas vezes, a
exteriorização de um plano já traçado.
Outrossim, o egocentrismo e o narcisismo do psicopata podem impedi-lo
de se colocar em situação que possa lhe causar algum dano. Quando
percebem que o plano pode ser descoberto durante a execução, prontamente
o interrompem.
Considerando o apontado até o presente momento, nos é evidente que o
psicopata tem conhecimento do caráter ilícito das suas ações e é capaz de
evitá-las. O psicopata possui liberdade de escolha dos seus atos, bem como
da forma como serão praticados. Em nenhum momento esta liberdade de
ação é maculada por qualquer perturbação de ordem mental ou psíquica,
seja no momento da sua escolha ou durante a sua consecução.

4.6.2.3 Considerações
Entendemos que a psicopatia (transtorno da personalidade antissocial) não
corresponde a perturbação da saúde mental ou a desenvolvimento mental
incompleto ou retardado. É uma forma de ser do indivíduo; um distúrbio em
sua personalidade. De igual modo, a psicopatia não tem capacidade para
comprometer sua capacidade de compreender a ilicitude de um fato e de
autodeterminação.
Maximilano Roberto Ernesto Führer afirma que reconhecer a semi-
imputabilidade do psicopata, tão somente em razão desta, seria premiar o
seu comportamento:
Muito se tem falado que a dinâmica da pena criminal não é satisfatória nem adequada para
a ressocialização do psicopata. Daí a conveniência do juízo de semi-imputabilidade, onde
poderia ser aplicada medida de segurança.
A estrutura da argumentação não se sustenta.
[...]
Um juízo equivocado de semi-imputabilidade estará premiando a malvadez pura406 (grifo
nosso)
4.7 Psicopatia e imputabilidade
Considerando que o conceito de imputabilidade advém da interpretação
negativa dos artigos 26, caput e parágrafo único, do Código Penal, não
encontramos na psicopatia qualquer causa determinante com condão de
afastar ou provocar a diminuição da capacidade de culpabilidade do
indivíduo. Por esta razão o temos por imputável.
Na lição de Marcello Jardim Linhares:
imputável é o homem que reúne dentro de si qualidades de saúde que o direito estabelece
para que sofra uma pena; que se exigem juntamente com o crime, como qualidades mínimas
para poder ser apenado. Tais qualidades são a capacidade de entender o que faz e de querer
aquilo que faz407.

O psicopata não possui qualquer transtorno mental, desenvolvimento


mental retardado ou incompleto e perturbação da saúde mental que retire ou
diminua a capacidade para compreender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com este entendimento.
A psicopatia está muito distante de ser considerada transtorno mental
conforme preceitos da psiquiatria. Outrossim, estudos realizados por
especialistas demonstram que os psicopatas possuem absoluta compreensão
das normas sociais e de suas consequências, mas ainda assim agem
conforme o seu querer.
As consequências dos seus atos, medo ou qualquer sentimento não são
impeditivos para que um psicopata aja ou deixe de agir. Ele apenas as
considera irrelevantes.
A afirmação poderia levar ao entendimento errôneo de que o psicopata em
muito se assemelharia a um animal irracional que age impulsivamente.
Contudo, inclusive em descrições clínicas apresentadas, observa-se que o
psicopata possui domínio da situação, dos seus atos e das circunstâncias que
o circundam.
Outrossim, se destacam pela capacidade de criar planos e estratégias para
alcançar seus objetivos e controlar seus impulsos e comportamento durante
uma ação, podendo, inclusive, adiar um comportamento se lhe for mais
benéfico.
Neste sentido, Robert D. Hare disciplina:
Eles compreendem as regras da sociedade e os significados convencionais do certo e
errado. São capazes de controlar o próprio comportamento, têm consciência das potenciais
conseqüências dos próprios atos. Seu problema é que esse conhecimento não os impede de
ter um comportamento antissocial.
[...] Em minha opinião, os psicopatas certamente sabem muito bem o que estão fazendo e
podem ser considerados responsáveis pelos próprios atos408 (grifo nosso).

Por fim, a psicopatia não provoca no indivíduo a diminuição da


inteligência, a incapacidade de associar as ideias e a perda ou diminuição da
perspectiva acerca da realidade. O psicopata tem preservada a sua
capacidade intelectual, apesar de manifesta deficiência na sua inteligência
emocional.
Conforme os instrumentos e estudos conferidos pelas ciências médicas,
como também os preceitos apresentados pelo direito penal no tocante ao
instituto da imputabilidade, não restam dúvidas da imputabilidade do
psicopata.
Parece existir grande dificuldade de a doutrina admitir a imputabilidade
do psicopata. Tratá-lo como imputável, ou seja, propor sanção penal igual à
do criminoso ‘normal’, seria colocá-lo no mesmo plano de igualdade
jurídica e moral da sociedade comum. Seria julgá-lo como um par, o que
parece moralmente inadmissível.
O direito penal deve considerar as reais condições do psicopata e conferir
tratamento jurídico conforme, seja no reconhecimento da sua
imputabilidade, no momento da dosimetria da pena, na negativa de
concessão de benefícios ou na imposição de medidas especiais para o
cumprimento da pena.

358 FOUCAULT, Michel. Eu Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão.
Tradução de Denize Lezan Almeida. 5. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1977.
359 “O diagnóstico de Transtorno Anti-Social da Personalidade é bastante freqüente entre
presidiários. Para Moran (1999), tem prevalência e pode alcançar até 60% dos prisioneiros do
gênero masculino” (MORANA, Hilda Clotilde Penteado. Reincidência criminal: é possível
prevenir? De jure: Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Belo
Horizonte. n. 12, pp. 140-147, jan.-jun., 2009. Disponível em:
http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/28054. Acesso em: 17 mar. 2010, p. 142). Entendemos
que alcançam nesta porcentagem apresentada pela autora, os portadores de Transtorno de
Personalidade Antissocial que se enquadram ou não no quadro de psicopatia.
360 MORANA, Hilda Clotilde Penteado. Reincidência criminal: é possível prevenir? De jure:
Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte. n. 12, pp. 140-
147, jan.-jun., 2009. Disponível em: http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/28054. Acesso em:
17 mar. 2010, p. 142.
361 MORANA, Hilda Clotilde Penteado. Reincidência criminal: é possível prevenir? De jure:
Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte. n. 12, pp. 140-
147, jan.-jun., 2009. Disponível em: http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/28054. Acesso em:
17 mar. 2010, p. 142.
362 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal
brasileiro – parte geral. 9. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 546.
363 NUCCI, Guilherme de S. Manual de Direito Penal. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2023 pp. 271-
272. E-book. ISBN 9786559646630. Disponível em:
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559646630/. Acesso em: 30 jul. 2023.
364 BITENCOURT, Cezar R. Tratado de direito penal: parte geral (arts. 1º a 120). v.1. São Paulo:
Saraiva, 2023. p. 238. E-book. ISBN 9786553627109. Disponível em:
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553627109/. Acesso em: 30 jul. 2023.
365 Destaca-se que o psiquiatra forense Arturo Guido Palomba adota a expressão condutopatia.
366 PALOMBA, Guido Arturo. Tratado de psiquiatria forense civil e penal. De acordo com o
Código Civil de 2002. São Paulo: Atheneu, 2003, p. 522.
367 PUIG, Santiago Mir. Derecho penal. Parte general. 6. ed. Barcelona: Editorial Reppertor, 2002,
p. 563.
368 “La STS 6 dic. 82 resume la doctrina jurisprudencial sobre las psicopatías diciendo:
‘Normalmente se estima que por no afectar a la inteligência y la voluntad (base de la
imputabilidad) son intranscedentes a efectos penales. No obstante, cuando los comportamientos
psicopáticos tienen de modo que la asociación de unas y otras deficiencias psíquicas afecten a la
inteligência o la voluntad, puden repercutir em la moderación de la imputabilidad, por la via de
lãs eximentes incompletas Del art. 9, 1 o de las atenuantes por analogia Del mismo art.10’ (em el
caso concreto rechaza todo ello em um sujeto drogadicto bajo síndrome de abstinência,
refiriéndose em parte a ‘exigencias de política criminal’).”
369 MIR PUIG, Santiago. Derecho penal – parte general. 6. ed. Barcelona: Editorial Reppertor,
2002, p. 563.
370 JAKOBS, Günther. Tratado de direito penal. Teoria do injusto penal e culpabilidade. Tradução
de Gercélia Batista de Oliveira Mendes e Geraldo de Carvalho. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p.
760.
371 SILVA, César Dario Mariano da. Manual de direito penal – parte geral. v. 1. 4. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2006, p. 146.
372 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal – introdução e parte geral. 32. ed. São Paulo, 1997, p.
168.
373 CARVALHO, Hilário Veiga de et al. Compêndio de medicina legal. São Paulo: Saraiva, 1987,
p. 349.
374 REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de direito penal – parte geral. 3. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2009, p. 209.
375 OLIVÉ, Juan Carlos Ferré et al. Direito penal brasileiro – parte geral. Princípios fundamentais
e sistema. São Paulo: RT, 2011, p. 476.
376 OLIVÉ, Juan Carlos Ferré et al. Direito penal brasileiro – parte geral. Princípios fundamentais
e sistema. São Paulo: RT, 2011, p. 476.
377 GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. v. I. t. I. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.
457.
378 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade no direito penal. São
Paulo: Malheiros, 2000, p. 64.
379 CAMPOS, Walfredo Cunha. Tribunal do Júri, Teoria e Prática. 8. ed. Leme/SP: Mizuno,
2022. p. 489.
380 MARIETAN, Hugo. Curso sobre psicopatía: los extravagantes. Buenos Aires: Ananké, 2009,
pp. 239-240.
381 MARIETAN, Hugo. Curso sobre psicopatía: los extravagantes. Buenos Aires: Ananké, 2009, p.
240.
382 MARIETAN, Hugo. Curso sobre psicopatía: los extravagantes. Buenos Aires: Ananké, 2009, p.
240.
383 A CID-10 continua a ser aplicada no Brasil e em vários países do mundo, durante o período de
transição da CID-11.
384 TJSP: “Os psicopatas são enfermos mentais, com capacidade parcial de entender o caráter
criminoso do ato praticado, enquadrando-se, portanto, na hipótese do parágrafo único do art. 22
(art. 26 vigente) do CP (redução facultativa da pena)” (RT 550/303). No mesmo sentido,
TACRSP: JTACRIM: 85/541; TJSP: “Personalidade psicopática não significa, necessariamente,
que o agente sofra de moléstia mental, embora o coloque na região fronteiriça de transição entre o
psiquismo normal e as psicoses funcionais” (RT 495/304); “A personalidade psicopática revela-se
pelas perturbações da conduta e não como enfermidade psíquica. Destarte, embora não enfermo
mental, é o indivíduo portador de anomalia psíquica, que se manifesta quando do seu
procedimento violento, ao cometer o crime, justificando, de um lado, a redução da pena, dada a
semi-responsabilidade; e, de outro, a imposição, por imperativo legal, da medida de segurança”
(TJSP – Rev. Crim – Rel. Des. Adriano Marrey – TR 442/412).
385 TJMT: “A personalidade psicopática não se inclui na categoria das moléstias mentais,
acarretadoras da irresponsabilidade do agente. Inscreve-se no elenco das perturbações da saúde
mental, em sentido estrito, determinantes da redução da pena” (RT 462/409-10).
386 HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR COM VIOLÊNCIA
PRESUMIDA. PENA-BASE. FIXAÇÃO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CIRCUNSTÂNCIAS
JUDICIAIS. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ATENUANTE. PACIENTE SEPTUAGENÁRIO
NA DATA DA SENTENÇA. REDUÇÃO. PROPORCIONALIDADE OBSERVADA.
CONTINUIDADE DELITIVA. FRAÇÃO APLICADA INFERIOR À ORIENTAÇÃO
JURISPRUDENCIAL. REFORMATIO IN PEJUS. IMPOSSIBILIDADE. ADITAMENTO DA
DENÚNCIA. DESNECESSIDADE. DIMINUIÇÃO DA REPRIMENDA. SEMI-
IMPUTABILIDADE. PERCENTUAL ADEQUADO. 1. A sentença proferida contra o semi-
imputável é condenatória, sendo a reprimenda fixada normalmente, seguindo as regras do critério
trifásico. Difere do plenamente imputável apenas porque, sobre a pena obtida após a análise das
circunstâncias judiciais, das atenuantes e agravantes, causas de diminuição e aumento, será
aplicado o redutor previsto no art. 26, parágrafo único, do Código Penal. 2. É idônea a valoração
negativa da culpabilidade, fundada na circunstância de o paciente ser promotor de justiça
aposentado e, por isso, ter uma maior capacidade de entender o caráter ilícito da conduta e da sua
repercussão social. 3. Os abalos emocionais causados à vítima, que, à época dos fatos, tinha por
volta de 12 anos, são aptos a agravar as consequências do delito. 4. Está fundamentado o desvalor
atribuído às circunstâncias do crime, cuja prática decorreria de astúcia, pois o paciente primeiro
conquistou a confiança dos familiares e da vítima, para, depois, dar início à prática dos atos
libidinosos. 5. A personalidade antissocial, narcisista e perversa, apurada em laudo
psicológico produzido durante a instrução criminal, autoriza o afastamento da pena-base do
mínimo legal. 6. A defesa não juntou aos autos as certidões de antecedentes criminais do paciente,
inclusive as mencionadas na sentença, de forma que é inviável a análise da questão dos
antecedentes no presente writ. 7. A diminuição da pena operada em razão de o paciente ser
septuagenário na data da sentença não conduz, necessariamente, ao retorno da pena à cominação
mínima, mas, como as demais atenuantes e agravantes, deve ser aplicada com a observância da
razoabilidade e proporcionalidade. 8. Razoabilidade da redução da reprimenda em 6 meses, em
razão da referida atenuante. 9. Se o paciente praticou a conduta delituosa por inúmeras vezes,
mostrar-se-ia correta a exasperação da pena na fração máxima de 2/3, segundo a jurisprudência
desta Corte. Contudo, pela vedação à reformatio in pejus, mantém-se o aumento em metade,
conforme fixado pelas instâncias ordinárias. 10. É cediço que o réu se defende dos fatos, e não da
tipificação atribuída na denúncia. Se as condutas estavam narradas na exordial acusatória como
praticadas em concurso material, poderia o juiz reconhecer a continuidade, que inclusive é muito
mais benéfica ao réu, sem que houvesse necessidade de aditamento. 11. Se foi reconhecido pelas
instâncias ordinárias que a semi-imputabilidade do paciente consistia em uma plena
capacidade de entender o caráter ilícito do fato e uma parcial capacidade de determinar-se
de acordo com esse entendimento, mostra-se fundamentada a redução da pena em 1/3, não
sendo cabível a aplicação da fração máxima prevista no art. 26, parágrafo único, do Código
Penal. 12. Ordem denegada. (STJ - HC: 135604 RS 2009/0085986-4, Relator: Ministro
SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 16/8/2011, T6 - SEXTA TURMA, Data de
Publicação: DJe 5/9/2011).
387 PENAL E PROCESSO PENAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. USO DE ARMA DE FOGO.
FIXAÇÃO DA PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. PREPONDERÂNCIA DA
MENORIDADE RELATIVA. RÉU SEMI-IMPUTÁVEL. PERICULOSIDADE COMPROVADA.
OPÇÃO PELA MEDIDA DE SEGURANÇA. 1. NÃO SE JUSTIFICA A FIXAÇÃO DA PENA-
BASE MUITO ACIMA DO PATAMAR MÍNIMO LEGAL, SE APENAS UMA DAS
CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FOI CONSIDERADA EM DESFAVOR DO RÉU. 2. A
MENORIDADE RELATIVA,
QUE CONDIZ COM A PERSONALIDADE DO AGENTE, PREPONDERA SOBRE
QUALQUER CIRCUNSTÂNCIA AGRAVANTE, MESMO A REINCIDÊNCIA. 3.
TRATANDO-SE DE RÉU SEMI-IMPUTÁVEL, PODE O JUIZ OPTAR ENTRE A REDUÇÃO
DA PENA (ART. 26, PARÁGRAFO ÚNICO, CP) OU APLICAÇÃO DE MEDIDA DE
SEGURANÇA, NA FORMA DO ART. 98, DO CP. 4. CONFIRMADO, POR LAUDO
PSIQUIÁTRICO, SER O RÉU PORTADOR DE PSICOPATIA EM GRAU EXTREMO, DE
ELEVADA PERICULOSIDADE E QUE NECESSITA DE ESPECIAL TRATAMENTO
CURATIVO, CABÍVEL A MEDIDA DE SEGURANÇA CONSISTENTE EM INTERNAÇÃO,
PELO PRAZO MÍNIMO DE 3 ANOS. 5. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-DF -
APR: 992433020098070001 DF 0099243-30.2009.807.0001, Relator: JESUINO RISSATO, Data
de Julgamento: 1/3/2012, 1ª Turma Criminal, Data de Publicação: 28/3/2012, DJ-e, pág. 248).
388 Apelação Criminal – Júri – Homicídio qualificado (recurso que dificultou a defesa da vítima) e
ocultação de cadáver – Veredicto condenatório – Reclamo defensivo – Mérito do apelo
prejudicado quanto ao crime do art. 211, do CP, diante da ocorrência da prescrição da pretensão
punitiva estatal – Lapso aplicável na espécie decorrido entre a data dos fatos e o recebimento da
denúncia (CP, arts. 109, V, 114, II, e 110, §1º, com redação anterior ao advento da Lei n. 12.234,
de 5/5/2010) – Extinção da punibilidade, na parcela, decretada, ex officio – Preliminar – Alegação
de cerceamento de defesa e violação da garantia constitucional inerente ao direito de não
autoincriminação (nemo tenetur se detegere), em razão de leitura feita pelo representante do
parquet, durante a sessão plenária, de prova ilícita, consistente em parecer psiquiátrico
confeccionado em descompasso com o regramento legal (CPP, arts. 149/154), cujo teor atestou ser
o réu portador de transtorno de personalidade antissocial (sociopatia) – Insubsistência –
Apontamento utilizado como prova emprestada, submetido a prévio contraditório e acostado aos
autos antes mesmo da prolação de decisão de pronúncia – Defesa que foi cientificada acerca de
seu conteúdo e não o impugnou, ao reverso, utilizou-o para deduzir pedido de instauração de
incidente de insanidade mental – Observância do princípio da boa-fé processual e da vedação a
comportamento contraditório (venire contra factum proprium) que desautoriza o reconhecimento
de nulidade decorrente de situação anteriormente aceita por quem a alega – Precedente do STJ –
Prejudicial rejeitada – Mérito – Pleito de anulação do julgamento por se tratar de decisão
manifestamente contrária à prova dos autos – Inviabilidade – Opção dos jurados por uma das
versões reveladas pelo acervo coligido que obsta a pretensão anulatória, diante da soberania dos
veredictos – Teor inconclusivo do laudo de exame necroscópico, no que pertine à causa mortis da
vítima, que não é suficiente para afastar a convicção do Conselho de Sentença acerca da
materialidade delitiva – Apelante que, em sede inquisitiva, negou a autoria do homicídio, mas
confessou a ocultação do cadáver, que foi encontrado no exato local onde ele indicou, porém, já
em adiantado estado de decomposição – Circunstância que, inegavelmente, prejudicou o resultado
da perícia técnica – Admissibilidade de a inconsistência pericial, nessas hipóteses, ser suprida pelo
conteúdo da prova testemunhal (CPP, art. 167) – Precedentes do STJ – Qualificadora (CP, art. 121,
§2º, IV) que também encontra arrimo nos elementos de prova amealhados durante a persecutio
criminis – Condenação mantida – Pena que não comporta ajuste porque está motivada e
individualizada – Registro de condenação definitiva pretérita apta para a configuração de maus
antecedentes, ainda que alcançada pelo quinquênio depurador – Acusado diagnosticado como
portador de transtorno de personalidade antissocial, com elevada probabilidade de reincidir
em condutas criminosas (sic) – Psicopatia que, de acordo com a avaliação realizada pelo
expert, não tem o condão de afetar sua capacidade de entendimento nem de
autodeterminação, tampouco configura espécie de doença mental – Aspecto que evidencia
personalidade desajustada, voltada para a prática de crimes graves, e justifica o incremento
da reprimenda (CP, art. 59) – Regime fechado, único adequado, in casu (CP, arts. 33, §§2º e 3º,
e 59), ausente impugnação, no particular – Detração Penal (CPP, art. 387, §2º) cuja análise se
reserva ao juízo das execuções, a fim de se evitar supressão de instância e violação ao duplo grau
de jurisdição – Recurso não provido (TJSP; Apelação Criminal 0001816-12.2010.8.26.0052; Rel.
Juvenal Duarte; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Criminal; Foro Central Criminal –4ª Vara
do Júri; j. 28/11/2018; Data de Registro: 29/11/2018) (grifo nosso).
No julgamento do AREsp: 1331087 GO 2018/0179496-1, o Superior Tribunal de Justiça entendeu
que a circunstância judicial (personalidade) utilizada pelo juiz a quo para majorar a pena-base,
com fundamento em laudo pericial que atestou ser o réu pessoa com transtorno da personalidade
antissocial, é válida porque o citado transtorno “embora seja catalogado na Classificação
Internacional de Doenças (CID), não caracteriza doença mental, ou seja, não afeta o pleno
entendimento do caráter ilícito dos atos, nem a autodeterminação do autor do delito”.
EMENTA: AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO.
PRELIMINAR. VIOLAÇÃO DO ART. 619 DO CPP. OMISSÃO REITERADA.
IMPROCEDÊNCIA. ACÓRDÃO IMPUGNADO QUE OSTENTA FUNDAMENTAÇÃO
SUFICIENTE. VIOLAÇÃO DO ART. 59 DO CP. SUPOSTA ILEGALIDADE NA EXCLUSÃO
DA VALORAÇÃO NEGATIVA DA PERSONALIDADE DO RÉU. PROCEDÊNCIA.
EXISTÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA E IDÔNEA NA SENTENÇA PARA A
VALORAÇÃO NEGATIVA DO REFERIDO VETOR. RESTABELECIMENTO.
REDIMENSIONAMENTO DA PENA. AGRAVO CONHECIDO PARA DAR PARCIAL
PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL, NOS MOLDES DO DISPOSITIVO. (STJ - AREsp:
1331087 GO 2018/0179496-1, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de
Publicação: DJ 9/8/2018). (grifo nosso)
389 APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ABSOLVIÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE. DEPOIMENTO DE POLICIAIS. CREDIBILIDADE. HARMONIA COM
O CONTEXTO PROBATÓRIO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE USO DE
ENTORPECENTES. DESCABIMENTO. DESTINAÇÃO MERCANTIL EVIDENCIADA.
TRAFICÂNCIA COMPROVADA. DOSIMETRIA. RECONHECIMENTO DA ATENUANTE
DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. POSSIBILIDADE. SENTENÇA QUE UTILIZOU A
CONFISSÃO ESPONTÂNEA EXTRAJUDICIAL COMO FUNDAMENTO. COMPENSAÇÃO
DA AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA COM A ATENUANTE DA CONFISSÃO
ESPONTÂNEA. POSSIBILIDADE. SEMI-IMPUTABILIDADE. AUSÊNCIA DE
INFORMAÇÕES SOBRE A INTENSIDADE DA PERTURBAÇÃO DA SAÚDE MENTAL DO
ACUSADO. REDUÇÃO DA PENA NO PATAMAR MÁXIMO DE 2/3. POSSIBILIDADE.
SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR MEDIDA DE SEGURANÇA
DE TRATAMENTO AMBULATORIAL. ART. 98 DO CP. VIABILIDADE. LAUDO PERICIAL
QUE DEMONSTROU A NECESSIDADE DA MEDIDA. RECURSO PROVIDO EM PARTE. Se
as provas produzidas formam um conjunto probatório harmônico e desfavorável ao apelante, no
sentido de que as substâncias apreendidas lhe pertenciam e destinavam-se à comercialização,
autorizando um juízo de certeza para o decreto condenatório pelo crime de tráfico de
entorpecentes, não há como acolher o pedido de absolvição ou desclassificação para uso. O valor
do depoimento testemunhal de servidores policiais, especialmente quando prestado em juízo, sob a
garantia do contraditório, reveste-se de inquestionável eficácia probatória, não se podendo
desqualificá-lo pelo só fato de emanar de agentes estatais incumbidos, por dever de ofício, da
repressão penal. Se o réu confirma na fase inquisitiva a prática do delito narrado na denúncia,
sendo tal confissão utilizada como fundamento para sua condenação, impõe-se o reconhecimento
da atenuante da confissão espontânea. A agravante da reincidência deve ser compensada com a
atenuante da confissão espontânea, pois, tratando-se de circunstâncias de natureza subjetiva, não
há falar em preponderância de uma sobre a outra. Para fixação do patamar de redução da pena em
razão da semi-imputabilidade (art. 26, parágrafo único, do CP) deve ser observada a intensidade
da perturbação da saúde mental ou a graduação do desenvolvimento mental do acusado. Se o
laudo pericial, apesar de atestar que o acusado teve reduzida a sua capacidade de
autodeterminação por ser portador de Transtorno de Personalidade Antissocial, não
informa qual a intensidade da perturbação da sua saúde mental, deve a pena ser reduzida no
patamar máximo de 2/3 (dois terços). Reconhecida a semi-imputabilidade através de laudo
pericial e havendo no referido laudo recomendação do perito acerca da necessidade de submissão
do réu a tratamento especial curativo, viável a substituição da pena privativa de liberdade por
medida de segurança de tratamento ambulatorial, nos termos do art. 98 do CP. Recurso
parcialmente provido. (TJ-MG - APR: 10043200003564001 Areado, Relator: Doorgal Borges de
Andrada, Data de Julgamento: 27/7/2022, Câmaras Criminais / 4ª CÂMARA CRIMINAL, Data
de Publicação: 3/8/2022) (grifo nosso).
390 Súmula 439 - Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em
decisão motivada. (Publicação DJ-e 13/5/2010).
391 PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL.
ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA, BEM COMO DOS
REQUISITOS AUTORIZADORES DA PRISÃO PREVENTIVA. NÃO CONSTATAÇÃO.
SUSCITADA A EXISTÊNCIA DE EXCESSO DE PRAZO PARA A CONCLUSÃO DA
INSTRUÇÃO PROCESSUAL. MARCHA PROCESSUAL REGULAR. AUSÊNCIA DE
DESÍDIA DA AUTORIDADE IMPETRADA. ALEGAÇÃO DE QUE O PACIENTE É
PORTADOR DE TRATAMENTO DE TRANSTORNO DE PERSONALIDADE
ANTISSOCIAL. PERÍCIA MÉDICA DESIGNADA. FEITO DE ORIGEM SUSPENSO
DEVIDO À INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL. CUSTÓDIA
CAUTELAR NECESSÁRIA PARA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE DO
CRIME. DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA COM BASE EM ELEMENTOS
IDÔNEOS. POSSIBILIDADE DE REITERAÇÃO DELITIVA. INSUFICIÊNCIA DE MEDIDAS
CAUTELARES MAIS BRANDAS. PRECEDENTES DA COLENDA CÂMARA DESTE
TRIBUNAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. REMÉDIO
CONSTITUCIONAL CONHECIDO E DENEGADO.
I. A segregação cautelar deve ser considerada exceção, restando justificada quando demonstrada
sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da
lei penal, ex vi do artigo 312 do Código de Processo Penal.
II. De início, registre-se que a discussão sobre a ausência de fundamentação idônea para a
decretação preventiva do paciente, não deve prosperar, pois como vimos no trecho supracitado do
processo originário, há provas suficientes dos indícios de autoria e da materialidade delitiva.
Necessidade da medida extrema evidenciada a partir do modus operandi supostamente empregado
no crime em tela, que preenche os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, conforme o
auto da prisão em flagrante do acusado, depoimentos das testemunhas às fls. 243/246 e, em
especial, declaração da vítima. Assim, inviável tal discussão neste writ. Em que pese a Defesa
aponte que, no caso em tela, sequer teria ocorrido ato libidinoso, vê-se, na peça acusatória, que o
Órgão Ministerial, ao narrar os fatos, descreveu que o paciente fora acusado de pegar nas partes
íntimas da vítima, menor de 12 (doze) anos de idade, além de lhe falar palavras obscenas. De
acordo com os relatos, aquela não teria sido a primeira vez que o acusado agia de tal forma.
III. A presença de circunstâncias pessoais favoráveis não tem o condão de garantir a revogação da
prisão se há nos autos elementos hábeis a justificar a imposição da segregação cautelar, como na
hipótese. Pela mesma razão, não há que se falar em possibilidade de aplicação de medidas
cautelares diversas da prisão.
IV. Em relação ao argumento de prazo tramitação processual, vale a pena observar a resposta do
magistrado a quo que delineou o referido andamento do feito às fls. 584/586, restando claro que
não existe desídia no andamento do processo criminal, seguindo a sua marcha em ritmo adequado
à complexidade do caso, após a instauração do incidente de insanidade, que suspendeu os prazos
do processuais. Perícia médica marcada para ser realizada pelos médicos peritos oficiais. V –
Ordem conhecida e denegada. (TJ-AL - HC: 08000987520238029002 Matriz de Camaragibe,
Relator: Des. João Luiz Azevedo Lessa, Data de Julgamento: 31/05/2023, Câmara Criminal, Data
de Publicação: 01/06/2023).
392 AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. ART.
59 DO CP. CULPABILIDADE, PERSONALIDADE, CONDUTA SOCIAL E
CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. RECURSO DESPROVIDO.
1. O aumento a pena-base está concretamente fundamentado em elementos que extrapolam o tipo
penal, não havendo que se falar em violação do art. 59 do Código Penal.
2. A moduladora da personalidade "deve ser aferida a partir de uma análise pormenorizada, com
base em elementos concretos extraídos dos autos, acerca da insensibilidade, desonestidade e modo
de agir do criminoso para a consumação do delito [...]" (HC 472.654/DF, Rel. Ministra LAURITA
VAZ, Sexta Turma, DJe 11/3/2019).
3. No caso concreto, o referido vetor foi avaliado em razão da forma como a recorrente
planejou a ação criminosa, sua frieza, dissimulação e traços de psicopatia.
4. Já a vetorial conduta social "corresponde ao comportamento do réu no seu ambiente familiar e
em sociedade, de modo que a sua valoração negativa exige concreta demonstração de desvio de
natureza comportamental" (HC 544.080/PE, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma,
DJe 14/2/2020).
5. Na hipótese vertente, as instâncias de origem ressaltaram a existência de alienação parental e a
ausência de cuidados com seus filhos, deixando-os inclusive aos cuidados dos coautores do crime.
6. Em relação às consequências do crime, qual seja, ter deixado a vítima filhos órfãos, pode sim
ser valorado de forma negativa, haja vista tal componente não ser elemento inerente ao tipo penal
do homicídio (ut, AgRg no REsp 1616691/TO, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta
Turma, DJe 18/11/2016). 7. Agravo regimental não provido.” (AgRg no AgRg no AREsp n.
1.843.720/DF, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em
18/5/2021, DJe de 24/5/2021.)
393 FOLHA DE S. PAULO. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/12/1561310-so-matava-por-prazer-diz-rapaz-que-
confessou-43-assassinatos-no-rio.shtml. Acesso em: 15 jan. 2020.
394 FOLHA DE S. PAULO. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/12/1561310-so-matava-por-prazer-diz-rapaz-que-
confessou-43-assassinatos-no-rio.shtml. Acesso em: 15 jan. 2020.
395 Disponível em: https://globoplay.globo.com/v/3826314/. Acesso em: 01 mar. 2020.
396 AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO. PROGRESSÃO DE
REGIME. BENEFÍCIO INDEFERIDO NA ORIGEM. INFORMAÇÕES NEGATIVAS
CONSTANTES DE LAUDO PERICIAL. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO JUIZ.
AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE FLAGRANTE.
1. O juiz não está vinculado às conclusões do exame criminológico, podendo dele divergir, desde
que o faça de maneira fundamentada, com base no princípio do livre convencimento motivado.
Precedentes do STJ.
2. No laudo de exame criminológico, o perito judicial concluiu que o sentenciado não estava apto
a cumprir pena em regime mais branco pois "possui um perfil dissocial, indiferente,
emocionalmente insensível, sem empatia, impulsivo, agressivo, opositor e com baixa capacidade
de tolerância às frustrações (...) denotam que seu repertório geral de socialização, amabilidade,
pró-sociabilidade, assistência, afago e deferência são extremamente baixos, ao passo que o fator
vinculado à agressão é extremamente elevado, motivo pelo qual concluí que ele é acometido pelo
transtorno de personalidade antissocial global", tendo a decisão, nessas premissas,
indeferido o pedido de progressão de regime prisional, pois ausente o requisito subjetivo. 3.
Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no HC: 692827 MS 2021/0292026-7, Relator:
Ministro OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO),
Data de Julgamento: 29/03/2022, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/04/2022).
(grifo nosso)
397 Súmula Vinculante n. 26: “Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por
crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da
Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os
requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo
fundamentado, a realização de exame criminológico”.
398 Súmula n. 439, do Superior Tribunal de Justiça: “admite-se o exame criminológico pelas
peculiaridades do caso, desde que em decisão fundamentada”.
399 HARE, Robert D. Sem consciência: o mundo perturbador dos psicopatas que vivem entre nós.
Tradução de Denise Regina de Sales. Porto Alegre: Artmed, 2013, p. 38.
400 GARRIDO, Vicente. O psicopata: um camaleão na sociedade atual. Tradução de Juliana
Teixeira. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 89.
401 He dicho que la psicopatia es una manera de ser com necesidades distintas y formas atípicas de
satisfacerlas. (MARIETAN, Hugo. Curso sobre psicopatía: los extravagantes. Buenos Aires:
Ananké, 2009, p. 98). La psicopatia es uma forma de ser; se es psicópata, no se está psicópata. Es
uma variedad de individuo, no va a cambiar nunca, es así. Es uma forma de ser em el mundo que
aparece em cualquier estrato social y em cualqueir condición familiar (MARIETAN, Hugo. El
jefe psicopata: radiografía de un depredador. Buenos Aires: Libros Del Zorzal, 2010, pp. 25-26).
402 Informação obtida por email em 4-7-2011.
403 Informação obtida por email em 16-7-2011.
404 CARTER, Rita. O livro de ouro da mente. O funcionamento e os mistérios do cérebro humano.
Tradução de Vera de Paula Assis. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003, p. 139.
405 MARIETAN, Hugo. Curso sobre psicopatía: los extravagantes. Buenos Aires: Ananké, 2009, p.
101.
406 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade no direito penal. São
Paulo: Malheiros, 2000, p. 64.
407 LINHARES, Marcello Jardim. Responsabilidade penal. t. I. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p.
22.
408 HARE, Robert D. Sem consciência: o mundo perturbador dos psicopatas que vivem entre nós.
Tradução de Denise Regina de Sales. Porto Alegre: Artmed, 2013, p. 151.
Conclusão

Primeiramente, cabe informar que este trabalho surgiu da necessidade de


compreender a psicopatia a partir de uma perspectiva primordialmente
científica.
Até o início deste estudo, a psicopatia era entendida como causa que
diminuía a culpabilidade do seu portador e, portanto, a semi-imputabilidade
era medida que se impunha. Aconteceu que, contrapondo ao entendimento
majoritário da doutrina e da jurisprudência brasileira, identificamos estudos
e pesquisas científicas apresentadas por neurocientistas, psicólogos e
psiquiatras forenses ao redor do mundo que apontavam para uma necessária
revisão acerca do conceito de psicopatia e da forma de enfrentamento pelo
direito penal brasileiro.
Como medida necessária, nos propusemos, por meio desta obra, a
apresentar em seu primeiro e longo capítulo a compreensão da “psicopatia”,
respeitada a cientificidade que lhe é intrínseca. Primeiramente, foi discutida
a problemática terminológica, esclarecendo-se que o termo “psicopatia”,
apesar de ainda ser utilizado pela classe científica, é atualmente empregado
para distinguir os demais indivíduos diagnosticados com transtorno da
personalidade antissocial, mas que não são psicopatas.
A Organização Mundial da Saúde e a Associação Americana de
Psiquiatria não reconhecem a “psicopatia” como um transtorno
propriamente dito (“transtorno psicopático” ou “transtorno da psicopata”).
A terminologia foi substituída por transtorno de personalidade antissocial
(F60.2), conforme os instrumentos de classificação diagnóstica atualmente
aplicados no país - CID-10 e DSM-V-TR.
Como estudamos, a psicopatia é um transtorno de personalidade que pode
assolar parte da população mundial sem qualquer predeterminação, em
razão de classe social, cor, sexo ou orientação sexual – apesar de estudos
apontarem sua maior incidência entre pessoas do sexo masculino. O tema
ainda demanda inúmeros estudos, sobretudo no tocante à etiologia, mas há
certos pontos que parecem ser compartilhados pela maioria dos seus
estudiosos.
Conforme o psicólogo forense canadense Robert D. Hare – atualmente a
referência mundial sobre o estudo da psicopatia –, o perfil do psicopata
pode ser caracterizado a partir de dois prismas: área emocional e estilo de
vida.
No tocante à área emocional, o psicopata é eloquente; dotado de encanto
superficial, personalidade egocêntrica e presunçosa; incapaz de sentir
remorso, culpa e empatia; exímio mentiroso e manipulador e, por fim,
provido de emoções superficiais.
Quanto ao seu estilo de vida, lhe são característicos: impulsividade,
autocontrole deficiente, falta de responsabilidade, comportamento
antissocial na fase adulta, problemas de conduta na infância e necessidade
de excitação continuada.
Robert D. Hare destaca para o fato de os psicopatas serem hábeis em criar
cenários utilizando seu talento para mentiras e manipulação, com o fim de
envolver e enganar o(s) outro(s) interlocutor(es). Psiquiatras e psicólogos
inexperientes ou desatentos podem ser facilmente ludibriados ao serem
conduzidos a um diagnóstico errôneo.
Os seus portadores não sustentam verdadeiro remorso, culpa ou empatia.
Suas emoções são superficiais. Não raras vezes transferem a culpa dos seus
atos às vítimas ou à sociedade.
Segundo melhores ensinamentos, o psicopata tem pleno conhecimento das
normas que regem a sociedade, mas não se importa em criar os próprios
preceitos para alcançar seus intentos. Isso não implica concluir seja ele um
grande violador de normas. Os seus portadores convivem com as normas
sociais e legais, mas escolhem, livremente, as que pretendem seguir e/ou
violar contínua ou periodicamente.
Seus atos são praticados com absoluta lucidez (quando não acometidos,
em comorbidade, com transtorno mental que lhe retire ou diminua as
capacidades intelectiva ou volitiva) e domínio sobre o próprio
comportamento. Tal característica é geralmente evidenciada em três
momentos, por exemplo, quando da prática de infração penal: anterior,
durante e posterior ao seu cometimento.
Antes da prática de um delito, é comum verificar o envolvimento do
psicopata na escolha da vítima (na predileção ou não por um perfil e na
escolha prática), na forma (abordagem súbita ou após ludibriar a vítima;
escolha dos instrumentos ou recursos para evitar que venha a ser
reconhecido pela vítima ou terceiros) e local de abordagem (lugar ermo,
local que não possa ser avistado ou surpreendido por terceiros).
Durante a ação criminosa, o psicopata mantém controle sobre seus atos,
podendo, inclusive, adiar sua ação se, por exemplo, acreditar que está
prestes a ser surpreendido por terceiros. O momento para o início dos atos
executórios de um delito pode, muitas vezes, sofrer alterações, se assim
julgar necessário.
Quanto à sua impulsividade, oportuno destacarmos que essa difere
daquela do indivíduo não psicopata no que se refere aos freios inibitórios.
Isso não significa dizer que os psicopatas são desprovidos de freios e
praticam todos e quaisquer atos sem pensar nas suas consequências. É certo,
porém, que as razões que fazem com que o psicopata deixe de praticar
determinados atos podem ou não coincidir com os mesmos critérios
estabelecidos pelo indivíduo não psicopata. O temor em ser surpreendido
por terceiros, por exemplo, pode fazer com que abandone sua ação.
Após a prática do crime, o psicopata pode apresentar qualquer tipo de
comportamento que impeça sua identificação ou associação ao delito
praticado. Ademais, é comum se enaltecer por não ter sido descoberto.
Como foi possível verificar, as características científicas apresentadas
sobre a figura do psicopata vêm, concomitantemente, esclarecer o tema e
desconstruir a imagem equivocadamente incutida nos contextos social e
jurídico.
No âmbito jurídico, especificamente no tocante à discussão sobre
imputabilidade, semi-imputabilidade ou inimputabilidade do psicopata, a
questão deve ser estudada além da associação simplista à uma perturbação
da saúde mental. Defender sua semi-imputabilidade com fundamento
exclusivo no fato de tratar-se de uma “perturbação da saúde mental”
(criação jurídica e não médica) contraria a teoria biopsicológica adotada
pelo Código Penal em vigor.
Buscando compreender a imputabilidade do psicopata com base nos
elementos constitutivos legais (art. 26, caput, e parágrafo único do Código
Penal), primeiramente verificamos que a psicopatia não consiste em uma
doença mental ou em desenvolvimento mental incompleto ou retardado,
porque não provoca qualquer alteração na capacidade psíquica do agente.
Contudo, ainda que assim fosse considerada, não teria o condão de retirar
do agente a capacidade de conhecer o caráter ilícito dos fatos ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento.
O psicopata conhece exatamente as normas que regem a sociedade e suas
consequências. Ainda assim, investe no plano premeditado e o pratica até
onde lhe parece mais conveniente. Nesse sentido, compartilhamos do
entendimento de Robert D. Hare: “os psicopatas são racionais, conscientes
do que estão fazendo e do motivo por que agem assim. Seu comportamento
é resultado de uma escolha exercida livremente”409. Nessas circunstâncias,
entendemos que a psicopatia não tem o condão de tornar o agente
inimputável.
Se eventualmente o psicopata sofrer de alguma doença mental em caráter
de comorbidade, e essa for suficiente para, no momento dos fatos, afastar
completamente a capacidade de querer ou entender, teremos presente a
inimputabilidade. Nessa situação, a inimputabilidade será declarada não em
razão da psicopatia, mas em detrimento da doença mental.
No tocante à semi-imputabilidade, o psicopata não pode ser considerado
indivíduo com perturbação da saúde mental (conceito unicamente jurídico).
O fato de o agente exteriorizar comportamento antissocial não implica o
necessário comprometimento da sua saúde mental. Outrossim, ainda que
fosse considerada perturbação da saúde mental, essa circunstância não teria
o caráter de diminuir a capacidade de entender e querer pelas razões já
mencionadas.
Diante do exposto, atentando-se aos requisitos delineados pelo art. 26,
caput, e parágrafo único do Código Penal, e aos ensinamentos pontuados
pela psiquiatria, psicologia, medicina legal e criminologia, não verificamos
qualquer relação da psicopatia com as hipóteses de afastamento ou
diminuição de culpabilidade.
Primeiramente, não há que falar ser a psicopatia transtorno ou doença
mental, senão um transtorno na personalidade do indivíduo. De igual modo,
não há qualquer associação ao desenvolvimento mental incompleto ou
retardado. Quando à perturbação da saúde – terminologia jurídica não
adotada pela Organização Mundial da Saúde –, a questão parece sem
associação clara. Contudo, ainda que a doutrina venha a considerá-la uma
perturbação da saúde mental, é certo que a psicopatia não tem condão de,
por si só, reduzir a capacidade de o seu portador entender o caráter ilícito
dos fatos ou de autodeterminar-se conforme esse entendimento.
Concluímos este trabalho defendendo ser o psicopata imputável, uma vez
que seu transtorno (transtorno de personalidade antissocial) não tem
capacidade para, no momento da ação ou omissão, afastar ou diminuir suas
capacidades de entender e de querer o ilícito. O psicopata conhece as
normas e leis que regem a sociedade e, ainda assim, decide praticar um
delito. Além do mais, o psicopata mantém pleno domínio sobre seu
comportamento, podendo alterar a dinâmica dos fatos ou desistir da sua
ação após avaliação pessoal.
Entretanto, assassinos psicopatas não são loucos, de acordo com padrões psiquiátricos e
jurídicos aceitáveis. Seus atos resultam não de uma mente perturbada, mas de uma
racionalidade fria e calculista, combinada com uma deprimente incapacidade de tratar os
outros como seres humanos, de considerá-los capazes de pensar e sentir410.
[...] Os psicopatas não são pessoas desorientadas ou que perderam o contato com a
realidade; não apresentam ilusões, alucinações ou a angústia subjetiva intensa que
caracterizam a maioria dos transtornos mentais. Ao contrário dos psicóticos, os psicopatas
são racionais, são conscientes do que estão fazendo e do motivo por que agem assim411.

409 HARE, Robert D. Sem consciência: o mundo perturbador dos psicopatas que vivem entre nós.
Tradução de Denise Regina de Sales. Porto Alegre: Artmed, 2013, p. 38.
410 HARE, Robert D. Sem consciência: o mundo perturbador dos psicopatas que vivem entre nós.
Tradução de Denise Regina de Sales. Porto Alegre: Artmed, 2013, p. 23.
411 HARE, Robert D. Sem consciência: o mundo perturbador dos psicopatas que vivem entre nós.
Tradução de Denise Regina de Sales. Porto Alegre: Artmed, 2013, p. 38.
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