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186 Pierre Vianin ineficazes ou, pelo menos, que podem ser bastante melhoradas. Varias razées ajudam a explicar por que 0s alunos nao mobilizam espontaneamente as estratégias eficazes (Mazzoni, in Doudin et al,, 2001). Em primeiro lugar, os alunos nem sempre tém plena consciéncia das es- tratégias que utilizam — ou sequer de que as utilizam! Por isso, nao podem compreender a necessidade de mobilizé-las para realizar de maneira eficaz sua tarefa, ¢ néo veem a utilidade de um trabalho estratégico. Em segundo lugar, nao conhecem outras ¢s- tratégias além daquelas que utilizam, e por isso, obviamente, sio incapazes de avaliar sua pertinéncia ¢ sua eficdcia, De fato, seus metaconhecimentos sio em geral medio cres. Enfim, falta a eles, muitas vezes, fle- xibilidade na utilizasao de estratégias: nao sabem estabelecer ligagées entre 0 tipo de tarefa, sua dificuldade, os meios & disposi- do e as estratégias posstveis. Se os altunos nao estiverem convencidos da utilidade das estratégias e de sua eficd- cia, eles cerao dificuldade de investir nessa aprendizagem e, sobretudo, néo reutiliza- Hio os métodos aprendidos posteriormen- tee de maneiza auténoma. O desafio para 0 adulto € ensinar estraté ao mesmo tempo mostrando sua utilidade, sua ef- cécia ¢ as possibilidades de transferéncia que clas oferecem. Em outras palavras, 0 ensino-aprendizagem de estratégias € um trabalho bem real que exige tempo, méto- do ¢ rigor. Pessoalmente, acreditamos por muito tempo que bastava apresentar uma ver a estratégia eficaz para que o aluno compreendesse seu interesse, Nao é assim. Os procedimentos nao serio reutilizados espontaneamente pelo altuno se nao forem objeto de uma real aprendizagem. “Nio servird de nada ‘oferecer’ aos alunos méto- dos de trabalho ‘prontos para usat’; se esses métodos estiverem muito distantes de suas maneiras de fazer pessoais, eles no conse- guirio representé-los nem assimilé-los; per- manecerao inutilizveis para eles” (Doly, in Grangeat et al, 1997, p. 25). Para que sejam funcionais, 0 aluno deve apropriat- -se seriamente dos procedimentos propos- tos, experimenté-los muitas vezes ¢ cm diversos contextos, constatar sua eficécia ¢ compreender, enfim, por que sio eficazes Por isso, a abordagem deve ser global: “E necessdrio levar em conta motivagées, ex- pectativas, atitudes, a metameméria ¢, de maneira mais geral, as caracteristicas dos sujeitos que aprendem”. Deve-se entio “as- sociar a0 ensino de estratégias elementos para sustentar a motivagio, as atribuigées, 0 sentido de autoeficicia e aspectos liga- dos a metacognigio” (Moé e De Beni, in Doudin et al., 2001, p. 101). Em outras palavras, trata-se nao apenas de ensinar aos alunos como utilizar a nova estratégia, mas também por que e quando. © aluno nfo renunciard, portanto, a uma estratégia que domina — mesmo que seja inadequada — unicamente porque o professor Ihe apresenta outra, suposta- mente mais eficaz. Na realidade, ele deverd experimenté-la muitas vezes e perceber pes- soalmente o interesse de adotécla. Troadec ¢ Martinot (2003), apoiando-se na reflexio de Siegler (1995), falam, a esse respeito, de uma verdadeira competigéo entre as estra- tégias. Assim como na teoria da evolucéo de Darwin, as estratégias competem entre clas — na cabega da crianga -, ¢ sé aque- las que conseguirem se impor sobrevive- vio, Conforme as experiéncias vividas pela crianga, algumas se tornam mais frequentes ¢ se instalam solidamente. Quando uma nova estratégia se apresenta, ela entra em competicao com as antigas. Se, manifesta- mente, a nova estratégia é mais adequada, Estratégias de ajuda a alunos com dificuldades de aprendizagem 187 entio ela se impord. Contudo, a luta seré renhida, pois as estratégias antigas, que até entio ocupam de maneira eficaz o territé- rio, ¢ ha longo tempo, nao aceitam ser des- titufdas. ‘A faculdade de aceitar rapidamente uma nova estratégia eficaz € muito varidvel de uma crianga para outra. “Os resultados de Robert Siegler e seus colaboradores mos- tram que a maioria das criangas descobre novas estratégias a0 longo da experiéncia. Contudo, © tempo que levam para desco- bri-las varia enormemente. Por exemplo, para algumas, a primeira descoberta pode ser feita na segunda sessio de treinamento, enquanto para outras s6 aparece na 13 ses- séo” (Troadec ¢ Martinot, 2003, p. 133) Outra diferenga entre as criangas apontada pelos autores é a capacidade de transferir a nova estratégia para outros contextos: mes- mo tendo descoberto uma nova estratégia cficaz, as criangas persistem em utilizar aquela que Ihes ¢ familiar. Portanto, as ctiangas nfo passam facil- mente de uma estratégia a outra, Hé uma competicao acirrada entre elas antes que a mais forte se imponha. A capacidade das criangas de inibir uma antiga estratégia ¢ entio determinante (Bosson, 2008). E por isso que os professores, para sua decep¢io, constatam com tanta frequéncia que, por exemplo, criangas de 11-12 anos continu- am contando nos dedos, embora dominem outras estratégias bem mais eficazes. 720 IMPORTANCIA DA MEDIACAO Antes de passar aos procedimentos de en- sino-aprendizagem de estratégias, vamos nos deter um pouco mais no trabalho de mediagao! que o professor deve empreen- der quando deseja ensinar estratégias aos alunos. Na psicologia cognitiva, designa-se por mediasao “uma experiéncia refletida e instrutiva em que uma pessoa bem inten- cionada, experiente ¢ ativa, geralmente um adulto, se interpée entre o individuo e as fontes de estimulo” (Dias, 1995, p. 67). Na realidade, 0 aluno pode aprender de duas maneiras distintas © complementares: ou & confrontado diretamente com a tarefa e trabalha sozinho na sua resolugio — trata-se da experiéncia de aprendizagem por contato direto ~, ou se beneficia da mediagio de um colega mais experiente ou de um adulto — fala-se entio de experiéncia de aprendizagem mediada. Pode-se dizer entéo que 0 aluno que trabalha sozinho diante de uma tare- fa desenvolve suas competéncias em uma zona proximal de aprendizagem, 20 passo que, quando conta com a mediacio de um adulto, trabalha na zona proximal de desenvolvimento, tal como foi definida por Vygotsky. Voltaremos a isso mais adiante. Tomemos o exemplo da crianga peque- na que aprende sozinha a somar ntimeros menores jogando habitualmente o jogo de tabuleiro com dados. Nesse caso, a expe- rigncia da crianga em contato direto com os estimulos do ambiente que lhe permite desenvolver uma nova aprendizagem. Es- tamos préximos aqui da concepgio pia- getiana do desenvolvimento cognitive da ctianga: jogando com a assimilagio e a aco- modagio, ela constréi seu saber por meio de atividades cognitivas de explorasio de seu ambiente, que pode empreender sozi- nha e espontaneamente. A “zona proximal de aprendizagem” corresponderia assim aos processos de assimilacéo ¢ de acomodagio disponiveis atualmente nas estruturas cog- nitivas da crianga. ‘Mas essa crianga pode também jogar 0 jogo de tabuleiro com um adulko, que a 188 _ Pierre Vianin ajudard a aprender mais rpido a somar os ntimeros dos dados fazendo um trabalho de mediagio. Por exemplo, o adulto mostraré a ctianga que & mais facil somar dois nii- metos pegando primeiro o ntimero maior. Nessa situagio, 0 adulto se interpée entre o aluno ea tarefa para efetuar um trabalho de mediagio. “Na experiéncia de aprendiza- gem mediada, o mediador se interpde tanto entre os estimulos do ambiente ¢ o sujeito quanto entre o sujeito ¢ suas reacSes. Por sua interposiggo entre os estimulos ¢ 0 su- jeito, 0 mediador visa a uma mudanga da natureza da relagio entre o sujeito e seu ambiente” (op. cit., p. 67). Sem a mediaggo do adulto, a crianga aproveitaria menos os estimulos do seu am- biente. Gragas ao trabalho metacognitivo de objetivacio, 0 professor pode entao au- mentat a capacidade do aluno de aproveitar as situagoes de aprendizagem que encontra “O agente, por sua intervengio, transforma cada estimulo; ele escolhe certos estimu- los, enquadra-os, ordena-os, situa-os em dimensées ao mesmo tempo temporais ¢ espaciais, repete-os para que adquiram im- portincia ¢ significagao” (op. cit., p. 67). O exemplo a seguir permitird compreender melhor esse papel fundamental da media- a0 na aprendizagem: Ha alguns anos, realizamos uma pequena experiéncia que nos ajudow a compreender a importincia da mediasao em nos trabalho de professores. Uma exposigdo sobre o tema “a aga e 0 ambiente” tinha sido aberta em uma cidadezinha de Valais préxima de nés. Deci- dimos visitd-la e, como professores aplicados, levamos um bloco de notas para registrar in formagéesinteressantes que poderiamos depois ‘ransmitir aos nossos alunos. Assim, visitamos a exposigio diligente- mente, achamos muito interessante € saimos com algumas pdginas de anotagées Caminhando pela prasa da cidade, en- contramos 0 musedgrafo, que conheciamos muito bem, ¢ ele nos propés fazer wma nova visita com um grupo, para o qual comentaria 4 exposigao, Para ser gentil com ele, aceitamos a oferta &, para nossa surpresa, visitamos. uma outra exposigdo! De fato, essa segunda vi sita comentada nos permitiu descobrin, gragas 140s aportes do especialista, uma visdo muito diferente da mesma exposigdo. Enquanto, por exemplo, tinhamos passado muito rapida- ‘mente por um exguema exposto na primeira sala, 0 musedgrafo deteve-se longamente nele. Na realidade, 0 painel apresentava, de ma- nia sintétca, 0 conjunto do procedimento de reflex proposto na exposigio. Mais adiante, cle parou em uma maguete — que tinhamos achado bonita, mas de pouco interesse— onde se explicava o papel dos cagadores na regula- iio da fauna. Em suma, gragas ao trabalho de medias do especialiea, nos beneficiamos das chaves de leitura determinantes para a boa compreensio da exposigao. Todos jd devem ter tido essa experiéncia: 4 visita guiada a um museu permite benef ciar-se da mediagio esclarecida de um espe- ialisea que sabe destacar os elementos perti- nnentes, indicar os conceitos a reter, dar um cesclarecimento particular em um aspecto, pir em perspectiva os pontos importantes, fazer Uigasies, situar as observagbes em um contes- to mais amplo, etc, Evidentemente, em nossa primeira visita, aprendemos coisas sobre 0 pa- ;pel do casador na gessio do ambiente, mas a segunda visita nos permitiu, gragas & media- 0 do especialsta, ganhar em profundidade de compreensio ¢ em riqueza de reflexio. Para compreender bem a dificuldade do trabalho de mediagio, vamos retomar ago- ra 0 triangulo pedagégico de Houssaye (1993) ¢ analisar o papel do professor. ‘To- dos devem se lembrar que, para 0 autor, qualquer situacio pedagégica consiste em tum jogo entre trés elementos: 0 professor, o aluno ¢ o saber (Figura 7.1): “A situagio Estratégias de ajuda a alunos com dificuldades de aprendizagem 189 pedagégica pode ser definida como um tri- Angulo composto de tés elementos, 0 sa- ber, 0 professor ¢ os alunos, dos quais dois se constituem como sujeitos, enquanto 0 terceito deve aceitar 0 papel do morto ou, em vez disso, virar 0 palhaco” (p. 15). No “processo de ensinar”, o professor mantém uma relasio privilegiada com o saber, ¢ si- tua-se no proceso magistral da transmissio do saber. Nessa situagio, 0 aluno faz um pouco o papel de “morto”, pois nao esta di- retamente envolvido no processo que liga 0 professor e o saber. Se a situagao se prolon- ga por muito tempo, o aluno poderd passar a fazer o papel de “palhago” ¢ a baguncar. Mas 0 professor pode também se retirar vo- luntariamente da situagio pedagégica, pos- sibilitando assim que o aluno se confron- te diretamente com o saber ("processo de aprender’). E 0 aso, por exemplo, quando 0 aluno se encontra diante de uma situa- io-problema que precisa resolver sozinho. Finalmente, o professor pode tecer clades privilegiadas com scus alunos e esquecer que esto na escola para aprender; “eles se sentem téo bem juntos que sua relagao lhes basta, ¢ basta para justificar o fato de estar 1 (p. 21) ("processo de formar”) Professor Alunos Saber Figura 7.1 0 triangulo pedagégico (Houssaye, 1993). ‘Vamos tentar agora retomar esse mode- lo de compreensio da situagio pedagdgica ¢ analisar 0 papel de mediacio do profes- sor. Propomos que se considere o triangulo pedagégico como um triangulo articulado = ou elistico -, podendo haver deforma- es no comprimento de seus lados. Pode- -se imaginar ento que o professor se afaste muito da relagio que se estabelece entre os alunos eo saber e faca 0 papel de “morto”, segundo a expressio de Houssaye. Nesse caso, ele observa de longe a atividade de seus alunos, mas nao intervém absoluta- mente. Professor Alunos Saber Figura 7.2 0 professor faz papel de “morto” Mas pode-se imaginar que 0 professor perceba que um grupo de alunos comeca a tumultuar ¢ nao esté mais trabalhando corretamente, O professor se aproximard entio do grupo reiniciard a atividade dos alunos com uma pergunta ou uma chama- daa ordem. Com isso, ele se reaproxima da relagio alunos-saber ¢ efetua um trabalho de mediacio que se poderia qualificar de “leve” Pode ocorrer, finalmente, que o profes- sor constate que um aluno nao entendeu nada da atividade. Entio ele se senta a0 190 _ Pierre Vianin Professor — Alunos Saber Figura 7.3 0 professor faz uma mediagao “leve" lado desse aluno ¢ se coloca resolutamen- te ~e conscientemente ~ entre 0 aluno e 0 saber. Por exemplo, retoma com a crianca a leitura do enunciado, verifica se ela com- preendeu bem do que trata a atividade ou comega o exercicio com ela. Nesse caso, © triangulo é totalmente plano, ¢ 0 4pice “professor” situa-se entre os outros dois cumes do triangulo. Professor —____}—___. Alunos Saber Figura 7.4 0 professor efetua uma remedia- 980 “pesada” Esse “triangulo pedagégico articulado” ajuda a explicar a dificil carefa de media s40 do professor. Se o aluno esté em uma situagéo de aprendizagem portadora de Jo conflitos cognitivos, seu papel € deixa tranquilo: as coisas vio bem, o aluno esta envolvido em uma tarefa cognitiva exigente ¢ mobiliza ativamente seus processos cog- nitivos para encontrar uma solugio; 0 erro seria, manifestamente, interromper essa re- lacio privilegiada entre 0 aluno ¢ o saber. ‘Ao contrétio, se 0 altuno nao est mais par- ticipando, entdo se impée uma intervengo mediativa, ou mesmo remediativa. “Em certos casos, trata-se de intervengées mi- nimas em que o professor intervém apenas por solicitagio explicita do préprio aluno, enquanto em outros casos 0 professor esta muito presente no ambiente imediato do aluno” (Tardif, 1992, p. 310). Na realidade, a questio do “quando intervir” ou “quando deixar fazer” € muito delicada. Além disso, o professor tem a es- colha entre uma mediagio mais ou menos “leve” ¢ uma remediagio mais ou menos “pesada”. Trata-se, portanto, de uma re~ gulagéo muito sutil da distancia ideal que deveria ter 0 cume “professor” do triangulo para nao fazer demais ou fazer suficiente- mente. A tarefa é muito dificil, ou mesmo impossivel, € a fungao do professor lembra muito a do malabarista: “Recordo de ter visto em um circo um malabarista girando uma dezena de pratos equilibrados em va- ras flexiveis. Os pratos iam perdendo pou- co a pouco a velocidade e ameagavam car, ‘Toda a arte do malabarista estava em perce- ber os pratos que estavam a ponto de cair ¢ reiniciar sua rotagéo. Em uma pedagogia diferenciada bem pensada, o professor se torna um girador de pratos de um tipo par- ticular. Ele pde os alunos em atividade e os deixa por conta prépria por um instante, a tempo de ir fazer 0 mesmo com outros grupos, Toda a arte esté em chegar bem a tempo" (Perrenoud, 2005, p. 31). Nosso mediador tem mais ou menos a mesma dificuldade que o malabarisca de Perrenoud. Ele deve se perguntar con- tinuamente se é€ 0 momento de reiniciar a atividade do aluno ¢ se deve se interpor en- ee ele ¢ 0 saber. Além disso, deve escolher © tipo de intervengéo mediativa de que 0 aluno necesita. A mediagéo do professor pode, de fato, referit-se a varios dominios diferentes e complementares (Dias, 2003). Por exemplo, 0 adulto pode explicar 0 obje- tivo perseguido e dar sentido aos exercicios realizados. Mas pode igualmente ajudar a crianga a relacionar os contetidos do ensi- no & vida cotidiana, possibilitando assim a Estratégias de ajuda a alunos com dificuldades de aprendizagem 191 generalizagio das aprendizagens. A atitude diante da tarefa — por exemplo, 0 controle da impulsividade — também pode ser traba- Ihada com a mediagio do adulto. De ma- neira mais geral, 0 professor pode ajudar 0 aluno, por sua atitude e seus comentarios, a desenvolver a confianga em si ¢ 0 senti- mento de controlabilidade; a tomada de consciéncia da modificabilidade cognitiva subentende toda a reflexio. Os compor- tamentos de socializagio ¢ de cooperacio também poderio ser valorizados pelo pro- fessor. Como se pode ver aqui, a mediacio do adulto pode se referir a um aspecto pon- tual da tarefa que o aluno esta realizando ou ao desenvolvimento global da crianga. ‘Além disso, pode se traduzir explicitamen- teem comentirios do adulto, mas também implicitamente ~ a informagio transmitida é tanto mais penetrante — pela atitude glo- bal e nao verbal do professor. Para tentar levar ainda mais adiante a reflexio sobre a mediagio, vamos nos de- ter um pouco na famosa zona proximal de desenvolvimento (ZPD) de Vygotsky. Esse conceito designa a zona que se situa entre © mediador ¢ seus nivel atual da crianga quando realiza a ta- refa sozinha e o nivel que pode atingir com a mediagio do adulto, Em outras palavras, “a ZPD representa a distancia potencial en- tre o nivel atual observavel das capacidades manifestadas pela crianga (desempenho) suas capacidades subjacentes latentes (competéncia), que nao so dirctamente observaveis” (Sternberg, 2007, p. 401). O papel do professor é, portanto, ampliar 0 que chamamos acima de “zona proximal de aprendizagem” (ZPA) indicando pistas de reflexdo que abram novas perspectivas para a crianga, No exemplo da visita ao museu, nés nos debatiamos sozinhos, com nossos conhecimentos limitados, em uma estreita zona proximal de aprendizagem. O museé- grafo, trabalhando em nossa zona proximal de desenvolvimento, fez explodir essa bolha a abriu para horizontes de reflexto bem mais amplos e bem mais interessantes Podemos ilustrar essa abertura com a Fgura 7.5. Como podemos ver nesse esquema, a “zona proximal de aprendizagem” permi- te que 0 aluno, com seus prdprios meios SN conhecimentos — Figura 7.5 A “zona proximal de aprendizagem” e a zona proximal de desenvolvimento. 192 _ Pierre Vianin € seus conhecimentos pessoais, se aproprie de um “espaco” de conhecimentos na gran- de “bolha” do saber. Contudo, esse espaco é bastante reduzido. Ao contrétio, a zona proximal de desenvolvimento (ZPD, em pontilhado) é bem mais ampla, pois o alu- no tem acesso a uma parte dos extensos co- nhecimentos do professor gragas a0 traba- Iho de mediagao. A flecha indica o trabalho de mediagio gragas a0 qual a bolha do alu- no se abre um pouco para a do mediador ¢ lhe permite assim 0 acesso a um espago mais amplo. Quanto 4 bolha do saber, ela é evidentemente mais ampla que a do media- dor, cujos conhecimentos so, no entanto, mais extensos que os do aluno. A crianga precisa entéo do adulto para ampliar sua “bolha”. Quando dominar a nova compe- téncia, sua bolha ser4 um pouco maior, ¢ cla podera utilizar suas novas ferramentas cognitivas de maneira auténoma. Portanto, © papel da mediagio é fun- damental para ajudar o aluno a construir ‘© seu saber. Porém, na escola, muitas ve- zes tem-se a ilusio de que basta colocar 0 aluno em atividade para que ele aprenda. “Nossas observagGes de classes do maternal os mostraram que, com muita frequéncia, 0s alunos sio muito pouco orientados no tratamento das tarefas propostas. Costu- ma-se deixé-los explorar, fazer, manipular — em suma, agir sobre os objetos sozinhos, limitando-se a verificar se terminaram seu trabalho, Ora, no é apenas ‘fazendo’ que se torna um bom aluno, mas é também, ¢ sobretudo, procurando compreender 0 que se faz, como se faz com que resultado” (Cébe ¢ Goigoux, in Talbot, 2005, p. 222). Mais uma ver, ressalta-se a importincia do trabalho de mediagao. No ensino-aprendizagem de estraté- gias, a compreensio desse modelo de me- diagao é essencial. Ela condiciona a apro- priagdo dos procedimentos sugeridos no capitulo seguinte. Na aprendizagem estra- tégica dos alunos, © professor se posiciona claramente como o agente da mudanga “E por meio da experiéncia repetida de tum especialista que critica, avalia ¢ esten- de os limites da experiéncia que o sujeito poder desenvolver a competéncia para au- torregular sua atividade. © mediador tem como fungio pré-estruturar, pré-organizas, filtrar, interpretar a realidade exterior que © sujeito procura dominar” (Doudin et al., 2001, p. 13). E gragas ao adulto que a crianga poderd dar sentido 3 aprendiza- gem de estratégias ¢ compreender sua utili- dade, Contar unicamente com os préprios recursos do aluno e sua ZPA é totalmente insuficiente. © procedimento deve ser vo- luntarista: “Os esforcos feitos para colocar mundo ¢ o conhecimento ao alcance da crianga ¢ do aluno (sobretudo quando so deliberados, explicitos e formalizados) sio os responsiveis pela aprendizagem das ha- bilidades cognitivas ¢ dos mecanismos de pensamento” (Paour e Cébe, in Doudin et al.). Do mesmo modo, em um trabalho de re-mediacio, 0 professor vai fazer nova- mente (“re-”) uma mediagdo que permita ao aluno mobilizar suas competéncias cog- nitivas. A re-mediagio consiste, portanto, em ajudar o aprendiz a tomar consciéncia dos processos mentais que deve mobilizar para ter éxito na tarefa. Gragas & mediagio do adulto, a crianga logo seré capaz de realizar sozinha a tarefa para a qual ainda necessita atualmente de uma mediagio, O trabalho feito na ZPD visa assim o ampliar o repertério de com- peténcias do aluno ¢ torné-lo mais autd- nomo. Como destaca com muita beleza Vandenplas-Holper (2006), “o nivel atual do desenvolvimento da crianga se refere, re- trospectivamente, a fungées que, tal como Estratégias de ajuda a alunos com dificuldades de aprendizagem 193 os ‘frutos’, j4 chegavam & maturagio. A ZPD tefere-se, prospectivamente, as fun- Ges que, tal como os ‘brotos’ ¢ as ‘flores’, apenas iniciaram o processo de maturacio” (p. 37) Observemos, finalmente, que esse tra- balho de mediagao pode ser realizado tam- bém em um grupo de colegas. “Em certas condigées, uma situagio de interagio social que exige que os sujeitos coordenem en- tre eles suas agdes ou que confrontem seus pontos de vista pode levar a uma modifica~ ao subsequente da estruturagio cognitiva individual. (...] Pode-se induzir experimen- talmente a mudanga cognitiva apresentan- do A ctianga um modelo cujas condutas so de um nfvel genético superior ao seu, 0 que ctia um desequilfbrio entre as expectativas da crianga em relagdo a comportamentos do modelo ¢ aqueles que ela percebe efe- tivamente” (Perret-Clermont, 2000, p. 201-202). Como podemos constatar nessa citagao, 0 confronto de suas préprias repre- sentag6es com as de colegas mais adianta- dos pode favorecer no aluno uma melhor compreensio e desempenhar assim um pa- pel — menos explicito que o de um adulto, mas real — de mediagao. A intervengao de uma pessoa mais competente que a crianga — quer se trate de um adulto ou de um co- lega — permite a0 aluno desenvolver novas modalidades de funcionamento cognitivo. ‘A inceragio social é, consequentemente, um fator determinante no desenvolvimen- to cognitivo da crianga. © ensino-aprendizagem de estraté- gias — que apresentaremos no capitulo se- guinte — se fundamentard nesse trabalho de mediagio. Vamos descobrir agora um procedimento de ensino-aprendizagem de estratégias. Descreveremos claramente 0 papel do professor ¢ especificaremos sua fungao de mediagao. “A mediacio feita pelo professor estratégico entre o aluno e todas as situages de aprendizagem constitui igual- mente um papel de extrema importincia. E, entre outros, por esse papel de mediador que 0 professor estratégico assegura a pas- sagem do aluno da dependéncia & pritica guiada, da pratica guiada a independéncia na aprendizagem’ (Tardif, 1992, p. 309). 7.3 COMO ENSINAR ESTRATEGIAS? O ensino-aprendizagem de processos, pro- cedimentos e estratégias apoia-se em alguns principios bésicos, ¢ pode se organizar em varias etapas. Neste capftulo, apresentare- mos primeiramente alguns principios que & preciso respeitar quando se deseja ajudar os alunos a se apropriarem de estratégias de aprendizagem:; em seguida, descreveremos as diversas etapas desse ensino-aprendizagem. Entre esses prinefpios bdsicos, recor- damos aqui o papel deverminante que o professor desempenha na apropriagio de procedimentos eficazes. A crianga no con- seguiria descobrir sozinha a importincia dessa abordagem estratégica, ¢ nem as dife- rentes ferramentas cognitivas 4 sua disposi- io. O papel de mediador jé foi suficiente- mente desenvolvido no capitulo anterior, ¢ por isso no precisamos voltar a ele. Explicitar as estratégias Recordemos que, frequentemente, 0 alu- no utiliza estratégias de maneiza implicita ¢ automatizada, Assim, o trabalho do pro- fessor consistiré em analisar com cle suas estratégias e toré-las explicitas. Trata-se, portanto, como diziamos no item 1.2, de “tirar 0 motor” do automével a fim de po- der desmonté-lo, identificar a pane, conser- té-lo e depois recolocé-lo no lugar. “O ensi- 194 _ Pierre Vianin no de estratégias deve recorrer a um ensino direto e explicito. Deve-se tornar evidente © ensino de uma estratégia, nomeando-a ¢ indicando quando ¢ como utilizé-la. Trata- -se de explicitar os objetivos da estratégia, de descrever seus principais aspectos, a apli- casio de suas diferentes etapas, assim como a forma de avaliar sua eficécia” (Archam- bault ¢ Chouinard, 2003, p. 89) ‘Uma entrada possivel na aprendizagem de estratégias consiste em possibilitar uma confrontagio entre os procedimentos uti- lizados pelo aluno (entrada pelo aluno) ¢ uma conduta exigida pela tarefa (entrada pela tarefa, cf. item 1.2). Trata-se, portanto, de partir das representagées que o aluno faz para si da tarefa e das estratégias que utili- za e, em seguida, analisé-las em fungio das cxigéncias da prépria tarefa. Certos proce- dimentos do aluno podem ser mantidos € encorajados, enquanto outros nao séo per- tinentes porque a prépria tarefa no permi- te a escolha da estratégia. Por exemplo, a0 fazer um estudo de texto, 0 aluno poderé responder bem a todas as perguntas que Ihe sao feitas, mesmo tendo lido o texto uma Xinica ver (se tiver feito uma leitura atenta). Ao contririo, se ele nunca volta ao texto para verificar a cortegio de suas respostas, corre o risco de ter dificuldade se a propria rarefa exigir 0 “estudo” do “texto” Integrar a metacognicao ao ensino-aprendizagem Esse ensino-aprendizagem de estratégias serd feito a partir de contetidos previstos nos planos de estudo: 0 ensino estratégico tem que ser integrado ao ensino das disci- plinas escolares, e nio deve set objeto de aulas especificas dedicadas unicamente a nogies tedricas ¢ desconectadas das tarefas a realizar. Como jé assinalamos varias ve- es, se as estratégias sio aprendidas, de ma- neira geral, a partir de suportes nao esco- lates, a transferéncia de sua utilizagio para contextos escolares é muito dificil de fazer. O professor nao dard “aulas de metacogni- so”, mas integrard ao seu préprio ensino as estratégias titeis, “O ensino metacogni- tivo nfo pode se restringir a um ntimero limitado de ligées, mas deve constituit uma atividade constante ao longo do ano escolar, encorajando 0 aluno a utilizar es- tratégias” (De Beni e Pazzaglia, in Doudin et al., 2001, p. 242). Por exemplo, o pro- fessor ensinar4 as estratégicas mneménicas aos alunos acompanhando-os em aula, du- rante algum tempo, na aprendizagem das ligdes. Quando se tratar de resolver proble- mas de matematica, o professor vai discutir com os alunos as diferentes estratégias que cles utilizam, comparé-las ¢ analisar sua pertinéncia, permitindo-lhes, em tiltima andlise, melhorar seus procedimentos de resolusio, Em outras palavras, “a utilizacéo desses meios deve ser parte integrante do ensino, ¢ nio ser vista pelos alunos como ‘interrupgées’ durante a aprendizagem, que parecem ser realizadas por obrigaio ou sem convicgio. Levande em conta di- ferentes dimensées da aprendizagem (cog- nitiva, metacognitiva, afetiva ¢ social), es- sas intervengées deveriam conduzir 2. um ensino metacognitivo integrado no qual os alunos consigam se autoavaliar, se questio- nar, interagir e fazer pausas reflexivas sem que isso seja planejado explicitamente pelo professor” (Lafortune e Deaudelin, op. cit. p. 66) A modelagem A modclagem é, cm particular, um proce- dimento interessante no ensino-aprendiza- gem estratégico. Consiste, para o professor, Estratégias de ajuda a alunos com dificuldades de aprendizagem 195 em executar 0 procedimento sugerido dian- te dos alunos, comentando em voz alta suas reflexdes, questionando-se, identificando seus préprios erros, regulando ¢ sempre falando do que esta fazendo no momento em que esté fazendo. Essa modelizacio é, para o professor, a ocasiio de mostrar 0 que é preciso fazer, como ¢ por que é preciso fazer. “Em uma aula redacio, por exemplo, quantas vezes um aluno vé seu professor re- digir um texto? Quase nunca, infelizmen- te! A tinica coisa que se mostra a cle sao textos acabados, impecaveis e sem ertos. Ora, como vai saber que, antes de redigir, até mesmo um expert como seu professor clabora primeiro um plano, modifica frases mal estruturadas, corrige ertos de sintaxe e de ortografia, relé, etc., se nunca o vé far zer isso?” (Viau, 2003, p. 134). Os alunos tém assim a oportunidade de “ver fazer” € de “ouvir dizer” gracas 4 modelizagio do professor. O modelo deve sempre ter 0 cuidado de proceder lentamente ¢ de des- crever todas as operagées efetuadas, mesmo que elas Ihe paregam — geralmente s6 para ele... - elementares, A demonstrasio pode ser feita também por um colega, 0 que per- mite um trabalho melhor de identificasio, sobretudo se for um colega apreciado. A aprendizagem por imitagio — frequente- mente desvalorizada na escola — pode cons- tituir, portanto, uma abordagem bastante pettinente. Trabalhar em grupo © ensino-aprendizagem de estratégias, embora seja mais ficil de realizar em um trabalho individual, pode set feito sem pro- blemas com toda a classe. A contribuicéo do grupo e as trocas entre colegas podem ser muito interessantes, sobretudo no inf- cio do trabalho, quando se confrontam as proprias estratégias com a tarefa e suas exi- géncias. O trabalho de identificagio de es- tratégias ¢, depois, de andlise, de discussio, de confrontagéo ¢ bem mais eficaz se for realizado em grupo ou com toda a classe. Um trabalho de coavaliagio pelos colegas pode igualmente favorecer a apropriaso de estratégias. Para efetuar esse trabalho, os alunos podem dispor de uma grade de andlise em forma de uma checklist ou da propria ficha de procedimento. Sintese metacognitiva Em todo o periodo de ensino-aprendiza- gem de estratégias, o professor organizara “tempos metacognitivos” que permitirio objetivar as aprendizagens realizadas, par- ticularmente a projecio — que € feita no inicio do trabalho — ¢ a sintese cognitiva = que se desenvolve no final: “O retorno & aprendizagem efetuada pelos alunos € mui- to importante. Ele tem como fungio levar os alunos a refletir sobre suas aquisigoes, a compreender que aprenderam alguma coi- sa, a explicitar o que aprenderam ¢ como chegaram a isso, a identificar as dificul- dades enfrentadas 20 longo do percurso, assim como os meios que encontraram para resolvé-las, e a descobrir a fungio, a utilidade, a eficécia e a pertinéncia de sua aprendizagem’ (Archambault ¢ Chouinard, 2003, p. 29-29). A sintese metacognitiva possibilita assim, de um lado, efetuar um retorno as aprendizagens realizadas e, de outro, retornar igualmente as estratégias mobilizadas nessas aprendizagens. A sintese metacognitiva torna-se entio um momen- to importante na construgio de estratégias cognitivas. “Esse momento situa-se apés um tempo de trabalho individual sobre 196 _ Pierre Vianin as estratégias, Ele permite compartilhar ¢ confrontar funcionamentos. E nessas ses- s6es que algumas criangas percebem que nao utilizam a estratégia correta ou que se tranquilizam porque outras também fazem como elas. Essa etapa de conflito sociocog- nitivo, que favorece um verdadeiro questio- namento de suas representagées ¢ a cons- trugéo de novas estruturas de referencias, contribui enormemente para 0 enriqueci- mento do repertério cognitive” (Bazin Girard, in Grangeat ct al., 1997, p. 89) Utilizar uma ficha de procedimento Quando do ensino-aprendizagem de no- vas estratégias, a carga cognitiva dos alunos pode ser muito alta, pois eles terio de gerir a realizagio da tarefa, o comando dela e a utilizagio da nova estratégia. Por isso, em muitos casos é titil propor as eriangas fichas de procedimento escritas ou fichas-guias que aliviem seu tratamento cognitivo, oferecendo-lhes um suporte externo que descreva claramente as ctapas a respeitar na realizagio da tarefa. Nessas fichas, ¢ im- portante propor aos alunos procedimentos simples, curtos ¢ indicando as principais erapas. Anexamos a esta obra varios exem- plos nos quais se pode observar que, na me- dida do possivel, limitamos os procedimen- tos a trés ou quatro etapas principais. Se, para realizar corretamente a tarefa, o aluno tiver que seguit, ponto por ponto, as vinte ¢ cinco etapas previstas, ele desanimaré mui- to répido ¢ concluiré, com razao, que sua maneira de proceder é bem mais econémi- ca (ainda que seja errada). Em seu trabalho de mediagio, o professor poderd se remeter regularmente & ficha de procedimento — que constitui uma referéncia comum para a ctianga ¢ para o adulto — a fim de guiat a atividade do aluno. Além disso, 0 uso de tum suporte escrito favorece a economia do aluno ¢ a transferéncia da aprendizagem. Se 0 aluno conta com um apoio indi- vidual prestado por um professor especiali- zado, a ficha-guia constituiré uma ligagio importante entre 0 trabalho realizado na classe de apoio e a necessétia transferéncia a sala de aula da competéncia desenvolvi- da, Do mesmo modo, certas fichas “transi- taro” entre a escola ¢ a casa, ¢ mesmo de um ano letivo a outro. Como assinala Doly (1997) muito a propésito, “a ficha tem exa- tamente uma fungio de ajuda, de cutela Acompanham-se os passos das criangas; no inicio, elas recorrem a ficha 0 tempo todo (aquelas que cém necessidade), algumas com a ajuda individualizada do professor, ¢ depois, pouco a pouco, a deixam de lado porque a interiorizaram (hd aquelas que dizem, inclusive, que tentam nio recorrer a ficha para testar seu progresso), automa- tizaram as competéncias que cla visava: depois, “ficam melhores que a ficha’ ¢ a abandonam, Ela constitui uma espécie de intermedidrio entre a regulagio externa do professor ¢ a autorregulagio das criangas” (Doly, in Grangeat et al., 1997, p. 54). O professor poderé também afixar na classe painéis apresentando as estratégias es- tudadas, o que lhe permitiré referir-se a elas sempre que necessério. O ideal seria, sem duivida, produzir essas fichas e esses painéis com os préprios alunos, partindo de suas estratégias ¢ adaptando-as as exigéncias da tarefa, “Recordemos que essa aprendizagem é metacognitiva, no sentido de que as crian- sas partem de seus metaconhecimentos so- bre a tarefa (aos quais se acrescentaram co- nhecimentos construidos em comum) para construir outros mais adequados, a partir de uma reflexio avaliativa sobre suas pro- Estratégias de ajuda a alunos com dificuldades de aprendizagem 197 dusées ¢ seus procedimentos ~ reflexio que se tornou possivel gracas ao controle cogni- tivo, com a ajuda do professor, operado so- bre a atividade de escrita e que se traduziu em uma abstragio-descontextualizagio ¢ uma conceitualizacio da atividade e de seus produtos em fichas reutilizaveis em contex- tos diferentes” (op. cit., p. 50). No ensino-aprendizagem _estratégico dirigido as criancas menotes, pode ser pro- veitoso utilizar a metéfora sugerida por Gag- né (1999). O autor associa cada proceso cognitivo ou metacognitivo a um persona- gem. Assim, o “detetive” é encarregado da identificacao dos elementos importantes da tarefa. E cle entao que, com sua lupa, obser- va, procura indicadores, interroga-se e dis- tingue o que ¢ importante ou nao na tarefa. O “bibliotecério” € responsével pela gestao da meméria de longo prazo; ele arquiva os dados ¢ procura os conhecimentos declara- tivos e procedurais necessérios 4 realizagio da tarefa. Quanto “arquiteta’, cla planeja o trabalho a realizar, faz esquemas, determi- nna as etapas a seguir e estabelece os proce- dimentos necessérios, O “controlador” tem uma atividade caracteristicamente metacog- nitiva: ele verifica regularmente se tudo esta caminhando bem e inspeciona o desenrolar da agio em tempo real. O “Arbitro” eferua 0 controle final c avalia a qualidade da produ- cao. Finamente, o “marceneiro” — que é en- carregado da execusio ~ e 0 “explorador” — de pensamento divergente — participam do trabalho conjunto, Esse “modelo Reflecto” permite apresentar os processos cognitivos de maneira Iidica e diferenciada. Pode-se pensar em trabalhar particularmente sobre um processo durante um perfodo definido ou em propor a cada aluno o personagem de que mais precisaria no momento. Outro suporte de trabalho muito inte- ressante é 0 “posto de comando” sugerido por Levine (2003): o aluno tem diante de sium verdadeiro painel de bordo de aviao com varios mostradores pelos quais pode avaliar 0 funcionamento da maquina, Por exemplo, 0 mostrador “antecipagéo” mede a capacidade de observar as coisas pacien- remente ¢ de dominar a impulsividade mostrador do “autocontrole” indica a capa- cidade de determinar como as coisas estio se desenrolando, etc. © posto de comando rem 14 mostradores ¢ permite “pilotar” a tarefa verificando regularmente se o vefculo cognitivo continua seguindo a rota certa. O quadro possibilita ao aluno se autoavaliar regular sua aco. Para ser eficaz, © ensino-aprendizagem de estratégias deve ser acompanhado de uma reflexio sobre a eficécia delas. Assim, aluno precisa compreender que proce dimento sugerido é mais econdmico, mais eficaz e mais ttil do que aquele que utiliza- va até enti. Precisa constatar por si mesmo em diversas ocasides que seu desempenho € melhor com essa nova estratégia. Nesse procedimento, suas atribuicdes causais (cf Capitulo 2) devem ser internas ~ “essa es- tratégia me pertence, eu a domino” ~, esta- veis ~ “a partir de agora vou poder utilizé-la sempre que for necessitio” — e controlé- veis — “sei que essa estratégia me fornece os meios para o meu éxito”. Para ajudar os alunos a perceberem o interesse da nova es- tratégia, 0 professor poderé oferecer a eles um suporte escrito que Ihes permita visua- lizar sua progresséo: Na primeira aula de apoio, Christian se apre- senta a nés como um “nulo em ortografia”. Ele estd na 54 série do primdrio ¢ desde a 24 série ‘prepara seus ditados sem sucesso. Por isso, estd totalmente resignado (resignasio aprendida) ¢ agora estd convencido de que tem um defei- to familiar hereditario! O professor titular, de sua parte, estd convencido de que Christian 198 Pierre Vianin néio prepara seus ditados. Com os 20 ou 30 erres de sew aluno a cada ditado, ele nao ve outra explicacdo para esses resultados catastré- eos Constatamos muito rdpido que a hipote- se do professor ndo é a correta. Quando pedi- ‘mos ao aluno gue nos expligue como prepara seus ditados, ele nos mostra as folhas com 0 texto a ser estudado que recopiow virias vex zes, Ao nos mostrar suas ‘provas”, Christian se queixa das horas que pasta com sua mde, toda terca-feira & tarde, para preparar seu ditado, Intrigados, perguntamos a ele como é 0 proce- dimento, O fato ¢ que a mae de Christiana explicagao parece absurda, mas corresponde exatamente & realidade — dita 0 texto letra por letra () ao filho, que o escreve — letra por letra — nas folhas. O exercicio € refeito vdrias vezes; Christian escreve entéo até trés vezes todo-0 ditado; 0 rabatho dura horas, a crian- ¢a ea mite se irvitam, e Christian. cometendo mais de 20 erros no ditado Registramos com Christian os resultados de seu tltimo ditado no Quadro de tempera tura” (Anexo 7). Depois, propomos a ele ex- perimentar um procedimento de preparagiio do ditado “mais adequado” e registrar o resul- tado nesse mesmo quadro. Uma tinica aula de apoio ~ dedicada i aprendizagem de um procedimento eficaz — baston para Christian (pasar de 22 erros para 5 erros! ise trabalho estratégico prosseguiu por cerca de quatro se~ ‘manas, até 0 momento em que ot resultados do aluno se estabilizaram em torno de 3-4 erro. continua Grasas ao “quadro de temperatura’ Christian péde visualizar seus progressos € constatar a eficcia do procedimento indica- do, A aprendizagem da nova estratégia ¢ a visualizaso de seus progressos permitivam ao saluno restaurar seu sentimento de controla- bilidade ¢ abandonar uma atitude de resig: nasi mortifera. A conjugagao de seu novo desempenho com a explicasao de seu éxito € com a evoluséo de seus resultados convenceu 0 aluno da pertinéncia da nova estratégia Depois de ter apresentado alguns prin- cipios bisicos do ensino-aprendizagem estratégico, podemos falar agora das dife- rentes etapas desse trabalho. Globalmente, © procedimento esté relacionado 20 apoio (andaime)-retirada do apoio. Isso permite 20 aluno apropriar-se progressivamente das estratégias titeis. A figura a seguir (Figura 7.6) mostra que 0 professor esta bastante presente no infcio do processo, e depois cede lugar pouco a pouco ao aluno, que assume uma participagao cada vez mais importante na gestio de suas ferramentas estratégicas. O espago ocupado pela in- tervengio do professor, muito grande no inicio do procedimento, diminui na se- quéncia. Ao contrério, 0 envolvimento do aluno aumenta até chegar a uma utilizagéo completamente auténoma de suas estraté- gias. “Esse ensino de estratégias deveria ser concebido de modo a reforcar a autonomi- Participacao do adulto (pais, professor(a}): Ensino. ———> — aprendii procedimento de apoio (andaime} e heterorregulagao jo da crianga-aluno: procedimento de retirada de apoio (andaime) e autorregulacao —— tilizagao auténoma Figura 7.6 Do apoio ¢ heterorregulacao 8 utilizacdo auténoma de estratégias. Estratégias de ajuda a alunos com dificuldades de aprendizagem 199 zacio cognitiva do aluno, que se encatrega- ria progressivamente da pilotagem de seu pensamento interiorizando os processos (meta)cognitivos necessérios para um fun- cionamento intelectual étimo” (Doudin et al., 2001, p. 29). Mais precisamente, 0 procedimento pode ser decomposto em seis etapas prin- cipais: 1. Primeira etapa: 0 professor avalia a es- tratégia que o aluno utiliza espontane- amente ¢ analisa com ele sua pertinén- cia, Algumas estratégias se mostrario bastante adequadas, enquanto outras serio manifestamente _ inadequadas. Essa primeira andlise ajudaré 0 aluno a compreender em que seus procedimen- tos atuais podem ser consolidados ¢ por que, se for o caso, terd de abandoné-los pot seem ineficazes. aqui que 0 “mo- tor” é retirado do coffe e desmontado. ‘A nova estratégia sera construfda entao a partir da tomada de consciéncia da crianga de suas préprias estratégias Seo trabalho for realizado com toda a classe, © professor pedird as criangas que cada uma exponha sua estratégia. Com isso, os alunos poderdo tomar consciéncia de que os procedimentos sio intimeros, ¢ de que existem estra- tégias mais econémicas e mais eficazes do que outras. O questionamento de seu préprio procedimento seré facilita- do com a exposicéo de procedimentos diferentes pelos colegas. Evidentemen- te, 0 professor poderd ajudar os alunos a avaliar a eficécia relativa de cada um dos procedimentos e estimuld-los a me- Ihorar suas estratégias. 2. Segunda etapa: o professor estabelece um projeto de aprendizagem de novas estratégias, Retoma a avaliagio feita na fase anterior ¢ a comenta; explica cla- ramente qual é 0 objetivo perseguido ‘© em que as novas estratégias propostas so pertinentes, O “quando” ¢ 0 “por que” da utilizagao da estratégia serio abordados explicitamente. Os aspec- tos afetivos ¢ conativos séo igualmen- te importantes: trata-se de “motivar os alunos a utilizarem as estratégias mos- trando-lhes que hé uma ligacio entre a utilizagio de uma estratégia ¢ 0 éxito na tarefa, A motivacio é essencial na aprendizagem estratégica. De fato, a menos que seja motivado para atingir um objetivo, o leitor nfo se empenha- 14 na utilizago de uma estratégia que exija um esforgo. Sem um bom nivel de autoestima ¢ uma tendéncia a atri- buir o sucesso ao esforso, os alunos tém pouca chance de iniciar um comporta- mento estratégico” (Giasson, in Dou- din et al., 2001, p. 261). Essa segunda etapa consiste assim em um trabalho metacognitivo de explicitaso ¢ de ob- jetivagao: o contrato didatico se torna explicito, e os alunos sabem 0 que esti em jogo nas aprendizagens realizadas. Terceira etapa: 0 professor trabalha com os alunos na melhora de suas es- tratégias. A cada fase, a estratégia pode ser apresentada de forma declarativa O professor pode, inclusive, pedir aos alunos que aprendam “de cor” as dife- rentes etapas a serem respeitadas para realizar corretamente a tarefa. Como ressalta Crahay (1999), “a passagem. pelo nivel declarativo tem como ob- jetivo favorecer a gestio consciente da estratégia” (p. 301). Trata-se, portanto, de desenvolver_ metaconhecimentos sobre os procedimentos a empreender antes de passar & utilizacio desses co- nhecimentos declarativos na hora da 200 Pierre Vianin realizagio efetiva da tarefa. O trabalho de proceduralizagio consiste, assim, em transformar os conhecimentos de- clatativos em procedimentos eficazes mobilizados em um contexto real de trabalho. Os alunos serio capazes, por exemplo, de dizer que é importante identificar a palavra-instrusio (risque, sublinhe, assinale, etc.”) quando leem © enunciado de um exercicio, mas in- capazes de identificé-la efetivamente quando esto diante de uma tarefa real. Nesse caso, pode-se dizer que os alunos possuem conhecimentos declarativos sobre a leitura de enunciados, mas que ainda nio realizaram o trabalho de pro- ceduralizacio Nessa terceita fase, 0 trabalho de apropriacéo pode ser feito pela mode- lizagio. Como vimos acima, 0 profes- sor — ou um aluno mais adiantado — coloca-se como modelo e realiza diante da classe o procedimento sugerido. seguida, cada aluno, por sua vez, expe- rimenta a estratégia sob 0 olhar bene- volente do professor (prética guiada). O feedback do professor — que confir- ma, orienta ou cortige 0 procedimento do aluno é muito importante durante essa fase, © grupo também pode ser so- licitado, em cada etapa. Quarta etapa: os alunos tentam apli- car a estratégia aprendida 0 profes- sor dard seu apoio se necessario. Esse procedimento € mais individual: en- quanto as tapas anteriores podem se beneficiar da contribuigéo do grupo, a apropriacéo aqui ¢ individual. O aluno deve experimentar a estratégia indivi- dualmente e efetuar um trabalho pes- soal de apropriagio. Visto que se trata de conhecimentos procedurais, apenas 0 exercicio frequente ¢ uma pratica sus- im tentada possibilitario uma real apren- dizagem da estratégia. ‘A técnica de autoinstrugio pode ser titi: primeiro, 0 aluno efetua a tare~ fa repetindo baixinho as diversas etapas a respeitar; depois, interioriza progres- sivamente 0 procedimento. Com isso, aprende a se autocontrolar ¢ a se au- rorregular durante a execugio da tarefa. Nessa etapa, 0 adulto inspeciona “de longe” se 0 aluno compreendeu bem o procedimento ¢ se esté respei- tando as diferentes etapas do proceso Egsa etapa é um pouco cansativa, pois fo aluno deve gerir conscientemente ¢ intencionalmente suas estratégias. Scus recursos atencionais séo bastante soli- citados, pois ele deve ao mesmo tempo efetuar a tarefa requisitada e comanda- cla de mancira consciente. O tempo de realizagio aumenta ¢ o esforgo con- sentido pelo aluno deve ser fortemente valorizado pelo professor, sem o que hi tum risco muito grande de desénimo. E igualmente nessa fase que 0 pro- fessor sugerird diferentes contextos de utilizacio das estratégias aprendidas, Na realidade, preciso dar_muitos exemplos de utilizagio da estratégia a ctianca para que ela se aproprie do procedimento ¢ transfira suas compe- téncias. Quinta etapa: agora a crianga deve ser capaz de se arranjar sozinha. As estraté- gias aprendidas sio automatizadas ¢ 0 controle consciente vai diminuindo aos poucos até desaparecer completamente O “motor” pode ser colocado de novo no cofre do veiculo. “Disso decorre o paradoxo do expert: quanto mais se tor- na expert em um campo, mais dificil € explicar a outro como fazer” (Grégoire, in Depover et al. 1999, p. 27). Estratégias de ajuda a alunos com dificuldades de aprendizagom 201 6. Sexta etapa: esta tltima etapa nunca termina completamente. Ela se refe- re A generalizasio da aprendizagem: a crianga deve ser capaz agora de reco- nhecer todos os contextos nos quais é pertinente utilizar a estratégia aprendi- da, Ela jé é totalmente auténoma e nio necessita mais do adulto Como se pode constatar, 0 ensino-apren- dizagem de estratégias requer um proce- dimento rigoroso. Quando comesamos a trabalhar com essa abordagem metacog- nitiva, acreditavamos que bastava dizer a0 aluno que era a estratégia correta para que cle a aplicasse, como se sew interesse fosse evidente. Hoje sabemos que essa aprendi- zagem leva tempo e nao escapa as dificulda- des encontradas nas outras aprendizagens escolares. “Nao basta apresentar, mediante alguns exemplos, uma nova estratégia (por exemplo, como fazer um resumo), mas necessdrio treinar longamente até que os alunos estejam em condigées de adoté-la de maneira facil ¢ esponténea, gencralizando- -a a outras situagies de aprendizagem (De Beni ¢ Pazzaglia, in Doudin et al., 2001, p. 242-243). ‘Ao final, esse trabalho sobre as estraté- gias deveria permitir desenvolver no aluno uma “atitude metacognitiva’ constante. Lafortune ¢ Deaudelin (2001) falam inclu- sive de um “individuo metacognitivo” que conhece perfeitamente suas manciras de aprender, seus recursos ¢ suas dificuldades Toda vez que se depata com uma tarefa, sabe mobilizar as estratégias pertinentes. “Ble € capaz de analisar seu processo de aprendizagem, de avaliar ¢ de ajustar scus modos de fazer na agio. Esse individuo po- derd entio determinar 0 que pode ajudé-lo para realizar uma aprendizagem particular, ¢ saberé como pode ajustar suas estratégias de aprendizagem ¢ avaliar 0 conjunto de seu procedimento. A anilise de seu pro- cesso mental lhe permitiré fazer melhores romadas de consciéneia ¢ abordar uma nova situagio de aprendizagem tendo me- Ihorado seus conhecimentos metacogniti- vos ¢ tirando proveito de uma melhor ges- tao de sua atividade mental” (in Doudin etal, p. 53)

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