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Capa e Diagramação
Jéssica Macedo
Revisão
Ana Roen
1ª edição
Livro digital
Damasceno, Aline
Sinopse: 6
Capítulo Um 8
Capítulo Dois 15
Capítulo Três 21
Capítulo Quatro 28
Capítulo Cinco 35
Capítulo Seis 44
Capítulo Sete 49
Capítulo Oito 55
Capítulo Nove 61
Capítulo Dez 66
Capítulo Onze 71
Capítulo Doze 80
Capítulo Treze 91
Capítulo Quatorze 99
Capítulo Quinze 111
Capítulo Dezesseis 118
Capítulo Dezessete 126
Capítulo Dezoito 133
Capítulo Dezenove 140
Capítulo Vinte 155
Capítulo Vinte e um 165
Capítulo Vinte e dois 171
Capítulo Vinte e três 177
Capítulo Vinte e quatro 184
Capítulo Vinte e cinco 191
Capítulo Vinte e seis 198
Capítulo Vinte e sete 203
Capítulo Vinte e oito 210
Capítulo Vinte e nove 218
Capítulo Trinta 222
Capítulo Trinta e um 233
Capítulo Trinta e dois 242
Capítulo Trinta e três ............................................................................................... 247
Capítulo Trinta e quatro 256
Capítulo Trinta e cinco 266
Capítulo Trinta e seis 273
Capítulo Trinta e sete 282
Capítulo Trinta e oito 290
Capítulo Trinta e nove 302
Capítulo Quarenta 309
Capítulo Quarenta e um 322
Capítulo Quarenta e dois 329
Capítulo Quarenta e três 336
Capítulo Quarenta e quatro 343
Capítulo Quarenta e cinco 349
Capítulo Quarenta e seis 365
Capítulo Quarenta e sete 369
Capítulo Quarenta e oito 377
Capítulo Quarenta e nove 382
Epílogo 389
Conheça outro livro da autora: ............................................................................... 396
Agradecimentos ........................................................................................................ 398
Sobre a autora: ......................................................................................................... 399
Sinopse:
Pensar que vivi e me dediquei quase dois anos da minha vida à uma
pessoa que dizia que me amava, mas que, no fim, só queria me controlar,
doía no fundo da minha alma.
Porém, assim que passei a morar com ele, pois achávamos que estava
mais do que na hora de morarmos juntos, e arrumei um emprego na cozinha
de um dos restaurantes mais badalados da cidade, após ter terminado minha
graduação em gastronomia e feito uma série de cursos para me tornar uma
cozinheira profissional, ele mudou da água para o vinho. Ou eu que
realmente não cheguei a conhecê-lo de verdade ou que não quis enxergar
quem ele realmente era esse tempo todo que ele esteve ao meu lado. Foi ali
que começou o meu inferno e me fez repensar cada uma das suas atitudes
para comigo. Pude perceber que eu era para Fabrício apenas um objeto, uma
marionete que ele podia manipular. Ele me adulava e dizia me amar apenas
para controlar.
Eu era sua boneca viva, que ele apresentava para seus amigos. Uma
namorada troféu, uma menina doce e meiga.
Tive minha chance depois de mais uma briga, numa tarde quando
disse a ele que iria para o trabalho, embora ele tenha tentado me impedir de
todas as formas possíveis. O meu braço dolorido por ele tentar me segurar era
prova disso. Consegui me livrar dele, peguei meu carro que ele tinha me
dado, e dirigi pelas ruas e avenidas de Belo Horizonte sem saber para onde ir,
apenas que precisava ficar o mais longe possível dele.
— Alô, quem fala? — Sua voz saiu monótona, na certa achando que
poderia ser o telemarketing.
— Oi, dona Martha, sou eu, Miranda, filha da Juliana. Sei que não
nos falamos há muito tempo… — minha voz saiu embargada, em um misto
de tristeza e culpa por não a ter procurado antes, ou até mesmo ligado com
mais frequência. Na época em que ela foi nossa vizinha, Martha sempre nos
dava alguns dos quitutes ou doces caseiros que ela fazia, e depois que meu
pai faleceu, vítima de um acidente de trabalho, ela foi o nosso apoio
emocional, o que não encontramos na nossa família. Porém, Fabrício não me
deixava manter contato com ela, e isso fez com que uma raiva surda de mim
mesma me tomasse. Afastei-me de todos que gostava por amar aquele
homem.
Não sei por quanto tempo fiquei chorando ao telefone, ouvindo suas
palavras de consolo. Martha sempre teve o poder de acalmar as pessoas.
Depois de algum tempinho, consegui me controlar e sequei minhas lágrimas
com as costas das mãos.
— Eu não sei como agradecer tudo que a você fez por mim, ainda
mais me acolher dessa forma.
Só passaria no banco para tirar todo o meu dinheiro para ajudar nas
despesas, já que ficaria um tempo com elas, e para que Fabrício não pudesse
rastrear minhas transações financeiras feitas pelo cartão de crédito. Depois,
procuraria algum lugar na estrada para passar a noite, pois não conseguiria
dirigir por muito mais tempo.
Fiquei olhando o celular por alguns segundos, até me dar conta que
Fabrício poderia pedir a um dos seus amigos da polícia para rastrear meu
número e localizar-me. Decidi que descartaria meu aparelho em um lugar
com movimento, dificultando que ele me encontrasse. Talvez na agência
bancária, já que tinha que sacar toda a minha poupança para que ele não
pudesse rastrear minhas transações financeiras feitas pelo cartão de crédito.
Minha face era a prova viva de como tinha sido ingênuo antes, e o que
confiar em alguém poderia fazer.
Lúcia era uma das serventes que trabalhava na mansão dos Matiazzi
desde que eu era um menino, e depois que construí a minha, levei-a para
trabalhar comigo assim que tornei-me maior de idade. Confesso que além da
sua competência, ela sempre tentou enxergar o melhor em mim,
diferentemente dos outros serventes, que me viam somente como um garoto
fútil, mimado, bagunceiro e exigente. Embora tivesse outros empregados
competentes, ela foi a única funcionária que quis que trabalhasse no pequeno
chalé de madeira e vidro, que tinha construído no meio da reserva florestal
que adquiri recentemente. Queria ficar o mais distante possível dos olhares de
todos, especialmente da mídia mesmo que, vez ou outra, a imprensa
especulasse ao meu respeito. Por ter muito dinheiro e ser bastante influente,
paguei as autoridades locais, e também os órgãos de fiscalização ambiental,
para fazerem vista grossa da construção.
Não tinha nada, e nem ninguém, que o dinheiro não pudesse comprar.
— Mas, mas…
— Isso é irrelevante para mim, pois seus pratos não têm a qualidade
que eu requeiro. Já disse, não preciso mais dos seus serviços.
Foi inevitável não rir da situação, ri alto dos seus xingamentos. Mal
ele sabia que eu já vivia no inferno.
— Pode deixar.
Sem meu celular, nem um gps no carro, tive que confiar no meu senso
de direção para seguir as poucas placas de sinalização da BR-040. Acreditava
que, naquele momento, faltavam poucos quilômetros para chegar ao meu
destino final. Como não conhecia a cidade, teria que ir parando as pessoas
para perguntar como chegaria ao bairro Jardim Olímpia, local onde elas
residiam.
— Que bom que você chegou, minha menina. — Passou a mão pela
minha face, secando algumas lágrimas. — Estava tão preocupada com você.
Vamos entrar, depois vemos se algum dos meus vizinhos tem uma vaga na
garagem para guardar o seu carro — disse, enquanto afastava-se um pouco de
mim.
— Quando ele viu que suas falas não iriam me estimular a abandonar
o emprego, Fabrício começou a me intimidar, tanto fisicamente, quanto
psicologicamente. Falou que se eu não abandonasse o meu trabalho logo, eu
sofreria as consequências. Ele também passou a me impedir de manter
contato com os meus colegas fora do trabalho, e que se eu fizesse isso, ele me
agrediria. Várias vezes, nas nossas discussões, ele ameaçava levantar a mão
para mim, e algumas vezes ele apertava meu braço com força.
— Mas você não prestou queixa, minha filha? Nem conversou com
algum amigo a respeito? — interrompeu-me, indignada.
Ficamos assim por um bom tempo, até eu não ter mais lágrimas.
Retirei a cabeça do seu colo, aprumando-me no sofá.
— Não, não. Você não precisa se sentir assim, sei que tinha que voltar
para cá e cuidar da senhorinha que olha. — Balancei a cabeça, em negativa.
— Mas o importante é que agora você está aqui, pode ficar o tempo
que precisar. — Segurou as minhas mãos novamente. — Independente do
que aconteça, estarei aqui para você.
— Lúcia, essa é a Miranda, a moça que te falei ontem que vai ficar
aqui por um tempo com a gente. Acho que você deve se lembrar dela quando
era menina, quando você ia me visitar.
Me sentindo acolhida, não pensei duas vezes, e fui até ela, que me
abraçou e deu um beijo em cada bochecha. — Seja bem-vinda, Miranda,
fique o quanto precisar.
A recepção calorosa das duas fez com que uma chama de esperança e
felicidade crescesse em meu peito, mitigando um pouco o medo e a dor.
Capítulo Quatro
— Sim. Ainda estou esperando o meu novo chef que solicitei ontem.
— Demonstrei toda minha impaciência com a demora dele em me conseguir
um novo. Eu pagava muito bem meus funcionários, portanto não entendia o
porquê do meu secretário não ter conseguido um ainda. Todos queriam
trabalhar para mim.
— Sou eu, senhor, seu secretário. Boa tarde. — Sua voz saiu meio
receosa, me fazendo franzir o cenho em irritação.
— Sobre isso…
— Seria um prazer, mas você sabe que não cozinho muito bem, na
verdade, sou péssima em fazer comida. Minha irmã que sempre cuida disso.
Mas se me permite dar uma sugestão... —disse, acanhada.
— Com certeza ela cozinha bem melhor que eu, já que fez vários
cursos. Eu sou um desastre! — disse, nervosa e com medo, tentando quebrar
o meu silêncio.
— Tudo bem. Pode pedir que ela venha amanhã para fazer um teste.
— Balancei a cabeça em concordância.
— Pode deixar! Deseja que eu prepare um sanduíche, senhor? É a
única coisa que sei fazer direito — perguntou, virando-se para a porta, ainda
de cabeça baixa.
— No momento, não. Só mais uma coisa: fale com ela antes de vir
para nunca olhar para o meu rosto, ou me questionar sobre o ocorrido.
Como iria morar com elas de favor, enquanto pensava o que fazer da
vida, fiz questão de assumir algumas tarefas da casa, principalmente na
cozinha, pois sabia o quanto elas chegavam bastante cansadas do trabalho.
Estava terminando de colocar o bambá de couve que tinha acabado de
preparar no marmitex que a Martha sempre levava para jantar, quando ouvi o
barulho da Lúcia abrindo o portão, chegando do trabalho.
— Foi bastante produtivo. Assim que você saiu, fui comprar algumas
coisinhas que precisava, como roupas, utensílios de cozinha e alguns
produtos de cabelo. Sabe o quanto os fios conseguem ser rebeldes às vezes.
— Dei uma risadinha.
— Sei, sim, embora seus cabelos sejam lindos, como o seu rosto. —
Me olhava com ternura, enquanto tocava uma mecha e a colocava atrás da
minha orelha, fazendo com que lágrimas surgissem nos meus olhos. Estava
bastante sensível, porém reprimi-as, não queria que elas me vissem chorando
novamente. Elas achariam que sou como uma bebê chorona, que chora por
tudo, até mesmo um toque mais suave, pensei comigo, com a sensação que
estava sendo injusta com elas e cruel comigo mesma.
— Bom, não sei se contei ontem, mas trabalho para um homem muito
rico. O conheço desde que Fernando era um menininho espoleta. Confesso
que os outros empregados sempre acharam o patrão bastante mimado, e
realmente era, mas acho que sempre usou isso para chamar a atenção dos
pais, que pouco se importavam com ele — disse, em um tom bastante
carinhoso, revelando toda a ternura que sentia pelo chefe. Meu coração se
doeu um pouco por aquela criança. Era impossível para mim não sentir
compaixão. — Apesar de tudo, Fernando cresceu e virou um excelente rapaz,
muito generoso, e sempre gostou de ter pessoas ao seu redor, mesmo que elas
não costumassem gostar tanto dele.
— Sei que estou dando algumas voltas, mas quero que entenda que
Fernando é um homem bom, apesar de não parecer… Ele sofreu muito. —
Fez uma pausa, organizando os seus pensamentos, e continuou: —
Recentemente, demitiu o chef de cozinha, pois os pratos que estava
cozinhando estavam bastantes insatisfatórios para o meu patrão. E agora, o
secretário dele está tendo uma certa dificuldade para encontrar um novo.
Estou tentando quebrar o galho do Fernando na cozinha, enquanto não acha
alguém para substituir o anterior, mas a Martha pode confirmar que nunca fui
uma boa cozinheira... — Martha riu dela, e Lúcia sorriu para nós.
Porque será que não posso olhar para o rosto dele, mesmo que ele
use máscara? O que ele tanto quer esquecer? Por que não gosta de falar do
seu passado? Ele ainda tinha algo de bom dentro de si, como Lúcia dizia?
— Tudo bem, vou arrumar a louça e colocar a mesa para nós duas.
— Agradeço.
Sei que não deveria ser tão insegura, pois sabia que eu era boa no que
fazia, porém, ao ouvir por tanto tempo do Fabrício que eu não tinha
competência e que era apenas um rostinho bonito, embora tivesse certeza que
eu não era apenas isso, me afetou de uma maneira que não conseguia
compreender completamente. Eu precisava ser mais positiva e confiar em
mim mesma, pois faria o meu melhor prato amanhã.
Quando a noite já estava avançada, e nós duas estávamos bastante
cansadas pelos afazeres do dia, nos recolhemos para dormir, porém, por mais
que tentasse pegar no sono, fiquei rolando na cama, com as perguntas, as
inseguranças e a ansiedade povoando a minha mente, impedindo-me de
dormir.
— Senhor Matiazzi, o senhor está aí? Bati na porta do seu quarto, mas
não obtive resposta. — Ouvi a voz ansiosa da Lúcia do outro lado da porta.
— Sim, querido. A chef que falei que vinha comigo para fazer o teste
está aqui. O senhor gostaria de entrevistá-la primeiro, para perguntar algo
sobre a formação dela ou experiência? Ou quer que ela prepare um prato para
demonstrar suas habilidades antes? Seu café da manhã, talvez...
— Não, senhor. Daqui meia hora pedirei a ela para bater na porta,
para ver se terminou de resolver os seus assuntos.
Um tempo atrás, achei que uma outra mulher nutrisse amor por mim,
embora não soubesse o que era tal sentimento, mas não poderia estar mais
enganado. Ela me mostrou o quanto o sexo feminino é bastante volúvel,
sendo capaz de mentir e iludir para conseguir o que quer. E no meu caso, elas
queriam somente o meu dinheiro e os presentes que eu poderia dar.
Por mais que Lúcia fosse uma senhorinha simpática e carinhosa, não
poderia deixar que os sentimentos me dominassem outra vez.
Estava mergulhado nos meus pensamentos, quando ouvi alguém bater
suavemente na porta, como se receasse fazê-lo. Peguei rapidamente a minha
máscara branca, que usava para cobrir todo o meu rosto, e a coloquei,
passando as mãos pela minha calça, na tentativa de me livrar do suor frio que
cobria minhas mãos.
Quando enfim abriu uma fresta da porta e pude olhar para ela, fiquei
momentaneamente atordoado, porém logo me recuperei e assumi a minha
postura mais fria e rígida. A tensão percorreu o meu corpo como se uma
descarga elétrica tivesse me atingido
E essa mulher, que parecia mais uma menina, seria um problema. Por
mais que Lúcia confiasse nela e me garantisse que ela não faria nenhuma
pergunta, nem vasculhasse ou exporia a minha vida, não poderia mais confiar
num rostinho bonito e angelical, por mais que a desejasse. Na minha vida,
aprendi que eles eram os piores.
Capítulo Sete
Mas estar naquele escritório era mil vezes pior, pois congelei no
lugar, e meu coração batia acelerado, quase saindo pela minha boca. Mesmo
de longe, sentia a raiva e a fúria que emanava daquele homem forte e
poderoso. O silêncio dele me deixava ainda mais nervosa e paralisada no
lugar.
— Bom dia, senhor Matiazzi. A Lúcia pediu que eu visse até aqui
para fazer um teste para ocupar uma vaga temporária como cuisinier. —
Tentei imprimir na minha voz o máximo de autoconfiança possível, mas meu
tom saiu baixinho, revelando toda minha insegurança.
Havia uma aura nele que, ao mesmo tempo que me fazia temê-lo,
despertava a minha curiosidade e interesse. Uma grande besteira da minha
parte, pois queria ter o mínimo de contato, e somente profissional, com esse
homem. Depois de Fabrício, eu tinha que me manter o mais longe possível do
sexo oposto. Tudo era muito recente. Além do mais, Fernando não deveria
ser objeto do meu interesse e compaixão, e pelo que Lúcia me disse, ele
odiaria esse último.
— Quero que prepare meu café da manhã à moda italiana. Você tem
meia hora. Caso estiver à altura do meu paladar, o que eu duvido muito,
conversaremos sobre sua contratação temporária enquanto meu secretário
procura um mais renomado. — Apertei as mãos com força, a fim de conter
minha raiva por ouvir mais um insulto. Eu era uma pessoa muito tranquila e,
até mesmo, otimista, mas não gostava de quando menosprezavam algo que
batalhei muito para conseguir. — Agora vá, a Lúcia vai te mostrar onde fica a
cozinha. — Apontou para a porta, em um gesto para que eu me retirasse logo.
— Nada, querida, está tudo bem. Acho que é mais o cansaço de não
conseguir dormir à noite que está pesando — menti, por mais que odiasse
fazer isso.
— Não, não, foi melhor do que pensava que seria. — Peguei uma das
suas mãos, que tinha largado a vassoura, e a apertei. — Sabe como estava
nervosa e ansiosa... — Dei de ombros e um sorriso, que pareceu acalmá-la
um pouco.
— Tudo bem, então. Mas qualquer coisa, pode me falar. Sei que
Fernando é irascível na maioria das vezes, mas ele é um homem justo, e
tenho certeza que te valorizará e muito — disse, mais alegre.
Discordava dela, porém, não disse nada. Não queria que ela se
indispusesse com ele por minha causa.
— Não, não. Ele só pediu para eu preparar o café da manhã dele, não
determinou um prato, mas se precisar, pedirei.
— Sim, tinha explicado para ela ontem todas as suas exigências, antes
mesmo de perguntar se ela tinha interesse em trabalhar temporariamente para
o senhor. Ela concordou com todas elas e tentará cumprir à risca. — Seu tom
ficou cauteloso, receando ser repreendida.
Dei mais algumas mordidas e tomei um gole do suco, que estava sem
açúcar, como eu gostava.
Não tinha palavras para descrever o prato, fazia bastante tempo que
não comia um crostini tão bem-feito. Acho que a última vez que comi um tão
bom foi quando a minha nona, já falecida, fez para mim.
Podia inventar uma desculpa qualquer para não a contratar e não ter a
sua presença aqui nunca mais, mas não sabia ao certo se queria fazer isso,
pois a possibilidade de saborear bons pratos como esse me faziam relutar.
— Chame a moça até aqui e depois saia do recinto. Preciso falar com
ela, em particular. — Arregalou os olhos, em um misto de medo e surpresa.
Assentiu.
— Eu... Eu...
Assim que finquei meus pés no corredor que ligava a sala de jantar e
de estar, cerrei os dentes e apertei os punhos, tentando conter a minha
irritação. Dominar meus sentimentos e segurar a minha língua seria mais
difícil do que pensava. O tom frio e a arrogância de Fernando comigo me
deixava furiosa, instantaneamente. Sempre me considerei uma pessoa
passiva. Na maioria das vezes aguentava tudo calada, mas tinha algo nesse
homem que me impelia a respondê-lo à altura, combatendo sua arrogância
com mais arrogância. Mas não faria isso, e muito menos deixaria que ele
mexesse comigo. Eu não era esse tipo de pessoa e nem queria ser.
Respirei fundo várias vezes, tentando me controlar. Lúcia com certeza
estaria preocupada, então o melhor a fazer seria não deixar ela esperando.
Coloquei meu melhor sorriso no rosto, e encaminhei-me até a cozinha, onde
ela disse que me esperaria.
Nunca tinha visto uma cozinha mais luxuosa do que aquela. Era
bastante ampla para um chalé daquele tamanho, com um ar rústico, ao
mesmo tempo, moderno, onde as traves de madeira maciça que decoravam o
teto e os cantos contrastavam com o ferro do lustre antigo e o aço inox dos
eletrodomésticos de última geração. Mas o que me deixava mais
impressionada era a ilha central feita de mármore Carrara, bem como as
bancadas colocadas sob armários planejados feitos de sândalo. Era o sonho
de qualquer chef ter uma dessas em casa. Eu teria que trabalhar muito ou ter
muita sorte para ter uma que fosse um terço daquela.
— Acredito que não. Para ser sincera, nem sei a diferença entre carne
de pato e de frango. — Deu de ombros. — Mas posso pedir para o secretário
dele providenciar. — Pegou um bloquinho e caneta do bolso do avental,
anotando o pedido nele. — Se ele não encontrar uma loja que venda um de
qualidade em Juiz de Fora, ele deve mandar alguém trazer de Belo Horizonte
até aqui em um helicóptero.
— Quem pode, pode. O que é isso para ele? Nada. Além disso, é
melhor não o contrariar, se não ele soltará os cachorros em nós — disse com
tanta normalidade que me surpreendeu. Como não se importasse nem um
pouco com a soberba dele.
Talvez, por gostar dele, Lúcia preferia fechar os olhos frente aos
defeitos de Fernando. Desses dois encontros que tive com ele, não vi nada
além de arrogância, frieza e tristeza… Sentimento que me incomodava, pois
não suportava ver ninguém sofrendo. Balancei a cabeça em negativa,
afastando esse último pensamento. De todo modo, não ficaria muito tempo
por ali e permaneceria distante dele. Tinha que deixar de ser tão boba. E a
relação dela com o “nosso” patrão não era da minha conta. Se foi a forma que
a Lúcia encontrou para lidar com o gênio do Fernando durante todo esse
tempo, o que eu poderia fazer?
Tinha quase toda certeza que ele faria de tudo para transformar o meu
emprego temporário ali em um verdadeiro inferno.
Capítulo Dez
— Pode entrar.
— Não, não. Não é nada demais, deve ser somente uma gripe forte.
Não precisa se preocupar comigo, deve passar logo. Já estou tomando alguns
chás e comendo bastante alimentos ricos em vitamina C. — Juntou as mãos
na frente do corpo, ansiosa.. — Mas se quiser, posso ir no pronto atendimento
do meu plano de saúde, amanhã.
— Eu... Eu...
— Tudo bem, senhor. Tenho certeza que não é nada demais — sua
voz saiu falha e cansada depois de mais uma crise —, mas saiba que quero
que o senhor desconte todos os gastos que tiver comigo do meu salário. Já
paga meu plano de saúde, não precisa também pagar o médico e o tratamento.
— O orgulho era evidente em sua voz, e eu revirei os olhos por trás da
máscara.
— Isso está fora de cogitação, não estou pedindo para você pagar
nada — rosnei para Lúcia, que deu um pulinho de susto. — Sou responsável
pelos funcionários que me cercam, e dinheiro não é um problema para mim.
Não aceitarei nenhuma discussão sobre isso.
Dei de ombros. Sei que fui bastante grosso e incisivo com ela, porém
não me importei. O que me incomodava era a pouca importância que ela dava
para si mesma.
Por mais que o homem que eu fui um dia tivesse sido consumido
pelas labaredas de fogo daquela noite, eu não aceitaria que um dos
funcionários do chalé, principalmente a Lúcia, não tivesse um tratamento
adequado.
— Me recuso... — tentou protestar.
— Chega, Lúcia — falei mais alto, grosso. — Agora vá para casa, não
quero te ver aqui até que esteja bem. Tire mais um mês de férias, para se
recuperar. Não quero que trabalhe durante esse tempo, se não, rua...
— Posso viver sem ela por esse tempo — minha voz saiu suave e
terna, em um pedido implícito de desculpas, fazendo com que ela sorrisse
para mim. — Droga, Lúcia. Sou um homem de recursos, posso pagar alguma
equipe de limpeza que manterá sigilo ou pedir ao meu secretário que envie
uma pessoa mais confiável da mansão para cá.
Já fazia algum tempinho que Lúcia tinha saído da cozinha para avisar
ao nosso patrão que o almoço estava pronto e que seria servido assim que ele
desejasse. Estranhei, pois ela não costumava demorar mais do que cinco
minutos para chamá-lo. Será que Fernando estava questionando o meu
trabalho para ela?
Sei que não deveria ir tirar satisfação com ele, ou até mesmo me
aproximar do escritório sem que fosse chamada. Com certeza, Lúcia, com o
seu jeito doce e passivo, saberia lidar com ele sem se prejudicar, mas minha
ânsia de ir até lá era maior do que o meu bom senso. Eu deveria estar
perdendo o meu juízo...
Embora eu não pudesse falar nada dela, pois estaria sendo hipócrita.
Eu era tão crédula e pacífica quanto Lúcia, que sempre buscava enxergar o
melhor das pessoas. E olha onde a minha cegueira em relação aos defeitos de
alguém me levou: era uma fugitiva, com medo da minha própria sombra.
— Achei que a você estava demorando, pensei que ele poderia estar te
incomodando a respeito do meu trabalho na cozinha. — Omiti que tinha a
intenção de questioná-lo sobre isso. —Sabe que eu não quero prejudicá-la e
que precisa mais desse emprego do que eu, além disso, ama trabalhar para
ele. E quando me aproximei do corredor e ouvi a voz alta dele...
— Entendo.
— E você sabe que não fico futricando a vida dele, só sei o que o
Maicon me fala. Mas, acho isso uma grande injustiça, ele é um bom homem.
— Suspirou, e deu uma leve tossida. — Não que esteja querendo que você
saia, estou adorando sua companhia. Até que seria bom que você ficasse aqui
para sempre...
Dentre tudo o que Fernando poderia ter dito ou, até mesmo, feito para
Lúcia, não esperaria tal gesto de preocupação para com ela. Embora ele
tivesse gritado, o que ainda me irritava, consegui vislumbrar um pouquinho
de humanidade, da qual Lúcia tanto falava, nele. Estava realmente espantada,
ainda mais por ter tomado a resolução de pedir ao patrão para que eu pudesse
levá-la ao médico. Até mesmo me preparava para brigar com ele se fosse
necessário, embora soubesse que deveria agir com cautela, por mais que meu
impulso clamasse por isso.
— Sim?
— Já disse que não será nada, mas ligarei assim que tiver
informações. Nos vemos mais tarde. — Deu-me um beijo na bochecha,
pegou suas coisas em um armário que ficava em um dos cantos da cozinha, e
saiu devagar, deixando-me sozinha.
Porém, achava que essas seriam as palavras mais afáveis que ouviria
dele sobre o meu trabalho. E isso me motivava ainda mais a dar o meu
melhor na cozinha. De certa forma, estava ganhando muito mais confiança
enquanto chef do que já tinha, algo que Fabrício tinha tentado minar dentro
de mim e que nunca conseguiu completamente. Prometi a mim mesma que
ninguém mais sequer o tentaria, nem mesmo o desdém de Fernando.
Capítulo Doze
— Entendi, em todo caso, espero que ela esteja bem e que não seja
nada grave. Deseje meus votos de saúde para ela — mentiu.
— Boa noite.
— Aconteceu tudo tão rápido, querida, que nem tive tempo de ligar.
O Dr. Johnson chegou quase no finzinho da tarde para me examinar e
solicitou que eu fizesse uma radiografia do tórax para me diagnosticar. Estava
em uma clínica com a Martha, então não pude te avisar, pois esqueci meu
celular. — Viu o quanto meu semblante estava carregado de preocupação e
pousou suas mãos em cima das minhas.
— Por quê? Você tem atestado e está muito doente. — Não entendi o
motivo dela ficar assim.
Confesso que não gostei nada do olhar dela sobre mim, pressentia que
isso me colocaria em maus lençóis.
— E se você limpasse a casa para mim? Sei que você trabalhou algum
tempo como diarista — uma crise de tosse a interrompeu —, e pude perceber
que seu quarto é impecável de limpo. Além disso, percebi que você tem um
tempinho de sobra entre o preparo das refeições, e o chalé não é tão grande
— a tosse a interrompe —, você poderia limpar cada dia um cômodo, pelo
menos, para não ficar tão sujo assim. Seria por pouco tempo.
— Eu... Não sei se seria uma boa ideia. Melhor ele contratar,
temporariamente, outra pessoa de confiança. Fernando já não gosta de mim, e
com certeza, não vai querer que eu fique perambulando pela casa, ainda sou
uma estranha. — Dei uma desculpa qualquer para afastar da mente dela essa
ideia maluca, sem revelar o motivo pela qual tudo poderia dar errado. Não
podia contar a Lúcia que minha curiosidade e vontade de ajudar poderia se
sobrepor ao meu profissionalismo. Por mais que o homem não queira isso.
— Bobagem, tenho certeza que ele não se importará, além disso, você
já tem trabalhado para ele a mais de uma semana, não é completamente
estranha. — Teve uma crise de tosse, bastante severa, fazendo com que
puxasse o ar com força. — E tenho certeza que não espalhará nada na mídia.
Só garanta que você não esteja no mesmo espaço que ele.
— Eu, eu, eu... — Olhei para o seu semblante abatido e cansado pela
doença e pela tosse, e acabei concordando com a cabeça.
— Obrigada, querida, você não sabe o quanto isso me deixa contente
e aliviada — sua voz saiu bem fraca e eu apertei de leve suas mãos. Só ela
mesmo para se preocupar com uma coisa dessas...
Depois de conferir que ela ficaria bem e daria conta de fazer as coisas
sozinha, me encaminhei para a cozinha. Tentei não pensar muito no que
poderia acontecer, porém, a sensação de que isso não acabaria bem não
conseguia sair da minha mente...
Capítulo Treze
— Sim?
— Boa noite, senhor Matiazzi, aqui é o doutor Johnson, liguei como o
senhor solicitou.
Suspirei, aliviado, realmente estava preocupado com ela, por mais que
eu negasse para mim mesmo. Também não queria carregar a culpa de não ter
obrigado ela ir ao médico antes... — Fico feliz em saber que ela ficará bem e
que o caso dela não é tão grave. Você já pediu para o meu secretário
providenciar tudo para ela?
— Sim, também solicitei a ele que contatasse uma amiga minha que é
fisioterapeuta especialista em exercícios respiratórios, pois essas sessões
auxiliarão Lúcia no tratamento. Estarei sempre a acompanhando nessas
consultas. Também recomendei a ela que ficasse em repouso, portanto, ela
ficará de “molho” por esse tempo, então Lúcia não poderá trabalhar para
você.
— Tudo bem, não tem problema. Posso ficar sem ela por esse
período. Até mesmo dei férias a ela.
Além disso, tinha coisas mais importantes para fazer, como me vestir
e degustar uma boa refeição, embora ao fazê-lo, me lembraria de quem a
preparou...
Retirei a máscara, uma mais leve que usava para correr, assim que
cheguei ao lago bordejado por uma vegetação verde e viçosa, colocando-a em
cima de uma pedra que ficava próximo à margem da pequena lagoa formada
por águas cristalinas. Estava ofegante, por respirar através das cavidades da
máscara e pelo calor e umidade da floresta, e resolvi beber um pouco da água
da fonte, e quando me debrucei sobre ela, paralisei. Olhar minha imagem
refletida na água sempre me causava desconforto, uma fúria irracional.
Sacudi a cabeça e bebi água com as mãos em concha, tentando dominar o
ódio. Tinha problemas maiores para lidar.
Por mais que quase não a visse, sentia sua presença quando ela
chegava todas as manhãs e quando saia; a fragrância do seu perfume
levemente adocicado quando ia buscar aquilo que ela preparou para o meu
jantar. E, de uma maneira muito estranha, ao degustar cada prato que ela
fazia, conseguia sentir o amor dela pela gastronomia, e até mesmo, partes de
quem ela era. Ao colocar cada garfada na boca, me sentia conectado a
Miranda de alguma forma. E eu não queria isso. Nem sabia que isso era
possível, deve ser algo criado pela minha mente solitária.
O som da sua risada, quando Lúcia falava algo ou brincava com ela,
muitas vezes, atravessava as paredes de madeira do meu escritório. E mexia
comigo de uma maneira irritante, despertando uma parte do homem que fui
um dia. O homem que nunca mais seria...
Mas esse ex-chef teria o que merecia, me garantiria disso, por toda
dor de cabeça que ele estava me causando. Já passou da hora de eu cobrar uns
favores para me livrar dele e o punir, mais tarde me encarregaria disso.
Porém, isso não era uma desculpa para a incompetência de Maicon
em encontrar um substituto. Era para já ter encontrado, dinheiro comprava
tudo. E não seriam boatos que venceriam um salário gordo.
Poderei apostar com quem quiser uma grande soma de dinheiro que
uma mulher só ficaria comigo pelo meu dinheiro e pelos presentes caros que
eu poderia proporcionar, porém nunca paguei por sexo, e não seria agora que
eu começaria, embora fosse tentador fazer uma proposta dessas para
Miranda... Com certeza ela tinha seu preço.
Poderia ter um corpo repulsivo, mas poderia garantir para ela uma
vida confortável.
Enquanto estava tomando meu café, estranhei o fato de não ter ouvido
nenhum barulho da cozinha, mas dei de ombros. Ela deveria estar em algum
lugar qualquer lá fora ou estava quieta lá dentro, já que não teria Lúcia para
conversar por um bom tempo. Cerrei os dentes e me lembrei do propósito
daquela manhã: Miranda não ficaria por muito tempo ali.
Como sabia que não cruzaria com ninguém pelo corredor até o meu
escritório, tirei a máscara que usava para me alimentar, deixando-a em cima
de um móvel para que fosse lavada mais tarde. Abri a porta do escritório,
disperso, quando uma pequena interjeição de surpresa soou no recinto, me
fazendo olhar para a figura esguia segurando uma vassoura na mão, vestida
com um jeans e uma blusa que ressaltava todas as suas curvas, e que me
encarava com os seus olhos castanhos, em uma mistura de surpresa e desejo.
Tinha que confessar que o gesto cuidadoso para com a Lúcia mexeu
com algo dentro de mim. Talvez ele não fosse tão ruim quanto eu achava em
um primeiro momento.
— Está demitida. Pegue suas coisas e saia dessa casa. — Sua voz saiu
mais aveludada, perigosa, me deixando alarmada e estática no lugar. — Não
quero encontrá-la mais aqui. Meu secretário vai acertar seu salário.
Não sei quanto tempo permaneci parada no mesmo lugar até que ouvi
o barulho de vidro se espatifando no andar de cima, que me fez encolher,
instintivamente. Consegui deixá-lo furioso, além de, estranhamente,
magoado. Não entendia muito bem o porquê, talvez deixei transparecer no
meu rosto minha compaixão, mas era inevitável.
Como eu falaria para Lúcia que fui demitida por não cumprir uma das
regras da casa? Uma que eu sabia de cor e salteado e que nunca deveria
quebrar?
Esperava que Fernando, no momento de raiva, não prejudicasse o
emprego dela, afinal de contas, ela trabalhava para ele desde que era
pequeno, fazia muito bem o seu trabalho e era de extrema confiança.
Eu era a culpada, não ela. Se Fernando fosse mesmo justo, como ela
sempre defendia, nada aconteceria a ela.
Fechei meus olhos e lágrimas, que nem sabia que estava contendo,
escorreram pelo meu rosto. Não por mim ou por Lúcia, mas pela dor que vi
estampada nos olhos e na feição do Fernando.
Minha reação estava exagerada, ainda mais por eu ser apenas uma
funcionária, mas era inevitável. Odiava saber que fui eu que causei ainda
mais dor a ele. Podiam me chamar de boba e inocente, mas me sentia muito
mal por isso.
Meu coração se doeu ainda mais pelo homem, contudo não disse
nada, deixando que ela continuasse:
— Aproveitei que estava tudo muito confuso para ficar com ele, pois
não sabíamos na época o que aconteceria com nós, funcionários. — Tossiu.
— Mas ninguém sabe que fiquei com ele. Meu menino ficaria horrorizado em
saber que o vi assim. — Puxou o ar com força, os medicamentos ainda não
tinham começado a fazer efeito.
Sabia como era me sentir sozinha no mundo, por isso meu coração
sangrou ainda mais pela dor dele e consegui entender um pouco melhor a
mágoa que vi brilhar nos seus olhos.
— Não vejo lado bom nisso, para nenhum dos dois. Vou falar com ele
que foi só um mal-entendido. Quem sabe ele me escuta e te contrata
novamente — sussurrou.
— Não, Lúcia, ele está furioso, deixa isso para lá. Não quero
prejudicá-la, não mais.
— Bobagem. — Tossiu.
— Não, por favor, vou procurar um outro emprego. Uma das nossas
vizinhas me falou que o restaurante, onde ela trabalha como caixa, está
precisando de ajuda para preparar os marmitex, então posso me candidatar —
insisti e ela virou o meu rosto, fitando-me com seriedade, como se enxergasse
aquilo que eu estava tentando esconder: o quanto eu ainda me sentia curiosa
em relação a ele, e, passado o choque inicial, o quanto o achava desejável,
mesmo com todas as lesões que cobriam seu rosto e pescoço, por mais que
não quisesse. O que complicaria ainda mais a situação, pois agora que vi o
homem por trás da máscara, não sabia se poderia me conter em saber mais
sobre ele e em ajudá-lo. E a dor que vi em seus olhos me fez desejar apagá-la
de uma forma que ainda não entendia, e nem queria entender. Estava sendo
muito boba e inocente novamente ao me deixar levar pelos meus instintos
altruístas.
Não sabia de fato o que queria, mas segurei suas mãos ainda fracas
entre as minhas, e apenas assenti, concordando. Minha mente acreditava que
era o certo a se fazer, porém, meu coração rebelde, me pedia que Lúcia
tentasse, ao menos, retomar meu lugar naquela casa. Mas, sabia que nada de
bom poderia vir se eu atendesse o anseio dele.
— Ok.
Senhor Matiazzi,
Atenciosamente,
Miranda.
Ainda existe um homem por detrás da máscara que merece viver e ser
feliz…, esse trecho ecoava na minha mente como um mantra, deixando-me
sem fôlego.
Não, não, não. Eram mentiras. Eu não podia mais ser feliz, não
depois de ter confiado tão cegamente em alguém e ter virado esse monstro
desfigurado, balancei a cabeça, sentindo uma fúria descomunal tomar conta
de mim.
Lágrimas caiam dos meus olhos enquanto deixava meu corpo cair no
chão da cozinha e deixei-me chorar enquanto gritava uma série de
impropérios até não ter mais forças.
Capítulo Dezesseis
Arqueei a sobrancelha.
Pagava muito bem a ele e sua equipe para fazerem os projetos e não
toleraria erros, principalmente um tão grave e básico. Um prédio poderia ir
abaixo se a fundação e o alicerce não fossem bem-feitos, e, caso isso
acontecesse, toda a credibilidade da Matiazzi poderia ruir. E não deixaria que
um trabalho malfeito destruísse minha empresa. Para piorar, demandaria
tempo para refazer todo o projeto e a perda de material já utilizado seria um
enorme prejuízo. Não confiaria em mais nada que viesse desse engenheiro.
Maldita!
— Perdão, senhor…
— Isso exige uma medida mais drástica. Pedirei que o meu secretário
envie um ofício comunicando o desligamento da Matiazzi Corporation de
toda equipe. Não podemos ter esse tipo de incerteza com os futuros trabalhos
desenvolvidos pelo escritório.
— Basta! Não tenho mais nada para falar com você. Meu secretário
cuidará de todo o resto. Agora retire-se da sala.
— Okay.
— Está demitido, pegue suas coisas e saia já. Meu secretário fará seu
pagamento no próximo dia útil.
Era quase cinco e meia da tarde, quando finalmente demos o dia por
encerrado, após lavar todas as louças e deixar algumas coisas picadas para
amanhã. Estava completamente extenuada, meus braços estavam doloridos de
tanto trabalhar, meus pés pediam para que eu me sentasse. Meu corpo coberto
de suor implorava por um banho urgentemente. Estava nojenta e o calor que
fazia em Juiz de Fora não me ajudava em nada. O sol queimava minha pele
enquanto caminhava até minha atual casa, que ficava a cinco quarteirões do
restaurante. Quando cheguei em frente à pequena residência, estava morta,
minha boca implorava por água. Dando um último gás, peguei minhas chaves
e abri o portão, entrando logo a seguir. A porta da sala estava aberta e
deparei-me com Lúcia sentada no sofá, parecendo mais animada. Uma
semana de tratamento estava fazendo horrores por ela, sua aparência era
muito mais saudável. Já Martha, tinha saído mais cedo para levar a
senhorinha para qual trabalhava para uma consulta.
— Obrigada, minha flor. — Levei a mão dela aos meus lábios, dando
um beijinho de gratidão. — Agradeço por me entender.
Não sabia o quanto mais conseguiria mentir para mim mesma. Mas
temia o que aconteceria se eu desse voz aos meus anseios. Balancei a cabeça
em negativa. Não, não seria mais a menina que se deixava enganar pelos seus
sentimentos.
Capítulo Dezoito
Esse último pensamento fez com que eu soltasse o talher sobre a mesa
e perdesse completamente o apetite já escasso pela comida insossa.
Maldita!
Miranda…
— A senhorita Batista.
— Senhor…
Não dei tempo do meu secretário me dizer mais nada, pois desliguei o
telefone em sua cara. Não daria brechas para ele e nem tempo para que eu me
arrependesse de trazê-la de volta. No meu íntimo, sabia que tinha sido a
melhor decisão, e não somente pensando no meu estômago.
Capítulo Dezenove
— Fala mais alto que a patroa daqui a pouco aparece e te coloca para
fora — ralhou —, você tem sorte que encontrei algo aqui para você. Estava
desempregada há meses, então para de reclamar e pique esse quiabo.
— Ande logo com isso, preciso que você comece a dourar o frango na
panela e que tempere o feijão.
— Okay. — Assenti com a cabeça enquanto pegava um pano de prato
para me ajudar a tombar o conteúdo do panelão em outro recipiente.
— Ah, obrigada.
Sorri amarelo para ela e peguei meu aparelho, que estava dentro da
malinha, constatando que tinha três ligações de um número desconhecido. E
não parava de tentar falar comigo. Gelei instantaneamente, com medo de
quem poderia ser.
Dificilmente seria Fabrício, pois tinha comprado um chip pré-pago e
tinha cadastrado o número com os dados da Lúcia. Era impossível que ele
tivesse conseguido me rastrear. Porém, por mais que eu insistisse em dizer
isso para mim mesma, eu sabia que não era livre. O terror de reencontrá-lo
novamente era uma constante em minha vida. E essa ligação me fazia
lembrar que, por mais que o trabalho cansasse o meu corpo, eu era uma
fugitiva do meu ex. Estava cativa do horror que ele me causava.
Beth me olhou torto quando passei por ela para ir lá fora, mas não me
importei. Respirei fundo, tentando me acalmar, afinal poderia ser só o
telemarketing, porém o horror me tomava por completo. Quando cheguei em
um lugar mais reservado, meu celular começou a tocar novamente, e, mesmo
com medo e com as mãos temendo, atendi a chamada.
Embora aliviada, estranhei que ele me ligasse, pois, depois que fui
dispensada por Fernando e o secretário pagou meus honorários, não tínhamos
mais nada para dizer um ao outro. Franzi o cenho, confusa, porque além
disso, não tinha dado a ele o número do meu telefone, já que Lúcia foi nossa
intermediária.
— Estou bem também. Que bom que consegui falar contigo. Lúcia
me disse que você encontrou uma nova ocupação. — Seu tom assumiu uma
nota mais ansiosa e eu fiquei mais tranquila em saber que foi ela quem tinha
passado meu número para Maicon.
— Eu, eu…
Por mais que eu queira, tinha que pensar nas consequências de voltar.
Minha curiosidade e vontade de ajudar poderia colocar tudo a perder, e eu
não suportaria ver novamente aquele olhar de mágoa estampado em seus
olhos. Já causei dor nele uma vez para nunca mais querer fazê-lo. A culpa
ainda me consumia, mesmo tendo se passado vários dias desde o ocorrido.
— Realmente não sei. — E não sabia mesmo, pois meu coração dizia
uma coisa e minha mente, o oposto. E embora Maicon falasse que era
somente uma reunião, eu já poderia antever o resultado dela, e temia o que
poderia acontecer depois disso. — Preciso pensar.
Tive que conter a minha vontade de rir, pois o homem estava jogando
baixo, porém não disse nada.
— Até.
— Sei, sim, tem dia que exige mais da gente. — Deu de ombros. —
Agora preciso ir porque daqui a pouco meu ônibus passa. Só não te abraço,
pois estou limpinha e você pingando de suor. — Riu calorosamente, fazendo-
me sorrir. Nem eu estava me aguentando.
— Okay.
— Miranda? Tudo bem aí? Você está a quase uma hora no banho!
— Então o que foi? Não preciso ser uma grande adivinha para saber
que você não está feliz no seu novo emprego e que anda muito pensativa e
cabisbaixa. Fora que o salário que o Fernando te pagará, com certeza, será
mais que o triplo que você está recebendo, e também poderá criar pratos da
mais alta gastronomia, sua paixão. — Fez uma pausa, uma tosse interpondo
no seu discurso. — E você parecia contente por ter liberdade criativa.
Engoli em seco. Eram verdades que eu não poderia negar. Poder ser
livre para produzir os pratos que seu cliente irá consumir, brincando com
sabores e texturas, era o sonho de qualquer chef de cozinha, por mais
exigente que ele fosse. E ganhando um salário generoso, era o paraíso.
Mas como dizer para Lúcia que o meu maior medo era acabar me
metendo ainda mais na vida do patrão dela? De falar que eu magoei
Fernando ao olhar com compaixão para ele? Que o homem despertava
minha vontade de ajudá-lo, mesmo sabendo que não deveria? Eram
perguntas que não tinham respostas, pois meus sentimentos estavam confusos
e não queria tê-los, não depois de ter me relacionado com alguém como
Fabrício. Além disso, fazia pouco tempo que tinha fugido, e pressentia que
meu ex ainda me traria problemas. Era nisso que eu precisava focar, mas o
coração é tolo, e eu ainda mais.
— Que você não é a única que irá se beneficiar com você trabalhando
lá. Depois do acidente, Deus me perdoe por estar o mencionando, ele nunca
mais se permitiu aproveitar, mesmo que um pouco, das coisas boas que
acontecem ao redor dele. — Franzi o cenho com sua fala. — Vocês dois
parecem fazer bem um ao outro.
Fiquei longos minutos olhando para ela para ter certeza se tinha
ouvido corretamente, porém o brilho no olhar da senhorinha que aprendi a
amar em pouco tempo me dizia que ela acreditava verdadeiramente nisso.
Maneei a cabeça, discordando completamente.
— Você está exagerando, Lúcia. — Bufei. — Existem milhares de
chefs mais estudados e renomados do que eu. Qualquer um pode fazer o que
eu faço. — Era uma boa cozinheira, mas tinha que reconhecer que ainda teria
um longo caminho de aprimoramento.
Mirei seus olhos castanhos ansiosos e engoli em seco, não sabia o que
dizer.
— Não sei se é uma boa ideia, tenho que falar com a dona do
restaurante primeiro… — Inventei uma desculpa qualquer, mas soou fraca
até para os meus ouvidos.
— Não vou insistir para saber dos seus motivos, Miranda, posso ver
em seu olhar que você tem uma razão. — Me senti péssima por não contar e
ela percebeu. — Não é só porque você mora aqui, que você precisa me
contar, longe disso. Porém, independente do que seja, não tema, querida. Não
fique com medo de viver e do futuro. Você é tão nova, ainda vai errar e
acertar em muitas coisas. — Suspirou. — Você estava contente trabalhando
para ele, apesar de tudo.
— Eu…
— Se não quiser fazer isso por você mesma, então faça por mim. —
Soltou minhas mãos e levou-as até o meu rosto, limpando com o polegar as
gotinhas do meu choro. — Não chore, odeio te ver infeliz. E, atualmente,
naquele emprego, sei o quanto você está. Além disso, posso ver pelas suas
expressões o que seu coração quer.
— Não se martirize por algo que não está em suas mãos… O destino,
às vezes, tem suas formas de conduzir a gente para o caminho da felicidade.
Ninguém está isento de erros. Quem me dera se eu não tivesse cometido os
meus.
— Farei isso por nós duas. — Sorri para ela, que me devolveu o
gesto.
— Ela me deu, está anotado na minha agenda, mas posso ligar para
ela e…
— Pode deixar que eu resolvo isso. Estou tão feliz! Poderia até voltar
a trabalhar também…
— Tá.
Fui até a cozinha, comecei a separar tudo aquilo que iria utilizar para
preparar a comida, mas meu coração palpitava com um sentimento que não
sabia definir e nem queria. A certeza estava tomando cada poro do meu
corpo.
Capítulo Vinte
Precisava que ser mais firme e colocaria regras rígidas entre nós, por
mais babacas que fossem. O dinheiro que pagaria para Miranda iria garantir
isso, sem questionamentos. E controlaria a mim mesmo, me mantendo o mais
distante possível. Com esses pensamentos em mente, levantei-me de súbito,
determinado a proceder de maneira ainda mais fria, arrogante e grosseira.
Embora fosse madrugada, mas como não conseguiria pregar os olhos, me
dedicaria a única coisa que me mantinha vivo e são: meu trabalho. Tinha
muitos relatórios para ler e planilhas de custos dos próximos investimentos
imobiliários para revisar.
— Preciso que você marque com urgência uma reunião com nossa
fornecedora de material e com os acionistas que estão investindo no projeto
residencial em São Bernardo. Na parte da tarde. — Ouvi o som dele
digitando no tablet enquanto falava comigo no telefone. Com certeza
equilibrando os dois aparelhos.
— Qual a pauta?
— Preciso que você envie uma cópia por e-mail do orçamento que
fizemos recentemente para construir algo similar em uma cidade próxima.
Usarei esses dados para confrontá-los.
Um bater na porta fez com que todo o meu corpo ficasse rígido de
tensão e pude sentir meu coração rimbombar dentro do peito.
Tudo pareceu parar ao meu redor, nem mesmo o barulho dos pássaros
e animais da floresta conseguiam ser ouvidos por mim. Estava em um estado
de suspense.
Fazia um pouco mais de dez dias que não a via, mas tê-la ali fez com
que um calor surgisse no meu peito, que tratei de ignorar. Foi impossível
conter o meu olhar, que a percorreu da cabeça aos pés, gravando-a
novamente na minha mente, mesmo que eu não quisesse. Miranda era uma
menina atraente, isso era inegável, mas não me lembrava que fosse tanto. A
calça preta justa, porém bastante profissional, emoldurava todas as suas
curvas, ressaltando ainda mais as pernas longas e torneadas, e as coxas
grossas, que, mesmo sob o tecido, pareciam deliciosas de se apertar. A
cintura alta da calça destacava ainda mais sua cintura fina, fazendo-me
imaginar minhas mãos ali, segurando-a enquanto aproximava seu corpo
delicado de encontro ao meu, que começava a ficar rígido com a ideia de
tocar todas aquelas curvas e tê-las próximo de mim. A blusa baby-look
simples, com um decote em v inocente, deixava uma pequena parte do seu
colo à mostra, alimentando minha imaginação de apalpá-lo e lambê-lo. Seus
cabelos ondulados negros e compridos, caindo pelos seus braços e costas,
fizeram com que um desejo avassalador tomasse conta de mim. Como ela
estava deliciosa e, ao mesmo tempo, angelical. Não tinha nada demais em sua
roupa, mas tinha algo nela que não sabia explicar que me incendiava. Mas ela
não passava de uma estranha.
— Mais uma coisa — continuei, não deixando ela falar mais nada. —
Não quero que use mais perfume ou hidratante ou qualquer coisa do tipo que
contenha cheiro forte, e que você fale baixo quando tiver outro funcionário na
casa. Não quero ouvir o som da sua voz ecoando da cozinha até o meu
escritório, muito menos sua risada — coloquei para fora minhas novas regras
em forma de ordem, porém uma sensação de perda sem sentido me invadiu.
— Merda! Seu tolo maldito, pare com isso — praguejei baixinho por entre
dentes cerrados para que só eu ouvisse.
Irritado por ter sido ouvido, mesmo que ela não tenha compreendido,
levantei-me de súbito, ficando de costas para Miranda, e olhei através da
janela panorâmica, colocando as mãos nos bolsos em uma tentativa de não
fechá-los com força.
— Nada que tange a você — minha voz saiu lenta e perigosa. Estava
por um fio de explodir comigo mesmo.
— Okay. Mais alguma coisa, senhor? — sua voz doce saiu fraca,
contudo com a mesma intensidade que mexia algo dentro de mim, quebrando,
pouco a pouco, as barreiras que com muito custo ergui. Tinha que dar a
minha cartada final para acabar com aquilo.
Fiquei olhando por um tempo para o verde cintilante das copas das
árvores e lentamente me virei na direção dela, fitando-a sem dizer nada.
Por mais que eu dissesse que essa reunião não seria nada demais, foi
impossível conter o meu nervosismo. E a tensão palpável dentro do escritório
me deixava ainda mais nervosa. Ouvir as novas regras impostas por Fernando
me desconcertou, principalmente aquela que deveria falar baixo e não rir. Era
estranha, porém, acabei concordando, pois poderia lidar com aquilo, embora
a certeza que tive quando conversei com Lúcia estivesse, de maneira
vertiginosa, sumindo, restando apenas a incerteza. Tinha sido um erro…
— Qual o seu preço? — sua voz grossa e fria fez com que um calafrio
diferente me tomasse. — Todo mundo pode ser comprado e eu quero saber o
seu valor.
— Acha que pode me comprar, é? — Apontei meu dedo para ele, não
dando conta daquilo que estava fazendo. — Mas você não pode. Eu e minha
dignidade não estamos à venda. E meu trabalho, para você, não mais. Não é
porque você vive em um poço de autocomiseração pelo que te fizeram, que
você pode pensar que todos são iguais.
Fiz uma pausa e pude ver a dor brilhar em seus olhos quando olhou
novamente para mim, o que arrefeceu a raiva que sentia, deixando um
resquício de culpa em seu lugar.
— O senhor não vê? Quando foi que o Maicon se recusou a fazer algo
que o senhor pediu? Quando Lúcia te deixou, por mais que merecesse? —
Minha voz saiu doce e terna. — Pelo contrário, eles sempre foram fiéis ao
senhor, embora sejam apenas funcionários. Além disso, Lúcia te ama como
uma mãe, e mesmo doente se preocupa com o seu bem-estar, tanto que ela
queria ter vindo hoje para trabalhar. Realmente acha que eles te trairão? —
Terminei meu discurso impensado e uma dor enorme me consumiu. Por ver a
tristeza em seu semblante e a mágoa que minhas palavras imprudentes
causaram nele. Estático no lugar, ele sofria visivelmente.
— Me desculpe, eu não deveria ter dito nada disso. Não deveria ter
me metido na sua vida, e me arrependo disso. Eu… — Abracei meu corpo,
encolhendo-me. — Agora é melhor que eu saia, antes que te magoe mais
ainda.
Soltando meus braços na lateral do meu corpo comecei andar até a
porta, me sentindo derrotada de alguma forma. Lágrimas indesejadas
começaram a se formar sob minhas pálpebras e, sem querer, deixei que elas
rolassem e molhassem o meu rosto.
Pude ouvir a súplica no seu tom de voz e isso foi mais do que
suficiente para que algo se quebrasse dentro de mim, meu coração se
apertando de uma maneira inimaginável. Sua voz demonstrava toda a sua
fragilidade e vulnerabilidade depois das minhas palavras. E naquele momento
percebi que Fernando usava a raiva e a frieza para esconder o homem ferido,
e algo me dizia que isso não foi somente consequência do suposto acidente,
mas sim de algo mais profundo. Talvez Lúcia tivesse um pouco de razão ao
dizer que existia uma pessoa boa por detrás da ignorância e frieza.
Não, eu não poderia virar as costas para ele agora, não quando
Fernando parecia precisar de afeto e proteção. Mesmo que eu não passasse de
uma desconhecida e ele não quisesse nada disso.
Ficamos nos encarando por um bom tempo, até que ele estendeu a
mão e fez uma coisa que me pegou completamente de surpresa.
— Eu também não tinha que ter falado todas essas coisas. — Tomei
coragem de dizer enquanto olhava para ele e abraçava meu corpo. — Não
quis te machucar ainda mais…
— Entendo…
— Por favor. — Inclinou sua cabeça para cima e olhou-me com seus
olhos castanhos determinados, roubando o meu ar e razão.
Preso nas sensações boas suscitadas pelo toque dela, nem percebi
quando ela tocou o ferimento que mais me incomodava, massageando o lugar
com o dorso da mão. Foi inevitável que eu não mexesse um pouco a cabeça,
em um pedido por mais, e ela o fez. Ninguém nunca me tocou dessa forma,
despertando um anseio dentro de mim que não tinha palavras para descrever.
Sua pele contra a minha era algo tão delicioso que quase resmunguei
quando ela tirou sua mão do meu rosto, quebrando a magia que me inebriava.
Porém, para minha completa surpresa, ela não se afastou, pelo contrário,
apoiando-se nos meus braços, ficou nas pontas dos pés e roçou seus lábios
macios no lado danificado da minha face, em um gesto inocente que foi
capaz de roubar todo o meu resquício de sanidade.
Sem pensar muito, envolvi seus quadris com as minhas duas mãos e
puxei-a para o meu corpo, sentindo o contato da sua roupa com o meu terno
me inflamar por inteiro. Seus seios friccionavam meu peitoral à medida que
nossa respiração ficava cada vez mais rápida, provocando uma onda de
excitação, com minha ereção começando a se formar.
Realmente eu tinha fome, mas dela, pensei porém não disse isso.
— Ainda não.
— Não.
— Sim?
— Eu não esquecerei, obrigado.
Meu coração batia tão forte que parecia que a qualquer momento
sairia do meu peito. Não sei como consegui sair do escritório, minhas pernas
estavam bambas e pareciam que não iriam me aguentar em pé. Foi com muito
custo que consegui manter uma fachada mais composta e mudar de assunto,
tentando ser profissional. Caminhei lentamente pelo corredor e, quando
cheguei próximo a cozinha, deixei-me encostar na parede e coloquei a mão
no peito, a fim de recobrar os meus sentidos completamente embaralhados
por Fernando.
Mas era melhor assim, tentei dizer para mim mesma, por mais que
meu coração dizia o contrário. Tinha ido longe demais ao pedir aquilo a ele, e
o melhor a fazer agora era seguir as regras que ele tinha estabelecido
anteriormente, me mantendo o mais distante possível. Agiria como a
profissional que deveria ter sido desde o início.
Fiz careta pelo seu último comentário, mas ela tinha razão. Pude
voltar a criar e não tive uma Beth para pegar no meu pé. Estava com saudades
de poder preparar comida da mais alta gastronomia, ter ingredientes finos e
caros à minha disposição, mas de grande sabor quando combinados
corretamente.
— Ele pediu para eu não usar mais perfume. Realmente, tenho que
dar razão a Fernando, não é correto usar no trabalho. Nem sei por que usava.
— Dei de ombros.
— Não fique contrariada por uma coisa tão besta — dei um beijo na
sua bochecha —, talvez isso não se aplique a você.
— Humph…Obrigada, querida.
— Pelo quê?
— Por voltar.
— Tenho certeza.
— Pode deixar.
Depois de pegar roupas limpas, caminhei até o banheiro, ainda me
sentindo um pouco mal por não ter contado tudo para a senhorinha que me
acolheu tão bem, e que me deu algo com a qual ocupar a minha mente.
Porém, era melhor que ela não soubesse da minha insensatez. E no quanto
queria repeti-la.
Capítulo Vinte e quatro
Idiota, você sabe que isso não é verdade, meu coração ribombou com
mais força. A sinceridade estava estampada no olhar da menina… Mas não
pode acreditar completamente nisso, repeti mentalmente. Você já pagou caro
demais por confiar em alguém…
— Huum.
Pareceu pensar por alguns instantes e sorriu. Para mim. E aquilo foi o
suficiente para me aquecer por completo, não de maneira sexual, mas de uma
forma completamente diferente. Ignorei a sensação, pois ela era absurda.
Passado o susto inicial, Miranda pareceu bastante tranquila e contente, e isso
me irritou, pois me sentia ansioso.
— Não.
Sem pensar muito, preso naquele olhar, levei o biscoito até a boca e
mordi um pedaço, sentindo-o derreter de encontro a minha língua, o sabor do
coco e do leite bastante suave, porém delicioso. Gemi quando comi o último
pedaço.
— Preciso trabalhar. — Sem esperar que ela falasse outra coisa, saí
do cômodo e do chalé.
Mais uma vez tinha ido longe demais, mesmo que não fosse minha
intenção. Era somente um comentário corriqueiro, embora revelasse um
pouco do meu anseio em ter meus próprios filhos e de constituir uma família,
fala que se transformou em algo grandioso dentro da alma ferida de
Fernando. Seus olhos deixavam bastante evidentes sua raiva e mágoa. E mais
uma vez uma dor absurda oprimiu o meu peito, e instintivamente me abracei,
só então me dando conta de que ele acreditava que isso não era mais para ele.
Algo que, provavelmente, ele tinha sonhado um dia. E esse pensamento me
dilacerou ainda mais, pois sabia que as barreiras emocionais eram o maior
empecilho dele, pois embora ele fosse arrogante e grosseiro, uma muralha
erguida de autoproteção, ele era um homem bastante atraente mesmo com os
ferimentos que marcavam sua pele. E lembrar do seu corpo musculoso e bem
definido de encontro ao meu fez com que um calafrio subisse por toda minha
espinha, um calor diferente de tudo que já senti se formando dentro de mim e
em partes que não deveria. Poderia não saber se as outras mulheres reagiriam
assim, mas, definitivamente, ele era capaz de me fazer ansiar por algo
desconhecido, uma coisa devassa que tinha um quê de proibido.
Pouco sabia sobre ele, mas tinha certeza que ele despertava em mim
sentimentos confusos, contraditórios. E meu coração idiota guiava-me para
um caminho que não deveria tomar: o de ajudá-lo mesmo que ele não
quisesse. Mas o fato dele ter ido à cozinha hoje encheu-me de uma esperança
tola, mesmo que tudo tenha acabado dessa forma. Por um momento, fui capaz
de sentir uma conexão inimaginável com ele, fazendo-me agir de forma
natural, deixando me levar até colocar tudo a perder.
— Diga-me uma coisa, senhorita Batista. — Sua voz saiu tão rouca
quanto a minha, mas tinha uma pitada de raiva.
De súbito, ele levou a mão livre e enluvada por detrás da própria nuca
e tirou o elástico que prendia a máscara ao rosto, jogando a peça para
qualquer lugar da cozinha. Quis choramingar quando ele afastou-se da minha
pele para retirar a luva que cobriam seus dedos, arremessando o par para o
lado, provavelmente nem se dando conta de que desnudava suas cicatrizes
para mim, e isso me emocionou de uma forma que eu não saberia explicar.
Minha determinação de me manter distante e não me meter em sua vida
estava se quebrando, como uma louça derrubada no chão. Não, depois
daquilo, nunca mais conseguiria me manter indiferente e afastada.
— Não, o que você fizer está bom para mim. — E de fato estava, tudo
era delicioso no meu paladar.
— Tudo bem, senhor Matiazzi. Assim que ficar pronto... — um
estrondo forte ressoou do lado de fora da casa interrompendo-a.
Provavelmente foi outro tronco se juntando ao solo. A chuva batia na janela
com cada vez mais intensidade.
— Eu… Eu...
— Agora pode ir. — Fui mais grosso que desejava, mas meus
sentimentos eram conflitantes dentro de mim.
Era quase sete e meia da noite quando a chuva deu uma trégua. Tinha
avisado Lúcia por telefone que provavelmente iria me atrasar muito, pois a
estrada para Juiz de Fora costumava ficar um caos quando chovia, pelo
menos era o que presumia. Desde pequena odiava chuvas fortes assim, e em
alguns momentos tive que me controlar para não ceder ao pânico. Mas
preparar o risoto e uma sobremesa fácil me ajudou a esquecer um pouco do
vendaval lá fora, embora o barulho incessante de árvores tombando fazia com
que eu pulasse com o susto e tivesse que me controlar para não tremer.
Mesmo Fernando dizendo que era seguro, não estava tão certa disso. Pegando
minha malinha, saí do chalé tomando cuidado com as poças de água que se
formavam no pavimento de pedra, mas devido a quantidade, tornava-se quase
impossível chegar ilesa até o carro, ainda mais que começou a chuviscar.
Infelizmente meu tapete e banco ficariam molhados, mas depois me
preocuparia com isso.
— Senhorita Batista?
Olhei para Fernando que ainda usava uma máscara cobrindo o seu
rosto. Sua voz estava surpresa e com um pouco de irritação. Porém, isso não
impediu o seu olhar me varrer dos pés à cabeça e pude ver que queimava de
desejo. Abaixei meu olhar para mim mesma, percebendo que minha blusa
colada revelava o meu sutiã preto rendado e a calça moldava ainda mais as
minhas curvas. Seu peitoral subindo e descendo rápido me indicou que estava
alterado, fazendo com que o frio que sentia evaporasse em meio ao calor que
emanava dele enquanto me contemplava. O calafrio que percorreu toda a
minha espinha nada tinha a ver com o fato de estar ensopada.
— A estrada está interditada por uma árvore que caiu. — Tentei sair
do transe proporcionado pelo seu olhar ardente. — Não pude fazer nada
porque meu celular estava sem bateria.
— Duvido que poderia ter feito alguma coisa. — Desviou o olhar,
visivelmente tenso. Sentindo-me estranhamente rejeitada, cruzei os braços na
frente dos meus seios.
— Obrigada.
— Hm?
— Seria bom tomar um banho. — Assim que eu disse aquilo, ouvi ele
arfar por detrás da máscara.
Fiz que não com a cabeça, me dando conta de que não tinha pensado
numa coisa tão besta quanto aquela. A única coisa que tinha era uma calcinha
que sempre deixava na mala, para caso acontecesse uma emergência
feminina, junto com absorventes. Lúcia tinha comentado que sempre levava
roupas com ela, pois gostava de se trocar quando terminava o serviço, porém
nunca tinha pensado em fazer o mesmo, até agora. Era uma tola mesmo!
— Logo — rosnou.
— Com licença.
— O que é isso?
Assenti, pegando a peça das suas mãos sem ousar tocá-las. Pensar em
usar uma blusa que já esteve em contato com o corpo dele em algum
momento, mesmo que estivesse lavada, era algo muito íntimo. Nunca nem
sequer cheguei a usar uma de Fabrício. E isso fez com que o calor se
alastrasse pela minha pele, arrepiando meus pelos. Fiz de tudo para afastar a
sensação de proximidade criada pela minha mente ao pensar em vesti-la, mas
era impossível. A simples presença dele mexia comigo de uma forma
inexplicável.
— Obrigada.
Não disse nada e pude ouvir seus passos se afastando para a porta.
— O quê?
— Tenho. — Respondi.
Dando um suspiro longo por de trás da máscara, ele não disse mais
nada e saiu, batendo a porta com força logo a seguir. Foi instintivo levar a
camisa ao nariz, tentando sentir um resquício do seu perfume, mas que
inexistia. Achando-me ainda mais tola, saí do transe e caminhei até o
banheiro luxuoso que ele tinha mandado construir, me sentindo tentada a usar
a banheira, algo que nunca usei na vida. Porém, era melhor não, já estava
abusando demais dele ao entrar no seu espaço. Pegando as coisas que
precisava, retirando a calcinha da mala e removendo as peças molhadas do
meu corpo, me direcionei ao box com vários jatos, e abri o registro, deixando
que a água quente molhasse o meu corpo, na torcida de que lavasse também
as sensações que Fernando me provocava.
Capítulo Vinte e oito
Irritado, abri a porta do meu escritório com força e a tranquei, indo até
uma garrafa de whisky que ficava em cima de um decantador, servindo-me
de uma dose dupla. Retirando a máscara e a jogando no chão, dei um grande
gole na bebida, sentindo-a descer queimando pela minha garganta.
— Entre.
Ela pareceu hesitar por alguns minutos, até que girou a maçaneta e
entrou, deixando a porta entreaberta. A luz que vinha do corredor era mais do
que suficiente para iluminá-la, formando quase que um halo em torno dela.
Para minha sorte, a iluminação era parca, me deixando na penumbra. Foi
impossível conter meu olhar de varrê-la de cima a baixo. Acabei engolindo
em seco quando a vi vestindo minha camisa social de manga comprida,
alimentando ainda mais o desejo que sentia por ela.
— Okay.
— O senhor já jantou?
— Estou sem fome — menti, pois comida nem tinha passado pela
minha cabeça, e isso que eu era um grande apreciador de bons pratos. Minha
fome era do corpo à minha frente, que estava louco para devorar.
— Tudo bem.
— Mais alguma coisa?
— Pode acreditar. — Dei de ombros para mim mesmo, já que ela não
poderia ver.
Não existia mais a água que escorria pelo chuveiro, apenas ela.
Aquela menina e seu olhar marcante que me tornava seu cativo, olhos que
faziam todos os pelos do meu corpo se arrepiarem com o desejo.
A resposta dele fez com que um calafrio de medo varresse meu corpo,
me fazendo temer pela segurança da minha mulher. Nunca pensei que alguém
poderia ser tão importante na minha vida, ao ponto de colocar a minha em
risco por essa pessoa. Estava mais apaixonado do que imaginava.
— Não sem ela — meu tom soou mais ríspido do que eu gostaria —,
vá homem, fique em segurança. — Minha boca ficava mais seca e áspera por
conta da fumaça. O calor cada vez mais forte fazia com que a pele ardesse.
Gostas de suor escorriam por todo o meu corpo. — Eu a encontrarei...
Sozinho. Não preciso ter mais alguém com quem me preocupar.
Era tolo, mas meu coração pedia freneticamente por isso. Mesmo
tendo sofrido nas mãos do meu ex, estava me entregando cada vez mais a um
outro homem que, embora achasse que não seria abusivo como Fabrício, teria
capacidade de quebrar meu coração ainda mais. Estava ciente de que ele era
um recluso, que os ferimentos causados a ele, principalmente
emocionalmente, nunca o deixariam confiar plenamente em outra pessoa.
Mas, ainda assim, aquele pequeno fragmento era mais do que suficiente para
me iludir...
Suspirei fundo. A chuva lá fora ainda caía com intensidade, mas bem
menos do que das últimas horas. Depois de preparar o mingau e comê-lo na
cozinha, e de arrumar a bagunça que tinha feito ao entrar molhada no chalé,
liguei para Lúcia a fim de avisá-la que não poderia voltar para casa por conta
da queda da árvore. Ela falou que por lá a chuva também tinha sido bastante
forte, e a televisão mostrou que algumas regiões chegaram a alagar e vários
acidentes aconteceram na estrada, infelizmente. Achou prudente eu ter
voltado, ralhando comigo por tentar sair nessas condições em um lugar cheio
de árvores velhas. Mas, estranhamente, pareceu contente pela situação, o que
aumentou ainda mais a minha aflição.
— Eu… — Sua voz saiu rouca, porém ele não conseguiu continuar,
apenas se virou para me fitar também.
— Não sei… — Podia ver que ele queria dizer, mas a falta de
confiança nas pessoas fazia ele hesitar. E eu não o culpava por isso, não mais.
Independente do que tenha acontecido, foi forte o suficiente para que ele se
trancasse em si mesmo, em um mundo de dor e sofrimento.
— Ele sempre foi um homem ciumento e eu achava que era por que
ele gostava de mim. Mas com o tempo ele começou a me agredir
verbalmente, falando que eu não passava de um rosto bonito para o meu
chefe e que deveria largar meu emprego para ser apenas sua “esposa”, nas
entrelinhas da palavra. Mas tudo piorou quando ele ameaçou me bater em
lugares que ninguém veria…
Vi ele cerrar os dentes e uma fúria queimar em seus olhos, mas ele
não disse nada.
— Você não tinha como imaginar e estava preso em sua própria dor
para tentar entender. O que não sei foi o que causou isso, acho que vai além
dos ferimentos…
— Entendo…
— Hm…
— Não sabia que éramos tão parecidos — comentou, e sua voz saiu
dolorida —, com exceção de uns poucos amigos, somos sozinhos no mundo.
Nos entregamos para pessoas que realmente não podiam retribuir aquilo que
tínhamos para oferecer, mas lidamos de maneiras tão distintas!
Eu não iria apenas fazer sexo com ele, mas amá-lo com meu corpo, a
fim de demonstrar que ele podia ser muito mais que o homem com cicatrizes
na pele e na alma.
Capítulo Trinta e um
Mas de repente, ela parou, fazendo que não com a cabeça, e eu grunhi
em protesto enquanto me movimentava embaixo dela sem obter a resposta
que meu corpo ansiava. Estava tão deliciosa a fricção, que poderia jurar que
eu conseguiria gozar com esses simples movimentos, tamanho desejo que ela
me fazia sentir, mesmo com o tecido sendo uma barreira entre nós.
Mesmo que ela não quisesse, seu corpo respondia ao meu, nossas
pélvis se chocando, os tecidos se friccionando, aumentando o desejo que
sentíamos um pelo outro. Era delicioso ficar assim com ela.
Fui descendo com a boca até alcançar seu mamilo e, sem pensar
muito, puxei o bico suavemente com os dentes, molhando a minha camisa
que o cobria, e com a mão livre, tomei o outro entre os meus dedos e comecei
a fazer movimentos circulares, excitando-o ainda mais. À medida que minha
língua e meus dedos brincavam com o bico dos seus seios, ela se retorcia
debaixo de mim. Fincou suas unhas com cada vez mais pressão nas minhas
costas quando tomei o mamilo inteiro e comecei a sugar, ora lentamente, ora
com mais pressão. Minha ereção implorava cada vez mais por alívio.
Quando senti que estava quase chegando ao ápice, esfreguei seu ponto
de prazer com cada vez mais pressão até que senti seu corpo tremular; seus
olhos castanhos pareciam presos na névoa de sensações que eu
proporcionava. Sem deixar de tocá-la, estoquei insanamente para dentro dela
até que senti seu músculo apertar meu pau e meu líquido começar a esvair
para dentro dela. Meus lábios sorveram os sons do seu orgasmo. Continuei a
me mover, prolongando o nosso prazer, até que nossos corpos ficassem
lânguidos e fracos pelo êxtase. Com medo de esmagá-la, dei um último
selinho em seus lábios e me retirei de dentro dela. Rolei para o lado,
puxando-o de encontro ao meu peitoral. O suor banhava todo o meu corpo.
— Nem eu. — Não quis pensar em mais nada que não fosse nós.
Minha…Completamente minha.
— Não, não tenho. — Sorri para ela e roubei um beijo suave, não
resistindo seus lábios ainda mais vermelhos pelos beijos que trocamos. —
Vamos tomar um banho? — disse, quando percebi que ela estava ficando
meio sonolenta. — Precisamos nos limpar antes de dormir.
Não sabia que ainda era capaz de dormir dessa maneira, algo que não
fazia desde que era um menino. Sentindo-me mais revigorado e relaxado do
que poderia ter imaginado, além de, estranhamente, um calorzinho no meu
peito, tateei a cama em busca dela, porém só encontrei o vazio, fazendo com
que eu abrisse meus olhos de súbito só para verificar que estava realmente
sozinho. Uma sensação de perda me assolou. Meu coração ansiava por
acordar com ela nos meus braços, ser a primeira coisa que eu visse quando
despertasse, ganhar um selinho e depois um sorriso que iluminaria o resto do
meu dia. Uma ânsia boba, que nunca senti antes, mas que com Miranda, eu
desejava. Não por apenas um dia, mas vários outros…
Constatar isso, essa vontade por mais, fez com que eu enxergasse que
estava indo rápido demais, me entregando sem pensar nas consequências.
Meus sentimentos por aquela menina estavam mudando de maneira
vertiginosa, como se fosse um furacão, devastando-me, colocando em xeque
tudo aquilo que eu imaginava para o meu futuro, uma vida de solidão que
imaginava que sempre teria… mas ela não mais me parecia suficiente. Saber
que não existia nada entre nós além da conexão que fortalecemos na
madrugada, fez com que o desespero me tomasse.
Pensar na sua entrega fez com que um tremor tomasse meu corpo,
arrepiando-me. Meu pau acordou com a ânsia de tê-la novamente e, sem que
me desse conta, percorri com a minha mão levemente por toda extensão, mas
não me toquei. Afastei a mão.
— Fernando?
— Sério? — Sua voz saiu estrangulada quando subi minha mão pela
sua barriga, até chegar a um dos seus seios.
— Quero acordar com você, que seja a primeira coisa que eu veja, e
amá-la ali mesmo… — Externei o meu desejo, só me dando conta poucos
segundos depois que usei a palavra amar para descrever o ato que faríamos.
Mas ela não percebeu, ou fingiu não ouvir para não me deixar desconfortável.
— Mas me contento com a cozinha — sussurrei novamente e, com um
movimento súbito, ela girou nos meus braços, para ficar de frente para mim.
— Estou preparando algo para você comer, deve estar com fome. Já
passa das dez da manhã. Acabei acordando mais tarde do que gostaria. —
Pareceu sem jeito, como se eu fosse brigar com ela por isso. Nem tinha me
dado conta das horas e, para ser sincero, hoje, nem me importava. Maicon
deveria ter me ligado insanamente, tentando me contatar, já que tinha
algumas reuniões pela manhã, mas nada me importava.
Nunca pensei que fazer amor com um homem pudesse ser tão
prazeroso. A dor que pensei que iria sentir quando ele me penetrou e iniciou
seus movimentos, como sentia com meu ex, não existiu. A ternura, seu olhar
fixo ao meu e a preocupação em me proporcionar o mesmo prazer que sentia,
fizeram-me confirmar o quanto que, desde o início, eu estava em um
relacionamento unilateral e abusivo com Fabrício. E isso foi como um soco
na boca do meu estômago. Um homem ferido pela vida, um que conheci há
pouco tempo, foi capaz de se entregar de uma maneira que a pessoa que dizia
que me amava, e que queria ficar comigo, não foi.
Aproximou sua boca do meu sexo e com um dedo abriu meus grandes
lábios para colocar sua língua, tomando-me, degustando-me como se eu fosse
uma iguaria. Seu grunhido de satisfação bem como seus olhos ardendo de
desejo me diziam que eu não era a única a saborear o momento. Nunca tinha
recebido um oral do meu ex, pois ele achava nojento, mas Fernando
demonstrava para mim o quanto aquilo também era bom para ele.
— Eu posso me viciar nisso, sabia? — Pude ver seu sorriso por eu ter
gozado em sua boca e, mesmo mole, desci meu olhar, vendo a ereção que
despontava na sua calça, parecendo dolorosa. — Seu gosto e gemidos agem
como um afrodisíaco nas minhas veias.
— Hm…
— Deixe sem.
— Okay.
— O cheiro está divino — dei uma pausa e percorri com o olhar seu
corpo inteiro —, mas de longe não me apetece tanto quanto o seu. — Abri
um sorriso quando a vi arfar.
— Fernando! — gritou, consternada.
— Eu não sei o que é amar, um dia pensei que amava, mas hoje posso
ver que meus sentimentos eram fracos diante da confusão que sinto agora —
confessei em voz rouca, sentindo um aperto dentro de mim. Fechei os olhos
quando senti que ela moveu o rosto como se fosse uma gatinha em busca de
afago.
Pensei que ela iria recusar, por ser contra sua ética de trabalho, mas,
para minha surpresa e alívio, ela aceitou. — Tudo bem. Você pode pegá-lo na
geladeira e abri-lo? O abridor elétrico está na segunda gaveta do balcão
próximo a geladeira.
— Hm.
— Excelente.
— Sim?
— Claro, sem problema. — Modulei minha voz para Maicon não ver
o quanto aquilo mexeu comigo, e o ouvi suspirar do outro lado da linha,
aliviado. — Não é nada urgente.
— Por que não estaria? — Fui mais ríspido do que gostaria, porém a
preocupação do meu secretário com Miranda, como se eu fosse fazer algum
mal a ela, me irritou. Mal sabia ele que eu queria venerá-la com minhas mãos
e boca, prová-la novamente, sentindo-a estremecendo embaixo de mim.
— Nada não, senhor. Fiquei preocupado, porque sei que o senhor não
gosta de pessoas no seu ambiente. — Engoliu em seco. — Muito obrigado,
senhor. Resolverei o mais rápido que puder a questão da árvore assim que eu
entrar no escritório amanhã. Melhor, chegarei mais cedo.
— É algo grave?
— Nada com que deva preocupar no momento. Agora vá antes que se
atrase — disse, desligando a ligação sem deixar que ele falasse mais nada.
Passei a mão no rosto e suspirei. Por mais que eu tenha dito isso ao
meu secretário, eu não conseguia me enganar, estava preocupado. Teria que
me envolver, mesmo que ela não gostasse. Pelo que Miranda falou, o ex-
namorado dela não a deixaria em paz, e se ele tivesse mesmo recursos como
ela dizia, ele acabaria a encontrando algum dia. Mas eu tinha dinheiro o
suficiente para protegê-la e iria usá-lo para tal.
Capítulo Trinta e cinco
Como não via uma razão para não atender seu pedido, coloquei-me
em movimento e, assim que parei no local por ele indicado, Fernando
estendeu os braços e, firmando suas mãos em minha cintura, puxou-me para
o seu colo.
Seu tom foi o suficiente para que eu me ajeitasse melhor no seu colo e
me permitisse relaxar em seus braços. Soltando seu pescoço, aninhei-me no
seu peitoral, apoiando a cabeça nos músculos definidos, sentindo sua
respiração cadenciada e o calor que emanava da sua pele. Para minha
surpresa, plantou um beijinho no topo da minha cabeça e com uma mão,
afagou os meus cabelos com os dedos. Sua respiração quente fazia cócegas
em mim.
— Hm…
— Não tenho tanta certeza disso — dei um sorriso para ele e passei a
mão no seu rosto —, não tenho do que me queixar, muito pelo contrário. E
você, senhor Matiazzi? Minha presença por um pouco mais de tempo te
incomoda?
— Para ser sincero, estava louco para inventar uma desculpa para
mantê-la comigo aqui. — Aproximou seu rosto do meu e deu um beijo na
minha bochecha. — E eu fiquei exultante quando Maicon me deu uma
excelente razão. Estou pensando seriamente em dar um belo bônus para ele
por isso.
Para me mostrar isso, tomou minha boca com seus lábios, e com a
ponta da língua pediu passagem por entre os meus dentes, fazendo com que
eu me ajeitasse melhor nele, esfregando-me no seu volume, e soltasse um
gemido em meio ao beijo. Sua boca movia-se sobre a minha enquanto suas
mãos apertavam minha coxa e costas contra seu corpo rígido, mexendo com
todas as minhas terminações nervosas.
— Tenho outros planos para nós dois hoje, por mais que beijá-la e
tomá-la aqui mesmo seja bastante tentador. — Levantou-se e me abraçou,
roubando de mim um selinho. Meu corpo traidor não conseguia sentir nada
além de desejo, esquecendo completamente da suposta rejeição. — Tem
milho de pipoca nessa casa?
— Não, surpreenda-me.
Não o deixando falar mais nada, saí do escritório e fui até a cozinha a
fim de preparar a guloseima, lamentando por não ter refrigerante e ser tarde
demais para fazer um brigadeiro. Quando pronta, misturei um pouco de
manteiga derretida na pipoca e coloquei em uma vasilha. Piquei também um
pouco de queijos e frios e, equilibrando tudo na mão, levei até a sala,
encontrando-o sentado com a mão na nuca, relaxado.
— Interessante. — Sorri, feliz por ele ter escolhido esse gênero. Não
podia negar que amava o romantismo dos mocinhos desses filmes e os finais
felizes. — O que quer beber?
— Okay.
Depois da noite que vimos o filme, dormi outros dois dias no chalé na
cama de Fernando, acordando sempre em seus braços e fazendo amor logo
depois, com seus lábios percorrendo cada centímetro da minha pele em uma
adoração silenciosa. Me sentia venerada como nunca antes e, estranhamente,
amada. Não um sentimento fraterno, mas sim aquele que surge entre um
homem e mulher, intenso, cheio de entrega. Poderia ser somente uma coisa
criada pela minha cabeça, mas meu coração se agarrava a isso com todas as
forças, sem medo de me machucar. Ainda mais com o fato de que custei a
convencê-lo de que ele precisava trabalhar, já que os relatórios se
acumulavam, e que não poderia ficar me olhando o dia todo, principalmente
enquanto eu cozinhava. Precisei de todo meu autocontrole e profissionalismo
para não tremer e derreter-me sob o seu olhar. Mesmo contrariado, acabou
aceitando.
Pensar que ele poderia tê-la guardado para si fez com que um arrepio
de excitação percorresse o meu corpo e esmurrei a massa com mais força do
que necessário. Apoiando-me na bancada, tive que me controlar para não
fechar as pernas quando uma comichão surgiu no meu âmago. Senti-lo era
completamente absurdo. Mas, a sensação que tomou o meu corpo elevou-se
quando várias lembranças lascivas passou pela minha mente e apertei as
coxas uma na outra. Sem querer, peguei-me arfando, meu coração batendo
com força contra o peito. Forcei-me a me manter firme, e assim que terminei,
coloquei a massa em um recipiente de vidro e tampei com plástico filme,
caminhando até a geladeira para colocá-la para descansar. Mas assim que me
virei, o vi parado, me encarando displicentemente, enquanto se escorava na
viga com os braços cruzados. Como um homem conseguia ser tão bonito e
sensual, mexendo com todos os meus poros? Ele me arrebatava só com o
olhar.
Foi somente quando ele se aproximou que me dei conta de que ele viu
o meu descontrole momentâneo, o que me deixou completamente
encabulada. Foi impossível não me encolher de vergonha, sentindo minha
pele ardendo pelo fato. Com a mão, ele tocou o meu queixo e ergueu-o,
fazendo-me fitar seus olhos negros brilhante. Só o simples contato daquela
pele quente na minha me fazia estremecer.
Reunindo toda força de vontade que nem sabia que tinha quando
estava perto dele, afastei-me e caminhei até o fogão, destampando a panela.
Ouvindo os passos de Fernando me seguindo, peguei uma colher e
experimentei um pedacinho do camarão, constatando que minha moqueca de
frutos do mar estava pronta. Assim que desliguei o fogo e coloquei a tampa
na panela, senti seus braços me envolvendo, virando-me para ele.
— Não quero que isso acabe… — sua voz saiu rouca e baixinha —,
eu me sinto tão bem ao seu lado, eu… tenho medo.
— Eu ainda anseio por você mais do que tudo… — Sua confissão foi
tão doce que foi impossível para mim não dar um beijo rápido em seus lábios.
— Sei que você não confia em ninguém, mas prometo que não sou
volúvel o suficiente para mudar de ideia amanhã. Te prometo que, se
depender de mim, nada irá mudar…
Ele engoliu em seco e não disse nada, apenas tomou meus lábios
novamente em um beijo, demonstrando com o gesto tudo aquilo que sentia.
Sua boca ora se movia com ternura, ora exigia de mim uma resposta ao seu
anseio, roubando meu fôlego e minha capacidade de raciocinar. Afastou-se
para respirar, encostando sua testa na minha, mas sem deixar de me fitar.
Ficamos assim, nos encarando, como um casal de apaixonados dos filmes que
assistimos, por vários minutos, até que ele me roubou mais um beijo urgente,
implorando com a língua que eu ficasse.
— Já estou de saída.
— Claro.
Sem hesitar, soltando a mala no chão, fiquei nas pontas dos pés e,
segurando seu rosto, puxei-o contra o meu e rocei meus lábios nos dele,
dando aquilo que Fernando queria. Era uma exploração suave e terna, como
se eu quisesse transmitir a ele a certeza de que nada mudaria, impregnando o
meu gosto no seu, marcando-me na sua boca. No que dependesse do meu
coração e de mim, ficaríamos assim para sempre.
Ficamos abraçadas por mais alguns segundos até que ela me puxou e
me fez sentar no sofá ao seu lado.
— Fico feliz por vocês dois — seu sorriso se tornou ainda maior —,
principalmente por ele, tão feliz que poderia dar pulinhos de alegria.
— Foi tão bom, querida. Eu nunca me senti dessa forma nos braços
do Fabrício. Foi mágico, a conexão que tivemos… — Suspirei, as lembranças
dos momentos que passamos juntos passando na minha mente como um
flash. — Até assistimos uma comédia romântica juntos…
— Obrigada, Miranda.
— Pesadelo?
Percebi o corpo dela ficar rígido e eu me odiei por ter sido o causador
da mudança no seu semblante, antes relaxado e feliz. E uma pontinha de dor
surgiu no meu peito, ao vê-la encolhida, com medo. Sem me dar conta que
estava fazendo, puxei ela para os meus braços.
— E…
— Mandei que meu detetive fizesse um pente fino na vida do seu ex.
Segundo ele, Fabrício foi advertido diversas vezes por indisciplina e abuso de
poder, até que deixou o cargo. Tinha também uma queixa de agressão contra
ele feita por uma ex-namorada, mas ela foi retirada. — Fiz uma breve pausa.
— Ele tem procurado por você, mas embora tenha recursos financeiros e
alguns contatos dentro da polícia, eles não são o suficiente para encontrá-la.
Ele teria que pagar muita gente para isso..
Assim que eu falei aquilo, senti ela tremer contra o meu peito e um
soluço escapou pelos seus lábios. Uma raiva descomunal se apoderou de mim
ao pensar que ele poderia ter feito o mesmo com várias outras, incluindo a
menina que estava em meus braços. Só um covarde de merda faria isso.
— Eu até posso imaginar o que ele pode ter feito com ela para que
retirasse a queixa. — Sua voz saiu baixinha, trêmula. — Foi por isso que eu
não… — Engoliu em seco.
— Mas…
— Hmph.
— Ah, tem sido mágico. Um sonho que não quero que acabe tão
cedo… — Suspirei, tomando mais um gole de café e mordisquei um biscoito.
— Me sinto tão bem nos braços dele, protegida, bem-quista. Desejada, Lúcia.
Ser tratada dessa forma, com tamanha devoção, como se eu fosse uma coisa
preciosa e rara, me deixa cada vez mais apaixonada por ele, mesmo que eu o
conheça há tão pouco tempo. — Fiz uma pausa. — Tenho desvendado mais e
mais dele nos momentos que estamos juntos, descobrindo o homem
maravilhoso que se esconde por trás da máscara e da dor da traição. Quando
ele sorri, Fernando me desnorteava.
— Exigente ele ainda é, mas Fernando está bem mais relaxado. Ainda
tem alguns problemas para dormir, anteontem mesmo acordou com o mesmo
pesadelo, mas pelo menos não passou por ele sozinho.
— Sobre isso…
Não tinha contado para ela sobre a investigação feita por Fernando,
não queria atormentá-la com esse assunto. Queria que a minha fala
convencesse não somente a senhorinha, mas a mim mesma. Custou-me muito
conter o calafrio que me varreu ao pensar no meu ex, mas não poderia deixar
meu receio aparente para ela nem para Martha. Isso não faria bem a ninguém.
Sem esperar resposta, dei alguns passos para trás e sentei em outra
pedra, para remover meus tênis.
— Pode ter certeza que não deixarei você se afogar — disse, quando
se aproximou de mim novamente, percorrendo cada centímetro do meu
corpo, fixando-se no meu biquíni vermelho intenso, pois a cor valorizava
ainda mais meu tom de pele. As peças não eram tão pequenas e cavadas, mas
seu olhar era de completa aprovação. E fome…Desci meu olhar por todo o
seu corpo e fixei na ereção que se formava na sua bermuda. Tinha sérias
dúvidas de que iríamos somente nadar…
Deixando todo os pudores de lado, levei minha mão até o cós do short
e desamarrei o cadarço, abaixando a peça, enquanto seu indicador e o médio
entravam e saiam de dentro de mim com ritmo e pressão, roçando levemente
no meu clitóris cada vez mais sensível pelo seu toque. Quando Fernando
aumentou a cadência, senti as minhas pernas ficarem mais fracas pela
avalanche de sensações que ele me proporcionava.
— Entre. Você sabe que não precisa bater, não mais — repreendi-a
suavemente ao voltar-me de frente para a porta. De fato, depois de ter-me
aberto para ela, não via a necessidade de formalidade entre nós, pois embora
fosse uma funcionária, ela era a minha menina. Completamente minha. E não
queria nenhuma barreira entre nós.
Porém, para minha surpresa quem entrou no meu escritório foi uma
senhorinha que fazia mais de um mês que não via. Fiquei paralisado ao
observá-la por alguns instantes. Vê-la novamente fez com que eu lembrasse,
instantaneamente, das palavras de Miranda quando a moça jogou na minha
cara que a mulher à minha frente, que estava de cabeça baixa, que sempre
procurou cuidar de mim, amava-me como um filho. Algo que tentei negar por
dizer a mim mesmo que sua lealdade era apenas pelo fato de ter sido uma
funcionária da mansão dos meus pais e depois por trabalhar para mim. Mas
agora, ao olhar para Lúcia, com um filme das suas ações para comigo
passando na minha cabeça, era como se a verdade desse um soco bem dado
na minha cara. Como um dia pude pensar que sua ternura, a voz doce e a
vontade de me agradar era apenas por ela ser uma funcionária que me viu
crescer? Um gosto amargo surgiu em minha boca ao pensar no quanto meu
cinismo poderia ter afastado a doce você, que sempre preocupou-se comigo.
— Senhor Matiazzi? — Tirou-me do transe dos meus pensamentos
com sua voz doce e, sem me dar conta, levantei-me da minha cadeira, dei a
volta na mesa, e fiquei de frente para ela.
— Olhe para mim, Lúcia. — Não sei por que pedi que fizesse isso,
mas meu coração, estranhamente, precisava ver a ternura em seus olhos,
confirmando tudo aquilo que sabia.
Como se tivesse dado permissão para tal, ela deu alguns passos e me
abraçou com seus membros finos e eu retribui, envolvendo-a, deixando que
suas lágrimas molhassem a minha camisa social. Não me importei nem um
pouco, pois seu gesto era quase que maternal, algo que não tive com minha
progenitora. E tive a confirmação de tudo que por muito tempo neguei.
— Meu menino, você não sabe o quanto eu fico feliz em ver você sem
essas odiosas máscaras. — Ergueu o rosto para fitar-me e levou a mão ao
meu ferimento, acariciando minha bochecha. — Pensei que, quando você
estava no hospital, inconsciente, seria a última vez que veria seu rosto, meu
Fernando.
— Sei que era apenas uma funcionária, que não tinha esse direito,
mas, contra todo o meu bom senso, quando correram boatos na mansão, antes
que todos nós, empregados, fôssemos alocados em outros locais, que não
havia ninguém com você, eu soube que tinha que te fazer companhia, pelo
menos, até que acordasse… Não suportaria pensar que deixei você, em algum
momento, desamparado, sozinho, quando mais precisava de alguém. Me
desculpe, Fernando, por me intrometer na sua vida. Por ter invadido seu
espaço, mas eu necessitava…
Sem deixar que ela falasse mais nada, a abracei com mais força,
sentindo quando uma lágrima escorreu pelos meus olhos e pingou no ombro
dela. Ao invés de me sentir zangado por ela ter me visto daquela maneira, eu
experimentava a sensação de ser amado pela senhorinha que cuidou de mim
desde que era pequeno. E ter consciência disso, fez com que eu chorasse
ainda mais nos seus braços, deixando todos os anos de solidão para trás. Eu
era amado… Alguém me amava, mesmo que fosse maternalmente.
— Fico feliz em ver que você está bem, Lúcia, e de volta. — Afastei
uma mecha dos seus cabelos do rosto.
— Eu não aguentava mais não fazer nada. Sempre fui muito ativa e
ficar de molho em casa foi um verdadeiro inferno. — Fez careta e eu ri da sua
expressão. — Ah, meu menino, como é bom ouvir sua risada novamente.
— Ah, Miranda me pediu para avisar que o seu almoço está pronto.
— Enrubesceu um pouco por ter esquecido do seu propósito. — A mesa já
está posta.
— Eu…
— Peça a Miranda para colocar mais dois pratos na mesa, por favor.
Um mês depois
Tinha que confessar que nem me lembrava da última vez que cheguei
a dormir na casa da Lúcia e Martha. Ia de vez enquanto, somente para pegar
outras peças de roupa, pois minhas noites sempre terminavam na cama e nos
braços de Fernando, o que era completamente delicioso. E não era apenas eu
que estava aproveitando esses momentos que passávamos juntos, pois o
homem que amava parecia cada vez mais relaxado ao meu lado, se abrindo
cada vez mais, contando-me coisas sobre ele, coisas boas e ruins. Meu
coração se apertava só de me recordar da infância solitária que ele teve, sem
o amor dos pais, embora cercado de todo o luxo e dinheiro, fazendo com que
jurasse para mim mesma que nunca faria isso com um filho, mesmo sabendo
que nunca seria como eles. Quando eu fosse mãe, me doaria por completo,
como a minha fez comigo.
Não precisou falar duas vezes e pude ouvir os passos de Lúcia, bem
como a sua voz falando ao telefone em um tom mais alto do que costumava.
— Eu…
Com uma ternura que não sabia que ele era possível de demonstrar,
Fernando ajudou-me a levantar, guiando-me até a pia para que eu me
limpasse, seus braços firmes me amparando a todo momento. Foi impossível
não me sentir quista e amada pelo seu gesto, por mais que achasse que não
tivessem esse significado. Ao passar-me uma toalha de papel para enxugar o
rosto, ouvi a voz de Lúcia.
— Okay.
Ele engoliu em seco e não disse mais nada. Porém, para minha
surpresa, Fernando sentou-se ao meu lado e ficou encarando o nada por
vários minutos, imerso em seus pensamentos que com certeza não eram
completamente bons, podia perceber em seu semblante. Apenas respeitei seu
silêncio e tateei a cama em busca da sua mão, entrelaçando nossos dedos, e
ele apertou com um pouco de força. Ficamos assim por um tempo, até que
ouvimos os passos de Lúcia pelo corredor, se aproximando.
— Vou atender e trazer ele até aqui. — A mulher mais velha saiu sem
dizer mais nada.
Não querendo ver nem sentir sua reação, desvencilhei meus dedos dos
do dele e encarei a senhorinha à minha frente, como se um chifre tivesse
nascido na sua cabeça. Instintivamente, abracei meus joelhos com a cabeça
para baixo. Não, aquilo não era possível.
— Entendo…
— Por que eu estaria? — Sua voz saiu suave, embora embargada pela
emoção.
— Sempre quis ter uma família, Miranda, talvez a maior dor não foi
aquela causada pela traição, mas sim, por ter tido esse sonho arrancado de
mim de forma cruel… — confessou com a voz embargada. — Me apavora a
simples ideia de deixar que a felicidade me controle completamente e perdê-
la logo depois.
Tomado pelas suas emoções, Fernando não disse mais nada, apenas
aproximou sua boca da minha em um beijo suave, delicado, deixando que
nossos sentimentos transbordassem em meio ao toque dos lábios, me dando a
certeza de que, independente do que acontecesse, tudo ficaria bem.
— Você não sabe o quanto odiei o homem que seria o pai dos seus
filhos quando você disse que passaria as receitas da sua mãe e avó para
eles… — sussurrou contra os meus lábios, depois que nossas bocas se
afastaram em busca de ar.
— Ciúmes? — Ri, roubando um selinho.
E foi com o corpo e a mente mais leve que deixei-me examinar depois
de alguns minutos pelo doutor Diego e, em seguida, fomos até a clínica que
tinha também um laboratório. Eu e Fernando estávamos agindo com uma
espécie de torpor que só seria quebrado pela certeza.
Capítulo Quarenta e um
Esse último pensamento fez com que meu coração saltasse como
nunca antes, um calor espalhando-se por todo o meu peito.
Amor.
Queria gritar ao mundo que eu seria pai e não via a hora de ficar a sós
com Miranda no meu chalé. De beijá-la, de tocá-la, acariciar sua barriga, e,
por fim, extravasar tudo que eu sentia.
— Hm…
— Confesso que não, doutor. Nunca tive essa experiência antes e nem
mesmo conheci pessoas que o tiveram, então não sei ao certo o que poderia
perguntar. — Fui sincero. — Mas estou disposto a aprender tudo que puder…
— Sorri por detrás da máscara, realmente estava disposto a saber tudo sobre
gestação, bebês e crianças para que eu fosse o melhor pai possível.
Mas, para minha surpresa, Miranda colou ainda mais as suas costas ao
meu peitoral e pousou sua mão sobre a minha, e aquele gesto foi mais do que
suficiente para que eu sentisse que, independente do que acontecesse,
protegeríamos essa criança, juntos.
Lar, eu queria dar um lar para o meu filho. E isso só seria possível
com a mãe dessa criança, a mulher pela qual, pouco a pouco, estava me
apaixonando, superando toda a mágoa e dor da traição.
Capítulo Quarenta e dois
— Somos tão gratos! Mesmo que essa criança não tenha sido
planejada, fico muito contente em poder contar com o seu apoio e o da sua
irmã durante a minha gestação, já que minha mãe não pode estar aqui —
completei. Uma lágrima teimosa rolou pelo meu rosto ao pensar que minha
mãezinha não acompanhará o processo nem verá meu bebê nascer.
Fiquei abraçada a Lúcia, deixando-me levar por suas palavras, até que
a buzina soou novamente, fazendo-a se afastar.
— Vou assim mesmo, não vou me trocar. Você vai ficar bem, minha
menina?
— Você não sabe o quanto estava doido para fazer isso — sussurrou
quando se aproximou de mim.
Sem esperar resposta, segurou meu rosto entre seus dedos e o puxou
de encontro ao seu, sua boca roçando na minha suavemente, com ternura,
logo obrigando-me a abrir os lábios para a sua língua. Envolvida pelo calor
proporcionado pelo seu beijo, senti quando uma das suas mãos desceu do
meu rosto e pousou na minha barriga. Como eu, ele não cansava de tocá-la, e
ao fitá-lo em meio ao nosso encontro de lábios, pude perceber sua devoção, a
fascinação que sentia por ser pai. E isso fez com que eu me entregasse ainda
mais a sensação proporcionada pelo contato, entregando-me completamente
para ele.
— Então não pense, deveríamos ter pedido para a Lúcia levar com
ela. — Beijou os meus lábios suavemente. — Vamos tomar banho?
— Então vamos.
Uma lágrima escorreu pelo rosto dele e pude ver o anseio em seu tom
de voz e em seus olhos.
— Eu preciso tanto dar a ele aquilo que não tive… E eu sinto dentro
de mim que preciso de você comigo. Podemos fazer isso dar certo… Eu…
— Fernando…
Senti os meus olhos cada vez mais úmidos, cada poro do meu corpo
reverberava de felicidade. Ele não tinha se declarado para mim, dizendo-me
que me amava ou falado palavras em vão, porém seu pedido era
completamente sincero e sabia o quanto exigia dele pedir algo assim, e isso
mexia completamente comigo. Não se tratava somente de uma coisa banal
para o homem à minha frente, mas um ato enorme de confiança depois da
traição que sofreu. Além de ser um anseio profundo do seu coração, algo
enraizado na sua alma…
Deus, como amava aquele homem.
Cadela desgraçada!
Ainda não podia acreditar que fazia pouco mais de meses que aquela
vagabunda tinha conseguido fugir de mim quando disse que iria trabalhar.
Deveria ter previsto isso e ter dado uma boa surra nela para ela se lembrar
com quem estava mexendo. Nossa vida estava ótima até ela encontrar aquele
emprego, se negando a abandoná-lo e viver como minha esposa. Mas não, ela
tinha que continuar dizendo que aquilo era um sonho, se recusando a
enxergar que não tinha futuro naquilo, que o cozinheiro chef, que tive o
desprazer de conhecer, não queria nada além de sexo com um rostinho bonito
e corpo perfeito. Podia ver claramente isso nos olhos do homem e dos
colegas de trabalho dela. Talvez fosse aquilo mesmo que aquela puta ingrata
queria, ao invés do amor puro que eu tinha para lhe oferecer.
O pior de tudo era que nem mesmo meu dinheiro e influência, tanto
da minha família quanto dentro da polícia, tinha sido o suficiente para
encontrá-la. Tentei mexer meus pauzinhos, porém não obtive sucesso, o que
me era bastante frustrante. Mas não importava quanto tempo eu demorasse a
encontrá-la, porque mais cedo ou mais tarde eu iria achá-la e a faria pagar por
isso, e me enterraria fundo naquela boceta, saciando meus desejos.
— Você tem sorte que paguei essa espelunca, já que nem é capaz de
satisfazer um homem…
Já estava no meu quarto copo de cerveja quando uma voz familiar que
não ouvia há muito tempo me cumprimentou.
— Diga — rosnei.
— Qual o seu preço? — Fui direto ao ponto, sabia que Maciel era um
viciado em jogo do bicho e com certeza o dinheiro seria para pagar algum
agiota.
— Dez mil. — Sua voz saiu mais do que contente, um sorriso torto
brincando em seus lábios.
Cerrei os dentes e sem dar tempo para ele falar qualquer coisa, o
empurrei contra a parede com força, pegando-o de surpresa.
— Desembucha logo.
— Ela está em Matias Barbosa — soltei o homem e me afastei. — Ela
foi morar com uma antiga vizinha dela nas proximidades. Tem meses que ela
está vivendo lá.
— Você acha que foi o único que comeu? — Riu enquanto saía
sangue do seu nariz, seu olhar era debochado, o que aumentou ainda mais
minha raiva.
— Então fale isso para o meu patrão, o monstro fodeu ela de tudo que
foi forma, até prenha ficou. — Gargalhou alto.
— Para me ajudar.
Capítulo Quarenta e quatro
A cada dia que passava ao lado daquele homem, mais eu tinha certeza
de que ele seria um pai maravilhoso e que seu amor seria incondicional. O
modo como ele buscava apreender tudo sobre o processo, além das várias
coisas que ele comprou no impulso pela internet, me diziam isso. Sorri ao me
lembrar da sua última aquisição, um móbile de berço musical com o tema
safari, algo completamente precipitado, já que não tínhamos o móvel para
colocá-lo, nem mesmo um quartinho, já que o arquiteto ainda estava fazendo
o projeto de expansão do chalé.
— Acho que é semana que vem. Tem que pagar uma taxa, mas dizem
que é com o tal Elliot Du… não sei dizer, mas parece que é muito bom. —
Abriu um sorriso.
— Esse mesmo.
Soltando o objeto que estava minha mão na pia, corri para ele, que me
amparou em seus braços, sentindo seu calor me envolver. Me aconcheguei
nele como uma gatinha manhosa.
— Estou cada vez mais apaixonada por você, Fernando. E sinto que
esse sentimento continuará crescendo dentro de mim, incontrolavelmente. —
Minha voz soou baixa. — O modo como você me trata, o amor que você
nutre pelo nosso filho, tudo isso faz com que eu me renda cada vez mais a
esse sentimento.
Respirando fundo, tentei pensar no curso que tinha pela frente. Seriam
oito horas bastante intensas e, segundo pesquisa que fiz na internet, o chef
apresentaria alguns truques e técnicas novas também, o que mais me
interessava. Porém, meus pensamentos foram completamente desviados para
o meu filho e Fernando, e instintivamente alisei minha barriga com uma
carícia suave. Estava tornando-se uma mania minha, uma a qual nem me
importava. Perdida em pensamentos, senti o carro parando e, para minha
surpresa, tínhamos passado da guarita e estávamos parados no acostamento
da Rodovia 040.
Quarenta e seis
Fernando
Um frio gelado percorreu a minha espinha enquanto eu via o carro se
afastar levando a mulher que eu gostava. Não tinha mentido para Miranda
quando disse que nutria sentimentos por ela. Poderia me enganar, dizendo
que era por que ela carregava uma parte de mim em seu ventre, porém seria
uma falácia. Eu a queria ao meu lado com todo o meu ser, mas nunca a
forçaria a retribuir isso, embora ela o fizesse de uma forma que me deixava
ainda mais arrebatado.
Não sabia o que eu tinha feito para merecer tal entrega, seus carinhos,
já que tinha sido rude e ignorante com ela, mas eu o recebia. Miranda fazia
com que cada vez mais eu me abrisse para ela, já não era mais capaz de
esconder nada dela, nem pensamentos, medos, até coisas sobre o trabalho e
do meu passado. E o que mais me surpreendia e assustava nisso, além do fato
de confiar nela para expor aquilo que na maioria das vezes guardava apenas
para mim, é que não queria que segredos se interpusessem sobre nós.
A saudade que sentia quando ela não estava por perto, o desejo que
me queimava todas as vezes que tocava o seu corpo e sua pele, a ânsia de tê-
la em meus braços, mesmo que apenas para segurá-la, a dor que sentia só de
pensar que eu poderia nunca mais vê-la ou perdê-la, era amor?
— A Miranda…
— Fique aqui. Vou pegar meu celular e ligar para o segurança para
ver o que está acontecendo.
— Okay.
— Ele deve ter substituído o que pedimos para que desse a senhorita
Batista. Tudo indica que nosso agente está envolvido nesse desaparecimento
— Tudo bem… — Acenei com a cabeça, não tinha forças para negar
isso às duas. Com certeza a irmã a acalmaria.
Ficamos esperando por um bom tempo até que uma Martha chorosa
tocou a campainha. A senhorinha atendeu-a e se abraçaram com força,
ficando assim por vários minutos. Quando se afastou da irmã, a mulher virou-
se para mim e acenou, me cumprimentando. Seu olhar não continha repulsa,
apenas dor por não ter notícias de Miranda. E, naquele momento, eu estava
pouco me importando com a minha aparência. A raiva que sentia pelo olhar
de pena que as pessoas me lançavam, não era nada perante a impotência. Os
minutos estavam se tornando horas.
— Já avisaram a polícia?
— Sim, senhor.
— Eles têm uma pista de onde Miranda pode estar e vou até o local.
Daqui a pouco, alguém da equipe de segurança virá para levar vocês para
casa, qualquer coisa, liguem para o meu secretário.
— Ora, ora, ora. — Enrolou os meus fios na sua mão e os puxou com
força quando ficou a minha frente, mantendo sua arma firme na outra,
trazendo o meu rosto junto ao seu. Tentei me desvencilhar do seu agarre
quando senti sua respiração sobre a minha pele, porém não consegui me
afastar com ele me segurando dessa forma. Uma náusea me assolou ainda
mais quando ele plantou um beijo na minha têmpora e inalou o meu perfume,
e instintivamente, com uma das pernas, tentei chutá-lo, e mesmo com os
movimentos limitados, consegui acertar de leve a sua canela. — Sua puta.
Guardando a arma nas costas, ele fez um sinal e pude ver Maciel sair
do canto em que estava e deixar o cômodo, fechando a porta do celeiro, e
postando-se do lado de fora. Não tinha me dado conta que o homem estava lá
esse tempo todo, pensei que depois de concluir seu “trabalho” ele fugiria.
Remexi na cadeira, mexendo meus punhos e pernas para ver se conseguia
desatar os nós que me prendiam, sem sucesso. Tentei gritar também, mas
meu som era abafado pelo tecido da amarra. Ao me dar conta de que ficaria a
sós com o homem à minha frente, cuja expressão era repleta de luxúria e
lasciva doentia, isso foi o suficiente para que todos os meus sentidos ficassem
em alerta, mesmo estando indefesa, amarrada daquela forma e ainda sob o
efeito do clorofórmio.
— Tive tanto medo pelo nosso filho, Fernando, quando ele apontou
aquela arma para mim — sussurrei. — Será que ele está bem? — Pousei
minha mão na barriga, entre nossos corpos, e um medo súbito me percorreu.
— Usei todos os contatos que tinha para tentar encontrá-la. Mas para
a nossa sorte, a família do seu ex é dona desse rancho e ele a trouxe para cá.
— Recebemos uma chamada que dizia que uma mulher grávida foi
feita refém, podemos examiná-la? — O médico chamou nossa atenção ao
aproximar de nós enquanto colocava as luvas.
— Eu queria fazer isso de outra forma, porém não posso mais esperar,
não depois de tudo o que ocorreu hoje. Não depois de sentir esse medo
descomunal que ainda me sufoca. — Tomou fôlego e tudo pareceu suspenso
dentro de mim, meu coração falhando uma batida. — Eu te amo, Miranda,
com tanta força que chega a doer, e não apenas por você me dar a coisa mais
preciosa que terei na vida, mas também por quem você é, por ter me tirado da
escuridão que eu vivia depois do incêndio. Por me mostrar, com sua meiguice
e ternura, que eu poderia me permitir sonhar outra vez. — Uma lágrima
escorreu pelo seu rosto, seus olhos repletos de amor. — Por me enxergar
além das cicatrizes físicas e emocionais, por me amar de volta quando eu fui
um ignorante egocêntrico. — Fez uma pausa. — Nunca pensei que poderia
amar alguém assim, que precisava tanto de você, mas tudo em mim, cada
pedacinho do meu corpo e da minha alma, necessita de você.
— Sim! Mil vezes, sim, meu amor. — Ficando nas pontas dos pés,
busquei seus lábios novamente e me entreguei a sensação de felicidade e
plenitude que me envolvia.
— Claro.
Fazia um pouco mais de dois meses desde o meu sequestro, que cada
vez mais caía no esquecimento, já que estávamos muito envolvidos
aproveitando cada minuto da minha gravidez, principalmente quando o
ultrassom revelou que seríamos pais de um menininho, que secretamente, eu
torcia para ser parecido com o pai, e com o trabalho e os preparativos para a
festa de casamento, que oficializaria a nossa união. Como minha mãe era uma
católica fervorosa, decidimos que faríamos uma pequena cerimônia para
algumas pessoas na Matriz de Nossa Você da Conceição, em Matias Barbosa.
Fernando não podia ver a hora de tornar-me completamente sua e, para ser
sincera, eu estava contando as horas para isso.
— Eles sempre estarão com você, não duvide disso. Mas agora
vamos, antes que o noivo destrua o assoalho de madeira do altar. Lúcia me
disse que ele está andando de um lado para o outro de ansiedade — gracejou,
fazendo-me rir um pouco. A senhorinha que nos uniu tinha ficado com
Fernando para ajudá-lo caso fosse necessário.
— Vamos.
— Não é todo dia que alguém que você ama se casa. — Riu, nervosa,
fazendo com que eu apertasse seus dedos com mais força.
— Era apenas uma estimativa. Não existe uma data certa. — Ouvi ela
gemer e quando fixei meu olhar em sua expressão um pouco franzida, uma
camada de suor frio banhou meu corpo. Droga, não era hora para isso. Assim
que a onda passou, ela sorriu. — Calma, Fernando, até parece que é você
quem está em trabalho de parto. — Riu do próprio comentário e eu fechei a
cara, fingindo que estava com raiva, apenas para sorrir depois.
— Não é nada…
— Certo.
— Claro.
Com o cenho franzido pelo esforço, Miranda fez o que ela pediu,
soltando um gritinho e aplicando mais força no seu movimento.
— A cabecinha já está saindo. Continue, Miranda, falta muito pouco.
Não demorou muito e uma voz infantil que eu tanto amava começou a
me chamar e eu senti meu coração ribombar no peito, não conseguindo conter
o sorriso no meu rosto.
— Sadades papai…
— Galinha pintadinha.
— Estou doido para ver, filho — dei um beijo no meu menino e outro
nos lábios de Fernando, depois que peguei tudo e tranquei o automóvel.
— Verdade.
— Pesente! — gritou.
— A cada dia que passa você me faz ainda mais feliz, sabia? — O
homem que eu amava sussurrou, ainda trêmulo. — Te amo.
Fim.
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Sinopse:
Pai, onde quer que você esteja, sei que estaria feliz por mais uma
história escrita.