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TECNICA DE REDACAO FORENSE Desembargador Alexandre Moreira Germano. (Dados Curriculares) Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Sao Paulo (Turma 1958/1959), foi publiitaro e jornalista profissional durante quinze anos; trabalhou na Assembléia Legislativa do Estado de S40 Paulo durante treze anos, incluindo assessoria na Comissao de Redagao. Ingressou na Magistratura em 1970 — fol Juiz em Guarulhos, Itararé, Sao Vicente @ na Capital Foi Juiz do antigo Primeiro Tribunal de Algada Civil de Sao Paulo de 1983 a 1992, ‘quando foi promovido a Desembargador. Integrou a Primeira Camara do Direito Privado do Tribunal de Justiga. Foi o fundador e diretor dos periédicos “Mineiréo" e “Paulistéo", quando Coordenador dos Gabinetes dos Desemoargadores (1995/2000), Foi membro da Comissao de Redagao do Tribunal de Justia Ha quinze anos vem proferindo palestras e ministrando cursos sobre redago juridica, linguagem forense e técnica de redacao, na Escola Paulista da Magistratura e no Gabinete dos Desembargadores, para Juizes, funcionarios do Tribunal e estagidrios. Escreve artigos sobre redagao no Informativo EPM e no Boletim “Paulista Gabinete dos Desembargadores. do “Procure sempre harmonizar pensamento, palavra @ a¢éo. Purifique seu pensamento e tudo estard hem. Nada mals potente que o pensamento. A ‘acdo segue o pensamento. O mundo é 0 resultado de um poderoso pensamento” (Gandhi) * Dedico este trabalho a minha esposa Themis. *Agradeco aos meus colaboradores ‘Ménica Damico, Sandro Maciel Carvalho, Heviim Vicente © Lourengo Gongalves Rebelo. Nota: Esta obra é registrada sob n° 362.491, no Livro 67, folha 151, no Ministério da Cultura (Escritério de Direitos Autorais) TECNICA DE REDAGAO FORENSE SUMARIO Introdugao Primeira Parte 1. Principios gerais de redacao |. Verdade Clareza Coeréncia |. Conc Corregao Preciséo ‘Simplicidade Conhecimento Dignidade A. 2. 3. 4. 5. 8. 7. 8. 3) 10. Criatividade ‘Segunda Parte 2. Questées espe 211. Citagao de leis, = Técnica de redacao forense 2.2. Tratamento formal 2.3, Malisculas, citagdes e formatacao 2.4, Normas da Corregedoria 2.5. Redagao de Atos Normativos 2.6. Emprego de Expressées Latinas Terceira Parte 3. Questoes praticas 3.4. Ablitz policial 3.2. Afothas, de folhas... 3.3. Amedida que. 344. Anivel de... 3.5. Apalavra “mesmo” 3.6. Absolutamente certo 3:7, Abuso de expresses 3.8. Acordo amigavel 3.9. Adjetivos 3.40. Advérbios 3.41. Alimentando 3.42. Ataque a bomba 3.43. Até porque 3.14. Atengdo na leitura 3.15. Através da janela... vejo 0 sol 3.46. Aviso aos passageiros 3.17. Bastantes problemas 3:18, Beca ou Toga? 3.19. Colocagao dos pronomes 3.20. Gom certeza, nao! 321. Concordancia verbal 322) Crase 3.23. "De modo que 3.24. Em busca da simplicidade 3.25. Dendincia de lide 3.26. Eles complicam 3.27. Em cores 3.28. E quando... . Revise de Portugt . Em face de ). Ementas | |. Ementas Il 9. Enquanto 3. Entre mim ¢ ti . Entrotanto 5. Erros e modismos . Este, esse, aquel Excegdo feita . Expressées da moda Formatacao |. Ganhado, ganho Gerindio . Gerundismos Ha tanto tempo atras. . Impropriedades . Improvisagao Inclusive... ndo! . Infinitive pessoal Linguagem forense ). Locugées verbais |. Masculino e feminine . Modismos. Nao confundir |. Nom café nem pao 5. Nimeros. . Onde (e quando) usar “onde © Viés autoritario . Opcao pelos fatos Os verbos do Juiz ). Palacio da Justica |. Palavrao 9. Palavras inutels Politicamente corroto 1. Pontuagio 5. Por conta de Prazo de dez (10) dias . Redundancias Regéncia verbal ). Regéncia verbal Il Registro de depol Risco de vida . Ritmo da frase |. Ruas e datas, ‘Sendo que... ndo existe! ‘Simplicidade Tributo ao jurista classico . Uso das abreviaturas Uso das maidsculas . Uso das minisculas . Uso das siglas . Uso dos Verbos . Uso dos Verbos -2 Uso dos Verbos - 3 5. Uso dos Verbos- 4 Uso dos Verbos - 5 Virgula Virgula antes do “e” TECNICA DE REDACAO FORENSE Introducao A redagao 6 um_instrumento de trabalho dos comunicadores em geral e, de modo especitico, dos operadores do direito (uizes, promotores, advogados, servidores da Justiga). A redagao técnica difere da Iterdria pelas suas finalidades e pela sua forma: "é uma comunicagao objetiva, obedecendo a uma padronizagao que faciita o trabalho © dé ao redator mais seguranca de sua eficiéncia. Caracteriza-se pelo texto em nivel culto, gramaticalmente correto, claro, objetivo e com vocabulario adequado & érea de atuacao" (Toledo, Marleine P.MF. & Nadéiskis, Héndricas, “Comunicagao Juridica’, Sugestées Literérias, 4°. ed., 2002, p. 119). Escrever bem, antes de ser uma arte, 6 uma técnica, que exige conhecimentos de {gramatica e estilo, mas se desenvolve e aperfeigoa com a pratica da redacao. Para isso, s30 necessérios recursos técnicos (escrever 0 que, para quem?), adquiridos com 0 constante ‘exercicio da reflexao, da leitura e do trabalho silencioso de escrever, sem medo de errar e sem preguiga de corrigir 0s erros e melhorar 0 texto. Durante 0s ultimos anos venho publicando notas @ artigos sobre questies de Portugués © de redagao, nos informativos “Paulistao” (do Gabinete de Trabalho dos Desembargadores) e InterAGAO (da Escola Paulista da Magistratura). Tenho proferdo palestras a novos juizes e ministrado aulas de redacao juridica e forense em faculdades e em cursos de preparacdo para concursos, Aos servideres do Tribunal de Justica, tenho ministrado inlimeros cursos de redagao. © resultado desse trabalho 6 reunido agora, neste volume, que contém os principals Pontos examinados por mim, com a participagéo dos meus leitores, alunos e dos servidores judiciirios, os quais sempre trazem questées novas (e as vezes dlimas solugdes), fenriquecendo a reflexao e o estudo de temas do vemnacula e da técnica de redagao. ‘Sao Paulo, setembro de 2006. Des. Alexandre Moreira Germano Primeira Parte Principios gerals de redacéo 1.1. Verdade Conhecereis a verdade e a verdade vos lbertars. (Jesus) ‘A boa redacdo deve necessatiamente respeitar a verdade. Falar a verdade e, mais ainda, registré-la por escrito & um dever ético, um ato de cidadania e de respeito aos direitos humanos, indispensdvel na convivéncia social. Por isso, 0 texlo escrito deve expressar onceltos que julgamos verdadeiros. A mentira, o subterfagio, o propésito de enganar nao podem fazer parte do nosso cédigo de conduta. Quem escreve deve ater-se a falos © realidades, nao podendo perder-se em fantasias, opinides pessoais ou divagagées. Falta credibilidade ao texto que néo seja verossimil, que contenha afimagies genéricas, por exemplo: “O Brasil é um pais atrasado, que nunca alcangara as grandes ages". Se 0 redator tivesse dados concretos (estatfsticas, niimeros), eventualmente poderia, desenvalver uma tese nasse sentido, mas ainda assim seria muito perigoso (do ponto de vista da credbilidade) fazer afirmagées (80 largas, que podem ser desmentidas por outras em sentido oposto. Entdo, em vez de “chutar” uma opinido dessas, sem fundamento, 6 de boa técnica redigir um texto mais contido, que se basele em dados concretos e comprovados (também nao adianta citar estatisticas a esmo, extraldas de fontes duvidasas ou até de noticiérios da imprensa, que podem pecar pela falta de rigor cientifico) Quando se trata de textos juridicos, ¢ imposigao legal que os fatos devem ser ‘expostos em julzo conforme a verdade; nao podem ser formuladas pretenses, nem alegada defesa, destituidas de fundamento (artigo 14 do Cédigo de Processo Civil); a lei pune o Itigante de ma-té, ou soja, aquele que alterar a vardade dos fatos (art. 17, Il do mesmo Cédigo). Ent&o, o primeiro dever do bom redator é procurar alcangar a verdade naquilo que escreve, evitando todo desvio de argumentagéo, sofismas ou imprecisées, que esvaziam 0 bom texto, 1.2. Clareza 0 fécil toma-se dif, gragas ao indi (sabedoria popular) © segundo principio da boa redago ¢ a clareza. Expressar o pensamento sem obscuridade 6 uma arte, que exige muito exercicio, até que o redator se acostume a escrever de forma simples, com frases curtas e objetivas, de facil compreensao para oleitor. Certa vez um julz escreveu na sentenga: *Relativamente aos depoimentos das testemunhas arroladas pelo requerido, s&o cheias de evasivas, excegdo fella a ex- ‘companheira, a qual afirma a existéncia de um imével que foi vendido e o valor rateado entre ambos, 0 mesmo ocorrendo com um veiculo entre ambos adquirido, anotando mais que haviam adotado um filho durante a vida em comum, sendo que o requeride nao pagava penséo para a crianga porque o pal, ao falecimento, deixou 9 mesmo como seu beneficiario, sendo que. © réu vem pagando um plano de satide" E dificil entender todas essas informagbes, misturadas numa Unica frase, que trata a0 mesmo tempo de testemunhas, ex-companheira, imével, veiculo, filho adotado, pensao, falecimento e (ufal) um plano de Saude. Ai esta um bom exercicio de redagéo: reescrever esse texto, tornando-o legivel e compreensivel. Ou, alternativamente, podem tentar aclarar este cconceito, expresso por um académico: “Direito, a0 meu ver, é 0 fendmeno social e 56 existe, pois a sociedade necessita do mesmo, Sem sociedade nao se teria direlto, pois o mesmo nao A apresentagao gréfica do texto 6 fundamental para a clareza. Com 0 uso do computador, é facil escolher 0 tipo e o tamanho das letras, que faciitem a leitura. Deve ser adotado um padrao de composigao (letras, margens, espages); nada de letras muito miidas, ou garrafais, nem de caracteres extravagantes, 1.3. Coeréncia Eu nao consigo entender sua logic (Caetano Veloso) Uma boa redagao deve ser coerente. A palavra “coeréncia’ (do latim “co-haerentia’, ligago, harmonia) indica a conexdo ou nexo entre os fatos, ou as idéias; l6gica, Ou seja: necessério ter um discurso légico, se possivel calcado no modelo do silogismo, pelo qual, postas duas premissas, segue-se uma conclusao. O importante nao se contradizer: uma vez adotada uma tese, ou escolhido um ponto de vista, cumpre desenvolver o raciocinio pertinente até o fim, usando argumentos bem encadeados. Incorreta uma sentenca, na qual o juiz considerou que 0s fatos ficaram provados, 0 réu era culpado, mas absolvet-o .. por falta de provas. Pura distragao, desatencao, descuido — ‘© que seja, mas a légica ndo pode ser sacrificada: € preciso observar sempre o antecedente para afirmar o consequente, Essa técnica se adquire com a prética e com a reflexdo: pensar antes de escrever; se necessario, redigir um resumo, um rascunho, ou simples notas que ajudarao a meméria (documentos, folhas dos autos, artigos da lel, precedentes da jurisprudéncia etc.). 0 computador é precioso auxiliar nessa tarefa, bastando que seu usuario saiba digit corretamente suas pesquisas Vale lembrar que 0 Cédigo de Pracesso Civil considera inepta a peticao inicial, entre outras hipdteses, quando “da narragao dos fatos nao decorrer logicamente a conclusao", ou quando “contiver pedidos incompativeis entre si" (incisos Il e lV do paragrafo tinico, do art 285). Dai a responsabilidade do advogado ao redigir a inical, sem dilvida a pega mals importante do proceso. E a prépria escalha do tipo de ago a ser ajuizada 6 tarefa das mais, rduas, que exige o maximo de culdados técnicos, bom senso e dligéncia, O mesmo ocorre ‘com o julz, que deverd abservar as requisitos essenciais da sentenga (art. 458 do CPC), 0 que. as vezes envolve questdes muito complexas, nas quals a légica e a clareza da expresso disputam, ao lado da verdade, a primazia da boa redacao. 1.4, Concisao A conciséo & a luxiria do pensamento. (Fernando Pessoa) A palavra CONCISAO, do latim concisione, indica 0 ato de cortar, de partir om pedacos: conciso significa cortado, curt, limitado No texto de Femando Pessoa, quer significar que a conciséo ¢ a riqueza (a beleza) 40 pensamento (\uxiria = exuberancia, superabundancia,vigo das flores). Escrover de forma concisa, ou escrever com conciséo, quer dizer ser objetivo, direto, nao repetiridéias ou palavras, ndo alongar o texto desnecessariamente. O jursta Moniz de ‘Aragao apontou o defelto da falta de objetvidade: A leltura de pecas forenses & desanimadora, Escritas om linguagem que boira 0 rdiculo pelo palavreado, falta-hes a limpidez necesséria a esclarecer as questoes submetidas a julgamento” ("0 Processo Civil no limiar do um novo século", in “Cidadania 0 Justiga’, Revista da AMB, n. 8, 2000, p. 58). Nosso Cédigo de Processo Civil & severo no polciamento da linguagem, reiterando proceitos tondentes a ovitar os abusos - art 282 (requisitos da patigao inital) - art. 302 ("na ontestagio, cabe ao réu manifesar-se precisamente sobre os fatos narrados na petiga0 inicia’) © assim por diante Nao seria necessario que a lel fzesse tals observagdes, se todos - advogados, promotores, juizes - cuidassem de escrever de forma concisa, apenas 0 necessério. A ctacao 4e autores, obras juridicas, textos loga's deve limitar-se ao essencia; intl transcrever matéria estranha, precedentes de jurisprudéncia repetidos, que nem sempre se aplcam com pertinéncia ao caso. Nos trabalhos académicos, sobreludo monografias, teses © dissertagies de pés- graduagéo, permite-se (as vezes até necessdrio) dasenvolver um poco mais o texto,

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