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Copyright © 2021 by SODRÉ

ILUSTRAÇÃO E DESIGN DE CAPA


Carmell Louize

PREPARAÇÃO DE TEXTO
Nathalia Brandão
Vitória Almeida

REVISÃO
Andréa Santos
Isabella Lazaroni
Ivan Souza
Jéssica Sampaio

DIAGRAMAÇÃO
Lara Design Editorial

[2021]
Todos os direitos reservados à SODRÉ || @horsinha
LEMBRE-SE DE NÓS, 1ª EDIÇÃO, EDITORA EUPHORIA, 2021
CNPJ: 39.317.627/0001-06
Contato: editoraeuphoria@gmail.com
Site: editoraeuphoria.com.br
Rio de Janeiro — RJ
Uma história de ficção que alcançou limites os quais eu nunca imaginei
serem possíveis. Serei eternamente grata a cada um de vocês, carinhas.
Muito obrigada, do fundo do meu coração, da minha mente para os braços
de vocês.

Espero que apreciem a leitura.

SODRÉ
Prólogo - Passado
05 de novembro, 2016 - DIAS ATUAIS
Capítulo 1 – Sonho Louco
Capítulo 2 – Encarando a realidade
Capítulo 3 - Egoísmo
Capítulo 4 - Carinha
Capítulo 5 - Diários
Capítulo 6 - Família
Capítulo 8 - Desejos
Passado – Camille Cruz
Capítulo 9 – Dor compartilhada
Capítulo 10 - Aniversário
Capítulo 11 - Recomeço
Capítulo 12 - Reconhecer
Capítulo 13 - Conexão
Capítulo 14 – Primeiro beijo
Capítulo 15 – Esperanças
Capítulo 16 – Lugar certo
Capítulo 17 - Familiar
Capítulo 18 – Um pedaço do seu coração
Capítulo 19 – Resposta óbvia
Capítulo 20 – Até quando resistir?
Capítulo 21 – Minha pessoa
Capítulo 22 – Dias melhores
Capítulo 23 – Tudo acontece por um motivo
Capítulo 24 – Cuidar dela
Capítulo 25 – Na alegria e na tristeza
Capítulo 26 – Feliz Natal
Capítulo 27 – O primeiro passo
Capítulo 28 – Ponto de paz
Capítulo 29 – O pedido dela
Capítulo 30 - Tudo
Capítulo 31 - Momentos
Capítulo 32 – Diversas sensações
Capítulo 33 – Uma lembrança
Capítulo 34 - Pronta
Capítulo 35 – Eu sou seu presente
Capítulo 36 – A escolha perfeita
Capítulo 37 – Gravidez dupla?
Capítulo 38 – Finalmente completas
Capítulo 39 – O grande dia
Capítulo 40 – Lembre-se de nós
Capítulo 41 – Esposa idiota
Agradecimentos
Prólogo - Passado
Se fosse possível adicionar ao dicionário uma nova definição para
idiota, eu, sem sombra de dúvidas, colocaria em letras garrafais o nome
daquela idiota: Luna.
Ou pode chamá-la apenas de “meu eterno carma”.
Você provavelmente deve estar se perguntando o motivo, certo?
É bem simples: eu odeio tudo nela e sobre ela. Desde seu jeito
arrogante de falar até o modo de andar como se fosse dona do mundo,
principalmente por achar que as pessoas caem de amores aos seus pés.
Porém, a razão maior é que essa garota sempre consegue encontrar um
jeito de atormentar minha vida. A qualquer lugar que vou, ela está lá. Às
vezes, parece que me persegue, e confesso que não ficaria surpresa se isso
fosse verdade.
Talvez essa idiota seja obcecada por mim.
Ela não deve ter nada da vida para fazer além de me perturbar. Isso
deve diverti-la muito, pois desde que a idiota entrou em minha vida, nunca
mais tive sossego. Todos os dias, na escola, parece um labirinto eterno,
porque sempre tem a maldita Luna no meu caminho.
Infelizmente, morar no mesmo lugar desde o meu nascimento fez
com que eu crescesse praticamente rodeada pelas mesmas pessoas. É como
entrar em um loop infinito: não importa aonde você vá, sempre terá um
conhecido seu.
Meus pais são do México, mas se mudaram para os Estados Unidos
antes mesmo de eu nascer. E para o meu azar, os pais da dita cuja tiveram
a brilhante ideia de fazer o mesmo quando Luna ainda era um bebê.
Diferente de mim, no entanto, ela não nasceu na Inglaterra, cidade natal
dos pais dela, e sim aqui mesmo, em Miami.
Tenho certeza de que, em breve, terei muitos cabelos brancos por
causa dessa pendeja.
— Eu gostaria de saber o que esse pobre taco te fez para ser
amassado com tanto ódio dessa forma — uma voz é ouvida de repente,
sendo seguida por alguns risinhos, mas meus olhos estão focados naquele
ser humano asqueroso rindo escandalosamente, cercado de seus amigos
idiotas. É incrível como ela consegue trazer o meu pior à tona, e não é
necessário muito esforço. Deve ser um dom me deixar irritada com
facilidade.
Solto uma lufada de ar e finalmente desvio meu olhar da idiota. Fito
o ser sentado a minha frente, encontrando minha irmã gêmea, Belinda. Ela
tem uma expressão divertida em seu rosto, tão idêntico ao meu, e parece
focar em algo. Resolvo olhar para o mesmo lugar e faço uma careta ao me
deparar com a bagunça que havia feito. Merda!
— Estragando comida outra vez, Lil[1] ? — dessa vez é a pessoa ao
meu lado, minha melhor amiga, Vanessa, quem diz alguma coisa.
Eu apenas reviro os olhos, ignorando-a, mas a careta em meu rosto
aumenta quando sinto meus dedos colarem. Excelente! Além de ficar sem
meu lanche, estou com as mãos sujas. E tudo isso é culpa de quem?
Daquela idiota dos infernos! Justo no dia que a cantina do colégio resolveu
colocar um pouco da culinária latina no cardápio.
— Luna trancou a Camille no vestiário — minha queridíssima irmã
resolve confidenciar a Vanessa sobre o infeliz incidente de mais cedo,
quando a digníssima resolveu que seria muito divertido me trancar dentro
do vestiário sozinha e com as luzes apagadas. Acabei me atrasando para a
aula de História, porque demorou um bom tempo até que alguém me
encontrasse lá dentro.
Eu seria capaz de matar aquela garota com minhas próprias mãos
lentamente. Da mesma forma que fiz com o meu lanche, poderia fazer no
pescoço dela. Não me importaria de sacrificar meu réu primário com um
homicídio.
— Quantas vezes ela fez isso durante essa semana mesmo?
Eu apenas ouvia as duas zombando e rindo, enquanto tentava tirar
aquela nojeira das minhas mãos e pensava em diversas maneiras de matar
Luna.
— Acho que foram sete.
— Na verdade, contando a de hoje, foram oito.
— Luna está se tornando especialista em prender nossa querida
Camille nos lugares.
— Pobre irmã, sempre na hora e no lugar errado — Belinda
respondeu, e isso fez com que as duas voltassem a gargalhar.
Eu não estava a fim de me irritar ainda mais, tinha estourado toda a
minha cota de estresse com a idiota. Hoje foi só mais um dos tantos dias
que ela infernizou minha vida. Não é algo fora do comum, para dizer a
verdade. Minha única salvação é saber que as férias de julho se aproximam
e, pelo menos durante algum tempo, ficarei longe dessa garota idiota.
— Vocês perceberam como o Noah parece ficar mais lindo a cada
dia?
Meu rosto se contorce automaticamente com o tom de voz adocicado
da minha melhor amiga ao dizer aquilo. Vanessa alimenta uma paixonite
pelo irmão da idiota há alguns anos, acho que uns quatro, para ser mais
exata. Não tenho nada contra o Noah, é um garoto legal, que só deu azar
de ser irmão da Luna. Não sei como ele suporta conviver com aquela
garota, deve ser horrível.
Mas, voltando ao assunto, tenho certeza de que ele desconfia da
paixonite de minha melhor amiga, porque Vanessa não consegue esconder a
cara de idiota toda vez que estamos no mesmo ambiente.
Noah sempre foi muito divertido e simpático, e pelo fato de que
todos se conhecem desde sempre nesse colégio, os dois estão em constante
contato. Ainda assim, minha amiga quase morre quando esse garoto se
aproxima dela.
Quando ele estava comprometido, eu entendia o silêncio de Vanessa,
mas agora que nada a impede, continua sofrendo calada, ao invés de
simplesmente se declarar. É melhor arriscar do que viver imaginando como
teria sido.
Sinceramente, não entendo o porquê de as pessoas ficarem agindo
de maneira tão idiota quando estão apaixonadas, acho uma besteira. Sendo
bem sincera, toda essa coisa de amor é palhaçada.
Por outro lado, minha irmã foi determinada a ir atrás do que queria:
ela namora Rodrigo, o brasileiro recém-chegado. Para dizer a verdade, não é
tão recente assim, faz três anos que se mudou e está aqui, no mesmo
colégio que todo mundo.
Belinda se interessou quase que instantaneamente, assim que o viu,
e não demorou muito para começar a puxar assunto, dizendo que adorava
seu sotaque, entre outras coisas que prefiro nem saber. Foi questão de
poucos meses para eles começarem a se envolver, e agora são um dos
casais mais melosos que conheço. Infelizmente. Eu quero morrer todas as
vezes que eles começam a se agarrar nos lugares. É constrangedor, e não
adianta nada reclamar, porque os dois continuam.
— Eu não entendo...
— Oh, meu Deus! Oh meu, Deus! — Vanessa corta minha fala,
completamente afobada. — Noah está vindo para cá. Ele está vindo mesmo.
Seu rosto estava completamente vermelho, e parecia prestes a entrar
em colapso.
Não pude evitar fazer caretas de desgosto. Como disse antes, as
pessoas agem de forma tão idiota quando estão apaixonadas...
Isso porque os dois cresceram juntos, imagine se ele fosse novo na
cidade, por exemplo. Vanessa é muito besta por esse garoto, não tenho
paciência.
— Pelo amor de Deus, Vanessa. Respire ao menos — peço, agoniada,
ao vê-la daquele jeito, e tudo somente porque o dito cujo está vindo em sua
direção. Será que ela irá morrer, caso ele sorria e a cumprimente como
sempre? Não é como se isso não acontecesse todos os dias.
— Ele é lindo demais, eu não consigo.
Já completamente sem paciência para aquela cena ridícula, apenas
reviro os olhos e a ignoro. Belinda é a única que tem paciência para lidar
com essa criatura surtando por causa de um garoto.
Coloco meus cotovelos sobre a mesa, apoio meu queixo sobre as
mãos, para observar as pessoas, e começo a ficar nervosa quando noto que
não apenas Noah está vindo em nossa direção, mas meu cunhado Rodrigo
também.
Era só o que faltava. Que delícia, estava precisando de uma vela aqui
mesmo!
Querendo me poupar de presenciar momentos constrangedores,
preparei-me para me levantar daquela mesa, mas fui impedida ao notar
uma presença repentina ao meu lado. Não precisava nem me esforçar para
saber quem era.
— Oi, Camies... Eu vim te fazer companhia, você sabe... pra que você
não fique sobrando — ela diz e abre um enorme sorriso, apontando com a
cabeça em direção aos pares ao nosso lado, que parecem bem entretidos
em alguma conversa idiota. — Muita gente gostaria de estar no seu lugar,
mas eu escolhi você. — E como sempre, esse ser precisa mesmo abrir a
maldita boca e cuspir esse monte de lixo sonoro em cima dos outros.
Luna não se conforma em ser desagradável, ela tem sempre que
piorar tudo. São por atitudes como essa que não consigo suportá-la. Queria
fazê-la sumir da face da terra. Ela precisa mesmo agir como se as pessoas
fossem cair aos seus pés, apenas por causa desse maldito sorriso e desses
olhos verdes?
— Ok, primeiramente você não me escolheu, porque eu nem sou
uma opção sua. Shh! — Faço sinal para ela se calar, antes que mais alguma
idiotice saia daquela boca. — Não sou e nunca vou ser, porque eu não
quero.
— Camies, você está muito estressada hoje. Que tal darmos uma
volta e deixarmos esses quatro sozinhos?
— Não vou a lugar algum com você. Nem ao menos te chamei para
vir até aqui. Ninguém chamou. — Cruzo os braços e a encaro com extremo
deboche, antes de completar: — E só para refrescar a sua memória: você
não faz meu tipo, pode tirar esse sorriso ridículo da cara.
Isso poderia abalar qualquer pessoa. Sim, qualquer uma, mas eu
sabia que ela nem daria importância. Não é a primeira vez que lhe dou um
fora, e Luna parece gostar disso.
Tento desviar meu olhar da idiota, mas me arrependo no momento
em que meus olhos pairam sobre minha irmã e meu cunhado aos beijos.
Eles nem se importam de estarmos no colégio ou com todas as pessoas ao
redor. Isso me deixa bem desconfortável, porque é muito constrangedor.
— Você sabe que eu faço o tipo de todo mundo.
— Felizmente, minha mãe sempre disse que não sou todo mundo. E
eu não poderia ser mais grata a ela por isso.
Olho para a idiota, que não parece nem um pouco abalada com os
meus foras e continua sustentando aquele sorriso ridículo em seu rosto.
Será que essa garota caiu de cabeça no chão logo depois que nasceu?
Porque nada pode explicar sua falta de noção para entender que não é
bem-vinda.
— Minha sogra gosta de mim, e você sabe disso — ela diz, com
aquele ar grotesco de arrogância, e, então, sinto um braço sobre meus
ombros.
Meu corpo todo estremece de raiva.
— Você está louca? Não toque em mim com esses dedos nojentos.
Não te dei permissão.
Sei que provavelmente estou fazendo uma cena absurda, mas não
poderia me importar menos. Luna não tem vergonha na cara, inferniza
minha vida em uma hora e na outra quer agir como se fôssemos próximas.
— Dedos nojentos? Você não diria isso se soubesse o que eles são
capazes de fazer.
Meus olhos quase saltam das órbitas e minhas bochechas ficam
doloridas na mesma hora. Com certeza, estou corada, desacreditada que
acabei de ouvir uma merda dessas. Realmente, Luna consegue se superar
todas as vezes.
— Você é asquerosa! — exclamo e rapidamente me levanto para me
afastar daquela criatura, antes que minha razão suma e acabe acontecendo
uma coisa da qual irei me arrepender depois. Provavelmente, eu iria agredi-
la ou algo parecido com isso.
Felizmente, consegui evitar aquela idiota pelo resto do dia, ou teria
cometido um crime de ódio direcionado. Não vejo a hora de estar de férias,
livre disso.

“Onde está aquela imbecil?” questiono a mim mesma, depois de mais


uma tentativa falha de me comunicar com minha melhor amiga. Não sei
para que uma pessoa tem celular se não atende quando alguém liga. Faz
uns vinte minutos que estou parada em frente ao colégio, esperando por
aquela idiota, e ela parece ter simplesmente sumido.
― Veja só o que temos aqui...
— Nem ferrando.
Fecho os olhos e respiro fundo, não acreditando que a vida está me
maltratando desse jeito. Hoje foi um péssimo dia mesmo, tenho certeza.
Deus me marcou quando eu nasci, para nunca me perder de vista, porque
as coisas que acontecem comigo não podem ser apenas coincidências.
— Sozinha aqui, gatinha? Sabia que é perigoso?
Mordo o lábio inferior com força, mas minha vontade é de virar e dar
um soco bem no nariz dessa escrota, para ver se aprende a ser gente.
Somente a presença dela me faz ter pensamentos horríveis, de tanto ódio
que sinto.
Coloco um sorriso irônico em meus lábios e me viro para ela, que
está gloriosamente sentada em sua moto, me encarando. — Moto ridícula e
barulhenta, igual à dona mesmo.
― Não é mais perigoso do que ficar perto de você por mais de três
segundos.
― Boa. — Ela riu, nem sequer dando importância ao meu
comentário. “Não seja idiota, rebata isso, anda!” digo a mim mesma. — Vem
comigo — ela diz, e eu arregalo os olhos ao vê-la pegar o capacete extra,
estendendo-o para mim. ― O que foi? Vou te levar em casa. Não vou te
deixar sozinha aqui.
― Nem fodendo. Não subo nessa coisa com você nem que me
paguem. ― Bato o pé e cruzo os braços, decidida a não ir a lugar nenhum
com esse ser. Prefiro ir a pé mesmo.
Luna bufa e fecha os olhos por alguns segundos. Parece estar
buscando paciência, contando até dez ou algo assim.
“Não busque paciência, idiota. Discuta comigo!” grito internamente.
― Não fala assim da Sky — finge estar ofendida e acaricia o tanque
da moto. Reviro os olhos. Quem dá nome à moto? Só essa idiota mesmo. ―
Vamos, Camies. É só uma carona, prometo ir devagar. Você não pode ficar
aí sozinha.
― Estou esperando a Vanessa.
― Ela já foi embora.
― E por que eu acreditaria em você?
Luna revira os olhos.
― Meu irmão a levou em casa. — Dá de ombros, como se não fosse
grande coisa.
Meu queixo caiu. Não acredito que aquela fingida não me avisou,
sendo que vamos embora juntas todos os dias.
― E, então, vamos? Sua casa é muito longe para você ir andando
sozinha a essa hora.
Eu sabia que, se não aceitasse a carona dela, provavelmente teria
que me aventurar andando ou ficar horas esperando um ônibus passar. E
odeio ficar zanzando sozinha por aqui. Que ótimo, vida, muito obrigada!
― Fazer o quê? Não tenho opção mesmo.
O sorriso vitorioso de Luna quase me faz desistir. Quase.
― Mas se você fizer qualquer gracinha, eu corto seus dedos fora,
entendeu? Eu juro que corto.
Ela faz uma expressão inocente e beija os dedos cruzados, como se
estivesse jurando que se comportaria. Só espero que se comporte mesmo!
— Se segura bem.
Se eu soubesse o real significado daquela última frase, teria desistido
de receber uma carona. Uma coisa é certa: nunca mais andarei nisso outra
vez.
Estou tremendo desde que Luna estacionou em frente à minha casa.
Meus braços ainda estão em volta de sua cintura, enquanto tento assimilar
que estou viva. Essa filha da puta me enganou. No começo, estava indo
devagar e, de repente, a rua virou um borrão diante dos meus olhos. O
barulho daquela moto era tudo o que eu ouvia, além do som do vento.
― Ah, qual é, Camies? Um pouco de adrenalina faz bem.
Minha consciência volta à realidade, aos poucos, e quando me dou
conta de como ainda estou, rapidamente solto sua cintura, internamente
pedindo para que minhas pernas não me abandonem e sustentem meu
peso.
Sua risada pode ser ouvida, e me dou conta de que ela parece estar
se divertindo com tudo isso. Uma verdadeira idiota!
― Vai se foder, idiota! — esbravejo, mas, como de costume, isso nem
parece abalá-la. Solto uma bufada impaciente e me viro para sair dali.
Preciso ficar o mais distante dela para não a matar. ― Espero que você sofra
um acidente no caminho de volta à sua casa.
― Sua mãe não te ensinou que não se deve desejar mal aos outros?
― Foda-se!
Ergo minha mão para cima e mostro meu dedo do meio a ela. Estarei
chegando à minha porta, em breve estarei longe daquela criatura.
― Camille? Camies?
Quero ignorá-la, mas a idiota parece disposta a continuar chamando
meu nome sem parar. Meus pais acabariam ouvindo e sairiam para verificar
o que estava acontecendo. Então, mesmo a contragosto, tenho que me virar
para ela outra vez.
― O que é, inferno?!
― Meu capacete, gatinha. Eu preciso dele.
Ela abre um sorriso idiotamente irônico e aponta em direção à minha
cabeça. Meu rosto quase se desfaz, tamanha a vergonha que estou sentindo
por não ter notado que ainda estava usando aquela coisa.
― Ah...
― Se quiser guardar como recordação para as próximas caronas,
tudo bem.
― Você quer? — Sorrio diabolicamente, enquanto estendo o capacete
e começo a caminhar em sua direção. Luna acena, concordando com a
cabeça, e espera eu chegar até ela. ― Todo seu.
Dessa vez, quem sorri de forma debochada sou eu, ao lançar o
capacete dela em direção ao chão, fazendo-o quicar duas vezes e rolar até
seus pés, deixando-a, aparentemente, incrédula. Isso me deixa
extremamente satisfeita. Uma pequena vingança pelo estresse de hoje.
― Porra, Camille. Você sabe quanto custa um desses? Se estiver
quebrado, farei você pagar por um novo!
Cruzo os braços, mantendo meu sorriso irônico, enquanto a observo
dar a volta na moto e agachar-se para pegar o capacete. Toma essa, sua
idiota.
― Coitada de você — desdenho, totalmente despreocupada. Muitas
pessoas costumam ter medo dela, mas eu, felizmente, não sou uma delas,
porque, apesar de me infernizar, sei que Luna não seria louca de fazer algo
sério contra mim.
Ela pega o capacete e começa a analisá-lo. A expressão em seu rosto
me satisfaz bastante, por saber que, de alguma forma, finalmente consegui
atingi-la.
― Inferno. Ele está todo arranhado e quebrou um pedaço da viseira.
Satisfeita?
― Você não faz ideia do quanto.
Luna bufa e, dessa vez, parece realmente irritada. Isso me alegra
ainda mais, sinto vontade de gargalhar por vê-la daquele jeito. Não é fácil
tirá-la do sério, e quando isso acontece, me deixa verdadeiramente feliz.
― Vai ter que pagar.
― Me obrigue!
Eu espero que ela rebata, me xingue ou surte, mas o sorriso que
cresce em seu rosto faz o meu morrer aos poucos.
Será que nada abala a estrutura dessa criatura? Não é possível.
Luna enfia um braço por dentro do capacete, para segurá-lo, e me
encara com um olhar esquisito. Não estou gostando nada disso...
― Eu já sei como você vai me pagar — seu tom de voz é estranho, e
me faz estremecer quando ela começa a ir em minha direção; eu,
rapidamente, recuo. ― Quero um beijo.
― Um beijo? — pergunto, apenas para confirmar que não estou
ouvindo coisas.
Luna rapidamente concorda com a cabeça ao parar a minha frente,
obrigando-me a olhar para cima e encarar seu rosto. Nossa diferença de
altura é notável quando ela fica próxima assim.
― Um beijo, de língua. Nada de beijos cinematográficos, sem
qualquer emoção verdadeira. Eu quero um de verdade.
Ela é realmente louca. Estou tendo a certeza desse fato nesse
momento.
“Tudo bem, idiota. Duas podem jogar esse jogo” penso.
― Você quer um beijo?
Luna confirma com a cabeça e dá duas batidinhas em seus lábios
com o dedo indicador, mostrando onde quer minha boca. Eu quase faço
uma careta, porém tenho uma ótima ideia.
― Então, ok, feche os olhos.
É explícita a surpresa em seu rosto, mas não demora muito a fazer o
que eu havia dito. Parece ansiosa para receber seu pagamento. Que
inocente, ela realmente pensa que irei beijá-la. Tenho de me controlar para
não dar gargalhadas quando começo a me afastar lentamente, até estar
distante o suficiente dela. Luna abre os olhos quando finalmente me escuta
rir e se dá conta da distância que estou.
― Você trapaceou!
― O mundo é dos espertos, idiota. Achou mesmo que eu queria te
beijar? Me poupe, se poupe, nos poupe.
Achei que dessa vez conseguiria tirá-la do sério, mas não, muito pelo
contrário. Fico indignada ao vê-la abrir um sorriso extremamente largo.
― Você me deve um encontro.
― Eu não te devo nada. Nunca vou te dar coisa alguma.
― Nunca diga nunca, Camies. — Ela acena com a mão direita para
mim e manda um beijo no ar, antes de se virar e voltar para sua moto.
Quando sobe no veículo, me olha e completa: ― Nós ainda iremos nos
casar, Camille. Espero que guarde bem na sua memória.
― Você enlouqueceu?
― Não esqueça. Temos um mês inteiro pela frente, e muitas coisas
podem acontecer.
Ela nem me dá a chance de rebater, apenas coloca o outro capacete
no compartimento de trás da moto e a liga. Tudo o que posso ouvir, em
seguida, é o barulho ensurdecedor daquela moto ridícula.
Entro em casa, cuspindo fogo. Odeio perder para aquela idiota. Quem
dá a última palavra sempre sou eu!
Não olho para os lados, só miro a escada para ir até meu quarto.
Preciso de um banho e cama. Talvez, depois, ligue para Vanessa e a xingue
de todos os palavrões possíveis por ter me deixado plantada na escola, sem
avisar que já havia ido embora.
Quando acabo de sair do banho e volto ao meu quarto para
descansar, lembro da idiota dizendo que iríamos nos casar.
― Eu nunca vou nem te beijar, Luna Jacobs. Quem dirá me casar
com você! — murmuro para mim mesma, antes de me jogar em minha
cama, soltando um gemido satisfatório ao sentir o cheiro gostoso que os
lençóis exalam. É sempre maravilhoso chegar em casa, tomar um banho e
me deitar.
Prefiro morrer solteira a me casar com aquela idiota.
― Está se dando bem com a Luna? ― Belinda surge, de repente,
invadindo meu quarto, sem me dar tempo de ter outra reação além de
susto.
Viro-me de barriga para cima e noto que ela está vestida com a
mesma roupa que estava usando na escola.
― Você estava em casa ou chegou agora?
― Estava em casa. Fui buscar Sofia na escola — explica e dá de
ombros, indo até minha cama para se sentar. ― E, então... estão se dando
bem?
― Você ainda pergunta? É óbvio que não. Eu a odeio.
― E por que deixou que ela a trouxesse em casa? — Ergue uma
sobrancelha, curiosa.
― Vanessa é uma imbecil, que saiu sem me avisar, e acabei tendo
que aceitar a carona daquela idiota. Longa história, e estou cansada agora.
Você pode me deixar sozinha?
― Claro! — concorda rapidamente e se levanta da cama, indo em
direção à porta. ― Fica de olho na Sofi, porque nossos pais vão chegar
tarde. Ela está dormindo, mas você sabe que não vai demorar muito para
acordar.
― Pode deixar.
― Ok. E Camille? Eu acho que você deveria tentar se dar bem com a
Luna.
― Você está louca? Por que eu faria essa idiotice?
― Lembra que o papai estava procurando alguém para ajudá-lo com
a estufa? Eu comentei que Luna gosta de hortas, e ele a convidou.
― O quê? Por que você fez isso?
“Vida, você me odeia?”, eu mentalmente indago.
― É isso mesmo, irmãzinha. Parece que o destino adora te juntar a
ela.
― Saia do meu quarto antes que eu mate você.
Belinda não responde mais nada e sai do meu quarto, gargalhando.
Estou chocada, para dizer a verdade, e muito, muito brava. Só pode
ser algum tipo de teste do universo comigo. Todas as pessoas estão fazendo
um complô contra mim, é a única explicação plausível.
Qual foi o pecado que eu cometi para ter Luna em minha vida?
05 de novembro, 2016 - DIAS ATUAIS
Minha cabeça está girando, quando tento abrir os olhos, e sinto
fisgadas dolorosas, as quais me fazem resmungar. Quando me viro na cama,
sinto meus músculos doerem, e minhas costas parecem arder por alguma
razão. Não sei dizer que horas são, nem se fiquei muito tempo dormindo,
porque tudo parece confuso. Se eu tivesse costume de beber, diria que
estou tendo uma amnésia alcoólica somada a uma ressaca infernal, mas
nunca fui de fazer isso. Porém, faz sentido eu ter dormido mal: tinha
acabado de receber a péssima notícia de que teria de lidar com aquela
idiota durante quase um mês.
Vai ser uma das piores férias da minha vida. Ou talvez a pior.
Tentando esquecer aquela imbecil ao menos um pouco, sabendo que
terei o desprazer de encontrá-la em breve na escola, faço menção de me
levantar da cama, porém sou impedida por alguma coisa que me segura
firmemente. Com a mente ainda confusa, cogito a possibilidade de ser Sofia,
porque sei que Belinda não está aqui. Ela nunca é silenciosa entrando nos
lugares. Então, consigo me soltar do braço em minha cintura, e meu
coração dispara ao me dar conta de que o tamanho era bem maior que o de
minha irmã mais nova.
“Oh, meu Deus! Alguém invadiu minha casa e abusou de mim
durante a noite”, penso, com pavor, e dou um salto da cama, quase caindo
no chão ao ter meus pés enroscados no cobertor. Meus olhos se fixam na
imagem de uma pessoa adormecida sobre meu colchão, e eu recuo,
implorando para que não tenha sido abusada de alguma forma. Então, a
pessoa se move na cama e começa a tatear o colchão. Isso me permite ter
uma visualização do que parecer ser... uma mulher?
― Mãe! Pai! Cadê vocês? Socorro!
Começo a chamar pelos meus pais, em desespero, tentando
encontrar a porta para fugir, mas não consigo encontrá-la. Onde está a
porta do meu quarto?
Rapidamente, começo a olhar em volta e quase sofro um ataque
cardíaco, ao me dar conta de que não faço ideia de que lugar é aquele. Um
medo, nunca sentido por mim, toma conta de todo o meu ser. Meu coração
acelera de maneira absurda, e começo a hiperventilar.
Fui sequestrada?
Onde estou?
Quem é essa mulher?
― Amor? — então, de repente, em meio ao meu surto, ouço a voz da
desconhecida. Não sei se quero encará-la, sinto que posso matá-la caso ela
se aproxime de mim. ― Por que está gritando e girando pelo quarto? Nossa,
parece que um caminhão me atropelou. Estou toda dolorida da noite de
ontem e com uma ressaca bizarra.
― Noite de ontem?
Pergunto-me, não sabendo dizer se falei muito alto ou apenas
sussurrei. Estou confusa, com medo e irritada. Vou perder o horário da aula
e não faço ideia de como me comunicar com os meus pais.
― Sim, a noite de ontem começou de uma forma, mas terminou de
maneira deliciosa. Volta para a cama, ainda temos tempo para mais uma
rodada. Você acabou comigo, mas eu aguento mais ― ela diz, com a voz
ainda grogue de sono, e solta uma risada que parece muito safada.
Meu estômago se embrulha de nojo. Eu acabei com ela noite
passada? Nem me lembro de ter aceitado vir para cá! Que droga essa
mulher me deu para me trazer até aqui? Fui dopada e abusada por uma
desconhecida.
Tomada pela raiva, resolvo finalmente enfrentá-la. Então, giro em
meus calcanhares, prestes a confrontá-la e talvez matá-la, exigindo que me
leve de volta à minha casa, onde eu poderia estar protegida e chamar a
polícia. Porém, toda a minha pose se desfaz, tomada pela confusão, quando
a reconheço:
― Luna? ― questiono, desacreditada, mas algo não está certo. Ela
parece diferente: seus cabelos não estão curtos, na verdade, parecem bem
longos e com a cor mudada, um tom bem mais claro que o usual. Luna
também tem alguns traços mais fortes e algumas coisas em seu rosto, as
quais parecem ser linhas expressivas que somente pessoas mais velhas têm.
Não faz sentido algum. Seria algum parente dela? Oh, Deus.
― Camille? Por que está me olhando com essa cara? ― ela
questiona, parecendo confusa.
Sua resposta me faz confirmar que realmente é a idiota que
atormenta a minha vida. Queria socá-la com toda a força que existe em
meu corpo, quebrar todos os seus dentes, para fazê-la aprender. Não
acredito que, dessa vez, essa garota foi longe demais. Com tudo isso em
mente, caminho energicamente em direção à cama, preparada para enchê-
la de porrada. Luna me encara, parecendo confusa, olhando-me como se eu
fosse louca ou algo assim. Ela não faz ideia do que sou capaz.
― Isso é algum tipo de piadinha imbecil? Está achando legal me
drogar, abusar de mim e me trazer para essa casa, que eu não faço ideia de
onde é?
― Camille, do que você está falando?
― Cala a boca, sua mentirosa!
Ela arregala os olhos com meu grito e parece assustada, quando me
vê com tanta raiva. Sem pensar duas vezes, dou um salto sobre a cama,
escalando o corpo dela, e a seguro pelos ombros, pressionando seu corpo
diversas vezes contra o colchão e tentando estapeá-la.
― Para com isso, Camille. Isso ainda é sobre aquela ruiva? Eu nem
sabia que ela estava dando em cima de mim. Para!
― Eu. Vou. Matar. Você!
Estou ofegando, e ela medindo forças comigo para que eu não
consiga acertar nem um tapa sequer. Isso me deixa com mais raiva ainda.
Depois de não sei quanto tempo, Luna inverte as posições e segura
meus pulsos sobre minha cabeça, com tanta rapidez que mal consigo reagir.
Minha cabeça gira um pouco mais, fazendo-me quase vomitar. Eu deveria
mesmo soltar tudo na cara daquela idiota, para que ela aprenda a não fazer
esse tipo de coisa com as pessoas.
― Eu acho que extrapolamos na noite passada. Não deveríamos ter
bebido tanto. Estávamos agitadas demais, por causa de tudo, acho que
passamos do ponto ― Luna diz isso com extrema calma, e eu diria que ela
parece até mesmo estar se divertindo com a situação.
Quão perturbada uma pessoa precisa ser para estar assim, depois de
dopar e sequestrar alguém?
― Passamos do ponto? Você me drogou, sua desgraçada, eu vou te
matar! ― esbravejo em seu rosto, e isso parece desconcertá-la. Esse
momento é raro, porque posso ver que realmente consegui mexer com ela.
Luna faz uma careta confusa e afrouxa um pouco o aperto em meus
pulsos. Isso me dá espaço para empurrá-la de cima de mim e conseguir sair
da cama. Nesse instante, me dou conta de que estou sem roupas,
completamente nua, e meu rosto esquenta de vergonha.
Será que nós duas fizemos...?
― Você está zoando com a minha cara, Camille? ― Luna começa a
falar com seu sotaque acentuado. Isso acontece quando ela está com o
humor oscilando. Na escola, sempre acontecia quando ficava brava demais.
Era impossível não notar quão britânica ela poderia ser. Porém, eu deveria
estar assim, não essa idiota sequestradora de meninas inocentes.
― Brincando com você? Eu estou aqui, nessa casa, que não faço
ideia de quem seja ou onde seja, e você acha que estou brincando?
― Como assim você não faz ideia de onde seja a nossa casa?
― Nossa? Você ficou louca? Eu quero a minha casa, vou ligar para os
meus pais. Prepare-se, porque nem sua família de advogados vai te salvar
da prisão.
― Primeiro de tudo: você está na sua casa. Não tem motivo algum
para ligar para os meus sogros, pensei que estávamos bem. Segundo: que
conversa é essa de drogas? Está querendo dizer que te forcei a beber
ontem? Porque você é adulta, Camille, não posso te proibir de nada.
― Do que você está falando, porra?
Tento interrompê-la, mas ela parece disposta a falar sem parar, e
continua:
― Você ligou para os seus pais? Eu não acredito que teremos outra
discussão sobre isso. Essa é sua casa também, construímos juntas. Pensei
que tínhamos nos acertado.
Ela está louca. Eu preciso sair daqui, antes que vire sua prisioneira!
― Não sei que tipo de entorpecente está usando, mas não construí
nada com você. Só quero a minha casa, minha vida e que você fique o mais
longe possível.
― Por que está tentando me machucar dizendo essas coisas? Foi só
uma briga idiota. Você me disse que passaríamos por tudo juntas.
― Você é lenta, garota? Eu nem te vi ontem, depois daquela carona.
Sabia que não devia ter aceitado aquilo.
― Carona? Do que está falando? ― ela questiona, parecendo
confusa, e eu, sem nenhuma paciência, me canso de toda essa merda.
Olho em volta para encontrar minhas roupas, mas não vejo nada que
poderia vestir. Quando olho na direção daquela idiota e percebo que está
indo na minha, não penso duas vezes antes de abrir a porta e sair dali.
Ouço-a me chamar, mas finjo não ouvir. Preciso descobrir uma maneira de
sair desse lugar. Estou em um corredor com três portas, duas de um lado e
uma solitária do outro. Ao longe, vejo algo que parecem escadas e
rapidamente faço menção de caminhar até lá, mas sou impedida por uma
mão firme em meu pulso esquerdo.
― Solta meu braço agora! ― ordeno, entre dentes, sentindo que
poderia agredi-la sem qualquer dificuldade, caso ela não me ouvisse, mas
felizmente, dessa vez teve decência de fazer o que mandei. Diria outras
coisas, mas sou impedida ao ouvir o som de uma porta se abrindo no andar
de baixo e, então, passos apressados na escada.
― Mamãe!
Se eu estivesse em um desenho animado, esse seria o momento
exato em que minha alma sairia correndo do corpo.
Olho para baixo, em desespero, sabendo que estou completamente
nua, e agora os prováveis donos da casa chegaram e me verão assim. Tento
me virar para voltar ao quarto e pegar algum lençol, mas um tecido felpudo
envolve meu corpo, e noto que Luna havia coberto meus ombros com um
roupão vermelho.
― Não acho que sua nudez seja algo traumatizante, mas não é
correto nosso filho te ver assim. — Eu acho que abri tanto a boca, ao ouvi-la
dizer aquilo de maneira tão natural, que quase desloquei a mandíbula.
Como assim “nosso filho”? Do que essa louca está falando? ― Carinha!
― Mãe!
Completamente estarrecida com toda a situação, viro-me para olhar
aquela cena em que uma Luna, devidamente vestida, também, com um
roupão, só que na cor preta, ajoelha-se para cumprimentar um belo garoto
de cabelos longos. Ele parece bastante animado ao vê-la, mas eu ouvi
“mãe”? Será que ouvi certo?
― Seu parente? ― finalmente consigo perguntar quando reencontro
a minha voz.
Os dois fazem um toque ensaiado com as mãos e logo voltam suas
atenções para mim. Eu continuo paralisada no mesmo lugar, tentando me
lembrar de onde conheço essa criança. Vendo-o de relance, ele se parece
com Luna.
― Como assim “seu parente”, mamãe? Eu só fiquei um dia fora, não
mudei nada.
― Mamãe? Eu... Mamãe?
Sinto o mundo à minha volta girar completamente, ao ouvir aquilo, e
preciso me recostar na parede atrás de mim. Meu coração acelera no peito
e parece que o ar começa a me faltar. Estou tendo um colapso nervoso, é
real. Ouço vozes ao longe, mas não sei dizer ao certo se realmente estou
ouvindo coisas, porque a última coisa de que me lembro é de sentir alguém
me segurar, antes de cair no chão.
O resto é um borrão.
Capítulo 1 – Sonho Louco
Quando acordo outra vez, parece que os sintomas anteriores
deixaram de existir momentaneamente, mas ainda estou me sentindo
enjoada. Meu corpo parece pesado e me sinto bem indisposta, como se
tivesse contraído alguma virose. Porém, nada disso faz sentido quando me
lembro de ter ido dormir bem.
Por Deus! Que sonho foi aquele?
Em toda a minha vida, tive alguns sonhos realmente esquisitos, como
na vez que eu era uma panda com chifre de unicórnio e uma bunda
gigantesca. Sim, eu sonhei com isso. Não me lembro muito desse sonho em
questão, mas o de ontem está bem vívido em minha mente. Isso me
apavora, porque imaginar aquela situação me dá calafrios.
Suspiro longamente e abro os olhos, me arrependendo na mesma
hora quando uma luz me incomoda, me fazendo fechá-los outra vez.
Bendita Belinda, tenho certeza de que foi ela quem abriu a cortina do meu
quarto. Me resolverei com aquela idiota quando conseguir me levantar da
cama. Depois de algum tempo, finalmente, consigo sair do colchão e
caminho até o banheiro.
Que horas são agora?
Retiro minhas roupas e rapidamente abro o blindex. Estranho, meu
banheiro parece maior ― penso comigo mesma, olhando, sem reparar muita
coisa à minha volta, e não noto tanta diferença. Mas algo está parecendo
fora do lugar, só não percebi ainda o que pode ser. Talvez minha querida
gêmea tenha mexido nas minhas coisas outra vez. Não seria a primeira, e
tenho certeza de que não será a última. Quando a água bate contra o meu
corpo, solto um gemido satisfatório. Nada melhor para relaxar os músculos
que um banho quente. De olhos fechados, estico minha mão para buscar
pelo meu sabonete, mas não o encontro no lugar de sempre e, então, abro
os olhos, surpreendendo-me ao não ver minha prateleira. Na verdade,
quando me viro, sou surpreendida por cinco prateleiras de vidro repletas de
produtos que não faço ideia de onde vieram.
Será que meu pai andou fazendo as reformas dele por aqui e eu não
notei?
Disposta a continuar meu banho e depois ir atrás dele para
questioná-lo, ignoro tudo aquilo e pego um dos frascos de sabonete líquido
que ali estava. Coloco uma quantidade generosa de sabão em minha mão e
desligo o chuveiro para espalhar em meu corpo. Como de costume, começo
pela barriga, partindo dali para outras partes do meu corpo. Estou distraída,
me esfregando, quando noto uma coisa que quase me faz soltar um grito de
pavor.
Olho para baixo, querendo confirmar com os olhos o que minhas
mãos acabaram de sentir, e realmente tenho a resposta que procurava. Que
merda está acontecendo?
― Eu estou sonhando ainda. Isso só pode ser coisa da minha cabeça.
Chocada, continuo olhando fixamente para o par de peitos enormes
que ostento nesse momento. Bom, eles não são realmente enormes, mas
em comparação aos meus, qualquer um pode ser considerado gigante.
Dou de ombros e continuo meu banho. Em algum momento irei
acordar, mas não custa nada aproveitar, certo?
Errado.
Sem poder me conter, aperto meus novos peitos e, quando estou
prestes a gemer, ouço a porta do banheiro ser aberta. Por instinto, solto os
meus peitos falsos e me viro para descobrir quem invadiu minha
privacidade. Incredulidade não é o suficiente para descrever como estou me
sentindo agora, ao me deparar com a maior idiota de todas.
Será possível que nem nos meus sonhos eu posso ficar em paz?
― Está melhor?
― Luna! Que porra você está fazendo aqui? Eu estou nua, será que
não percebeu? Some daqui!
Ela me olha como se eu fosse louca. Há algo estranho em seu olhar
que, de certa forma, me incomoda, mas por que eu deveria me importar?
Eu a odeio, ela está me cercando de todas as formas. Isso é tudo culpa da
Belinda, por ter me dito que eu teria de ver essa idiota durante minhas
férias todos os dias. Enquanto aquela imbecil continua me olhando, lembro-
me de que estou sem roupas na frente dela e rapidamente começo a tentar
me cobrir da melhor maneira possível. Sinto vontade de xingá-la, porém
estou morrendo de vergonha.
― Tudo bem, eu só vou deixar suas roupas aqui. Nós precisamos
conversar.
Derrotada ― e eu diria que até um pouco raivosa ―, ela se vira e sai
do banheiro antes que eu possa respondê-la. Não tenho absolutamente
nada para conversar com aquela esquisita. Eu espero acordar em breve,
para poder xingá-la na vida real por ser uma idiota até mesmo no mundo da
fantasia. Por qual razão estou sonhando com essa garota mesmo?
Mesmo achando tudo aquilo muito estranho e sem entender ao certo
o motivo de ainda estar presa nesse sonho estranho, ao invés de
simplesmente acordar, eu volto ao meu banho. Mas dessa vez não quero
correr o risco de me tocar e, outra vez, ter a presença indesejada daquela
garota. Eu farei isso quando tiver privacidade o suficiente.
Quando termino de me lavar, sinto-me muito mais relaxada. E,
enquanto me seco, olho em direção à bancada, onde a idiota deixou um par
de roupas limpas. Que curioso, nem minha mãe separa minhas roupas para
eu vestir. Essa garota consegue se superar nas esquisitices cada vez mais, e
estou começando a ficar verdadeiramente preocupada com a sanidade dela.
Será que devo ligar para a polícia?
Meu rosto esquenta quando me dou conta do tamanho minúsculo da
calcinha que terei de vestir, e me pergunto se essa lingerie é minha mesmo
ou se a louca comprou para que eu vista. Vou matá-la, se descobrir que
tudo isso é um plano seu para me ver usando essas coisas.
Ignorando a razão e disposta a confrontá-la e, finalmente, me livrar
desse cativeiro, termino de me vestir e a procuro. Olhando brevemente em
volta, me dou conta de que estou naquele mesmo quarto. Então, sim, ainda
estou sonhando.
Será que isso é mesmo um sonho ou Luna realmente me sequestrou?
Eu preciso ir embora. Tenho de enfrentar a psicopata outra vez e
exigir que ela me leve embora daqui. Meus pais devem estar desesperados.
Quando, enfim, saio do quarto, percebo que agora a casa está
silenciosa. Tanto silêncio me deixa desconfortável, pensando que aquela
maluca pode sair de qualquer lugar e me agarrar. Reparando à minha volta,
pergunto-me quem deve ser o dono ou dona dessa casa. Será que Luna
matou os antigos donos e agora tomamos o lugar deles?
Tem algumas fotos pelas paredes, e noto que, por algum motivo, eles
parecem conhecidos, mesmo que eu nunca os tenha visto em minha vida.
Uma das pessoas na foto chama minha atenção pela incrível semelhança
com minha melhor amiga, Vanessa.
BigBig[2] sempre pareceu ter mais idade do que ela realmente tinha,
mas agora parece demais. Será que é a tia Ana? Pode ser uma das irmãs
dela também, aquela família é enorme.
Dou de ombros e continuo analisando, então um homem me chama
atenção pela incrível semelhança com o irmão da Luna. Porém, Noah não
tem barba, muito menos é tão musculoso assim. Ele está com dois meninos
sobre seus ombros. Um parece muito a criança que apareceu aqui mais
cedo, e o outro me parece conhecido, mas não faço ideia de quem seja.
Que porra de lugar é esse?
Tentando buscar uma explicação para tudo aquilo que está à minha
frente e acontecendo à minha volta, sinto meu coração quase parar ao
reconhecer uma menina. Mulher, na verdade. Não poderia ser outra pessoa,
eu reconheceria minha irmã mais nova em qualquer lugar nesse mundo.
Seus olhos pretos, como a noite, são inconfundíveis. Mas como ela parece
tão mais velha? Sofia tem somente cinco anos.
Quem é essa cópia mais velha da minha irmã mais nova?
Estou realmente assustada agora. Se isso for um sonho, eu preciso
acordar. Será que fiquei presa em algum tipo de universo paralelo e agora
não consigo voltar? Nunca mais terei minha vida de volta? Estarei para
sempre presa nesse lugar com aquela psicopata?
— Você prometeu que iria comigo ver as coisas do Toni. — Ouço uma
voz grossa no andar de baixo e sinto que essa é minha chance de escapar
daqui. — Não pode furar comigo, você sabe que minha mulher vai me matar
se eu não escolher coisas decentes.
Espera, esse é o Noah? Meu Deus! Essa é mesmo a minha chance de
ser salva!
Ao chegar, finalmente, ao andar de baixo e encontrar Luna em frente
a um homem alto, de costas, que parece estar esperando uma resposta
dela, fico confusa. Eu sei que é a voz do Noah, mas aquele cara parado ali
não se parece em nada com o garoto do ensino médio de que me lembro.
— Noah? — chamo, curiosa e incerta sobre realmente ser ele ou não,
e quando ele se vira para mim, o mundo fica invertido na mesma hora.
― Cunhadinha, boa tarde.
Ele vem em minha direção e me puxa para um abraço apertado com
aqueles braços musculosos. Não retribuo, por estar assustada demais para
ter alguma reação. Ele não parece se importar, porque continua sorrindo
quando volta a se afastar de mim.
― Será que você pode convencer a sua esposinha querida a me
ajudar com a compra dos móveis para o quarto novo do Toni? O afilhado de
vocês e minha mulher irão agradecer se formos logo. Principalmente ela.
Queremos nossa privacidade de volta.
Mas de que merda ele está falando? Esposa? Minha esposa? Esposa
dele? Quando ele se casou? Quando me tornei madrinha de alguma criança?
Desde quando Noah tem barba?
— Que porra de brincadeira idiota é essa? — esbravejo, fazendo-o
saltar e me olhar, sem entender. Ouço Luna suspirar de maneira pesada,
mas estou ocupada demais, tentando entender que porra de universo
paralelo é esse. Esse é o sonho mais bizarro que já tive. Será que eu vou
conseguir acordar logo? Ou estou mesmo presa em outro mundo?
― Era isso que eu estava tentando te contar, irmão − Luna se
pronuncia, e eu a fito na hora. Parecia perdida, encarando-me de forma
desanimada e confusa. Isso me irrita ainda mais. ― Camille não está se
sentindo bem hoje. Acordou estranha, e eu não sei o que aconteceu.
― O que aconteceu?! Sua idiota, você me sequestrou e me drogou!
Foi isso que aconteceu! Eu vou te matar!
Tento avançar para cima dela, que se encolhe, surpresa com minha
agressividade, mas sinto braços firmes em minha cintura. Noah está me
impedindo de matar a irmã dele, e ela tem sorte de ele estar aqui. Seus
olhos verdes demonstram terror, e é bom mesmo que ela esteja com medo,
porque dessa vez eu sinto que posso realmente matá-la.
― O que aconteceu? Como assim a Luna te drogou e te sequestrou?
— Noah parecia tão confuso quanto a imbecil. Eu só queria entender qual
era o problema deles dois. — Camille, por que ela faria isso com a própria
esposa? Isso é algum tipo de fetiche sexual? Estão encenando ou algo
assim?
Noah soa brincalhão, divertindo-se com toda aquela situação. Eu
queria poder estar da mesma forma, mas tudo isso está me assustando.
Luna nega com a cabeça, encolhendo os ombros, sem nem esboçar um
sorriso. Não é possível que todos à minha volta estejam ficando loucos ou a
louca possa ser eu mesma.
― Você também está brincando comigo? Desde quando sou casada
com aquela idiota ali? Eu a odeio!
Solto-me dele, completamente revoltada, nem sequer me importando
com a expressão aparentemente magoada de Luna. Por que eles estão
fazendo essa babaquice comigo? Eu só quero a minha casa, minha vida
longe dessa psicopata.
Noah olha para a irmã dele e depois para mim, fazendo esse mesmo
gesto duas vezes, dessa vez parecendo realmente confuso com tudo o que
está acontecendo. Ele se aproxima de mim novamente, e o observo pegar
minha mão esquerda e erguê-la na altura de nossos rostos, deixando visível
a chamativa aliança em meu dedo anelar.
Mas como é que...?
― Eu não faço ideia do que está acontecendo, mas vocês duas estão
casadas há anos. Você disse sim milhares de vezes.
Ele diz, como se fosse óbvio, e meu estômago embrulha na hora.
Sinto que vou pôr tudo para fora e me afasto dele, mas ao invés de vomitar,
eu apenas apago outra vez, porque tudo fica escuro. É como cair no sono
repentinamente.
Lá vamos nós de novo.

Ouço um monte de vozes e não consigo identificar nenhuma.


Por que meu corpo parece pesar uma tonelada? Onde estou?
— Camille? Você pode me ouvir?
Eu abro meus olhos e pisco algumas vezes, para que minha visão se
acostume à claridade. Tento focar em alguma coisa e, em questão de
segundos, percebo que à minha frente tem um homem vestido de jaleco
branco. Será que me levaram para o hospital?
— Onde eu... — Sinto minha garganta doer e solto um pigarro,
ajeitando-me melhor na cama. — Onde eu estou?
— Você está no hospital — o médico responde, abrindo um enorme
sorriso. Ele é bonito, posso confirmar isso ao reparar melhor em seu rosto.
Porém, o ponto não é esse, quero saber se finalmente acordei daquele
pesadelo. — Eu sou o Dr. Charlie, ainda bem que você acordou. Sua esposa
não para de perguntar por você — ele me informou, e eu travei meus
dentes, soltando uma lufada de ar pelas narinas. Será que até ele vai ficar
com essa ideia de esposa? Mas que inferno, pensei que finalmente tinha me
livrado.
— Eu não tenho esposa nenhuma. Não tenho nem idade para me
casar. Nem cursei minha faculdade ainda. Além disso, nem sei se quero me
casar algum dia.
O Dr. Charlie me olhou, confuso, leu algo na prancheta em suas mãos
e depois foi para perto de mim. Ele começou a medir minha temperatura
com uma mão, enquanto eu estava tentando entender tudo aquilo.
— Você está sentindo algo diferente?
— Não.
— Camille, me diz uma coisa... qual é a última coisa de que você se
lembra?
— Como assim? Quando eu acordei?
— Não, antes disso. Do que se lembra?
— Lembro-me de que fui me deitar, porque estava cansada e muito
irritada, pois teria que conviver minhas férias com uma louca que eu odeio.
Então, acordei e estava presa em um lugar paralelo, onde as pessoas
parecem mais velhas e insistem em dizer que estou casada com aquela
psicopata — falo tudo, quase sem respirar, resumindo ao máximo toda a
loucura que está acontecendo. Esse, definitivamente, é o dia mais louco da
minha vida. Eu só quero ir para casa, quero meus pais, minhas irmãs
chatas. Nunca mais vou reclamar de nada, só quero tudo de volta no
mesmo lugar.
― Okay... — Dr. Charlie anota algo em sua prancheta e depois se
levanta. ― Eu vou chamar sua esposa e seus pais, acho que precisamos ter
uma conversa.
Eu o responderia outra vez que não sou casada com ninguém, mas
ao ouvi-lo mencionar meus pais, fico animada. Finalmente, serei salva desse
labirinto. Estou ansiosa para voltar à minha casa.
Dr. Charlie abre a porta e chama tanto meus pais quanto a psicopata.
Primeiro, quem entra é Luna, e ela sorri, sem jeito. Fecho a cara na mesma
hora. Depois é a vez da minha... mãe? Por que a senhora parece tão velha?
― Mãe?! ― questiono, horrorizada ao vê-la tão envelhecida. Seus
cabelos estão com um tom bem mais escuro de loiro do qual me lembro. É
claro que ela pode ter pintado, mas nada explica as marcas de idade em seu
rosto. Não a impeço de me abraçar, mesmo estando confusa, e quando olho
por cima de seu ombro, tenho outro choque ao ver meu pai.
Desde quando o senhor Javier é grisalho?
― Mi hija, que bom te ver acordada. Você nos deu um baita susto,
sabia? Quando Luna me ligou, dizendo o que aconteceu, nós ficamos
desesperados. Ela parecia realmente preocupada e sem saber o que fazer.
Minha mãe segura meu rosto em suas mãos, enquanto seus olhos
brilhavam por trás dos óculos de grau ― outra coisa que ela nunca usou
antes. Porém, apesar de tudo, os dois parecem felizes ao me ver. Meu
coração, finalmente, encontra um pouco de paz. A única coisa que não faz
sentido é: por que eles parecem tão confortáveis perto da Luna?
― Não nos assuste assim outra vez, pendeja! ― Papai vai até mim e
bagunça meus cabelos. Eu ainda estou tentando assimilar que meus pais
envelheceram pelo menos uns dez anos em uma noite só. Não faço ideia de
como isso aconteceu, mas todos parecem mais velhos.
― Senhor e Senhora Cruz, nós precisamos conversar sobre o caso de
Camille.
— É grave? ― meu pai questiona o Dr. Charlie, parecendo
preocupado e ansioso.
O médico lê algumas coisas nos papéis em suas mãos e suspira.
Agora, quem fica preocupada sou eu. Será que estou morrendo?
— Existe alguma razão para ela estar assim?
— Senhora Cruz-Jacobs, com as informações fornecidas e todos os
exames que fizemos e ainda estamos realizando, cheguei a algumas
conclusões...
― Cruz-Jacobs? Como é que é? Por que está falando como se essa
psicopata tivesse o meu sobrenome? E vocês dois não notaram que eu
preciso sair daqui? ― explodo de repente, cansada de toda essa palhaçada.
Meus pais parecem assustados, mas não reagem ao me ouvir chamar
a maluca daquele jeito. Se até mesmo eles estão participando disso, deve
ser algum programa de TV idiota. Nunca achei graça nesse tipo de
pegadinha.
― Camille, não fale assim da sua esposa. Que tipo de atitude é essa?
― minha mãe está brigando comigo e me dando um olhar severo. Mas
como ela pôde dizer isso? Por quê?
― Pelo que estou vendo até agora, parece que estamos presenciando
um caso de amnésia a longo prazo ― ele diz aquilo com uma seriedade que
me faz ter vontade de rir. Esse ator é bom, tão convincente que estou quase
acreditando no que ele diz. ― Tudo do que ela se lembra é de ainda estar
no colegial.
― Eu estou no colegial! ― respondo, impaciente. Estou farta dessa
conversa idiota. Não me levará a nada, só quero que tudo isso acabe e eu
possa voltar para casa e esquecer o dia de hoje.
Todos me olham, parecendo horrorizados.
― Camille, em que ano nós estamos?
― Em 2000.
Minha resposta parece chocá-los ainda mais, e eu mantenho minha
expressão tediosa. Se eles acham que vão conseguir me enganar com esse
teatro, estão muito enganados. Não estou com paciência para aturar
gracinhas dos outros.
― Camille? ― Dr. Charlie me chama e vai em minha direção, sacando
algo de seu bolso. Tento identificar o que ele tem em mãos e fico confusa
ao notar o que pode ser. Parece um celular, mas os celulares têm teclado e
uma tela minúscula. De onde ele tirou esse aparelho fino e sem teclas? ―
Por favor, leia em voz alta que dia é hoje.
— Dia primeiro de novembro de dois mil e dezesseis. Espera aí, que
droga está acontecendo? Por que você tem esse telefone estranho e por
que a data está errada? Que palhaçada é essa? Faz parte do seu show?
— Camille, não tem nada de errado com as datas. Isso aqui não é
um filme, nós estamos realmente em 2016 ― Dr. Charlie diz, com cautela, e
parece preocupado com mais uma explosão minha.
Encaro um ponto qualquer à minha frente, enquanto tento assimilar
tudo, e, então, uma risada me escapa. Começo a gargalhar com vontade,
fazendo todos me encararem, confusos.
— Essa é a coisa mais idiota que eu já ouvi.
― Nós estamos em 2016, filha ― quem fala dessa vez é meu pai, ou
eu diria essa versão bem mais velha, com cabelos grisalhos, que se
assemelha incrivelmente a ele.
Olho, então, para minha mãe e noto que ela está abraçada a Luna,
enquanto parece chorar em extrema agonia, sendo amparada pela louca,
que também parece triste.
Que cena toda é essa? Eles devem ser atores.
― Vocês estão querendo me dizer que eu dormi durante dezesseis
anos? ― minha voz é sarcasmo puro. ― Ou melhor: que eu me
teletransportei para o futuro de alguma forma? Oh, meu Deus! Chame a
imprensa, muitos programas adoram essas palhaçadas. Eles precisam saber
disso.
Cuspo ironia, porque estou cansada de toda essa coisa, dessas
pessoas dizendo coisas que não são verdadeiras, enquanto eu só quero
voltar à minha rotina normal, ser uma adolescente e odiar Luna com todas
as minhas forças, pois é meu passatempo favorito.
― A viagem no tempo ainda não é possível, mesmo nos dias de hoje,
com o avanço da tecnologia, Camille.
― Então, o que aconteceu com os dezesseis anos que se passaram
sem que eu visse?
O Dr. respirou fundo e olhou para os meus pais e para Luna, antes de
voltar a olhar para mim e responder, completamente sério ― tão sério que
chegou a me arrepiar. Dessa vez, o sarcasmo me fugiu, porque senti, de
alguma forma, toda sua sinceridade:
― Eles sumiram da sua memória, você simplesmente não se lembra
de nada do que aconteceu nos últimos dezesseis anos.
Esse, com certeza, é o sonho mais louco que eu já tive.
Capítulo 2 – Encarando a realidade
Quantos pecados eu devo ter cometido em outra vida?
Estou sendo castigada, esta é a única explicação plausível. O
universo finalmente está me punindo por todos os erros das minhas vidas
passadas. Chegou a hora em que eu vou pagar pelos meus pecados. Eu
sabia que esse dia chegaria, mas não achei que seria dessa forma. Estou
finalmente tendo consciência de que essa é mesmo a realidade e não uma
brincadeira de péssimo gosto das pessoas à minha volta.
Minha vida passou e eu nem aproveitei.
Puta merda! Perdi toda a adolescência e parte da minha vida adulta.
Por que logo comigo? Eu nunca fui uma pessoa ruim, sempre respeitei meus
pais. Por que receber esse castigo? Tinha que ser justamente eu?
Se a vida é uma piada, comigo ela está sendo um stand-up completo.
Existem tantas coisas das quais eu gostaria de lembrar.
Nesse exato momento, depois de tudo, estou aqui e continuo
paralisada, tentando assimilar todos os acontecimentos recentes. Meus pais,
Dr. Charlie e Luna conversam a alguns metros de mim, tentando entender
como isso aconteceu. Eu virei um tipo de análise muito intrigante.
Provavelmente, vão fazer diversos estudos na minha cabeça para entender
o que aconteceu.
Só consigo pensar em como infernos acabei me casando logo com a
idiota Luna Jacobs? Eu escolheria qualquer uma, e ela nem ao menos
entraria na minha lista. Definitivamente, não entraria.
Poderia até mesmo ter me casado com um homem.
Na verdade, pensando bem... eu preferia morrer solteira a ter de me
casar com um homem.
Mas voltando à idiota com quem me casei, nós nunca nos
suportamos. Como eu acabei me casando com esse ser? O que ela fez para
me convencer de tamanha loucura?
— Meu conselho é que a deixe viver sua vida normalmente. Quem
sabe se, ao conviver com a esposa e o filho, sua memória não volta aos
poucos? Eu sinceramente não faço ideia de como isso aconteceu. Em meus
vinte e oito anos de carreira, nunca ouvi sobre algo parecido com o caso de
Camille. É uma novidade, e tenho que estudar todas as hipóteses.
Ah, pronto! Só me falta agora ele querer fazer estudos comigo, como
se eu fosse algum rato de laboratório. Céus! Estou em um mundo
desconhecido com pessoas que eu conheço, mas, ao mesmo tempo, não
conheço. Vocês conseguem entender o tamanho dessa confusão?
Estou enlouquecendo.
— Será que vocês podem parar de falar de mim como se eu não
estivesse aqui? Estou sem memória, não invisível.
Não posso evitar ser rabugenta, mas acredito que vocês conseguem
entender o meu estresse com toda essa situação. Embora eu ache difícil que
alguém realmente entenda como é simplesmente acordar, um dia, e saber
que toda sua vida passou e você não se lembra. Consegue se imaginar
nessa situação? É sufocante.
— Parece que o humor da adolescência voltou pra ela ― mamãe
brinca e, nesse momento, parece mais tranquila, o que, de certa forma, me
deixa aliviada. Eu, por outro lado, sinto que posso ter um colapso a
qualquer momento.
— Mi hija. — Papai vai até mim e eu suspiro, cansada. Só quero ir
para casa, quero minha cama. Será que ela ainda existe? Quero todos os
meus estresses de volta. Posso apenas voltar para onde parei? — Quer ir
embora?
— Óbvio ― resmunguei, cruzando os braços, pois achei que fosse
óbvio que eu quisesse ir para casa.
Dr. Charlie sussurra algo para Luna, mas eu nem me dou ao trabalho
de ouvir. Quanto menos eu me envolver em tudo isso, melhor para mim.
Não faço a mínima questão de saber sobre nada relacionado a essa idiota!
Eu só quero a minha casa, a minha vida sem graça. Só quero dormir e me
lembrar de tudo o que esqueci... Ou melhor, não. Eu sou casada com Luna
Jacobs! Não quero me lembrar desse desgosto. O que fiz para merecer esse
castigo? Será que cometi tantos pecados assim?
— Doutor, o que poderemos fazer? Ela vai precisar de algum
tratamento?
Eu não quero prestar atenção em tudo isso, mas preciso, afinal é a
minha vida que está sendo comentada. Bom, em partes, é a minha vida.
Tudo é muito confuso, parece um filme malfeito, a vida que eu não vivi.
Poderia mesmo virar alguma coisa no cinema, e o título seria: O drama de
Camille, uma adolescente desesperada.
Espere... Eu sou adulta, me esqueci desse detalhe. Perdoem-me.
Seria assim, então: O drama de Camille, a adolescente presa em um
corpo de adulta e casada com uma psicopata.
— Ela vai precisar, sim, fazer outros exames que vou pedir, mais
detalhados, para tentarmos entender a condição atual dela. Por hora, a
única coisa que posso aconselhá-los a fazer é deixá-la voltar à sua rotina
normal, pois ainda não sabemos se essa perda de memória é temporária ou
se ela nunca mais se lembrará desses anos que esqueceu.
Ah, que ótimo!
Voltar à rotina normal significa viver sob o mesmo teto que a idiota?
Não mesmo, eu prefiro não me lembrar de nada e ficar com meus pais.
Morar com ela é que eu não vou, me recuso a ter de passar por isso.
Infelizmente, minha mãe não parece nada feliz com essa ideia, e
quando dou a entender isso, recebo uma resposta extremamente seca.
Quero saber por que logo ela está querendo me aprisionar nesse casamento
sem sentido.
— Camille, nós estamos tentando fazer o melhor para você. O doutor
disse que isso talvez a ajude a recuperar sua memória. O que custa voltar
para casa com sua esposa? Você a ama tanto.
Isso já é demais para mim.
— Não, mãe! Não fala isso nem de brincadeira. Eu não sou casada
com ela e não a amo. Eu odeio Luna Jacobs com todas as minhas forças!
Isso é uma piada sem graça de algum universo paralelo ― perco
completamente minha paciência outra vez, cansada de ouvir todas aquelas
coisas. Não suporto a ideia de conviver com Luna, imagina pensar que me
casei com ela e que todos à minha volta estão dizendo que eu a amo.
É simplesmente impossível.
Meu peito sobe e desce, e mamãe me olha, surpresa com minha
explosão, negando com a cabeça. Com certeza, está desapontada, mas eu
quero que ela entenda o meu lado.
Ouvimos um pigarro, então olho para trás. Sinto-me como uma
criança travessa sendo pega no flagra. Papai está ao lado daquela idiota,
segurando-a por cima dos ombros. Luna me olha como se eu fosse algum
tipo de monstro, não sei. Parece com medo. Não a conheço para identificar
seus olhares, mas esse, definitivamente, não é um olhar feliz, porém
também está longe de ser um olhar raivoso. Será mágoa? Odeio admitir que
esse olhar está me deixando mal de verdade, mas realmente está. Parece
que ver Luna assim me afeta diretamente. Eu sei que não tenho sentimento
algum por ela, além de ódio, mas nunca fui insensível a ponto de não ter
empatia. Talvez esse sempre tenha sido um problema meu: preocupar-me
demais com todo mundo.
Papai diz algo em seu ouvido, parecendo encorajá-la ou acalmá-la.
Bem, eu não me importo realmente. Luna ouve tudo e concorda com a
cabeça, virando-se para sair do quarto, mas não sem me dar uma última
olhada.
Ela simplesmente não consegue parar de me olhar, e isso é
desconcertante, para ser sincera. Principalmente porque não existe aquela
superioridade com que estou acostumada. Há alguma coisa diferente ali.
Sinto-me mal, confesso, e piora ainda mais quando meu pai olha para
mim e sua expressão me dá medo. Encolho meus ombros, sentindo-me
minúscula. Quando era mais nova, meu pai quase nunca brigava comigo e
com minhas irmãs, mas seus olhares eram suficientes para nos deixar com
medo.
— Precisava mesmo dizer todas essas coisas, Camille? ― repreendeu-
me de uma forma que nunca havia feito antes. Como eu disse, papai nunca
gritava, porque não era preciso. — Luna já assinou sua alta. Você vai para
sua casa, sim, e não se fala mais nisso. Nem adianta choramingar. Quer agir
como criança? Então, irei te tratar como tal ― ordenou com a voz firme,
deixando claro que não existia alternativa a não ser obedecê-lo.
Mamãe não me olha com raiva, mas dá para ver em seu rosto que
nada disso a deixou feliz. Para ser sincera, ela parece bem decepcionada, e
isso me mata por dentro. Eu odeio decepcioná-la.
Com os braços cruzados e de cabeça baixa, passo pelos dois e saio
do quarto sem olhar para trás.
Eu gostaria de me lembrar de tudo, pelo menos as coisas seriam
mais fáceis.
Meus pais ainda demoram um pouco, conversando com o Dr. Charlie
para saber melhor sobre minha condição. Parecem empenhados em me
ajudar na recuperação. Eu também quero me recuperar o mais rápido
possível.
O médico nos indica uma psicóloga, dizendo que ela pode me ajudar.
Bom, toda ajuda é bem-vinda nesse caso, certo?
— Mamãe? ― chamo quando eles se despedem de mim,
aproveitando que ainda não tinham entrado no carro. Ela para e me
observa, então aproveito o momento para ir em sua direção. — Tenho
mesmo que ir para a casa da Luna? Eu não a conheço direito, me sentirei
estranha.
— Camille, nem ouse começar com essa história.
— Mas, mãe...
— Estou falando sério com você, Camille! ― ela me repreende, me
fazendo bufar. Será que agora meus pais brigariam comigo sempre por
causa dela? — Você pode ter perdido a memória e não se lembrar dela, mas
aquela mulher ali ― disse e apontou em direção ao outro lado do
estacionamento, onde Luna mexia em algo no porta-malas de seu carro —
ama você mais do que tudo e move montanhas, se for preciso, para te ver
feliz. Ela nunca te abandonou em momento algum. Sempre lutou por vocês.
Será que você pode, ao menos, tentar ser amigável? Não desconte nela as
mágoas do passado, muita coisa mudou.
Meus olhos não saem de Luna. Eu presto atenção ao que minha mãe
está falando e tento, de alguma forma, encontrar essa Luna tão boa que
todos parecem adorar. Eu não a conheço, tudo o que me lembro é que ela
consegue ser a pessoa mais nojenta e idiota da Terra e que eu gostaria de
matá-la. Minha mente cria um bloqueio quando tento vê-la como uma
mulher legal.
Suspiro, desviando meu olhar.
— Dê uma chance a ela, filha. Luna não é má pessoa ― meu pai
completa a fala de minha mãe, mas eu não respondo nada, apenas suspiro
outra vez.
— Será que posso ao menos voltar com vocês? Eu me sentiria mais
confortável assim.
— Claro, hija. — Papai me puxa para seus braços, abraçando-me
brevemente, e sinto-me melhor com esse afeto. Ao menos ele não está mais
bravo. — Será bom mesmo irmos até lá, estou com saudades de Louis.
— Quem é Louis?
— Seu filho ― mamãe responde, com um enorme sorriso. — Você irá
amá-lo.
Filho?
Meu Deus, ainda tem mais essa responsabilidade.
Durante o caminho do hospital até aquela casa que não conheço,
mas que aparentemente é onde moro atualmente, converso com os dois
para tentar saber melhor as coisas. Meus pais dizem que sou
completamente apaixonada por aquela casa, e posso ver o porquê disso.
Quando paramos em frente a ela, só consigo suspirar e admirá-la. Parece
que a idiota e eu nos demos bem na vida. Noto que em frente à casa tem
um carro grande, na cor preta. É bonito. Imediatamente, busco em minha
memória e lembro que é o mesmo carro que Luna estava usando mais cedo.
Ela tem bom gosto.
Bem, ela realmente tem. Não por acaso, casou-se comigo.
Já não posso dizer o mesmo sobre mim, afinal me casei com ela.
— Não seja rude com seu filho. Será que você consegue? Ele não
tem culpa de nada e é completamente apaixonado por você ― papai diz
assim que descemos do carro. Sua expressão está completamente séria, e
ele parece bem irritado ao imaginar que eu possa tratar mal o seu neto.
Nem tive tempo de respondê-lo, demorou apenas segundos para ouvir uma
voz de criança, e logo o garoto estava em seu colo, abraçado a ele.
Eu sorri. Era adorável de ver.
Não vou ser hipócrita de dizer que não sinto meu coração acelerado
com essa cena, porque é nítido que os dois se amam muito. Louis parece
amar seu avô, e isso me deixa triste durante alguns segundos, porque me
dou conta de que não me lembro de tê-lo gerado. Não sei qual foi a
sensação de segurá-lo pela primeira vez nem como foi a alegria de
finalmente ter um filho. Eu gostaria tanto de me lembrar disso, não vou
mentir.
— Vovó! ― ele exclama quando meu pai o solta, correndo em direção
à minha mãe e abraçando suas pernas. — Senti saudade.
Meu coração parece que vai rasgar meu peito e saltar para fora. Ele
parece mesmo amar meus pais, e é um sentimento mútuo. Isso me afeta de
um jeito bom. Apesar de tudo, acredito que a presença dele fará muita
diferença nessa minha nova rotina.
— Senti saudade também, pequeno príncipe. ― Ela se abaixa para
beijá-lo na bochecha e sussurra algo em seu ouvido.
Só então ele olha para mim, e quando seus olhos claros se
encontram com os meus, eu sinto como se tudo à minha volta tivesse
sumido. Um turbilhão de sentimentos bons toma conta de mim, e sinto
vontade de chorar, de correr para segurá-lo em meus braços e não soltar
mais. Meu coração parece um tambor.
— Mamãe!
Ele corre em minha direção com os braços abertos: um claro sinal
para que eu o pegue no colo. Não hesito, nem ao menos ligando que ele
possa não ser tão leve quanto aparenta, porque ele não é tão pequeno
assim, mas sua estrutura física não é tão corpulenta. Quando seus braços
envolvem meu pescoço, tenho de ser muito forte para não chorar ali
mesmo. É o abraço mais sincero que já recebi em toda a minha vida.
Olho de relance para os meus pais e os pego admirando a cena,
parecendo alegres ao me ver dando carinho ao pequeno. Que sensação
gostosa dentro de mim. Ele não para de falar e gesticular da mesma forma
que vi Luna fazer mais cedo. Era claro que os dois se pareciam, não
somente na aparência ― e isso me assusta bastante, porque, apesar de
saber que o gerei, parece que ela teve alguma parte nisso.
Eu ouço tudo e sempre o abraço quando tenho oportunidade. É bom
demais. Mães se sentem assim quando abraçam seus filhos? É normal sentir
o coração inflar apenas com esse contato?
— Foi divertido? ― questiono, demonstrando bastante interesse em
sua história. Ele está me contando que Luna o tinha levado a um fast-food
depois de buscá-lo na escola.
— Muito! Mamãe me deixou escolher dois lanches, e eu ganhei o Finn
e o Jake.
Eu devo estar com a expressão mais idiota no rosto, completamente
admirada com aquele ser humano pequeno, falando mais do que tudo, sem
parar. Mamãe sempre diz que eu era exatamente dessa forma quando
pequena. Dá para entender de quem ele puxou esse jeito elétrico.
— E que tal se você for tirar essa roupa e tomar um banho? Depois
prometo que vamos brincar com seus novos brinquedos ― falo ao colocá-lo
no chão.
— Oba! ― ele comemora e sai correndo, passando em disparada por
todos e entrando em casa.
O sorriso não some do meu rosto, e tenho certeza de que o amarei
outra vez com facilidade. É impossível olhá-lo e não sentir carinho imediato.
— Vamos entrar? Eu vou preparar um café para todos nós ― Luna
convida meus pais, e acredito que a mim também, com um enorme sorriso
em seu rosto. Fico surpresa que ela pareça educada.
Ela parece outra pessoa.
Bem, Camille, vocês não estão mais no colegial. Ela é outra pessoa.
Espero que seja alguém melhor, caso contrário nossa convivência
será péssima.
Ainda não consigo acreditar que me casei com ela.
— É isso, Camille. Bem-vinda à sua nova vida ― sussurro para mim,
enquanto acompanho os três à minha frente.
Capítulo 3 - Egoísmo
Sabe quando sentimos nosso coração aquecido de alguma forma? É
assim que me sinto com meus pais. Eles parecem estar se divertindo,
enquanto preparam o jantar. Fico muito feliz ao constatar que entre eles
nada mudou. Mesmo com o passar de tantos anos, seu amor mútuo ainda
parece o mesmo. O relacionamento deles sempre foi minha inspiração,
desde pequena, e eu desejava ter um casamento tão feliz quanto o dos
meus pais.
Será que meu casamento com Luna é assim? Ou ao menos chega
perto disso?
Não acredito que estou pensando sobre isso, mas estou curiosa.
Duvido muito que teria me casado com essa mulher e passado tanto tempo
ao seu lado por comodismo ou apenas por causa da criança que temos
juntas. Nosso casamento tem de ter sido, no mínimo, feliz. Surpreende-me
que eu tenha passado tanto tempo com ela sem pedir o divórcio.
Volto à realidade e saio de meus pensamentos quando sinto um
puxão em minha blusa, seguido de uma voz adorável ao fundo. Meus olhos
encontram aquele pequeno garoto, lindo, com seus olhos verdes e enorme
sorriso. Acho incrível como ele tem traços meus e dela, chega a ser
assustador. E eu não faço ideia de como isso é possível.
— Oi, pequeno. ― Sorrio para ele, nem me importando com seu peso
ao trazê-lo para meu colo. Louis parece adorar isso, agarrando meu pescoço
com um forte abraço aconchegante. Eu ainda não sei explicar como
realmente me sinto sabendo que sou mãe, mas essa criança, de alguma
forma, parece me dar esperança de dias melhores.
— Sinta, mamãe. Estou muito cheiroso — ele diz ao se afastar,
inclinando sua cabeça de lado para que eu possa inalar o cheiro em seu
pescoço. Quando inalo aquele aroma, é como se eu estivesse vivendo algum
tipo de déjà vu. Lembro-me bem daquele cheiro, parece bastante o perfume
que eu costumava usar quando mais nova. Sempre foi meu favorito.
— Mmmmm... Está cheiroso mesmo.
— Estou usando seu perfume favorito. Minha mãe comprou e me deu
de presente.
Eu sabia que conhecia esse cheiro.
Levanto as sobrancelhas, surpresa que Luna saiba disso, mas era de
se esperar, afinal estamos juntas há muito tempo. A convivência faz com
que conheçamos as pessoas, certo? Eu acredito que ela saiba e se lembre
de muita coisa. Eu invejo sua memória, gostaria de ter a minha também. É
triste.
— Sua mãe fez uma ótima escolha — digo a ele, e o sorriso não sai
do meu rosto.
Sinto como se alguém estivesse me encarando e olho em volta,
deparando-me com Luna de pé, com o ombro encostado na parede,
observando-nos. Seus cabelos estão úmidos e penteados para trás, jogados
de qualquer forma. Um cheiro de banho recém-tomado toma conta do
ambiente, e ela exibe um enorme sorriso em seus lábios, parecendo bem
feliz ao me ver interagindo com nosso filho.
É estranho demais pensar que sou casada e tenho um filho. Ainda
me sinto como se tivesse dezesseis anos. Tudo isso é surreal, e vai demorar
para me acostumar.
Desvio meu olhar dela e volto a dar atenção a Louis. Ele está
animado e não para de falar sobre seu dia na escola. Disse também que
está muito animado para o Natal. Presto atenção em tudo o que ele diz,
com meu coração disparado. Essa sensação de amá-lo é muito boa, e não
mudou mesmo com a falta de memória. Seguirei o conselho do Dr. Charlie e
tentarei viver minha vida da forma mais normal possível. Quem sabe, assim,
minha memória resolve voltar?
Luna resolve se juntar a meus pais e ajudá-los com o jantar. Quando
passa por nós, dá um beijo na testa do pequeno e depois sai. Eu continuo
ali, com Louis.
O resto da noite passa de forma tão natural, nada parece fora do
lugar, e perceber isso é tão estranho quanto foi acordar nua ao lado da
idiota, essa manhã. Quem olhasse de fora nossas interações, confirmaria
que somos uma família feliz.
Mas eu não me sinto ligada a eles, digo... a ela.
O jantar estava delicioso, e meus pais não pouparam elogios ao
tempero de Luna. Mamãe fez questão de elogiá-la o tempo inteiro, frisando
quão boa cozinheira e mãe exemplar ela é. Isso me deixou ainda mais
curiosa para conhecê-la. Meus pais parecem mesmo amá-la demais. Eles se
dão bem, é nítido. Só quero me lembrar de como tudo aconteceu para
chegarmos até aqui, como as coisas se encaixaram dessa forma. Só quero
saber como nós chegamos a esse ponto da nossa vida, como tudo começou
entre a gente, quando surgiram os sentimentos. Cada detalhe. Quero saber
de tudo, para que eu possa entender o que me fez amar Luna Jacobs.
Infelizmente, meus pais tiveram que ir embora, alegando que sairiam
cedo para seus respectivos trabalhos — embora tenha parecido uma enorme
mentira para que pudessem nos deixar sozinhas. Mas eu não podia fazer
nada para segurá-los ali. Os dois têm suas vidas, não sou mais
responsabilidade deles. Quando os levo até a porta, eles se juntam para
dizer, como se tivessem ensaiado juntos, o pequeno sermão:
— Não seja rude com Luna. Ela não tem culpa de nada, muita coisa
mudou entre vocês duas. Permita-se ver isso.
“Muito legal, família. Será que podem explicar isso para o meu
cérebro? Ele está com defeito. Tudo o que lembro é de odiá-la.” Claro que
apenas penso isso, não quero dizer em voz alta, correndo o risco de levar
uma bronca dos dois. Além do mais, nunca os desrespeitei para ficar de
deboche assim. E eles parecem enormes fãs de Luna Jacobs, eu não posso
competir com isso. Então, contrariando minha pessoa sarcástica, apenas
concordo e me despeço deles.
Espero que o carro vire a esquina e deixo um suspiro escapar. Preciso
me acostumar com tudo isso. Essa é minha vida e tenho que lidar com ela.
Quando entro em casa, ouço o barulho de televisão na sala e vou até
lá para saber quem está assistindo. Minha primeira impressão daquele
espaço é de admiração: tudo muito bem decorado, espaçoso e de ótimo
gosto. Parece que vivemos mesmo bem, afinal. Não é repleta de luxo, mas
são coisas de qualidade.
Louis é quem está na sala, deitado em uma posição nada
convencional: de bruços, com o quadril erguido e os joelhos dobrados, com
seus olhos verdes fixos na televisão. Será que ele sempre fica assim? Essa
não parece uma boa posição para se assistir à televisão. Mesmo com
vontade de questioná-lo sobre aquela posição, o barulho de pratos na
cozinha chama a minha atenção e, com uma dose extra de coragem,
caminho naquela direção. Sei que preciso conversar com ela, conversar
sobre a nossa vida e entender melhor como tudo isso aconteceu.
— Oi… — minha voz não sai tão alta quanto eu gostaria, estou sem
jeito e com receio. Luna ouviu tanta coisa de mim hoje, sendo praticamente
humilhada e esnobada. Estou realmente envergonhada por ter que
enfrentá-la cara a cara agora, sem a presença de outras pessoas.
Ela para de esfregar o prato em suas mãos ao ouvir minha voz,
erguendo um pouco sua postura. Olha-me por cima do ombro, e eu espero
que seu olhar seja duro, mas, contrariando-me, ela parece surpresa e abre
um pequeno sorriso. Suas bochechas cheias deixam-na adorável, e o cabelo
preso em forma de rabo de cavalo lhe dá uma aparência mais jovial. Luna
não é velha, mas claramente está diferente do que eu me lembrava. Afinal,
só me lembro dela adolescente e prepotente.
— Oi, você...
Ela parece tímida e retraída, e percebendo isso, eu abro um sorriso
para tranquilizá-la. Seus olhos me acompanham, enquanto vou em direção à
mesa. Preciso me sentar, se quero ter alguma conversa com ela. Luna
continua na mesma posição, esperando que eu diga alguma coisa. Como
devo me comportar com minha esposa, que na minha mente ainda não
suporto, mesmo com todos à minha volta dizendo que a amo?
— Tudo bem? — pergunto.
— Uh... Sim... Sente-se melhor?
Nego com a cabeça, e ela suspira. É a verdade, não me sinto mesmo
bem, depois de tudo.
— Eu lavei alguns morangos e os coloquei nesse pote com cobertura
de chocolate — ela continua. — Você quer um pouco de coco ralado por
cima para acompanhar?
Meu rosto é uma completa confusão. Na verdade, toda a minha
pessoa é uma confusão nesse momento. Não me lembro de ter pedido isso
a ela, mas pode ser a sobremesa.
— Sobremesa?
Ela termina de lavar o que parece ser o último prato, pega um pano
sobre a pia, para secar suas mãos, e se vira de frente para mim. Estou
encarando-a, esperando alguma resposta. Sinto-me tão desconfortável em
sua presença, por não saber ao certo o que dizer ou não fazer ideia do que
poderá sair de sua boca. Minha vontade é atacá-la o tempo inteiro, mesmo
sabendo que não devo.
— É difícil me acostumar com você assim — ela diz, como se fosse
uma confissão ou desabafo, e suspira, colocando o pano no mesmo lugar
em que o havia pegado. — Geralmente, você gosta de comer alguma fruta
depois do jantar. Eu sempre levo para você na sala, pensei que estaria lá.
Levaria para você — ela esclarece, falando de maneira natural, embora o
sorriso em seu rosto revele que está tímida.
Eu apenas balanço a cabeça em entendimento, esticando-me para
pegar o pote redondo e verde à minha frente. Olho para dentro, e os
morangos parecem bem apetitosos, o que enche minha boca de água.
Quando provo um deles, é impossível não gemer de satisfação.
— Mmmmm... — Fecho os olhos, apreciando aquele gosto. — Estão...
deliciosos.
Volto a comer, devorando boa parte dos morangos em questão de
segundos. Ao que parece, o meu apetite ainda é enorme, não consigo
comer pouco. Lembro-me de que fui parar no hospital mais de uma vez por
ter passado dos limites. Meus pais sempre brigaram comigo por causa disso.
Mas o que posso fazer? Comer é divino.
Luna não tira seus olhos de mim, observando-me, enquanto devoro
aqueles deliciosos morangos. Ela parece se divertir, posso jurar que a ouvi
dando algumas risadas. Mas eu não poderia me importar menos, minha
prioridade é comer.
— Mais? — ela questiona, e eu paraliso na hora, me dando conta do
que estou fazendo, lambendo o pote em que antes estavam os morangos.
Minha mãe me daria uma bronca se me visse fazendo isso.
Sinto meu rosto esquentar de vergonha. Nem percebi que estava
agindo dessa forma mal-educada. Coloco lentamente o pote vazio sobre a
mesa, recusando-me a olhá-la. Estou completamente sem graça. “Que
bonito, dona Camille. Seus pais adorariam vê-la agindo como uma
adolescente mal-educada”. Eu preciso aprender a me comportar como uma
mulher adulta, mas é tão difícil.
— Estou satisfeita — minto, é claro. Gostaria muito de pedir mais,
talvez comer cada morango que tivesse nessa casa. Mas eu tinha acabado
de extrapolar os limites da falta de educação, não queria dar mais motivos
àquela mulher para que ela ficasse rindo de mim.
Luna não diz nada, apenas recolhe o pote, assim como a colher, e só
então noto quão pálida ela está. Todos esses anos morando em Miami e
essa mulher ainda se parece com uma enorme vela humana.
— Isso é tão engraçado — ela diz entre risadas, e isso me deixa
irritada.
— O que é tão engraçado, idiota?
Como nas vezes anteriores, ela se retrai e não rebate minha
grosseria. Os anos deixaram-na frouxa. Por que ela não retruca o que eu
falo, como antigamente?
— Nada... — Ela termina de lavar o pote e a colher, guardando-os no
escorredor. — Só é engraçado vê-la sem jeito. Eu nem me lembro de qual
foi a última vez que a vi agir assim.
Meu rosto se contorce em confusão. Esperava, na verdade, que ela
dissesse que eu tinha passado vergonha ao agir como uma criança
esfomeada, ou algo assim, mas, outra vez, lá está ela, me surpreendendo
com toda sua postura madura.
— Eu sempre fui tímida. — Luna nega com a cabeça, deixando-me
confusa. — Não?
— Você foi, durante a sua adolescência. — Ela segura a borda do
balcão, onde está instalada a pia, e o seu olhar é nostálgico. Parece estar se
lembrando de algumas coisas. — Isso só durou até você terminar o colegial.
Depois disso, na faculdade, você se tornou outra, mais confiante e cheia de
atitude. Dificilmente desviava o olhar de outra pessoa quando era encarada.
Eu coloco meus cotovelos sobre a mesa, inclinando-me um pouco
para a frente. Estou curiosa para saber um pouco mais sobre a mulher que
me tornei. Sei que mudei totalmente, e ela também. Luna está
completamente diferente do que costumava ser: nada arrogante e até
mesmo tímida. Nesse momento, ela está encarando a mesa, com uma mão
em sua nuca. Luna sempre foi prepotente e cheia de si. É estranho vê-la
dessa forma: calma e calada.
— Você pode me dizer como foi...
— Mamãe!
Eu iria perguntar como nós duas começamos a nos dar bem, mas o
chamado de Louis me interrompeu. Poderia ter ficado irritada, claro, porém
me lembrei da posição desconfortável na qual ele estava deitado, e algo
despertou dentro de mim: preocupação.
Será que tinha se machucado? Eu sabia que ele não deveria se deitar
daquela forma.
Levanto-me rapidamente, chegando à sala antes mesmo de Luna. Ele
continua na mesma posição e está coçando um de seus olhos, sonolento.
— Você está bem? — questiono, preocupada, ao me abaixar perto
dele.
Na mesma hora, um sorriso nasce em seu rosto. Olhando mais de
perto, com atenção, posso ver que ele tem adoráveis sardas por suas
bochechas e que o sorriso dele lembra bastante o de Luna. Parece da época
em que ela tinha os dentes da frente um pouco maiores que o normal.
Como é possível que eles se pareçam tanto?
— Cadê a mamãe?
— Estou aqui — ela responde antes mesmo que eu possa, sentando-
se ao lado dele, e Louis boceja brevemente, apontando para a televisão.
— Começou Hora de Aventura. Lembra que a senhora disse que
assistiria comigo?
Fico intrigada. Ele está claramente caindo de sono, mas lutando para
ficar acordado e assistir à televisão com ela. Isso me surpreende. Eles se
adoram, ela deve ser mesmo uma boa mãe. Louis é claramente apaixonado
por ela, nem foi preciso conviver muito com eles para ter certeza disso. Pelo
menos como mãe, Luna parece estar fazendo um excelente trabalho.
— Eu me lembro, sim — ela responde, antes de levá-lo para seu colo.
— E você lembra quantas vezes a mommy disse para que você não se deite
assim, pois faz mal à coluna?
Ele se encolhe nos braços dela na mesma hora, demonstrando saber
que tinha feito algo errado. Eu sou a mommy[3], certo? Sabia que algo
naquela posição não havia me agradado.
— Desculpe, mamãe.
Como eu poderia não o desculpar?
Pergunto-me se existe alguma forma de brigar com essa coisa fofa.
Será que eu sou a mãe que manda, e Luna, a legal, que encobre tudo? Não
acredito que sou a mandona da casa.
— Tudo bem, anjo lindo — chamo-o por um apelido, porque não me
sinto confortável para chamá-lo de filho ainda. Eu não faço ideia se tenho o
costume de chamá-lo pelo nome.
Como um reflexo, olho para Luna e noto que nenhum dos dois
estranhou. Talvez eu o chame dessa forma mesmo sempre. Ele tem seu
olhar fixo na televisão, assim como ela, e os dois parecem entretidos.
Eu poderia deixá-los ali e ir para o meu quarto, tentar dormir ou
talvez passar a noite relembrando tudo o que aconteceu no dia de hoje,
mas não o faço e continuo ali, fazendo companhia aos dois, e isso parece
deixá-los animados.
Luna tenta disfarçar, mas, por diversas vezes, eu a vejo com um
enorme sorriso nos lábios. Ela parece gostar de mim de verdade, mas não a
suporto. Não consigo imaginar como pude me apaixonar por ela. Quero
muito entender nossa relação e saber de tudo o que aconteceu entre nós.
Como ela conseguiu me conquistar a ponto de chegarmos ao casamento e
termos um filho juntas? Não é pouca coisa: um filho, casamento... Uma vida
juntas. E um filho que eu gerei. É surreal demais imaginar isso, nunca tinha
cogitado a possibilidade de ficar grávida. Lembro-me bem de que, quando
descobri ser lésbica, ao me imaginar casada, nas minhas fantasias, quem
engravidava era minha esposa.
Realmente, muita coisa mudou em todos esses dezesseis anos.
Louis acabou adormecendo no sofá, e Luna decidiu levá-lo para o
quarto. Eu aproveitei esse momento para ir até o meu. Fiquei em dúvida
sobre qual era minha escova de dentes, mas arrisquei na azul. Sei que essa
sempre foi minha cor favorita, então provavelmente deveria ser essa a
minha. Tomei um rápido banho antes de voltar para o quarto. Sentia um
pouco de sono e mal podia esperar para apenas dormir.
Por falar em dormir, uma coisa me preocupa muito: onde Luna vai
dormir? Sei que somos casadas e devemos dormir juntas todas as noites,
mas não quero dividir uma cama com ela. Só de pensar nessa possibilidade,
eu quero morrer.
Tentando não pensar tanto nisso, deito-me na cama. É muito
confortável. E podendo observar o quarto todo dessa vez, dou-me conta de
como ele é bonito e bem decorado. Bom gosto é o que não falta nessa casa.
— Posso tomar meu banho ou você quer ir primeiro?
Levo um susto com a pergunta repentina de Luna. Eu nem percebi
que ela estava no quarto comigo. Cruzes, já é branca igual a um fantasma e
ainda chega dessa forma sorrateira. Um dia vou morrer de susto.
— Eu já tomei o meu, na verdade.
— Tudo bem, então eu vou tomar o meu — ela avisa, sem esperar
alguma resposta minha, atravessa o quarto e entra no banheiro.
Estamos no inverno, e dentro daquele quarto está começando a fazer
frio. Olhando em volta, noto uma lareira embutida na parede, bem abaixo
da televisão. Estou com preguiça de me levantar para ligá-la, por isso me
cubro com as duas cobertas grossas sobre a cama, esperando que, assim,
possa aquecer meu corpo. Luna não demora muito no banho e, quando sai,
tudo o que cobre sua nudez é uma toalha azul-escura.
Onde estão as roupas dessa criatura? Eu não sou obrigada a ficar
vendo essa coisa quase nua. Ninguém me paga para aguentar isso.
Ela abre uma porta de correr, que só agora me dou conta de sua
existência. Parece ser um closet. Ela entra, fechando a porta atrás de si, e
me sinto um pouco melhor, porque não estou mais vendo-a quase nua. Não
demora muito para ela sair de lá outra vez, agora vestida apenas com uma
blusa do Real Madrid, que não cobre quase nada. Suas belas pernas estão
expostas, e ela não parece muito preocupada com o fato de que eu posso
ver o tecido de sua calcinha.
O perfume dela toma conta de todo o quarto, não me dando chance
de respirar outra coisa. Ela está usando creme de uva? Sempre foi o meu
favorito.
Luna vai em direção à lareira e aperta um botão, não demorando
muito para que ligue. Tudo nesse quarto parece muito caro e sofisticado. O
ambiente começa a ficar aquecido aos poucos, e agradeço mentalmente por
isso. Pelo menos a idiota serve para alguma coisa.
— Boa noite, amor — ela deseja, logo após se deitar ao meu lado, e
eu não posso acreditar. Por que ela fica me chamando de amor? Será que
esqueceu que tenho nome? E por que infernos ela não foi dormir em outro
lugar?
— Você vai dormir aqui? — questiono, tentando não parecer muito
apavorada.
Luna está de costas para mim, mas ao ouvir minha voz, se vira de
frente e me encara sem entender.
Eu quero dormir sozinha. Será que você entende, criatura asquerosa?
— Sim?
— Não tem outro quarto nessa casa? Eu acho que o sofá é macio.
Luna parece incrédula, de verdade, nunca a tinha visto com aquela
expressão. Eu, por outro lado, estou inquieta, desesperada para que ela saia
logo daqui. Quero um pouco de privacidade para ficar em paz, tentando
assimilar tudo.
— Você está me expulsando do nosso quarto? — Concordo com a
cabeça. — Por qual razão? Esse quarto é tão meu quanto seu, Camille.
— E daí?
— Você sabe que somos casadas.
— Eu não me importo, idiota! — corto seu início de discurso. Estou
cansada de ouvir isso. Quero um pouco de paz, quero esquecer, nem que
seja apenas por aquela noite, que eu me casei com o ser humano mais
irritante e idiota da Terra. — Não quero dormir ao seu lado. Será que pode
respeitar isso?
Eu estou tentando não ser tão rude, mas sua expressão me diz que
não consegui. Luna se levanta da cama em questão de segundos, calça um
par de chinelos e, com passos pesados, sai do quarto. O baque da porta é
alto, e eu me preocupo que o barulho possa acordar nosso filho. Dessa vez,
ela pareceu irritada de verdade, mas eu não tenho culpa, não quero dormir
com ela. Como ela mesma disse, esse quarto também é meu, e eu tenho
meus direitos.
Será que posso ao menos ter uma boa noite de sono sem a presença
dela?

Quando acordo no outro dia, a primeira coisa que noto é estar me


sentindo milhões de vezes melhor que no dia anterior. Ao abrir meus olhos,
percebo que não tem ninguém ali dentro além de mim, e isso muito me
alegra. Paz e sossego, tudo o que quero.
Sento-me na cama para esticar meus braços, alongando-me. Essa
cama é maravilhosa, mais confortável do que a que eu dormia quando era
mais nova. O quarto está escuro, mas sei que lá fora está claro. Onde será
que a louca está? Espero que bem longe daqui.
Mais uma olhada em volta e percebo que a porta do closet está
aberta. Uma curiosidade cresce em mim, quero muito saber como são as
coisas ali dentro. Espero que Luna não se importe de eu estar prestes a
mexer nas coisas dela. Ou seriam minhas coisas também?
Afinal, somos... vocês sabem… somos casadas.
Levanto-me da cama e vou em direção ao closet. O chão está frio, e
noto que a lareira já não está ligada, o que me faz perceber que o quarto
tem uma temperatura ambiente. Quando abro a porta, fico chocada com o
tamanho e a organização daquele lugar: tudo bem arrumado em prateleiras
e gavetas, dois lados com diversas roupas e sapatos.
Sinto-me como em um filme. É surreal pensar que parte de tudo isso
é meu. Minha família nunca ostentou muitas coisas. Tínhamos uma vida boa
e não nos faltava nada, mas minhas irmãs e eu nunca vivemos cercadas de
coisas muito caras.
Curiosa, ando por aquele espaço, olhando tudo em volta, e consigo
reconhecer algumas roupas como sendo dela, porque são completamente
do estilo que Luna sempre gostou de usar. Isso não parece ter mudado com
o passar dos anos, ela ainda ama se vestir de maneira informal. E tem bom
gosto para roupas.
Com cuidado, resolvo analisar algumas coisas.
Armani.
Nike.
Adidas.
Chanel.
— Caramba...
Estou chocada com tantas marcas caras presentes naquele closet.
Qual será o nosso emprego? Devemos ganhar muito bem, porque não
temos como bancar uma vida dessa se não ganharmos muito bem
mensalmente. Lembro-me de que Luna estava destinada a se tornar uma
juíza ou promotora, talvez por isso tenhamos uma vida boa assim.
Os pais de Luna sempre cobraram a Noah e a ela que seguissem os
passos da família com a carreira na área de Direito. Eu sei disso, porque
Vanessa sabia tudo sobre eles. Sabia que vieram da Inglaterra e abriram um
escritório em Miami, nos Estados Unidos. Na época, o negócio deles estava
se expandindo bastante, toda a família vem de uma linhagem de
advogados, promotores, juízes etc. Ela deve mesmo ter seguido os passos
de seus pais. Isso explica o carro que usa, essa casa e as roupas caras.
Continuo olhando tudo, realmente chocada com tudo o que temos.
Da mesma forma que Luna tem bom gosto, eu pareço ter muito mais.
Minhas roupas mudaram totalmente, não uso mais tantas coisas coloridas,
meus vestidos são mais formais e sofisticados. Sou uma verdadeira dama, e
isso me faz sorrir.
Quando estou prestes a sair daquele closet, acabo esbarrando em
uma caixa de madeira. Olho para baixo, com o cenho franzido, e minha
curiosidade desperta na hora. Abaixo-me, em frente a ela, tentando deduzir
o que poderia ter ali dentro. Eu imaginei que fossem sapatos, mas acabei
me deparando com montanhas de fitas e CDs.
Por que temos essas coisas aqui dentro?
Sei que devo estar sozinha em casa, por isso não me preocupo ao
revirar tudo ali dentro. Tem bastante coisa, e fico curiosa para saber o
conteúdo daquelas fitas e CDs. Provavelmente, algumas músicas e filmes.
Talvez fizéssemos maratonas de filmes antigos. É uma possibilidade, eu sei
que sempre amei assistir a filmes clássicos. Um dos CDs chama mais minha
atenção, porque o nome de Luna está escrito na capa.
O toque de alguma coisa ressoa e parece estar vindo do quarto. Pego
o tal CD com o nome de Luna e fecho a tampa, levantando-me para sair
daquele closet. O som continua, e utilizo-o como guia para descobrir de
onde está vindo. Não demoro muito a encontrar um aparelho enorme e fino
na mesa de cabeceira da cama. Está com a tela acesa e aparecem coisas
escritas nela.
Quando, enfim, pego o aparelho em minhas mãos, um nome tem
destaque na tela: Mi suerte, e logo abaixo, o conteúdo de mensagens.
Sento-me na beirada da cama, colocando o CD ao meu lado.

— Senha do quê?
Minha pergunta é respondida quando noto a frase “deslize para
desbloquear” bem no final da tela. Escorrego um dedo sobre o local e uma
caixinha aparece, abrindo também o teclado. Escrevo os números que li na
mensagem e a caixinha desaparece, dando lugar a uma série de aplicativos.
Eu sei que o telefone é meu, pois na tela tem uma foto minha, com Louis ao
meu lado, beijando minha bochecha. Tem um pequeno ícone com um balão
de fala e, em cima dele, o número sete. Eu clico em cima e sou direcionada
para o que parecem ser mensagens. Acho muito curioso e prático esses
novos aparelhos celulares sem teclado. As coisas realmente mudaram nos
últimos anos.
Três mensagens de Mi suerte.
Uma de Big.
E por último, também, tem uma de Cópia malfeita.
— Cópia malfeita? Só pode ser a Belinda.
Tenho certeza de que é ela, lembro-me de que sempre dizia isso
quando nos apresentávamos para alguém. Eu nasci poucos minutos antes
dela, então ela é a cópia malfeita mesmo.
Decido abrir primeiro as mensagens de Mi suerte. Estava curiosa.
Eu sei que é Luna, não apenas pelo conteúdo das mensagens, mas
também porque ninguém nesse mundo, além dela, me chama de Camies.
Parece que as coisas não mudaram tanto assim. Eu sempre odiei esse
apelido, porque ela o usava como deboche. Mas se ela ainda me chama
assim, pode ser que eu tenha aprendido a gostar. Ou talvez ela só esteja me
provocando.
Ela disse algo sobre um estúdio. Será que Luna é cantora ou trabalha
com música? Isso explicaria todo o luxo dessa casa. E claro, também
explicaria aqueles CDs todos. Deixo o celular no mesmo lugar em que o
havia pegado, volto a capturar o CD com o nome dela e vou em direção à
televisão. Não sou muito familiarizada com toda essa nova tecnologia, mas
não deve ser muito difícil. Demorou um tempo e, confesso: foi complicado
descobrir que eu tinha que passar o dedo sobre o botão da televisão para
ligá-la. O aparelho abaixo dela foi menos complicado: eu coloquei o CD e
voltei para a cama. Curiosa e ansiosa, esperei o conteúdo carregar.
Eu esperava que começasse a tocar alguma música, mas quando a
tela escureceu e depois a imagem apareceu, fiquei confusa. O que eu estou
fazendo ali?
— Camies?
Olho em volta, assustada, pensando que ela tinha voltado para casa
mais cedo. Levo alguns segundos para me dar conta de que o chamado de
Luna, na verdade, vem do vídeo. Sinto-me mais tranquila, porque ela ainda
não voltou.
— Eu estou aqui.
No vídeo, estou sentada nessa mesma cama, e a única coisa
diferente é a cor da parede atrás de mim. Faço algumas graças, acenando
para a câmera e fazendo caretas.
— O que está fazendo?
Ouço um som de porta abrindo e, em seguida, Luna aparece na tela.
No vídeo, ela está usando um moletom branco enorme, que vai até o meio
de suas coxas, sem nada por baixo, e quando ela se aproxima, noto o
escudo do Real Madrid estampado na peça. Ela sempre foi mesmo fascinada
por esse time, vivia usando os uniformes dele pela escola. Seu rosto está
completamente livre de qualquer maquiagem, e os cabelos, soltos e úmidos.
Os anos parecem mesmo ter feito bem a ela, não posso negar. Luna até que
é bonita.
— Estava testando a câmera, achei que ela tivesse quebrado na
semana passada — respondo, antes de voltar o foco da câmera para mim.
Luna se aproxima, dando uma pequena risada, senta-se ao meu lado
e olha na mesma direção que eu. De repente, a câmera não estava mais
focada em nós duas, e tudo o que podia ser ouvido eram sons de estalos.
Faço uma careta. Estávamos nos beijando? Eca! Ainda bem que isso
não foi filmado.
Poucos segundos depois, a câmera está de volta, com o foco em nós
duas. Meus lábios estão vermelhos, assim como os dela. Dessa vez é ela
quem segura a câmera, enquanto eu estou agarrada em seu pescoço, com a
cabeça sobre seu ombro. É impossível não ver o brilho intenso em meus
olhos, é inegável que realmente pareço feliz. Eu realmente pareço
apaixonada por ela.
— Vamos continuar nos gravando abraçadas ou posso desligá-la? —
ela pergunta aquilo sem me olhar.
Mal posso acreditar quando me vejo abrindo um sorriso bem
malicioso na tela. Estava na cara que eu queria aprontar.
— Hmm... Eu pensei que talvez pudéssemos fazer uma atividade.
O tom sugestivo em minha voz faz meu estômago embrulhar. Não
acredito que eu estava sugerindo que fizéssemos algo inapropriado. Pior, em
frente à maldita câmera. E pior ainda, com Luna Jacobs.
— Qual tipo de atividade você sugere? — sua voz é pura
sensualidade e provocação. Parecia até mesmo que iríamos iniciar algum
tipo de jogo. Um maldito jogo de sedução.
Eu não quero continuar assistindo a isso, me recuso a ver as coisas
impróprias que protagonizei com essa mulher. Fecho os olhos para não ter
que continuar assistindo, chocada demais para me levantar e desligar a
televisão. Então, ouço o som da minha risada e abro meus olhos.
Arrependo-me na hora.
Estou com um enorme sorriso e os lábios encostados nos dela. Luna
se inclina para a frente e tenta me beijar, mas eu me esquivo. Dou outra
gargalhada, voltando a encostar meus lábios nos dela. Parece que eu estava
me divertindo muito com a provocação. Continuo com essa brincadeira
durante um tempo, até me render quando ela faz uma carinha de cachorro
sem dono, implorando com os olhos para ganhar um beijo.
Eca!
— Eu quero que você faça uma coisa — digo ao me levantar da
cama, aproveitando esse movimento para pegar a câmera dela.
Luna continua no mesmo lugar, o foco é ela. Sentada na cama, com
as pernas cruzadas, ela me observa com curiosidade, como se esperasse
pelos meus comandos. Meu olhar, momentaneamente, desce até suas
coxas, e na hora arrependo-me, pois sua calcinha é de renda branca e
aparece visivelmente.
Ela abre um sorriso malicioso antes de falar:
— O que você quer que eu faça?
Ela fez menção de ir em minha direção, mas minha mão aparece na
tela com um sinal de “pare”, e Luna obedece, continuando na mesma
posição.
— Vai fazer qualquer coisa?
— Sempre — ela responde rapidamente, de forma sensual. O brilho
em seus olhos deixa claro que ela está totalmente à minha mercê,
completamente ao meu dispor. Aproximo-me dela com a câmera, ficando
bem perto.
— Masturbe-se para mim. Eu quero ver você gozando e gemendo
meu nome. Depois eu vou te chupar inteira. Cada parte sua.
Meus ouvidos não podem acreditar no que acabei de ouvir. Não sei
dizer se estou mais chocada em saber que ela faria aquilo mesmo ou com a
confirmação de que eu tinha me tornado uma maldita pervertida.
Luna sorri, desdobrando as pernas.
Joguei-me para trás na cama, desconcertada. Não queria mais
assistir àquilo, gostaria de poder apagar de minha memória também. O
vídeo continua rolando, mas não estou prestando atenção.
Quem era essa Camille?
Eu não me reconheço.
Que tipo de pessoa eu me tornei? Falando de maneira chula,
gravando vídeos indecentes. Me casando com Luna Jacobs.
— Você vai me chupar gostoso? E depois eu vou poder retribuir?
Essa fala faz com que eu volte a olhar para a tela.
Luna está deitada na cama, apoiada em seus cotovelos e encarando-
me com luxúria. O detalhe que mais me choca é o fato dela já estar sem o
moletom, com os peitos totalmente expostos.
Não posso deixar de reparar em como seus mamilos são bonitos,
com um tom bem claro de rosa, contrastando perfeitamente com seu tom
de pele.
Estou paralisada.
— Vou chupar bem gostoso e quero que você me chupe da mesma
forma. Sei que você pode. Eu amo as coisas que essa sua língua gostosa faz
comigo.
— Adoro essa sua boca suja...
— Vou te comer todinha com ela.
Estou chocada.
Luna não responde nada, apenas sorri ainda mais e deita-se
totalmente na cama.
Eu pensei que o vídeo acabaria ali, dessa forma, mas não.
Ela leva as mãos até a barra de sua calcinha, erguendo um pouco o
quadril e depois as pernas para retirá-la. Parecia que tudo estava em
câmera lenta, enquanto eu a observava se despir. Quando ela finalmente
está nua, joga a calcinha em minha direção e abaixa as pernas, separando-
as para que eu possa ter uma visão de sua...
— NÃO! EU ME RECUSO!
Estou quase morrendo. Não posso acreditar que estava vendo Luna
completamente nua outra vez, mas dessa vez com mais detalhes e bem
nitidamente. Meu coração está disparado. A imagem dela na tela com as
pernas afastadas e se alisando de forma sensual é... perturbadora.
Completamente perturbadora.
Quando ela enfia o dedo na boca e depois leva em direção ao meio
das suas pernas, finalmente tenho uma reação e desligo a televisão. Esse
tempo todo, o controle estava ao meu lado e eu não tinha forças para pegar
e desligá-la, mas finalmente consegui. Parece que minha mente ia entrar
em pane, não posso acreditar no que vi.
— Camille? — Ouço a voz de Luna e sei que não é por causa do
vídeo dessa vez. Isso me faz arregalar os olhos.
Levanto-me da cama com um salto digno de uma atleta, corro até o
aparelho e, com as mãos trêmulas, tiro o CD lá de dentro, desligando o
aparelho de qualquer forma. Os passos de Luna ecoam pela casa, logo ela
estará aqui, e eu preciso esconder tudo. Volto a pular na cama, para pegar
a capa, e com certa rapidez, consigo guardar o CD, bem a tempo de ela
finalmente chegar ao quarto. Quando ouço a porta abrir, ensaio minha
melhor expressão de tédio. Espero que ela não note nada de estranho.
— Estou aqui...
Meu coração está disparado no peito, e eu prendo a respiração,
porque não quero que ela perceba como estou ofegante. Toda a descarga
de adrenalina que esse momento me causou está me deixando um pouco
desesperada.
Ela me analisa durante alguns segundos, parecendo desconfiada.
— Você está bem? Ainda não tomou seu café? Não conseguiu
encontrar seu celular? Eu o deixei na cabeceira da cama — ela parece
preocupada, porém, ao mesmo tempo, com receio de se aproximar. Isso é
ótimo.
Desvio meu olhar. Não vou conseguir encará-la sem me lembrar de
que estava vendo-a completamente nua, em um momento bem íntimo,
alguns segundos atrás.
— Estou bem, sim, eu só estava... Hm, vou descer para comer —
respondo rapidamente, arrastando-me para fora da cama. Preciso ficar
longe dela, não quero olhá-la e me lembrar de como ela estava naquele
vídeo.
Saio do quarto de cabeça baixa, mas sinto seu olhar sobre mim. Não
a encaro de volta, quero sair dali o mais rápido possível. Preciso manter
distância dessa mulher.
Quando chego à cozinha, sinto-me um pouco mais tranquila e solto o
ar que estava preso em meus pulmões. A mesa está posta, parece ter
bastante coisa e tudo está devidamente coberto. Ela sabe mesmo como
preparar um banquete.
Sei que meu apetite continua o mesmo, pois quando sinto o cheiro
do café ainda fresco, meu estômago parece acordar e reclamar de fome. Eu
preciso mesmo comer, aquele vídeo me deu fome.
Começo a retirar todas as coisas que protegem a comida. Quero
saber, de uma vez, tudo o que tem ali. Meus olhos encontram os waffles
recheados, e dá para ver chocolate escorrer pelas bordas, mesmo que não
estivessem mais tão frescos. Luna parece mesmo me conhecer, posso
confirmar isso apenas olhando tudo o que ela havia preparado.
Estou tão entretida em tomar meu café e me alimentar que nem
sinto a presença de outra pessoa na cozinha. Somente quando a porta da
geladeira é aberta, percebo que não estou mais sozinha. Olho por baixo dos
cílios em direção à Luna e me arrependo na mesma hora.
Ela tinha mesmo que ficar com essa bunda para cima?
Luna está abaixada, pegando alguma coisa na parte debaixo da
geladeira, e sua bunda parece tão redonda e durinha naquela saia social cor
de giz. A roupa está colada em seu corpo, destacando bem suas curvas. E
preciso dizer: que curvas!
Luna parece uma empresária sexy.
Essa bunda...
Distraio-me do café quando imagens daquele vídeo tomam conta da
minha mente, sem ao menos pedir licença. De repente, eu a visualizo nua
na cama outra vez, gemendo meu nome, enquanto eu a incentivava,
empurrando-a para o orgasmo.
Meus pensamentos parecem não ter fim, mas eles têm. Levo um
susto quando algo passa em frente aos meus olhos. É Luna, e ela está de
pé ao meu lado, encarando-me.
— Está tudo bem? Você parecia estar bem longe daqui, e seu rosto
está vermelho — ela parece mesmo preocupada, mas o tom em sua voz é
de diversão.
Eu rapidamente me recomponho. Preciso aprender a me controlar
quando estiver perto dela. Volto a olhar para a comida, porque só assim vou
conseguir me concentrar em outra coisa.
— Estou bem, sim, só me distraí com algumas coisas sem
importância.
— Ah, sim... — Ela se inclina sobre a mesa em busca de algo. É um
morango. Luna o leva até a boca e morde a fruta com vontade, soltando um
longo gemido. Sim, ela fez isso. — Está delicioso. Você deveria prová-los.
Não satisfeita com todo aquele erotismo anterior, ela leva os dedos
até a boca e suga-os, parecendo saboreá-los com vontade, bem ali, na
minha frente, sem qualquer tipo de pudor. Seus olhos verdes me encaram
fixamente, e os lábios cheios chamam minha atenção com aqueles
movimentos. Talvez pudesse ser algo normal, mas no momento eu não
queria ver essas coisas. Será que ela poderia pegar leve?
Sem poder controlar, minha mente é novamente invadida por
imagens. Dessa vez, visualizo Luna sobre um dos balcões da cozinha. Ela
está com as pernas afastadas e um pote de morangos nas mãos. Quando
ela morde um pedaço da fruta e leva o outro até o meio de suas pernas,
sinto vontade apenas de me inclinar e...
— PARA!
Meu grito repentino a assusta. Ela salta e me olha, sem entender
nada.
— Camille, você...
— Eu estou bem, Luna!
Levanto-me da cadeira, arrastando-a para trás com força. Nem olho
para ela, apenas saio da cozinha. Preciso ficar longe dela para restaurar
minha sanidade.
Estou tendo visões eróticas com a psicopata. Era só isso mesmo que
faltava para minha vida ficar melhor.
Obrigada, vida, você me odeia cada vez mais.

Agora estou na sala, assistindo a um filme qualquer ou, pelo menos,


tentando. Ouço barulhos no andar de cima, mas tento não me abalar. O que
essa mulher está aprontando? Só falta ela ser alguma sádica sinistra e
querer me torturar até minha memória voltar. Eu preciso parar com esses
pensamentos.
Volto a prestar atenção ou tentar prestar atenção no filme, mas os
sons de algo sendo arrastado no andar de cima atiçam minha curiosidade.
Ir ou não até lá?
Melhor não, vai que eu vejo coisas desnecessárias?
Tipo: Luna se masturbando e gozando... Para com isso, Camille!
Os barulhos param. Eu respiraria, aliviada, mas os sons de passos
apressados na escada me chamam a atenção. Não vou ter paz hoje, tenho
certeza.
— Camies? Seu celular estava tocando — Luna me avisa, e eu faço
menção de me levantar para buscá-lo, mas ela estende o fino aparelho na
minha frente. — E... foi você quem mexeu na nossa caixa de vídeos?
Nossa caixa de vídeos...
Nossa.
Oh... Será que também tem vídeos meus ali?! E puta que pariu! Ela
percebeu que eu mexi lá. Será que sabe a qual vídeo eu assisti?
— Não estou te repreendendo, Camille. Os vídeos são nossos, assim
como tudo naquele quarto e nessa casa também — Luna diz ao perceber
minha possível expressão de medo e culpa, e desvio meu olhar do dela. Não
quero acabar me entregando. Ela se senta ao meu lado, mas nem me dou o
trabalho de encará-la. — Amor, você precisa começar a se sentir bem na sua
casa, ela é sua. Você não é uma estranha aqui.
É fácil para você falar, idiota!
— Luna, você pode me fazer um favor? — Viro-me para olhar bem
em seus olhos, e ela afirma com a cabeça, abrindo um sorriso. — Será que
você poderia parar de me chamar de amor?!
Sua boca abre e fecha algumas vezes. Ela parece buscar algo para
dizer, mas depois suspira, derrotada, e abaixa a cabeça. Parece cabisbaixa e
apenas acena, sem jeito, com a cabeça. Reviro os olhos. Por que ela fica
agindo dessa forma? Argh! Camille, vocês são casadas. E meu pai me
mandou não ser tão rude com ela, mas simplesmente não consigo.
Luna levanta-se do sofá e vira-se para sair dali, mas eu sou rápida e
seguro-a pelo pulso.
— É só que... é muito difícil, entende? — explico. — Eu não sei lidar
com tudo isso. Não está sendo fácil para mim.
Luna solta uma risada sem qualquer resquício de humor, e confusa,
franzo o cenho, porque achei que ela estivesse magoada. Solto seu pulso na
mesma hora.
— Eu estou tentando te entender, Camille. Juro que estou! — ela
quase cospe as palavras. Sua voz é pura ironia, da forma que eu me
lembrava. Essa, sim, é a Luna que eu conheço. — É difícil para você não se
lembrar de nada? Mas eu tenho certeza de que não é pior do que ver o
amor da sua vida te tratando com tanta frieza, como se eu fosse um nada,
quando eu costumava ser seu tudo.
— Você precisa me entender, droga! — grito de repente. Estou me
sentindo exausta, prestes a explodir, e não só no sentido figurado. Luna,
assim como eu, está arfando. Seu rosto está vermelho, com uma veia
saltando em sua testa. — Não está sendo nada fácil para mim. Eu perdi
toda a minha vida, é difícil.
— Está sendo difícil para você? — Ela dá um passo em minha
direção, e por instinto, dou um para trás. Era difícil vê-la sair do sério, e
estou realmente preocupada. — Será que você não vê que está sendo difícil
para todos nós?
— Luna...
— Não! Você vai me ouvir!
Calo-me, ao ouvir seu tom de voz severo, e engulo em seco. Parece
que minha garganta está sem água há muito tempo, de tão seca.
— Por acaso você acha que é fácil ver o amor da minha vida agindo
da forma que você tem agido? Você realmente acha que está sendo fácil ver
tudo o que construímos, durante esses anos, simplesmente desmoronar, e
eu não poder fazer nada?
— Eu...
— Você... — Ela se afasta, passa as mãos em seu rosto e solta um
longo suspiro. — Eu amo você, Camille. Provavelmente, mais do que, um
dia, imaginei amar alguém em toda a minha vida. E eu prometi no altar que
estaria ao seu lado em todos os momentos, na saúde e na doença, na
alegria e na tristeza. Acha que está sendo difícil só para você?
Meus olhos começam a arder por causa das lágrimas. Vê-la dessa
forma, tão vulnerável, apesar de sua ira anterior, causa-me uma angústia
desconhecida. Desde que tudo aconteceu, eu nunca parei para pensar na
forma que ela está se sentindo. Deve mesmo estar sendo difícil para ela.
— Não sei o que dizer. Tudo é realmente muito difícil para mim.
Luna se aproxima um pouco mais de mim, parando a centímetros do
meu corpo. Dessa vez, embora ela ainda pareça irritada, seu jeito não me
assusta. Eu não me afasto, sei que não fará nada comigo. Com uma longa
puxada de ar, ela eleva uma mão até que toque meu rosto com as pontas
dos dedos. Estão gelados e traçam uma pequena linha em meu queixo.
Seus olhos acompanham a pequena trilha, e um suspiro lhe escapa.
— Você perdeu a sua memória, mas as outras pessoas não, Camille
— sua fala me faz arregalar os olhos e prender a respiração. Seus olhos
encontram os meus. Tão intensos. — Você nunca foi egoísta, não comece a
ser agora. — E após dizer essa última frase, ela simplesmente se vira e
caminha em direção às escadas. Passos rápidos e pesados ecoam pela casa
vazia, e ouço, em seguida, o baque alto de uma porta sendo fechada.
Minha pele ainda está aquecida no local em que ela tocou. Porém,
mesmo com seu toque carinhoso, eu sei que Luna ainda está com raiva, e
dessa vez ela tem toda a razão de estar. Não podendo mais evitar as
lágrimas, estou, mais uma vez, chorando.
O que eu devo fazer para conseguir arrumar tudo?
Como eu poderia amar alguém que eu costumava odiar?
Sento-me de volta no sofá, sentindo-me perdida. Meus olhos vagam
sem rumo pela sala, não sei o que fazer. Eu ouço a porta da frente ser
aberta e, depois, fechada com força. Ela deve estar mesmo precisando de
espaço, irei respeitá-la dessa vez.
Meu celular começa a tocar sem parar. Busco pelo aparelho no sofá e
leio Big na tela. Nem precisaria ver a foto na tela para saber quem era. Só
podia ser uma pessoa.
— Camille? — Meu coração acelera ao ouvir aquela voz. Nem em mil
anos eu esqueceria a voz de Vanessa. Sempre foi um porto seguro para
mim. — Sou eu, Vanessa.
— Big!
— Sentiu saudade? Estou indo à sua casa em alguns minutos. Toni
não está em casa e Noah acabou de sair. Ele disse que iria encontrar Nayara
e o marido dela — ela dispara a falar.
Pergunto-me se ela sabe sobre a minha memória. Bem, se não sabe,
eu terei que contar.
Estou mesmo surpresa por ela ter citado Noah. Então, a esposa que
ele citou ontem era Vanessa? Oh, meu Deus! Eu não acredito que minha
melhor amiga se casou com sua paixonite do Ensino Fundamental. E quem
seria Toni? O filho deles?
— Daqui a pouco estou aí, Lil. Estou levando cupcakes. Beijos, beijos.
— Desligou. Ela simplesmente falou sem parar e desligou. Bom, Vanessa
continua a mesma de sempre.
Pelo menos vou ter alguém com quem desabafar. Eu realmente
preciso de alguém que me entenda. O dia de hoje foi muito intenso, e nada
como a presença de minha melhor amiga para me acalmar. Preciso de
alguém que me faça entender melhor toda essa situação.
Capítulo 4 - Carinha
Um pequeno sorriso surge em meu rosto. Logo Vanessa estará aqui
comigo e eu poderei tentar entender melhor a situação em que estou. Solto
um longo suspiro. Com aquele mesmo incômodo presente em meu peito, as
palavras de Luna ressoam outra vez em minha mente. Meu rosto ainda está
marcado pelas lágrimas, sinto as trilhas que elas deixaram em minha pele.
Um lembrete do quão complicado tudo isso está sendo.
Não é fácil para ninguém, mas está sendo pior para mim. Será que
ninguém consegue se colocar no meu lugar? Eu simplesmente acordei, um
dia, e ao invés de ir à escola, como uma adolescente normal, descobri que
sou casada e tenho um filho. Esqueci-me de longos dezesseis anos. Como
eu poderia me acostumar com isso instantaneamente?
Não sou egoísta, só estou confusa. É injusto como todos parecem
estar me cobrando algo. Eu não tenho culpa se não me lembro de nada,
certo? Ninguém pode me julgar por não estar sabendo lidar com tudo isso.
Nem mesmo os médicos conseguiram explicar o que está acontecendo.
Levanto-me do sofá, com pensamentos frenéticos. Preciso organizar
minha mente, mas neste momento a necessidade maior é tomar um banho,
antes que minha melhor amiga chegue. Enquanto subo as escadas, ouço
meus próprios passos ecoarem pelas paredes extremamente brancas —
além de toda a decoração branca. Será que temos fetiche por essa cor? E
todo o silêncio desse lugar me incomoda muito. Luna não comentou sobre
eu ter um emprego nem me deixou algum lembrete.
Será que passo os meus dias em casa, sem fazer nada, e sou
sustentada por ela? Não consigo me ver nessa posição. Sempre desejei
crescer e ter minha independência, não importava se eu estaria casada ou
não.
O banho foi relaxante, a água estava ótima e ajudou-me a ficar um
pouco mais tranquila. Depois de terminá-lo, saí do banheiro e fui em direção
ao closet. Eu não sabia ao certo se as roupas que peguei de algumas
gavetas eram as minhas, mas gostaria que fossem — principalmente as
íntimas. Não é higiênico compartilhar calcinhas com outra pessoa.
Devidamente vestida, volto ao banheiro para colocar minha toalha ao lado
de outra que estava pendurada. Eu sabia que aquela era a minha, pois tinha
“C.J.” bordado nela.
Só podia ser “Camille Jacobs”. Parece que a outra eu realmente
gosta de ostentar o sobrenome de Luna. Isso é surreal para mim agora.
Quando me sento no sofá da sala de televisão, só então me dou
conta de como ele é confortável. Agora, entendo por que Louis e Luna
adoram ficar deitados aqui. Sentada ali, tento, de forma inexperiente, forçar
minha mente. Nada, nem uma mísera lembrança da menor coisa possível.
Sinto-me desolada e sei que logo estarei chorando outra vez, mas o som da
campainha me anima.
— Vanessa! — Levanto-me do sofá e corro em direção à porta. Estou
ansiosa para revê-la. Há um enorme sorriso em meu rosto quando giro a
maçaneta, mas abro a boca, incrédula, ao me deparar com ela. — Caralho!
Ela sempre teve um corpo fenomenal, mas parece que os anos lhe
fizeram muito bem. Sem contar seu rosto com traços de mulher. Uma beleza
única, que sempre foi somente dela.
— Olha só, parece que alguém voltou a falar palavrões — ela brinca e
solta uma risada.
Eu estou muito chocada para ter qualquer outra reação, a não ser a
de ficar paralisada. Vanessa tinha um belo corpo quando ainda éramos
jovens, mas a vendo agora percebo que ela se tornou uma mulher
excepcional.
— Que olhar é esse? Será que preciso te lembrar de que não vamos
transar outra vez?
— Você está... Como assim outra vez?! — grito, completamente
incrédula, e rapidamente paro de encarar seu belo corpo, fixando meu olhar
em seu rosto. Ela tem sua típica cara debochada de tédio, e eu não posso
acreditar que fizemos aquilo alguma vez nessa vida.
— Você realmente perdeu a memória. Só assim para se esquecer de
ter tido tudo isso na cama — gabou-se, balançando os cabelos curtos e
apontando para si mesma.
— Vanessa... eu... nós? Como que… — estou gaguejando, tamanha a
minha surpresa com aquela revelação. Ou poderia dizer o meu horror?
Estava tentando assimilar isso.
E, enquanto eu pensava, a idiota à minha frente explodiu em uma
gargalhada.
Franzi o cenho.
— Continua sendo tão fácil enganar você. — Ela não parava de rir. —
Vem aqui, Lil.
— Eu odeio você — resmungo, emburrada.
Ela continua rindo e vai em minha direção, mas me afasto. — Sai de
perto de mim.
— Pare de ser assim. Eu estava com saudades. — Vanessa me puxa
para um abraço impossível de recusar. Senti saudade disso. É aconchegante
e sufocante. Peitos enormes em meu rosto, mas é como estar em casa.
— Seu abraço é o melhor do mundo — murmuro contra o vale de
seus seios. Sim, meu rosto está enfiado exatamente nesse lugar. Vanessa
sempre teve mania de me sufocar assim quando nos abraçávamos. Os
peitos dela parecem bem maiores. Eles sempre foram grandes, mas estão
maiores agora. Alguém deve fazer a festa nesses peitos.
— Ele sempre foi o melhor do mundo, eu sei disso — ela se gaba ao
se afastar de mim, e reviro os olhos, pois nem todos aqueles anos fizeram
seu ego diminuir. — Mas me conta sobre tudo isso... É mesmo verdade a
amnésia? Noah chegou à nossa casa desesperado, dizendo que você tinha
perdido a memória e queria matar Luna. Fiquei achando que era brincadeira
e não parei de rir até ele me explicar melhor.
Suspiro, finalmente dando espaço para que ela entrasse, fecho a
porta e faço sinal com a cabeça para que ela me acompanhe em direção à
sala.
— Infelizmente, não é uma brincadeira. — Sento-me no sofá e ela
me acompanha. Vanessa parece realmente chocada. — Eu simplesmente
acordei ontem de manhã e descobri que sou casada com a Luna e que
tenho um filho com ela. Você consegue imaginar como isso deixou a minha
cabeça? Eu só me lembro de odiá-la.
— Meu Deus... Não acredito que isso realmente aconteceu. Pensei
que era mentira.
— Eu gostaria que fosse.
— Só porque eu ia perguntar sobre o sexo de reconciliação com o
picolé de leite.
Um rubor surge em minha bochecha, acompanhado pelo revirar em
meu estômago. Vanessa falou aquilo com tanta naturalidade, como se fosse
comum ela saber da minha vida sexual com Luna. É nojento imaginar que
fizemos essas coisas.
— Sexo de reconciliação?
Apesar de apavorada com a hipótese de ter feito sexo com a idiota
durante toda a minha vida, estou curiosa sobre o que ela falou. Luna não
comentou nada sobre qualquer briga que tenhamos tido na noite anterior ao
fatídico dia da minha amnésia. Não que eu lembre. Confesso que não presto
muito atenção no que ela diz.
— Você não se lembra? — Olho para ela, incrédula. Vanessa
finalmente parece se dar conta de sua falha e bate em sua testa. — Eu
esqueci que você não se lembra de nada. Perdoe-me.
— Lerda.
— Me respeita, garota.
— Conta logo o que aconteceu, Big.
— Tudo bem. Você deu um show no meio da boate em que
estávamos. Era nosso dia de folga e os adultos resolveram sair, se é que
você me entende.
Como assim eu dei um show no meio de uma boate? E do que
exatamente ela está falando?
— Eu fiz o quê?
Vanessa gargalha. Sim, ela está gargalhando alto, com a cabeça
jogada para trás. Parece que a lembrança da tal noite a diverte muito, e isso
me preocupa, afinal ela ama rir das minhas desgraças. Sempre foi assim.
— Lil... — Ela finalmente para de rir, retomando sua postura séria, ou
ao menos a mais séria possível. — Você simplesmente teve uma crise de
ciúme e praticamente arrastou Luna para fora da boate.
— Eu não acredito.
Estou envergonhada. Muito envergonhada, para ser sincera. Não
acredito que, além de ter me tornado uma pervertida, também me
transformei em uma ciumenta psicótica.
— Pois pode acreditar. Eu fiquei com dó da Luna, ela nem estava
dando atenção para a ruiva em cima dela. O mais engraçado foi o pessoal
com medo de você e sua esposa tentando te acalmar. — Vanessa solta uma
risadinha. — Você disse para ela que iria enfiar o seu salto tão fundo na
garganta dela que iriam ter que cortá-la no meio para remover.
Cadê aquele buraco para eu enfiar minha cara nele? Senhor! Em que
tipo de pessoa me transformei? Tendo ataques de ciúme, fazendo show na
frente de pessoas desconhecidas e conhecidas por causa da Luna… Tudo
por causa da maldita idiota!
— Vanessa, isso não tem graça! — exclamo, sem paciência. Eu estou
prestes a ter um colapso nervoso, porque não me reconheço mais, e essa
idiota está rindo, divertindo-se às minhas custas.
— Você diz isso porque não estava assistindo àquela cena. Camille,
você queria arrancar uma das pilastras para jogar na tal ruiva.
— Meu Deus...
Estou horrorizada. É isso, muito horrorizada. Eu nunca fui do tipo que
perde a cabeça. Quero dizer, somente Luna tinha o dom de me tirar do
sério. Ela despertava o meu pior sempre.
— Sem contar que a mulher era enorme. Parecia que estávamos
vendo um pinscher tentando brigar com um pitbull.
Meus olhos quase saltam das órbitas ao ouvir isso. Não bastava eu
estar arrumando confusão, ainda arrisquei minha integridade física. E se a
mulher tivesse me matado?
— Não acredito que me arrisquei assim.
Vanessa não responde nada, apenas volta a rir, e eu reviro os olhos,
empurrando-a para trás. Com uma melhor amiga dessas, eu nem preciso de
inimiga!
Demoram, no mínimo, uns quarenta minutos para que ela pare de se
divertir às minhas custas. Eu queria estapeá-la por não ser uma melhor
amiga decente. Vanessa podia, pelo menos, não ficar zombando tanto de
mim na minha presença.
— Vanessa? Você se casou com o Noah?
— Sim. Pensei que já soubesse.
— Como isso aconteceu? Eu não acredito que você conseguiu se
casar com o seu primeiro amor. Isso é coisa de filme romântico e clichê.
Ela ri.
— Realmente. Mas eu o amo tanto. As coisas com ele são melhores
do que eu sempre imaginei. Noah é mesmo minha pessoa.
O brilho em seus olhos não esconde isso. É bom vê-la assim. Sei que
por muitas vezes eu ficava implicando com ela por causa de sua paixão
secreta não correspondida, mas é muito bom ver como minha melhor amiga
parece realizada. Vanessa merece o mundo.
— Conte-me tudo — peço, ansiosa para saber sobre a história deles.
Vanessa conta tudo, literalmente, desde o início do romance. Ela diz
que no último dia de que eu me lembrava — que foi o da carona com a
idiota — Noah pediu o número dela e não fez rodeios ao revelar seu
interesse. É óbvio que ela deve ter surtado. Fico imaginando como deve ter
sido sua animação ao me contar isso no passado. Conta, também, que o
primeiro encontro deles aconteceu duas semanas depois que ele a deixou
em casa. Eles saíram para jantar uma semana depois. Noah foi um
cavalheiro e encantou-a muito. Eu sempre soube que ele era boa pessoa,
por isso nunca me preocupei com a possibilidade de ela ter o coração
partido por ele. Não fico surpresa quando ela diz que, depois de Luna, eu
sempre fui a que mais os apoiou.
Sempre quis o bem da minha melhor amiga, mesmo que, no passado, eu
odiasse tanto coisas românticas. Fico imaginando como o meu pensamento
mudou com o passar do tempo, afinal estou casada e tenho um filho. Quero
dizer, o romantismo, em algum momento, começou a me atrair.
— Tudo aconteceu da forma mais pura e natural entre nós dois. E
hoje, dezesseis anos depois, ainda estamos juntos. Minha vida não poderia
ser melhor.
O sorriso dela diz tudo. Eu sorrio também, muito feliz por Vanessa.
— Vocês têm filhos?
— Sim! — ela responde rapidamente, pega o celular e desbloqueia a
tela, chegando mais perto para me mostrar uma foto. — Anthony, mas o
chamamos de Toni.
— Meu Deus, Big! Ele é lindo. — Estou apaixonada pelo pequeno
Hansen Jacobs. — Quantos anos ele tem?
— Seis, a mesma idade do seu filho.
Meu filho.
Um sorriso espontâneo nasce em meu rosto. Não posso evitar
visualizar o rosto daquele pequeno, extremamente fofo, e sinto como se
meu coração estivesse aquecido. Todos dizem que temos uma forte ligação,
e agora eu entendo. Mesmo sem memória, sinto aqui, bem no fundo, que o
amo bastante. Seria capaz de tudo por Louis.
— Big, eu preciso saber de algumas coisas. Luna e Louis sempre
foram tão apegados? Eu os observei ontem e hoje, eles parecem muito
unidos.
— Sim. Ela o ama mais que tudo. — Ela sorri. — Quando Louis
nasceu, parecia que Luna tinha ganhado uma fortuna na loteria. Ninguém
tirava o sorriso do rosto dela. No hospital, ela não saía de perto de vocês,
era muito difícil tirá-la do quarto. Vocês dois são o mundo dela, Lil.
Mesmo sem querer, sinto uma felicidade desconhecida dentro de mim
ao imaginar essa Luna tão carinhosa e superprotetora. Não a conheço
direito, mas pela forma que Vanessa e meus pais falam dela, parece que os
anos a tornaram uma mulher excepcional. Sei que boa mãe ela é, com
certeza. Fico curiosa em saber como nosso casamento sempre foi e se ela
também é uma boa esposa. É provável que sim.
— Hm, conte-me mais sobre a sua vida de casada. Vocês se casaram
na igreja? — resolvo mudar de assunto para não ficar pensando tanto na
Luna. Essa situação ainda é estranha demais para eu ter que lidar com isso
agora. Quem sabe, com o passar dos dias, me acostume um pouco mais.
Vai ser difícil, mas espero conseguir.
— Fizemos tudo como manda o figurino — ela responde, sorridente,
com um olhar nostálgico. Vanessa parece estar se lembrando de seu
casamento. — Você foi minha madrinha.
— É bom mesmo que eu tenha sido.
— Você e Luna, na verdade.
Reviro os olhos momentaneamente. É claro que ela tinha que estar
presente até mesmo nisso. Se bem que faz sentido, afinal foi o casamento
do irmão dela também. Todos à minha volta falam sobre como eu e ela não
desgrudamos uma da outra. É surreal imaginar que já amei Luna um dia.
Vanessa e eu continuamos conversando sobre tudo, e quero saber
sobre as pessoas que convivem comigo. Ela conta sobre o casamento de
minha irmã e Rodrigo, e isso não me surpreende, afinal Belinda sempre fez
questão de dizer, todos os dias, que ele era o homem de sua vida e que eles
iriam se casar.
Fico sabendo que tenho dois sobrinhos: Serena, de onze anos, e
Harry, de sete. Estou ansiosa para conhecê-los. Imagino que devam ser
duas das tantas crianças presentes em fotos espalhadas por essa casa. Uma
coisa é fato: Luna e eu amamos fotografias. Vanessa também me conta
sobre minha irmã mais nova: Sofia havia acabado de concluir mais um
semestre da faculdade. Ela está cursando Direito, pretende se tornar
advogada. Um sonho de infância. Fico feliz que irá realizá-lo. Também fico
sabendo que ela estava namorando, mas terminou há algumas semanas. E
ela também é hétero. Só eu tenho bom gosto nessa família.
— Preciso muito te fazer uma pergunta e tenho certeza de que você
sabe.
— O quê? — Ela me olha, curiosa.
Estou sem jeito para fazer essa pergunta, mas prefiro que Vanessa
me envergonhe a ter que perguntar isso diretamente a Luna.
— Com quem foi minha primeira vez?
Vanessa me olha como se a resposta fosse óbvia, e eu petrifico no
lugar. É claro que eu imaginei essa possibilidade, mas tinha esperanças de
que não fosse verdade.
— Essa pergunta é óbvia. Você está casada com ela, tem um filho
com ela.
Não. Eu me recuso a acreditar que até isso eu tenha compartilhado
com Luna.
— Eu não consigo... Eu só... Ugh!
Não consigo acreditar, muito menos aceitar, que minha primeira vez
tenha sido com Luna. Isso é algum castigo, não é possível. Eu lembro que
naquela época sentia certa atração por uma garota do terceiro ano, Jennifer.
Por que logo ela?
Será que Luna foi carinhosa e teve paciência?
Imagino que sim, pois eu jamais teria me casado com ela.
Céus! Eu me casei com ela.
Temos um filho juntas.
Não acredito que construí uma vida com a psicopata idiota.
— É estranho a ponto de ser engraçado te ver tão espantada com
essa informação. Era meio óbvio. Por um lado, eu não vou mais ser
obrigada a te ouvir falar sobre a primeira vez perfeita de vocês duas. Você
precisa mesmo sempre detalhar tudo?
— O quê?
— Não me olhe com essa cara, Camille. Os tempos mudaram, e tudo
está diferente agora.
— Eu não consigo aceitar. É difícil acreditar.
Levo as mãos até meus cabelos, segurando os fios entre os dedos.
— Pois acredite, é a mais pura verdade. Você é completamente louca
por aquela mulher.
— Não fale isso nem de brincadeira. Louca eu estava mesmo, me
casei com Luna Jacobs.
— E sempre teve orgulho disso. — Eu a encaro com cara de poucos
amigos, mas isso nem a abala. — Você a ama, Camille. Não estamos mais
no colegial.
— Se alguém me dissesse que hoje estaria casada com ela, eu
mesma prenderia a pessoa em um hospital psiquiátrico.
Vanessa acaba rindo e eu também não seguro a risada. Já que estou
no inferno, é melhor colocar uma roupa refrescante mesmo e pegar um
bronzeado.
— Muita gente ficou surpresa quando vocês se envolveram. Foi um
choque.
— Eu imagino que tenha sido mesmo. — Solto um longo e pesado
suspiro. Muita informação para armazenar em minha mente defeituosa. —
Só não consigo imaginar como todo aquele ódio virou amor. Luna e eu
sempre nos detestamos.
— Vocês se detestavam?
Vanessa inclina a cabeça para trás e solta uma sonora gargalhada.
Confusa, eu a encaro.
— Sim! Todos sabiam que nos odiávamos.
— Lil, você me diverte muito — ela diz quando para de rir, e limpando
os cantos dos olhos, estala a língua e nega com a cabeça. Estou mais
confusa ainda. — Vocês nunca se odiaram.
— Mas como...
— Você, Camille. Somente você odiava Luna. Ela nunca te odiou,
muito pelo contrário.
Como assim a Jacobs nunca me odiou? E as piadinhas? Provocações?
O número de vezes que aquela criatura satânica me prendeu no teatro da
nossa antiga escola? As vezes que me fez chorar de tanta raiva? Como ela
podia não me odiar? Tudo aquilo deixava claro para mim que ela nunca me
suportou.
— Óbvio que nos odiávamos, Vanessa. Você sempre presenciou as
coisas que ela fazia comigo. Luna Jacobs me odiava tanto quanto eu a
odiava.
— Camille — ela chama meu nome e segura meus ombros. — Luna
nunca odiou você, mas sabia do seu ódio por ela. Era por isso que sempre
arrumava alguma forma de implicar com você. Ela só gostava de provocar.
— Eu sempre a odiei, porque nunca tive paz. Luna sempre
encontrava um jeito de acabar com o meu dia. Todas aquelas brincadeiras
idiotas, sem contar as cantadas extremamente ridículas. Eu queria matá-la.
Vanessa revira os olhos e solta meus ombros. Ela dá um tapa em
minha testa e eu a encaro, incrédula. Afinal, qual é o problema dela?
— Você costumava ser mais esperta, Lil. Luna não podia te deixar em
paz.
— Eu sei disso. Essa era a razão para eu odiá-la tanto.
— Ela sempre foi apaixonada por você. Acho que todo mundo notava
isso.
— O quê?
Eu quero gritar. Juro que minha vontade é de soltar um grito de
espanto digno daqueles filmes de horror bem pesados, mas meu tom de voz
sai baixo, de forma incrédula.
Era impossível. Luna Jacobs não podia ser apaixonada por mim.
— Você teve essa mesma reação quando soube pela primeira vez.
— Isso é impossível, Vanessa. — Levanto-me do sofá, começo a
andar de um lado para o outro e nego com a cabeça diversas vezes, confusa
e em negação. — Como alguém pode se dizer apaixonada por outra e fazer
tudo o que ela me fez? Que tipo de paixão doentia é essa que te faz ser
idiota com a pessoa que ama?
Indignação é pouco para definir o que eu sinto, estou muito irritada
agora. Como ela poderia ser apaixonada por mim, se me tratava como
qualquer uma? Teria sido mais fácil simplesmente me convidar para sair.
Não que eu fosse aceitar, claro, mas qualquer coisa era válida. Menos a
saída que ela encontrou.
— Simples: ela queria sua atenção. — Eu abro minha boca para
responder àquilo, mas Vanessa me impede. — Luna era só uma adolescente
e nunca tinha se apaixonado. Você nunca a tratou bem, e ela achou que
essa era a melhor forma de estar perto de você.
Suspiro, mordendo o lábio inferior, e pensativa, encaro um ponto
qualquer na parede. Dessa vez, as coisas parecem fazer um pouco mais de
sentido, embora eu ainda ache que tudo isso foi uma burrada extrema. Se
ela queria minha atenção e, consequentemente, me conquistar, o plano deu
totalmente errado.
Eu a odiava.
Pensei que Luna me achasse feia, ou talvez apenas tivesse ficado
irritada, porque eu não era como as outras pessoas. Nunca me derreti por
aquela idiota. Eu pensei que tudo não passava do seu ego ferido.
Quero dizer... por que outra razão ela iria implicar tanto comigo? Nem
estudávamos juntas, não fazia sentido.
— Eu não consigo acreditar. Sempre achei que Luna não gostasse de
mim também.
Confesso: ainda estou surpresa. Tudo isso é mais surreal para mim
do que ter acordado casada com ela. Eu jamais imaginaria que Luna nutria
sentimentos por mim naquela época. Ela tinha uma maldita legião de
garotos e garotas aos seus pés, todos loucos para receber o mínimo possível
de atenção dela. Por que Luna se interessaria logo por mim? Era
simplesmente inacreditável.
— Você realmente nunca percebeu os olhares indiscretos dela? —
Vanessa questiona, parecendo incrédula, e eu nego com a cabeça, pois
nunca reparava nela, para ser sincera. Lembro-me apenas de uma vez que a
peguei com os olhos na minha bunda. Fiquei irritada, na época, e briguei
com ela. Luna era uma depravada. — Os olhos dela nunca desgrudavam de
você. Estou surpresa que nunca tenha percebido.
— Eu realmente nunca percebi.
Sinto-me tola por nunca ter notado aquilo. Mas por que eu notaria
também? Isso só me deixaria com mais ódio daquela idiota.
— Eu não sei, mas ela nunca foi discreta.
Afundo-me no sofá. Existem tantas coisas que não sei, milhares que
ainda preciso descobrir. Estou até com medo de perguntar sobre mais
coisas.
— Ela foi minha primeira em tudo, certo?
— Tecnicamente, sim.
— Como assim “tecnicamente”? Eu tive outras pessoas?
Isso me deixa surpresa. Eu lembro que não tinha dado meu primeiro
beijo ainda, mesmo que as oportunidades tivessem surgido. Nunca me
preocupei com isso.
— Não. Luna foi sua primeira na maioria das coisas, menos no seu
primeiro beijo.
— Meu primeiro beijo não foi com ela?
Não posso conter o tom de felicidade em minha voz. Pelo menos isso
eu não compartilhei com Luna, e esse fato me deixa tranquila. Vanessa
entorta a boca, mas nem me importo. Estou feliz que meu primeiro beijo
não tenha sido com a idiota.
— Você realmente perdeu sua memória.
— Por que está assim?
— Camille, você odeia se lembrar do seu primeiro beijo. Quero dizer,
odiava. Porque agora você não lembra, mas essa lembrança nunca te trazia
felicidade.
Eu não acredito.
— O que aconteceu para eu odiar essa história? Eu fui forçada?
— No dia em que você deu o seu primeiro beijo, estávamos em uma
festa. Luna estava lá também. Tudo ocorria bem, até que alguém decidiu
que seria legal brincar de desafio — ela começa a contar sobre aquele dia, e
estou muito curiosa para saber. — O jogo começou bem e divertido. Isso, é
claro, até você ser desafiada a beijar Luna.
— Eu neguei e depois aceitei quando foi com outra pessoa?
— Você não só negou como disse que apenas beijaria se fosse a
Jennifer. Lembra-se da sua paixão incubada no colegial por aquela garota?
— É claro que me lembro.
Não teria como esquecer a garota mais linda de todas.
— Então, o seu desafio mudou, e você teve que beijá-la ao invés de
Luna.
— E eu a beijei...
Encolho meus ombros ao concluir aquilo, e Vanessa concorda com a
cabeça.
— Isso destruiu o coração da Luna. Ela sabia que aquele era o seu
primeiro beijo. Tudo bem que você não fazia ideia dos sentimentos dela
naquela época, mas consegue se colocar no lugar dela? Como se sentiria se
visse a pessoa que você gosta preferir beijar outra na sua frente, apenas
para que você não fosse a primeira?
— Meu Deus.
Dessa vez, estou decepcionada comigo mesma. Consigo imaginar
como Luna se sentiu, e isso me deixa péssima. Não é porque eu nunca
gostei dela que a machucaria de propósito. Nunca fui má pessoa. Se eu
soubesse dos sentimentos dela, tenho certeza de que não faria isso,
principalmente na frente dela. Ninguém merece passar por isso.
— Eu disse que você não gosta dessa história.
— Luna não merecia isso. Como pude ser tão cruel?
Será que Luna não é nada do que eu pensava que era? Será que, na
verdade, eu sou a idiota da história? Muitas perguntas surgem em minha
mente, mas não sei como respondê-las. Posso apenas afirmar que nem
sequer conheço a mim mesma. Tornei-me alguém que repudio nesse
momento. Espero que a conversa com Luna não seja tão pesada.
Eu queria muito que Vanessa ficasse comigo ali pelo resto da noite,
mas precisava me acostumar com o fato de sermos adultas agora. Ela tinha
suas responsabilidades. Fui lembrada disso quando ela se despediu de mim,
alegando que precisava voltar para casa, pois Noah não era confiável na
cozinha, e Anthony chegaria com fome. Despedi-me dela com o coração
apertado, mas ela prometeu que voltaria a me visitar.
Estou sozinha outra vez naquela enorme sala, assistindo à televisão.
Para ser sincera, eu nem estou prestando atenção no que se passa na tela.
Toda a conversa que tive com Vanessa ainda está na minha cabeça, fico
remoendo aquela história do meu primeiro beijo ainda. Luna deve ter se
sentindo péssima com a minha atitude.
Minutos mais tarde, a porta da frente é aberta, e finalmente a casa é
preenchida com o som de vozes. Demora poucos segundos para que eu veja
não somente Luna, como Louis pendurado em suas costas. Os dois parecem
se divertir, enquanto cantam uma canção. Eu estava certa: ela é uma boa
mãe e eles realmente se dão bem.
Fico curiosa para saber como eu os recebia quando minha memória
não estava ruim. Será que os lembrava de retirarem seus sapatos, antes de
entrarem, ou corria até eles porque tinha passado muito tempo sozinha e
estava com saudade?
É uma das tantas curiosidades que tenho.
— Mommy!
Louis exclama ao me notar sentada no sofá. Sorrio para o pequeno, e
Luna o tira de suas costas, mas diz algo em seu ouvido. Ele concorda com a
cabeça e depois corre em minha direção. Seu abraço é reconfortante
demais.
— Oi, Lou — o cumprimento, com os braços em volta de seu corpo, e
ele se afasta um pouco, segurando meu rosto em suas mãos pequenas para
me encher de beijos. Isso me faz gargalhar, e meu coração acelera dentro
do peito. É impossível não amar essa criança.
— Eu senti muita saudade — ele confessa assim que nos soltamos, e
eu sorrio para ele, bagunçando seus cabelos curtos. Parece que foram
cortados recentemente.
— Eu também senti muita saudade — sou sincera. Essa casa fica
triste e sem graça sem a presença dele.
Louis sorri com a língua entre os dentes. É adorável ver suas
bochechas cheias ficarem evidentes. Esse garoto é realmente meu filho.
— Carinha, vá lavar suas mãos — Luna diz, atraindo sua atenção. —
Vou preparar alguns sanduíches. Você quer queijo-quente?
— Sim!
Ele comemora, com os braços erguidos, e Luna sorri, começando a
tirar seus tênis no canto da sala. Ela retira do ombro uma mochila azul e
estende para Louis.
— Tire seu uniforme e lembre-se de colocá-lo no cesto de roupas
sujas — ela ordena, e Louis apenas concorda, antes de começar a subir as
escadas. Eu continuo olhando para ela, sem saber o que fazer. — Você
comeu alguma coisa?
— Não. Eu estava prestes a procurar por alguma coisa.
— Frango com tomate e molho especial? — sua pergunta me deixa
confusa, e ela parece notar isso. Luna abre um pequeno sorriso, ficando de
pé corretamente após colocar seus tênis no lugar certo. — Esse costumava
ser o seu sanduíche favorito.
Ela nem espera pela minha resposta e sai dali, indo em direção à
cozinha. Suspiro, consciente de que sua frieza é culpa minha. Talvez eu
tenha pegado pesado demais na noite passada. Mas o que posso fazer? Não
me lembro de gostar dela.
Será que vamos viver assim, sem nos comunicarmos direito?

Nosso lanche não ocorre da maneira que eu esperava. Pensei que o


clima seria pesado, mas a presença de Louis faz toda a diferença. Luna e eu
até interagimos. Ela não parece mais tão chateada comigo. Quando
terminamos de comer, o pequeno me arrasta para assistir à televisão,
enquanto Jacobs fica encarregada de limpar toda a bagunça.
Agora estou sentada no sofá, acariciando seus cabelos, com ele
deitado em meu colo.
Não parece tão estranho quanto eu pensei que seria. Não me lembro
de tê-lo carregado comigo, mas sinto esse instinto maternal com ele. É
natural. Quem sabe, com o passar dos dias, eu me acostume com o fato de
ter um filho?
— Mommy? — ele me chama, e eu olho para baixo. Louis ergue a
cabeça, ajeitando-se melhor no sofá. Seu olhar demonstra algo estranho, o
qual não consigo identificar.
— Fiz o carinho errado? — Ele rapidamente nega com a cabeça. — O
que aconteceu?
— É que... queria perguntar uma coisa à senhora.
— Pode perguntar qualquer coisa.
Louis suspira e se senta corretamente no sofá. Estou atenta a seus
movimentos, ele parece mesmo prestes a dizer algo sério.
— Mommy, a mamãe e a senhora brigaram noite passada?
Seus olhos brilham, tristes, e meu coração aperta. Eu sabia que ele
poderia ter escutado alguma coisa, e isso faz com que eu me odeie. Louis
não deve presenciar essas coisas.
— Lou...
— Foi porque eu me sentei daquela forma no sofá? Eu sei que a
senhora não gosta, mas não foi culpa da mamãe. Prometo que nunca mais
faço isso — ele se exaspera, falando sem parar e gesticulando ao mesmo
tempo. Isso me parte o coração, ele pensa que a culpa foi dele.
— Louis...
— Eu prometo que vou fazer tudo o que a senhora pedir, mas, por
favor, não briga com a mamãe. Ela triste me deixa muito triste — Louis
termina de falar e agarra minha cintura com força, parecendo desesperado.
Sinto meu coração muito apertado no peito. Quero me livrar dessa
angústia.
— Pequeno, a culpa não foi sua — tento tranquilizá-lo, aliviando sua
culpa. Seus ombros tremem, e isso chama minha atenção. — Você está
chorando?
Ele nega com a cabeça, mas funga baixinho. Odeio vê-lo assim.
— Promete que vocês não vão ficar discutindo mais? Eu juro que vou
ser o melhor filho possível. — Louis se afasta de mim. Seus olhos estão
avermelhados, assim como suas bochechas. — Não gosto de ver a mamãe
chorar. Meu coração dói muito. — Ele coloca a mão direita sobre o lado
esquerdo do peito, como se quisesse mostrar onde dói.
Não posso evitar que uma lágrima escape de mim, seguida de outra.
É impossível evitar. Vê-lo assim, visivelmente machucado com a situação,
está me machucando também. Um soluço escapa de mim e agora não
tenho mais como evitar: estou chorando. Isso parece ativar algum instinto
protetor em Louis, pois não demora muito para que ele esteja em meu colo,
puxando minha cabeça para si, enquanto suas pequenas mãos fazem
carinho em meus cabelos. É como se ele quisesse dizer que estava ali para
mim. Essa criança tem apenas seis anos mesmo?
Não sei explicar, mas saber que Luna chorou noite passada conseguiu
me deixar incrivelmente para baixo. Senti como se machucá-la me
machucasse muito mais. Nós duas temos algum tipo de ligação estranha.
Além disso, ver como isso afetou Louis diretamente só serviu para fazer com
que eu me sentisse ainda pior.
— Mommy, eu também não gosto de vê-la chorando — sua voz sai
chorosa em meio aos meus cabelos, e eu fungo algumas vezes. — Não
gosto de ver nenhuma das duas tristes. Mamãe sempre diz que eu devo te
dar colo sempre que a senhora estiver triste e ela não estiver aqui, porque
meu dever é cuidar de vocês duas.
É impossível não chorar ainda mais, mas dessa vez também de
felicidade. Eu consigo visualizar Luna dizendo isso para ele, de forma tão
carinhosa e protetora. É incrível como a vida pode nos surpreender. Sempre
imaginei que ela seria uma péssima mãe e teria um monte de mini
delinquentes.
— Você é um homenzinho. — Seguro seu rosto em minhas mãos,
olhando-o nos olhos. Sinto como se estivesse segurando minha vida, não
posso evitar a explosão de sentimentos em meu peito. — Meu filho... eu
amo você — sussurro para ele.
Louis abre um enorme sorriso e abraça-me pelo pescoço com força.
— Eu amo você, mommy — ele responde, e é tudo o que eu preciso
ouvir.
Nada como me sentir amada pelo meu filho.
Meu homenzinho.
O meu carinha.
Capítulo 5 - Diários
O dia amanhece cinza, completamente coberto de nuvens escuras. O
fato de lá fora estar frio e nublado parece apenas um reflexo do que está
acontecendo dentro de casa.
Faz exatos três dias desde que Luna e eu trocamos mais do que
apenas algumas palavras. Ela está me ignorando, acho que isso é claro, só
não entendo o motivo exato. Todos estão sofrendo, não só ela. Sei que deve
estar sendo difícil, mas não adianta nada me ignorar, afinal como poderei
me lembrar das coisas se nós duas não conversarmos?
Eu gostaria muito que todos à minha volta tentassem, ao menos,
compreender minha atual situação. Ninguém parece ter noção de como
tudo isso está sendo para mim. Um dia, eu simplesmente acordei e descobri
que estava casada com uma pessoa que eu abominava e que tivemos um
filho juntas. E, como se já não fosse horrível o suficiente, todos dizem que
eu a amava bastante.
Como lidar com tudo isso? É impossível.
Será que ninguém percebe que estou com medo? Pareço ser uma
telespectadora da minha própria vida. É sufocante, na verdade. Parece que
estou afundando em mim mesma e ninguém pode me salvar desse abismo
sem fim.
Minha mãe me ligou hoje cedo e conversamos por quase duas horas.
Tive que aguentá-la falando sobre Luna. Sim, ela falou o tempo todo
daquela idiota. Dona Guadalupe realmente parece ser a fã número um
daquela mulher. Sinto que perdi minha mãe ao menos um pouco. Louis e
Luna saíram, lembro-me de ouvir os dois comentarem algo sobre uma
partida de basquete com Noah e Toni. Pelo menos os dois se dão bem.
Nos últimos dias, desde o fatídico dia em que acordei desmemoriada,
minha única alegria tem sido estar cercada pelo meu filho. Chamá-lo assim
tornou-se algo tão natural e nada assustador, apesar da rapidez com que
me acostumei com esse termo e o significado dele. Um filho. Lindo,
inteligente, obediente e muito divertido. Não é possível conviver com aquele
pequeno sem ficar encantada. Ele é cativante.
Devo minha sanidade a essa criança. Se eu ainda não surtei, é graças
a ele.
Luna não interage conosco, mas eu sinto seu olhar sobre mim
sempre que estou com ele. São os únicos momentos que a tenho visto sorrir
de forma genuína. Ela parece apreciar a atenção que dou a Louis. Não é
sacrifício nenhum, para ser sincera, é a coisa mais fácil do mundo apenas
ser mãe dele. Confesso, é um pouco estranho quando ele se refere a mim
dessa forma, mas apenas por causa da minha mente presa à adolescência.
O meu sentimento por essa criança é imenso.
Mais uma vez, observo o enorme mural em uma das paredes do
corredor, no andar de cima. Eu tenho feito esse mesmo ritual de vir até
aqui, depois de acordar, e ver as fotos durante os dias que sucedem a
minha trágica amnésia. Um sorriso involuntário surge em meu rosto, é
impossível controlar. São fotos realmente boas, de momentos memoráveis...
Bom, para quem tem as lembranças armazenadas, sim, pois para mim são
apenas fotos que parecem mentiras.
Há muitas fotos de Louis, uma quantidade infinita, que deixa tudo
mais parecido com uma cápsula do tempo. Uma delas, em especial, tornou-
se minha favorita: a que o pequeno bebê está encolhido nas costas de um
cachorro enorme. Existem outras duas que são muito adoráveis.
Dezesseis anos causam mesmo mudanças significativas, não é?
O dia foi animado. Eu diria que foi o mais agradável desde que perdi
a memória. Luna mudou bastante, isso é nítido, e não posso ser hipócrita a
ponto de fingir que não notei isso. Porém, algo que não mudou foi a minha
antipatia por ela. Vocês não imaginam como foi ter sido atormentada por
essa mulher durante anos. E, então, um dia, acordo dezesseis anos à frente
e descubro que, nesse meio tempo, eu me apaixonei, me casei e construí
uma vida ao lado da pessoa mais detestável do mundo. Não podemos nos
esquecer do filho que tivemos juntas.
Isso é tão surreal que, mesmo repassando isso todos os dias na
minha mente, ainda assim parece inacreditável. Não consigo, de forma
alguma, imaginar um mundo em que eu tenha amado Luna Jacobs. Isso
não existe. Como foi acontecer?
Como tanto ódio pode ter virado amor?
— Camille?
— Meu Deus! Você me assustou.
Levo minhas mãos ao peito, olhando para a porta do quarto. Luna
está ali, com apenas seu tronco para dentro, com os cabelos presos e o
rosto limpo de qualquer maquiagem. Suas olheiras parecem mais visíveis,
ela precisa mesmo de uma boa noite de sono.
— Desculpe-me, não foi minha intenção. — Ela faz menção de entrar
totalmente no quarto, e como reflexo, apenas puxo os cobertores mais para
cima, cobrindo minhas pernas. — Você aprendeu a ligar a lareira? Eu deixei
o controle aqui.
— Não exatamente — confesso. Era a mais pura verdade, eu não me
dou bem com essa nova tecnologia. São muitos objetos com diversas
funções. — Fiquei sem jeito de pedir a você.
— Não precisa ficar com medo de falar comigo. Não sou de fazer
grosserias.
Não era assim antigamente. Eu apenas penso, é claro. Tenho que
aprender a ser menos rude com ela. Luna está sendo agradável, e não é
educado ficar fazendo grosserias. Inclusive, acredito que sua última frase
tenha sido uma indireta para mim. Mas eu não tenho culpa se não a suporto
e não tenho paciência com ela em alguns momentos.
— Obrigada.
— Tudo bem. Hm, tenha uma boa noite, Camille. Vou apenas tomar
um banho e trocar de roupa.
Apenas aceno com a cabeça, observando-a entrar no closet e sair
segundos depois, com uma muda de roupas. Ela entra no banheiro, e tudo
no quarto fica em silêncio. Deveria ser confortável, mas com a presença
dela tudo parece um pouco pesado. Fico sem saber exatamente o que fazer.
Demora apenas alguns minutos para o ambiente ficar aquecido, e isso me
deixa feliz. Dormirei bem.
— Luna?
— Oi?
Ela fecha a porta do banheiro e me olha. Seu perfume toma conta do
quarto todo. Luna é cheirosa, não tem como ser indiferente a isso.
— Quando eu era mais nova, lembro que tinha o costume de anotar
tudo. Você sabe me dizer se ainda tenho esse hábito?
O rosto dela se ilumina. Parece que minha pergunta a faz se lembrar
de algo importante.
— Sim. Você manteve seus diários. — Ela se aproxima de mim, se
abaixa e pega algo em uma das enormes gavetas embutidas da cama: uma
caixa de papelão enorme e retangular. — Você tem três dessas. Elas ficam
aqui dentro.
— Sério? Eu ainda escrevia, conforme as semanas?
— Sim. Todo primeiro dia da semana, você se sentava no meu
escritório para escrever sobre os acontecimentos.
— Lembro-me bem disso. — Um sorriso enfeita meus lábios, e Luna
coloca a caixa sobre meu colo. Está escrito: “Não esquecer”. Que irônico,
não? — Esses são os mais recentes?
— Sim. Os anos estão anotados nas capas dos diários. — Pego um
dos cadernos de capa dura. A sigla “C.C.J.” está estampada na capa e, logo
abaixo, o ano: 2016. — Vou te dar privacidade. Tenha uma boa noite,
Camille.
— Luna, espera! — peço, antes que ela saia do quarto, coloco o
caderno de volta na caixa e a encaro. — Onde estão os mais antigos?
— Guardados no porão. Posso pegar as caixas para você amanhã,
caso queira. — Concordo com a cabeça; ela sorri de lado e acena para mim.
— Sua irmã, Belinda, volta amanhã de viagem. Talvez você queira vê-la.
Durma bem — diz e finalmente sai do quarto, deixando-me sozinha com a
minha adorada solidão.
Solto um longo suspiro. Felizmente, verei Belinda amanhã. Espero
descobrir mais coisas sobre os últimos anos. Volto a olhar para a caixa sobre
minhas coxas e sorrio. Fico feliz por ter mantido o hábito de escrever em
diários. Assim, quem sabe, poderei entender melhor as coisas. Pego outra
vez o caderno referente a 2016 e procuro primeiro a minha última anotação.
Uau, minha letra continua uma merda. Penso, antes de começar a ler.
Meu Deus... O que mais eu vou encontrar nos outros diários?
Capítulo 6 - Família
O dia seguinte amanheceu melhor, apesar da minha insônia durante
a madrugada. Fiquei repassando mentalmente a anotação que li, durante
horas, tentando desesperadamente me lembrar de algo. Infelizmente ou
felizmente, não consegui ter uma mísera lembrança. Nenhum resquício do
passado recente, nada. Estou começando a pensar que as coisas devem
ficar assim mesmo.
Duas batidas à porta chamam minha atenção. Não preciso tentar
adivinhar quem é, pois só pode ser mesmo uma pessoa. Respiro fundo e me
recomponho antes de respondê-la.
— Pode entrar.
— Bom dia, minha cópia.
Meus olhos quase saltaram das órbitas ao ouvir aquela voz. Eu
imaginei que fosse Luna, mas nada poderia ser melhor do que isso. Salto da
cama rapidamente e vou em direção à minha irmã, puxando-a para dentro
do quarto e envolvendo-a em um forte abraço. Belinda gargalha em meu
ouvido e me aperta em seus braços também.
— Meu Deus! Você está... — Finalmente a solto um pouco, não
muito, apenas o suficiente para que eu possa vê-la. Somos idênticas, então
ela está com os mesmos traços que os meus. Mas seus cabelos, antes tão
enormes, agora estão batendo um pouco acima de seus ombros. —
Igualzinha a mim.
— Claro, mas eu estou bem mais bonita.
Ela balança os cabelos curtos e faz uma cara de convencida. Eu
reviro os olhos e dessa vez a solto totalmente, afastando-me.
— É bom ver você. O mundo parece estar de ponta a cabeça.
— Fiquei sabendo. Estou horrorizada. Precisamos conversar.
Concordo rapidamente. Belinda está com uma expressão desolada.
Mesmo que tenha feito brincadeiras, eu sei que ela provavelmente está
sentindo a minha angústia. Nossa conexão sempre foi forte.
— Tome um banho e depois desça, seus sobrinhos querem ver você
— ela diz.
— Não vou demorar — prometo, e ela acena com a cabeça. Estou
prestes a me virar e ir para o banheiro, mas sem poder me conter, vou até
Belinda e abraço-a outra vez. — Eu realmente senti saudade.
— Eu também, irmã. Muita saudade.

O banho realmente não foi demorado. Desço as escadas e logo posso


ouvir vozes vindo da sala. Meu coração dispara quando me dou conta de
que vou conhecer os filhos da minha irmã. Sempre imaginei como seria no
futuro, quando todas nós estivéssemos com nossas vidas, casas e filhos.
Uma pena eu não me lembrar de ter passado por todas essas etapas da
vida.
Chegando lá, noto todos sentados no grande sofá da sala.
— Tia! — A menina de cabelos lisos e longos, que acredito ser a
minha sobrinha, Serena, salta do sofá assim que nota minha presença. Ela
vem rapidamente em minha direção, e eu me surpreendo com o quanto ela
se parece comigo e Belinda. Praticamente os mesmos traços, além dos
cabelos e dos belos olhos castanho-claros. Simplesmente linda.
— Serena... — Ela agarra minha cintura bem apertado, e eu retribuo
seu abraço com força. É tão aconchegante. — Você está enorme.
Serena gargalha ao se afastar de mim, e eu me curvo para beijar sua
bochecha. Ela é bastante cheirosa. Meus sentidos estão ficando aflorados, e
sei que vou chorar em breve, mas tento me controlar. Não posso
simplesmente cair no choro na frente das crianças, tenho certeza de que
ninguém lhes explicou o que aconteceu.
— Ela puxou a minha altura. — Olho para a frente e me deparo com
Rodrigo indo em minha direção. Ele sempre foi alto e parece mais, por ser
muito magro, mas agora, além de estar com o corpo definido e os cabelos
grandes, ele parece ainda maior. — Olá, Camille.
Quando ele me abraça, eu desapareço em seus braços grossos. Fico
pensando em como minha irmã aguenta um homem desse tamanho. Isso
soou bem mais errado do que eu esperava, aliás.
— Sempre se gabando. — Minha irmã surge ao lado dele e empurra-
o com seu ombro. Olho para baixo e deparo-me com um garotinho
aparentemente tímido. Sorrio para ele. — Diz “oi” à sua tia, Harry.
Ele hesita durante alguns segundos, mas se aproxima de mim e
abraça meu quadril.
— Oi, tia Mille.
— Oi, príncipe lindo.
— Já viram a tia de vocês, agora podemos ir ao campo?
— Sim, mãe! — Louis responde ao descer as escadas. Eu nem tinha
notado sua ausência, estava concentrada, admirando meus sobrinhos. São
lindos. É inacreditável imaginar que sou tia. — Tchau, mommy.
— Tchau, filho. — Pego-o em meu colo e beijo todo o seu rosto. Louis
ri, parecendo adorar o carinho exagerado. Coloco-o no chão outra vez e
olho para o restante presente na sala, nos observando. Minha irmã tem um
enorme sorriso em seus lábios. — Tchau, crianças. — Abaixo-me para beijar
a bochecha de Harry e, em seguida, vou até Serena. — Venha para cá no
próximo final de semana, okay?
— Sério?! — Concordo com a cabeça, e ela ergue as mãos e
comemora. Sorrio e abraço-a. — Tchau, tia.
— Vai começar a roubar minha filha outra vez.
— Deixe de ser ciumento, Rodrigo. E vocês estão esperando o quê?
Um convite formal para nos deixarem sozinhas?
— É isso, gente. Se minha cunhada mandou, vamos obedecer —
Luna finalmente se pronuncia, levantando-se do sofá.
Ergo uma sobrancelha. Curioso isso de ela obedecer a minha irmã.
Não tenho muito tempo para pensar nisso, pois todos logo se despedem e
deixam-nos a sós. Com a casa finalmente em silêncio, posso, enfim, sentir
todas as emoções que esse encontro com meus sobrinhos e minha irmã
despertou em mim. Parece que o peso do mundo foi colocado em minhas
costas.
— Somos só nós duas agora, irmãzinha. — Belinda abre um pequeno
sorriso e faz um sinal com a cabeça em direção ao sofá, antes de se sentar
nele, e eu a acompanho. — Explique-me sobre essa história de amnésia.
Você realmente não se lembra de nada?
— Não. — Solto um longo suspiro, engulo em seco e sinto minha
garganta arder. Sei que estou a poucos minutos de cair em prantos. —
Minha última lembrança é de dezesseis anos atrás.
— Isso é surreal.
— Sim! Imagine como foi para mim simplesmente ir dormir odiando
uma pessoa e acordar casada com ela. Essas coisas só deveriam acontecer
em filmes e livros.
— Eu nem sei o que falar, para ser sincera. Não consigo imaginar
quão difíceis as coisas devem estar.
— É realmente muito difícil. Todos à minha volta mudaram, estão
com suas novas vidas. Você… eu sempre te imaginei casada, mas nada se
compara à realidade. E eu tenho sobrinhos. Meu Deus! Queria me lembrar
do momento em que eles nasceram.
— Você e nossos pais choraram bastante — Belinda confidencia, e eu
acabo rindo. Não estou surpresa. — Quando descobri estar grávida de
Serena, foi um choque. Ela não foi planejada. Rodrigo e eu ainda estávamos
nos adaptando à vida de casados, e, então... uma gravidez surpresa.
— Eu acredito que você tenha vindo me contar.
— Obviamente. Você sempre foi a primeira a saber de tudo sobre
mim. Em seguida, contei a Sofia, e ficamos nós três surtando juntas.
— Estou imaginando a cena. Deve ter sido divertido.
— Primeiro foi um choque, mas depois veio a euforia. Nossos pais se
emocionaram assim que Rodrigo e eu contamos. Eles sempre gostaram de
família grande, e a expansão do clã Cruz era sempre bem-vinda.
— Eu sei bem. Então... conte-me sobre a sua gravidez e tudo mais.
Belinda começou a me contar sobre tudo pelo que ela e meu
cunhado passaram. A sensação de carregar uma vida dentro de si, a dor do
parto e a felicidade gigantesca de olhar para o rosto do seu bebê pela
primeira vez. Ouvir aquilo aflorou meus sentimentos de tal forma que não
pude me conter: comecei a chorar. Queria tanto me lembrar da gestação de
Louis. Isso me destrói.
— Parte meu coração te ver assim.
— Eu só... Eu...
Belinda se aproxima de mim para me consolar, e não conseguindo
mais conter o choro, deixo que ele saia com força e escondo meu rosto em
seu ombro. Minha irmã afaga minhas costas, com um carinho reconfortante
e fraternal. Tudo o que realmente preciso no momento.
Ela chora comigo, sente a minha dor, da forma que sempre foi.
Finalmente, choro de forma livre e sem precisar me conter. É
reconfortante, lava a minha alma. E ter passado por isso com minha irmã
comigo tornou tudo melhor ainda. Não há como evitar, sempre terei uma
conexão forte e surreal com ela. Talvez seja a ligação de gêmeas, como
meu pai diz. Ela me deu o colo que eu estava precisando. Não era preciso
ter dito nada, apenas seu carinho e sua presença são o suficiente. Como
sempre foram. Sou muito grata por ter uma boa relação tanto com ela
quanto com minha irmã mais nova. Acredito que esse carinho não tenha
mudado em nada com o passar dos anos.
— Obviamente, você foi minha madrinha de honra — Belinda
comenta, enquanto me mostra as fotos de seu casamento. Ela trouxe seu
álbum para isso. O sorriso não some de meu rosto. É nítida a felicidade
tanto da minha irmã quanto do meu cunhado. Eles foram mesmo feitos um
para o outro. — Rodrigo chorou no instante em que me viu entrar na igreja.
Eu precisei ser muito forte para não desabar junto. Foram horas de
preparação, que eu não queria deixar terem sido em vão.
— Meu Deus! Vocês estavam lindos demais. Olha o seu tamanho
perto dele, sempre baixinha demais.
— Engraçadinha. Você só diz isso porque sua esposa é praticamente
da mesma altura que você — ela resmunga, e eu fico séria. — Mas sempre
gostei da nossa diferença de tamanho. Rodrigo faz com que eu me sinta
protegida.
O sorriso bobo de sempre está ali, presente. Belinda sempre ficava
com um enorme sorriso no rosto toda vez que falava de Rodrigo. Eu sabia
que ele era especial, nunca a tinha visto tão apaixonada por um garoto até
vê-la com meu cunhado. É bom saber que ao menos ela está se saindo bem
em seu casamento. Belinda fez uma boa escolha, eu não.
— É muito estranho ver essas fotos e não me lembrar — comento ao
observar uma foto em que estou de braços dados com Belinda e Rodrigo.
Nós três estamos sorrindo largamente, e ao fundo parece ser a festa de
casamento deles. Nossas roupas também são outras, mais leves, diferente
das que usávamos na cerimônia.
— Não sei como você está conseguindo lidar tão bem com isso. Eu
estaria surtando a cada cinco minutos.
— Acredite, tenho vontade de fazer isso, mas minha mente parece
tão embaralhada que eu apenas sinto tudo calada.
— Guardar as coisas é pior. Por falar nisso, como você e Luna estão?
Respiro profundamente. Esse é um assunto delicado e incômodo,
para ser sincera. Demoro alguns segundos para responder, e Belinda não
me pressiona, ela espera meu tempo. Sei que minha irmã compreende meu
desconforto.
— Nada bem, como era de se esperar.
— Você a está tratando como antigamente, né? — Meu silêncio
responde tudo por mim. Sinto o olhar pesado de Belinda sobre mim, mas
nem a encaro de volta. — Camille...
— Sem essa conversa de que tudo mudou. Eu percebi isso, mas não
tenho culpa se todas as minhas lembranças são de odiá-la.
— Eu imagino que tudo deve estar sendo um choque para você, até
por ter sido algo recente. Mas olhe a vida que vocês construíram juntas, o
filho incrível que vocês tiveram. E o principal, o amor dela por você. Inicie
uma conversa, pare de tratá-la mal.
— Eu não consigo.
— Então, peça o divórcio. — Levanto a cabeça, encarando-a,
surpresa com seu conselho. Belinda se mantém impassível e encara-me com
extrema seriedade. — Se você acha que não vai conseguir fazer dar certo,
peça a separação. Não dá para as duas viverem assim. Ou você a deixa ir
ou tenta encarar a realidade da forma que ela é.
— Mas... — Engulo em seco. O simples pensamento de me divorciar
dela me traz um pouco de paz, mas também algo parecido com angústia. —
Temos um filho muito jovem, não sei se ele iria compreender.
— Então, faça as coisas do modo certo.
— Eu não consigo amá-la. Não faço ideia de como aconteceu a
primeira vez e, sinceramente, prefiro não ter consciência disso. Luna me
magoou muito no passado.
— Você a magoou também, Camille. Nem tudo é sobre você. Luna se
retratou, durante muito tempo, por tudo o que aconteceu antes. Que tal
retribuir um pouco?
Fico calada. Não tenho resposta, de qualquer forma. Minha irmã
sempre teve o dom de me fazer pensar demais com suas reflexões. Eu
acredito que seja válido tentar recuperar algumas coisas, mas como fazer
isso? Não sinto nada por Luna, além de antipatia. Ela realmente desperta o
meu pior.
O que eu devo fazer? Pelo amor de Deus. Estou me sentindo sem
saída.
Talvez o divórcio realmente seja uma boa saída para nós duas.

— Vanessa me mandou uma mensagem. Disse que encontrou o


pessoal no parque e deixou Toni com as crianças.
Olho para Belinda, que acaba de entrar na cozinha. Senti fome e
resolvi matar a saudade de preparar alguma coisa. Sempre fui uma grande
fã de cozinhar, e essa cozinha enorme me enche de ideias. Depois irei
pesquisar algumas receitas, preciso voltar à boa prática.
— Ela está vindo para cá?
— Sim.
Estou concentrada em mexer a massa dos biscoitos, porém, com o
canto do olho, vejo minha sorrateira irmã tentar roubar um pouco do
chocolate que irei usar para fazer as gotas.
— Ouch, Camille! — ela exclamou, assustada, após levar um tapa
meu em sua mão enxerida.
— Você não perde essa mania de tentar roubar a comida, né?
— E você sempre me proibindo. Queria ver se fosse um desejo de
grávida.
Quase deixo o pote cair de minhas mãos. Belinda está encostada de
costas em uma das bancadas, com os braços cruzados e os olhos fixos nas
bolinhas de chocolate.
— Você está grávida?!
— Não, mas eu poderia estar.
— Que susto. Por um segundo, pensei que iria ganhar mais um
sobrinho.
Solto um longo suspiro. Posso dizer que estou um pouco triste por
ela não estar esperando um bebê. Seria legal acompanhar alguma gravidez.
Eu amo crianças e grávidas, mimaria bastante minha irmã para compensar a
falta de lembranças sobre suas gravidezes anteriores.
— Bem que o Rodrigo quer, mas ele mal sabe que eu ainda tomo
meus remédios.
— Isso é maldade.
— Maldade? É fácil para você falar, só tem um filho, que mais parece
um anjo. Queria ver se você cedesse aos apelos de Luna. O desejo dela é
ter, ao menos, quatro filhos.
— Ela é louca. Eu amo crianças, mas quatro é um número exagerado.
— Exatamente. Se eu fosse ceder toda vez que seu querido cunhado
deseja ter um filho, provavelmente teríamos um time Cruz de futebol. —
Acabo rindo de sua fala. Lembro bem que de nós três — Belinda, Sofia e eu
— minha irmã gêmea sempre foi a que mais teve pavor de ter muitos filhos.
— Vou ao banheiro, já volto.
— Tudo bem.
Termino de montar os biscoitos. Dois grandes tabuleiros de biscoitos
com gotas de chocolate. Minha boca enche d’água só de imaginar quão
saborosos eles são. Mexer no fogão não é difícil, obviamente, apesar de ter
muitos botões extras. Parece que Luna e eu somos amantes da tecnologia
mesmo. Após colocar os tabuleiros no forno, ajusto um pouco mais a
temperatura para que não queimem.
Belinda ainda está no banheiro, então me sento à mesa para esperá-
la e, repassando nossas conversas, recrio os acontecimentos em minha
cabeça. Imagino como deve ter sido o casamento da minha irmã e o
nascimento de seus filhos, a felicidade da nossa família e a minha. Tenho
certeza de que senti orgulho por vê-la se tornando uma mulher. Tento
imaginar como deve ter sido quando foi a minha vez.
O som da campainha me impede de continuar criando memórias, e
levanto-me com um sorriso no rosto.
— Oi, meu amor... — Estou com um enorme sorriso em meu rosto,
mas fico séria ao receber um homem alto ao invés da minha melhor amiga.
Confusa e receosa, encosto um pouco mais a porta, e ele sorri. — Uh, está
procurando alguém?
— Sim, amor. Eu conferi se sua esposa não iria voltar antes da hora,
mas ela parece bem entretida.
Sabe aqueles desenhos animados que mostram o coração dos
personagens saltando do peito, quando eles levam um grande susto? Isso
aconteceria comigo agora mesmo, se fosse fisicamente possível.
— Eu trouxe flores, mi latina. — Com um galante sorriso, ele me
estende um buquê de rosas vermelhas, o qual, só então, eu noto estar em
suas mãos.
Estou chocada, para se dizer o mínimo. Não consigo acreditar que
arranjei um amante. Que tipo de pessoa me tornei nos últimos dezesseis
anos? Se eu traio Luna, por que escrevi tantas vezes que a amo nas últimas
semanas? Que tipo de amor doentio era esse?
— Quem é você? Eu vou chamar a polícia.
O cara para de sorrir, parecendo surpreso com minha ameaça, e
encolhe os braços, puxando o buquê contra seu peito.
— Eu sou o Robert, Camille. Isso é algum tipo de piada?
— O que…
— Posso entrar, amor?
— Claro que não! Suma daqui! — Fecho a porta com força. Meu
coração está disparado em meu peito. Não consigo assimilar que o meu
caráter era nulo. Eu traio a mulher com a qual me casei e tenho um filho.
Estou com nojo de mim mesma. — Meu Deus...
O meu horror não passa, na verdade aumenta no instante em que
ouço a porta ser aberta. Com os olhos arregalados, viro-me e deparo-me
com aquele homem outra vez. Ele me encarava como se eu fosse louca, e
eu quero socá-lo. Onde está Belinda?
— Camille? O que está acontecendo, amor? Você adora flores.
— Mentira! Eu odeio flores.
Tropeçando em meus próprios pés, afasto-me dele e olho em volta,
mas não há nenhum sinal de minha irmã. Será que Belinda ainda está viva?
— Amor, o que aconteceu? — Seu enorme braço puxa-me pela
cintura contra seu corpo musculoso. Eu arregalo os olhos, e ele sorri. —
Beije-me, estou com saudade.
Quando ergo a mão para lhe dar um tapa no rosto e me afastar, ouço
o som de risadas. Gargalhadas altas e ensurdecedoras. Ainda assustada,
olho em volta e vejo não somente minha irmã idiota, mas Vanessa junto a
ela. As duas estão gargalhando, quase agachadas no chão de tanto rir. O tal
cara finalmente me solta, mas eu continuo paralisada.
— Que porra vocês duas estão fazendo? — grito, completamente
irritada e ainda confusa.
— Você viu a cara dela? Parecia que os olhos iriam saltar para fora!
— Eu pensei que ela iria morrer. Nunca foi tão difícil não rir.
— Suas... — Pressiono meus lábios e olho para o idiota parado em
frente a mim. Ele está com um sorriso em seus lábios, e isso me irrita ainda
mais. Pego as malditas flores de suas mãos e jogo-as no chão, fazendo
soltar diversas pétalas. — Vão se foder!
— Camille! Foi só uma brincadeira. — Ouço Vanessa me chamar em
meio a risadas, mas eu a ignoro e continuo a subir até meu quarto.
— Você é muito fiel à minha cunhada.
— Belinda, vai se foder! E você também, Vanessa! — é meu último
grito, antes de simplesmente bater a porta do meu quarto.
Não acredito que essas duas tiveram coragem de fazer isso comigo.
Eu nem consigo dizer quão apavorada, irritada e enojada fiquei ao imaginar
que pudesse ser infiel. Posso não a amar agora, mas um dia isso aconteceu
por alguma razão. Só não consigo imaginar o quão irracional eu fui para me
deixar apaixonar por essa mulher.

— Você precisa confessar, foi engraçado.


Reviro os olhos para a fala repetitiva de minha irmã. Vanessa e ela
conseguiram me tirar do quarto, após longos minutos trancada, ignorando
as duas. Eu ainda estou irritada com a brincadeira idiota, mas não vale
mesmo a pena ficar assim. Elas nunca vão perder essa mania de fazer
implicâncias.
— Essa Camille rabugenta parece a mesma Camille de antigamente.
— É, deve ser porque eu só me lembro de ser essa Camille, não é,
Vanessa?
— Ops!
Ela finge estar culpada e ergue as mãos, em sinal de rendição. Eu
reviro meus olhos. Não tem jeito, Vanessa não leva mesmo as coisas a
sério. Sempre foi dessa forma, e mesmo agora, que somos adultas e temos
nossas famílias, o seu jeito permanece o mesmo. Isso quer dizer que nunca
irá mudar, certo?
— Mas agora vamos falar de assunto sério, antes que nossos amores
voltem. — Eu abro minha boca para rebater isso, mas minha irmã cobre
meus lábios com suas mãos. — São seus amores também.
— É tudo tão confuso. Tudo parece um sonho louco, que não teve
final por alguma razão.
— Você começou suas consultas com a psicóloga?
— Vou começar amanhã — respondo a Vanessa, e ela acena com a
cabeça. Solto um longo suspiro, antes de me inclinar para a frente e pegar
um dos biscoitos. Ficaram realmente bons. — Espero que as consultas me
ajudem a lembrar algumas coisas.
— Luna e você são amantes de recordações, principalmente ela.
Notou como tem milhares de fotos espalhadas por essa casa?
— É verdade — Belinda concorda com Vanessa. É mesmo verdade,
temos muitas fotos pela casa. — Sem contar os vídeos que vocês sempre
gravaram.
— Vocês já assistiram?! — Meus olhos quase saltam para fora, e não
posso evitar gritar. Estou horrorizada com a simples hipótese delas duas
terem visto aqueles vídeos pornográficos.
— Uh, sim! Eu acho que todo mundo viu muitos deles. Por que você
está com essa cara?
— Oh, Belinda... ela acha que estamos falando daqueles vídeos.
Minha irmã olha, confusa, para Vanessa, mas logo sua expressão
facial suaviza e ela parece entender do que se trata. Belinda abre um sorriso
malicioso, o qual faz minhas bochechas esquentarem.
— Infelizmente, nunca assistimos àqueles vídeos, mas sempre
tivemos curiosidade. Você fala tão bem do sexo com a Luna, deve ter algum
segredo.
— Eu... Parem com isso.
— Você tinha que se lembrar das suas safadezas e dos comentários
indecentes. Perdi as contas de quantas vezes ouvi sobre a língua
maravilhosa que sua esposa tem.
— Oh, meu Deus! Cale a boca, Vanessa!
— Olha só quem voltou a ser tímida, não é mesmo? Quando ficava
falando da sua vida sexual para nós duas, o rosto nem ardia.
Para a minha sorte, ou nem tanto assim, ouvimos vozes do lado de
fora, e logo em seguida, a porta da frente é aberta. Em questão de
segundos, o silêncio constrangedor, causado por aquelas duas, é preenchido
por gargalhadas e sons de passos. Finalmente posso respirar, aliviada, por
não precisar ouvir aqueles absurdos, mas as duas ainda me encaram, com
sorrisos maliciosos.
Não consigo acreditar nessa Camille de quem elas falam. Não posso
ter me tornado uma pessoa tão sem pudores assim, a ponto de falar
abertamente sobre minha vida sexual, de forma tão explícita.
— Crianças, nada de bagunça na casa da tia Mille, vocês sabem como
ela odeia sujeira — Noah brinca ao chegar à sala.
Eu o olho com raiva, mas ele apenas ignora e direciona-se à Vanessa.
Não acredito que existe uma versão masculina e tão debochada de minha
melhor amiga idiota. Eu mereço mesmo.
— Mommy, vamos brincar de dançando na chuva? — Louis chega
todo animado até mim, mas eu fico confusa com seu pedido. Não faço ideia
de qual brincadeira seja essa e, por instinto, busco com os olhos por Luna.
Sei que ela irá me ajudar.
— Você não acha que já brincou muito hoje, carinha? — Respiro,
aliviada, quando ela o pega pela cintura e o ergue, até tê-lo em seu colo.
Louis gargalha, agarrando-se ao pescoço dela. — Quem quer jogar
videogame?
Todos gritam, sem exceções, até mesmo os adultos, e isso me faz
sorrir. Mesmo não me lembrando de momentos antigos com todos eles, é
perceptível que somos unidos. E sempre desejei mesmo ter uma família
grande e unida.
Eu acho que posso me acostumar com tudo isso.
Capítulo 7 – O maldito verão
A noite passada foi a melhor de todas. Não apenas por finalmente ter
“conhecido” meus sobrinhos e passado um ótimo momento com todos, mas
também porque meu filho dormiu ao meu lado. Pude passar uma noite
inteira abraçada a ele, o tempo todo, e nada poderia ser melhor que isso,
tenho certeza. É incrível como o meu amor se intensifica mais a cada dia.
Mesmo tendo se passado poucos dias desde a minha amnésia, consigo
entender o sentimento imenso e incondicional sobre o qual todos os pais
falam. Bem, a maioria. É algo que não se pode medir. Você ama aquele
pedaço de gente que foi e sempre será parte de você, quer cuidar e
proteger de tudo. Pensa que no futuro, quando vocês entrarem em conflito,
eles não entenderão que sua preocupação é apenas um cuidado excessivo.
O ciclo da vida é que os pais criem seus filhos e, quando for a hora,
os deixem. Não é para acontecer o contrário. Pensar em Louis me causa
algo muito bom, e eu quero cuidar desse garoto com tudo dentro de mim.
Sou capaz de dar a minha vida pelo meu filho, tenho certeza disso. O
simples pensamento de perdê-lo quase me sufoca. Farei o impossível por
ele. Quero compensar os anos esquecidos e ter novos momentos
inesquecíveis. Acompanharei todos os momentos de sua vida.
— Mommy!
A porta é aberta repentinamente, e por ela um alegre Louis passa.
Sento-me para olhá-lo e, com um enorme sorriso em meu rosto, abro os
braços para que ele possa me abraçar. Noite passada foi um pouco demais.
Sinto seus cabelos úmidos tocarem minha pele, e o cheiro de perfume
misturado com sabonete me indica que tomou banho.
— Oi, meu amor. — Beijo o topo de sua cabeça e fecho os olhos,
inalando seu perfume. — Dormiu bem?
— Sim! — ele exclama, solta minha cintura e fica de pé ao lado da
cama. Meus olhos analisam-no rapidamente: ele está vestido com o
uniforme de seu colégio. — Só faltou a mamãe com a gente.
— Louis! — Luna entra de repente, e eu solto um suspiro aliviado.
Ainda não conversamos com ele sobre os últimos acontecimentos, e eu não
saberia como explicar a ele nossa situação agora. Olho para ela e vejo sua
expressão irritada. — Eu não te disse para não correr na escada? E por que
você acordou sua mãe?
— Hey! Não precisa brigar com ele — interrompo aquele início de
repreensão, e Luna me olha como se pudesse me pulverizar com os olhos.
— É só uma criança agindo como criança. Além do mais, eu já estava
acordada, só não tinha me levantado ainda.
Luna continua me encarando durante alguns segundos. Pensei que
ela gritaria comigo, mas apenas respira fundo.
— Louis, desça agora e termine o seu café da manhã. Depois, iremos
conversar sobre sua desobediência.
— Desculpe, mamães — ele murmura, antes de obedecer à ordem de
Luna. Com a cabeça baixa, meu filho sai do quarto, e isso aperta meu
coração. Sinto vontade de pegá-lo no colo e niná-lo, mas a presença dela
aqui me deixa sem jeito. Parece até mesmo que ela brigou comigo também.
— Sério, Camille? Eu sei que você ainda não se acostumou com isso,
mas nunca mais me repreenda na frente dele. Ele é uma criança, sim,
porém precisa saber os limites, e você o acobertando lhe dá liberdade para
desobedecer outras vezes — sua voz extremamente séria me faz sentir
como uma criança mimada levando esporro. — Não queremos criar um
garoto rebelde que não respeita ninguém, certo?
— Sim. Desculpe-me...
Luna passa as mãos em seu rosto coberto de maquiagem, mas não
borra nada. Em uma olhada rápida por todo seu corpo, vejo que ela está
vestida de maneira informal, porém, ainda assim, elegante. Calça jeans
justa, tênis discreto, uma camisa lisa da cor branca de mangas longas,
dobradas até os cotovelos, e os cabelos perfeitamente arrumados. Em nada
se parecia com a Luna de quem me lembro do passado.
— Está tudo bem. Leva mesmo um tempo para se acostumar.
Levante-se para tomar um banho e se arrumar, ou iremos nos atrasar.
— Aonde nós vamos? — questiono ao me arrastar pela cama, calço
meus chinelos, assim que fico de pé, e prendo meus cabelos. Eles devem
estar iguais a um ninho de pássaros.
— Você tem consulta com a psicóloga, lembra? Temos que deixar
Louis na escola também, e mais tarde irei levá-la ao seu trabalho.
Uma enorme animação cresce dentro de mim. Finalmente, irei saber
mais da minha rotina. E só de saber que não sou apenas uma sustentada,
me deixa muito feliz.
Bem-vinda à sua vida, Camille.

Despedir-me de Louis não foi fácil. Talvez eu esteja muito apegada a


ele, mesmo tendo poucos dias desde que recomecei a amá-lo, mas acho
que o instinto materno sempre permanecerá dentro de mim,
independentemente de qualquer coisa. Eu o observo adentrar a escola, e ele
acena para o carro, antes de se virar e correr em direção a um pequeno
grupo de meninos e meninas. Fico feliz ao vê-lo com seus amigos. O
caminho do colégio do meu filho até o prédio em que fica o consultório da
doutora Robertson é todo feito em silêncio. Bem, quase totalmente, pois o
rádio é o único som ouvido. Luna não parece muito a fim de conversar, e eu
não faço ideia de como puxar algum tipo de assunto.
Eu sei que temos que trabalhar na nossa comunicação, mas é
complicado. Notei que sua personalidade mudou para uma mulher
amadurecida e responsável. Além de ser ótima mãe, Luna parece ser uma
boa amiga, e arrisco dizer que deve ter sido uma boa companheira durante
esses anos. É ruim não me lembrar disso, pois não consigo imaginar um
mundo onde nós tenhamos compartilhado uma vida.
Consegue se pôr em meu lugar? Imagine se envolver com alguém
que sempre foi uma inimiga para você e, um dia, acordar sem se lembrar de
como tudo aconteceu, que vocês estão casadas e têm um filho. É
assustador, não é? Quero e não quero me lembrar. Tenho medo de descobrir
que realmente a amei com todo o meu coração, mas também tenho a
curiosidade de saber como chegamos até aqui e o que Luna Jacobs fez para
me conquistar. Acredito que seja uma história inacreditável e um pouco
engraçada. Duas pessoas que não se gostam e, de repente, se veem
apaixonadas e iniciam um relacionamento. Quão surreal é tudo isso? Parece
até mesmo um roteiro de filme. Uma bela e clichê comédia romântica e
dramática. Poderíamos ganhar rios de dinheiro com nossa história.
— Chegamos. Faltam apenas alguns minutos para o horário de sua
consulta.
— Você a conhece? — questiono-a, quando o carro finalmente para
em uma vaga, e olho para ela, enquanto tiro meu cinto de segurança. Luna
está fazendo a mesma coisa e olha em minha direção, antes de responder.
— Sim, eu a conheci quando marquei sua consulta. Precisava me
certificar de que seria uma boa psicóloga para você, e eu gostei dela. Foi
indicação da Rosa. — Ela dá de ombros e eu aceno com a cabeça.
Bem, se foi indicação da minha mãe, então ela deve ser boa no que
faz.
Saímos do carro em silêncio e dessa mesma forma entramos no
prédio. Lado a lado, mas sem o mínimo de contato físico. Parecemos
estranhas que são conhecidas.
— Bom dia, em que posso ajudá-las? — uma simpática e sorridente
atendente fala, assim que nos aproximamos do balcão. Ela reveza o olhar
entre seu computador e nossos rostos, parecendo enérgica.
— Bom dia. Minha esposa tem uma consulta com a doutora
Robertson.
Fico paralisada ao ouvi-la me chamar daquela forma. Tudo bem, eu
não sou idiota, sei que estamos casadas, mas é muito estranho ouvi-la me
chamar dessa forma, soando assim, tão natural e íntimo. Quando irei me
acostumar com coisas desse tipo?
— É no terceiro andar, número 302. Ela está aguardando.
— Obrigada. — Luna sorri para a atendente, que retribui o gesto de
forma exagerada. Ela tem mesmo que sorrir dessa forma para todas as
pessoas que vêm até aqui? — Vamos.
Sigo-a até o elevador. Luna aperta o botão do terceiro andar e as
portas se fecham. Solto o fôlego que, só então, notei estar segurando.
Sinto-me nervosa, nunca me consultei com uma psicóloga antes e não
tenho ideia de como agir com ela. Principalmente agora, que iremos
conversar sobre coisas as quais não me lembro. Será que isso me ajudará
com minhas lembranças? Seria bom, de certa forma.
Quando chegamos em frente à porta de número 302, é possível ler a
enorme placa de identificação: Dra. Annie Robertson. Luna bate duas vezes
à porta e se afasta, esperando que alguém nos atenda — o que não demora
muito a acontecer, pois logo a porta é aberta, revelando uma loira baixinha,
com um sorriso grande em seus lábios. Ela tem os cabelos amarrados,
pouca maquiagem e exala um ótimo aroma. É bonita e parece simpática.
— Você deve ser a tão falada Camille, certo?
— Uh, acho que sim…
Confusa, eu respondo, com a língua coçando para perguntar quem
andou falando tanto sobre mim, mas não é necessário ser um Sherlock
Holmes para saber quem foi a pessoa. Era esperado que Luna falasse
mesmo sobre mim, afinal eu seria consultada.
A Dra. Robertson dá passagem para que eu entre em sua sala, e
assim o faço. Minha primeira impressão do ambiente é de que o ar é muito
gélido, e os móveis de cores claras e alegres fazem com que eu me sinta
confortável. Isso é bom. Olhando brevemente ao redor, não me parece tão
assustador um consultório de psicologia. Parece bem comum, na verdade.
— Falaremos depois, Luna. Irei roubar sua esposa durante alguns
instantes. — Ouço-a brincar e faço uma careta, é automático. Tenho certeza
de que, enquanto não me lembrar de nada, esse termo continuará sendo
esquisito e desconfortável em relação a Luna Jacobs. — Sente-se, Camille.
Fique à vontade.
— Obrigada — eu lhe agradeço, sentando-me em uma das duas
cadeiras em frente à sua mesa.
Dra. Robertson toma seu lugar na grande cadeira, ajeitando-se de
maneira confortável e informal. Em seguida, curvando-se para a frente, ela
apoia seus cotovelos sobre a mesa e me encara. Estou confusa, sem saber
exatamente o que devo dizer agora. Como funcionam as consultas? Estava
acostumada com minha mãe sempre se comunicando por mim.
— Camille Cruz-Jacobs...
Não tenho como evitar fazer careta outra vez. Doutora Robertson
olha para mim e solta uma risadinha, inclinando-se para trás e pegando um
pequeno caderno. Ela nega com a cabeça, enquanto folheia as páginas.
— Não se acostumou com seu novo nome ainda?
— Nem um pouco. É tudo tão surreal. Parece que estou presa dentro
de um pesadelo em loop infinito.
— Eu acredito que sim. Já tive alguns pacientes que sofreram com as
consequências da amnésia, mas é a primeira vez que me deparo com um
caso como o seu.
— Eu nem sabia que era possível algo assim acontecer. Parece que
viajei no tempo, é assim que me sinto.
— Vai demorar mesmo para você se acostumar. Os seus exames
ficaram prontos?
— Não. Luna disse que iria me avisar quando ficassem. O médico
quer conversar conosco quando formos até lá.
— Parece nervosa.
— E eu estou, muito. Não quero ficar para sempre sem memória.
— Como foi sua semana?
— Bem assustadora — confesso, e ela acena com a cabeça e anota
algo em seu caderno. Solto um longo suspiro, tentando relaxar o bastante
para ficar confortável a ponto de não me sentir sufocada dentro daquela
sala. — Foi como saltar de um avião sem paraquedas. Essa é a sensação
que estou sentindo depois de tudo o que aconteceu, parece que eu vou cair
sem parar até o chão.
— É como viver presa no corpo de outra pessoa?
— Sim! É exatamente isso. Eu não conheço essa Camille, não faço
ideia de como as coisas aconteceram. É complicado, sabe? Eu ainda sinto
que posso acordar a qualquer momento e me dar conta de que tudo não
passou de um maldito sonho.
— E se fosse um sonho, você gostaria de acordar?
— Sem dúvidas. Eu só queria a minha vida de volta.

O restante da consulta foi bem tranquilo. Para ser sincera, ela me fez
sentir como se eu estivesse tendo uma conversa normal com outra pessoa
qualquer, e não como se fosse uma análise sobre mim. Se as outras vezes
forem assim, não me sentirei estranha na presença da doutora. Inclusive, eu
a adorei. Lembrarei de agradecer à minha mãe pela indicação.
— Como foi a consulta? — Luna questiona assim que entramos em
seu carro.
Coloco meu cinto e me ajeito no confortável banco. Não a olho,
apenas mantenho meus olhos fixos no pátio do estacionamento à nossa
frente. Ela liga o carro, começando a sair dali gradativamente.
— Foi boa. Ela não me pressionou a nada, foi como conversar com
alguém que só gosta de ouvir.
— Então, irá continuar as consultas com ela? — Faço um som de
concordância. — Tudo bem, podemos marcar todas as segundas, então. É
um dos seus dias livres.
— Eu tenho muitos? — estou curiosa para saber mais sobre minha
rotina, e finalmente parece o momento certo de questioná-la sobre algumas
coisas.
— Segunda, quarta e quinta. Isso sem contar o final de semana, é
claro.
— O que costumo fazer nas terças e sextas?
— Você dá aulas.
— Eu sou professora?
— Sim.
— De qual matéria?
Olho para Luna, que está concentrada na rua e não me olha de volta.
Estou animada para conhecer a minha vida e um pouco mais sobre essa
Camille desconhecida. Confesso que minhas ambições eram outras, mas
devo gostar do que faço. Bem, pelo menos eu prefiro acreditar que sim.
— Não é bem uma matéria...
Eu franzo o cenho, confusa e curiosa. O que ela não está me
contando?
— Você sempre foi apaixonada por dança…
— Sou professora de dança?
Ela concorda com a cabeça, e um sorriso surge em meu rosto ao
saber daquilo. Sempre gostei bastante de dançar, e foi uma das minhas
paixões na adolescência. Estou feliz por ter mantido esse amor a ponto de
viver disso.
— Isso é incrível — eu digo.
— Você adora seu estúdio.
Meus olhos quase saltam das órbitas ao ouvir aquilo.
— Eu sou dona de um estúdio?
Luna solta uma gargalhada e concorda. Devo estar parecendo uma
criança em uma manhã de Natal, mas eu não poderia me importar menos.
Estou feliz de verdade. Parece que minha vida atual não é ruim.
— Caralho! Isso é realmente incrível.
— Se eu soubesse que saber sobre o seu estúdio te deixaria feliz
assim, teria contado antes.
Não respondo nada. Nem sei como responder a isso, para ser
sincera. Luna continua com os olhos fixos na estrada, e eu olho para a
frente também. Um silêncio se instala no carro.
— Temos que melhorar nossa comunicação — ela diz.
Solto um pigarro, sentindo-me desconfortável. É impressão minha ou
parece que o mundo está diminuindo?
— Hm, eu acho que sim...
Luna solta um longo suspiro e não diz nada, permanecendo quieta
durante o restante do caminho. Fico pensando em como poderemos fazer
isso funcionar. Eu não tenho intenção de mantê-la em minha vida. Bem,
talvez manter o contato por causa do filho que temos, mas somente isso.
Estou considerando aceitar o conselho de Belinda e me divorciar dela.
Acredito que será o melhor para nós duas.
Ela liga o som, e as músicas que tocam preenchem o silêncio de
antes. Isso me deixa mais tranquila, e posso finalmente relaxar. É estranho
estar perto dela dessa forma, sabendo agora que estamos casadas e temos
um filho. Parece uma piada de mau gosto. Nunca, em toda a minha bendita
vida, eu imaginaria que um dia sentiria algo por Luna Jacobs. Tudo o que
tinha em relação a ela era meu ódio. A vida pode mesmo ser surpreendente,
né?
— Chegamos — ela avisa e me faz despertar de meus pensamentos.
Inclino-me um pouco para a frente e analiso a fachada do meu
estúdio. Falar isso é maravilhoso, parece mesmo um sonho. Não acredito
que sou dona desse lugar. Uma enorme placa destaca as siglas: ECCJ.
— ECCJ?
— Estúdio Camille Cruz-Jacobs.
— Oh...
Eu estaria mentindo se dissesse que estou surpresa. Pelo pouco que
vi sobre essa minha versão desconhecida, eu realmente gosto do meu
sobrenome e de seu complemento. Perdi as contas de quantas coisas em
nossa casa estão com “Cruz-Jacobs” em destaque. Parece até mesmo que
gostávamos de lembrar que éramos casadas.
Será mesmo que nosso casamento era esse conto de fadas que
parece ter sido?
Ao sair do carro, minha primeira impressão, ao olhar aquele lugar, é
de fascínio. É simplesmente melhor do que eu poderia ter imaginado algum
dia. Sempre quis viver da dança, e fico muito feliz em saber que estou
fazendo isso de alguma forma. Pergunto-me se cheguei a participar de algo
importante em teatros. Espero que sim.
— Vamos entrar?
Concordo com a cabeça. Meu coração dispara em meu peito, a
sensação é ótima. Não tenho como descrever quão feliz estou por saber que
esse lugar me pertence. Eu sou a dona de tudo isso. É maravilhoso, não?
— Tome as chaves, acredito que você queira muito reencontrar seu
estúdio.
Ela me estende um molho de chaves em que a letra do meu nome é
o chaveiro, e sorrio para isso, pegando-o de sua mão. Sinto-me nervosa e
ansiosa, pois era um dos meus sonhos quando mais nova. Ser dona de algo
que me fizesse feliz, onde eu trabalharia sorrindo todos os dias. E mesmo
sem me lembrar dos momentos que passei naquele lugar, algo dentro de
mim tem certeza de que sempre fui feliz.
Ao abrir o espaço, fico surpresa com a beleza do ambiente. É possível
enxergar bem ali dentro, graças às enormes janelas presentes no local.
Simplesmente incrível: é essa a minha definição. Percorro os olhos por todos
os lados, não podendo evitar o enorme sorriso. Uma enorme placa com o
nome do estúdio está bem explícita ali mesmo, na entrada, e nem mesmo a
adição do sobrenome de Luna me incomoda. Sinto-me orgulhosa por saber
que tudo ali dentro é meu.
— Parece mentira.
Luna solta uma risadinha e se faz presente ao meu lado.
— Você ficou dessa mesma forma quando viu o estúdio pronto pela
primeira vez, e alguns anos depois, após a reforma, também. Esse é um dos
seus lugares favoritos.
— Era um dos meus grandes sonhos. Ter algo só meu que me fizesse
feliz. — Uma tristeza cresce aos poucos em meu peito, por não me lembrar
das coisas que conquistei nesses dezesseis anos perdidos em algum lugar
da minha memória. Sinto vontade de chorar, mas me seguro. — Queria
lembrar de ter conseguido tudo isso — acabo pensando alto, engolindo
minha saliva.
Luna, ao meu lado, respira fundo e solta uma longa lufada de ar,
parecendo sentir um enorme peso por minhas palavras. Eu realmente
imagino que ela sinta as coisas da mesma forma que eu, pois somente ela
lembra de tudo o que aconteceu. Não sei se é tão horrível quanto é para
mim, mas agora consigo me colocar um pouco mais no lugar dela.
Eu acho que estou começando a ter um pouco de empatia por ela.
— Quer conhecer tudo?
— Sim! — exclamo, animada, e isso a faz rir. Eu acabo rindo também,
afinal estou muito feliz no momento, tudo parece com mais vida.
Ela me guia através do local e conta um pouco de cada coisa, o que
aconteceu e como tudo foi planejado meticulosamente por mim, com a
ajuda dela.

Os dias que se passaram me mostraram que na vida eu compartilhei


muitas coisas com Luna, além de uma casa, um casamento e um filho.
Parece que éramos mesmo grandes parceiras juntas. Gostaria de saber um
pouco mais sobre nosso envolvimento, e acredito que, se continuarmos
conseguindo nos dar bem, poderei questioná-la sobre tudo e, quem sabe
assim, recuperar parte de minha memória. Espero, de verdade, que eu
consiga me lembrar das coisas.
Capítulo 8 - Desejos
O sorriso enorme em meu rosto não poderia ser maior. Talvez apenas
não seja tão grande quanto o sentimento guardado em meu peito nesse
momento. Sinto como se nunca tivesse deixado de amá-la, e vê-la sorrir a
todo instante só intensifica isso. Olhar para ela é como ver a cópia fiel de
minha irmã com um toque de Rodrigo. A mistura perfeita dos dois.
É final de semana, e Serena veio passá-lo comigo. Nada poderia me
deixar mais feliz. Estou amando conhecê-la, digo, reconhecê-la. Sinto como
se nunca tivesse me esquecido dela. O sentimento é enorme.
Será que, além da ligação de mãe, existe algo como a ligação de tia?
Sinto como se estivéssemos ligadas de alguma forma. É surreal.
― Então, a senhora não se lembra da tia Luna? — ela questiona
lentamente, analisando cada expressão em meu rosto. Estamos sozinhas em
casa, e eu estou contando sobre minha amnésia e tudo que vem
acontecendo nos últimos dias. Luna levou Louis para dar um passeio, então
ainda teríamos algumas horas para aproveitarmos apenas nós duas.
― Lembrar dela eu me lembro, apenas não me lembro do momento
em que me apaixonei por ela.
― Deve ser difícil. Vocês são um daqueles casais de meta que vemos
no Twitter.
― Onde? — questiono, sem entender.
Serena solta uma risadinha, curvando-se para a frente para que
possa pegar seu aparelho celular no bolso de trás do seu short jeans, e ergo
as sobrancelhas, curiosa. Ainda estou me adaptando às coisas novas da
internet. Tem algumas que aprendi, mas faltam outras.
― Twitter, tia. É uma rede social. As pessoas usam-na para diversas
coisas, além de só conhecer pessoas novas e acompanhar a vida de
famosos. Tem muita informação aqui. Depois que comecei a usar o Twitter,
nunca mais li sites de notícia ou assisti ao jornal.
― Hm, isso parece interessante. Eu tenho no meu celular?
― Sim, tia. A senhora é viciada em tweetar. — Ela solta uma
risadinha divertida, e eu acabo a acompanhando, mesmo que não me
lembre disso. É o tipo de coisa que eu faria muito, parece algo divertido de
se fazer.
― Eu tenho muitos seguidores, igual tenho no Instagram?
― Sim. Tia Luna e a senhora são muito adoradas nas redes sociais,
por serem um casal bonito e cheio de amor. E claro, tem as fotos e os
vídeos do Louis, que deixam todos babando pelo meu primo.
― É compreensível ― digo, distraída, olhando algumas coisas em
meu Twitter. Não é difícil aprender a mexer nisso.
Clico em meu perfil e, ao deslizar o dedo para cima, deparo-me com
uma foto de Luna e Louis. Os dois estão abraçados, com ele em seu colo,
olhando para ela. Dá para ver o brilho no olhar deles, mesmo sendo apenas
uma imagem. Na legenda, as simples palavras: “Minha vida toda.”
― As pessoas realmente gostaram dessa — comento, espantada,
após olhar os números de interações naquela foto.
― Sim, eles amam os Cruz-Jacobs.
Tento não me incomodar com essa junção de sobrenomes. Minha
sobrinha parece idolatrar Luna comigo, e não quero magoá-la, de forma
alguma, com algum comentário idiota. Para ser sincera, às vezes, parece
que todos que conhecemos simplesmente amam nos ver juntas. É curioso
tudo isso. O que fazíamos de tão bom para deixá-los dessa forma?
Sinceramente, eu não sei, mas estou curiosa para descobrir, confesso.
― Louis é muito fotogênico. — Estou olhando algumas fotos postadas
por mim, separadas na aba de mídias. Tem diversas de meu filho. Em sua
maioria, ele está com Luna, fazendo alguma coisa, e ao que tudo indica, eu
realmente apreciava fotografá-los juntos. Um sorriso surge em meu rosto ao
ver uma foto em especial: nós três dormindo juntos no sofá aqui de casa.
Não faço ideia de quem tirou essa. Na legenda, tem apenas um rostinho
com corações nos olhos. E mais uma vez, muitas interações. ― Eles
realmente gostam de nós três.
― Sim, vocês três são como um supercasal lésbico.
― Isso é curioso...
― Levará algum tempo para a senhora se acostumar. Não é fácil lidar
com a fama — Serena brinca, fazendo-me gargalhar de verdade.
Consigo ver por que todos estavam dizendo que éramos bem
grudadas. Ela nem parece ter a idade que tem. Sinto orgulho da filha que
minha irmã está criando, cada detalhe me faz ter certeza de que ela será
uma mulher excelente quando crescer mais. Tenho certeza de que minha
sobrinha nos dará muito orgulho.

No horário do almoço, estou terminando de preparar a comida


quando a porta da frente é aberta. Passos apressados tomam conta do
ambiente. Tiro minha atenção das panelas e olho em direção ao arco que
separa a cozinha da sala por um corredor. Louis surge por ali, com seus
cabelos cada vez maiores, voando, conforme ele saltita em minha direção.
Sorrio e afasto-me do fogão para abraçá-lo.
― Como foi o jogo? — questiono, após beijar sua testa úmida de
suor, e faço uma pequena careta, mas acabo rindo.
Ele se afasta de mim, indo em direção à geladeira. Luna e ele saíram
para ir ao parque aqui perto de casa. Meu filho teve um encontro com seus
amigos para que pudessem jogar uma partida de futebol.
― Meu time ganhou. Eu fiz cinco gols!
― Oh! É mesmo? Que artilheiro o meu filho! Estou orgulhosa.
Ele abre um enorme sorriso, após dar um gole generoso em sua
garrafinha de água com desenhos do Capitão América estampados.
― Hoje ele jogou como um verdadeiro camisa dez — Luna também
chega à cozinha, comentando com visível orgulho, e olho de relance para
ela. Seus cabelos estão um pouco bagunçados, provavelmente por ter
vibrado durante a partida que meu filho jogava. Ela usa roupas leves: short
de tecido fino e camiseta com alguns desenhos aleatórios estampados.
Todas as suas curvas são chamativas. Engulo em seco e desvio o olhar. ―
Oi, pequena.
― Tia Luna! — Uma animada Serena vai em sua direção, abraçando-
a com força.
Olho para aquela cena, apreciando o enorme sorriso que as duas têm
em seus rostos. Não tem como evitar ficar com o coração aquecido. Talvez
eu esteja fascinada com a forma como Luna interage com as crianças da
família. Quem diria, não é mesmo?
― O almoço está pronto. Lavem as mãos e venham me ajudar com a
mesa.
Eles concordam em sincronia e saem da cozinha, rumo ao banheiro
para que possam higienizar as mãos. Olhando essa cena de uma
perspectiva diferente, parece até mesmo que somos uma grande família.
Não pensei que seria tão fácil me adaptar a essa vida adulta de esposa e
mãe, mas sinto que, aos poucos, vou me acostumando. Claro que ser
casada com a Jacobs é um fato que nunca irei aceitar, porém as outras
coisas diminuem esse impacto. Sei que a gente tem muita coisa para
conversar, acertar os pontos e decidir nosso futuro. Só preciso me preparar
mentalmente para isso.
O almoço é divertido. Bem mais comunicativo do que o normal, mas
ainda assim, agradável. É bom ter mais uma pessoa conosco, isso me faz
ter uma leve sensação de que talvez a antiga Camille pudesse ter sugerido a
Luna que tivéssemos mais um filho. É um pensamento momentâneo que me
assusta, mas de certa forma me acalma. Nunca fui do tipo que esperava me
casar e ter muitos filhos. Para ser sincera, toda essa coisa de romance
sempre me pareceu idiotice, mas ela conseguiu mudar esse fato em mim.
Mesmo sem me lembrar de nada, sinto, bem lá no fundo, que tem muito de
Luna Jacobs dentro de mim. E isso é bem assustador.
Você consegue acompanhar os meus conflitos ou estou divagando
muito? Tem dias que nem eu mesma consigo acompanhar minha mente.
Fico pensando se a doutora Robertson tem essa capacidade. Será que eu a
deixo confusa em nossas consultas?
― Podíamos fazer uma competição de Just Dance, como sempre
fazemos… — Serena sugere quando chegamos à sala. Terminamos o almoço
e todos ajudaram a arrumar as coisas. Sempre é bom ter pessoas
prestativas para arrumar a bagunça com você.
Sento-me no sofá e olho para os três que se encaram. Não faço ideia
do que estão falando, mas se for divertido, eu topo fazer.
― Quero fazer dupla com a mommy — Louis se pronuncia
rapidamente, vindo até mim e abraçando-me pela cintura. Sorrio para meu
pequeno, bagunçando seus cabelos escuros.
― Você é muito esperto — Luna resmunga.
― Verdade. Ele sempre escolhe a tia Camille, porque sabe que ela é
ótima no Just Dance.
― Que jogo é esse?
― Vou te mostrar — Luna responde e vai em direção ao móvel da
televisão. Ela coloca um aparelho retangular, que parece uma câmera, sobre
o móvel e liga as outras coisas, e eu fico encarando com curiosidade. Sei
que o jogo envolve o videogame e dança, já gostei. ― Não tem mistério.
Você só precisa olhar para a televisão e acompanhar os movimentos.
― Isso é muito fácil.
― Para você, é mesmo — Luna diz e revira os olhos. Solto uma
risadinha e quando me viro dou-me conta de olhares bem atentos à nossa
interação. Minhas bochechas esquentam, e não sei explicar o motivo. Dou
um sorriso para meu filho e para minha sobrinha, afastando-me daquela
mulher. ― Estão prontas, crianças?
― Estamos, capitã! — Serena e Louis exclamam juntos. Isso me dá
uma alegria absurda, e eu sei que o dia continuará sendo muito bom.

O dia realmente foi bom e, sinceramente, não poderia ter sido


melhor. Nossa competição de dança foi maravilhosa, Serena sabe se mexer
e Louis também. Mas preciso confessar que fiquei surpresa com a cintura
solta de Luna. Ela realmente sabe como mover seu belo corpo. Sei que
ainda não gosto tanto dela assim, apesar de suportá-la, mas não sou cega,
eu a vejo. E meus olhos adoram o que veem. O tempo realmente faz coisas
incríveis com as pessoas.
― Tudo bem por aqui? — questiono ao adentrar o quarto de Louis.
Serena e ele estão deitados na espaçosa cama, enquanto assistem ao filme
do Rei Leão. Minha sobrinha fará companhia a ele até que meu filho
adormeça. Eles se dão muito bem.
― Sim, mommy.
― Não durma muito tarde, filho. — Aproximo-me da cama, colocando
um joelho como apoio, e me inclino para beijar sua bochecha. Louis fecha
os olhos e agarra meu pescoço da forma que pode. Sorrio, dou a volta na
cama e faço o mesmo com Serena. ― Depois que ele dormir, se quiser
deitar comigo, você pode.
― Tia Luna não vai dormir com a senhora?
Nego com a cabeça, evitando encarar seus curiosos olhos castanhos.
Ela ainda demorará um pouco para entender minha situação com a tia dela,
e é compreensível. Todos estavam acostumados a nos ver juntas. Fico
imaginando qual será a reação de nossos familiares se o divórcio for
concretizado.
― Tudo bem. Quando o Lou dormir, eu vou para o seu quarto.
Aceno com a cabeça, chego até a porta e olho para os dois, abrindo
um sorriso. Meu coração está feliz, assim como esteve durante todo o dia.
― Bom filme, meus amores — e após dizer isso, fecho a porta e vou
em direção ao meu quarto.
Não ouço mais o som da televisão que antes vinha da sala. Talvez
Luna tenha ido se deitar. Esticando os braços para me espreguiçar, eu
caminho lentamente para dentro do meu ambiente favorito nessa casa.
Minha enorme cama me espera, mas antes eu preciso de um banho
relaxante. Como sei que estou sozinha, começo a me desfazer de minhas
roupas, descartando-as pelo chão mesmo. Posso voltar para pegá-las
depois.
Quando chego ao banheiro, usando apenas uma calcinha branca de
seda, olho-me através do espelho. Meu rosto definitivamente mudou. Os
traços são mais fortes, não tenho mais as bochechas cheias como
antigamente. E definitivamente estou mais bonita. Pareço bastante a minha
mãe quando mais nova, apenas com os olhos e a boca diferentes, pois
herdei esses traços do meu pai.
Traço meu rosto com os dedos delicadamente, analisando cada parte.
Eu sou uma mulher agora, e ainda assim, mesmo podendo confirmar isso,
sentindo como tudo está diferente, parece que sou a mesma Camille da
adolescência. Será que vou demorar a me sentir como a nova Camille?
― Eu adoro seus olhos — uma voz toma conta do banheiro
repentinamente.
Eu tomo um susto, retirando as mãos do rosto, e olho para trás,
através do espelho. Luna está ali, com o ombro esquerdo apoiado no
batente da porta e os braços cruzados, encarando-me sem piscar. Parece
hipnotizada e me deixa, momentaneamente, da mesma forma. Engulo a
saliva que se formou em minha boca. Sua presença me deixa nervosa.
― Eles são bem expressivos, combinam bastante com você —
continua. — Parecem a areia do mar quando se encontra com o oceano. Um
marrom único e admirável.
Sem conseguir manter nosso contato visual, abaixo minha cabeça e
encaro a pia. Normalmente, eu acabaria dando-lhe alguma resposta, mas
minha voz parece simplesmente ter sumido. É esse efeito que Luna Jacobs
tem causado em mim ultimamente: nervosismo.
― Hm… — é tudo o que digo. Sinto vontade de me estapear, ainda
mais quando a ouço rir atrás de mim. Que nervosismo idiota. Eu a odeio,
deveria xingá-la.
― Você não precisa ficar assim, sempre admirei sua beleza. — Sua
presença se torna mais intensa quando ela se aproxima de mim. Ouço seus
passos ao tocar seus pés no piso. Solto um pequeno suspiro, e ela para ao
meu lado. Temos uma pia dupla no banheiro. ― Depois de todos esses
anos, você continua sendo mais linda ainda sem maquiagem.
― Eu estou velha, cheia de linhas expressivas.
Luna gargalha, e eu a encaro, inexpressiva.
― Você está velha? Se as idosas fossem assim, os asilos estariam
lotados de casais. Ninguém resistiria a uma velha tão bela assim.
Por um segundo, um leve arrepio sobe pela minha espinha, mas me
recuso a deixar que meu corpo demonstre algum sinal. Sinto uma estranha
sensação de déjà-vu com essa cena. Parece que isso aconteceu em algum
momento antes. E talvez realmente tenha acontecido, afinal eu não me
lembro de nada.
― Pare com isso, idiota… — sem poder controlar, acabo xingando-a,
mas diferente das outras vezes, não sou rude. E ela não reage da mesma
forma, apenas abre um enorme sorriso e volta a olhar para a frente.
Fico confusa, mas não a questiono e olho para a frente também. Não
sei que tipo de tensão é essa que estamos criando, mas não estou gostando
da forma que ela me faz sentir.
Distraída e tentando ignorar a presença daquela mulher ao meu lado,
tento me concentrar em qualquer outra coisa. Então, finalmente, me dou
conta de algo importante, que me faz arregalar os olhos e ficar
extremamente envergonhada.
Cubro meus seios por reflexo. Não acredito que, durante todo esse
tempo, eu estava seminua na frente dela. Céus, Camille! Que vergonha!
― Não precisa cobri-los, eu os vi durante muitos anos da minha vida
— ela termina de escovar seus dentes e comenta. Se fosse possível, eu
estaria mais vermelha ainda nesse momento. ― E só para constar,
continuam tão maravilhosos quanto eram antes.
Minha boca se abre, em choque, principalmente porque vejo de
relance um sorriso cafajeste em seus lábios. Luna sai tranquilamente do
banheiro, como se nada tivesse acontecido, e eu fico ali, paralisada.
Que porra acabou de acontecer aqui? E por que estou tão nervosa?

O final de semana passou voando. Foi o melhor que eu tive desde o


maldito dia em que acordei sem memória. Foi ótimo passar um tempo com
minha sobrinha, nos divertimos bastante. Mas como tudo o que é bom dura
pouco, é claro que uma hora eu precisaria enfrentar um dos meus maiores
medos: resultados de exames médicos. Nunca fui do tipo medrosa ou
extremamente preocupada com isso, porém nada parecia tão apavorante
quanto aquilo nesse momento. Luna se levanta bem cedo e me acorda
também. Ela não para nem um segundo sequer, parece até mesmo que está
ligada na tomada. Entre nós duas, parece que é ela quem vai explodir a
qualquer momento.
― Estou pronto, mamães — Louis surge outra vez na cozinha,
cheiroso e devidamente arrumado. Vamos deixá-lo na escola durante o
trajeto até o hospital.
Luna nada responde, apenas pega suas chaves sobre o balcão e
arruma sua jaqueta. Pego a minha e coloco-a. Sei que está bem frio lá fora,
hoje o dia amanheceu gelado. Seguro a mão de meu filho e vamos juntos
em direção à saída.
O caminho até a escola de Louis é como sempre: com ele falando
bastante. Luna, por outro lado, dessa vez está calada demais. Ela parece
diferente nessa manhã, tensa e triste. Não a conheço muito bem, mas sei
identificar quando uma pessoa não está em um dos seus melhores dias. Eu
a entendo, hoje é um dia importante para as nossas vidas. Nossa rotina
depende desses resultados e do diagnóstico do médico.
― Preste atenção nas aulas e se cuide — Luna diz, antes que Louis
desça do carro. Ele acena com a cabeça e solta seu cinto de segurança,
enfiando-se entre os bancos para falar conosco.
― Se cuida, filho.
― Tchau, mamães — ele se despede, desce do carro e acena uma
última vez, antes de se distanciar em direção ao portão da escola.
Esperamos até que ele esteja lá dentro, seguro, apenas para nos
certificarmos de que está tudo bem. Sempre estamos vendo nos jornais
notícias sobre crianças desaparecidas. Precaução nunca é demais, certo?
Luna liga o carro outra vez e continua nosso caminho. De repente, o
ar, que parecia mais leve, está outra vez pesado. Ela parece muito tensa ao
meu lado. Batuca os dedos no volante, respira fundo, por diversas vezes
seguidas, e faz sons estranhos com a boca. Sinais claros de seu nervosismo.
Eu sinto vontade de puxar assunto, mas permaneço calada.
Será que devo puxar assunto?
Bom, melhor não.
Talvez ela queira apenas permanecer quieta.
Sim, Camille, mas ela não consegue ficar quieta e em silêncio. Fale
com ela.
Não, eu não vou.
Sim, você vai.
Droga!
― Você está bem?
Ela parece se assustar com minha pergunta repentina, e continuo
olhando-a. Luna desvia a atenção da estrada e me olha, parecendo
surpresa.
― Uh, sim... eu acho. Sim, estou bem.
― Não precisa ficar tão nervosa.
― Eu sei, mas só que... droga. É difícil, entende? — Concordo com a
cabeça. Luna está olhando para a frente outra vez, ainda parecendo tensa.
― Desculpe-me. Você também deve estar nervosa, e eu aqui só pensando
em mim...
― Calma. — Por reflexo, coloco minha mão esquerda em sua coxa, e
o jeans áspero de sua calça faz cócegas. Dou uma leve apertada em sua
perna, tentando confortá-la de alguma forma. ― Está tudo bem.
― Não está nada bem, mas eu gostaria que ficasse.
Sua fala me atinge instantaneamente e, como reflexo, tiro minha
mão de sua perna e encolho-me um pouco. É como se suas palavras fossem
como tiros que acertam direto em meu coração. Não consigo evitar, ela tem
algo sobre mim que me assusta. Vê-la tão afetada dessa forma mexe
comigo também. Por alguma razão, mesmo sem ter minha memória, sinto-
me ligada a Jacobs. O mundo pode ser mais bizarro?
Ver meus pais, assim que chegamos ao hospital, foi a melhor coisa
do meu dia. Tudo parecia estranho, mas me senti melhor ao vê-los. Corro
até meu pai, não me importando em parecer uma adolescente naquele
momento. Só queria o colo deles, que me dissessem que tudo ficaria bem,
mesmo que todos soubéssemos que nada estava bem, assim como Luna
disse antes.
― Você está tremendo, filha — papai sussurra, apertando mais seus
braços em volta de mim. Escondo meu rosto em seu peito e agarro-o com
força. ― Tudo bem?
― Não. — Suspiro ao me afastar dele, e papai abre um pequeno
sorriso motivador para mim, acariciando meu rosto com seus dedos. Fecho
os olhos para apreciar seu toque. É como um calmante natural. ― Vamos?
Olho para minha mãe e abraço-a. Eles cumprimentam Luna antes
que todos nós continuemos nosso caminho para dentro do hospital.
Minhas mãos estão suando, sinto meu coração bater em meus
ouvidos. Sei que deveria tentar manter a calma, mas acho que isso é
impossível no momento. Estou prestes a saber as minhas chances de
recuperar a memória. E se isso nunca acontecer e eu permanecer dessa
forma para sempre?

O médico nos recebe, simpático como sempre, guiando-nos para


dentro de sua sala. É frio ali dentro, e eu me abraço por puro reflexo. Talvez
isso seja por causa do nervosismo também. Sinto-me muito mais sensível
do que o normal.
Olho em volta brevemente. Não tinha reparado em nada aqui na
primeira vez que estive nesse lugar. Parece um consultório normal,
assustador como todos os outros. E esse é mais ainda.
― Como estão todos vocês com os acontecimentos?
― Tentando nos adaptar — Papai é o primeiro a responder, e eu
somente suspiro.
― Não consegui me acostumar, parece um pesadelo sem fim — Luna
responde dessa vez.
Eu a olho e aceno, em concordância, com a cabeça, voltando meu
olhar para o Doutor Charlie. Ele nos analisa com atenção. Meu coração
continua disparado e minhas mãos ainda suam.
― Realmente, é como um pesadelo sem fim. Não consigo imaginar
como Camille está se sentindo.
― É horrível — respondo à minha mãe.
― Sua rotina em casa tem sido tranquila?
― Não consegui me acostumar ainda — confesso, tendo sobre mim a
atenção de todos. ― É muito estranho me sentir adolescente e viver como
uma mulher adulta que tem um filho, por mais que ele seja uma criança
adorável. Não é difícil se apaixonar por Louis. — Abro um grande e
verdadeiro sorriso ao me lembrar de meu pequeno. Realmente, não tem
como conviver com ele e não se apaixonar. Louis consegue cativar as
pessoas com muita facilidade, é fácil amá-lo.
― Você e sua esposa estão se dando melhor? — Sua pergunta me
faz engolir a saliva em minha boca com força. Luna se remexe ao meu lado,
parecendo tão desconfortável quanto eu. ― Acho que esse silêncio é
bastante explicativo, mas eu acredito que tudo acabe se resolvendo.
Sinto vontade de respondê-lo e negar, dizer que não quero nada com
ela, mas opto por ficar em silêncio. Meus pais fazem perguntas ao médico,
enquanto Luna e eu permanecemos quietas, cada uma com seus próprios
pensamentos.
― Será que podemos falar sobre os meus exames agora? Estou
realmente ansiosa.
― Oh, mas é claro. — Dr. Charlie sorri para mim, antes de pegar
alguns papéis que estão sobre sua mesa. Ele os analisa rapidamente,
enquanto tudo parece quieto demais à nossa volta. ― Preciso confessar que
fiquei muito chocado com o resultado dos seus exames.
― Como assim? ― pergunto, agarrando as bordas da cadeira e
inclinando-me para a frente. Era só o que me faltava: descobrir agora que
tenho algo sério e, por isso, ocorreu a perda de memória.
― Estão todos normais.
― O quê?! ― todos questionamos, praticamente ao mesmo tempo.
Eu realmente não esperava ouvir isso e não sei se me sinto aliviada ou mais
assustada.
― Você não sofreu nenhum tipo de trauma físico, Camille. É um caso
realmente raro.
― Então, por que ela se esqueceu de tudo?
― Luna, tentarei ser o mais simples possível. O caso de Camille é
algo raro, nunca visto por mim. A amnésia dela não foi causada por uma
pancada ou doença. Basicamente, ela parece ter sofrido um choque, que
pode ter sido causado por muito estresse, e o cérebro dela reiniciou.
― Como assim o cérebro da minha filha reiniciou?
― Sr. Javier, a sua filha sofreu algum tipo de choque, e a
consequência disso foi que o cérebro dela se fechou e apagou metade de
sua vida.
Minha boca se abre, em choque. Confusa e desorientada, repito em
minha mente a explicação do médico, mas, mesmo após longos segundos,
eu não consigo entender direito o que aconteceu. O ar foge de meus
pulmões e, de repente, um medo absurdo do que pode acontecer começa a
crescer em mim. Meus pais e Luna parecem desesperados para saber mais
sobre tudo.
Eu estou apenas chocada.
― E-eu vou recuperar a minha memória? ― minha pergunta faz com
que todos se calem. Estou tremendo, de cabeça baixa e com o coração
disparado. Parece que, a qualquer momento, irei explodir. Sinto vontade de
chorar ao imaginar nunca me lembrar de momentos importantes dos anos
que se passaram. Isso é aterrorizante.
― Camille, o seu caso é bem raro...
― Eu vou recuperar a minha memória ou não? ― questiono outra
vez, erguendo minha cabeça para encará-lo.
Doutor Charlie suspira, abaixando a cabeça para ler os papéis em
suas mãos outra vez.
― Não posso te dar a certeza de que você conseguirá recuperar sua
memória, pelo menos não totalmente.
― Meu Deus...
― Não se apavore, existem chances de você conseguir recuperá-la.
Nego com a cabeça. Nesse momento, estou desesperada, com as
mãos segurando firme meus cabelos, os cotovelos apoiados sobre a mesa e
o olhar preso ao nada. Tento buscar positividade de alguma forma, mas só
consigo imaginar o pior. Nunca me lembrarei de nenhuma data importante.
Dezesseis anos perdidos assim, sem um motivo. Como isso
aconteceu?
― Como ela poderá tentar recuperar a memória?
― Existem alguns tratamentos que podem ajudá-la. Camille deve
continuar com as consultas psicoterápicas, fazer exames frequentemente e
viver sua rotina o mais normal possível. Fotos, vídeos e anotações podem
ajudar bastante.
― Existe a possibilidade de ela nunca se lembrar de nada? ― Luna
pergunta, fazendo-me voltar a prestar atenção na conversa outra vez.
― Existe.
― São grandes as chances de não me lembrar de nada?
― Sim.
― Quão altas?
Doutor Charlie solta um longo suspiro antes de se inclinar sobre a
mesa, com os cotovelos apoiados sobre ela, assim como eu, e bagunça os
cabelos perfeitamente alinhados com os dedos. Parece tão nervoso quanto
nós.
― Em uma situação hipotética, eu diria que as chances de você
conseguir recuperar totalmente a memória são apenas de vinte por cento.
E a pequena chama de esperança, que estava crescendo dentro de
mim, se apaga. Foi como levar um soco no estômago com força. Posso me
lembrar de tudo ou apenas de algumas coisas. No pior dos casos, não me
lembrarei de nada.
Por que isso aconteceu justo comigo? O que fiz para merecer isso?
Não me lembrarei de nenhuma data importante. Nenhum acontecimento.
De como eu cheguei aonde estou. Do momento em que tudo mudou.
Um choro alto ao meu lado me faz voltar à realidade por alguns
segundos. Luna está debruçada sobre a mesa, chorando como se fosse a
última vez que ela pudesse fazer aquilo. Nunca a havia visto dessa forma, e
vê-la assim faz com que eu me sinta quebrada ao meio. É uma sensação
agoniante. Parece que minha dor não é nada comparada à dela nesse
momento.
Coloco minha mão sobre sua coxa e a aperto da mesma forma que
fiz antes, quando ainda estávamos no carro. Dessa vez, ela coloca sua mão
por cima da minha e a aperta com força. Não me importo que possa sentir
dor, deixo que ela faça da forma que quer. No momento, quero apenas
acalmá-la. E isso parece tão natural, nem ao menos me apavoro ao
perceber que estou sendo empática com Luna Jacobs.
Seu choro compulsivo me incomoda muito, e fecho os olhos para não
a ver tão quebrada dessa forma. Meu coração está apertado, e sinto
vontade de agarrá-la com força, mas permaneço assim, de mãos dadas com
ela, dando-lhe conforto. No momento, é tudo o que posso fazer por ela e
por nós duas.
Ela me ama de verdade. Eu sinto isso mais ainda agora. Vejo Luna
sofrer um inferno por minha causa, e agora, sabendo que posso nunca me
lembrar de amá-la, o sofrimento dela me mostra ainda mais o quanto ela
me ama.
Então, pela primeira vez em muitos dias, desejo me lembrar de tudo
literalmente, sem tirar nada. Desejo conseguir me lembrar dela. Desejo
conseguir me lembrar de nós.
Passado – Camille Cruz
Luna Jacobs é surreal.
Não existe alguém de quem eu goste mais no mundo do que ela.
Isso é irônico, não é? E clichê... Eu a odiava e agora estou
perdidamente apaixonada por ela.
Desde o nosso primeiro beijo, tudo mudou. Foi como se ela tivesse
renascido para mim. Conheci partes de Luna que nunca havia visto. Para ser
sincera, talvez eu nunca tenha realmente olhado para ela, mas agora tudo o
que consigo pensar é em como me sinto bem ao seu lado e na forma que
meu coração acelera toda vez que a vejo sorrir.
Estar apaixonada é uma coisa estranha, não é? Você não consegue
evitar os sorrisos. O nervosismo perto da pessoa parece nunca ter fim. E
quando você não está perto dela, parece que falta um pedaço seu. Eu diria
que se apaixonar por alguém é como tocar o céu sem tirar os pés do chão.
Ou melhor, estar apaixonada por alguém... não tem explicação, você só
sente.
― Um beijo pelos seus pensamentos.
E, então, quem está tomando meus pensamentos diariamente surge
atrás de mim, colocando seus braços protetores em volta da minha cintura.
Abro um enorme sorriso e fecho os olhos, aconchegando-me nela.
― Estava pensando em você.
― Sério? Que sorte a minha. — Luna me vira de frente para ela.
Coloco meus braços em volta do seu pescoço e grudo nossos quadris.
Estamos no nosso cantinho, na nossa casa na árvore, no sítio dos avós dela.
Sempre fugimos para cá quando queremos ficar sozinhas. ― Você é linda.
― Luna... pare com isso ― resmungo. Meu rosto começa a esquentar
e tenho certeza de que minhas bochechas estão rubras. Ela gargalha,
ignorando minha timidez. Eu reviro os olhos e tento empurrá-la, mas seus
braços me impedem.
― Eu não tenho culpa. Não consigo deixar de te elogiar.
― Você sabe que fico sem graça.
― Não deveria. Estou sendo apenas sincera.
Luna nos guia até o tapete felpudo estendido no meio da casa. Ela se
senta e eu me sento em seu colo, de frente, com as pernas ao lado de suas
coxas grossas.
― Você demorou. Eu estava preocupada.
― Tive alguns problemas com a Sky.
― Odeio essa sua moto barulhenta.
― Mas você adora andar comigo nela, principalmente por ficar
agarrada em mim. ― Ela se inclina para a frente e começa a beijar meu
pescoço de forma lenta. Fecho os olhos e solto uma risadinha. Isso faz
cócegas, mas também me deixa nervosa.
― Eu gosto mesmo. — Abro meus olhos e olho em direção à parte de
vidro que tem no teto. Luna fez isso para que pudéssemos observar as
estrelas. E a noite hoje está linda. ― Veja, amor, uma estrela cadente. Faça
um pedido.
Olho para ela, que está de olhos fechados. Ela fica assim, durante
alguns segundos, e quando me olha, parece que sou sugada para a
imensidão verde à minha frente.
― Eu fiz. Faça o seu.
― Hm... — Faço uma pose de pensativa, e minha mente cria diversos
pedidos. Nenhum deles parece ser o suficiente.
Volto a olhar para Luna e meu peito se enche de carinho. Uma
vontade absurda de beijá-la toma conta de mim, e sem me conter, seguro
sua cabeça com as duas mãos e grudo nossos lábios. Ela sorri em meio ao
beijo, mas dá continuidade ao nosso contato. Meu corpo reage aos seus
toques. Eu simplesmente amo beijá-la.
― Pronto.
Paro de beijá-la e me afasto um pouco. Luna demora poucos
segundos para abrir seus olhos e me encarar.
― Seu desejo era me beijar? — Sorrio, negando com a cabeça. ― O
que você desejou?
― Passar o resto da minha vida com você. Esse foi o meu desejo.
Ela volta a me beijar. E eu sei que posso passar o resto da minha vida
beijando sua boca. Ao seu lado para toda a eternidade.
Capítulo 9 – Dor compartilhada
— Como estão as coisas realmente entre vocês? ― Ouço a pergunta
de meu pai.
Desvio o olhar da cena à minha frente. Minha mãe e Luna estão na
cozinha de minha casa, em uma conversa animada e descontraída. Elas se
dão muito bem. Sempre me pergunto o que ela fez para conquistar dona
Guadalupe dessa forma. Não que seja difícil cativar minha mãe, mas ter a
aprovação total dela não é algo nada fácil.
— O quê?
Papai abre um sorriso. Estamos sentados à mesa, um pouco distantes
de onde elas estão preparando um lanche.
— Eu perguntei como estão as coisas entre você e Luna. De verdade.
— Hm... — Remexo-me na cadeira, sentindo-me desconfortável com
essa pergunta. — Estamos sendo... sociáveis.
— Sociáveis? ― Ele ergue uma sobrancelha, e sua voz transmite a
curiosidade que está sentindo. Não entendo o questionamento, mas acho
que papai é mais um dos que querem ver nós duas nos dando bem outra
vez. Bom, ser amigável não é difícil.
— Uh, sim. — Olho de relance para ela. Luna está sorrindo, enquanto
minha mãe conta algo. Não faço noção do que seja, mas parece deixá-la
alegre. Um pequeno sorriso surge em meu rosto. — Ela mudou mesmo.
— Você nem percebe...
— O quê? ― Encaro meu pai, e ele nega com a cabeça, soltando
uma risadinha. Fico confusa e sem entender sua reação.
— Nada. Mas fico feliz que as coisas estejam menos ruins. É bom
para vocês e para o meu neto. Ele realmente venera as mães que tem, não
seria nada bom presenciar as duas brigando e se separando. — Papai olha
para a frente, em direção a elas, e eu faço o mesmo. Mamãe e Luna
parecem amigas de longa data, que se dão muito bem. Um pequeno sorriso
surge em meus lábios outra vez. É um ato involuntário. — Sabe quantas
vezes eu senti vontade de me separar da sua mãe?
— Nenhuma?
— Foram várias — ele responde de imediato, e eu abro os olhos,
surpresa. Diria até chocada. Sempre achei o casamento dos meus pais
perfeito. Como naqueles filmes de comédia romântica, sabe? Quando os
casais ficam juntos, independentemente do que aconteça, e jamais pensam
em separação. — Tantas vezes que, se eu pudesse contar, você ficaria
chocada com o número.
— Mas... vocês se amam...
— Eu não disse o contrário, filha. Amo sua mãe de uma forma que
jamais seria capaz de amar outra pessoa. Sou capaz de tudo por ela.
— E ainda assim houve momentos em que o senhor quis largá-la?
Estou horrorizada, para dizer o mínimo. Não consigo imaginar um
mundo onde meus pais não estejam juntos. Sei que isso parece coisa de
filho mimado, que não aceita que as coisas sejam de outra forma, mas eu
simplesmente não consigo idealizar os dois separados. Parece muito surreal.
Meu pai solta um longo suspiro e levanta-se da cadeira. Eu o encaro,
sem reação. Ele abre um pequeno sorriso e estende sua mão: um sinal de
que é para eu me levantar também. Confusa e curiosa, eu o obedeço, e ele
nos guia por minha casa.
— Casamentos são como um contrato. E contratos são quebrados
todos os dias. Você pode amar muito uma pessoa e, ainda assim, preferir
não estar com ela. Nem sempre as coisas são da forma que desejamos.
— Eu não entendo.
Chegamos ao quintal. O dia está com um clima agradável, e uma leve
brisa bagunça meus cabelos. Cruzo meus braços. Estamos de pé, próximos
à bela piscina. Essa conversa está me deixando mais confusa do que tudo.
— Só porque sua mãe e eu nos amamos, não quer dizer que não
possamos cogitar a hipótese de nos separarmos. Ela mesma já admitiu
algumas vezes que pensou o mesmo que eu. O casamento é feito de fases,
e nem todas são boas. Somente amor não segura um relacionamento,
entende?
Concordo com a cabeça. Finalmente começo a entender sua linha de
raciocínio, mas ainda é apavorante pensar nos meus pais separados.
— Eu entendi, mas não sei aonde o senhor quer chegar
exatamente...
— Uma vez você me disse que a Luna era a sua pessoa.
Olho para ele, curiosa. Meu pai está olhando para a frente. Parece
relembrar algo, e o brilho nostálgico em seus olhos me dá essa certeza.
— Eu demorei um pouco a entender como era isso, mas então,
comecei a perceber as coisas. Você disse, também, que ela é sua alma
gêmea, que o destino de vocês sempre esteve selado. No início, eu morria
de ciúme, só que, com o passar do tempo, sentia meu coração alegre em
ver vocês duas juntas.
— Nós éramos felizes?
— Se vocês eram felizes? Parecia mais do que isso, filha. Era como se
Luna renovasse a sua alma todos os dias. E eu vi todos os momentos bons
e até mesmo os ruins. Convivi com vocês duas durante o caminho em
direção ao casamento. Sua mãe e eu estivemos presentes da melhor forma
que pudemos.
Sinto algo estranho dentro de mim com as palavras do meu pai. É
estranho não me lembrar de nada, mas eu sinto uma coisa. É como se o
sentimento estivesse escondido aqui, em algum lugar, mas tentar encontrá-
lo é como andar no escuro sem uma lanterna. Consegue entender a agonia?
— Por que o senhor está falando essas coisas agora?
— Porque te conheço, filha. Sei que está pensando em separação e
imagino que também tenha medo de como as coisas serão para o Louis. Só
que ele é um garoto crescido e maduro para a pouca idade que tem.
Engulo em seco. Será que Luna sabia que eu pensava sobre divórcio?
Não imaginei que fosse tão transparente.
— Mas o que eu estou tentando explicar é que os casamentos têm
seus altos e baixos. Você não se lembra agora, mas dentro de você tem um
amor imenso por aquela mulher. Ela move barreiras por você, é capaz de
tudo. Falo isso com certeza, pois, como pai, a vi fazer coisas por você que
imaginava que apenas sua mãe ou eu faria. Então, pense bastante antes de
dar qualquer passo. É a sua decisão que importa, e tenho certeza de que
Luna irá respeitá-la, mas pense bem, você já a amou uma vez... Dê ao
menos uma chance ao seu coração de entender o motivo e talvez sentir
aquilo tudo outra vez. Camille, nunca a vi tão feliz quanto no dia do seu
casamento.
— É muita coisa. Tão pouco tempo desde que tudo aconteceu. —
Nego com a cabeça, fecho os olhos e levo as mãos ao meu rosto. Minha
mente parece um trem desgovernado. — Eu tenho medo.
— Arrisque-se, hija. — Papai segura minhas mãos, as retira do meu
rosto e me vira de frente. Seu olhar é de compaixão e me conforta. — Se
for para acontecer, vocês duas irão se reencontrar. Mas se, por acaso, esse
tiver sido o fim definitivo, ao menos não desista facilmente. Permita-se.
Quero ver aquele brilho no seu olhar outra vez. Gosto da Camille que exala
felicidade.
— Farei o meu melhor...
— Não se vive duas vezes. Lembre-se disso.
Papai sorri para mim, antes de me puxar para um abraço forte e
apertado. Em seus braços, sinto que as coisas parecem menos pesadas ao
meu redor. É como um alívio momentâneo. Sei que preciso me arriscar mais
e parar de me esconder nos meus medos. Só irei saber se tentar. E mesmo
que seja difícil conviver dessa forma com ela, tenho que ao menos dar uma
chance. Ela parece ter me dado tantas, chegou a hora de retribuí-las.
— Oh! Encontrei vocês. — Afasto-me de meu pai ao ouvir a voz de
minha mãe. Ela está sorrindo e caminhando em nossa direção. Analisa meu
rosto com cautela, parecendo buscar pelo vestígio de algo. — O que
aconteceu?
— Apenas uma conversa de pai e filha.
Meu pai abraça a cintura de minha mãe e lhe dá um beijo delicado.
Eu sorrio para a cena adorável. Sempre adorei vê-los em momentos
afetuosos.
— Vocês e essas conversas — desdenha, mas seu tom é divertido.
Papai e eu rimos do claro ciúme. — Será que podem vir comer? Está tudo
uma delícia e vai acabar esfriando ― ela ordena e papai ergue as mãos,
ficando rapidamente ao seu lado e entrelaçando seus dedos aos dela.
Olho para aquele contato e sinto o coração aquecer. Sempre desejei
ter isso na minha vida. E agora, sabendo que meus pais também tiveram
seus momentos difíceis, sinto que devo mesmo dar uma chance e conhecer
essa Luna que conquistou meu coração.
Parece que chegou o momento de deixá-la entrar outra vez.
Como era de se esperar, meus pais não ficaram por muito tempo. Eu
ainda não assimilei que não sou mais a adolescente de antes. Moro sozinha,
sou casada e tenho um filho. Tenho que me lembrar disso a todo instante.
O dia, apesar da notícia desagradável em relação à minha memória,
foi bom. É claro que a presença da minha mãe e do meu pai ajudou
bastante nisso, senti-me mais confortável. Eles foram embora logo depois
da chegada de Louis. Vanessa o trouxe, mas ela também foi embora rápido.
O jantar foi tranquilo.
Estou no quarto de meu filho, colocando-o na cama.
— Eu fiz um desenho na escola ― Louis diz, assim que sai do
banheiro, e eu o olho, sem parar de arrumar sua cama. Seu cheiro de banho
recém-tomado toma conta do quarto.
— Fez?
— Sim. — Louis pega um papel dentro de sua mochila e sobe na
cama, e eu me aproximo dele para ver seu desenho. — Somos nós três.
Mamãe, a senhora e eu.
Minha boca se abre, em choque, com o belo desenho que ele fez.
Não é muito detalhado, mas para uma criança da idade dele é admirável, de
verdade. Meu filho tem um talento natural para isso, dá para ver. Sorrio,
orgulhosa.
— Ficou incrível, Lou.
— Minha professora disse que eu serei um ótimo desenhista quando
crescer. Não desenho tão bem ainda quanto a mamãe, mas quero ser tão
bom quanto ela.
Estou sorrindo para sua fala. Ainda analiso o desenho em minhas
mãos. Luna realmente é uma boa mãe. O fato de Louis se inspirar nela de
alguma forma só prova o quão real esse fato é. Ela realmente sempre teve
um talento para desenho. Lembro-me que tínhamos um mural na escola
todo decorado com desenhos e nomes, e os dela eram sempre destaque.
Não a suportava, mas nunca fui cega: Luna tinha talento.
— Tenho certeza de que você será um ótimo desenhista. Podemos
colocar em um quadro depois, que tal?
— Sério?
— Sim, filho.
Ele abre um enorme sorriso, puxa seu grosso edredom e entra
debaixo dele. Cubro-o corretamente e sento-me ao seu lado para dar-lhe
um beijo na testa.
— Durma bem ― digo a ele.
— Amo você, mommy.
Meu coração dispara ao ouvir aquelas três palavras serem ditas de
forma tão verdadeira. Tenho certeza de que sempre reagirei assim. O amor
de um filho deve ser o tipo de amor mais sincero que se pode sentir na
vida. E eu sou muito grata por tê-lo, apesar de não me lembrar das coisas.
— Amo você, pequeno. Boa noite.
Desligo a luz de seu abajur, levanto-me da cama e continuo fitando-
o, enquanto saio do quarto. Sinto vontade de dormir com ele outra vez. Não
sei se eu era tão apegada a ele antes, mas agora sinto vontade de viver
grudada. Acho que toda mãe se sente dessa forma, principalmente quando
os filhos são tão novos quanto o meu, mas não acredito que serei diferente
daqui há alguns anos. Creio que serei assim até o fim da eternidade. Ele é
meu tesouro.
— Teve alguma dificuldade em fazê-lo se deitar?
Olho para o lado, na direção de sua voz. Luna está com os cabelos
presos e o rosto sem qualquer vestígio da maquiagem de antes. Uma olhada
rápida e noto que também está usando um conjunto de pijama branco.
Parece ser seda. Ela sorri de lado, para em frente à porta do meu quarto e
me encara.
— Não — respondo, apenas, vou em direção ao quarto, passo por ela
para abrir a porta e faço sinal com a cabeça, para que ela entre também.
Mesmo que não estejamos dormindo juntas, todas as coisas dela ficam em
meu quarto. E ela é bem respeitosa na maior parte do tempo, sempre
espera minha permissão para entrar. — Ele é um bom garoto.
— Sim. Ele realmente é, mas adora ficar conversando ao invés de
dormir.
Solto uma pequena risada e pego meu pijama da noite anterior, que
está sobre os travesseiros em minha cama. Luna passa por mim, indo em
direção ao banheiro, e continuo ali no quarto, para esperá-la fazer sua
higiene pessoal.
— Você se importa se eu olhar algumas fotos nossas? Sei que temos
bastantes. O mural no corredor mostra que gostamos de guardar
lembranças.
Ela não responde de imediato. Ouço o barulho da torneira e, então,
um som de cuspe. Demora apenas breves minutos para que Luna apareça
na porta, com uma toalha branca de rosto para enxugar a boca.
— Tudo nessa casa é seu também, Camille. Você não precisa da
minha permissão para isso. Caso não tenha reparado, tem uma caixa de
madeira dentro da gaveta que fica do seu lado na cama.
Ergo a sobrancelha, surpresa. Realmente não tinha reparado em
caixa alguma. Para ser sincera, eu não fazia ideia de que ela estava ali. Sei
que meu lado favorito de dormir sempre foi o esquerdo, então vou até lá
verificar.
— Como eu não vi isso antes? ― pergunto retoricamente. Uma bela
caixa de madeira, com desenhos estampados nela, está debaixo de uma
montanha de documentos. Retiro-a lá de dentro. É um pouco pesada.
— Vou me deitar. Qualquer coisa, mande-me mensagem. — Olho em
sua direção. Luna acena com a cabeça, e respondo com o mesmo gesto.
Certos momentos com ela são muito constrangedores. Acompanho com os
olhos seu caminho até a porta, mas antes de sair totalmente, ela para,
pensa, durante alguns segundos, e vira-se para mim. Seu olhar parece
transmitir muitas coisas não ditas. — Boa noite, Camille. Durma bem ― é
tudo o que ela diz antes de se retirar, deixando-me sozinha e intrigada.
— Você também… ― sussurro baixo, mesmo sabendo que ela não vai
escutar.
Solto um longo suspiro e nego com a cabeça, voltando minha
atenção para a caixa em meu colo. Quando a abro, deparo-me com milhares
de fotos polaroid, todas empilhadas de maneira organizada.
Abro um enorme sorriso. Eu amo polaroids.
Pego a primeira foto. Sou eu. Estou de short jeans claro e camiseta
preta, com óculos escuros e um boné branco na cabeça. Tem uma bela
vista, que parece ser a cidade de Miami atrás de mim. Parece uma foto
antiga. Olho atrás e pela data confirmo: é uma imagem datada de sete anos
atrás. Eu parecia muito alegre.
Não sei se Luna e eu já morávamos aqui ou se ainda morávamos em
Miami. Nunca a questionei. Para ser sincera, não faço ideia do motivo de
termos saído daquele lugar. Eu sempre amei minha cidade natal. E até onde
sei, ela também adorava morar lá. Preciso me lembrar de lhe perguntar o
motivo de virmos morar em Jacksonville. Não que eu não goste daqui, é
claro.
As fotos seguintes também são todas minhas, em diversos lugares
bonitos. Tem anotações dos locais e as datas atrás de todas elas. Gostei
disso.
Uma, em especial, chama minha atenção. Estou sentada na borda de
uma piscina. De perfil, mas dá para ver boa parte do meu corpo. E, nossa...
os anos realmente me fizeram bem. Lembrando-me de como eu era na
adolescência e me vendo agora, realmente, nada como a boa puberdade na
vida de alguém.
Deixo meu ego de lado no instante em que começo a ver fotos de
Louis, e um enorme sorriso se abre em meu rosto. Eu realmente amo essa
criança. Uma dele mais novo me deixa chocada, e fico assustada de
verdade. Como ele pode se parecer tanto com Luna, se fui eu quem o
gerou?
Continuo olhando suas fotos. Há uma dele no Halloween, fantasiado
de coelho. Essa é mais recente, porém nem tanto. Em outra, ele está com
Luna e Noah — os três, um ao lado do outro, vestindo jaquetas de couro e
óculos escuros. Parecem um esquadrão de motoqueiros, e isso me faz rir.
Em outra, ele está sentado entre mim e Luna, enquanto beijamos sua
bochecha. Sua língua presa entre os dentes apenas frisa de quem ele é
filho.
Na foto seguinte, Luna está deitada em um tapete e Louis está sobre
ela. Os dois parecem dormir profundamente. Usam roupas iguais, o que me
leva a constatar que eles são mesmo muito grudados. É cada vez mais
evidente.
E, então, começam as fotos que eu realmente não queria ver.
Devo continuar vendo ou não?
Estou dividida: curiosa, mas receosa. Realmente não quero ver algo
romântico entre mim e Luna.
Você sabe que não conseguirá dormir direito se não olhar essas
fotos.
Cale-se, Camille! Você precisa deixá-las e ignorá-las.
Não! Olhe todas!
Merda...
Maldita curiosidade.
A primeira não tem nada muito surpreendente. Estamos juntas,
sentadas, lado a lado, na praia e sorrimos para a câmera. Na foto seguinte,
não dá para ver o ambiente, mas estou com os braços em volta do pescoço
dela, e meu rosto está escondido nele. Ela tem um enorme sorriso em seu
rosto.
Quanto grude. Reviro meus olhos.
Na terceira foto, ela está sozinha, deitada na cama e concentrada em
um livro.
Nota mental: Luna de óculos de grau é quente.
O que foi isso, Camille Cruz?!
Estou ficando louca, só isso pode explicar.
Continuo olhando as fotos, até chegar às que eu, de fato, não
gostaria de ver: Luna e eu nos beijando, em diversas delas. Uma me faz
arregalar os olhos. Estamos deitadas na cama, usando apenas um par de
lingerie: o dela, vermelho, e o meu, branco. Meu rosto esquenta de
vergonha, e passo para a próxima. As seguintes seguem o mesmo padrão,
exceto por uma que estamos dentro de uma banheira: eu na frente, com
uma taça de champanhe na mão, e ela atrás, com o queixo sobre meu
ombro, beijando meu rosto.
Fico sem jeito outra vez, mas continuo vendo as fotos, até quase ter
uma parada cardíaca.
Não pode ser.
Não, de forma alguma isso é possível.
Recuso-me a acreditar.
Uma Luna nua e sorridente, sentada na cama, com os cabelos
bagunçados de uma forma sensual. Um dedo na boca e as pernas um pouco
afastadas. O olhar dela parece me hipnotizar. Engulo a saliva em minha
boca e fico horrorizada.
Eu a estava desejando? Senti mesmo uma atração somente com essa
foto?
Caramba...
Luna não tem pudor algum. Será que ela também tem fotos minhas
assim? Eu espero que não, porque não conseguiria encará-la de novo.
Guardo todas as fotos dentro da caixa outra vez e a coloco no
mesmo lugar. Levanto-me da cama para trocar de roupa, mas ao invés de
só colocar o pijama, resolvo tomar um banho. Preciso me acalmar e colocar
os pensamentos em ordem. Essa mulher está mexendo comigo.
Preciso de um remédio que me cure dessa doença chamada Luna
Jacobs.
Mas por que estou tão preocupada e mexida? Eu nem a amo.
O dia foi intenso demais, estou ficando louca.
Frequentar meu estúdio de dança tem sido terapêutico. Isso, é claro,
além das consultas com a doutora Robertson. Mas focando no meu trabalho,
eu realmente gosto de poder estar voltando a essa rotina. Mesmo que não
esteja totalmente acostumada e confortável, ainda assim, adoro poder
passar o dia lá. Hoje foi um dos dias em que fui trabalhar. É o melhor
emprego do mundo, faço o que amo e não tenho que me estressar com
nada. Tem coisa melhor?
O silêncio em casa lembra-me de que estou sozinha. Louis passará a
noite na casa de Vanessa, e Luna não havia chegado ainda. O taxista que
me trouxe para casa era muito simpático e disse coisas que me fizeram
refletir um pouco.
Parecia que suas falas eram conselhos. Fiquei intrigada com a história
dele sobre o seu primeiro amor. Ele pareceu chateado e arrependido por
não ter lutado.
Infelizmente, como ele mesmo disse, era tarde demais, e isso me fez
pensar bastante. Será que me arrependerei no futuro? Será que é tarde
demais para Luna e eu? Esses pensamentos não saem da minha cabeça,
nem mesmo durante o banho ou quando estou na cozinha, preparando algo
para comer.
Doutora Robertson conversou sobre algumas coisas comigo durante
nossa consulta, no dia anterior. Falamos sobre Luna e nossa evolução. Bem,
a minha evolução em relação à minha vida e à amnésia. Tudo parece menos
difícil a cada dia ― embora eu ainda não esteja acostumada e odeie tudo
isso.
Meu celular vibra sobre a bancada, então paro de mexer a massa de
panqueca e vou até o aparelho. Uma mensagem é notificada na tela.
Ela apenas visualiza a mensagem e não responde mais nada. Uma
coisa curiosa assusta-me, quando reparo que estou sorrindo, e rapidamente
fico séria. As coisas têm estado meio estranhas em relação a Luna. Sinto-
me... ligada a ela de alguma forma, e isso é apavorante.
— Preciso parar de pensar nessas coisas.
Termino de preparar minhas panquecas e sinto vontade de comê-las,
estou com desejo. Fiz o suficiente e um pouco além do que deveria, mas
devoro todas. Estavam ótimas.
Limpo tudo, volto para a sala e ligo para Vanessa, querendo saber
sobre meu filho. Ele está ocupado, brincando com Toni, mas para e me
atende. Meu coração fica apertado de saudade, quero muito um abraço.
Odeio chegar aqui e não o ter comigo. Será que serei sempre assim?
As horas passam, e Luna não chega. Fico preocupada e tentada a
ligar, mas não o faço. Ela disse que estaria com o irmão, e se Vanessa não
reclamou de nada, quando nos falamos no telefone mais cedo, é porque,
provavelmente, não deve ser nada além de um programa de irmãos. Eles
têm mesmo esse costume de sair apenas os dois, isso é legal. Gostaria de
poder conviver um pouco mais com minhas irmãs, mas Sofia está na
faculdade e vive ocupada, e Belinda, bem... tem uma família.
Quando não encontro nada mais de interessante na televisão,
desligo-a e resolvo subir para o quarto. Estou quase no topo das escadas
quando ouço o som de um carro sendo estacionado na frente de casa. Não
quero mostrar a ela que fiquei esse tempo todo esperando por sua chegada,
então me escondo no corredor e espero. A porta da frente é aberta, mas
Luna não está sozinha: Noah entra com ela também.
— Louis está lá em casa?
— Sim. Toni pediu que ele fosse.
— Logo percebi. Está muito silenciosa essa casa ― ele brinca, e os
dois riem.
Eu sorrio. É verdade, a casa sempre fica muito quieta quando meu
filho não está aqui. Com cuidado, eu me esgueiro para olhar lá para baixo.
Não quero que eles me vejam, então preciso tomar cuidado.
— Pensei que encontraria Camille na sala. Ela deve ter ido dormir ―
Luna comenta e senta-se no sofá. Noah a acompanha.
— Por falar na minha cunhada... como estão as coisas entre vocês?
Minha curiosidade fica aguçada.
— Melhores do que antes, mas ainda difíceis ― ela fala, como uma
confissão, e suspira longamente, parecendo exausta.
— Não teve nenhum avanço no quadro dela? Nenhuma lembrança?
— ele questiona, e Luna nega com a cabeça, olhando para baixo. Seus
ombros estão encolhidos, e não demora muito para acontecer algo que faz
meu coração ficar apertado. — Oh, pequena... ponha para fora. Vai se sentir
melhor.
Noah puxa-a para seus braços, embalando-a em um forte abraço,
para tentar confortá-la. Luna está chorando de forma audível. Seu corpo
treme, e ela agarra o casaco de seu irmão. Sinto-me cada vez mais estranha
ao ver aquilo. Minha vontade é de correr para o quarto, trancar-me lá
dentro e não sair até que ela tenha parado de chorar. É horrível vê-la assim.
Nunca fui o tipo de pessoa que consegue ficar indiferente ao sofrimento de
alguém. O choro sempre foi meu ponto fraco, e por mais que não esteja
apaixonada por aquela mulher, seu sofrimento me machuca.
— Eu juro que tento ser forte, sabe? — Luna se pronuncia, depois de
um longo tempo chorando. Noah seca suas lágrimas, quando ela se afasta
dele e, então, acaricia seu rosto com o polegar. — De vez em quando, ela
me olha como se estivéssemos no passado, quando ela me desprezava. Isso
dói tanto. — Uma pausa e um suspiro pesado. — É horrível vê-la sendo
indiferente a mim. Eu estou acostumada com seus olhares amorosos, com o
carinho e o afeto.
— Imagino que esteja sendo difícil mesmo.
— Apesar da fase difícil em que estávamos, eu tinha aquela certeza
de que tudo ficaria bem. Ela me olhava com amor... O mundo fazia sentido.
Fase difícil? Será que nosso casamento estava passando por altos e
baixos, da forma que meu pai disse hoje mais cedo?
— Vocês conversaram sobre o casamento de vocês?
— Ainda não.
— Precisam fazer isso logo. Você sabe...
— Eu sei.
— O que pretende fazer?
Luna olha para cima e encara o teto. Noah coloca uma das mãos em
suas costas, alisando-a com carinho, para confortá-la.
— Prometi que sempre estaria ao lado dela, nos momentos bons e
nos ruins. Não importa se, no final do dia, eu me sinta como merda por não
conseguir, ao menos um sorriso da mulher que amo com a minha vida. —
Suspira. — Vou apoiá-la e estar com ela. Só quero vê-la bem e ajudá-la com
a amnésia.
— Sabe que ela pode nunca se lembrar de nada.
— Eu sei disso. E morro de medo...
— Que ela não se lembre de você?
Luna para de olhar o teto e o encara.
— Que ela não se lembre de ter me amado um dia.
Sua frase me atinge de uma forma surreal. Sinto cada palavra
penetrar minha pele, como se fosse faca afiada, e o coração aperta ainda
mais. Por que ela me afeta tanto?
— Não fique assim. Você sabe que pode conquistá-la outra vez. Já
aconteceu antes, pode acontecer de novo.
— Não é tão fácil quanto parece. Eu gostaria muito que fosse.
— Eu sei, mas... tente.
— Fiquei pensando em tudo isso desde que soubemos da
probabilidade de ela não se lembrar de nada. Me lembrei dos nossos
momentos juntas, do casamento, de como nossa família é unida, da nossa
felicidade. E a realidade me machuca, porque... Noah, ela nem se lembra do
nosso filho! Não faz ideia de como foi gerá-lo, não sabe como foi feliz
quando ele nasceu — sua voz falha um pouco, e sinto que ela vai chorar
outra vez. — Ele a ama tanto. Minha maior preocupação era que, por
alguma razão, ela o rejeitasse.
— Ela jamais faria isso, mesmo sem se lembrar de nada.
— Minha Camille não faria isso. Essa Camille de agora... bom, ela é
uma desconhecida para mim. Não vejo aquele brilho. Ela não está feliz.
— Conheço esse seu jeito de falar... Está cogitando pedir o divórcio?
O ar parece faltar em meus pulmões. Luna para de encará-lo e
abaixa a cabeça. Estou imóvel, esperando sua resposta.
— Se for o desejo dela, então, sim... Faço tudo por aquela mulher,
você sabe disso. Desde que ficamos juntas, venho dando o meu máximo
para fazê-la feliz, e infelizmente não estou fazendo isso agora. Então, se eu
precisar abrir mão da minha felicidade pela dela... eu o farei. Minha
prioridade sempre será Camille. Não me importo comigo mesma. Não mais.
Seu desabafo termina quando ela começa a chorar outra vez. Noah a
abraça de novo, e Luna esconde o rosto na camisa dele e deixa toda sua
emoção sair. Estou com os olhos cheios d’água, e meu peito parece cada
vez mais apertado.
Como pode alguém desistir de si mesmo por outra pessoa, como ela
está fazendo?
Ela me ama tanto a ponto de passar o resto da vida infeliz, somente
para que eu possa ser feliz. Sou sua prioridade, Luna me põe em primeiro
lugar sempre.
Finalmente, me dou conta de que estou chorando. Sinto toda a sua
dor mais uma vez. Não me importo que seja estranho para mim, só quero
vê-la bem.
Choro por sua dor, por não conseguir me lembrar dela.
Capítulo 10 - Aniversário
Como tem sido todos os dias, acordo cedo. Minha cabeça dói, são
reflexos do choro na noite passada. Depois que não aguentei mais ver Luna
chorar no colo de Noah, voltei para o meu quarto e chorei no banho. Uma
sensação de coração pesado ainda está em mim. Estou ligada a ela, é um
fato. Hoje, porém, não parece comum. Por que sinto que me esqueci de
algo?
Bom, a julgar pelas últimas semanas, esquecimento é o meu forte.
Levanto-me da cama e fico nas pontas dos pés para me esticar. Sinto
meu corpo parecer aliviado quando os músculos relaxam um pouco. Preciso
de um banho urgente. Sem me preocupar com a bagunça, começo a retirar
minhas roupas, deixando-as espalhadas pelo chão do quarto. Talvez a
Camille adulta seja um pouco mais organizada, mas a adolescente sempre
foi bagunceira.
— Bom dia, Camies...
— Oh, meu Deus! — exclamo, assustada, e coloco as mãos em meu
peito. Meu coração está acelerado. Eu não fazia ideia de que ela estava aqui
dentro. — Não faça essas coisas. Por favor.
— Desculpe-me. — Suspiro longamente e olho para ela, por puro
reflexo, arrependendo-me. Meus olhos quase saltam das órbitas, e sinto
meu rosto esquentar. Luna sorri de lado, não parece nem um pouco afetada
com o fato de eu estar vendo-a sem roupas. Seu rosto também está
aparentemente tranquilo, parece melhor do que na noite passada. Isso é
bom. — Nudez é algo normal, sabia?
— Pare com isso...
Ela solta uma risadinha. Essa maldita sabe que me deixa
completamente sem jeito. Não a encaro, continuo olhando para o chão. O
meu susto me fez esquecer momentaneamente de que eu também estava
sem roupas. Engulo a saliva em minha boca e cubro minhas partes íntimas.
Dessa vez, Luna ri alto. Parece ter visto minha ação e deduzido meus
pensamentos.
— Não deveria se cobrir. Tem um corpo lindo, que deve ser mostrado.
E sem dizer mais nada, ela simplesmente sai do banheiro, deixando
para trás seu cheiro de banho recém-tomado e a minha pessoa
completamente sem palavras. Desde quando eu fico tão sem ação perto da
Jacobs?
O que os anos fizeram comigo, além de me envelhecer?

— Pode entrar.
Respondo às leves batidas à porta, termino de colocar minhas botas
e saio do closet. Luna entra em meu quarto. Está agasalhada com um
sobretudo preto e usa uma touca beanie da mesma cor.
— Vamos?
Concordo com a cabeça, vou em sua direção e termino de abotoar
minha jaqueta de cor verde-escura. É bem quente, o dia está frio lá fora.
Passo por Luna, e seu cheiro toma conta das minhas vias nasais. Ela é
sempre tão bem-perfumada, é impossível não notar isso. Minha consulta
com a psicóloga foi adiada para quinta-feira, pois eu tive que ir ao hospital
saber sobre o meu laudo médico na segunda — fatídico dia que me deu a
certeza de que posso nunca me lembrar de nada. Isso ainda me apavora
bastante.
Essa semana foi mais exaustiva do que a última, e tenho muita coisa
para conversar com a doutora Robertson. Preciso conversar com alguém
que vai apenas me ouvir. Às vezes, tudo o que queremos e necessitamos é
falar sem que alguém se sinta na obrigação de responder algo. Nem sempre
um desabafo precisa de resposta. Na maioria das vezes, só precisa ser
ouvido.
— Vanessa comentou algo com você sobre um jantar hoje à noite? —
pergunto a ela. Estamos a caminho do consultório quando me lembro da
mensagem que minha melhor amiga mandou hoje cedo, logo depois do café
da manhã.
— Sim. Ela me mandou uma mensagem. Nós vamos?
— Uh... sim...
Confirmo, mas soa como uma pergunta retórica. Quero dizer, por que
ela me perguntou isso? Não sou eu quem decido as coisas. Ela é uma
pessoa livre, certo? Não tenho o direito de dizer se ela pode ou não ir a
algum lugar. Luna tem algumas atitudes que me confundem muito.
— Tudo bem. Vou chegar um pouco mais tarde hoje. Estou atolada
com algumas coisas no trabalho. Tudo bem se o Noah te buscar?
Fico curiosa para questioná-la sobre algumas coisas. Nós nunca
conversamos sobre o trabalho dela nem faço ideia de como ela se sustenta,
mas me calo e apenas concordo com a cabeça. Sempre há momentos em
que não sei como agir corretamente com a Luna. Tudo ainda é muito
confuso e estranho.
O caminho até o consultório é tranquilo. Apesar dos momentos
constrangedores e esquisitos, não é mais tão ruim ficar sozinha na presença
dela. Estou começando a acreditar que a rotina de convivência realmente
pode mudar minha opinião sobre Luna. Chegamos rápido e, como de
costume, entramos juntas no prédio. Seu olhar esteve sobre mim algumas
vezes, mas eu apenas ignorei. Ela tem uma coisa que prefiro evitar a todo
momento.
— Boa tarde. A doutora Robertson está esperando por você, Camille.
— Boa tarde, Aurora. Muito obrigada. — Sorrio para a simpática
secretária da minha psicóloga e viro-me para Luna, que, sorridente, acena
para Aurora. Ela desvia o olhar para mim, esperando que eu diga algo. —
Até mais tarde.
— Até... Tem dinheiro para o táxi na sua bolsa. Qualquer coisa, é só
me ligar.
— Tudo bem.
— Tchau, Aurora.
— Tchau, senhora Jacobs.
Elas se despedem e Luna vai embora. Suspiro, virando-me em
direção à porta da sala da minha psicóloga, e aceno mais uma vez para
Aurora, antes de bater à porta e ser recebida pela doutora Robertson. Seu
enorme sorriso de sempre está ali, presenteando-me com sua aura boa.
— Camille! Entre, estava esperando você.
— Oi, doutora Robertson... Obrigada.
— Já disse que você pode me chamar de Annie — ela me repreende,
mas seu tom de voz é divertido. — Sente-se. Aceita alguma bebida? Tenho
suco, água, café...
— Não. Estou bem, obrigada.
Sento-me na minha habitual cadeira, em frente a ela.
— E, então... conte-me sobre a sua semana. Como foi a consulta
com o médico?
— Terrível. — Suspiro longamente. O coração aperta todas as vezes
que me lembro da triste notícia. — Ele disse que minhas chances de não me
lembrar de nada são bem altas. Acho que só um milagre pode me ajudar.
— Você não pode perder as esperanças, Camille. Mesmo que suas
chances de sucesso sejam poucas, ainda assim, você pode acreditar e lutar
por isso.
— Eu sei, mas é muito difícil.
— Tenho certeza que sim. Não posso dizer que sei como é, porque eu
não faço ideia de como seja essa situação, mas você precisa sempre focar
no futuro.
— Estou tentando, mesmo. Só que é tão complicado... — Levo
minhas mãos até meus cabelos e enfio os dedos entre os fios, puxando-os
levemente. A pequena fisgada que sinto em meu couro cabeludo não é
nada, se comparada à dor em meu coração. — Como isso foi acontecer
justo comigo?
— Sabe, Camille, tem coisas na vida que acontecem sem um motivo
certo. De vez em quando, algo ruim é o melhor caminho para algo bom.
Precisamos cair, se quisermos aprender a ficar de pé. Erros sempre são
educativos.
Suas palavras me fazem pensar bastante. Tudo o que acontece na
nossa vida pode não parecer que deveria acontecer, mas, no final, tem uma
razão. Pode ser complicado entender as dificuldades, porém, sem elas,
como aprenderíamos a viver?
Ter tudo com facilidade não nos ensina nada, viver em um mar de
rosas é só enganação. A vida vai muito além de só nascer, crescer e morrer.
Passamos por dificuldades e obstáculos. Temos que enfrentar monstros
diariamente, mas isso é necessário para que possamos evoluir como seres
humanos.
Afinal, só se vive uma vez, e ninguém deveria desperdiçar a única
chance.

No caminho de volta para casa, dentro do táxi, lembro-me de todas


as coisas que a doutora Robertson me falou e não consigo parar de
imaginar as possibilidades que me foram dadas. Eu tenho tantas opções
viáveis, preciso começar a organizar meus pensamentos para não agir por
impulsividade. Por mais que eu não ame Luna agora, não me lembre de
nosso casamento e de tudo o que vivemos, um dia eu fui grata por tudo
isso. Um dia, fui apaixonada por ela.
Não sei se isso acontecerá outra vez, mas não serei imatura de
simplesmente abandoná-la e virar as costas. Estou crescida, sou uma
mulher adulta e mãe, tenho que agir e pensar como tal. Complicado, mas
necessário.
O resto do dia passou como um foguete. Ficar sozinha nessa casa é
muito deprimente e solitário. Luna ainda está no trabalho, não a verei tão
cedo, e Louis está na casa de Vanessa. Felizmente, meu cunhado estará
aqui dentro de alguns minutos, e eu poderei reencontrar meu filho e matar
a saudade que estou sentindo. Ser mãe, mesmo que há pouco tempo,
despertou em mim um lado coruja e carente que antes era desconhecido.
A campainha soa, e eu sei que é Noah. Ele havia mandado
mensagem para mim, avisando que estava chegando. Olho-me no espelho
mais uma vez. Belinda sempre foi mais vaidosa do que eu, e felizmente,
aprendi algumas coisas com ela — por insistência da própria, é claro. Fiz
uma maquiagem leve, que combina perfeitamente com as roupas escolhidas
por mim esta noite. Minha versão adulta tem um ótimo gosto para as
coisas, vale frisar isso.
— Boa noite, cunhada favorita.
— Você só tem a mim de cunhada — rebato sua saudação, e Noah
gargalha, antes de me puxar para um abraço. Seu perfume é forte, porém
agradável. Não tanto quanto o de Luna, que é mais suave, mas, ainda
assim, parece que ter um cheiro bom é coisa de família. — Boa noite,
cunhado.
— Infelizmente, você tem outro, além de mim, mas eu sei que sou o
favorito.
Gaba-se, erguendo o queixo. Ele abaixou o volume de sua barba e
parece ter cortado os cabelos. Olhando-o de perfil, não dá para negar que
Luna e ele são irmãos. A beleza é uma coisa hereditária também entre os
Jacobs. Noah coloca a mão em minhas costas, como apoio, enquanto
andamos em direção ao seu carro. Outra coisa que sua irmã e ele
compartilham: o gosto por carros grandes. O dele é enorme, assim como o
dela.
— Luna falou com você sobre o horário que iria sair do trabalho?
Questiono, assim que estamos dentro do carro, coloco meu cinto de
segurança e olho para ele. Noah gira a chave na ignição e, então, retribui
meu olhar.
— Disse que em poucas horas estaria conosco.
— Ah, sim.
É tudo o que digo, e o silêncio toma conta do carro. Não é
desconfortável, sempre gostei de Noah, apesar de não ter muita intimidade
com ele na época da escola. Parece que agora nos damos super bem. É
aceitável, afinal sou casada com a irmã dele, e ele, com a minha melhor
amiga.
Está tudo em família.
— Vocês estão se dando melhor? — Olho para ele, sem entender. —
Estou falando de Luna e você. Como vão as coisas? Ainda ruins?
— Hm, não. Quero dizer, não é a melhor coisa do mundo, mas agora
é menos pior. Você sabe, nunca gostei dela. Acordar, um dia, e descobrir
que estamos casadas e temos um filho foi realmente chocante.
— Compreensível — ele responde e fica quieto durante alguns
segundos. Eu também não falo nada, prefiro assim. Mas, então, retoma o
assunto, quando achei que iríamos continuar calados. — Sabe, Mille, eu
prometi a ela que não me meteria nisso, afinal vocês são adultas e casadas,
devem resolver as coisas entre si, mas não me leve a mal... é só que odeio
vê-la triste.
Em sua voz, eu sinto que, da mesma forma que eu sou com as
minhas irmãs, ele também é com ela. Noah está sentindo tudo o que Luna
sente, e eu sei bem quão doloroso é ver quem amamos sofrendo.
— Estou sendo menos rude... e, bem, tentando me acostumar com a
ideia de ser casada com ela.
— Imagino que tudo ainda seja uma confusão para você, e sei que
está cansada de ouvir que as coisas mudaram e deveria tentar conhecê-la
de verdade, mas eu não posso evitar. Devia dar uma chance não só a ela,
mas a você também. Tente saber mais do que aconteceu. Nunca vi um casal
tão em sintonia quanto vocês duas. Sempre foi um amor genuíno.
— Eu não sei o que dizer.
— Não precisa dizer nada, apenas considere. Você não precisa ficar
presa a esse casamento, mas ao menos tente conhecê-la como pessoa.
Tenho certeza de que mudará sua opinião sobre ela. Luna é uma mulher
excepcional. Sou muito orgulhoso da pessoa que ela se tornou. Não falo isso
apenas porque sou irmão dela, eu realmente a admiro.
Não respondo nada, mas suas palavras me fazem pensar ainda mais.
Noah fala com orgulho de quem a irmã se tornou, da pessoa incrível que ela
parece ser. Faz alguns dias desde que decidi tentar melhorar nossa relação,
e sei que devo mesmo, ao menos, conhecê-la. Não estamos mais no colegial
e não somos mais adolescentes bobas, somos casadas e temos um filho. Ao
menos uma amizade saudável devemos ter.
Quero conhecer Luna Jacobs e quem sabe, assim, entender o motivo
de ter me apaixonado por ela.
— Mommy!
O grito de meu filho é a primeira coisa que ouço, quando entro na
casa de Noah e Vanessa, e um enorme sorriso surge em meu rosto. Só
tenho tempo de me ajoelhar, antes que seu corpo colida com o meu, e
aperto-o em meus braços com força. Digo a mim mesma, em minha mente,
que nunca mais passarei tanto tempo longe do meu pequeno. Foram horas
horríveis.
— Filho! Que saudade! — Seguro seu rosto e afasto-me para olhá-lo.
Louis está com um sorriso enorme, e os cabelos, cada vez maiores, caem
sobre seus olhos claros. Encho-o de beijos, e meu filho gargalha. O som
invade meus ouvidos e funciona como um calmante natural. Tudo melhora
na presença dele. — Nunca mais ficarei tanto tempo longe.
— Pelo amor de Deus, criatura! Foi só um dia e algumas horas. Ele
costumava passar dias comigo.
Uma Vanessa debochada surge na sala, com sua habitual pose de
senhorita que manda em tudo, só que agora ela não é mais uma
adolescente, mas uma mulher maravilhosa. Pena que tão chata e
implicante.
— Eu nunca mais deixarei isso acontecer.
Envolvo-o em meus braços outra vez, e Louis agarra meu pescoço
com força, retribuindo meu abraço apertado. É a melhor sensação.
— Como você é dramática. — Revira os olhos para mim, que olho
para ela e, disfarçadamente, mostro o dedo do meio. Vanessa coloca as
mãos sobre o peito e finge estar ofendida. — Você voltou mesmo a ser mal-
educada. Luna precisa te adestrar outra vez. Parece que os modos se
perderam com a sua memória.
— Vanessa, cale a boca. Não tenho culpa se você é insensível.
— Dramática.
— Olha aqui, sua...
— Okay, mulheres, acalmem-se! Temos crianças aqui — Noah
intervém quando eu fico de pé e ameaço ir em direção a Vanessa. Ela nem
se abala com a minha atitude e continua me olhando como se eu fosse o
inseto mais insignificante do mundo. — Fale com a sua tia, Toni.
— Tia Mille.
Receoso e visivelmente tímido, ele vem até mim, e eu me abaixo
para abraçá-lo e beijar sua bochecha. Os olhos claros dele são ainda mais
bonitos quando vistos de perto. É incrível como ele herdou características de
Vanessa e Noah.
— Mommy, o Toni e eu vamos continuar brincando com o lego, tá
bom?
— Tudo bem, filho. Divirtam-se.
Meu pequeno acena para mim antes de sair dali com Toni. Os dois
sobem as escadas rapidamente, indo a algum lugar, provavelmente o quarto
do pequeno. Ainda estou sorrindo. Ver meu filho melhorou meu humor.
— Um dia, o meu filhote vai superar a paixonite que tem por você.
Noah comenta, em tom de divertimento, e Vanessa gargalha. Eu
encaro os dois, sem entender direito.
— Como assim?
— Toni sempre ficou sem jeito perto de você. Acreditamos que ele
tenha algum tipo de paixão platônica. Coisa de criança, sabe?
Vanessa responde, ainda rindo e dando de ombros. Eu abro a boca,
finalmente entendendo o assunto, e acabo rindo disso. É uma coisa
engraçada. Os dois me guiam em direção à cozinha, e o cheiro de comida
anima meu estômago instantaneamente. Sinto-me tentada a questionar
quem preparou o jantar, mas provavelmente minha melhor amiga me daria
alguma resposta atravessada. Quando entramos em assuntos variados,
acompanhados de uma garrafa de vinho tinto, nem percebo o tempo
passando. Uma das coisas ótimas que ser uma adulta me proporciona é o
fato de poder ingerir bebida alcoólica.
— Luna tem mesmo esse jeito protetor. Às vezes, ela até exagera,
mas é uma coisa da personalidade dela. Sempre foi assim.
— Eu sei. Lembro-me de uma vez que ela me acompanhou até em
casa, quando eu neguei sua carona naquela moto barulhenta.
Ela sempre tentou me fazer subir naquele negócio, mas eu sempre
negava. Sabia que meu instinto não poderia estar errado sobre aquilo. No
dia em que finalmente aceitei sua carona, não esqueço como meu coração
ficou acelerado pela velocidade.
— Você bem que amou andar naquela “moto barulhenta”, depois que
vocês começaram a se envolver. Era quase como mandar um recado para
todo mundo.
Vanessa debocha, e dou um gole em meu vinho, encarando-a,
curiosa.
— Como assim?
— Seu território, Camille — ela responde, e Noah solta uma risadinha
e concorda com a cabeça. — Você odiava que alguém chegasse perto da
Luna com aquela moto. Digamos que a senhorita se tornou bem ciumenta.
— Eu, ciumenta? Impossível.
Murmuro, sem muita confiança. Não faço ideia da pessoa que me
tornei com o passar dos anos. Somente me lembro de ser totalmente
desapegada, até acordar casada com uma pessoa que sempre detestei, e
descubro uma coisa nova todo dia. Muita informação para pouco eu.
— Pode acreditar, cunhada. Você era ciumenta, sim.
Fico calada e opto por apenas beber meu vinho. Eles continuam
soltando risadinhas e piadinhas sobre a minha Camille do passado. Isso é
injusto, não tem como eu saber se o que estão dizendo é realmente
verdade. O som da campainha ressoa por toda a casa, e não sei ao certo se
estou aliviada por saber que é Luna ou receosa do que esses dois podem
falar.
— O cheiro da comida está ótimo. Estou cheia de fome — ela diz,
assim que chega até onde estamos, e mantenho a atenção em minha taça.
O cheiro dela, como de costume, toma conta do ambiente
instantaneamente. Como alguém pode passar o dia no trabalho e, ainda
assim, cheirar tão bem? — Boa noite, cunhada.
— Demorou. Eu estava quase comendo antes de você.
— Podia ter comido, vocês não precisavam me esperar.
Luna senta-se ao meu lado, então olho de relance para ela e noto
quão cansado seu rosto parece. O dia no trabalho deve ter sido exaustivo
mesmo. Como se ela sentisse meu olhar sobre ela, olha para mim e sorri de
lado. Discretamente, passaria despercebido por qualquer um que não
estivesse prestando atenção.
— Como está o projeto?
Noah questiona, de pé, acompanhado de Vanessa, e os dois
começam a arrumar a mesa para o jantar. Agradeço mentalmente, pois
estou com fome.
— Cansativo — ela responde ao irmão, ficando de pé também, e eu a
acompanho com o olhar. Luna parece mesmo cansada. — Minha cabeça
parece que vai explodir.
— Coma o jantar que depois lhe darei um remédio para dor de
cabeça. Pode se sentar, hoje eu libero você de ajudar.
— Muito obrigada. Você é um anjo quando quer.
Luna agradece a Vanessa e sai da cozinha, indo em direção à sala de
jantar, e eu termino de degustar meu vinho. O gosto adocicado tomou conta
de toda a minha boca. Sempre foi uma sensação gostosa. Não que eu seja
fã de bebidas alcoólicas, nunca fui de sair muito quando era mais nova,
porém o vinho sempre foi uma bebida que eu apreciei.
— Venha, Camille.
Noah chama por mim, e vou em direção à sala de jantar. Tudo está
perfeitamente organizado. Olhar para tudo isso, sabendo que minha melhor
amiga preparou tudo com a ajuda de seu marido, ainda é muito surreal.
Lembrando-me apenas da Vanessa adolescente, uma cena dessas é
realmente engraçada, se comparada ao fato de que ela mal sabia fritar um
ovo. Tentei por diversas vezes ensiná-la a cozinhar, mas nunca consegui.
Sento-me ao lado de Luna e dessa vez não a olho. Trocamos muitos olhares
por hoje.
— Crianças, venham comer!
Vanessa chama por Louis e Toni, e não demora muito para que
possamos ouvir passos apressados nas escadas e as vozes animadas dos
dois. Minha língua coça para repreender meu filho por ter corrido em um
lugar perigoso, no qual poderia se machucar, mas me calo. Não faria isso na
frente dos outros.
— Quantas vezes terei que pedir para não correr nas escadas,
carinha?
Luna não parece se importar com a presença de outras pessoas e
repreende o pequeno. Ele morde o lábio inferior e abaixa a cabeça, sem
jeito. Apesar do esporro, Louis agarra a cintura dela e a abraça. Ela parece
se derreter e abre um enorme sorriso, depositando um beijo no cabelo dele.
— Desculpe, mamãe.
— Você também, mocinho. É perigoso correr em escadas.
Repreende Toni, que está sentado ao seu lado. O pequeno fica com
as bochechas rubras, mas acena com a cabeça, em concordância. Luna
parece ser o tipo de adulta responsável, um pouco chata com questões de
segurança. E eu pensava que ela seria o tipo de mãe desleixada, que deixa
os filhos fazerem o que querem. Parece que me enganei, não é mesmo?
Depois que todos estavam em seus devidos lugares, finalmente
pudemos jantar. Eu não poderia estar mais agradecida pelo passar dos
anos, pois a comida de Vanessa ficou realmente divina. E Noah não poupou
elogios à minha melhor amiga, sempre enaltecendo o fato de ela saber
preparar coisas divinas na cozinha. Fiquei ainda mais surpresa. Ela nunca foi
do tipo que fazia algo sozinha, mas o tempo muda, e muitos anos se
passaram.
Tudo está diferente agora.

O caminho de volta para casa foi divertido. Foi uma noite agradável,
e todos estávamos felizes. Se eu olhasse de um ponto de vista diferente,
diria que nós três ainda somos uma família bem unida. Mas, apesar de tudo,
isso não me deixa desconfortável. Parece reconfortante, na realidade. Eu
gosto de estar me dando bem com ela, e conviver com meu filho tem sido
cada vez melhor. Realmente, ser mãe é algo inexplicável, faz um bem
surreal.
— Filho, se for tomar banho, não esqueça de não molhar os cabelos,
está tarde ― Luna diz, assim que entramos em casa. Só agora noto quão
cansada estou.
— Tudo bem, mamãe. Vou subir ― ele avisa e sobe as escadas. Meu
pequeno também parece cansado, pois quase se arrasta pelos degraus.
Abaixo-me para retirar minhas botas. Preciso de alívio imediato. Um
banho relaxante na banheira será uma ótima escolha.
— Você quer tomar seu banho primeiro?
— Pode ir na frente. Vou usar aquela banheira maravilhosa e
provavelmente vou demorar.
Luna solta uma gargalhada, e acabo rindo por consequência. O som
é agradável, e para ser sincera, a presença dela também. Muitas coisas
realmente mudaram, e essa versão madura de Luna Jacobs é
completamente aceitável e fácil de lidar. Acho que realmente podemos ser
amigas agora.
— Tudo bem, vou tomar um banho. Preciso muito.
— Okay.
— Boa noite, Camies. Quando subir, não se esqueça de apagar as
luzes.
— Boa noite, Luna.
Ela pendura sua jaqueta no cabide, perto da porta de entrada, e vai
em direção à escada.
Termino de tirar o excesso de roupas. Dentro de casa, está um clima
aconchegante, e não é mais necessário ficar agasalhada. O dia realmente foi
bom, desde o momento em que acordei até agora. Parece que me adaptar à
nova rotina não é algo tão difícil assim, afinal.

O resto da semana passou voando. Tive encontros com minha irmã,


Belinda, na companhia da minha sobrinha. Está sendo maravilhoso poder
estar com todos. Parece que, a cada dia, as coisas se encaixam lentamente.
No trabalho, as coisas estão melhores ainda. Meus alunos são ótimos de
lidar e todos entendem minha situação.
Não tenho o que reclamar desses dias, apenas um fato tem me
incomodado diariamente: Luna tem estado estranha. Digo, não o estranho
comum dela, mas um jeito estranho de verdade. Na semana anterior, ela
parecia mais... alegre, e, nos últimos dias, tem estado aérea e calada.
Conversamos pouco, e não insisto muito, pois parece ser algo invasivo. Até
mesmo com Louis ela está diferente, e sinceramente não sei o motivo disso.
Achei que as coisas estavam indo bem em relação a tudo.
Talvez, como Belinda sugeriu ontem, quando contei sobre isso, Luna
possa estar sentindo falta do nosso casamento como era antes. Eu acredito
que as coisas sejam bem difíceis para ela, porque é a única que se lembra
de tudo.
Hoje é domingo e ela está em seu escritório o dia todo, enquanto
Louis e eu brincamos no quintal. Não está frio, na verdade está agradável o
tempo todo. Louis dorme, e eu fico sozinha na sala, assistindo à televisão.
Troco mensagens com Belinda e Sofia. Estou com saudade da minha irmã
mais nova e fico triste, ao saber que só poderemos nos ver no Natal. Por
sorte, faltam poucas semanas.
Estou distraída com meu celular, nem percebo a presença de Luna na
sala comigo. Quando finalmente noto, olho para seu rosto e me assusto ao
vê-la tão abatida.
— Você está bem?
— Não muito — responde. Eu me sento corretamente no sofá e pego
o controle da televisão, desligando-a rapidamente. Bloqueio a tela do meu
celular, lhe dedicando minha total atenção, e Luna se aproxima lentamente
de mim. Tem algo em suas mãos que ainda não identifiquei. — Sempre fico
esperando essa data chegar. É uma das minhas favoritas. — Abre um
sorriso, mas ele não chega aos seus olhos. — Eu tinha todo um discurso
preparado, sabia?
— Do que você está falando? ― confusa, eu questiono.
Luna faz um sinal com a mão para que eu espere, então me calo. Ela
se ajoelha à minha frente, com uma fotografia em sua mão, e eu franzo o
cenho. O que está acontecendo aqui, afinal?
— Você não faz ideia das coisas que eu gostaria de ter dito, mas
espero, de coração, poder dizê-las um dia e fazer todo o sentido pra você. É
claro que agora não seria possível. Depois de tudo o que... aconteceu… ―
Ela engole com tanta força que ouço o som que sua garganta faz, e um
aperto começa a crescer em meu peito. Vê-la assim sempre me deixa triste.
— Luna?
— Parabéns, mesmo que você não lembre.
Ela coloca a foto em minha mão e ergue-se do chão, apenas o
suficiente para beijar minha testa com delicadeza. Fico confusa e desejo
questioná-la sobre isso. Eu esqueci boa parte da minha vida, mas ainda
lembro que meu aniversário é em outra data.
— Obrigada por todos esses anos ― termina de falar e afasta-se de
mim como um raio, caminhando a passos largos em direção à porta de
entrada. Ela simplesmente sai, deixando-me ali, curiosa e com o coração
apertado por vê-la tão frágil.
Olho para a foto que ela me entregou e fico ainda mais confusa. É
uma casa na árvore. Eu a viro para verificar se tem algo escrito atrás e não
me surpreendo ao ver as anotações com uma caligrafia de dar inveja. Ela
tem uma letra bonita.

Por alguma razão, estou com os olhos cheios de lágrimas quando


termino de ler aquela pequena anotação. Não sei explicar o motivo, mas
sinto que algo está faltando. Tem uma coisa que ainda não percebi. O que
eu deixei passar?
“Parabéns...”
“Obrigada por todos esses anos.”
— Oh, não...
Levo as mãos à minha boca quando finalmente me dou conta de que
hoje é o nosso provável aniversário de casamento, e, só então, tudo começa
a fazer sentido. Os momentos estranhos dela e sua ausência... Ela estava
sofrendo calada.
Capítulo 11 - Recomeço
O sol bate em meu rosto. Não está calor, apenas um pouco quente. É
início da manhã e o céu está lindo. Parada em frente ao lago que corta esse
sítio de fora a fora, observo cada detalhe ao meu redor. É incrível como a
natureza pode ser algo lindo.
— Um beijo pelos seus pensamentos. ― Seu sussurro repentino em
meu ouvido faz com que eu me arrepie dos pés à cabeça. Os braços,
protetores como sempre, abraçam minha cintura. Ela gruda seu corpo no
meu, e eu me aconchego em seu peito, deitando a cabeça em seu ombro.
Somos o verdadeiro encaixe perfeito.
— Você não acha a natureza maravilhosa?
Luna solta uma risadinha, e fecho os olhos para apreciar aquele som
maravilhoso ressoando ao pé do meu ouvido. É a música mais linda do
mundo.
— Eu achei que eu fosse a doida que bate palmas para o sol.
— Já ouviu aquele ditado: você é o que você come? Então...
— Uh... — Ela afasta meus cabelos, deixando exposto meu pescoço,
e um beijo molhado é depositado na região. Estremeço em seus braços. —
Está cada vez mais espertinha.
— Aprendi tudo com você.
Viro-me em seus braços, passando os meus por trás de seu pescoço.
Luna é apenas alguns centímetros mais alta do que eu, mas dá para sentir a
diferença quando ficamos assim. Por isso, fico nas pontas dos meus pés
para beijá-la, e ela agarra minha cintura, puxando-me para cima. Os seus
beijos sempre são maravilhosos. Mesmo depois de todos esses anos, eu
ainda fico sem chão quando ela me beija.
— Vamos subir? Estou com saudades do nosso lugar.
Concordo com a cabeça. Afastamo-nos, e ela entrelaça nossos dedos.
Vou andando na frente, e ao longe, é possível ver nossa casa na árvore, em
meio às folhas que a cercam. Eu amo estar aqui, senti muita saudade. O
ruim de crescer é que, quanto mais os anos se passam, com menos tempo
de fazer suas coisas favoritas você fica.
— Parece que passamos anos sem vir aqui, e foram só alguns
meses... Luna!
— Desculpe-me!
Solto sua mão e viro-me para ela, com os olhos cheios de ódio. Ela
está com as mãos erguidas e uma falsa expressão de culpa. Estou
desacreditada que ela tenha simplesmente me dado um tapa na bunda sem
qualquer motivo.
— Eu vou matar você.
— Perdão, amor. Mas esse short fica muito lindo em você.
— Corra. Eu vou te dar apenas alguns segundos. — Luna arregala os
olhos, ao ouvir meu tom de voz, e não demora muito para que ela saia
correndo para longe de mim, em direção ao nosso lugar. — É bom ser
rápida mesmo.
— Me perdoa, Camies! ― ela pede, mas eu nego com a cabeça,
mesmo que ela não possa ver isso.
Corro atrás dela. Sei que, obviamente, não vou alcançá-la, mas posso
pegá-la e dar-lhe uma lição assim que chegarmos à casa na árvore. Luna
sobe com agilidade, e eu vou calmamente atrás dela, ostentando um sorriso
malicioso em meus lábios.
— Peguei você ― falo assim que chego ao topo da casa. Luna está
em frente a mim, sorrindo abertamente. Aproximo-me devagar, com
cautela, e quando chego mais perto, tudo acontece muito rápido. Só me
lembro de que ela se moveu com uma agilidade impressionante, e, em
segundos, estávamos as duas no colchão posicionado no centro da casa.
— Não. Eu peguei você ― ela sussurra para mim. Com suas coxas ao
lado do meu quadril e seu tronco pressionando o meu para baixo, somente
posso erguer as mãos e segurá-la pelos cabelos. Puxo-a contra mim e tomo
seus lábios com os meus, beijando-a com paixão.
— Você é uma idiota ― murmuro, tentando soar irritada, mas seus
lábios descendo para o meu pescoço me desarmam totalmente.
Luna sorri sobre minha pele, continuando os beijos.
— E você me ama.
As mãos atrevidas logo acariciam minhas coxas, e ela as aperta
algumas vezes. Eu fecho os olhos toda vez que isso acontece. É surreal o
poder que essa mulher tem sobre mim. Luna chega ao limite da minha
regata, beijando o topo dos meus seios, que aparece graças ao decote. Olho
para baixo, tendo seus olhos verdes fixos em meu rosto, e um arrepio sobe
pela minha espinha. Seu olhar é intenso.
— Nada de sexo antes do casamento.
— Só estou fazendo carinho — a voz dela está mais rouca que o
normal, e isso me faz engolir em seco. Ela usa o dedo indicador para puxar
meu decote para baixo, expondo mais meus seios cobertos por um sutiã de
renda azul bem clarinho. — Lindos.
— Luna... — resmungo e começo a sentir meu corpo reagir àqueles
toques nada inocentes. Ela me ignora, continuando a beijar minha pele.
Como se já não fosse maldade suficiente, ela resolve usar a língua. — Pare
com isso agora.
Ela me obedece instantaneamente, com um sorriso em seus lábios.
Pressiono meus olhos e a encaro, séria, mas Luna me ignora. Deita-se por
cima do meu corpo outra vez e beija-me delicadamente, mesmo que eu não
esteja retribuindo o contato.
— Estou com saudade ― resmunga, escondendo o rosto em meu
pescoço.
Sorrio para sua clara manha e levo minha mão esquerda até sua
cabeça, para acariciar seu cabelo.
— Eu também estou, amor.
Luna suspira. O ar que sai de suas narinas faz meus pelos do braço
ficarem eriçados.
— Lembre-me de nunca mais fazer uma promessa como essa ― eu
digo.
Luna rapidamente ergue a cabeça, e seu rosto tem uma expressão
bem conhecida por mim. Reviro os olhos para aquele olhar convencido.
— Sabia! Eu tinha certeza de que você não aguentaria. Quem é a
maníaca sexual agora?
— Idiota. Você ainda é a maníaca. — Dou um tapinha em suas
costas, e Luna ri. — Mas eu sinto saudade, ok? Como não poderia? Você me
transformou em uma viciada em sexo. É tudo culpa sua.
— Não tenho culpa de nada. Sexo é ótimo, e comigo é melhor ainda.
— Convencida.
— Realista.
— Que seja.
— Eu tenho razão. — Ela sorri, convencida, abaixa a cabeça e sela
nossos lábios.
— Preciso te entregar uma coisa, antes que acabe deixando você
conseguir o que quer.
— Nós duas queremos.
— Shhh... Levante-se.
Luna nega com a cabeça, agarra minha cintura e coloca outra vez o
rosto na curva de meu pescoço. Solto uma lufada de ar e tento afastá-la.
— Luna, por favor. É importante.
— Tudo bem. ― Ela finalmente me obedece e ergue seu corpo,
saindo de cima de mim, com um enorme bico nos lábios. Em seguida,
senta-se entre minhas pernas, olhando para baixo. É como um bebê que faz
birra. Minha noiva simplesmente consegue se assemelhar a um.
— Lembra quando me pediu em casamento e eu tinha o mesmo
plano...
— Nós duas tínhamos alianças nos bolsos. — Luna joga a cabeça
para trás e ri. — Foi a coisa mais engraçada do mundo.
Eu acabo rindo também e concordo com a cabeça. Realmente, foi
muito engraçado. Luna me trouxe até aqui, há dois anos, e pediu minha
mão em casamento. O que ela não sabia era que eu tinha o mesmo plano e
a pediria naquele final de semana. Foi a coisa mais hilária do mundo quando
eu contei a ela a minha intenção. Depois que aceitei seu pedido, ficamos
horas rindo disso tudo. É uma história que contaremos aos nossos filhos e
netos.
— Se não fosse assim, não seríamos nós duas.
— Um fato.
— Lembro-me como se fosse ontem. Você, ajoelhada na chuva, com
aquele sorriso enorme que eu amo tanto. — Ela abre um sorriso em
seguida, e sorrio por consequência. — Esse aí mesmo. Ah... eu não
conseguia parar de dizer sim.
— Eu amei cada sim dito por você. Era um salto que meu coração
dava toda hora.
— Eu teria dito milhões de vezes mais aquele sim, porque sempre
vou dizer sim para você. Minha eterna sorte. ― Seguro sua nuca e inclino-
me para frente, tomando seus lábios nos meus.
— Eu amo você ― ela sussurra.
Sorrio e a beijo outra vez. Não preciso responder sempre, porque
Luna sabe, apenas olhando nos meus olhos, que todo esse amor sempre
será recíproco.
— Você me deu esse anel, que é o mesmo que seu avô deu à sua
avó quando a pediu em casamento. — Olho para o meu anelar esquerdo, no
qual o anel dourado, com uma bela pérola em cima, está. — Lembro-me da
sua preocupação quando explicou o motivo de ter me dado esse anel. Ficou
receosa que eu não gostasse, por não ser um diamante caro. Só que de
você eu aceitaria até um anel de plástico.
Olho para o amor da minha vida. Ela está com um enorme sorriso
nos lábios e com os olhos brilhando de emoção. Luna pega minha mão
esquerda e leva até sua boca, depositando um beijo carinhoso sobre o anel.
— Você é incrível.
— Eu me senti especial naquela época, e ainda hoje me sinto da
mesma forma. Esse anel é importante para os seus avós, para sua família e
para você. E agora é especial para mim também, porque simboliza a nova
etapa da nossa vida. Um lembrete do dia em que aceitei juntar minha vida
totalmente à sua. O objeto que simboliza a nossa união.
— Você merece tudo.
— Você é o meu tudo. — Entrelaço nossos dedos e levo sua mão até
minha boca, beijando o dorso dela. — Quando eu comprei sua aliança de
noivado, fiquei pensando se seria o suficiente. No dia em que me pediu em
casamento, percebi que nada que eu te desse seria tão grande quanto o
que você me deu.
— Camies...
— Espere. Deixe-me terminar. — Ela concorda com a cabeça, e eu
suspiro e umedeço os lábios antes de continuar. Meu coração parece que vai
saltar do peito a qualquer instante, estou nervosa. — Mas agora, faltando
uma semana para o nosso casamento... eu quero dar a aliança a você.
— Amor...
Pego em meu bolso a caixinha branca e abro-a lentamente,
revelando a ela o anel semelhante ao que está no meu anelar. Luna abre a
boca, em choque.
— Esse ainda não tem história, mas nós duas o faremos ter. Quero
que, no futuro, nossos filhos e netos possam repassar essas duas alianças,
de geração para geração. Para que eles saibam de onde vem tanto amor.
Quero que se case comigo agora.
— O quê? Aqui?
— Sim. Eu sei que é loucura, mas... preciso disso. Quero que se torne
minha mulher aqui, sem ninguém além de nós duas. Uma coisa só nossa.
Na semana que vem, nos casaremos em frente às pessoas que amamos. Só
que, nesse momento, eu preciso que você se torne a minha esposa.
Uma lágrima escorre por sua bochecha, e Luna está sorrindo.
— Eu aceito.
Retiro o anel da caixinha e seguro sua mão esquerda.
— Não vamos trocar nossos votos agora. Somente preciso que me
diga que está disposta a compartilhar todos os momentos comigo, os bons e
os ruins. Quando a dificuldade crescer, prometa-me que vai estar ao meu
lado, para me sustentar e sustentar a si própria. Que na minha carência ou
nos momentos de raiva, você vai me amar da mesma forma. E caso tudo
comece a desabar, prometa-me que vai me ajudar a reconstruir pedaço por
pedaço. ― Coloco o anel em seu anelar e deposito um beijo no lugar. Luna
faz o mesmo comigo, entrelaçando nossos dedos em seguida.
— Eu prometo, se você estiver comigo.
— Para sempre, minha eterna sorte. Eu amo você.
Luna solta nossas mãos e segura meu rosto. Puxa-me para ela e
começamos um beijo repleto de amor. Meu peito parece explodir de carinho
e afeição.
— Eu era completa antes, mas agora eu transbordo... Graças a você.

Atordoada: é assim que estou desde o momento em que Luna saiu


daqui. Não sei para onde ela foi nem se vai demorar. Só sei que preciso
fazer alguma coisa para amenizar essa situação. Eu sinto seu incômodo.
Está na hora de fazer algo por ela.
Pego meu celular e desbloqueio a tela. Rapidamente, procuro pelo
contato da minha irmã e mando-lhe uma mensagem. Não demora muito
para que a resposta chegue.

Belinda não responde. Na verdade, ela me liga.


— VOCÊ SE LEMBROU? ― seu grito é tão alto e repentino que eu mal
tenho tempo de falar alguma coisa. Preciso afastar o aparelho celular da
minha orelha para não ficar surda.
— Não. Luna me deu os parabéns e disse algumas coisas. Eu só
liguei os pontos e cheguei à conclusão de que deveria ser. Você acabou de
me confirmar isso.
— Ah... Pensei que tinha se lembrado disso. — Suspira longamente,
causando um leve chiado na ligação. — Mas, sim, hoje é o aniversário de
casamento de vocês. Por isso, o Louis já estava preparado para vir dormir
aqui hoje. Tínhamos combinado isso meses antes. Quero dizer, combinei
com a Luna, porque ela te faria uma surpresa.
— Ela saiu desnorteada daqui... Não sei aonde ela foi.
— Está preocupada, né? Isso é normal, Mille. Mas fique tranquila,
Luna nunca faria algo estúpido. Talvez ela apareça por aqui.
— Sobre isso... Preciso da sua ajuda.
— O que está aprontando? Conheço esse tom de voz.
— Não estou aprontando nada. Quero melhorar as coisas entre nós e
alegrá-la um pouco.
— Olha só... que grande evolução, Camille Cruz! Estou orgulhosa.
— Sem gracinhas, Belinda.
— Você sabe que adoro implicar contigo. Mas conte-me dos seus
planos. O que eu tenho que fazer?
— Caso ela apareça por aí, não deixe que traga o Louis e garanta que
ela não volte cedo para casa.
— Você não está planejando matá-la, está?
— Não, Belinda!
— Hmmm... Vocês vão transar?
— Eu vou desligar a maldita ligação!
— Estou brincando. Parei. Fique tranquila. Pode deixar que eu a
seguro aqui.
— Muito obrigada, sua idiota.
— Hoje é o dia da ofensa, por acaso? Estou aqui, tentando ser
prestativa, e é assim que me trata?
— Belinda... obrigada. Ok?
— Melhor assim. — Reviro os olhos. Ela consegue ser muito irritante
quando quer. — E Camille?
— Eu?
— Boa sorte. Espero que tudo ocorra bem. Vocês duas merecem a
felicidade.
Não respondo a essa última frase e apenas me despeço dela. Fico
olhando por alguns segundos para o telefone, pensando no que exatamente
eu posso fazer para melhorar as coisas. Começo a criar possibilidades, até
que uma ideia me vem à mente.

As horas seguintes foram todas em prol de preparar um jantar. Eu


tentaria amenizar a situação da minha forma e conversaria sobre algumas
coisas essenciais com ela. Luna e eu precisamos começar a dar outros
passos nessa convivência, precisamos agir como as adultas que somos.
Além de termos uma criança em casa, não tem como voltar no tempo e
mudar as coisas. É hora de encarar a vida como ela realmente é.
Não quis exagerar na hora de arrumar a mesa do jantar, para que
isso não parecesse algo além do que realmente é. Somente fiz de tudo para
que fosse como um jantar normal. Belinda tinha me mandado uma
mensagem, avisando que Luna realmente tinha ido até lá, mas que ela faria
de tudo para que Louis permanecesse em sua casa. Eu acho que será
melhor assim, apenas nós duas, sem a interrupção de outra pessoa.
O relógio prateado em meu pulso marca sete da noite. Fico
preocupada que Luna demore mais para o jantar, mas minhas preocupações
logo acabam quando ouço o barulho de carro na frente de casa. Respiro
fundo algumas vezes. Esse momento é crucial. Vou até a sala de estar para
recebê-la, e não demora muito para que ela entre.
— Boa noite, Luna. ― Ela fecha a porta atrás de si e olha em minha
direção. Sua boca se abre lentamente, e os olhos descem da minha cabeça
até meus pés. Fico nervosa sob aquele olhar, mas mantenho a pose de
calma e confiante.
— Boa noite... Nós, digo... você vai sair?
Olho para minha roupa e depois volto a olhar para ela, confusa. Não
tinha colocado nenhum traje especial, apenas escolhi um vestido mais
social, porém simples.
— Uh... não. Eu preparei o jantar.
— Louis não vem para casa hoje. Eu tentei convencê-lo, mas sua
festa do pijama com Harry e Serena estava marcada há muito tempo.
Então...
— Sem problemas. Precisamos conversar sobre algumas coisas.
Luna não responde mais nada. Ela pressiona os lábios e acena em
concordância. Eu faço um movimento com a cabeça, convidando-a a me
acompanhar, e vamos, caladas, até a sala de jantar. Tudo que se pode ouvir
pela casa é o som dos nossos passos, os meus pés descalços e os dela com
aquelas botas de couro.
— Algum motivo especial para esse jantar? ― ela questiona,
afastando uma cadeira para sentar-se, e dou a volta na mesa, me sentando
em frente a ela. Luna coloca os cotovelos sobre a mesa e usa-os como
apoio para inclinar-se para a frente. Seus olhos estão fixos em meu rosto.
— Hoje é nosso aniversário de casamento.
— Espera aí! — Ela ergue suas mãos, recosta-se na cadeira, solta
uma risada sarcástica e nega com a cabeça. — Você não está fazendo isso
por achar que eu quero isso ou por pena, né?
— O quê? Luna... não! Eu não fiz por pena.
— Camille, você não tem culpa do que aconteceu. Não precisa me
recompensar pela sua falta de memória.
Estou começando a perder a paciência com suas interrupções e
precipitações. Só quero falar algo legal para melhorar nossa convivência, e
ela nem me deixa falar.
— Será que você pode calar a boca e me ouvir?
Luna ergue as sobrancelhas, cruza os braços e continua recostada na
cadeira.
— Eu não fiz isso por pena nem para te recompensar pela minha falta
de memória. Só quero melhorar as coisas entre a gente. Tenho sido rude
com você desde o dia em que acordei sem memória, descontando em você
a frustração de não me lembrar de nada e estar presa nisso aqui, sem saber
como cheguei a esse ponto contigo.
— Então, é só um jantar?
— Um jantar de recomeço. Vamos colocar assim.
— Recomeço? ― Faz círculos no ar, apontando para nós duas.
— Sim. Recomeço... Tipo duas pessoas se reconhecendo. No caso, eu
vou conhecer você de verdade. Quero saber mais sobre tudo isso.
— Belinda sabia de tudo isso?
— Como assim?
— Bom, ela meio que me expulsou da casa dela. Nem me ofereceu o
jantar. Sua irmã sempre nos oferece comida quando estamos lá. — Deu de
ombros. — Agora entendi por que ela parecia tão inquieta e insistiu para
que eu deixasse o Louis lá.
— Ela sabia, sim.
— Irmãs unidas em tudo, né? — brinca, causando uma gargalhada
em mim. O clima muda drasticamente, de tenso para descontraído. —
Podemos comer antes de conversarmos sobre o que você quiser? Estou com
fome de verdade.
— Ainda bem que você sugeriu isso, porque eu estava quase
comendo sem te esperar.
— Podia ter jantado, Camies... — Ela pressiona os lábios. Luna fica
sem jeito toda vez que me chama dessa forma. Eu odiava esse apelido na
minha adolescência, porque sempre pareceu deboche dela. — Quer ajuda?
― pergunta ao notar que estou tendo dificuldade com a rolha da garrafa de
vinho, e eu concordo com a cabeça. Luna arrasta sua cadeira para trás e
levanta-se, vindo em direção a mim, e entrego as coisas a ela.
— Não sei se fiquei mais experiente com o passar do tempo, mas
sempre fui péssima em abrir garrafas de vinho.
— Você continua tendo dificuldade com elas.
— Eu costumo beber muito?
— Na verdade, não. Você quase não bebe, apenas em ocasiões que
pedem isso. — Ela pega minha taça, enche com o vinho, coloca a garrafa
sobre a mesa e volta ao seu lugar, sem encher a taça dela. Eu franzo o
cenho. — Tudo está muito cheiroso.
— Espero que o sabor esteja tão bom quanto o cheiro.
— Você sempre foi ótima na cozinha. Eu tenho certeza de que está
maravilhoso.
Somente sorrio para seu elogio, e começamos a nos servir, sem
conversar, mas o clima está agradável. Para a noite de hoje, eu resolvi fazer
uma coisa que sempre gostei muito: carpaccio de salmão defumado.
Lembro-me que provei esse prato, pela primeira vez, em um restaurante
com meus pais. Prometi a mim mesma que aprenderia a receita. Felizmente,
nunca me esqueci de como prepará-lo. Ao menos o dom para cozinhar
continua intacto na minha mente defeituosa.
— Não é porque eu preparei tudo, mas ficou delicioso.
Luna gargalha, limpa sua boca com o guardanapo de pano e depois o
coloca sobre a mesa.
O jantar acabou, devoramos quase tudo. Estávamos mesmo com
fome.
— Ficou mesmo. Seu dom continua intacto.
— Ainda bem, né?
— Louis e eu agradecemos. — Solto uma risadinha, pego a garrafa e
encho minha taça outra vez. Olho para ela e ofereço-lhe, mas Luna nega
com a cabeça. — Obrigada, mas não estou bebendo.
— Parou?
— Só por algum tempo.
— Tudo bem ― digo apenas, voltando a tomar meu vinho.
Os minutos vão passando e acabamos entrando em diversos
assuntos. Luna está me contando alguns acontecimentos que ocorreram
durante esses anos. Vê-la tão alegre, falando do nosso passado, me faz ter
certeza de que fomos muito felizes.
— Vanessa sempre foi uma mulher extremamente brava, mas no dia
em que Anthony nasceu... quase chamamos um padre para exorcizá-la.
— Eu consigo imaginar isso perfeitamente ― comento, em meio a
risadas, enquanto Luna também está rindo bastante. Ela acabou de me
contar sobre o dia em que Vanessa deu à luz o seu primeiro filho. Posso
visualizar perfeitamente um Noah desesperado pelo hospital, com medo de
entrar na sala e ser assassinado por minha melhor amiga.
— Nunca tinha visto meu irmão chorar como uma criança, da forma
como chorou quando segurou Anthony nos braços pela primeira vez.
— Deve ser mesmo emocionante um momento desses.
— Sim. E foi muito engraçado o medo dele, achando que poderia
quebrar o próprio filho se o segurasse errado. E nossos pais desesperados
com qualquer som estranho que o pequeno fazia.
— Os acontecimentos parecem uma comédia.
— Nossa família sempre nos proporcionou os melhores e mais
engraçados momentos. Passamos por muitas coisas juntos.
— Estou vendo que sim. Eu quero saber de tudo.
— Sempre tivemos o costume de gravar tudo. Podemos assistir a
coisas importantes como o nascimento do nosso filho e o crescimento dele
ao longo desses anos.
Um aperto surge em meu peito ao me dar conta de que talvez nunca
consiga me lembrar dessas coisas por mim mesma. Sempre terei que buscar
auxílio em gravações ou ouvir as pessoas falarem sobre. É agoniante não
me lembrar do passado.
— Queria poder me lembrar disso tudo sem precisar de ajuda —
confesso, sob um suspiro melancólico, e Luna pressiona os lábios,
parecendo entender meu sofrimento. Bebo mais um gole do vinho. Estou
sentindo meus sentidos ficarem mais aflorados. Eu deveria parar de beber,
mas quero um pouco de leveza. — Odeio essa merda de amnésia.
— É totalmente recíproco... Eu também odeio essa merda de
amnésia.
Olho para ela, toda largada na cadeira e com o olhar fixo em algum
ponto da mesa. Dá para sentir seu sofrimento. Sei que não sou a única
sendo sufocada por tudo isso. Não existe sensação pior do que ter vivido
algo e não lembrar. Ver as pessoas sofrerem por causa disso e não ter como
ajudar, porque a única coisa que posso fazer é continuar tentando me
lembrar de algo, e me frustro quando não consigo.
— Eu queria saber de uma coisa...
— Pergunte qualquer coisa. Eu responderei tudo.
Termino de beber o resto do vinho que havia na minha taça, coloco-a
sobre a mesa e apoio meus cotovelos nela, inclinando-me para a frente.
Sinto como se as coisas ao meu redor se movessem sozinhas, mas sei que
isso é o efeito da bebida alcoólica.
— Nossa história começou naquele verão de 2000, certo?
Ela abre um enorme sorriso quando me encara. Em seus olhos, dá
para ver um brilho de felicidade por, talvez, eu estar me lembrando de como
tudo começou.
— Sim. Foi naquele verão, sim. Mas não pense que as coisas foram
como nos filmes, sabe? Você era muito difícil.
— Sabe que sempre teve uma parcela de culpa no meu
comportamento com relação a você.
— Sim, eu sei disso. — Luna leva a mão à nuca e a alisa, parecendo
sem jeito. — Fiquei muito tempo me retratando contigo pelas coisas que fiz.
Fui muito desrespeitosa e infantil. Queria poder voltar no tempo e mudar as
coisas.
— Eu acredito em você, de verdade. Sinto sua sinceridade e
reconheço isso. Também sei que tenho sido rude e queria me desculpar. Só
que... é difícil me acostumar com tudo isso.
— Desde o dia em que você acordou sem se lembrar de nada e
aconteceram todas aquelas coisas... eu me senti como um lixo. Parecia que
nada do que havia feito durante esses anos foi o suficiente. Ter você me
tratando daquele jeito era como viver sendo torturada. Foram poucos dias,
mas estou acostumada com nossos anos de amor. — Ela fecha os olhos
durante alguns segundos, suspira e nega com a cabeça. Não consigo
desviar meu olhar dela. É a primeira vez, desde que tudo aconteceu, que
estamos sendo sinceras e abertas uma com a outra. — Pensei bastante no
divórcio. Não temos motivos para continuarmos juntas, se não for para que
tudo fique bem. Eu passei dias pensando nisso com toda a cautela possível.
Meus olhos quase saltam das órbitas ao ouvi-la dizer aquilo. Eu
também pensei no divórcio, mas não fazia ideia de que ela tinha pensado o
mesmo. Isso me surpreende de verdade.
— Você acha que essa pode ser uma opção?
— Sinceramente? Sim. Se não podemos conviver... melhor cada uma
seguir a própria vida. Mas, no fundo, sinto que vou simplesmente sucumbir
e enlouquecer. Você consegue entender?
— Eu acho que sim. — Engulo a saliva que estava em minha boca.
Minha garganta parece ter ficado um mês sem receber água, de tão seca. —
Não sei o que fazer. Quero saber de tudo o que aconteceu entre nós duas.
Tenho medo pelo filho que temos. É tudo confuso.
— Eu entendo você. De verdade. Precisamos encontrar uma forma de
fazer as coisas funcionarem.
— Sim.
— Camille, eu não quero perder você, mas não vou te prender
comigo, se não for esse o seu desejo. Sempre priorizei a sua felicidade e
sempre serei assim.
— Luna... — Levanto-me da mesa e tropeço um pouco em meus
próprios pés. Estou nervosa e nem totalmente consciente, mas vou me
lembrar de tudo isso, tenho certeza. E chegou o momento de tomar uma
decisão adulta. — Nunca coloque outra pessoa acima de você. Nem mesmo
eu. Por favor, pense sempre em você também. Não quero ser a pessoa que
vai te fazer chegar ao fundo do poço por nunca te valorizar o suficiente.
Todos falaram que você mudou muito, e eu vejo isso.
— Mas, Camies...
Coloco minhas mãos sobre sua boca. Luna está me olhando como se
eu não fizesse o menor sentido. E eu espero, de verdade, estar sendo clara
o suficiente.
— Prometa pra mim que qualquer decisão futura que tomar será
pensando em você mesma primeiro. Só me prometa isso.
— Não vou conseguir fazer isso.
— Você precisa. Por favor...
— Quão bêbada você está agora?
— De zero a dez? — Ela concorda com a cabeça. — Vinte,
provavelmente.
Tento me apoiar na cadeira em que ela está sentada, mas quase não
consigo segurá-la. Luna rapidamente se afasta da mesa e fica de pé. Em
seguida, com uma das mãos, segura minha cintura, e com a outra, meu
braço esquerdo.
— Nós vamos subir e você vai tomar um banho, tudo bem? Depois
continuaremos essa conversa.
— Luna... — Ela me guia pela casa com cuidado. Quando chegamos
perto da escada, eu paro e olho para seu rosto. — Prometa para mim que
sempre vai se colocar em primeiro lugar.
— Camille...
— Prometa.
Luna continua me olhando como se fosse negar, mas mantenho o
meu olhar firme. Realmente quero fazê-la ver que deve sempre se colocar
em primeiro lugar, em qualquer situação. Nunca devemos colocar as
pessoas acima de nós mesmos, porque, quando tudo dá errado, você fica
sozinha. Então, não deve ser uma opção esquecer suas prioridades para dar
valor às dos outros. Não faça isso, jamais.
— Tudo bem, Camies... Eu prometo.
— Obrigada.
Ela sorri, mas não responde nada.
Continuamos nosso caminho. Somente quando estou no meio das
escadas, percebo quão tonta eu estou. Certeza de que acordarei com uma
bela ressaca de presente. Só que, incrivelmente, não me preocupo com isso.
Sinto que hoje chegamos a algum lugar importante e demos outro passo. O
que vai acontecer daqui para a frente é incerto, mas juntas podemos chegar
lá.
O destino é algo curioso. Por vezes, incerto. Mas a certeza que temos
é de que tudo acontece por uma razão. Essa situação toda não é uma
exceção. Sei que teve um motivo e que vamos descobrir onde tudo isso
levará.
— Vou te dar privacidade.
— Eu pensei que a nudez fosse algo natural. — Olho em direção a
ela. Estamos no banheiro, e Luna está prestes a sair dali e me deixar
sozinha.
— E realmente é algo natural, mas somente quando a outra pessoa
está totalmente confortável e consciente do que está acontecendo.
Um sorriso involuntário surge em meu rosto. Ela realmente mudou
bastante. Não que eu pensasse que Luna seria o tipo de pessoa que se
aproveitaria de outra em momentos como esse, mas vê-la tão amadurecida
é algo surpreendente.
— Estou começando a entender por que a Camille que eu não lembro
foi tão apaixonada por você durante todos esses anos.
— Fico feliz em ouvir isso. Queria que se lembrasse de como fomos
felizes, mas sei que conseguiremos... Bom, chegaremos a algum lugar.
Aceno com a cabeça, começando a retirar minhas roupas lentamente.
— Vou te deixar sozinha. Qualquer coisa, pode me chamar. Vou
esperá-la no quarto apenas para garantir que tudo está bem. — Ela sai do
banheiro, e eu fico ali, sozinha.
Retiro todas as minhas roupas e entro no box, ligando o registro do
chuveiro para tomar um banho relaxante. Meus sentidos estão bem
desorganizados, e tudo parece cada vez mais fora do lugar. O álcool está me
dando sono, sinto que poderei dormir a qualquer momento. Quando
termino, noto que ela não está ali, mas tem algumas roupas sobre a cama.
Não demora muito e a porta do quarto é aberta:
— Pode abrir os olhos, estou vestida.
— Trouxe água para você e um remédio para que não fique enjoada.
Fazia tempo que não bebia tanto assim, e pode ser que seu organismo
rejeite o álcool.
— Obrigada. — Pego o copo de água e o comprimido, tomo tudo e
depois subo na cama. Preciso dormir, meus olhos estão pesados. — Eu nem
me lembrava mais da sensação de estar bêbada.
Luna não diz nada. Cubro-me totalmente, sentindo a maciez da
cama, cada vez mais sonolenta. Ela apaga todas as luzes, e eu abro os
olhos para conferir se ela ainda está presente.
— Tenha uma boa noite, Camies.
— Você também, Lu... Dorme bem.
Volto a fechar os olhos. Espero que o sono não demore muito a
chegar.
Não sei dizer quantos minutos levaram, nem se peguei no sono
instantaneamente ou se fiquei delirando durante algum tempo, mas ouvi
algumas palavras. Só não sei distinguir se foram reais ou apenas um
devaneio da minha mente bêbada. Porém, tenho quase certeza de que,
antes da porta ser fechada, eu a ouvi dizer:
— Me casar com você sempre vai ser o meu maior acerto. Por favor,
lembre-se de nós.
E depois disso, tudo simplesmente virou um mar escuro, e eu dormi.
Capítulo 12 - Reconhecer
Despertar na manhã seguinte é doloroso. Minha cabeça parece que
vai explodir a qualquer momento, pulsando sem parar, como um coração
disparado. O quarto todo escuro é a primeira coisa que vejo, assim que abro
os olhos, e eu agradeço muito por isso. Não sei dizer ao certo que horas
são, talvez já tenha amanhecido. As cortinas são escuras, e os raios solares
mal entram aqui quando estão fechadas. Estico a mão até a mesa de
cabeceira, para acender a luz do pequeno abajur ao meu lado. Meus olhos
captam rapidamente uma cartela de remédios e um copo d’água.
Luna.
Sorrio para seu ato. Ela se preocupa bastante comigo, preciso me
lembrar de lhe agradecer. E de pedir que me proíba de beber tanto na
próxima vez que jantarmos juntas.
Meus olhos se abrem por reflexo. Eu realmente acabei de pensar em
repetir a noite de ontem com ela?
Céus… O mundo está uma loucura.
Tomo um dos comprimidos da cartela, que eu acredito ser para dor
de cabeça, e bebo toda a água presente no copo. Estou com muita sede,
acho que bebida alcoólica causa isso nas pessoas. Deito-me outra vez para
descansar por mais alguns minutos, antes de me levantar para tomar banho
e me arrumar. Eu ainda tenho que ir à consulta com a doutora Robertson e
confesso que gostaria de cancelar, mas sei que tenho muitas coisas para
desabafar com ela.

Meu corpo todo relaxa quando entro debaixo da ducha de água


quente. Sempre é relaxante tomar um banho assim, logo depois de acordar.
Tenho o costume de me banhar, após acordar, desde que me entendo por
gente. Minha mãe sempre dizia que eu também tinha essa mania quando
era apenas um bebê, que só ficava calma e feliz depois de tomar um banho
pela manhã. Nunca tive o costume de acordar tarde, mas existem exceções,
é claro.
Enrolo-me na toalha e fecho o blindex do box. Sinto-me renovada,
uma nova mulher. Minha cabeça não parece mais um coração disparado, e
eu não sinto vontade de arrancá-la. Estou cheirosa e pronta para um novo
dia. Saio do banheiro com um pequeno sorriso no rosto ao sentir o cheiro
do sabonete tomar conta do ambiente. Ele é muito cheiroso e deixa minha
pele tão macia. Luna usa um diferente, mas tem um cheiro tão bom quanto
o meu. Sempre toma conta de tudo quando ela sai do banho, é impossível
não notar.
Quando estou escolhendo uma peça nova de roupa, ouço meu celular
vibrando em algum lugar do quarto. É possível ouvir porque a casa está
silenciosa, e lembro-me de tê-lo deixado sobre a cabeceira da cama na noite
anterior. Pego uma calça de moletom justa, uma camisa de mangas longas e
saio do closet, trajando somente calcinha e sutiã. Vou até meu aparelho
telefônico e, antes mesmo de pegá-lo, vejo aparecerem na tela duas
mensagens de “Mi suerte”.
Eu estava prestes a reclamar por ela ter mudado o horário da
consulta sem me avisar, mas levei um susto ao verificar as horas e perceber
que já passava do meio-dia. Parece que realmente apaguei noite passada.
Todo aquele vinho não me fez bem, devo evitá-lo daqui para a frente.
Deixo o celular sobre a cama e visto-me rapidamente, apenas
passando as mãos em meu cabelo para ajeitá-lo. Pego o aparelho outra vez,
na intenção de responder a Luna, masl antes que eu possa, ela me manda
outra mensagem:
Queria poder discordar disso, mas não sou criança e muito menos
idiota. Independentemente de qualquer coisa, nós duas somos casadas, e
com isso, vêm as obrigações, tais como zelar pelo bem uma da outra e
cuidar dos compromissos de ambas, caso ocorram problemas. Luna parece
se sair melhor nisso do que eu. É compreensível, dadas as circunstâncias.
Fico me perguntando se a antiga Camille também se preocupava assim com
as nossas coisas e com ela.
Tenho tanta coisa para aprender sobre mim e sobre ela. Tantas coisas
a serem descobertas. Estou nervosa e um pouco ansiosa. É estranho isso de
ter que me reconhecer, mas sinto-me disposta a enfrentar qualquer receio,
para saber do passado e entender o presente.
Estou pronta para o que vier pela frente.

— Está se sentindo melhor? — Doutora Robertson questiona, logo


após sentar-se na cadeira à minha frente, e eu franzo um pouco o cenho. —
Luna me ligou, hoje cedo, para avisar que você teria que mudar o horário,
por não estar se sentindo bem — esclarece, e a realização cai sobre mim.
Tinha me esquecido momentaneamente da mudança de horário. Estou
muito distraída hoje, para ser sincera.
Depois que terminei meu café da manhã, dei uma olhada pela casa e
encontrei algumas fotos que fizeram minha cabeça doer, mas não era dor
causada pela ressaca, era como se minhas lembranças estivessem entrando
em conflito. O meu cérebro queria lembrar e, ao mesmo tempo, impedia-me
de visualizar as lembranças.
Sinto-me presa em um buraco negro.
— Oh, sim. Estou me sentindo melhor, sim... Bom, estou bem o
suficiente para conseguir vir até aqui.
— Você parece um pouco aérea — ela conclui, e não posso fazer
nada, além de suspirar. Eu não negaria sua constatação, acredito que minha
expressão esteja entregando o desconforto dentro de mim. — Quer
conversar sobre isso?
— Parece que minha mente ficou um pouco bagunçada.
— Aconteceu alguma coisa que causou isso?
— Encontrei algumas fotos minhas com a Luna, pareciam da época
que éramos bem jovens. Minha cabeça pareceu ficar embaralhada. Não sei
explicar, é como se meu cérebro tentasse reviver as memórias esquecidas,
mas algo impedisse.
Olho para a doutora, que está debruçada sobre sua mesa, anotando
algo em sua agenda.
— Parece que suas lembranças entraram em conflito. Pode ser uma
consequência da amnésia. O seu médico disse algo sobre isso na última vez
que conversou com ele?
— Ele comentou que eu poderia acabar me lembrando de alguma
coisa, mas não parecia muito esperançoso quanto a isso. Para ser sincera,
nem eu estou. — Suspiro, derrotada. É uma sensação horrível não ter
controle sobre isso.
— Imagino que deva ser difícil e até mesmo doloroso para você toda
essa situação, mas é preciso manter alguma chama de esperança. Precisa
estimular sua memória, quem sabe o que pode acontecer...
— Tenho medo de tentar tudo e não me lembrar de nada.
Ou talvez eu tenha medo de acabar me lembrando de tudo.

A consulta com a psicóloga foi ótima. Está sendo muito bom poder
falar sobre tudo o que acontece e que me apavora com uma pessoa que
não está diretamente envolvida em tudo isso. Ela é imparcial e sempre me
dá boas formas de pensar e caminhos interessantes a percorrer. Gosto de
conseguir me abrir com ela, principalmente por não ter um peso colocado
em meus ombros todas as vezes que desabafo.
Quando pego o Uber, sei que não quero ir direto para casa. Não tem
ninguém lá a essa hora, e eu não estou com vontade de ficar sozinha nesse
momento. Quero poder me distrair com algo ou alguém. Minhas opções
estão entre conhecer um pouco mais de Jacksonville, ir até minha escola de
dança ou visitar algum conhecido. Eu escolho visitar alguém, então
direciono o motorista até a casa de Vanessa.
— Lil!
Uma animada e receptiva Vanessa, de braços bem abertos, atende-
me assim que toco a campainha de sua casa. Sorrio abertamente, antes de
abraçá-la com força, e fecho os olhos quando o aperto reconfortante me
envolve. Eu sempre gostei de abraçar minha melhor amiga, por toda paz e
segurança que sua presença sempre me traz. Nós duas nos conhecemos
desde muito pequenas, entramos no colégio juntas praticamente e temos
sido carne e unha desde então. Ela sempre esteve comigo nos bons e piores
momentos. É uma das poucas pessoas que me conhece como ninguém
poderia ser capaz.
— Big... eu estava mesmo precisando desse abraço.
— Hm... Conheço esse tom de voz. — Vanessa se afasta um pouco
de mim e, com as mãos em meus ombros, analisa meu rosto
minuciosamente. Não tem como esconder alguma coisa dela, é
praticamente impossível. — Entre, vamos conversar — ela diz e abre espaço
para que eu adentre sua casa.
Estou mais familiarizada com esse lugar, mas ainda me surpreendo
todas as vezes que venho até aqui. É uma casa realmente bonita, com luxo
na medida certa e sem exageros. Uma sofisticação de dar inveja a qualquer
pessoa interessada em decoração de bom gosto. Caminhamos em direção à
sala de estar e nos sentamos no sofá confortável.
— Acabei de sair da consulta com a psicóloga.
— E como tem sido? Aceita alguma coisa?
— Não, obrigada. Só quero conversar mesmo. E tem sido muito legal,
na verdade...
— Tem alguma coisa te incomodando?
— Eu acho difícil dizer algo que não esteja me incomodando nessa
minha rotina. Não me acostumei totalmente. Há dias que acordo e penso
que estou no passado, com a minha vida de adolescente no colegial, com
grandes sonhos e sem muitas responsabilidades.
— Eram bons tempos, né? Apesar de todo o estresse com a escola e
tudo mais.
— Eram ótimos tempos, comparados a esses, na verdade.
Ela ri e eu a acompanho. Realmente preferia conviver outra vez com
o estresse da vida de colegial a enfrentar, às cegas, uma vida adulta em que
sou mãe e esposa, com responsabilidades enormes e preocupações
gigantescas. É muita coisa para acompanhar.
— Não sei se isso é algo legal de ser dito, mas é bom ver essa
Camille comunicativa de volta. Quero dizer... você está diferente, porém não
é algo ruim.
Franzo o cenho, confusa.
— Como assim é bom me ver sendo comunicativa?
— Uh... — Ela ergue as costas, parecendo tensa ao meu lado. —
Digamos que as coisas mudam com o passar do tempo. Quanto mais velhos
ficamos, menos tempo temos para outras coisas. Quando temos uma família
para cuidar e tudo mais, outras partes das nossas vidas acabam sendo
deixadas de lado.
— Você está querendo me dizer que a nossa amizade tinha mudado?
— Bom, sim — responde sem hesitar.
Surpreendo-me com sua revelação. Não fazia ideia de que, algum
dia, minha amizade com ela poderia mudar de alguma forma. Eu não
consigo imaginar um mundo em que nós duas fiquemos afastadas por mais
do que algumas horas.
— Não foi só culpa sua, e não foi só entre nós duas. Acho que, em
algum momento, todo mundo meio que se afastou, entende? Outras coisas
se tornaram prioridades nas nossas vidas — ela esclarece.
— Não consigo imaginar isso. De verdade.
— Eu me lembro de tudo e ainda não acredito. Era como se eu
estivesse vendo tudo se acabar, mas não podia fazer nada. Também foquei
em outras coisas, sabe? Uma casa, um filho pra cuidar, meu trabalho e tudo
mais. Todos ficamos muito ocupados com nossas questões.
— Ser adulto é ruim — eu digo.
Vanessa gargalha.
— Às vezes. Mas tem seu lado bom... Por exemplo, nós temos filhos
lindos que amamos muito.
— Isso é verdade.
— Temos nossa própria casa e... — Um sorriso estranho surge em
seus lábios. — Somos muito bem-casadas.
— Oh, Vanessa! Cale a boca — resmungo e a empurro. Meu rosto
está um pouco quente, tenho certeza de que minhas bochechas estão
vermelhas. Não sinto raiva de seu comentário e da insinuação explícita,
apenas fico sem jeito.
Ela gargalha de minha visível timidez, e isso me irrita.
— Será que temos um avanço aqui?
— Como assim?
— Você não xingou a Luna de idiota. Eu acho que isso é um bom
sinal.
Reviro os olhos.
— Estamos nos bons termos... digamos assim.
— Sério? — Ela parece realmente surpresa.
— Nós meio que entramos em um acordo de recomeço ontem.
Então, sim, é muito sério.
— Recomeço? Meu Deus! Eu não acredito. Luna deve estar radiante.
— Ela parecia mais tranquila.
— Tenho certeza de que sim. Mas, então... vocês jantaram ontem em
comemoração. O pequeno não estava em casa...
— O que...
— Tiraram o atraso?
— Ficou louca?
— Por que o espanto? Vocês ficaram por meses sem sexo. — Meu
rosto parece estar em chamas, de tão quente. — Droga...
— O que foi?
— Por um momento, me esqueci da sua perda de memória. Isso é
muito confuso pra mim.
— Imagina para mim — murmuro. Meu rosto ainda está queimando
de vergonha. Ficamos em silêncio durante alguns segundos. Sua frase ecoa
pela minha mente e, então, uma parte me vem em destaque, despertando
minha curiosidade. — Big?
— Fala.
— Luna e eu ficamos... você sabe... muito tempo...
— Sem sexo? Sim. Em um dos poucos finais de semanas que
passamos todos juntos, em família, ela acabou comentando que não fazia
sexo por um longo período. E olha, pra vocês duas não estarem fazendo
cosplay de coelhos, era notável que algo estava errado.
— Sabe, eu li, em um dos meus diários, algo sobre não estarmos
bem. Você sabe o que estava acontecendo? Era sobre o sexo? Eu não queria
mais?
— Lil, você devia fazer essas perguntas à sua esposa. É algo entre
vocês, e somente ela saberá te responder com precisão. Além do mais, não
devo me meter nessas questões. Vocês precisam conversar.
— Eu sei que sim.
— Não tenha medo de falar com ela. Luna é uma pessoa excelente,
vai responder a todas as suas perguntas.
Aceno com a cabeça, em concordância. Eu sabia que ela responderia
a tudo o que eu perguntasse, mas estou cheia de perguntas na cabeça
agora. O que, de fato, acontecia entre nós duas, nos últimos meses, para
ficarmos estranhas?
— Me responde apenas uma coisa: meu casamento com Luna estava
muito ruim?
Olho diretamente nos olhos de Vanessa. Ela encolhe os ombros e
suspira longamente, parecendo indecisa sobre quais palavras usar. Posso
dizer isso com certeza, conheço-a o suficiente para reconhecer sua
linguagem corporal.
— Sim, estava muito ruim. Com proporções realmente preocupantes.

O assunto com Vanessa mudou drasticamente quando ela notou a


forma que fiquei com sua revelação.
A tarde foi agradável, apesar disso; conversamos sobre muitas
coisas. Fiquei triste em saber que tinha me afastado de muitas pessoas que
sempre foram importantes para mim. Queria entender o que estava
acontecendo comigo. Eu entendi que a vida adulta te traz e te tira coisas,
mas nunca pensei que seria o tipo de pessoa que acaba se tornando
ausente.
Ouço o forno apitar, avisando-me que tinha acabado o tempo
programado. Estava precisando distrair minha mente quando voltei para
casa, então resolvi cozinhar biscoitos com gotas de chocolate. Minha avó me
ensinou uma receita antiga de família, e, desde então, nunca me esqueci.
Eu ainda me lembro direitinho. E tenho certeza de que Luna e Louis vão
adorar prová-los. Acredito que eu provavelmente já os tenha feito em algum
momento.
— Meu Deus! — exclamo, assustada, ao virar-me e deparar-me com
aquele ser humano inclinado sobre a ilha da cozinha, pegando alguns
biscoitos no tabuleiro. — Jacobs!
Ela arregala os olhos quando se dá conta de que a peguei no flagra.
Parecendo uma criança que foi pega fazendo besteira, afasta-se
rapidamente. Ela olha para baixo, e só então, me dou conta de que não está
sozinha. Meu pequeno filho está ao seu lado.
Ótimo. Tenho uma dupla de ladrões dentro de casa.
— Toma, carinha. Corra para se salvar. Corra!
— Ah! Eu vou pegar vocês dois!
Jogo o pano de prato, que estava em minhas mãos, para trás e
começo a ir em direção a eles. Luna e Louis saem da cozinha correndo
rapidamente. Um sorriso acaba surgindo em meu rosto. Ter uma família é
divertido, para ser bem sincera. Estou gostando cada vez mais disso.
Só para esclarecer algo: eu os peguei. Bom, na verdade, fui pega.
Não foi uma luta justa, dois contra uma. Quando agarrei o pequeno no
andar de cima, Luna surgiu de algum lugar e imobilizou-me. Fui atacada
ferozmente com cócegas, mas consegui revidar em alguns momentos.
Depois de nossa diversão, meu filho foi tomar banho e tirar a roupa
da escola. Ela fez o mesmo que ele, e eu desci para terminar de preparar o
lanche. Agora, estamos os três jogados na sala, assistindo a desenhos, após
termos comido todos os biscoitos.
— Como foi o dia na escola, filho? — pergunto a Louis, que está
deitado no sofá, com as pernas sobre as de Luna e a cabeça em meu colo.
Eu acaricio seus cabelos. Os fios escuros parecem cada vez maiores.
Eles crescem muito rápido, mas ele parece gostar disso. Quando lhe sugeri
que cortasse as pontas, sua carinha de tristeza apertou meu coração. Talvez
eu não consiga negar as coisas para ele.
— Muito legal, mas estou animado para as férias.
Eu sabia que ele entraria de férias em breve. Confesso que também
estou ansiosa, porque terei uma companhia durante os dias em que fico em
casa. Essa casa parece maior do que realmente é quando estou sozinha,
odeio isso.
— Só mais essa semana, carinha.
Nós poderíamos deixá-lo ficar em casa nos poucos dias que faltam,
mas quando conversei com Luna e lhe sugeri isso, ela me disse que o
pequeno adora ir à escola e não gosta de faltar. São momentos raros, nos
quais permitimos que ele fique em casa. Além do mais, os últimos dias de
aula são sempre importantes para tirar algumas dúvidas. Digo isso por
experiência própria.
— Podemos ir ao cinema domingo? — Louis questiona, e não
demora muito para que tanto ele quanto Luna estejam me encarando. Fico
um pouco confusa, até me dar conta de que eles estão me convidando
também e esperando algum tipo de concordância da minha parte. Ou talvez
permissão. Ser mãe é uma coisa curiosa.
— Eu... acho que sim. Faz tempo que não vou ao cinema. Quero
dizer...
— Faz realmente algum tempo — Luna emenda minha fala. Eu não
saberia dizer com precisão se minha fala tinha fundamento ou não, mas, ao
que parece, eu realmente não ia ao cinema com frequência. Quero dizer,
nós não parecíamos frequentá-lo. — Vou procurar na internet quais filmes
estão em cartaz e comprar nossos ingressos.
— Oba! — Louis comemora, e eu sorrio, bagunçando levemente seus
cabelos.
Voltamos nossa atenção para a televisão. Para ser sincera, já não
estou mais focando tanto no que se passa na tela. Um sorriso genuíno
enfeita meus lábios. Pensei que essa rotina seria complicada e até mesmo
triste, mas consegui me adaptar com maestria. Ter uma família é realmente
bom.
Meu filho começa a ficar sonolento logo após o jantar, e Luna sobe
com ele. Não demora muito para ela descer e me auxiliar na limpeza da
cozinha. Sorrio para ela, em agradecimento, e trabalhamos juntas, em
silêncio durante alguns minutos. Sua presença já não me incomoda tanto,
mas ainda não sei ao certo como iniciar uma conversa. Isso deve ser
estranho para ela. Convivemos juntas por tantos anos, e agora eu me sinto
uma desconhecida ao seu lado. Isso é difícil para mim também, confesso.
— Como foi a consulta hoje?
Surpreendo-me com sua pergunta. Estamos terminando as louças. Eu
as lavo, as passo para ela secá-las e olho de relance para seu rosto. Luna
tem um pequeno e amigável sorriso na face. Isso, de certa forma, me faz
relaxar.
— Muito boa. Eu realmente precisava falar algumas coisas para ela e
tirar daqui de dentro.
— Sentindo-se sufocada ainda?
Nego com a cabeça.
— Apenas confusa... É estranho. Algumas vezes, quando eu acordo,
lembro de como minha vida deu uma volta completa e ficou de pernas para
o ar.
— É, as coisas ficaram mesmo confusas.
— Sim.
Damos uma pequena pausa na conversa e ficamos em silêncio. Só é
possível ouvir o som da água caindo e da bucha sendo esfregada no prato.
Não é mais desconfortável ficar perto dela sem dizer nada.
— Passei o dia com a Vanessa. Colocamos a conversa em dia.
— Ela deve ter amado isso.
— Com certeza. Eu amei também. Foi muito bom, precisava disso.
Terminamos de lavar toda a louça e, com tudo perfeitamente no
lugar e limpo, voltamos para a sala. Não sei ao certo o que fazer agora, mas
espero que continuemos conversando. Eu ainda tenho que conhecê-la um
pouco mais.
— Está cansada? Quer subir?
— Na verdade... — Sento-me no sofá, e ela me encara, esperando
que eu termine de falar o que pretendia. Estou nervosa. — Quero conversar
um pouco mais.
Seu rosto parece se iluminar quando digo isso. De certa forma, vê-la
assim por uma coisa tão pequena deixa meu coração feliz. Eu realmente não
estava gostando daquele jeito cabisbaixo dela. Luna parece mesmo ter um
efeito sobre mim.
— Sobre o que quer falar?
— Faz algum tempo que tudo aconteceu, mas eu não me lembro de
ter perguntado ou ouvido você falar sobre o seu emprego.
— Uh... Você quer saber no que eu trabalho?
— Sim.
— Lembra-se de como eu sempre vivia com câmeras fotográficas na
escola?
— Como eu poderia esquecer? Perdi as contas de quantas vezes senti
vontade de te matar, quando a via com aquelas malditas lentes viradas para
mim. — Reviro os olhos, mas tem um sorriso brincalhão em meus lábios.
Luna solta uma risadinha sem graça, levando uma mão até a nuca.
— Eu gostava de fotografar você. Também de te irritar, confesso...
— Sabia que seu intuito era me tirar do sério.
— Era divertido.
— Não era, não. — Finjo seriedade, e ela ergue as mãos, como se
pedisse desculpas por aquilo. — Então, você se profissionalizou?
— Sim. Eu abri meu próprio estúdio há alguns anos. Fica no centro
da cidade.
— Era de se esperar, na verdade. Estou me sentindo lerda por não ter
cogitado essa possibilidade. É só olhar em volta, tem fotos em todos os
cantos dessa casa.
— Para a falar a verdade, quem quis essas fotos todas foi você. Não
que eu não as quisesse espalhadas por aqui também, mas acho que minha
paixão por fotografia acabou refletindo em você.
— Então, eu sou uma boa fotógrafa também?
— Você sabe tirar fotos...
— Hm, por esse tom de voz, tenho certeza de que eu sou uma droga.
Luna solta uma breve gargalhada.
— Você não é de todo ruim, apenas não tem muito jeito com a
análise de ambiente. Sabe? Encontrar a luz perfeita e o ângulo certo, coisas
básicas assim.
— Estaria disposta a me ensinar? — Minha pergunta parece
surpreendê-la de verdade. Posso deduzir isso pela expressão de choque em
seu rosto. — O quê? Tantos anos morando com você e nunca lhe pedi isso?
— Ah... sim, você pediu. Tivemos algumas aulas, mas, depois da
última tentativa, pensei que nunca mais teria essa chance.
Franzo o cenho.
— Como assim?
— Bom, as coisas pareciam estranhas nos últimos meses. — Ela se
move, desconfortável. — Digo, entre nós duas principalmente. Não sei dizer
ao certo o que aconteceu, mas parecia que a nossa compatibilidade estava
limitada.
— Vanessa falou algo parecido hoje cedo. Comentou sobre todos
estarem afastados e nós duas não estarmos... — Calo-me antes de
completar essa frase. Não falaria sobre aquilo com ela, óbvio. Meu rosto
esquenta apenas por me lembrar dos comentários idiotas da minha melhor
amiga. — Nosso casamento estava acabando?
Luna suspira alto e fecha os olhos durante alguns segundos. Parece
uma eternidade para mim. Meu peito está comprimido e meu coração
parece diminuir de tamanho. No fundo, eu sentia que alguma coisa estava
fora de lugar, mas não tinha ideia de que tudo parecia ruim assim. Quando
acordei naquele fatídico dia, os comentários dela não me deixaram alguma
brecha sobre uma possível crise.
— Você tinha mudado bastante, Camille. E não foi só comigo. Nossos
amigos, familiares, seus alunos... o nosso filho. Todos comentavam comigo
sobre as suas mudanças.
— Eu não entendo.
— Começamos a ter brigas constantes. Por tudo, absolutamente
tudo. Era cada vez mais desgastante. Como se não tivéssemos mais
diálogos, apenas brigas. E, então, você não queria aceitar mais os convites
de ninguém, só queria ficar em casa, isolada. Quando estava no trabalho,
focava em dançar, mal se comunicava com as pessoas. Tentei perguntar
diversas vezes se tinha algo sério acontecendo, mas, como você pode
esperar, isso só resultava em mais brigas desnecessárias.
— Nossa, isso é... chocante.
— Foram meses difíceis, Camies. Sendo sincera, comecei a cogitar e
aceitar que acabaríamos nos divorciando em algum momento.
— Sério?
— Muito.
— Mas, eu... você... no início, parecia tão apaixonada por mim e
disposta a me fazer ficar. Por que não aproveitou essa chance para
finalmente se livrar de mim e seguir com a sua vida, sem nossos estresses?
Eu te tratei tão mal.
— Porque amo você. De uma forma que ninguém nunca será capaz
de entender um dia. Porque sempre fui apaixonada por cada detalhe seu, e
meu coração só fica calmo quando eu estou contigo. — Ela abaixa a cabeça.
Meu coração está disparado no peito, e minha mente parece um mar
agitado. São muitas coisas se passando, lembranças em conflito constante.
— Eu fiquei porque, por pior que fosse, senti que isso que aconteceu era a
nossa segunda chance de fazer tudo dar certo. Não sei explicar, eu só...
queria você de volta.
— Desculpe-me pelas vezes em que tratei você mal. Eu só estava
sendo uma criança mimada e assustada. Não foi fácil acordar sem me
lembrar de nada — desculpo-me com toda a sinceridade que há dentro de
mim, e acho que ela sente isso.
Nesse momento, estou arrependida por ter sido tão rude e infantil.
Tudo poderia ter sido tratado de uma forma melhor, mas acho que, por
outro lado, é compreensível a minha reação. Você consegue imaginar
acordar, um dia, e descobrir que esqueceu metade da sua vida, tem um
filho e é casada com uma pessoa que você jurava odiar no passado?
— Preciso te perguntar uma coisa, mas somente responda aquilo que
seu coração mandar. Ou a razão. Não sinta medo de ser sincera — ela diz.
— Pode perguntar. — Engulo a saliva em minha boca, e parece
descer rasgando tudo.
— Está disposta a me reconhecer e, quem sabe, recomeçar tudo?
Porque eu não quero desistir de você sem lutar. Vou até onde eu puder.
— Luna...
Tudo parece paralisado à minha volta. Somente a vejo, com seus
malditos olhos verdes e esse rosto angelical. Por alguma razão, sinto aquele
nervosismo que faz nosso estômago revirar sem parar. Sabe quando você
está na presença de alguém de quem realmente gosta e parece que vai
cuspir algum órgão para fora, de tão nervosa?
— Só diz que está disposta, e eu prometo: serei melhor do que
nunca.
Aproximo-me dela e pego suas mãos. Luna parece muito nervosa,
suas palmas estão geladas. Olho bem em seus olhos.
— Quem precisa estar disposta a me reconhecer é você... Está
disposta?
Ela não me responde de imediato, abre um enorme sorriso e me
puxa contra si, envolvendo-me em um abraço apertado.
Por alguns segundos, penso que ela vá me beijar, mas conhecendo-a
um pouco melhor, sei que não gosta de ultrapassar os limites de ninguém. É
muito respeitadora, e admiro isso nela cada vez mais.
— Estou disposta a tudo se você estiver comigo, Camies.
Capítulo 13 - Conexão
— Harry, não fique correndo pela cozinha.
— Desculpe, mamãe.
O pequeno abre um sorriso largo e sai de fininho, sendo seguido por
um Louis igualmente sorridente. Os dois estão se divertindo.
Apesar de eu também me preocupar com meu filho, para que não
acabe se machucando com essa correria, estou amando vê-lo se divertindo.
É importante para ele ter contato com as crianças da nossa família e até
mesmo com outras, de fora. Estou fazendo questão de recuperar a afinidade
que tínhamos antes das coisas acontecerem e todos se afastarem, quero
resgatar nossos laços familiares. Minha missão é nos aproximarmos outra
vez, para que, assim, a felicidade volte, aos poucos, a reinar. Não que
estejamos infelizes, mas a alegria sempre é bem-vinda.
— Estou dando outra chance à Luna — disparo, assim que ficamos a
sós outra vez. Preciso contar a alguém sobre minha atual situação com a
Luna, e no momento, não existe ninguém melhor que irmã para me ouvir.
Acho importante deixá-la saber da minha decisão, tomada em conjunto com
a outra parte, duas noites atrás.
— O quê?! — Belinda para o que está fazendo e me olha, chocada,
parecendo realmente surpresa com minha revelação.
Não posso culpá-la, porque até mesmo eu ainda estou me
acostumando com a ideia de me dar bem com Luna. Apesar de já não soar
como algo bizarro ou incômodo, conviver bem com ela ainda é um passo
importante, que não tive total segurança para dar. Mas sendo sincera, a
hipótese de nós duas nos acertamos outra vez me traz uma sensação de
paz.
Não posso evitar. Ela tem uma conexão comigo que, mesmo estando
desmemoriada, a sinto aqui dentro. Tem algum fio invisível que me puxa em
sua direção, e por mais que eu tente me afastar, sempre sinto uma pequena
saudade. É inexplicável e confuso. De uma forma completa, é como nadar
contra a correnteza: por mais que você tente se afastar, sempre vai acabar
voltando ao mesmo local.
— É isso mesmo que você acabou de ouvir. Cheguei à conclusão de
que não vale a pena apagar totalmente essa parte da minha vida. Nós duas
ficamos tanto tempo juntas, e as coisas mudaram tanto... Eu só pensei
que... tentar de novo pode ser uma opção.
— Você não faz ideia do tamanho da minha felicidade ao ouvir isso. É
sério.
Belinda se aproxima de mim, e o sorriso fraternal em seu rosto me
deixa ainda mais relaxada com a minha decisão. É perceptível a felicidade
dela por mim, no brilho do seu olhar. Sua aceitação desse meu passo é de
muita importância. Sempre fomos muito ligadas e nunca, em hipótese
alguma, cogitamos deixar uma ou a outra se meter em furadas.
— Sempre estive por perto de vocês duas. Passei por todas as fases
desse relacionamento com você. Meu apoio sempre foi e continua sendo o
mais verdadeiro possível, porque sei o quanto vocês fazem bem uma à
outra.
— Eu... sinto isso, sabe? A presença dela me traz paz. Não sei
explicar. Talvez seja o sentimento esquecido por mim que mantenha essa
chama acesa, mas é uma coisa boa, me faz bem.
— Estou vendo isso. Finalmente posso ver você leve outra vez, depois
de tanto tempo. — Ela aperta seus braços em volta de mim, e eu fecho os
olhos, suspirando de felicidade pelo afeto presente naquele abraço.
— Estive pensando tanto que... Você acha possível que tudo isso
tenha acontecido para que nos acertássemos outra vez? Eu acho tão surreal
essa coisa que ela desperta em mim. — Ergo os olhos para encará-la, e
minha irmã observa-me com atenção, esperando que eu continue. — Não
sei explicar direito, mas parece até mesmo que o universo precisa nos unir
de uma forma ou de outra.
Belinda solta uma risada inesperada, que me causa confusão e
curiosidade, e joga a cabeça para trás, rindo a plenos pulmões.
— Antes que pense, não estou rindo pelo que você disse. Isso é
felicidade, muita alegria mesmo, por ver você assim. — Dou um pequeno
sorriso de lado. — Me lembrei de uns anos atrás, bem no início do
relacionamento de vocês, quando as duas decidiram dar um tempo.
— Sério? Eu não fazia ideia disso.
— Você ainda tem muita coisa para aprender sobre o seu passado,
irmãzinha. — Soltamo-nos, e ela se recosta na bancada atrás de si,
cruzando os braços e olhando-me com nostalgia. — O afastamento não foi
causado por brigas, antes que comece a pensar nisso. Na verdade, foi uma
decisão quase mútua.
— Por quê?
— Vocês precisavam se conhecer melhor e amadurecer. Sem contar
que estavam sem tempo para se verem. Então, juntava o estresse das duas
com os estudos à carência que sentiam. Era um momento delicado. Nervos
à flor da pele, qualquer coisa as afetava com facilidade. Vocês duas tinham
uma dependência uma da outra que chegava a ser absurda.
— Isso não era bom?
— Não. Muita gente acha que essa dependência é só saudade ou
muito amor. Só que somos seres livres. Apesar de estarmos em um
relacionamento, isso não significa que você precise da pessoa para viver, e
Luna e você se acostumaram a conviver dessa forma. Era como se uma só
fizesse algo se a outra estivesse junto. E quando as duas tiveram que se
afastar, obviamente foi um baque. Suas agendas não batiam e ocorriam
brigas por causa disso.
— Brigávamos muito nessa época?
— Sim. Eram muitos desentendimentos. Nada muito absurdo, mas
sempre tinha aquela mágoa por não poderem se ver sempre, como antes.
Então, vocês discutiam bastante, porque estavam sob constante estresse.
— Nossa... muita informação.
Minha mente está uma bagunça, ouvindo as coisas que minha irmã
gêmea está contando. Pensei que meu relacionamento com Luna fosse um
mar de rosas, que só havia ficado ruim nos últimos meses, mas, pelo visto,
nada realmente é o que parece.
— Luna recebeu uma oportunidade em um dos melhores cursos de
Fotografia do mundo. Em Londres.
— Ela aceitou?
— Sim. Por muita insistência e apoio seu. Você sabia que o sonho
dela sempre foi viver do seu maior amor, que é a fotografia. E ela sempre
soube do seu sonho de estudar na Columbia.
— Mas... com essa proposta feita a ela, então ficaríamos longe de
verdade.
Sinto um pequeno aperto esquisito no peito, mesmo sem me lembrar
dessa época. Meu subconsciente parece querer me lembrar de que, de certa
forma, os sentimentos e as lembranças vividas, naquela época, ainda estão
aqui dentro, em algum lugar.
— Foi nesse momento que vocês decidiram dar um tempo.
Sinceramente, não é qualquer um que tem a capacidade de cultivar um
relacionamento à distância. Se no mesmo país vocês se viam pouco,
imagina em países diferentes.
— Então, a decisão foi certa para as duas, né?
— Muito. Vocês cresceram bastante quando cortaram essa corda que
as prendia uma à outra. E sabe, era muito curioso, porque, mesmo tão
longe, vocês continuavam ligadas. Me lembro de uma vez que Luna adoeceu
bastante, e os pais dela ficaram tão preocupados que foram para Londres,
para cuidar dela. E mesmo quando ninguém sabia, você era a única que
sentia que alguma coisa estava errada.
Solto uma risadinha.
— Eu sempre fui muito sensitiva com as pessoas que amo.
— Verdade. Lembro que você me ligou para dizer que estava
preocupada e perguntar se deveria ligar para Luna, porque vocês duas
mantinham um contato limitado, com poucas ligações e mensagens.
— Tudo para diminuir a dependência que sentíamos.
— Exato. Só que, meses depois de ter ido, ela não aguentava mais a
saudade. Curiosamente, uma oportunidade em Nova Iorque surgiu e ela
rapidamente aceitou. Não avisou a ninguém, mas como era de se esperar...
— Eu já sabia — interrompo-a para completar sua frase, e minha
irmã acena com a cabeça, em concordância.
— Ela foi assistir a uma apresentação sua na faculdade. Estava na
última cadeira. Sei de tudo, porque você me contou. Quando você recebeu
fotos de lírios, sabia que eram dela. O seu coração sentiu a presença da
Luna.
— Tão clichê...
— Vocês sempre foram. Chegava a dar agonia. Era engraçado,
porque, antes de tudo, você sempre falava de Rodrigo e eu, mas ficou pior
que nós dois nesse quesito.
— É pagando pela língua que se fala, né?
— Achei foi pouco.
— Idiota. — Reviro os olhos. — E depois que ela voltou? As coisas
melhoraram?
— Muito — uma terceira voz nos surpreende, ao soar pela cozinha.
Olho, por reflexo, sobre meu ombro, apenas para ver uma sorridente Luna,
trazendo consigo sacolas de mercado com algumas coisas que havia pedido
para ela trazer. — Aprendemos a lidar com a incompatibilidade de agendas,
e quando começamos a dividir um apartamento, foi melhor ainda.
— Isso foi bom, certo?
— Melhor do que bom. — Deixa as sacolas perto da pia e aproxima-
se mais de mim. Não me encolho ou fico acanhada em sua presença, como
aconteceria há algumas semanas. — Tudo sempre me trouxe de volta para
você, porque ao seu lado é meu lugar. Você é meu lar — ela diz, com
extrema emoção e afeto em sua voz, e segura com delicadeza meu queixo.
Minha respiração fica presa na garganta.
Fecho os olhos, por puro instinto, e, apesar do meu receio pelo que
viria a seguir, não sinto pavor ou repulsa. Só que, diferente do que eu
pensava, ela deposita um longo beijo em minha testa.
— Casais clichês — a voz de minha irmã é ouvida, e só então, me
lembro da presença dela.
Minhas bochechas coram e, por instinto, acabo escondendo o rosto
no pescoço de Luna. Ela rapidamente passa os braços em volta de mim,
como se colocasse um arco protetor à minha volta.
— Você ama casais clichês.
— Eu amo esse casal clichê em específico.
Não respondo nada, e Luna apenas suspira, apertando os braços em
volta de mim. Palavras não são necessárias nesse momento, porque ações
contam mais, e a segurança de seu abraço é tudo o que eu preciso.
Realmente, os anos fazem muita diferença na vida de alguém, e o
amadurecimento muda a forma como vemos tudo ao nosso redor. Nesse
momento em que estou em processo de um novo amadurecimento, conviver
bem com ela outra vez é a única coisa que realmente desejo. Para estarmos
em sintonia novamente, sei que é necessário deixá-la entrar, e não estou
colocando empecilho algum nisso. Para ser sincera, eu realmente quero me
dar bem com ela.
Quem sabe o que pode acontecer daqui para a frente?

Passar o dia em família sempre foi algo especial para mim, mas, nos
últimos dias, desde que acordei sem memória, esses momentos têm
ganhado, cada vez mais, um significado maior. Acho que isso é
consequência das descobertas, de ter tido noção de que a antiga Camille
estava se afastando de todos que amo. Me fez ter vontade de recuperar as
relações com todos à minha volta, porque nossa maior riqueza acaba sendo
isso: o amor, as pessoas. Nada pode substituir isso. Estar aqui, com minha
irmã e a família dela, unidos com a minha, vendo nossos filhos se
divertindo, nada, absolutamente nada substitui isso. Quero sempre
momentos assim.
— Que sorriso é esse, tia?
A voz de minha sobrinha me traz de volta à realidade. Por alguns
segundos, eu estive fora de mim mesma, sendo preenchida pela felicidade
em tê-los comigo.
Olho em sua direção e acaricio seu belo rosto. Ela está cada vez mais
bonita e parecida com minha irmã. Rodrigo e Belinda terão trabalho com
essa garota.
— Estou feliz.
— Por causa da tia Luna?
Solto uma risada. Ela gosta muito de ver nós duas juntas.
— Não, sua engraçadinha. — Minha resposta a entristece
momentaneamente, e arrependo-me de ter me expressado mal. — Quero
dizer, ela também tem sua parcela nessa felicidade, mas digo por estarmos
todos juntos hoje, tendo um dia agradável e alegre. Gosto disso.
— É, eu também gosto muito. Fazia tempo que não vínhamos aqui.
— Desculpe-me por isso, eu...
— Está tudo bem, tia. — Serena segura minhas mãos com a sua e
me olha, oferecendo-me um enorme sorriso sincero, que me aquece o
coração. — O que importa é que a senhora está se sentindo melhor e ainda
nos ama.
— É claro que amo. Todos vocês. — Sorrio e puxo-a para um abraço.
— Ama até a tia Luna?
Minha boca se abre, em choque com a sua pergunta, mas antes que
eu possa responder, o som de algo quebrando chama minha atenção.
Rapidamente, solto minha sobrinha e olho em volta da sala, buscando com
o olhar o motivo daquele barulho. Então, quando encontro, uma certa ira se
apossa de mim.
— Luna Jacobs! Eu não acredito que você estava, de novo, brincando
com esse taco de beisebol dentro de casa.
Ela me olha, horrorizada, sabendo quão irritada estou após vê-la com
aquele negócio na mão, enquanto um de nossos jarros está aos pedaços no
chão. Sua pele parece ficar mais pálida do que o normal, e sua boca se abre
seguidas vezes, como se buscasse alguma desculpa.
— Foi bom te conhecer, cunhadinha. — Minha irmã passa perto dela,
rindo da expressão de horror em seu rosto.
Continuo a encará-la, quero mesmo que ela saiba quão brava estou
agora. Eu avisei diversas vezes que esse taco acabaria quebrando algo
dentro de casa, mas aparentemente o aviso entrou por um ouvido e saiu
pelo outro.
— Crianças, vamos lá fora ver a neve caindo? Deixem as duas
conversarem. — Rodrigo se levanta do sofá e, rapidamente, começa a andar
em direção à porta de correr que leva ao nosso quintal.
— Mas não está nevando, papai — um inocente Harry diz, confuso,
enquanto meu cunhado praticamente o arrasta pela manga do casaco.
— Garotinho, fique quieto e saia rápido, se quiser ver a neve de novo
nessa vida.
Em questão de segundos, todos somem dali, deixando nós duas
sozinhas. Luna engole em seco com tanta força, que, mesmo estando à
certa distância dela, posso ouvir o som que faz.
— Vou limpar tudo.
— É bom mesmo.
Cruzo meus braços e caminho em sua direção. Ela dá um passo para
trás e, por reflexo, coloca o taco de beisebol em sua frente. Isso quase me
faz gargalhar. Uma mulher desse tamanho com medo de mim. Fico bem
perto dela e inclino-me para a frente. Nossa pequena diferença de altura me
faz ter que erguer a cabeça para encará-la diretamente nos olhos.
— Se algum desses cacos de vidro machucar alguma das crianças,
você vai se ver comigo.
— Po-pode deixar. Vou limpa-par direito. — E dito isso, ela sai tão
rapidamente da minha frente, que quase escorrega no chão de madeira
recém-polido.
Uma gargalhada sobe lentamente pela minha garganta, até que não
aguento mais e começo a rir. Ter uma esposa idiota pode ser divertido, né?

O episódio do jarro quebrado foi esquecido rapidamente, depois que


ela se desculpou comigo e eu a perdoei. Juntamo-nos ao restante presente
e começamos a fazer diversas brincadeiras. Depois do jantar, minha irmã e
meu cunhado foram embora com meus sobrinhos. Eu queria ficar mais
tempo com eles, mas sabia que não seria possível, afinal todos temos
nossas casas e compromissos, não somos mais simples adolescentes sem
grandes responsabilidades.
— Finalmente, tudo organizado — digo, assim que Luna, Louis e eu
terminamos de arrumar toda a nossa casa. É bom que eles me ajudem na
arrumação, organização familiar é importante. Sempre foi assim quando eu
morava com meus pais, apesar de minhas irmãs sempre enrolarem na hora
de fazer alguma tarefa. Não que eu fosse diferente também. Acho que
nenhum jovem gosta realmente de fazer tarefas, né?
— Está com sono, carinha? — Luna questiona ao sonolento Louis.
Nem era necessário perguntar, bastava olhar para seu rosto que você
encontraria sua resposta. O pobrezinho mal mantinha os olhos abertos.
— Tome um banho e escove os dentes. — Abaixo-me em frente a ele
e dou-lhe um abraço forte, seguido de um beijo na testa. — Durma bem.
— Boa noite, mamães.
Luna e ele fazem um rápido toque de mãos, antes de ela pegá-lo no
colo e beijar seu rosto diversas vezes, fazendo-o gargalhar. Ela o solta
depois de alguns minutos, e o pequeno acena para nós duas com uma mão,
enquanto coça o olho esquerdo com a outra.
— Ele está exausto — comento, assim que ficamos a sós.
— Sim, ele ama quando o Harry vem aqui. Precisa ver quando todas
as crianças estão reunidas. É uma loucura só.
— Eu imagino. Hm... — Solto um pigarro, indecisa sobre qual assunto
tocar para prosseguir a conversa. — Está com sono?
— Não. Você deve estar, né? Pode subir para se deitar, se quiser, não
vou me importar.
— Na verdade, não estou.
— Não? — questiona, parecendo surpresa. Eu nego com a cabeça, e
um belo sorriso surge em seu rosto. — Quer assistir a algum filme?
— Pode ser.
Vamos juntas até a sala. Mesmo que eu não esteja olhando para seu
rosto, sinto o sorriso enorme que ela está dando. Qualquer mínima
interação comigo a deixa realmente feliz, e isso, de certa forma, me alegra.
— Pensando melhor, o doutor disse que seria bom estimular a sua
memória. Você aceita ver alguns dos nossos filmes?
— Quais?
Tento transparecer calma, mas um aterrorizante pensamento
momentâneo, de que ela possa estar citando aqueles vídeos pervertidos, me
faz quase ter um colapso.
— Pode ser os que você quiser. Temos momentos variados da nossa
vida, do nosso filho...
— Quero os dele, os do Louis. Eu os escolho.
Meu leve desespero não passa despercebido por ela, mas Luna não
diz nada, apenas concorda com a cabeça e levanta-se para buscar a caixa
de vídeos.
— Você, com certeza, vai amar esses. São os primeiros que gravamos
dele — ela diz, antes de inserir o DVD no aparelho.
Estou animada para saber do que se trata o vídeo. Confesso que
tenho focado mais minha atenção em fotos e nos diários do que neles.
Fiquei um pouco traumatizada após encontrar aqueles indecentes.
— Está ligada? Tiger[4], confira aqui. Será que eu quebrei? Por que
não consigo enxergar nada?
— Tire a tampa da lente, cabeçuda.
— Ah, sim. Prontinho. Oi, gente. — Uma animada Vanessa acena
para a câmera e, em seguida, vira-se e foca Luna, que parece fascinada,
encarando algo através de um enorme vidro. — Estão vendo esse olhar? É a
expressão de quem acaba de ser mãe pela primeira vez.
Luna coloca uma mão sobre a boca, e então, a imagem fica mais
próxima. Assim, é possível ver que de seus olhos escorrem lágrimas
grossas, as quais refletem com as luzes. Eu acabo sorrindo ao vê-la daquela
forma ao encarar o pequeno Louis. Meu coração reage àquela imagem com
enorme afeição, sinto-o como se estivesse aquecido.
— Ele é tão pequeno. E lindo...
— Ele é lindo mesmo. — Vanessa se movimenta, ficando ao lado de
Luna agora. Em segundos, a câmera é virada em direção a um pequeno
berço, e em meio a tantos bebês, um se destaca. — Olá, pequeno Cruz-
Jacobs.
Sem ao menos perceber, estou inclinada para a frente. Meu coração
está acelerado, e meus olhos, marejados. Perdi as contas de quantas
imagens dele recém-nascido eu vi até agora, mas sempre reajo da mesma
forma, como se fosse a primeira vez. Deve ser porque não me lembro de
seu nascimento. Essa é uma das minhas maiores tristezas. Gostaria de
saber como foi minha gestação e a sensação de ter dado à luz o meu
pequeno filho. Deve ter sido maravilhoso, e eu não me lembrar disso é um
castigo.
— Você ficou exausta após o parto. Levaram nosso filho para a
maternidade, porque você simplesmente apagou em seguida.
— Mas eu o segurei antes? — Olho para Luna, que acena com a
cabeça. Ela tem um sorriso nos lábios, e seus olhos brilham de uma forma
adorável.
— Você adormeceu com ele em seus braços. Então, depois eu o
ninei, até que a enfermeira veio e sugeriu levá-lo, para que ele descansasse.
Era tão pequeno, foi assustador segurá-lo nas primeiras vezes.
— Eu imagino. Lembro-me de quando Sofia nasceu e eu morria de
medo de machucá-la. Gostaria tanto de me lembrar do meu filho nessa
fase. Isso me machuca muito.
— Sinto muito. Se eu pudesse, trocaria de lugar com você.
— Está tudo bem. Vou aprender a lidar com isso. — Respiro fundo e
abro um pequeno sorriso para tranquilizá-la. — Obrigada, de verdade. Você
tem sido incrível comigo, e eu só posso agradecer.
— Camies... — Ela se aproxima um pouco de mim, com cautela.
Parece medir seus atos. — Estar do seu lado e te dar apoio é o meu dever
como sua esposa. Sempre com você, na alegria e na tristeza.
Meu coração dá um pequeno salto com aquela frase e com a forma
que seus olhos brilham para mim. Tento disfarçar, balançando a cabeça, e
volto a olhar para a televisão. Luna não se afasta de mim, e isso não me
incomoda, para ser sincera.
Continuamos a assistir aos milhares de vídeos, e estou feliz. Claro,
até um diferente ser iniciado:
— Luna... esse não é do nosso filho.
— Ah... eu nem notei que tinha trazido outro. Quer que eu tire?
— Somos nós duas? Estamos no estúdio? — questiono, confusa,
tentando entender o que se passa na tela. Vejo-me em pé, e parece ser ela
ao fundo, ajustando alguma coisa em seus pés.
— Sim para as duas perguntas. Esse é um vídeo de dança nosso.
— Você dança? — Olho para ela, curiosa.
— Minha esposa é uma excelente professora de dança. Estranho seria
se eu não dançasse.
— Não acredito que você dance. Lembro-me de que no colegial você
odiava participar de qualquer uma das apresentações de dança.
Luna solta uma gargalhada, levando uma das mãos até sua nuca.
Parece sem jeito.
— Confesso que, realmente, nunca fui fã de dançar, mas aprendi,
com o passar dos anos, a entender seu amor pela dança. Acabei me
encantando de certa forma.
— Isso é maravilhoso. Dançar faz bem à alma.
— É, hoje eu sei disso. Já fui sua parceira de dança em algumas das
suas aulas, sabia?
— Sério? O que você sabe dançar?
— Tudo.
— Tudo? Duvido. Bachata[5]?
— Principalmente bachata.
— Vamos dançar bachata nesse vídeo?
— Não, mas temos alguns. Você quer que eu te mostre como eu sei?
— O quê? Agora? Aqui?
— Claro — responde, parecendo muito animada, fica de pé e abre os
braços. — Só estamos nós duas aqui.
— Você é louca.
— Nunca disse o contrário. — Luna para na minha frente e estende
sua mão para mim. Ergo minha sobrancelha de forma curiosa. — Vem,
dança comigo.
— O quê?
— Não quer saber se eu sei dançar? Então, dance comigo. Ou está
com medo de ver quão boa eu sou?
— Tantas coisas mudaram, menos o seu ego enorme, não é mesmo?
— Mesmo sem tanta certeza se devo ou não aceitar seu convite, acabo
aceitando sua mão e ficando de pé, em frente a ela. — Se pisar no meu
pé...
— Fique tranquila, isso não vai acontecer. Sei uma música perfeita.
Foi a primeira que dançamos juntas quando você começou a me ensinar
bachata.
Luna vai em direção à televisão e pega o controle para colocar no
YouTube. Ela procura rapidamente por uma música, que eu obviamente não
conheço por ser nova demais para a minha memória. Quando a música
começa, ela volta para perto de mim, olhando-me de uma forma que me
deixa nervosa.
Engulo em seco quando ela segura minha mão direita com sua
esquerda e a outra é apoiada em minhas costas, perto de minhas costelas.
Luna me puxa contra si lentamente, grudando nossos corpos, e começamos
a nos mover no ritmo da música. Coloco meus braços em seu pescoço
quando ela põe uma de suas pernas no meio da minha.
Evito manter contato visual, meu olhar foca o movimento de nossos
quadris. O tecido fino da blusa me permite sentir o calor de sua mão na
base de minhas costas.
Afastamo-nos um pouco, para fazer alguns passos, e isso me alivia
de certa forma. Parecemos sincronizadas, como se tivéssemos ensaiado
uma coreografia. Então, eu cometo o erro de olhar em seus olhos. Aquele
verde tão intenso, fixo em meu rosto, com um brilho beirando o predatório.
Luna não muda sua expressão, mantém uma seriedade de arrepiar.
Malditos olhos verdes.
Voltamos a ficar próximas, ainda mantendo nossos olhares fixos um
no outro. Luna pressiona os dedos em minha lombar, algumas vezes, e, de
repente, me gira, colando seu corpo em minhas costas. Sinto-a rebolar
contra minha bunda, e isso altera minha pulsação de uma forma absurda.
Os pelos do meu corpo ficam arrepiados instantaneamente.
Luna segura minha mão direita com firmeza, antes de levá-la até
minha barriga, fazendo-me alisar meu próprio corpo. Sua respiração bate no
lóbulo da minha orelha, e acabo fechando os olhos. Ela me gira outra vez,
colando nossos corpos de novo. Coloca a perna entre as minhas, puxando-
me contra si, e nossos olhares voltam a se fixar. Seu quadril é bem solto e
acompanha o meu no ritmo certo.
Finalmente, me dou conta do clima sexual em que estamos quando
percebo que estou roçando em sua coxa com certa rudeza. Ela se inclina
lentamente, com os olhos fixos em minha boca, e isso me desperta de
forma instantânea.
— Ok, você sabe dançar — digo, um pouco ofegante.
Luna me encara, com os lábios semiabertos e os olhos em um tom
verde muito escuro e selvagem. Ela balança a cabeça e finalmente desvia o
olhar.
— Eu disse que sabia dançar.
— Não vou mais duvidar de você. Nunca. É sério. — Pigarreio,
olhando em volta, sem saber o que fazer. Essa dança me deixou alterada. —
Eu vou, hm... tomar um banho e dormir. Ah, boa noite... dorme bem.
— Boa noite, amor. Bons sonhos.
Estou tão atordoada que nem rebato como ela acabou de me chamar.
Saio rapidamente da sala e subo as escadas, sentindo minhas pernas
bambas. Que conexão é essa que temos?
Capítulo 14 – Primeiro beijo
O final de semana foi incrível. No domingo, Luna, Louis e eu fomos
ao cinema, onde passamos quase o dia todo. Assistimos a dois filmes: um
de comédia e outro de animação, e foi simplesmente maravilhoso passar
aquele tempo com eles. Começo a entender melhor como tudo parece leve
entre mim e ela e o motivo pelo qual fui muito apaixonada por essa mulher
durante muito tempo.
Luna é excepcional. De forma literal. Boa esposa, ótima mãe e um
ser humano que te faz bem com facilidade. Nunca poderia imaginar essa
pessoa no passado. Ela era totalmente insuportável, irresponsável e
imatura. Os anos realmente mudaram-na.
Um breve resumo desses dias: desde que entramos em um comum
acordo de boa convivência, o clima parece leve. Luna e eu resolvemos
conversar com nosso filho sobre a minha amnésia. Ele ficou confuso no
início, mas é uma criança esperta demais e entendeu. Disse estar disposto a
me ajudar com as lembranças e ficou feliz por eu ainda o amar. Como
poderia ser diferente? Ele é uma criança maravilhosa. Sinto-me mais leve
depois da conversa que tivemos com o pequeno, precisava dar esse passo
também. Quem sabe, assim, não consigo recuperar minhas lembranças?
O meu médico e minha terapeuta concordaram que pode ajudar. E
por citá-los, infelizmente a minha memória continua da mesma forma, mas
a terapia com a doutora Robertson tem me ajudado bastante. Estou me
sentindo mais leve.
— Está pronta? Ah... Nossa...
Viro-me rapidamente ao ouvir sua voz, e um sorriso surge em meus
lábios ao vê-la parecer sem reação. Gosto de saber que ainda causo isso
nela, mesmo após todos os anos de convívio. Posso não me lembrar, mas
isso faz bem à minha autoestima.
— Gostou?
— Impossível não gostar de alguma coisa em você. Ficou
maravilhosa. Eu... Nossa... — Luna faz alguns gestos com a mão e fecha os
olhos, suspirando. Ela me olha mais uma vez, antes de se virar e sair, quase
correndo, para longe de mim. Solto uma pequena gargalhada, satisfeita por
sua reação.
— Acertei — murmuro para mim mesma, voltando a me olhar no
espelho outra vez. A roupa apertada destaca todas as minhas curvas de
uma maneira sensual, fazendo com que eu me sinta um verdadeiro
mulherão.
Hoje é dia de bachata.

Como tem se tornado costume, foi ela quem me trouxe ao trabalho.


Também comunicamos juntas aos meus alunos e pessoas que trabalham
comigo sobre a minha situação. Sou grata por tê-la ao meu lado nesses
momentos. Luna tem se mostrado uma pessoa muito importante, como um
pilar na minha vida, e nunca saberei retribuir tudo o que ela está fazendo
por mim.
Meus sentimentos em relação a ela estão confusos no momento, mas
uma coisa é certa: já não a odeio. Isso é fato, eu nem teria como. Estou
começando a ver a tal pessoa excepcional que todos ao meu redor disseram
que Luna se tornou. Nosso convívio é outro e tem melhorado todos os dias.
Espero que continuemos assim.
— Camille — Jake, o recepcionista novo, chama assim que chego ao
meu estúdio. Olho para ele e vou em sua direção, com Luna em meu
encalço. — Bom dia, senhoras.
— Bom dia.
— Bom dia, Jake. Aconteceu algo? — questiono, debruçando-me
sobre o balcão, e ele acena com a cabeça, em concordância, antes de me
dizer o que aconteceu.
— Diego ligou mais cedo, informando que não poderia vir. Aconteceu
alguma coisa na escola da filha dele.
— Algo sério?
— Não sei, mas ele pareceu bem calmo.
— Hm, hoje é um dos dias em que eu realmente precisava dele —
murmuro, pensando em qual alternativa eu tenho para dar sequência às
aulas de hoje. Claro, posso apenas guiar meus alunos, mas gosto de
mostrar na prática todos os movimentos.
— Posso ser sua companhia, se quiser — Luna diz ao meu lado, e
rapidamente a olho. Correndo meus olhos por seu corpo, analiso a opção.
Suas roupas não parecem ser incômodas: salto alto, calça jeans justa, mas
que estica bem. A única coisa que poderia incomodá-la seria sua camisa
social.
— Certeza?
— Claro. Somos uma dupla e tanto, você não acha? — Ergue uma
sobrancelha, sugestiva, provavelmente citando a última vez que dançamos
juntas.
Engulo em seco e paro de encará-la, ou acabarei ficando vermelha de
vergonha. Ouço sua risadinha. Ela sabe o que tem causado em mim e se
aproveita disso. Maldita mulher.
Chegamos à sala em que acontecerá a aula de hoje, e minha
primeira impressão é de que teremos bastante plateia. Estou nervosa,
confesso. Uma coisa é dançar com o Diego, um parceiro que não me afeta
em nada, e outra, completamente diferente, é dançar com essa mulher que
está me causando sensações estranhas.
Espero que dê tudo certo.
— Bom dia, pessoal — cumprimento todos, abrindo um sorriso
simpático e sendo retribuída pelas pessoas ali dentro. — Hoje, infelizmente,
o Diego não poderá comparecer, mas seguiremos a aula, conforme o
planejado. — Olho para Luna e a seguro pelo pulso, trazendo-a para mais
perto de mim. — Então, hoje, quem vai dançar comigo será a Luna, que,
como todos vocês sabem, é minha esposa.
Tento permanecer indiferente, mas a reação fervorosa dos alunos,
com palmas e assobios, me faz ficar sem jeito, com o rosto queimando de
vergonha. Luna entrelaça seus dedos nos meus, sem que eu, ao menos,
perceba, e aperta minha mão na sua, como se pudesse me confortar.
Incrivelmente, esse ato me deixa mais tranquila.
Aparentemente, nenhum dos meus alunos parece incomodado com o
fato de eu ser casada com uma mulher, nem mesmo os homens presentes.
Fico feliz com isso. É raro um ambiente tranquilo e leve assim, quando se
trata de casais homoafetivos. Eu diria que eles parecem até felizes, vendo-
nos juntas.
— Eu tenho uma sugestão de música. Se você quiser, é claro… —
Luna diz, enquanto abre dois botões de sua camisa. Por alguns segundos,
meus olhos se perdem em seu decote, mas rapidamente olho para outro
lugar. Preciso aprender a controlar essa libido.
— Sinta-se à vontade — digo a ela e afasto-me para conversar
brevemente com meus alunos, explicando alguns detalhes e dando dicas.
Preciso ser sincera e dizer que não estou preocupada com a
coreografia. Uma coisa eu aprendi: com ela, as coisas fluem muito
facilmente.
Luna está ajustando o som, e, em poucos segundos, começa uma
batida que não me é desconhecida. Então, lembro-me de que é a música
que estávamos dançando juntas no vídeo a que assistimos no outro dia. Um
pequeno sorriso surge em meus lábios quando me aproximo dela, e
posiciono-me com um pé para trás, segurando uma de suas mãos,
enquanto apoio a outra em seu ombro direito. Luna espalma uma das mãos
em minha lombar e nos olhamos antes de deixarmos a música nos guiar.
Um passo para a frente e outro para trás. Luna me vira de costas
para ela, e abro meus braços. Damos um passo juntas para a frente, suas
mãos voltam à minha cintura e ela segue colada em mim, enquanto nos
movemos. Todos os olhares estão em nós duas, e tento não ficar nervosa
com isso.
Luna usa uma perna como apoio para me curvar para trás, e quando
me ergo, sou conectada ao seu olhar. Tenho a impressão de ouvir suspiros e
sussurros ao nosso redor. Devemos estar dando um show a todas essas
pessoas.
Ela me gira algumas vezes, nossos quadris colidem e os olhares ficam
conectados quase a todo momento. É incrível a facilidade que temos para
dançarmos juntas. Aliso seu rosto quando faço movimentos de ondulação,
com meu quadril contra ela.
Quando Luna alisa as partes do meu corpo que estão ao alcance de
suas mãos, sinto arrepios por ele. Ela se move com extrema habilidade,
deixando-me guiá-la em cada passo.
Sei que a música está chegando ao fim e não sei se fico triste ou feliz
por isso. Quando acaba, estamos nos encarando firmemente e somos
saudadas por diversas palmas.
— Beija! Beija! Beija! — alguém puxa um coro, pedindo beijos.
Luna sorri e inclina-se em minha direção, deixando-me extremamente
nervosa, mas assim como da última vez, ela apenas deposita um beijo em
minha testa e abraça-me com força.
Seria estranho dizer que eu realmente queria que ela me beijasse na
boca? Caramba! Eu nem lembro como foi beijar na boca pela primeira vez.
Será que eu sei beijar direito?

O restante da aula manteve o mesmo clima quente e sensual. Parece


que a presença de Luna deu mais confiança às mulheres presentes, por ela
ser muito simpática e atenciosa. Nós duas juntas recebemos muitos elogios
sobre sermos as professoras perfeitas. Foi divertido, um dos melhores dias
desde que voltei a trabalhar. Um dia realmente inesquecível. Estamos
suadas e cansadas. Preciso de um banho, descansar meus músculos. Nunca
me esforcei tanto para fazer movimentos perfeitos.
— Ana me mandou mensagem — Luna diz, assim que entramos em
seu carro, e olho para ela, confusa e curiosa para saber quem é essa
mulher. — Ela é uma das professoras do carinha.
— Ah sim... Espera, ela tem seu número? — questiono, realmente
curiosa, e Luna acena com a cabeça, enquanto mantém seus olhos focados
no retrovisor para sairmos do estacionamento.
— Sim, ela também tem o seu. Na verdade, todos os professores da
escola dele têm nossos números. É para o caso de alguma emergência.
— Aconteceu alguma coisa com o meu filho?
— Não, meu bem — ela diz, para me acalmar, e solta uma risada.
Suspiro, aliviada, enquanto meu coração está acelerado dentro do peito. Se
algo acontecer com meu filho, nem sei o que faço. — Ele vai ser liberado
cedo, porque as aulas estão próximas de acabar. Você quer ir ou prefere
que eu te deixe em casa?
— Vamos buscá-lo!
Luna abre um enorme sorriso e permanece assim. Para ser sincera,
ela permaneceu sorridente o dia inteiro. Não sei dizer ao certo o motivo,
mas tenho uma ideia. Foi um dia tranquilo e nos divertimos bastante, isso
deve tê-la deixado feliz. Alegra-me ter causado isso nela. Parece que
estamos mesmo em sintonia.
Chegamos em frente ao colégio de Louis e descemos juntas.
Caminhando lado a lado, não há quem não olhe para nós duas. Visualmente
falando, somos um casal muito bonito, é compreensível que ganhemos
olhares. Além do mais, devemos ser conhecidas por muitos pais.
Sorrio para alguns que me cumprimentam, no caminho, até
finalmente avistarmos nosso filho vindo em nossa direção. Ele tem um
enorme sorriso no rosto e parece muito feliz em nos ver.
— Mamães!
Ele abraça Luna primeiro e, depois, a mim, que me abaixo para beijar
seu rosto e seguro sua mão.
— Como foi o dia de aula, filho?
— Incrível. Tia Ana deixou que fizéssemos desenhos o tempo todo.
— Você os trouxe?
— Sim. Mamãe, a senhora precisa ver o desenho do Capitão América
que eu fiz. Ficou incrível! — diz a Luna, que se abaixa para pegá-lo no colo
e o enche de beijos. Impossível não sorrir com essa cena. Ela realmente é
uma ótima mãe.
— Perde a memória, mas o jeito de trouxa pelos dois continua a
mesma coisa — uma voz surge do nada, fazendo eu me assustar e dar um
pequeno salto. Desvio o olhar de Luna e Louis e foco a pessoa que me
assustou.
— Quer me matar do coração?
— Talvez — ela brinca, e eu reviro os olhos.
Mal tenho tempo de pensar e logo estou em seus braços, sendo
esmagada por aqueles peitos enormes.
— Também senti sua falta, Big.
— Eu sei — ela se gaba e me solta. Reviro os olhos mais uma vez,
observando-a se direcionar à Luna dessa vez. — Pequeno tigre, há quanto
tempo não nos vemos. Saudade dessa bunda branca.
Luna gargalha antes de abraçar Vanessa.
— Você tem mesmo uma paixão pela minha bunda.
— Nunca escondi, mas não é maior que a paixão pela da Camille,
porque, meu Deus, olha o tamanho desse patrimônio mexicano.
— Para! — peço, sem graça, e tiro suas mãos de mim, que tentam
me rodar para exibir minha bunda.
— Fica se fazendo de tímida, mas daqui a pouco vai ficar se gabando
por ser uma gostosa.
— Quem é gostosa? Você é mesmo — Noah aparece de repente,
trazendo consigo um animado Toni em suas costas. Isso me faz lembrar do
meu filho. Procuro por ele e o encontro ao lado de Luna, de mãos dadas
com ela. — Camilita, é sempre um prazer encontrá-la para embelezar meu
dia.
— Você me chama de gostosa e depois flerta com outra na minha
frente? — Vanessa finge estar brava e olha com uma falsa expressão de
choque para o marido. Noah se aproxima de minha melhor amiga e passa
um braço por seus ombros.
— Só flerto com você — diz e sela os lábios aos dela.
Sorrio para a cena. Eles são um casal maravilhoso demais.
— Eca — diz Toni, escondendo seu rosto no pescoço do pai para não
ver aquela cena, e eu acabo rindo da reação dele.
— Isso mesmo, garotinho, mantenha esse pensamento até completar
dezoito anos — Noah diz ao pequeno Toni, antes de se abaixar para colocá-
lo no chão. — Oi, minha princesa. E bate aqui, garotão — cumprimenta
Luna e Louis. Os três fazem um toque de mãos ensaiado.
— Fale com as suas tias, garoto, ou vão achar que não te demos
educação.
— Eu acredito que Noah o educou, sim, mas você? — debocho de
Vanessa, que apenas me olha com desdém.
Toni se aproxima de mim, e suas bochechas vermelhas me fazem
sorrir. Ele é um doce.
— Oi, lindo.
— Oi, tia Mille. — Beijo seu rosto, e ele retribui o gesto rapidamente,
parecendo muito nervoso com a minha presença. — Tia Luna.
— Oi, mocinho bonito. Continua apaixonado pela minha esposa, é?
Estou de olho em você, sem vergonha — brinca com o pequeno, que, cada
vez mais tímido, acaba escolhendo se esconder atrás de sua mãe, para fugir
dos olhares e das mãos de Luna.
— Estava pensando em fazer um churrasco lá em casa no final de
semana. A previsão diz que o tempo vai estar bom.
— Eu topo. É só nos ligar para avisar — Luna concorda com Noah, e
os dois se abraçam.
— Levem cerveja — Vanessa diz, antes de vir até mim e me abraçar.
Concordamos e, enfim, nos despedimos dos dois. Eu de um lado,
segurando uma mão de Louis, e ela do outro, segurando a canhota dele.
Parecemos mesmo uma família feliz. Afinal, é isso que somos, certo?

Mal chegamos a casa, e nosso filho correu para tomar um banho.


Luna tinha informado a ele sobre o jogo de videogame que comprou, e
Louis rapidamente quis estar limpo e livre de qualquer tarefa secundária que
não fosse passar o resto do dia jogando com a mãe. É fofo como os dois
amam passar o tempo juntos.
— Tudo bem?
— Ah... sim, sim. Por quê?
Luna nem parece perceber o tamanho do sorriso que está em seu
rosto. Parece um daqueles sorrisos tão grandes que chegam a assustar
alguém. Sinto vontade de rir de sua expressão.
— Você não para de sorrir nem um segundo sequer. — Acho que ela
entendeu errado o que eu disse, pois assim que termino de falar, o sorriso
some de seu rosto, e Luna desvia o olhar. — Não foi uma crítica. Eu só
estou curiosa para saber o motivo de tanta felicidade.
— Hm, nada demais. — Ela alisa a nuca e depois esconde o rosto
com a mão. Uma coisa que percebi é que Luna não sabe mentir, e quando
acontece, ela sempre esconde o rosto de alguma forma.
— Pode me contar, se quiser.
— É que... promete que não vai mudar a forma que me tratou hoje?
— Como assim?
— Tenho medo de falar qualquer coisa, e você voltar a ser fria e
grossa como antes.
— Perdoe-me por isso. Eu garanto que vou fazer de tudo para
continuar te tratando bem.
— Isso me deixa feliz. Só não tanto quanto ter você me tratando
como sua esposa outra vez. É bobo, mas... sei lá. Eu senti tanta falta disso
— ela confessa e não me encara. Tenho certeza de que está sem jeito, e
isso me faz ter muita vontade de enchê-la de beijos, mas me contenho.
— Você é a minha esposa. Mesmo que eu não me lembre de nada,
sei que um dia te amei muito. Não vejo mais problemas em me referir a
você como tal, porque se a antiga Camille tinha orgulho de ser casada com
você, eu também vou ter.
Luna parece desacreditada ao ouvir minhas palavras. Mas sabe
aquele olhar que diz tudo o que se passa dentro da pessoa? Ela está me
dando um assim, e eu sinto a felicidade estampada por todo o seu corpo.
Nada se compara a causar tamanha alegria em alguém que faz de tudo por
você, que zela pelo seu bem. E quero cuidar dela também, porque todo
mundo merece uma chance. Não faço ideia se vou amá-la outra vez, mas
estou me acostumando com a ideia de ser casada com Luna Jacobs.

Deitada em minha cama, fico repassando o dia que tive. Horas


agradáveis com a Luna, e depois, me juntei a ela e ao nosso filho para
jogarmos juntos. Momentos assim me fazem pensar se eram constantes as
vezes que tínhamos dias dessa forma. Como meu casamento com ela
realmente era? Uma coisa é ouvir sobre; outra, completamente diferente, é
ter vivido. Isso me faz pensar...
— Cadê? — falo comigo mesma, ao me levantar da cama e procurar,
entre meus diários, um datado naquele verão, em que acredito que tenha
começado. — Encontrei.
Começo a folhear e ler algumas coisas sobre o que aconteceu,
buscando, até, finalmente, encontrar o que eu queria.

— Não pode fingir para sempre que eu não existo.


— Minha nossa! Pare de fazer isso! — imploro, levando as duas mãos
ao meu peito e recostando-me na parede da pequena estufa, que meu pai
resolveu construir depois que a idiota sugeriu. Olho para ela, encontrando
uma Luna visivelmente abatida e aparentemente receosa, e suspiro. Não
imaginei que ela estaria aqui hoje.
— Pare de fugir de mim. Por favor... Eu sei que foi uma surpresa tudo
aquilo que disse no outro dia, mas...
— Não faça isso — imploro de novo, mas minha voz não passa de um
sussurro. Luna suspira alto, e eu fecho os olhos. Não quero encará-la e ter a
certeza de que ela realmente mexe comigo de alguma forma. Essas
semanas, tendo que lidar diariamente com a presença dela, fizeram-me
mudar a visão de quem essa garota realmente é. Isso me assusta.
— Uma chance, Camies... Só isso que eu peço.
Sinto sua presença mais próxima de mim e abro os olhos,
arrependendo-me na mesma hora, pois aqueles olhos parecem me sugar a
alma.
Luna chega mais perto, porém ainda mantém uma pequena
distância, como se estivesse resolvendo se aproximar ou não.
— Por favor.
— Luna, eu...
— Se você disser não, vou entender e prometo te deixar em paz para
sempre. Sei que não mereço o que estou pedindo, mas se houver uma
chance, mesmo que mínima, um por cento apenas, de você aceitar... por
favor, me dê o sim que eu espero.
Abaixo a cabeça, porque não consigo encará-la durante muito tempo.
Estou confusa e assustada, muito assustada, porque realmente quero dizer
que sim.
Dou um pequeno sorriso antes de dizer:
— Eu odeio você, Luna Jacobs.
— E eu sou completamente apaixonada por você.
Ela se aproxima totalmente dessa vez. Não me dou conta do
momento exato em que começou a chover, mas nossas roupas estão
começando a ficar ensopadas.
— Posso?
Sempre fui do tipo de pessoa que prefere ações a palavras. Foi por
isso que apenas segurei seu rosto em minhas mãos e a trouxe para mim,
grudando nossos lábios. Isso pareceu surpreendê-la, pois ela demorou
segundos para ter alguma reação.
Quando suas mãos agarram minha cintura e colam totalmente nossos
corpos, falta ar em meus pulmões e um arrepio gostoso surge na minha
nuca. Luna sorri em meio ao beijo, que é lento e delicado, um beijo que
parece um tipo de exploração. Nossas bocas se conhecendo e nossos
corações entrando em algum tipo de sincronia. Uma energia surreal.
Sempre achei que um beijo na pessoa especial pode causar
sensações extremas em alguém. Minha pessoa é a Luna. Parece até
brincadeira.
— Não faça eu me arrepender disso — peço, quando nosso beijo
finalmente acaba.
Pelo meu rosto, escorre a água da chuva, bagunçando meus cabelos.
Luna o acaricia e sorri. Um sorriso tão bonito que faz meu coração disparar.
O que está acontecendo comigo?
— Sempre vou dar o meu melhor a você, para valer a pena. Eu sou
sua, Camille Cruz.
Eu sou sua: essas três palavras fazem um sentimento de posse brotar
em meu peito. Eu a abraço com força, sem me importar por estarmos na
chuva ou que talvez alguém apareça. É assim que eu quero permanecer de
agora em diante: nos braços dela.

— Nós devíamos viver como cão e gato — falo comigo mesma e


busco outros diários mais antigos. — Eu devo ter escrito sobre meu primeiro
beijo. Hm... encontrei.
E então, receosa, começo a ler:
Sabe aquelas cenas de filmes animados em que um personagem,
com raiva, atira raios pelos olhos? Essa seria a definição da idiota parada em
minha frente. Não posso trocar palavras com Jennifer que sinto aquele olhar
raivoso, como se ela tivesse algum direito de sentir raiva de mim. Eu acho
que Luna é possessiva com quem acha que, um dia, será dela. É a única
explicação plausível. Iludida. Nós duas juntas somos algo que nunca irá
acontecer.
— Camille Cruz, esse momento é seu.
Sinto meu sangue gelar nas veias. Quando aceitei essa brincadeira
idiota, foi apenas porque a Jacobs quase implorou para que eu não
participasse. Mas não, porque quem manda na minha vida sou eu.
— Desafio você a beijar a Luna.
Encaro Nayara, sem acreditar nas palavras que saíram de sua boca.
Todos ao nosso redor parecem vibrar com aquele desafio, até mesmo
Belinda e Vanessa, duas cobras que eu crio na vida.
— Nay — Luna diz, tão chocada quanto eu ao encarar sua melhor
amiga, que a ignora e me encara com um enorme sorriso.
Meu coração disparado me faz hiperventilar. Não achei que essa
brincadeira imbecil pudesse me levar a caminhos tão perigosos.
— Não vou beijá-la. Não quero mais brincar.
— Ah, vai sim, Lil. São as regras, ninguém te obrigou a participar.
Olho para Vanessa como se pudesse matá-la apenas com o olhar. Ela
tem um sorriso de deboche no rosto, assim como a idiota da minha irmã ao
seu lado, que está nos braços de Rodrigo. Queria ver se a desafiassem a
beijar outra pessoa que não fosse o seu namorado.
— Ela eu não beijo.
— Vai ter que beijar.
— Beija! Beija! Beija!
— Só um beijo não vai te matar, Cruz.
Um coro de incentivos começa.
Fecho os olhos, tentando encontrar uma forma de fugir dessa saia
justa, e quando os abro, uma ideia surge em minha cabeça e um enorme
sorriso cresce em meus lábios. Olho para Luna, diretamente em seus olhos,
e digo com o maior prazer:
— Eu posso até beijar, mas não ela.
Luna Jacobs parece ter levado um soco no estômago assim que ouve
minhas palavras, e isso muito me satisfaz. Um coro de Uuhs ecoa, e o grupo
de adolescentes grita como se fosse a final de algum campeonato. Eles
amam algo assim.
— E quem vai ser, então? — Nayara me pergunta. Tomada pela
coragem momentânea, olho para a garota ao meu lado, a qual, há muitos
meses, se tornou minha paixão do colégio.
— Jennifer. Eu só aceito beijar se for ela.
— Beija! Beija! Beija! Beija! — Começam a vibrar ao nosso redor, e
mesmo sentindo vontade de olhar para a garota idiota que inferniza a minha
vida, foco apenas a bela ao meu lado.
Jennifer se aproxima de mim, e sinto um leve nervosismo,
imaginando se saberei o que fazer. Lembro-me das palavras de minha irmã:
siga os movimentos da pessoa.
Não foi como imaginei o meu primeiro beijo, mas aconteceu.
Toda a expectativa criada para esse momento morreu no segundo em
que fui beijada. Não foi ruim, mas também não foi nada demais. Perdi as
contas de quanto tempo durou o beijo, mas sorrio assim que termina.
Viro-me em direção à Luna, satisfeita por ela ter visto o ocorrido, mas
o sorriso morre em meu rosto, porque Luna nem lá estava.
Sinto algo ruim em mim, mas prefiro ignorar naquele momento.

— Você era tão idiota, Camille. Como pôde fazer isso?


Irritada, fecho aquele diário e o lanço para longe. Eu fui tão imatura.
Mesmo que não sentisse o mesmo por Luna, fazer aquilo diante dela foi
horrível. Teria sido diferente se o desafio fosse beijar primeiro a Jennifer,
mas eu escolhi qualquer outra que não fosse Luna.
— Camille? — Assusto-me ao escutar alguém me chamar. Olho para a
porta do quarto e vejo Luna me olhando, confusa. — Estou te chamando faz
algum tempo. Tudo bem?
— Sim, sim. Estava apenas lendo algumas anotações antigas.
— Encontrou algo interessante? — pergunta, enquanto caminha em
minha direção.
Olho para aquela mulher, extremamente linda e carinhosa, e é
impossível ligá-la à imagem da adolescente que foi. Depois de tudo, do
passado e até mesmo dos últimos acontecimentos, Luna continua aqui.
— Encontrei, sim.
— O quê? — Não a respondo. Ao invés disso, arrasto-me pela cama,
chegando mais perto de onde ela está sentada, e Luna me encara, curiosa.
— Camille?
— Shh...
— Eu… — ela inicia uma nova frase, mas finalmente tomo a atitude
impulsiva de fazer o que está na minha cabeça.
Quando seguro sua nuca e selo meus lábios aos dela, Luna parece
paralisar e solta uma forte lufada de ar. Não nos movemos e não passamos
desse breve contato. Meu corpo amolece e minha barriga se contrai. Tantas
sensações, mas eu sorrio.
Estou feliz.
Encosto minha testa na dela, mantendo minha mão em sua nuca, e
Luna continua paralisada, em choque.
— O seu beijo sempre será o primeiro que desejo me lembrar.
Eu a solto devagar, olhando diretamente em seus olhos, com um
brilho lindo e emotivo. Luna parece extremamente feliz, e apesar de eu ter
agido por impulso, sinto que fiz a coisa certa.
A partir daqui, não tem mais volta.
Capítulo 15 – Esperanças
Surreal.
Essa é a melhor definição que posso dar ao que aconteceu ontem à
noite. Tudo bem, foi apenas um toque de lábios, mas depois de todos os
acontecimentos, nas últimas semanas, foi um grande passo para mim. Além
do mais, com ela nada é qualquer coisa. Deu-me ainda mais esperança
sobre nós duas.
Nosso casamento não estava bem, e sendo sincera, por mais que
estivéssemos tentando mantê-lo, sabíamos que o inevitável viria a
acontecer. Sim, provavelmente teríamos nos separado dentro de poucos
meses ou semanas. Eu sentia isso. Observava, sem poder fazer muita coisa,
como tudo estava desmoronando ao nosso redor. Com pavor enorme,
estava vendo o amor da minha vida escorregar entre os meus dedos.
Então, quando me vi cada vez mais sem saídas e soluções, aconteceu
tudo aquilo. Ela simplesmente acordou sem se lembrar de nada, do nosso
casamento, da vida que construímos juntas, do amor que, um dia, sentiu
por mim, nem mesmo do nosso filho.
Foi apavorante quando minha ficha caiu.
No momento exato em que tive noção do que havia acontecido, o
meu primeiro pensamento foi: dessa vez, a perdi de verdade, para sempre.
Eu realmente acreditei que seria o nosso fim.
Com o passar dos dias, a minha esperança diminuía cada vez mais.
Como reverter o ocorrido, se nem mesmo os médicos conseguiam entender
a dimensão daquele acontecimento e suas sequelas? Cada nova consulta
era como se alguém quebrasse minhas pernas, impedindo-me de continuar
a correr por nós duas e de tentar resolver tudo.
Lembro-me do dia anterior ao que ela acordou desmemoriada.
Tínhamos resolvido sair com nossos amigos, para nos distrairmos um pouco.
Deveria ter sido uma noite divertida — e realmente estava sendo, até o
momento em que aquela briga sem sentido começou. Seus gritos e
acusações continuam vivos em minha memória.
— Você deve achar que eu sou alguma idiota, Luna.
— Camille, por favor, seja racional. Está vendo coisas onde não existe
nada, além de suas paranoias.
Suspiro, levando meus dedos até minhas têmporas para massageá-
las. Não faz muito tempo que voltamos da boate onde estávamos, e minha
esposa fez um tremendo show, digno de um Oscar da confusão. Tivemos
que voltar mais cedo, porque ela simplesmente surtou de ciúme diante dos
nossos amigos e começou a brigar comigo sem um motivo real.
— Ser racional? Mais racional do que eu estou sendo, idiota?! — Ela
surge na cozinha, com os olhos brilhando de forma quase assassina. Camille
sempre fica assim quando está muito brava. Nem me dou ao trabalho de
continuar a encará-la, sei que não adianta muita coisa rebater o que sai de
sua boca. — Você acha aceitável a minha esposa ficar dando condições à
outra mulher na minha frente?
Respire fundo, Luna. Não entre nesse jogo, continue mantendo a
calma.
— Camille, por Deus! Eu nem percebi que tinha alguém dando em
cima de mim. Devo ter sido somente educada.
— Educada? Você foi educada?
De repente, ela está colada em mim, pressionando meu corpo contra
o balcão em que estou recostada. Olho para baixo, encarando seu rosto.
Ainda estou com meus saltos, e nossa diferença de tamanho é algo
considerável nesse momento.
— Educação é a nova forma de analisar outras mulheres e de deixá-
las passarem a mão em você?
— Você está exagerando.
Pensei que as coisas seriam divertidas, mas estava totalmente errada.
Tento me afastar dela e sair dali. Quero tirar essa roupa, tomar um
banho, deitar-me na cama e esquecer a noite de hoje. Camille me impede,
usando seu corpo para que eu me mantenha no lugar. Seu rosto está
vermelho, e ela solta o ar com rudeza.
— Todas as vezes que você fica até tarde no trabalho significa que
está sendo educada com alguém também? É isso?
— Não comece. Estou falando sério com você.
Finalmente, consigo me afastar dela com delicadeza, usando a
paciência que ainda me resta.
Não quero iniciar outra conversa sobre esse mesmo assunto, pois
Camille tem sido extremamente paranoica em relação a uma suposta traição
minha. Se não a conhecesse e não confiasse nela, eu diria que foi ela quem
me traiu e que sua consciência pesada a está deixando dessa forma. Mas
Camille tem estado estranha de diversas maneiras, e mesmo que tenha
tentado descobrir, ainda não sei o motivo.
— Você nem nega mais. Eu me pergunto quando pedirá o divórcio
outra vez e aproveitará todas as outras que você trata com educação na
rua.
Reviro meus olhos e a ignoro. Com ela em meu encalço, entro em
nosso quarto e vou ao closet, para tirar minhas roupas e colocá-las no
cesto. Camille fecha a porta do quarto com força, e faço uma careta,
rezando internamente para que nosso filho não acorde com todo o barulho
e, mais uma vez, presencie nossas brigas. Phillipe, nosso babá contratado, o
deixou dormindo tão tranquilamente, não quero que meu pequeno seja
incomodado porque sua mãe resolveu surtar.
— Chega, Camille. Já foi o suficiente, ok? Vamos acabar falando
coisas das quais nos arrependeremos depois, e eu estou cansada.
— Admita de uma vez que ainda quer pedir o divórcio. É isso que
realmente quer. Toda aquela conversa de ter desistido e percebido que
podemos enfrentar tudo era uma mentira. Você vai me abandonar.
— Não comece. — Minha voz é séria e o tom deixa claro que não
estou a fim de falar sobre aquilo. É algo que sempre nos magoa. Eu termino
de tirar minhas roupas e saio do closet, com ela ainda em meu encalço,
pisando firme e bufando. — Vamos tomar um banho e dormir. Chega desse
assunto.
— Vai continuar fugindo do assunto? Acha que é assim que
resolveremos as coisas?
— Eu não estou fugindo de nada. Camille, chega... pare de ser tão...
— Calo-me, antes de continuar a frase, e fecho os olhos, sabendo que
provavelmente a enfureci de novo.
— Termine essa frase. Diga o que ia dizer. — Empurra-me pelos
ombros, fazendo-me dar dois passos para trás, e eu a olho, temerosa,
sabendo que Camille está mais nervosa do que antes. Ela tem estado tão
instável, como uma bomba relógio. — Vai me chamar de louca outra vez,
não é? Sua...
Cansada de toda essa discussão, sabendo que não existe outra forma
de calá-la, puxo-a contra mim e colo nossos lábios. Camille tenta se soltar,
mas sei que deseja continuar discutindo. Insisto no contato de nossas
bocas, segurando-a com firmeza, e não demora muito para que ela comece
a ceder.
Reconheço que esse não é o jeito certo de resolver as coisas, mas faz
tempo que não temos uma oportunidade como essa. Conversaremos
quando ela finalmente se acalmar e recuperar sua racionalidade.
— Chega de brigas, por favor! — murmuro ao me afastar lentamente.
Camille solta uma forte lufada de ar e, quando penso que gritará
comigo, se joga em meus braços e ataca minha boca, beijando-me com
uma paixão avassaladora. Seguro-a firme e solto gemidos. O prazer de
beijá-la loucamente sempre será a melhor sensação de todas. Uso meu
quadril para guiá-la em direção a uma das paredes próximas ao box do
banheiro.
Camille agarra meus cabelos e permite que eu comece a tirar suas
roupas. Essa é a única forma de acalmá-la no momento, mas espero que
amanhã possamos conversar como adultas e resolver nossos problemas.
Não quero perdê-la, mas não posso continuar lutando sozinha.
Será que não existe uma forma de sermos como antes? Queria uma
chance de recomeçar com ela.
— Mamãe?
Volto a mim mesma quando ouço o chamado do meu filho. Com um
sorriso no rosto, desvio o olhar do mural de fotos e olho em sua direção. O
pequeno está parado na porta do escritório, com uma expressão de
confusão tão fofa, que sinto vontade de mordê-lo.
— Entre, carinha. Por que está assim?
— Eu acho que a mommy não está normal.
Louis coça a cabeça, bagunçando os cabelos e reforçando ainda mais
a careta em seu rosto. Não resisto e abaixo-me para ficar da sua altura e
mordê-lo.
— Coisa mais fofa da minha vida.
— Ouch, mamãe — ele resmunga, tentando se soltar de mim quando
o seguro pela cintura e mordo sua bochecha. — Para, por favor, mamãe.
Solto uma risadinha e beijo seu rosto, antes de soltá-lo.
— O que sua mommy está fazendo para te deixar assim?
— Ela está lá na cozinha, saltitando e cantando aquela música.
Não posso evitar rir de sua careta e da forma que a imitou. Louis
sempre fica assim quando Camille começa a cantar músicas em espanhol.
Ele nunca se deu bem com o idioma e desistiu de aprendê-lo, mesmo depois
de muita insistência de minha esposa. Camille ficou triste pelo pequeno não
querer aprender sua língua materna, mas também nunca o forçou.
— Deve ser felicidade — falo de forma displicente, mas, então, me
dou conta de que sua alegria pode ser por causa de ontem. Meu coração
parece inflar dentro do peito, tamanha a minha emoção. Como se o mundo
tivesse parado por alguns segundos, um estalo em minha cabeça me faz
pensar se... — Sua mãe está cantando Olhos lindos?
— Sim, mamãe. A senhora sabe como ela ama essa música.
Mal espero meu filho terminar de falar e saio em direção à cozinha.
Meu coração está tão acelerado que pareço ter corrido uma maratona.
Estou completamente desacreditada do que ele me contou, mas quando
chego à cozinha, não sou capaz de expressar minha surpresa ao ouvi-la
realmente cantar aquela canção. Meus olhos e meus ouvidos parecem não
acreditar.
— Seus olhos, verdes como as árvores do jardim... Em volta de nós
nada além do nosso amor... Estou em busca de felicidade e paz, e sei que
nos seus braços vou encontrar todo o sentido... Às vezes me pego sorrindo
sozinha, então eu me pergunto o que fez comigo... — Minha boca se abre
em descrença. Não acredito que esteja realmente acontecendo. — Dios mio,
Luna. ¿Estás loca por verte así?
— Como... como você se lembra dessa canção?
Camille suspira, recompondo-se do susto.
— Eu não sei, para ser sincera. Simplesmente acordei hoje cedo e
não consegui parar de cantarolar...
Nem espero que ela termine de falar: atravesso a cozinha e, sem
mais nem menos, a abraço com força. Sei que devo parecer louca, mas não
posso evitar a emoção que toma conta de mim.
— É claro que me abraçar é bom, mas pode me explicar o motivo?
Está tudo bem? — Camille brinca, e seu tom de voz é leve e divertido. É
muito bom vê-la assim outra vez, após as últimas semanas. Sinto que
estamos realmente tendo um recomeço.
— Você sempre cantou essa música para mim, desde o nosso
primeiro ano de namoro. É a única canção que sabe tocar no violão, e eu só
fui saber disso no dia do nosso casamento. — Meus olhos ficam levemente
cheios de água. O coração já não me obedece mais e continua disparado.
Ela me olha, parecendo realmente surpresa. Imagine como estou. — Você a
cantou para mim depois da nossa dança. Essa música se tornou parte da
nossa história. Então, virou algo seu. Todas as vezes que ficava muito feliz,
acabava cantando-a pelos cantos.
Sinto minha garganta arranhar de leve, tamanho é o meu esforço
para não chorar. Camille me olha, fascinada com o que acabo de dizer e
realmente surpresa, e eu vejo em seu rosto como a notícia a abalou.
— Isso quer dizer... É sério?
— Muito! Não consigo expressar o tamanho da minha felicidade. Você
acaba de se lembrar de algo do seu passado esquecido. Isso é realmente
incrível.
— Meu Deus! Eu me lembrei de algo involuntariamente. — Camille
leva as mãos à cabeça e segura seus cabelos, andando de um lado para o
outro, desnorteada, sem acreditar. Imagine como eu estou me sentindo. —
Luna, será que...?
— Eu não sei. Precisamos conversar com o seu médico, mas acho
que isso é um bom sinal. Pode ser que sua memória esteja voltando aos
poucos.
Dessa vez, é ela quem me abraça, e eu rapidamente retribuo,
amando tê-la agarrada a mim com tanto carinho. Sinto-me como no
passado, quando tudo estava bem. Estou com as esperanças renovadas,
minha alma leve, e sinto que tudo pode, finalmente, entrar nos eixos.
Depois da tempestade, vem a calmaria, certo?
Lembro-me momentaneamente de suas palavras no dia anterior ao
que ela acordou desmemoriada: “Vamos enfrentar tudo o que vier pela
frente juntas. Nunca se esqueça de que dentro de mim é você quem
habita.”
Não tinha entendido o motivo dela ter olhado em meus olhos e dito
aquilo, mas hoje penso que, talvez, de alguma forma, ela estivesse me
preparando para o que aconteceria.
Recordar-me de suas palavras, logo após se lembrar de algo do seu
passado, me faz ter mais esperanças de que tudo se acerte e de que nosso
amor reviva, porque sei que continua dentro dela, só precisa ser encontrado
outra vez.
Nada nesse mundo me faz mais feliz que amá-la e ser amada por ela.
Observar minha esposa sempre foi uma das coisas que mais amei fazer,
durante todos esses anos juntas, até mesmo antes de tê-la comigo. Quando
era mais nova, desde a primeira vez que a vi, meu passatempo favorito
tornou-se observá-la. Infernizar a vida dela nunca foi minha real intenção, e
por algum motivo, ela despertou uma antipatia por mim, que impossibilitava
qualquer aproximação minha. Ou seja: uma garota completamente intocável
para mim, pelo menos de maneira correta. Todas as vezes que tentei
estabelecer a paz entre nós duas, acontecia alguma coisa ou alguém
conseguia atrapalhar. O tempo foi passando e vivíamos no eterno ritmo de
cão e gato.
Era muito difícil ter que disfarçar meus sentimentos por ela, mas
sendo sincera, não sei como ela nunca percebeu quão apaixonada eu
sempre fui. Mesmo que fosse muito divertido tirá-la do sério diariamente, eu
me imaginava passeando de mãos dadas com ela e beijando aquela boca
linda.
Hoje, anos depois, continuo gostando de observá-la — de modo
diferente, obviamente —, e meu amor só aumenta. É como se, aqui dentro
do meu peito, o sentimento fosse renovado a cada parcela de tempo.
Mesmo nos momentos mais difíceis, sempre consegui encontrar algum tipo
de conforto e esperança. No fundo, sinto que tudo vai ficar bem.
— Mommy?
Ouço o chamado de meu filho e desvio o olhar de sua mãe para olhá-
lo. Eles estão sentados no chão da sala, distraídos com diversas folhas de
papel em branco e lápis de cor espalhados. Nada pode ser mais perfeito do
que passar um momento assim. Ainda que eu esteja ocupada no
computador, organizando coisas do meu trabalho, a companhia deles me
traz certa paz. Só não estou participando da diversão porque estou
realmente atarefada, com um projeto enorme que pretendo finalizar antes
do Natal. Será uma das coisas mais lindas e especiais que já fiz. São quase
dois anos de trabalho. O curioso é poder finalizá-lo justamente agora,
depois de tudo o que aconteceu. Parece mesmo que o destino tem seus
caminhos certos.
— Oi, filho.
Camille para de rabiscar alguma coisa em sua folha e olha para o
pequeno, com um enorme sorriso em seu rosto. Eu amo esse brilho em seu
olhar todas as vezes que observa o nosso filho. O amor deles sempre me
encantou.
— Eu queria pedir um favor.
— Pode pedir, meu pequeno.
— Pode me ensinar espanhol? Eu acho que agora conseguirei
aprender.
O brilho em seus olhos parece aumentar assim que ouve as palavras
do carinha. Ouvir aquilo parece iluminá-la.
Estou surpresa com o pedido, mas nosso filho é um garoto muito
esperto, sabe como isso sempre foi importante para ela. E depois dos
últimos acontecimentos, acredito que esse pedido tenha a ver com uma
tentativa de ajudá-la com suas lembranças e de reforçar a ligação dos dois.
Desde que contamos a ele sobre a amnésia de Camille, Louis tem
ficado mais próximo dela. Nós dois sempre fomos muito apegados, mas a
paixão por ela também é enorme. Estou feliz por ele entender como Camille
precisa de nós.
— Vai ser um prazer, filho.
Ela estica sua mão direita e bagunça os cabelos do pequeno. Louis
abre um enorme sorriso e volta a desenhar, feliz. Alegro-me com essa
interação dos dois. Pode parecer pouca coisa, mas, para mim, esses
momentos são gigantescos. Não existe nada no mundo que me faça mais
feliz do que estar perto da minha família. Eu sei que juntos iremos passar
por essa dificuldade que a amnésia nos trouxe.
Vai nos fortalecer, e juntos seremos imbatíveis.
Eu estou cheia de esperança.

Passei o dia todo eufórica, depois de Luna ter me contado sobre a


música que estava cantarolando mais cedo. Pensei que a tivesse ouvido em
algum lugar, mas é algo realmente especial do meu passado, e isso me
deixa extremamente feliz. Ultimamente, tenho me sentido tranquila em
relação à lembrança do passado. Não me assusta mais.
Essa manhã, eu já acordei feliz. Tudo o que aconteceu, antes de
ontem, me deixou um grau acima da média de felicidade. Luna tem mesmo
muita influência sobre mim, não posso negar e cansei de fugir disso. É como
uma força sobrenatural que me puxa mais e mais para ela todas as vezes
que penso em ir para longe. Não tem explicação para o bem que ela tem
me feito sentir.
— Eu agradeceria se você prestasse atenção em mim, ok? — uma
rabugenta Vanessa resmunga. Sentada à minha frente, ela me encara com
extremo desgosto por eu ter me distraído.
Solto um pigarro e tento me lembrar do que estávamos falando.
Quando recebi sua ligação mais cedo, percebi, em seu tom de voz, a
inquietação e sua necessidade de mim, mas tantas coisas aconteceram
nesses dias, que não posso me culpar por estar aérea.
— Desculpe-me, de verdade. É só que... eu... — Suspiro, pegando
minha caneca para beber um longo gole do meu capuccino. — Acabei me
distraindo, lembrando-me de algumas coisas. O que aconteceu? Você parece
meio pálida e aflita.
— Descobri ontem que estou grávida outra vez.
— O quê? — Quase derrubo minha bebida ao ouvir o que ela acabou
de dizer.
Vanessa faz uma cara feia para mim e olha em volta. Provavelmente,
tem pessoas nos encarando depois do meu grito. Mas como eu deveria
reagir a essa notícia? Ela simplesmente me joga essa bomba, como se não
fosse nada demais.
— Pela sua reação, até parece que você é o pai dessa criança.
— E eu não sou? Pensei que fosse a única na sua vida. Você me
traiu!
— Camille...
— Tudo bem. Não precisa me olhar como se quisesse me matar. Bem
que você queria mesmo um filho com esse rostinho lindo aqui.
— Claro que queria. Imagina.
— Eu sei que sim.
— Mas agora, falando sério... Lil, eu não estava planejando ter outra
criança. Noah sempre foi louco para termos mais filhos, mas minha vida no
trabalho tem estado tão corrida, não consigo me imaginar tendo outra
criança agora. Só com o Toni já fica tudo uma bagunça.
— Big... Não posso mentir e dizer que não estou feliz com essa
notícia, mas o que importa é a sua decisão. Você pretende... tirá-lo?
Vanessa suspira, apoiando seus cotovelos sobre a mesa.
— Eu considerei essa possibilidade, sabe? Meu marido e eu temos
uma vida corrida, já temos uma criança que precisa da nossa atenção, e
outra criança pequena vai precisar dessa mesma atenção e muito mais. —
Passa as mãos no rosto, subindo-as até os cabelos recém-pintados em um
tom de castanho-escuro. Os fios estão brilhantes e com um corte novo, que
a deixa mais parecida com a grande empresária que é. — Mas também sei
que temos estabilidade financeira e, mesmo não tendo planejado, ficaremos
felizes.
— Você é uma das mulheres que sempre me inspirou, desde que a vi
cuidando de seus irmãos, primos e de nós, que sempre fomos suas amigas
quando mais novas, conciliando as obrigações de casa com as da escola e
outras atividades. Sei que conseguirá se sair muito bem outra vez. — Coloco
as minhas mãos sobre a mesa, seguro as dela, entrelaçando os nossos
dedos, e sorrio para a minha melhor amiga, tentando encorajá-la. — É uma
das pessoas mais incríveis que conheço. Vou apoiar você em qualquer
decisão que tomar, mas preciso confessar algo.
— O quê?
— Vou amar acompanhar a gestação desse novo sobrinho, se você a
mantiver.
— Ou sobrinha.
— Sim, ou sobrinha. Inclusive, seria ótimo ter mais uma menina
nessa família.
— Quem sabe não venham duas?
Meus olhos quase saltam para fora quando pergunto:
— São gêmeos?
— Ficou louca? — Vanessa ri e nega com a cabeça. — Deus me livre
de ter duas crianças crescendo dentro de mim.
— Então, por que dois?
— Nunca se sabe quando alguma outra mulher da nossa família pode
aparecer grávida.
Franzo o cenho para sua insinuação.
— Está me escondendo alguma coisa?
— Eu? Jamais.
Ela solta nossas mãos e pega seu copo de suco, terminando de beber
a bebida em um gole. Encaro-a com as sobrancelhas erguidas, não
acreditando muito em sua negativa. Mas caso esteja me escondendo algo,
uma hora eu descubro.

Vanessa me trouxe para casa logo depois do almoço e não ficou, por
ter recebido uma ligação de Noah. Tinham que resolver algo sobre a
reforma da casa deles.
Quando entro em casa, a primeira coisa que noto é que tudo está
organizado e tem cheiro de limpeza. Não que estivesse bagunçada antes,
mas estava desorganizada, com coisas espalhadas pela sala, assim como
nossos sapatos. Parece que as duas crianças que eu tenho em casa
conseguem se virar bem na minha ausência.
— Você voltou. Como foi o dia? Divertiram-se? — Luna questiona,
enquanto desce as escadas.
Olho sua roupa e fico curiosa. Está usando calça de moletom bem
justa, uma camisa de mangas longas de cor clara e nos pés, seu par de
coturnos pretos. Parece estar prestes a sair.
— Sim, nos divertimos. Ela precisava de distração, e eu queria sair
um pouco. Vai sair?
— O dia está bonito para fazer algumas fotos. Nayara me ligou,
querendo me tornar sua fotógrafa particular.
— Ah, sim...
— Quer ir? Levarei o carinha. Será divertido.
— Hm, eu acho que não. — Finalmente, sento-me no sofá e suspiro
de alegria por poder me deitar em um lugar confortável e esticar minhas
costas. — Vanessa fez com que eu andasse muito.
— Conheço esse tom de voz. Está sendo manhosa por causa da
preguiça.
Prendo a risada e fecho meus olhos quando ela se aproxima. O sofá
se movimenta um pouco, e sei que ela se sentou ao meu lado, mas continuo
da mesma forma. Quando sinto as mãos de Luna em meus tornozelos,
rapidamente abro meus olhos e a encaro.
— Posso?
— O quê?
— Massagear... — Sua voz não passa de um sussurro, olhando
diretamente em meus olhos.
Na verdade, eu não sei se ela realmente sussurrou, minha mente tem
sido meio traiçoeira ultimamente. Mas como poderia ser diferente? Suas
mãos começam a apertar meus tornozelos de forma tão deliciosa, que meus
sentidos ficam nublados. Volto a fechar os olhos, e dessa vez um gemido
prazeroso me escapa. Que habilidosa essa mulher é com as mãos!
— Pode — respondo, mesmo que já tenha lhe dado permissão.
Luna solta uma risadinha, mas continua me massageando com
extrema cautela e precisão. Seus movimentos certeiros me deixam tão fora
de mim que nem me dou conta do momento exato em que simplesmente
adormeci.
— Mommy... — Ouço uma voz me chamar repetidas vezes. Pequenas
mãos me tocam, e beijos são dados em todo o meu rosto. Os meus olhos se
abrem, por instinto, e dou um sorriso ao me deparar com meu pequeno
filho, parado ao meu lado. — Ela acordou, mamãe. — Ele se afasta, quando
nota meus olhos abertos, e dá um passo para trás.
— Vem aqui, garotinho. — Tento pegá-lo, mas meu filho tem um
ótimo reflexo e acaba se esquivando. Meu movimento faz com que eu caia
do sofá, e Louis ri, enquanto sai pela casa.
— Finalmente, bela adormecida. — Olho, por cima do meu ombro,
para trás. Luna está parada de pé, encarando-me, confusa. — Como você
foi parar no chão?
— Estava testando a gravidade, não percebeu?
— Aparentemente ela venceu.
— Idiota — resmungo, mas isso parece diverti-la ainda mais.
Luna continua rindo das minhas falhas tentativas de me soltar do
cobertor grosso que me cobre. Nem sei quando o colocaram sobre mim,
mas sei que, no momento, eu o odeio por não estar me permitindo sair.
Finalmente, minutos depois, a idiota para de rir de mim e vem me ajudar.
— Que mulher brava!
— Sua sorte é que sou contra a violência.
Luna me segura pelas duas mãos e puxa-me para cima, fazendo meu
corpo colidir contra o seu com força. Seguro um gemido surpreso, que me
escaparia, e engulo a saliva.
— Você só é contra a violência em determinados momentos, porque
existem alguns em que a ama.
Minha boca se abre, em choque. A insinuação em sua voz é tão
intensa que me arrepia. Estou prestes a dizer alguma coisa, mas os sons de
passos na escada me fazem soltá-la. Essa mulher é um perigo, e eu preciso
tomar muito cuidado.
— Dia de brincar na neve! — Louis exclama assim que surge na sala,
com as mãos levantadas, saltitando, com um enorme sorriso que me faz
sorrir apenas por vê-lo. Seguro suas mãos e junto-me à sua animação.
— Você vai conosco, certo?
— Por favor, mommy! Por favorzinho!
Divido meu olhar entre eles dois. Não sei dizer qual olhar é mais forte
e chantageador. Tem como resistir? É praticamente impossível.
— Tudo bem, vocês dois estão fazendo um complô contra mim.
Os dois trocam breves olhares e pressionam os lábios. Cerro um
pouco meus olhos.
— Eu sabia!
— Somos inocentes!
— Sim! — Os dois se defendem, mas suas expressões corporais
dizem o contrário.
Não sei lidar com essas duas crianças.
— Eu vou.
Meu filho e Luna comemoram e rapidamente fazem um toque de
mãos.
— E você, Jacobs, agasalhe-se direito, porque está muito frio lá fora
— mando, depois de analisar sua roupa, pois o seu casaco parece não
esquentar muito, e como está nevando, provavelmente deve estar bastante
frio.
— Você quem manda, patroa — ela concorda e bate continência para
mim, virando-se para ir em direção à escada.
Reviro meus olhos e vou para o sofá, fazendo sinal para que Louis
me acompanhe, enquanto esperamos que ela volte. Mesmo que eu
realmente esteja cansada, não será difícil acompanhar a minha família.
Capítulo 16 – Lugar certo
Durante o caminho, observo, empolgada, a animação do meu filho
por estar indo brincar na neve. Não demora muito a chegarmos ao parque.
Louis realmente ama quando está nevando.
Luna parece alegre ao meu lado, e sinto-me feliz por vê-la assim. São
momentos como esse que me fazem ter cada vez mais certeza de que
deixá-la entrar na minha vida, outra vez, é mesmo o certo a ser feito.
Mesmo que nossa história tenha se perdido dentro de mim, em algum lugar,
sinto algo profundo em meu ser, que chama e implora por ela, como uma
força sobrenatural, que mesmo tentando me afastar, puxa-me para perto
outra vez. Não tem como fugir, mas eu nem estou mais fugindo, não é?
— Estaciona o carro, mamãe. Eu quero brincar.
Impossível não sorrir para seu pedido extremamente animado. Louis
está saltitando sobre o banco de trás, olhando ansiosamente através da
janela. Olho para Luna e a vejo sorrindo também, enquanto o encara pelo
espelho. Isso faz com que eu me alegre ainda mais. Finalmente,
encontramos uma vaga para estacionar e libertar meu pequeno filho.
— Não saia correndo, ok? Espere por nós.
Louis concorda, com a cabeça, com o aviso de Luna, e espera,
impaciente, sua mãe sair do carro e abrir o porta-malas para pegar suas
coisas. Quando saio, meu corpo estremece levemente com a brisa gelada
que bate contra mim.
— Vamos fazer anjos na neve, mommy?
— O que você quiser, meu amor. — Bagunço seus cabelos e depois
seguro em seus ombros, mantendo-o perto de mim, enquanto esperamos
por Luna, que não demora muito a surgir com uma maleta.
— Podemos ir, crianças.
— Eu quem deveria dizer isso — rebato sua provocação, e Luna solta
uma risadinha. Caminhamos até o parque, e logo é possível notar diversas
famílias com seus filhos. A vista é realmente linda. Espero que Luna tire
fotos minhas nessa paisagem, as guardarei para sempre.
— Nayara está chegando. Farei algumas fotos dela. Depois podemos
fazer alguma coisa?
— Uma disputa de bolas de neve?
— Por favor, mamães!
Luna e eu nos encaramos. Um sorriso convencido surge em seu
rosto, e eu arqueio uma sobrancelha para ela.
— Eu topo.
— Eu também. Espero que esteja pronta para ser acertada —
provoco, fazendo-a rir e negar com a cabeça. Nosso filho está entre nós
duas, olhando-nos, sem entender direito, mas animado demais para se
importar.
— É o que veremos.
— Essa, sim, é a verdadeira família propaganda da comunidade
lésbica — uma terceira e conhecida voz faz com que Luna e eu olhemos
naquela direção.
Meu queixo quase cai ao ter meus olhos sobre aquela mulher.
Sempre a achei muito bonita quando éramos mais novas, mas ela conseguiu
alcançar um patamar ainda mais alto. Seu jeito confiante enquanto anda e
os cabelos curtos e cacheados deixam-na com um ar de mulher fenomenal,
sem palavras suficientes para descrevê-la.
— Somos a família propaganda perfeita até mesmo para a
comunidade heterossexual — Luna responde a brincadeira antes de abraçá-
la. — Cadê o Keith?
— Foi estacionar o carro. Camille, finalmente revendo você.
— Como você está linda!
Nayara ri de minha fala, e Luna a acompanha. Balanço minha cabeça
e a abraço, inalando o gostoso cheiro de seu perfume.
— É bom rever você também — declaro.
— Você também está linda. Que corpo! — Minhas bochechas ficam
vermelhas, sorrio, sem jeito, e desvio meu olhar. — E você, pequeno? Toca
aqui. — Ela o cumprimenta, e os dois fazem um high five.
— Três mulheres lindas reunidas. O mundo não tem suporte para
tanta beleza assim. — Um homem surge com uma criança no colo. Ele tem
um belo sorriso, e o pequeno em seu colo parece uma cópia fiel sua com
Nayara. Reconheço que é o marido dela, pois Luna tinha me mostrado
algumas fotos. Muito bom o gosto dos dois.
— K!
— Lu! — Os dois se cumprimentam e fazem um toque estranho de
mãos, gargalhando depois, ao trocarem um forte abraço.
— E você, pulguinha? — Luna pega o pequeno no colo, fazendo
cócegas e ganhando uma risada.
Sorrio para a cena. Ela é maravilhosa com crianças.
— Camille, eu sou o Keith, marido da Nayara. — Ele se aproxima e
nos abraçamos. O fato de ele ter se apresentado me faz deduzir que Luna
provavelmente informou aos dois sobre meu atual estado desmemoriado.
— Um prazer reconhecer você — brinco, fazendo-o gargalhar.
Luna se aproxima de mim com o pequeno, que está com o rosto
deitado sobre o ombro dela e com uma das mãos na própria boca.
— Esse é o James. Fala com a titia Camille, pulguinha.
— Xixia... — Ele se afasta de Luna e praticamente se joga em minha
direção. Eu rapidamente o seguro, tendo meu pescoço agarrado pelo
pequeno.
— Ele adora você — Nayara esclarece sua reação ao me ver.
Sorrio e abraço o pequeno, fechando os olhos para apreciar o
contato. Luna e Keith começam uma conversa sobre futebol, enquanto eu
incentivo meu filho a brincar com as outras crianças. Ele não pensa duas
vezes antes de sair correndo. Brinco com o pequeno James e puxo assunto
com Nayara. O dia tem tudo para ser perfeito.
Um sorriso está em meu rosto, enquanto observo uma concentrada
Luna, com uma de suas tantas câmeras fotográficas na mão, tirando
diversas fotos de Nayara. Meu pequeno filho está se divertindo com as
outras crianças no parque, e eu me encontro sentada na neve, com James
em meu colo, entretido em morder a própria mão.
— Que fome é essa, garotinho? — Keith, que tinha saído para fazer
algumas ligações, cuidando dos compromissos da esposa, aproxima-se de
nós outra vez. Luna me contou que Nayara e ele são modelos
internacionais, o que faz total sentido, pela beleza dos dois. Obviamente, os
filhos saíram lindos.
— Ele gosta mesmo de morder a mão. Não é, pequeno?
— São os dentes nascendo. Esqueci de trazer o mordedor dele, por
isso ele substituiu pela mãozinha.
James encara o próprio pai e tira a mão da boca, abrindo um enorme
sorriso, mostrando seus dois únicos dentinhos. Essa imagem me faz sorrir.
Eu acho crianças pequenas extremamente adoráveis.
— Ele é bem esperto, acompanha tudo com os olhos.
— Sim, ele é mesmo. Puxou à mãe. Nessa idade, eu era um pouco
atrasado. E Nayara, bem… ela nasceu no ritmo mais acelerado possível.
— Isso é verdade.
— Luna me contou o que aconteceu. Pensei que coisas assim só
acontecessem em filmes e livros.
— Nem me fale. Foi aterrorizante acordar, um dia, sem me lembrar
de nada.
— Todas as lembranças recentes sumiram? — Concordo com a
cabeça, e Keith faz uma careta, como se sentisse a minha dor. — Nem
consigo me imaginar nessa situação, deve ser horrível.
— É horrível. Parece ter um buraco na minha história. Às vezes,
minhas lembranças entram em conflito. No início, era pior, mas já estou me
acostumando a essa vida.
— Isso é bom… — Ficamos em silêncio durante alguns segundos.
James se inclina em direção ao Keith, e eu o passo para seu colo. — Vocês
duas estão bem?
Instintivamente, olho para Luna, e como se ela soubesse o que eu
faria, olha para mim na mesma hora e sorri. Retribuo o sorriso. Meu rosto
esquenta quando, mesmo de longe, percebo que Nayara implicou com ela e
a fez corar. Keith solta uma risadinha ao meu lado, divertindo-se com a
nossa pequena interação.
— Estamos melhorando.
— Percebi. Parecem duas adolescentes.
— Sinto-me mesmo como uma. Está tudo certo.
— Isso foi tristemente engraçado.
Sorrio para ele, mesmo que por dentro esse tipo de piada
melancólica mexa bastante comigo. O que posso fazer? Tenho que lidar com
a dor que a amnésia causa, vida que segue.
Continuamos conversando, mas sobre outros assuntos, e noto que
ele quer me distrair. Keith é um cara muito simpático, bom marido,
extremamente apaixonado pela esposa e um ótimo pai.
— Pulguinha, ataque de cócegas! — Luna surge do nada e pega o
pequeno James, rodopiando-o no ar, e ambos riem alto. Essa cena enche
meu coração de um sentimento maravilhoso. Mesmo de longe, é possível
ver os olhos dela brilharem olhando para o pequeno. Por alguns segundos,
tenho a sensação de me lembrar do Louis quando pequeno, e ela tinha a
mesma atitude.
— Ela não pode ver uma criança que fica assim, toda boba.
— Verdade — concordo com Nayara, que também chega até nós,
trazendo as coisas de Luna consigo.
Keith dá um beijo em sua esposa, e os dois conversam algo que não
ouço, pois não quero ser intrometida. Foco meu olhar na mulher com quem
me casei há anos e não lembro, mas que, cada vez mais, ganha espaço
dentro do meu coração.
— Vocês deveriam ter mais filhos.
— O quê? — Olho, assustada, para Keith, que está atrás de Nayara,
com os braços em volta dela, e os dois têm o mesmo sorriso no rosto.
Pensando ter ouvido errado, franzo o cenho, curiosa.
— Vocês duas… — ele repete e aponta com a cabeça em direção a
Luna. — Deveriam ter mais filhos.
— Ah… Eu…
— Não coloque tanta pressão, amor — Nayara o repreende, dando
uma leve cotovelada em seu estômago, mantendo o sorriso. — Sabemos
que, no momento, você certamente não pensa nisso, mas olhe sua esposa…
Vocês sempre falaram em ter uma família enorme.
— Eu nem me lembro de ter desejado o Louis. Não tenho como
concordar ou discordar.
— Isso é verdade, mas você acha possível vir a desejar outros filhos?
Não respondo imediatamente à pergunta de Nayara, apenas olho
para Luna e começo a pensar. Sei que, se nós duas conseguirmos ficar bem
em nosso casamento, provavelmente seguiremos a nossa vida, mas não
faço ideia se vamos ter mais filhos — nem sei se ela deseja isso, talvez sim.
E eu? Também não faço ideia se quero ter outros filhos.
— O jeito é esperar, para ver como as coisas serão daqui para a
frente.
— Sobre o que estão falando com a minha esposa? São um perigo
para a sociedade — Luna brinca ao voltar para perto de onde estamos.
James está sobre seus ombros, agarrado à sua touca, e sorrio para a cena.
— Estávamos falando sobre a nossa guerra de neve, da qual você
está fugindo. Ficou frouxa agora, Cruz-Jacobs?
— Oh, você não disse isso, Keith Hamilton. Segure o pulguinha,
Nayara. Acabarei com esse homem que você chama de marido.
Ela entrega o pequeno a Nayara, e os dois rapidamente se afastam,
enquanto brincam de empurrar um ao outro.
— Eles sempre agem como adolescentes?
— Sempre. Isso não é nada perto do que esses dois já fizeram. Luna
e Keith se gostaram desde o momento em que os apresentei. São oito anos
de amizade entre os dois, que só se fortalece, mesmo com o nosso trabalho
atrapalhando o convívio.
Fico feliz de saber que Luna tem pessoas que a amam e cuidam
muito bem dela. Vendo os dois interagindo, é perceptível que são amigos
genuínos, e isso aquece meu coração. Gosto de vê-la feliz.

Eu me junto a Keith e Luna na guerra de bolas de neve, e meu


pequeno filho também entra na nossa disputa. Posso dizer, com toda a
certeza, que, desde que tudo aconteceu, esse foi um dos dias em que mais
me senti eu mesma, sabe? Como se eu fosse a Camille de antes, como se
tudo ali fizesse total sentido.
A felicidade impagável por estar rodeada de pessoas que querem o
meu bem não pode ser descrita.
Nós nos despedimos do casal e do pequeno James, com a promessa
de que marcaríamos um almoço em breve, para colocarmos, ainda mais, o
assunto em dia. Foi bom ter passado esse tempo com pessoas do meu atual
convívio e, ao mesmo tempo, nem tanto. Não senti aquela pressão, sabe?
Por vezes, parece que estou andando por cordas bambas. Eu não sei como
agir, temo errar de novo e colocar tudo por água abaixo.
— Está tudo bem?
A voz de Luna faz com que eu automaticamente pare de refletir e
olhe em sua direção. Estamos perto de casa, meu filho dormindo no banco
de trás, e o silêncio me levou a pensar demais.
— Está, sim. — Sorrio de lado, soltando um longo suspiro, ajeitando-
me no banco para encontrar uma posição melhor.
— Certeza?
— Sim, não precisa se preocupar.
— Desculpe. O dia foi tão divertido que fiquei preocupada que
alguma coisa pudesse ter deixado você chateada ou irritada.
Um pequeno sorriso surge em meu rosto. Diferente de dias atrás, o
jeito cauteloso e cuidadoso dela não me irrita mais. Percebi que Luna tem
essa qualidade, e mesmo que exagere algumas vezes, isso a completa e faz
parte da pessoa que estou descobrindo. Sinceramente? Eu gosto dessa
Luna.
— O dia foi perfeito. — Levo minha até a sua, que está no volante, e
a trago para mim, entrelaçando nossos dedos, o que a deixa muito feliz,
pois seu rosto se ilumina ao encarar nossas mãos unidas. — Gostei do
tempo que passamos com Keith, Nayara e o pequeno James. E ter você e
Louis comigo sempre é maravilhoso.
— Não faz ideia de como eu gosto de ver você assim.
— Carinhosa com você? — brinco, ainda mantendo nossas mãos
unidas. Ela dá um sorriso largo e acaricia meus dedos.
— Isso também, mas digo sobre você estar leve e despreocupada.
Não tem coisa melhor do que ver você melhor a cada dia. Eu fiquei muito
preocupada que você não conseguisse se adaptar a tudo isso.
— Eu… — Por reflexo, solto sua mão, porque estava prestes a falar
mais do que acho que deveria. Como eu disse antes, é como se agora eu
vivesse pisando em ovos, e cada passo é mais perigoso que o anterior. O
clima parece pesar um pouco, e mesmo estando mais adaptada, eu ainda
travo em alguns momentos.
— Você sabe que pode conversar comigo sobre qualquer coisa, não
sabe?
Concordo com a cabeça, notando, ao olhar para cima, que já
chegamos.
— Levarei o carinha para a cama e depois conversamos, tudo bem
para você? Camille?
— Eu acho que sim…
— Ei? Eu sempre fui sua amiga acima de tudo, desde que você me
deixou realmente entrar na sua vida. Estamos nos reconhecendo, lembra?
Deixe-me tentar te ajudar, converse comigo.
Abro um pequeno sorriso antes de concordar com a cabeça. Luna
sorri, e então, saímos do carro. Com certo esforço, ela pega o pequeno no
colo, e lado a lado, caminhamos em direção à porta. Depois que eu a
destranco, o ar aquecido dentro de casa me faz suspirar instantaneamente.
Foi bom passar o dia todo fora, mas é melhor ainda chegar aqui e poder
relaxar.
Depois que retiro minhas botas e as coloco no armário próximo à
porta, desfaço-me também do casaco e o penduro no tripé. Vou à cozinha,
para beber um copo de água, e aproveito esse breve momento sozinha para
pensar no que direi a Luna, de forma que ela me entenda e que não mude
nada entre nós. É estranho todo esse medo de errar, sabe? Se fosse no
passado, eu nem me importaria com o que ela poderia pensar, ou se minhas
palavras iriam atingi-la. Só que hoje tudo mudou, importo-me cada vez mais
com ela e não tenho como escapar disso. Luna faz parte de mim, mesmo
que eu tente negar.
— Ele dormiu?
— Sim. Tive que acordá-lo para escovar os dentes, e ele mal
conseguia segurar a escova.
Ela solta uma risadinha e vem a mim, pegando o mesmo copo que
usei, para enchê-lo outra vez e beber água. Meus olhos atentos acabam
focalizando sua boca, e quase suspiro quando ela passa a língua sobre os
lábios devagar. Engulo em seco e desvio meu olhar. Essa mulher é um
perigo.
— Está cansada?
— Um pouco, mas acho que ainda consigo ficar acordada por algum
tempo.
— Ótimo. Vamos até a sala, é mais confortável.
Enquanto caminhamos, dou-me conta de algo que acaba me fazendo
sorrir. Desde que a beijei, Luna não mudou seu comportamento comigo,
continua respeitando os meus limites e não me forçou a nada. Isso me
deixa tão segura, não sei se ela tem ideia disso.
— Não se sinta como se estivesse em uma das suas consultas com a
doutora Robertson. Lembre-se de que sou sua amiga, antes de qualquer
coisa. Sinta-se à vontade para falar sobre o que achar melhor.
— Obrigada, de verdade. Eu fico muito confortável com você. Não sei
se me sentiria assim, caso fosse outra pessoa. O seu jeito, não sei… é
diferente. Você me traz uma paz que não consigo explicar.
O sorriso dela, depois que digo tudo isso, é tão lindo que pode
iluminar uma cidade inteira. Ela sorri com os olhos também, que estão
brilhando. Você sabe que as pessoas sorriem assim apenas quando sentem
uma felicidade real e genuína? Não aquela coisa superficial e momentânea.
É como se essa felicidade tocasse a sua alma e renovasse você de alguma
forma.
— Eu sempre disse que você é minha sorte, que ter ganhado você foi
como acertar milhões de vezes seguidas na loteria. Você me fez querer ser
alguém melhor, sabe? Eu cresci muito, tornei-me a melhor versão possível
de mim e sei que isso tem muito a ver com você. — Ela pausa e leva a mão
ao local exato, onde fica o coração. — Tem muito de você aqui dentro.
— Eu…
— Não se sinta pressionada com isso. O que quero dizer é que como
você tem se sentido em relação a mim é exatamente como eu sempre me
senti em relação a você. Fico muito feliz por você ainda ter essa conexão
comigo e por eu conseguir deixá-la segura, mesmo depois de tudo o que
aconteceu.
Ficamos em silêncio durante alguns segundos, talvez minutos. Não é
desconfortável nem apavorante. Eu me sinto sufocada na terapia de vez em
quando, mas, de alguma forma, é diferente ficar sozinha com Luna. Sinto
que posso me abrir com ela, entende?
— Eu morro de medo de errar.
— Como assim?
— Com você, com a nossa família, com nossos amigos e com o nosso
filho. Eu só… tenho medo, sabe? Não faço ideia de como era a Camille de
que todos vocês se lembram. Só existe essa versão com defeitos. Eu sinto
pavor de fazer tudo errado outra vez.
— Nós estamos pressionando você, não é?
Aperto os lábios e desvio o meu olhar. Não quero admitir a verdade,
tenho receio de magoá-la. Desde que tudo aconteceu, todo mundo espera
tanto que eu não erre, que a cada passo que dou para a frente parece que
três são para o lado. Isso não me leva a lugar algum, mas também não me
faz errar ou acertar.
— Droga… eu acho que estamos fazendo tudo errado.
— É difícil pra mim, mas eu não quero ser egoísta, sei que é pra
vocês também.
— Eu nunca deveria ter chamado você de egoísta — Luna se
lamenta, e eu tento interrompê-la para aliviar sua culpa, mas ela não me
permite. — No início, era muito mais complicada a sua situação. Eu só
queria que tudo voltasse ao normal e acabei descontando a minha
frustração em você. Desculpe-me por isso.
— Está tudo bem. De certa forma, era verdade, eu estava sendo um
pouco egoísta mesmo. Só pensei em mim e me esqueci das outras pessoas
ao meu redor. Só que…
— Todos se esqueceram de ver o seu lado... — Luna completa meu
raciocínio, e eu apenas aceno, concordando com a cabeça. — Prometo que
não vou deixar ninguém pressionar mais você. Vai ser tudo no seu tempo,
ok? Eu não quero que você fique mal porque todos esperam que você
recupere a memória e que as coisas se normalizem.
Sem poder me conter, acabo me arrastando para perto dela e a
abraço com bastante força. Eu apenas senti vontade, porque sinto que
agora ela pode me entender melhor. Talvez assim eu não me sinta mais
presa em uma caixa ou pisando em ovos.
— Obrigada! De verdade, eu estou tentando muito ajeitar tudo.
— Não precisa agradecer, Camies. É o mínimo que eu devo fazer. —
Ela se afasta um pouco de mim e me olha nos olhos. — Não sei se vamos
conseguir recuperar o nosso casamento, se você vai me amar outra vez ou
se voltaremos a ser o que éramos antes, mas eu quero que saiba que você
me tem aqui, tudo bem? Fiz uma promessa no altar que estaria sempre ao
seu lado, e não importa o que aconteça, eu pretendo cumpri-la.
— Você é incrível, Luna. Continua me surpreendendo todos os dias.
— Isso é bom?
Concordo com a cabeça, e ela sorri outra vez, antes de me abraçar
de novo. Em seus braços, me sinto mais em paz. O futuro é incerto, mas sei
que a tendo comigo sou capaz de enfrentar qualquer coisa. Tudo vai se
acertar da forma que deve ser.
— Dorme comigo essa noite? Não quero ficar sozinha — eu peço por
impulso, mas sinto que é o certo a se fazer. Estou me sentindo tão
vulnerável que não a quero largar. Preciso da sua presença, como uma
necessidade absurda.
Luna não parece acreditar no meu pedido durante alguns segundos,
mas, então, abre o mais belo dos sorrisos, que chega até seus olhos e me
faz sorrir junto. Ela está sorrindo com todo o seu ser.
— Sempre estarei aqui por você, minha sorte — diz isso, ainda
sorrindo, e meu coração parece ter tomado uma dose absurda de
adrenalina, pois acelera bastante. Luna se ergue e estende uma de suas
mãos para mim. — Vamos, eu farei você dormir.
Com um sorriso levemente contido, aceito sua mão, e seguimos para
o quarto que sempre foi nosso e no qual ela merece dormir também. É seu
direito como minha esposa. Eu a admiro por ter respeitado o meu espaço
sem me cobrar nada. Luna é uma mulher excepcional, e surpreendo-me
mais a cada dia.
Depois de fazermos nossa higiene, deito-me na cama do lado
esquerdo, que sempre foi o meu favorito, e ela toma seu lugar do lado
direito. Observando, esse momento me parece tão certo, pois a cama já não
está tão fria e vazia.
Eu acho que preciso dela ao meu lado para me sentir em paz. Não
importa o que aconteça futuramente.
— Obrigada por ser tão incrível — sussurro por impulso.
Tem pouca luz entrando no quarto, mas é possível ver o movimento
de seu corpo quando ela se vira para mim. Luna abre um sorriso e tateia o
colchão até alcançar o meu rosto, para acariciá-lo com cuidado, fazendo-me
fechar os olhos e apreciar o carinho.
— Não precisa agradecer, faço isso porque é meu dever como esposa
e porque quero sempre cuidar de você. Durma bem, estarei aqui de manhã.
Tenho vontade de pedir que ela chegue mais perto, mas não quero
ultrapassar os limites do meu coração. Estou me entregando, eu sei disso,
mas quero continuar com calma. Tudo ainda é confuso na minha cabeça.
Mesmo sentindo cada vez mais o bem que ela me faz e certa de que a
minha felicidade é ao lado dela, ainda preciso me acostumar para não
estragar tudo, como estava fazendo antes de a amnésia acontecer.
— Boa noite, Lu.
Ela se aproxima de mim e deposita um longo beijo na minha testa.
Eu suspiro de felicidade, sentindo meu coração acelerar outra vez.
Impossível não achar lindo esse gesto. Sinto-me muito bem todas as vezes
que Luna faz isso.
— Boa noite, princesa. — Então, afasta-se um pouco de mim, mas,
mesmo assim, tenho certeza de que, depois de dias conturbados, essa será
a noite que melhor dormirei.
Minha vida está voltando ao lugar certo.
Capítulo 17 - Familiar
Mesmo antes de acordar, eu já sentia que havia alguma coisa errada,
como um vazio. Não sabia explicar ao certo, mas pude ter minha resposta
no instante em que abri meus olhos. Viro-me apenas para poder olhar para
o lado e confirmar o óbvio: eu estava sozinha na cama. Suspiro e estou
prestes a voltar a dormir, mas me surpreendo ao notar algo sobre a mesa
de cabeceira.
Um sorriso surge instantaneamente no meu rosto. Eu não deveria
estar surpresa, afinal, mas fiquei.
— Luna Jacobs... será que você não para de me surpreender?
Sem tirar o sorriso do rosto, sento-me na cama e acendo a luz do
abajur para poder vislumbrar melhor a bandeja. Há um café da manhã
caprichado, aparentemente preparado há pouco, pois saí fumaça do café e o
cheiro dos ovos com bacon é bastante evidente. Meu estômago logo elogia
a refeição, antes mesmo que eu a experimente.
Começo a desfrutar o meu desjejum, como se fosse a primeira vez
que eu provava aquelas coisas ali. Engraçado como tudo parece com um
toque a mais quando feito com carinho. É óbvio que Luna preparou a
bandeja com amor. Se alguém me dissesse, há semanas, que hoje eu
estaria assim por causa de um simples café da manhã preparado por ela,
provavelmente sugeriria uma terapia a quem quer que fosse.
Contrariando totalmente a Camille do passado, aqui estou,
completamente encantada com o tratamento que estou recebendo. E
pensando bem, faz sentido eu ter me apaixonado por ela antes. Se sempre
tiver me tratado dessa maneira, faz total sentido.
Estou quase terminando a refeição, quando algo sobre o móvel da
televisão, próximo à lareira embutida, chama minha atenção. Dou o último
gole no suco de laranja e coloco o copo sobre a bandeja, empurrando-a
para o lado. Coloco-me de pé e, ao chegar mais perto, percebo que são
alguns CDs.
O que há nesses CDs? Tenho medo de que sejam coisas impróprias,
mas acho que não. Luna deixou-os aqui em cima por alguma razão,
esperando que eu os encontrasse. Eles têm siglas na capa, e um deles me
deixa mais curiosa por estar destacado: L+L+C = AMOR.
Sento-me na beirada da cama, depois de colocar o CD no aparelho. A
tela fica preta durante alguns segundos, mas logo a imagem do pequeno
Louis, sentado entre as minhas pernas, sobre a cama, surge. O sorriso não
pôde ser contido. Eu amo ver coisas de quando meu filho era mais novo.
— Um bom dia cheio de amor com a minha família linda. Hoje, meu
pequeno e eu viemos acordar a mamãe Camille com café na cama.
É a voz de Luna. Ela está gravando Louis e eu sobre a cama. Meu
pequeno parece muito entretido com alguma coisa na bandeja. Eu a olho,
abro um sorriso e aceno para a câmera.
— Será que a mamãe pode largar essa câmera, por alguns minutos,
e vir tomar café conosco? O que você acha filho?
Louis, com um pedaço de bacon na boca, bate palmas agitadamente
e acena com a cabeça. Luna e eu gargalhamos. Sinto meu coração aquecido
com a nossa imagem em um momento tão bonito, mesmo que simples.
— O que meus amores querem, meus amores têm. — Ela
rapidamente se aproxima da cama, juntando-se a nós. A câmera fica virada
para baixo durante breves segundos, enquanto ouço o som de estalos e
risadas de Louis. — Você é muito ciumento, garoto. Essa mulher é minha
também, ok?
Ela volta a gravar onde estamos outra vez, e agora Louis a encara,
emburrado. Eu gargalho, divertindo-me com a clara cena de ciúme do
pequeno, com sua mãe me beijando ou tentando me beijar.
— Diga à mamãe que agora eu sou toda sua, filho.
— Toda nossa — Luna rebate, fazendo o pequeno se jogar contra
mim e continuar a encará-la, emburrado. Isso a diverte muito, pois se
aproxima mais uma vez para me beijar. — E principalmente minha.
— Pare com isso agora, antes que eu bata em você — resmungo,
depois de empurrá-la para trás, abraçando Louis, em seguida, e passando a
ignorá-la. O pequeno parece gostar de ver sua mãe emburrada e bate
palminhas.
— Ok, era para ser um momento em família, mas agora sou eu por
mim mesma.
Ela faz drama, e eu reviro os olhos, antes de me inclinar e segurar
seu rosto, curvando-me em sua direção, aparentemente ignorando os
resmungos que o pequeno solta, para poder beijá-la rapidamente.
— Eu amo você, idiota.
— Sua esposa, amor da sua vida.
— Sim, minha esposa idiota que eu amo.
Luna vira a câmera para ela mesma logo em seguida, com um
enorme sorriso no rosto e um brilho intenso no olhar. É possível reparar o
quanto suas pupilas estão dilatadas, e por alguma razão, isso faz com que
eu me arrepie. Não sou capaz de explicar como essa mulher mexe comigo
sem ao menos se esforçar.
— Filho, quando você assistir a isso no futuro, saiba que nós duas te
amamos muito, mesmo você sendo ciumento e chato comigo quando eu
tento beijar a sua mãe.
Um som alto de estalo ressoa, e a câmera cai. Ouço resmungos
meus, e então, Luna, cabisbaixa, desculpa-se antes da gravação acabar.
Impossível não rir ao terminar de assistir àquilo. Sempre parecemos muito
felizes e em sintonia. É estranho não me lembrar desses momentos, mas,
ainda assim, sentir no fundo de algum lugar, dentro do meu peito, como se
tudo nunca tivesse realmente se apagado.
Meu celular vibra na mesa de cabeceira, e afasto-me da televisão
para poder pegá-lo. É uma mensagem de Sofia, perguntando-me como
estou. Ela está em semana de provas e não tem tido muito tempo para
conversar. Estou ansiosa para vê-la logo, matar a saudade da garotinha, que
não é mais tão pequena. Solto uma gargalhada ao ver uma foto engraçada
que mandou e tiro outra para enviar-lhe também.
— Meu Deus! — exclamo, assustada, ao ver que quase enviei a foto
errada. Parece antiga, tenho certeza de que sou eu nela. Meu coração
acelera e fecho a conversa com minha irmã. — Quando eu me tornei tão
provocadora? — questiono-me.
Abro minha conversa com Luna para vasculhar as mídias antigas. Não
me surpreendo ao ver tantas fotos sensuais, mas também há muitas do
meu filho e outras de documentos e de coisas que parecem ser contas.
Procuro pela foto em questão e a encontro. Está com a data de meses antes
de eu acordar sem minhas memórias.

Imagino que coisas assim devam ser normais e não fico tão
assustada quanto no início de tudo, mas, ainda assim, é impossível não
sentir vergonha. Luna parece despertar o meu lado mais safado, e isso, de
certa forma, mexe com minha autoestima. Pelas respostas dela, parece que
sempre me colocava para cima, mesmo que com pouco.

Um pequeno sorriso surge em meu rosto, mas, ao mesmo tempo,


minhas bochechas ficam vermelhas e quentes, tamanha a minha timidez ao
imaginar o que devemos ter feito na noite citada.
Largo o telefone para me levantar da cama. Chega de ficar vendo
essas coisas, preciso procurar o que fazer. Não vou passar o dia todo
deitada, procrastinando.
Entro no closet, para pegar uma roupa, e quando estou procurando
uma calcinha, noto que em uma das prateleiras tem uma foto minha e de
Luna. Não a tinha visto antes, mas agora sorrio ao vê-la. Parecemos bem
mais novas. Pego a foto emoldurada e percebo que tem algo escrito com
letras desenhadas. Obviamente, não deve ter sido eu quem escreveu.

Nossa, há quantos anos estamos casadas. É ruim demais não me


lembrar disso, metade da minha memória está apagada. Tenho uma
sensação de vazio horrível dentro de mim, mas, ao mesmo tempo, sinto
como se nada tivesse saído daqui realmente. É estranho não ter como ser
exata na explicação, mas é como se a minha mente tivesse algo parecido
com arquivos, e alguns deles com defeitos.
Tenho a sensação de ter vivido tudo isso, mas não lembro.
Estou parada em frente ao enorme espelho que temos no banheiro,
observando meu corpo, apenas de calcinha e sutiã, enquanto seco meus
cabelos. Ele mudou bastante durante esses anos, eu criei mais massa
muscular, meus seios cresceram e a barriga curvada de antigamente deu
lugar a uma reta, com pequenos gomos de músculos. Tenho certeza de que
esse corpo definido é graças à dança.
— Amém, dança.
— Amém mesmo.
Meus olhos quase saltam das órbitas ao ouvir uma segunda voz no
banheiro. Olho para trás, assustada, e me deparo com a Luna sorrindo,
recostada no batente da porta, olhando diretamente em meus olhos.
— Você, um dia, me matará do coração, sabia?
— Jamais faria isso, pequena. — Ela ajeita sua postura e caminha em
minha direção. Os seus olhos não desgrudam dos meus em momento
algum, e estou muito presa em seu olhar para ter qualquer outro tipo de
reação que não seja encará-la. — Consegui voltar mais cedo para lhe fazer
companhia. O projeto que estou fazendo está quase terminado, finalmente.
— Você não vai me falar sobre? — Minha voz quase não sai. Ela está
muito perto de mim e sua mão direita acaricia meu rosto, descendo até o
pescoço. Parece tão natural, não tenho vontade de me afastar, mesmo
estando nervosa.
— Saberá em breve.
— Já é a terceira vez que me fala isso. É tão secreto assim que você
não pode contar à sua esposa?
Luna parece surpresa com a forma como me refiro a mim mesma,
mas tenta demonstrar tranquilidade quanto a isso. Ela tem uma pose de
poder absurda, mas qualquer coisa que eu faça, por menor que seja,
desmonta-a por completo.
— Minha esposa saberá em breve. — Sua voz sai rouca, em um tom
baixo e arrepiante, e eu estremeço.
Luna se aproxima um pouco mais e deposita um beijo em minha
testa. Suspiro, sentindo muita vontade de beijá-la outra vez, mas me
contenho, pois ainda não me sinto à vontade para fazer tal coisa. O que
aconteceu, dias atrás, foi um impulso, causado por um misto de emoções
conflitantes entre o passado e o presente, e hoje não tenho desculpa
alguma para beijar essa mulher outra vez, mesmo desejando muito sentir
esses lábios nos meus de novo.
Solto um pigarro, ao me recompor, e saio do banheiro, quase
soltando uma exclamação de surpresa ao vê-la tirar suas roupas, antes de
entrar no closet. Desde que voltamos a dormir na mesma cama, ela tem se
demonstrado mais confortável aqui dentro.
Olho para cima da cama e fico em choque, ao me dar conta de que
estava seminua esse tempo todo. Luna fica tão natural perto da minha
nudez ou quase nudez, que eu nem percebo as coisas. Bom, estamos
casadas há anos, certo? Ela deve estar mais do que acostumada a me ver
sem roupa.
— O que vamos fazer?
— Depende... Você quer ficar em casa mesmo ou prefere fazer
alguma coisa na rua?
Ela sai do closet e caminha em direção ao banheiro, enquanto prende
seus cabelos, esbanjando sensualidade ao caminhar somente de calcinha,
como se fosse a coisa mais normal do mundo ficar com os seios de fora.
Não que seja algo simplesmente absurdo, mas fico nervosa diante dela.
Minhas bochechas estão quentes, e tenho certeza de que ficaram
vermelhas.
— Podíamos assistir a alguns vídeos. A doutora Robertson me
mandou uma mensagem mais cedo, pedindo para eu estimular minha
memória. Vi que você deixou alguns CDs ali em cima.
— Sim. Assistiu?
Ela surge na porta do banheiro, e não olho em sua direção, pois
imagino que já deva estar completamente nua.
— Só um, e depois fui tomar banho.
— Tudo bem, podemos assistir aos outros quando eu terminar aqui.
Já volto.
— Ok — respondo baixinho, olhando de soslaio em sua direção, bem
a tempo de ter um vislumbre de seu corpo nu.
Engulo a saliva, que desce parecendo rasgar a minha garganta. Eu
não sei o que há nela, mas existe algo que me deixa presa a ela de tal
forma… é inevitável.
O resto do meu dia foi assim, assistindo aos nossos vídeos. Luna
fazia questão de comentar sobre todos os momentos, deixando-me
familiarizada. Vimos muitas coisas nossas com o pequeno Louis, também
com nossas famílias e amigos. Foi bom ter vivenciado isso, mesmo que em
forma de gravações. Vanessa ligou, perguntando se o Noah poderia buscar
o Louis no colégio, junto ao Toni, e nós autorizamos, embora eu já estivesse
cheia de saudade.
Curioso o fato de que, dias atrás, eu mal conseguia respirar o mesmo
ar que ela, quem dirá me comunicar e passar um dia inteiro ao seu lado.
Hoje, tudo que eu mais quero, mais e mais, é poder aproveitar o máximo de
sua companhia. Luna passa-me segurança e conforto, é extremamente
inteligente e madura, além de saber ser divertida. Ela parece uma criança
birrenta quando perde algo, e simplesmente manhosa quando precisa de
alguma coisa. É engraçado repará-la tanto. Eu não a odiava? Acho que
nunca a odiei realmente, ou talvez seja só esse efeito que ela tem sobre
mim.
— Noah está trazendo o carinha. Perguntou se tem problema
Vanessa, ele e o Toni ficarem um pouco aqui, pois estão com saudade da
gente — Luna diz ao retornar da cozinha à sala, onde tínhamos acabado de
assistir a mais um filme de comédia, porque de terror temos pavor.
— Ele não tem que pedir permissão para isso, é óbvio que podem.
Também estou com saudade. Vanessa se ocupa tanto que mal conseguimos
trocar mensagens.
— Vanessa se dedica muito à empresa. Vocês devem ter conversado.
Ela construiu tudo do zero, sem precisar da ajuda de ninguém, nem mesmo
do meu irmão. Noah tentou ajudá-la, mas minha cunhada é independente
demais.
— Sempre gostou muito de ter mérito próprio. As poucas vezes que a
vi aceitar auxílio de alguém para alguma coisa foi realmente necessário.
— Eu a admiro bastante. Lembra você nesse quesito. O seu estúdio
de dança é somente mérito seu, visto que ninguém, além de você mesma,
fez esforço para abri-lo.
Um sentimento de orgulho cresce dentro de mim ao ouvir tais
palavras. Luna já havia comentado sobre isso, mas é tão bom escutar
novamente. Não existe nada que se compare à sensação de você ter
conquistado algo com o seu esforço, é a melhor coisa do mundo. Mesmo
não me lembrando de tudo por que passei, fico orgulhosa pela minha
caminhada. Sei que minhas ambições eram diferentes quando mais nova,
mas se estou aqui, hoje, é porque tinha que ser assim.
O clima da casa passou de calmo para extremamente agitado quando
Toni e Louis chegaram, acompanhados de Vanessa e Noah.
Cumprimentamo-nos, e eu abracei meu filho rapidamente, bem menos do
que eu gostaria, porque ele estava muito animado para continuar brincando
com o primo.
— Quer dizer que as madames ficaram sozinhas o dia todo?
A curiosa Vanessa questiona, sentada ao meu lado no sofá,
enquanto eu encho uma taça de vinho tinto para mim e um copo de suco
recém-preparado por Luna para ela. Dou um gole em minha bebida e a
encaro, sem entender, ou não querendo entender aquele tom sugestivo.
— Sim, assistimos aos nossos filmes e vídeos.
— Oh, assistiram aos vídeos de vocês? — Ela cruza as pernas,
fazendo o sobretudo bege e felpudo, que está cobrindo seu corpo, subir um
pouco, revelando suas pernas lisas. Ergo minha sobrancelha, desafiando-a
continuar sua fala. — Imagino o conteúdo dos vídeos.
— Você só pensa besteiras?
— Quando se trata de vocês duas? Sim. Eu passei anos da minha
vida sendo obrigada a ouvir sobre a relação sexual fenomenal de vocês.
Inclusive, você tem a obrigação de me permitir assistir a alguns sex tapes,
pois a curiosidade mata e corrói, sabia?
Estou chocada, com as bochechas vermelhas e extremamente
envergonhada.
— Você se afogará nessa curiosidade, mas nunca saberá como era o
sexo entre nós duas.
— Eu posso persuadir a sua esposa para me mostrar alguns, sabe
disso?
— Luna jamais mostraria a você.
— Veremos.
— Trouxe alguns petiscos — Luna surge de repente, impedindo-me
de responder à minha melhor amiga, trazendo consigo uma travessa repleta
de salame e cubinhos de queijo e de presunto. — Você precisa comer algo,
enquanto está bebendo, para não passar mal.
— Eu sei, obrigada — eu lhe agradeço a preocupação com o meu
bem-estar, e ela sorri, acariciando meu rosto, antes de voltar a nos deixar
sozinhas. Não posso evitar encará-la, enquanto sai da sala em direção à
cozinha, pois seu quadril se move de uma forma hipnotizante, e não tenho
certeza se suspirei ou acabei pensando alto.
— Vocês acabaram de flertar sexualmente?
— O quê?
— Meu Deus! Vocês duas transaram, tiraram as teias de aranha. Eu
não acredito que...
Interrompo suas palavras animadas, cobrindo sua boca rapidamente,
depois de deixar minha taça de vinho sobre a mesinha de centro. Ela ri de
forma abafada, e eu reviro meus olhos, tirando as mãos de sua boca.
— Pare de ser pervertida. Não flertamos, muito menos transamos.
— Ainda...
— Vanessa!
— O quê? Estou sendo sincera, não vou me surpreender se acontecer
em breve. Vocês sempre tiveram muita tensão sexual e muito fogo nesses
rabos. Além do mais... — ela pausa para bebericar seu suco — com uma
esposa dessa, eu faria de tudo para não sair da cama com ela.
— Você não tem vergonha de falar isso sobre a sua cunhada? É
casada com o irmão dela, pervertida.
— Exato. Justamente por isso, eu afirmo que não perderia a chance
de gozar horrores. Da mesma forma que faço com o irmão. Ou você acha
que o Toni e essa criança que está na minha barriga foram feitos por meio
de contato mental? Muito sexo é o charme Jacobs.
— Eu não estou ouvindo isso.
— Diz isso agora, mas quando voltar a aproveitar o corpo daquela
mulher extremamente gostosa, sua opinião vai mudar.
— Você está falando da minha esposa, sabia? — Não consigo evitar
que as palavras saiam da minha boca, e logo que paro de falar, Vanessa me
encara com sua expressão divertida, que tanto tem me irritado. — Eu não...
— Shhh, tudo bem, Lil. Eu também marcaria território se fosse
casada com a Luna.
— Mulheres lindas que eu tanto amo, será que poderiam acabar com
o momento fofoca e vir à cozinha nos fazer companhia?
Noah surge na sala, impedindo-me de responder àquela idiota, e ela,
sonsa do jeito que é, levanta-se do sofá como se não estivesse infernizando
a minha vida, fica em frente ao próprio marido e o beija de forma...
extremamente obscena.
Faço uma careta, desvio o olhar, pego minha taça de vinho e olho em
volta da sala, apenas para verificar se nenhuma das crianças está
presenciando esse momento constrangedor.
— Viu, Camille? É assim que fazemos quando encontramos um
Jacobs.
— Uau... — Noah sussurra, boquiaberto, obviamente mexido com o
beijo que a esposa lhe deu. Vanessa mexe em seus cabelos, de forma
convencida, e se vira para sair dali. Eu fico encarando o vão do corredor que
leva à cozinha, por onde ela acabou de passar, sem acreditar muito em tudo
isso que aconteceu na minha frente.
— Como você a aguenta?
— Eu a amo. — Abre um sorriso extremamente apaixonado, e seus
olhos brilham. Apesar de Vanessa me irritar quase sempre, fico feliz em
saber que encontrou o amor ideal.
— Noah Jacobs!
O chamado, ou melhor, o grito vindo da cozinha não desperta
somente ele, mas eu também. Encaro Noah, e acabamos rindo. Nós
amamos essa doida.
Ele me estende o braço, entrelaço o meu ao dele e caminhamos
juntos para a cozinha, enquanto conversamos sobre coisas triviais.
O dia foi mesmo bom e não poderia terminar de outra forma.
— Posso dormir com você essa noite de novo? — Luna me pergunta
ao sair do banheiro.
Todos foram embora, e o esgotado Louis mal saiu do banho e
dormiu. Vanessa, Noah e Harry ficaram até tarde conosco, o que fez eu me
sentir muito renovada. Mas agora, aqui estou eu e meu novo dilema
favorito: a mulher com quem me casei.
— Não precisa mais me fazer essa pergunta. Esse quarto também é
seu, e eu entendo isso. Além do mais, gosto dos carinhos que você me faz
até dormir.
Luna solta uma risadinha, cruza o quarto para apagar as luzes,
deixando apenas nossos abajures acesos, e, em seguida, vem para a cama.
— Alegra-me saber que você está conseguindo conviver melhor
comigo. E apesar do quarto realmente também ser meu, é o seu bem-estar
que eu prezo, ok? Se não estiver tudo bem, sabe que pode me dizer.
— Eu sei disso — é tudo que eu digo, virando-me de lado, de frente
para ela, a fim de ter uma visão melhor de seu rosto.
Luna demora um pouco a notar que a encaro, e sorri após desligar
seu abajur.
— O que foi?
— Nada, é só que... esse seu jeito me encanta.
Ela fica me encarando durante alguns segundos, e então, um tempo
depois, se aproxima sorrateiramente. Meu coração dispara com a
proximidade, mas, ao mesmo tempo, me sinto tranquila, pois sei que Luna
jamais ultrapassará os limites.
— Só meu jeito te encanta? — a pergunta é feita com um tom de voz
baixo, rouco e extremamente sedutor. Quase surto quando ela acaricia meu
rosto até o pescoço, ameaçando segurá-lo, mas retorna ao rosto.
— Eu sei o que você está fazendo...
— Sabe? E o que eu estou fazendo?
— Luna...
— Boa noite, princesa — ela sussurra e se aproxima.
Meus olhos descem até sua boca, mas a dela está em direção à
minha testa, fazendo-me fechar os olhos assim que sinto o contato. Luna
sorri ao se afastar, porém seguro a sua nuca e selo nossos lábios, pegando-
a totalmente de surpresa.
— Boa noite, Luna.
Eu apago as luzes e me aconchego em seus braços. Ela demora um
pouco para reagir, mas logo sinto sua mão em meu cabelo. Suspiro, feliz por
receber seu carinho e porque, além do beijo que demos, a sensação de paz
que ela me traz é imensa.
Não sei em que momento eu dormi, mas uma coisa é certa: nunca
dormi tão bem como quando durmo com ela.

— Camille, fazer terapia não é fácil, e existem diversas maneiras de


confirmar isso. O preço que se paga para tentar ter uma boa saúde mental
é alto, não somente em relação ao valor gasto, mas também ao quanto
precisamos nos abrir para um desconhecido. Não é se sentar ao lado de
uma pessoa e simplesmente despejar tudo. Poucos conseguem isso.
Confesso que eu mesma tenho minhas dificuldades durante as sessões.
Ouvir Annie confidenciar que também tem seus problemas em se
abrir faz com que me sinta mais tranquila. Realmente, nunca pensei que
fazer terapia fosse tão difícil, principalmente agora, depois de tudo o que
aconteceu.
Olho para a doutora Robertson, e ela me abre um belo sorriso,
transmitindo uma paz sincera.
— Às vezes, sinto uma angústia profunda, como se houvesse algo
muito errado, e eu não consigo descobrir o quê.
— Você acha que pode estar relacionado à sua amnésia?
— Acho que tudo começa a partir dela. Todos os meus medos e
traumas, qualquer coisa, tudo tem a ver com essa maldita amnésia.
— Como está o seu casamento? Você me contou que estão se dando
bem e até mesmo se beijaram.
Meu rosto esquenta de vergonha, e desvio meu olhar, incapaz de
encará-la, ao pensar em Luna. Lembrar-me de seu rosto, seu toque, seu
cuidado, tudo me faz sentir em paz. É incrível como ela tem mesmo algum
tipo de poder sobre mim, mas isso está cada vez menos assustador. Para ser
sincera, gosto de saber as coisas que ela me causa.
— Luna é maravilhosa e me deixa tão confortável. Estamos indo
devagar, e não sei o que vai acontecer amanhã ou depois, mas estou muito
feliz.
— Vejo essa felicidade refletindo em você cada vez mais, em todas as
nossas consultas. Está outra pessoa, Camille.
— Você acha que ela nota?
— Bom, a julgar pela forma que você relata que Luna a trata, tenho
certeza de que sim. Não a conheço de outra forma que não seja pela sua
visão, mas é notável o quanto ama cuidar de você.
— Ela cuida tão bem do Louis, sabe? Fico encantada de ver quão boa
mãe ela consegue ser. É engraçado, porque as lembranças que tenho dela
sempre me fizeram imaginar que seria totalmente o contrário.
— E como esposa?
Puxo bastante o meu fôlego, suspirando de forma audível.
Lembranças dela cuidando tão bem de mim e sendo paciente, momentos
nossos que estão cada vez mais familiares, a forma que ela me olha... tudo
é simplesmente...
— Perfeito. Ela é perfeita como esposa.
O restante da consulta é tranquilo, deixando-me mais confiante e
menos apavorada. Dra. Robertson sabe como lidar comigo e me confortar.
Como ela diz, fazer terapia não é fácil, se abrir com alguém é muito difícil,
principalmente com um desconhecido, mas, às vezes, conseguimos contar
coisas a um estranho que jamais diríamos a um conhecido. O medo do
julgamento de alguém que você conhece é maior do que de alguém que
não conhece.
Estou prestes a pegar meu telefone e chamar um motorista pelo
aplicativo, quando a pessoa sobre quem falei, durante a consulta, resolve
me ligar, e um pequeno sorriso surge em meu rosto. Interessante como ela
parece sentir as coisas.
— Alô?
— Camies? Já terminou a consulta?
— Sim, eu acabei de sair. Chamarei um Uber.
— Posso te levar para almoçar? Estou no meu horário agora. Pensei
em irmos a algum lugar, comer, e depois te deixo em casa. Hoje sairei tarde
do trabalho.
— Ah... sim, claro. Vou te esperar aqui em frente.
— Tudo bem, chegarei em alguns minutos. Beijos.
— Beijos.
Ao desligar o telefone, percebo que tem algo dentro de mim
incomodado com o fato de que Luna chegará tarde outra vez. Esta semana
tem sido assim. Nem ao menos conseguiu ir ao meu estúdio para
dançarmos outra vez, e os meus alunos pedem bastante a presença dela.
Por ser muito carismática, ela conquistou a todos. A justificativa são dois
ensaios enormes que ela está produzindo e um projeto que falta pouco para
ser finalizado. Ela não me contou sobre esse projeto, mas parece ser algo
grande.
De qualquer forma, meu filho tem sentido muita falta, vive
resmungando que a mãe chega tarde, quando ele já está dormindo. Isso me
incomoda, não gosto de vê-lo triste. Confesso também sentir falta da
presença dela em casa.
Luna chega rápido, avisto seu carro virar a esquina e levanto-me,
caminhando até a calçada para esperá-la. Não tenho tempo de abrir a porta
quando estaciona, pois ela mesma se estica no banco e a abre para mim.
— Demorei?
— Na verdade, não. Foi rápida. Veio correndo?
Luna segura minha mão esquerda e a leva até sua boca, depositando
um delicado beijo nas costas dela. Sorrio para o ato, fazendo o mesmo com
a mão dela.
— Não corri, princesa, fique tranquila. Estava aqui por perto, fui
buscar algumas lentes novas. — Aponta para o banco de trás, com algumas
caixas empilhadas e perfeitamente presas com o cinto de segurança.
— Ah sim...
— Está com vontade de algo especial?
— Camarão seria perfeito, faz dias que tenho desejado.
— Por que não disse? Eu teria comprado e feito para você.
— Você anda muito ocupada, Luna. Não a atrapalharia com coisas
superficiais.
— Gosto de agradar, você sabe disso. Realmente, tenho estado
ocupada, mas, em alguns dias, ficarei mais livre para aproveitarmos, você,
eu e o carinha.
— Hoje chegará muito tarde?
— Infelizmente, sim.
Suspiro e desvio meu olhar. Estou chateada, mas não sei exatamente
o motivo. Eu acho que me acostumei com a presença constante dela, e
agora parece que me falta algo.
— Como foi a consulta?
— Começou tensa, mas depois fomos conversando e acabei me
sentindo melhor.
— Isso é bom, princesa. Fico feliz de ver você evoluindo.
— Também estou feliz.
Ela concorda com a cabeça, sem desviar a atenção da estrada.
Ficamos em silêncio, e não é constrangedor, na verdade é relaxante.
Aproveito esse tempo para repará-la: está usando uma jaqueta marrom,
que parece aquecer bem, calça jeans apertada, como de costume, e uma
touca preta. Além disso, o seu nariz está vermelho na ponta, provavelmente
por causa do tempo frio.
— Você tem algum compromisso para o final de semana?
— Não que eu lembre.
Quase faço uma piada tosca sobre estar acostumada a não me
lembrar de nada, mas não tenho certeza de que achará graça desse
acontecimento trágico, então me calo.
— Vamos para Miami, tudo bem pra você? Meus pais querem te ver.
— Tudo bem, eu acho.
— Fica tranquila, eles te adoram — Luna parece notar meu
nervosismo e brinca, tentando me deixar mais tranquila, porém estou
apavorada com o simples pensamento de estar com os Jacobs. Nem me
lembro de ter tido mais contato com eles quando mais nova, os vi apenas
algumas vezes no colégio.
Espero que dê tudo certo.
Capítulo 18 – Um pedaço do seu coração
Tenho evitado Luna há dias, correndo de todas as formas possíveis,
escondendo-me dentro de casa ou saindo, antes que ela chegue, e indo à
casa de alguma das minhas amigas. Eu sei que é infantilidade e pode até
ser bobeira, mas não consigo encará-la, tudo ainda é muito confuso para
mim. Desde o dia em que ela se declarou apaixonada por mim, algo aqui
dentro balançou e agora está fora do lugar.
Como ela poderia? Nunca nos suportamos, e ela vivia sendo uma
idiota completa comigo diversas vezes, ultrapassando limites. E, ainda
assim, diz ser apaixonada por mim desde a primeira vez que nos vimos.
Inacreditável.
— Camille Cruz!
— Porra, Belinda! Quer me matar de susto?
Afasto-me rapidamente da janela depois que minha irmã me assusta,
e pela primeira vez, não poderia agradecer-lhe por ser inconveniente.
Graças a ela, agora posso finalmente parar de encarar aquela idiota.
— Que drama, irmãzinha. O que estava olhando?
— Nada — respondo de imediato e me posiciono em frente à janela,
tentando impedi-la de matar sua curiosidade. — O que você quer?
Belinda me olha, desconfiada, mas não se aproxima da janela,
caminhando em direção à minha cama. Suspiro, passando as mãos em meu
short. Nem tinha notado que elas estavam suadas. Eu nem sei que
nervosismo é esse que a Jacobs me causa, mas ela me confunde bastante.
— Quando você parar de pensar na Luna, me avisa, ok?
— O quê?
— É isso mesmo. Camille, você acha que consegue me enganar?
Logo eu, sua gêmea? Esqueceu que dividimos a mesma placenta? Eu
conheço você.
— Deixe de ser maluca — resmungo e me sento ao lado dela, que
me olha, desconfiada. Antes que eu possa perguntar o que ela quer, a
maluca se levanta da cama e corre até a janela. — Imbecil e fofoqueira.
— Eu sabia! Sabia que estava encarando a Luna. Por que vocês ainda
não se pegaram?
— Você só pode ter ficado louca de vez. Acha mesmo que eu quero
alguma coisa com a Jacobs?
— Ela é gostosa — diz com naturalidade, olhando pela janela, e eu a
encaro, desacreditada.
— Belinda?!
— O quê? Eu só disse a verdade. Não sou cega, muito menos sonsa,
como você.
— Quer saber? Fala logo o que você quer e some do meu quarto.
— Ah, sim. Papai pediu para você levar água para a Luna.
— Leva você. Eu tenho mais o que fazer.
— Tipo ficar encarando a garota pela janela, como uma maníaca?
Leve a água pelo menos, para hidratá-la. Tenho certeza de que ela ficou
com sede, de tanto ser secada por você.
— Vai se foder.
— Vou mesmo! Por isso, não vou poder dar água a ela.
Faço uma careta de nojo, deitando-me em minha cama.
— Nossos pais saíram com a Sofi, e eu vou me encontrar com o
Rodrigo. Tenha juízo! Camille?
— O que foi, inferno?
— Depois me conta se o beijo da Luna é bom.
Meus olhos quase saltam das órbitas. Sento-me na cama, prestes a
arremessar uma das minhas almofadas nela, mas antes que eu possa
acertá-la, a imbecil sai correndo do quarto e bate a porta, deixando-me
incrédula e sozinha.
— Eu nunca vou beijar Luna Jacobs — prometo a mim mesma,
iludindo-me, pois mal sabia eu que cairia por aquela idiota e a beijaria dias
depois.
É pagando com a língua que se fala?

— Mãe! Não!
Gritos e gargalhadas me despertam na manhã. Solto um resmungo,
piscando algumas vezes, para focalizar minha visão. Com grunhidos e mais
resmungos, levanto-me da cama para descobrir o motivo dessa zona, e logo
tenho minha resposta, ao entrar no quarto do meu filho e ver a seguinte
cena: Luna de pé, com ele preso entre suas pernas.
— O que vocês estão fazendo?
Recosto-me no batente da porta, bocejando brevemente, antes de
focar minha atenção nas duas crianças que moram comigo. Eles
rapidamente viram em minha direção ao ouvirem minha voz, e quase solto
uma gargalhada ao ver Louis com os cabelos totalmente bagunçados e com
o rosto vermelho.
— Mommy, me salva!
— Ela não vai te salvar, carinha.
Ele me olha com o olhar suplicante, e Luna bagunça ainda mais seus
cabelos e se abaixa, enchendo-o de cócegas. Louis se debate inutilmente,
tentando se soltar do aperto da mãe.
— Por favor, mommy, me salva!
Aproximo-me dos dois, rindo dos pedidos de socorro de Louis, e
Luna, não o perdoando, continua com cócegas.
— Chega, Lu, deixa ele.
Coloco minhas mãos na sua cintura e dou um leve aperto, fazendo-a
instantaneamente soltar o pequeno. Louis cai para a frente, no chão, e rola
para longe dela. Eu rio dele quando se ergue, pois seus cabelos estão como
um ninho de pássaros.
— Sorte sua que ela te salvou.
— Pare de implicar com ele.
As minhas mãos ainda estão na sua cintura de Luna, que se vira para
mim e sorri, erguendo as suas, em forma de rendição.
— Eu já arrumei as nossas malas. Olhe para ver se quer levar algo
diferente. O carinha também arrumou as coisas dele. Tomamos café e
saímos logo em seguida, ok?
— Tudo bem. Cariño, voy a darme una ducha.
— Sí, señora, mommy. — Seu espanhol carregado de sotaque me faz
rir, mas tem evoluído bastante com minha ajuda. Eu sugeri a Luna que o
colocássemos em um curso, mas ela disse que seria bom que aprendesse
comigo, pois aumentaria nossa ligação. Estou gostando muito de dividir isso
com meu filho. Desde pequena, meus pais nunca deixaram minhas irmãs e
eu nos esquecermos de nossas raízes. Mesmo que tenhamos crescido longe
de nosso país, sempre seremos mexicanas e temos orgulho disso. Nada
apaga nossa história.
Terminamos de arrumar tudo e descemos para tomar café. Aproveito
para avisar a Belinda que estou prestes a sair. Ela parece animada com essa
viagem, e não faço ideia do motivo, ou talvez faça. Minha irmã gêmea
certamente é uma das que mais apoia Luna e eu, e parece genuinamente
feliz ao nos ver cada vez mais juntas.
Enfim, saímos de casa, rumo ao aeroporto, depois de Luna
pedir um carro pelo aplicativo, pois não viajaríamos em um dos nossos, por
motivos óbvios.
Louis é o mais animado entre nós, parece realmente amar os Jacobs.
— Carinha, se lembrou de trazer seu switch?
— Sim, mamãe, eu nunca esqueço.
Não faço ideia do que estão conversando, mas nem presto muita
atenção, porque agora estamos dentro do avião, e eu sempre tive pavor de
voar. Louis está sentado na última poltrona, Luna, ao seu lado, e eu, na
poltrona do corredor. Minhas mãos estão suando, só quero conseguir dormir
e acordar quando estivermos em Miami.
— Quer tomar um remédio pra dormir? — Luna me questiona,
parecendo ler meus pensamentos. É claro que ela sabe do meu pavor de
aviões, conhece-me de forma absurda.
— Eu aceito, nunca fui fã de aviões.
— Eu sei. Louis também tem medo, mas o videogame portátil o
distrai sempre. — Ela aponta com a cabeça para o lado, enquanto busca o
remédio para mim dentro de sua bagagem de mão. Inclino-me para a frente
e vejo o pequeno com headphones, vidrado na tela de um aparelho
eletrônico. — Por um segundo, pensei ter esquecido, mas aqui está. Ele te
faz dormir rápido.
— Não vai se importar se eu dormir e te deixar sozinha?
— Sempre que viajamos de avião é assim, estou acostumada.
Inclusive, sinto-me melhor se você dormir, porque assim sei que estará
bem. — Ela faz sinal para uma aeromoça e pede um copo de água. — Além
do mais, tenho algumas coisas do trabalho para resolver.
— Tem certeza?
— Aqui está a água, senhora.
— Obrigada — agradeço, pego o copo e tomo o comprimido, antes
de virar todo o líquido em minha boca. Satisfeita, entrego o copo vazio à
moça e encosto em minha poltrona.
— Absoluta, pode dormir tranquila. Logo, estaremos em Miami.
Luna sorri para mim, e eu concordo com a cabeça, fechando os meus
olhos para esperar o sono vir. Não sei em quanto tempo exatamente eu
adormeci, mas tenho certeza de que não demorou muito. Quando torno a
abrir os olhos, acabamos de pousar.
— Parece que eu acabei de dormir — murmuro, sentindo-me
sonolenta ao me levantar da poltrona. Luna acorda Louis que, em algum
momento, dormiu sobre o colo dela. Nós três terminamos de arrumar tudo,
antes de desembarcarmos para buscar nossa bagagem. Levamos pouca
coisa, porque será apenas um final de semana. Só espero que seja um final
de semana tranquilo.
— A previsão garantiu um tempo firme, mas você conhece bem
Miami, sabe como é.
— O tempo é louco aqui... e abafado.
— Quer me dar o casaco?
— Eu o levo, obrigada. — Retiro a peça quente e o seguro em meu
braço. Louis vai à frente, agitado demais para andar ao nosso lado. — Seus
pais sabem sobre a minha amnésia?
— Sim. Justamente por isso, pediram que eu a trouxesse aqui. Era
para termos vindo antes, mas é difícil conseguir um espaço na agenda dos
dois.
— Ainda trabalham?
— Os Jacobs nunca descansam. Isso fica para depois da morte.
— Vovô!
O grito de Louis chama a minha atenção, e não demoro a encontrar o
motivo de sua animação. Mark Jacobs está vestido informalmente, com uma
bermuda de tecido fino na cor azul e uma camisa de botões branca.
Simples, mas, como sempre, elegante. Lembro-me de tê-lo visto poucas
vezes. Usava ternos de grife, e seus cabelos, antes escuros, estão grisalhos
hoje. Luna se parece muito com ele, sempre achei os dois semelhantes.
— Meu garotinho, que saudade!
Ele se agacha no chão, sem se importar com nada além de poder
abraçar o neto. É perceptível que eles se adoram, e isso me agrada. Mark
conversa brevemente com o pequeno e logo se levanta, para nos dar as
boas-vindas.
— Olá, papai, a sua benção — Luna diz de maneira formal, mas com
todo o afeto que eu sei que tem. Mark sorri e a puxa para um forte abraço.
— Deus te abençoe, filha. Senti sua falta. — Os dois se afastam, e
então, a atenção dele é para mim. Sorrio, meio sem jeito, estendendo
minha mão para cumprimentá-lo. — Camille Jacobs, é um prazer rever você.
O nome me causa uma estranheza momentânea, mas continuo com
meu pequeno sorriso. Ele nos ajuda a carregar as nossas coisas, e seguimos
em direção à luxuosa SUV prata dele. Louis está radiante e monopoliza toda
a atenção do avô, enquanto Luna e eu ficamos lado a lado. Sinto-me melhor
assim, com a presença dela.
— Você está bem? — questiono à Luna quando já estamos dentro do
carro, indo em direção à casa dos Jacobs. Louis está na frente com o avô, e
não param de falar nem um segundo sequer. Isso me dá a chance de
conversar com Luna em particular.
— Sim, sim. Você está?
— Um pouco nervosa, confesso.
Ela sorri de lado e segura minha mão, puxando-a para seu colo, o
que me faz me sentir melhor.
— Fique tranquila, meus pais adoram você. Falo sinceramente.
Quando, enfim, chegamos à casa dos Jacobs, minha primeira
impressão é de choque, e a segunda é de curiosidade. Como conseguem
viver, apenas os dois, em uma casa tão grande?
Descemos do carro, e logo um rapaz alto e loiro se aproxima para
nos cumprimentar e pegar nossas coisas. Luna se coloca ao meu lado, e
juntas caminhamos em direção à porta, que logo é aberta, e por ela, a
elegante e radiante Ana Jacobs aparece. Diferente de Mark, eu vi a senhora
Jacobs muito mais vezes em minha antiga escola, pois ela costumava ser
mais presente.
— Meu amor!
— Vovó!
Louis corre em direção à avó, que se abaixa para abraçá-lo com
força. Esse carinho dos pais de Luna com meu filho me deixa muito feliz. Eu
o amo tanto, que vê-lo receber carinho de pessoas que também o amam
me aquece o coração.
— Benção, mãe.
— Deus te abençoe, minha filha. — Ana sorri largamente para Luna e
abre os braços, recebendo-a em um aconchegante abraço. Quando se
afastam, a matriarca Jacobs olha em minha direção, abrindo o mesmo
sorriso fraternal. — Camille Jacobs, que prazer revê-la!
Aparentemente, o meu sobrenome adicional realmente é muito bom
de ser pronunciado. Mas conhecendo um pouco mais sobre os pais de Luna,
sei bem que o Jacobs é motivo de muito orgulho entre todos. E a julgar pela
quantidade de coisas minhas que levam esse nome, acredito que eu
também tenha sido envolvida por esse sentimento com o passar dos anos.
— Mommy, vamos ver o Duke, vamos! — Louis pede
desesperadamente, logo que adentramos a casa.
Mal tenho tempo de olhar em volta, porque meu filho sai me
puxando para longe de todos. Ouço Luna pedir a ele que tome cuidado,
enquanto o acompanho, sem saber quem exatamente é esse Duke. Por fim,
descubro que Duke é um enorme e brincalhão cachorro peludo. Louis gosta
muito do animal, pois corre pelo gramado com um enorme sorriso, sendo
seguido pelo carinhoso cão. Eu observo a cena, extremamente encantada
com o meu pequeno.
— Ele é apaixonado por bichos. — Mark surge, de repente, ao meu
lado, trazendo consigo um copo que deve ser de uísque, enquanto olha,
visivelmente apaixonado, para seu neto. Ele realmente ama o carinha.
— Estou vendo que sim. Filho, cuidado para não se machucar.
— Eles sempre brincam assim, fique tranquila. Duke é muito dócil e
ama o rapazinho ali — Mark me tranquiliza ao perceber minha preocupação,
e sinto-me aliviada, pois não quero que meu filho acabe se machucando. —
Como estão as coisas entre vocês?
— Quem?
— Minha filha e você. A Luna me contou o que aconteceu. Eu
lamento estarmos tão longe e não termos feito uma visita antes. Os dias
estão muito corridos.
— Sem problemas, senhor...
— Você é da família, Camille. Não precisa dessa formalidade, sempre
nos tratamos informalmente. Pode me chamar de Mark, à vontade.
— Desculpe, Mark. É muito estranho tudo isso, estou me adaptando
aos poucos. A Luna e eu estamos nos dando bem, para ser sincera. No
início, foi complicado, mas agora acredito que estamos no caminho certo.
— Isso é ótimo. Minha filha te ama muito, sabe disso?
— Sei...
Meu estômago embrulha levemente, e não sei dizer se é nervosismo,
por causa do olhar dele sobre mim, ou por ter noção do amor que Luna
sente por mim. É confuso, na verdade, são tantas coisas acontecendo ao
mesmo tempo. Por vezes, sinto como se estivesse familiarizada com a
minha rotina, e então, do nada, tudo fica estranho outra vez.
— Luna pediu que eu não a pressionasse, e espero não estar fazendo
isso. Eu me preocupo com ela, sabe? Minha filha acha que o fato de ser
ocupado, desde sempre, influenciou o meu sentimento por ela, mas a amo
muito, assim como amo o Noah. Meus filhos são tudo para mim, não
suportaria vê-los sofrer.
— Eu jamais faria a Luna sofrer. Gosto dela cada vez mais.
Mark sorri, terminando de beber o uísque logo em seguida. Ele olha
para Louis, outra vez, e fica em silêncio durantes alguns segundos, antes de
voltar a falar:
— Vejo, em seu olhar, o sentimento que tem por ela. Não tente
reprimi-lo, porque as coisas vão se acertar.
— Camies, quer tomar um banho e descansar? — Luna surge de
repente, como um anjo enviado para me salvar daquela conversa
desconcertante. Ela ainda está usando as mesmas roupas, apenas tirou a
camisa de mangas longas e ficou com uma de mangas curtas.
— Sim, isso seria ótimo. Com licença, Mark.
— Fique à vontade, Camille. Você está em casa.
Somente aceno com a cabeça, acompanhando Luna até dentro de
casa outra vez. Finalmente, tenho a oportunidade de olhar em volta e
analisar o ambiente, extremamente elegante e luxuoso. Parecem adorar
coisas caras, de boa qualidade, e não parecem ter medo de gastar.
— Meu pai ficou enchendo você de perguntas?
— Um pouco, mas não foi nada demais.
— Tem certeza? — Ela parece preocupada, e isso me faz sorrir,
porque gosto desse jeito protetor dela.
— Sim.
— Ótimo! Eu conversei com os dois para que não a sobrecarreguem.
Esse é o seu quarto, coloquei suas coisas aqui.
— Como assim o meu quarto? Não vamos ficar juntas?
— Ah... eu pensei que, sei lá, você queria ficar sozinha.
— Luna, estamos dividindo a mesma cama todos os dias, quando
estamos em casa. Por que eu faria isso aqui? Existe alguma regra na casa
dos seus pais? — Reviro os olhos e solto uma risadinha, empurrando-a pelos
ombros. Luna também ri, divertindo-se com meu comentário. Vou até a
minha mala para pegar uma trouxa de roupas, pois preciso urgentemente
de um banho e me deitar.
— Você quer que eu traga minhas coisas para cá?
— Pensei que tivesse deixado isso claro. — Sorrio e pisco para ela,
antes de fechar a porta do banheiro. Recosto-me nela e suspiro, lembrando-
me dos acontecimentos desta manhã e do quão familiar é conviver com
Luna. Chega a ser engraçado ter essa noção, pois nunca imaginei que
poderíamos ficar assim, mas eu gosto da sensação.

— Passamos da hora do almoço, mas meus pais insistem para que a


gente desça para comer algo. Tudo bem?
Faz alguns minutos que despertei da minha soneca, e Luna surge no
quarto outra vez.
— Estou com bastante fome. — Para confirmar a minha fala, o meu
estômago ronca no exato momento, fazendo um som vergonhosamente
alto.
— É melhor alimentar esse monstrinho antes que nos devore.
Não a respondo, finjo estar brava e me levanto da cama. Ela ri,
enquanto eu ando pelo quarto, pegando minhas roupas para tomar um
banho. Luna está pronta e diz que me aguarda lá embaixo, na sala de
jantar, onde o resto da família se encontra.
Eu não demoro a descer. Está esfriando, pois a noite se aproxima, e
por isso me agasalho. Chegando à sala de jantar, busco por Louis com o
olhar, para saber se ele está devidamente vestido, e faço o mesmo com a
Luna. Sim, estão agasalhados.
— Sente-se, Camille. Estamos esperando você — Ana diz, sorridente,
ao notar minha presença, e Luna se levanta de sua cadeira para puxar uma
para mim, ao seu lado, em frente a Louis e Mark.
— Faz tempo que não temos a família reunida assim. — Mark
comenta, fazendo sinal para o mordomo da casa nos servir.
Sinto-me estranha nesse ambiente, por ser muito fora da minha
realidade. Mesmo que a minha vida com a Luna seja bastante confortável,
não temos esse tipo de luxo, e aparentemente ela também não gosta de
todo esse exagero.
Nossa refeição não é nada silenciosa, como era de se esperar, pois
Louis não para de falar nem um segundo sequer. Ele está elétrico, contando
aos avós sobre a escola, suas aulas de Espanhol, entre outras coisas. Mark e
Ana parecem amar muito o pequeno, porque estão prestando atenção em
tudo que ele fala, e isso me faz sorrir. Estou cada vez mais feliz por ver o
quanto meu filho é amado.
— O que pretende ser quando crescer, garotinho? — Mark pergunta
de repente, atraindo minha atenção.
— Eu quero ser chef de cozinha e fazer biscoitos tão gostosos quanto
os que a mommy faz — Louis responde, orgulhoso, fazendo-me abrir um
grande sorriso. Sua determinação me orgulha, ele parece realmente saber o
que quer. Creio que Luna se sinta da mesma forma, pois está com um
sorriso tão grande quanto o meu.
— Não quer ser como a vovó? Uma grande advogada?
— Mamãe... — O tom de voz de Luna atrai minha atenção, pois
apesar de Ana parecer estar brincando para mim, não era o mesmo para
ela.
Minha sogra suspira e coloca as mãos sobre a mesa, encarando a
mulher ao meu lado.
— Infelizmente, eu falhei com você, mas não me culpe por querer o
melhor para o meu neto.
— Ana, por favor, não comece com isso.
— Como sempre, o papai passando a mão na cabeça da garotinha
dele. Será que sou uma péssima mãe por querer o melhor para a minha
filha? Ou espera que eu a aplauda por se aventurar nessa coisa de
fotografia e morar em uma casa de subúrbio pra sempre? Somos Jacobs,
nós vencemos, e poder significa...
— Nem termine essa palhaçada. Todas as vezes que eu venho aqui, a
senhora sempre dá um jeito de voltar a esse assunto, como se nunca
tivéssemos discutido isso antes. Eu estou muito feliz assim, e minha família
tem orgulho de mim. Será que é difícil a senhora ter também?
— Você largou a faculdade para seguir esse seu devaneio. Óbvio que
eu não fico feliz com isso. Noah está cada vez mais bem-sucedido com o
escritório dele. Era para você ser a sócia, e não aquele amigo idiota dele.
Luna solta os talheres sobre o prato de forma que um alto som
ressoa pelo ambiente. Todos estão quietos, observando a calorosa discussão
entre as duas. Não sei o que devo fazer, então apenas continuo encarando,
desejando que nada piore.
— Eu não sou o Noah. Se ele esqueceu os sonhos dele para seguir os
seus, não posso fazer nada. Eu a amo, mamãe, mas quero ao menos
respeito pela minha profissão.
— Fotografia é hobby, não é profissão. Que tipo de futuro você vai
dar ao seu filho? Ele quer ser chef de cozinha, pelo amor de Deus. Somos
uma linhagem de advogados, promotores e juízes renomados.
— Eu perdi o meu apetite, não vale a pena continuar esse assunto.
Com licença.
Luna arrasta a cadeira com força para trás e se levanta, saindo da
sala de jantar com rapidez. Logo em seguida, ouço o som da porta da frente
ser batida com força. Fecho meus olhos, sabendo que serei a pessoa que
terá que acalmá-la. Tudo isso porque a mãe dela não aceita o que a filha
escolheu ser. Será possível que Ana não vê o quanto Luna é feliz?
— Pensei ter conversado com você antes de tudo isso, Ana. É mesmo
necessário todas as vezes? Nossa filha vem cada vez menos aqui. Estamos
perdendo boa parte da vida do nosso neto, porque você não consegue
aceitar que a Luna não quer seguir os seus passos. Supere! — Mark
esbraveja. Ele estava calado até então, mas esse assunto parece tirá-lo do
sério.
— Com licença, vou atrás dela. Filho, eu volto logo, tudo bem?
Olho para o meu pequeno, que está encolhido na cadeira, sem saber
como reagir direito. Sinto vontade de pegá-lo no colo e tirá-lo daqui, mas
sei que ao menos Mark vai cuidar bem dele. Luna precisa de mim.
Retiro-me rapidamente dali e sigo o mesmo caminho que ela, não
demorando muito a encontrá-la, andando de um lado para o outro no
jardim.
— Ela faz de propósito, ela sempre faz de propósito. Todas as vezes.
Todas!
— Luna? — eu a chamo, com receio dela ser grossa sem querer.
Quando estamos com muita raiva, acabamos espelhando isso nas pessoas
e, assim, sem querer, descontamos em quem não tem nada a ver.
— Minha mãe irrita-me com essa palhaçada de linhagem Jacobs.
Estupidez! Não sou meu irmão e não vou desistir do que quero para ser o
que ela espera que eu seja — dispara, sem respirar direito, e eu me
aproximo com cuidado. Quero acalmá-la, mas sei que ela precisa desabafar.
— Percebi que esse assunto é muito delicado. Eu não sei como ela
não vê quão feliz você é com a sua profissão.
— Exatamente. Eu me odeio por me deixar afetar quando ela começa
com essas cobranças.
— Está tudo bem, você tem o direito de defender o que deseja.
Ela solta uma lufada pesada de ar e olha para cima de olhos
fechados, parecendo buscar calma. Chego perto o suficiente, para segurar a
sua cintura, e chamo a sua atenção. Luna finalmente sorri, perdendo todo o
ar de cólera.
— Mais calma?
— Você sempre foi meu calmante natural. Posso te abraçar?
Sorrio e concordo com a cabeça. Luna rapidamente me puxa para os
seus braços, tomando-me em um confortável e aconchegante abraço. Fecho
os meus olhos, suspirando de alegria com o contato.
— Eu adoro essa paz.
— Causo paz a você? — questiono com a voz baixa, e ela concorda
com um som nasal. Arrepio-me quando Luna cheira meus cabelos e esfrega
o rosto em meu pescoço.
— Quer sair daqui e ir a algum lugar comigo?
— Agora?
— Sim. Buscarei algumas coisas e avisarei ao meu pai e ao carinha
que voltaremos amanhã. Seremos só nós duas nesta noite.
Engulo a saliva, não respondendo nada e apenas concordando. Ela
nunca fez nada que eu não gostasse até agora, e acredito que não fará
desta vez. Sinto-me cada vez mais segura com essa mulher.
Luna não demora muito a voltar, com uma bolsa de pano em seu
ombro e um molho de chaves na mão.
— O que está aprontando? Aonde vamos?
Ela não responde de imediato, apenas abre o portão da garagem e
entra. Eu a acompanho, pois não tenho nada a perder, certo? Luna escolhe
um dos carros e o destrava.
— Vamos ao nosso lugar.
Luna liga o som e, durante todo o caminho, canta e batuca os seus
dedos sobre o volante, fazendo-me rir e admirá-la, como faço
constantemente. Sinto-me bem quando a vejo tão alegre. A felicidade cai
muito bem em Luna.
— Já chegamos? — questiono ao notar que estamos em uma parte
mais isolada de Miami, com muitos sítios e fazendas à nossa volta. Paramos
em frente a um portão de madeira. Não vejo muito, por causa dos muros
altos, mas parece um belo lugar.
— Acabamos de chegar. Já volto, espere aqui — ela pede ao soltar o
cinto, pega o molho de chaves, desce do carro e caminha em direção ao
portão. Meu coração dispara no instante em que me deparo com a
paisagem lá dentro, não apenas por ser um lugar visualmente bonito, mas
porque penso já o conhecer.
— Eu... — Fecho os olhos ao sentir uma leve tontura, o meu
estômago revira e uma dor de cabeça começa a me incomodar. Flashes de
memória disparam um atrás do outro. Eu ouço vozes e vejo cenas que não
sei se fazem parte da realidade ou se são brincadeiras do meu cérebro.
— Fazia tempo que não vínhamos aqui. Camille, meu amor, o que
você está sentindo? — Luna coloca as mãos no meu rosto, preocupada, e eu
abro os olhos apenas para encará-la, acalmando-me um pouco, de forma
quase instantânea. O verde cristalino me olha fixamente, com um brilho de
preocupação. — Está melhor?
— Sim. Foi esquisito. Minha cabeça ficou confusa por um momento.
— Quer voltar?
— Não, não. Eu ficarei bem, só não saia de perto de mim, por favor.
Ela concorda com a cabeça e me olha durante mais algum tempo,
apenas para conferir que está tudo bem. Quando sorrio, Luna se acalma e
se dá por satisfeita, virando-se para a frente, mas segura minha mão.
Não é justo eu querer voltar por causa de um mal-estar. O médico
disse que coisas assim podem acontecer quando eu me deparar com o
passado.
Luna comenta um pouco sobre o lugar em que estamos:
— Este sítio é nosso, da Vanessa e do Noah. Os meus avós nos
deram, há alguns anos, e sempre disseram que esse lugar seria meu e do
meu irmão, quando tivéssemos uma família para trazermos aqui.
— É muito bonito!
— Sim! Os meus pais sempre tentaram nos convencer a reformá-lo,
mas gosto de como ele é. Mesmo que a decoração seja antiquada, tem um
ar de lar. Essa simplicidade me encanta, e ao meu irmão também.
— Coisas simples geralmente costumam ser mais belas. — Luna solta
uma risadinha, e eu fico curiosa, encarando-a, sem entender. — O quê?
— Você disse a mesma coisa quando viemos aqui pela primeira vez.
Erámos muito novas.
— Por isso, aqui é o nosso lugar?
— Sim, temos muitas lembranças. Logo que começamos a namorar,
eu a trouxe aqui. Você ficou tão apaixonada, que sempre a trazia para
passar o final de semana ou apenas uma noite.
— Impossível não se apaixonar por esse lugar. Olhe para tudo isso! —
Abro meus braços e dou uma volta, olhando ao meu redor. O sítio é
enorme! É possível ver um lago um pouco distante.
— Venha, eu mostrarei a casa — Luna me chama para um tour.
Ao entrar, eu não me surpreendo com a beleza do casarão por
dentro, mas, diferente da casa dos Jacobs, o luxo daqui é algo simples.
Obviamente, tem coisas caras, porém nada espalhafatoso. E como ela disse,
toda a decoração é antiga, lembra uma fazenda, o que deixa tudo ainda
mais bonito. É uma casa enorme, com quatro suítes, uma sala de jogos,
duas salas de estar, outra de televisão e uma cozinha grande, cheia de
bancadas e eletrodomésticos de boa qualidade. Os Jacobs têm bom gosto.
— Eu poderia facilmente morar aqui. Esse cheiro de natureza é tudo
— comento ao voltarmos ao quintal, fecho os olhos e respiro com força,
sentindo o cheiro de grama e ar puro, diferente da cidade em que moramos.
Sinto o vento bater contra o meu corpo, e mesmo sendo uma brisa mais
gelada, me faz bem de certa forma.
— Você quer morar em um lugar assim? Cansou da cidade? Podemos
ver as opções se quiser — Luna dispara quase sem pausa, fazendo-me rir
de seu desespero. Eu a olho, e ela me encara com os olhos arregalados. —
O que foi?
— Eu estou feliz com a casa em que moramos. Acredito que ela
tenha muitas memórias nossas. Foi só um comentário. Talvez no futuro.
— Isso me fez lembrar do segundo ano que estávamos casadas e
você cismou que queria morar no Alasca.
— Sério?
— Sim! Depois que assistiu aos documentários sobre as pessoas que
vivem isoladas da humanidade, isso quase se tornou uma meta pra você.
— Eu sempre fui meio doida, mas morar no Alasca... Realmente,
ultrapassei as barreiras da loucura.
— Sempre gostei desse seu jeito espontâneo. Eu moraria em Marte,
se você quisesse.
Sorrio, sem jeito, e abaixo a minha cabeça. Luna sempre chega
devagar e me acerta com algumas frases parecidas com essa. Não tem
como me sentir indiferente. A Camille esquecida dentro de mim foi muito
apaixonada por essa mulher, e acho que a Camille que estou conhecendo
agora está se apaixonando por ela outra vez.
— Nós vamos dormir aqui?
— Sim, mas não nesta casa.
— Como assim?
Luna abre um sorriso que me deixa curiosa e levemente assustada.
— O nosso lugar não é somente esta casa, muito menos este espaço
enorme. Venha comigo para que eu lhe apresente a nossa parte favorita.
Ela ajeita a bolsa com as nossas coisas em seu ombro e me estende
a mão. Eu estranhei mesmo o fato de Luna não ter colocado nossas coisas
em um dos quartos, mas esperei para saber se ficaríamos por aqui mesmo.
Eu olho para nossas mãos unidas e sinto o meu estômago revirar um pouco.
Algo parecido com paz toma conta de mim. Sabe quando sentimos que
estamos em casa?
— Luna, essa é a...?
— Sim, é a casa daquela foto. Tivemos momentos maravilhosos aqui,
e sempre foi o nosso refúgio. Bem-vinda de volta ao nosso lugar! — ela diz,
antes de me ajudar a subir a escada de madeira.
Tenho certeza de que os meus olhos estão brilhando, pois a
paisagem à minha volta é simplesmente de tirar o fôlego. Quando
finalmente chego lá em cima, a primeira coisa que noto é a vista
privilegiada.
— Essa vista simplesmente faz perder as palavras.
— Você sempre gostou de ficar aqui, vendo a paisagem. Nos
sentávamos em um dos bancos para conversar ou apenas nos aconchegar
em silêncio.
— Nós paramos de vir aqui com frequência?
— Sim, com o passar dos anos. Nossas agendas não nos permitem
mais que façamos como antigamente. Vínhamos para cá sempre que
queríamos fugir de algo ou quando desejávamos um tempo só nosso.
— É uma pena — lamento, mesmo que eu não me lembre.
Eu me sinto como se tivesse perdido algo pela segunda vez. Quando
você cria laço com alguma coisa, e então esse laço é partido por algum
motivo, fica a sensação de vazio dentro de você. Mesmo eu tendo perdido a
memória, continua faltando algo em mim.
Luna está ao meu lado, olhando o horizonte, perdida em seus
pensamentos.
— Eu sugeri que fizéssemos uma casa na árvore em nosso quintal,
mas você disse que não seria a mesma coisa. Eu concordei, pois olhe essa
vista... não temos isso em casa.
— Nem as lembranças daqui.
— Exatamente. — Ela me olha e abre um sorriso tão lindo. Eu tenho
uma visão estranha, como se Luna fosse mais nova. — Quer entrar e ver lá
dentro? Camille?
Demoro alguns segundos para voltar a mim mesma. Tenho estado
confusa esses dias, como se minhas lembranças esquecidas estivessem
dando pane. Luna me olha, preocupada, e eu abro um sorriso e concordo
com a cabeça. Ela sabe que estou estranha, me conhece de uma forma que
me assusta, mas respeita meu espaço, e eu gosto muito disso.
Luna destranca a porta com uma das chaves que havia levado e
acende as luzes, dando-me a visão de boa parte da casa. Impossível conter
o sorriso ao me deparar com uma parede inteira repleta de fotos, e na
maioria delas estamos juntas. Tem uma cama de casal no centro, com
diversas almofadas coloridas sobre ela, uma cozinha pequena e outro
cômodo fechado, que deve ser o banheiro. É simples, mas tão linda e
aconchegante. Destoa totalmente do casarão, que apesar de não ser tão
luxuoso, ainda assim é outro patamar.
— Estou apaixonada. Parece que me lembro de cada detalhe daqui.
— Sabia que seria bom trazê-la aqui.
— Luna, eu tenho tido uns flashes de memória, como se minhas
lembranças estivessem entrando em pane.
— Você... você se lembrou de alguma coisa? Quando foi? Do que tem
se lembrado? Camille, precisamos avisar ao seu médico. Isso é incrível,
caramba. Eu...
— Calma — peço ao me aproximar dela, segurando seus ombros e
olhando diretamente nos seus olhos. Luna acena várias vezes com a cabeça,
agitada, mas se controla quando eu peço. — Não foram lembranças totais,
mas momentos, como um déjà-vu.
— Ah, eu queria tanto que você se lembrasse. Rasga-me por dentro
que isso tenha acontecido.
Fecho os meus olhos com força. O tom de sua voz é tão quebrado
que me parte. Não quero entrar nessa conversa, porque sei que vamos nos
magoar. Eu tenho consciência de que precisamos falar sobre isso, porque
preciso entender como Luna realmente se sente em relação ao que
aconteceu, mas ainda não estou pronta, e acredito que Luna também não
esteja.
— Podemos não falar sobre isso?
— O que você quiser, o que você quiser sempre. — Ela caminha em
minha direção, mas para no meio do caminho, e seu rosto se ilumina, como
se lembrasse algo. Isso desperta minha curiosidade. — Espere! Eu tenho
uma coisa. Deixe-me lembrar em que lugar guardamos. Pronto, encontrei.
Luna retira uma caixa de ferro dourada de dentro de um baú e vai
em direção à cama. Eu me aproximo, porque estou curiosa, e ela abre a
caixa, com diversas cartas dentro.
— São cartas escritas à mão?
— Sim. Você sempre adorou escrever, mas não é isso que quero lhe
mostrar.
— O que você... São alianças?
Luna me olha e sorri, logo depois de abrir a caixinha, revelando um
par de alianças de pérolas.
— São nossas alianças de noivado. Queríamos guardá-las em um
lugar especial, então ficaram aqui. Eu quero te fazer um pedido.
Os olhos dela estão brilhando, e os meus, arregalados e,
provavelmente, com um ar de pavor absurdo, pois seu sorriso morre ao ver
a minha expressão.
— Luna...
— Não é um pedido de casamento — ela diz rapidamente,
percebendo o meu pavor. Tenho uma leve impressão de ouvi-la dizer “ainda
não”. — Dança comigo?
Eu devo estar fazendo a expressão mais confusa do mundo, porque
ela solta uma gargalhada, e o som, que adoro, faz meu coração disparar um
pouco.
— É esse seu pedido?
— Faz parte dele. Concede-me essa dança? — Estende-me a mão, e
mesmo sem entender muito bem, a seguro.
— Vamos dançar sem música?
— Oh, espere! — Ela vai rapidamente ao lado da cama e busca por
algo, que não demoro muito para descobrir ser um controle remoto. Luna
aperta um botão que faz as luzes ficarem mais baixas, deixando um clima
romântico, e então uma canção ressoa por toda a casa na árvore. —
Venha! — chama, estendendo a mão para mim outra vez.
Não hesito em aceitar, vou em sua direção e colo os nossos corpos.
Luna encosta a cabeça na minha e começamos a nos mover.
Com os olhos fechados, o coração disparado, os corpos grudados e a
cabeça a mil, movo-me lentamente com ela, enquanto Luna guia nossa
dança. Estamos em um momento nosso muito particular, como em uma
bolha privada. Ninguém pode nos tocar, nada pode nos impedir, nem mesmo
a minha amnésia parece importar.
Luna se afasta um pouco, fazendo-me abrir os olhos, e sorri antes de
fazer um movimento para que eu gire. Quando volto a encará-la, percebo
seus olhos cheios de lágrimas. Eu presto atenção na letra da música e sinto
como se mil facas dilacerassem o meu coração. Cada palavra, cada batida
da melodia, tudo me atinge.
Ela me aperta contra si uma outra vez, e a ouço sussurrar a música
baixinho contra o meu ouvido, emocionada, o que me faz agarrar a sua
cintura, desejando confortá-la.
Se no passado alguém me dissesse que hoje eu estaria casada com
Luna Jacobs, convivendo bem com ela e gostando disso, internaria a
pessoa. Mas sabe de uma coisa? Essa definitivamente não é uma ideia
absurda. Ser a esposa de Luna me faz bem.
— Camies?
— Oi...
Ela respira fundo antes de se afastar, e rapidamente eu sinto falta do
nosso contato. Luna tem as bochechas marcadas por lágrimas. O meu
coração se aperta, e seco as lágrimas com meus polegares, aproveitando
para acariciar o seu rosto.
— Tenho tanta coisa para falar que acabo não sabendo como
começar.
— Sou só eu, somos só nós duas. — Tento tranquilizá-la, e ela sorri,
segurando as minhas mãos para beijá-las. Esse gesto enche meu coração de
afeição.
— Você prestou atenção na letra?
— Sim.
— Eu sou uma tola por você, sempre fui, sempre serei. O meu pedido
é que você me deixe conquistá-la outra vez, por completo. Um passo de
cada vez. Quero reconquistar você. Não vou desistir do amor da minha vida.
Dê-me essa chance. Você é a minha maior sorte, amor. Dê-me um pedaço
do seu coração. — Cada palavra que ela diz tem uma entonação forte.
Sinto quão emocional é fazer esse tipo de pedido à pessoa com quem
já se é casada. Meu coração está acelerado outra vez, as mãos suando, e
cada parte de mim parece chamar por essa mulher. Não tenho como fugir.
Quem disse que eu quero fugir?
Não a respondo, apenas a encaro. Os nossos olhares estão
carregados de intensidade, as nossas respirações se misturam. Tudo parece
em silêncio à nossa volta, como se o mundo tivesse parado para observar
essa interação.
Quando era pequena, meu pai sempre me dizia que as ações contam
mais do que as palavras, mesmo as menores. Com esse pensamento em
mente, faço a única coisa que desejo há muito tempo: seguro seu rosto e
colo os nossos lábios, deixando-a saber que estou, sim, pronta para o
próximo passo que ela quiser dar.
Luna solta uma lufada de ar, antes de me abraçar pela cintura,
apertando-me contra si, ao aprofundar nosso beijo. O chão parece sumir
sob meus pés, e eu me sinto flutuando com ela para longe.
— Eu te dou meu coração inteiro, se prometer cuidar bem dele.
O sorriso que Luna me dá é genuíno e lindo, mas não tenho tempo
de admirá-lo por muito tempo, porque ela me puxa contra si mais uma vez,
sendo dela, agora, a iniciativa de um beijo, que é mais acelerado que o
primeiro, porém sem perder a leveza. Luna massageia minha boca com a
sua, e beijá-la não me parece estranho.
Ao terminar o beijo, Luna sela os nossos lábios por diversas vezes. Eu
suspiro, rendida, completamente largada em seus braços. O efeito que ela
tem sobre mim é inacreditável.
— Vou cuidar dele como a minha vida, minha eterna sorte.
O sorriso em meu rosto aumenta. Luna diz uma frase que faz com
que eu me sinta flutuar. Sua voz sai tão baixa que nem sei, eu nem deveria
ter escutado: Lembre-se de nós para sempre, meu amor.
Passo os braços por trás de seu pescoço, porque não sou capaz de
evitar, e a beijo outra vez, sendo imediatamente correspondida. Tenho
certeza de que, agora, eu me vicio nesse beijo. Posso não me lembrar do
meu primeiro beijo, mas estou certa de que nenhum outro supera o beijo de
Luna. Esse beijo sempre será o único de que eu quero me lembrar.
Capítulo 19 – Resposta óbvia
Luna e eu estamos sentadas em um dos bancos do lado de fora,
observando o sol se pôr lentamente. Com poucas nuvens no céu, o clima
ameno e com a companhia perfeita, a vista não poderia ser melhor
apreciada. Aconchego-me nos braços dela, suspirando de felicidade quando
sinto um beijo no topo da minha cabeça. Ela acaricia meus braços, e, em
silêncio, continuamos aproveitando uma a presença da outra.
Quando mais nova, eu não conseguia entender o motivo de as
pessoas gostarem de ficar em silêncio na companhia de outra, mas hoje
entendo. É uma sensação ótima saber que você não precisa fazer nada nem
inventar assuntos, muito menos trocar beijos toda hora. Eu gosto de estar
assim com ela. Luna desperta muita coisa boa em mim, cada vez mais. Dei-
me conta de que é inevitável se apaixonar por essa mulher. Tentar fugir dela
é como nadar contra a corrente: eu posso me afastar para longe, mas sou
puxada de volta.
— Eu senti falta de ficar assim com você.
Viro-me um pouco em seus braços para olhar seu rosto, de baixo
para cima. Todos os traços dela são lindos, desde a boca carnuda aos
grandes cílios. Impressiono-me como ela consegue ficar mais bonita a cada
momento que passa.
— Sentiu?
— Sim, muita. Quando éramos mais novas, podíamos vir aqui com
frequência, era muito mais fácil, pois a nossa única responsabilidade era
com a faculdade. Depois que nos tornamos adultas, as coisas mudaram.
Nós passamos por fases em que só nos víamos na hora de dormir e mal nos
beijávamos.
— Nunca imaginei como seria a minha vida adulta, não fazia ideia de
que me casaria, que teria filhos, nem qual rumo eu escolheria como
carreira. É estranho saber que nada do que eu pensava se tornou realidade.
— Você queria passar alguns anos viajando pelo mundo.
Acabo rindo de sua frase, porque ela me conhece tão bem que chega
a me assustar. Eu ia mesmo comentar sobre isso, pois me lembro de que
realmente era o que eu desejava fazer assim que possível.
— É engraçado como você sabe tudo sobre mim.
— Já são treze anos de convivência, meu amor — Luna fala com
naturalidade, mas, de repente, sinto seu corpo ficar rígido em minhas
costas. Não entendo ao encará-la. — Perdão.
— O que foi?
— Eu chamei você de amor e não quero apressar as coisas. Estou me
sentindo como se fosse a adolescente de quando começamos a namorar.
Seguro em seu queixo e sorrio, antes de me erguer para selar nossos
lábios. Ela arqueja, puxando-me contra si.
— Eu entendo que para você seja muito natural me tratar assim.
Como disse, são treze anos juntas. Para mim, está tudo bem.
— Sério?
— Claro! Eu gosto quando você me chama de amor, e faz meu
estômago borbulhar de nervoso.
O sorriso que ela abre para mim é imenso. Sei que gostou bastante
do que eu disse, porque, em seguida, me beija com uma vontade enorme.
Diferente dos beijos que trocamos mais cedo, esse é carregado de paixão, e
eu diria até de luxúria, pois a forma que Luna chupa meus lábios e me
aperta contra o seu corpo está me deixando em chamas. Quando penso em
pará-la, o beijo termina, e ela me dá outro carinhoso na testa.
Estou sem saber o que fazer, totalmente perdida, encarando a sua
boca, que está avermelhada, inchada, extremamente chamativa e atraente.
Essa mulher é o meu inferno na terra. Não existe definição melhor.
— Vamos entrar, está esfriando.
Concordo com a cabeça e, sem qualquer tipo de controle sobre meu
corpo, eu apenas a sigo para dentro. Luna vai até uma pequena lareira e a
acende. Sento-me na cama, mas ao olhar para a frente, vejo a parede
enorme com as fotos e volto a ficar de pé, para poder vê-las.
— São fotos do baile de formatura? — pergunto a ela, que está vindo
em minha direção.
— Sim, tiramos muitas fotos.
— Vejo que somos mesmo apaixonadas por fotos.
— Você se casou com uma fotógrafa, o que esperava?
Rio de sua fala, jogando minha cabeça para trás. Luna segura em
minha cintura, apoiando seu queixo em meu ombro. Aconchego-me em
seus braços, suspirando. Esse contato é muito familiar.
— Fomos juntas ao baile de formatura?
— Inicialmente, não. Você ainda tinha seus receios comigo.
— Hm, mas eu fui sozinha, certo? — Olho para ela, que me encara,
confusa. — Digo, eu não fiz a burrice de ir com outra pessoa, fiz?
— Oh, Não! Foi com suas amigas e com a sua irmã. Nenhuma das
meninas quis chegar acompanhada de namorado ou namorada. Era a noite
das mulheres. Eu fui com as minhas amigas também.
— Já estávamos envolvidas?
— Começando. Como eu disse, você tinha alguns receios
relacionados a mim. Durante a noite toda, a observei. Você estava linda
como sempre. — Luna aponta para uma foto minha, em que estou sorrindo,
usando um vestido roxo e com o cabelo preso em um rabo de cavalo, com
cachos nas pontas. — Não teve uma pessoa que não olhasse e não
admirasse você. Noah pegou muito no meu pé, dizendo que eu parecia uma
cadelinha, esperando as ordens da dona.
— Ele é engraçado. Sabe de uma coisa ainda mais engraçada?
Sempre achei a relação de vocês muito bonita, mesmo quando eu não
suportava você.
— Noah é meu pilar. Muito da pessoa que sou hoje aprendi com ele. Não
sei o que seria da minha vida sem esse idiota.
Sorrio, feliz por ela ter uma ligação tão bonita com o irmão.
Continuamos conversando sobre as fotos, até que uma delas me chama a
atenção.
— Você me levou para casa de limusine?
— Essa é uma história engraçada. Queria te impressionar quando
você permitiu que eu a levasse em casa, então meio que roubei a limusine
de um cara que tinha alugado para a namorada e levei você nela. O
motorista não entendeu nada, nem sei se ele acreditou nas mentiras que
contei, mas provavelmente se compadeceu comigo querendo impressionar a
garota mais linda do baile.
— Meu Deus, Luna! Eu não acredito que você tenha feito isso.
— Fiz! A senhorita bem que gostou. Repare o tamanho do seu
sorriso, bebendo champanhe. — Ela aponta para uma foto minha em que
sorrio largamente, com uma taça de champanhe na mão e com o outro
braço erguido. Parecia mesmo estar me divertindo, pois a alegria e a
felicidade eram nítidas.
— Nós éramos felizes?
— Como assim?
Ela me encara, um pouco confusa, e eu suspiro, me afastando da
parede e caminhando até a cama para me sentar.
— Nós éramos felizes como casal?
— Sim, sempre fomos. Bem, na maior parte do tempo. Eu não posso
mentir para você e dizer que tudo era um conto de fadas, pois seria desleal
de minha parte criar um cenário fantasioso. Todos os casais têm seus
momentos bons e ruins. Nós passamos por diversas fases, mas, no geral,
sim, fomos muito felizes.
— Às vezes, tenho medo de me lembrar de tudo, sabe? Não sei! Algo
dentro de mim faz com que eu me sinta apavorada com as lembranças, e
desconheço o porquê disso. Eu quero tanto lembrar.
Antes de Luna me responder, o seu celular começa a tocar. Inclino-
me para trás, até me deitar na cama, observando-a retirar o aparelho do
bolso e atender a chamada.
— Oi, pai. Sim, estamos bem. Vamos dormir aqui, sim. Ok. Tudo
bem, não se preocupe. O carinha está se comportando? Não faça todas as
vontades dele, eu conheço o senhor e a minha mãe. Sem dormir muito
tarde. Pai, já estou bem grandinha, não acha? Ótimo! Beijos. — Ela desliga
e abre um sorriso. — Mark Jacobs sendo o mesmo de sempre.
— Louis está bem?
— Sim. Meu pai disse que ele não desgrudou do Duke. Os dois estão
vendo filmes no sofá. Quer comer alguma coisa? Tomar um banho?
— Preciso mesmo de um banho, pois o dia foi agitado.
O banheiro é uma surpresa. Há muitas coisas de higiene, o que me
deixa curiosa, porque aparentemente quase ninguém vem aqui, mas
imagino que ela deva ter providenciado tudo isso. Luna sempre pensa nos
mínimos detalhes. Eu fico cada vez mais encantada.
— Não sei se a comida vai ficar boa. Você passou anos me ensinando
a cozinhar tão bem quanto você, mas acho que ninguém consegue fazer
igual — Luna diz, assim que saio do banho. Estou usando uma roupa de
dormir bem fresquinha, e o quarto está com a temperatura perfeita, pois ela
acendeu a lareira.
— O cheiro parece bom, eu tenho certeza de que está gostoso.
Ela me olha por cima do ombro e sorri, antes de voltar a sua atenção
para as panelas. Aproximo-me para ajudá-la, sem interferir em nada, pois
quero que ela se orgulhe por ter feito tudo sozinha.
Luna pede que eu a espere, enquanto ela toma banho. Prontifico-me
a arrumar a mesa e depois volto a vasculhar as coisas. Tem muito de nós
duas em cada pedaço aqui, o que deixa claro o significado de “nosso lugar”.
— Pronto — ela diz ao voltar do banho. O seu cheiro toma conta de
todo o ambiente.
Sorrio e a encaro. Luna está usando apenas um moletom maior do
que ela, do Real Madrid, o que me faz achar graça.
Sentamo-nos à mesa para comer e jogar conversa fora. Ela é muito
divertida, adora fazer piadas, mesmo que às vezes não sejam tão
engraçadas. Sua presença me faz muito bem, eu percebo isso a cada dia.
Quase como uma dependência, estar com ela e Louis contribui para o meu
bem-estar.
Neste momento, deitada na cama, eu a observo, respondendo a
mensagens em seu celular, enquanto caminha pela casa, apagando as luzes.
Os meus olhos estão fixos nela, porque eu estou agoniada com a demora
para se deitar comigo.
— Você é muito compulsiva com esse telefone, sabia? — Antes
mesmo que eu possa frear a minha boca, digo em voz alta o pensamento
rabugento presente em minha cabeça.
Luna paralisa antes de subir na cama, olhando para mim, com o
celular ainda em mãos. Fico sem jeito e desvio meu olhar, não querendo
mais encará-la.
— Perdão, princesa. Estava conversando com o Noah.
— Eu que peço desculpas por ser chata. Não tenho direito de
reclamar disso.
— Camille, por favor, eu acho que passamos um pouco dessa fase.
Sei que estamos indo devagar, mas pode se sentir à vontade para falar
quando quiser a minha atenção. Confesso que, às vezes, extrapolo de
verdade no celular.
— Tudo bem.
Luna ergue o cobertor e se deita ao meu lado, largando o maldito
celular sobre a mesinha, antes de se aproximar de mim.
— Pronto, sou toda sua agora.
— Hunf! — resmungo, fazendo charme e me virando de costas para
ela. Luna solta uma gargalhada, e eu sorrio, mesmo sabendo que ela não
pode ver. Sinto a sua presença mais perto e a sua mão tocar a minha
cintura.
— Está carente, amor? — ela sussurra, de repente, em meu ouvido,
fazendo-me saltar sobre a cama. O meu corpo todo se arrepia, e eu fecho
os olhos por instinto. Maldita! Sabe o que me causa e aproveita.
— Pare de dizer besteiras, e vamos dormir.
— Eu acho fofo como você tenta mudar de assunto. Posso te
abraçar?
— Sim.
Luna não demora a colocar a mão espalmada na minha barriga e a
me puxar contra si, juntando nossos corpos. Ela me abraça apertado, e eu
sei que, neste momento, não existe outro lugar em que eu gostaria de estar.
— Camies? Cadê meu beijo de boa noite? — outra vez, ela sussurra
em meu ouvido, e de novo meu corpo reage instantaneamente a isso.
No escuro, sem mudar de posição, eu viro a minha cabeça e busco a
boca de Luna, que solta uma lufada de ar ao aprofundar o beijo. Os seus
lábios macios acariciam os meus de forma deliciosa. Nem parece que perdi
a memória, pois a beijo com uma familiaridade absurda. Quando sinto
necessidade de maior contato, sou obrigada a mudar de posição, sem
desgrudar nossas bocas, e me viro na cama, em frente a ela.
Luna segura com firmeza na minha cintura, puxando meu quadril
contra o seu, e eu me agarro em seus cabelos. Era para ser um beijo calmo,
mas calmaria não parece ser o forte dessa mulher, o que se confirma
quando a sinto deslizar a mão até minha bunda. Um gemido me escapa
quando ela aperta e me puxa ainda mais contra si, fazendo-me quase
derreter em seus braços. Sei que esse é o momento de irmos com calma.
— Espere! Nossa! Eu... Caramba!
— Desculpa pela empolgação! Eu estava com saudade de beijar essa
boca gostosa — Luna diz, enquanto passa o polegar sobre meus lábios
inchados.
Por conta da escuridão, não estamos nos vendo, mas sinto o olhar
intenso dela sobre mim. Engulo saliva, aproximando-me para me
aconchegar em seus braços. Eu deveria me afastar um pouco, mas sinto
uma necessidade absurda de estar junto a ela o tempo todo.
— Boa noite, Tentação.
— Tentação?
O sorriso em sua voz é quase palpável, e eu reviro os olhos e dando-
lhe um tapa fraco.
— Quieta, vamos dormir.
Luna ri e, em seguida, deposita um beijo em minha testa, abraçando-
me com força. Eu estou segura, sinto isso.
— Boa noite, meu amor.
Percebo que ela nunca mais vai parar de me chamar assim e que o
meu coração sempre vai acelerar ao ouvir isso. Será que me apaixonei outra
vez?

O meu instinto sempre me fez acordar com facilidade. Mesmo


quando inconsciente, eu desperto, como se o meu subconsciente quisesse
me alertar sobre algo errado ao meu redor. E o que seria? Eu não fazia
ideia. Isso, claro, até eu ouvir a porta da casa ser aberta e alguns passos
adentrarem o local.
— Trouxe a latinha?
— Sim, mommy.
Louis está aqui, o que me deixa curiosa. Como eles estão
sussurrando, provavelmente querem me acordar de algum modo carinhoso,
e isso me faz sorrir. Espio, da melhor forma, o movimento dos dois se
aproximando cada vez mais da cama.
— Quando ela acordar, você sai correndo, ok?
Louis faz um som nasal para concordar, e eu quase abro os olhos
instantaneamente. Por que ele sairá correndo quando eu acordar? Mal tenho
tempo de refletir e logo sinto Luna virar a minha mão sobre a cama e
colocar algo gelado na palma. Preciso me controlar muito para continuar
quieta e descobrir o que eles estão aprontando.
— Mommy tem o sono muito pesado.
Quase rio da fala do pequeno. Eu não consigo vê-lo na posição em
que estou, mas, em compensação, tenho a plena visão de Luna.
— Tem mesmo. Quando eu contar três, ok? Um, dois, três. — Ela
termina de contar e segura a minha mão suja de chantilly, pronta para
trazê-la ao meu rosto e me lambuzar, mas sou mais rápida ao me sentar e
segurar sua nuca, levando a mão suja até o rosto dela e sujando tudo que é
possível.
Luna se debate, tentando escapar do meu aperto.
— Você é o próximo, carinha — digo ao pequeno, que já estava
praticamente na porta, correndo, como se sua vida dependesse daquela
fuga. Eu solto uma gargalhada, mas fico séria ao encarar a idiota com quem
me casei. — Que bonito, não é mesmo? Você acha de bom tom me pegar
desprevenida assim?
Minha voz sai assustadoramente calma, enquanto me levanto da
cama e vou em sua direção, que está encostada na parede. Luna tem os
olhos arregalados e me encara como se eu pudesse matá-la.
— Era uma brincadeira! Foi ideia do carinha, não é, filho? Carinha?
Ela olha em volta, apavorada, se dando conta de que foi abandonada
e está por conta própria. Eu sorrio para ela e fico com meu rosto a
centímetros do seu.
— Ele é obediente. Você o mandou correr quando eu acordasse, e ele
correu.
— Camille, amor, eu posso explicar. Juro que posso. Calma — começa
a pedir, em desespero, tentando, em vão, me impedir de fazer alguma coisa
contra ela. Eu sinto vontade de rir ao ver como essa mulher se dobra aos
meus pés com tanta facilidade.
— Eu darei alguns segundos para que você suma da minha frente,
antes que eu a mate.
Eu mal termino de falar, e ela desvia de mim, fazendo o mesmo
caminho que Louis. De repente, me preocupo com os dois, sabendo que a
escada daqui é perigosa. Rapidamente, caminho até uma das janelas, para
ter um vislumbre das duas crianças que eu cuido, e não demoro a ver a
Luna correndo pelo gramado em direção a Louis, que se diverte ao notar o
pavor da mãe, com o rosto todo sujo de chantilly. Estou com um enorme
sorriso, pois não poderia pedir outra coisa que não fosse esses dois na
minha vida.
Paixão é uma palavra usada para definir um sentimento enorme por
algo ou alguém, então, sim, posso confirmar que estou completamente
apaixonada pela minha vida nova e por essa família. Não desejaria estar em
outro lugar, mesmo se pudesse escolher.
O final de semana foi incrível, apesar de ter começado com os
conflitos entre Ana e Luna. Elas conversaram e acabaram se entendendo
outra vez, mas algo me diz que cenas como aquela sempre se repetem
quando se encontram.
Mark me conquistou totalmente, apesar de, diversas vezes, ter
trocado o momento em família para atender ligações do trabalho ou resolver
algo em seu escritório. Foi bom estar conectada com essa parte da minha
vida, era o que faltava para eu terminar de me familiarizar com tudo.
Chegamos à nossa casa e mal pudemos descansar, porque acabamos
recebendo visitas. Minha irmã, Rodrigo e meus sobrinhos vieram junto de
Noah, Vanessa e Toni, para passarmos um tempo juntos. Eu estou exausta,
mas amo passar esse tempo com eles. Lembro-me de ouvir comentários
sobre termos nos afastado, por causa de outras coisas. Resgatar esse
contato para mim é muito importante.
Sempre fui muito ligada às pessoas que eu amo. Todas as vezes que
me falam sobre quão afastada eu estava das pessoas, um pavor absurdo
cresce dentro de mim. Tenho vontade de estar cercada por todo mundo o
tempo todo, se puder. Justamente por isso, fico extremamente feliz com a
visita surpresa. Penso que não sou a única que estava com saudades de
nossos momentos juntos.
— Será que tenho permissão para saber o motivo desse sorriso
bobo?
Olho para Luna ao meu lado. Nós estamos deitadas em nossa cama,
enquanto ela está lendo um livro, e eu, me perdendo em devaneios.
— Nem percebi que estava sorrindo assim.
— Gosto de ver você sorrir desse jeito. — Ela se vira para o outro
lado, apenas para deixar na mesinha os seus óculos de leitura e o livro que
estava em sua mão, e com um sorriso no rosto, volta a me olhar. — Faz o
meu coração ficar aquecido.
— Estou me sentindo assim todo o final de semana.
— Sério?
— Muito. Eu só não sei explicar direito, mas estou me sentindo ótima.
Luna não responde mais nada, ela simplesmente se inclina em minha
direção e cola seus lábios nos meus. Sim, é isso mesmo! Ela me beija como
quem quer muito, e eu deixo, óbvio. Retribuo o seu beijo com toda a
vontade que há de mim, porque não existe nada melhor do que beijar essa
boca macia.
— Vou continuar me esforçando, todos os dias, para você se sentir
assim. Boa noite, amor.
— Boa noite. — É tudo o que respondo, porque não sei o que dizer,
estou desnorteada pelo beijo repleto de sentimentos que trocamos. Sempre
digo que ela tem algo que me liga a ela, e repito, porque realmente existe
essa conexão assustadora.
Se você me perguntar se eu gosto disso, a resposta é sim.
Se me perguntar se eu quero mais, a resposta também é sim.
E se me perguntar se eu estou me apaixonando por ela, a resposta é
óbvia.
Capítulo 20 – Até quando resistir?
Estou suada, sinto a minha roupa grudar em meu corpo, mas isso
não me incomoda muito. Meus músculos estão incrivelmente esticados por
causa do esforço feito durante horas. Olho o meu relógio de pulso, para
conferir a hora, e noto que está quase no fim do meu expediente.
O início do mês começou agitado, parece que todos os meus alunos
resolveram pegar pesado no último mês do ano, por alguma razão. Talvez a
maioria queira estar bem para as festas de fim de ano. Não estou
reclamando, eu amo tudo isso.
— Vamos uma última vez, antes de irmos embora? — questiono o
pessoal, que, de forma animada, me responde positivamente.
Meu parceiro habitual de dança se aproxima de mim, para repetirmos
a mesma coreografia de agora há pouco. Depois que concluímos a nossa
atividade, como de costume, uma roda se forma para conversarmos sobre a
aula e outras coisas, e, em seguida, nos despedimos. Acabo de sair do
banheiro que tem em meu escritório e me deparo com uma visita
inesperada, parada em frente ao mural de fotos que tem aqui. Sim, minha
vida é cercada de fotos em todos os cantos.
— Oi, amor, espero não ter assustado você.
— Pensei que sairia tarde do trabalho hoje — digo, caminhando em
sua direção para lhe dar um beijo de boas-vindas. Luna sorri, antes de
segurar minha cintura e grudar os nossos lábios, com um longo e delicioso
selinho. — Aconteceu alguma coisa?
— Não, só consegui sair mais cedo e resolvi passar por aqui para
buscar você. Melhor do que ter que pegar algum carro de aplicativo para ir
embora, certo?
— Diego ia me deixar em casa, na verdade.
Ouço a Luna bufar baixinho e quase solto uma risada por causa de
seu claro ciúme, mas me contenho. Não quero parecer que a estou
provocando, porque realmente não estou.
— Eu sei! Encontrei com ele no caminho e lhe avisei que eu mesma
levaria minha esposa para casa.
— Você sabe que ele é casado e gay, não sabe?
— Continua sendo homem, de qualquer forma.
— Você fica fofa com ciúme — brinco, depois de pegar as minhas
coisas, e chego perto dela, para segurar o seu rosto e apertar suas
bochechas com meus dedos. Luna faz um bico dramático, e eu não resisto,
inclinando-me para beijá-la. — Vamos?
— Só se me der um beijo de verdade — Luna usa o seu tom de
pidão. Nos últimos dias, esse tem sido o jogo dela para conseguir diversas
coisas. Já tem consciência de que estou cada vez mais caída por ela e tem
se aproveitado muito disso. Não que eu esteja reclamando, porque ela
nunca me obriga a nada, eu faço porque quero fazer.
Por isso, não resisto a dar o beijo mais gostoso de todos.
Luna suspira em minha boca, levando as duas mãos aos meus
cabelos para segurar com firmeza, arrepiando-me. Eu não resisto, deixo
minha bolsa cair aos nossos pés para poder segurar a cintura dela com
força. O beijo ganha proporções enormes de repente. Essa é outra coisa
que tem acontecido com uma frequência absurda, não nos controlamos
direito.
— Luna... eu... calma.
— Desculpa. Desculpa — ela diz rapidamente e encosta as nossas
testas. Eu abro os meus olhos para encará-la e noto o sorriso em seus
lábios. Muito sonsa essa mulher! — Não consigo mais resistir. Desculpa.
— Não precisa se desculpar por isso. Eu também, hm, não resisto.
Mas você me entende, certo?
— Sim! Sim, claro que eu entendo meu amor. — Afastamo-nos, e ela
se abaixa, pegando a minha bolsa do chão. — Vamos? — chama e estende
o braço para que eu o segure, coisa que faço prontamente e muito
satisfeita.
No caminho, passamos por algumas pessoas, que também estão indo
embora, e cumprimentamos outras. É muito bom ver o respeito e a
admiração que elas têm por nós duas como um casal. Isso me deixa
tranquila. Eu odiaria ter que dispensar alguém por causa de preconceito.
— Que horas o Louis volta? — questiono.
Assim que entramos no carro, eu coloco o meu cinto de segurança e
espero que ela termine de colocar o dela. O nosso filho foi a um passeio da
escola, o último antes das férias de inverno.
— No fim da tarde, amor.
Concordo com a cabeça e foco a minha atenção na nossa frente,
abismada com a facilidade que Luna tem de sair de lugares que parecem
impossíveis. Os meus olhos curiosos analisam sua postura enquanto dirige,
e eu posso dizer que é impecável. Luna se mostra tão responsável em todos
os âmbitos de sua vida, mas isso dobra quando está no volante. Bom, pelo
menos quando Louis e eu estamos com ela.
Uma curiosidade cresce dentro de mim.
— Luna? Eu tenho carteira, certo?
— Hã? De motorista? Sim.
— Eu era uma boa motorista? — questiono, brincalhona, porque me
lembro bem do pavor que eu sentia quando pensava na possibilidade de
dirigir alguma coisa.
— Excelente motorista. No início, você ficava bastante nervosa e
bateu o carro do seu pai algumas vezes, até pegar o jeito.
— Você está brincando?
— Eu queria estar. Javier ficava uma fera toda vez que isso acontecia.
Logo na primeira vez que pegou o carro para tentar dar uma volta, assim
que pegou a sua carteira, você bateu na saída da garagem.
Ela segura o riso, e eu estou chocada, porém nem um pouco
surpresa. Recordo bem o quanto isso me apavorava.
— Lembro que tinha pavor de dirigir, sempre dizia que nunca tiraria a
carteira de motorista.
— Isso é verdade, mas você é determinada e teimosa. Colocou na
cabeça que iria se tornar a melhor motorista do mundo e realmente
cumpriu. Eu tentava dar algumas dicas, mas como você pode imaginar, não
dava muito certo.
— Eu fui muito difícil?
— Um pouco, mas sabia ser racional. Quando começamos a nos
envolver, eu acabei conseguindo, aos poucos, ajudar você, mas nunca
interferi em muita coisa, porque sempre soube como era importante para
você conquistar as coisas sem auxílio. Sempre procurei ajudar mais por fora,
dando confiança e tal.
Estamos chegando perto de nossa casa, e surge uma ideia em minha
cabeça. Ela disse que me ajudou quando comecei a ter confiança no
volante, sendo assim, acho que não terá problema se eu pedir ajuda a ela
de novo, certo?
— Será que... você sabe... poderia me ajudar de novo? Eu quero
voltar a usar aquele carro lindo na garagem.
— Ele é mesmo o seu xodó. É óbvio que posso, meu amor. Estava
esperando você pedir. Nunca gostei de te pressionar a nada, e eu gosto de
ser sua motorista.
Sorrio para ela, colocando a minha mão sobre a sua coxa. Um sorriso
surge no rosto dela, antes de pegar a minha mão e levar até a boca,
depositando um beijo carinhoso no dorso dela. Esse ato sempre me deixa
feliz, é um gesto tão simples e carinhoso.
— Obrigada.
— Não precisa agradecer, amor. Estou sempre à sua disposição, para
qualquer coisa.
Será que essa mulher não tem defeitos?
Durante o percurso até a nossa casa, permanecemos com as nossas
mãos unidas. É inevitável eu não sorrir com isso, esses pequenos contatos
são muito confortáveis para mim. Tudo com Luna sempre se torna
grandioso, e nunca vou entender esse poder que ela exerce sobre mim, mas
não reclamo, porque eu gosto. Essa segurança que ela me transmite é
essencial para me deixar tranquila quanto a qualquer coisa que aconteça no
futuro.
— Essa casa fica tão vazia sem Louis — comento, assim que
entramos. O silêncio é simplesmente deprimente e ensurdecedor. Meu filho
é o que mais ilumina esse lar, e sem a presença dele fica tudo tão vazio e
estranho.
— É verdade, ele faz mesmo muita falta aqui.
Somente aceno com a cabeça, caminhando em direção à escada para
ir ao segundo andar. Já em nosso quarto, vou até o closet e guardo todas as
minhas coisas em seus devidos lugares. Luna é extremamente organizada,
eu notei isso nesses dias juntas, principalmente depois que passamos a
dividir o quarto novamente. Sempre deixo as coisas organizadas para não
acabar com a arrumação dela.
— O que vamos fazer? — pergunto, ao voltar outra vez para a sala,
prendo meus cabelos em um coque no topo da cabeça e olho em direção a
Luna, que está largada sobre o sofá, mexendo no seu celular. Porém, ao me
ver, larga o aparelho e abre um sorriso que me faz desconfiar do que virá a
seguir.
— Eu tenho uma ideia.
— Que sorriso é esse?
— Não tem sorriso nenhum. Deite aqui comigo, venha.
— Estou me sentindo um rato prestes a cair na armadilha. —
Estremeço ao me sentar ao lado dela, um pouco distante, o que não dura
muito, porque Luna se aproxima rapidamente de mim e me olha, antes de
fazer qualquer coisa. — O que...
Mal tenho tempo de perguntar o que ela quer me falar quando, na
verdade, sua resposta é segurar meus cabelos, soltando-os e puxando-me
contra si. Espalmo minhas mãos nos ombros dela por reflexo, mas logo
estou segurando-os. Luna usa a mão livre para segurar minha cintura e me
puxar mais para perto, grudando os nossos corpos.
— Filme? — pergunta, afastando um pouco as nossas bocas, mas
sem desgrudá-las totalmente. — Jogar? Uma série qualquer? — Entre as
perguntas, ela suga meu lábio inferior, beijando-me de leve em seguida.
Isso me desconcentra e me deixa extremamente quente. — O que você
quiser.
— Você é uma tentação, sabe disso — resmungo, afastando-me um
pouco para poder raciocinar longe dela, e Luna solta uma risadinha,
umedecendo os lábios, com os olhos fixos nos meus. O que será que essa
mulher quer fazer comigo? O olhar tem um brilho que me dá medo imaginar
o que se passa em sua cabeça.
— Se eu pudesse, beijaria você o tempo todo, essa boca é deliciosa
demais. Você me deu permissão para fazer isso outra vez, não quero perder
chance alguma.
Antes que eu possa ter alguma reação, ela me ataca. Tudo bem, é
exagerado dizer que ela me ataca quando eu nem ao menos tento fugir,
mas o jeito como me aperta e beija minha boca é perfeito.
— Você pensa que eu sou a tentação, mas, na verdade, você que é a
minha tentação. Eu não resisto.
O meu erro foi ter olhado nos olhos dela. Senti como se estivesse
enxergando tudo que estou tentando fugir. Leva segundos para que eu
avance nela dessa vez, deitando-a sobre o sofá e ficando por cima. Luna
geme em minha boca, alisando minhas costas e apertando-me quando
mordo sua boca e sugo os seus lábios. Meu corpo parece entrar em
combustão. As minhas lembranças são de uma época em que eu era
virgem, nunca tinha beijado nem pensava em fazer essas coisas, mas agora
descubro que sempre tive o dom da safadeza.
As mãos dela estão por dentro da minha blusa, os seus toques
queimam a minha pele, fazendo-me arder por dentro, como um vulcão
prestes a entrar em erupção. Luna agarra a minha cintura com ambas as
mãos, fazendo com que eu me mova sobre ela. Movimento esse que me faz
pressioná-la de uma forma gostosa em uma parte tão específica.
Quando, enfim, caio em mim e noto o que estamos fazendo, eu abro
os olhos e coloco as mãos no sofá, ao lado de sua cabeça, para me erguer.
Ela está com o rosto corado, lábios inchados e vermelhos, sem qualquer
resquício de batom, extremamente sensual.
— Filmes, eu quero assistir a filmes. Por favor, só coloca um filme
qualquer.
Ela não impede que eu me levante e me sente um pouco distante,
apenas suspira e coloca as mãos no rosto, levantando-se, segundos depois,
para pegar o controle da televisão e fazer o que pedi. Estou ofegante,
tentando acalmar as batidas do meu coração. Não sei quanto tempo
resistirei a essa mulher, mas sinto como se estivesse chegando ao limite da
minha sanidade.
— Posso te abraçar? — ela pergunta, depois de estarmos um longo
tempo em silêncio. O filme já começou, e estou me sentindo mais calma
agora. Olho em sua direção, e o sorriso em seu rosto jamais me fará dizer
não.
— Claro — concordo, e ela abre os braços, separando as pernas para
eu me acomodar entre elas. Luna me envolve em um abraço confortável, e
assim ficamos até o filme acabar. Dessa vez, comportadas, para o bem da
minha sanidade.

Sábado de manhã. Estou prestes a dar mais um passo importante na


minha vida. Nervosa é pouco para definir como me sinto nesse momento.
— Tem certeza de que o Louis vai ficar bem sozinho? — pergunto
assim que Luna entra no carro, e dessa vez, se senta no banco do carona.
Sim, ela levou a sério sobre me ensinar outra vez a dirigir.
— O carinha é comportado e está distraído, jogando, nada vai tirar a
atenção dele até voltarmos. Fique tranquila.
— Não sei.
Estou incerta sobre deixarmos uma criança sozinha. As minhas mãos
estão suando, eu aperto o volante com força, e meu coração está acelerado,
assim como a respiração. Engulo saliva, soltando devagar o ar pela boca
para me acalmar.
— Você está muito nervosa. Quer tentar mais tarde?
— Estou com medo — admito sob um fio de voz, evitando encará-la,
mas sinto o olhar dela sobre mim. Luna se aproxima e coloca uma de suas
mãos sobre a minha direita.
— Não é um bicho de sete cabeças, amor. Seu carro é automático,
muito mais fácil de lidar.
— Ainda bem que é automático, acho que eu ficaria perdida tendo
que trocar as marchas pelo câmbio.
— Estou aqui do seu lado. Confie em você como eu confio, ok?
Eu concordo com a cabeça e presto atenção nas dicas que ela dá.
Ouvindo, não parece difícil, mas ainda estou nervosa, embora Luna tenha
muita paciência para explicar e para me deixar tranquila. Confiro se tudo
está certo, antes de sair da garagem de casa.
— Se eu fizer algo errado, você me avisa.
— Pode deixar. Vá devagar e confira se não tem movimento atrás do
carro. — Eu olho pelo retrovisor, enquanto dou ré, e tudo parece livre, então
sigo devagar. Estou quase fora de casa quando me distraio e faço o carro
morrer, por ter ficado nervosa. — Calma, princesa. Ligue-o de novo e
continue.
Eu chego à rua, olho para um lado e depois para o outro.
Sinceramente, estou indo muito bem, pois, até agora, ela não disse nem
uma vez sequer que errei.
— Vamos à esquerda ou à direita?
— Tanto faz, meu amor. Vamos dar uma volta na outra rua e
voltamos, para que o carinha não fique tanto tempo sozinho.
Concordo com a cabeça e viro o volante para a esquerda. Luna me
avisa sobre o alerta, e eu o ligo, virando com cuidado. Felizmente, está tudo
calmo em nossa rua e posso fazer tudo no meu tempo.
Seguimos, devagar e sempre. Eu estou bem, e ela me elogia várias
vezes, deixando-me orgulhosa e confiante.
— Se você fosse me dar uma nota, qual seria? — pergunto, olhando-
a, o que foi um erro, pois, ao ver a expressão dela, eu percebo que fiz algo
errado.
— Nunca tire a atenção da estrada. Nunca.
— Desculpe.
— Tudo bem, meu amor. Eu sei que você não se lembra das coisas,
apenas jamais tire os olhos da estrada. Lembre-se de que dirige para você,
para quem estiver no carro e para os outros que estão na rua. Atenção é
uma das coisas mais importantes.
— Não vou me distrair mais, pode deixar.
— Você está indo tão bem, diferente das primeiras vezes que o seu
pai emprestava o carro dele para eu te ensinar a dirigir. Estou orgulhosa,
apesar de já saber que você seria perfeita. A minha nota é dez, não teria
como ser diferente.
Eu gosto tanto como ela faz para que a minha autoestima melhore.
Isso é maravilhoso. Dá para saber que é muito verdadeiro, porque a fala, os
olhos, tudo nela reflete sinceridade.
— Na próxima aula, eu estarei melhor.
Estamos chegando, e estou feliz por ter conseguido me dar bem logo
de primeira, embora tenha feito algumas coisas erradas, mas nada que não
possa ser corrigido nas próximas vezes. Logo estarei dirigindo sozinha, sem
depender de ninguém. Será ótimo ter essa independência.
— Se não quiser arriscar guardar o carro na garagem, pode encostar
ali em frente, que depois eu guardo.
— Eu acho melhor mesmo não arriscar, fui tão bem que tenho medo
de bater ao tentar estacionar.
Luna solta uma gargalhada e me guia, para não estacionar o carro
tão distante da calçada. Eu consigo fazer isso com certa maestria e a deixo
orgulhosa.
— Você aprende as coisas rápido, e eu gosto disso. Na próxima,
acredito que você já consiga estacioná-lo na garagem sem medo.
— Nem foi difícil mesmo. Estou com a adrenalina correndo pelo meu
corpo todo.
O silêncio cai sobre nós, e acabamos trocando olhares. O meu olhar
desce para a sua boca por puro instinto, e quando eu volto a encarar seus
olhos rapidamente, eles também estão fixos em minha boca. O meu corpo
reage a esse olhar. Como sempre digo, ela tem, de fato, algo sobre mim.
— Eu vou beijar sua boca — ela diz de repente, e minha resposta é
automática.
— Vai?
— Vou.
— Está esperando o quê?
Sem tirar os olhos dos meus, ela tira o cinto de segurança e inclina-
se em minha direção, mal me dando tempo de ter qualquer reação que não
seja beijar a sua boca, sem nem conseguir tirar o meu próprio cinto. Luna
agarra meus cabelos com uma das mãos, enquanto a outra está em minha
lombar, apertando os dedos contra a minha pele.
Será que nunca mais vamos conseguir trocar beijos comportados?
— Eu preciso aprender a me controlar, mas é impossível — ela diz ao
se afastar um pouco.
Eu ainda estou de olhos fechados, e o tom rouco da voz dela me faz
estremecer levemente. Quando os abro, minha primeira reação é me sentir
completamente nua sob seu olhar, e a segunda é me assustar, ao ver quem
está de pé do lado de fora do carro.
— Puta que pariu, Belinda.
— Por que está falando da sua irmã agora?
— Essa idiota está do lado de fora, filmando-nos com o celular — eu
falo e aponto em direção à minha irmã, que está rindo e com o celular
apontado para nós duas. Luna olha para ela e acaba rindo também,
acenando para a câmera. Reviro os meus olhos e retiro o meu cinto para
sair do carro.
— Será que você não tem o que fazer?
— Eu não, mas vocês duas têm muitas coisas boas para fazer.
Camille, o que os nossos pais diriam, se soubessem que vocês deixaram o
Louis sozinho em casa para se agarrarem dentro do carro?
Belinda me encara, com as mãos na cintura e um falso olhar sério. Eu
acreditaria nela se não a conhecesse desde muito antes de nascermos. Não
a respondo, pelo contrário: a ignoro e passo direto por ela.
— Cunhada, eu juro que tentei segurá-la para não atrapalhar vocês,
mas sua irmã é impossível de ser contida — Rodrigo, que estava um pouco
mais distante, se desculpa, assim que chego perto dele. Sorrio para o meu
cunhado, notando que ele está com sacolas nas mãos.
— Ela não tem escrúpulos, a verdade é essa, mas tudo bem. Vieram
nos visitar?
— Sim! Trouxemos coisas para o almoço. Estávamos com saudade —
ele diz e aponta em direção à porta: os meus sobrinhos estão de pé,
esperando por nós, e Louis está olhando pela janela. Deixamos tudo
trancado por precaução, por mais que não fôssemos demorar. Como já
tínhamos sido irresponsáveis, deixando-o sozinho, não correríamos o risco
de também deixá-lo destrancado.
— Vamos entrar. Eu também estava morrendo de saudade.
Aproximo-me rapidamente dos meus sobrinhos, abraçando-os, beijo
Harry e, em seguida, Serena, que não desgruda de mim por nada durante o
caminho até dentro de casa. O dia já está perfeito e a tendência é melhorar,
apesar de minha irmã pegar no meu pé. Eu sinto falta da presença dela e
estou feliz que eles estejam aqui. Mas não evito pensar em tudo o que
aconteceu antes. Luna e eu estamos cada vez mais íntimas, e isso me
assusta.
Até quando conseguirei resistir?
Capítulo 21 – Minha pessoa
Mais uma vez, estou sentada no sofá em frente à poltrona da minha
psicóloga, que está anotando algo em sua prancheta, como de costume.
Estou me sentindo ótima, hoje acordei feliz e mais leve. O meu filho foi
passar o dia na casa da minha melhor amiga, pois Toni implorou por isso, e
eu vim à consulta sozinha. Infelizmente, ainda não tenho confiança de
dirigir, por isso tive que pedir um carro do aplicativo. Para a minha tristeza,
eu também não pude contar com Luna, pois ela precisava chegar cedo ao
trabalho. Aqui estou eu, prestes a contar os últimos acontecimentos.
— Perdão pela demora. O meu secretário comprou essa prancheta
nova, e ela precisa de mais informações que a anterior, o que tem me dado
trabalho.
Sorrio em compreensão.
— Tudo bem, sem problemas.
— Como as coisas estão, Camille? — a Dra. Robertson pergunta e me
olha por entre os cílios, sob as lentes dos seus óculos de grau.
A minha reação automática, ao pensar nos últimos dias, é abrir um
enorme sorriso. Não tenho conseguido controlar a felicidade.
— Em sentido geral, estão cada vez melhores. Cada dia é como um
recomeço, sempre melhor do que o anterior.
— Esse sorriso gigantesco está cheio de coisas não contadas. Quer
falar sobre?
— Eu só me sinto bem, pois as coisas estão melhorando. Cada dia,
aprendo mais sobre a Camille de quem não me lembro e estou mais
familiarizada com a minha rotina.
— Isso é maravilhoso de saber. Fico muito feliz que as coisas estejam
melhorando — ela diz e anota algo em sua prancheta. — E com a sua
esposa? Ou devo chamá-la pelo nome?
— Ela é a minha esposa. Ainda não me acostumei totalmente com o
fato de ser casada e de não me lembrar, mas estou tranquila quanto ao
casamento. Boa parte da causa do meu sorriso é ela. Eu me dei conta de
que, se fosse outra pessoa, tudo estaria dando errado.
A Dra. Robertson parece realmente surpresa ao me ouvir dizer aquilo,
mas guarda os seus comentários para si, enquanto faz mais anotações. Eu
entendo a surpresa, pois, nas últimas consultas, por mais que eu tenha
deixado claro a melhora da minha convivência com a Luna, nunca me referi
a ela como esposa e não deixava que fizessem isso. Eu não tenho motivos
para tentar apagar o fato de ser casada com Luna, pois é isso o que somos.
Estamos deixando as coisas tomarem o seu rumo. Eu me encontro feliz por,
cada vez mais, só sentir coisas boas em relação a ela.
— Isso é um avanço muito significativo. Vocês se dando bem é a
melhor forma de ajudar a sua readaptação. Fico feliz por esse avanço.
— Eu também estou muito feliz. Desde que conversamos sobre
deixá-la entrar na minha vida outra vez, as coisas têm sido mais fáceis. Ah,
passamos o final de semana em Miami, na casa dos pais dela.
— Sério? E como foi? Você se sentiu bem?
— Foi ótimo. Apesar de um pequeno desentendimento entre Ana e
Luna, os dias foram agradáveis. Ela me levou a um lugar em que
costumávamos ir quando éramos mais novas, repleto de lembranças. Foi
como entrar em um cinema privado sobre a minha vida com ela.
— Eu tenho notado que, cada vez mais, você fala dela com alegria.
Essa evolução é realmente importante, saiba disso.
— Eu sei. Hm, nós… — O meu rosto esquenta, e eu travo, antes de
contar aquilo.
A dra. Robertson sorri de lado e me encara, desconfiada.
— O quê?
— Nós nos beijamos, e dessa vez foram beijos de verdade. Muitos.
— Muitos?
— Vários. Eu não consigo evitar. Toda vez que ela me prensa contra
algum lugar, ou quando estamos a sós e ela simplesmente para perto de
mim, tenho de não soltar a sua boca.
— O relacionamento de vocês está se reestruturando bem.
— Muito, muito bem. Tão bem que tenho medo de fazer alguma
coisa errada e magoá-la.
— Camille, ter medo de machucar quem gostamos é normal, mas
não devemos criar tanta paranoia em relação a isso, pois nos magoamos em
qualquer relacionamento, o que é completamente normal. O que importa é
saber lidar com a mágoa. Não adianta fazer de tudo para ser perfeito e
estragar algo sem querer. Somos seres humanos e erramos constantemente,
mas não devemos parar de aprender e tentar mudar sempre. No final, é isso
o que importa.
Ouço todas as palavras que ela me diz e as absorvo. Tenho total
consciência de que vamos acabar errando em algum momento, pois como a
doutora disse, estamos suscetíveis a erros. O que nunca devemos fazer é
deixar que a mágoa cresça, temos sempre que resolver o que estiver errado
da melhor forma.
Espero que a Luna esteja ao meu lado em todos os momentos,
apesar de saber, com certeza, que ela nunca me abandonará.
Amadureceremos juntas. Eu quero ser a melhor pessoa possível para ela,
porque não existe ninguém no mundo que me faça desejar tanto uma vida
boa quanto essa mulher. Tudo que desejo para nós é paz, crescimento e
muita compreensão.
Logo que a consulta termina, despeço-me da Dra. Robertson. Prestes
a abrir o aplicativo para pedir um carro, noto ter mensagens recebidas,
então puxo a barra de notificação e vejo que são de Luna. Como sempre, é
impossível frear o sorriso que nasce em meu rosto.
— Está muito ocupada? — pergunto, assim que ela atende a
chamada no terceiro toque. Eu não consigo evitar fazer ligações, sempre
prefiro ligar a enviar mensagens. Gosto de ouvir a voz da pessoa.
— Nunca para você, meu amor. Acabou a consulta agora?
— Sim. Pedirei um carro agora para ir embora. Ou talvez eu visite a
Vanessa. Não decidi ainda.
— Conseguiu chegar no horário? Eu saí com tanta pressa que nem
pude acordar você.
— Eu percebi. Acordei, assim que você se levantou, e não consegui
dormir mais depois disso. Próximo ao horário da consulta, chamei o Uber e
saí. Deu tudo certo, eu estou ficando boa em sair sozinha por esta cidade.
— Você sempre foi muito esperta, amor. Que bom que deu tudo
certo!
— Sim.
— Eu posso pegar você se quiser.
O meu coração fica derretido com sua pergunta. Eu gosto do quanto
ela é protetora e sempre tenta facilitar tudo para mim, mas não sou idiota
de fazê-la vir de tão longe, sabendo que hoje ela ficará até tarde no
trabalho, apenas para suprir um capricho meu.
— Não precisa, eu acabei de pedir um carro. Ronald está vindo me
buscar.
— Tudo bem, princesa. Compartilhe a sua localização comigo e,
quando chegar, me avise.
— Acho que vou passar naquele mercado perto de casa e comprar
algumas coisas, estou com vontade de comer algo recheado de queijo.
— Isso é maldade, sabia?
— Por quê?
Percebo que o carro está chegando e aceno para ele, indo em sua
direção.
— Nada se compara à sua comida.
— Você já comeu? Está na hora do almoço.
— Comi uma maçã agora há pouco, mas estou esperando Nayara,
para almoçarmos juntas. Ela avisou por mensagem que está quase
chegando.
— Eu ia brigar com você, caso ficasse só com uma maçã no
estômago o dia todo.
— Eu imaginei, conheço você. Queria almoçar contigo. Nenhuma
comida neste mundo supera a sua.
Sinto meu ego inflar com seu elogio. Eu sempre amei cozinhar e fiz
questão de aprender bem cedo, mesmo que ninguém ordenasse. Nunca fiz
a linha de que só porque sou mulher preciso saber cozinhar. Aprendi por
amor e porque não queria sobrecarregar a minha mãe quando tinha
vontade de comer alguma coisa.
— Hmm... Eu posso fazer algo especialmente para você mais tarde.
Algum pedido?
— Tudo o que você faz é ótimo, mas eu também quero algo recheado
com queijo.
Minha mente começa a planejar cardápios automaticamente.
— Vou fazer alguma coisa com recheio de queijo para você.
— Eu tenho que desligar, mas, amor...
— Hm?
— Estou cheia de saudade de você.
Ao ouvi-la, sinto o meu coração acelerado, como se uma explosão de
adrenalina tivesse acabado de acontecer dentro de mim. Mesmo que ela
não possa ver, eu sorrio, com a certeza de ela sabe o que estou fazendo.
Não penso duas vezes antes de responder com sinceridade.
— Eu também estou cheia de saudade.
Ela se derrete toda e fica manhosa quando precisamos nos despedir.
As minhas mãos estão suadas, e o coração ainda acelerado. Sinto que
poderia enchê-la de beijos agora mesmo. Não me lembro de ter sentido
algo assim por alguém. Com a Luna, tudo parece mais intenso. Eu gosto e
tenho medo ao mesmo tempo, mas como meu pai disse uma vez para mim,
precisamos de coragem para gostar de uma pessoa, e eu terei coragem
para amá-la. Não existe mais nada que eu queira além disso.
Quase terminando de arrumar a mesa, olho para o relógio na parede
e percebo que o jantar será mais tarde do que o habitual, pois já são quase
oito horas da noite. Pronta para pegar o meu celular e ligar para Luna, a
porta da frente é aberta, e vozes agitadas tomam conta da casa. O sorriso é
automático, eu não aguentava mais ficar sozinha.
— Eu não acredito que estou sentindo cheiro de quesadillas!
— Sí, mami! Com muito queijo, como você gosta.
Aproximo-me de Luna para cumprimentá-la com um beijo de boa
noite, mas sou impedida com o impacto daquele pequeno ser em minhas
pernas. Sorrio para o meu filho, abaixando-me para abraçá-lo.
— Te extrañé muchísimo, mamá. ¿Me habéis extrañado?
O espanhol de Louis tem melhorado muito, apesar do sotaque
carregado. Mas, de qualquer forma, faz meu coração palpitar ao ouvi-lo falar
na minha língua mãe. Lembro-me do orgulho que meus pais sentiam ao
ouvir as minhas irmãs e eu falarmos em espanhol, e entendo totalmente
esse sentimento. Não existe nada mais satisfatório que ensinar suas raízes a
um filho.
— Sí, cariño, te extrañé muchísimo también. Te quiero mucho.
— Te quiero mucho, mamá.
— ¿Tienes algo de ese amor por mí también? Me siento excluida.
Louis e eu trocamos olhares, antes de abrirmos um enorme sorriso e
agarrarmos a Luna: ele, na cintura dela, por conta de sua altura; eu,
envolvendo seu pescoço. Já disse que ela fica muito fofa quando faz drama?
— Mamãe, a senhora tem todo o nosso amor. Para sempre — Louis
diz em inglês dessa vez. Por mais que ele esteja evoluindo, ainda não sente
segurança em manter uma conversa toda em espanhol. Eu não vejo
problema algum. Aos poucos, ele vai se adaptar.
— Lavem as mãos e venham comer, enquanto ainda estão quentes.
Eu fiz quesadillas de frango e de carne, com muito queijo.
Os dois comemoram com um toque de mãos engraçado, antes de se
encaminharem ao pequeno lavabo no corredor para lavarem as mãos. Eu
termino de arrumar tudo, e logo eles voltam para jantar. Sentamo-nos à
mesa, e imediatamente meu filho começa a falar sobre o dia que teve. Olho
para ela e a vejo concentrada no que o pequeno conta, mesmo sem parar
de comer.
É lindo o brilho no olhar dela ao olhar para Louis, eu acho a coisa
mais fofa e adorável do mundo. Quando somos mais novos, nunca
pensamos em cenas como esta. Se eu tivesse imaginado, no passado, a
Jacobs como mãe, certamente não chegaria nem perto de como ela é
realmente. Excelente pessoa, excelente mãe, excelente esposa. A cada dia,
eu a admiro mais. Apaixonar-se por ela é inevitável.
Louis pede que nós duas o coloquemos para dormir, e eu obviamente
nunca recusaria esse tipo de pedido, e tenho a certeza de que Luna também
não. Apertamo-nos na cama do pequeno, fazendo carinho e contando
histórias sem sentido até que ele pegue no sono, o que não demora muito.
Uma vez, Luna comentou que, desde quando nasceu, raramente
Louis deu trabalho para dormir. Bastava colocá-lo na cama e fazer carinho
em seu queixo que tudo ficava bem.
Sabe uma coisa engraçada? Luna tem essa mesma mania: se fizer
carinho no seu queixo, ela simplesmente adormece em segundos.
— Eu ainda não vi o nosso álbum de casamento, onde está? Nós
temos um, certo? — comento, assim que volto do banheiro e me sento na
cama. Eu estava fazendo minha higiene antes de me deitar. Luna, que está
no closet, demora alguns minutos para sair de lá, com um álbum branco
com listras coloridas em suas mãos. Não preciso pensar muito para saber
que é uma bandeira LGBT+, o que me faz rir.
— Você se casa com uma fotógrafa viciada em fotos de tudo e
realmente cogita não ter um álbum de casamento?
— Mas não deve ter sido você que nos fotografou, seria meio
impossível.
Ela solta uma gargalhada e concorda com a cabeça, sentando-se ao
meu lado para me entregar o álbum.
— Nós discutimos durante a festa, porque eu queria muito tirar
algumas fotos, e você estava indignada com o fato de eu ficar escolhendo
as câmeras, podendo ficar ao seu lado.
— Eu parecia ser bem...
— Autoritária? Sim, você sempre foi extremamente mandona.
— Sério?
Eu abro o álbum, e na primeira página tem uma foto nossa muito
bonita: Luna está sentada em uma cadeira que mais parece um trono de
rainha; eu, em seu colo, com a cabeça deitada no seu ombro, admirando o
seu rosto.
— Muito sério, mas sempre gostei, principalmente quando você
mandava na cama.
Os meus olhos quase saltam das órbitas ao ouvir aquilo. Luna
olha para a foto de forma natural, como se não tivesse acabado de falar
uma safadeza.
— Você faz isso de propósito, não faz?
— O quê? Citar nossa vida sexual? Sim, é completamente normal. Eu
sempre gostei mesmo do fato de você dizer o que queria e como queria. E
se não estivesse bom, mandava fazer de uma forma que ficasse.
Não a respondo, volto o meu olhar para o álbum e passo para a
próxima foto, que é composta de amigos e familiares, todos sorridentes,
erguendo seus copos que contêm algo que parece ser espumante, e nós
duas estamos bem no centro do grupo.
— Gostei dessa foto, bem natural — comento, admirada com uma
foto nossa, em que estamos um pouco mais afastadas de todos. Luna tem
as mãos em minha cintura, e eu seguro seus ombros, com a cabeça jogada
para trás, parecendo me divertir com alguma coisa.
— Esta sempre foi uma das suas favoritas, porque realmente foi
natural. Eu estava contando-lhe piadinhas. Nem sabíamos que o fotógrafo
estava tirando fotos nesse momento.
— Ficou muito bonita.
— De fato, ficou. Eu estava muito preocupada que todas as fotos
ficassem bonitas.
— Por que será que tenho certeza de que você ficou em cima da
equipe de fotografia o tempo todo? — Olho de soslaio para a Luna e a vejo
abrir um sorriso sapeca, como se assumisse o ato.
— Não pode me culpar por querer o melhor. Era um dos nossos dias
mais felizes, precisava ser tudo perfeito.
Na foto seguinte, a primeira coisa que me chama a atenção é o brilho
intenso em nossos olhares e os sorrisos cúmplices. Nossa! Parecemos tão
felizes.
— Sempre achei esse estilo de foto uma coisa muito bonita —
comento, analisando a foto em que Luna está me erguendo pela cintura, e
eu, segurando em seus ombros. Estamos trocando olhares e sorrisos. É uma
foto realmente linda.
— Foi ideia sua tirar uma foto assim. Eu achei que ficaria bonita, e
realmente ficou, mas como não poderia? Veja que casal perfeito — ela
brinca, e eu reviro meus olhos, empurrando-a pelos ombros.
Continuamos conversando e olhando todas as fotos. O detalhe mais
notável em mim é a felicidade estampada no meu olhar, no meu rosto,
como se eu brilhasse, exalando paixão por aquela mulher. Sinto uma dor
momentânea ao me dar conta de que talvez nunca me lembre de tudo isso
que vivemos, mas olhar para o lado e ver o sorriso de Luna me dá forças
para criar novas lembranças com ela.
— Você sente falta da antiga Camille?
— Como assim?
— Digo, a Camille por quem você era apaixonada e morria de
amores.
— Mas você é a Camille por quem eu sou apaixonada e morro de
amores.
— Sim, eu digo sobre o passado. Sei que estamos recomeçando, mas
você não sente falta de como eram as coisas? Comigo retribuindo os seus
sentimentos de forma completa, estando ao seu lado da maneira que eu sei
que você quer.
Luna finalmente entende aonde eu quero chegar, suspira e se ajeita
sobre a cama. Nesse momento, parece um pouco desconfortável, mas eu
preciso saber mais de como ela está se sentindo com tudo isso. Não sei se
ela espera que eu volte a ser como era antes, porque sabemos que existem
chances de isso não acontecer.
— Camille, eu vou ser bem sincera com você. Não está sendo fácil,
mas o fato de estarmos nos dando bem de novo me tranquiliza mais. Você
consegue imaginar como é passar anos com uma pessoa, construir uma
vida com ela e, então, tudo simplesmente sumir da memória dela como se
fosse mágica? Tenho me desdobrado para não surtar e não deixar que você
surte.
— Não pensei por esse lado. Eu imagino que as coisas estejam
difíceis, mas não tanto assim.
— Ei, fique tranquila, tudo está se acertando aos poucos. — Ela
segura minhas mãos e me olha diretamente nos olhos, querendo me
tranquilizar. — No início, eu sentia que poderia explodir e surtar a qualquer
minuto, mas resolvi ter calma e esperar. Tudo tem o seu tempo, e algo
dentro de mim diz que as coisas sempre se acertam de uma forma ou de
outra.
— Fico menos preocupada em saber que estamos conseguindo
acertar tudo aos poucos.
— Sim, eu também. Quando você acordou naquele dia, e fui me
dando conta das grosserias e da sua vontade de me largar, parecia que eu
estava presa em uma caixa de vidro minúscula, observando uma onda
tomar conta de tudo, sem que eu pudesse me salvar ou salvar você.
Por reflexo, aperto nossas mãos unidas e fecho os olhos, ao puxá-las
contra o meu peito, que está apertado por me lembrar de como fui idiota
com ela, no início de tudo.
— Desculpa pelas grosserias. Eu jamais a magoaria com intenção.
Era tudo tão difícil.
— Está tudo bem agora, não precisa mais se culpar. O que passou,
passou. Nós estamos começando a nos entender de novo. No momento,
não sinto falta da antiga Camille, porque estou adorando conhecer essa
versão melhorada.
Ouvi-la dizer isso é como retirar uma tonelada dos meus ombros. O
meu maior medo, apesar de estarmos recomeçando, era que ela sentisse
falta e esperanças de ter de volta a antiga Camille. Não quero mais magoá-
la ou decepcioná-la, principalmente por ter consciência de que eu posso
nunca me lembrar de nada. Da mesma forma que ela está conhecendo uma
nova versão minha, estou tendo o privilégio de conhecer uma Luna que é
nova para mim.
Preciso confessar que quanto mais conheço a Luna, mais eu gosto
dela. É interessante como as coisas acontecem. Mesmo sem perceber, em
pouco tempo, eu já sabia que seríamos importantes uma para a outra. Algo
dentro de mim sempre soube e sempre vai saber que ela é a minha pessoa.
Capítulo 22 – Dias melhores
Se eu puder dizer que odeio acordar de madrugada querendo beber
água e me dar conta de que me esqueci de trazer a garrafa antes de me
deitar, então eu digo, porque isso me mata. Outra coisa que chama a minha
atenção, além da falta da garrafinha, é o fato de que estou sozinha na
cama. Curiosa, pego o meu celular, para verificar as horas, e não me
espanto ao ver que são três horas da manhã.
Cadê aquela mulher?
Levanto-me da cama e apanho um dos roupões felpudos pendurados
atrás da porta. Sempre os deixamos ali para o caso de precisarmos sair do
quarto. A casa está em silêncio, mas quando chego à escada, noto a luz do
corredor, que leva à cozinha, acesa, e ouço alguns sons vindos de lá.
— O que faz acordada, a essa hora, dentro da geladeira?
— Meu Deus, Camille! — ela exclama e dá um salto, retirando a
metade de seu corpo lá de dentro.
Franzo o cenho e sinto vontade de rir, ao notar uma mancha
vermelha em seu queixo e outra na ponta do nariz.
— Quer me matar de susto?
Aproximo-me dela de braços cruzados, sem desviar nossos olhares.
— Eu quero saber o que faz acordada e por que estava tão dentro da
geladeira. Quer se resfriar? — É inevitável não lhe dar um esporro. Às vezes,
a Luna realmente se comporta como uma criança e não como uma mulher
adulta que já chegou aos trinta anos.
Descruzo os meus braços para limpar o seu rosto sujo,
aparentemente de calda de morango.
— Você precisa parar de me assustar assim, pois o meu coração está
sambando no meu peito.
Solto uma risadinha por causa de seu exagero. Essa mulher consegue
ser dramática quando quer.
— E daí? Eu posso assustar você sempre que quiser.
— Engraçadinha. Senti vontade de comer biscoito com calda de
morango e bolo.
— Percebi — ironizo e mostro os meus dedos sujos com a calda de
morango que retirei de seu rosto. Luna pressiona os lábios, sem jeito, e
desvia o olhar do meu.
— Nem me dei conta de que estava me sujando.
— Parece até que não jantou direito. Esse bolo deve estar velho, você
não devia comê-lo. Eu me esqueci de jogar fora.
— Nãooo! — Luna faz manha e agarra meus pulsos quando faço
menção de pegar o pote com o tal bolo. — Ele está delicioso.
— Se você gosta tanto, eu posso fazer outro, mas este está velho.
— Faz agora?
Olho incrédula para ela e penso ser alguma brincadeira, mas o brilho
quase infantil em seu olhar me faz acreditar que está falando muito sério.
— Por favor.
Quase não resisto ao seu pedido, mas acontece que estou com sono.
Apenas desci para buscar água e voltar para a cama.
— Já viu as horas? Estou cansada, mas prometo que acordarei você
com um bolo fresquinho, recheado de creme de morango, que tal?
Fecho a geladeira e me aproximo dela, colocando as mãos em sua
cintura e abrindo um enorme sorriso. Luna faz um bico enorme de
desapontamento, e isso me faz automaticamente me inclinar para a frente e
selar os nossos lábios.
Ela suspira, rendida, e segura o meu rosto em suas mãos, retribuindo
o beijo com genuína paixão. Sinto sua língua alisar o meu lábio inferior e,
então, abro a minha boca, permitindo que ela a invada. Uma lufada de ar
escapa de mim quando meu corpo começa a esquentar. O ritmo do beijo
acelera, e sei que esse é o momento de pará-lo.
— Quero biscoitos de chocolate também.
— Está querendo me explorar, não acha?
Ainda estamos na mesma posição de antes, mas sem trocarmos
beijos. Luna sorri, inclinando-se para selar os nossos lábios mais uma vez,
antes de responder:
— Fico devendo uma.
— Hmm, isso é interessante. As minhas costas estão doendo um
pouco, sabe? Muitos movimentos de dança.
Ela sorri, solta o meu rosto, leva as mãos até as minhas costas e as
escorrega, até chegar à minha lombar e pressionar as pontas de seus
dedos. Engulo em seco, retraindo o meu corpo por reflexo, e quase solto um
gemido de alívio por ela ter acertado o ponto exato da minha dor.
— Farei com o maior prazer. Você quer agora? — ela diminui o tom
de voz e gira os dedos centrais no local em que estou sentindo maior
desconforto.
Quase me derreto em seus braços. O coração dispara e uma bola de
saliva se forma em minha boca. Respiro fundo ao me afastar um pouco.
— Seria perfeito para mim.
— Ótimo. Vamos subir que eu faço, e amanhã o meu bolo com
biscoitos estará garantido.
Sinto vontade de responder que ele está garantido de qualquer
forma, mas prefiro que ela me faça a massagem mesmo. Estou realmente
sentindo algumas dores em minha lombar. Talvez por ter errado a postura
em algum momento, durante as aulas de dança.
Antes de subirmos, pego a minha garrafa de água e faço com que ela
pegue uma para ela também. Arrumamos a pequena bagunça que ela fez
na cozinha e voltamos para o nosso quarto.
Deito-me de bruços na cama e a espero. Luna apaga as luzes e deixa
apenas a do abajur acesa, em intensidade baixa. Fica um clima tão gostoso,
que tenho certeza de que dormirei com facilidade. Ela sobe na cama e,
então, sobe em meu corpo, ajeitando-se um pouco abaixo da minha bunda,
bem no centro de minhas coxas.
— É exatamente aí que está doendo — falo, assim que ela pressiona
com os polegares o centro da minha lombar. Luna aplica mais pressão e gira
os dedos, fazendo-me enfiar o rosto no travesseiro para abafar qualquer
som que escape de mim.
— Você precisa voltar a praticar o seu tão precioso yoga. Essas dores
vão sumir.
Retiro o meu rosto do travesseiro e solto um longo suspiro quando
ela aplica pressão outra vez.
— Eu praticava?
— Sim.
— Voltarei, então. Essa dor não me atrapalha, mas me incomoda.
— Faça isso. — Ela espalma as mãos em minhas costas e sobe até
meus ombros, pressionando de uma forma maravilhosa. Luna sabe o que
está fazendo. — Você vai à Belinda amanhã?
— Sim, ela mandou mensagem, querendo confirmar. Você pode me
levar?
— Claro, mas que tal você ir guiando o carro, e eu a auxilio?
Os meus olhos se arregalam ao ouvir aquela sugestão. Ela só pode
estar louca, se pensa mesmo que eu vou dirigir durante vinte minutos.
— Nunca — respondo prontamente, e ela acaba rindo, tremendo
sobre mim.
— Amor, você precisa aprender uma hora ou outra. Tem que ganhar
confiança assim, aos poucos. Que tal só uma parte? Se você sentir que não
está preparada para ir até lá, eu levo o resto do caminho.
Fecho os olhos e quase derreto sobre o colchão quando ela volta a
pressionar a minha lombar, com seus movimentos precisos.
— Eu acho considerável, mas não garanto nada.
— Já é um começo. — O seu tom de voz sai extremamente rouco, e
quando me dou conta, ela está parcialmente deitada sobre mim, afastando
os meus cabelos para ter minha nuca livre.
Pressiono meus olhos com força ao sentir o ar quente de sua boca
bater contra a minha pele, arrepiando-me. Luna muda as mãos para a
minha cintura, apertando-a com força, antes de beijar no ponto entre os
meus ombros. Os lábios macios passeiam pela minha nuca, e como se não
bastasse, me dá uma leve mordida, que faz o meu corpo estremecer.
— Luna… — tento alertá-la, mas a minha voz sai com o tom de quem
está deixando claro que não quer parar.
Ela não está fazendo nada demais, mas, mesmo assim, todos os
meus sentidos estão aguçados nesse momento.
Luna se afasta um pouco, e eu penso que estou livre de suas garras
perigosas, mas sinto quando ela enfia o seu braço por debaixo de mim e me
gira, como se eu não pesasse nada.
— Sua dor passou?
Ela está me olhando diretamente nos olhos, enquanto se ajeita entre
as minhas pernas. Nesse momento, me sinto como uma virgem intocada. Eu
sei que Luna não fará nada que eu não queira, mas também sei o que ela
espera que aconteça. Tenho consciência de que, mais cedo ou mais tarde,
vai acontecer.
— Você é perigosa. — Ela abre um enorme sorriso ao ouvir o que
acabo de dizer e faz menção de se abaixar para me beijar, mas eu resolvo
agir: enfio minha mão direita por dentro de seus cabelos e os seguro com
força. Luna parece surpresa com o meu ato e paralisa, esperando minha
próxima ação. — Só que eu também sou, e você sabe disso. Minha memória
pode não estar aqui, mas eu sinto, Luna. Quer continuar brincando assim?
Ela ofega, parecendo surpresa demais para me dar uma resposta
rápida. Sorrio, me sentindo satisfeita por finalmente ter entrado no jogo
dela e ganhado uma disputa. É claro que essa rodada é minha, basta olhar
para o estado catatônico que essa mulher, em cima de mim, se encontra.
— Por um segundo, eu tive uma sensação de déjà vu.
— Você me conhece melhor do que qualquer outra pessoa nesse
momento, inclusive melhor do que eu mesma. Quantas vezes a antiga
Camille se rendeu a você sem devolver suas provocações?
— Foram raras.
— E você ainda quer brincar comigo assim?
Nossas bocas estão quase coladas, nossas respirações se misturando,
e eu poderia dizer que até mesmo as batidas de nossos corações estão no
mesmo ritmo. Luna sorri, usando sua boca para alisar a minha.
— Eu quero brincar com você de tantas formas — ela sussurra e me
beija, acariciando de leve minha boca com a sua. Eu suspiro, deixando-a
guiar o beijo. — Não faz ideia das coisas que se passam na minha cabeça.
— Fale-me…
Luna sorri e chega ao meu pescoço, roçando os seus lábios
levemente. Fecho os meus olhos, apreciando o seu toque. Essa mulher vai
me matar, é fato, ela sabe muito bem quais são os meus pontos fracos. Isso
é perigoso, mas quem disse que tenho medo?
— Não vou falar, eu vou mostrar, mas sei que você ainda não se
sente pronta. Por mais que seja teimosa e queira me contrariar, como
sempre gostou de fazer.
Uma risada me escapa. Eu realmente sempre gostei de contrariá-la,
principalmente porque sabia que ela odiava que a contrariasse. Eu a puxo
para trás pelos cabelos, fazendo-a me encarar; Luna encara minha boca, e
acaricio a dela com meus dedos da mão livre.
— Você saberá quando eu estiver pronta, e espero que faça todas as
coisas que estão se passando na sua cabeça.
Os olhos parecem ganhar um brilho mais intenso, e sem pensar duas
vezes, ela beija a minha boca. Luna não se importa em soltar seu peso
sobre meu corpo, e eu amo isso. Senti-la totalmente assim está sendo
delicioso.
Quem disse que acordar de madrugada não pode ser interessante?
O meu coração aperta ao ler essas palavras, é como se eu
conseguisse sentir o desespero que estava sentindo. Quando peguei um dos
diários mais recentes, não pensei que a carga emotiva de ler o que estava
acontecendo me deixaria tão sobrecarregada quanto agora.
— O que está fazendo, criatura? Estou procurando por você faz
tempo. — Ouço a voz de Belinda e automaticamente fecho o diário que está
em minhas mãos. Ainda meio zonza, viro-me em sua direção; ela está
segurando duas xícaras em suas mãos e se aproxima de mim. Tento sorrir,
mas é em vão. Pelo olhar dela, minha irmã sabe que tem algo errado. — Por
que está com essa cara de quem acabou de descobrir uma coisa terrível?
— Eu... — Respiro fundo. — Leia isso aqui.
Belinda se senta ao meu lado no sofá da sala de sua casa. Luna me
deixou aqui mais cedo e saiu com o Rodrigo e os meus sobrinhos para fazer
alguma coisa com o carinha. Eles queriam nos deixar sozinhas. A minha
irmã e eu precisamos constantemente de um momento só nosso. Agradeço
por isso, pois ela sempre foi a pessoa a quem mais me senti conectada.
— Mille, isso é...
— Perturbador, certo?
— Demais. Eu queria tanto saber o que estava acontecendo com
você, tentei por diversas vezes conversar, mas você fugia. Até que chegou o
momento em que paramos de nos ver com frequência, porque me disse que
não queria ter que ficar respondendo perguntas.
— Eu fui uma imbecil completa, com todo mundo.
— Irmã, não é assim. Tinha alguma coisa acontecendo.
— Encontrei remédios escondidos nas minhas coisas, muitas caixas
vazias e cheias — interrompo-a, confidenciando uma coisa que descobri, faz
alguns dias, e não contei a ninguém, nem mesmo à minha psicóloga. Fiquei
apavorada e confusa. — Não faço ideia do motivo de ser medicada com
tantas pílulas.
Levo minhas mãos à cabeça e olho de soslaio para a minha irmã, que
parece chocada demais para ter uma reação imediata. Então, ela respira
fundo, como se engolisse um sentimento muito ruim, e me abraça. Sim, ela
simplesmente me abraça com força.
— Eu devia ter percebido. Merda, Camille. Por que você sempre
escolhe guardar tudo para si mesma, como se fosse capaz de proteger todo
mundo, fingindo que os problemas não existem? Por que fui tão idiota a
ponto de não insistir e descobrir o que tinha de errado?
— Belinda... — Deixo que ela me abrace durante um tempo, e me
separo quando preciso continuar a falar. A minha irmã está com lágrimas
escorrendo pelo rosto, e é notável o olhar de culpa, como se existisse algum
culpado, além de mim, por tudo o que aconteceu. Sempre fui fechada, mas
aparentemente isso se aguçou nos últimos anos. — Não é culpa sua o que
aconteceu. Por favor, não se martirize.
— Eu sou a sua irmã gêmea, fomos feitas unidas, nascemos
praticamente no mesmo momento. Como posso não me culpar por saber
que você estava se afundando em si mesma e eu desisti de descobrir o que
tinha de errado? Cansei, Camille. Abri mão, porque você estava sendo tão...
Mas eu não podia imaginar algo assim, você sempre me pareceu tão
centrada.
— Be...
— Não! Camille, não. Eu poderia ter feito alguma coisa. E se tudo
pudesse ter sido evitado? A sua memória resolveu se apagar por causa
dessas coisas? Você estava se acabando diante dos meus olhos, e eu me
recusei a enxergar.
Não me dou conta de que estou chorando até que ela me abrace
outra vez e solte tudo que parece ter guardado durante muito tempo. O
choro dela me incomoda, aperta meu peito e faz com que eu a segure com
bastante força, querendo, de alguma forma, acalmar as nossas almas.
Estamos feridas, eu sinto isso. Desde o início, algo me parecia errado, e
estou descobrindo que sempre tive razão. Não me lembro do que
aconteceu, mas sinto na pele, cada vez mais, que as coisas estavam
realmente ruins. Eu não sei se agradeço por não me lembrar de todo o meu
sofrimento ou se odeio o fato de ter sido fraca a ponto de ter me esquecido
de tudo para não enfrentar os meus problemas. Ter encontrado todos
aqueles remédios me fez cair na realidade. Eu realmente estava me
afundando e provavelmente me afundei tanto que acabei me afogando em
mim mesma.
Belinda e eu choramos juntas como nunca. Ela, por se sentir culpada;
eu, por saber que a realidade do que estava acontecendo era realmente
dolorosa. Muitas coisas para pensar, minha cabeça está doendo, eu me sinto
sufocada, mas sei que preciso sentir. Aprendi que não adianta querer fugir
das coisas, uma hora tudo vai te alcançar. Desejar sentir por etapas é pior
do que ser atingida de uma vez só. Podemos tentar fingir que os problemas
não existem, mas acaba se tornando uma bola de neve. Eu acredito que
tenha feito isso durante muito tempo, e assim, uma coisa foi
desencadeando outra.
Consigo, depois de muito tempo, acalmá-la e me acalmar. A minha
irmã segura o meu rosto nas mãos, olhando para mim como se eu fosse a
coisa mais preciosa do mundo. Ela sempre fazia isso quando éramos mais
novas e eu estava triste; sempre me ajudava a me sentir melhor. Não está
sendo diferente agora. Há sentimentos que apenas outra pessoa, que te
ama muito, consegue transmitir.
— Eu amo você. Espero que saiba que nada do que possa ter
acontecido é sua culpa.
— Mas...
— Shhh! Eu sei que você queria ter descoberto e me ajudado, mas
aparentemente não quis ajuda, e isso poderia acabar causando uma briga.
Coloco as minhas mãos sobre as dela e as retiro de meu rosto, para
trazê-las até a minha boca e beijá-las. Os lábios de Belinda tremem
levemente, e eu sei que ela está prestes a chorar mais, então continuo a
falar para tentar acalmá-la.
— Irmã, eu sei que somos capazes de virar o mundo de cabeça para
baixo uma pela outra — digo —, mas nem sempre conseguiremos resolver
tudo. Olhe para mim, tudo o que está acontecendo... Acha que seria
diferente se você soubesse? Provavelmente, eu acabaria te afundando junto
comigo.
— Ninguém merece sofrer sozinha, Camille. Me sinto culpada por
saber que a pessoa a quem mais sou ligada nesse mundo estava sofrendo
coisas horríveis e não pude ajudar.
— Pare de se culpar, pois aconteceu o que tinha que acontecer. Será
que podemos focar o agora? Estou trabalhando para ficar melhor, a minha
vida finalmente parece de volta aos trilhos, tanto no meu emprego quanto
em casa.
— Com a minha cunhada — ela finalmente faz uma piadinha, e eu
acabo rindo antes de revirar os olhos.
— Sim, com a sua cunhada, a minha esposa. Nossa, ainda é estranho
saber que sou casada.
— Mas olhe pelo lado bom, você está muito bem-casada.
— Olhe aqui, você nem comece a falar sobre a Luna, porque te
conheço.
— Eu nem falei nada. Absurdo. Só ia dizer que ela é uma... — Lanço
um olhar em direção à minha irmã, para deixar claro que estou falando
sério, e ela ergue as mãos, fazendo sinal de rendição. — Pessoa
maravilhosa, era isso que eu diria.
— Sei.
O meu celular vibra, e eu o retiro do bolso de minha calça, apenas
para ver uma mensagem não lida de Vanessa.
— E uma verdadeira gostosa.
— Belinda! — Tento acertá-la com um tapa, mas a bendita é rápida e
se arrasta para trás, levantando-se do sofá, em seguida, para fugir de mim.
Ela está rindo, e eu apenas a ignoro, optando por responder à mensagem
de minha melhor amiga. — Vanessa está vindo para cá.
— Sozinha, né? Hoje é dia só das mulheres, sem maridos, esposas ou
filhos.
— Ela disse que o Noah saiu para se encontrar com a Luna e o
Rodrigo.
— Ótimo, precisamos de um momento só nosso. Eu tenho um vinho
perfeito.
Belinda se anima e bate palmas, antes de sair da sala e sumir entre
os corredores. Provavelmente, buscará o tal vinho e preparará alguma coisa
para comermos.
Eu verifico se tem alguma mensagem de Luna, mas ela não mandou
nada. Então, apenas para me certificar de que está tudo bem, resolvo eu
mesma lhe enviar.

Não demora muito a chegar uma resposta que, na verdade, não era
dela, mas, sim, um áudio do meu cunhado Rodrigo:
— Está tudo bem, o garotinho está se divertindo muito. Deixe de ser
mãe coruja. Aproveitem a tarde de vocês, porque estamos aproveitando a
nossa.
Eu rio do áudio e respondo que está tudo bem, para eles
aproveitarem bastante e tomarem cuidado. Resolvo largar o celular sobre o
sofá e ir atrás da minha irmã. Logo a encontro na cozinha, curvada na
geladeira, em busca de coisas para comermos. Previsível demais.
— Será que a Luna não acha estranho estarmos juntas aqui, e ela
com eles, como se fosse o meu “marido”? — questiono, preocupada, ao me
sentar em um dos bancos da ilha no centro da cozinha. Belinda se ergue e
me olha, como se eu fosse louca.
— Por que ela se sentiria assim? Ela adora fazer esses programas
com eles e as crianças. Você sabe que eles sempre foram muito unidos.
Além do mais, às vezes, ela também participa de momentos nossos.
— Não quero que ela se sinta estranha ou colocada de escanteio.
Belinda solta uma risadinha.
— É engraçado… você perdeu a memória, mas parece a mesma
Camille de sempre. Extremamente preocupada em deixar a Luna confortável
em relação ao relacionamento de vocês. Fique tranquila, nada entre vocês
duas é estereotipado.
— Fico mais tranquila, então.
— Deve ficar mesmo. Vocês são mulheres incríveis juntas e não
precisam de representação masculina de forma alguma no relacionamento.
Relaxe! Somente eu tive a má sorte de gostar de homens.
— Isso é verdade! Esse desgosto só você e Sofia deram aos nossos
pais.
A minha irmã e eu acabamos rindo.
— Por falar nela, conversamos ontem. Ela me garantiu que vem para
as festas de fim de ano.
— Nossa, nem consigo imaginar vê-la adulta. Só me lembro daquele
pedaço de gente, cheia de atitude quando mais nova.
— Pois se prepare, porque esse jeito se multiplicou, e ela está
terrível.
Concordo, apoiando meus cotovelos sobre a mesa e levando as mãos
até a minha cabeça, sabendo que provavelmente morrerei de ciúme, caso
ela conte o que está fazendo na faculdade. É difícil me acostumar
totalmente a uma vida de que não me lembro da metade, mas sei que sou
capaz de me encontrar de novo, e tudo se acertará.
Eu confio em dias melhores.
Capítulo 23 – Tudo acontece por um motivo
Eu não sei explicar o motivo, mas o meu incômodo, depois de ter
beijado Jennifer na frente de todo mundo, me fez sentir tão mal que não
aguentei continuar ali. Deveria ser diferente, não deveria? Eu tinha que
estar feliz, foi o meu primeiro beijo, com a garota que tenho desejado há
muito tempo. Mas por que parece que foi tão errado?
— Será que eu posso saber o motivo de você ter saído daquela
forma?
Como sempre, Belinda surge do nada, entrando no meu quarto, sem
ser convidada. Reviro os meus olhos e me mantenho jogada na cama,
olhando o teto e refletindo sobre o que aconteceu na festa e no que está
acontecendo dentro da minha cabeça neste momento.
— Não estava me sentindo bem.
— Esse mal-estar tem nome, e você sabe disso. — Os meus olhos se
fixam na minha irmã, que agora está sentada ao meu lado, com os braços
cruzados e encarando-me com sua famosa expressão de deboche. Porém,
tem algo a mais, ela parece irritada com alguma coisa. — E nem pense em
dizer que estou ficando maluca ou algo assim. Você pode enganar o quanto
quiser a si mesma, mas não tem como enganar a mim.
— Do que está falando?
— Luna. — Solto uma bufada e me sento na cama, preparada para
me levantar e sair do quarto, se for preciso. Tudo que menos quero, no
momento, é falar sobre aquela garota idiota. — Nem pense em sair daqui,
estou falando sério.
— Belinda, por favor, eu estou cansada, quero tomar um banho e
dormir.
— Pare de dar desculpas, seja a mulher que nossa mãe criou você
para ser e converse comigo. — Respiro fundo e abaixo a cabeça,
permanecendo ali, ao lado dela. A Belinda sabe em que ponto atingir para
me convencer de algo. — Por que a Luna te incomoda tanto? Nem é mais
sobre as coisas que ela fazia com você, porque eu vejo como ela tem te
tratado bem desde que começou a cuidar do nosso jardim.
— Eu não gosto dela.
— Não gosta ou tem medo de estar gostando? Por que age dessa
forma tão idiota, se fica assim, se sentindo culpada, depois?
— Não me sinto culpada. — Reviro os olhos e cruzo os braços.
Belinda solta uma lufada de ar e se aproxima de mim, segurando em
meu queixo para que eu a encare.
— Quer mentir logo para mim, Camille? Poupe-me.
— O que você quer de mim? Quer que eu fale que finalmente beijei a
garota dos meus sonhos e me dei conta de que não foi nada do que pensei?
Que ver a Jacobs sair, sem nem dizer nada, está me deixando maluca? É
isso que você quer ouvir?
Ao contrário do que eu pensei que faria, Belinda abre um sorriso de
lado e acaricia o meu rosto.
— Você realmente não consegue enxergar as coisas, né? Felizmente,
a esperteza ficou toda comigo.
— Do que está falando?
Belinda se levanta da cama e se encaminha para fora do quarto,
enquanto prende os seus longos cabelos. Vira-se uma última vez, antes de
sair, apenas para dizer:
— Você descobrirá dentro de alguns dias — é tudo o que ela diz e,
em seguida, sai, deixando-me mais confusa do que tudo.
Mal sabia eu que, dias depois, realmente descobriria o que era: Luna
Jacobs chegaria se declarando para mim, pegando-me totalmente
desprevenida. No dia que a chamei para conversar e tentar me acertar com
ela, jamais imaginaria que as coisas acabariam com Luna dizendo que
estava apaixonada por mim.
— Eu queria me desculpar por aquele dia. Fui totalmente infantil e
sem noção.
Luna me fita, confusa, parando de regar as plantas para me olhar.
— Do que está falando?
Engulo a saliva em minha boca e olho de relance para a minha casa,
apenas para me certificar de que Belinda não está nos vigiando. Mas tenho
certeza de que ela está, sim.
Aproximo-me mais da Jacobs para conversarmos melhor. Falávamos
sobre flores, e eu encontrei o momento perfeito para acertar tudo entre nós
duas. Porque, sim, ainda estou incomodada com o dia da festa e como ela
saiu.
— Sobre a festa, o beijo na Jennifer... foi idiotice.
— Ah, isso... — Ela desvia o olhar do meu e olha para baixo. O meu
coração está apertado, porque quando a Belinda disse que a Luna poderia
ter ficado magoada, eu não acreditei, mas agora vejo que era verdade. —
Está tudo bem. Você nem deve se desculpar, é dela que você gosta, e eu sei
disso. Além do mais, você é solteira, totalmente livre para fazer o que bem
entender.
— Eu não...
— Camies, não precisa se explicar, é sério. Já passou.
— Eu não queria te magoar. Se fiz, de alguma forma, me perdoe. Não
estou aguentando esse sentimento ruim dentro de mim, e não me pergunte
o motivo, porque não sei explicar.
— Você...
— Só quero que saiba que eu não a beijaria daquela forma se
soubesse que magoaria você. Nunca fui esse tipo de pessoa e sempre
abominei gente assim. Não sei por que eu...
— Eu sempre fui apaixonada por você, Camille, desde a primeira vez
que nos esbarramos no corredor da escola.
Os meus olhos quase saltaram das órbitas ao ouvir isso. Quando
Vanessa jogou piadinhas sobre os sentimentos da Jacobs por mim, eu não
levei a sério, mas aqui está ela, a própria, declarando-se para mim.
— Lembro-me de que não conseguia parar de pensar em como o seu
rosto era bonito, e a sua voz, mesmo irritada, era adorável. Eu
simplesmente...
Um enorme sorriso surge em seus lábios. Estou horrorizada, olhando-
a com os meus olhos tão arregalados, que quase saltam de minhas órbitas.
O último mês foi muito confuso e cheio de reviravoltas, mas nunca imaginei
algo desse tipo. Nem em outra vida. Primeiro, eu me culpo por beijar outra
pessoa na frente dela, e agora isso?
— Não. Você não...
— Sim. — Luna abre outro pequeno sorriso. O ambiente está
esquentando não de uma forma sexual, mas sufocante. O meu coração
parece uma metralhadora, de tão rápido que bate. — Você é a minha garota
dos sonhos. Nunca tive a chance de me aproximar do jeito certo. Peço
perdão por tudo, todos esses anos.
— Meu Deus...
— Se eu pudesse voltar no tempo, nunca seria tão babaca com você.
Irritaria você algumas vezes, confesso, mas apenas porque fica linda até
mesmo com raiva. Eu…
Cubro a sua boca, antes que ela continue se declarando. Estamos
muito próximas, e isso me deixa nervosa. Os olhos verdes dela estão fixos
em meu rosto, intensos como uma mata fechada. Engulo saliva e,
hesitando, dou um passo para trás, tirando as mãos do rosto dela. Ela não
desvia o olhar, esperando outra reação minha. Porém, como a boa covarde e
confusa que sou, não respondo e apenas me viro para sair daquela estufa,
deixando-a sozinha. O mundo está se fechando ao meu redor, nada parece
no mesmo lugar.
O que acabou de acontecer?

O dia começou estranho, eu não sei dizer o motivo. Na noite passada


foi tudo tão bom, mas acordei com uma sensação esquisita.
Olho para o lado, e é impossível não sorrir com a imagem
adormecida da Luna, com as duas mãos debaixo de seu travesseiro e o
rosto virado para mim. Aproximo-me e jogo uma perna sobre suas costas,
grudando em seu corpo. Sinto-me melhor com o seu calor, mas preciso de
mais.
Enfio a minha mão direita por entre os seus cabelos, acariciando o
couro cabeludo. Luna suspira e se espreguiça um pouco, mas continua
dormindo na mesma posição. Eu sorrio, aumentando a intensidade dos
carinhos em sua cabeça. Demora alguns minutos, mas ela finalmente
acorda, presenteando-me com os olhos verdes e cristalinos. Ela pisca
algumas vezes, para focar sua visão, e então, abre um dos sorrisos mais
lindos.
— Acordar vendo você é a primeira maravilha do universo — sua voz
sai extremamente rouca, ela se remexe e vira de barriga para cima. Tento
me aproximar de novo para beijá-la, mas suas mãos em meu rosto me
impedem.
— O que foi?
— Escovar os dentes, eu preciso. — Luna se espreguiça novamente e
se levanta da cama, fazendo o lençol escorrer pelo seu corpo. Os meus
olhos vão direto à sua bunda, pois a metade está para fora por causa do
minúsculo short de dormir que ela está usando. — Nossa, acho que vou
beber um pouco de água também, fiquei seca depois dessa secada.
O meu rosto fica automaticamente vermelho quando fala. Eu nem
tinha me dado conta de que estava reparando demais. Desvio o meu olhar,
mas isso não a impede de rir de mim. Idiota, eu não faço de propósito, ela
que me provoca.
— Você se casou comigo, lide com os meus olhares — resmungo,
assim que ela retorna ao quarto. Luna ainda está rindo e sobe na cama,
arrastando-se pelo colchão, até estar sentada no meu colo. Não a encaro,
mas os meus olhos estão fixos em uma parte perigosa.
— Foi a minha bunda e agora é a vez dos meus seios.
— Eu não...
— Calma, Camies, estou brincando. É tudo seu. — Ela segura o meu
rosto e me faz encará-la.
Estou muito sem graça por parecer pervertida.
— Eu sei lidar com os seus olhares, adoro todos eles. Principalmente
quando você faz naturalmente.
— Isso diverte você?
— O quê? — questiona de forma cínica e tenta me beijar, mas puxo a
minha cabeça para trás, ficando longe o bastante de sua boca. Luna solta
uma risadinha, divertindo-se.
— Ficar me provocando. Esse cinismo me deixa com raiva às vezes.
— Eu sei, adoro mulher brava.
Encaro a sua boca, que parece chamar por mim, inclino-me para
selar os nossos lábios e tento aprofundar o beijo, mas somos interrompidas
por batidas à porta. Luna respira fundo, antes de se levantar do meu colo, o
que me faz rir, porque parece realmente frustrada. Ela se arruma antes de ir
até a porta, abrindo-a para o nosso pequeno filho entrar.
— Estou com fome, mamães — o pequeno resmunga, de braços
cruzados, passando por Luna e vindo em minha direção, com sua expressão
emburrada. Sinto uma imensa vontade de morder aquelas bochechas
gordinhas, mas me contenho.
— Bom dia para você também, carinha.
— Bom dia, mamãe. — Ele descruza os braços e olha, sem jeito, para
Luna. — Bom dia, mommy. Estou com muita fome.
— Já estávamos saindo, meu amor. — Levanto-me da cama, vou até
o pequeno e bagunço os seus cabelos cada vez maiores. Penso em levá-lo
para cortar, mas é capaz de Luna e ele surtarem. — O que você quer
comer?
— Bolo com chocolate quente.
— Qualquer sabor de bolo? — Ele acena positivamente com a cabeça,
enquanto saímos juntos do quarto. Eu sorrio para o pequeno e olho para
Luna, mas não a encontro. — Desça e me espere na cozinha.
— Tá bom, mommy.
O pequeno caminha, saltitante, em direção à escada, sumindo das
minhas vistas em segundos. Volto ao quarto e me deparo com a Luna
parada no meio do cômodo, com as mãos na barriga e o corpo um pouco
curvado. Essa imagem me preocupa, e rapidamente chego perto dela,
apoiando minha mão esquerda em sua lombar.
— Está se sentindo mal?
Ela solta uma lufada de ar e ajeita a postura, antes de olhar para
mim e abrir um pequeno sorriso. Parece desconfortável com alguma coisa.
— Passou, foi só um desconforto passageiro. Vamos comer?
— Certeza de que está bem? — questiono, preocupada.
Provavelmente para me deixar tranquila, ela sorri e se inclina para me beijar
rapidamente nos lábios.
— Sim, princesa. Vamos descer e alimentar aquele pequeno
monstrinho.
Luna une nossas mãos, e saímos dessa forma do quarto, rumo à
cozinha. Eu ainda estou me sentindo incomodada com alguma coisa, mas
espero que seja apenas paranoia minha. O nosso café da manhã foi
divertido. Hoje, ficarei em casa com o Louis. Mesmo pedindo muito para
Luna ficar em casa conosco, ela foi trabalhar, prometendo voltar o mais
cedo possível.
Louis e eu estudamos a Língua Espanhola durante algumas horas. Ele
é um garoto muito esperto, absorve o aprendizado instantaneamente,
mesmo que, algumas vezes, eu tenha que repetir as coisas. Encho-me de
orgulho toda vez que o meu filho aprende as coisas com facilidade. Fico feliz
por saber que Luna e eu tivemos a sorte de ter um filho inteligente e
disposto a aprender. Isso tem nos aproximado bastante.
— Eu disse que não era difícil aprender, mamá.
— Realmente, parece uma coisa de outro mundo, mas é fácil —
respondo ao pequeno, sem tirar a minha atenção da televisão, pois estamos
na sala, jogando um dos seus jogos favoritos de videogame, segundo ele
mesmo. O jogo é de corrida e consiste em fazer diversas missões por um
mapa gigantesco. Louis tem uma pasta repleta de jogos, e eu conferi que
não existe nenhum que contenha violência. Isso me deixou feliz. Odiaria
saber que o deixamos entrar em contato com conteúdos impróprios para a
sua idade.
— A mamãe odeia jogos de corrida, ela sempre perde — Louis
confidencia e solta uma gargalhada, e eu acabo rindo também, imaginando
o estresse de Luna quando perde. Terminamos uma corrida e comemoramos
juntos, com o meu pequeno em meu colo, agarrado em meu pescoço.
— Que bagunça boa! Será que tem espaço para mim também? —
Uma terceira voz é ouvida de repente, e olhamos juntos em direção a Luna,
que acaba de tirar a touca e o casaco. Ela sorri e abre os braços.
— Mamãe! — Louis exclama de forma animada e corre em direção a
ela, agarrando-a com força. Luna faz uma careta momentânea, mas logo
sorri outra vez e se agacha para pegar o pequeno no colo. Eles fazem um
toque de mãos, antes de ela colocá-lo de volta ao chão.
Dessa vez, quem se levanta para cumprimentá-la sou eu. Ela segura
em minha cintura, e passo os meus braços por trás de seu pescoço, ficando
nas pontas dos pés para beijá-la.
— Consegui chegar cedo para você — ela diz e sorri. Eu sorrio de
volta e a beijo rapidamente mais uma vez, antes de soltá-la. Sabia que, se
ficássemos muito tempo daquela forma, nosso filho, que é bastante
ciumento, reclamaria.
— Que bom que conseguiu! Venha, vamos jogar. — Seguro a sua
mão e a levo até o sofá. Luna se senta entre Louis e eu e olha para a
televisão.
— Ok, não jogo isso.
— Medrosa — eu poderia ter dito isso, mas foi o pequeno. Surpresa,
abro a boca e a encaro, esperando a sua resposta.
— O que você disse?
— Que a senhora é medrosa, tem medo de perder.
— Olhe aqui, seu...
— Luna. — Seguro o seu braço e a faço me encarar. Ela começa a
ficar com o rosto vermelho, mas relaxa, assim que lanço um olhar sério a
ela.
— Tudo bem. Vamos jogar, então, carinha. Você e eu.
— Vamos! — ele responde, animado, e corre para pegar o outro
controle. Eu olho para os dois e nego com a cabeça, sabendo que aquilo
não dará muito certo.
Eu estava certa. Luna perde por diversas vezes, sempre exigindo a
revanche, e o pequeno fica provocando-a, enquanto eu intervenho o tempo
todo, para impedir uma discussão. Observando esse momento, tenho a
impressão de que ela está mais para irmã do que para mãe dele.
Engraçado!
Resolvo acabar com a sessão de jogos e os levo à cozinha, para que
me ajudem com o jantar. Preparamos tudo e comemos, enquanto
conversamos, o que faz o clima voltar ao normal.
Louis está cansado, então subimos para colocá-lo para dormir, o que
não demora muito a acontecer, pois mal o deitamos na cama e ele pega no
sono. Saímos do quarto do pequeno e vamos para o nosso. Luna é a
primeira a tomar o banho, e eu, logo em seguida. Prestes a me deitar, sinto
uma curiosidade e espero que ela termine de se vestir e venha para a cama,
para conversarmos um pouco.
— Está com sono? — Nego com a cabeça, e ela sorri, fechando a
porta do closet antes de caminhar até a cama. — Posso te beijar?
— Você precisa mesmo perguntar? — brinco, e ela sorri,
aproximando-se o bastante de mim para darmos um rápido beijo.
— Gosto de saber se você está disposta a me dar o que eu quero.
— Não comece — uso um tom acusatório, e ela ergue as mãos em
sinal de rendição, puxando o cobertor para se deitar ao meu lado. — Quero
conversar sobre uma coisa.
— Podemos falar sobre o que desejar, princesa.
Respiro fundo, pois sei que precisarei de coragem para ouvir o que
ela vai me responder.
— O que estava acontecendo no nosso casamento nos últimos
meses?
— Bom... — Ela se ajeita na cama, meio desconfortável. — O que
acontece em todos os casamentos em algum momento.
— Como assim?
— Brigas, desentendimentos sem necessidade. Coisas assim, tudo foi
esfriando.
— Mas existe um motivo?
Luna dá de ombros.
— Eu não sei. Para ser sincera, fazia muito tempo que as coisas não
estavam bem. Só que, nos últimos meses, pioraram.
— Por diversas vezes, escutei as pessoas que convivem conosco
dizendo que eu tinha mudado muito.
— Isso é verdade, você começou a se excluir das coisas. Focou tudo
no trabalho, começou a ser extremamente controladora e paranoica. Não
sabia como lidar com você dessa forma.
— Eu fiquei controladora?
Pelas coisas que li em meu diário, tinha uma ideia de que algo assim
poderia ter acontecido, mas ouvir a confirmação dela sobre a minha pessoa
do passado faz com que eu me sinta péssima, mesmo que não me lembre
dessa Camille.
— Muito. Começou com coisas pequenas, apenas com nosso filho.
Nunca tinha visto você brigar tanto com ele como nos últimos dez meses.
Então, de repente, passou dele para mim, e foi aí que as coisas se
complicaram.
— Nós brigamos muito por causa disso?
— Sim, muito. No início, eram perguntas sobre onde eu estava, por
que tinha chegado tão tarde, porque estava tão cansada, coisas assim.
— Quando passou a fase das perguntas, o que veio em seguida?
Isso parece incomodá-la ainda mais. Vejo, refletido em seu rosto, que
se lembrar daquilo a deixava desconfortável. Sinto-me da mesma forma por
saber que ela estava desse jeito.
— Bem, você começou a fazer o que sempre me deu mais
abominação: vasculhar o meu celular, notebook, o computador do escritório.
Vivia em busca de algo suspeito, vasculhava até o meu carro,
principalmente quando eu chegava tarde.
Estou chocada para ser sincera. Não imagino uma Camille dessa
forma. Mesmo sem lembrar, eu nunca poderia duvidar dela. Para mim, é
muito chocante pensar que me tornei esse tipo de pessoa. Eu nunca gostei
desse controle, odiava quando os meus pais olhavam as minhas coisas.
— Meu Deus...
— Passamos a brigar quase todas as noites. Não havia nada que eu
fizesse que a deixasse mais tranquila. Como se cada passo meu a tornasse
mais enraivecida.
— Eu estava louca de verdade.
— Tentei entender o que estava acontecendo, mas nunca consegui.
Você se fechava e só me atacava. — Ela pausa para respirar fundo e fecha
os olhos. — Uma das nossas piores brigas foi quando, uma noite, eu
cheguei e me deparei com nosso filho sozinho em casa, porque você tinha
enlouquecido e saído atrás de mim, para saber onde eu estava. Por sorte,
cheguei rápido e nada aconteceu. Foi a primeira vez que realmente surtei e
gritei com você.
Isso me surpreende, porque, mesmo no passado, quando ainda não
gostava dela, eu sabia da fama de pessoa paciente que ela carregava, e
essa fama era uma das coisas que mais me irritava nela, porque, por mais
que eu tentasse tirá-la do sério, ela sempre mantinha a calma.
— Devo tê-la tirado do sério de verdade.
— Realmente. Foi muita irresponsabilidade sair e deixar o nosso filho
sozinho para ir atrás de mim, já que não existiam motivos para tanta
desconfiança.
— Concordo. Foi muita irresponsabilidade minha.
— O nosso casamento começou a esfriar de verdade. Não
conversávamos direito, dormíamos na mesma cama apenas por costume,
porque o sexo se tornou nulo, os beijos eram raros. Tudo ficou estranho.
— Luna, você já pensou em procurar outra pessoa? Sei que pode
parecer estranho, mas eu entenderia.
— Nunca! — ela nem hesita em me responder e, inclusive, parece
ofendida com a pergunta. — Eu jamais cometeria tal estupidez. Se não
fosse para ser fiel a você, teria pedido o divórcio.
— Você acha que eu...?
— Que você me traiu? Jamais. Posso afirmar com toda a certeza do
mundo. — Sua confiança, ao responder, deixa-me tranquila.
— Fico feliz em saber que não fui tola de fazer isso. Sempre abominei
traições, mas estou surpresa com a pessoa que me tornei.
— Realmente, você não tinha controle sobre muita coisa.
— Eu ofendi você?
— Muitas vezes. Nas nossas brigas mais intensas, você não filtrava
nada que saísse da sua boca.
— Nossa, que espécie de esposa idiota eu me tornei!
— Em nossa última briga, pedi o divórcio. Eu realmente imaginei não
termos mais salvação.
Ouvi-la dizer isso é semelhante a levar um soco na boca do
estômago. Luna nem me olha nos olhos, como se esse assunto ainda a
afetasse muito, como se a ferisse lembrar-se do que aconteceu. Sinto-me da
mesma forma por saber de tudo o que aconteceu.
— Por quê?
— Não estávamos mais felizes. Eram mais brigas e momentos ruins
do que momentos alegres. Eu desisti de você, Camille. — Ela finalmente me
olha, e os seus olhos estão brilhando, como se estivesse prestes a chorar. —
Desisti de nós duas. Eu decidi quebrar a promessa de sempre estar ao seu
lado, mesmo quando tudo estivesse desmoronando, porque sentia que não
existia mais nada para desmoronar.
— O que eu disse a você naquela noite? Não me esconda nada. Sinto
que foi algo muito sério, porque, conhecendo você um pouco, sei que não
desiste fácil, a menos que tenha atingido um limite realmente crítico.
Luna puxa bastante o fôlego, antes de começar a falar.
— Naquela noite, eu cheguei mais tarde que o normal. Acabei ficando
sem bateria e resolvi lhe avisar, pelo celular do Noah, que sairia com
Nayara, Keith e ele. Foi a pior decisão que eu poderia ter tomado. Deveria
ter ligado e não só mandado mensagem. Eu precisava tanto de uma
distração, e eles insistiram bastante, que nem me preocupei. — Ela nega
com a cabeça e mexe as mãos de maneira nervosa. Eu notei que isso é uma
das coisas que ela mais faz quando está incomodada. — Era noite do
karaokê, e Nayara é viciada em karaokê. Fazia tanto tempo que não me
divertia, que eu nem quis saber da hora.
— Eu imagino que tenha ido para cima de você com tudo quando
chegou à nossa casa.
— Fui recebida a gritos no exato momento em que abri a porta.
Nunca tinha visto você tão nervosa, cheirando minha roupa, esbravejando
palavrões absurdos. Eu tentava falar e não me escutava. Acusou-me de ter
usado o Noah para me acobertar, enquanto eu a traía com outras na rua. Eu
tentei lhe mostrar que o meu celular estava zerado de bateria, mas tudo
que você fez foi jogá-lo na parede. Então, começou a falar coisas que eu
gostaria de nunca ter ouvido.
— Que coisas eu lhe disse?
Eu estou surpresa com essa Camille descrita. Nunca fui do tipo
ciumenta e controladora, principalmente nesse nível. Luna fecha os olhos
com força, antes de continuar a falar.
— Os seus xingamentos não me atingiram, mas ouvi-la dizer que eu
arruinei a sua vida e os seus sonhos foi a coisa mais dolorosa que você
poderia ter dito.
— Como eu pude falar essas coisas? Por quê?
— Você não faz ideia de como me rasgou ao meio ouvir isso da
pessoa que mais amei na vida.
— Por que eu disse isso?
Luna solta um riso carregado de ironia. Os seus olhos não estão mais
brilhando em lágrimas, porque ela está chorando. Sinto vontade de abraçá-
la e apagar tudo de sua memória, da mesma forma que aconteceu comigo.
Está me corroendo por dentro saber que a magoei desse jeito.
— Você nunca se perguntou o motivo de estar dando aulas de dança
em uma escola, ao contrário de ter se juntado a uma grande companhia
para fazer turnês pelo mundo, como sempre foi seu maior sonho? Foi por
minha causa.
— Eu não quis te abandonar, é isso?
— Abandonar? Você foi impedida de seguir o seu sonho, porque a
inútil aqui foi incapaz de te dar o filho que tanto queria. Por minha causa,
você desistiu da sua carreira, das propostas recebidas, porque optou por ter
o nosso filho ao invés de seguir o seu sonho.
— Luna...
— Eu não pude lhe dar um filho. Você jogou isso na minha cara,
disse que nem isso eu consegui fazer, que precisou desistir de tudo para ter
uma família, e praticamente colocou a culpa do nosso casamento estar
afundando em mim, como se eu fosse a única culpada pela nossa fase ruim
— ela gagueja levemente quando o choro ganha força.
— Desculpe...
— Eu te pedi o divórcio, porque não aguentava mais. Se felicidade
para você fosse ficar separada de mim, então eu daria o que tanto queria.
— Como pude me tornar uma pessoa tão asquerosa?
— Eu saí de casa e fui dormir no Noah, porque não conseguia olhar
na sua cara. Passei a noite toda chorando no colo dele e no de Vanessa. Os
dois me acolheram quando eu mais precisei, e sempre serei grata por isso.
Se não fossem eles, talvez eu tivesse cometido alguma loucura.
O meu coração se aperta ao ouvir isso, e, automaticamente, eu a
puxo para mim, tomando-a em meus braços, em um abraço forte. Luna
chora durante alguns minutos, agarrando minha cintura com força e
enterrando o rosto em meus seios. Choramos juntas, descarregando toda
aquela mágoa.
— Eu queria poder arrancar isso de dentro de você. Queria ter
consertado tudo de outra maneira, nunca te magoaria desse jeito. Perdoe-
me.
Ela nada responde, continua na mesma posição até se acalmar.
— Quando voltei, no dia seguinte, estava disposta a pegar as minhas
coisas e contar ao nosso filho o que aconteceria, mas você me agarrou no
meio do caminho. Parecia ter chorado, também, a noite toda. Implorou para
que eu a ajudasse a consertar tudo.
— Você aceitou?
— Como poderia não aceitar? Passei anos da minha vida ao seu lado,
eu sabia que aquela não era você, e faria de tudo para te ajudar. Você
estava desesperada, procurando ajuda de alguma forma. Resolveríamos
tudo.
— Então, eu voltei a ser como antes?
— Sim. Conversamos todos os dias, como se, em um passe de
mágica, tudo tivesse voltado ao seu lugar.
— Isso durou até o dia em que brigamos, e eu acordei sem memória.
— Exatamente. Sabe de uma coisa? — Ela se afasta de mim, mas
não o bastante, segura as minhas mãos e olha em meus olhos. — Naquela
noite, antes de dormir, eu implorei aos céus que me dessem um motivo para
acreditar que as coisas se acertariam de verdade.
— Será que era para acontecer?
— Eu não sei, mas se essa é a forma que o destino encontrou de
ajeitar tudo entre nós duas, não vou desistir.
Sorrio, levo as minhas mãos ao rosto dela, para secar suas lágrimas,
a seguro e a puxo para mim, beijando-a devagar. Luna me aperta tão forte
em seus braços que me faz gemer de dor, mas não reclamo e nem me
afasto. Sei que ela precisa tanto disso quanto eu.
As nossas bocas se acariciam lentamente. Luna utiliza a língua para
sentir os meus lábios e, então, a enfia em minha boca, tomando a minha
com a sua e sugando-a. O beijo dura o bastante para que eu me sinta um
pouco melhor.
— Estou aqui com você e não pretendo ir a lugar nenhum. Não sei o
que vai acontecer amanhã, mas estou aqui com você. Lembre-se disso.
— Eu sei disso. — Ela sorri e me beija mais uma vez.
Deitamos e trocamos alguns beijos, até que ela sinta muito sono e
resolva dormir. Em seus braços, sentindo a sua respiração em minha nuca,
pego no sono. Eu acordo um tempo depois, com um aperto no peito e
sentindo a cama molhada. Luna está me apertando com força e suando
bastante. Solto-me rapidamente e acendo a luz do abajur, puxando o nosso
cobertor. Quase grito de espanto ao ver a quantidade de sangue no lençol.
— Luna? Acorde. — Eu a balanço freneticamente, tentando acordá-la.
Demora um pouco, mas finalmente consigo. Sua primeira reação é me olhar,
assustada, e então, quando abaixa o olhar para o colchão, parece que a cor
some de seu rosto. — O que aconteceu? Eu acho que você...
Ela me interrompe, desesperada.
— Precisamos ir ao médico agora!
Capítulo 24 – Cuidar dela
Mesmo apavorada e confusa, não penso duas vezes quando ela me
pede ajuda para chegar ao banheiro. Luna parece estar prestes a surtar,
mas tenta manter a calma, talvez para que nenhuma das duas entre em
algum tipo de surto paralisante. Ela toma um banho rápido e se arruma com
a mesma rapidez. Sinto vontade de questioná-la, porém estou com certo
medo da resposta. Se não fosse algo sério, não haveria necessidade de
irmos ao hospital. Deixa-me realmente assustada pensar que ela possa estar
doente ou algo assim.
— Luna, você está chorando?
Aproximo-me dela rapidamente quando volto ao quarto. Ela está um
pouco curvada, com as mãos na barriga, resmunga algumas coisas, que não
consigo escutar, e me olha, e sua expressão parte o meu coração em
diversos pedaços.
— Temos que acordar o carinha, não podemos deixá-lo sozinho.
— O que está acontecendo, Luna? Conte-me, por favor. Estou
apavorada.
Ela faz força para engolir o choro e respira fundo.
— Estou da mesma forma e espero muito estar errada sobre o que
pode ser. — A sua fala me deixa ainda mais assustada, e rapidamente vou
até o quarto do meu filho para acordá-lo. O bichinho está atordoado e no
piloto automático, enquanto veste uma roupa e se agasalha. Questiona o
que está acontecendo, mas respondo que vamos ter que sair por algumas
horas. Peço um carro no aplicativo, e felizmente não demora a chegar.
— O carro está nos esperando — chamo Luna na sala, e ela está
chorando de novo, mas se levanta para me acompanhar.
Faço questão de trancar a porta da frente e verificar se esquecemos
algo. Quando entro no carro, seguro a mão dela, que está extremamente
gelada e treme levemente. O meu coração está apertado, sinto que
começarei a surtar em breve.
Nem sei dizer quanto tempo demorou a chegarmos ao hospital, mas
foi rápido. Quando entramos, a primeira coisa que peço é que tragam uma
cadeira de rodas e levem-na para algum atendimento urgente. Ela diz o
nome de um médico conhecido dela e, em questão de minutos, some
através das portas, mas não sem antes me lançar um olhar que nunca vai
sair da minha cabeça.
O ar quase falta em meus pulmões. Finalmente, o choro sai de mim,
fazendo-me ficar curvada sobre o banco, recebendo carinhos e afagos
desesperados de meu pequeno filho. De novo, ele pergunta o que está
acontecendo, mas o que eu respondo? Nem eu estou entendendo. Tudo isso
parece um pesadelo e só espero que acabe o mais rápido possível. Não
posso perdê-la, não agora que a estou ganhando outra vez.
Quando me acalmo, pego o meu telefone, ligo para a Vanessa e, em
seguida, para a minha irmã. Elas reagem da mesma forma, e mesmo eu
insistindo muito para que não venham, a única resposta é que estarão aqui
comigo em alguns minutos. Estou sentada faz alguns minutos, e Louis está
sentado em meu colo, agarrado em meu pescoço, em frente a mim,
apertando-me com força com seus braços, parecendo sentir tudo que está
acontecendo de errado, principalmente por não saber o que ocorreu, de
fato, com a mãe dele.
— Lil! Meu Deus, Camille, o que aconteceu? — Ouço a voz de
Vanessa, de repente, e olho em sua direção.
Vanessa chega, afobada, seguida por um Noah aflito, segurando Toni
em seus braços, dormindo. O meu pequeno desce do meu colo para que eu
possa me levantar, e não espero muito para me jogar nos braços da minha
melhor amiga e chorar tudo outra vez.
— Eu... Acordamos, e tinha muito sangue. A Luna estava apavorada,
mas não me contou o que há de errado. O que está acontecendo, Vanessa?
Eu não posso perdê-la, por favor. Você sabe que não posso — disparo, sem
quase respirar, e ela me aperta em seus braços e afaga os meus cabelos,
tentando me acalmar.
— Você não vai perdê-la. A Luna vai ficar bem. Confia em mim, ok?
Ela se afasta um pouco de mim e segura o meu rosto em suas mãos,
fazendo-me encará-la, e eu concordo com a cabeça, tentando me acalmar.
— Desculpem por ter acordado vocês, mas estou realmente
assustada e não sabia o que fazer.
— Camille, você fez o certo. Eu nunca me perdoaria se não estivesse
aqui agora. Sei que a minha irmã vai precisar de mim — Noah diz para me
tranquilizar, e eu franzo o cenho, porque ele falou como se soubesse o que
está acontecendo de verdade.
Tento questioná-lo, mas sou impedida quando Belinda desesperada
surge de repente, fazendo mil perguntas e tentando me acalmar.
Não sei dizer quanto tempo já passou, mas estou andando de um
lado para o outro, aflita, querendo notícias. O recepcionista não aguenta
mais responder as mesmas perguntas. Noah está tão agoniado quanto eu,
agitado demais. Sinto vontade de fazer perguntas a ele, mas não é justo
enquadrá-lo no momento em que está tão preocupado com a irmã.
— Quando a mamãe volta? — Louis pergunta ao se aproximar de
mim, com os seus olhos vermelhos e seu rosto sonolento, aparentando
cansaço. Sinto muito por privá-lo de dormir, mas não posso deixá-lo
sozinho.
— Ela estará aqui quando menos esperarmos. — Forço um sorriso,
para tranquilizá-lo, e o puxo para mim. Olho em direção à mesma porta pela
qual a Luna entrou, e um médico sai. Seguro o meu filho pela mão e me
aproximo, para saber se finalmente terei notícias. — Onde está a minha
esposa? Eu preciso vê-la.
— Senhora Cruz-Jacobs, ela está medicada e estável. Chegou muito
agitada e ficou extremamente abalada com a notícia que recebeu.
— Que notícia? Cadê ela? Eu preciso vê-la.
— Você irá vê-la, me acompanhe. O resto da família pode esperar
aqui, eu acho que esse momento precisa ser delas — ele diz, e todos
concordam com a cabeça, mais tranquilos ao saber que Luna está bem. Mas
tem algo estranho no ar. Se ela precisou ser medicada, que tipo de notícia
lhe foi dada para deixá-la tão abaixada?
Eu não demoro muito a chegar até o quarto em que ela está. Quando
entro e a vejo, uma tonelada sai de cima de mim. Luna parece meio sedada,
mas quando os seus olhos encontram os meus, ela automaticamente
começa a chorar. O meu coração aperta, e não espero chegar perto para
abraçá-la.
— Eu tentei, Camies. Eu tentei.
— De que está falando? — Afasto-me para segurar o seu rosto e
olhar em seus olhos. Os lábios de Luna tremulam, e ela nega com a cabeça,
não respondendo. Olho em direção ao médico, que nos olha com certa
lamentação. — Será que alguém pode me falar o que está acontecendo?
Você está doente?
— Não.
Como um estalo dado em minha cabeça, começo a ligar os pontos
aos poucos. Cada detalhe que passou despercebido, cada frase solta e
incompleta. Os meus olhos quase saltam das órbitas ao me dar conta do
que pode ser. Eu não quero acreditar.
— Você estava grávida? Luna? Doutor?
Eu olho para os dois. Luna abaixa a cabeça, e o médico olha para ela,
esperando alguma indicação para responder, mas nem precisa. Uma mão
invisível me dá um soco, e eu acabo dando alguns passos para trás,
tamanho o meu choque ao descobrir.
— Eu tentei, de todas as formas, buscar uma maneira de reverter,
mas foi um aborto espontâneo. Quando você acordou, provavelmente o feto
já nem existia mais dentro dela.
— Não. Não. Não — repito e me aproximo de Luna, puxando-a para
os meus braços. Estou sendo rasgada por dentro, e não sei dizer se é mais
pelo sofrimento dela ou pelo meu, ao saber que ela carregava um filho
nosso dentro de si, e eu não fazia a mínima ideia. — Meu amor, sinto muito.
Eu sinto tanto!
— Desculpas! Por favor, me desculpe. Eu tentei. Eu tentei.
— Não é culpa sua, nada disso. Não se culpe.
O doutor nos deixa a sós para aproveitarmos o nosso momento.
Ficamos um bom tempo assim, chorando, abraçadas, eu tentando acalmá-la
e fazê-la entender que não era culpa dela; ela, se desculpando, como se
tivesse a obrigação de manter a gravidez.
Um tempo depois, Luna recebe alta.
Eu não quero que ela tenha que enfrentar os olhares de nossos
familiares e amigos, porque sei que eles tentarão confortá-la, então mando
mensagens para todos, explicando a situação. Noah permanece muito
preocupado e desesperado. Eu garanto a ele que lhe avisarei assim que
possível, mas que, nesse momento, Luna precisa muito de mim.
Louis acaba indo com Vanessa e Noah, e eu agradeço por não
precisar lhe explicar o que aconteceu agora. Claro, vamos conversar sobre o
acontecido, porque aprendi que não devemos esconder nada dele. O meu
filho é um garoto esperto e entende a maioria das situações, sei que ele
fará de tudo para deixar a mãe bem, quando souber o que houve.
Quando saio do quarto para assinar os papéis de liberação e chamar
um carro, encontro o médico dela. Preciso perguntar como poderei cuidar
de Luna da melhor forma.
— Os papéis da alta estão na recepção. Você só precisa assinar, e
então, estão liberadas para ir.
— Doutor, como posso cuidar dela? É preciso algum cuidado
específico?
— Sim, eu iria dizer algumas coisas agora. Sei da sua situação, a
Luna é minha paciente faz muito tempo, a acompanhei em todas as
inseminações. Esse não foi o primeiro aborto, é importante que saiba, mas
não quer dizer que ela não esteja abalada. Você precisa muito estar ao lado
dela.
— Nem precisa pedir isso, não sairei do lado dela em momento
algum.
— Ela pode sentir cólicas abdominais, e geralmente essas cólicas
podem vir acompanhadas de sangramento. Pode ser que ela sinta dor, e
essa dor pode variar entre fraca e forte. Eu receitei alguns analgésicos para
o caso de desconforto. — Concordo com a cabeça, guardando todas as
informações que ele está passando. — Se a dor aumentar com o passar dos
dias, vocês devem me procurar com urgência, ok? A tendência é que
diminua.
— Ok.
— A Luna sabe disso, mas eu preciso que você verifique a
temperatura dela, ao menos nos primeiros cinco dias. Qualquer temperatura
acima do normal, me avise. Temperatura alta não é bom sinal depois de um
aborto, porque pode significar que ela está com alguma infecção no útero
ou em algum outro lugar. Não permita que ela se esforce muito durante
esse período de recuperação, mesmo que ela insista. A Luna é teimosa, eu
acredito que você já saiba disso.
— Nem me fale, doutor. Às vezes, sinto que tenho duas crianças em
casa.
— Exatamente, ela precisa se cuidar para se recuperar rápido.
Pegarei uma dieta específica com a nutricionista e mandarei para ela por
mensagem.
— Tudo bem.
Ele concorda com a cabeça, termina de anotar no papel que está na
prancheta em sua mão, o retira e me entrega.
— Todas as recomendações e os remédios estão anotados aqui. Eu
sei que a senhora perdeu a memória, então vou repetir a recomendação
para evitar relações sexuais com penetrações até o próximo mês, porque a
vagina dela precisa se recuperar.
O meu rosto esquenta quando ele diz isso, e acabo tossindo de
nervoso. O médico se despede e entra no quarto, para se despedir dela
também. Luna está tão distraída que nem nota a minha vergonha, e eu
agradeço por isso. Ele precisa mesmo falar sobre sexo dessa forma?
Terminadas as despedidas, eu assino os papéis da alta e peço um
carro no aplicativo para irmos embora.
O caminho para casa é feito em silêncio. Luna está paralisada,
olhando para algum ponto não específico, parecendo perdida em seus
pensamentos. Eu não a solto em momento algum, sempre segurando a mão
ou o braço dela.
Chegamos à nossa casa, e ainda sem dizer nada, ela se encaminha
para a escada e sobe devagar.
O meu coração está partido. Tenho vontade de questioná-la,
necessitando urgente saber o que está se passando dentro da sua cabeça,
mas tenho consciência de que o momento é muito delicado.
Será que eu sabia dessa gravidez? Mas se soubesse, ela teria
comentado em algum momento, depois que tudo aconteceu. Minha nossa,
eu não acredito que ela fez isso.
Luna queria me fazer uma surpresa ou mostrar que era capaz de me
dar um filho? Por que engravidou nesse momento tão delicado da nossa
vida? Será que foi alguma tentativa de resgatar o que estávamos perdendo?
O dia amanhece, não dormimos muito, então resolvo subir para fazer
companhia a ela. Quando tudo se acalmar um pouco mais, vou chamá-la
para conversar.
Chego ao nosso quarto, e tudo está escuro, mas ouço um choro bem
baixinho, e isso faz meu coração apertar de novo. Fecho a porta e chego à
cama, tirando minhas roupas para me deitar ao lado dela, usando apenas
roupas íntimas. Preciso sentir o seu calor, preciso abraçá-la o mais forte
possível, e ela não me impede, na verdade se aconchega em mim e chora
até pegar no sono. Não consigo dormir, fico velando o sono dela, mas, em
certo momento, o cansaço me vence, e eu durmo. Acordo, horas depois,
com o movimento agitado na cama. Sento-me, para ligar a luz do abajur, e
vejo que ela está tendo um pesadelo.
— Luna, acorde. Por favor, meu amor.
Com todo o cuidado do mundo, consigo acordá-la, então ela pisca
algumas vezes e ofega. Olhando em volta, se senta rapidamente na cama e
começa a alisar a barriga de forma desesperada.
— Diga-me que tudo aquilo foi mentira e que não perdi o nosso bebê
— ela implora, em desespero, olhando-me diretamente nos olhos. O verde
intenso faz eu me arrepiar, e dessa vez, é por causa da dor que vejo
refletida em seu olhar. — Diga para mim que é mentira.
— Infelizmente, foi verdade.
Luna se curva instantaneamente e começa a chorar copiosamente.
Eu a puxo para mim, prendendo-a em meus braços.
— Estou aqui com você.
— Eu acho que você sempre teve razão — ela murmura em meu
pescoço, e eu franzo o cenho, tentando me afastar para encará-la, mas sou
impedida pelo abraço dela. — Não sirvo para nada, sou inútil. Eu não tenho
capacidade de manter uma gravidez, nunca poderei lhe dar um filho.
Depois de ouvir tantas idiotices, finalmente consigo me afastar para
fazê-la me olhar. O rosto dela transparece uma dor imensa. Eu queria poder
pegar essa dor para mim, tirando-a de dentro dela.
— Eu era uma escrota, me tornei uma idiota. Não sei por qual razão
pude magoá-la tanto. Vou me arrepender todos os dias por ter feito o que
fiz, mesmo sem lembrar. Mas nunca, jamais, em hipótese alguma, volte a
dizer essas coisas. — Ela tenta desviar o olhar, mas eu seguro o seu rosto
para que os seus olhos fiquem nos meus. — Não sei por qual motivo a
Camille do passado lhe causou tanta dor, lhe disse tantas coisas ruins, sem
sentido, mas eu lhe garanto que todos os dias me retratarei por isso.
— Nunca poderei lhe dar um filho.
— Shhh, não pense nisso. Não repita isso. Você é capaz de qualquer
coisa.
— É culpa minha tudo o que está acontecendo. Não foi o primeiro
aborto, é culpa minha.
— Luna.
— Não, Camille! — ela se exalta de repente, afastando-se de mim e
assustando-me momentaneamente; nega diversas vezes com a cabeça e
leva as mãos até o rosto. — Isso é castigo, eu tenho certeza.
— Do que está falando?
— Do nosso primeiro filho, eu o perdi de propósito.
Paraliso no mesmo momento em que ela diz, abalada demais para ter
qualquer tipo de reação. Luna não me olha nos olhos, e eu mesma não sei
se consigo encará-la agora. Estou confusa. Por que ela fez isso?
— Mas...
Sei que não posso cobrá-la sobre um possível aborto que foi feito,
afinal é o corpo dela, mas estou me sentindo quebrada e um pouco traída.
Tenho certeza de que eu nunca soube disso.
— Eu não cheguei a fazer nada, antes que pense. Não procurei uma
clínica, não tomei nada de errado que me fizesse abortar, mas eu desejei
tanto, tanto que ele não viesse — sua voz está trêmula, ela volta a chorar,
mas continua: — Você estava tão obcecada para ter um filho, que eu me
tornei apenas a sua barriga de aluguel. Tivemos tantas discussões sem
sentido.
Não sei dizer se estou aliviada, por saber que ela não fez nada, ou se
estou chocada por saber que já tínhamos problemas há tempos. Tantas
coisas poderiam ter sido resolvidas, o que nos impediu de consertar tudo?
Por que agimos de forma tão irracional?
— Não sei o que dizer.
— Eu fiquei tão irritada naquela época. Você me cobrava como a
minha mãe fazia, e tudo foi se acumulando, até que perdi o controle. Mas
me arrependi quando sofri o primeiro aborto, sabia que era castigo por eu
ter desejado tanto isso.
— Olhe pra mim, por favor. — Volto a me aproximar dela, segurando
as suas mãos e olhando-a nos olhos. Luna está constrangida, ainda
sofrendo e visivelmente magoada. Tivemos tantos problemas, que me
surpreende tudo começar a desabar só agora. — Nós vamos passar por
tudo isso, pelas coisas do passado e do presente. Posso não me lembrar de
nada, mas estou disposta a fazermos de tudo para nos acertar.
— Não está com raiva de mim por saber que eu desejei perder o
nosso primeiro filho?
Um pequeno sorriso surge em meu rosto quando nego com a cabeça.
Depois de tudo que estou sabendo sobre ela e descobrindo sobre o nosso
passado conturbado, eu nunca poderia odiá-la. Acredito que todos nós
temos motivos para tomarmos decisões, e mesmo que não sejam motivos
racionais, ainda assim existem justificativas.
— Tenho minha parcela de culpa em tudo o que estava acontecendo.
Estou disposta a acertar, mas preciso que esteja comigo. Não sairei do seu
lado.
— Eu nunca conseguiria sair do seu lado — ela responde, e então, eu
a abraço mais uma vez, prendendo-a em um forte aperto.
Tenho consciência de que precisamos urgentemente buscar alguma
ajuda profissional e de que estamos no caminho certo. Eu sei que ela
precisa de mim nesse momento. Chegou a minha vez de cuidar dela, da
mesma forma que ela sempre cuidou de mim.
Capítulo 25 – Na alegria e na tristeza
O dia seguinte não amanheceu melhor do que os anteriores. Estamos
dormindo no quarto de hóspedes, por causa do colchão que precisou ser
lavado e está secando no quintal, e pode ser que demore pelo tempo frio.
Mas voltando ao assunto mais importante da minha vida e que está
me causando uma dor absurda: Luna. Ela está calada, tem estado calada
desde que voltamos do hospital. Passa o dia todo assim praticamente, não
se levanta da cama, somente quando realmente é necessário. Eu tenho
dado banhos nela, porque, se não o fizer, acredito que ela não o fará
também, tamanha é a sua tristeza.
Parte-me ao meio vê-la tão cabisbaixa. Encarreguei-me de cancelar
qualquer compromisso dela. Sei que Luna precisará de um tempo, e estou
cuidando para que não demore tanto.
— Depois, posso subir para ver a mamãe? — Louis pergunta,
olhando-me, também cabisbaixo. Ele tem andado mais calado, como se
soubesse e sentisse tudo o que a mãe dele está sentindo. Acredito que
esteja mesmo, os dois têm uma ligação muito forte.
Eu sorrio para o meu pequeno, bagunçando os seus cabelos longos,
que caem um pouco sobre os olhos.
— Claro, hijo. Não precisa nem pedir. Só não a acorde, caso ela
esteja dormindo, ok?
Ele concorda com a cabeça e volta a comer, em silêncio, sem dizer
mais nada. Terminamos o nosso almoço assim, e depois de arrumarmos
tudo, subimos, os dois, para verificarmos a Luna. Entro primeiro, apenas
para me certificar de que ela esteja vestida, e está. Deitada na cama,
olhando, através da janela aberta, a neve que cai do lado de fora. Sua
imagem é tão fria quanto o tempo neste momento.
— Mamãe? — o pequeno a chama, aproximando-se da cama. Luna
demora alguns segundos para reagir, mas então, olha para ele e abre um
pequeno sorriso, assim como seus braços. Isso tem me deixado mais
confortada, ela nunca rejeita ou ignora o nosso filho. Louis sobe
rapidamente na cama e, com cuidado, a abraça. Ele tem sido muito
cuidadoso, pois sabe que ela precisa de cuidados.
— Estou feliz em ver que comeu tudo — comento ao olhar a bandeja
sobre a mesinha de cabeceira. O prato está vazio, ela somente não tomou o
suco todo, mas isso não importa. — Quer mais água?
— Não precisa, princesa. Deite aqui conosco, por favor — ela pede de
forma tão manhosa, que quase me derreto, achando adorável a sua manha.
Não penso duas vezes antes de atender o seu pedido, subindo na
cama e abraçando os dois da melhor forma que posso. Ficamos assim, os
três olhando a neve, em silêncio. Mas, pela primeira vez, em uma semana,
não está sendo melancólico ou apavorante.
— Eu amo a senhora, mamãe — Louis diz de repente, com um tom
baixo, como algum tipo de confissão. Eu só consegui ouvir por estar bem
perto.
Ergo minha cabeça e encaro os dois. Ela pressiona bem os olhos e o
abraça forte, enterrando o rosto nos cabelos grandes dele. Essa imagem faz
meu coração sentir como se estivesse aquecido, e me traz uma garantia de
que tudo vai ficar bem. Temos uns aos outros, vamos passar por esse
momento difícil.
— Eu amo você, meu pequeno. Amo tanto que não cabe dentro de
mim.
Permaneço quieta, admirando a imagem dos dois se abraçando tão
apertado, o que me faz feliz e não me deixa enciumada, pelo contrário: me
dá esperanças. Esses momentos entre eles foram raros nos últimos dias.
Para ser sincera, não os presenciei muito. Luna tem estado tão reclusa, não
sei mais o que fazer para tirá-la do quarto e tentar animá-la.
Passamos o dia todo praticamente assim: os três deitados, juntinhos,
como deve ser. Luna parece um pouco mais animada, embora o seu olhar
não esconda que, por dentro, tudo está quebrado. Espero que hoje à noite
eu consiga conversar melhor com ela e saber como posso ajudá-la.

Vazia e quebrada.
Essas duas são as definições perfeitas para definir como os meus dias
têm sido. Para ser sincera, eu nem sei se comecei a me sentir assim agora
ou há mais tempo. Tudo começou a se perder em algum momento que não
faço ideia de quando foi.
Eu estava perdendo-a. Tínhamos tantos problemas acumulados, não
sabia como poderia salvar o nosso casamento. Tentei de todas as formas
que pude, mas Camille se fechava e ficava na defensiva sempre que eu
parecia chegar perto do centro do problema. Desejei tantas noites que tudo
pudesse voltar ao normal, só não imaginava que ela acabaria perdendo a
memória.
Por que isso aconteceu justo agora? Não que eu esteja reclamando,
pois estamos conseguindo reconstruir algo que tínhamos perdido. Mas
acontece que eu me lembro de tudo o que aconteceu. Ela pode ter
esquecido dentro dela, em algum lugar, mas aqui, na minha mente, tudo
continua vivo e dói. Dói como o inferno, porque sei que a perderia se não
tivesse acontecido o que aconteceu. Dói, porque sei que talvez nunca possa
alegrá-la da mesma forma que ela me alegrou quando gerou o nosso filho.
Não consigo dar um filho à minha esposa, o que faz eu me sentir
uma merda de mulher. É o meu sonho, sempre foi, e mesmo que no
passado coisas tenham me feito duvidar disso, eu ainda mantenho o desejo
de ser mãe dentro de mim. Era o sonho dela me ver grávida também,
sempre foi.
Sinto uma vontade absurda ao me lembrar da primeira vez que
tentamos ter um filho. Camille parecia tão animada e ansiosa no início, mas
com o tempo, as coisas começaram a ficar estranhas. Não parecia mais uma
vontade, e sim uma obrigação. Fui perdendo, aos poucos, a vontade de
gerar aquela criança, e quando a inseminação deu errada, eu fiquei, de
certa forma, aliviada. Mas então, meses depois, resolvemos tentar de novo.
Deu certo, até certo ponto. Eu desejei tantas vezes que desse errado, para
que ela pudesse parar de me cobrar como estava cobrando. Eu o perdi
antes de completar um mês, foi um aborto espontâneo, da mesma forma
que os dois seguintes também foram, contando com esse último.
Penso que estou sendo castigada por ter desejado tanto que o
primeiro não viesse. Estou apavorada agora, não sei se tenho forças para
tentar novamente. Nem sei se sou capaz de conseguir gerar uma criança, e
não faço ideia de como as coisas com a Camille vão ser, porque tudo está
bem agora, mas, de repente, algo pode mudar e nós voltarmos ao início de
tudo.
— Podemos conversar?
Eu volto a minha atenção para ela, que está entrando no quarto,
depois de tomar o seu banho. O cheiro dela toma conta do ambiente e me
conforta. Tudo nela sempre me acalmou com facilidade.
— O que quer conversar?
— Quero saber como está se sentindo. De verdade. — Ela sobe na
cama, aproximando-se de mim. Camille pega uma de minhas mãos que
estava sobre o meu colo, segurando-a com as dela. — Estou respeitando o
seu espaço, mas não aguento ver você sofrendo em silêncio. Compartilhe
comigo.
Eu encaro o seu rosto e vejo o brilho de afeto refletido nele. O
mesmo brilho que ela sempre carregou ao olhar para mim. Sei que a sua
mente ainda se lembra de mim, mesmo que esteja no subconsciente,
escondido.
— A cada dia, me sinto um pouco melhor, mas ainda estou quebrada.
Queria tanto que tivesse dado certo dessa vez.
— Eu sabia da sua gravidez? Digo, antes de tudo que aconteceu
comigo.
Respiro fundo antes de responder. Eu tinha tomado a decisão sozinha
quando pensei que as coisas poderiam se acertar, mas não fazia ideia de
tudo que ainda aconteceria.
— Não. Eu tomei essa atitude sozinha, era para ser uma surpresa.
— Por quê? Hm, olhe, não me leve a mal, mas preciso entender. Sei
que não estávamos bem.
— Sim, não estávamos, mas tudo parecia, aos poucos, voltar ao
normal. Sei que tomei uma atitude precipitada, tenho total consciência disso
agora. Somos casadas, ter um filho requer muita responsabilidade, e
principalmente por sermos um casal de mulheres. Podemos tomar todas as
prevenções e decidirmos o momento certo de ter mais uma criança.
— Isso é verdade.
— Mas queria tanto te provar e provar para mim mesma que eu
podia, sabe? Os primeiros testes, feitos há dois meses, deram errado. Já
tinha desistido quando comecei a sentir enjoos no final do mês passado.
Resolvi fazer um teste de sangue para ter certeza, e então, veio o resultado:
positivo. — Pauso quando lembranças antigas me invadem. Lembro-me do
primeiro aborto, quando Camille chorou tanto a ponto de perder o fôlego.
Ela me viu quebrada e mudou aos poucos suas atitudes. Eu a vi sofrer
comigo, entendendo, da melhor forma, que ela sentia a minha dor. Então,
ela decidiu que teríamos uma família, mesmo que para isso fosse preciso
mudar os seus planos. — Tudo deu errado outra vez por minha culpa. Eu
devo ter algum problema.
— Luna, pare com isso. Estou implorando, pare de se culpar. Às
vezes, coisas acontecem e deixam de acontecer. Assim é a vida. — Ela
segura o meu rosto com as mãos, fazendo-me encará-la. Uma lágrima
escorre, e o seu dedo polegar rapidamente a seca. — Talvez não fosse o
melhor momento para termos outro filho. Olhe tudo o que aconteceu.
Consegue imaginar como seria, para mim, ter mais essa responsabilidade,
sem nem ter consciência sobre?
Suas palavras me fazem refletir muito sobre a atitude que tomei.
Realmente, eu não pensei direito nas consequências, principalmente com
toda essa confusão da amnésia. Eu deveria ter esperado e conversado com
ela. E se tivéssemos nos separado? Como seria para outra criança entender
o que estava acontecendo?
— Eu fui muito irresponsável ao tomar essa atitude.
— Um pouco, mas porque tomou essa decisão sozinha, sem me
deixar ciente. Não faço ideia de como funciona um casamento, estou
aprendendo algo novo todos os dias, mas acredito que tudo deva ser
compartilhado, principalmente algo tão importante.
É incrivelmente assustador como essa mulher é sensata e inteligente.
A forma que ela consegue me fazer enxergar as coisas sempre me deixa
fascinada. Eu tive uma atitude irresponsável, porque a amo muito, tanto que
sou incapaz de medir o quanto.
Como posso explicar o que Camille significa para mim? Eu sempre a
amei, e depois que ela me deu o nosso filho, passei a amá-la ainda mais. O
que sinto pode ser considerado, por alguns, uma dependência, talvez uma
obsessão, e para outros, uma doença que precisa ser curada. Como explicar
um sentimento tão gigantesco em palavras, que nem sentindo sou capaz de
entender? Eu arranco o meu coração do peito por ela, se for preciso.
Todas as vezes que pensei em desistir dela, algo maior me mantinha,
porque eu sabia, sempre soube que estaríamos juntas no final. Imaginar
uma vida sem ela me quebra por dentro.
Eu nunca quis ser a esposa idiota dela, então, por mais que me
doesse, eu desistiria dela. Se para ser feliz ela precisasse estar longe de
mim, eu a deixaria livre. Sempre prezei o seu bem e sempre hei de prezar.
Camille é um dos meus maiores bens. Tudo o que conquistamos juntas não
seria nada se eu a perdesse. O nosso filho e ela são o meu lar, sempre vou
desejar estar com eles, não importa onde, e vou querer o que for melhor
para os dois.
— Eu deveria ter considerado todo o nosso cenário antes de tomar
aquela decisão. Mas queria tanto, quero tanto. Quero dizer, não sei mais. —
Ela suspira e acaricia o meu rosto, abrindo um sorriso tão bonito que acabo
retribuindo. É incrível a capacidade que essa mulher tem de acalmar o meu
coração.
— Não pense no futuro, vamos viver o presente e deixar as coisas
acontecerem. Eu prometi que não vou sair do seu lado, apenas peço que
não me afaste. Mesmo que as coisas fiquem ruins, quero estar com você,
como sempre esteve comigo. Não faço isso como tentativa de pagar tudo o
que já fez por mim, mas como a sua esposa, que deve agir como tal.
— Na alegria e na tristeza — sussurro, abaixando a cabeça, e ela se
inclina e beija a minha testa. Fecho os olhos para apreciar o contato. Beijos
na testa devem ser considerados os mais puros, a maior demonstração de
respeito e cuidado que existe nesse mundo. Amo beijos na testa.
— Eu estou com você e permanecerei aqui.
Sei que, independentemente de qualquer coisa, Camille e eu sempre
estaremos juntas na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, até que a
morte nos separe.
Capítulo 26 – Feliz Natal
O dia amanheceu bonito, mas não pelo tempo em si: está nevando
um pouco e bastante frio. Existem outros motivos para ele ter nascido
assim. Todos parecem animados, fizeram um grupo no aplicativo de
mensagens e estão, desde cedo, combinando como será a nossa ceia.
Estarão presentes literalmente todos, até mesmo os meus pais e os de Luna
virão. Natal sempre é momento de passar com a família, não importa se são
seus parentes ou amigos que te acolhem.
— Meu bem, conseguiu encontrar o resto dos enfeites? — Luna entra
em nosso quarto de repente. Continuo olhando através da janela e apenas a
olho por cima do meu ombro. Sorrio em sua direção, chamando-a com as
mãos. — O que está fazendo? Pensei que quisesse terminar de arrumar
tudo logo. — Ela brinca e solta uma gargalhada; eu fecho os olhos para
apreciar o som.
Está sendo maravilhoso vê-la cada vez melhor. Temos conversado
todos os dias, o que está ajudando bastante na recuperação. Luna
confidenciou que sentia muita falta de dialogar comigo. Estou me
esforçando para deixá-la o mais confortável possível, e tem funcionado. O
brilho no olhar dela confirma isso.
— Seus olhos estão lindos esta manhã — comento, encantada. O
habitual verde deu lugar a um azul bem claro e cristalino.
Luna franze o cenho, fazendo suas bochechas ficarem ainda mais
evidentes.
— Eu pensei que eles fossem lindos todos os dias.
— São, idiota arrogante. — Reviro os olhos e tento me afastar, mas
Luna me impede, segurando em minha cintura com força. Ela me olha, e eu
sei que vai me beijar, mas não faço nada para impedi-la. — Continua sendo
idiota.
— Vou precisar te dar mais beijos, então — ela murmura, antes de
voltar a grudar as nossas bocas, e eu suspiro, derretendo-me em seus
braços.
Luna afunda os dedos em minha lombar ao sugar a minha língua
para dentro de sua boca, e eu movimento os meus lábios lentamente. Sou
viciada nesses beijos lentos e intensos, parece que sinto tudo o que ela
sente.
— Pode dar quantos beijos quiser — murmuro, perdida e totalmente
rendida em seus braços. Ela sorri e volta a me beijar na mesma intensidade,
só que menos lentamente.
— Parece que o nosso casal favorito resolveu aproveitar a véspera de
Natal de uma forma profana.
— Será que podemos gravar e colocar em algum site de beijos
pornográficos?
— Eu acho que deveríamos criar um exclusivo para elas.
— Concordo totalmente.
Quatro vozes diferentes são ouvidas de repente. Minha primeira
reação é afundar o rosto no pescoço de Luna, que rapidamente me envolve
em um abraço protetor, mesmo que esteja rindo. Eu me afasto ao ouvir as
risadas, e estou prestes a soltar algum xingamento, mas o meu queixo
quase despenca ao ver não apenas Vanessa, Nayara e Belinda, mas a minha
irmã mais nova também.
— Sofia! — exclamo rapidamente, afastando-me de Luna para chegar
a ela. Minha irmã, de quem eu ainda mantinha uma imagem pequena e
infantil, abre um enorme sorriso para me receber em um abraço. Nossos
corpos se colidem, e eu fecho os olhos, apreciando o carinho e o calor que o
seu abraço tem. — Meu Deus, como você está grande!
— Grande, linda e muito gostosa — ela se gaba e balança os seus
longos cabelos, que são tão compridos que batem na cintura.
Sem a largar, eu a analiso o máximo que posso. Sofia ficou bem mais
alta que Belinda e eu, herdou a altura do nosso pai, e os seus traços são
mais fortes que os nossos também.
— Senti sua falta — ela diz.
— Eu... Nossa, estou sem palavras. Você se tornou um verdadeiro
mulherão.
Finalmente nos afastamos, e eu posso, enfim, terminar de analisá-la.
Realmente, o sangue mexicano é milagroso. O corpo dela está
simplesmente impecável, sem falar de sua beleza completa, um verdadeiro
mulherão. Não sei se consigo me acostumar a vê-la assim, ao invés do
habitual, quando era apenas uma garotinha inocente.
— Você sempre reage dessa forma quando a encontra depois de
muito tempo — Belinda se intromete e sai levando Sofia em direção à porta.
Faço um bico, desolada, mas nenhuma das duas se importa. Duas
ingratas.
— Vamos, Vanessa, deixe as duas aproveitarem um pouco mais —
Nayara diz, levando consigo a minha melhor amiga, mas, antes de sair,
Vanessa para na porta e faz um sinal obsceno com os dedos e a língua. Eu
abro a boca, espantada, porém nem deveria estar surpresa.
— Ficou chocada com o tamanho da sua caçula?
— Demais. Acho que a bunda dela é maior do que a minha. — Olho
para a minha esposa, mas a pervertida não me olha de volta, o seu olhar
está de encontro à minha parte traseira. — Luna!
— O quê?
— Você é sonsa.
— Só você pode encarar a minha bunda agora?
Os meus olhos quase saltam das órbitas, e rapidamente eu abaixo a
cabeça, sem graça e com o rosto corado. Ela nunca perde a oportunidade
de citar as vezes que eu seco o seu corpo.
— Já disse que é tudo seu, sinta-se à vontade — adiciona.
— Muito sonsa! — devolvo.
Ela sorri e cola o seu corpo ao meu, segurando em minha cintura
primeiramente, mas logo as suas mãos deslizam para trás.
— Luna...
— Eu gosto quando você fala o meu nome assim. — Ela sorri de
forma cafajeste e se inclina, levando a boca até o meu ouvido. — Adoro
mulher brava. — O sussurro gostoso, ao pé do meu ouvido, me causa
arrepios, e eu fecho os olhos por reflexo. É incrível como ela consegue
mexer comigo de maneira tão fácil. Demoro alguns minutos a reagir, mas
finalmente tomo uma atitude ao me afastar. Preciso raciocinar, fica difícil
com ela tão próxima a mim.
— Vamos descer e terminar de arrumar tudo, as pessoas já estão
chegando.
— Você quem manda, patroa. — Ela bate continência para mim, e eu
reviro os olhos, antes de me virar para sair do quarto. Mantenho um sorriso
no rosto, porque as idiotices dela me deixam assim.
O que posso fazer se tenho uma esposa idiotamente adorável?
O meu plano inicial era arrumar tudo, antes que todo mundo
chegasse, para ter um momento divertido com a minha família, mas foi
muito bem-vinda a ajuda das meninas. Afinal, continuou sendo um
momento familiar, mas com mais pessoas que o comum. Elas são família de
qualquer forma.
— Vamos subir para tomar banho?
Estou analisando a árvore de Natal quando a Luna chega à sala,
abraçando-me por trás e colocando seu queixo sobre o meu ombro. Sorrio,
colocando as minhas mãos por cima das dela, em minha barriga, e inclino a
cabeça um pouco para trás.
— Vamos. Elas foram se arrumar?
— Sim. Precisamos ir logo, porque até o carinha perdeu o próprio
banheiro.
— Mas ele tomou banho? Podemos colocá-lo em nosso quarto.
— É uma boa ideia. Vá na frente que vou buscá-lo, antes que as suas
irmãs mudem a roupa dele.
Subimos as escadas, rindo, e cada uma vai para um lado.
Rapidamente, eu tomo o meu banho. O meu vestido está separado no
closet, com os acessórios e as sandálias. Luna fez questão de deixar tudo
nosso arrumado, para que apenas precisássemos tomar banho e nos vestir.
Ela realmente pensa em tudo. Depois do meu banho, Louis toma o dele e se
arruma no banheiro mesmo.
— Você acha que eu fico bem com essa cor? — questiono Luna, que
está pegando roupas íntimas para tomar banho, depois que Louis terminar o
dele. Ela para, por um segundo, e me olha de cima a baixo. Seu olhar
queima a minha pele.
— A minha garota favorita na minha cor favorita.
— Sua cor favorita não é a preta? — Ergo uma sobrancelha,
encarando-a, sem entender. Luna sempre foi a maior fã da cor preta que
existe neste mundo. Lembro-me de que ela parecia viver em um eterno luto
quando estudávamos na mesma escola.
— Vermelha é a minha nova cor favorita, mas somente se você
estiver usando.
O meu rosto esquenta um pouco, e desvio o meu olhar, ouvindo a
sua risada divertida. Ela simplesmente adora me deixar sem jeito, seja com
elogios ou com flertes repentinos.
— Você não perde a oportunidade, não é?
— Com você? Nunca. — Ela para atrás de mim e apoia uma das mãos
em minha cintura, inclinando-se para deixar um beijo na minha bochecha.
— Vou tomar meu banho e conferir se elas não se mataram.
Concordo com a cabeça e a observo sair do closet. Depois que ela
sai, eu termino de me arrumar. Estou terminando a minha maquiagem
quando o reflexo da aliança em meu dedo chama a minha atenção.
Geralmente eu não a reparo, estou tão acostumada com esse acessório que
até me esqueço. É uma aliança fina, com uma listra repleta de diamantes,
muito bonita por sinal, e deve ter sido cara.
Não me dou conta de que estou sorrindo, até ouvir outras vozes me
provocando:
— Você não foi capaz de evitar, mesmo depois de se esquecer dela.
— Como ela poderia? A Luna é a mulher dos sonhos de qualquer um.
Viro-me para Belinda e Sofia, e as duas me encaram, com sorrisos
em seus rostos. Mesmo que sejam provocações, sei que elas estão felizes
por mim, pois conheço esses olhares. Eu as olho de cima a baixo, admirada
com a beleza das mulheres que tanto amo.
Eu ainda estou chocada com o tamanho da minha irmã mais nova.
— Estou bonita?
— Essa é uma resposta óbvia — Sofia responde de imediato e revira
os olhos. O meu queixo quase cai com o seu jeito atrevido, lembrando
bastante a minha melhor amiga. O que Vanessa fez com a minha pequena
irmã?
— Eu disse que você iria se surpreender com essa cobrinha —
Belinda diz e solta uma gargalhada, divertindo-se com a minha expressão
de espanto. — Mas, sim, você está linda. Tenho certeza de que, nesta noite,
a Luna não escapa.
— Belinda...
— Vocês ainda... — Sofia começa a falar, mas se cala e olha para o
lado de fora, voltando a olhar para mim e fechando a porta do closet atrás
de si. — Vocês duas ainda não foderam?
— Sofia?! Que tipo de linguajar é esse?
Minha irmã mais nova revira os olhos outra vez, cruzando os braços
ao recostar-se nas prateleiras da esquerda.
— Desculpe, eu deveria dizer fazer amor? Ou fizeram sexo
gostosinho, ou...
— Chega! Chega! — peço desesperadamente, colocando as mãos
sobre os meus ouvidos. — Quando foi que você se tornou isso?
— Me tornei o quê? Uma adulta que faz sexo?
— Pra mim, chega. Isso é demais! — Ergo as minhas mãos e
rapidamente saio do closet, ouvindo as risadas das minhas irmãs atrás de
mim. Não sei quanto tempo levarei para me acostumar com a caçula sendo
tão... desse jeito. Meu Deus! Ela disse que faz sexo. Eu não acredito que
alguma pessoa safada tenha tirado a pureza da minha pequena.
— Por que você está com essa expressão? — Luna sai do banho com
seu roupão branco, enquanto desembaraça os cabelos com a escova. Eu a
olho, apavorada, e caminho em sua direção para esconder o rosto em seu
pescoço.
— Minha irmã faz sexo.
Luna solta uma risadinha, alisando as minhas costas com uma das
mãos.
— Bom, ela é casada e tem filhos. Você acha que eles foram feitos
como?
Afasto-me de Luna e a fuzilo com o olhar.
— Não estou falando da Belinda.
Ela olha para trás e depois para mim, finalmente entendendo o
motivo de todo o meu pavor. A sua expressão se retorce, e sei que está
prestes a rir, mas se contém.
— Bom, ela é uma mulher adulta agora, amor. É comum.
— Obrigada, cunhada. Eu acho que a minha amada irmã precisa de
um choque de realidade. Sexo é maravilhoso.
— Pare de falar isso, pelo amor de Deus! — exclamo, sem nem a
encarar. Todas estão rindo, divertindo-se com o meu pequeno surto, mas
não consigo achar graça nenhuma. Eu dormi com a imagem pura da minha
pequena e acordei com essa versão adulta, sem escrúpulos. O mundo não é
mais o mesmo.
Elas finalmente me dão trégua quando Luna diz que terminará de se
arrumar. Ouvimos a campainha tocar e saímos, as três, do quarto para
receber os convidados.
De pouco a pouco, todos vão chegando.
Ver os meus pais fez eu me sentir ainda mais feliz. Sinto saudade de
conviver com eles, mas estou entendendo que a vida adulta é assim
mesmo. Os pais de Luna chegaram animados. Noah os trouxe, pois ficarão
hospedados na casa dele. Ficariam aqui, mas o quarto de hóspedes será
dos meus pais. Eu prefiro assim, odiaria que a Ana e a Luna acabassem se
desentendendo.
E por falar na minha sogra.
— Camille.
— Ana — eu a cumprimento com um aceno de cabeça. Estou com
uma taça de vinho na mão, enquanto observo todos andando pela sala,
divertindo-se e contando histórias engraçadas. O Natal sempre foi uma das
minhas festas favoritas de fim de ano, e agora não está sendo diferente.
— Será que podemos conversar um pouco, longe de todo esse
barulho?
Penso em arrumar uma desculpa para escapar dessa conversa, mas
algo me diz para acompanhá-la. Concordo com a cabeça e indico a escada,
para irmos até o meu quarto.
— Eu acredito que ninguém vai nos atrapalhar aqui. — Fecho a porta
atrás de nós e caminho até a cama, sentando-me na beirada. — Sente-se
comigo.
Ana sorri e senta-se de frente para mim.
— Como ela está? — Franzo o cenho, e Ana suspira, nervosa,
passando as mãos pelos cabelos perfeitamente arrumados. — Luna.
Conversamos esses dias, mas ela não está se abrindo totalmente para mim.
Eu acompanhei os abortos anteriores e sei quão abalada a minha filha ficou.
Quero saber a verdade: você acha que ela está melhor?
— Sim. A cada dia, mais ela volta ao normal. — Respiro fundo e abro
um pequeno sorriso. Ana não parece muito confiante, eu conheço a aflição
no olhar de uma mãe preocupada. Sei que mesmo com seu jeito difícil, ela
ama muito a filha que tem. — Estamos tentando continuar a nossa vida.
Tivemos diversas conversas, e eu sugeri que ela buscasse uma ajuda
profissional, para ter um acompanhamento melhor.
— De verdade? Nossa, isso é ótimo! O Mark tentou convencê-la
algumas vezes a buscar ajuda de um profissional, mas a Luna sempre foi
muito teimosa e tem essa coisa de querer segurar o mundo todo com as
mãos.
— É realmente teimosa, mas sabe ouvir quando eu converso com ela.
Tenho um jeito especial de fazê-la entender as coisas.
— Você sempre soube lidar melhor com ela do que eu, que sou a
mãe dela. — Ana desvia o olhar, encarando um ponto fixo qualquer, perdida
em pensamentos. Eu a deixo pensar um pouco, pois sinto que ela quer
contar alguma coisa ou desabafar. — Sempre tentei ser uma boa mãe para
os meus dois filhos, dando de tudo do bom e do melhor, trabalhando dia e
noite, quase sem parar, para que nada faltasse em casa.
— Você é uma ótima mãe, Ana.
Ela solta um riso sem qualquer resquício de humor, negando com a
cabeça. Quando volta a me olhar, os seus olhos refletem uma dor profunda.
— Tenho sido uma boa mãe para o Noah, porque ele nunca me
contrariou. Sempre foi um bom menino, obedecendo, sem questionar,
seguindo todos os passos que desejei. Mas Luna nunca abaixou a cabeça,
nem para mim nem para o pai dela, sempre impondo as próprias opiniões.
— Ela tem gênio forte.
— Muito. Esse sempre foi um dos impasses que tivemos durante o
crescimento dela. Nunca consegui entender como pôde largar um bom
futuro para seguir um devaneio. Um hobby.
— Desculpe-me, Ana, mas estou convivendo com a sua filha todos os
dias, eu vejo como ela é feliz fazendo o que gosta. Não é um hobby, é o
trabalho dela, é a vida dela. A Luna está seguindo um sonho de infância.
Pensei que estava exagerando, interrompendo-a, mas ao vê-la sorrir,
fico um pouco confusa. Ela está feliz ou vai me bater?
— Gosto de saber que você a defende. Sempre me perguntei se
minha filha conseguiria encontrar uma boa pessoa. Confesso que tive
muitos preconceitos quando ela nos contou que gostava de mulheres.
Tivemos uma briga horrível, foi a primeira vez que a vi chorar tanto. Luna
sempre guardou tudo para si, e vê-la tão quebrada mexeu comigo, mas eu
não fiz nada. Estava com tanta raiva, pensando no que tinha feito de errado
na criação dela, cega por pensamentos arcaicos e atitudes que herdei do
meu pai...
Ana pausa durante alguns segundos, com os olhos fechados,
aparentemente com uma luta interna.
— Comecei a aceitá-la depois que ela nos apresentou a você. Um dos
meus maiores medos sempre foi que alguém a machucasse por gostar de
mulheres. Eu me preocupava, imaginando se ela encontraria uma pessoa
boa, com visão de futuro e capaz de aguentar tudo o que a sociedade joga
em cima de pessoas homossexuais.
— Confesso ter pensado que você não gostava de mim. Digo, agora,
quando encontrei vocês em Miami.
Ana nega com a cabeça e sorri.
— Tivemos muitas conversas, Camille. Você me encontrou uma vez
chorando, por causa dela, e iniciamos ali um tipo de amizade à parte, além
de você ser a minha nora. Comecei a enxergar o relacionamento de vocês
como um relacionamento qualquer, sem diferenças. Eu sentia que você
cuidava bem da minha filha.
— Eu nunca seria capaz de destruir a felicidade dela.
— Sabe de uma coisa engraçada? Você sempre dizia algo parecido
com isso todas as vezes que eu falava sobre. Mas o intuito dessa conversa é
que sinto que estou me afastando demais da minha filha, preciso recuperar
a nossa relação.
— Você quer ajuda para entendê-la?
— Muita. — Respiro fundo, inclino-me para deixar a taça vazia no
chão, volto a ficar sentada e me aproximo para segurar as suas mãos.
— Depois que tudo isso se normalizar, converse com ela, mas esteja
disposta a ouvi-la. Você, melhor do que ninguém, sabe que a Luna precisa
se expressar. Eu acredito que essa conversa fará muito bem a vocês duas.
Ana concorda com a cabeça, puxando-me para um forte abraço
repentino. Tenho certeza de que essa conversa entre as duas resolverá
muitas questões que não estão ao meu alcance. Espero mesmo que elas
possam resolver as diferenças de uma vez por todas.
— Luna aprontava demais quando era mais nova. Lembro-me de uma
vez que cheguei em nossa casa e a encontrei enrolada com ataduras.
— Como assim? Por quê?
Ana começa a me contar coisas do passado de Luna, muitas histórias
divertidas. É perceptível que, apesar dos problemas, ela ama muito a filha
que tem. E mesmo que não diga em voz alta, tem orgulho da mulher que
ela se tornou.
— Disse que queria se tornar uma múmia, que estava cansada dos
seres humanos e não queria mais ser um deles.
Eu gargalho, imaginando a cena da Luna pequena, com cara de
brava, toda enrolada em ataduras, dizendo isso. Não é muito difícil criar
essa imagem.
— Oi? Está tudo bem por aqui?
E por falar nela, olhamos para trás, apenas para ver a curiosa Luna
entrar lentamente no quarto, sem entender o que está acontecendo. Ana
rapidamente se levanta da cama, indo em direção à filha. Um sorriso nasce
em meu rosto com a cena.
— Eu amo você, minha filha. Lembre-se sempre disso. — Ana segura
o rosto de Luna e beija a sua testa. A minha esposa tem uma expressão
confusa e me olha como se perguntasse o que está acontecendo. Eu apenas
faço um sinal com as mãos.
— Eu também amo a senhora, mãe — ela diz, ainda meio confusa,
mas o brilho no olhar é intenso, mesmo de longe, o que me deixa muito
feliz.
— Vou deixá-las sozinhas e ir atrás do meu marido, antes que ele
acabe com todo o vinho. — Ela se afasta de Luna e olha para mim. —
Obrigada.
— Disponha.
Ana acena mais uma vez para nós, antes de finalmente se retirar do
quarto. Eu sorrio e me ponho de pé, indo até a Luna, que está mais confusa
do que tudo. Coloco os meus braços em volta de seu pescoço, chegando
perto o suficiente de sua boca para beijá-la.
— O que eu perdi?
— Segredos entre sogra e nora. — Ela faz um bico tão adorável, com
o cenho franzido, que não resisto e a encho de beijos. Luna não me rejeita,
mas ainda está confusa e curiosa. — Deixe de ser fofoqueira. Logo você
saberá do que se trata.
— Por que não posso saber agora?
Encosto os meus lábios nos dela para sussurrar, com os meus olhos
abertos, encarando os dela:
— Porque eu não quero. — Balanço as minhas sobrancelhas várias
vezes ao me afastar. Luna revira os olhos e solta uma lufada de ar,
demonstrando toda a sua derrota. — Vamos voltar lá pra baixo, nossa
família deve estar procurando por nós.
Entrelaço os nossos dedos e a levo para fora do quarto. Estamos
quase na chegada quando ela para de repente. Viro-me, curiosa, para
questioná-la, mas antes que possa, tudo que sinto é o meu corpo sendo
empurrado contra uma das paredes e as suas mãos em meu rosto, e logo
em seguida, a sua boca toma a minha. Fecho os olhos, apreciando o toque
macio de sua boca na minha. Os seus lábios acariciam os meus devagar,
enquanto ela usa a língua, para entrelaçar a minha, e as mãos para acariciar
o meu rosto. Estou entregue, totalmente nas mãos dela, como tenho estado
desde que voltamos aos bons termos.
— Você continua sendo a minha sorte.
O meu sorriso é tão largo, ao ouvir isso, que minhas bochechas
doem. Ela sorri da mesma forma, e o meu coração está acelerado. Ouço as
vozes das pessoas no andar de baixo, mas nada poderia atrair tanto a
minha atenção quanto a mulher que está na minha frente. Como posso
explicar todas as sensações que ela me causa?
Retiro as mãos dela do meu rosto, para que eu possa segurar o dela.
Luna fecha as pálpebras para apreciar o carinho que faço com os meus
polegares, então fico nas pontas dos pés para beijar-lhe a testa.
— Eu estou cada vez mais apaixonada por você — confesso.
Luna paralisa durante alguns segundos, mas a sua reação seguinte
me faz gargalhar, quando ela me abraça com tanta força que chega a me
erguer um pouco do chão. Evito que ela me pegue no colo, porque não
pode pegar peso ainda, mas ela não se importa. Se não sou eu para tomar
conta dessa mulher, nem sei.
Poderíamos ter ficado horas e horas ali, nesse momento só nosso.
Não foi a primeira vez que eu disse estar apaixonada por ela, mas todas
parecem a primeira. Gosto de poder aproveitar os carinhos que trocamos,
mas infelizmente temos muitas visitas, e elas estão nos chamando, ou
melhor, gritando os nossos nomes, para descermos. Com sorrisos nos rostos
e as mãos juntas, voltamos para o andar de baixo, voltando a fazer
companhia à nossa família.
O resto da noite e a ceia foram perfeitos. Por mim, eles ficariam
conosco a noite toda, mas, aos poucos, cada um foi sentindo sono e se
despedindo, com a promessa de que voltariam, no dia seguinte, para
trocarmos os presentes.
Os meus pais subiram. Eu imaginei que Sofia fosse dormir aqui, mas
ela preferiu ir com a nossa irmã. Tenho uma leve impressão de que ela está
fugindo de mim, mas não sei o motivo. Será que sou tão superprotetora e
chata?
— Deita um pouco aqui comigo, mamá? — Louis pede, assim que se
deita na cama, erguendo o cobertor e me dando um espaço em sua cama,
para que eu possa me deitar ao seu lado. Luna foi tomar banho e verificar
se os meus pais estão confortáveis, e eu fiquei encarregada de botar o
nosso filho para dormir.
— Gostou de hoje?
— Muito! Foi incrível todo mundo junto. Eu amo quando os meus
primos vêm brincar comigo.
Eu sorrio para meu pequeno, beijando os seus cabelos, ao
aconchegá-lo em meus braços. Ele deita a cabeça em meu peito e suspira.
— E amanhã tem muito mais. Se quiser, podemos chamar o Toni e o
Harry para passarem a semana aqui, que tal?
— Sim! Sim! Sim! — Ele se agita e balança a cabeça freneticamente,
e eu acabo rindo de sua animação. Louis realmente gosta dos primos.
— Tudo bem, mas agora você precisa dormir, para ter energia
amanhã.
Ele concorda, com um som nasal, e volta a se aconchegar em mim.
Alguns minutos se passam, eu espero ter certeza de que ele dormiu, e
quando penso que sim, o movimento de sua cabeça chama a minha
atenção. Louis se afasta e olha para mim.
— Mommy? Um dia, eu vou ganhar um irmãozinho? Todo mundo
tem, até o Toni vai ganhar um irmão novo.
A sua pergunta quase me faz perder o ar, e paro durante alguns
segundos. Luna e eu ainda não conversamos com ele sobre quais serão os
nossos passos, mas contamos que ela acabou perdendo um bebê. Louis é
uma criança sentimental, é notável que ele deseje ter um irmão, e eu
entendo isso.
— Filho, as coisas são complicadas. Ter uma nova criança traz muita
responsabilidade, e a sua mãe e eu estamos reconstruindo o que temos.
Você sabe, não é?
— Sim, mommy. Mas...
— Eu entendo o seu desejo, sei que um irmão faz falta para você,
mas promete que não falará isso na frente da sua mãe?
— Não vou falar isso na frente da mamãe, mas vocês podem pensar
com carinho? Eu prometo que serei o melhor irmãozinho do mundo. — Louis
junta as mãos e me encara com os olhos de pidão. O meu coração se
aperta, e o puxo para mim, envolvendo-o em meus braços.
— Vai dar tudo certo, carinha. Eu sei que vai ser um ótimo irmão,
porque você é um bom garoto. Boa noite, meu amor.
— Boa noite, mommy.
O assunto se encerra, e em alguns minutos, ele acaba realmente
pegando no sono. Levanto-me com cuidado, para não o acordar, e apago as
luzes antes de sair de seu quarto. O silêncio em casa me dá a garantia de
que todos foram se deitar, inclusive a Luna. Preciso de um banho urgente.
Entro no quarto com cautela e a vejo deitada na cama, de costas
para a porta. Não sei se está dormindo, mas parece que sim. Tomo todo o
cuidado para entrar no closet e pegar um pijama, para vestir depois do
banho. Quando saio do banheiro outra vez, visualizo Luna, aparentemente
pensativa, sobre a cama.
— Acordou?
— Nunca vou poder dar um irmão para o meu filho. Sempre fiz de
tudo para que nada faltasse a ele, mas infelizmente uma das coisas que ele
mais quer sou incapaz de dar.
— Você...
Rapidamente, me aproximo da cama, espantada por ela saber o que
conversei, há pouco, com o nosso filho. Sua expressão me quebra o
coração, porque sinto, apenas olhando para ela, a dor que está cravada em
seu peito. Queria poder arrancar tudo de ruim que ela possa estar sentindo.
— Eu acabei ouvindo, sem querer, quando fui procurar você. Sinto-
me tão incapacitada. Tão...
— Luna, pare com isso. Fique tranquila, nós conversamos sobre isso.
Ela puxa os cobertores com certa violência e se põe de pé,
surpreendendo-me ao ficar cara a cara comigo. O seu olhar raivoso me
deixa nervosa, mas sei que tudo isso é apenas reação automática à dor que
está dentro dela.
— Ficar calma? Como eu posso ficar calma quando o meu filho quer
ter um irmão e pensa que não tivemos ainda por escolha, e não por que eu
sou inútil e incapaz de manter uma criança dentro de mim? — Luna está
exaltada e subindo o tom de voz. Eu sei que ela está descontrolada e
machucada, mas não quero que ninguém acorde por causa dessa discussão
sem cabimento.
— Ok, abaixe esse tom de voz e vamos conversar com calma.
— Para o inferno você com essa calma. Será que não consegue
entender como me sinto? Estou quebrada, destruída, e saber que o meu
filho deseja tanto isso quanto eu faz com que me sinta ainda pior. Eu sou
inútil de verdade.
— Você não é e sabe disso. Vou pedir de novo para abaixar o tom de
voz, não precisa se exaltar. Os meus pais estão aqui, o nosso filho está aqui,
e eles não precisam ouvi-la. Não há necessidade de um momento
constrangedor.
— Você não entende, Camille. Não faz ideia de como isso está sendo
pra mim. — Ela vira de costas, com as mãos nos cabelos, puxando alguns
fios, como se isso pudesse acalmá-la.
— Meu amor...
— Não me chame assim, por favor! Eu não mereço isso. Não mereço
você, só sirvo para destruir tudo em que toco.
— Pare de falar besteira.
Ela se vira para mim outra vez, com suas narinas infladas e a
respiração acelerada. Ergo a minha postura, para mostrar-lhe que nenhuma
grosseria será capaz de impedir que conversemos tranquilamente.
— Não é besteira, Camille, é a maldita verdade!
— Cale a boca.
— Não me mande calar a boca, escute a porra da verdade que está
na sua frente. Eu sou... — Cubro a sua boca com as minhas mãos, para
impedi-la de continuar falando tanta coisa idiota sem motivo. Ela tenta
retirá-las, mas a encaro de maneira firme.
— Cale essa maldita boca. Pare de falar tanta besteira, sua idiota.
Luna finalmente retira minhas mãos de sua boca e me encara com a
mesma expressão que a minha.
— Não vou calar nada. É melhor que você ouça tudo.
Com a minha paciência quase se esgotando, por conta da teimosia
dela, resolvo fazer a única coisa possível capaz de fazê-la realmente calar a
boca: seguro a sua nuca com ambas as mãos e a puxo. Ela até tenta lutar
contra, mas nossos lábios entram em contato, e isso parece acalmá-la
instantaneamente. Em outra ocasião, essa seria a pior forma de acabar com
uma discussão, mas, neste momento, é a única maneira possível.
Forço a língua contra a sua boca e a invado, tomando os seus lábios
para mim como se me pertencessem de forma literal. Estou marcando meu
território, mostrando, com atitude, que não desejo deixá-la se rebaixar e
que não desistirei, mesmo que ela tente me obrigar a isso. Luna finalmente
se rende e agarra a minha cintura, puxando-me contra o seu corpo.
— Idiota — eu murmuro, depois de um tempo, e ela sorri e volta a
me beijar. Luna anda para trás, levando nós duas à cama.
— Sua idiota. — A voz rouca me faz arrepiar.
Ela se senta na cama e me puxa para o seu colo, colocando as mãos
em minha cintura. Faço força para que ela se deite e me ajeito em cima
dela, sorrindo ao me abaixar e grudar os nossos corpos outra vez. Luna
suspira, alisando as minhas costas até chegar à minha bunda, que ela
aperta com força, arrancando-me um gemido baixo. Meu corpo está
esquentando, a respiração dela batendo contra a minha pele, tudo se
unindo para mexer com o meu psicológico.
— Você me deixa maluca — murmuro. — Precisamos dormir.
Ela abre os olhos na hora e me encara como se eu fosse louca.
— Dormir agora?
Respiro fundo antes de me levantar de cima dela. Preciso me afastar,
preciso voltar a raciocinar e me controlar. Ela não pode fazer esforço, e eu
não quero machucá-la sem querer. Deito-me ao seu lado, evitando olhar
para ela.
— Deita aqui, venha.
Luna bufa e se enfia debaixo das cobertas, aproximando-se de mim.
— Você me deixou toda molhada e vai dormir. Eu não acredito.
Todo o meu corpo reage à sua frase, e imagens começam a surgir.
Seguro a respiração, porque sei que acabarei arfando, e pode ser que isso
faça algo despertar dentro dela. Então, com todo o resto de controle que
me resta, eu apenas me viro de costas para ela e apago a luz do meu
abajur. Luna faz o mesmo e me puxa para ela. Temos dormido assim,
juntinhas, sempre.
Estou tentando pegar no sono, mas sinto a respiração dela bater de
leve em minha nuca. Luna afasta os meus cabelos para encostar o rosto ali.
Não que seja algo fora do comum, porque ela tem feito isso todos os dias,
mas agora parece que um incêndio foi iniciado dentro de mim, por causa
desse contato. Fecho os meus olhos com força, engolindo saliva.
O silêncio do quarto é rompido apenas pelas nossas respirações: a
dela, calma; a minha, cada vez mais agitada. Fecho os olhos e até balanço a
cabeça, para tentar acabar com os meus pensamentos, mas tudo conspira
contra mim.
Luna enfia a mão por debaixo da blusa do meu pijama e acaricia o
meu abdômen devagar. Sua palma quente quase me faz gemer, e quando
ela aperta nos pontos certos, todo o meu corpo se arrepia.
Isso deveria ser comum, como tem sido nos últimos dias. Luna é
muito carinhosa, principalmente quando vamos dormir, porque é o momento
em que estamos a sós, e ela pode me dar toda a atenção. Mas cada toque e
aperto dela em minha pele fazem uma pulsação dolorosa aumentar entre as
minhas pernas. Alguma coisa toma conta do meu corpo, porque nem
percebo o momento exato em que seguro a mão dela e lentamente arrasto
para baixo, ultrapassando a barreira do meu short e da calcinha de algodão
que estou usando.
O corpo dela fica tenso atrás de mim, mas não demora a tomar uma
atitude e mexer os dedos devagar, para cima e para baixo, fazendo círculos
lentos sobre o meu clitóris enrijecido.
Levo uma das mãos para trás, segurando os seus cabelos, puxando-
os, ao senti-la lamber e beijar a minha nuca, enquanto continua me
masturbando de uma maneira tão deliciosa. Por que eu demorei tanto a
deixá-la fazer isso?
— Ah... Hm… — Gemidos incoerentes me escapam, e tudo aumenta
quando ela separa as minhas pernas e desliza os dedos até a minha
entrada, recolhendo a minha lubrificação natural e voltando ao clitóris.
Tenho que enfiar o rosto no meu travesseiro para não gemer alto.
— Caralho, tão molhada — ela murmura, arfando, ao girar os dedos
em meu clitóris. Eu ofego e me surpreendo quando, de repente, sinto um
tapa certeiro no ponto rígido e pulsante.
— AH!
Dessa vez, é impossível segurar o gemido alto, e eu só espero que
ninguém tenha escutado nada. Acontece que é uma sensação de dor e
prazer tão gostosa, que simplesmente não me controlo. Luna usa seu joelho
para separar as minhas pernas e erguer uma delas, deixando o caminho
livre para me tocar da melhor forma.
Sinto uma sensação gostosa subir pelas minhas coxas e parar no pé
da barriga. Fecho os olhos com força e agarro os cabelos dela, no momento
que estremeço e sinto as minhas paredes internas pulsarem freneticamente.
Luna não para ao ver que estou gozando, continua me masturbando com
rapidez e me dá outro tapa quando eu falo seu nome baixinho.
— Você gozando é uma delícia — ela murmura e retira a mão do
meio das minhas pernas. Eu estou mole e fraca, sentindo-me um pouco
sonolenta. Ouço sons de estalos no ouvido e tenho consciência de que ela
está provando o meu gosto, o que quase me faz gemer outra vez. Que
mulher é essa?
— O que acabou de acontecer? Nossa!
Luna solta uma risadinha e volta a me abraçar, colocando o queixo
em meu ombro.
— Eu acho que te dei um orgasmo delicioso.
— Muito delicioso. — Volto a levar a mão para trás e acaricio os
cabelos dela. Luna beija a minha bochecha e se aconchega em mim. — Eu
tinha razão quanto à sua habilidade com as mãos.
— Isso porque você ainda nem viu tudo que eu posso fazer com elas.
Abro os olhos na mesma hora e viro o rosto o máximo que posso,
para encará-la. Ela sorri e se estica para me beijar.
— Mal posso esperar para ver tudo que elas podem fazer.
Ela não diz mais nada e voltamos à posição inicial. Ficamos em
silêncio, e acredito que dentro de alguns minutos vamos dormir. Ao menos
eu sei que vou.
— Feliz Natal, minha princesa.
Sorrio com o jeito carinhoso pelo qual me chama e seguro a sua mão
em minha barriga, trazendo-a para que eu possa beijá-la.
— Feliz Natal, meu amor.
Capítulo 27 – O primeiro passo
Estou na cozinha com os meus pais, e estamos preparando um café
da manhã reforçado, pois a minha irmã e a família dela estão vindo tomar o
desjejum conosco. Minha mãe ficou encarregada de fazer as melhores
panquecas que existem em todo o mundo — somente as da minha avó
ganham delas. Papai está ajudando e, ao mesmo tempo, preparando outras
coisas. Para ser sincera, eu estou, boa parte do tempo, apenas observando
os dois. Eles são adoráveis quando cozinham juntos.
— Bom dia, família linda — uma voz rouca, de quem acaba de
acordar, toma conta da cozinha. Olho para ela e sorrio, sendo rapidamente
correspondida. Luna vai em direção à minha mãe e segura em sua cintura,
beijando-lhe o topo da cabeça.
— Bom dia, nora maravilhosa.
— Bom dia, minha sogra favorita.
— Mas você só tem uma, que eu saiba — resmungo, e as duas
acabam rindo, ignorando a minha leve revolta totalmente.
Luna se direciona, dessa vez, ao meu pai, e eles trocam um caloroso
abraço. É impossível manter a minha postura de quem está com raiva,
porque ela parece tão bem e alegre.
— Bom dia, sogro perfeito.
— Veja só quem acordou bem-humorada hoje. Bom dia, nora.
— Realmente, acordou muito animada. — Viro-me um pouco sobre o
banco e abro os braços para ela. — Bom dia, meu amor.
O sorriso dela fica maior ainda ao me ouvir. Ela se abaixa, e trocamos
um rápido beijo, finalizado com muitos selinhos.
— Bom dia, rainha da minha vida.
— E essa felicidade toda? — sussurro, impedindo-a de se afastar de
mim quando entrelaço as minhas pernas em sua cintura. Luna sorri, sem
jeito, e espia atrás dela, onde meus pais estão. Provavelmente, para conferir
se eles estão prestando atenção. — Isso tudo é por causa do Natal? —
Sorrio de forma cínica, envolvendo o seu pescoço com os meus braços.
— Você sabe muito bem o motivo, sonsa — ela fala baixo,
preocupada com a possibilidade de meus pais a ouvirem, o que me faz rir
um pouco, mesmo estando sem jeito por me lembrar do que fizemos de
madrugada. — A madrugada foi maravilhosa!
Os meus olhos descem para a sua boca, e eu sinto como se toda a
água do meu corpo fosse drenada. Inclino-me para beijá-la, mas algo, ou
melhor, alguém, me impede.
— Fazendo safadezas na frente dos nossos pais agora, Camille? — a
minha irmã gêmea idiota diz, fazendo-me automaticamente corar e me
lembrar de que estamos realmente exagerando. Luna dá uma risadinha
nervosa e se solta de mim.
— Depois, ela dá chiliques por saber que eu faço certas coisas. Bom
dia, família — Sofia completa o comentário de nossa irmã, passando direto
por mim para ir até os nossos pais. Reviro os meus olhos e fico de pé para
cumprimentar os meus sobrinhos.
— Oi tia, bom dia — Serena é a primeira a me cumprimentar,
extremamente animada.
— Bom dia, pequena. Cadê o Harry?
— Subiu para o quarto do Louis. Esse garoto está ficando mal-
educado agora — Rodrigo diz com ar de riso, ao também chegar à cozinha.
— Bom dia, cunhada. Bom dia, sogros lindos.
Todos se cumprimentam e ajudam na arrumação da mesa para o
café da manhã. Belinda preparou um bolo de laranja em casa e o trouxe.
Isso me deixa preocupada, porque quando éramos mais novas, ela mal
sabia fritar um ovo.
Olhando para eles, animados e rindo, enquanto conversam, não
existe algo melhor que eu possa escolher, além de um momento como este.
A minha família sempre foi tudo para mim, estou feliz por estar recuperando
o contato com todos, pois sei que a Camille de antes andava bastante
afastada. Recuperar os laços tem sido uma das coisas mais importantes
para mim nos últimos dias. Isso me ajuda muito a lidar com a minha falta
de memória. Ter pessoas que eu amo ao meu lado sempre foi gratificante, e
agora ainda mais. Observando-os espalhados pela sala de casa, enquanto
conversam, brincam e esperam para trocar os presentes... O meu coração
está em festa. É muito bom estar cercada de quem só quer o nosso bem,
não é?
— Eu quero pedir um minuto de atenção a todos vocês. Por favor! —
Vanessa se pronuncia de repente, levantando-se do sofá e abrindo o
sobretudo que está usando. Um sorriso nasce em meu rosto, pois tenho a
noção do que dirá. — Acredito que não seja surpresa para alguns, mas será
principalmente para os meus sogros e para o meu marido, que está meio
desconfiado nos últimos dias, mas não chegou em mim para perguntar.
— Amor, você...? — Noah se levanta do chão, onde estava sentado,
brincando de UNO com as crianças. O seu rosto está estampado de
incredulidade, e os olhos claros brilham de longe. O meu olhar é desviado
para Luna ao meu lado, que está tensa, apesar do sorriso em seu rosto.
— Sim, amor. E sim, família. O clã Hansen-Jacobs vai ganhar um
novo ou uma nova integrante, porque eu estou grávida
Todos comemoram ao mesmo tempo, ficando de pé para cercar os
mais novos pais da família. Noah segura Vanessa no ar e a enche de beijos.
Volto a olhar para Luna, que derrama lágrimas silenciosas. Parte o meu
coração vê-la desse jeito, embora eu saiba que está feliz por eles.
Aproximo-me rapidamente dela e a puxo para os meus braços, envolvendo-
a com firmeza. Ouço-a fungar em meu pescoço, apertando a minha cintura
com as mãos.
— Esse deveria ser o seu presente também. Eu tinha tanta, tanta
coisa planejada para dizer.
— Meu amor… — Enfio as mãos em seus cabelos, acariciando o couro
cabeludo com carinho. Sei que não podemos evitar que os nossos familiares
façam anúncios como esse, mas entendo a dor que está sentindo. Luna é
muito cautelosa ao planejar qualquer coisa e sempre se abala quando algo
dá errado, principalmente nesse caso, em que ela fez de tudo para dar
certo. Infelizmente, não era o momento.
— Eu sinto tanto. Tanto. Quebra meu o coração. — Seu tom de voz
embargado me quebra o coração da mesma forma.
Fecho os olhos e respiro profundamente, apertando-a contra mim.
Olho em volta para ter certeza de que ninguém esteja nos vendo, e
realmente não estão, apesar de notar o olhar cauteloso e preocupado de
Ana sobre nós duas. Eu faço um sinal para ela e depois volto a atenção para
a mulher em meus braços, que continua com o rosto em meu pescoço,
fungando baixinho e sussurrando coisas que não sou capaz de compreender.
— Vamos dar uma volta. Venha.
Ela não hesita em atender meu pedido, e de mãos dadas, saímos da
sala, passando pela cozinha para irmos até a porta que nos leva ao quintal.
Luna olha para o céu, assim que chegamos ao lado de fora. Está
começando a chover, uma chuva congelada que, em breve, formará mais
neve no chão.
— Desculpe-me por tirar você de lá. É tudo tão difícil!
— Não fique se desculpando, eu a entendo totalmente, assim como
todos.
— Não quero estragar o momento feliz de ninguém.
— Você jamais faria isso. — Vou para a frente dela e seguro o seu
rosto, fazendo-a me encarar. Os olhos estão avermelhados, assim como a
ponta de seu nariz. — Entendeu? O seu irmão sabe que está feliz, e eu
tenho certeza de que ele também entende a sua dor neste momento.
— Entendo mesmo — uma terceira voz surge de repente. Luna olha
para trás, e eu faço igual, ao soltar o seu rosto. Deparamo-nos com o Noah
chegando até nós. — Quero me desculpar por ter ativado algum gatilho
relacionado a isso. Você, melhor do que ninguém, sabe o quanto eu a amo
e a protejo de qualquer coisa neste mundo.
— Não se desculpe, meu irmão. Eu sabia que seria assim no começo,
só preciso aprender a lidar.
— Estou aqui com você, minha princesa. Ouviu bem? — Ele para na
frente dela e segura o seu rosto, encarando-a firmemente. — Sua dor dói
em mim também, sempre fomos assim. Se eu pudesse arrancá-la de dentro
de você e pegá-la para mim, eu o faria.
— Eu sei disso, Tico.
Noah abre um sorriso ao ser chamado pelo apelido íntimo dos dois.
Eles se chamavam de Tico e Teco quando eram mais novos. Eu achei fofo,
como o meu BigBig e Lil com a Vanessa.
— Não era para ser agora. Você já teve informações suficientes para
saber que tudo acontece no momento certo. — Noah olha para mim durante
alguns segundos, e eu imagino que ele esteja se referindo a coisas
relacionadas a mim, a ela e ao nosso relacionamento também. — Eu mesmo
não imaginava ser pai de novo. Vanessa nunca quis outro filho. Eu estava
desconfiado, mas ela sempre foi tão cuidadosa que eu nem cogitei ser
verdade.
— Ela estava apavorada quando me contou — comento, lembrando-
me do dia em que conversamos, e ela me falou da gravidez. Ele sorri e
concorda com a cabeça, então volta a olhar para a irmã.
— Eu estou aqui com você, sempre estarei. Nunca, em hipótese
alguma, se esqueça disso.
Eles se abraçam com força, Noah a ergue do chão e a mantém em
seus braços. Ficam assim durante algum tempo, até que ele a coloque no
chão.
— Obrigada.
— Não precisa agradecer, é para isso que os irmãos servem. — Eles
fazem um toque de mão divertido, e me dou conta de que é o mesmo que
Louis e ela fazem. Deve ser algo entre eles. — Vou deixar as duas sozinhas
e garantir que ninguém atrapalhe.
Eu sorrio em agradecimento, e ele me retribui e acena, antes de se
virar e sair, entrando na sala, onde todos estão. Luna passa as mãos em seu
rosto, antes de se virar. Ela já não está mais triste, e eu fico grata por meu
cunhado ter vindo animá-la.
— Venha aqui me dar um beijo — ela me chama, e eu não me faço
de rogada, indo rapidamente em sua direção para beijá-la. Luna segura em
minha cintura, e eu passo os braços por trás de seu pescoço, colando a
minha boca à sua, dando início a um lento beijo. Sinto as suas mãos
tocarem as minhas costas, apertando o ponto certo. Esse beijo está
carregado de sentimentos, e eu consigo sentir todos ao mesmo tempo,
mesmo sem saber explicá-los.
Estamos perdidas em uma bola particular, trocando olhares e sorrisos
apaixonados. O tempo frio deixa os olhos de Luna com um tom azul lindo
demais. Eu acho incrível como eles mudam conforme a iluminação ou a
temperatura do ambiente. Confesso que estou cada vez mais apaixonada
por cada detalhe dessa mulher.
Ela mantém as mãos em minha cintura, com uma pegada firme que
me faz quase derreter em seus braços. Ela sabe como me pegar. Eu acaricio
seu rosto, retirando alguns fios teimosos de cabelo, que insistem em cair
sobre os seus olhos e quase me impedem de apreciar o rosto da mulher
mais linda que tenho o prazer de admirar.
— Filha? Posso falar com você um instante? — Dessa vez, quem
surge onde estamos é a Ana, fazendo com que a gente se afaste e olhe em
sua direção. A minha sogra caminha até nós, com as mãos dentro dos
bolsos de seu grosso sobretudo.
— Claro que pode, mamãe.
— Eu vou deixá-las a sós. — Faço menção de sair para dar-lhes
privacidade, mas sou impedida por Luna, que segura os meus punhos, e por
Ana, que faz um sinal com as mãos para que eu permaneça.
— Você é família, não tem motivo para sair e não ouvir o que direi.
Inclusive, acho que também pode ser bom para você o que vou falar.
Luna entrelaça nossos dedos e me puxa um pouco mais para perto
de si.
— Pode falar, mamãe.
Ana toma uma respiração profunda, antes de relaxar a postura,
abaixando os seus ombros, como se estivesse retirando peso de cima deles
e derrubando alguma barreira dentro de si mesma.
— Filha, eu sei que nunca fui uma mãe tão boa quanto deveria ser e
que você merece. — Luna faz menção de interrompê-la, mas Ana a impede,
cobrindo a boca da minha esposa. — Eu não sou hipócrita, sei do que estou
falando. Sempre tentei dar o meu melhor, até mesmo ao Noah, porque nem
com ele consegui ser perfeita. Sei também que sempre peguei mais leve
com seu irmão, porque ele nunca me contrariou, e nós raramente
discutimos. O que quero que você saiba é que, apesar de não ter sido a
mãe mais carinhosa e atenciosa do mundo, meu coração sempre quebrou
quando o seu foi quebrado. Eu te coloquei no mundo, então mesmo que eu
nunca... Mesmo com esse jeito torto de demonstrar, sempre desejei que só
acontecessem coisas boas na sua vida.
Luna está tensa ao meu lado, provavelmente ouvindo coisas nunca
ditas pela própria mãe, que é muito fechada.
— Todos os anos que trabalhei, por dias e noites, quase sem
descanso, foram apenas para dar tudo de bom e de melhor a você e ao seu
irmão. Sei que coisas materiais não substituem um abraço, uma
demonstração de afeto ou de preocupação. Hoje sei disso. Falhei ao
priorizar outras coisas antes de vocês, achando ser suficiente o que eu já
dava.
Ela se aproxima de Luna e toca o rosto da filha, olhando de maneira
carinhosa. Lembro-me de ter visto esse olhar afetuoso apenas direcionado
aos netos e ao Mark.
— Agora, eu a olho e vejo uma mulher quebrada, tentando consertar
os trincados que todos esses anos causaram ao seu coração, o que me
parte ao meio, porque não posso proteger você dessa dor. Eu nunca soube
ser carinhosa, porque fui criada assim, diferente do seu pai, que sempre foi
mais aberto, mas eu amo vocês dois com todo o meu coração. Você, Luna,
sempre foi e sempre será a minha princesinha. Posso não entender algumas
das suas escolhas, mas tenho orgulho da mulher que você se tornou. Uma
mulher forte, com uma família linda, que luta pelo que quer e não tem
medo de errar e recomeçar.
A minha esposa chora sem qualquer tipo de vergonha, assim como a
Ana. Acredito que este seja o momento mais emotivo que as duas já
tiveram. Confesso que eu mesma estou mexida, e a conversa nem é
comigo.
— Eu quero que saiba que estou aqui, de verdade, minha filha. O
meu colo está aqui para você se refugiar, se for preciso. — Ela desvia o
olhar para mim e sorri de maneira amável. — Vocês duas. Porque, apesar de
ser a minha nora, Camille, eu a considero como uma filha. Você sempre
cuidou e continua cuidando tão bem da minha menina, não tem como ser
diferente. Sou grata por ela ter encontrado alguém tão especial. Você, filha,
saiba que, a partir de agora, farei de tudo para ser melhor. Prometo ouvi-la
mais e tentar entendê-la, sem julgamentos. Isso é uma promessa.
Ana mal termina de falar e sente a colisão do corpo de Luna contra o
seu. Ela solta a minha mão para abraçá-la. Presenciar esse momento de
mãe e filha me faz tão feliz, como se a minha alma estivesse sendo lavada.
Eu sei o quanto elas precisavam dessa conversa, e mesmo que ainda tenha
muita coisa para ser resolvida entre as duas, esse foi o primeiro passo. Eu
realmente acredito que tudo tem alguma razão para acontecer. Todos estão
se acertando de alguma forma.
O restante da noite não poderia ser melhor. Todos ficam ainda mais
alegres quando voltamos para dentro, e Luna está radiante, brincando e se
divertindo, sem ficar nem um minuto sequer em algum canto. Isso me deixa
alegre e muito satisfeita, porque me parte o coração vê-la reclusa.
Aos poucos, eles começam a ir embora. Os meus pais vão dormir na
casa de Belinda desta vez, restando apenas os pais de Luna, que ficam um
pouco mais, até irem para a casa de Noah, mesmo que tenhamos insistido
para que dormissem aqui. Pelo visto, todos se juntaram para nos deixar
sozinhas, pois Nayara levou o nosso filho com ela.
— Você também teve a sensação de que eles queriam nos deixar a
sós? — pergunto, assim que Luna entra no banheiro, onde estou de pé em
frente à pia, retirando os meus acessórios. Estou usando apenas lingerie,
como ela.
— Que bom que não fui a única a ter essa sensação. — Ela solta uma
risada, e eu acabo rindo também. — Sabia que você também tinha
percebido que estavam armando algo para nós duas, mas confesso que
gostei da ideia de ficar sozinha com a minha mulher. Vai tomar banho
primeiro?
Mordo o lábio inferior, ao ouvir a sua pergunta, olho para o meu
reflexo no espelho e, depois, de rabo de olho, visualizo o box. Abaixo a
minha cabeça durante poucos segundos, e um pequeno sorriso surge em
meus lábios ao ter uma ideia. Sei que provavelmente ficarei bastante tímida,
mas não existe nada que me impeça de sugerir isto a ela.
— Por que não tomamos juntas?
Luna olha, na mesma hora, para mim, e eu não a estou encarando, a
vejo pelo reflexo do espelho. Quase sorrio com a reação dela, acho adorável
o modo como ela reage a mim. Isso faz com que a minha autoestima fique
nas alturas.
— Eu acho perfeito — sua voz não passa de um sussurro rouco e
provocante. Sabia que ela não perderia a chance de reverter a situação.
Luna se aproxima de mim e para atrás do meu corpo, com as mãos em
meus ombros. Ela alisa os meus braços lentamente para baixo e, depois,
sobe até as minhas costas, parando no fecho do sutiã. — Posso?
— Sim — respondo de imediato, hipnotizada pelo olhar dela no
reflexo do espelho. Luna rapidamente abre o meu sutiã, deixando-o solto
em meu corpo, e sem desviar o olhar do meu, começa a tirar a peça
lentamente. Engulo saliva, sentindo um arrepio gostoso quando os seus
dedos tocam o meu corpo.
— Sempre ficarei fascinada com a sua beleza — ela murmura,
enquanto se ajoelha aos meus pés, segurando a barra da minha calcinha.
Fecho os olhos momentaneamente e sinto uma insegurança que não me
impede de sentir confiança. Não somente nela, mas em mim mesma. —
Você é a mulher mais linda do mundo.
Luna sobe lentamente, arrastando as mãos pelo meu corpo. Fecho os
olhos quando ela gruda em mim, acariciando a minha barriga dessa vez. Eu
sei que os seus toques são a forma silenciosa dela de me elogiar e me dar
confiança. Está funcionando, porque sinto crescer, dentro de mim, algo
parecido com poder, e a certeza de que posso fazer o que eu quero e que
não preciso me envergonhar. Não é qualquer pessoa aqui comigo, é a minha
esposa, a mulher com quem escolhi passar o resto dos meus dias.
— Você nem deixou eu te despir.
— Novas oportunidades surgirão, princesa. Venha! — Ela estende a
mão, levando-me para o box, abre a porta e me deixa passar, para entrar
logo em seguida. Luna liga o chuveiro e mexe nos registros para deixar a
temperatura no ponto certo.
— Eu acho que você podia me fazer uma massagem, sabe? Estou me
sentindo dolorida — comento casualmente, enquanto entro, aos poucos,
debaixo da grande cortina de água. Luna solta uma risadinha,
acompanhando-me debaixo da ducha.
— Será um prazer. O que você me pede que eu não faça?
Como de costume, coloco os meus braços em cima de seus ombros
para abraçar o seu pescoço.
— Posso pedir qualquer coisa?
— Qualquer coisa — ela responde e se inclina, beijando o meu queixo
lentamente, e eu fecho os olhos para apreciar o contato. Adoro quando a
sua boca está em mim.
— Quero um beijo, então.
Luna nem diz mais nada, somente encosta a boca na minha e me
beija. Lentamente, como sempre é o início dos nossos beijos, para, então,
acelerar gradativamente. Suas mãos apertam a minha cintura com força,
puxando-me contra ela. Este contato dos nossos corpos nus me faz gemer e
estremecer ao mesmo tempo. Sei que deveria ser rotineiro, mas para mim é
mais uma coisa nova. E eu gosto da sensação.
Ficamos nos beijando, até que, enfim, decidimos tomar nossos
banhos. Não deveríamos ter molhado os cabelos, mas foi impossível. Luna
fez questão de me ensaboar, dizendo estar recompensando-me pelos dias
que a tive de banhar. Eu, obviamente, não perdi a chance de fazer o mesmo
com ela, e assim foi o resto do banho. Saímos juntas, trocando sorrisos e
beijos, enquanto nos enxugávamos. Voltamos ao quarto, e a primeira coisa
que ela faz é ligar e aumentar a lareira, deixando o clima mais agradável.
— Não coloque a blusa, apenas o short. Vai ser melhor para a
massagem — ela pede, e eu concordo com a cabeça, deixando a blusa
sobre a cama, antes de me deitar de bruços. Suspiro ao sentir o cheiro do
creme que ela usa, e Luna sobe na cama e se senta sobre as minhas coxas.
— Eu acho que você sabe como eu gosto, então só vai com tudo.
Enfio as minhas mãos debaixo do travesseiro e deito a cabeça de
lado, com um sorriso no rosto, esperando a massagem começar, pois sei
que será incrível. Luna se movimenta sobre mim, e quase salto de susto ao
sentir a sua respiração em meu ouvido.
— Eu sei fazer tudo o que você gosta mesmo — seu sussurro me faz
fechar os olhos com força e pressionar as coxas uma contra a outra. Maldita
mulher que sabe mexer comigo. Ela realmente me conhece e sabe que pode
tocar nos meus pontos fracos sem pena.
Luna se afasta de novo e espalha o creme sobre as minhas costas,
dando início à massagem em seguida. Como eu já esperava, ela realmente
sabe como eu gosto. Não demoro muito a me sentir relaxada e sonolenta.
— Não tenho forças nem para vestir a minha blusa — murmuro, meio
grogue, quando a massagem chega ao fim, e permaneço imóvel na mesma
posição, tendo a sensação de que dormirei a qualquer momento. Luna solta
uma risadinha, e não faço ideia do que ela está fazendo, só ouço seus
passos pelo quarto e percebo as luzes sendo apagadas.
— Durma assim, eu prefiro — ela diz ao finalmente voltar para a
cama, deitando-se ao meu lado. — Venha, eu faço você dormir rapidinho.
Sinto as suas mãos em minha cintura e deixo que ela me vire na
cama, puxando-me contra o seu corpo. Viro a minha cabeça um pouco para
trás e questiono baixinho:
— Vai me fazer dormir rápido, fazendo-me gozar de novo? — A
minha pergunta parece pegá-la desprevenida, pois sinto que as suas mãos
perdem a firmeza no meu corpo durante alguns segundos, mas então, ela
volta a me segurar com força, grudando o corpo no meu rapidamente e
levando a boca até a minha orelha.
— Você quer?
Minha resposta para a sua pergunta é somente um aceno de cabeça.
Mesmo estando realmente sonolenta, sei que vai ser gostoso da mesma
forma.
Luna não perde tempo dessa vez, vai direto ao ponto, ultrapassando
a barreira do meu short, sentindo-me, sem qualquer barreira, pois não
coloquei calcinha quando me vesti.
— Já está toda molhada — sussurra em meu ouvido, enquanto rodeia
a minha entrada, recolhendo a minha lubrificação natural. Mordo o lábio e
pressiono os olhos, afastando bem as minhas pernas, para que ela consiga
me tocar livremente. Luna passa a outra mão por debaixo do meu corpo e
aperta os meus seios da melhor forma que consegue, e isso dobra o tesão
que estou sentindo.
— Você realmente sabe do que eu gosto — minha voz grogue
denuncia o meu estado catatônico. Seguro os seus cabelos e, dessa vez,
não contenho os gemidos quando ela começa a me masturbar com tanta
maestria, tocando os lugares certos que me deixam louca. Ela gira os dedos
sobre o meu clitóris, pressionando-o algumas vezes, e deixa aqueles tapas
deliciosos sobre ele, que o fazem pulsar rapidamente. Estou enlouquecendo.
Ela desliza os dedos para baixo, recolhe mais do meu líquido, volta a subir e
continua os movimentos perfeitos.
Eu perco o controle do meu quadril quando inconscientemente
começo a rebolar em seus dedos, agarrando os seus cabelos com ainda
mais força, enlouquecendo com a forma como ela me toca e com a sua voz
rouca dizendo coisas sujas ao pé do meu ouvido. Não sabia que eu gostava
de ouvir sacanagem nessas horas até ouvi-la me dizer.
Um alto gemido escapa de mim quando chego ao ápice,
estremecendo contra o seu corpo, gozando tão gostoso que me sinto
escorrer abundantemente. Luna dá um último tapa em minha boceta, antes
de virar o meu corpo e beijar a minha boca.
O beijo está delicioso e fica ainda melhor quando ela se afasta um
pouco e coloca os dedos molhados, com meu prazer, em minha boca. Não
recuso, os chupo e os lambo, retirando cada resquício meu deles. Luna
ofega contra mim e volta a me beijar outra vez, segurando o meu queixo
com força.
— Preciso limpar você — ela diz rapidamente, e eu imagino que se
levantará da cama, mas, ao contrário, tira as cobertas e desce pelo meu
corpo, puxando o meu short para o lado. Neste momento, o meu corpo se
retrai um pouco. Talvez seja vergonha, mas, ao mesmo tempo, estou tão
excitada ainda que faço qualquer coisa que ela queira.
Luna finalmente encosta a sua boca na minha área mais sensível, e
quase solto fogos de artifício internos. Se com os dedos ela é boa, com a
boca é impecável.
A sua primeira lambida me faz curvar as costas sobre a cama, então
a sinto puxar mais o tecido do meu short para ter acesso à minha entrada,
que está com uma grande concentração do que foi o meu orgasmo. As
minhas mãos automaticamente vão para os seus cabelos, a pressiono contra
mim e, gemendo, digo o seu nome alto e em bom tom.
Luna ergue uma perna minha para ter um acesso melhor, me lambe
inteira e, então, chega ao clitóris, movimentando a língua de um jeito que
eu nem imaginava ser possível alguém fazer tão rápido quanto ela.
Mesmo que tenha acabado de gozar, sinto que terei outro orgasmo.
Os gemidos saem livremente, e eu a pressiono contra mim, sem me
importar com a força usada. Ela mexe a língua em toda a minha boceta,
chupando e lambendo cada parte, deixando-me ainda mais louca.
— Nossa! — murmuro, quase sem voz, sentindo a boca seca. Ela
finalmente se dá por satisfeita e, com um último beijo sobre o meu clitóris
sensível, se afasta e coloca o meu short no lugar. Estou mole e satisfeita.
— Essa boceta é gostosa demais. Senti falta de provar você.
O fogo da lareira me permite ver o seu rosto quando a encaro. Luna
está ao meu lado, olhando para o meu rosto, com um enorme sorriso. Eu
sorrio da mesma forma, puxando-a para um beijo apaixonado.
— Vou dormir como uma verdadeira princesa, a Bela Adormecida.
Luna gargalha da minha fala, cobrindo as duas, antes de me puxar
para os seus braços.
— Durma, minha princesa. Eu estarei aqui amanhã de manhã,
quando acordar.
Que sorte a minha, não é?
Capítulo 28 – Ponto de paz
O dia seguinte não poderia ter amanhecido melhor. Quando olho
através da janela, vejo que a neve diminuiu consideravelmente e acredito
ser possível ir à rua. Quero dar uma volta, estou cansada de ficar em casa.
A minha esposa continua dormindo, então tenho muito cuidado ao sair da
cama para fazer a higiene matinal, antes de sair do quarto e preparar o
nosso café da manhã, que será levado à cama para ela. Minha mulher
merece ser mimada.
— Não acredito que você se levantou antes de eu acordar você —
resmungo ao voltar ao quarto e me deparar com a cama vazia e a porta do
banheiro aberta. Ouço o som da descarga e, então, da torneira da pia. Em
seguida, ela sai do banheiro, com o rosto amassado e os cabelos levemente
bagunçados. Como consegue ser linda até mesmo assim?
— Inclusive, precisamos conversar sobre o fato de você se levantar
da cama e me deixar sozinha — ela também resmunga, ainda meio grogue,
caminhando de volta à cama e jogando-se nela.
Rio do seu jeito rabugento. Antes ela nem reclamava, mas agora, que
estamos cada vez mais próximas de novo, a sua liberdade para fazer
reclamações voltou. Deixo a bandeja com o café sobre a mesinha de canto,
subindo no colchão e chegando mais perto.
— Eu fui preparar o nosso café da manhã, ranzinza.
— Pois você acabou de ser perdoada. — Ela rapidamente ergue a
cabeça, com um enorme sorriso em seu rosto, e como se fosse ativado, o
seu estômago faz um barulho alto. — Viu? O Junior também concorda
comigo.
— Melhor alimentarmos esse monstrinho, antes que ele nos coma —
brinco e solto uma gargalhada. Em seguida, viro-me para pegar a bandeja,
a coloco entre nós duas e, quando olho para ela, a vejo com uma expressão
sem-vergonha no rosto. — O que foi?
— Ele não pode te comer, mas eu posso.
— Luna! — exclamo, horrorizada com o seu comentário, e ela cai
sobre a cama, gargalhando, divertindo-se.
— Desculpe, eu estou brincando, mas não podia perder a piada.
— Tome aqui. Coma e pare de falar besteira. — Pego uma torrada e
passo um pouco de geleia de morango, levando até ela, que rapidamente
abre a boca para recebê-la. — Ocupe sua boca com isso, e chega de piadas.
Ela faz o sinal de rendição, enquanto mastiga, soltando um gemido,
aprovando o sabor que está em sua boca. Fico satisfeita por ela ter gostado
da geleia que eu mesma tive o trabalho de fazer.
— Eu amo essa sua geleia. Camies?
— Hm?
Como uma torrada também, deliciando-me com essa maravilha. Eu
sou uma ótima cozinheira mesmo, tenho orgulho dos meus dons culinários.
E se eu não amasse tanto a dança, com certeza seria uma chef de cozinha.
— Quero mais, por favor.
Olho para ela, que está fazendo cara de cachorro pidão, e reviro os
olhos.
— Vou ter que dar comida a você na boca agora?
— Sim.
— Está muito folgada.
— Você é a minha esposa, um dos seus trabalhos é me mimar.
Mesmo tendo reclamado, eu não deixo de alimentá-la, porque a
minha intenção é mimá-la mesmo, e que ela se aproveite disso. Luna
realmente merece todo esse tratamento, pela mulher incrível que mostra ser
cada vez mais.
— Folgada.
— Linda.
— Não fale de boca cheia.
Embora eu quisesse mimá-la, ela fez questão de retribuir o cuidado,
dando-me coisas na boca e enchendo-me de beijos. Sou apaixonada demais
por esse jeito carinhoso dela. Nunca imaginei que Luna pudesse ser assim,
e entendo a Camille do passado ter se apaixonado por ela. A cada dia, mais
eu descubro quão companheira e protetora ela é, além de ser boa mãe
também.
— Podemos aproveitar o dia para sair. O que acha? Estou cansada de
ficar reclusa em casa.
— Você leu a minha mente, ia perguntar agora mesmo se quer
passear. Preciso sair um pouco dessa casa.
— Então, vamos tomar um banho e nos arrumar. Vou levar você a um
lugar especial.
— Outro cantinho nosso? — questiono, começando a tirar as minhas
roupas para tomar o meu banho. Ela me segue de perto, e um sorriso
travesso surge no meu rosto quando penso em um plano maldoso.
— Sim, senhora.
Fecho a porta atrás de mim e a ouço mexer na maçaneta para abri-
la. Seguro a risada, terminando de tirar as minhas roupas.
— Camille?
Não respondo, entro no box para tomar o meu banho. Do lado de
fora, ela resmunga algumas coisas, e acabo rindo ao imaginar a sua
expressão contrariada, pois sei que o desejo dela é tomar banho comigo de
novo. Mas a vida não é fácil, certo? Eu não vou facilitar tanto para ela.
Tudo bem, talvez um pouco.
— Nayara mandou alguma mensagem para você? Ela nem respondeu
a minha — pergunto-lhe, depois de verificar as mensagens no meu celular.
Para ser sincera, nenhuma outra pessoa me respondeu, nem mesmo no
grupo que fizeram. Isso é estranho.
— Sim, mais cedo. — Olho para Luna, que está atenta ao retrovisor,
enquanto tira o carro da garagem. Estou incrédula por saber que estou
sendo ignorada. — Não fique com essa cara. Ela apenas avisou que hoje
teremos o dia só nosso e que ninguém falará conosco.
— Eles sabem que estamos bem agora, certo?
— Sim.
— Qual a finalidade disso tudo, então?
Luna solta uma risadinha, deixando-me confusa.
— Eu tenho certeza de que as nossas amigas e as minhas cunhadas
esperam que a gente tenha feito amor.
— Que fofo, você falando que fazemos amor. — Sorrio, toda rendida,
colocando a minha mão sobre a perna dela. Luna sorri, olha para mim,
durante alguns segundos, e em seguida, retira a mão do volante para
segurar a minha, levando-a até a sua boca para beijar o dorso dela.
— Sempre fizemos amor. Desde o início, e até quando o fazemos com
força, cheias de vontade, com muitos tapas e xingamentos.
— Ok, não se empolgue, sua safada.
Ela ri quando dou um tapinha em seu ombro.
— Você gosta de mim assim ou esqueceu que ontem quem veio para
cima de mim foi a senhorita?
— Luna Jacobs.
— Nossa, fazia tempo que você não me chamava assim. Eu até me
arrepiei, olhe aqui os meus braços. Deu tesão.
— Puta merda, desisto de você. Fique quieta, antes que eu saia
desse carro e volte para casa.
Ela não diz mais nada, mantendo a atenção na estrada. Não tem
como me estressar com essa mulher, não sei como a minha versão do
passado conseguia. Talvez seja o fato de que estou “convivendo” pela
primeira vez.
O caminho demora um pouco, mas logo chegamos a um lugar muito
bonito.
— Só para você saber: todas as vezes que viemos aqui, essa sempre
foi a sua reação. É bonito, não é?
— Demais! Posso descer?
— Claro, meu amor — ela responde, e eu não espero outro
comentário dela para sair do carro, sentindo a brisa gelada bater contra o
meu corpo, bagunçando os fios soltos do meu cabelo. Estou encantada com
a vegetação, que, mesmo coberta por uma camada de neve, continua linda.
O lago congelado deve ser muito bonito no verão.
— Estou apaixonada — murmuro quando sinto a presença dela atrás
de mim. Luna me envolve com uma manta grossa e abraça o meu corpo.
Impossível não sorrir e olhar para trás, selando os nossos lábios. Ela cuida
tão bem de mim, sou muito grata por isso.
— Venha, tem um lugar onde sempre ficamos. — Ela nos guia por
uma ponte de madeira que passa sobre o lago congelado. Eu olho tudo à
minha volta, apaixonada pelo ambiente. É simplesmente de tirar o fôlego,
estou encantada. Demora um pouco, mas chegamos a uma árvore enorme,
que fica no alto de um pequeno morro. Luna indica onde precisamos subir e
cobre o chão com o cobertor que havia trazido.
— Que vista maravilhosa! — comento, admirada, sentando-me sobre
o cobertor e apreciando a vista privilegiada que temos do enorme lago.
Luna coloca as coisas que trouxemos no chão e se senta ao meu lado,
fazendo-me erguer um lado da manta para que ela fique aquecida comigo.
— Muito bonito aqui. Quando descobri esse lugar, durante uma
sessão de fotos, sabia que você ficaria tão apaixonada quanto eu.
— Espero que o tempo não esfrie tanto, quero ficar o resto do dia
aqui. Nós podemos?
— Claro, meu amor. Trouxemos coisas para comer e estamos
quentinhas, podemos ficar o quanto quiser.
Luna passa uma perna por trás de mim e me puxa para o seu peito,
envolvendo-me em seus braços. Deito a minha cabeça em seu ombro e
continuo admirando tudo à nossa volta, encantada e agradecida por estar
aqui, vivendo isso com ela. Não acho que posso pedir alguém melhor.
— Você sempre diz que eu sou a sua sorte, mas acredito que a minha
sorte é ter você comigo. Não sei se outra pessoa faria tudo o que faz por
mim, se estivesse em seu lugar, pelo menos não com tanta dedicação.
— Não tenho como explicar o bem que você sempre me fez. Se
nunca desisti de nós, foi porque, no início de tudo, você acreditou em mim
como ninguém, apoiando-me sempre, erguendo-me a todo o momento,
para que eu nunca desistisse.
— Isso é com relação às suas escolhas de trabalho e faculdade? —
Viro-me em seus braços para conseguir encará-la. Eu gosto de conversar
olhando nos olhos da pessoa, é estranho não ter esse contato.
— Boa parte, sim. Foi complicado quando eu decidi mudar de curso,
sabe? Minha mãe surtou. Não me lembro de outro período em que tivemos
tantas discussões quanto naquela época.
— Foi assim que terminamos a escola?
— Sim. Eu fiz meio período de Direito e não quis mais, parecia que
outra pessoa estava vivendo a minha vida. Era tão errado, sabe? — Ela
suspira, fechando os olhos momentaneamente. Provavelmente está se
lembrando desse período complicado. — Você sempre me defendeu como
pôde, mas teve um momento que nunca vou esquecer: a minha mãe, como
sempre, nunca mediu as palavras para me desanimar a seguir outro rumo
que não fosse o seu desejado; essa foi uma das brigas mais estressantes
que tivemos, e você não aguentou presenciar sem dizer nada.
— Eu sempre defendi você dela?
Luna solta uma risadinha, inclinando-se para beijar a minha testa
rapidamente, e eu sorrio, acariciando a sua barriga por cima do casaco que
ela está usando.
— Sempre. Naquele dia, eu senti que podia contar com você para
tudo, porque disse que teria orgulho de se casar com uma mulher como eu,
futura fotógrafa de renome e esposa exemplar, e ainda que seríamos felizes.
Você pode imaginar que a minha mãe ficou tão chocada que nem teve
palavras para responder. Eu acho que ela não imaginou que você seria
capaz de enfrentá-la, porque geralmente as pessoas têm medo de fazer
isso.
— Confesso que estou feliz por saber disso. Não me alegraria nem
um pouco saber que estava presente, ouvindo absurdos sobre você, e não a
defendi. Sempre vi o relacionamento dos meus pais como um espelho,
sempre soube o quanto o meu bisavô não suportava o meu pai, por ele
defender a minha mãe das suas reclamações. Acho que companheirismo é
isso também, sabe? Estar ao lado da pessoa e se levantar por ela. Ninguém
vai abrir a boca para dizer algo de ruim sobre você e não me escutará de
volta.
— Você fica linda me defendendo, sabia? — Luna segura o meu rosto
e sela os nossos lábios várias vezes, e eu sorrio, adorando o ato carinhoso.
— Sempre gostei desse seu jeito protetor, comigo e com o Louis,
defendendo-nos de qualquer coisa. Eu sabia que você era a mulher certa
desde o início.
O tom azulado de seus olhos está parecendo mais vívido com o brilho
de admiração refletindo neles. Neste momento, tenho uma sensação, dentro
de mim, muito natural e familiar. Eu tenho certeza de que é o meu
subconsciente lembrando que, à minha frente, está a mulher com quem
decidi passar o resto da minha vida.
— O que será que a Camille adolescente pensaria da Camille adulta,
que é cada vez mais apaixonada por você e tem orgulho de ser casada
também?
— Ela, com certeza, surtaria — Luna brinca, fazendo-nos rir,
imaginando uma cena como essa. Tenho certeza de que a minha eu
adolescente ficaria maluca ao saber disso, porque não suportava nem
conviver no mesmo ambiente, imagine pensar em passar a vida toda ao seu
lado.
— Nunca pensei que me casaria e desejaria viver um romance.
Apesar de admirar o relacionamento dos meus pais, eu jamais imaginei ser
capaz de passar o resto dos meus dias ao lado de uma pessoa.
— Eu sei disso. Foi muito difícil conquistar o seu coração.
— Hoje, só tenho uma coisa em mente.
— O quê?
Levo minha mão até a sua nuca, segurando-a com as pontas dos
dedos e o polegar, pressionando o seu queixo. Luna olha para a minha boca
automaticamente, não consegue se controlar muito mesmo.
— Ainda bem que você insistiu em mim. Por isso, eu nunca deixarei
de estar ao seu lado. Sei que não podemos prever o que vai acontecer, mas
quando penso no futuro, hoje só o imagino ao seu lado.
Minhas palavras parecem emocioná-la, fazendo lágrimas brilharem
em seus olhos. Luna permanece paralisada, surpresa e emocionada demais
com a minha confissão. Eu sorrio antes de me inclinar, unindo as nossas
bocas em um beijo repleto de carinho e paixão.
Eu realmente não desejo mais ninguém.
Quando era mais nova, o meu pai disse algo sobre os príncipes
encantados. Lembro-me até hoje de suas palavras: “Príncipes encantados
não existem na vida real. Os garotos não vão abrir a porta do carro para
você, não vão comprar flores nem respeitar os seus sentimentos. O que a
maioria deles quer, hoje em dia, é qualquer oportunidade de tirar a sua
virgindade.” Lembro-me de passar a odiar os contos de fadas desde então,
apesar de nunca ter tido interesse por homens; o meu interesse maior
sempre foi por mulheres. Não entendia, no início, e levei anos para aceitar
isso. O período de aceitação é complicado e confuso, você fica dividida entre
o certo e o errado, imaginando o que os outros vão pensar e como vão
reagir.
Por um tempo, eu tive tanto medo disso que, apesar de não me
interessar por garotos, via a minha irmã e esperava pelo meu príncipe
encantado. Além de querer provar ao meu pai que eles existiam, sim, e que
era possível encontrar uma pessoa decente. Eu não esperava que ele
estivesse tão certo: os príncipes encantados não existem, mas as princesas
encantadas, sim. Eu encontrei a minha, que, mesmo não sendo perfeita,
está ao meu lado em todos os momentos e sabe cuidar de mim e do nosso
filho. Estou me descobrindo cada vez mais apaixonada por ela, não existe
nada melhor do que isso. Além do mais, por que eu iria querer outra
pessoa, se minha esposa é tão carinhosa e cuidadosa? Quem precisa de
príncipe encantando, tendo a Luna como companheira de vida? Ela tem
conseguido despertar o meu lado bom, e é uma sensação tão incrível como
ela me faz sentir. Gosto da pessoa que estou me tornando ao lado dela. Eu
não preciso de pessoas perfeitas, só preciso dela, com todas as suas
imperfeições. É a única pessoa com quem quero passar o resto dos meus
dias. Luna é muito mais do que apenas minha esposa, ela é o meu ponto de
paz.

Os meus olhos estão fixos no teto, enquanto sinto as carícias


contornando a minha barriga cada vez maior. Sinto como se fosse explodir a
qualquer momento. Ela adora o seu tamanho, é simplesmente obcecada.
Olho para o seu rosto, deparando-me com aquele olhar, o mesmo que tem
sido familiar nos últimos meses e carrega diversas emoções, mas
principalmente admiração e ansiedade.
— Você quer que seja o quê? — questiono, enfiando os meus dedos
por entre os seus cabelos, para jogá-los para trás e deixar o seu rosto livre
para mim. Luna está deitada entre as minhas pernas, e estamos na nossa
cama, descansando depois do almoço. — Menino ou menina?
— Você sabe que o meu sonho é que seja uma menina. — E isso é
verdade. Desde que confirmamos a minha gravidez, ela sempre repete que
espera que seja uma menina. — Mas tenho certeza de que será um menino.
— O que te faz ter tanta certeza assim? — pergunto, sorrindo,
brincalhona. Luna retribui o sorriso e inclina-se para beijar a minha barriga
com delicadeza.
— Intuição materna. É assim que se fala, não é?
— Sim, minha princesa. É intuição materna, mas será que você pode
me dar um pouco de atenção agora? Eu acho que fui trocada pela minha
barriga de grávida. — Faço um bico enorme, dramatizando bastante, para
que ela atenda o meu pedido. Luna se ergue rapidamente, pairando sobre
mim, com todo o cuidado para não soltar o seu peso sobre a minha barriga.
— Que esposa idiota eu sou, não sou? Deixando o meu amor de lado.
— Você não é idiota, é a melhor esposa do mundo, mas eu estou
carente de você.
— Está? — ela questiona, enquanto deposita beijos em meu queixo,
de ponta a ponta. Suspiro, abrindo um sorriso enorme, ao finalmente estar
recebendo carinhos.
— Muito.
— Eu te amo, lua — sua boca chega ao meu ouvido, e ela sussurra
baixinho. Estou prestes a respondê-la, mas, no mesmo instante, sinto algo
mexer dentro de mim e paraliso, encarando-a, assustada. Luna se afasta,
sem entender.
— Eu acho que ele mexeu.
— O quê? — Ela demora alguns segundos para raciocinar e, ao se dar
conta, pula para trás, incrédula. — Mexeu?
Os meus olhos se enchem de lágrimas de emoção. É a primeira vez
que sinto o nosso bebê se mexer dentro da barriga.
— Fala alguma coisa, eu acho que ele gosta da sua voz.
Luna rapidamente volta para o mesmo lugar, afinando a voz para se
comunicar com o nosso bebê.
— Oi, minha pequena estrelinha. Você está animada dentro da
mommy?
— Meu Deus! Sinta, amor. — Pego a sua mão rapidamente,
colocando sobre o lado esquerdo, em que os movimentos estão
acontecendo. Confesso que é incômodo e doloroso, mas a emoção
consegue superar. — Eu acho que ele gosta de você.
— Oi, meu amor. — Sua voz está embargada, repleta de emoção. Eu
sabia que ela se emocionaria, pois tem estado com os sentimentos à flor da
pele, assim como eu. Parece que tudo que eu sinto, ela sente. — Você gosta
da minha voz? Sua mamãe Camille e eu não vemos a hora de estar contigo,
sabia? — Ela olha para cima, e as lágrimas escorrem por suas bochechas.
Seus olhos estão avermelhados por causa do choro de emoção.
Sorrio, sentindo o meu coração acelerado dentro do peito. Não me
arrependo de ter desistido da minha carreira para realizar o nosso sonho,
porque ver o meu amor feliz desse jeito faz tudo valer a pena, e a minha
meta de vida é fazê-la feliz.
Farei de tudo para sempre vê-la sorrir assim.

Estou sentada na minha cama, olhando um dos diversos álbuns de


fotos que temos em casa. A Luna saiu com o Noah e as crianças, foram
comprar coisas para o dia de amanhã, que será a virada de ano. Vamos
passar todos juntos em nossa casa dessa vez, todos vão dormir aqui,
espalhados pelos cantos. Vai ser divertido, mas a minha mente foca apenas
uma coisa, que tem me tomado os pensamentos nos últimos dias.
— Conheço essa cara. O que está se passando na sua cabeça? —
Vanessa, que está sentada ao meu lado, olhando as fotos, questiona,
curiosa. Eu sabia que ela perceberia que existe algo de errado.
Respiro fundo e olho mais uma vez a foto do meu pequeno, com
meses de vida, tomando banho em uma banheira, com a minha esposa.
Nessa foto, Luna está com um enorme sorriso, enquanto esfrega a pequena
barriga de Louis, que parece se divertir horrores.
— Tenho pensado em uma coisa, mas estou com muito medo de ser
precipitada e, de certa forma, egoísta — confidencio, olhando em sua
direção, e Vanessa, ainda mais curiosa, deixa de lado o álbum, que estava
em suas mãos, para me dar toda a atenção.
— Isso é sobre a Luna também?
— De certa forma, sim.
— Ok, eu espero que não seja nada relacionado a divórcio, porque
vocês duas estão bem. Não me faça ter que colocar juízo na sua cabeça,
descendo a chinelada na bunda enorme...
Mal a deixo terminar de falar e revelo a vontade que tem crescido
dentro de mim, deixando-a totalmente em choque.
— Eu quero ter outro filho. Quero engravidar de novo.
Capítulo 29 – O pedido dela
Faz alguns minutos que ela está me encarando, sem dizer uma
palavra. Eu acho que a choquei de uma maneira surreal. Vanessa continua
com os olhos fixos em mim, digerindo o que eu havia acabado de dizer. Será
que foi tão surpreendente assim?
— Não vai dizer nada?
Ela pisca algumas vezes, acordando de seu transe, e pigarreia,
ajeitando-se sobre a cama. Parece inquieta, a conheço o suficiente para
saber disso. Estou nervosa com o que virá a seguir.
— Você tem certeza do que acabou de falar?
— Sim — respondo, sem hesitar. Faz dias que eu tenho imaginado
isso, e cada vez mais cresce dentro de mim a vontade de ser mãe outra vez.
Não sei explicar o motivo, apenas não posso controlar.
— Lil, você sabe que uma criança traz muitas responsabilidades,
certo? Tipo, muitas mesmo. Eu sei que vocês têm o Louis, mas acontece
que ele já está grande, e a responsabilidade e a necessidade que ele exige
são totalmente diferentes do que um recém-nascido precisa.
— Eu sei disso, BigBig. Mas tem algo aqui dentro de mim ardendo
por isso.
— Você quer se lembrar da sensação de estar grávida. Eu realmente
entendo isso, mas pare e pense bem no momento que você está vivendo
com a sua esposa.
— Vanessa, eu sei bem de tudo isso. Não é simplesmente eu decidir
engravidar e ela aceitar. Preciso conversar a respeito com ela, mas estou
compartilhando com você a minha vontade. É só uma coisa que está dentro
de mim.
— Entendi, mas você tem mesmo certeza disso?
Eu suspiro longamente e olho à minha volta, vendo algumas fotos de
bebê do meu filho, sentindo um aperto em meu peito. Eu quero essa
sensação de volta, preciso disso como se fosse heroína ou nicotina.
Necessito vivenciar essas coisas para me sentir mais viva.
— Muita.
— Vocês já conversaram sobre isso depois que tudo aconteceu? Digo,
sobre ter filhos e tudo mais. Agora que vocês estão cada vez melhor, é
normal esse assunto surgir.
— Não. A Luna não tocou mais no assunto, e eu não quero
pressioná-la. Estou dando-lhe tempo. Mas vejo como ela tem estado com
você e como fica quando o filho de Nayara está perto.
— A Luna sempre foi apaixonada por crianças. Eu disse que ela
queria ter muitos filhos.
— Sim, sei disso. Antes, eu não queria muito isso, mas agora parece
que tudo dentro de mim implora por isso.
— Acho que é comum essa vontade. Você está cada vez mais
adaptada à sua vida adulta, tem um filho que não se lembra de ver crescer,
e a situação com a Luna está cada vez melhor. As duas sempre quiseram
uma família grande. É normal que queira ter uma criança nova, mas saiba
que pode ser perigoso.
— Você diz isso por ser gatilho para ela, não é? — Vanessa concorda
rapidamente com a cabeça. — Sim, eu sei. Por esse motivo, ainda não disse
nada. Só falarei quando sentir que está na hora, mas tenho essa vontade.
Também sei que a Luna nunca me dirá “não” sobre isso, porém não quero
que ela se machuque mais para me deixar feliz.
— É tão bom ver você cuidando e zelando pelo bem dela, sabe? Eu
tive medo de que, dessa vez, vocês se separassem mesmo. O Noah e eu
passamos por diversas fases difíceis também. Acredito que todo casal passe
em algum momento, mas o importante é saber enfrentar as barreiras. A
vida é dura por si só, não vale a pena ficar preso a algo que não te faz mais
feliz.
— Eu estou cada vez mais apaixonada por ela. Foi tão instantâneo
que só me dei conta quando não pude mais negar a mim mesma. É um
sonho vê-la grávida, sabe? Mesmo que eu tenha muita vontade de
engravidar outra vez, neste momento, espero que futuramente seja a vez
dela.
— Nossa, o meu estômago revirou só de imaginar o quanto ela será
mimada. — Faz sons de vômito, e eu acabo rindo de sua palhaçada,
empurrando-a para trás. Vanessa gargalha comigo. — Vai ser lindo mesmo.
Não vejo a hora de presenciar esse momento.
— Imagine eu...
Ouvimos um grito vindo do andar de baixo e, curiosa, rapidamente
eu me arrasto para fora da cama.
— Isso foi a Luna, não foi?
— Eu acho que sim — Vanessa responde, tão curiosa e confusa
quanto eu.
Saímos do quarto rapidamente, rumo às escadas, e não demoro a
visualizar uma cena inusitada: a Luna e o Noah com as crianças na sala,
com diversas sacolas aos pés deles. Desço, encarando o amontoado de
bolsas, sem entender exatamente o que é.
— O que significa tudo isso?
— Trouxemos muitas coisas para enfeitar a casa — Luna responde,
animada, e Noah concorda com a cabeça.
— Vocês compraram a loja toda? Quanto custou?
— Você falando sobre gastar muito, Vanessa? — Noah responde à
esposa de forma debochada, provocando uma risada geral, mas ao olhar
para ela e ver sua expressão raivosa, ele abaixa a cabeça. — Será que
podemos ver em que lugar as coisas vão ficar?
— Eu espero que vocês arrumem a bagunça no primeiro dia do ano.
Luna cruza os dedos indicadores em frente à boca e os beija, em
sinal de promessa.
— Nossa casa estará um brinco de tão limpa, meu amor. Venham
crianças, vamos escolher os locais — ela chama os dois pequenos, que se
sentam no chão com o Noah, para abrir as sacolas. Eles conversam,
animados, criando vários cenários de decoração. Estou olhando para eles e
me divertindo, mas, ao mesmo tempo, preocupada com a bagunça que
ficará na casa.
— Eles não vão arrumar nada, você não sabe? — Vanessa para ao
meu lado, questionando baixinho, para que apenas eu a ouça. Cruzo os
meus braços e concordo com a cabeça.
— Eu sei, mas garanto que essa casa ficará arrumada. Tenho os
meus métodos.
Assim foi o restante do dia. Pensei que ficaria livre de ter de ajudá-
los, mas nem eu, muito menos minha melhor amiga, conseguimos escapar
da arrumação toda. Por sorte, Belinda chega com Rodrigo, as crianças e
Sofia, que também ajudam a arrumar tudo. De fato, muito trabalho, mas
vale muito a pena, pois a casa está realmente bonita. Parece que é uma
festa de Ano Novo enorme.
— Valeu a pena passar o dia todo arrumando tudo — Luna diz, assim
que entra em nosso quarto. Estamos suadas, precisando urgentemente de
um banho. O restante se dividiu para tomar banho nos outros dois
banheiros livres da casa. Cansativo, mas divertido.
— É bom mesmo que tenha valido a pena, porque vai dar muito
trabalho para limpar toda a bagunça. — Ela solta uma risadinha,
aproximando-se de mim e colocando as mãos em minha cintura. Minha
cabeça se inclina um pouco para o lado, quase que automaticamente,
porque sei o quanto a minha esposa gosta de grudar em mim e encaixar o
queixo em meu ombro.
— Que mulher brava você é!
Fecho meus olhos quando sinto os beijos em meu rosto. As suas
mãos em minha cintura estão segurando-me com firmeza, e eu gosto do
jeito como me pega. Luna nos guia em direção ao banheiro, ainda grudada
em mim, e eu deixo.
— Vamos tomar banho juntas?
— Sim — respondo, sem hesitar, erguendo os braços para que ela tire
a blusa que estou usando. Ela não demora a terminar de me despir. Em
seguida, eu faço o mesmo com ela, e entramos no box. Luna regula a água
na temperatura que gostamos e, quando termina, abre os braços para que
eu possa abraçá-la.
— Não vamos molhar os cabelos, está muito tarde.
— Não mesmo, você pegou muita friagem enquanto arrumava o
quintal.
Luna concorda com a cabeça e suspira, apertando-me em seus
braços. Tenho que me curvar um pouco para trás, fugindo da ducha. Ela
não diz mais nada e continua mais um tempo abraçada, até que decidimos
tomar banho. Pode ser impressão ou paranoia minha, mas algo no jeito dela
me incomoda, como se tivesse alguma coisa errada. Eu não sei explicar,
mas parece que quer falar e não sabe como. Não vou pressioná-la, na hora
certa saberei o que é.
Terminamos o banho e colocamos roupas quentes. Luna faz questão
que eu use um moletom do Real Madrid, que tem o nosso sobrenome atrás.
É simplesmente lindo, branco, com detalhes dourados. Luna é apaixonada
por esportes, eu já notei isso e confesso que gosto.
— Poxa, eu devia ter trazido o meu moletom do Madrid também —
Noah diz, assim que voltamos à sala, olhando-nos de cima a baixo, e eu
sorrio para ele, que está usando roupas mais leves agora. Eu acho que
todos passarão a noite aqui.
— Eu, o do Barcelona — diz Vanessa, assim que chega à sala
também, acompanhada de Belinda e Sofia.
— Você é culé[6]?
— Não, ela só gosta de implicar mesmo. Vanessa não gosta de
futebol de campo, prefere o americano — Noah responde à minha pergunta,
rindo da minha expressão de choque. Seria uma decepção a minha melhor
amiga torcer para esse time do mal. — Mas ela é uma grande admiradora
do Messi.
— Eu acredito que todo mundo, no fundo, seja. Se você gosta de
futebol, não importa, aprecia os bons jogadores — Luna diz, e todos
concordam. Eu também, porque, afinal, é a verdade: o amante de futebol
sabe apreciar os talentos futebolísticos de alguém, mesmo que não seja
jogador ou jogadora do seu time do coração.
— O meu único time no mundo é o Flamengo, e não preciso de mais
nada, apesar de ter aprendido a gostar do Madrid, de tanto assistir aos
jogos aqui — dessa vez, quem responde é o Rodrigo. Eu não conheço muito
os times do Brasil, mas sei da força que o Flamengo tem e da sua fama de
possuir a maior torcida do mundo. É louco amar um time. Eu nunca fui de
acompanhar tanto, mas sempre vi meu pai sofrer pelo dele quando era mais
nova. Uma coisa é certa: eu sempre amei o Real Madrid. Ainda bem que
tenho isso em comum com a Luna.
— Também sou flamenguista, cunhado. Ele é, disparado, o melhor
time da América do Sul — Luna diz ao Rodrigo, e os dois tocam as mãos,
trocando sorrisinhos.
— Nós vamos ficar falando de times de futebol agora? — Belinda,
como sempre impaciente, reclama com toda a delicadeza possível,
ganhando muitas implicâncias de todos ao redor. Eu rio de sua cara de
deboche, fingindo não ligar para o que estão falando.
Nesse clima, vamos até tarde da noite. Eles realmente ficam para
dormir, então preparamos um batalhão de camas, no chão da sala, para as
minhas irmãs, os meus sobrinhos e o meu cunhado. Vanessa e Noah
dormem no quarto de hóspedes, por causa do conforto necessário para a
minha melhor amiga grávida. E por falar em gravidez...
— Tem algo errado acontecendo? — questiono, logo que ela volta
para o quarto. Luna tinha ido ao banheiro escovar os dentes e veio se deitar
comigo em seguida, mas não consigo parar com a sensação de que
precisamos conversar.
— Como assim? — ela responde com uma pergunta, parecendo
confusa, ao caminhar em direção à cama, e eu suspiro, ajeitando-me sobre
o colchão.
— Não sei, estou com a sensação de que você está escondendo
alguma coisa.
— Eu tenho medo de você às vezes, sabia?
— Tem alguma coisa a incomodando, não é?
Luna não responde nada e não se deita na cama, como eu espero
que faça. Ela para no meio do quarto e coloca as mãos na cintura,
abaixando a cabeça em seguida. Esse ato ativa um alerta dentro de mim. Eu
sabia que tinha alguma coisa errada, mas estava torcendo para estar
equivocada.
— Não sei o que está acontecendo. Tenho dormido mal, faço de tudo
para você não acordar e perceber que estou acordada — ela confidencia,
deixando-me chocada. Luna soube disfarçar muito bem, porque eu demorei
a perceber que tinha alguma coisa errada. — Todos os dias, acordo com
uma sensação ruim e tento, de todas as formas, me sentir bem, mas parece
que nada ajuda.
— Meu amor, por que não me contou? Eu teria tentado ajudá-la e
ficaria acordada junto.
— Eu sei. — Sua voz está embargada e ela funga, erguendo a cabeça
para jogá-la para trás. Eu me levanto da cama, necessitando estar mais
perto para ampará-la. — Nunca consegui ser o tipo de pessoa que conta o
sofrimento para alguém, sabe? Eu puxei isso da minha mãe, que é muito
fechada. Foram raros os momentos em que a vi demonstrando as coisas
que a deixam fraca.
— É, eu percebi isso nela.
— Sou da mesma forma. Na verdade, eu era muito mais, só que
conviver com você me faz sair da concha aos poucos. Ainda assim, todas as
vezes que as coisas pesam muito, eu evito deixar que saiba, porque não
quero sobrecarregá-la.
— Nós somos casadas, Luna. O meu dever é estar com você em
todos os momentos, preciso que entenda isso.
— Entendo isso.
— Você entende, mas me poupa. Sei que agora é compreensível,
porque você tem evitado me sobrecarregar muito, mas não quero que
enfrente as coisas sozinha. Eu estou aqui, estou para você e com você.
— Desculpa — ela pede, quase sem voz, ao me encarar. Não demora
a rolar as lágrimas e o choro a sair livremente.
O meu coração aperta, porque o brilho da dor em seu olhar reflete
tudo o que ela tem guardado. Por mais que estejamos conversando, sei que
a Luna me poupa de muita coisa. Mas ela não sabe que estou disposta a
tudo para aliviá-la também. Puxo-a para mim, envolvendo-a em meus
braços, querendo confortá-la.
— Você não tem que se desculpar por nada. Eu quero que coloque
na sua cabeça que me poupar só vai me magoar, porque sei quando você
está machucada, e isso me machuca também. Estou aqui com você — falo
em seu ouvido, enquanto afago as suas costas e a seguro firmemente
contra mim. Luna chora de forma tão profunda, que os meus olhos ardem, e
mesmo que eu esteja tentando me manter firme, a emoção me vence
quando choro junto. Estar casada e ter a noção disso, sabendo que
compartilho tudo com uma pessoa, faz com que todas as coisas pareçam
mais intensas que o normal.
Quando você se compromete a passar o resto dos seus dias ao lado
de uma pessoa e promete que estará ao seu lado em todos os momentos,
isso fica guardado dentro de você. Eu sinto isso, tudo o que ela sente reflete
em mim de alguma forma. Mesmo depois de ter me esquecido do passado,
ainda é tudo vivo aqui dentro. Eu sou toda para a Luna, da mesma forma
que ela é para mim. Temos uma conexão absurda. Realmente sinto essa
coisa inexplicável, mas sinto.
Já estava perdendo a noção do tempo em que ficamos abraçadas,
confortando-nos, quando sinto que ela finalmente está se acalmando. Eu a
mantenho em meus braços por precaução, não quero soltá-la até que ela se
sinta melhor. Luna me aperta de repente, usando um pouco mais de força
que o habitual, mas não reclamo, porque sei o quanto ela precisa disso.
Pensei que ela não diria nada, mas quase não ouvi o seu sussurro, com uma
voz tão quebrada e frágil:
— Eu preciso de ajuda, amor. Por favor, me ajude.
Capítulo 30 - Tudo
Ela está linda.
Para ser sincera, não imaginei que essa noite sua beleza ficaria ainda
mais evidente.
Luna está impecável, usando um vestido solto de cor clara,
ressaltando o tom de sua pele e dos olhos. Os cabelos alisados, com cachos
nas pontas, e pouca maquiagem, porque lhe pedi que não colocasse muita.
Eu adoro vê-la de forma quase natural.
Os meus olhos não saem dela. Estamos do lado de fora, todos
espalhados no quintal. Tenho, em minha mão, uma taça de vinho, e não
consigo parar de observá-la. Ela está do outro lado da piscina, conversando
e rindo com o irmão e a minha irmã mais nova.
Sinto-me como uma viciada nela, é tudo o que preciso.
É ela, é aquele sorriso, aquele cabelo, aquele jeito cuidadoso. Eu sou
uma idiota cada vez mais apaixonada pelo jeito que ela se move, pela forma
que fala, pelo jeito que cuida da nossa família, por tudo. Eu poderia fugir,
mas algo me prende e me mantém aqui. Não existe outro lugar para ir, além
do lado dela. Eu sabia que nunca mais seria a mesma depois de tomar uma
dose dela.
— Você está com aquele mesmo olhar de idiota.
Só quando alguém fala comigo desvio a minha atenção, e com as
bochechas levemente vermelhas, bebo um pouco do vinho, antes de olhar
para a minha irmã mais nova.
— Que olhar?
— O mesmo que tinha quando a Luna ganhou o seu coração pela
primeira vez. Lembro-me de que na época em que começaram a se
envolver, você vivia com esse olhar, sobretudo quando o nome dela era
citado.
— Eu acho inevitável.
— Você acha? Eu tenho certeza. Luna sempre soube como ganhar
você, é por isso que ela é a minha cunhada favorita.
— Você tem outra?
— Não, mas tenho o Rodrigo, que é quase uma. Enfim, brincadeiras à
parte, fico muito feliz que vocês tenham se acertado.
— Eu também fico e estou sendo muito feliz.
Olho para ela, no mesmo instante em que o seu olhar paira sobre
mim também, e nós duas acabamos rindo. Luna acena para mim e ergue o
seu copo com suco de alguma coisa saudável, pois ainda está mantendo a
dieta receitada pelo médico. Vê-la sorrir, depois de ontem, é gratificante,
mas, ao mesmo tempo, momentâneo. Eu sei que as coisas vão se complicar
nos próximos dias, mas temos uma à outra, e nada mais importa.
— Parece aqueles personagens de desenhos animados, que ficam
com corações nos olhos quando estão apaixonados. Senti falta de implicar
com você por ser tão cadelinha da minha cunhada.
— Sofi, você já se apaixonou? Tipo, verdadeiramente?
Ela se engasga com a bebida presente em sua taça, e eu me divirto
com a sua reação, parecendo chocada, mas a auxilio, antes que a minha
irmã fique sufocada.
— Que tipo de pergunta é essa? Você está tentando descobrir a
minha vida amorosa para ter outro ataque de ciúme?
Sorrio para ela, acariciando o seu rosto. Sofia me olha, desconfiada,
não entendendo as minhas reais intenções por trás daquela pergunta, que
não passam de curiosidade. Eu preciso saber se ela já sentiu o que estou
sentindo.
— É só uma pergunta, apenas responda.
Sofia solta um pigarro, dando um último gole em sua bebida.
— Não, Camille. Eu ainda não me apaixonei por ninguém, e nem sei
se quero. A minha vida é muito complicada para ter responsabilidade afetiva
com outra pessoa.
— Eu também pensei muito assim quando era mais nova. Posso não
me lembrar do que aconteceu durante todos esses anos, mas hoje estou
certa de que ter me apaixonado foi a melhor coisa que me aconteceu. Olhe
tudo o que conquistei ao lado daquela mulher: casa, carreira sólida, um filho
maravilhoso.
— Você quer que eu me apaixone, é isso?
— Não, eu quero que você entenda como estou me sentindo e que
não existe problema nenhum em se apaixonar também. Tive muita sorte da
minha pessoa ser a Luna, demorei tão pouco a me apaixonar por ela de
novo. É surreal, sabe?
— Camille, você está assustada. — Os meus olhos se abrem,
surpresos, quando ela diz. Sofia segura o meu ombro e olha diretamente
para o meu rosto, parecendo me ler profundamente. — Eu sei que está.
Cresci com você, a conheço e fui, de certa forma, criada por você também.
— Será que a Luna percebeu isso?
— Provavelmente, sim. Com certeza, ela a conhece melhor do que eu
agora. Olhe, não sou a Belinda, mas acredito que ela diga algo parecido
com isso: você está com medo do sentimento que tem por ela, que cresce
mais a cada dia, e, ao mesmo tempo, se assusta por querer tanto.
Minha boca se abre de surpresa.
— Tem certeza de que você não é a Belinda? — Sofia revira os olhos
e me empurra para trás, causando-me uma risada. — Estou chocada, mas
você falou algo que faz muito sentido mesmo. Ainda que eu tenha medo,
ela me passa uma segurança absurda. Só que continua sendo tudo tão novo
e, ao mesmo tempo, tão natural e familiar.
— Como você está conseguindo lidar com tudo isso? Desde a
amnésia ao fato de ter um filho e se apaixonar outra vez pela mulher que
jurava odiar no passado.
— Sabe que eu não sei? — Sou sincera e acabo rindo da minha
situação, porque eu realmente não faço ideia de como consigo lidar com
tudo isso. Mas existem fatores que têm me ajudado muito. — Confesso que
tê-la comigo me ajuda bastante, e o Louis é um ótimo filho. Sem contar que
a terapia tira um peso enorme de mim, sempre que vou a uma nova
consulta. Então, acho que unindo tudo...
— Admiro muito a sua força, mas não se acostume, porque não vou
ficar bajulando você.
— Aaaah! — Aproximo-me dela, tentando abraçá-la; Sofia resmunga
e tenta se desvencilhar de mim, mas sou insistente e consigo prendê-la em
meus braços. — Eu sei que você me ama demais. Sou a sua melhor irmã.
— Ok, sem exageros. Eu amo você, mas dizer ser a minha melhor
irmã é absurdo demais.
O meu riso morre e rapidamente me afasto dela. Sofia arruma suas
roupas, que ficaram levemente amassadas, e joga os cabelos para trás,
penteando com os dedos os fios que ficaram soltos. Encaro-a,
desacreditada. Sempre cuidei dessa tralha, quando éramos mais novas, e
agora recebo de volta essa ingratidão.
— Como é que é?
— Estou brincando, Camille. Minha nossa, como você é sentimental
— Sofia debocha e revira os olhos, olhando para o outro lado, ignorando-
me. Estou chocada com a audácia dessa garota, quero muito saber em qual
momento da vida ela se tornou essa versão pocket da Vanessa.
— Mulheres lindas da minha vida, o que conversam tanto? — minha
esposa chega até nós, colocando um braço sobre os meus ombros,
puxando-me para perto. Eu me aconchego, envolvendo a sua cintura e
deitando a minha cabeça próximo ao seu pescoço.
— Ela me odeia. Em que errei com essa criatura?
— Cunhada, você é muito guerreira por aguentar esse drama todo.
Pensei que apenas o Rodrigo sofresse com a Belinda, mas acredito que seja
defeito de gêmeas.
Luna solta uma risadinha, e eu, por reflexo, cutuco a sua cintura, um
pouco abaixo das costelas, fazendo-a se encolher e parar de rir.
— Não fale assim dela, Sofi, a sua irmã está sensível.
Sofia bufa, e dessa vez, quem acaba rindo sou eu.
— Quem aguenta essas cadelinhas de mulher? — resmunga e sai,
pisando firme, para longe de nós.
Luna ri da reação dela, envolvendo-me totalmente em seus braços. O
salto que ela está usando a deixa bem mais alta do que eu, o que é perfeito
para mim, pois adoro ficar dentro desse abraço confortável. Sinto um beijo
em minha cabeça e suspiro, totalmente rendida a essa mulher.
— Está cansada?
— Bastante, não vou negar.
— Falta pouco para a meia-noite, depois eu coloco você para dormir.
Inclino a minha cabeça para trás e olho para o seu rosto, abrindo um
enorme sorriso quando ela faz o mesmo gesto para mim.
— Com muito carinho?
— Muito carinho.
— E as nossas visitas?
Ela sela nossos lábios duas vezes, antes de me responder:
— Você é a minha prioridade, e eles estão em casa de qualquer
forma. — Dessa vez, quem a beija sou eu, mas antes que eu possa
intensificar o nosso beijo, ouvimos vozes chamando por ela. — Preciso ir.
Noah, Keith e Rodrigo me chamam para jogar poker.
— Quero um beijo antes.
Uma de suas mãos se enfia entre os cabelos da minha nuca, que ela
aperta e puxa para me manter firme, colocando a sua boca na minha em
seguida. Solto uma lufada de ar, surpresa pela pegada e intensidade do
beijo. Luna envolve a sua língua com a minha e, depois de um longo tempo,
se afasta e me dá alguns selinhos.
— Por enquanto, fico satisfeita com isso.
— Vemo-nos na hora da virada — ela se despede e manda um beijo
no ar, antes de se virar e ir em direção aos meninos, que a esperam na área
perto da churrasqueira, em uma das mesas de madeira que existem ali.
Minha boca ainda está formigando por causa do beijo, e o meu coração,
acelerado. É uma sensação muito gostosa.
— Mommy?
Olho rapidamente para baixo, ao ouvir a voz do meu filho e sentir as
suas pequenas mãos em minha cintura. Eu sorrio para ele, jogando os
cabelos longos para trás e deixando o seu rosto mais livre. Preciso levá-lo
para cortar essa cabeleira toda.
— Oi, carinha. Cansou de brincar?
— Não, mas senti saudade. — Ele cruza os braços e faz um bico tão
fofo, que não resisto a me agachar e segurar o seu rosto, enchendo-o de
beijos e ganhando, em troca, o som de sua gargalhada.
— Estou aqui, meu príncipe. Desculpe por ter te dado pouca atenção
hoje.
— Vou pensar.
— Ah, é? E se eu te fizer cócegas até você me perdoar? — Eu o
seguro, para que ele não corra de mim, e começo a castigá-lo com muitas
cócegas. Louis tenta, a todo custo, se soltar, enquanto implora que eu pare.
Seus cabelos longos voam para todos os lados, batendo no meu rosto por
diversas vezes. Eu acho que isso não o incomoda, mas penso que devemos,
pelo menos, apará-lo para tirar a franja que fica sobre o olho.
— Por favor, mommy. Chega, eu perdoo a senhora, por favor!
— Um beijo, então. — Ele segura o meu rosto e beija a minha
bochecha. — Hmmm... Que beijo gostoso, carinha. Mamá ama você, ok?
— Amo você, mamá. Vamos brincar?
— Vamos!
Ele comemora e segura a minha mão, arrastando-me com ele em
direção às crianças. Mesmo estando cansada, não nego nada ao meu filho.
Amo poder viver esses momentos e não vejo a hora de aumentar momentos
como esses. Espero que as coisas continuem bem, para que eu e Luna
possamos aumentar a família em breve.
Eu perco as horas brincando com as crianças, só me dou conta do
horário quando começam os chamados para nos reunirmos no quintal.
Uma grande quantidade de fogos foi comprada: esses são especiais e
não fazem barulhos, apenas mostram toda a beleza que gostamos de ver
quando estouram no céu. Noah e Rodrigo ficam encarregados de acender os
fogos, e todos se juntam para observar quando começam.
— Faltam só alguns segundos, podemos fazer um pedido juntas?
— Claro.
Luna sai do meu lado e para em minha frente, segurando as minhas
mãos e olhando apenas em meus olhos. Os nossos familiares iniciam a
contagem regressiva, mas tudo que posso ver é ela. Quando os fogos
começam e todos gritam, em comemoração, a minha esposa beija as
minhas mãos, antes de falar:
— Eu desejo mais anos ao seu lado, desejo continuar me
apaixonando por você, todos os dias, e que a nossa vida não seja perfeita,
porque nunca foi, mas que continue sendo repleta de cumplicidade, respeito
e carinho. Só preciso de você, do nosso filho, das pessoas que amamos e de
mais nada. Lua, minha eterna sorte, a mulher da minha vida, que eu amo
mais do que qualquer coisa. Obrigada por permanecer aqui.
A minha primeira reação é beijá-la, sentindo o meu coração
acelerado, como se mil fogos estivessem estourando dentro de mim. Ela me
abraça com força, compartilhando esse beijo com a mesma emoção que eu.
Não existe mais nada além de nós duas. Esse momento é nosso, esse
recomeço com o Ano Novo é tudo o que precisamos. Eu sei que devia estar
aqui e agora, com ela.
— Vou fazer todos os nossos dias valerem muito a pena. Desejo
que possamos resolver os nossos problemas e que fiquemos cada vez mais
fortes. Eu sei que, tendo você, não preciso de mais nada. Obrigada por
nunca ter desistido de nós, mesmo que tenha sido difícil. Lembrar-me de
nós todos os dias é a melhor coisa da minha existência.
— Tudo ao seu lado vale a pena. Se você se esquecer de nós outra
vez, eu farei questão de lembrá-la de novo, todos os dias.
— Luna... — Seguro o seu rosto com minhas mãos e olho
diretamente em seus olhos, que brilham, com lágrimas de emoção. — Eu
amo você. — A minha declaração a pega de surpresa, e ela abre um enorme
sorriso, antes de, mais uma vez, me beijar. Eu realmente gosto quando ela
faz isso.
E neste momento de tanta emoção, declaração e entrega, faço um
desejo silencioso para que o destino tenha algo muito bom preparado para
nós duas. Desejo que Luna realize o sonho de ter um filho, porque
realmente também quero vê-la grávida. Farei o impossível para que isso
aconteça.
Capítulo 31 - Momentos
Estou ansiosa, esperando do lado de fora. Faz quase uma hora que
ela entrou naquela sala, e a minha esperança é de que tudo tenha dado
certo de primeira. Confiro a hora em meu relógio mais uma vez, consciente
de que, a qualquer momento, a porta será aberta. Levanto-me e começo a
andar de um lado para o outro. Não tem ninguém aqui, além do secretário
na entrada, e o silêncio me tortura ainda mais, com tantos pensamentos na
minha cabeça. Será que está tudo bem? Quando irei vê-la?
— Ufa! Finalmente. — Sinto-me aliviada ao ouvir a porta ser aberta.
A Luna e a doutora saem juntas, conversando. Eu acho que isso é um bom
sinal, certo? — Oi, amor.
— Oi, princesa. — Ela sorri e aceita a mão que estendo, unindo os
nossos dedos.
— Foi um bom começo, Luna. Entrarei em contato pelo telefone,
espero que a sua resposta seja positiva.
— Pode deixar, doutora Gomes. Foi um prazer conhecê-la.
— Eu digo o mesmo. Você também, Camille.
— Também foi um prazer conhecê-la, doutora.
Ela sorri, e despedimo-nos com um aceno de cabeça, antes de
sairmos juntas. Pegamos o elevador, e o silêncio não parece tão estranho
quanto o anterior, quando chegamos para a consulta. Estou nervosa para
ouvir o que ela tem a dizer, espero que finalmente tenhamos encontrado a
pessoa certa.
— Você está nervosa. — Ela não pergunta, afirma com total certeza.
Eu ainda acho impressionante como essa mulher me conhece com
tanta facilidade. Sorrio sem jeito, acariciando com o meu polegar o dorso da
sua mão.
— Confesso que bastante. Você quer me contar sobre a consulta?
— Foi boa. Muito boa, na verdade. A doutora Gomes conseguiu me
deixar mais confortável dessa vez.
Controlo-me para não surtar de felicidade. Faz quase duas semanas
desde que começamos uma saga pela busca da psicóloga perfeita, para
ajudá-la com os seus conflitos internos. No Ano Novo, Luna confessou
precisar da minha ajuda, e estou mais do que disposta a estar do lado dela
nesse momento.
Tem sido o nosso segredo, saímos apenas as duas, sem dizer nada a
ninguém. Todos acham que estamos fazendo algo pervertido pela cidade,
mas eu nem rebato, prefiro que pensem assim. É algo muito particular para
ser compartilhado. Não quero que alguém saiba o que a minha esposa está
passando, só se ela se sentir confortável para contar, mas eu acredito que
também prefira assim.
— Será que finalmente encontramos a pessoa certa? — questiono,
assim que chegamos ao carro. Ela rapidamente desativa o alarme e abre a
porta para mim, que sorrio e agradeço, antes de entrar.
— Vou ser bem sincera: estou bastante empolgada. Eu a achei
parecida com a sua psicóloga.
— Então, ela deve ser mesmo boa.
Cogitamos a possibilidade de Luna se consultar com a doutora
Robertson, mas decidimos que seria melhor com uma pessoa desconhecida
do que lidar com alguém conhecido.
— Estou com boas expectativas.
— Fico feliz em saber disso, amor. Eu estava com um sentimento
bom quando saímos de casa hoje cedo.
— Obrigada por estar comigo. É muito importante o seu apoio.
— Ei! Não precisa agradecer. — Inclino-me em sua direção,
segurando seu queixo para unir os nossos lábios. Luna usa a língua para
lamber os meus, causando-me arrepios quando ela mordisca o inferior de
leve, antes de voltar a me beijar com vontade. Eu amo a intensidade de
entrega dela sempre que nos beijamos. — Estou aqui sempre para você,
minha princesa.
— Por isso, eu digo que você é a minha eterna sorte.
Impossível conter o meu sorriso ao ouvi-la. Eu fico toda rendida a
essa mulher, não tem como evitar.
— Eu amo quando você diz isso. — Enquanto falo, acaricio o seu
rosto com a ponta do meu dedo indicador, traçando os detalhes daquela
face tão linda, pela qual sou completamente apaixonada. Luna franze o
nariz levemente, mordendo o lábio inferior, ao me olhar nos olhos.
— E eu amo você — ela diz baixinho, acelerando o meu coração.
Aproximo-me mais dela, grudando as nossas bocas, para poder
sussurrar de volta:
— Amo você também.
Existem momentos na nossa vida que sempre queremos guardar na
memória. Não importa o tempo que passe, eles sempre repassam em nossa
mente, como um filme que não tem fim. Infelizmente, uma boa parte do
filme da minha vida foi apagada, mas eu preciso confessar que pouco me
faz falta. Vivenciar coisas novas com a minha família tem preenchido quase
que totalmente esse espaço.
Sim, eu sinto falta dos anos que perdi, mas acontece que as coisas
novas estão servindo como substitutas do passado.
É claro, existem coisas realmente importantes que eu gostaria de me
lembrar: o nascimento do meu filho, o dia do meu casamento, entre outras
que aconteceram com a minha esposa. Mas sou tão grata por poder estar
vivendo ao lado dela do jeito certo, conhecendo mais a nossa vida e
amando tudo isso, que outras coisas acabam se tornando menos relevantes.
Eu ainda tenho esperanças de me lembrar do passado, mas caso isso nunca
aconteça, sei que já não me faz tanta falta.
— Você está chorando? — Luna questiona baixinho, ao pé do meu
ouvido. Estamos deitadas em nossa cama, eu meio de lado sobre ela, com a
cabeça em seus seios, e o nosso filho em meus braços. Passamos o dia todo
assim, desde que o buscamos na casa de Belinda e Rodrigo. Eu estava com
saudade desse momento a três.
— Essa parte sempre mexe demais comigo — respondo à sua
pergunta, com a voz embargada. Sim, o filme tem muito a ver com a minha
emoção do momento, porque ele simplesmente também desperta coisas
dentro de mim que tenho evitado pensar muito.
— Mamães, por que o Mufasa[7] tinha que morrer? — nosso pequeno
questiona de repente, encolhendo-se em meus braços. Sua voz revela que
ele também está chorando, e o meu coração se inunda de amor, fazendo
com que eu o abrace da melhor forma possível.
— Era o destino dele, carinha. Foi necessário, para que o Simba
pudesse crescer e se tornar quem ele se tornou — Luna responde, com
calma e carinho na sua voz, esticando a mão para acariciar a cabeça do
pequeno. Louis funga algumas vezes, levando a manga de seu casaco até o
nariz, para limpar aquela aguinha de nariz. É nojento.
— Mas é tão triste.
— Sim, meu amor. É triste, e coisas tristes acontecem na vida. É
assim que aprendemos a viver — dessa vez, eu respondo, tentando
tranquilizá-lo. Louis concorda com a cabeça e fica em silêncio durante mais
algum tempo, até que volta a falar.
— Vocês prometem que vão viver para sempre, até eu ficar bem
grande? Não preciso perder as duas para aprender a ser adulto. Eu não
quero. — Ele parece agoniado, ao se sentar na cama e olhar para nós duas.
Eu sorrio e o puxo para cima de nós, abraçando-o com força, e Luna se
aproxima mais, enchendo-o de beijos também.
— Não pense nessas coisas, meu amor. Nós vamos estar sempre com
você, vendo-o crescer e se tornar um homem incrível.
— Que nem o Simba? — Ele se afasta um pouco para olhar para
mim, e eu sorrio e concordo com a cabeça.
— Que nem o Simba, carinha.
Voltamos a assistir ao filme e acabamos engatando uma maratona de
filmes da Disney, o que nos faz perder a noção de tempo. Não me dou conta
do exato momento em que o meu filho dorme, entre nós duas, em um
visível sono profundo. Luna e eu não queremos tirá-lo de um lugar tão
confortável, por isso decidimos deixá-lo dormir conosco esta noite.
— Impressionante como ele simplesmente apaga do nada — Luna
comenta ao voltar do banheiro, depois de tomar um banho rápido e escovar
os dentes. Ela solta uma risada, prendendo os cabelos ao subir na cama
com cuidado.
— Quero conversar com você, mas não quero acordar o Louis.
Olho para o pequeno, que está dormindo na mesma posição que a
mãe dorme diversas vezes: as mãos por debaixo do travesseiro e os cabelos
cobrindo o rosto. Luna arruma o cobertor sobre ele, depositando um beijo
na testa do carinha em seguida.
— Pode acreditar, o mundo acaba e esse garoto não acorda. Temos
sorte de que ele esteja acostumado a acordar cedo por conta própria, pois
sofremos para acordá-lo no início.
— Certeza?
— Absoluta, meu amor. O que deseja saber?
Fico meio indecisa sobre conversar, correndo o risco de acordar o
Louis, mas se ela garantiu que ele tem o sono pesado, não serei eu a
discordar.
— Eu sei que conversamos várias vezes sobre isso, mas ainda é um
pouco misterioso para mim como tudo aconteceu entre nós. Depois daquela
festa e o beijo na Jennifer, eu fiquei me martirizando de culpa e acabei me
desculpando com você, certo?
— Sim. E eu senti que era o momento de me declarar a você, mas
deveria saber que sua reação seria a de fugir, ao ouvir o que eu disse.
— É, acho que era esperado. Nunca nos demos bem.
— Você, Camille. Somente você nunca se deu bem comigo. Mas eu
entendo, fique tranquila — ela responde, brincando, e eu acabo sorrindo
sem jeito. Sei que nunca fui muito com a cara dela, mas sempre imaginei
que era um sentimento recíproco. Como poderia pensar diferente? Luna
infernizava a minha vida todos os dias.
— Tudo bem, eu nunca me dei bem com você. Então, como deixei
que se aproximasse de mim e me conquistasse?
— Nossa. — Ela suspira longamente, soltando uma risada. O olhar
nostálgico me dá a impressão de que a Luna mergulhou em lembranças da
época. Estou curiosa para saber um pouco mais sobre nós. — Não foi nem
um pouco fácil. Você ficou meio arisca nos dias seguintes, mas a curiosidade
te fez se aproximar. Sempre foi muito curiosa.
— É, eu sei desse péssimo hábito.
— Mas ainda bem, porque foi graças à sua curiosidade que nos
aproximamos. A Vanessa e a Belinda eram as minhas cúmplices, sempre
dando um jeito de me inserir nos assuntos de vocês, despertando ainda
mais a Camille curiosa. Você foi se aproximando aos poucos, e eu fui
conquistando a sua simpatia de forma natural. Quando me dei conta, tive
coragem e a convidei para um encontro.
— Eu aceitei?
— Não. Pelo menos não imediatamente. Você provavelmente se
lembra dos comentários sobre a minha fama com garotas, certo?
— Sim, todas as garotas que gostavam de garotas queriam ficar com
você, até mesmo as que nunca tinham beijado uma garota. — Reviro os
meus olhos, ao me lembrar de quantas vezes fui obrigada a ouvir
comentários e elogios relacionados à Luna. Era extremamente irritante.
— Você também sabe que eu namorei uma das líderes de torcida.
— Qual era o nome dela mesmo?
— Halsey. Pensei que você se lembraria. Lembro-me bem de que
vocês, de repente, passaram a viver trocando farpas.
Seu tom ativa um dos meus sentidos, ao identificar um leve sarcasmo
presente na frase, e ergo uma sobrancelha, encarando-a de soslaio.
— Ela era irritante.
— Ela não era irritante, você implicava com ela por nada.
— Vai ficar defendendo essa garota agora? Pensei que eu fosse a sua
esposa.
Luna rapidamente faz sinal de rendição, e eu noto, pelo movimento
de pressionar os lábios, que ela está tentando segurar o riso. Solto uma
lufada de irritação e reviro os olhos outra vez. Não sei por que razão ela
teve que enfiar essa ex-namorada no meio da nossa conversa.
— Enfim, tudo começou depois que eu a namorei. Uma das líderes de
torcida nos viu trocando beijos, digamos, inapropriados e começou um
boato sobre a minha vida sexual.
— Era nojento ter que ouvir como você pulava de cama em cama.
— Pode acreditar, eu achava a mesma coisa. Tentei acabar com essa
mentira, mas as pessoas adoravam inventar histórias sobre mim.
— Mas você era beijoqueira.
— Nunca fui. Você realmente acreditava nessas histórias, e percebo
que acredita até hoje. Nós conversamos sobre isso, mas devo comentar de
novo: eu nunca fui essa Luna que diziam. Na minha vida, antes de você, só
beijei três meninas, e uma delas foi a do meu primeiro beijo.
Meus ouvidos não são capazes de acreditar no que acabaram de
ouvir.
— O quê?!
— Você reagiu de forma semelhante quando eu disse isso pela
primeira vez, mas é a realidade. Acho que os adolescentes têm tendência a
aumentar as coisas, para ter atenção. Nunca fui uma pegadora e
principalmente nunca dormi com todas aquelas garotas.
— Nunca?
— Nunca. Você não foi o meu primeiro beijo, mas foi a minha
primeira e única mulher na cama.
— Ok, isso é informação demais. Estou chocada. — Levo as minhas
mãos ao rosto, e a minha mente está embaralhada, tentando assimilar o
que ela acaba de me dizer. Nego com a cabeça algumas vezes, acho que
estou muito surpresa para ter outra reação. — Então, fomos a primeira vez
uma da outra?
— Sim, princesa. Não existe nenhuma mulher nesse mundo que eu
gostaria de ter compartilhado esse momento tão importante.
Um sorriso me escapa, e então, acabo gargalhando do nada, com a
cabeça jogada para trás, sem me lembrar de que poderia acordar o meu
filho ou algo assim. Acontece que nada pode medir o tamanho da felicidade
repentina dentro de mim.
— Desculpe, eu só... fiquei feliz por saber disso.
— Eu nunca me perdoaria se tivesse cedido na época que namorei a
Halsey. Tivemos muitas oportunidades, mas não me pareceu certo em
nenhuma delas. Algo dentro de mim sempre soube que era para eu esperar.
— Não vou mentir que estou feliz demais em saber que fomos a
primeira uma da outra.
— Quando contei a você que tudo o que falavam de mim era mentira,
acabei conquistando um pouco da sua confiança. Foi assim que a gente se
aproximou mais.
— Faz total sentido eu ter confiado em você, mas sei que, de alguma
forma, acabaria confiando, mesmo que tudo aquilo fosse verdade. Você era
uma pessoa solteira, afinal. Não poderia julgá-la pelo seu passado.
— Você disse a mesma coisa no passado. É incrível como você se
esqueceu de quem se tornou, mas continua com a mesma essência. Eu
acho que isso não tem como tirar de você.
— Ainda bem.
— Concordo — ela responde, e ficamos em silêncio durante alguns
segundos. Trocamos olhares e sorrisos, e o meu coração está aquecido
depois dessa conversa. — Tem mais alguma coisa que queira saber?
— Não, eu estou satisfeita demais.
Luna está alegre com a minha resposta e, com cuidado, se inclina
sobre o nosso filho, apoiando a mão no colchão para conseguir chegar a
mim.
— Posso te beijar?
— Eu pensei que estivesse claro o seu passe livre.
Mal termino de falar, e Luna toma a minha boca com a sua,
envolvendo as nossas línguas, acariciando os meus lábios com os dela.
Suspiro, totalmente rendida, segurando sua nuca para mantê-la bem perto.
— Eu amo o seu beijo — ela murmura, usando e abusando do
sotaque extremamente atraente, que fazia tempo que eu não ouvia. Luna
raramente puxa esse lado britânico dela.
— É uma maldade você falar assim.
— Eu sei. Você sempre gostou de me ouvir falando assim.
— Para! Vamos dormir.
Ela solta uma risadinha, deitando-se na cama e puxando nosso filho
para os braços dela. Eu apago a luz do meu abajur, antes de também me
deitar, fazendo o mesmo que ela e abraçando o Louis da melhor forma.
— Boa noite, amor — ela deseja, outra vez usando o seu bonito
sotaque, e eu acabo sorrindo, mesmo sabendo que ninguém pode ver.
— Boa noite, princesa.

Um dos meus momentos favoritos é tomar café da manhã com a


minha família. É sempre divertido e muito aconchegante. Olhar para eles
dois e ter o prazer de compartilhar coisas tão simples me faz muito bem, é
maravilhoso, e não sou capaz de explicar a sensação que me causa.
— Esses quadrinhos do jornal estão cada vez melhores — Luna
comenta e gargalha, antes de bebericar o seu café na xícara que contém
uma foto minha horrível, de quando eu era mais nova. Eu a odeio. Tentei
me livrar desse negócio por diversas vezes, mas ela a protege como se
dependesse daquilo para viver. Um dia conseguirei me livrar disso.
— Mamãe, o que quer dizer orgasmo? É felicidade?
Luna se engasga com o café, e eu tenho a mesma reação com o meu
suco, quase perdendo o fôlego com a crise de tosse que me atingiu. Louis
está encarando a mãe dele, ansioso para ter a resposta. Eu não podia estar
mais grata por essa pergunta ter sido direcionada a ela e não a mim.
— Filho, você... — ela começa e tosse algumas vezes, recuperando-
se do susto que tomou. Eu permaneço quieta, bebendo o meu suco
calmamente, para não atrair a atenção para mim. — Está muito cedo para
você saber dessas coisas.
— Como os bebês são feitos?
Uma gargalhada me escapa, sem que eu possa evitar. Infelizmente,
isso faz os dois voltarem as suas atenções para mim. Luna parece meio
chocada, e então, abre um sorriso que eu conheço muito bem, fazendo-me
automaticamente parar de sorrir. Ela não vai...
— Sua mommy sabe tudo sobre isso, carinha. Eu acho que deveria
perguntar a ela.
Sim, ela realmente fez. Maldita seja essa mulher.
— Como os bebês são feitos, mommy?
E agora, como eu devo contar a ele, sem ser algo explícito demais?
Lembro-me de que aprendi isso quando era mais nova, foi a Belinda que me
contou tudo sobre sexo e gravidez. Nunca me imaginei nessa situação,
pensei que essa conversa já tinha acontecido entre nós.
— Bem, uh... Bebês são fruto do amor de um casal, sabe? Quando
duas pessoas se amam muito, elas decidem multiplicar esse amor em forma
de uma nova vida. — Sinto-me orgulhosa por ter conseguido explicar a ele,
sem propriamente dizer que acontece por meio de sexo. Louis acena em
concordância, assimilando o que acabei de contar, e eu espero que ele
esteja satisfeito. Volto a beber o meu suco, apreciando o sabor delicioso dos
morangos frescos.
— E como eles são feitos?
— É, Camille, como eles são feitos?
Se os meus olhos pudessem matá-la, neste momento, eu estaria me
tornando viúva, porque a encaro com muita raiva. Luna nem se importa
muito, olhando-me por cima daquela caneca ridícula, enquanto finge
apreciar o líquido dentro dela. Maldita seja!
— Eles são feitos de uma maneira especial e muito íntima.
— Minha nossa, amor. Você é péssima em falar sobre relação sexual
com uma criança. Pare de torturar a sua mãe, carinha.
Fico confusa com a fala, principalmente porque os dois trocam
olhares estranhos, antes de caírem na gargalhada. Estou sem entender essa
reação. Existe alguma piada interna aqui, que eu perdi?
— Está tudo bem, mommy. Eu sei como os bebês são feitos, a tia
Vanessa e a tia Belinda conversaram comigo.
O som da risada de Luna aumenta consideravelmente, fazendo-me
ficar ainda mais confusa e chocada. Eu realmente não acredito no que
acaba de acontecer aqui.
— Você sabia disso?
Ela para de rir aos poucos, ajeitando-se sobre a cadeira.
— Talvez, sim.
— Eu vou te matar. — Ameaço me levantar, mas o meu filho é mais
rápido e fica de pé, jogando-se sobre o colo dela como se pudesse protegê-
la. Sinto-me traída, eu tenho um complô dentro da minha própria casa.
Estou ferrada. Mas eu amo esses momentos de qualquer forma.
Meu corpo parece muito pesado, não vejo a hora de poder chegar à
minha casa e receber a melhor massagem do mundo. Mas isso terá que
esperar, a minha esposa está ocupada no trabalho e mandou um recado
dizendo que vai se atrasar. Eu fico chateada, confesso, mas não posso
reclamar. Ela tem sido muito paciente com o fato de eu estar apavorada em
sair sozinha com o meu carro outra vez. Tentei no final de semana, e não
deu muito certo.
Preciso me ocupar, enquanto ela não vem me buscar, e a minha
melhor opção é me sentar no meu pequeno escritório, na escola de dança,
e mexer na internet. Não tem muito o que fazer aqui, depois que as aulas
acabam. Verifico as minhas redes sociais e olho as notícias. Não há nada de
muito interessante, até que um artigo chama a minha atenção.
— Será que é verdade? — questiono a mim mesma, enquanto abro o
artigo. É uma notícia sobre estudos realizados, há anos, que vêm mostrando
resultados positivos, cada vez mais, sobre a criação de espermatozoides
femininos.
Sim, é isso mesmo que você acabou de ler. Os cientistas
mencionados na matéria afirmam que conseguiram obter bons resultados
com esses espermatozoides, criados a partir da medula óssea feminina.
Eu não faço ideia de como esse processo é feito, mas estou
realmente curiosa. E se conseguirmos realizar isso? Imagine um filho que
será a junção de Luna e eu? Sem precisarmos de uma terceira pessoa,
apenas nós duas.
Pego o meu celular, não querendo perder tempo. Preciso
desesperadamente compartilhar essa informação com a única pessoa que
sabe do meu desejo secreto em ser mãe outra vez.
— Diga-me que é algo realmente importante e que você não
atrapalhou o boquete que eu faria no meu homem para falar besteira. — Eu
fico sem reação ao ouvir o que ela diz, assim que atende à ligação, chocada
demais para responder qualquer coisa. — Camille? Aconteceu alguma coisa?
— Eu acho que vou ligar depois.
— Camille, aconteceu alguma coisa?
— Não exatamente, eu queria contar uma coisa que eu... Vanessa?
— Eu afasto o telefone do meu ouvido, olho para o aparelho e nem me
surpreendo tanto, ao ver que a maldita realmente desligou a chamada na
minha cara. — Preciso de uma nova melhor amiga.
— Espero que seja só uma melhor amiga nova, e não uma esposa
nova também. — Levo um susto ao ouvir a voz de Luna, que está com a
metade do corpo para dentro da minha sala e um enorme sorriso no rosto.
Quase surto com medo de ela ver o que eu estava lendo, então
rapidamente fecho todas as abas do navegador e desligo o computador.
Levanto-me da mesa, e os meus olhos descem até as mãos dela,
deparando-me com uma caixa retangular de cor vermelha.
— Oi, meu amor. Nem mandou mensagem avisando que tinha
chegado. Eu teria descido.
Pego a minha bolsa sobre o sofá, no canto da sala, indo até ela
depois, e Luna abre os braços para me receber em um confortável abraço.
Eu obviamente não rejeito o carinho, adoro ser cuidada por ela.
— Queria fazer uma surpresa. Trouxe cupcakes. — Selo os nossos
lábios rapidamente, pegando a caixa das mãos dela para verificar aqueles
bolinhos deliciosos, que se tornaram os meus favoritos desde que
encontramos aquele lugar. E eu sei que ela foi buscá-los naquela loja.
— Você é a melhor esposa do mundo.
— É esse o tipo de elogio que eu gosto de ouvir. Vamos, meu dengo?
Concordo com a cabeça apenas, porque a minha boca está ocupada,
devorando os bolinhos. Saímos juntas da escola, depois de conferir que tudo
está nos conformes, despedimo-nos dos seguranças, entramos no carro e
seguimos em direção à casa da minha irmã, para buscarmos o Louis.
Voltar para casa na companhia deles é sempre a melhor parte do
meu dia, mas o pensamento de ter uma nova criança não me deixa.
O dia passou voando, e fizemos as mesmas coisas de sempre. Não
cansa, porque eu amo passar um tempo com os dois amores da minha vida.
É sempre muito gratificante ter esses momentos com eles. Na hora de
dormir, fomos, as duas, colocá-lo na cama. Meu filho está crescendo, e sinto
que nesses dois meses que se passaram ele mudou em muitos aspectos.
Isso me deixa triste e, ao mesmo tempo, animada. Vê-lo crescer é
maravilhoso.
— Minha mãe quer que a gente vá para Miami no final de semana. O
que você acha? — Eu ouço a pergunta do lado de fora do box. Luna está
cuidando da pele dela, enquanto eu tomo o meu banho. Olho em sua
direção, passando a mão no blindex para ter uma visualização melhor.
— Eu acho uma boa ideia. Louis está com saudade deles, e vai ser
bom fazer uma coisa diferente.
— Podemos ficar lá no nosso lugarzinho, passando o final de semana,
o que acha?
— Eu acho excelente, desde que a casa na árvore fique reservada
somente para nós duas.
Um sorriso sem-vergonha surge em meu rosto. Eu não estou olhando
para ela neste momento, mas tenho certeza de que tem um sorriso parecido
com o meu em seu rosto. Luna e eu estamos cada vez mais íntimas, mas
com o nosso filho em casa fica um pouco difícil termos um momento
particular, porque ele tem dormido conosco quase todas as noites. Não que
eu esteja reclamando, mas quero um pouco de privacidade com a minha
esposa também.
— Todo mundo sabe que naquele lugar somente nós duas podemos
ficar.
— Ótimo. — Termino o meu banho, abrindo a porta em seguida, e
Luna olha para mim por reflexo, descendo o olhar por todo o meu corpo.
Diferente de antes, agora eu gosto quando ela me olha assim. — Pode me
passar a toalha, por favor?
— Claro, princesa. — Ela pega a minha toalha, que ficou pendurada
atrás da porta, trazendo-a para mim. — Gostei da depilação nova. Estilo
brasileiro, não é?
— Luna! — exclamo, envergonhada, ganhando, em troca, a risada
dela.
— Mas eu gostei.
— Você é impossível, mulher. — Enrolo-me na toalha, dando um
rápido beijo em seu rosto quando passo por ela no caminho, e Luna sorri
para mim através do espelho. — Espero você na cama.
— Não coloque roupas, então.
Eu cruzo o quarto e penduro a toalha no gancho atrás da porta,
caminhando, sem roupa alguma, até a cama. Percebo como estou confiante
em ficar sem roupas na presença dela ou sabendo que vamos fazer alguma
coisa sexual. Luna não está mais proibida de fazer sexo com penetração,
mas ainda não tivemos oportunidade de ir mais além. Espero que eu mude
isso agora.
— Lembrou de verificar as portas? — pergunto, assim que ela
finalmente volta para o quarto. O cheiro dos produtos que ela usa toma
conta do ambiente, e eu respiro fundo, absorvendo o aroma gostoso. Luna
reflete, durante alguns segundos, e então, solta um palavrão baixo.
— Não consigo me lembrar, vou verificar.
Concordo com a cabeça, e ela sai do quarto. Pego o meu celular para
responder algumas mensagens e, em seguida, abro o navegador. Encontrei
uma clínica que realiza o tal procedimento que chamou a minha atenção
mais cedo. Eles não garantem o bom resultado, mas dizem que as chances
são boas. Preciso entrar em contato com eles para me informar melhor.
— Tudo fechado? — pergunto, assim que ouço a porta ser aberta de
novo, bloqueando a tela do meu celular e deixando-o sobre a cama em
seguida.
— Sim. — Ela joga os cabelos para o lado esquerdo e vem em minha
direção, enquanto puxa a blusa que estava usando para cima, ficando
apenas de calcinha. O tecido preto liso fica evidente no tom de pele dela, e
me deixa maluca. Eu amo vê-la usando lingerie dessa cor. — Cheirosa — ela
murmura, depois de parar sobre mim, levando o nariz até o meu pescoço e
inalando o meu cheiro. Fecho os olhos, ronronando contra ela, ao afastar as
minhas pernas para acomodá-la. Luna segura em minha cintura quando
encosta sua boca na minha, tomando os meus lábios para si, envolvendo-
me naquele beijo gostoso de sempre.
— Merda.
Luna para ao me ouvir, encarando-me, sem entender o que
aconteceu.
— Te machuquei?
— Não, me deu vontade de fazer xixi.
— Sério?
— Muito. Merda.
Luna solta uma risadinha e se joga para o lado, aproveitando para
tirar a calcinha e jogar em mim. Esse ato me faz ofegar, ainda mais porque
a maldita resolveu ser uma boa ideia abrir as pernas e se expor para mim.
— Porra, Luna. Eu já volto.
— Não demore, ou vou terminar sem você.
Entro no banheiro, para me aliviar logo, e resmungo, diversas vezes,
por não sair instantaneamente. Uma das piores coisas do mundo é fazer xixi
quando está com tesão ou quando acabou de gozar. Tem a vontade, mas
não sai nada na hora que a gente precisa. Infelizmente, acho que demorei
mais do que deveria, pois quando retorno ao quarto, tudo está escuro, e
ela, debaixo das cobertas.
Confusa, sento-me na cama, entro debaixo das cobertas e me
aproximo dela. Pelo menos, Luna não vestiu as roupas, mas acho que o
clima acabou. Estou frustrada, mas respeito a sua vontade. Nunca forçaria
nada. Às vezes, ela simplesmente perde a vontade por alguma razão. Não
acho que seja um problema, acredito ser uma coisa normal. Pessoas sentem
tesão e perdem na mesma velocidade. Acontece.
— Dormiu?
— Você vai ficar brava se eu dormir?
— Claro que não, meu amor. Posso te abraçar? — Ela responde com
um som nasal, arrastando-se para perto de mim. Envolvo o seu corpo com o
meu braço, passando o outro por debaixo de sua cabeça, e Luna se
aconchega em mim, esquentando o meu corpo com o seu calor. — Boa
noite, amor.
— Boa noite, minha princesa — ela deseja e volta a ficar em silêncio,
e eu sei que não vai demorar muito a dormir. Não me importo de dormir
frustrada sexualmente, tê-la comigo é o mais importante. O sexo pode ser
feito em qualquer momento que tivermos oportunidade.
Todos os momentos com ela são importantes.
Capítulo 32 – Diversas sensações
O dia está bonito. Finalmente, o clima de resquício de inverno está
acabando, e dias ensolarados têm sido mais frequentes. Ou talvez seja
apenas o clima de Miami, sempre fazendo calor. Respiro profundamente,
inclinando a minha cabeça para trás, sentindo a brisa fresca bater contra o
meu corpo e os raios solares aquecerem a minha pele. É maravilhoso sentir
a natureza.
— Pega, filho! — A voz dela rapidamente atrai a minha atenção,
fazendo-me cobrir os olhos para poder visualizar os dois. Luna e Louis estão
se divertindo com Duke, sob o olhar atento dos Jacobs também. Viemos
passar o final de semana em Miami, a pedido deles, e não poderia ser
melhor. Diferente da última vez que viemos, agora tudo está mais tranquilo.
— Corre, Duke! Corre! — Louis exclama, correndo ao lado do enorme
cachorro, enquanto chuta uma bola de futebol. Um sorriso surge em meu
rosto ao observar aquele momento de diversão. Estamos próximos ao
pequeno lago que tem aqui na propriedade, é um dos meus lugares
favoritos. Mas nada pode superar o meu amor pela casa na árvore.
— Camille? — Minha atenção é voltada à minha esposa outra vez.
Luna acena para mim, chamando-me. — Está tudo bem? — ela questiona,
assim que chego perto o suficiente. Concordo com a cabeça, me aproximo
dela, seguro em sua cintura e fico nas pontas dos pés para selar os nossos
lábios. Nem me importo com a possível atenção dos meus sogros em nós
duas, eles estão acostumados a ver as nossas demonstrações de afeto.
— Estava aproveitando um pouco o sol.
— Sentiu falta?
— Muita.
— Desculpe atrapalhar vocês duas, mas o bolo está pronto e
quentinho, esperando-nos. Vamos tomar o café da tarde.
Ana vem até nós, com um belo sorriso em seu rosto. Tenho notado
que ela está mais carinhosa, principalmente com Luna. Elas têm conversado
bastante, mas a minha esposa comenta pouco sobre. Eu entendo, é uma
questão pessoal e antiga das duas.
— Obrigada, sogrinha. Estava com fome mesmo, estou cheia de
vontade de comer aquele bolo de milho — eu lhe agradeço, retribuindo o
seu sorriso fraternal.
— Venha, carinha. Vamos comer!
— Vamos, Camille Jacobs — Mark diz, brincando, aproximando-se de
mim com um braço estendido. Eu rio da brincadeira, já me acostumei com
eles me chamando dessa forma. Isso me conforta e me faz bem saber que
sou uma Jacobs.
— Cruz-Jacobs, papai — Luna diz ao passar por nós. O pequeno está
em suas costas e Duke pula, agitado, tentando pegá-lo. Entramos juntos no
casarão, rindo e brincando. Estou me sentindo bem, como há muito não me
sentia. Todos os dias parecem uma coisa nova, e realmente é assim.
Conviver com todas essas pessoas têm me tornado uma mulher
melhor. Estou amadurecendo um pouco a cada dia, cresço de todas as
formas possíveis. Muito disso tem a ver com a minha esposa, essa mulher
excepcional que faz de tudo para me ver bem e cuida de mim melhor do
que eu mesma. Nunca saberei agradecer o suficiente por tê-la comigo.
— O que você tanto pensa? — como se fosse capaz de ler os meus
pensamentos, a dona deles pergunta a mim, baixinho para que apenas eu
ouça, e sorrio, largando a caneca para olhar na direção dela.
— Estou pensando no amor da minha vida.
— Hm... Coisas boas sobre mim? — Ela abre um sorriso sapeca,
cobrindo as minhas mãos com as delas.
— Quem disse que é sobre você?
— Eu estou dizendo — responde-me, sem hesitar ou perder a pose
prepotente. Não aguento a arrogância dessa mulher. Quanto mais
intimidade temos, mais ela se mostra a mesma de sempre. Toda cheia de si
e com certezas extremas, mas eu nem reclamo muito, até gosto desse jeito
egocêntrico.
— Você está muito cheia de si. — Levo a minha mão ao seu nariz,
apertando-o com pouca força. Luna faz uma careta, puxando a cabeça para
trás e escapando de mim. — Sorte sua eu gostar tanto de você.
— Tu me amas, mi amor. — Seu sotaque rouco e arrastado faz um
arrepio tomar conta de mim. Sinto uma vontade absurda de beijá-la, mas
me controlo, porque não estamos sozinhas, e tenho certeza de que existem
olhos atentos em nós duas. Rapidamente me afasto, ficando longe o
suficiente dela, para não correr o risco de ceder aos meus impulsos.
— Será que as duas mocinhas não gostariam de dividir conosco esses
sussurros? — Ana brinca, servindo-se de mais café. Mark segura uma
risada, e o nosso filho bufa, cruzando os braços, do outro lado da mesa. Eu
fico confusa. Ele está com raiva de que exatamente?
— Desculpem-nos, mas sabem como é a filha de vocês. Muito
enxerida.
— Isso é verdade.
— Papai! — Luna exclama, desacreditada, parecendo muito ofendida
com o que o seu pai acaba de dizer. Dessa vez, quem gargalha sou eu da
expressão desolada no rosto dela.
— Desculpe, filha, mas é a verdade.
— Existe um complô contra mim em todos os cantos. Não aguento
mais essa injustiça.
— Que drama, Lolo! — minha sogra diz e afina o tom de voz quando
a chama pelo apelido.
— Mamãe, não. Esse apelido me faz parecer frouxa. — Olho na
mesma hora em direção a ela, abrindo a boca para respondê-la. — Nem
ouse abrir essa boca.
Faço sinal de rendição, soltando uma risadinha. Ela me encara com
raiva, mas esse olhar nunca me assustou no passado, não será agora que
vai me afetar. Obviamente, eu não posso perder a oportunidade de retribuir
toda a provocação que ela faz comigo quase todos os dias, e é com esse
pensamento que me aproximo dela, falando baixinho em seu ouvido:
— Você pode me passar o café, Lolo?
Luna me olha de uma forma que, se o olhar pudesse matar, com
certeza eu estaria morta, mas, apesar de parecer realmente com raiva, ela
me passa a garrafa de café. Eu seguro o riso para não a irritar mais, apesar
de estar adorando cutucá-la.
É bom quando viramos o jogo, não é?
A sua respiração acelerada bate contra o meu ouvido de forma
violenta, com a mesma intensidade que as mãos dela apertam a minha
cintura e a sua boca marca a minha pele. Estou sendo prensada contra a
porta de madeira da casa na árvore, não tenho escapatória nem sei ao certo
como viemos parar aqui. Luna pareceu guardar as provocações da tarde
durante o restante do dia, finalmente podendo extravasar quando estamos a
sós.
Ela segura, com firmeza, a minha nuca, afastando-se para poder me
olhar. Eu ofego sobre o olhar repleto de más intenções, ansiosa para ser
maltratada por ela da melhor forma possível. Sem que eu possa ter alguma
reação, sinto a sua boca grudar na minha, unindo os nossos lábios.
O beijo começa lento, intenso, gostoso... Molhado.
Luna aperta minha nuca e eu solto um gemido. Os seus dentes
mordem o meu lábio inferior, e logo em seguida, as nossas bocas voltam a
ficar unidas. Sua mão solta a minha nuca e se junta à outra, que estava na
cintura, então as duas escorregam para a minha bunda, apertando as
nádegas com força e puxando-me contra o seu corpo.
— Me leva pro banho — o meu pedido sai quase como uma súplica, o
meu corpo implora pelo dela. Eu tenho total consciência de que vai
acontecer, e não existe nada em mim que deseje o contrário. Quero me
entregar de vez a ela, sem reservas, sem pudor.
Precisamos de um banho primeiro.
— Tire a minha roupa — ela pede, assim que entramos no banheiro.
Pode parecer normal, contando as diversas vezes que tivemos algo mais
íntimo, mas acontece que eu a conheço bem o suficiente para saber que o
seu pedido está muito além do que parece ser. Rapidamente começo a
despi-la, e mesmo ansiosa, faço tudo com cuidado, tirando peça por peça,
cobrindo o seu corpo de beijos carinhosos.
Sempre fazemos amor, é o que ela diz toda vez. Eu farei amor com
ela, da forma que eu sei que o meu corpo sabe. Não é preciso ter as minhas
lembranças para ter noção do que precisa ser feito.
Entramos juntas no banho e saímos juntas dele. Não é porque
vivemos um momento de carinho e afeto, enquanto nos limpamos, que ela
deixa perder a intensidade, porque no exato momento em que pisamos de
volta ao quarto, sou levada para a cama, sem ter como escapar.
E quem disse que eu quero escapar?
Luna analisa todo o meu corpo, enquanto se põe por cima de mim,
afastando as minhas pernas com as suas. Eu rapidamente levo as minhas
mãos até as suas costas, pressionando as pontas dos dedos contra a pele
macia dela. Eu sei que amanhã de manhã haverá diversas marcas minhas
nela, e adorarei vê-las e me lembrar de cada momento. Ela me beija, e uma
das mãos segura a minha coxa esquerda e afasta mais a minha perna,
dando livre acesso para que eu sinta sua boceta deslizar sobre a minha. É
uma sensação deliciosa sentir o seu clitóris rígido contra o meu, sua
lubrificação se misturando à minha, os nossos corpos trocando o mesmo
calor causado pela chama que queima dentro de nós. Ela faz tudo com
calma e, ao mesmo tempo, sem lentidão. Na medida certa.
Ela sabe me tocar, conhece os meus pontos fortes e fracos. Sabe
como me enlouquecer de uma forma que me deixe totalmente à mercê
dela. Eu gosto disso, adoro saber que ela me conhece tão bem
intimamente. Não existe coisa mais gostosa que ser compatível na cama
com a pessoa que você ama. E estou tendo certeza disso cada vez que
fazemos amor. O sexo em si envolve muito mais do que apenas penetração,
é troca de prazer mútuo, é se sentir confortável e confiante com a parceira
ou o parceiro. É saber que vai dar e receber na mesma proporção. De
quatro, de lado, recebendo apenas um oral, não importa.
O sexo começa antes mesmo de chegar ao quarto, com uma troca de
olhar, um toque discreto, um sorriso. Um beijo. Todo mundo sabe fazer
sexo, mas nem todos sabem dar prazer. Praticar o ato sexual é muito fácil,
não tem mistério, mas deixar uma pessoa de pernas bambas... Ah, essa é a
parte mágica do sexo, que nem todos conseguem alcançar.
Quando se ama alguém, não importa se vocês estão sendo calmos ou
selvagens, sempre será amor, a forma que acontece o ato é irrelevante.
Desperto dos meus pensamentos quando a sinto descer os beijos
pelo meu corpo, migrando do pescoço para os meus seios, e a sua boca
faminta suga, com força, os meus mamilos, ao mesmo tempo que as suas
mãos são carinhosas ao massageá-los, para acalmar o formigamento
causado por sua língua, boca e dentes. Ela chega ao abdômen, castigando-
me com deliciosas mordidas e apertos, com os seus dedos experientes.
Curvo-me sobre a cama, entregando-me totalmente, para o seu
deleite. Minha mente repete diversas vezes uma frase que acabo
verbalizando, para dar ênfase ao prazer que estou sentindo e à vontade que
tenho dentro de mim.
— Faça o que quiser comigo! — imploro baixinho, e a minha voz
quase não sai, tamanho é o meu prazer e a minha vontade de senti-la
profundamente. E ela faz. Segura atrás de minhas coxas e dobra as minhas
pernas, erguendo-as até perto das minhas costelas. Fico exposta,
esperando-a atacar. Luna não perde tempo: dá uma lambida firme entre os
lábios maiores, tomando os pequenos em sua boca, para sugá-los com
delicadeza. Não prendo o gemido que me escapa e, ao mesmo tempo,
agarro o lençol da cama abaixo de mim.
Luna é implacável com suas lambidas quando resolve percorrer toda
a minha boceta, lambendo cada pedaço, sem deixar nenhum sem atenção.
Até quando envolve o meu clitóris com os lábios, sugando-o forte e devagar,
revezando, para testar a minha sensibilidade e depois aliviá-la. Ela gosta de
me levar ao limite e depois acalma tudo, para, em seguida, quase me
enlouquecer outra vez.
O primeiro orgasmo não demora a chegar. Pelo menos para mim, não
parece demorar. Eu perco a noção de tempo quando a sua boca está em
mim. Luna distribui beijos por todo o meu corpo, enquanto vai subindo
outra vez. Sua boca, marcada pelo meu prazer, reflete pela luz o reflexo do
meu gozo. Isso me faz sorrir e puxá-la para um beijo.
Sentir o meu gosto na sua boca é sempre delicioso.
— Já disse que você é muito gostosa? — ela murmura quando
paramos de nos beijar, e o sorriso não abandona o meu rosto. Eu envolvo a
cintura dela com as minhas pernas para grudá-la em mim.
— Você sempre pode repetir isso.
— Gostosa, você é muito gostosa. — Ela estica o pescoço e morde
devagar o meu queixo. O olhar dela continua felino, intenso, como se
estivesse me comendo apenas me observando. — Abra — sua ordem vem
acompanhada de sua mão erguida, com os dois dedos destacados vindo em
direção à minha boca. Rapidamente, a obedeço, separando os lábios para
receber o que ela está me dando. Fecho os olhos ao sugá-los com força,
sentindo-a colocar e retirar os dedos da minha boca.
Lentamente.
A sua respiração bate contra o meu rosto. Não a vejo por estar de
olhos fechados, mas sinto o seu olhar sobre mim. Luna se mantém assim
durante um tempo, até se dar por satisfeita e retirar os dedos de minha
boca. Neste momento, abro os olhos, apenas para vê-la morder o lábio
inferior, enquanto leva a mão para baixo. O meu corpo reage
instantaneamente àquilo, porque sei o que virá a seguir. Estou nervosa,
mesmo sabendo que não existem mais motivos para isso. Ela percebe que
tem algo errado e me olha, como se buscasse confirmação de alguma coisa.
— Devagar — peço baixinho, um tanto envergonhada, e Luna sorri
de lado, não querendo debochar de mim ou algo assim. — Sei que não é a
minha primeira vez fisicamente, mas emocionalmente será. Eu acho que
você entende.
— Claro que sim, meu amor. — Ela se estica rapidamente para selar
os nossos lábios. — Vou fazer com carinho e muito gostoso.
Minhas paredes internas se fecham ao ouvi-la dizer aquilo. Eu acho
incrível como o meu corpo reage instantaneamente a ela, com tanta
facilidade. Sou dela, pertenço totalmente a essa mulher, não tem jeito.
Seguro o seu rosto e a faço me encarar, olhando profundamente em seus
olhos.
— Recrie a nossa primeira vez. Faça-me sentir da mesma forma que
senti quando me entreguei a você.
O olhar dela ganha um brilho de emoção, e ela não responde ao meu
pedido, apenas afasta mais as minhas pernas, antes de deslizar os dedos,
ainda molhados, entre os meus lábios maiores. Fecho os olhos, empurrando
o meu quadril contra ela, e Luna provoca um pouco, circulando a minha
entrada, para recolher mais da minha lubrificação.
Quando, enfim, os seus dedos começam a entrar em mim, sinto
como se eu tivesse saído do meu corpo durante alguns segundos. Não me
lembro da sensação de ser invadida assim, mas é a coisa mais gostosa que
eu poderia ter sentido em toda a minha vida. Rapidamente, agarro os
ombros dela, cravando os meus dedos em sua pele, querendo extravasar o
prazer sentido apenas com esse ato. Luna traz a boca até o meu ouvido,
fazendo-me ouvir sua respiração, enquanto começa a mover os dedos.
Puta que pariu! É a única coisa que consigo pensar quando ela
começa a me foder de uma forma tão deliciosa. Parece que estou flutuando,
nadando nesse mar imenso que é o tesão. Ela sussurra coisas sujas e
carinhosas em meu ouvido. Eu gosto de como ela sabe equilibrar a safadeza
com o amor que sente por mim. Da minha boca, saem apenas gemidos.
Sinto-a me tocar profundamente, e então, pressionar um ponto incrível na
parte superior do meu canal. Toda vez que ela pressiona esse lugar, parece
que as estrelas explodem dentro de mim. Minhas pernas se movem, assim
como o meu quadril, sem um ritmo certo, ambos os membros desesperados
pela minha liberação.
Dessa vez, parece que vai ser mais intenso.
Mas se eu penso estar no paraíso, nada pode me preparar para o
momento em que ela resolve juntar a sua língua maravilhosa com aqueles
dedos habilidosos. Toda vez que a Luna enfia os dedos e treme a língua
sobre o meu clitóris, parece que o meu corpo leva um choque.
É algo como sair do calor extremo e tomar um banho gelado.
O segundo orgasmo é simplesmente delicioso e inexplicável. Acho
que apago durante alguns segundos, enquanto gozo nos dedos dela, de
forma abundante, e tremo contra o seu corpo, implorando por mais desta
sensação.
Estou exausta, mas preciso de mais.
Com esse pensamento, giro os nossos corpos sobre a cama, tomando
a boca de Luna com a minha, enquanto esfrego a minha boceta sensível
contra a dela. Luna está enlouquecida ao me sentir rebolando entre as suas
pernas. Eu quero lhe dar prazer, assim como ela sempre me deu, e fazendo
de tudo para isso.
Não me lembro da minha experiência sexual de antes, mas sigo os
meus instintos quando desço pelo seu corpo, tomando os seios fartos em
minha boca, sentindo a maciez e o gosto de sua pele. Passo pelo abdômen,
marcando-o com uma fina linha de saliva. Quando chego ao meu destino,
coloco-me sobre os meus cotovelos e afasto as suas pernas. Sou atingida
pelo aroma delicioso que ela está exalando, simplesmente bom demais.
Minha vontade é afundar o meu rosto aqui e não tirar mais.
Eu olho para cima, deparando-me com os seus olhos fixos em mim.
Luna está segurando os seios nas mãos, enquanto usa os dedos para
beliscar os mamilos sensíveis. Ela morde o lábio inferior e ofega diversas
vezes, esperando, ansiosa, pelo exato momento em que farei o que
desejamos.
Quando o meu paladar sente, enfim, o gosto dela, não existem
palavras capazes de descrever o que sinto. É simplesmente a melhor coisa
que a minha boca provou em toda a minha existência. As minhas mãos
agarram as suas coxas para mantê-las afastadas, enquanto a minha língua
explora a sua boceta, enfiando-se dentro dela e sentindo-a me apertar. Luna
é apertada, extremamente apertada, e eu descubro isso quando deslizo os
meus dedos indicador e médio para dentro dela, sentindo-os envolvidos por
um calor molhado e gostoso, apertados pelas suas paredes internas, o que
me deixa com ainda mais tesão.
Ser uma apreciadora da anatomia feminina sempre me fez questionar
qual devia ser o gosto de uma mulher, como seria a textura, o cheiro, a
aparência e tudo mais. Agora, tendo a prova viva e real outra vez, posso
dizer que a realidade nem se compara à imaginação.
Mulheres são seres divinos.
Não sei se estou fazendo do jeito certo, e por diversas vezes busco o
olhar de Luna, desejando que ela entenda o meu pedido mudo. Felizmente,
como sempre, ela sabe exatamente o que eu quero. Ela usa as mãos para
me dizer em que tocar, para ser mais rápida ou devagar, e até mesmo para
dar algumas ordens. Isso quase me mata de tesão.
Descubro que gosto de quando ela é mandona, mas eu amo o
controle de tudo.
Luna estremece. Os gemidos roucos e femininos, deliciosos de ouvir,
escapam de sua boca. Ela é inquieta com as mãos, agarrando os meus
cabelos, os seus próprios seios e os lençóis abaixo de nós, como se pudesse
aliviar aquela agonia causada pelo orgasmo poderoso que lhe proporciono.
Estou satisfeita e orgulhosa. Parece que nada mudou e que não me
esqueci do passado. Foi natural demais, mesmo que eu tenha tido alguns
lapsos de insegurança. Ela soube me guiar da forma certa. Sinto-me
plenamente satisfeita. Não que não tenha me sentido assim nas outras
vezes, mas a sensação multiplicou.
— Se você soubesse o quanto eu senti falta da sua boca e dos seus
dedos em mim. — Ela murmura, rouca, abrindo os braços para me receber.
Como sempre, não nego o contato, deitando-me sobre o seu corpo
levemente úmido. Luna beija o topo da minha cabeça e me aperta em seu
abraço.
— Eu consigo entender o motivo da Camille do passado ser tão louca
por você na cama. — Viro a cabeça para encará-la: Luna está com aquele
mesmo sorriso arrogante no rosto, mas não posso fazer nada dessa vez, ela
tem razão em estar com ele. — Todas as vezes que fazemos amor é como
se fosse algo novo.
— É ótimo saber que ainda lhe causo a mesma sensação.
— Nunca é a mesma coisa, é sempre melhor.
— O meu ego está se sentindo muito bem.
Sorrio, arrastando-me um pouco mais para cima, até estar perto da
sua boca, e selo os nossos lábios duas vezes, antes de sussurrar:
— Espero que ele esteja se sentindo tão bem quanto a minha boceta.
E basta isso para recomeçarmos tudo, de uma maneira ainda mais
intensa que a anterior.
Não tem como resistir a ela.

O nosso filho voltou às aulas, e a rotina segue sendo a mesma que


eu havia aprendido. Em relação à dança, me sinto cada vez mais confiante e
tenho estudado alguns ritmos novos para inserir em minhas aulas, o que
será bom para mim e para os alunos. Luna está evoluindo em seu
tratamento. Eu sei que fazer terapia é algo progressivo e demorado, mas os
resultados dela têm sido animadores. Minha esposa está cada vez mais
confiante.
Toda a nossa vida, no geral, está boa, mas eu tenho sentido aquele
vazio, uma sensação de que falta alguma coisa. E mesmo tentando
esquecer e substituir essa vontade, o desejo de ter um filho novo se torna
cada vez maior.
— Você deve conversar com a sua esposa. A melhor forma de um
casamento continuar sendo bom é mantendo a conversa e a sinceridade —
Dra. Robertson diz, olhando-me por cima de seus óculos, posicionados na
ponta de seu nariz. Suspiro, inclinando-me para trás na poltrona e cruzando
os meus braços, pensativa sobre o que ela havia acabado de falar.
— Mas acontece que eu não tenho certeza se esse é o momento
certo de falar.
— Vai continuar guardando apenas para si? Você mesma disse que a
Luna notou que está escondendo algo, não deixe que ela descubra sozinha.
Isso provavelmente enviará a mensagem errada.
— Como se eu não tivesse contado por causa do problema dela?
— Também, mas você mesma disse que ela odeia que sintam pena.
Pode ser que, na cabeça dela, o fato de você esconder essa vontade esteja
relacionado a esse sentimento de pena, por ela não ter conseguido manter
uma gravidez ainda.
— Eu acho que estou entendendo.
— Você conversou com o seu médico sobre os tratamentos que ela
pode fazer, certo?
— Sim, existem alguns muito bons.
— E conversou com ela sobre isso?
— Não, ainda.
— Converse com ela. Não existe outra forma de resolver essa
situação. Quem sabe, assim, o seu coração fica mais calmo?
Concordo com a cabeça, refletindo sobre o que acabamos de
conversar, entre outras coisas. Quando a sessão acaba, me despeço e saio
do consultório, buscando a chave do meu carro em minha bolsa, além do
meu celular. Sim, eu finalmente estou dirigindo outra vez. O medo ainda
existe, mas tenho ganhado mais confiança.
Sempre tem uma mensagem encorajadora da minha esposa para me
deixar tranquila.

Saber que a minha família está reunida, esperando em casa, é tudo o


que eu preciso para me recuperar dessa sessão de terapia intensa que
acabei de ter. Minha cabeça está em conflito sobre conversar ou não com
minha esposa. Por um lado, sei que é necessário; por outro, tenho medo de
feri-la e causar uma briga. Estamos tão bem, não quero criar conflitos
desnecessários.
Chegar à minha casa é sempre gratificante, ainda mais quando é
possível sentir o cheiro de tempero mexicano tomando conta do ambiente.
Temos nos tornado viciadas em culinária mexicana, é uma das minhas
atuais favoritas.
— Que cheiro gostoso! — murmuro, assim que chego à cozinha, e a
visão que tenho me faz abrir um enorme sorriso. Louis está ao lado da
minha esposa, em frente à pia, e os dois estão usando chapéus de chef e
avental.
— Mommy! Eu escolhi o jantar — Louis se gaba, todo cheio de pose,
e eu sorrio, aproximando-me dele para beijar o seu rosto.
— É o meu garoto mesmo. — Levanto-me para dar atenção à minha
esposa dessa vez. Ela faz um bico adorável com os lábios, e eu rapidamente
os beijo, suspirando, toda rendida. — Oi, meu amor.
— Oi, princesa. O jantar está quase pronto. Suba para tomar o seu
banho e depois venha comer.
Concordo, o meu estômago está quase implorando por comida. Eu
subo rapidamente para tomar o meu banho e trocar de roupa. Hoje, o dia
foi puxado, precisei ficar até mais tarde na escola e acabei mudando o meu
horário de consulta com a psicóloga. Quando volto para a cozinha, a ilha, no
centro dela, está toda arrumada, com velas e tudo.
— Gostei da arrumação — comento ao caminhar até eles. Luna toma
a minha frente e puxa um dos bancos altos para que eu me sente. Sorrio
para minha esposa, não resistindo em tocá-la nos braços com carinho. —
Obrigada, amor.
— Eu não preparei esse jantar sozinha, o nosso carinha ajudou
bastante.
— Oh, é mesmo?
— Sim, mommy! — Ele balança freneticamente a cabeça, fazendo os
cabelos grandes voarem para todos os lados. A minha barriga faz um som
engraçado, causando gargalhadas a todos. Conversando sobre o dia de cada
um, fizemos a nossa refeição. Preciso concordar que eles são uma dupla e
tanto, o jantar estava simplesmente divino.
Depois de comermos, fomos nos distrair um pouco na sala, e a opção
foi jogar videogame. Revezamo-nos em um jogo de corrida do Mario, e o
nosso filho foi quem se saiu melhor, como de costume.
Quando fica um pouco mais tarde, subimos com ele para colocá-lo na
cama. Nosso pequeno não demorou a dormir, e depois que a minha esposa
e eu deixamos beijos em sua cabeça, saímos com cautela do quarto,
deixando-o dormir como um belo anjo.
Ela não diz nem pergunta mais nada quando chegamos ao nosso
quarto. Eu escovo os meus dentes e, enquanto penteio os cabelos, sinto o
seu olhar sobre mim. Tento me fazer de desentendida, mas ela sabe de
alguma coisa. Luna sempre sabe.
— Tem alguma coisa acontecendo? — sem perder tempo e sendo
direta, ela questiona, assim que me deito na cama, ao seu lado. Eu suspiro,
nervosa, porque tenho consciência de que não sou capaz de enganá-la e
dizer que está tudo bem.
— Eu acho que sim.
— Você quer conversar sobre? — Concordo com a cabeça, colocando
uma das mãos na minha nuca e maltratando o meu lábio inferior com os
dentes. Estou muito nervosa, é nítido. — Pode me falar o que quiser, meu
amor. Estou aqui por você.
Respiro fundo, tomando toda a coragem do mundo para fazer uma
das perguntas mais difíceis que já fiz a ela.
— O que você acha de termos mais um filho?
Capítulo 33 – Uma lembrança
Faz alguns minutos que ela está apenas me encarando, ainda
processando a pergunta que eu havia feito. Desta vez, não tenho certeza se
esse silêncio quer dizer algo bom ou ruim. Luna não transparece muita coisa
em seu olhar, no momento, deixando-me totalmente no escuro. Quando
finalmente parece compreender, suspira longamente, e quase ouço o
barulho dela engolindo saliva.
— Então, é esse o motivo que tem deixado você tão inquieta.
— Sim — mesmo que a fala dela tenha sido uma afirmação e não
uma pergunta, eu a respondo, garantindo-lhe que estou sendo sincera ao
contar sobre o que está acontecendo. Luna acena com a cabeça,
demonstrando compreensão.
— Há quanto tempo você pensa nisso?
— Muito tempo. Eu nem sei dizer ao certo quando essa vontade
começou, mas, nas últimas semanas, tudo se intensificou.
— Por que não falou antes? — Sua pergunta me cala, não sei o que
responder sem parecer algo que não é. Tenho certeza de que ela tirará
conclusões precipitadas. — Foi por causa de mim, certo?
— Foi, mas antes que pense errado, não é por pena nem nada disso.
Eu não duvido da sua capacidade, mas quis respeitar o seu tempo. Sei o
quanto está sofrendo pela perda que tivemos, não quero pressioná-la.
Lembro-me de quantas vezes disse que a Camille do passado a pressionava,
eu nunca mais quero ser aquela pessoa.
As minhas palavras parecem pegá-la de surpresa. Eu acho que
entendo as suas reações, as inseguranças e tudo mais. Posso mudar e
mostrar as mudanças todos os dias, mas tenho consciência de que as
lembranças do nosso passado ainda estão vívidas em sua memória.
— Eu entendo o que fez e agradeço por respeitar o meu espaço.
Você queria conversar comigo?
— Muito. Meu amor, eu nunca serei capaz de esconder alguma coisa
de você, mas ainda não estava certa de que era o momento.
— Entendo.
— Você acha que devemos conversar sobre isso agora?
— Por que a pergunta?
— Preciso ter noção se essa conversa não vai machucá-la. —
Rapidamente, me aproximo dela, tomando as suas mãos nas minhas e
olhando diretamente em seus olhos. Quero que ela entenda quão sincera
estou sendo. — Não force nada apenas para me agradar, por favor. Lembra
quando eu pedi que pensasse em você também? Peço-lhe que faça isso
agora.
Ela demora um pouco a demonstrar reação, mas logo um enorme
sorriso se abre em seu rosto. Isso me relaxa bastante. Sinto que vamos nos
entender sem que ninguém saia magoada dessa conversa, porque, de certa
forma, eu posso acabar me machucando, apenas por machucá-la também.
— Acho que estamos prontas para ter essa conversa, sim. Pelo
menos eu me sinto pronta, de verdade. Não estou falando da boca para
fora.
— Fico feliz em saber disso, não sabe como estava me matando não
compartilhar com você o que tenho sentido. É estranho, me senti traindo
você.
— Eu me senti da mesma forma quando não conseguia conversar
com você sobre os meus problemas. Que bom que eu consegui me abrir,
hoje me sinto melhor e sou grata pela sua força. Você me ajudou muito.
— Penso que em todo relacionamento é importante ter honestidade.
Estou aprendendo muita coisa com você, e essa é uma delas. O fato de eu
querer aumentar a nossa família não é uma necessidade, sou feliz com o
que temos, e estou disposta a ter o que você quiser.
— Eu entendo. Você, melhor do que ninguém, sabe o tamanho da
minha vontade de aumentar a nossa família, mas...
— Luna, não repita aquelas coisas, por favor! Eu fico quebrada
quando você fala sobre si mesma como se não fosse capaz de nada. Sabe
de uma coisa? Eu tenho pensado bastante nisso, e acho que antes não era
para ser. Pense em como as coisas seriam: nós duas em conflitos, com uma
criança pequena? Consegue enxergar o tamanho do problema que
teríamos?
— Você acha?
— Eu tenho certeza. Vemos isso acontecer a todo tempo, pessoas
criando vínculos como esse, na tentativa de consertar um relacionamento
em decadência. Olhe como nós estamos crescendo juntas, tendo a
oportunidade de planejarmos o nosso futuro. Temos os nossos problemas,
sim, mas estamos conseguindo resolver, com cautela e respeito.
— Faz sentido — ela responde, demonstrando estar pensativa sobre o
que estamos conversando. Estou feliz, porque sempre nos entendemos sem
brigas desnecessárias. E até mesmo quando discutimos, às vezes, paramos
e mudamos o rumo, para não virar algo pior. — Eu acho que você tem
razão, não seria bom trazer uma nova criança para o meio de tantos
conflitos.
— Exatamente.
— E você acha que agora é o momento certo? Eu não quero ter
filhos, Camille. — Sua fala me choca tanto, que fico momentaneamente sem
reação. Os olhos dela refletem aquela mesma dor: sempre que tocamos
nesse assunto, ela me olha desse jeito. Isso me sufoca, queria poder
arrancar tudo de ruim de dentro dela. Estou disposta a ajudá-la da melhor
forma possível.
— Você não quer?
— No momento, amor. Desculpe-me, acho que me expressei errado.
Eu quis dizer que ainda não me sinto pronta para tentar de novo.
— Eu sei, meu amor, eu sei. — Solto as suas mãos para segurar o
seu rosto. Ela parece tão frágil, olhando-me como se pudesse desmoronar a
qualquer momento. — Não quero que pense que estou dizendo isso para te
convencer a engravidar de novo. Tudo vai ser no seu tempo.
— Camies, você acha que algum dia eu vou conseguir? — sua voz sai
em um tom tão sofrido e inseguro, que me faz sentir uma vontade absurda
de envolvê-la em meus braços e protegê-la de tudo que esse mundo possa
usar para feri-la. A Luna merece o melhor, e eu espero, de verdade, que o
destino seja bondoso com nós duas quando ela resolver tentar outra vez.
— Eu tenho total certeza disso, meu amor. Nunca duvide da sua
capacidade para nada.
Ela concorda com a cabeça, fazendo um bico tão adorável, que não
resisto e a beijo. Luna suspira, separando os lábios para encaixá-los nos
meus. O nosso beijo é gostoso, cheio de amor. Eu acho incrível como eu
consigo sentir tudo o que ela me transmite apenas com esse gesto.
Beijar alguém que você ama de verdade deve ser uma das maiores
maravilhas do mundo. Sentir em um toque de lábios que toda a sua vida
está em constante mudança, por causa daquela pessoa, é a mesma
sensação de flutuar no céu: você não tem certeza se a queda será boa, mas
não tem medo dela.
Desde o primeiro momento em que a beijei, eu tinha certeza de que
nunca mais seria a mesma. Nunca mais serei capaz de ser somente minha,
pois uma parte de mim sempre será dela, não importa o que aconteça.
— Você quer engravidar? — ela pergunta, de repente, quando
paramos de nos beijar. Esse é o momento que fico nervosa. Nosso filho é
fruto de uma gestação minha bem-sucedida, e sei o quanto isso gerou
conflito entre nós duas no passado e não quero que aconteça outra vez.
— Amor...
— Não sinta medo de mostrar a sua vontade. Eu estou vendo no seu
olhar, a conheço o suficiente para desvendá-lo. Você quer, não quer?
— Muito. Eu não sei explicar, mas aqui dentro... Só consigo pensar
nisso. Quero reviver todas as sensações de que me esqueci, como a de
gerar uma vida, de receber o seu carinho. Quero tudo, até mesmo as
sensações ruins.
— Eu sempre vou apoiar você em tudo, principalmente nisso.
Entendo o seu desejo, a sua dor por não conseguir se lembrar de como foi
com o carinha, e espero que saiba que não falo para te agradar. Vai ser
incrível ver você grávida outra vez.
Não sou capaz de segurar as lágrimas de emoção ao ouvi-la. Sentir
toda a sinceridade dela, ao me apoiar, é a melhor coisa que poderia
acontecer. Eu sei que pode nem dar certo comigo também, mas ela estará
ao meu lado, e nada mais importa.
— Não estou dizendo que vou tentar engravidar agora. Eu só quero
que saiba da minha vontade, e no momento certo as coisas vão acontecer.
— Eu estou do seu lado, vou permanecer aqui em todos os
momentos.
Quando termina de falar, ela se estica até poder me beijar. Envolvo os
meus braços por trás de seu pescoço, arrastando-me para perto dela,
sentindo-a me envolver pela cintura. Nosso beijo, como sempre, é repleto
de amor, lento e delicioso ao mesmo tempo. Luna se deita lentamente e fica
por cima de mim.
Eu sei que ainda precisamos conversar muito sobre o assunto, mas,
no momento, a única coisa que quero é me entregar a ela mais uma vez e
fazer amor até desmaiarmos de exaustão.

Seguro a câmera contra o meu rosto, cantarolando uma das músicas


que toca no rádio. Faço diversas caretas, divertindo-me, porque o dia tem
tudo para ser maravilhoso. Os meus cabelos ainda estão molhados, então os
balanço, na intenção de poder secá-los, e olho para o lado, para observar a
minha namorada atenta à estrada.
— Luna e eu fomos à praia, porque hoje é o nosso primeiro
aniversário de um ano de namoro — confidencio para a câmera. Estou me
acostumando com essa ideia de gravarmos os nossos momentos. Luna
adora, e eu estou começando a gostar. — Amor, aonde estamos indo agora?
Pare de rir de mim!
Ela gargalha da minha animação, fazendo-me dar um tapa em seu
ombro.
— É uma surpresa, princesa.
Reviro os olhos e olho para a câmera.
— Eu odeio surpresas, mas estou tão animada! — exclamo e começo
a dançar no ritmo da música. Ouço a risada da minha namorada ao meu
lado, mas não paro de me mover. Eu gosto de diverti-la com as minhas
idiotices, e estou realmente animada e feliz. Hoje é um dia especial, tudo
pode acontecer.
O vídeo acaba, e aparece uma mensagem desejando muitos anos
para nós duas, com a assinatura dela. Ah, se aquelas duas jovens
imaginassem tudo que aconteceria com elas anos depois. Luna está ao meu
lado, agarrada à lateral do meu corpo, e estamos em nosso quarto,
assistindo a alguns vídeos da nossa época de namoro.
— Será que você está pensando o mesmo que eu? — pergunto-lhe,
atraindo a sua atenção para mim. Luna inclina a cabeça um pouco de lado e
sorri.
— Depende, você está pensando o quê?
— Que aquelas duas garotas ali nem imaginavam tudo que
aconteceria na vida delas.
O sorriso no seu rosto fica ainda maior, fazendo-me sorrir por reflexo.
— Verdade, mas ainda bem que as coisas deram certo como
deveriam. Hoje, sou casada com a mulher mais linda do mundo.
— Ah, isso é verdade. Sorte a sua.
— Quem está sendo arrogante agora? — Luna cutuca minha barriga,
fazendo cócegas, e eu me encolho no automático, tentando escapar do
contato. — Mas tem razão, sou muito sortuda. — Seguro seu queixo e me
curvo para beijar a sua boca rapidamente.
— Nós somos — sussurro, antes de beijá-la mais uma vez e me
afastar. — Qual foi a surpresa que você me fez?
— Nós fomos para o nosso lugar, é claro. Eu tinha preparado tudo
para termos um jantar romântico perfeito e mostrar-lhe aquele mural de
fotos.
— Você o montou como uma parte da surpresa?
— Sim.
— Nós já dormíamos juntas naquela época?
— Você quer dizer dormir de apenas se deitar e dormir ou...?
— Os dois.
— Bom, nossa primeira vez aconteceu no dia que comemoramos um
ano de namoro, mas já tínhamos dormido juntas outras vezes.
Eu tento resgatar aquele momento em minhas memórias, mas estou
frustrada por só visualizar um grande nada. É angustiante a sensação de
saber das coisas e não ter lembranças desses momentos. Queria muito ser
capaz de poder voltar àquele dia e viver tudo de novo.
— Nós duas tivemos a nossa primeira vez?
— Claro! Apesar de ter sido doloroso, foi bom.
— Eu te machuquei?
— Machucar não é a palavra certa. Você sabe que a primeira vez
costuma doer, é totalmente normal, da mesma forma que alguém pode
sentir apenas um desconforto. Eu, por exemplo, senti bastante dor, mas não
quer dizer que tenha sido ruim. — Provavelmente estou fazendo uma careta
nada agradável, porque ela rapidamente se senta na cama e segura as
minhas mãos. — Não faça essa carinha. Foi incrível da forma que foi. Sentir
você me tornar a sua mulher é uma das melhores lembranças que eu tenho.
— Queria me lembrar também.
O olhar dela rapidamente ganha um brilho de dor, e sem dizer nada,
me puxa para os seus braços. Não estou com vontade de chorar, mas sinto
como se o meu coração estivesse prestes a ser rachado. É ruim demais não
me lembrar do meu passado, parece que todas as tentativas são inúteis.
Tanto tempo se passou, e o que tenho são sensações de déjà-vu.
— Se eu pudesse, trocaria de lugar com você. — Não respondo nada,
apenas me mantendo quieta nos braços dela, recebendo os seus carinhos.
— Você sabe que eu seria capaz de tudo para não te ver sofrer assim.
— Eu sei, meu amor. — Pego as suas mãos e beijo as pontinhas dos
dedos. Luna beija o topo da minha cabeça e me mantém ali, mimando-me e
cuidando de mim, como sempre faz. Eu tenho certeza de que as coisas não
estariam sendo da mesma forma, se fosse outra pessoa no lugar dela. Não
consigo imaginar quem nesse mundo seria capaz de me amar e me cuidar
como ela.
— Quer saber uma coisa engraçada que aconteceu na nossa primeira
vez?
— O quê?
— Você nos derrubou da cama — ela diz em meio ao riso, fazendo-
me virar o rosto e encará-la, sem acreditar. — É sério.
— Como assim?
— Você estava tão ansiosa para fazer as coisas certas, que acabou
girando nós duas com muita força, e caímos no chão.
Não sou capaz de segurar a gargalhada. Estou imaginando a cena e
consigo visualizar quase que perfeitamente esse momento.
— Isso é tão a minha cara.
— Realmente, mas foi bom, porque quebrou um pouco da tensão que
estávamos sentindo.
— Luna, você consegue imaginar como a nossa vida estaria, se nada
tivesse acontecido comigo? — Minha pergunta parece despertar a sua
curiosidade instantaneamente, fazendo-a olhar para um ponto fixo qualquer.
Eu deduzo que a sua cabeça esteja criando possibilidades desse possível
cenário. Sou incapaz de fazer isso, porque não tenho noção de como
estavam as coisas antes de tudo acontecer, mas eu acho que ela consegue
ter pelo menos alguma ideia.
— Posso ser bem sincera com você? Acho que provavelmente
estaríamos, agora, passando pelo processo de divórcio. Não conseguíamos
mais conversar. Tem noção de que, se eu tentar me lembrar, nem sou capaz
de dizer qual foi a última vez que tivemos uma conversa parecida com essa?
— Meu coração fica apertado por imaginar como as coisas estavam
antes de tudo isso acontecer. Gostaria apenas de saber o que se passava na
minha cabeça naquela época, porque hoje eu olho para você e morro de
medo de que você não me queira mais.
— Isso não vai acontecer.
— Eu sei disso, mas sei porque as coisas estão se acertando. Você
também é um ser humano, não é idiota, muito menos aceita qualquer coisa.
Eu a conheço o suficiente para ter consciência disso, e me preocupa muito
que a gente acabe voltando àquele ponto.
— Tudo começou a ficar bem ruim quando paramos de conversar
sobre o que nos incomodava. Tudo muda com o tempo. Provavelmente
algumas coisas a desagradavam, mas você nunca conversava comigo. Eu
sentia, sabe? Sentia que tinha algo errado, mas todas as vezes as nossas
tentativas de conversas acabavam da mesma forma.
— Em briga desnecessária.
— Exatamente.
Suspiro longamente, e a minha cabeça está até doendo. Não sei dizer
ao certo se pela falta de lembranças ou se pelo sentimento de que elas
estão tentando me mostrar alguma coisa, porque fico forçando para me
lembrar de tudo. Eu acho que não existe o que fazer, além de esperar que
as coisas se resolvam da forma que devem. Isso obviamente não inclui o
meu relacionamento com a Luna, porque podemos e devemos cuidar da
nossa relação e nunca deixar que tudo piore como antes.
— Podemos sempre conversar sobre os problemas, e mesmo que
cause uma briga, vamos tentar resolver de forma adulta e sincera.
— Nós faremos. — Ela sorri para mim, e eu acaricio o seu rosto com
o meu dedo polegar da mão direita. Sua pele é tão lisa, macia e quentinha,
como ela. Já disse que a amo tocar? — Às vezes, eu penso se isso tinha
realmente que acontecer para tudo melhorar.
— Eu acredito que sim, amor. O nosso destino é vivermos juntas, e
não acho que seja capaz de nos separar.
— Alguma coisa sempre me traz de volta a você.
Sorrio e sinto o meu coração se encher de amor e carinho por essa
mulher. Não evito me aproximar para beijá-la lentamente, sentindo os
nossos lábios se unirem, como um passo de dança perfeito.
— Eu espero que essa coisa continue trazendo-a para mim sempre.
— Voltamos a nos beijar durante mais um tempo. Um som do lado de fora
atrai a minha atenção, e percebo que a chuva está caindo do lado de fora.
— Quer fazer uma loucura?
— Faço qualquer coisa com você, minha princesa.
— Vamos dançar na chuva?
Luna franze o cenho e olha pela janela, só então notando que está
chovendo. Ela abre um enorme sorriso, voltando a me encarar, e os seus
olhos brilham, como se fosse uma criança na manhã de Natal.
— Eu sempre serei a sua parceira de dança — ela diz, enquanto se
põe de pé. Estou com um sentimento jovial, como se tivesse realmente
voltado ao passado. Coisas assim não são feitas por adultos. — Vamos. —
Ela estende a mão para mim, e eu a acompanho. Não existe nenhuma outra
pessoa nesse mundo que eu deseje como parceira de dança. Luna é o meu
par, e eu sei que sempre será ela.
Quando chegamos ao quintal, ela rapidamente se encaminha para o
meio do jardim, abre os braços e olha para cima, enquanto sente a chuva
molhar o seu corpo. A minha visão fica um pouco turva. De repente,
acontece uma coisa estranha, que não tinha acontecido até então: tenho
uma lembrança do passado, de quando éramos jovens e fizemos algo
parecido. Luna me olha como na lembrança, esperando-me para dançar.

Sinto a chuva grossa cair sobre mim, molhando-me por completo,


mas não tento fugir dela. Luna me puxa para perto da lagoa. Ela
simplesmente decidiu que seria uma boa ideia dançarmos na chuva ou algo
assim.
— Eu sempre acabo cedendo às suas loucuras.
— Porque você me ama — ela responde, toda cheia de si, fazendo-
me revirar os olhos e rir. Esse jeito arrogante dela faz eu me apaixonar
ainda mais. Sempre. — Acho que a chuva é uma coisa nossa, sabia?
— Com certeza, você ama me arrastar para a chuva com você. Eu só
espero que a gente não pegue uma gripe.
— Se tem alguém que vai pegar alguma coisa aqui sou eu, pegando
você.
— Luna!
Não evito lhe dar um tapa no ombro, tentando me afastar. A minha
namorada idiota acha graça e me mantém presa em suas mãos, impedindo-
me de me afastar. Ela adora fazer esses comentários safados em todos os
momentos, e sempre fico sem jeito com eles.
Mas eu gosto.
— Você sabe que amo você, certo?
Estamos uma de frente para a outra, e os meus braços, como de
costume, ficam agarrados em seu pescoço, enquanto as mãos dela seguram
a minha cintura. Eu simplesmente amo ficar assim com ela, sinto-me
protegida. Um enorme sorriso surge em meus lábios. Estou acostumada a
ouvi-la dizer que me ama, mas sempre me causa diversas sensações.
— Eu sei muito bem disso.
Luna parece muito emocional, tem estado assim durante toda a
semana. Parece mesmo que ela adivinhou que vou pedi-la em casamento.
Sim, eu tenho esperado o momento certo para isso, desde quando tomei
coragem de comprar a aliança de noivado. Fiquei meses juntando dinheiro e
finalmente consegui comprar a aliança perfeita. Eu acho que hoje é o dia
perfeito.
— Cada momento com você parece renovar a minha vida.
— Você está tão poética hoje. Inspirou-se?
— Você me inspira todos os dias, meu amor. — Ela se inclina para a
frente e sela os nossos lábios. Suspiro, quase derretendo em seus braços. O
efeito do beijo dela em mim é sempre impactante. — Eu estou nervosa.
— Por quê?
— Você me deixa nervosa.
— Pensei que tivéssemos passado dessa fase há muito tempo —
brinco com ela, notando que o sorriso que Luna abre não é exatamente
comum, é estranho, parece estar escondendo algo. Os seus olhos parecem
aflitos. — O que está acontecendo?
— Eu... eu estou pensando em como dizer isso.
— Amor...
Estou ficando nervosa, assim como ela está. A chuva não cessa, e os
fios de cabelo começam a escorrer por minha face, fazendo com que eu
precise retirá-los da frente dos meus olhos várias vezes. Luna aproveita a
brecha de afastamento que temos e respira fundo, começando a se agachar
no chão. Fico automaticamente preocupada que ela possa estar passando
mal, mas os meus olhos quase saltam para fora quando noto o real motivo
de estar fazendo aquilo.
Eu não acredito que ela vai...
— Faz tanto tempo que quero fazer isso e não conseguia encontrar
coragem.
— Você...
Sim, ela realmente vai fazer o que estou pensando.
Em choque, levo as minhas mãos até a boca, desacreditada no que
está acontecendo. Meu coração está acelerado no peito. Luna,
aparentemente ainda mais nervosa, retira do bolso a pequena caixinha de
cor preta.
— Eu ensaiei tanto esse momento, mas agora, aqui, de joelhos para
você, prestes a pedir-lhe uma coisa que mudará as nossas vidas para
sempre, percebo que não adiantaram os ensaios.
Os meus olhos estão cheios de lágrimas, e são lágrimas de emoção,
carinho e todos os sentimentos bons que tenho em relação a ela. A Luna é
o amor da minha vida e agora estou vendo a mulher dos meus sonhos
prestes a me pedir em casamento. Como posso reagir de forma diferente,
se não me emocionando?
— Amor...
— Sim, você sabe o tamanho do meu amor por você. Todas as coisas
que passamos, durante todo esse tempo que estamos juntas, nada é capaz
de mudar a admiração que tenho por você ser quem é e por quem está se
tornando. É maravilhoso acompanhar o seu crescimento como mulher e
como a minha mulher. Eu adoro ser cuidada por você, adoro compartilhar
momentos importantes e criar memórias. Quero ser pra você uma pessoa
cada vez melhor. — Ela pausa e respira fundo, antes de continuar: — Eu
posso falar diversas coisas, mas você sabe de tudo. Estou disposta a dividir
a minha vida com você ainda mais, correta e seriamente, com esse
compromisso que é para a vida toda. Eu só preciso que você me responda:
aceita se casar comigo?
— Sim! — a minha resposta é imediata, e eu me jogo em cima dela,
enchendo-a de beijos, enquanto repito diversas vezes a confirmação que ela
queria ouvir, e eu queria tanto dar. — Sim! Sim! Sim! Mil vezes sim.
Luna me agarra com força, gargalhando, em meio ao choro de
emoção. Nós duas estamos rindo e chorando ao mesmo tempo, trocando
beijos e carinhos, declarações silenciosas e promessas mudas de que vamos
oficializar a nossa união para sempre. Não existe momento mais mágico na
minha vida do que esse.
— Você é a mulher da minha vida — ela sussurra, afastando-se um
pouco de mim, retira a aliança da caixinha e, com as mãos trêmulas, segura
a minha para colocá-la. — Eu sei que as alianças de noivado geralmente são
cravadas com diamante ou algo assim, mas essa é especial para mim e para
toda a minha família. Eu espero que-
— Shhh! Não preciso de joias caras, pode ser de plástico, meu amor.
Minha única vontade é ser a sua mulher de uma vez por todas, no papel e
na vida. Nós duas unindo as nossas vidas, os nossos sobrenomes. Ela é
linda.
Luna abre um enorme sorriso, satisfeita, ao me ouvir. Ela segura a
minha mão esquerda e coloca a bela aliança, que tem uma pérola muito
bonita. Quando a termina de colocar, beija a aliança, fechando os olhos, e
isso enche o meu coração de amor.
— Obrigada por me aceitar.
— Nunca negaria você, meu amor.
Eu seguro o seu rosto e a puxo para um beijo. Luna não perde
tempo, intensificando o nosso contato. Suas mãos, como sempre, estão em
minha cintura; as minhas, no pescoço dela. Perdemos a noção do tempo,
envolvidas nesse momento, com a chuva caindo sobre nós. Nem nos
importamos de estarmos molhadas e sujas, tudo o que realmente importa é
a felicidade que acabamos de compartilhar.
Vou me casar com o amor da minha vida. Não existe nada que possa
superar isso agora.
— Venha, vamos dançar um pouco, ainda está chovendo — ela diz,
quando finalmente nos afastamos, fica de pé e estende a mão para mim. Eu
aceito de bom grado e, quando me ergo em frente a ela, lembro-me de algo
que está em meu bolso e rio. Luna me olha, sem entender.
— Sabe de uma coisa engraçada?
— O quê? — Levo a minha mão até o bolso do macacão que estou
usando e tiro a caixinha que contém uma aliança. — Camille, isso é...?
— Sim, é uma aliança. Eu planejei pedi-la em casamento também.
Luna abre a boca, sem acreditar, e então, explodimos em
gargalhadas. Seria cômico uma coisa dessas, se não fôssemos nós duas.
— Você é realmente o amor da minha vida.
Existe alguma dúvida em relação a isso?

O meu coração está acelerado, acabo de me lembrar de uma coisa


sobre nós duas. Estou cheia de esperanças.
Será que vou conseguir me lembrar de tudo?
Capítulo 34 - Pronta
Tudo parece fora do lugar.
É o meu primeiro pensamento, ao acordar e perceber que não estou
no quarto que divido com a Luna. O pavor começa a crescer dentro de mim
quando me dou conta de que conheço esse lugar. Olho em volta, fico ainda
mais apavorada, ao saber o que está acontecendo, e corro para o banheiro
apenas para confirmar.
— Não pode ser. — Toco o meu rosto com as mãos, não querendo
acreditar na imagem que está refletida à minha frente. Estou jovem outra
vez, de volta ao passado. Está noite ainda, não posso acreditar. — Não, por
favor. Não! Não! — eu repito sem parar e saio do banheiro com as mãos nos
meus cabelos. Meu coração está prestes a rasgar o meu peito, a respiração
está ficando pesada, porque estou sentindo o meu ar faltar. Não é possível
que os últimos meses tenham sido apenas uma fantasia da minha cabeça.
— Você viu que a Luna saiu da UTI?
Minha irmã entra, de repente, em meu quarto, afobada e, ao mesmo
tempo, com um enorme sorriso no rosto. Fico confusa, assimilando o que
ela havia acabado de me dizer.
— Ela o quê? — minha voz quase não sai, parece que tem espinhos
na minha garganta.
— Ela vai ficar bem. Eu disse que tudo daria certo na cirurgia.
— Como assim? De que está falando? O que aconteceu com ela?
Belinda me olha, sem entender, segurando em meus ombros para
analisar o meu rosto. Sinto vontade de chorar. Não sei o que aconteceu
antes nem agora, estou apavorada. Quero que tudo volte ao normal.
— Luna sofreu um acidente de moto na semana passada. Você está
bem? Parece prestes a desmaiar. Camille! — Ouço a voz da minha irmã ficar
distante e não percebo exatamente em qual momento as minhas vistas
ficaram escuras, mas tudo o que ouço, antes de cair para a frente, é o
chamado dela.
Buscando desesperadamente o meu fôlego, eu me ergo na cama,
ofegante e sentindo o meu corpo quente, como se eu tivesse acabado de
entrar em uma fogueira. Olho à minha volta, percebendo que tudo está
escuro. Acendo a luz do meu abajur e quase choro de alívio ao olhar para o
lado e visualizar a imagem da minha esposa adormecida, totalmente alheia
ao meu pavor.
Foi apenas um pesadelo, ainda bem.
Engulo saliva, volto a deitar e fico bem perto dela. Luna está, como
de costume, com as mãos debaixo de seu travesseiro e a boca levemente
separada, sendo possível ouvir a sua respiração sair baixinha e calma. Tão
linda e tão minha.
Que sensação ruim por imaginar que tinha acontecido algo com ela e
que estávamos de volta ao passado.
Olhando para ela agora, depois de ter sentido tanto medo de não a
ter comigo, sinto a intensidade do sentimento que nutro por ela. Sempre
imaginei que amar fosse difícil demais, mas acontece que ela faz parecer
tão fácil. Não demorei muito a me apaixonar e a amar outra vez.
Se eu precisasse fazer tudo de novo por mil vezes, nas mil vezes eu a
amaria de novo. É inevitável. Lembro-me de ouvir o meu pai dizer diversas
vezes que “Se a pessoa estiver destinada a você, independentemente de
tudo, vocês vão se reencontrar, mesmo que para isso seja necessário se
reconhecerem mil vezes.” Eu tenho certeza de que, nesta e nas próximas
vidas, ela e eu continuaremos nos encontrando. Tem essa coisa que nos
mantém unidas e parece forte demais para tentar correr. É fácil demais
amá-la, é gratificante ser dela e é uma honra dividir a nossa vida.
Luna realmente me conhece: a Camille do passado, a do presente, a
do futuro e todas as loucuras e medos que estão na minha cabeça. Ela
realmente me conhece e me ama como eu sou, com imperfeições e
perfeições. Mesmo no passado, quando não esperava que fosse capaz de
amar tanto alguém e me entregar totalmente à pessoa, eu sempre esperei
por algo assim. Hoje, sou grata por tê-la comigo, me amando e cuidando de
mim.
— Hunf... por que está me encarando assim? Deixe de ser estranha.
— Ouço o seu resmungo repentino, a voz rouca e sonolenta. Luna respira
fundo e vira a cabeça para o outro lado, tentando me ignorar e fugir do meu
olhar. Eu abro um sorriso, jogando a minha perna sobre ela e grudando em
seu corpo. Minha esposa reclama, mas não consigo entender o que diz. Esse
jeito rabugento é porque acordou fora de hora.
— Eu amo você — sussurro e não tenho ideia se ela ouviu, porque
parece ter dormido outra vez. Não importa, sei que o meu amor é sentido
por ela todos os dias, e cada vez mais.
O beijo da Luna não foi o meu primeiro, mas foi o único que
realmente importou, da mesma forma que não foi a primeira pessoa de
quem gostei, mas sempre vai ser a única que eu amei e continuarei
amando. Mesmo que eu pudesse voltar ao passado, não mudaria nada na
nossa história, porque tudo isso nos trouxe até aqui. E tenho muito orgulho
de quem fomos e de quem somos hoje.
No dia seguinte, quem me acorda é ela, sentada sobre mim,
massageando os meus ombros. Solto um gemido prazeroso, amando ter as
mãos dela aliviando os meus músculos. Luna sabe fazer massagem como
ninguém nesse mundo.
— Bom dia, amor da minha vida. Eu amo você, sabia? — Sem parar
de apertar os meus ombros lentamente, inclina-se sobre mim para sussurrar
em meu ouvido. Um arrepio sobe pelo meu corpo, fazendo-me fechar os
olhos com força. — Gostosa.
— Acordou inspirada hoje? — minha voz está grogue e rouca. Ainda
estou sonolenta, e as mãos dela tocando no meu corpo funcionam como
faísca, acendendo a chama dentro de mim. Como ela consegue me deixar
tão mexida com tão pouco?
— Você me inspira sempre. — Sua frase tem reação instantânea no
meu corpo. Lembro-me perfeitamente da lembrança que tive com ela, do
pedido de casamento. Luna ficou tão feliz ao me ouvir falar, toda animada
por ter lembrado isso.
Estamos tão perdidas neste momento, que nem percebemos que
alguém está batendo à porta e chamando-nos. Luna resmunga alguma
coisa, fazendo-me apenas murmurar uma concordância em resposta. Eu
nem sei o que pode ser, mas tenho a minha resposta quando sinto os
movimentos na cama e olho para o lado, deparando-me com o meu
pequeno filho, agitado, saltando sobre o colchão.
— Hoje é dia de panquecas com chocolate. Mommy, a senhora
prometeu.
Impossível não sorrir com a animação desse menino. Eu o amo, faço
quase tudo o que ele quer. Sim, quase tudo, porque não se pode oferecer
tudo a uma criança, eles são seres perigosos e muito criativos. Acreditam
que o Louis pediu uma visita à Nasa como presente de aniversário? Eu nem
imagino o preço que deve ser para conseguir uma coisa dessas.
— Isso é verdade, meu amor. Também estou ansiosa para isso.
Olho de Luna para nosso filho, encontrando o mesmo olhar naqueles
belos olhos verdes que os dois têm. Eu acho incrível como eles se parecem
tanto, nem parece que eu o gerei. Se não fosse a boca idêntica à minha e
os seus cabelos castanhos, eu juraria que ela fez esse filho em mim. Da
mesma forma que são extremamente parecidos na aparência, os dois
também sabem agir igualmente para me convencer a tudo.
Como eu seria capaz de resistir?
— Vou tomar banho e descer para preparar o nosso café da manhã.
Será que vocês dois podem pegar todas as coisas necessárias, enquanto eu
me apronto?
— Claro! — Louis é o primeiro a concordar, saindo da cama e
correndo para fora do quarto. Meu coração acelera um pouco de
preocupação, ao vê-lo saltar da cama.
— Já te falei para não fazer essas coisas, carinha — Luna o
repreende, mas nem sei se ele ouve, pois é impossível não ouvir os passos
dele correndo pela escada — outra coisa que me deixa apavorada de medo.
— Parece que esse garoto não ouve o que se fala com ele.
— Depois, conversarei com ele, também não gosto de vê-lo correr
risco de se machucar. — Levanto-me da cama, buscando os meus chinelos
com os pés para ficar de pé. Prendo os cabelos e puxo a minha blusa para
cima, na intenção de me despir. — Eu acho melhor você vigiá-lo na cozinha,
antes que quebre alguma coisa.
— Não prefere que eu tome banho com você? — Ouço os passos dela
se aproximando de mim quando já estou no banheiro. Um sorriso surge em
meu rosto quando abaixo o meu short junto da calcinha, olho para trás, por
cima do ombro, e encontro o seu olhar fixo em mim. Eu já disse que a amo
provocar?
— Eu prefiro que você faça o que eu pedi, antes que nosso filho se
machuque.
— Pediu?
— Sim. — Entro no box, abro o chuveiro, ajusto a temperatura da
água e olho para ela, que continua parada no mesmo lugar, analisando o
meu corpo. — Ou você prefere que eu mande?
Ela abre um sorriso e ameaça se aproximar, mas a encaro
seriamente, para demonstrar que não estou brincando. Minha esposa ergue
as mãos, em sinal de rendição, e faz menção de sair do banheiro.
— Vou te esperar lá embaixo — é o que ela fala, antes de finalmente
me obedecer, e sorrio, satisfeita, entrando aos poucos na água, para tomar
banho.
Um bom tempo depois, eu estou pronta, com a roupa que vou para o
trabalho e preparada para fazer o café da manhã, mas a minha visão, ao
invés de trazer animação, traz estresse.
— Eu posso saber que bagunça é essa? — questiono ao observar a
minha querida e amada esposa despejando uma boa quantidade de calda
de chocolate na boca aberta de nosso filho. Ela me olha, assustada, e ele,
em seguida, com o rosto todo sujo de chocolate. Não acredito que a Luna
fez isso.
— Estamos testando a minha pontaria — ela rapidamente se justifica,
virando-se para colocar o pote de calda sobre a pia. Eu viro a cabeça um
pouco de lado, fuzilando-a com o olhar. — Amor...
— Quieta. Testando sua pontaria? A sua pontaria é péssima! Veja o
que você fez no rosto do Louis — eu falo e aponto para o pequeno, que tem
chocolate na testa e um pouco na roupa. — Sorte a sua que está cedo e ele
ainda não se arrumou para o colégio.
— Mommy...
— Você também fique quieto. Os dois estão errados. Louis, suba para
tomar outro banho e se arrumar. Aproveite e coloque o uniforme, porque
hoje é dia da foto, e você sabe. — Ele concorda com a cabeça, passando as
mãos em seus cabelos, para evitar que entrem em contato com o doce em
seu rosto. Quando o nosso filho sai da cozinha, a minha atenção se volta
para a idiota que chamo de esposa. — Bonito, não é? Perdeu a voz?
— Desculpe, amor, eu acabei me empolgando. — Ignoro as suas
desculpas, aproximando-me do balcão da ilha para começar a separar as
coisas e preparar as panquecas. Espero que ainda tenha calda de chocolate.
Eu deveria não fazer mais nada, para ensinar-lhes uma lição, mas não sou
tão má assim. Ou será que sou?
— Preparou o café?
— Sim.
— Levou o lixo para fora? Hoje é dia.
— Sim, e coloquei as roupas sujas na lavanderia.
— Hm...
— Estou perdoada? — Ela para bem atrás de mim, segurando a
minha cintura e beijando as minhas costas. Eu a ignoro, tentando me
concentrar no que estou fazendo. — Hein, meu amor?
— Luna, daqui a pouco o nosso filho volta. Comporte-se!
— Então, diga que estou perdoada.
A sua mão atrevida desliza em minha bunda, migrando para a frente
lentamente. Eu olho para a porta por reflexo, verificando se o nosso filho
não está vindo. Dou um tapa na mão, para que ela pare. Luna faz um som
de dor, mas não ligo.
— Você terá muito tempo para tentar buscar o seu perdão mais
tarde.
— Hm... Entenderei isso como um convite.
Jogo os meus cabelos para o lado e a olho por cima do outro ombro,
abrindo um sorriso cheio de maldade.
— Não é um convite, é uma ordem.

— Estou sendo trocado aos poucos — Diego fala de repente, para


que todos ouçam, causando risadas às pessoas que estão na sala. Eu rio de
seu drama também e prendo os meus cabelos, enquanto caminho até o
centro da sala.
— Você está em boa companhia, e eu estou em ótima companhia. —
Pisco para ele, colocando as minhas mãos sobre os ombros de minha
esposa. Luna decide me acompanhar e fica animada quando a convido para
ser a minha parceira de dança, até cancela os seus compromissos para ficar
ao meu dispor. Ser prioridade na vida de alguém é uma sensação gostosa,
não é?
Faço sinal para iniciarem a música, e não demora muito para as
batidas começarem. O meu olhar se encontra com o dela, e começamos a
nos mover devagar. Eu sinto as suas mãos firmes cravadas em minha
cintura, apertando a minha carne de maneira deliciosa, fazendo-me suspirar.
Diferente do meu habitual parceiro de dança, minha esposa não se importa
em não ser profissional, e eu adoro isso, porque a maneira que ela me toca
me deixa maluca. As suas mãos passeiam pelo meu corpo discretamente,
porém com intensidade. O jeito como toca nos lugares certos, de modo
sensual, só ajuda a atiçar os meus desejos internos. Dançar exige muita
sensualidade, e dançar acompanhada exige bastante da sua libido. Quando
ela me gira, sinto o ar quente tocar a minha nuca, arrepiando os pelos do
meu corpo. Ela me puxa contra o seu quadril, movendo-se de um lado para
o outro, no mesmo ritmo que o meu. Ela se afasta e me vira de frente, com
os olhos fixos nos meus.
Vejo o brilho de admiração e desejo em seu olhar. Isso me
enlouquece.
Como essa mulher consegue me afetar tanto?
Um passo para trás e outro para a frente, de lado, outra vez de
costas. Quando os nossos olhos voltam a se encontrar, sinto-me nua sob
aquele olhar intenso, e Luna sorri de lado. Ela sabe o que me causa.
Quando me puxa contra si outra vez, as pernas se enfiam automaticamente
entre as da outra, deixando-nos unidas. Quando rebolo contra a sua coxa,
sinto apertar a minha lombar com a mão que está espalmada ali. Sorrio,
porque sei provocá-la também.
Estamos em sincronia, como tudo em nossas vidas.
Afastamo-nos outra vez, com as mãos dadas, fazendo alguns passos.
A sua boca marcada pelo batom vermelho, de cor viva, chama a minha
atenção, e sinto uma enorme vontade de beijá-la.
Porra.
Eu tenho uma esposa quente como o inferno. Perigosa como um
demônio.
Quando a música está para acabar, ela me puxa para perto, e uma de
suas mãos segura a minha perna e a ergue, deixando-a na altura de seu
quadril. Seguro em sua nuca, olhando diretamente em seus olhos. Iria beijá-
la, mas o som de palmas e gritos faz eu me afastar rapidamente. Estou
ardendo, queimando por dentro. O meu maior desejo é deitá-la neste chão
e foder sem fim. Sim, foder, de maneira bruta e selvagem, deixá-la toda
marcada e ficar com as marcas dela também. Quero senti-la dentro de mim
por dias e fazer o mesmo com ela.
Não sei que magia é essa que ela tem sobre mim. Nunca pensei que
eu me tornaria esse tipo de pessoa extremamente sexual. Entre nós duas,
Belinda sempre foi a mais para a frente, sempre fez questão de contar toda
e qualquer experiência sexual que tinha com outra pessoa. Quando eu ainda
nem tinha dado o meu primeiro beijo, ela já era profissional em fazer um
cara ter orgasmo.
Eu era tão inocente.
— Muito bem, pessoal. Acho que vocês estão cada vez melhores —
eu os elogio e recebo aplausos em troca, além de muitos comentários
felizes. — Se quiserem, podemos repetir, mais lentamente dessa vez.
Internamente, torço para que a maioria responda sim, e felizmente
sou atendida. Quero me aproveitar um pouco mais dela, da melhor maneira
possível. É delicioso brincar de provocar uma pessoa em locais proibidos.
Venha, amor. Vamos refazer tudo — Luna murmura, de repente, ao
pé do meu ouvido, puxando-me contra ela e pressionando o seu púbis
contra a minha bunda. Isso me faz ofegar. Eu sabia que não era a única
com pensamentos pecaminosos. Olho-a por cima do ombro, recebendo um
sorriso sem-vergonha.
— Você está adorando me provocar, não é?
Luna me gira de frente para ela, segura o meu rosto e, com os
dedos, pressiona a minha nuca, enquanto os seus polegares apertam a
minha mandíbula. A sua boca encosta na minha, dando-me um longo
selinho.
— Eu amo te provocar, mas você sabe disso e adora. — Não posso
rebater o que ela diz, porque a nossa atenção é voltada aos alunos,
ansiosos para repetirem a dança que fizemos antes. Tento me concentrar e
ser o mais profissional possível, as provocações eu posso rebater depois.
Inclusive, espero que ela esteja preparada para as coisas que estou
planejando para nós duas.
Luna tem essa pegada maravilhosa, que me faz esquecer de tudo ao
meu redor, e eu simplesmente não consigo evitar de me entregar todas as
vezes, como agora, por exemplo, que ela me pressiona contra a parede,
com uma das mãos agarrada ao meu cabelo, puxando-o com firmeza,
enquanto a sua boca maltrata a minha da forma mais gostosa possível. Um
gemido escapa quando o beijo é cortado, então sinto a sua boca acariciar o
meu pescoço.
O ato de provocá-la o tempo todo parece tê-la enlouquecido, porque,
no momento em que entramos em meu escritório, ela simplesmente fecha a
porta e me empurra contra a parede mais próxima.
— Camille...
Merda.
Eu não resisto quando ela fala o meu nome dessa forma, soa como o
paraíso para mim. Tenho certeza de que, se formos recebidos por alguém,
ao entrarmos no céu, provavelmente será por essa voz maravilhosa. E como
se não bastasse essa pegada, com a voz rouca, ela desce as mãos para a
minha bunda e a aperta com vontade, puxando-me contra si. O meu corpo
virou algo parecido com gelatina, pois sinto que posso despencar no chão a
qualquer momento. Estou tão envolvida com os nossos beijos, que demoro
a me dar conta de um barulho estranho ressoando na sala.
Que merda é essa?
— Eu juro que vou quebrar esse telefone. Não estou brincando —
resmungo quando finalmente me dou conta de que é o telefone dela
tocando sem parar. Não sei por que deixar esse maldito som ativado. Nós
poderíamos muito bem não ter nos distraído, se não fosse por essa
interrupção forçada. Luna solta uma risadinha e se afasta de mim, indo em
direção à sua bolsa para pegar o empata foda, digo, o celular.
— Vanessa? — Minha frustração aumenta ainda mais quando ouço o
nome da minha melhor amiga. Eu não acredito que ela consegue me irritar,
mesmo quando não entra em contato comigo. Tinha que ser alguém como
ela para interromper um momento tão bom. — Meu Deus! Acabamos
perdendo a hora. Ele está com você? Ok, nós estamos indo.
— O que aconteceu, amor? — questiono, assim que a vejo desligar o
telefone e pegar não somente a sua bolsa sobre o pequeno sofá, mas
também a minha.
— Esquecemos o nosso filho, Camille. Minha nossa, não acredito que
perdemos a hora a esse ponto.
Os meus olhos quase saltam para fora ao ouvi-la. Eu realmente estou
chocada por nos esquecermos do nosso filho, que teve passeio do colégio
hoje, e teríamos que buscá-lo um pouco mais tarde. Só não precisava ser
tão tarde a ponto de alguém ter que ligar para nos lembrar.
— Isso é culpa sua.
— Culpa minha? Quando gemia e me puxava para outro beijo, não
parecia preocupada.
— Cala a boca, idiota.
Tento passar na frente dela, mas as suas mãos seguram firme a
minha cintura, prendendo-me no lugar e impedindo que eu possa me
afastar. Luna solta uma risadinha. Ela sabe o que me causa. Óbvio que
sabe.
— Eu não a culpo, sabe? Não tenho culpa de ser tão irresistível
assim, entendo que não possa se controlar.
O calor que sobe pelo meu corpo se instala todo em minhas
bochechas. Sim, eu fiquei mexida e sem graça, mas, ao mesmo tempo
excitada. Como ela pode mexer tanto assim comigo?
— Esse seu jeito arrogante me irrita, assim como me deixa com
tesão. Eu poderia te bater e sentar em você em seguida, só para manter
essa boca calada.
— É uma ameaça ou uma promessa para mais tarde?
Cansada de ficar rendida aos seus encantos, me afasto, sem nem me
dar ao trabalho de respondê-la. Ela não merece que eu fique tão à mercê
dela, pois se a Luna pensa que sempre conseguirá me desarmar, ela está
completamente enganada.
— Louis está na casa do seu irmão? — pergunto, assim que ela entra
em meu carro, sentando-se no banco do carona e colocando o cinto de
segurança. Hoje, quem toma o lugar habitual dela como motorista sou eu.
Estou feliz por sentir cada vez mais confiança em dirigir.
— Sim. Vanessa não para de me mandar mensagens, falando coisas
que é melhor eu nem repetir.
— Eu tenho ideia dessas mensagens. Ela consegue ser extremamente
inconveniente quando quer.
Luna liga o som, colocando uma de nossas músicas favoritas para
tocar baixo, enquanto seguimos rumo à casa do meu cunhado e de minha
melhor amiga, para buscarmos o nosso filho. Eu ainda estou sem acreditar
que esquecemos de buscá-lo.
O tesão literalmente enlouquece o ser humano, não é?
Não me importo tanto assim, eu sempre fui louca de certa forma.
Faz algum tempo que a minha esposa sumiu do quarto e não voltou
mais. Louis está dormindo, como o bom anjo que sempre foi, e amanhã
será outro dia de acordar cedo para estudar. Levanto-me da cama,
impaciente de ficar esperando. Eu quase acabo de ler o meu livro, e ela não
volta. Enrolo-me no robe vermelho de seda, que estava pendurado atrás da
porta, e vou em direção às escadas. Quase todas as luzes estão apagadas, o
que me deixa confusa. O que raios essa mulher está fazendo?
— Luna? — chamo e não obtenho resposta alguma. Olho em volta e,
quando chego ao corredor, noto que a porta de seu escritório está
entreaberta. Reviro os olhos e caminho até lá. — Quando você planeja
subir?
Luna rapidamente desperta de sua concentração, ao ouvir a minha
voz, erguendo a cabeça e olhando-me por cima dos óculos de grau que
repousam na ponta de seu nariz. Ela abre um sorriso, ficando corretamente
de pé e arrumando os óculos em seu rosto.
— Eu subirei daqui a pouco, estou procurando algumas fotos que vou
precisar.
— Isso ainda é sobre aquele seu projeto secreto que eu não posso
saber?
Aproximo-me de sua mesa, que está repleta de diversas fotos, e
curiosa, chego perto o suficiente para saber do que se trata,
surpreendendo-me ao ver que são fotos minhas, de muitos ângulos e em
milhares de momentos e lugares diferentes.
— Eu quero finalizar até o seu aniversário.
— Então, é como eu pensava, é sobre mim. — Pego algumas fotos,
verifico-as e admiro como Luna é boa fotógrafa, consegue captar coisas
incríveis. Eu pareço até mais bonita nos registros dela. — E eu não posso
saber?
— Você saberá em breve, faltam apenas mais algumas semanas para
o seu aniversário. Deixe de ser tão curiosa.
— Hm... Tudo bem. — Coloco as fotografias sobre a mesa outra vez,
dando a volta no móvel para me aproximar. Eu umedeço os meus lábios,
sob o olhar atento dela em minha boca, o que me faz sorrir. — Será que eu
posso ajudar com essa busca por fotografias novas?
— Ajudar?
Ela se recosta na mesa, colocando as mãos em minha cintura e
puxando-me para perto dela. Sorrio de maneira quase inocente, colocando
os meus braços em volta de seu pescoço. Luna me olha de cima a baixo, e
os seus olhos atrevidos se prendem, durante longos segundos, ao decote da
roupa que estou vestindo.
— Sim. Se é de fotos minhas que você precisa, então posso ajudá-la.
Eu faço todas as posições que você quiser, da forma que quiser.
Inclino-me para o lado, buscando uma das câmeras que também está
sobre a mesa. Luna alisa a minha cintura e faz uma expressão pensativa. Eu
sei que ela está excitada, conheço esse olhar como ninguém.
— Acho essa uma ideia excelente.
Ela parece extasiada, olhando-me sem pudor algum. O seu olhar
cheio de desejo me faz ficar ainda mais molhada. Eu amo deixá-la assim, e
estou ansiosa para saber o que será feito comigo. Com a intenção de
enlouquecê-la ainda mais, desfaço o laço do robe que estou vestindo,
deixando os meus seios e o short minúsculo de algodão, que estou usando,
superficialmente expostos.
— Não esqueça a câmera.
Afasto-me ao máximo, e Luna permanece no mesmo lugar, olhando-
me através daqueles óculos que a deixam ainda mais gostosa, parecendo
mais velha e sensual. Umedeço os meus lábios, não desviando o meu olhar
do dela quando começo a me despir, ficando apenas de lingerie. Ela abre
um sorriso e rapidamente pega sua câmera, caminhando energicamente na
minha direção.
Não é preciso falar mais nada, sabemos que a noite será longa.

Eu realmente não sei dizer se as datas comemorativas deixam a


minha esposa emotiva demais ou se está precisando muito de carinho,
porque quanto mais próximo o dia do meu aniversário, mais ela gruda na
minha pessoa. Não que eu esteja reclamando, amo dar atenção e amor a
ela.
— Você está feliz agora? — Luna questiona de repente, fazendo-me
desviar a atenção do livro, que está em minhas mãos, e olhar para ela, que
está deitada em meu colo. Nós duas resolvemos nos sentar em um dos
muitos bancos de madeira, no quintal, para podermos vigiar o Louis e os
nossos sobrinhos, que estão se divertindo na piscina. — Passou bastante
tempo desde que tudo aconteceu, e eu acho que hoje você está mais
habituada à nossa vida, ao nosso filho, à nossa casa e a tudo mais. Você se
sente feliz?
Não preciso pensar muito para responder, é até meio óbvia a
resposta. Todos os dias, acordo agradecendo por viver tão bem com a
minha família. Fui abençoada com pessoas maravilhosas. Sorrio para a
minha esposa, marcando a página em que parei, antes de fechar o livro e
colocá-lo ao lado.
— Eu me sinto muito feliz todos os dias, mesmo quando a gente não
suporta olhar para a cara da outra. — Luna solta uma risadinha com a
minha fala. Essas coisas acontecem quando se é casado, certo? Tem dias
que você simplesmente não aguenta nem ouvir a voz da pessoa e sempre
tem discussões que estressam. O casamento não é feito somente de
momentos bons, e por mais que estejamos bem, ainda existem coisas que
incomodam, o que é totalmente normal.
— Eu também me sinto muito feliz agora. Não me senti assim por um
bom tempo. Foram dias difíceis.
O meu coração aperta ao ouvi-la falar, porque tenho certeza de que
tudo estava ruim muito antes de eu perder a memória. Sei que também
tinha os meus problemas, aqueles antidepressivos no meu armário
assombram a minha mente de vez em quando. A Luna deve ter aguentado
tudo no seco, porque ela não costuma pedir ajuda, principalmente quando é
algo que a deixa fraca. Apavoro-me em pensar quantas noites sofremos por
falta de diálogo.
Se tivéssemos conversado antes, será que tudo isso teria acontecido?
— Gosto mais de ver você assim. Sua terapeuta tem feito mágica.
— A Dra. Gomes é excelente mesmo, sou grata demais por ela me
ajudar, mas tem muito sobre você e o nosso filho também. Quero me sentir
cada vez melhor, por mim e por vocês. Sei que não gosta que eu faça coisas
pensando em terceiros, mas é inevitável desejar isso. Que tipo de esposa e
mãe eu seria, se não quisesse estar bem, para dar o meu melhor a vocês?
— Você é uma mãe maravilhosa e uma esposa melhor ainda. —
Curvo-me sobre ela, beijando a sua boca com todo o amor dentro de mim.
— Sou muito sortuda mesmo.
— Nós somos.
— É um fato.
Um confortável silêncio cai sobre nós. Não é desconfortável, muito
menos chato. Às vezes, tudo o que você precisa é estar ao lado de quem
ama, apenas aproveitando a companhia. Passar momentos com a Luna tem
me ensinado a valorizar cada pequeno detalhe. Ela me ensina muito sobre
tudo.
— O amor é uma coisa muito louca, não acha? Sentir que o peito
parece que vai explodir, a qualquer momento, por tanto sentimento
relacionado a alguém, desejar estar presente em cada passo, cada fala,
cada momento, ter lembranças para compartilhar no futuro, coisas assim. É
muita loucura.
— Realmente, é muita loucura mesmo, mas é bom ter conhecimento,
viver o sentimento. É mesmo muito bom.
— Às vezes, penso que sei tudo sobre o amor, mas se você me
perguntar o que eu, de verdade, sei sobre ele, a resposta é muito simples.
— Qual?
Luna sorri e faz menção de ficar sentada, fazendo-me dar espaço
para que ela possa se movimentar. Minha esposa me olha, parecendo
reflexiva.
— Nada. Eu sei literalmente nada sobre amor, mas aprendo todos os
dias, com você, como é amar e ser amada. Sentir intensamente esse
sentimento é inexplicável. Quem pode explicar como ele nasce? Quem pode
medir a intensidade? Não existe outra teoria para compreender o amor que
não seja vivendo-o, é a única forma de ter alguma noção sobre.
Sabe quando ela diz que sente que o coração dela pode explodir de
tanto amor, a qualquer momento? Estou me sentindo assim, agora, e não
resisto a puxá-la para um beijo, nem me importando se existem olhos
curiosos sobre nós.
— Eu amo mais você todos os dias, e me apaixono também. Você
ilumina a minha vida. Amá-la é ter certeza de que eu posso cair sem medo,
porque, se você não me alcançar a tempo, vai cuidar de mim.
Um chamado atrai a nossa atenção, e olhamos juntas em direção à
voz, encontrando o nosso filho com os cabelos jogados para trás, fazendo
uma dança engraçada. É impossível não rir, eu amo essa criança. A Luna
tem um enorme sorriso no rosto e manda-lhe um beijo, antes de voltar a
sua atenção para mim.
— Eu cuido de você, cuido do nosso filho, a gente se cuida. Sinto-me
pronta para cuidar da nova vida que vai chegar à família.
Tudo ao meu redor parece ter sumido, e eu foco a minha atenção
apenas nos olhos verdes marejados, que brilham com extrema emoção. O
meu coração, agora, parece mesmo que vai explodir, está muito acelerado.
— Você...?
— Sim, meu amor. Eu estou pronta para termos outro filho.
Capítulo 35 – Eu sou seu presente
Os últimos dias foram todos dedicados a buscarmos por clínicas de
fertilização. Pensei que talvez a minha esposa pudesse não ficar tão
animada quanto queria demonstrar ou que pudesse estar fazendo isso por
impulso, mas ela tem me apoiado bastante e me ajudado em tudo. A Luna
parece realmente ansiosa para me ver grávida outra vez. Eu confesso que
estou nervosa, mas tão animada quanto.
Neste momento, demos uma pausa nas buscas pelo local perfeito,
onde faremos o nosso procedimento, porque amanhã será o meu
aniversário, e eu não quero festa, mas a minha esposa está preparando
alguma coisa. Luna não me contou ainda sobre o que é, mas sei que
envolve fotos minhas.
— Conseguiu? Ótimo. Verificou se ficou na altura certa? Tudo precisa
estar no lugar para nada dar errado. — Eu a ouço conversar no telefone
quando entro em seu escritório. Luna está de costas para mim, curvada
sobre a mesa e analisando mais fotos. Eu a observo, completamente
rendida. As suas pernas estão expostas, graças à camisa do Real Madrid
que está vestindo e apenas isso, talvez uma calcinha por baixo. — Ligue
para mim quando tudo estiver em seu devido lugar.
— Senhora Cruz-Jacobs? — Luna rapidamente se vira ao ouvir a
minha voz, e eu abro um sorriso quando o seu olhar encontra o meu. Ela diz
alguma coisa no telefone e rapidamente desliga, caminhando em minha
direção. Estou vestindo um dos moletons dela, que ganhou do meu cunhado
Rodrigo, um belo manto do Flamengo.
— Uau, ele ficou bem melhor em você — ela elogia, olhando-me de
cima a baixo. O seu olhar transmite o quanto gostou de me ver usando o
moletom. Luna envolve a minha cintura com um de seus braços e segura o
meu rosto com uma das mãos, beijando-me rapidamente. — Os nossos
nomes combinam demais.
— Não existe dúvida alguma sobre isso. Será que posso ter a sua
atenção um pouco? Você ficou o dia todo trancada aqui.
— Está carente, meu amor? Hm? — ela diminui o tom de voz, alcança
com a boca o meu pescoço e deposita lentos e gostosos beijos, arrepiando
a minha pele. Preciso me concentrar e lembrar que não vim até aqui para
ser seduzida por ela.
— Eu estava pensando uma coisa e não sei se você irá concordar.
— O quê?
— Luna — repreendo-a quando sinto as suas mãos irem de encontro
à minha bunda. Ela solta uma risadinha contra o meu pescoço e decide
segurar apenas a minha cintura, afastando-se um pouco de mim. — Por que
não procuramos a mesma clínica, onde fizemos a fertilização do Louis?
Percebo como o seu rosto fica com uma expressão estranha, e ela
parece refletir sobre alguma coisa. Fico curiosa. Luna se afasta de mim,
levando a mão até a nuca. Estou sem entender por que razão esse
nervosismo todo. Conheço o suficiente dela para saber que quer contar
alguma coisa e não sabe como.
— Hm, ela está um pouco distante, mas se você quiser, podemos...
— Você ficou assim só porque é distante?
O sorriso amarelo que me dá responde a minha pergunta, antes
mesmo que ela possa me confirmar. Luna suspira, caminha até o sofá no
canto do escritório e me chama com um sinal de mão.
— Eu preciso que você tenha a mente aberta e entenda que foi uma
decisão que tomamos juntas. Camille, o doador do nosso filho não foi uma
pessoa anônima, é alguém que nós duas amamos muito, inclusive o carinha.
— Como assim?
— Você sempre dizia que esperava que nosso filho puxasse a mim,
mesmo que ele fosse gerado dentro de você. Ficamos noites e noites
pensando em como encontrar alguém com características parecidas com as
minhas, então eu tive uma ideia, mas não sabia o que você iria pensar.
A minha mente trabalha rápido, fazendo-me ter um pensamento
estranho, mas que faria sentido todo esse nervosismo dela.
— O seu irmão foi o doador? — Ela olha para baixo e concorda com a
cabeça, nervosa. Os meus olhos captam a forma inquieta com que os seus
dedos brincam uns com os outros. — Ah! Ok.
— Você está com raiva?
— Não, amor. Por que estaria? Eu estou um pouco confusa. Isso
funciona bem na sua cabeça?
— Lidar com o fato de ele ter sido o doador? Sim. Todos nós
conversamos. O Noah é o cara mais incrível que eu conheço, não acho que
poderia ter tomado uma decisão melhor. Ele respeita e admira tanto você, e
é apaixonado pelo sobrinho. Foi apenas uma ajuda, sabe?
— Vanessa apoiou isso?
— Ela foi a primeira a dizer que nasceria um bebê lindo. A sua melhor
amiga é apaixonada por você, ela nunca seria contra algo que deixaria você
feliz. Louis é o nosso filho, e nada mais importa. Somos as mães dele.
O meu coração se enche de amor ao ouvi-la. Eu a amo tanto, eu amo
tanto o nosso filho. Eu entendo e imagino que para ela deve ter sido difícil
demais conseguir conciliar tudo isso.
— Você está feliz como tudo aconteceu?
— Sim. Confesso que cheguei a pensar na possibilidade de me
arrepender, mas nunca seria capaz. O nosso filho é mesmo uma mistura
nossa.
Lembro-me do nosso pequeno, como tem traços meus e dela, e tudo
faz sentido agora. Realmente parece que o fizemos. Nós o amamos tanto
que nada mais importa.
— Eu sempre penso que não sou capaz de te amar mais, mas você
me prova todos os dias que é, sim, possível ultrapassar o limite do
sentimento.
Eu tenho certeza de que nunca encontraria uma pessoa como essa
mulher, caso ela não existisse. Minha vida jamais seria suficientemente
completa. A Luna faz por mim o que ninguém seria capaz e poucas pessoas
ao menos se esforçariam a fazer. Todo o seu jeito me cativa, fico presa, sem
ter para onde correr, mas, sinceramente, eu nunca serei capaz de fugir.
Esse sentimento me assusta, mas também me conforta. Cada
pequena ou grande coisa que ela faz me atinge de alguma forma. Eu não
sei expressar exatamente como me sinto em relação a ela. Com quantas
pessoas você tem essa sensação de plenitude? Sabe quando você pode
tocar o céu sem sair do chão, porque a pessoa te faz sentir assim? Você já
amou tanto uma pessoa a ponto de se deitar no chão apenas para que ela
nunca caia e se machuque? Amar uma pessoa que é a sua melhor amiga,
companheira de vida, que se encaixa em você, é simplesmente uma das
melhores coisas da vida. Todo mundo deve viver um amor desse pelo
menos uma vez na vida, mesmo que dure pouco.
Às vezes, o amor é feito para durar, mas de outra forma. Você pode
encontrar o amor da sua vida e, mesmo assim, não viver ao lado dessa
pessoa para sempre. Entenda que você não falhou, nem ela, simplesmente
era para acontecer e terminar. Presenças não são eternas, mas o sentimento
é eterno.
Viva, deixe-se viver. Ame, deixe-se ser amado. Entregue-se! Quem
sabe, um dia, você não encontra a sua pessoa, como eu encontrei a minha?

O dia seguinte chegou, e com ele, a sensação maravilhosa de ser


mimada pelas pessoas que mais amo nesse mundo. Acordo com milhares de
beijos e abraços, e nada pode ser melhor do que isso. É assim que eu quero
estar sempre, rodeada de amor e carinho.
— Tome o seu banho e se arrume, nós vamos sair. Desça para tomar
café conosco, estamos esperando. — Eu a escuto dizer, ao se levantar da
cama.
O nosso pequeno e ela estão arrumados e de banho tomado. Um
sorriso surge em meu rosto, estou animada para saber o que eles estão
aprontando. Rapidamente, vou tomar o meu banho e noto que tem uma
muda de roupa separada para eu vestir. Amo a praticidade da Luna, facilita
tudo para mim. Tenho muita sorte.
Depois de terminar de me arrumar, desço as escadas e logo sou
recebida com um aroma delicioso de café recém-preparado, com ovos e
bacon. O meu estômago desperta com força total. Chego à cozinha e não
evito sorrir, principalmente ao ver os meus dois amores terminarem de
arrumar a mesa.
— É assim que eu mereço ser tratada sempre. Obrigada — agradeço
aos dois, que puxam juntos a cadeira, para que eu possa me sentar, e
quando o faço, sou premiada com beijos na bochecha. Tudo está enfeitado
com balões e fitas, a mesa está farta, com as coisas que mais gostamos e
um pequeno bolo com o meu nome escrito.
— Nós cuidamos da nossa rainha como ela merece.
— Sim, mommy.
Sorrio para o meu filho, que está ao meu lado esquerdo, e estico a
mão até os seus cabelos, enfiando os dedos por entre os fios, acariciando o
seu couro cabeludo. Ele está com o cabelo tão grande. Tento convencê-lo a
cortar, mas parece que é um crime sugerir isso, tanto para ele quanto para
Luna. Eu acho que o Louis é a reencarnação de Sansão, só pode ser.
O café da manhã não tem como ser melhor, repleto de brincadeiras,
muitas felicitações e amor. Recebo ligações dos nossos parentes e amigos,
todos me enchendo de muito carinho. Sinto-me extremamente sortuda por
cada pessoa em minha vida neste momento, pois acredito que sem eles as
coisas estariam de mal a pior.
— Aonde vamos? — questiono, assim que entro no carro. O nosso
filho está no banco de trás, e Luna termina de colocar o cinto de segurança,
orientando Louis a fazer o mesmo.
— O parque, aonde vamos todos os anos, reabriu, e
coincidentemente mais cedo, bem na data do seu aniversário.
— Tudo conspirando a meu favor. Será que devo jogar na loteria?
— Eu acho válido. Já pensou você ficar milionária?
— Nós ficaríamos, amor. Tudo que é meu, também é seu.
Ela abre um enorme sorriso, satisfeita com o que eu disse. Coloco
uma das mãos sobre a sua coxa, como tenho feito todas as vezes que estou
com ela e vice-versa.
Olho para trás em alguns momentos, apenas para me certificar de
que o meu filho está bem. Durante todo o percurso, conversamos e
combinamos em quais brinquedos vamos. Tenho certeza de que o dia será
cheio de amor e surpresas, mal posso esperar por elas. Sobre o dia de hoje,
consideramos muitas possibilidades: uma festa, uma viagem, qualquer
coisa, mas, no fim, decidimos passar o dia em família. Luna garante que nos
divertiremos, e a festa será depois, com os amigos e familiares. Ideia
perfeita, porque não há nada melhor do que estar com eles dois.
E pensar que, em breve, serão três.
Lembrar disso me deixa nervosa. Ainda não conseguimos escolher
um doador perfeito, mas sei que faremos a melhor escolha. Tem que ser a
pessoa certa. Posso sugerir fazermos o mesmo que fizemos com o Louis,
mas não acho que a minha esposa ficará tão confortável. Esse elo com o
irmão já foi o suficiente, tudo o que é demais acaba sendo estressante e
desgastante.
— Você está me ouvindo? — Ouço a pergunta da minha esposa.
Estava tão distraída que não notei que me dizia alguma coisa. Sorrio, sem
graça, ajeitando-me sobre o banco do carona para olhá-la. O nosso filho
está adormecido no banco de trás. O dia foi muito divertido, ele acabou se
esgotando.
— Desculpe-me, o que estava dizendo?
— Foi longe esse pensamento, hein? Eu disse que vamos passar na
casa do Noah para deixar o carinha, e depois a levarei a outro lugar.
— Como assim? Pensei que faríamos um bolo quando chegássemos à
nossa casa. — Estou confusa, não pensei que ela havia planejado mais
alguma coisa. Então, de repente, uma coisa vem à minha mente, e lembro-
me de algo que ela vem guardando de mim há muito tempo. — Isso é sobre
aquele projeto finalmente?
Luna solta uma risadinha, sem retirar o olhar da pista à nossa frente.
Ela tem mesmo achado divertido esconder esse projeto tão secreto. Na
verdade, somente eu não faço ideia do que seja, porque todos parecem
saber o que está acontecendo. Minha esposa é uma idiota.
— Sim, meu amor. É um dos seus presentes.
— Eu nem sei do que se trata, mas estou muito ansiosa.
Não demoramos muito a chegar à casa do meu cunhado, que nos
recebe brevemente no portão, dizendo que Vanessa está ocupada e que não
sairá de casa. Os olhares que Luna e ele trocam me deixaram atenta, e nem
resmungo quando o vejo pegar o meu filho no colo e levá-lo para longe de
mim. Confesso que, mesmo que goste de ter mais privacidade com a minha
esposa, sempre é muito difícil me afastar dessa criança. Nem consigo
imaginar quando tivermos outro bebê. Tenho certeza de que serei tão coruja
quanto sou com o Louis.
Por mais que eu tente arrancar qualquer informação dela durante o
caminho, não consigo nada, nem quando beijo o seu pescoço e sussurro em
seu ouvido. Não avanço mais que isso, porque seria muita
irresponsabilidade distraí-la mais enquanto dirige.
— Chegamos — ela diz ao estacionar, deixando-me confusa por notar
que estamos em frente ao estúdio de fotografia dela. Olho para o seu rosto,
e ela me encara com um enorme sorriso.
— Eu fiquei confusa, mas faz sentido. Nem sei por que não pensei
nisso quando você contou que tinha a ver com fotos minhas.
— Venha, ainda temos mais coisas para fazer depois.
— Sério? — questiono ao sair do carro, e Luna chega até mim,
acenando com a cabeça e entrelaçando os nossos dedos. Curiosa e ansiosa,
a sigo. Tudo está escuro quando ela empurra as enormes portas de vidro.
Estranho o fato de não estarem trancadas, mas não pergunto nada, por
imaginar que faça parte do plano.
— Espere aqui — ela pede e se afasta um pouco de mim.
Não estou enxergando muito bem, mas isso muda quando a ouço
bater palmas duas vezes, porque as luzes se acendem automaticamente.
Minha primeira impressão é de que tudo está diferente. Lembro-me de que,
quando vim aqui, o estúdio parecia menor.
— Tudo aqui passou por reforma, por isso foi tão demorado — ela
explica.
— Nossa, amor, ficou lindo demais. — Calo-me no mesmo instante
que me viro e tenho a visão da parede da entrada, com uma enorme foto
nossa que parece um ensaio para o nosso casamento. — Luna.
— Gostou? — Olho brevemente para ela, que, alegre, caminha até a
parede. Estou sem saber o que dizer. Ficou maravilhoso! — Chegue mais
perto. Eu criei essa foto com milhares de fotos suas.
— O quê? — Os meus olhos não acreditam no que estão vendo, e os
meus ouvidos não acreditam no que acabei de ouvir, mas me aproximo
rapidamente, para confirmar, e noto que realmente a fotografia é formada
por fotos minhas em diversos lugares e momentos. — Como você fez isso?
Meu Deus, amor.
— Deu muito trabalho, você não faz ideia, amor. Foram quase três
anos para terminar a reforma e esse projeto. Pensei que nunca conseguiria
terminá-lo, e até pensei em desistir algumas vezes. Algumas coisas
atrasaram e atrapalharam, foi muito estressante. O curioso é que tudo
começou a dar certo depois que você perdeu a memória, sabia?
Sem poder me conter, avanço sobre ela, tomando os seus lábios com
os meus, em um beijo molhado. Minhas mãos agarram os cabelos longos e
cheirosos, puxando-a para bem perto de mim. Luna não perde tempo em
retribuir, segurando a minha cintura e abrindo a boca para me dar espaço.
Deslizo a língua sobre o seu lábio inferior, sentindo-a sugar para dentro de
sua boca, antes de intensificar ainda mais o beijo.
Eu sempre digo isso, mas como seria possível não a amar cada vez
mais?
— Era essa a razão de você chegar tarde à nossa casa vários dias? —
pergunto quando quebro o beijo, sentindo vontade de beijá-la ainda mais.
Nunca terei o suficiente dela, é uma coisa que aprendi na marra.
— Sim, mas não só por isso.
— Não? — Estou chocada e me afasto, olhando-a, incrédula.
Luna sorri, esticando-se para poder selar os nossos lábios uma última
vez, antes de me soltar.
— Eu reformei esse estúdio com a intenção de mostrar a nossa
história a qualquer um que venha aqui. Eu iria colocar uma foto nossa,
quando éramos novas, bem aqui na frente, mas amo tanto esta que não
pude evitar. Venha, você vai adorar conhecer a nossa história também.
Não consigo formular nem uma palavra sequer, então deixo que ela
me leve. Chocada é pouco para me descrever, e fico ainda mais quando vejo
as nossas fotos nas paredes. Todas feitas da mesma forma, com milhares de
pequenas fotos minhas. Eu não faço ideia de como ela fez isso, mas a Luna
é sensacional.
Muito emocionada, ela explica em quais momentos as fotos se
passaram, contando tudo nos mínimos detalhes. Eu ouço atentamente,
sendo invadida por alguns flashes de memória. Luna está me ajudando
muito e nem sabe, há coisas que eu posso recriar na minha cabeça
perfeitamente. Parece até que nunca me esqueci de nada.
Todos os momentos das nossas vidas juntas estão retratados pelas
paredes do estúdio dela, e o meu coração está prestes a saltar para fora do
meu peito. Ouvi-la falar de tudo, com tanto carinho e amor, me deixa ainda
mais apaixonada por ela. Eu sou muito sortuda por tê-la comigo.
— Parece que estou vivendo tudo isso outra vez, só que de uma
forma nova. Obrigada, Luna! Esse é o melhor presente que eu poderia ter
ganhado — minha voz está embargada, denunciando toda a minha emoção,
quando chegamos à última foto, que mostra nós três: ela, Louis e eu juntos,
em um belo jardim. Luna sorri para mim e me envolve em seus braços,
depositando um beijo no topo da minha cabeça.
— Fico muito feliz que tenha gostado. Eu acho que era para ser
assim, sabe? Tanta coisa atrasando esse projeto, tinha que ter uma
explicação para isso.
— Foi no momento certo. Entre nós duas, tudo sempre é assim.
— Exatamente, meu amor. — Ela segura o meu queixo e ergue o
meu rosto para me beijar, lentamente. — Feliz aniversário, princesa!
— Você é o meu presente. Espero que saiba disso.
Ela me beija outra vez, com ainda mais vontade, fazendo-me quase
derreter em seus braços. Essa mulher me desmonta.
Será que tem como ela ser um pouco menos linda? Eu sinto como se
não fosse dona da minha vida, gostaria que ela fosse menos perfeita, para
não ter tanto poder sobre mim. Tenho certeza de que, se pudesse abrir o
meu coração, teria apenas ela dentro dele. Ela o tomou, assim como tomou
todo o resto de mim. Eu pertenço a ela, como nunca pensei que pertenceria
a alguém.
— Ainda tenho mais um presente pra você.
— Será que o meu coração aguenta tanta surpresa?
— Ah, eu espero que sim.
— O que é dessa vez?
Luna não responde imediatamente, primeiro ela digita algo em seu
celular, antes de nos guiar para fora dali. Eu apenas a sigo, curiosa e sem
deixar de olhar para as fotos mais uma vez. Essa mulher é mesmo perfeita.
Ela para na porta e me olha por cima do ombro, antes de me dar a resposta
que faz todo o meu corpo se arrepiar:
— Seu último presente sou eu.

O caminho até a nossa casa nunca pareceu tão longo. Eu tenho


noção do que vai acontecer quando chegarmos e, mesmo assim, estou
nervosa como se fosse a primeira vez. Para ser sincera, é sempre assim:
uma expectativa por saber que vamos superar a nossa última transa. Luna
conhece o meu corpo como a sua palma da mão, e eu amo descobrir o dela
cada vez mais.
Está um clima sensual e romântico, trocamos olhares e sorrisos. Eu
adoro isso, sabe? Essa tensão sexual é simplesmente deliciosa. Gosto de
como começamos a transar, antes mesmo de estarmos a sós no nosso
quarto e sem roupas. Nossas preliminares acontecem naturalmente, com
um olhar, um toque, um sorriso, um beijo, com qualquer coisa que nos
atice.
É gostoso quando a pessoa te faz chegar ao ápice sem nem ao
menos tocar em você. Digo no sentido figurado, obviamente é praticamente
impossível gozar sem ser tocado de maneira física, mas o prazer mental é
muito bom. Luna me deixa cheia de expectativas, não acredito que exista
alguém que saiba fazer tão bem quanto ela. Não mesmo. Sinceramente?
Prefiro nunca descobrir, estou satisfeita com o que tenho em casa.
— Está com fome?
— De você? Muita — minha resposta é firme e direta, não quero dar
espaços para distrações. Estou ansiosa para tê-la e ser dela, e Luna sabe
disso, o sorriso safado em seu rosto me dá essa certeza. Ela me provoca,
sempre gosta de me maltratar. O pior é que gosto de sofrer dessa maneira
por causa dela. Quanto mais má ela é, mais eu a desejo.
— Tem toalhas limpas e um roupão esperando você no banheiro aqui
de baixo. Não vai precisar de nada mais que isso.
— Por que não poderemos tomar banho juntas? — minha voz é
quase uma súplica, eu não aceito tomar banho sozinha, sem ela.
— Preciso me arrumar pra você. Não seja curiosa, você vai gostar.
— Mas...
— Confie em mim — ela pede e me dá aquele sorriso cheio de
promessas. A maldita sabe como me convencer das coisas. Como a boa
cadelinha que sou, apenas concordo com a cabeça, afastando-me,
contrariada, mas ansiosa de qualquer forma.
Não evito passar um creme corporal que está estrategicamente
posicionado sobre a pia. Desconfio ser plano dela, pois é o seu favorito.
Enrolada no roupão, eu caminho, a passos ansiosos, até o segundo andar,
chego ao meu quarto e sou surpreendida com a arrumação e com o clima
quente e gostoso. Quando ela fez isso tudo, se estávamos na rua o dia
todo? Olhando em volta, fico surpresa com a arrumação e quase me
engasgo, ao me deparar com um poste de dança posicionado no canto do
quarto, perto do closet. Minha boca se abre, eu não esperava algo como
isso. Estou ainda mais excitada, sei que a noite será longa e prazerosa.
— Como fez tudo isso?
— Segredo — sua voz toma conta do ambiente quando ela, enfim, sai
do banheiro, e o seu perfume também toma conta do lugar. O meu corpo
esquenta com a visão de seus cabelos bagunçados de uma forma sexy. Ela
está usando um roupão parecido com o meu e caminha sensualmente em
minha direção, sem desviar os olhos de mim. — Gostou?
— Bastante. — Tento tocá-la, mas ela se afasta, fazendo um sinal
negativo com o dedo indicador da mão esquerda. — Amor...
— Sente-se na cama e aprecie o que eu preparei pra você.
Obedeço-a rapidamente, não quero correr riscos de ser torturada.
Quero aproveitar cada pedacinho dela. Luna mantém os olhos fixos em
mim, enquanto me sento na beirada da cama, virada para ela.
— Isso tem a ver com o fato de você frequentar as minhas aulas, não
tem?
— Você é muito esperta, meu amor. Sim, eu estava querendo
aprimorar os meus movimentos para poder presenteá-la. Espero que goste.
Luna pega o controle universal, que controla todas as coisas do
quarto, diminui a intensidade da luz, depois liga o som e uma música
gostosa começa a tocar. Fica de costas para mim e deixa o roupão cair no
chão, ficando exposta com a lingerie preta de renda e cinta-liga.
O meu corpo reage instantaneamente. Eu amo como a cor preta se
destaca em sua pele. Ela sabe disso.
Luna caminha até o poste, fazendo questão de rebolar bastante a sua
bunda, enquanto anda. Suspiro, hipnotizada pela imagem. Ela segura o
cano de metal, e um breve pensamento se passa na minha cabeça,
questionando se esse negócio não tem chances de cair. Eu espero que não,
seria uma pena ter esse momento finalizado por problemas técnicos.
Os seus quadris começam a se mover no ritmo da música, para um
lado e para o outro. Ela segura o poste com as duas mãos e dá um giro,
fazendo com que os seus cabelos voem. O seu olhar se cruza com o meu, e
ela abre um sorriso antes de deslizar para baixo, separando bem as pernas,
como se quisesse que eu olhasse para a parte que mais me enche a boca
de água. É justamente o que faço.
Luna está com o controle e sabe disso, e no momento, tudo que eu
mais quero é que continue dessa forma. Ela para em frente ao poste, fica
rebolando, enquanto passa as mãos pelo próprio corpo, vira de costas e
empina a bunda para mim, descendo com as mãos pelo cano de metal,
abaixando o seu corpo. Em seguida, sobe, olhando-me por cima do ombro.
Luna se move de maneira sensual e hipnotizante.
Nunca pensei que ver algo assim seria tão quente e excitante.
Sem conseguir me controlar, rapidamente abro o roupão e o retiro de
meu corpo, jogando-o para o lado. Estou com calor, preciso de liberdade, ou
enlouquecerei. Esse ato a deixa feliz, pois vejo um resquício de sorriso de
satisfação em seu rosto.
Quando a música está chegando ao fim, ela parece querer me matar,
ao se aproximar um pouco e virar de costas, rebolando no ritmo da música,
enquanto se abaixa para retirar a calcinha, deixando somente a cinta liga.
Simplesmente surreal, não existem palavras suficientes para
descrever a perfeição dessa mulher.
— Sente aqui. — Não é um pedido, eu ordeno mesmo, já estou
satisfeita de vê-la tão longe.
Ela não se faz de rogada, caminha até mim e sobe em meu colo, com
as pernas dobradas ao lado das minhas coxas, e as minhas mãos vão
automaticamente para as dela, dedilhando a cinta liga. Sinto a sua excitação
molhar a minha pele, o que me faz suspirar de tesão.
Outra música se inicia, mas dessa vez não me atento muito a isso,
foco coisas mais importantes, como a minha esposa se esfregando em
minhas coxas, enquanto rebola no meu colo. Minhas mãos sobem para a
sua bunda, apertando com força a carne rígida. Não resisto e dou-lhe um
tapa estalado, fazendo-a agarrar os meus ombros com mais força e soltar
um gemido gostoso.
— Bate de novo. — Não ouso desobedecer ao seu pedido, recebendo
outro gemido maravilhoso em troca. Luna joga a cabeça para trás,
separando mais as pernas, antes de voltar a rebolar em meu colo, molhando
as minhas coxas. Deslizo minha mão direita por suas nádegas, até chegar à
sua boceta por trás, encontrando-a extremamente molhada. Isso me
enlouquece.
Os nossos olhares voltam a se cruzar e não falamos nada. Estico-me
para alcançar o seu clitóris e faço movimentos lentos, girando sobre o nervo
rígido, para fazê-la sentir um pouco mais de alívio ao ser estimulada nessa
região sensível.
Volto a acariciar a sua entrada e sou surpreendida quando ela faz um
movimento preciso, fazendo com que os meus dedos deslizem para dentro
de sua boceta. O alto gemido que dá me faz deduzir que sentiu prazer e um
pouco de dor ao mesmo tempo, mas ela não se contenta com apenas a
invasão, começa a rebolar para a frente e para trás, fazendo os meus dedos
se movimentarem dentro de si. Eu queria ver os meus dedos fodendo-a,
mas me satisfaço com sua expressão prazerosa.
Luna coloca uma das mãos em meus cabelos, agarrando os da minha
nuca, enquanto a outra mão segura firmemente o meu ombro.
— Espera — peço quando a vejo me encarar seriamente, ao sentir
que retirei os dedos de dentro dela, mas rapidamente os trago para a
frente, deixando-os em meu colo, para que ela possa se sentar.
Luna morde o seu lábio inferior, antes de descer, sem qualquer tipo
de misericórdia, sobre eles, fazendo-me ofegar, ao sentir as pontas deles
atingirem o limite que alcançam. Sua lubrificação aumenta cada vez que ela
senta com mais força sobre mim.
Luna solta o meu ombro apenas para pegar a minha mão que está
livre e levá-la até o seu pescoço, fazendo-me segurá-lo. Eu ofego de
surpresa e tesão, esse simples ato quase me mata. Ela geme quando eu o
aperto, forçando os meus dedos para cima, exigindo mais de suas reboladas
sobre mim. Minha esposa parece adorar essa posição, então a farei gozar,
antes de mudarmos para outra.
Mantendo a mão em seu pescoço, movo os meus dedos, fazendo
questão de curvá-los da forma que aprendi, deixando-a louca. Toco o seu
ponto G, que se encontra na parte de cima, e esfrego a região meio
esponjosa, ganhando altos gemidos.
— Você fode a minha boceta tão bem — ela solta, em meio a uma
respiração ofegante, rápida, que atinge o meu rosto e me faz sorrir, por vê-
la tão entregue e desesperada. Luna abre um sorriso e começa a quicar
sobre os meus dedos, fazendo um som de estalo ressoar pelo quarto cada
vez que as nossas peles se tocam. — Gostosa.
Luna começa a gozar no mesmo instante em que aperto o seu
pescoço outra vez e pressiono aquele ponto dentro dela. Gemendo, ela se
agarra em mim, agoniada, enquanto se liberta em meus dedos. Eu
aproveito a posição em que estamos para beijar a sua boca, dando-lhe
tempo de se recuperar ao menos um pouco, pois não teremos pausas.
Quero fazer durar a noite toda.
— Estou doida para sentir o seu gosto.
Ela solta uma risadinha safada, olhando-me e abrindo um sorriso de
desafio.
— Está esperando o quê?
Na mesma hora, eu agarro os seus cabelos e trago o seu rosto para
perto do meu, levando a minha boca até o seu ouvido para ordenar
baixinho:
— Fica de quatro agora!
A minha voz parece enlouquecê-la, pois ela estremece sobre mim,
mas não se faz de rogada, saindo rapidamente do meu colo e jogando-se
sobre o colchão, não demorando a ficar na posição que pedi. Luna joga os
cabelos para o lado, antes de me olhar por cima do ombro, provocando-me,
ao mexer os quadris para um lado e para o outro.
Sem resistir por muito tempo, ajoelho-me atrás dela, alisando as suas
coxas, chegando às suas nádegas, indo até as suas costas e depois voltando
para bater em sua bunda. Luna deita-se com o peito colado ao colchão,
deixando apenas os quadris erguidos. Os olhos dela estão fixos em mim, e
ela mantém o lábio inferior preso entre os dentes. Parece ansiosa.
Não querendo perder tempo, separo as suas nádegas e me abaixo
para lamber a sua boceta, desde o clitóris até a sua entrada, mas resolvo
não parar, chegando à sua bunda e ganhando um gemido alto quando a
minha língua toca a sua entrada traseira, que é tão sensível quanto a outra.
Luna enlouquece com esse toque, então me dedico a lamber e enfiar a
ponta de minha língua com cuidado, sendo premiada com as suas lamúrias
e pedidos incoerentes.
Ela quase não consegue manter os quadris erguidos quando resolvo
enfiar os meus dedos em sua boceta, enquanto me mantenho lambendo a
sua bunda gostosa.
Sinto a sua mão em minha cabeça, pressionando-me contra ela, e
não evito o sorriso de satisfação. Enfio os dedos com força, ouvindo os sons
molhados se misturarem aos gemidos. Afasto a minha boca, apenas para
morder uma de suas nádegas, e então, volto a lambê-la. Luna começa a
estremecer, e os seus gemidos se tornam mais altos e finos, desesperados.
Está prestes a explodir, e quando goza em meus dedos, em uma quantidade
abundante, não resisto a sorver cada resquício de seu orgasmo.
Eu estou tão ofegante quanto ela, o meu pulso direito arde, por
causa do esforço, e o meu rosto está todo molhado do gozo, mas quem
disse que eu paro? Ainda quero mais, muito mais. Isso foi apenas o começo,
eu espero que ela saiba.
— Se soubesse que dançar deixaria você assim, teria feito antes —
ela comenta quando a viro na cama, soltando uma risadinha cansada. Eu
sorrio, subindo em cima dela, separando as suas pernas com as minhas,
para ficar entre elas. Luna segura a minha bunda, pressionando-me para
baixo.
— Você me deixa assim. Sempre.
— Gostou da surpresa?
— Eu amei, mas quero mais. — Beijo-a lentamente. — Muito mais.
Luna abraça a minha cintura, dando-me mais liberdade de rebolar
contra ela, esfregando as nossas bocetas molhadas. Isso me deixa louca.
— Aproveite bastante, eu sou seu presente, faça o que quiser
comigo.
Capítulo 36 – A escolha perfeita
Solto um longo suspiro quando finalmente chego à nossa casa. Fiquei
um pouco depois do habitual horário, porque estava repassando algumas
coreografias com os alunos. Estamos planejando um pequeno campeonato,
e eles estão se dedicando bastante, animados. Eu gosto disso, também
estou ansiosa.
Tudo parece quieto dentro de casa. Sei que nesse horário todos já
devem ter chegado, então aparentemente estão fazendo alguma coisa
muito silenciosa.
Retiro o meu sobretudo, pendurando-o no cabideiro próximo à porta
de entrada, e faço o mesmo com os meus saltos, deixando-os em uma das
prateleiras no mesmo local. Quando estou subindo as escadas, ouço sons de
vozes vindos do quarto do meu pequeno, e um sorriso se forma em meus
lábios. Ao abrir a porta, sou presenteada com a visão dos meus dois amores
grudados na cama, enquanto assistem a desenhos. Luna é a primeira a me
notar, fazendo sinal para que eu me aproxime e os acompanhe.
— Preciso tomar um banho antes — eu digo. Embora queira muito
tomar banho e trocar de roupa, aproximo-me dos dois para cumprimentá-
los.
— Oi, mommy — Louis me cumprimenta quando me abaixo para
beijar a sua testa. Depois, me estico para selar os meus lábios com os da
minha esposa, ouvindo um resmungo do meu filho. Às vezes, ele demonstra
ciúme quando fazemos algo assim na frente dele. É engraçado.
— Essa mulher é minha também, passou da hora de você aceitar
isso. — Como sempre, Luna provoca o pequeno, que, indignado,
rapidamente se solta do abraço dela e tenta se afastar, mas ela não permite,
segurando-o com firmeza. Louis tenta se soltar, porém desiste quando a
mãe não cede às suas tentativas. Um bico enorme está em seu rosto, e eu
quase não consigo ver os seus olhos claros, por causa da franja enorme que
os cobre. Preciso convencê-lo a cortar esses cabelos.
— Já volto para ficar com vocês. Comportem-se — peço-lhes, antes
de sair do quarto e ir em direção ao meu. Sim, eu tenho sempre que
lembrar os dois de se comportarem, porque aparentemente estou criando
duas crianças: uma desenvolvida e a outra em desenvolvimento.
Sinceramente, não sei qual dos dois consegue ser mais teimoso e
bagunceiro.
Não demoro muito no banho e, depois de terminá-lo, saio de toalha
para ir ao closet. Como de costume, apenas coloco um short de dormir, sem
calcinha. É mais confortável assim. Também visto uma das camisas do Real
Madrid que minha esposa me deu, embora eu ainda prefira usar as dela e
vê-la usando as minhas. Compartilhar roupas com quem a gente ama dá
uma sensação gostosa de carinho, não é?
— Ele ficou emburrado mesmo.
— Meu Deus, Luna. Quer me matar de susto? — Coloco as mãos
sobre o peito, sentindo o meu coração acelerado sobre as minhas palmas.
Ela caminha em minha direção, com um sorriso sapeca em seu rosto.
— Desculpe, meu amor. Não foi a minha intenção. — Ela segura
minha cintura, puxando-me para si. — Posso ganhar um beijo de verdade
agora?
Não respondo a ela de imediato, rapidamente passando os meus
braços por trás de seu pescoço para beijá-la. Luna aperta a minha carne,
intensificando o beijo gostoso, cheio de afeto. Gosto de como a sua boca se
encaixa perfeitamente na minha e como a sua língua macia a invade de um
jeito perfeito.
— Louis te expulsou, não foi? — Não evito a risada quando ela
concorda com a cabeça. — Por falar nele, precisamos cortar aquele cabelo
que está muito sobre os olhos, amor. Vai prejudicá-lo.
Uma careta surge no rosto da minha esposa, que sempre fica assim
quando eu falo sobre isso. Não sei qual a dificuldade de levar Louis para
cortar os cabelos, que logo crescerão mesmo.
— Essa é uma coisa difícil.
— Não, é muito fácil. No final de semana, levarei.
— Amor...
— Sério, Luna, qual o problema de cortar o cabelo dele?
A minha esposa solta um longo suspiro, afastando-se para se sentar
na beirada da cama. Isso me deixa com a curiosidade aguçada, pois
conheço essa expressão no rosto dela.
— Não é só por gostar do cabelo que ele não gosta de cortá-lo. Louis
fez uma promessa com o melhor amigo que tinha há alguns anos.
— Tinha? Não tem mais? Ele também deixa os cabelos dele tão
grandes assim?
Luna suspira outra vez, negando com a cabeça.
— Ele era um garoto muito especial, Louis falava sobre ele sempre.
Esteve aqui em casa diversas vezes. Tinha os cabelos cacheados, como um
anjo, tão lindos e com cachos enormes.
— Por que está falando dele no passado?
— Ele faleceu. Leucemia. — Ela engole em seco, e eu fico paralisada,
sentindo um aperto no peito ao ouvi-la. — Lutou bravamente durante três
anos, perdeu todo o cabelo. Louis raspou a cabeça, mas Gabriel vivia lhe
pedindo que deixasse o cabelo crescer novamente, porque era apaixonado
pelos cabelos do nosso filho.
O meu coração está comprimido dentro do peito. Eu não fazia ideia
do motivo existente por trás dessa mania de deixar o cabelo crescer e não
querer cortar.
— Não fazia ideia.
— Eu devia ter contado. Quando Gabriel se foi, o Louis sofreu muito.
Ele prometeu ao amigo que sempre deixaria o cabelo grande, como ele
gostava. Então, faz muito tempo que não corta o cabelo. Sempre o levo no
cabeleireiro para aparar as pontas.
— Nossa! Eu estou me sentindo mal por sempre querer cortar.
— Não fique assim, amor. Você não se lembra, eu devia ter contado.
— Luna se aproxima de mim e segura o meu rosto, selando os nossos lábios
diversas vezes. — Vou levá-lo para aparar a franja, tudo bem? Está
realmente grande.
— Nosso filho é um garoto tão incrível.
— O carinha é mesmo. Tenho orgulho da pessoa que ele está se
tornando, estamos criando um homem de verdade.
— Somos ótimas mães, não somos?
— Sim. O nosso filho tem sorte, e a próxima criança terá também.
— Você tem mesmo certeza sobre termos um segundo filho?
Eu olho diretamente em seus olhos. Luna desvia o olhar, e isso me
deixa preocupada, mas ela volta a me olhar, com um enorme sorriso no
rosto.
— Não vejo a hora de ver você carregando o nosso bebê.

A nossa rotina tem seguido normal, embora, ultimamente, bem mais


agitada que o comum. Com o passar do tempo, vão surgindo festas de
aniversários, entre outras comemorações, então quase sempre estamos na
companhia de amigos e familiares, mas jamais deixamos de ter, ao menos,
um dia só nosso em família. Isso é necessário. Apesar de adorar estar
cercada de pessoas que amo, também gosto muito de quando estamos
apenas nós, em momentos quase secretos.
Manter uma relação saudável envolve muitas coisas, por exemplo um
bom ambiente familiar. Quando se é casada há anos, como Luna e eu
somos, as coisas costumam se tornar monótonas, por isso buscamos
sempre fazer algo diferente, como no final de semana que fomos à Disney,
em Orlando. Foi maravilhoso! Dias incríveis estão registrados em nossas
memórias e nas diversas fotos que minha amada esposa tirou.
Por falar em fotos, a nova decoração do estúdio tem feito bastante
sucesso. Luna me contou que os pedidos de projetos e trabalhos com ela
têm aumentado e que está conversando com um novo patrocinador muito
grande. Será ótimo para ela. Eu fico muito feliz em vê-la crescendo tanto na
vida particular quanto na profissional. Toda conquista dela me deixa
orgulhosa.
Posso contar uma coisa que está me alegrando muito? Ana e ela têm
conversado mais sobre as coisas. Com certeza, a terapia que Luna tem feito
está ajudando a melhorar a relação com a mãe. Isso me deixa feliz de
verdade, porque sei o quanto Luna precisa disso, da aprovação da mãe e do
carinho, que nunca recebeu como necessitava.
Ver minha esposa feliz me deixa extremamente feliz.
Nosso relacionamento vem se fortalecendo a cada dia. Mesmo
quando algumas brigas acontecem, nunca dormimos sem resolvermos tudo
antes. O ideal para uma relação permanecer boa é dialogar sobre todas as
coisas, não importa se pequenas ou grandes. Sempre opte por conversar
com a pessoa que está com você. Não deixe acumular, porque, uma hora ou
outra, isso vai explodir e resultar em coisas ruins. Tais como o divórcio.
Confesso que, no início de tudo isso, eu pensava que acabaríamos
tomando esse caminho, mas hoje, depois de tudo que estamos vivendo,
vejo que teria sido a pior burrice de nossas vidas. Estamos conseguindo
acertar aquilo que erramos no passado juntas, sem esconder nada uma da
outra, e isso é uma das coisas que mais me deixa feliz em nossa relação. O
companheirismo e a sinceridade são fundamentais.
Luna tem me ajudado a crescer muito como mulher e pessoa. Todos
os dias, me ensina um novo significado sobre amar e ser amada. A forma
que cuida de mim e do nosso filho também me ensina como ser uma mãe
melhor. Estou, cada vez mais, pronta para termos a nova criança, porque sei
que terei a minha esposa ao meu lado, para me ajudar em qualquer
obstáculo que possamos enfrentar.
— Eu encontrei a escolha perfeita para ser o nosso doador. —
Animada, Luna entra, de repente, em nosso quarto. Eu iria mesmo atrás
dela, pois passou o dia trancada no escritório, mas agora consigo entender
o motivo. Ela tem feito isso nos últimos dias, e eu não imaginei que
estivesse pesquisando um doador perfeito.
— Por isso você me deixou aqui sozinha o dia todo? Quando disse
que não trabalharia hoje, pensei que me daria atenção — resmungo,
fechando o livro em minhas mãos, sem me esquecer de marcar a página em
que parei.
Ela segura os óculos de grau, deixando-os repousados sobre a testa,
e joga para trás os cabelos, que está deixando crescer e já estão enormes.
Eu acho que esse gene veio no sangue dela, pois todos de sua família
costumam ter os cabelos enormes com rapidez. Luna sobe na cama, com
um bico adorável na ponta de seus lábios. Como resistir? É impossível.
— Desculpe, amor, eu estava procurando um doador perfeito, que se
encaixasse nas nossas expectativas.
— Ele é sua versão masculina? — brinco, pegando os papéis de suas
mãos, e rapidamente inicio a análise da ficha, que obviamente não tem
nome ou qualquer tipo de contato, apenas as características e algumas
observações que me chamam a atenção. — Mexicano, nascido em Acapulco,
bailarino profissional, adora cozinhar nas horas vagas. Estou lendo uma
versão paralela minha?
Olho, surpresa, para ela, que tem um enorme sorriso nos lábios.
— Veja as características. Cabelos e olhos castanhos, assim como
você.
— Estou surpresa, de verdade. Mas, meu amor, se escolhermos esse,
o nosso filho provavelmente virá com todos os meus traços latinos.
— Justamente por isso é a escolha perfeita. Louis se parece demais
comigo, nada mais justo que a nova criança pareça com você. Eu quero
muito. — Os seus olhos refletem um brilho tão adorável de expectativa. Eu
a conheço o suficiente para saber que esse é um desejo muito necessário.
Estou disposta a realizar todos os seus desejos. Obviamente, não sou capaz
de negar nada.
— Eu nunca serei capaz de negar algo a você.
— Isso é um sim?
— Claro.
— Ah! — Ela praticamente se joga contra mim, fazendo-me cair de
qualquer forma sobre os travesseiros e soltar uma gargalhada, por causa de
sua animação. — Você é muito o amor da minha vida. Eu tenho certeza de
que essa criança será uma cópia; logo, o bebê mais lindo do mundo.
— Nós fazemos bebês lindos.
— Com toda a certeza — ela murmura, antes de juntar os nossos
lábios.
O nosso beijo é carregado de amor e expectativas. Em breve,
focaremos o processo de inseminação, e eu mal posso esperar para que
possamos estar com o novo membro da família em nossas mãos. Tenho
certeza de que foi a melhor decisão que tomei.

Faz uma semana que comecei a tomar os remédios para o processo


de fertilização. Luna tem me tratado como se eu fosse de cristal, até parece
que já estou grávida. Senti náuseas esses dias, e ela quase surtou. Tive que
lembrar a ela os efeitos colaterais dos meus remédios.
Apesar de, às vezes, quase enlouquecer com todo esse cuidado
excessivo, gosto da forma que ela cuida de mim. Tenho muita sorte por ter
a esposa perfeita, que é uma idiota, mas foi feita na medida certa para
mim.
O tempo está voando, e eu me sinto cada vez mais ansiosa. Toda
consulta nova que temos é um passo a menos na caminhada de ter um
novo filho. Eu me dei licença no meu trabalho, deixando as aulas nas mãos
do meu assistente de confiança. Os meus alunos estarão bem com ele.
Nesse momento, as minhas prioridades são a minha família e a vida nova
que virá. Estamos gastando parte de nossas economias com esse processo,
que valerá a pena. Estou com aquele sentimento bom, de que vai dar tudo
certo. Nada vai nos atrapalhar dessa vez.
— Como está se sentindo?
— Belinda, essa é a quinta vez, em menos de meia hora, que você
me faz essa pergunta. — Reviro os olhos para a minha irmã, que está
sentada no sofá, ao meu lado. Ela veio passar o dia comigo, mesmo eu
dizendo não ser necessário. Todos estão preocupados. Imagino quando for
a vez de Luna passar por isso novamente. — Será que a minha esposa está
mandando mensagens, para tantas perguntas assim?
Ela solta uma risadinha, jogando os cabelos curtos para trás. Esse
corte de cabelo a deixa tão parecida com a nossa mãe quando era mais
nova.
— Ela realmente mandou algumas. A Luna é muito protetora. Essa
criança nem existe ainda e já está sendo cuidada.
— Falei para ser menos exagerada, mas ela gosta disso. Não brigarei
sem motivo, vou deixá-la cuidar de mim como quiser.
Belinda estala a língua, fazendo um som irônico.
— Cadelinha.
— O que disse?
— Nada. Você acha que ela projeta em você a vontade de ser
cuidada quando estiver grávida?
— Como assim?
— Ah, você sempre cuidou muito dela nas tentativas que fizeram
antes, e na última vez, não foi bem assim, até porque você nem fazia ideia
de que ela estava grávida.
— Mas você sabia. — É impossível evitar o rancor em minha voz,
porque todos sabiam, menos eu. Tudo bem que era para ser surpresa, mas
ela não poderia ter me deixado de fora. — Eu não acho, apesar de que
encontrei algumas coisas no computador dela sobre as mesmas coisas que
eu pesquisei um tempo atrás.
— Sobre o quê?
— Um método que cria um espermatozoide feminino através de
células tronco. Eu lhe contei isso.
Belinda está surpresa ao me ouvir. Eu fiquei assim quando, sem
querer, encontrei essas pesquisas no computador do escritório dela. Não
estava espionando, estava tudo aberto quando fui fazer algumas coisas do
meu trabalho no computador.
— Você acha que ela está considerando tentar?
Paro para refletir e acho que é bem possível, e o pensamento me faz
abrir um enorme sorriso. Seria perfeito vê-la grávida e poder cuidar dela
também.
— Eu acho possível.
— E o que pensa disso? Vocês vão ter um filho agora, está pronta
para ter mais um?
— Pode parecer loucura, mas me sinto muito pronta. Com ela, eu
aceito tudo.
Belinda sorri e se aproxima de mim, pegando as minhas mãos e
olhando em meus olhos.
— Se essa for a sua escolha, estarei aqui, apoiando.
Eu amo o fato de ter essa conexão com ela, não apenas com Belinda,
mas com Sofia também. Sempre fomos muito unidas, agora estamos ainda
mais. Saber que tenho o apoio dela, em momentos assim, me conforta. Sei
que estou fazendo a coisa certa.
— É a escolha perfeita. Eu quero ver a minha esposa grávida outra
vez, e espero que ela também queira.
A minha irmã responderia, mas foi interrompida por uma terceira voz,
que fez o meu coração acelerar e todo o meu corpo se arrepiar, ao ouvir as
palavras que saíram de sua boca:
— Sua esposa também está pronta para tentar engravidar outra vez.
Capítulo 37 – Gravidez dupla?
O meu coração está prestes a explodir, a rasgar o meu peito ou a sair
correndo. Desacreditada e feliz: é assim que eu me descrevo, enquanto
encaro minha esposa, ainda absorvendo as suas palavras. Finalmente, tomo
uma atitude decente e levanto-me do sofá para ir em sua direção, e esse
meu movimento parece ativar algum instinto protetor dentro dela.
— Cuidado, amor. Não se levante tão rápido assim.
Lembra quando eu disse que ela está sendo exageradamente
preocupada comigo?
— Eu ainda não estou grávida, Luna. Meu Deus! Será que você pode
me esclarecer melhor que história é essa? Como? Onde? Quando? —
disparo perguntas, sem nem ao menos respirar, ainda muito atordoada para
pensar direito. Minha reação não pode ser diferente, é totalmente
compreensível a minha euforia, porque me sinto feliz de uma maneira
surreal.
A expressão de Luna suaviza, passando de preocupação para
tranquilidade, com aquele belo sorriso enfeitando o rosto pelo qual tanto
sou apaixonada, iluminando-o de uma forma incrível.
— Faz alguns dias que tenho aceitado o fato de tentar engravidar
outra vez. Eu queria contar, então deixei algumas coisas para que você
encontrasse e viesse conversar comigo, mas acho que não deu certo. — Ela
coloca uma das mãos na nuca, alisando-a de uma maneira que demonstra a
sua timidez.
Minha mente rapidamente começa a unir as peças: aquelas
pesquisas, que eu pensei serem particulares, eram para chamar a minha
atenção. Como pude ser tão lerda?
— Eu... Caramba.
— Cunhada, você é muito esperta, e minha irmã é muito lenta. — Só
então me lembro da presença de Belinda e olho em sua direção,
observando-a dar a volta no sofá para pegar a bolsa sobre a mesinha de
centro e colocá-la em seu ombro. — Vou deixá-las sozinhas, porque
precisam falar muita coisa. Você é muito capaz, nunca se esqueça disso.
Belinda segura o rosto da minha esposa em suas mãos, e elas
sorriem uma para a outra, antes da minha irmã se inclinar para a frente e
beijar-lhe a testa. Em seguida, acena para mim e, então, caminha em
direção à porta de entrada, saindo e deixando nós duas sozinhas. Sua
compreensão naquele momento foi extremamente importante, pois essa é
uma conversa que precisamos ter em total privacidade.
— Você...
— Eu preciso que entenda que ainda quero vê-la grávida, mas saiba
que também estou pronta para tentar de novo. Acha muita coisa? Não
quero te pressionar. — Ela mal termina de falar e o meu corpo colide com o
seu, em um apertado abraço. Luna solta uma gargalhada gostosa,
apertando-me em seus braços, mesmo estando confusa com a minha
reação. — Isso é um sim ou...?
A minha resposta é um beijo. Eu tento deixar claro para ela, em cada
movimento da minha boca sobre a sua, mesmo que de forma desesperada,
que estou com ela, disposta a fazer qualquer coisa, desde que continuemos
unidas. Luna me segura com força, da maneira que sabe que gosto. As suas
mãos acariciam as minhas curvas, enquanto as nossas línguas parecem
estar em uma dança bem conhecida, que é só nossa. Um momento em que
nada pode mudar.
Beijar alguém que você ama passa uma sensação de fruta fresca.
Sabe aquele doce cítrico que faz o nosso estômago gelar de felicidade? É
como perder o ar sem perceber e, ao mesmo tempo, encher os pulmões
dele; é sentir na ponta da língua um sabor único, que seu paladar
reconhece em meio a milhares; é como voar sobre um campo de flores que
acariciam todos os poros do seu corpo, arrepiando a sua pele e fazendo com
que se sinta leve.
— Você não sabe o quanto esperei ouvir dizer que estava pronta.
— Eu não sei se vai dar certo, mas quero muito tentar.
O brilho em seu olhar me garante a sua animação e ansiedade em
relação a esse passo. Não sei descrever com exatidão como estou me
sentindo. É uma coisa tão boa aqui dentro, sabe? Estou muito feliz em
engravidar outra vez, mas vê-la grávida vai ser a coisa mais perfeita da
minha vida.
Eu seguro as suas mãos e olho diretamente em seus olhos, tentando
lhe mostrar como estou feliz em saber que ela está disposta a tentar mais
uma vez. Uma voz linda diz baixinho no meu ouvido para eu confiar, porque
tudo vai dar certo. Penso ser apenas a alegria em meu peito, mas me causa
uma paz absurda.
— Estarei ao seu lado em todos os nossos momentos. Não sabe
como quero vê-la grávida, cuidar de você e enchê-la de mimos o dia todo.
— Vai, amor?
— Muito. — Puxo-a para mim, selando os nossos lábios, e Luna
suspira, pressionando o seu corpo contra o meu, que estremece quando
deposito um delicado beijo em seu pescoço. — Eu amo você.
— Amo você mais que tudo. — Uma de suas mãos cobre parte da
minha barriga, bem sobre o ventre, e a região esquenta com o toque
extremamente amoroso. — Quero vê-la carregar o nosso filho — sua voz
está carregada de emoção, e isso mexe demais comigo. Faço o mesmo,
cobrindo-lhe parte da barriga. Os seus olhos brilham de lágrimas carregadas
de afeto e amor.
— E eu também quero vê-la carregar o nosso.
Outro beijo sela o momento extremamente intenso, da maneira mais
simples possível. Pode parecer pouca coisa, mas depois de tudo o que
passamos, estar vivendo isso ao lado dela, caminhando juntas, desejando
aumentar a nossa família, é simplesmente a melhor coisa do mundo.

Eu tenho sentido enjoos constantemente, um mal-estar que, às


vezes, parece não ter fim. Faz algumas semanas que iniciamos o processo
de inseminação. Eu estava me sentindo bem, mas nos últimos três dias
parece que estou andando em círculos. Não comentei com a Luna sobre os
sintomas, porque não quero deixá-la preocupada ou animada com a
possibilidade de ter dado certo, mas não posso esconder por muito tempo.
Minha esposa está milhares de vezes mais protetora e observadora
do que o comum, desconfiada de alguma coisa, mas não me pressiona para
saber o que está acontecendo. Eu observo os olhares dela sobre mim, e
quando chega do trabalho, sempre faz umas perguntas, como se esperasse
algo a mais nas minhas respostas. Assusta-me como essa mulher sabe tudo
sobre mim. Eu gostaria de lhe fazer uma surpresa, mas tenho certeza de
que Luna prefere descobrir comigo se o procedimento deu certo ou não.
— Trouxe comida chinesa para o jantar — diz ao entrar no quarto. Eu
escutei a porta da frente ser aberta e não demorei a ouvir a sua voz,
anunciando a chegada, mas fiquei com preguiça de me levantar. Não sei por
que estou me sentindo tão cansada. — Oi, princesa. — Quando para ao
meu lado, se curva sobre mim, apoia a mão sobre o colchão e se estica para
alcançar os meus lábios. Rapidamente, seguro a sua nuca e pressiono a
minha boca na dela, e Luna sorri, ao perceber quão ansiosa eu estou para
beijá-la.
— Senti sua falta, amor.
— Eu também senti a sua. Como está se sentindo?
— Melhor agora — murmuro, manhosa, fazendo-a sorrir. Quando
Luna se afasta de mim, eu sinto o cheiro de seu perfume misturado a outro.
O meu estômago revira, e tenho que respirar fundo para não deixar que ela
perceba algo. — Vai tomar banho?
— Está dizendo que estou fedendo? — ela brinca, tirando a roupa, e
eu puxo uma breve respiração, tentando controlar, mas está cada vez mais
difícil.
— Claro que não, amor. Eu só… — Sem poder evitar, levanto-me
rapidamente da cama, corro em direção ao banheiro, passo por minha
esposa confusa e finalmente chego ao vaso sanitário, curvando-me para
despejar tudo o que havia no meu estômago. Luna não demora a se
ajoelhar ao meu lado, para segurar os meus cabelos e acariciar as minhas
costas.
— Você continua tendo enjoos? — ela questiona de repente, fazendo-
me ficar rígida. — Sim, amor, eu sei que está tendo muitos, e você sabe que
não pode esconder as coisas de mim por muito tempo.
— Amor...
— Shhh... Tudo bem, princesa. Eu me preocupo, mas espero o
momento certo de perguntar.
Concordo com a cabeça, finalmente me sentindo melhor. Luna fecha
a tampa do vaso e me ajuda a ficar de pé, guiando-me até a pia do
banheiro, para que eu escove os dentes e tire o gosto ruim da boca. Ela não
sai do meu lado nem um segundo sequer, as suas mãos permanecem em
qualquer parte do meu corpo, como se estivesse com medo de me soltar e
eu quebrar. Já disse que amo como ela é exageradamente cuidadosa
comigo? Esse é um dos motivos que me faz ser tão apaixonada por essa
mulher.
— Eu acho que precisamos fazer o exame.
Luna demora alguns segundos para entender o que estou falando,
então os seus olhos brilham intensamente. Tenho certeza de que o seu
coração está disparado dentro do peito.
— Você acha que deu certo?
A pergunta me faz levar as mãos à barriga, cobrindo a região do
ventre com carinho. Olho para baixo, abrindo um enorme sorriso ao vê-la
cobrir as minhas mãos com as suas. Os nossos olhares voltam a se cruzar.
Estamos emocionadas e ansiosas, nem é preciso dizer para ter certeza.
— Eu tenho certeza de que sim.
Não resisto a tomar um banho com ela, que esfrega cada parte do
meu corpo e me enche de beijos. O momento é extremamente carinhoso,
sem maldade alguma. Apesar de os nossos corpos sempre reagirem quando
estamos assim, nada acontece, além de amor e cuidado. Quando nos
vestimos, descemos para encontrar o nosso pequeno e ficamos surpresas ao
ver a mesa do jantar posta.
— Você fez tudo isso, carinha?
— Sim, mamãe — ele responde, orgulhoso, tirando uma longa mecha
do cabelo que cobre os seus olhos. Depois de entender o motivo de não
querer cortar os cabelos, eu fico mais apaixonada, ao vê-lo, e me torno
extremamente protetora sempre que vai aparar as pontas, com medo de
que cortem demais.
— Que orgulho do meu pequeno!
Eu me aproximo, puxando-o para mim e abraçando-o de lado. Louis
está orgulhoso e fica todo feliz quando Luna o elogia também. Ela pega a
comida na cozinha, e rapidamente começamos a jantar. Entre conversas e
risadas, fico sem saber se devemos conversar com o nosso pequeno sobre o
que está acontecendo, mas acredito que, assim como eu, a minha esposa
queira esperar a confirmação. Sabemos que é uma vontade gigantesca do
nosso filho, não queremos deixá-lo com esperanças.
No outro dia, de manhã, estou me sentindo absurdamente feliz. Noite
passada foi incrível, não somente pelo jantar maravilhoso que tivemos em
família, mas também pelos méritos exclusivos da minha esposa e suas
habilidades sexuais, que sempre me fazem sentir uma mulher
extremamente sensual e desejada. Além disso, temos uma consulta
marcada para saber se vamos ter um novo filho ou não. Estou com a
expectativa nas alturas.
— Carinha, boa aula. Não se esqueça do que conversamos sobre
prestar atenção nos professores e deixar a conversa com os amigos para o
intervalo.
— Tudo bem, mamãe. Eu amo a senhora. — Ele se estica, entre os
nossos bancos, para beijar o rosto de Luna, que retribui o carinho.
— Amo você, carinha.
Depois, a sua atenção é para mim, e eu não resisto: o abraço pelo
pescoço e encho seu rosto de beijos, fazendo-o gargalhar e, logo em
seguida, retribuir todos os beijos.
— Amo você, mommy.
— Amo você, meu bebê. Vou sentir saudade.
— Também — ele apenas responde que também sentirá saudade e
sai rapidamente do carro, quando ouve os seus primos e amigos chamando.
Acenamos para os pequenos e esperamos que todos entrem no
colégio, para, só então, sairmos dali. Minha esposa coloca a mão sobre a
minha coxa, apertando a região e fazendo um leve carinho.
— Nervosa?
Sorrio e cubro sua mão com a minha, entrelaçando os nossos dedos.
— Bastante, e você?
— Também, mas tenho certeza de que teremos uma resposta positiva
— ela soa bem animada, leva a minha mão até a sua boca e deposita beijos
carinhosos. — Nossos familiares vão enlouquecer.
— Vou enlouquecer junto com eles. Não vai ser a primeira gestação,
mas estou com aquele frio na barriga, como se fosse a primeira vez.
— É totalmente compreensível, amor, mesmo que agora você tenha
lembranças de ter carregado o nosso pequeno.
— Uma pena não me lembrar de tudo — murmuro, sentindo-me
entristecida durante alguns segundos, e Luna aproveita que paramos no
sinal para se virar para mim, fazendo-me encará-la.
— Nossas novas lembranças deixarão você feliz, e ainda acredito que
conseguirá se lembrar de tudo.
— Sério?
— Muito, amor.
Eu me inclino para beijá-la, mas uma buzina acaba nos assustando e
fazendo com que levemos um susto. Luna volta a dirigir, e não demoramos
muito a chegar à clínica, onde farei o exame de sangue que, para nós, é o
mais correto para termos a resposta. Respiro fundo quando saímos juntas
do carro, e Luna rapidamente vem para o meu lado, unindo as nossas mãos.
Sinto-me bem mais segura e tranquila com ela, ainda bem que não a privei
de estar aqui neste momento, apesar de achar que ela adoraria ser
surpreendida em qualquer lugar, de qualquer maneira. Mas sinceramente?
Nada se compara a tê-la do meu lado nesse momento.
— Ainda bem que chegamos no horário. Não seria nada bom nos
atrasarmos logo na primeira consulta com a médica nova.
Luna solta uma risadinha, puxando a cadeira para que eu me sente.
Estamos esperando a médica, ela trará o resultado do exame realizado mais
cedo.
— Nós nem demoramos na cafeteria, amor. Ela avisou que demoraria
um pouco.
— Mesmo assim, amor. Ela é esposa da sua psicóloga, imagine se
comenta que chegamos atrasadas.
— Você é muito paranoica, minha princesa.
Nem tenho tempo de rebater, porque ouvimos a porta ser aberta, e
por ela, uma morena baixa, de sorriso muito bonito, adentra o local. Ela
está com um envelope branco nas mãos, analisando-o, e o meu estômago
revira de nervoso.
— Bom dia, doutora Gomes — minha esposa e eu falamos ao mesmo
tempo, fazendo-a sorrir, antes de sentar-se na cadeira em nossa frente.
— Sem tantas formalidades, por favor. Podem me chamar apenas de
Alex.
Acenamos com a cabeça. Nem preciso olhar para a minha esposa
para saber que se sente tão nervosa e ansiosa quanto eu nesse momento.
— Vocês duas são um casal muito bonito. Taylor comentou bastante
sobre vocês.
— Ela é muito simpática e uma ótima profissional — Luna elogia a
terapeuta, fazendo com que Alex abra um sorriso, orgulhosa.
— Como estão? Nervosas?
— Muito — respondo de imediato.
— Parece que vou colocar todos os meus órgãos pra fora, de tanto
nervosismo dentro de mim — Luna fala rapidamente, tropeçando nas
palavras, o que acaba nos fazendo rir de sua afobação.
— Quantas tentativas de inseminação vocês fizeram?
— Uma. Sabemos que a probabilidade é bem pequena, mas a minha
esposa tem sentido muita sonolência e enjoos. Camille ficou dessa mesma
forma quando engravidou da primeira vez, foi por isso que viemos, para
termos alguma resposta.
Alex concorda com a cabeça, ajeitando o óculos de grau que tinha
descido para a ponta de seu nariz. Ela relê alguma coisa no resultado do
meu exame e, então, abre um belo sorriso. Nem precisa dizer nada, eu já
sei.
— Vocês são muito sortudas. Meus parabéns, o exame deu positivo.
Impossível me controlar. Jogo-me de qualquer forma contra Luna,
que, mesmo atordoada, me segura com firmeza, para que eu não me
machuque ou algo assim. O meu rosto fica na curva de seu pescoço, e as
lágrimas de felicidade escorrem pelos meus olhos. O meu coração parece
estar em festa dentro do peito. Coloco a mão sobre a minha barriga e abro
um enorme sorriso.
— Vamos ter um bebê novo? — Luna pensa alto, pois a sua voz sai
muito baixa, e eu apenas ouço por estar grudada nela. Coloco-me para trás,
olhando para o seu rosto. Minha esposa tem um brilho em seu olhar tão
familiar. Encarar o mar verde, repleto de emoções, é como sentir tudo o que
ela está sentindo neste momento. Ela nem se importa com a presença da
médica e encosta a sua boca na minha. O contato não passa disso, mas me
deixa em êxtase de qualquer forma.
— Vamos ter um bebê novo, meu amor. Você será mãe, eu serei
mãe.
— Vamos ser mães outra vez — ela repete, como se quisesse
confirmar para si mesma, e eu sorrio, concordando com a cabeça, antes de,
mais uma vez, beijá-la, agora intensificando o contato. Não deixo que o
beijo se torne algo muito longo, pois ainda precisamos de algumas
informações sobre os cuidados e outras coisas.
Mal posso esperar para contarmos ao carinha que ele será o irmão
mais velho.
A doutora Gomes nos explica alguns cuidados que devemos tomar.
Nada diferente daquilo que eu já saiba, porque, enquanto estou em casa,
de repouso, leio bastante e converso com amigos e familiares,
principalmente com a minha mãe. Nessas horas, é muito bom ter contato
com as pessoas que eu amo. Sei que, apesar de não precisar tanto de
ajuda, posso chamar qualquer um deles que rapidamente virá.
— Pode ter certeza de que cuidarei muito bem dessa gravidinha aqui
— minha esposa diz, com toda a certeza, à médica, pegando uma de
minhas mãos para segurá-la.
— Eu tenho certeza de que sim. Alguém tem alguma dúvida? Vou
deixar os meus contatos com as duas, agora que serei a médica de vocês e
acompanharei essa gestação. Quero que saibam que poderão me encontrar
a qualquer momento.
— Obrigada, doutora — eu lhe agradeço rapidamente. Então, uma
dúvida surge em minha mente. — Eu tenho uma pergunta. Hm, com relação
a sexo, poderemos fazer normalmente?
— Meu Deus, Camille — minha esposa está chocada ao meu lado,
cobrindo o rosto com as mãos e abaixando a cabeça. A sua reação faz a
médica rir, e eu deveria estar tímida, mas por que ficaria? Ela é
ginecologista e obstetra, deve estar mais do que acostumada com esse tipo
de pergunta.
— Sim, vocês poderão fazer sexo normalmente, apenas devem tomar
alguns cuidados. Toda gravidez tem os seus riscos, mas se seguirem as
recomendações, tudo dará certo.
— Ótimo. — Não posso evitar a minha animação, então olho para
Luna e a vejo encarando-me, boquiaberta. — O quê?
Ela acaba negando com a cabeça e solta uma gargalhada, desviando
o seu olhar do meu. O que tem de errado em querer saber se poderei fazer
amor com a minha esposa? Gravidez não é invalidez, certo?

Estamos deitadas, praticamente coladas em nossa cama, enquanto


assistimos a alguns dos nossos muitos vídeos. Diversos momentos, e revê-
los me traz a sensação de ter vivido aquilo, lembro-me vagamente. As
minhas lembranças têm estado dessa forma, tenho tido sonhos muito
esclarecedores, mas nada como ter nitidamente na minha mente. Fico triste
por não conseguir lembrar com clareza, mas, ao mesmo tempo, animada
com a possibilidade de conseguir estimular a minha memória e reacender
algumas coisas.
— Temos fotos que você vai adorar rever — diz Luna, soltando-me
para que eu possa me levantar.
Isso me faz choramingar, rolando na cama e encarando-a, enquanto
ela se afasta em direção ao closet. Suspiro alto, tentando chamar sua
atenção, já que está revirando algumas coisas lá dentro, provavelmente
buscando os álbuns de fotos. Pego o celular e verifico as mensagens, não
sendo capaz de conter as risadas ao ler o que estão falando no grupo.
— Amor, você viu o que a Vanessa está falando no grupo? —
Levanto-me rapidamente, calço os meus chinelos e caminho em direção ao
closet, onde a minha esposa parece presa de alguma forma. Tenho um
sorriso, que morre no exato momento em que a vejo ajoelhada no chão,
cercada de álbuns, mas não apenas disso. — Luna?
— Como eu posso ser tão cega? — Sua voz tão quebrada me deixa
em pedaços, e o meu coração é comprimido no peito. Ela está quebrada
também.
Uma angústia se instala dentro de mim por querer vê-la bem no
mesmo momento. Minha esposa está perdida. Em suas mãos, uma das
tantas cartelas de antidepressivos, que eu havia encontrado antes e nunca
comentei nada.
— Meu amor...
— Você estava desmoronando na minha frente, assim como o nosso
casamento. Como pude não notar isso? Era nítido. — Seus olhos encontram
os meus, e vejo a dor refletida, em um brilho melancólico, no verde pelo
qual tanto sou apaixonada. Não evito me ajoelhar à sua frente, segurando o
seu rosto. — Relembrando as coisas agora, fui muito cega e idiota.
— Meu amor, pare de se culpar. Eu deveria ter comentado com você
sobre esses remédios antes.
— Você os encontrou antes?
— Sim. — Suspiro longamente ao vê-la abaixar a cabeça. — Não
sabia o que estava acontecendo, mas depois de ter encontrado todos esses
remédios e as coisas escritas em alguns diários, tenho certeza de que eu
estava me afundando de uma forma absurda, mas não se culpe por isso.
— Quebra-me imaginar que você precisava de ajuda, e eu não notei.
Não estive ali pra você.
— Da mesma forma que eu também não percebia antes o quanto
você precisava da minha ajuda. Foi necessário acontecer tudo isso para
voltar a reparar em você e conseguir estar aqui.
— Eu não mereço...
Cubro rapidamente a sua boca com as minhas mãos, fazendo um
som para que ela pare de falar besteiras. Se ela soubesse o quanto a amo e
sou grata por tê-la. Não quero outra pessoa para dividir tudo na minha vida
e entregar o meu coração.
— Você é o amor da minha vida. Nunca me deixou desamparada,
esteve aqui até mesmo quando não mereci você. Não existem culpados, nós
duas cometemos erros. Estávamos guardando coisas que nos sufocavam e
não sabíamos como pedir ajuda.
— Estou me sentindo uma merda.
— Como você acha que fiquei quando soube que não estava sendo
mais a sua pessoa? Eu falhei com você mais do que você poderia ser capaz
de contar. Tenho consciência disso e estou me redimindo todos os dias. Sou
muito grata por ter você, sou muito feliz ao seu lado e, mesmo sem me
lembrar das coisas, me sinto completa.
Ela funga, ainda muito abalada para elaborar uma resposta rápida.
Aproveito esse momento de silêncio para beijá-la, tentando transparecer o
quanto sou grata por tê-la. Luna parece desesperada para me beijar,
ansiosa por mais daquele contato.
— Eu amo você. Desculpe-me por não ter percebido antes.
— Shh! Isso ficou no passado. Saiba que eu sou muito grata por ter
você, por tudo que construímos e continuamos construindo agora. Meu
maior presente é você. Luna, você é a minha pessoa.
Um enorme sorriso se abre em seu rosto, e sem poder evitar, a beijo
mais uma vez, fazendo-a sorrir em meio ao contato de nossas bocas unidas.
— Você é minha pessoa também, vida — ela murmura, puxando-me
para cima de seu corpo, e as suas mãos fortes tocam a minha pele,
apertando os lugares certos. Luna me conhece como ninguém nesse
mundo. Às vezes, fico preocupada que possa me conhecer melhor que até
eu mesma. Meu corpo se arrepia quando sua boca toca o meu pescoço, e
coloco as minhas pernas ao lado de suas coxas, ficando em seu colo.
— Me ame, me tenha como ninguém nunca será capaz, porque eu
sou só sua. — Não é preciso pedir outra vez para ter a sua boca marcando o
meu corpo. Nem me importo com as prováveis marcas que ficarão no meu
pescoço, vou adorar olhar e me lembrar do momento de cada uma delas.
Luna desliza as mãos em minha cintura e chega à minha bunda,
arrancando-me um gemido com o aperto firme. Ela segura a barra da blusa
que estou vestindo, e logo eu entendo e permito que tire a peça de mim.
Apenas de calcinha, estou no colo da mulher que amo, sentindo as
suas mãos tocarem o meu corpo com força e cuidado, de uma maneira que
eu gosto, e ela sabe. Ninguém será capaz de fazer da mesma forma, e sei
que será impossível eu me sentir tão desejada e amada desta maneira. Luna
tem tudo de mim, ela me tem como ninguém. Eu sou dela, fui feita para ela,
caminho ao lado dela, porque a minha vida é ela.

Estamos terminando de arrumar as coisas para o jantar quando


ouvimos um carro estacionar na porta de casa. Olho para a minha esposa e
não posso evitar um sorriso, ao pensar em como será a reação do nosso
pequeno ao saber da novidade. Como instinto, cubro a minha barriga com
as minhas mãos. Essa criança ainda nem se formou, e já sinto um amor
imenso por ela.
— Está entregue este pacote — assim que abrimos a porta, meu
cunhado Rodrigo diz, com Louis em seus ombros, que gargalha quando
Luna faz cócegas em sua barriga e o pega no colo, com certa dificuldade,
pois o nosso pequeno está cada vez maior. Logo não caberá mais em nossos
braços. Imaginar isso me deixa entristecida, gostaria que ele permanecesse
pequeno para sempre.
— Obrigada, Rodrigo. Ele se comportou?
— Ele sempre se comporta, e os meninos amam quando ele vai
passar o dia lá em casa. Serena perguntou por você.
— Eu sei, estou devendo-lhe uma festa do pijama, marcarei para o
mais breve possível. Nos últimos dias, estive ocupada, não lhe daria a
atenção devida.
— Imaginei mesmo. Bom, preciso ir, a sua irmã me entregou uma
lista de mercado enorme.
— E cadê ela? — questiono, curiosa, por não a ver nem mesmo
dentro do carro.
— Está em casa, usufruindo da hidromassagem nova que instalou no
banheiro. — Eu acho que não consigo disfarçar a minha confusão, porque o
meu cunhado abre um sorriso descontraído antes de me responder, sem
que eu precise perguntar: — Depois que terminamos a reforma do banheiro,
Belinda se apropriou de tudo. Era o seu sonho deixá-lo daquela forma. Eu
ainda nem experimentei a banheira nova.
Luna surge ao nosso lado, rindo da expressão frustrada de Rodrigo.
— Boa sorte, as Cruz são bem possessivas.
— É, eu sei bem.
Rodrigo se despede de nós e volta para o carro, não demorando a
sair e a sumir rua acima. Olho para a minha esposa e ergo uma
sobrancelha. Ela parece confusa, encarando-me da mesma forma.
— Somos possessivas?
Ela rapidamente identifica algo em minha voz e arregala levemente
os olhos, abrindo um sorriso sem graça. Ela tenta segurar minha cintura,
mas dou-lhe um olhar severo, fazendo-a ficar no mesmo lugar.
— Comida mexicana para o jantar! Isso! — A voz de Louis me faz
desviar o olhar para o meu filho, que comemora, com as mãos erguidas,
enquanto vem em nossa direção.
É impossível não sorrir e esquecer que estava intimidando minha
esposa. Olho de soslaio para Luna, que está aliviada.
— Salva pelo gongo! — murmuro, encarando-a friamente, antes de
voltar a minha atenção para o meu filho. Senti saudade dele, posso muito
bem me resolver com essa engraçadinha depois. E eu amo deixá-la nervosa,
é divertido.
O nosso jantar ocorre da melhor forma possível. Para a sobremesa,
Luna e eu resolvemos fazer uma das coisas que o nosso filho mais ama:
torta de morango com chocolate. Ele come e repete duas vezes, por estar
faminto — ou porque fizemos tudo o que ele adora. Quando terminamos de
arrumar as louças do jantar, resolvemos que é o momento perfeito para
contar que ele será o irmão mais velho.
— Carinha, sua mãe e eu queremos contar uma coisa — Luna diz,
assim que ele se senta no sofá. Eu me sento ao lado dele; ela, na mesinha
de centro em nossa frente. Louis está curioso, olha para mim e depois para
ela, tentando saber o que está acontecendo.
— Mommy, está tudo bem?
— Sim, meu amor. Eu quero te entregar um presente. — Ele parece
ficar tranquilo e animado ao me ouvir. Luna me entrega a sacola que
contém uma blusa, e eu rapidamente entrego ao pequeno curioso. — É um
presente muito especial, que apenas os garotos sortudos têm.
Louis praticamente rasga o embrulho, ansioso para saber o que
ganhou, encontra a blusa e rapidamente a desdobra, franzindo o cenho ao
ler o que está estampado na parte da frente.
— Eu... — Suas palavras se perdem, ele nos encara e depois volta a
ler o que está escrito. Pedimos para a gráfica estampar a seguinte frase:
“Status atualizado: irmão mais velho.” — Vou ganhar um irmão?
— Ou uma irmã — Luna responde, e Louis demora apenas milésimos
de segundos para soltar um grito de animação, agarrando o pescoço da
mãe e, em seguida, me puxando para si, envolvendo-me em um abraço.
— É verdade, mamães?
— Sim, meu amor. Está feliz? — respondo-lhe, segurando o seu rosto.
Os seus olhos enchem de lágrimas, e ele acena freneticamente com a
cabeça.
Não sou capaz de evitar a emoção que toma conta de mim, e logo
estamos os três chorões abraçados, derramando lágrimas de felicidade.
Estou em casa, sinto-me amada. Essa é a minha família, e em breve,
seremos quatro. Quero a nossa casa cheia. Só espero que minha esposa
ainda se sinta da mesma forma.

Não me lembro se algum dia fui tão mimada na minha vida. Nas
últimas semanas, tenho me sentido em um verdadeiro paraíso. Luna e Louis
estão me tratando como uma princesa real, fazem tudo o que eu quero, e,
às vezes, nem preciso me dar o trabalho de dizer, porque os dois conhecem
bem o meu gosto. Jamais reclamarei disso, porque adoro ser tratada dessa
forma. É bom demais ver as pessoas que eu amo ansiosas e alegres por
causa do novo bebê que vai chegar.
Nós descobriremos o sexo essa semana. Eu pretendia esperar, para
ser surpresa, mas o nosso pequeno está animado demais para saber se terá
um irmão ou uma irmã, então não prolongaremos a sua ansiedade e vamos
levá-lo à consulta conosco.
Os meus dias têm sido tranquilos, mas apenas os dias, porque as
noites são um pouco complicadas. Com dificuldade para dormir, fico agitada
e remexendo-me na cama, o que faz minha esposa acordar diversas vezes.
O fato de ficar presa no quarto me deixa ainda mais ansiosa quando estou
com insônia, por isso tenho descido para a sala e ficado um tempo
relaxando, sozinha, esperando o desconforto passar, para, só então, dormir.
Olho para o lado e sorrio com a imagem da Luna toda torta no sofá,
quase caindo para a frente, por estar cochilando. Mesmo eu zelando pelo
seu conforto, ela não desgruda de mim nunca. Confesso que gosto demais
de todo esse carinho, ainda mais agora que tenho estado tão necessitada da
atenção dela. Tenho tentado deixá-la descansada, porque estou em casa,
mas ela continua trabalhando e recebendo diversas propostas de trabalho.
Fico orgulhosa por vê-la tão bem em sua carreira, ainda mais agora que
seus pais têm dado todo o apoio que ela sempre desejou. Ana e ela estão
cada vez mais unidas, se dando melhor, e se entender com a própria mãe
sempre foi um dos desejos da vida dela. Aos poucos, tudo está se
encaixando no lugar.
— Meu amor, vá se deitar na cama. Eu vou subir também.
Ao ouvir a minha voz, ela rapidamente desperta, ainda confusa,
limpando o canto da boca, um pouco ofegante. Acho que a assustei sem
querer. Os seus sentidos estão muito mais aguçados ultimamente, e eu
acredito que seja pelo fato de a gravidez estar me deixando meio instável.
Mas tudo está bem com o bebê, que está crescendo como deve e não
apresenta problema clínico algum até o momento. Provavelmente, são
apenas consequências de estar gerando uma criança, mas vocês conhecem
a esposa protetora que eu tenho, certo?
— Tudo bem? Precisa de alguma coisa? Água? Desejo? Fome? — De
maneira afobada, ela pergunta e se arrasta para perto de mim, erguendo as
minhas pernas para ficar o mais próximo possível. Eu estou deitada de lado,
com as pernas sobre ela, que está sentada no canto do sofá. Luna faz uma
massagem deliciosa nos meus pés, depois acaba dormindo.
— Eu quero subir e colocar você na cama.
Ela suspira, parecendo aliviada.
— Está melhor?
— Sim — respondo com sinceridade, virando-me para ficar de pé, e
ela não demora muito a fazer o mesmo, apoiando as mãos em minha
lombar, como se fosse o meu suporte para não cair. Eu acho que Luna
confunde gravidez com invalidez às vezes. — Quero subir e colocar você na
cama. Vamos?
Ela somente concorda com a cabeça, bocejando, antes de me
acompanhar. Sinto muita pena por tê-la tirado de nossa confortável e
espaçosa cama para deixá-la ficar no sofá, em uma posição nada
confortável. Não tenho culpa totalmente, eu tentei fazê-la se deitar no
quarto, mas não existe pessoa mais teimosa que a minha esposa.
Luna me ajuda a subir na cama e rapidamente dá a volta, deitando-
se sob as cobertas e arrastando-se para perto de mim. Quando me deito, de
costas para ela, as suas mãos tomam conta do novo local favorito: a minha
barriga de grávida. Só dorme fazendo carinho nela, todo dia é assim.
Acredito que também serei assim quando for a sua vez de ser a grávida.
Estou ansiosa pelo momento em que a ouvirei dizer que está pronta para
iniciar o tratamento.
— Está tudo bem? — sua voz rouca ressoa, e é nítido quão cansada
ela está. Isso me deixa angustiada, porque amanhã ela trabalhará exausta
outra vez. Seguro a sua mão, que está em minha barriga, acariciando-a
lentamente.
— Vou ficar melhor se você dormir.
Ela resmunga alguma coisa que não entendo, e em pouco tempo, o
sono a vence. Dessa vez, nem eu mesma consigo evitar e acabo dormindo,
sentindo os seus carinhos lentos em minha barriga.
Mal posso esperar pelo momento em que teremos o nosso pequeno
ou nossa pequena em nossos braços.

É um menino.
Outro menino na nossa casa. Quando a doutora Gomes nos diz que
teremos mais um homem, o nosso filho fica extremamente animado,
imaginando vários momentos com o seu irmão. Luna e eu estamos felizes
também, embora eu achasse que dessa vez seria uma menina, mas estou
feliz de qualquer forma. Ele será muito amado.
— Mamães! — Louis nos chama de repente, quando já estamos no
carro, voltando para casa, depois da consulta. Tudo está bem com o nosso
garoto, e em alguns meses, ele estará conosco, enchendo-nos de alegria.
— Sim, pequeno — eu lhe respondo e olho para trás, enquanto
minha esposa foca a estrada e apenas lança um olhar, através do retrovisor,
em direção a ele. Meu filho mexe em seus cabelos longos de forma nervosa,
ansioso. Isso me desperta a curiosidade.
— Já escolheram um nome para o meu irmãozinho?
Um pequeno sorriso surge em minha boca, então olho para Luna e a
vejo abrir o mesmo sorriso.
— Você tem alguma sugestão, carinha?
Louis alisa uma mão na outra e confirma com a cabeça. Estou ainda
mais curiosa para saber por que ele está tão nervoso.
— O que as senhoras acham de Gabriel? — ele questiona, receoso,
sem saber se daremos uma resposta positiva. O carro dá uma leve travada,
e eu desvio o olhar para a minha esposa, notando que ela ficou surpresa, a
ponto de quase frear o carro. Minha mente rapidamente busca e encontra o
motivo daquele pedido, e o meu coração se enche de amor por saber que
Louis quer homenagear o seu melhor amigo, que hoje está no céu.
— Eu acho perfeito, meu amor.
— Sério? — Sua surpresa nítida me faz abrir um sorriso, e eu me
estico para pegar uma de suas mãos e fazer um carinho.
— Claro, meu amor. Não é, Luna? — Olho para a minha esposa e
noto que está emocionada, mas abre um enorme sorriso e concorda com a
cabeça.
— Eu acho Gabriel um nome perfeito.

Os meses que se seguem são exatamente desta forma. Eu felizmente


paro de ter insônias no meu sexto mês de gestação, o que deixa Luna
provavelmente muito aliviada, por não ficar tão cansada, e, ao mesmo
tempo, tranquila por saber que me sinto melhor. Ela se preocupa muito
comigo. Eu continuo sendo mimada e muito cuidada pelos meus dois
amores.
Neste momento ou em breve, acontecerá o que esperamos há muito
tempo. As minhas contrações estão cada vez mais intensas e doídas, e Luna
está angustiada por me ouvir gemer de dor, mas se concentra na direção,
enquanto estamos indo ao hospital, onde darei à luz. Espero que o parto
não seja tão demorado quanto o primeiro, pois foram demoradas nove
horas até o nascimento do meu pequeno, pelo que fiquei sabendo por meio
das histórias que a minha esposa contou.
— Finalmente, conheceremos o nosso anjo Gabriel — Luna diz, com a
mão apoiada em minha coxa, fazendo carícias para me deixar mais calma.
Em sua voz, identifico um sorriso bobo, que vejo em seu rosto quando a
olho.
Sim, meu amor. Finalmente vamos conhecê-lo.
São longas horas, sete horas e meia para ser mais exata. Minha
esposa fica ao meu lado o tempo todo, dando-me carinho e apoio, e quando
ouvimos o choro do nosso filho, é como se a vida estivesse ganhando um
sentido novo. Luna chora. Eu choro. Acho que até mesmo os enfermeiros
choram com toda a nossa emoção. Parecemos duas crianças choronas, mas
como poderia ser diferente?
O sentimento de ser mãe é inexplicável, e mesmo o conhecendo,
acaba se tornando ainda mais intenso, porque estou vivenciando isso outra
vez. Eu acho que quando temos um filho e depois outro, esse sentimento de
proteção, amor e afeto é dobrado e continua crescendo, conforme a família
vai aumentando. Segurá-lo em meus braços e olhar o seu rostinho, tão lindo
e extremamente branco, com tantos cabelos, me faz derramar ainda mais
lágrimas de alegria.
Minha esposa segura uma câmera, registrando os momentos, como
ela gosta.
— Ele parece mesmo um anjo. Nosso pequeno anjo! — minha voz
está embargada, e Luna se aproxima, usando os polegares para secar as
minhas lágrimas. Parece que nada ao nosso redor existe, além de nós três.
Ela olha para o nosso pequeno, tão apaixonada quanto eu, e acaricia sua
bochecha com carinho.
— É o mais novo amor da minha vida — ela murmura, por trás da
máscara que está usando, e ficamos assim, as duas babando o nosso
pequeno filho.
Finalmente recebo alta, e podemos ir para casa, levando nosso novo
amor conosco. Eu aproveito para tomar um banho e sair cheirosa, com
roupas limpas e a expressão melhor. Estava como uma louca, com tantas
olheiras e aspecto de cansada. Sinto-me melhor agora.
Quando volto ao quarto, deparo-me com uma das cenas mais lindas
de toda a minha existência: Luna sentada na cama, contemplando o nosso
pequeno em seus braços, como se fosse a coisa mais preciosa e incrível do
mundo, o que, de fato, é mesmo. Meu coração se enche de alegria ao vê-la
assim, tão protetora e amorosa. Gabriel ergue a sua mãozinha, de repente,
e segura o dedo dela, fazendo-a soltar uma lufada de ar e os seus lábios
tremerem.
Mesmo um pouco distante, é impossível não ver o exato momento
em que ele abre a boca, como se quisesse sorrir, fazendo com que os seus
pequenos olhos fiquem fechados, enquanto aperta o dedo da minha esposa.
Luna não consegue segurar a emoção, fungando algumas vezes, ao mesmo
tempo que mantém os olhos fixos em nosso filho. Ela tenta não chorar
sobre ele, mas está quase perdendo a batalha.
Meu coração parece muito acelerado, observando a cena de duas das
três pessoas que amo mais que tudo nessa vida. Um momento silencioso de
extremo carinho.
— Eu vou amar e proteger você de tudo, pra sempre — ela sussurra
baixinho, como um segredo entre os dois. Gabriel vira o pequeno rosto,
parecendo entender o que a mãe lhe diz, e ergue a outra mãozinha para
segurar o dedo dela também. Luna solta uma risadinha, inclinando-se para
beijar as pequenas mãos do nosso filho.
— Vamos?
Deixo-a ciente de minha presença, e minha esposa rapidamente olha
para mim. Seus olhos têm um brilho intenso e parecem ter luzes internas.
De alguma forma, eu penso reconhecer aquele olhar, e algumas lembranças
vêm à minha mente. Pareço viver um déjà-vu, e tudo parece em câmera
lenta quando a ouço dizer:
— Estou pronta para iniciarmos o tratamento. Eu quero engravidar
logo.
Capítulo 38 – Finalmente completas
— Você não pode evitar olhar dessa forma pra eles, não é?
Olho para o meu lado e vejo a minha melhor amiga sentar-se, com o
pequeno Seth em seu colo. Um sorriso nasce em meus lábios, e
rapidamente o pego, aconchegando-o em meu colo.
— Está falando sobre o quê?
— Os três amores da sua vida. — Meus olhos automaticamente vão
para o outro lado do quintal, onde a minha esposa, os nossos dois filhos e
sobrinhos estão sentados sobre a sombra de uma árvore, enquanto se
divertem. — Como estão as coisas?
— Bem. Tenho dormido pouco, por causa do Gabriel, mas nem
reclamo. Eu amo a sensação de ser mãe e saber que esse pequeno precisa
dos meus cuidados.
— É bom mesmo, é um dos amores mais lindos que existem no
mundo. Não planejei ter o Seth, mas hoje sou grata por ter optado manter a
gravidez. Não sabia que sentia tanta falta de viver tudo isso, mesmo que as
noites sejam exaustivas.
Concordo rapidamente com a sua fala. Ter uma criança tão pequena
em casa é um sacrifício. Você passa o dia cansada, e a noite ainda mais,
porque um filho sempre precisará de você. Além do mais, tenho o Louis,
que também precisa da minha atenção e dos meus cuidados, por mais que
ele seja um garoto esperto e mais independente. Mesmo com a ajuda de
minha esposa, permaneço ligada no duzentos e vinte, pois, a todo segundo,
fico em alerta para estar ali, caso os meus filhos precisem de mim.
Ser mãe é isso, certo? Estar perto, observar e ficar atenta a cada
passo dos filhos.
Neste momento, o animado Noah se aproxima das crianças e pega
Toni e Louis em seus braços, jogando os dois em seus ombros. Harry tenta
escalar o tio, agarrando a sua cintura, enquanto o meu cunhado gesticula,
como se explicasse a ele que não aguenta segurar os três. Isso faz a minha
melhor amiga e eu rirmos. Olhando aquela cena, surge uma dúvida em
minha cabeça, que nunca tive chance de pôr em pauta durante uma
conversa com Vanessa, e acho que este é o momento perfeito.
— Vanessa, eu quero te perguntar uma coisa. Tenho certeza de que
devemos ter conversado bastante sobre isso, mas você sabe... eu tenho
essa pequena dificuldade.
O pequeno Seth faz barulhos fofos com a boca, atraindo a minha
atenção brevemente, e eu sorrio para ele, arrumando-o melhor em meus
braços.
— Do que está falando exatamente? — ela questiona, curiosa, e dá
um gole em seu suco de abacaxi, antes de colocar o copo sobre a mesinha
ao nosso lado e recostar-se na espreguiçadeira.
— Você acha estranho o fato do Noah ter sido o doador? Tipo, ele ter
doado o material genético que me possibilitou ser mãe?
Vanessa franze o cenho e olha brevemente para a frente, e eu faço o
mesmo, vendo que agora o meu filho está sentado nos ombros de Noah,
enquanto ele segura Harry e Tony em seus bíceps. Meu cunhado é bem
forte, e os pequenos estão se divertindo.
— Se eu disser que no início não foi estranho, estarei mentindo,
porque foi bastante, e durante um ano, nós tivemos muitas conversas,
inclusive com vocês duas. Apesar de ter sido a primeira a sugerir isso, ainda
assim eu pensava em como seriam as coisas.
— Tenho pensado nisso, sabe? Luna está tranquila, mas eu fico me
perguntando se, algum dia, ela se sentiu triste por saber que precisou do
irmão para me dar algo que não podia.
O simples pensamento de imaginar que a minha esposa possa ter se
sentido insuficiente, de alguma forma, para mim, me faz sentir péssima. Sei
do nosso passado conturbado e imagino o quanto isso possa tê-la
perturbado. Pergunto-me se notei alguma mudança e se fiz algo para deixá-
la melhor.
— Conhecendo a minha cunhada como conheço e sabendo de todas
as suas inseguranças, acredito que, em algum momento, ela tenha se
sentido incapaz, mas acho que no fundo sabia que nada mudaria. Ele ter
doado o material genético não tira o mérito de nenhuma de vocês, o Louis é
filho seu e dela, ninguém pode mudar isso.
— Sim, eu sei, mas...
Vanessa me interrompe ao esticar a mão e pegar a minha,
segurando-a entre as dela e fazendo um carinho. Um sorriso surge em meu
rosto. Ela sabe me acalmar como ninguém e com facilidade, sempre soube.
Eu tinha muita incerteza sobre isso incomodá-la ou não, mas agora vejo o
quanto a minha melhor amiga é tranquila em relação a isso tudo.
— Vocês não podiam antes, mas agora podem, e iniciarão um
tratamento, em breve, que será apenas das duas. O que aconteceu no
passado não muda nada. O meu marido ama o seu filho como sobrinho, da
mesma forma que o Louis o ama como tio. Ele é filho de vocês, isso é um
fato que não pode ser mudado.
As suas palavras me fazem refletir sobre esse elo que sempre
teremos. Eu realmente acho que não faz muita diferença ele ter sido o
doador, e ficar pensando nisso só criará uma situação desnecessária. Todos
parecem bem com esse fato, e o meu único medo é que a minha esposa
tenha se sentido inferior de alguma forma.
Luna ama tanto o Noah... Acho que não existe qualquer mágoa e
acredito que, de certa forma, ela se sinta feliz por ter sido ele o escolhido.
Nada pode mudar o fato de que Louis é nosso filho, meu e dela somente.
O dia transcorre da melhor maneira possível. É sempre uma imensa
felicidade poder compartilhar momentos com familiares. Estar cercada das
pessoas que eu amo torna tudo mais fácil. Mesmo com o estresse diário de
manter a casa organizada, ter família, casamento e trabalho, no final tudo
vale a pena. Eu não mudaria nada. Embora ainda queira muito ter as
minhas lembranças de volta, elas quase não me fazem tanta falta.
Hoje, eu transbordo de amor, tenho tudo o que preciso e, em breve,
terei ainda mais. Tenho tido sonhos com a minha esposa grávida. Luna está
tão feliz e ainda mais linda. Não consigo esperar por esse momento. Ela
merece, acredito que nós duas merecemos, depois de tudo o que
aconteceu. Com quase dois anos de recomeço, está na hora de ganharmos
uma recompensa ainda maior.
— Você é o menino mais cheiroso de todo o mundo, sabia? —
Termino de banhá-lo e o visto. O meu filho faz sons extremamente fofos,
como se entendesse o elogio, abrindo a boca e fazendo pequenos estalos,
enquanto mexe os pequenos dedos, tentando me agarrar. Ele adora
abraços, parece um filhotinho de coala. — Vem, vamos ver o que aqueles
dois estão aprontando.
Pego o meu pequeno em meus braços, e rapidamente ele envolve os
dele em meu pescoço, deitando a cabeça em meu ombro. Um sorriso surge
em meu rosto, e eu fecho os olhos brevemente para inalar o seu cheiro de
bebê, antes de sair do quarto, que era de hóspedes e agora é dele. Acredito
que teremos que fazer uma reforma, em breve, ou nos mudar de casa. Luna
e eu conversaremos a respeito, porque logo teremos mais uma criança em
casa e precisamos ter onde acomodá-la.
— Mamãe, a senhora está roubando!
— Eu não estou. Você que não sabe defender a sua nave espacial!
Ouço o início de uma discussão, antes mesmo de abrir a porta do
quarto do meu filho mais novo, onde ele e minha esposa estão sentados no
chão, cercados de peças de lego. Fico sem reação ao me deparar com
aquela cena: mãe e filho discutindo, como se tivessem a mesma idade,
porque um acusa o outro de estar fazendo alguma coisa errada. Não tem
como negar que eu tenho três filhos, ao invés de apenas dois.
— Não quero mais brincar.
— Nem eu — os dois dizem, quase ao mesmo tempo, e cruzam os
braços, depois de deixarem as naves que seguravam caírem no chão.
Emburrados, eles mal se olham, e estou desacredita de realmente estar
presenciando isso. Gabriel parece entender o que está acontecendo e
levanta a cabeça, olhando em direção à mãe e ao irmão, com uma de suas
mãos na boca. Ele tem feito muito isso, pois os dentes estão nascendo.
— Será que vocês podem parar com isso, ou terei que colocar os dois
de castigo? — Eles parecem nem me ouvir e trocam olhares raivosos. Eu
tenho mesmo três filhos. Que o senhor do céu me ajude a ter paciência com
os dois. — Luna Cruz-Jacobs e Louis Cruz-Jacobs! — Finalmente, atraio a
atenção dos dois, fazendo-os suspirar.
— Oi, mommy.
— Oi, Camies.
Eles parecem retraídos e receosos, e eu reviro os olhos.
— Era para ser somente uma brincadeira saudável, e vocês
estragaram tudo com toda essa pirraça sem sentido. — Eles rapidamente
abrem a boca para tentar explicar, mas ergo a minha mão livre para
interrompê-los. — Não quero ouvir uma palavra, vocês falaram demais por
uma noite só. Limpem essa bagunça, sem brigas, porque colocarei o Gabriel
para dormir, e se ele se agitar por causa de vocês, nem queiram saber o que
vou fazer.
Eu olho fixamente de um para o outro, fazendo a minha expressão
mais séria, para deixar claro que não estou brincando. Vejo os dois
rapidamente concordarem com a cabeça e engolirem saliva, antes de
rapidamente se virarem para arrumar a zona feita.
Sorrio, satisfeita, e viro para sair dali, sabendo que não ouvirei mais
brigas. Eles têm muito juízo para não me desafiarem.
Gabriel está exausto pelo dia agitado, portanto não é nada difícil
fazê-lo dormir. O observo em seu confortável berço — exageradamente
grande, mas os meus sogros quiseram dar o máximo de conforto ao neto.
Não teve como negar, Ana e Mark disseram que tinham comprado e que
logo o receberíamos em casa. Meu filho parece adorar, pois sempre dorme
tão bem. Observá-lo imerso em seu sono, com as mãos debaixo de sua
cabeça, enquanto mexe a boca às vezes, assim como a Luna, deixa o meu
coração aquecido.
Inacreditável! Eu o carrego durante nove meses e sofro a dor do
parto, para ele vir com todas as manias dela. Que tipo de justiça é essa,
universo?
— Ele está cada dia mais parecido com você — minha esposa
comenta ao se aproximar de mim, colocando os braços em volta da minha
cintura e apoiando o queixo sobre o meu ombro. Não me assusto com a sua
chegada repentina, os meus sentidos sempre sentem a sua presença. Ou
talvez seja pelo seu cheiro tão gostoso e inconfundível, que toma conta de
tudo.
— Somente na aparência, o resto ele puxou a você. Eu acho incrível
isso, sabia? Louis é da mesma forma, parece uma cópia sua. Mesmos
cabelos e olhos, mesmo nariz.
— Louis tem os seus traços e a sua boca.
— Mas as manias dele também são iguais às suas — resmungo,
fazendo-a rir, antes de depositar um beijo em meu pescoço. Luna me vira de
frente para si, gruda os nossos corpos e usa um dedo para colocar os fios
soltos da minha franja para trás de minhas orelhas, admirando o meu rosto
com um sorriso em sua boca.
— São os nossos filhos, nada mais justo que herdarem características
minhas também. — Não respondo nada, apenas me mantenho calada,
fazendo o sorriso no rosto dela aumentar ainda mais. — Tire esse bico daí,
mamãe coruja ciumenta.
— Eles não pegaram nenhuma mania minha, amor.
— Como não? Louis também assopra copos, antes de beber qualquer
coisa, sempre esfrega os pés um no outro, quando está com sono, e tem a
mesma mania de morder a língua quando sorri.
— Ah, mas ele faz tanta coisa igual a você.
— Deixe de ser ciumenta, ele tem manias nossas, e o Gabriel logo
herdará suas manias, conforme for crescendo.
— Hm…
Luna solta uma risadinha, prendendo-me em seus braços, enquanto
nos guia em direção à porta. Ela apaga a luz, e continuamos andando
grudadas rumo ao nosso quarto. As suas mãos firmes seguram a minha
cintura, e eu solto uma lufada de ar, surpresa ao sentir as minhas costas
pressionadas contra a porta de madeira.
— Senti vontade de fazer isso o dia todo. Você estava deliciosa
usando aquele biquíni, sabia? — sua voz rouca, sussurrada perto da minha
boca, arrepia os pelos do meu corpo. O ar quente, que bate contra meu
rosto, traz o hálito de menta dela. Identifico imediatamente que Luna está
com tesão, e todo o meu ser reage de maneira rápida àquela informação.
Incrível o poder que essa mulher tem sobre mim.
— Eu ainda estou fora de forma, você sabe. — Minha voz não sai
muito alta, é claro que estou rendida. Com as suas mãos firmes em minha
cintura e o calor do seu corpo emanando para o meu, é óbvio que estou
sem escapatória. Luna se afasta um pouco, para me olhar de cima a baixo.
As suas mãos alisam as laterais do meu corpo, então ela segura as alças da
blusa de seda que estou usando e as puxa de lado, até que os meus seios
fiquem expostos. O brilho de desejo em seu olhar me deixa ansiosa para ter
a sua boca neles.
— Você é perfeita. Sempre foi — ela murmura, antes de segurar os
meus seios em suas mãos, apertando-os com cuidado, pois eles têm estado
sensíveis por causa da amamentação. A minha esposa sempre é cuidadosa,
para não me deixar desconfortável. Eu amo isso. Luna se inclina para a
frente e toma o meu mamilo esquerdo em sua boca, sugando-o com fome,
da forma que eu gosto. — Deliciosa.
Quando se delicia o bastante com o esquerdo, ela migra para o
direito, sugando-o com a mesma vontade. Os meus olhos se fecham, e sinto
as minhas pernas amolecerem. Eu acho incrível como sempre fico à mercê
dela, porque sabe me tocar da maneira perfeita, conhece o meu corpo de
uma forma que nem eu mesmo seria capaz de conhecer. Isso diz muito
sobre a nossa relação sexual. Sempre é uma experiência nova e mais
gostosa que a anterior.
Luna se afasta de mim outra vez, e eu quase resmungo pela falta de
sua boca em meus seios, mas os meus olhos captam a sua mão direita ir
para baixo. Sem desfazer o nosso contato visual, ela afasta as minhas
pernas e, com extrema habilidade, puxa a lateral do meu short o suficiente,
para ter contato direto com a minha boceta. Nós duas gememos com o
contato, e vê-la sentir prazer por me sentir tão molhada é sempre delicioso.
Eu sou toda dela, e ela sabe disso. Ela me devora, e eu a amo.
Luna me acaricia com leveza e com força ao mesmo tempo, sem
machucar, apenas apreciando quão molhada estou. Os seus dedos me
alisam de cima a baixo, e então, tenho dois deles dentro de mim, fazendo-
me ofegar e agarrar-me em seus braços, em busca de apoio. Parece que
acabei de ver estrelas, sentindo-a girar os dedos dentro de mim, tocando
cada ponto certo.
Como se não fosse maldade o suficiente me provocar dessa forma,
ela retira os dedos rapidamente, levando-os à boca e deixando-me observar
como limpa qualquer resquício do meu gosto presente ali, parecendo
faminta por mais.
— Amor... — resmungo quando ela me impede de tirar o meu short,
segurando o meu pulso e afastando a minha mão dali. Luna umedece os
seus lábios e, outra vez, puxa o meu short de lado, voltando a me tocar
daquela forma gostosa de antes, levando-me à loucura.
— Quero te comer assim. De roupa. Em pé, aqui, toda para mim.
Não preciso responder nada. Ela sabe que me tem, da forma que ela
quiser. Como sempre digo, ela me devora, e eu adoro.

Hoje é um dia triste. Mas calma, não aconteceu nada de ruim, quer
dizer, depende do ponto de vista. Estou aqui, ajudando a minha esposa a
arrumar a mala, pois ela passará duas semanas fora. Desde que perdi a
minha memória, nunca passamos tanto tempo longe, e estou me sentindo
extremamente afetada, antes mesmo de Luna viajar. Sei que antes, no
passado, minha esposa sempre fez viagens longas a trabalho, e mesmo que
dessa vez não seja por causa disso, não me sinto entristecida. Sentirei muita
falta.
— Meu amor, não fique assim. Os dias passarão rápido — ela repete,
ao voltar para o quarto. Tinha saído para buscar o nosso pequeno Gabriel,
que havia acabado de acordar; ouvimos o choro por meio da babá
eletrônica.
Suspiro, colocando as últimas peças de roupa na mala, e verifico se
há tudo o que precisa. Olho em sua direção, vendo-a segurar o nosso filho
de lado, meio sentado sobre as suas costelas. Essa é a nova mania: agora,
todas as vezes que alguém o pega no colo, ele rapidamente se encaminha
para essa região da pessoa.
— Vou sentir a sua falta.
— Eu também, meu amor. — Ela se aproxima de mim e segura o meu
queixo, puxando-me para um beijo. Não podemos intensificá-lo, porque
Gabriel tenta desesperadamente enfiar a pequena mão entre nós. Antes que
pensem, o ciúme dele não é comigo, é com a minha esposa. — Eu sou
mulher dela também, viu, pitico?
Pitico: essa é a forma carinhosa que ela arrumou para chamar o
nosso filho mais novo. Carinha é como ela chama o Louis, então decidiu que
precisaria de um apelido diferente para o Gabriel.
— Exatamente, ela é minha também.
Olho para ele e acabo gargalhando por ver a sua carinha de sapeca,
tentando sorrir da mesma maneira que eu, com a língua entre os dentes,
mas não consegue por não ter os dentinhos da frente ainda. Acho que ele
tem visto tanto o Louis e eu sorrirmos dessa maneira, que quer imitar. A
minha esposa tinha razão quando disse que o nosso filho herdaria as
minhas manias, conforme fosse crescendo.
— Rodrigo mandou mensagem, disse que logo estará aqui.
— Não acredito que o meu cunhado vai tirá-la de mim.
— Pelo menos Belinda e as crianças ficarão aqui para fazer
companhia.
— Mas eu quero você — resmungo, quase me virando para sair do
quarto, quando sou surpreendida. — Luna! — Olho de maneira raivosa para
ela, que está sorrindo descaradamente, enquanto os seus olhos estão fixos
em minha bunda, que acaba de ser atingida por um tapa.
— Impossível evitar quando você vira esse rabo para mim.
Rebateria, mas o som da campainha ressoando me impede de fazê-
lo. Minha esposa rapidamente passa o pequeno Gabriel para mim, voltando
para o quarto para buscar a mala.
— Eles chegaram — avisa.
O meu coração diminui dentro do peito, sabendo que agora só a
verei daqui a duas semanas. Rodrigo a acompanhará na viagem, e os dois
vão sozinhos para o aeroporto, porque não queremos levar Gabriel, que
ainda é muito novo, para ficar em aglomerações desnecessárias. Nunca se
sabe quando se pode pegar uma doença no ar.
Eu desço as escadas e rapidamente chego à porta da frente, abrindo-
a para recepcionar a minha irmã e o meu cunhado, que não está mais
usando os cachinhos de sempre, agora adotou um corte de cabelo diferente.
Ele me cumprimenta, e eu dou espaço para que entre com as malas de
minha irmã e meus sobrinhos.
— Que cara é essa, irmã? Devia comemorar, teremos duas semanas
longe desses dois. Festejaremos bastante. Uma pena não poder mandar os
meus filhos junto — diz Belinda, depois de me abraçar e beijar o meu rosto.
Rodrigo ri, acompanhado por minha esposa, que o abraça brevemente e
depois se encaminha para minha irmã, fazendo o mesmo.
— Não estou feliz, quero a minha mulher comigo o tempo todo.
— Pelo amor de Deus! Você ainda está vivendo a fase gostosa de
viver com ela. Daqui a alguns anos, vai agradecer quando existirem viagens
assim.
— Relaxa, cunhada. Ela diz isso, mas morre de saudade de mim. —
Rodrigo, brincalhão e sorridente como sempre, se aproxima de mim para me
abraçar.
— Você é um traidor, levando a minha mulher para longe de mim.
Não é mais o meu cunhado número um. — Tento afastá-lo de mim, mas não
sou capaz de movê-lo nem um milímetro sequer, devido à sua altura e à
massa corporal, infinitamente maiores do que as minhas.
— Ficarei longe da minha também, estamos quites.
— Eu sou a única feliz com essa viagem por aqui? — minha irmã diz,
ao reaparecer na sala; eu nem tinha notado sua saída. Ela está com uma
taça de vinho em uma das mãos e um pote com morangos na outra. Nego
com a cabeça. Essa garota não existe. Rodrigo vai até ela para beijá-la, e
minha mulher chega até mim, impedindo-me de acompanhar a interação
dos dois.
— Prometa que vai se cuidar.
— Você que deve me prometer isso, tenho mais juízo que vocês dois
juntos. — Ela abre um sorriso para a minha resposta, segurando a minha
cintura quando passo os meus braços por trás de seu pescoço. — Amo você.
— Amo você, marrenta. Vou sentir saudade.
— Eu também. — Luna me aperta e me puxa contra o seu corpo,
juntando nossas bocas com intensidade desde o primeiro toque. Ela
pressiona a mão contra a minha lombar, deixando-me grudada ao seu
corpo. Sua boca parece dançar sobre a minha, sua língua experiente
envolve a minha e a suga algumas vezes, fazendo-me suspirar de amor e
desejo. Sempre é gostoso beijá-la dessa forma. Não acredito que ficarei sem
essa mulher por tantos dias.
Um pigarro faz nos afastarmos, levemente ofegantes. Minha esposa
me olha e sorri, selando os nossos lábios uma última vez, antes de me
soltar. Tenho que me recompor, antes de olhar em direção ao agitado
Gabriel sobre o colo da minha irmã. Luna vai em direção ao caçula,
pegando-o e recebendo um forte abraço.
— Ele está na fase de ciumento ainda? — Belinda questiona, e eu
concordo com a cabeça, observando minha esposa conversar baixinho com
o nosso filho.
Rodrigo se aproxima de mim, abraçando-me pelos meus ombros.
— Boa sorte. Eu tive muitas noites de bolas azuis, por causa do
ciúme do Harry com a Belinda. Foi difícil.
— Pelo menos nessa parte não temos problemas, Gabriel dorme
como um verdadeiro anjo.
— E eu nunca durmo com bolas azuis — Luna brinca, provocando
Rodrigo e ganhando uma língua em resposta. Eu acabo rindo da brincadeira
dos dois. Acho fofo como ela consegue ser brincalhona e, ao mesmo tempo,
tão responsável.
— Vocês deviam ir logo, o voo será daqui a pouco — minha irmã
lembra, apontando para o relógio dourado em seu pulso.
O meu cunhado e a minha esposa despertam e começam a pegar as
coisas. Belinda se despede de Rodrigo, e eu também o faço,
acompanhando-os até a porta. Luna me beija com extrema paixão,
deixando um gosto de saudade antecipada em minha boca. Eu arrumo as
suas roupas, que ficaram levemente amassadas, e os fios de cabelo
desalinhados em sua cabeça.
— Vai dar tudo certo, amor — ela diz, e eu concordo com a cabeça.
— Vou sentir saudades. Não demore.
— Logo eu volto pra você.
Nós nos beijamos uma última vez, antes de Luna se afastar e acenar
para mim, entrando no carro do meu cunhado em seguida. Minha irmã para
ao meu lado, e observamos o veículo até onde nos é possível.
— Finalmente um pouco de sossego.
— Falando dessa forma parece que nem sentirá falta dele. Vocês
estão brigados? — questiono quando entramos em casa, fechando a porta e
caminhando rumo à sala.
— Óbvio que não, mas, de vez em quando, é ótimo ter um tempo só
pra mim. Mês passado, as crianças e ele foram passar um fim de semana na
casa de praia dos meus sogros. Não pude ir, por causa do trabalho, e foi
perfeito, mesmo que eu tenha trabalhado. Tantos anos convivendo com
alguém, de vez em quando é bom ficar longe.
— Entendo. — Gabriel se inclina em minha direção, eu o pego, e
rapidamente ele agarra o meu pescoço. — Mas eu ainda estou na fase
gostosa de querer estar perto sempre, mesmo que tenha se passado tanto
tempo desde que tudo aconteceu.
— Por falar nisso, como estão as suas lembranças?
— Tenho me lembrado mesmo das coisas mais antigas, pouquíssimas
vezes das recentes.
Minha irmã abre um sorriso entristecido, levando a mão para o meu
rosto e fazendo um carinho reconfortante. Faz tempo que não me sinto mais
profundamente afetada por causa disso, as novas lembranças que tenho
vivido têm tomado o espaço que as perdidas deixaram.
— Pelo menos você se lembrou de coisas importantes.
Belinda se inclina para a frente, pegando a garrafa de vinho para se
servir de mais.
— Falta uma das mais importantes.
— Qual?
— Quando unifiquei minha vida com a da Luna para sempre. O dia do
meu casamento.
O primeiro dia foi tranquilo, o segundo também, e se seguiu dessa
forma até o sexto dia. Depois disso, começa a ficar complicado. O motivo?
Simples, cuidar da casa com a minha esposa é muito mais fácil do que
sozinha. Minha irmã voltou para a casa dela. O plano era que ela passasse
as duas semanas aqui, mas se tem uma coisa que aprendemos nessa vida é
que, depois que saímos da casa da família, conviver com eles de novo,
sobre o mesmo teto, é a pior coisa do mundo. Sendo assim, aqui estou eu,
sozinha com os meus dois filhos.
Há quase dois anos que acordei sem memória e posso confirmar, com
toda a certeza, que de todos esses meses, esta é a pior semana. Além do
estresse de ter que cuidar da casa e dos meus filhos sozinha, tem também a
saudade da Luna, e ainda faltam sete dias.
Sentir saudade de alguém é sempre pior quando você não pode ver a
pessoa no momento desejado. Lembrar-se do toque, do calor, do cheiro
dela, tudo, de alguma forma, traz lembranças, e o seu subconsciente não dá
alternativas que não sejam visualizações de tudo o que viveu com esse
alguém. Tornei-me dependente da Luna, mas não de uma forma doentia.
Gosto de compartilhar a minha rotina com ela. Mesmo quando brigamos, sei
que posso chegar e conversar sobre qualquer coisa. Às vezes, o que preciso
é vê-la, mesmo que seja enfurnada em seu videogame, esquecida de mim.
Com ela longe, sinto-me longe do meu lar, porque minha casa é ela.
— Você não tem dormido direito? — ela questiona, fazendo-me voltar
à realidade, em uma chamada de vídeo. Temos feito chamadas assim desde
que ela viajou.
Suspiro, arrumando Gabriel em meu colo. Nosso pequeno está meio
adoecido, a pediatra disse que é emocional, pela falta que ele sente da
outra mãe. Desde que o nosso filho nasceu, os dois sempre estiveram
grudados, então é normal que ele se sinta assim.
— Apenas o suficiente.
— Camille, prometeu que iria se cuidar.
— Eu sei, amor. Não tenho me descuidado, apenas fico preocupada
com o Gabriel durante a noite, e o Louis também tem exigido mais da minha
atenção. Esta semana ele teve alguns trabalhos, ainda bem que Belinda
estava aqui.
— Devia chamar a sua irmã de volta. Tenho certeza de que ela não
negaria.
— Prefiro dormir pouco a conviver mais uma semana com ela.
Belinda me deixa louca. Ela está pior do que quando éramos adolescentes.
Luna solta uma gargalhada, e no mesmo instante, o meu coração
acelera. Esse som sempre me causa paz, estou morrendo de saudade de tê-
la perto. Suspiro, admirando o seu rosto através da tela do notebook. Como
uma pessoa pode ser tão bonita quanto essa mulher, mesmo sem muita
qualidade gráfica?
— O que foi, meu amor? Conheço essa carinha.
— Quero você em casa logo. — Minha atenção é desviada quando o
pequeno se revira no meu colo, abrindo os olhos extremamente castanhos,
fixando-os em meu rosto. — Olá, meu amor. Veja quem está ali. — Coloco-o
de pé para que ele possa ver a mãe, e quando os seus olhos se fixam na
tela, Gabriel se mexe, agitado, tocando a tela do notebook, com a
esperança de senti-la. Luna fica emocionada, posso ver o brilho de saudade
aumentando em seu olhar.
— Que saudade, pitico.
Então, os dois começam a se comunicar por uma linguagem própria,
entrando em uma bolha linda de ser observada. Luna faz perguntas ao
pequeno, e ele responde como quem entende tudo, e eu não duvido disso.
Louis sempre foi muito inteligente, tenho certeza de que Gabriel não é
diferente.
Tudo o que eu espero é que esses dias passem voando e que
tenhamos a nossa mulher em casa outra vez. Estou cheia de saudade.

Faz tempo que eu não me sinto tão ansiosa para chegar à minha
casa. Os dias se arrastam, parece que, ao invés de duas semanas, estou
fora há meses. Só poder falar com a minha esposa através de webcam é
torturante; estar longe dos meus filhos, sabendo que Camille está cuidando
deles sozinha, é muito difícil pra mim. Quase desisto e volto antes, mas era
necessário que eu completasse tudo o que fui fazer.
— Finalmente, cunhadinha. Confesso que estou com saudade de
ouvir a minha esposa reclamando o dia todo — Rodrigo brinca, ao
entrarmos em seu carro, e eu acabo rindo em resposta, pois conheço bem
como é o humor de Belinda. Meu cunhado é guerreiro por conseguir lidar
com ela.
— Latinas são difíceis de lidar mesmo, meu amigo. Sei muito bem.
— Nem me fale. Pelo menos sei que hoje farei sexo. Belinda me
encheu de mensagens durante o dia, foi preciso ter muita compostura para
não dar bandeira de nada.
— Bem que notei como você ficou se mexendo desconfortavelmente
do meu lado. Que horror! E eu, toda inocente, recebendo fotos dos meus
filhos, que a minha esposa mandava.
— Belinda me mandou uma foto do Harry vomitando por ter passado
mal, enquanto brincava no balanço. — Faço uma careta para aquela
informação. — Pois é, foi bem nojento. O casamento é isso, você sabe. No
começo, as mensagens são de carinho e conteúdo sexual, então vêm os
filhos, e as mensagens passam a ser sobre contas, reclamações das crianças
e ordens para preparar o jantar.
— Nem me fale. Camille sempre foi mandona, mas ela também
ameniza, dizendo que sente a minha falta em casa.
— Vocês merecem estar assim, depois de tudo o que aconteceu.
Continuamos conversando, enquanto ele dirige rumo à minha casa.
Meu celular apita com diversas mensagens da Camille, perguntando se vou
demorar. Não lhe respondo, prefiro chegar de surpresa.
Quando entramos na minha rua, sinto-me uma adolescente prestes a
ver a namorada pela primeira vez. Incrível como, mesmo depois de todos
esses anos, eu continuo sentindo tudo da mesma forma.
— Se quiser, posso levar o garotinho comigo e deixar vocês sozinhas
— ele diz e, ao sairmos do carro, me ajuda com a mala e me dá um abraço.
— Fica tranquilo, outro dia cobro esse favor a você. Hoje, eu quero
ficar em família.
— Tudo bem, gatinha. Acho que tem alguém muito ansioso pra te
ver. — Ele mal termina de falar e sinto um impacto em minhas pernas. O
meu sorriso rapidamente se abre, ao olhar para baixo e ver o meu filho
agarrado à minha cintura. Passo a mão nos seus longos cabelos, que estão
batendo um pouco abaixo de seus ombros.
— Que saudade, carinha! — falo e me abaixo para poder abraçá-lo.
Meu filho agarra o meu pescoço com força, enchendo o meu rosto de beijos
carinhosos, e isso me faz rir, sentindo o coração acelerado em meu peito.
— Senti tanta saudade, mamãe — ele murmura contra o meu
pescoço. Ficamos assim durante um bom tempo, e eu demoro a notar a
minha esposa parada na porta. Camille dá um passo para o lado, e os meus
olhos focam a pequena criatura se movendo de maneira afobada: Gabriel
está em seu andador e traz com ele um buquê lindo de rosas vermelhas. Os
meus olhos se enchem de lágrimas de emoção. Que gostoso é chegar à
nossa casa e ser recebida assim!
— Pitico. — Caminho a passos largos em sua direção, sem esperar
que chegue até mim, tiro-o do andador, e rapidamente sou abraçada por
ele. Encho o meu pequeno de beijos, sentindo o cheiro gostoso de bebê que
ele exala. — Você está enorme, meu amor. Sentiu saudade da mamãe?
Como se estivesse me respondendo, o meu filho tenta colocar a
língua presa quando abre um sorriso e se balança todo. Sorrio para ele,
volto a minha atenção para as flores e as pego.
— São de plástico, você sabe que eu não gosto de matá-las —
Camille diz, antes mesmo que eu possa levá-las ao nariz e cheirá-las. Sorrio,
notando que ela se aproxima de mim. Está linda, com um vestido solto,
rendado nas pontas. Tão linda e tão minha. Como sou capaz de me
apaixonar toda vez que a vejo?
— Tira toda a beleza delas quando cortam. — Ela concorda com a
cabeça. — Senti a sua falta.
— Eu também. — Seu sussurro me faz engolir saliva, e então, ela se
inclina para a frente, tomando os meus lábios nos seus. Dessa vez, nem
mesmo Gabriel nos interrompe, parece saber que é um momento de
reencontro que não deve ter interrupção. Com esse beijo, tudo ganha mais
vida ao meu redor.
Ela se afasta de mim, segura o meu rosto, analisando cada parte, e
então, abre um sorriso e volta a se inclinar, mas dessa vez, não beija a
minha boca, distribui milhares de beijos por toda a minha face. Isso me faz
gargalhar, e ouço os nossos filhos acharem divertido também. Então, Gabriel
faz o mesmo, tentando segurar o meu rosto com as pequenas mãos, e Louis
agarra a minha cintura para se juntar. Eu me sinto finalmente em casa. Lar
é onde eles estão. Casa é onde a minha Camille está.
Ganhei um jantar especial. Minha esposa fez o prato que mais adoro
e a minha sobremesa favorita. Desde o momento em que cheguei, tenho
sido mimada por todos. Eu gosto disso, faz tempo que não sou tratada
assim. Digo, quando tudo estava ruim entre nós, as coisas esfriaram; agora,
parece que todo dia ela tenta ser melhor do que no anterior. Eu amo demais
tudo o que vem acontecendo, sou grata por estarmos cada vez melhor.
Depois de comermos, ela me conta sobre os dias que se passaram, e
eu comento sobre tudo o que aconteceu nos exames e na clínica, além de
todas as conversas com os especialistas, deixo a minha esposa ciente de
tudo. Nossos filhos dormem, deixando-nos a sós, ali mesmo, no sofá da
sala. Não contamos ao Louis ainda que teremos outro filho, mas assim que
tudo der certo, ele saberá. Tenho certeza de que o carinha vai gostar.
— Tudo isso quer dizer… — ela diz, ao terminar de ler os resultados
dos exames. A sua testa está franzida, e eu posso sentir o tamanho de sua
ansiedade para a resposta. Abro um enorme sorriso, e o meu coração
parece que vai saltar do meu peito.
— Quer dizer que sim, eu posso. Nossas chances de engravidar de
novo são altíssimas. Eles disseram que o tratamento está dando resultado,
que se o procedimento funcionar, só tenho que seguir as recomendações, e
seremos mães de novo.
Camille paralisa no lugar, absorvendo aos poucos toda a informação,
e não demora muito a se jogar sobre mim, tomando cuidado para não
cairmos sobre os nossos filhos. Eu a seguro firme em meus braços, tendo
uma perna dela de cada lado do meu corpo, enquanto está sentada em meu
colo.
— Vamos ser mães novamente? — ela questiona, desacreditada, e eu
concordo com a cabeça, com a sua boca grudada na minha em seguida.
Então, apenas confirmo que a minha decisão foi correta. Eu posso e vou
tentar outra vez, certa de que tudo será diferente.
Vai dar certo, eu confio.
Os meses seguintes pareceram voar. Nossa rotina voltou aos poucos,
até ser mudada de novo, por causa de todo o procedimento. Na primeira,
quase deu certo; na segunda, da mesma forma. Fico desanimada na
terceira, mas Camille está ao meu lado, apoiando-me sempre, assim como
outras pessoas que eu amo. Não importa o quanto demore, eu terei um
bebê nosso. Sei que sou muito capaz.
— Dá para acreditar que é Natal outra vez? — Estou parada no
quintal, com uma caneca de chocolate quente em minhas mãos, e Noah
está ao meu lado. Paramos aqui para conversar e acabamos perdendo a
noção do tempo. — Está nevando. Quão clichê isso tudo pode ser? — Solto
uma risada por sua fala, recostando-me à lateral de seu corpo. Meu irmão
passa um braço sobre os meus ombros, puxando-me contra si, e suspiro
longamente, sentindo-me muito confortável naquele abraço.
— Estou grávida.
Noah, que estava me fazendo carinho, fica rígido instantaneamente,
sem acreditar no que acaba de ouvir. Solto uma risada ao me afastar dele e
olhar para trás, vendo-o boquiaberto.
— Eu escutei certo? — ele questiona lentamente, ainda
desacreditado, e eu abro um enorme sorriso, concordando com a cabeça.
Noah retira a caneca da minha mão na mesma hora e a deixa em qualquer
lugar, antes de segurar minha cintura e me abraçar com força. — Meu Deus!
Meu Deus!
Solto uma gargalhada por sua emoção e verifico se ninguém está nos
observando. Felizmente, todos parecem entretidos dentro de casa.
— Não conte a ninguém.
— Camille sabe?
— Ninguém sabe.
— Meu Deus, eu estou... Parabéns, pequena. Sabia que daria certo.
Tinha notado algumas mudanças em você, mas como os médicos disseram
que a medicação poderia alterar muitas coisas, não imaginei que...
Caramba! Vou ser tio de novo.
— Sim! E eu vou ser mãe de novo.
Ele abre a boca no mesmo instante que eu. Unimos as nossas mãos e
comemoramos em silêncio, para não criar alarde algum. Meu irmão sempre
foi o meu porto seguro, desde que nasci, sempre esteve ali por mim. Mesmo
nunca contrariando a minha mãe nas decisões que ela tomava por ele,
quando era comigo sempre era defendida por ele. Noah nunca deixou que
alguém fizesse algo contra mim e sempre me encorajou em tudo na minha
vida.
— O que está acontecendo? — Uma terceira voz é ouvida, e então,
nos separamos, para vermos a nossa mãe caminhar em nossa direção, com
um sorriso em seu rosto, olhando-nos com curiosidade. — É o espírito
natalino tomando conta de vocês dois? — ela brinca, fazendo-nos gargalhar.
— Com certeza, mamãe. E vai tomar conta de todo mundo — Noah
diz, e minha mãe o olha sem entender. Sinto vontade de chutá-lo, porque
tenho certeza de que ele não conseguirá manter a língua dentro da boca.
— Por quê?
— É hora dos presentes, mamãe, por isso — eu respondo
rapidamente, não dando mais espaço para nada, e vou até a minha mãe,
entrelaçando o meu braço ao dela, levando-a de volta para dentro de casa.
Todos estão ao redor da árvore, esperando para começar a troca dos
presentes. Rapidamente, eu me aproximo da minha esposa, que está
entretida em uma conversa com Sofia e o novo namorado dela. Sim, minha
cunhada mais nova está namorando, e como podem imaginar, minha esposa
surtou quando soube. Porém, parece finalmente estar aceitando o pobre
rapaz. Camille consegue ser mais ciumenta que Javier.
— Não estava intimidando o Richard outra vez, estava? — Camille
leva as mãos ao peito e faz uma expressão ofendida. Muito cínica essa
mulher.
— Só estava dizendo que eles ficariam mais confortáveis dormindo no
quarto do nosso filho do que aqui na sala.
— Isso não tem nada a ver com o fato de você não querer deixar os
dois sozinhos? — Camille nega rapidamente com a cabeça, fazendo-me rir,
antes de beijar rapidamente a sua boca. — Imagina, você sabe que eles
dormem juntos na faculdade.
— Luna, esqueça isso.
Eu rebateria, mas sou interrompida pelas palmas dos nossos
familiares. É o momento de trocarmos os presentes. Meu estômago parece
que vai fugir do meu corpo, sinto-me nervosa e ansiosa. Olho para a minha
esposa ao meu lado, então para os nossos filhos, que estão no canto com o
resto das crianças: Gabriel, em pé, fazendo graças — desde que aprendeu a
andar, dificilmente para quieto —, e Louis, divertindo-se com Harry e Toni.
Então, o meu olhar foca o meu irmão, que olha para mim, no mesmo
instante, e faz um sinal positivo com o polegar. Não preciso de mais nada
para saber que este é o momento certo.
— Família, família! Quero um minuto de atenção de vocês, ok?
— Sapatão não se controla nem no Natal mesmo, sempre quer
aparecer.
Quem diria isso, se não a minha amada cunhada Vanessa? É óbvio
que algo assim só poderia ter vindo dela. Todos acabam rindo, e eu reviro
os meus olhos, mostrando a minha língua a ela.
— Quero agradecer a presença de todos, mais uma vez, aqui.
Sempre é importante para mim e para a minha família termos vocês
conosco em nossa casa.
— Nós viemos pela comida de graça — dessa vez, quem fala é Theo,
sendo seguido por todos os outros, concordando animadamente.
— Pela cerveja grátis também — Rodrigo concorda, erguendo a long
neck que está em sua mão.
— Claro, sempre é um prazer abastecer vocês — quem diz é a minha
esposa, arrancando risadas de todos ao nosso redor.
— Concordo com o meu amor, é sempre um prazer mesmo. Como em
todo Natal, temos o ritual de trocas de presentes, e este ano, eu quero ser a
primeira. Vou começar agradecendo pela família enorme que tenho, pelos
amigos fiéis, pelos meus filhos e pela minha esposa, que está sempre ao
meu lado. — Conforme falo, olho para cada um, ganhando sorrisos de volta.
— Nesses dois últimos anos, aconteceram muitas coisas. Momentos difíceis,
mas que passamos unidos, com a força de todos nós. Eu não sei se seria
capaz de alcançar tanta coisa boa sem a minha mulher comigo. Camille,
você sabe o quanto eu a amo, o quanto amo os nossos filhos, o quanto sou
feliz pela vida que construímos. Agradeço, todos os dias, por ter tido uma
segunda chance de fazer você feliz.
— Sempre darei todas as chances que você precisar, meu amor — ela
responde, emocionada, arrancando suspiros, assobios, aplausos e
brincadeiras dos outros. Meu coração está acelerado em meu peito.
Caminho em direção às duas caixas que contém os presentes dela, uma
pequena e outra maior, e vou em sua direção, sentindo as minhas mãos
suarem. Camille está tão ansiosa quanto eu.
— Este é o seu primeiro presente, mas ele não é sozinho, só faz
sentido quando abrir o segundo. — Camille pega a caixa pequena,
começando a abri-la de maneira ansiosa.
— Muito obrigada, meu amor — ela agradece, antes mesmo de ver o
que é, e não demora muito a encontrar e a retirar de dentro, com o cenho
franzido, erguendo o objeto, sem entender. — Comprou um carro novo pra
mim? — ela pergunta, incrédula, e eu apenas sorrio e nego com a cabeça.
— Essa chave é do nosso novo lar. — Camille fica boquiaberta, com
os olhos arregalados, não acreditando no que acaba de ouvir. — Sim, meu
amor, é a chave daquela casa linda pela qual você se apaixonou.
— Luna, como? Como conseguiu? Ela estava prestes a ser vendida e
não cabia no nosso orçamento. Meu amor, você...
— Calma, eu não fiz loucuras. Os nossos pais me ajudaram, é um
presente deles também.
Camille rapidamente olha para os pais dela e, então, para os meus,
ainda boquiaberta. Eles sorriem para ela, concordando, como se dissessem
que merecíamos.
— Obrigada, vocês são inacreditáveis. Eu estou sem saber o que
dizer.
— Ainda não acabou, falta o outro.
— Eu estou com medo de saber o que é. Se na caixa pequena
continha a chave de uma casa, nesta maior deve ser uma passagem para
fora da Terra — ela brinca, fazendo com que todos gargalhem, e eu entrego
a caixa a ela, que não demora a abrir.
— Sei que o nosso plano para a casa nova era um pouco mais
distante, mas foi extremamente necessário.
Quando Camille retira o conteúdo de dentro da caixa, fico
preocupada se ela desmaiará, então me aproximo mais. A minha esposa
está com as mãos tremendo, os seus olhos começam a lacrimejar, e não
acredita no que está vendo. Emocionada da mesma forma, me aproximo
dela.
— Você está...? — Ela olha para mim, e mesmo sabendo a resposta,
aguarda, desesperada, por uma confirmação direta minha.
— Sim, meu amor. Estou grávida, precisaremos de muito espaço. —
Olho rapidamente ao meu redor, e todos estão surpresos e curiosos. Eu abro
um enorme sorriso e não controlo as lágrimas, ao dizer: — São gêmeas.
Seremos mães de gêmeas.
No instante seguinte, todos comemoram, e a minha esposa me
agarra com força, puxando-me para um beijo apaixonado.
Finalmente, nossa vida ficará completa de vez.
Capítulo 39 – O grande dia
Estou parada em frente a um enorme e confortável sofá, com um
sorriso no rosto, criando em minha mente uma visualização dessa peça
belíssima na sala de casa. Vai ficar simplesmente perfeito. Nunca pensei
que, apesar de ser estressante, também fosse reconfortante comprar coisas
para casa, principalmente sendo um imóvel novo, recém-reformado. Toda
ajuda que tivemos da nossa família foi essencial, sem eles provavelmente
demoraríamos alguns anos para termos um lar como esse.
— Esse é o escolhido? — Ouço a voz da minha esposa ao meu lado e
rapidamente olho em sua direção. Luna está com a mão apoiada em sua
lombar. Tem sentido algumas dores, conforme a barriga cresce, completará
o quinto mês de gestação em breve, e sua mudança física é notável. Não
pensei que poderia me apaixonar ainda mais por essa mulher, mas essas
bochechas gordinhas e a barriga cada vez mais visível me deixam ainda
mais rendida. — O sofá, amor. Escolheu esse?
— Ah, sim, sim. — Sorrio sem jeito. Não me dei conta de que tinha
ficado parada, encarando-a, enquanto divagava comigo mesma. Meus olhos
se fixam em Gabriel, que está com as pequenas mãos nas pernas de minha
esposa, mas nota o meu olhar e rapidamente caminha até mim, com os
braços erguidos. Um sinal claro de quem diz querer colo. — Você gostou?
— Xim! — quem responde é ele, com a sua adorável língua ainda
enrolada. Nós duas rimos, e eu beijo os cabelos dele, que estão cada vez
mais enrolados. Por alguma razão, ele nasceu com belos cachos nas pontas,
é simplesmente a coisa mais linda do mundo todo. Minha esposa leva a mão
até a cabeça do nosso pequeno, bagunçando levemente os cabelos dele.
— Eu amei. Tenho certeza de que o carinha também vai gostar.
Louis está passando o final de semana em Miami, com os pais de
Luna. Não consigo me acostumar com o fato de ele estar crescendo cada
vez mais. É a primeira viagem que faz sozinho, e eu não consigo ficar
tranquila, até ter certeza de que tudo esteja bem e o meu filho esteja a
salvo. Luna fica preocupada na mesma intensidade, nunca o deixamos ir
sozinho para tão longe. Somos mães muito protetoras, tenho total
consciência disso. Sei que não devo sufocar os meus filhos, mas como não
me preocupar? Acho que nunca cortarei totalmente o cordão umbilical com
nenhum deles.
— Tenho certeza de que ele vai gostar, mas não tanto quanto você e
esse garotinho aqui, não é, bebê?
Gabriel olha para mim, sabendo que estou falando dele, abre um
sorriso sapeca e coloca a ponta da língua para fora. De tanto ver o irmão
sorrindo dessa forma, acabou adotando a mesma mania. Gosto da maneira
como os meus filhos se dão bem, mesmo com a diferença de idade, e o
Louis está animado para a chegada de suas irmãs também. O meu pequeno
realmente ama ser o irmão mais velho. Lembro-me de ouvi-lo conversar
várias vezes com a barriga de Luna, mesmo quando ela mal aparecia,
dizendo que protegerá Gabriel e as duas de tudo nesse mundo. Tenho
certeza de que Luna e eu nunca precisaremos nos preocupar com nosso
filho. Ele será um grande homem, o criamos para ser assim, e acredito que
estamos conseguindo com maestria.
— Faltam poucas coisas agora. Está animada? — Luna questiona ao
voltarmos para o carro. Coloco o cinto de segurança e olho através do
retrovisor, para sair do estacionamento com cuidado. Não nos mudamos
ainda, optamos por terminar de mobiliar a casa nova toda antes. Será mais
fácil, não quero bagunça e a minha esposa grávida no meio. Vamos alugar a
casa em que estamos atualmente, com todos os móveis dentro. Além de
mais fácil, mais lucraremos.
— Muito. Finalmente estou vivendo esse momento. Estar aqui agora,
capaz de escolher tudo e me lembrar disso, é simplesmente maravilhoso.
Minha esposa coloca uma mão sobre a minha coxa e a aperta, e nem
preciso olhá-la para saber que está sorrindo. Luna fica feliz demais por me
ver tão animada. É ótima a sensação de poder mobiliar a nossa nova casa e
ter consciência disso. Na atual, é estranho, porque não tenho lembranças de
quase nada, como se eu simplesmente tivesse sido colocada ali dentro e
estivesse vivendo, porque as circunstâncias me fizeram ter que viver assim.
— Estamos vivendo a vida que queríamos há muito tempo, sabia?
Quando nos casamos, o nosso desejo sempre era ter uma família grande e
uma casa espaçosa, com um quintal enorme. Pode ter demorado um pouco,
mas estamos realizando o nosso sonho.
Seguro a mão dela em minha coxa e a trago até a minha boca,
beijando o dorso e os dedos entrelaçados aos meus. Uma enorme felicidade
está concentrada dentro de mim. Os últimos meses têm sido simplesmente
incríveis. Eu pude reviver uma gravidez toda, e agora tenho a oportunidade
de ver a minha esposa grávida pela primeira vez. Além disso, é claro, tem o
fato de termos sido presenteadas com a casa nova. Sempre serei grata por
todos que nos permitiram viver esse momento. O dinheiro que
economizamos na compra foi todo usado na mobília e decoração da casa
nova. Posso dizer que agora estou vivendo a minha vida perfeita. Talvez
falte apenas um pequeno detalhe, para que ela esteja realmente completa.

— Não sei como o Louis consegue dormir com o Gabriel tão


agarrado. Os dois não se desgrudam nunca, nem na hora de dormir — falo,
assim que volto ao quarto. Fui verificar as portas e apagar as luzes, antes
de me deitar, e como a boa mãe coruja que sou, acabei indo ver os meus
meninos. — O que está olhando aí? — questiono, com o olhar fixo em
minha esposa, que está sentada na beirada da cama, com algo nas mãos,
de costas para mim, muito entretida no que quer que seja. Eu me aproximo
rapidamente, curiosa para descobrir o motivo da sua atenção.
— Estava vindo deitar e acabei encontrando nosso álbum de
casamento. Você estava simplesmente tirando o fôlego — ela diz, ao se virar
para mim, abrindo um belo sorriso apaixonado, e a minha reação é
instantânea, ao devolver o mesmo gesto.
Eu amo demais essa mulher, adoro a maneira encantada que sempre
fala de mim. Acho que se um dia Luna deixar de ser tão apaixonada por
mim, jamais serei a mesma. Eu me sento ao seu lado, olhando as fotos que
ali estão, e a minha mente rapidamente relembra os momentos vagos que
estou vendo nas imagens. Tenho tido mais lembranças, mas na maioria das
vezes, elas são em partes, pedaços perdidos, que só se encaixam quando
converso com a minha mulher ou quando assisto aos vídeos e vejo fotos.
Hoje, consigo lidar melhor com a amnésia, mas, ainda assim, me sinto com
o coração apertado por não conseguir ser capaz de me lembrar de tudo.
— Você estava muito mais linda do que eu. Esses olhos tendo todo o
destaque, sua maquiagem bem leve, do jeito que gosto. Dá pra saber o
motivo de eu estar corada nesta foto, com você me olhando tão fixamente.
Coloco o dedo sobre a foto em questão. Estamos dançando na pista,
com os convidados, mas nós somos o foco, obviamente. Os meus braços
estão sobre os ombros dela, e um sorriso tímido está em meu rosto,
enquanto ela parece hipnotizada em me olhar.
Luna solta uma gargalhada, passando o dedo pela foto, antes de
voltar a me encarar.
— Eu ainda consigo fazer você corar quando a olho assim.
— Convencida.
— Realista — ela rebate, e eu reviro os olhos, empurrando-a com o
ombro. — O dia em que você se tornou a minha mulher oficialmente no
papel, quando juntamos nossos sobrenomes, foi o momento mais feliz da
minha vida. Só está empatado com outros dois, que são os nascimentos dos
nossos filhos.
Impossível não me derreter com a sua fala. Não resisto, me inclino
em sua direção e selo os meus lábios aos seus. Em seguida, levo a mão até
a sua barriga e a acaricio levemente, enquanto sinto a sua boca na minha.
Como não ser completamente apaixonada por essa mulher? É totalmente
compreensível eu não ter resistido no passado e não ter resistido no
presente outra vez.
— Em breve, teremos as nossas filhas conosco.
O enorme sorriso que ela abre faz o meu coração acelerar, por saber
quão feliz e ansiosa a minha esposa está para isso. Luna sempre sonhou
com esse momento, e depois de tanta dor e sofrimento, finalmente estamos
ganhando uma pausa da vida e sendo abençoadas. Vê-la feliz dessa
maneira me deixa muito satisfeita e realizada, e a minha missão tem sido
esta: torná-la cada vez mais feliz, da melhor maneira que eu puder.
— Será que vai doer muito? Você sempre sente tanta dor — ela soa
agoniada e com medo de repente, surpreendendo-me. Luna nunca
demonstrou quaisquer desses sentimentos, antes, relacionados à sua
gravidez. Estou surpresa, para dizer o mínimo. Minha esposa ainda tem o
costume de guardar algumas coisas para si.
— Você está preocupada?
— Muito. Lembro-me de como você sentiu dor no parto do Louis, e
agora, no do Gabriel, que apesar de ter sido melhor, ainda doeu bastante.
Se eu pudesse descrever a expressão no rosto dela como algo
adorável, eu diria que, nesse momento, Luna parece muito um filhote de
cachorro, esperando ganhar colo, assustada, como uma criança com medo
de trovões.
— É normal sentir dores, você sabe.
— E se eu puder ter as duas de forma normal? Vou sentir dores em
dose dupla. Você teve por etapas.
Tenho que me segurar para não rir do que acabo de ouvir, mas a
entendo totalmente. Realmente, apesar de ser um alívio e nem tão doloroso
assim o momento de colocar o bebê para fora, as contrações são horríveis.
— Meu amor, a dor será de uma vez só. Toda essa preocupação é
com a dor mesmo ou é relacionada à outra coisa?
Luna respira fundo, deixando o álbum de lado ao abaixar a cabeça.
Rapidamente, me aproximo dela, colocando a mão sobre a sua lombar e a
outra entre as dela, que estão em seu colo. A minha esposa está nervosa, e
eu posso confirmar isso não apenas por sua fisionomia, mas também pela
temperatura gelada de sua pele.
— Será que vai dar tudo certo?
— Luna...
— Elas estão bem, mas eu ainda vou mantê-las vivas, aqui dentro,
até o último mês? — ela me interrompe, antes mesmo que eu a possa
confortar. Vê-la dessa forma me aperta o coração, a sua insegurança pela
fragilidade causada pelos traumas anteriores, nessa mesma situação, me faz
desejar trocar de lugar com ela. Queria que tivesse sido eu a passar por
tudo aquilo, apenas para nunca ter que vê-la com esse olhar de agonia. —
Tenho sonhado diversas vezes que uma delas não consegue sobreviver por
minha causa, eu...
— Shhh, amor... — Solto as suas mãos para fazê-la me olhar. Os
olhos verdes, que tanto amo, estão com um brilho tão apavorado. Não
consigo vê-la dessa forma, me deixa agoniada. — Elas estão bem e
permanecerão dessa forma. Eu cuidarei de vocês três, e você das nossas
filhas.
— Mas...
— Não pense nessas coisas, ok? Está tudo sob controle. — Uma coisa
rapidamente vem à minha mente, e eu me afasto para poder buscar o meu
aparelho, que estava em cima do meu travesseiro. Em seguida, volto para
perto, desbloqueando a tela do celular para buscar o que desejo. — Ouça.
Luna parece confusa, mas não diz nada, apenas pega o aparelho
celular e o aproxima de si, para poder ouvir. Um sorriso nasce em meu rosto
quando o áudio se torna mais audível, e a minha esposa está incrédula ao
se dar conta do que se trata.
— Você não existe, é sério — minha mulher diz, emocionada, mas
dessa vez, posso sentir a felicidade exalando dela. Tinha aproveitado nossa
última consulta com a obstetra, em que fomos capazes de ouvir os corações
de nossas filhas, para poder gravar o som em meu celular. Queria ser capaz
de ouvir sempre que quisesse. Não tinha mostrado à Luna ainda, mas tudo
tem o seu momento certo de acontecer, não é?
— Eu existo e fui feita para estar com você, ao seu lado, enfrentando
tudo o que vier pela frente. Nós seremos mães de novo em breve, vai dar
tudo certo.
— Acho incrível como você consegue me deixar segura. Só quero que
esteja ao meu lado, segurando a minha mão quando for o momento.
— Não existe outro lugar nesse mundo para eu estar que não seja ao
seu lado.
Minha esposa abre um enorme sorriso e se inclina outra vez em
minha direção, grudando seus lábios nos meus. Sentir sua boca na minha
sempre tem o gosto e a sensação da primeira vez. Seria muito errado dizer
que eu sou grata por não me lembrar de nenhum outro beijo que não seja o
dela? Porque nunca, nem em mil anos, gostaria de ter outra lembrança com
qualquer pessoa nesse mundo que não seja com a mulher da minha vida.
— Eu sou muito sortuda por ter a sorte ao meu lado todos os dias.
Um sorriso todo bobo surge em meu rosto ao ouvi-la, e não evito
beijá-la mais uma vez. Trocamos mais beijos apaixonados, até que voltamos
a nossa atenção outra vez para o álbum de fotos do nosso casamento. Luna
vai comentando sobre algumas, e eu ouço atentamente, recriando as cenas
que a minha mente não consegue lembrar sozinha. É como navegar em um
mar de lembranças. Eu adoro a paciência que ela tem com todos os
detalhes, fazendo-me sentir como se estivesse revivendo tudo.
— E essa foto aqui? — questiono, apontando para uma fotografia que
parece perdida no álbum, destoando totalmente das outras, que são fotos
do nosso casamento. Essa não foi tirada no dia, é bem aleatória, para dizer
a verdade, como se realmente estivesse perdida. Nela, minha esposa e eu
estamos deitadas em uma cama. Ela, sobre o meu peito; eu, com os braços
esticados, provavelmente por ter batido a foto.
— Eu sei que parece perdida aqui, mas essa foto é muito especial.
Tiramos no dia anterior ao nosso casamento. Eu estava ansiosa e precisei
fugir até você. Nossos pais quiseram seguir aquela tradição de não deixar
que nos víssemos, até estarmos no altar, mas não fui capaz de ficar longe
de você.
Enquanto ouço a minha esposa contar sobre aquela fotografia e o dia
em que ela foi tirada, sua voz começa a ficar distante aos poucos, e então,
parece que a minha mente entra em algo como o limbo. Não consigo
explicar direito porque continuo ouvindo o que ela diz, mas os meus olhos
estão perdidos em outro lugar. Um lugar muito distante dali.

— Você acabou de tirar uma foto? — Luna questiona, remexendo-se


em meus braços, e eu sorrio, ao me esticar para colocar a câmera
fotográfica ao lado da cama, logo voltando a atenção para ela. Minha noiva
está deitada sobre o meu peito, mas agora em frente a mim, com os olhos
fixos em meu rosto e o queixo apoiado entre os meus seios. Ela está
confusa e curiosa, com um leve ar de diversão brilhando em seu olhar.
— Sim, essa é a prova de que você não consegue viver um dia sem
estar comigo. Mostrarei essa foto quando você disser, outra vez, que
passará bem um dia longe de mim.
Luna revira os olhos, fazendo-me gargalhar de sua expressão, ao
notar o sorriso arrogante em meus lábios. Ela tenta se soltar e rolar para o
lado, mas eu a prendo com mais força, grudando o seu corpo ainda mais no
meu.
Desde que fomos morar juntas no mesmo apartamento, por causa da
faculdade, raros foram os momentos em que passamos a noite longe uma
da outra. Nos últimos meses, isso não aconteceu, porque estávamos
vivendo uma lua de mel adiantada durante semanas.
— Você é idiota, mas tem razão, não consigo viver sem você.
— Eu sei.
— Será que vamos ter azar por não termos obedecido aos nossos
pais? — Ela parece pensativa ao fazer a pergunta. Abaixo-me para beijar a
sua testa e faço um carinho em suas costas por debaixo da blusa que está
usando. Suspiro longamente, ajeitando-me melhor sobre a cama para
aconchegá-la.
— Não.
— Certeza? Eu acho que os seus pais sabem que estou aqui com
você.
— Isso eles definitivamente devem saber mesmo. Você não foi muito
silenciosa escalando a parede do meu quarto. Sabia que me senti de volta à
adolescência? Quando você fazia a mesma coisa no meio da madrugada
para dormir comigo.
— Eu pensei em mandar uma mensagem antes, mas achei que seria
mais legal fazer assim, como nos velhos tempos.
Luna levanta a cabeça e sorri, antes de se abaixar e beijar a minha
boca. O beijo se inicia lento, como sempre. Gosto de como todos os nossos
beijos são, como se a gente estivesse reconhecendo a boca uma da outra,
lentos e apaixonados. Ela tem o costume de sugar o meu lábio superior,
para, logo em seguida, passar a língua no inferior e deslizá-la para dentro.
Eu suspiro todas as vezes, completamente rendida a essa mulher e ao gosto
dela.
Luna tem sabor de hortelã. Eu sei que é por causa do creme dental,
mas se tornou tão característico dela, todos esses anos, que me acostumei
a sentir esse gosto em sua boca.
Vamos parando o beijo gostoso aos poucos. Ela suga os meus lábios,
um por um, enquanto as mãos apertam e acariciam as laterais do meu
corpo. Gosto dos seus toques leves e firmes, Luna sabe me tocar como
ninguém nesse mundo nunca seria capaz. Eu acho incrível a sua capacidade
em conhecer o meu corpo. Minha noiva tem o dom de me enlouquecer com
extrema facilidade.
Quando tento iniciar mais um beijo, batidas à porta do meu quarto
fazem com que nos afastemos. Olho em direção ao som, e pela sombra
visível por debaixo da porta, é possível ter noção de que tem mais de uma
pessoa parada ali.
— Não quero atrapalhar a lua de mel adiantada de vocês, mas daqui
a pouco os meus pais vão acordar, e eu acredito que as duas donzelas
tenham horários marcados no salão de beleza.
— Vão acabar se atrasando.
Como isso não poderia ser diferente, as vozes são de Belinda e
Rodrigo, que não estão falando tão alto, para evitar que os meus pais
ouçam. Realmente parece que estamos de volta ao passado, quando os dois
nos ajudavam a esconder as coisas.
— Odeio ter que deixá-la — minha noiva resmunga, praticamente se
jogando em meu colo, para abraçar a minha cintura e esconder o seu rosto
em meu abdômen. Eu rio de sua manha, curvando-me para beijar sua
cabeça e acariciar suas costas.
— Eu também odeio, mas precisamos ir. Dentro de algumas horas,
juntaremos os nossos sobrenomes e passaremos o resto das nossas vidas
grudadas.
Luna se levanta rapidamente, e em seu rosto, eu vejo um enorme
sorriso, enfeitando a face que tanto amo. Os olhos verdes estão brilhando, e
tenho certeza de que os meus estão da mesma forma.
— Serei uma Cruz para sempre.
— Eu, uma Jacobs para sempre.
Parecemos adolescentes apaixonadas, como sempre fomos, e
acredito que sempre seremos. Trocamos um beijo que, no início, era para
ser coisa rápida, mas acho que nos empolgamos, porque os nossos
telefones começam a vibrar sem parar, com a chegada de mensagens. Nós
duas rimos, antes de ela se levantar da cama para se vestir. Depois, a minha
noiva caminha em direção à janela, mesmo eu dizendo que não era
necessário e que poderia sair pela porta da frente. Luna gosta de uma
aventura.
— Vejo você no altar? — ela questiona, antes de descer totalmente
Eu abro um enorme sorriso, acenando com a cabeça, antes de
respondê-la:
— Eu serei a de branco.

Meu coração está em êxtase neste momento, com os batimentos


acelerados, e a minha visão está levemente turva. Estou com mal-estar, mas
é apenas euforia pela lembrança que acabei de ter. Não posso conter a
felicidade dentro de mim, porque, assim como as outras, essa também foi
uma lembrança muito importante. Acho que aconteceu no momento certo,
porque acabo de tomar a decisão que deveria ter tomado há mais tempo.
— Meu amor, tudo bem? — A voz preocupada da minha esposa me
traz de volta à realidade, e olho rapidamente para ela, que me observa com
a preocupação nítida em seus olhos. Tiro o álbum de fotografias de suas
mãos e depois as pego, fixando o meu olhar no seu.
— Eu quero me casar com você.
Parece que Luna foi pega de surpresa, e a sua expressão passa de
preocupação para felicidade e confusão em questão de segundos.
— Essas alianças em nossos dedos já mostram que somos casadas
há anos, meu bem — ela brinca, soltando uma risada tão gostosa, que me
faz amá-la ainda mais. Já disse que amo esse som? O meu coração fica
quentinho.
— Você não entendeu. Estou dizendo que quero me casar com você
outra vez. E quantas vezes mais forem necessárias.
— Camille...
— Você aceita se casar comigo?
Luna não responde de imediato. Posso observar quando os seus
olhos começam a lacrimejar, e são lágrimas de felicidade, pois conheço o
brilho que está em seu olhar, é o mesmo que ela tem todas as vezes que
digo que a amo. Então, ela abre um sorriso, com o qual estou acostumada,
pois ele é exclusivamente meu.
— Basta olhar em meus olhos, você já tem a sua resposta.

Eu sinto os músculos do corpo dela relaxando, conforme eu aperto os


locais tensos. Os hormônios da gravidez têm afetado bastante a minha
esposa, que vive, constantemente, mudando de humor, por isso e pelas
dores sentidas. Tenho dado o meu jeito para conseguir lidar com ela e
acalmá-la. Descobri alguns métodos para isso.
— Eu também tinha o humor instável quando estava grávida? —
pergunto, curiosa. Ouço alguns de seus ossos estalando, e a minha mulher
solta um gemido doloroso e aliviado ao mesmo tempo. Ela está sentada
entre as minhas pernas, enquanto estamos na banheira. Resolvi fazer uma
massagem aqui, porque fica mais confortável para as duas.
— Bastante. Eu acredito que a primeira tenha afetado mais. Às vezes,
eu tinha medo de dormir e acordar com você jogando alguma coisa em
mim, ou talvez com uma faca na mão.
Ela solta uma risadinha, e eu fico paralisada, assustada com essa
informação. Sei que na gravidez do Gabriel fiquei muito instável, mas não
tanto quanto parece que fiquei na gravidez do Louis. Minha esposa me olha
por cima do ombro, com os cabelos presos naquele coque, no alto da
cabeça, e algumas mechas soltas caindo sobre o rosto. Volto a massageá-la
lentamente e a vejo fechar os olhos, suspirando em deleite com o contato.
— Brigávamos muito?
— Tínhamos muitas discussões, mas era muito fácil reverter uma
situação crítica.
— O que você fazia para me acalmar?
Ela inclina a cabeça para a frente, usando a mão direita para mostrar
que quer uma massagem na nuca, e eu, rapidamente, lhe obedeço.
— Comida, muito carinho, massagem e, claro, muito sexo.
— Muito sexo?
— Sim, bastante. Você gostava sempre que tinha uma oportunidade,
em qualquer lugar.
— Qualquer lugar?
— Qualquer lugar. Era mais fácil naquela época, porque o nosso
primeiro filho não tinha nascido ainda, então éramos pouco interrompidas —
ela brinca, fazendo-me rir. Eu tenho que concordar, porque fazer sexo,
quando se tem crianças em casa, se torna uma missão quase impossível,
principalmente quando se tem um bebê, como o Gabriel, que exige atenção
o tempo inteiro. Nem sei como vão ser as coisas quando as gêmeas
nascerem.
— Eu acho que estou sabendo usar essas técnicas com você, não é?
— Muito, e eu gosto bastante da parte do sexo. É claro que gostaria
de fazer mais, mas você tem conseguido suprir as minhas necessidades.
— É mesmo? — Paro de massagear a sua nuca para deslizar as mãos
até a sua parte da frente, alisando a barriga cada vez maior, até chegar aos
seus seios, que estão extremamente sensíveis, e eu vejo isso pela reação
dela ao sentir o meu toque. — Eles estão enormes, tão bonitos.
— E muito sensíveis — ela sussurra, recostando-se mais em mim, e o
contato de sua bunda diretamente com minha boceta faz com que o meu
corpo tenha reações. Luna tem o dom de me deixar maluca sem dificuldade.
Sei que sempre falo isso, mas é porque fico surpresa com todo esse poder
sobre mim.

— Incomoda? — questiono, e ela nega com a cabeça. Luna deita a


cabeça sobre o meu ombro esquerdo, dando-me mais liberdade. Os meus
olhos vão aos seus belos seios, fazendo-me salivar de vontade de tê-los em
minha boca. Eu, rapidamente, aperto os mamilos, e a minha esposa se
curva, enquanto solta um longo e alto gemido. — Doeu?

— Não. Não, não mesmo, nem um pouco. Caralho! Eu amo ter as


suas mãos neles.

Continuo massageando os seus seios, tocando na sua barriga e nas


suas coxas, porém sem tocar em sua entrada. Não é confortável ser tocada
nessa região debaixo da água, porque incomoda demais, a ponto de
machucar, se não tiver cuidado, e tudo que eu menos quero é machucá-la.

Sinto a água cada vez mais fria e decido que está na hora de
sairmos.

— Vamos sair, está começando a esfriar.

Ela resmunga um pouco, mas não nega. Eu a ajudo a sair da


banheira e, então, pego a toalha para poder secá-la. Minha esposa não tira
os olhos de mim, e adoro ter seu olhar dessa forma, porque faz eu me
sentir amada e desejada. Para ser sincera, não existe nada que eu não
goste em relação a ela.

— Preciso muito fazer xixi.

— Tudo bem. Vou te esperar no quarto.

Dou-lhe um selinho, antes de deixá-la sozinha no banheiro. Tenho


tempo de me vestir e me deitar na cama, enquanto a minha esposa não
vem. Não me preocupo, porque Luna disse estar sempre demorando
quando usa o banheiro, pois parece que as nossas filhas vão deslizar para
fora, então ela faz tudo com a maior calma possível.
Pego um livro que está ao meu lado, na cabeceira, e começo a
folheá-lo para encontrar a parte em que parei. Minutos depois, eu entendo o
motivo de sua demora. O cheiro de sabonete, misturado ao creme corporal,
toma conta do quarto inteiro rapidamente. Meus olhos vão em sua direção,
e tenho a visão mais linda do mundo: minha esposa completamente nua,
exibindo a bela barriga de grávida, enquanto caminha graciosamente,
secando as pontas do cabelo, que acabaram molhando durante o banho.
Ultimamente, tenho me sentido bem mais atraída por ela, e não achava que
isso seria possível.
— Por que está me olhando assim? Não tem nada aqui que você não
tenha visto, amor — ela brinca ao passar em frente à nossa cama, indo em
direção ao closet. Olha-me por cima do ombro e abre um sorriso sem-
vergonha, fazendo questão de balançar bem o quadril, antes de sumir da
minha vista. Engulo em seco e, rapidamente, largo o livro sobre a cama, de
qualquer jeito. Provavelmente terei que procurar a página em que parei,
mas não me importo. Tenho outra prioridade agora.
Quase tropeço em meus próprios pés, ao me deparar com a bunda
enorme erguida no ar, enquanto a minha esposa está curvada, procurando
algo em uma de suas gavetas. O corpo dela ganhou mais curvas, e, apesar
de estar complexada com a aparência, para mim ela está cada dia mais
linda e mais gostosa. Não demoro a me aproximar, sem aguentar ficar
apenas ali observando.
— Isso é um convite?
— Meu Deus, Camille! Não faça isso — ela reclama, depois de saltar
de susto por causa da minha chegada repentina. Eu abro um sorriso,
olhando-a, enquanto ela gira sobre os calcanhares para me encarar. Sua
falsa expressão raivosa se desfaz ao fixar o olhar no meu. — Pare de chegar
assim do nada, amor.
— Você me provoca desse jeito e não espera que eu venha atrás de
você?
Sua pose se desfaz totalmente com o meu tom de voz. Consigo
desarmá-la fácil, ela não resiste muito a mim.
— Eu não fiz nada.
A sua falsa inocência me excita, esse cinismo descarado me deixa
louca. Ela fez, e sabe muito bem o que fez. Não lhe respondo de imediato e
me aproximo sem perder tempo, rapidamente tomando a sua boca na
minha. Meus movimentos não são graciosos e lentos como sempre, pelo
contrário. O beijo começa de maneira agressiva, sem calma, afoito, com
muito desejo envolvido. Luna geme em minha boca, agarrando-me pelos
ombros. Eu uso as minhas mãos para segurar sua cintura, mas não resisto
ao descer as duas para a bunda, que aperto com vontade, ganhando mais
um gostoso gemido dela.
— Você gosta de me ver louca. Mesmo que não tivesse feito nada,
apenas a sua existência já é motivo pra eu ficar assim. — Minha voz está
rouca, com um tom sensual, da forma que sempre fica quando estou
atingindo níveis altos de tesão. Todos os meus sentidos estão aguçados,
sinto-me sensível, à flor da pele. Luna não tem tempo de me responder,
porque, em questão de segundos, estou beijando-a outra vez, lambendo e
sugando os seus lábios. Continuo apertando a sua bunda e uso as pontas
dos dedos para tocá-la no espaço entre as nádegas, pressionando o local
apertado e quente.
— Amor... — ela ofega ao separar sua boca da minha, tenta se
afastar um pouco, mas sou implacável, agarrando-a de novo e tomando a
sua boca mais uma vez. Luna se entrega, mas volta a tentar se afastar de
novo, então eu a libero um pouco para ouvi-la. — Espera. Será que você
pode continuar me beijando assim, só que lá embaixo?
Minha mente, completamente nublada pelo tesão, me faz soltar um
gemido extremamente grosso. Solto lufadas de ar, ao entender o seu
desejo, e não me contenho: abro um enorme sorriso e aproximo meu rosto
do dela.
— Quer a minha língua em você? — Ela rapidamente acena em
concordância, umedecendo a boca com a língua. Sinto vontade de chupá-la,
mas agora vou chupar outro lugar. — Vou te dar o que você quer.
E logo estou de joelhos para ela, afastando as suas pernas, enquanto
Luna usa as prateleiras atrás de si como apoio. Seu cheiro invade as minhas
narinas, e um som de aprovação escapa da minha garganta, sem que eu
possa evitar. Eu simplesmente amo o fato de ela não usar e abusar de
produtos íntimos que tiram o cheiro natural, amo o aroma de mulher que
ela exala. Não existe nada melhor que uma boceta com cheiro e gosto de
boceta.
Nem preciso tocar nela para ver quão molhada está, e não resisto:
logo a minha língua está passando por toda a sua abertura, de cima para
baixo, sentindo seu gosto. Dou lambidas generosas, não deixando parte
alguma sem que a minha língua passe, arrancando gemidos e palavras
desconexas dela. Então, eu a beijo, da mesma forma que beijei sua boca, só
que, dessa vez, um beijo muito molhado e ainda mais gostoso. Sugo os
pequenos e grandes lábios e fecho os meus lábios sobre o seu clitóris, para
sugá-lo como sei que a minha mulher gosta.
Luna usa as duas mãos para segurar minha cabeça e rapidamente
esfrega-se por toda a minha boca e rosto, de maneira descontrolada. Louca
de tesão: é assim que eu gosto de tê-la. Não me incomoda, gosto de vê-la
descontrolada dessa maneira. Ela tem sentido mais desejo nas últimas
semanas, fazendo coisas que não fazia antes. E apesar de existirem dias em
que ela não quer contato algum, quando quer, a minha esposa me maltrata.
Luna acaba comigo, mas eu a amo.
— Que boca deliciosa! Caralho, Camille. Você sabe chupar tão
gostoso.
Perco a noção do tempo, dou tapas em suas coxas, em sua bunda, e
ordeno que ela se esfregue mais. Praticamente todo o meu rosto está
molhado com sua lubrificação, mas eu não poderia me importar menos.
Luna está louca, ansiosa para gozar, mas não a quero fazer gozar assim,
então, mesmo a contragosto, eu me afasto. Sei que ela deve estar com
raiva, mas, ainda assim, olho para cima.
— Vire.
— Camille… — ela resmunga, e eu aproveito para dar um tapa forte,
com a palma da mão, diretamente em seu clitóris.
— Cale a boca e faça o que eu mandei. Vire e se abra bem pra mim.
Mesmo irritada por eu ter interrompido o seu momento, ela está
muito ansiosa para continuar com a minha boca nela, então não se faz de
rogada e obedece. Luna se apoia nas prateleiras e fica curvada, separando
bem as pernas para me dar toda a liberdade possível. Essa é uma das
visões que eu mais gosto de ter. Uso as mãos para segurar as suas nádegas
com firmeza e afastá-las, inclinando-me para lamber o ponto delicioso em
que a minha esposa adora ser tocada. Passo a língua pela região, deixando-
a ainda mais molhada, e uso a mão direita para penetrá-la na boceta com
dois dedos, lentamente, sentindo-a me apertar e ouvindo seus gemidos
cada vez mais altos.
— Não vou aguentar assim. Amor... Ah! Eu vou gozar! Caralho eu...
Camille!
Rapidamente, paro de penetrá-la para masturbá-la, esfregando o seu
clitóris do jeito que ela mais gosta, girando os dedos, enquanto, com a mão
esquerda, abro mais a sua bunda para poder enfiar a língua no buraco
extremamente apertado. Luna não demora a gozar, e quando o faz, volto a
penetrá-la com os dedos, sentindo-a me apertar e tremer sobre suas
pernas.
Não sei quanto tempo durou o seu orgasmo, tenho certeza de que
ela teve mais de um. Quando o seu corpo finalmente se acalma, eu uso a
língua para limpar cada resquício do seu gozo.
— Porra de mulher deliciosa, com esse rabo gostoso e essa boceta
mais gostosa ainda — falo, assim que me coloco de pé, não resistindo e
batendo em sua bunda, ganhando um gemido manhoso dela.
Minha esposa rapidamente se vira para mim. Seu rosto está
avermelhado, principalmente nas bochechas e na ponta do nariz. Essa
imagem sempre me deixa apaixonada e com tesão. Luna me puxa para si,
tomando a minha boca com a sua e beijando-me com vontade.
— Vamos para a cama, quero você sentada na minha cara — é tudo
o que ela diz.
Eu sei que a noite está apenas começando.

Desvio a atenção do livro em minhas mãos para olhar para baixo,


deparando-me com o meu pequeno deitado sobre a minha barriga,
dormindo, com a sua chupeta do Homem-Aranha na boca. Olho para o lado,
e o meu coração fica ainda mais quentinho, observando a minha esposa e o
nosso outro filhote completamente apagados. Depois do almoço, resolvemos
fazer a maratona dos filmes da Disney, e os meus três amores acabam
dormindo. Compreensível, pois o almoço foi bem farto, e sempre bate
aquele sono da tarde, principalmente em tardes chuvosas de um domingo,
como hoje.
— Hm... Hm… — Gabriel resmunga em meu peito, balançando a
cabeça de um lado para o outro, e resolvo deixar o livro totalmente de lado
para acariciar os cabelos do meu pequeno. Isso parece acalmá-lo, porque os
resmungos param, e ele suspira longamente. Isso me faz sorrir e beijar sua
cabeça, abraçando-o em seguida. Faltam poucos dias para nos mudarmos e
alguns pequenos detalhes nos quartos, para que tudo finalmente esteja
pronto.
Não vejo a hora de irmos para a casa nova. Sei que existem muitas
lembranças aqui, mas acho que ir para um lugar novo fará com que as
coisas sejam ainda mais leves. Talvez o fato de que poderei me lembrar de
tudo possa ajudar nessa animação toda.
Olho outra vez em direção ao Louis e a Luna, que ainda dormem
profundamente. Meu pequeno está todo encolhido entre nós duas, com as
pernas sobre as da minha esposa. Ela ressona baixinho, com a respiração
um pouco pesada. Tem sido assim desde que engravidou. A minha mulher
tem sentido muito cansaço, e consequentemente, o seu sono está mais
pesado. Com os meus olhos, traço cada detalhe do rosto da mulher que
amo: as suas bochechas redondas, por causa da gravidez, deixam-na ainda
mais bela, a boca, sempre tão gostosa, parece ainda mais bonita assim,
entreaberta. Não há dúvidas sobre essa mulher ser o amor da minha vida.
Se eu pudesse voltar ao passado, começaria as coisas de forma
diferente. Toda aquela antipatia instantânea que senti por ela, apenas
porque era terrivelmente atraente e se achava por causa disso, sem contar
as cantadas ridículas. Tudo sobre Luna me irritava, e quando ela teve noção
disso, parece que as coisas pioraram. Então, conforme o tempo passava, eu
a odiava cada vez mais. Parecia que, em todos os lugares que essa garota
estava, era impossível fugir dela.
Eu nem fazia ideia de que o destino estava mexendo os pauzinhos
para que nossos caminhos sempre se encontrassem.

Levanto-me sobre a cama em um salto, ofegante e com o coração


bastante acelerado. Minha visão ainda está levemente turva, o quarto está
escuro, mas a luz da lua, que entra através da janela aberta, deixa o
ambiente mais visível. Olho para o lado, preocupada em acordar a minha
esposa, mas fico aliviada ao vê-la dormindo serenamente. Vou me
acalmando aos poucos, descendo o olhar pelo seu corpo. Os cabelos longos,
soltos pelo travesseiro, os seios bem cheios, a barriga, que não tem como
esconder, e as coxas cada vez mais grossas. Ela tem dormido sem roupa
durante noites como esta, em que está um pouco abafado. Eu claramente a
apoio, porque amo vê-la nua.
Luna está mais linda do que nunca. Eu sempre ouvi dizer que as
mulheres costumam ficar mais bonitas quando estão grávidas, e posso
confirmar, com total certeza, que esse é o caso da minha esposa. Mesmo
quando ela está cansada, com cara de sono, por causa de uma noite ruim,
consegue ser a mulher mais linda do mundo. Eu não acho que seja possível
essa mulher ficar feia de alguma forma.
Nem todas as gotas de água, que caem do céu todos os anos, são
capazes de medir o tamanho do amor que sinto por essa mulher.
Você já ouviu dizer que os seres humanos nasceram com quatro
braços e quatro pernas e tiveram que ser separados para não serem tão
fortes? A história diz que, por causa disso, passamos o resto das nossas
vidas em busca da metade que nos foi tirada. Eu acredito, porque encontrei
a minha outra parte, a minha pessoa.
Quando se ama alguém como eu a amo, e tenho descoberto amar
cada dia mais, você se sente capaz de tudo. Sente na pele tudo o que a
pessoa sente, chora quando ela chora, sorri quando ela sorri, fica bem
quando ela está bem, mal quando ela está mal, entre outras coisas. É capaz
de dar a vida por essa pessoa ou até mesmo deixar a própria felicidade de
lado apenas para vê-la feliz.
Porque a felicidade dela também é a sua.
Porque vê-la sorrir lhe dá sentido para viver intensamente.
Porque é ela que o mantém no chão, não a gravidade.
Porque você tem sorrisos únicos e exclusivos para ela.
Porque sem ela você deixa de viver e passa apenas a existir.
Nunca fui muito boa com sentimentos amorosos, sempre corri disso
quando era possível. Metade da minha vida sumiu da minha memória. Só
existe uma coisa que eu mudaria em tudo isso: daria uma chance à Luna
desde o início. Faria tudo diferente. Porque é ela. Eu sei que é ela. Se não
fosse, não seria mais ninguém. Eu não poderia ser mais grata por ela ser o
meu primeiro e único amor.
Não posso evitar e levo a mão até sua barriga, acariciando-a
levemente. Meus olhos se enchem de lágrimas de alegria. Falta tão pouco
para termos nossas pequenas conosco. No dia em que acordei
desmemoriada, passei semanas querendo terminar com ela. Nunca, nem em
mil anos, imaginei que hoje estaria aqui, ainda casada, prestes a me casar
de novo com o amor da minha vida, com mais um filho e duas prestes a
nascer. Chego mais perto para beijar aquela circunferência enorme.
— O que está fazendo, estranha? — a sonolenta Luna questiona de
repente, arrancando-me uma risadinha. Ela se mexe na cama, e eu me
afasto, subindo para poder beijá-la.
— Não resisto a você e a essa barriga enorme.
— Você... Camies, coloque a mão, rápido — ela diz, afobada, de
repente, puxando a minha mão para a sua barriga. Estou confusa, mas logo
entendo quando sinto as nossas filhas agitadas. — Parecem peixinhos
nadando dentro de mim.
— Nossa, elas acordaram agitadas.
— Com certeza, sentiram a sua presença.
Eu sorrio e a beijo. O movimento na barriga dela vai parando
conforme a gente se beija, como se elas sentissem a mãe delas mais calma
e, automaticamente, ficassem também. É engraçado pensar como os bebês
reagem, não é? Mesmo tendo passado por isso, ainda acho fascinante e
assustador.
— Quero me casar com você antes delas nascerem.
— Esse mês?
— Sim, e já tenho a data perfeita para isso.

Se, há três anos, alguém me dissesse que eu estaria, hoje, prestes a


me casar de novo com a Luna, eu provavelmente xingaria a pessoa de
louca. Porém, aqui estou, mais uma vez, prestes a unificar a minha vida
com ela. Em três anos, não só aprendi a amar minha esposa cada dia mais,
como tive outro filho, e falta menos de um mês para termos mais duas
filhas. Isso é muito louco de se pensar. Tivemos duas semanas para planejar
tudo, foi uma correria sem tamanho. Não queríamos exageros, mas tinha
que ser algo bonito, em um lugar ainda mais bonito.
E qual o local mais perfeito para isso, senão sob o nosso lugar?
Tivemos tantas lembranças compartilhadas aqui, eu não consegui pensar
em um lugar melhor para nos casarmos outra vez.
Luna amou a ideia, e apesar de estar cansada por todo esforço que
precisou fazer, quando a vi mais cedo, ela parecia uma adolescente, toda
ansiosa.
Há três anos, eu estava odiando o amor da minha vida, sem saber
que ela era a mulher com quem passaria o resto dos meus dias. Demorei a
acreditar, não quis pensar que tinha me apaixonado pela pessoa que odiei
na adolescência durante tanto tempo. Era impossível para mim, mas hoje,
parada aqui no altar, enquanto a espero, olhando para nossos parentes e
amigos, sei que não existe ninguém, além dela, que eu queira para sempre.
Tudo pelo que passamos serviu para reforçar esse amor que sentimos;
também sei que temos um longo caminho para percorrer. Amar é se doar e
ceder todos os dias, mas também é estar disposto a enfrentar quase tudo o
que vier pela frente. Com ela ao meu lado, não existe outro lugar em que
eu queira estar.
Luna foi destinada a mim, moldada para se encaixar em mim e
mandada a esse mundo para me encontrar quantas vezes fossem
necessárias. Hoje, entendo que o destino apenas quis nos testar, para
sabermos se realmente estávamos prontas para passar o resto de nossas
vidas juntas. Sim, tenho a total certeza de que estamos mais do que
prontas.
Quando a música escolhida por ela começa a tocar, o meu coração
parece prestes a sair do peito. Meus olhos não demoram a vê-la, de braços
dados com o pai, com o vestido solto, mas, ainda assim, deixando bem
visível a barriga. Não contenho a emoção e agradeço por estar usando
maquiagem à prova d’água, porque nunca, em mil anos, eu visualizaria essa
cena sem chorar. Ela está simplesmente tirando o meu fôlego.
Não consigo olhar para qualquer outra coisa que não seja para ela
vindo em minha direção. Quando está perto o suficiente, noto que a minha
esposa também está chorando de emoção. Um sorriso me escapa, e olho
para Mark, que, como o ótimo pai emotivo que é, está se acabando em
lágrimas de alegria. Luna disse que na primeira vez ele também chorou. Seu
olhar cruza com o meu, e ele adota uma pose séria, mesmo que ainda
estejam escorrendo lágrimas por suas bochechas.
— Continue cuidando bem da minha garotinha, ok?
— Até depois do para sempre eu cuidarei dela, Mark.
Ele sorri para mim, parecendo satisfeito, e então, dá um beijo na
testa de minha mulher, antes de se afastar e a deixar comigo. Com as mãos
trêmulas, seguro o seu rosto e a observo com cautela. Não sou capaz de
evitar: me aproximo e beijo sua boca, sussurrando baixinho: “Obrigada por
me escolher”, antes de me afastar outra vez e levá-la para a frente da juíza
de paz.
Não consigo prestar atenção em uma palavra dita, sou toda para
essa linda mulher ao meu lado agora. Como pode ser diferente? Ela está
iluminando todo o ambiente, como se fosse o meu sol particular. Você já
encontrou aquela pessoa que a faz confiar no amor? Que a faz ter vontade
de se jogar em um penhasco, sem medo do que encontrará no fundo?
Se você ainda não encontrou a sua pessoa, não desista, mas também
não a procure. Ela vai encontrar o caminho até você, de uma maneira ou de
outra. Não tenha medo, não tenha, porque amar e ser amado é uma das
melhores coisas que existem nesse mundo. O amor é incrível, é uma dádiva
que nos foi concedida. Você precisa se entregar sem amarras, sem pensar
no depois, sem se lembrar do passado, porque a sua pessoa de agora não
tem culpa das outras que a machucaram. Se você fizer isso, as coisas vão
simplesmente acontecer, como um passe de mágica, ou melhor, como um
passe de amor.
Porque o amor é como a magia: surreal, encantador, inédito. Faz
você se sentir fora da realidade, como se estivesse flutuando dentro de si
mesmo. Tudo à sua volta ganha mais cor, você se sente vivo, como se
realmente valesse a pena viver, porque você finalmente encontrou um
motivo para continuar, uma razão para ser a sua melhor versão.
O amor é misterioso, ele surge de repente e nunca sabemos por
quem iremos senti-lo. É assustador, eu sei, mas o amor é uma dádiva, e
nem todos sabem apreciar isso. Nem todo mundo sabe valorizar o amor e o
cultivar. Permita-se amar e ser amado, mas não por solidão. Entregue-se
sem medo, sem amarras, sem pensar. Confie e faça valer a pena.
O amor é uma das poucas coisas que faz com que nos sintamos vivos
de verdade, e eu me sinto mais viva que nunca. Se você não acredita no
que eu disse ou nunca sentiu isso nem perto, vai entender quando
encontrar a sua pessoa, assim como eu encontrei a minha.
Estamos de frente uma para a outra agora, olho no olho, com os
mesmos sorrisos em nossos rostos. Minhas mãos estão geladas e as dela
estão úmidas. Não sei por que ainda ficamos nervosas, se já somos
casadas. Mas eu entendo, sei o que este momento significa. Estamos no
lugar em que muita coisa aconteceu, onde tudo começou. E agora está
recomeçando.
— Faz um bom tempo que, nessa mesma casa na árvore, você pediu
um pedaço do meu coração pra você. Eu não fazia ideia de que ter dito
“sim” a você, naquele dia, me fez entregar não somente a parte que você
pediu, mas ele por inteiro, porque não existe pessoa melhor nesse mundo
para me amar, respeitar, admirar e cuidar. Eu não escolheria outra, nem
mesmo se pudesse. É você, tem sido você por muito tempo e sempre foi
você.
Faço uma pausa para recuperar o fôlego. Estou quase chorando, e a
minha mulher não consegue controlar as lágrimas.
— Meu coração escolheu você, o destino nos escolheu para vivermos
esse sentimento tão intenso e verdadeiro — continuo. — Eu a escolhi para
amar, cuidar, respeitar e proteger. Você é minha pessoa, e sei que posso
confiar em você. Minha eterna sorte, eu sou a mulher mais sortuda do
mundo por estar apaixonada pela minha melhor amiga, porque, para mim,
você é tudo, meu sol depois da chuva, minha luz na escuridão, a base que
me sustenta. O amor da minha vida, muito mais do que eu mereço.
Luna nem ao menos espera que eu termine os meus votos, ela
apenas me puxa contra si e gruda as nossas bocas. Todos à nossa volta
comemoram, e eu me perco nela, como sempre, sem medo de não voltar.
Neste beijo, me sinto segura e amada. Tudo em mim é reflexo dela, tudo
nela tem um pouco de mim também.
Somos a combinação perfeita e imperfeita. Eu complemento as
qualidades dela, e ela camufla meus defeitos. Se existe algo que acertei
nessa vida, foi o momento em que a deixei entrar, para nunca mais sair
daqui. Casar-me com ela foi o maior acerto de todos.
— Você sempre me pergunta o motivo de eu ter permanecido, depois
de tudo o que aconteceu. Sabemos que somente amor não impede nada,
que sentimento nenhum nesse mundo é capaz de sustentar as coisas. Com
você, aprendi muitas coisas boas, e nem tão boas assim, e acredito que
você também tenha aprendido da mesma forma. Eu obviamente amo você
mais do que tudo, então resolvi apostar todas as minhas fichas. Quando
você se casa com uma pessoa, não é apenas pelo físico dela nem pela vida
que ela pode lhe dar. Existem milhares de coisas que vêm junto na
bagagem, altos e baixos, dificuldades. É importante estar preparada, porque
é difícil, mas você sempre torna tudo mais fácil.
— Você também — não evito, sussurro, e ela abre um sorriso para
mim. Estamos, as duas, chorando, muito emocionadas com todo esse
momento.
— Você sempre está ao meu lado, fazendo-me ter vontade de dar
cem por cento de mim em tudo. Sempre me apoia, estando comigo nas
horas boas e ruins. Nunca me deixa sozinha, guiando-me pelos caminhos
quando preciso. Está ao meu lado quando ninguém mais está. Enfrentamos
muitas coisas, Camille. Não a escolhi, fui escolhida. Nós duas fomos
escolhidas por alguma força maior que nos quer juntas. Eu acredito que
tudo que acontece tem uma razão, e eu só tenho certeza de uma coisa.
— Qual?
— Você é a minha melhor aposta. E eu sou capaz de apostar quantas
vezes for necessário, porque sei que sempre sairei ganhando.
Nos dias que passaram, depois do nosso casamento, a nossa vida foi
corrida e muito feliz ao mesmo tempo. Tudo se acertando. Conseguimos
terminar as coisas e finalmente vamos morar na casa nova. Luna e eu,
obviamente, não tivemos uma viagem de lua de mel, mas não quer dizer
que não tenha tido nada especial. É claro que não pudemos ter uma coisa
privada, porque os nossos filhos estavam conosco, mas ficamos dias em
êxtase, enquanto nos despedíamos da antiga casa. Sempre me lembrarei
dela, mesmo tendo perdido muitas lembranças.
— Esta será a última noite que vamos dormir nesta cama — comento
ao voltar para o quarto. Tudo que é nosso está na outra casa, mas ainda
queremos dormir esta última noite aqui. Estou indo ao closet, quando um
gemido doloroso da minha esposa faz os meus sentidos entrarem em alerta.
— Meu amor? Está tudo bem?
Luna se senta na cama rapidamente, com as duas mãos em sua
enorme barriga, e respira fundo algumas vezes, da forma que aprendemos
com a obstetra. Sento-me ao seu lado, esperando que ela me diga o que
está sentindo.
— Não quero apavorar você, mas acho que as nossas filhas
realmente vão nascer agora.
Meus olhos quase saltam das órbitas. Faz alguns dias que minha
esposa tem sentido algumas contrações, porém nenhuma delas foi o
momento certo. Não acredito que elas esperaram até a véspera do
aniversário da minha mulher para resolverem vir ao mundo.
— Trocar de roupa. Acordar os meninos. Pegar a chave do carro. Não
correr muito — começo a falar, de maneira quase robótica, e tento me
levantar da cama, mas minha esposa me impede, ao segurar as minhas
mãos e me fazer encará-la.
— Com calma, não se apavore, porque você precisa me acalmar.
— Eu sei, eu sei. Já volto.
Levanto-me rapidamente para buscar uma muda de roupas para ela
e, logo depois de ajudar Luna a se trocar, vou ao quarto dos meninos para
acordá-los. Estávamos preparadas, esperando este momento, tanto que tem
uma bolsa com roupas no carro dela, porque não sabíamos o dia exato que
aconteceria, e poderia ser a qualquer momento.
Finalmente o grande dia chegou.
Capítulo 40 – Lembre-se de nós
Tenho certeza de que receberei multas de trânsito, depois do
caminho percorrido até o hospital. Não tem como ser diferente, com a
minha esposa se revirando de dor no banco do carro. Mesmo com a
adrenalina correndo em minhas veias, consigo manter a calma, sabendo que
em nada ajudará eu ficar tão nervosa. Apesar de estar surtando por dentro,
transpareço seriedade diante da situação, para mantê-la controlada.
Funciona.
— Acho melhor eu sair e chamar um enfermeiro, pra te buscar com
uma cadeira de rodas — falo, assim que estaciono em frente ao hospital.
Minha esposa não diz nada, apenas resmunga e se contorce um pouco
mais. Ela parece estar sentindo bastante dor. — Não saia daí — falo por
força do hábito, sem nem perceber, mas o olhar que se instala nos olhos
dela me faz tremer um pouco. Será que falei besteira? Com toda a certeza,
eu falei, porque sua resposta me fez tremer:
— Suma da minha frente, Camille!
Se um ser humano pudesse rosnar de alguma forma, eu poderia
descrever a maneira que a minha esposa acaba de falar comigo como um
rosnado humano. Ela parece realmente brava, mas consigo entendê-la
muito bem. Também fiquei muito incomodada com as contrações na
gravidez do Gabriel.
No caminho até a recepção, tenho que desviar de algumas pessoas.
Estou ofegante, mas tento manter a calma, sabendo que a minha mulher
precisa de mim agora. Devo parecer uma louca.
— Eu preciso de ajuda. Minha esposa está em trabalho de parto, tem
como pedir a alguém para buscá-la? Ela está no carro aqui na frente.
Estou levemente afobada, e a recepcionista me olha com um ar de
divertimento. É provável que ela esteja mais do que acostumada a
presenciar situações como esta no seu dia a dia. Apesar de tudo,
rapidamente pega o telefone e liga para alguém, informando a situação.
— Um enfermeiro está a caminho, com uma cadeira para a sua
esposa. Peço que mantenha a calma, cuidaremos bem dela.
— Ok — respondo rapidamente e, sem perder tempo, pergunto-lhe o
nome ou qualquer outra coisa, indo onde minha mulher está. A sua porta
está aberta, e quando contorno o carro, posso ver os nossos pequenos
abanando-a com as mãos. Isso me faz sorrir um pouco. — Amor, o
enfermeiro está vindo buscá-la. Consegue ficar de pé?
Ela, rapidamente, nega com a cabeça, soltando um grunhido
dolorido. Gabriel choraminga e tenta abraçá-la, mas eu o puxo para perto
de mim, grudando-o em minhas pernas. O enfermeiro não demora a chegar,
o que me deixa aliviada.
— Boa noite, senhoras!
— Cruz-Jacobs. Eu sou a Camille, ela é a Luna — falo rapidamente,
enquanto ele se aproxima para ajudá-la.
— Eu sou o Gabi! — meu filho exclama, de repente, o que faz o clima
tenso ficar um pouco mais leve. Até mesmo a minha esposa esboça uma
risada, em meio à careta de dor. O enfermeiro ajuda a Luna a se sentar na
cadeira e a leva para dentro do hospital. Sinto-me momentaneamente
aliviada, sabendo que agora ela está em boas mãos.
— Meninos, preciso da ajuda de vocês. Tia Belinda virá buscá-los,
porque as mamães vão precisar ficar um tempo aqui, enquanto as suas
irmãs não nascem.
— Mamãe Lolo bem? — Gabriel questiona, enquanto os levo para
dentro do hospital também. Meu filho está progredindo bastante na fala,
mas ainda não consegue formular algumas frases corretamente. É adorável
vê-lo falando, porém Luna e eu sempre o ajudamos, corrigindo suas frases
para incentivar o aprendizado.
— Sim, meu amor. Sua mãe está bem, ela vai apenas precisar de
algumas horas para trazer as suas irmãs para nós. Você quer conhecê-las?
O pequeno acena freneticamente, fazendo os cabelos ondulados
balançarem com o movimento. Confesso que tentei levar Gabriel para cortar
um pouco os cabelos, mas ele não quis, quer ficar como o irmão. Luna e eu
apenas pedimos para o cabeleireiro aparar a frente, para não atrapalhar a
visão, da mesma forma que fazemos com Louis. Eu amo o fato de eles dois
serem unidos, é adorável. Tenho certeza de que será assim com as gêmeas
também.
Coloco os meus filhos sentados perto do balcão e faço a ficha de
minha esposa. Aproveito para ligar outra vez para Belinda, que diz ter
acabado de estacionar em frente ao hospital. Sinto-me aliviada, porque a
minha esposa precisa de mim, e eu não deixo os meus filhos sozinhos.
Quando termino de preencher tudo o que é necessário, volto para perto dos
meus pequenos e, nesse momento, ouço a voz de minha irmã:
— Por que as crianças sempre resolvem vir ao mundo à noite? —
brinca, aproximando-se de mim e dos meninos. Ela os cumprimenta
primeiro e, em seguida, me dá um rápido abraço.
— Eles são como corujinhas. Preciso acompanhar a minha mulher.
Vocês vão ficar bem e se comportar com a tia Belinda, ok?
— Sim, mommy.
— Sim, mamá.
Os dois respondem quase na mesma hora, e eu sorrio abertamente.
Em seguida, abaixo-me na frente deles e sou presenteada com um gostoso
abraço. Fico emocionada ao pensar na minha família. Em algumas horas,
estaremos com mais duas preciosidades entre nós. Dou algumas
recomendações à minha irmã, como se ela não soubesse muito bem cuidar
de crianças. Depois de algumas reclamações e implicâncias dela,
despedimo-nos, e eu procuro saber a qual quarto a levaram.
— Onde você estava? Não é para sair do meu lado — Luna reclama,
assim que me vê, e sorrio, apesar de saber que posso ser morta a qualquer
momento. Eu me aproximo da cama rapidamente, pegando a sua mão para
entrelaçar os nossos dedos, mesmo que ela tenha tentado se esquivar do
contato. Está rabugenta e estressada.
— Não vou sair do seu lado nunca mais. Eu estou aqui. — Luna ia
dizer alguma coisa, mas se contorce um pouco e aperta a minha mão. Sua
força aumenta gradativamente, a ponto de ser desconfortável. — Linda,
você está me machucando, amor.
Minha esposa não responde nem diminui a força que exerce contra a
minha mão. Sem escolha, eu permaneço ali, sentindo dor com ela, mesmo
que de forma diferente. Os segundos parecem horas, e então, finalmente,
Luna afrouxa o aperto. Suspiro, aliviada.
— Eu entendo totalmente agora. Não fazia ideia de que contrações
poderiam ser tão dolorosas assim.
— Espere até começar a fazer força para elas saírem de dentro de
você. Parece que tem alguém te rasgando de dentro para fora — falo, sem
pensar, e solto uma risada. Então, quando a olho, ela está paralisada e
muito pálida. Seus olhos arregalados me permitem ver que as suas pupilas
dilataram, com aparente pavor brilhando neles. — Não, amor. Eu não...
— Eu quero a cesariana. Não vou ter parto normal de duas crianças!
— Ela está desesperada e agitada, mexendo-se sem parar. Eu poderia rir de
sua expressão de horror, mas estou muito preocupada por tê-la deixado
agitada. Sei que neste momento é necessário ter muita calma.
— Meu bem, pode ser que você nem sinta tanto. Garanto-lhe que a
pior parte são as contrações.
— Mentira. Sua mentirosa! Você... — sua fala irritada é cortada
quando ela começa a soluçar de repente, deixando-me desesperada. —
Idiota. Eu vou matar você. A sua sorte é que não tem um pênis no meio das
suas pernas, porque eu seria capaz de cortá-lo com uma faca cega.
— Luna!
— Cale essa boca!
Fico aérea durante alguns segundos, porque o seu sotaque britânico
e o tom de voz raivoso falando me deixa desnorteada. Luna solta um
gemido dolorido e, então, se curva um pouco na cama, ofegante. Eu me
aproximo mais, mesmo com medo de ser assassinada.
— Vai dar tudo certo, meu bem.
Os minutos vão passando e se tornam horas. Nossa obstetra vem
algumas vezes conferir se está tudo bem e se o parto está próximo, além de
alguns enfermeiros. Luna resmunga e solta diversos palavrões em espanhol,
puxando tanto o seu sotaque britânico, que me distrai em alguns
momentos. Minha mente começa, então, a criar cenários, tentando imaginar
como as nossas filhas serão. Pensar na alegria que a minha esposa sentirá e
imaginar o seu rosto iluminado, ao olhar as nossas pequenas, faz com que
uma grande emoção tome conta de mim.
— Você está chorando? — Sua voz me traz de volta à realidade,
fazendo-me acordar rapidamente daqueles devaneios. Duas lágrimas
escorrem pelas minhas bochechas, e eu logo as seco, fungando algumas
vezes. Luna me olha, confusa e preocupada ao mesmo tempo. Eu sorrio
para o meu amor, aproximando-me ainda mais.
— Eu só estou feliz. Estava imaginando algumas coisas. Estou tão
ansiosa para conhecer as nossas filhas.
Ela abre um enorme sorriso e pega uma de minhas mãos, levando-a
até a sua boca, para depositar um carinhoso beijo no dorso dela, e depois a
coloca na sua enorme barriga. Rapidamente, faço um carinho na região,
sentindo meu coração saltar dentro do peito, prestes a escapar.
— Eu também estou. Muito, muito mesmo. Será que elas são
parecidas com a gente?
— Espero que elas tenham os seus olhos e esse nariz lindo. E todo o
resto. Quero que as duas sejam cópias suas.
Minha esposa me olha, com os olhos cheios do brilho emotivo e
apaixonado que tanto me encanta. Claro que sua sensibilidade está cada
vez maior, e eu gosto muito disso, porque Luna fica linda quando boba e
apaixonada.
— Você é incrível, sabia? Mas eu espero que elas tenham os seus
belos olhos castanhos e a sua boca também.
Inclino-me para beijá-la, mas então, outra contração se inicia, e
depois de longas horas na espera, a doutora finalmente diz que está na
hora, e levam minha esposa para outra sala, na qual acontecerá o parto,
porque as contrações estão mais frequentes e sua dilatação está
aumentando.
Rapidamente, troco as minhas roupas e coloco o que é necessário
para poder estar ao lado dela, no momento que as nossas filhas chegarem.
Claro, não pode faltar a câmera, que sempre fez parte da nossa vida.
— Estou aqui, meu amor. Você está linda.
Luna ofega algumas vezes e me olha como se eu fosse louca. Eu
apenas sorrio e acaricio a sua testa levemente suada, tirando alguns fios
soltos que estão grudados. Ela solta um grunhido de dor, e eu mantenho
meu olhar fixo nela, ignorando a movimentação à nossa volta.
— Estou parecendo uma doida, toda suada e descabelada. Estou
qualquer coisa, menos linda nesse momento.
— Em todos os momentos, você é linda, principalmente agora que
está prestes a dar à luz nossas filhas. Não poderia estar mais perfeita do
que neste momento.
— Amor, eu não posso chorar agora. Você quer me matar?
Abro um sorriso e acaricio seu rosto, ajeitando a câmera. Luna iria
me dizer mais alguma coisa, mas começa a se contorcer, de repente, e solta
um gemido extremamente doloroso. Vai começar, e logo as nossas filhas
estarão em nossos braços. Eu não posso estar mais ansiosa para vê-las.
— As nossas filhas finalmente vão nascer, meu amor. Eu mal posso
esperar.
Tento conversar, para distraí-la, enquanto a médica pede que ela faça
força, e Luna solta diversos palavrões em espanhol. O engraçado é que o
seu sotaque britânico está muito acentuado, mesmo que não esteja falando
em inglês.
Viro a câmera para o nosso redor, mas não tiro os meus olhos do
rosto dela.
— Promete uma coisa pra mim, por favor! — Luna exclama,
grunhindo de dor e, em seguida, contorcendo todo o seu rosto,
demonstrando estar sentindo bastante dor. — Prometa!
— Qualquer coisa, meu amor. Qualquer coisa — respondo-lhe
rapidamente.
Luna se ergue um pouco na maca e solta um longo gemido de dor.
Seu rosto está vermelho, e tem uma veia saltada em sua testa, que
raramente vejo aparecer. Geralmente, surge quando está nervosa, mas
agora acredito que seja por causa do esforço feito.
— Prometa que vai cuidar para sempre dos nossos filhos e nunca os
deixará sozinhos. — Fico levemente confusa com seu pedido, então ela solta
outro daqueles ruídos dolorosos e se curva mais um pouco.
— Claro que cuidarei deles, e você estará comigo. Por que está
falando assim?
Meu coração se comprime dentro do peito, ao vê-la sorrir em meio à
dor, deixando as lágrimas escorrerem pelo seu belo rosto vermelho. Luna
parece apavorada, posso ver algo refletido em seus olhos verdes. Eu a
conheço bem para saber identificar algumas coisas.
— Prometa, Camille! Prometa! — Sua voz, em completo desespero,
faz o meu peito doer. Ela está com o rosto vermelho, todos estão agitados à
nossa volta, e o meu coração acelera demais.
— Eu vou cuidar deles e de você também. Pare de falar assim, como
se estivesse se despedindo de mim — imploro ao me aproximar dela,
segurando uma de suas mãos para lhe passar algum conforto. Luna curva
as costas e solta um gemido extremamente dolorido. — Força, meu amor.
Você consegue.
Ela aperta os meus dedos com muita força, mas não me importo que
isso me cause dor, não deve ser nada perto do que a minha mulher está
sentindo agora. Só quero aliviá-la ao máximo enquanto as nossas filhas não
nascem de uma vez. Suas veias do pescoço estão saltadas, e eu estou
extremamente preocupada com o seu visível sofrimento.
— Eu amo você, sempre amei. Sempre vou... Ah! Sempre vou amar.
De seus olhos escorrem lágrimas, e rapidamente eu solto a mão que
ela está segurando para poder secá-las. Luna me olha com os olhos verdes
brilhando de pavor, e algo estranho me traz uma sensação ruim. A forma
como isso soa como uma despedida me preocupa.
— Você consegue, meu amor. Não ouse se despedir de mim. Está
ouvindo? Vamos, força, você consegue. Força!
— Eu amo você — ela sussurra, quase sem voz, antes de voltar a
fazer força. Tudo ao meu redor parece se calar, os sons ficam distantes, e
minha visão fica levemente turva. Talvez eu esteja chorando? Não sei dizer
ao certo no momento. As palavras dela estão me causando diversas
sensações, um misto de medo e ansiedade. Tantas coisas difíceis de
enumerar e explicar.
Luna não tem o direito de se despedir de mim dessa forma, não pode
me abandonar, não agora que as nossas vidas estão finalmente alinhadas e
tudo está se acertando. Fecho os olhos brevemente para pedir ajuda aos
céus, para que todas as forças superiores possam nos ajudar nesse
momento, principalmente para que minha esposa tenha forças o suficiente
para conceber as nossas filhas o mais rápido possível. Pisco algumas vezes,
para espantar as lágrimas, e então, volto a minha atenção para Luna. No
momento em que os nossos olhos se cruzam, acontece uma coisa que me
faz chorar como uma criança.
Exatamente como o choro da nossa primeira filha, que acaba de vir
ao mundo.
Olho em direção às enfermeiras e me emociono, ao vê-las segurando
a nossa primeira filha, que chora extremamente alto. Meu coração parece
saltar fora do peito. Volto-me para Luna, e ela parece bem, com um sorriso
cansado em seu rosto e lágrimas escorrendo em suas bochechas.
— Ela é linda, meu amor.
Luna ergue um pouco o pescoço e tenta vê-la, mas não consegue,
porque logo começa a fazer força outra vez, agora para que a nossa
segunda filha possa vir ao mundo. Estou ao seu lado outra vez, dando todo
o suporte. Não perco um segundo de nada com a câmera. Talvez eu tenha
tremido em alguns momentos, mas acho que ninguém vai se importar.
— Ah! — Dessa vez, a nossa segunda filha não demora muito a ser
ouvida. Luna solta um grito de alívio, parecendo extremamente exausta.
Não consigo descrever todos os sentimentos dentro de mim nesse
momento. Foco tanto a minha esposa, que até me assusto quando colocam
as meninas nos braços dela.
— Elas são perfeitas.
Eu foco a câmera em Luna, que, emocionada, segura as nossas filhas
em seus braços. Nossas pequenas nasceram com bastante cabelo. Choram,
agitadas, até serem colocadas no colo da minha mulher. Parece que já
reconhecem o colo da mãe, não tenho dúvidas de que elas sabem.
— Nossas filhas são lindas, Camies. As duas têm o seu nariz — Luna
fala, toda boba, ao notar a semelhança que as duas têm comigo.
Realmente, é verdade. Estou muito emocionada. Se tornar mãe é uma
mistura de felicidade com um amor inexplicável. Você vê aquela mini pessoa
lhe transmitir tantas coisas puras, que não existem palavras para descrever.
Mesmo quando eu não me lembrava do nascimento de Louis, ainda sentia
essa ligação. Quando o Gabriel nasceu, parece que tudo aquilo aumentou, e
agora está dobrando de tamanho todo o sentimento.
Se eu pudesse usar uma palavra para descrever tudo isso, diria que é
inefável, porque esse amor não pode ser medido, não tem como o
descrever em palavras. É simplesmente intenso e complexo demais para
buscar uma explicação. Natural e belo, algo quase sobrenatural, porque
você só sente. Você não vê. Não toca. Não sabe enumerar o grau desse
sentimento, mas sente em cada pedaço do seu corpo, como se tivesse se
tornado uma parte de você, e realmente é. Um sentimento que fez morada
dentro da sua alma.
Momentos depois, nós duas estamos de volta ao quarto. Minha
esposa está ansiosa para a primeira amamentação das nossas pequenas, e
eu me sinto como uma criança prestes a receber o presente do Papai Noel.
A realidade é que nada se compara ao que estou sentindo.
— Obrigada por me dar tudo o que eu preciso e não sei. Nossa
família é a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Eu te agradeço por
fazer todos os meus dias valerem a pena.
— Sem você, estaria desamparada, meu amor. Você e nossos filhos
são a minha fortaleza, o meu lar. Eu que lhe agradeço por permanecer.
Sem poder resistir, a beijo. Estou tão apaixonada, parece que tudo o
que sinto por ela está se intensificando. Pode ser a emoção do momento
que estamos vivendo, ou talvez a minha alma apenas esteja reconhecendo
ainda mais a sua gêmea. Minha esposa está em mim, em cada parte, por
dentro do meu ser. Não tem como tirar Luna daqui.
Eu gosto da sensação de ter a sua boca na minha, o coração
acelerado e uma sensação gostosa no estômago, que nunca deixo de sentir
quando estou com ela. Uma paz ao corpo que só ela me traz. Gosto de tudo
sobre o amor da minha vida. Tê-la deixado entrar outra vez na minha vida
sempre será o meu maior acerto de todos. Ninguém nesse mundo, ou em
outros milhares que existem, me faria feliz como a Luna.
Gosto da maneira que ela me cuida, de como me faz sorrir com
tamanha facilidade, que o sorriso logo se torna uma gargalhada
escandalosa. Eu a admiro como pessoa, como mulher, como esposa
dedicada e uma mãe ainda mais dedicada. Nesse momento, temos quatro
pequenos para tomar conta e educar para se tornarem adultos responsáveis
e pessoas de bom coração. Não tenho dúvida de que nós vamos conseguir,
pois a tenho ao meu lado, e sei que somos capazes de tudo.
Uma vez, eu li em algum lugar que todos vão feri-lo nessa vida, mas
você precisa saber por quem vale a pena sofrer. Por ela, eu sofro sem
pensar duas vezes, passo o inferno, qualquer coisa, porque, no final, eu a
tenho ao meu lado, ajudando-me a reconstruir cada pedacinho quebrado.
Vale a pena, pois cada momento de dor se transforma em momentos de
amor.
Nossos filhos e ela são a minha prioridade, porque eles são o ar que
eu respiro, e a minha esposa é a minha pessoa. Não preciso de mais nada.

Os dias têm sido corridos. Ninguém nunca disse que a vida adulta
seria fácil. Quando se é jovem, pode ser que você fantasie como será esse
período: uma casa enorme, carro do ano, muito dinheiro no banco e talvez
uma pessoa ao seu lado para amá-la. Eu conquistei a casa e a minha
esposa, mas a conta bancária recheada, nem pensar, são tantas contas a
pagar. Ter um novo lar traz muitas consequências, e além disso, tenho
quatro crianças para cuidar — cinco, se for para contar com a minha querida
mulher. Posso garantir que a minha quinta criança me dá muito mais
trabalho do que as outras.
— Cheguei, família. — Eu tenho um sorriso na face ao adentrar
minha casa, mas ele vai morrendo aos poucos e dá lugar a uma expressão
de confusão, ao presenciar a cena no meio da sala de estar. — O que está
acontecendo aqui?
A cena é a seguinte: o meu pequeno Gabriel está sobre os ombros de
Vanessa, que está com o rosto todo marcado de tinta. Minha esposa está
sentada sobre o tapete, com as gêmeas, agitadas, em seus braços,
enquanto Louis tenta puxar o irmão dos braços de minha melhor amiga.
Todos estão se divertindo bastante com a bagunça.
— Esses pentelhos se uniram contra mim, enquanto eu estava
impossibilitada de me defender. Agora, o mandante vai pagar.
Ao dizer aquilo, Vanessa começa a subir e descer com o pequeno
Gabriel em seus braços, fazendo-o gargalhar em meio a gritos, que são
acompanhados pelos das gêmeas e de Louis, que continua tentando, sem
sucesso algum, tirar o irmão das garras da tia. Eu rio de tudo aquilo,
retirando os meus sapatos e colocando-os na sapateira ao lado da porta,
livrando-me também, logo em seguida, da minha bolsa, pendurando-a no
tripé.
— Como estão as minhas preciosidades?
Minhas pequenas se agitam no colo de Luna, inclinando-se para a
frente, para que eu possa segurá-las. Com certo esforço e auxílio de minha
esposa, eu as pego em meus braços, ganhando beijos molhados por todo o
rosto. É simplesmente indescritível chegar à minha casa e ser recebida
assim.
— Você deve estar cansada. Como foi o trabalho? — Luna questiona,
logo depois de selar os nossos lábios e pegar Destiny de mim, para que eu
não segure as duas ao mesmo tempo e me canse. Hope deita sua pequena
cabeça em meu colo e envolve o meu pescoço com as mãos. Isso sempre
me faz ficar completamente rendida. Eu amo tanto os meus filhos. Não acho
que possa existir amor mais lindo e puro.
Depois de tanto tempo falando sobre destino, sobre ter
esperanças relacionadas ao nosso futuro juntas, não tive como nomear as
gêmeas de outra forma. Minha esposa foi a primeira a concordar quando
sugeri tais nomes. Sei que talvez possam achar brega ou mesmo sem
sentido, mas para nós duas eles traduzem um pouco de tudo o que
passamos. Cada caminho que nos trouxe até aqui, todas as barreiras que
enfrentamos, todas as vezes que quase nos separamos e conseguimos
reverter a situação para permanecermos juntas. Sempre mantivemos
esperança de que o destino unisse os nossos caminhos.
Por essas e outras questões, resolvi fazer uma tatuagem, minha
primeira em todos esses anos. Precisava de algo para me fortalecer quando
estivesse longe dos meus tesouros. Resolvi fazer um triângulo com cinco
bases, que representa a letra delta na cultura grega e significa mudança e
fluidez ou um circuito que volta ao princípio. Essa é a minha história com
Luna. Quando quase estávamos no fim, algo nos fez voltar ao começo para
reescrevermos tudo. As cinco bases representam a minha mulher e os
nossos filhos, porque são eles que me mantêm de pé todos os dias, que me
sustentam. Não sei o que seria de mim sem eles.
— Cansativo, realmente. Temos recebido mais inscrições de jovens, e
essas crianças têm muita energia.
Minha esposa solta uma gargalhada.
— É sério, eles exigem muito de mim. Estou ficando velha para isso.
— Mas continua uma gostosa.
Uma terceira voz interrompe a conversa com a minha esposa, e eu
abro um sorriso, sendo envolvida pelos braços de minha melhor amiga em
seguida. Eu olho para o seu rosto todo marcado e sinto vontade de rir.
— Você pegou no sono, e eles pintaram o seu rosto outra vez, não
foi? Isso é castigo por todas as vezes que você fez o mesmo com os dois.
Pensou que nunca haveria vingança.
— Vocês estão criando cobras — ela rebate e olha para os meus
pequenos garotos, que a observam com sorrisos travessos no rosto. Esses
três juntos são terríveis. — Eu voltarei, podem esperar.
Reviro os olhos e nego com a cabeça. Não há o que fazer para que
essa mulher cresça, da mesma forma que a minha esposa continua uma
moleca. Estou cercada de crianças, como vocês podem ver.
— Vai ficar para o jantar? — pergunto-lhe, depois de finalmente
cumprimentar os meus pequenos. Hope ainda está em meus braços,
completamente agarrada a mim e resmungando toda vez que a tento
colocar no chão para poder subir e tomar um banho.
— Não. Estava apenas esperando você. O Noah me mandou
mensagem, dizendo que está fazendo pizzas agora à noite.
— Nunca pensei que veria aquele moleque sendo um belo dono de
casa — minha esposa brinca, aproximando-se de nós, com Destiny ainda em
seu colo.
— Sempre avisei que eu nunca seria, nem sou, a mãe de vocês. Ou
ele aprendia a fazer as coisas ou ficaria sem poder me...
— Vanessa! — Luna e eu falamos juntas, ao perceber o que ela
falaria. Minha melhor amiga faz um sinal de rendição e solta risadas. Não
aguento essa mulher. Ela não demora muito a se despedir e ir embora,
deixando-nos sozinhos.
Hope acaba pegando no sono em meu colo, e a minha esposa
comenta que ela não dormiu durante a tarde, porque estava agitada,
provavelmente com saudade de mim. Engraçado como cada gêmea
escolheu uma de nós para se apegar.
O jantar, como sempre, foi caótico. Não que isso seja uma coisa ruim,
mas ter quatro crianças, ou melhor, cinco, se contarmos com a minha
digníssima esposa, não é nada fácil. Muito falatório e brincadeiras à mesa.
Eu nunca reclamo disso, ao contrário, amo esses momentos.
— Elas estão cada vez maiores. O tempo passa muito rápido —
cabisbaixa, Luna comenta, ao voltar para o quarto. Ela tinha colocado
nossas pequenas para dormir, assim como eu fiz com os meninos.
Termino de passar o creme hidratante nas pernas e dou um pequeno
sorriso, aproximando-me de minha esposa. Seguro-lhe o queixo, para selar
os nossos lábios, suspirando de amor por sentir a sua boca na minha.
— Realmente.
— O tempo voa — ela diz, me beija lentamente e, em seguida, volta
a falar, sem desgrudar a boca da minha. — Logo estaremos apenas nós
duas aqui, nesta casa enorme.
Depois de dizer isso, ela inicia um beijo gostoso e apaixonado. Suas
mãos seguram a minha cintura, e os nossos quadris se juntam. Eu suspiro,
completamente rendida em seus braços. Meus olhos se abrem apenas para
me deparar com aquela imensidão verde de pupilas dilatadas. Sorrio,
agarrando-lhe o pescoço e puxando-a para trás. Minha mulher não se faz de
rogada, coloca-me de costas sobre a cama e deita-se por cima de mim.
Voltamos a nos beijar, enquanto as suas mãos exploram as curvas do meu
corpo, e eu aproveito para fazer o mesmo com ela.
Luna desce os beijos para o meu pescoço, usando as suas pernas
para afastar as minhas e se encaixar melhor. Um de seus joelhos pressiona
a minha intimidade, e um gemido me escapa quando aperto os seus ombros
ao mesmo tempo. Ela segura por trás do meu joelho esquerdo e ergue a
minha perna, para ganhar ainda mais liberdade. Grudo a minha boca na
dela outra vez, não sendo nada cuidadosa, mordo e chupo os seus lábios
com força. Não temos tido muito tempo para fazer amor. Um dos nossos
filhos sempre aparece, precisando de nós, então vamos aproveitar este
momento a sós.
— Tira — eu praticamente imploro quando ela começa a me provocar
por cima do short. Sinto o tecido cada vez mais molhado, conforme as
provocações aumentam. Minha esposa não demora a se afastar para tirar a
peça de roupa desnecessária, e aproveito o momento para tirar a sua blusa
também. — Maravilhosos — comento, com água na boca, ao ver os seus
seios bem maiores, a poucos metros do meu rosto. Não resisto, erguendo-
me na cama para colocar o lado esquerdo na boca primeiro, sugando o
mamilo com força e arrancando-lhe um gostoso gemido.
Luna se abaixa mais, para aumentar o contato, e então, eu sinto os
seus dedos começarem a alisar os meus pequenos lábios, toda a extensão
de minha boceta. Provocando-me, ela coloca apenas a ponta de um dos
seus dedos, e quando eu faço força com o quadril para engoli-lo por inteiro,
ela o retira e sorri. Maldita! Essa mulher é perigosa.
Em resposta, eu mordo um de seus seios, não muito forte, mas o
suficiente para fazê-la gemer de dor. Luna gosta disso, pois me olha com
fome, ainda me provocando, e então, a mordo outra vez. Outro gemido lhe
escapa, mas dessa vez não tenho dúvidas de que foi de prazer. Ela está
adorando sentir essa dor que minha mordida está causando. Safada.
— Toda molhada por minha causa — ela murmura e dá um tapa
certeiro em meu clitóris, fazendo-me tirar a boca de seus seios para gemer
alto. Nosso quarto fica distante do dos nossos filhos, por isso não existe a
possibilidade de eles nos ouvirem. Foi a primeira coisa que procuramos
saber quando estávamos reformando a casa.
— Mete. Para de provocar e me fode logo. — Eu envolvo sua cintura
com as minhas pernas e seguro o seu rosto com as mãos, encarando-a,
para que ela saiba o quanto a desejo dentro de mim. — Me faz gozar pra
você.
Ela obedece, deslizando um dedo lentamente e movimentando-o
algumas vezes, para, então, retirá-lo e voltar com dois. Dessa vez, minha
esposa não tem dó alguma de mim, metendo os seus dedos de uma vez só,
até o fundo. Eu me curvo sobre a cama e faço um movimento para a frente
com o quadril, para senti-la ainda mais fundo. Luna começa a foder a minha
boceta da melhor maneira que sabe e da forma mais gostosa que o
momento pede.
Fazer amor é uma coisa deliciosa, mas foder com ela é simplesmente
indescritível. Quando ela mete sem pena, sem medir forças, quando dá
tapas na minha boceta e volta a enfiar os dedos até o fundo, fazendo-me
gritar e ficar extremamente agitada sobre a cama, eu fico louca. Luna sabe
me tocar de uma maneira que nem eu mesma sou capaz. Todos esses anos
nos tornaram especialistas no corpo uma da outra. Eu amo isso.
Sem resistir, ela desce e fica de joelhos no chão, na beira da cama,
curvada para colocar a boca em mim. Agora, sim, estou indo ao paraíso e
ao inferno. Quando os seus dedos estão me fodendo, ela dá sugadas firmes
em meu clitóris, para tremer a língua rapidamente, em seguida, e colocar
devagar os dedos. Ela repete esses movimentos durante um longo tempo,
para se afastar e me dar um forte tapa, que me faz gritar de prazer.
Minhas coxas prendem a sua cabeça, e começo a esfregar a minha
boceta por todo o seu rosto, molhando até mesmo o seu nariz com os meus
movimentos. Luna não me impede, inclusive me auxilia, com as mãos em
minha bunda, segurando-a com firmeza para me dar mais apoio e me
esfregar nela. Quando anuncio que vou gozar, ela se afasta, para me dar
outro tapa firme, dessa vez pegando toda a minha boceta, e fecha a boca
em meu clitóris, sugando-o até que as suas bochechas fiquem côncavas,
para, em seguida, tremer a língua nele, sem tirar a boca.
O orgasmo vem de maneira deliciosa. Eu demoro alguns minutos a
me recuperar e, então, faço tudo com ela também. É delicioso ser explorada
e explorar. Eu amo cada curva do corpo dela, amo poder tocá-la e ser
tocada, poder senti-la e sentir. Eu simplesmente amo cada momento ao seu
lado.
Não existe nada, em todo o mundo, que eu possa pedir, além dessa
mulher. Tudo o que conquistamos — nossa casa, nossa família, nossos
empregos, nossa vida —, nada disso seria tão perfeito sem ela. Nada faria
sentido. Porque não existe uma Camille sem Luna.
Capítulo 41 – Esposa idiota
Realmente, o tempo passa rápido demais, penso comigo mesma,
enquanto folheio algumas fotos de um dos muitos álbuns de família que
temos. Engraçado ver os álbuns mais antigos, sabendo que pensávamos em
ter apenas o Louis, que a nossa família estava completa daquela forma. E
então, tudo mudou com a chegada do Gabriel, e depois com as gêmeas. Só
então, pudemos entender o significado de estarmos completas.

— Eu posso saber aonde vai vestido assim? — questiono o meu filho


quando o noto descendo as escadas, com os olhos fixos no celular em suas
mãos.

O seu cabelo enorme está preso em um firme coque no alto da


cabeça, e o cheiro de seu perfume toma conta do ambiente. É óbvio que ele
está de saída. Mesmo agora que o Louis está na faculdade e passa três
semanas dormindo no apartamento que divide com amigos e uma semana
em casa, ainda gostamos de saber por onde ele anda. Louis escolheu uma
faculdade não tão longe daqui, apenas três horas de distância, para que
pudesse sempre vir à nossa casa nos ver. Além disso, sabia que sentiríamos
muita saudade, se ficasse mais distante. Eu ainda não me acostumei a não
o ver todos os dias aqui, e acho que nunca vou.

— Vou encontrar a Jennifer.

— Outra?

Luna me impede de perguntar quem é essa tal garota quando volta à


sala, saindo da cozinha com duas xícaras nas mãos. Eu olho para ela e,
então, para o nosso filho, confusa.

— Como assim outra? Uma mulher? E o Nick?

Louis dá um sorriso de lado, sem graça, e guarda o celular em um


dos bolsos de trás da calça jeans escura que está vestindo. Minha esposa se
senta ao meu lado no sofá, com uma xícara na mão, e eu estou muito
atenta ao assunto para pensar em outra coisa.

— Sim, uma mulher. Mamãe, o Nick é o meu melhor amigo.

— Melhores amigos beijam na boca? É assim que os jovens fazem


hoje em dia?

— Você é a minha melhor amiga e beija a minha boca — minha


esposa engraçadinha resolve soltar uma de suas piadas, e eu a encaro, com
fúria nos olhos, fazendo o sorriso em seu rosto sumir. — Desculpa.
— Mamães, o que vocês viram naquele dia não significa o que
acham.
O dia em questão foi uma madrugada em que a minha esposa e eu
ouvimos barulhos no quintal e fomos verificar. Imagine a nossa surpresa ao
ver o nosso filho e o melhor amigo se beijando na piscina. Foi um momento
constrangedor para Louis e Nick, mas ainda mais para nós, por termos
interrompido os dois daquela forma. Luna se divertiu muito com a situação,
e eu, por outro lado, não achei graça alguma.
— Como posso explicar? Nós... Hm... Experimentamos uma coisa.
— Só os beijos ou aqueles barulhos no seu quarto também foram
parte do experimento?
Louis arregala os olhos, ao ouvir o que a mãe diz, e olha em minha
direção. Chocada, desvio o meu olhar para minha esposa e, então, de volta
ao nosso filho. Levanto-me do sofá em um pulo só e quase caio, tamanha a
minha surpresa ao ouvir isso. Eu sabia dos beijos, mas não imaginava que
tivessem acontecido outras coisas.
— Como assim?
— Mãe! — envergonhado, Louis exclama, olhando para Luna, que faz
sinal de rendição, depois de deixar a xícara sobre a mesa de centro. Ela
parece ter falado demais, eu a conheço o suficiente para saber de todas as
suas reações.
— Vocês... vocês fizeram... fizeram... aquilo?
— Camille, eu não acho que falar a palavra sexo vai matá-la. Não
existe tabu com isso.
— Mãe! — Louis volta a reclamar. Eu ainda estou atordoada. Volto a
me sentar no sofá, tentando assimilar as informações que acabo de receber.
Claro que eu sabia que, um dia, aconteceria a primeira vez do meu filho,
mas não imaginava que seria tão cedo. Ele não é mais uma criança, é bem
óbvio, está entrando na fase adulta, mas ainda é o meu garotinho.
— Meu Deus.
— Sim, mamãe, nós transamos — ele me responde, apenas para
confirmar, de vez, tudo, e então, olha em direção à minha esposa. — E, sim,
mãe, naquele dia, foi uma experiência também. Muito dolorosa, inclusive.
— Ele faz uma careta ao dizer, e Luna se engasga ao meu lado.
— Você foi passivo?
— Luna!
— Mãe!
Meu filho e eu reclamamos ao mesmo tempo. Minha esposa ostenta
uma expressão chocada e divertida. Essa idiota está se divertindo com a
situação, e eu aqui, quase tendo um colapso nervoso.
— Ele que disse, eu só quis confirmar. Não sei como funcionam as
coisas no mundo dos homens, mas imaginei que você tivesse sido o ativo.
— Eu fui relativo. Mas... olha, isso não importa. Não sou gay, ok?
Nem bissexual. Não gosto de homens. Nós apenas passamos por uma fase
estranha na nossa amizade e achamos que estávamos sentindo coisas um
pelo outro. Resolvemos descobrir se era o que achávamos, mas não era.
— Então, vocês não estão apaixonados? — eu questiono, tentando
entender o que realmente aconteceu.
— Não, mamãe. Nem ele nem eu gostamos de homens, isso ficou
muito claro. Nós só nos confundimos por um momento, foi apenas isso.
— Vocês ao menos se preveniram?
— Sim, mamãe, nós usamos camisinha. Eu não esqueço o que a tia
Vanessa falou sobre doenças sexualmente transmissíveis.
— Menos mal.
— Eu queria muito te contar, mas não sabia como. Minha mãe
acabou ouvindo algumas coisas, na noite em que aconteceu, e viu o Nick
indo embora de manhã. Ela conversou comigo, e pedi que não contasse,
porque eu queria contar. Fiquei envergonhado e acabei adiando a conversa.
— Com vergonha de ter transado com o seu melhor amigo ou por ser
um cara?
— Não, eu não tenho problemas com isso. E não teria, se fosse gay,
só não sabia como dizer à senhora que havia feito sexo.
— Entendi. Ele foi o seu primeiro, certo? — questiono e finalmente
me inclino para pegar a xícara de chá. Eu precisava disso para relaxar, agora
preciso dele para me acalmar, depois de toda essa conversa.
— Sim. Foi a primeira vez dos dois, para ser sincero. Não foi ruim, eu
estaria mentindo se dissesse que foi. Só não teve aquela coisa toda, sabe?
Não fiquei tão... vocês sabem, e nem ele. Enfim, posso ir? Eu acho que essa
conversa já me envergonhou o bastante. Preciso buscar a... a... menina...
— Jennifer?
— Isso! — Ele sorri, envergonhado, e vem em nossa direção,
beijando as nossas testas.
— Se for beber, não vá com o seu carro. E se fizer sexo, não esqueça
a camisinha. Eu sei que você comprou algumas.
Dou um tapa no ombro de minha esposa quando ela diz isso, porque
o nosso filho está realmente envergonhado. Não quero que ele nem os
outros filhos fiquem com vergonha de falar sobre sexo conosco. É claro que
contar sobre experiências sexuais para os pais ou mães pode ser realmente
constrangedor, mas falar sobre o assunto não pode nem deve ser um
problema. É muito importante ensinar aos nossos filhos o que é certo e o
que é errado.
— Por que não me disse que o carinha tinha feito sexo? — questiono,
depois de Louis ter saído, e Luna dá de ombros, bebericando o chá.
— Prometi a ele que não contaria. Era uma conversa que ele queria
ter com você, não me cabia interferir.
— Faz sentido. — Suspiro, recostando-me no sofá. Minha esposa se
movimenta ao meu lado, deixa a xícara sobre a bandeja, em cima da mesa
de centro, e então, faz o mesmo com a minha, para poder me puxar para os
seus braços.
— Está com ciúme? Por que essa cara?
— Também tem a ver com ciúme, mas eu só... O tempo está
passando muito rápido.

Vocês lembram de quando a minha querida esposa achava engraçado


o ciúme que eu tinha — e ainda tenho — do Louis? Pois bem, chegou a
minha vez de achar graça do ciúme dela, e por incrível que pareça, não
envolve nenhuma das gêmeas, e sim, o nosso Gabriel. Pois é, ela está
quase morrendo, e o motivo é bem simples: o primeiro beijo do nosso
garotinho.
— Ela é ruiva?
— Não, mãe. Só porque o nome dela é Ariel não quer dizer que ela
seja ruiva.
— Pensei que era aquela ruiva, garota sapeca, que não para quieta.
Quem foi, então? Qual das meninas que vieram aqui no seu aniversário?
— Mamãe… — O pequeno me olha em busca de salvação. Luna o
encurrala na parede, ao saber do fatídico beijo. Reviro os olhos,
aproximando-me do nosso filho para ajudá-lo a se livrar da mãe coruja.
— Ariel é a do cabelo cacheado.
— É aquela que parece uma miniatura da Nayara? Que faz balé?
— Sim, amor. Ela mesma. Será que pode deixar o nosso filho
respirar? Foi só um beijo inocente, eles são crianças.
Luna me olha como se pudesse me matar com os olhos, mas eu não
me importo, ela não me assusta. Gabriel parece agoniado para sair dali,
então eu o deixo ir, mesmo que a minha mulher resmungue, querendo
questioná-lo ainda mais.
— Não acredito que aquela garota veio aqui, comeu a nossa comida
e ainda teve a audácia de beijar o nosso filho.
— Eu não sei se você lembra, mas disse que ela faria um casal bonito
com o nosso filho.
— Eu disse isso?
— Disse, quando viu as fotos da festa, ele ao lado dela. Por isso, os
dois não se desgrudaram. Nosso pequeno está amando.
Luna abre a boca, atordoada, e se prepara para me responder, mas o
som da porta abrindo bruscamente a impede. Curiosa, olho em direção a ela
e tenho a imagem do afobado Louis caminhando até nós, com os cabelos
enormes balançando com o movimento.
— Ganhou na loteria? — minha esposa o questiona, em tom de
brincadeira. Eu agradeço à chegada do nosso filho mais velho, porque isso a
distrai do ciúme de Gabriel.
— Melhor do que isso — ele responde, animado demais.
— O que seria melhor do que ganhar na loteria?
— Ganhar duas vezes na loteria — Luna responde em tom de
brincadeira, e nós duas rimos de sua piada idiota.
— Não. Mãe, mamães, eu vou ser pai. Vocês serão avós — ele
anuncia, parecendo mesmo ter ganhado na loteria. O sorriso em meu rosto
desaparece aos poucos, e não sei dizer exatamente o que acontece depois,
porque tudo fica escuro. Minha visão ainda está turva quando abro os olhos.
— Mamãe? Mãe, ela acordou. Finalmente. Mamãe, está me ouvindo?
— O que aconteceu? — questiono, ainda confusa. Meu filho me
ajuda a sentar, e noto que estou no sofá da sala. Luna se aproxima com um
copo, o qual parece conter água, e o estende para mim.
— Você apagou quando eu contei a novidade — Louis diz, e eu volto
a me sentir indisposta. Não apago dessa vez, mas eu gostaria muito. Meu
filho está apreensivo com a minha reação.
— Você vai ser pai?
— E vai se casar também. Nosso carinha está amando. Que
felicidade! Tornando-se um verdadeiro homem.
Luna abraça o nosso filho, e eu acho engraçada a forma que ela
some em meio aos seus braços fortes, mas ainda estou atordoada com a
notícia. Há três anos, a antiga escola de Louis promoveu um reencontro de
turmas antigas, e ele acabou reencontrando sua paixão de infância. Sim, a
Rose, essa mesma. Não demorou muito a saírem juntos. Primeiro, meu filho
dizia que era só amizade, que não tinha nada acontecendo. Ela namorava
outra pessoa, mas veio a bomba: largou o namorado, porque não parava de
pensar em Louis, e o meu filho, até então, nunca tinha firmado
compromisso com ninguém. Parecia mesmo que ele estava esperando por
ela. E agora os dois vão se casar e ter um bebê.
— O meu bebê vai ter um bebê — murmuro, ainda desacreditada, e
sou puxada para cima e envolvida pelos braços do meu filho. Não posso
evitar as lágrimas de emoção, e apesar do ciúme, estou muito feliz em vê-lo
se tornar o homem que eu sempre quis que se tornasse.
— Queremos nos casar o mais rápido possível. Não será nada
grande, Rose quer algo simples e bem íntimo, com nossos familiares e
poucos amigos.
— Vamos ajudá-lo em tudo, filho. Não é, amor? — diz Luna.
— Mamãe?
— Ah... Sim, sim, vamos.
— Tudo bem, mamãe? — Louis segura em meus ombros e me olha,
preocupado e receoso. Eu sorrio, acariciando seu rosto, e lágrimas escorrem
pelo meu rosto outra vez. Quando ele cresceu tanto?
— Eu só estou orgulhosa de você. Está se tornando um homem
maravilhoso, mais do que já era. Tenho certeza de que será um bom pai.
Os meses seguintes foram muito alegres. Apesar do choque
momentâneo, ao receber a notícia, eu estava feliz, pois seria avó. Mal posso
acreditar que a minha vida está dessa forma. Quando mais nova, nunca
pensei que me casaria nem que me apaixonaria loucamente por alguém —
ainda mais pela pessoa que eu jurava odiar. E muito menos que teria filhos!
Quatro filhos, para ser mais exata. É uma loucura como a vida funciona, não
é?
Um dia, eu acordo pensando ter dezesseis anos e descubro que me
casei com a idiota da Luna e que temos um filho. No outro, estou prestes a
me tornar avó e com mais três filhos, vivendo, feliz, ao lado daquela que
amo e com quem nunca pensei que me daria bem. Luna sempre dizia que
nos casaríamos. Se eu soubesse que isso se tornaria verdade,
provavelmente pediria que me internassem. Hoje, estou aqui, sem nem ao
menos cogitar uma vida em que não exista essa mulher do meu lado. Ela é
mais do que eu mereço, isso é óbvio. Continuo me apaixonando mais e
mais, todos os dias, pela minha idiota favorita, o meu amor de alma.
Tenho certeza de que tudo o que passamos e aprendemos foi para
nos fortalecer, e acredito fielmente que o destino nunca quis nos separar, e
sim, deixar a nossa relação mais forte. Estávamos perdidas, em nós e uma
com a outra, afundando-nos sem sequer perceber. Precisávamos de ajuda,
mas não sabíamos como pedir. Foi preciso que todas aquelas coisas
acontecessem por um bem maior. Como costumam dizer: há males que vêm
para o bem.
Eu tenho cinco bens, mais preciosos do que qualquer relíquia neste
mundo. Em breve, terei mais um, tão precioso quanto os demais. Quem
sabe, o futuro me permita ver outros tesouros serem adicionados a esse
meu triângulo infinito. Porque, assim como é para os gregos, a minha
família é a minha base, minha motivação de esperança, que me dá forças
para voltar ao início se for preciso.
— Corre, criançada! — Ouço uma voz e logo reconheço o Noah
adentrando a casa. Todos estão fugindo de alguma coisa. Olho para o lado
de fora e entendo a correria: está chovendo bastante. Procuro pelas minhas
filhas, em meio àquele povo, e não as encontro. Estávamos no quintal, para
o chá de bebê do meu neto, mas o tempo atrapalhou nossa festa.
— Destiny e Hope, saiam dessa chuva agora! — chamo as minhas
pequenas, que estão entretidas, brincando na água da chuva, mas ao
ouvirem a minha voz, rapidamente vêm em minha direção.
Caminho até um dos armários do deck para pegar toalhas secas, pois
elas estão ensopadas e podem se resfriar.
— Faltou chamar a mamãe também — Destiny diz, assim que a
envolvo com a toalha, fazendo o mesmo com Hope em seguida. Peço-lhes
que se sequem e depois subam para tomar banho e trocar de roupa.
Olho em volta do quintal e não me surpreendo ao ver a criança
enorme, com quem sou casada, parada, olhando para cima, com toda a
chuva caindo sobre ela. Eu a chamo algumas vezes, mas Luna não me ouve,
então resolvo ir em sua direção.
— Não me ouviu chamar você?
Luna rapidamente se vira, ao ouvir a minha voz, com um enorme
sorriso em seu rosto.
A minha mente passa por um momento de leve confusão, e então,
vejo a minha esposa rejuvenescer em um passe de mágica. Pisco algumas
vezes, para ter certeza de que não estou delirando, e não, realmente minha
mulher está ali, uma adolescente outra vez.
— Estava esperando você. Daria a honra dessa dança?
O meu coração dispara em meu peito quando diversas imagens
aleatórias, de momentos que vivemos, passam, como um filme, diante dos
meus olhos. Lembro-me de coisas de que eu nem fazia ideia, como se tudo
o que esqueci estivesse voltando neste exato momento. Momentos de
felicidade, choro, briga, união, datas importantes, como se eu estivesse
revivendo tudo outra vez. Cada detalhe.
Escuto a sua voz em minha mente, dizendo: Lembre-se de nós. E
aqui estou, lembrando-me de tudo, de cada pedaço perdido da nossa
história.
— Eu aceito dançar com você. — Estou quase chorando ao dizer isso.
Minhas emoções parecem fora do normal. Não consigo falar mais
nada. Luna não responde, apenas me puxa para si e mantém os olhos nos
meus quando começamos a nos mover de um lado para o outro. Parece um
dos nossos momentos, de quando éramos jovens e dançávamos na chuva
como duas crianças.
— Você está feliz com tudo o que conquistamos juntas? — ela
pergunta, de repente, fazendo-me abrir um enorme sorriso.
Não existe outra resposta para essa pergunta, além do óbvio. Tem
como eu não ser a pessoa mais feliz do mundo?
— Felicidade é pouco para descrever como me sinto. Sou sortuda.
— Você é minha sorte.
Puxo-a para um beijo apaixonado. Os nossos corpos molhados estão
grudados, enquanto dançamos, mesmo sem música, e nem é preciso. Basta
a presença dela para que o meu corpo fique em ritmo de festa.
— Luna! — eu a repreendo quando sinto as suas mãos apertarem a
minha bunda. — Idiota. Tarada. Pare com isso.
— Sabe que até gosto quando você me chama assim?
— Como? Tarada?
— Não. Idiota.
— É porque você é uma grande idiota.
Ela solta uma gargalhada gostosa e, então, me beija outra vez. E
antes de separar as nossas bocas e colar as nossas testas, ela sussurra
baixinho:
— Sim, sou sua idiota. Sua esposa idiota.
Se fosse possível adicionar no dicionário uma nova definição para
amor, eu, sem sombra de dúvidas, colocaria, em letras garrafais, o nome do
amor da minha vida.
Meu eterno carma grandioso. Minha namorada. Minha princesa.
Minha preciosidade.
Minha sorte.
Minha eterna esposa idiota.
Agradecimentos
Mais uma vez gostaria de agradecer a você, sim, você leitor da nossa
querida Stupid Wife, porque foi graças a você que Lembre-se de nós se
tornou algo real. Em todos os momentos que eu escrevia, com muito amor
e alegria, mas pouquíssima experiência e mesmo assim tive tanto apoio.
Não tenho nem palavras o suficiente para agradecer todo o carinho e
suporte que tive em todos esses anos. Se hoje isso aconteceu é graças a
você.
Queria agradecer especialmente a minha maior apoiadora e
conselheira, Julianna, você sempre foi a pessoa que mais me deu apoio e
incentivou em todos esses anos que nos conhecemos, então saiba que isso
aqui tem muito para você também que me fez acreditar muito mais em mim
do que eu mesma seria capaz. Sei que te encho a cabeça com minhas ideias
malucas, mas obrigada por me ouvir todas as vezes.
E aos demais leitores, todos tem seu espaço no meu coração, a todas
as minhas amigas também que me apoiam sempre e estão comigo em
qualquer loucura que eu queira fazer. Vocês são o meu pilar, obrigada pelo
apoio.
E como eu sempre costumava dizer: nos vemos em breve!
SODRÉ
Lembre-se de Nós, 1ª edição
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[1] Diminutivo de “Pequena”, do inglês Little. TRADUÇÃO NOSSA.


[2] Grande Grande (do inglês). TRADUÇÃO NOSSA.
[3] “Mamãe”, em inglês. TRADUÇÃO NOSSA.
[4] Tigre, em inglês. TRADUÇÃO NOSSA.
[5] Dança que mistura bolero, tango e chá-chá-chá.
[6] Apelido dos torcedores do Barcelona.
[7] Personagem do filme “O Rei Leão”, 1994.

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