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O Athanor

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Editorial
A Sociedade de Direitos
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Os Números Sagrados na
Tradição Pitagórica Maçónica
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Período Anual de Influência


Terrena da Deusa Egípcia Ísiss
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O “Athanor” do V Império – Boletim Mensal de Temática Esotérica – Ed. n.º 4 – Domingo, 04.06.2006

Editorial
Avançámos outro mês na grande caminhada em
direcção ao infinito.

Gostosamente, marcámos este período com mais uma


edição do “Athanor” (o n.º 4).

Deixamos aqui o mais profundo agradecimento a


todos os IIr.’. que tornaram possível este trabalho.

Sabemos avaliar o esforço que isto implica, numa


época em que o tempo se tornou veloz.

Apresentamos mais uma vez as nossas desculpas


por ainda não darmos continuidade à 3ª parte do
artigo “Da Mente Individual à Egrégora da Ordem”.

Dedicamos este boletim a todos os que, tal como nós,


procuram ver para além das brumas da ilusão.

Muitas coisas mais devem ser ditas, mas não como


Editorial. Por isso deixamo-vos com os artigos que
conseguimos preparar.
TT∴AA∴FF∴ para Todos !

A Sociedade de direitos
PELO R ∴ IR ∴ ULISSES

“A ignorância das causas remotas predispõe os


homens para atribuir todo o evento às causas
imediatas e instrumentais, pois são estas causas que
percebem”
(In “Leviatã” Thomas Hobbes/INCM - pag.95)

Diz-nos a história que durante séculos os cidadãos foram


meros espectadores das decisões dos governantes. O
poder decidia e impunha. Aos cidadãos, na sua grande
maioria, nada mais restava do que aceitar como seu o des-
tino que o poder traçava. Encarreirar ou resistir era algo
que surgia consoante as capacidades de intervenção de
cada um e/ou a coragem de assumir as divergências.

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O “Athanor” do V Império – Boletim Mensal de Temática Esotérica – Ed. n.º 4 – Domingo, 04.06.2006

Facilmente se percebe que quem assume divergências,


sejam elas assumidas por temperamento ou pelas circuns-
tâncias, fá-lo no exercício da sua capacidade de escolha,
exercício esse que exige informação e esclarecimento. Daí
que à medida que os cidadãos se tornam mais esclarecidos,
mais difícil se torna pedir-lhes que subscrevam ditaduras de
qualquer tipo, que censurem o exercício das suas liberdades.
Daí, em sentido contrário, que cidadãos pouco esclarecidos
e informados facilmente depositem nos outros a defesa dos
seus próprios interesses: os outros que façam em seu favor as
escolhas que as suas incapacidades não permitem que
sejam feitas individualmente.
Sabemos que o advento da sociedade industrial teve o seu
principal impulso com a afirmação de uma “moralidade do
individualismo”. Esta afirmação quebrou os laços comunitá-
rios, contrapondo à segurança, solidariedade e igualdade,
os conceitos de liberdade, de livre iniciativa e de autode-
terminação. O indivíduo demonstra perante a sociedade
que tem pontos de vista próprios e que sabe cuidar de si.
Esta moralidade individualista que deu fôlego à primeira
revolução industrial traduzia-se, no entanto, numa concep-
ção de liberdade bem diferente, na sua essência, da ideia
que hoje temos dela. Defendiam os liberais de então um
individualismo que valorizava não só a liberdade, como
também a responsabilidade individual. É certo que a afirma-
ção da liberdade individual fez-se através da redução da
interferência das diversas tutelas na vida dos indivíduos. Mas
esta autonomia da sociedade civil não se manifestava
adversa à lei, a qual, produzida pelos eleitos pelo povo, esta-
ria por isso acima de todos e de cada um. Os direitos indivi-
duais eram reclamados mas não se enjeitavam os deveres
correspondentes.
E qual a ideia de liberdade que predomina nos nossos dias?
O que entendem os cidadãos quando se fala da libertação
da sociedade civil e do seu fortalecimento? facilmente nos
apercebemos que nos dias de hoje sobressaem formas de
individualismo que confundem a liberdade com a irrespon-
sabilidade e tolerância com o laxismo. Vivemos numa socie-
dade em que se sobre-estimam os direitos individuais em
detrimento dos deveres.
Se é certo que temos hoje uma sociedade civil livre, forte e
atenta, também não deixa de ser verdade que ela se expri-
me de forma corporativa, numa lógica perfeitamente egoís-
ta. E poderíamos exemplificar com muitas situações que dia-
riamente os órgãos de comunicação social trazem a lume.
Situações em que toda a gente reclama de forma egoísta
pelos seus direitos e nas quais se faz tábua rasa dos deveres
de cidadania correspondentes E porque a sociedade civil se
liberta de forma corporativa, talvez por isso, vivamos hoje
numa sociedade de direitos.

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O “Athanor” do V Império – Boletim Mensal de Temática Esotérica – Ed. n.º 4 – Domingo, 04.06.2006

Daí a importância da educação para a cidadania, na qual


a comunicação social tem um papel fundamental: mais do
que dar notícias, o que é inegavelmente importante, importa
que se esclareça o cidadão. Mas isso só será possível quan-
do ele quiser ser esclarecido e reclamar isso mesmo da
comunicação social. O que, ainda, não é o caso..

Os Números Sagrados na Tradição


Pitagórica Maçónica
PELO R ∴ IR ∴ ARTURO REGHINI 1

Procura a Liberdade, que é tão querida


Como sabe quem por ela despreza a vida.
(Dante, Purgatório. I, 71-722).

Segundo os antigos rituais e as antigas constituições maçó-


nicas, o fim da Franco-maçonaria é o aperfeiçoamento do
homem.
Os antigos mistérios clássicos não tinham outro objectivo e
conferiam a télétê , perfeição iniciática. Este termo técnico
estava vinculado etimologicamente com os três sentidos de
fim, morte e perfeição, como Já o faz observar o pitagórico
Plutarco. Jesus utiliza também a palavra téleios quando
exorta os seus discípulos a ser "perfeitos como vosso Pai que
está nos céus", inclusivamente quando, por uma dessas fre-
quentes incongruências das Santas Escrituras, afirma que
"nada é perfeito excepto o meu Pai que está nos céus".
Essa definição poderia parecer explícita e precisa; e sem
dúvida uma ligeira alteração formal alterou gravemente o
conceito. Tomemos como exemplo o dicionário de Piani-
giani que afirma que o fim da Franco-maçonaria é o aper-
feiçoamento da humanidade; grande quantidade de pro-
fanos, tal como numerosos maçons, aceita essa definição.

1
Arturo Reghini (1878-1946), matemático e filólogo, foi alto cargo da
Maçonaria italiana (Sup. Cons. REAA, e foi membro honorário de Sup
Cons de outros países). Correspondeu-se com René Guénon e foi fun-
dador e director das revistas Atanòr (onde Guénon publicou a primei-
ra versão de O Esoterismo de Dante e O Rei do Mundo) e Ignis (1924-
25). Contribuiu na Ur (1927-28). Foi autor de numerosos artigos e chefe
de redacção da Rassegna Massonica. Algumas das suas obras são :
Cagliostro, documents et études; Notes brèves sur le Cosmopolite;
Considérations sur le Rituel de l'Apprenti Franc-Maçon; Les Mots sacrés
et de passe des trois premiers grades et le plus grand mystère maçon-
nique; Aritmosofia; Les Nombres Sacrés dans la Tradition Pythagoricien-
ne Maçonnique (actualmente editados por Archè, Milão), e uma obra
inédita em sete volumes: Dei Numeri Pitagorici.
2
Libertà va cercando ch’è si cara / Come sa chi per lei vita rifiuta.
(Dante, Purgatorio. I, 71-72.)

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O “Athanor” do V Império – Boletim Mensal de Temática Esotérica – Ed. n.º 4 – Domingo, 04.06.2006

À primeira vista pode parecer que aperfeiçoamento do


homem e aperfeiçoamento da humanidade significam o
mesmo; de facto, referem-se a dois conceitos profundamen-
te distintos, e a sua aparente sinonímia gera um equívoco e
oculta uma incompreensão. Outros utilizam a expressão
aperfeiçoamento dos homens, também equívoca.
Evidentemente, é quase impossível estabelecer qual é a
expressão justa, porque qualquer franco-maçom pode
declarar justa a que mais de acordo está com as suas pre-
ferências, e ainda satisfazer-se, talvez, no equívoco. Mas se
se trata de determinar, histórica e tradicionalmente, a
interpretação correcta e conforme com o simbolismo
maçónico, a questão muda de aspecto e já não se trata
de preferências particulares.
O manuscrito encontrado por Locke (1696) na Bodleian
Library – e que não se publicou até 1748 – atribui-se a Hen-
rique VI de Inglaterra: define a Franco-maçonaria como "o
conhecimento da natureza e a compreensão das forças
que há nela"; enuncia expressamente a existência de um
vínculo entre a Maçonaria e a Escola Itálica, pois afirma
que Pitágoras, um grego, viajou para instruir-se, ao Egipto, à
Síria e a todos os países aonde os Venezianos [leia-se os
Fenícios] haviam introduzido a Maçonaria. Admitido em
todas as lojas dos Maçons, adquiriu um grande saber, vol-
tou à Magna Grécia... e fundou uma importante loja em
Crotona.3
Na verdade, o manuscrito fala de Peter Gower; e, como o
nome Gower existe em Inglaterra, Locke ficou bastante per-
plexo ante a identificação de Gower com Pitágoras. Mas
outros manuscritos e as Constituições de Anderson mencio-
nam explicitamente Pitágoras. O manuscrito de Cooke diz
que a Maçonaria é a parte principal da Geometria, e que
foi Euclides, sábio e subtil inventor, quem estabeleceu as
regras desta arte e lhe chamou Maçonaria. Há outras pistas
de reminiscências pitagóricas tanto nos " Old Charges"
como no mais antigo dos rituais impressos4 (1724) que atribui
uma importância particular aos números ímpares, de acor-
do com a tradição pitagórica.5
Todos os antigos manuscritos maçónicos concordam em assi-
nalar o aperfeiçoamento do homem, o do simples indivíduo,
como único objectivo da franco-maçonaria. As provas iniciáti-
cas, as viagens simbólicas, o trabalho do aprendiz e do com-
panheiro têm um carácter manifestamente individual e não
colectivo.

3
Hutchinson, Spirit of Masonry; Preston, Illustrations of Masonry; G. De
Castro, Mondo segreto, IV, 91; A. Reghini, Noterelle iniziatiche,
Sull’origine del simbolismo, en Rassegna Massonica, Junho-Julho 1923.
4
The Grand Mystery of Free-masons discovered wherein are the several
questions put to them at their Meetings and installation, Londres 1724.
5
Virgilio, Bucólicas, Égloga VIII.

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O “Athanor” do V Império – Boletim Mensal de Temática Esotérica – Ed. n.º 4 – Domingo, 04.06.2006

Segundo a mais antiga concepção maçónica, a "grande


obra" do aperfeiçoamento, realiza-se trabalhando sobre a
"pedra bruta", quer dizer sobre o indivíduo, desbastando,
polindo e esquadrando a pedra bruta até a transformar em
"pedra cúbica da Mestria", graças às regras tradicionais da
"Arte Real" maçónica de edificação espiritual. Existe uma
perfeita analogia com uma tradição paralela, a tradição
hermética que, pelo menos desde 1600, se encontra enxer-
tada nela e ensina que a "grande obra" se realiza trabalhan-
do sobre a "matéria prima" e transformando-a em "pedra filo-
sofal" segundo as regras da "Arte Real hermética”.
A operação que resume a máxima de Basílio Valentim:
V.I.T.R.I.O.L. (Visita Interiora Terrae Rectificando Invenies
Occultum Lapidem = Visita o interior da Terra, por rectifica-
ção encontrarás a pedra oculta) ou a Tábua de Esmeralda,
modernos arabistas atribuem ao pitagórico Apolónio de Tia-
na. Pelo contrário, segundo a concepção maçónica profa-
na e mais moderna, o trabalho de aperfeiçoamento deve
ser realizado sobre a colectividade humana; é a humanida-
de ou a sociedade o que há que transformar e aperfeiçoar;
e de esse modo a ascese espiritual do indivíduo é substituída
pela política colectiva. Os trabalhos maçónicos acabam por
ter então uma meta e um carácter primeiramente social, por
vezes unicamente social. O verdadeiro fim da franco-
maçonaria – o aperfeiçoamento do indivíduo – passa para
segundo plano, quando não é francamente descuidado,
esquecido e ignorado.
Tradicionalmente é a primeira concepção sem dúvida a cor-
recta, e na literatura maçónica do século XVIII estiveram
muito em voga as comparações e identificações exagera-
das e fantasiosas entre os mistérios de Eleusis e a Franco-
maçonaria. É indiscutível que o património ritual e simbólico
da Ordem maçónica somente se harmoniza com a concep-
ção mais antiga do fim da maçonaria; efectivamente, o tes-
tamento do candidato à iniciação, as viagens simbólicos, as
terríveis provas, o nascimento na Luz iniciática, a morte e a
ressurreição de Hiram, não podem compreender-se em rela-
ção com os trabalhos maçónicos e o fim da Franco-
maçonaria se tudo deve reduzir-se a não fazer outra coisa
que política.
Historicamente, o interesse e a intervenção da Franco-
maçonaria nas questões políticas e sociais não se manifes-
ta mais do que até 1730, e unicamente em algumas
regiões europeias, com a introdução da Franco-maçonaria
inglesa no continente.

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O “Athanor” do V Império – Boletim Mensal de Temática Esotérica – Ed. n.º 4 – Domingo, 04.06.2006

O pouco que, por outra parte, se sabe das antigas lojas, de


antes do século XVII, mostra a presença e o uso nos trabalhos
maçónicos de um simbolismo de ofício, arquitectónico, geo-
métrico, numérico, que, tendo por sua natureza um carácter
universal, não se encontra ligado nem a uma civilização
determinada nem a uma língua em particular e permanece
independente de todo o credo de ordem política e religiosa;
é por essa razão que o maçom, de acordo com o ritual, não
sabe ler nem escrever.
Com a lenda de Hiram e a construção do Templo, faz a sua
aparição um elemento hebraico: as palavras sagradas do
aprendiz e do companheiro (as únicas graduações ou graus
então existentes) que se referem a esta lenda são hebraicas.
Mas esta lenda não pertence ao património tradicional da
Ordem; a morte de Hiram não figura nos antigos manuscritos
maçónicos, e as Constituições de Anderson ignoram o tercei-
ro grau. De qualquer forma não há nada de extraordinário na
presença de elementos e palavras hebraicas numa época
em que o hebraico era considerado como uma língua
sagrada, a língua sagrada, aquela que Deus havia utilizado
para falar com o homem no Paraíso Terrestre; trata-se de um
facto cuja importância e significado não há que exagerar e
que de nenhuma maneira basta para justificar a afirmação
do carácter hebraico da Franco-maçonaria.
A letra G do alfabeto greco-latino, inicial de geometria e de
Deus (God) em inglês, que aparece na Estrela Flamígera ou
no Delta maçónico, parece não ser senão uma inovação
(sem utilidade para quem não sabe ler nem escrever),
enquanto que os dois símbolos fundamentais da Ordem são
os dois mais importantes do pitagorismo: a pentalfa ou pen-
tagrama e a tetraktys pitagórica. A arte maçónica ou arte
real, termos utilizados pelo neoplatónico Máximo de Tiro,6 era
identificada com a geometria, uma das ciências do quadri-
vium pitagórico, e é difícil compreender como um Oswald
Wirth, maçom erudito e hermetista, pôde escrever que os
maçons do século XVII7 se proclamavam adeptos da Arte real
porque noutro tempo houve reis que se interessaram na obra
das privilegiadas corporações dos construtores da Idade
Média. Os elementos de puro carácter maçónico constituem,
junto com o simbolismo numérico e geométrico, o património
simbólico e ritual arcaico e autêntico da fraternidade. Não
dizemos o seu património característico, porque estes ele-
mentos aparecem também, ao menos parcialmente, na
Companheirança8, demasiado próxima da Franco-
maçonaria.

6
Máximo de Tiro, Discours philosophiques, traducción Formey, Leyden,
1764: Discurso XI, pág. 173.
7
Cf. Oswald Wirth, Le Livre du Maître, 1923, pág. 7.
8
A “companheirança” provém dos construtores das catedrais medie-
vais, cuja origem tradicional remonta ao templo de Salomão e às
construções das pirâmides egípcias. São estes os "compagnons" fran-

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O “Athanor” do V Império – Boletim Mensal de Temática Esotérica – Ed. n.º 4 – Domingo, 04.06.2006

Posteriormente, entre os séculos XVII e XVIII, quando as lojas


inglesas começaram a receber como irmãos os accepted
masons, pessoas que não exerciam a profissão de arquitecto ou
o ofício de pedreiro, fazem a sua aparição elementos herméti-
cos e rosacrucianos, como por exemplo Elias Ashmole (1617-
1692), tal como assinala Gould na sua história da Franco-
maçonaria. O contacto entre a tradição hermética e a maçóni-
ca fora de Inglaterra produz-se igualmente quase na mesma
época, o que, evidentemente, implica a existência no continen-
te de lojas maçónicas independentes da Grande Loja Inglesa. O
frontispício de um texto hermético importante, editado em 16189,
reproduz junto aos símbolos herméticos (a Rebis) os símbolos estri-
tamente maçónicos do esquadro e do compasso; ocorre o
mesmo num opúsculo italiano de alquimia10, impresso em lâmi-
nas de chumbo e que remonta praticamente a essa época.
Neste opúsculo vê-se, entre outras coisas, Tubalcaim com um
esquadro e um compasso nas suas mãos. Ora bem, na Bíblia
considera-se Tubalcaim como o primeiro ferreiro. Um erro de
etimologia, naquele tempo muito frequente, ao qual retornou o
erudito Vossius, identificou-o com Vulcano, o ferreiro dos Deuses
e Deus do fogo, quem, segundo os alquimistas e os hermetistas,
presidia o fogo hermético (o ardor espiritual), fogo que realizava
a grande obra da transmutação. Numa das nossas obras de
juventude11 demos uma interpretação errónea da palavra de
passe Tubalcaim, pois ignorávamos a equívoca identificação de
Vulcano com Tubalcaim aceite pelos hermetistas e eruditos dos
séculos XVII e XVIII. Hoje parece-nos evidente que esta palavra
de passe e algumas outras vêm do hermetismo, e que prova-
velmente foram introduzidas na Franco-maçonaria e incluídas
nas palavras sagradas, constituindo provas do contacto que se
havia estabelecido entre a tradição hermética e a maçónica.
As palavras de passe do 2° e 3er grau não existem no ritual de
Prichard (1730). Hermetismo e Maçonaria têm como fim a "gran-
de obra da transmutação" e ambas as tradições transmitem o
segredo de uma arte, a que designam com o termo de arte
real, utilizado já por Máximo de Tiro. É pois natural que se tenham
sentido muito próximas uma da outra. Observemos que a adop-
ção do simbolismo hermético não se efectua em detrimento da
universalidade maçónica nem da sua independência perante a
religião e a política, pois o simbolismo hermético ou alquímico é,
também, alheio pela sua natureza a todo o credo religioso ou
ceses, os "knight of labour" político. A arte maçónica e a arte hermética, ou simplesmente a
(cavaleiros do trabalho) arte, é uma arte e não uma doutrina ou uma confissão.
ingleses, e os "zimmerman"
(carpinteiros) alemães. Em
todas as construções tradi-
cionais podem observar-se
as marcas ou assinaturas 9
Johannes Daniel Mylius, Basilica Philosophica, Francfort, 1618.
que estes canteiros 10
Cf. Pietro Negri [= A. Reghini], Un codice plumbeo alchemico italia-
deixaram nas pedras no, em UR, números 9 e 10, 1927.
esculpidas. (Nota do tradu- 11
Cf. A. Reghini, Le parole sacre e di passo ed il massimo mistero mas-
tor). sonico, Todi 1922.

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O “Athanor” do V Império – Boletim Mensal de Temática Esotérica – Ed. n.º 4 – Domingo, 04.06.2006

Até 1717 cada loja, de facto, era livre e autónoma; os irmãos


de uma oficina eram recebidos como visitantes nas outras
oficinas na condição de satisfazerem as perguntas (uma
espécie de exame que permitia reconhecer que um irmão o
era na verdade); mas somente o Venerável de uma oficina
detinha a autoridade única e suprema entre os irmãos da
mesma. Em 1717, produz-se uma mudança, com a constitui-
ção da primeira Grande Loja, a Grande Loja de Londres, e
pouco depois o pastor protestante Anderson redige as Cons-
tituições maçónicas para as Lojas sob a Obediência da
Grande Loja de Londres; e, se bem que teoricamente uma
oficina podia e pode conservar a sua autonomia ou aderir à
Obediência de uma Grande Loja,12 na prática só se conside-
ram hoje lojas regulares aquelas que, directa ou
indirectamente, são emanações ou derivações da Grande
Loja de Londres, no pressuposto de que esta derivação, e
somente ela, possa conferir a "regularidade".
Ora bem, é muito importante observar que as Constituições
de Anderson afirmam explicitamente que para ser iniciado e
pertencer à Franco-maçonaria a única condição é a de ser
um homem livre de costumes irreprováveis, e exaltam (ao
contrário das diversas seitas cristãs) o princípio da tolerância
de cada um pelos credos dos demais, acrescentando
somente que um maçom não será nunca um "ateu estúpi-
do". Poderia pensar-se que Anderson admite que o franco-
maçom pode ser um ateu inteligente, mas é mais verosímil
que, como bom cristão, pense que um ateu é obrigatoria-
mente um imbecil, segundo a máxima que disse: Dixit stultus
in corde suo: Non est Deus, (O coração do estúpido diz: Deus
não existe). Aqui, seria necessário fazer uma digressão e
observar que nesta disputa tanto o que afirma como o que
nega não possui em geral nenhuma noção de existir ou não
aquilo que afirma e que a palavra Deus se emprega habi-
tualmente num sentido tão vago que toda a discussão se
torna inútil. Seja como for, as Constituições da Franco-
maçonaria são explicitamente teístas; e os profanos, que
acusam a franco-maçonaria de ateísmo, ou bem o fazem
por má fé ou ignoram que trabalha para a glória do Grande
Arquitecto do Universo. Observemos ainda que esta desig-
nação, que se harmoniza com o carácter do simbolismo
maçónico, tem igualmente um sentido preciso e inteligível,
ao contrário de certas designações vagas ou carentes de
sentido como as de "Nosso Senhor", "Pai de todos os homens",
etc.

12
O. Wirth expressa categoricamente esta opinião, cf. Le Livre du
Maître, pág. 189.

9
O “Athanor” do V Império – Boletim Mensal de Temática Esotérica – Ed. n.º 4 – Domingo, 04.06.2006

A qualidade de homem livre, exigida ao profano, para o ini-


ciar, ou ao maçom, para o considerar como irmão, é de
grande interesse. Anderson não deixa de chamar Franco-
maçons aos Free Masons, e não resta senão examinar em
que consiste esse freedom dos Freemasons. Trata-se somen-
te da prerrogativa económica e social que exclui os escra-
vos e criados, e das liberdades e privilégios de que desfru-
tava a corporação dos franco-maçons perante os governos
dos estados e das distintas regiões onde exercia a sua acti-
vidade? Ou essa denominação de maçons livres ou libertos
deve tomar-se noutro sentido, o de pessoas que não são
escravas dos preconceitos nem dos credos, liberdade que
seria inútil trazer à luz? Se isto era assim, seria vão querer
encontrar as provas documentais, e a pergunta ficaria pen-
dente. Sem dúvida pode acrescentar-se um esclarecimento
graças a um documento de 1509, cuja existência e impor-
tância não tem sido, segundo parece, valorizada até ao
presente.
Trata-se de uma carta escrita em 4 de Fevereiro de 1509 a
Cornelius Agrippa pelo seu amigo italiano, Landolfo, para
lhe recomendar um iniciado. Landolfo diz-lhe13: "É alemão
como tu, originário de Nuremberga, mas vive em Lyon.
Investigador curioso dos arcanos da natureza, é um homem
livre , completamente independente dos demais, que dese-
ja, por causa da reputação que já possuis, explorar tam-
bém o teu abismo... Lança-o pois no espaço, para o prova-
res; e levado nas asas de Mercúrio voa das regiões do Aus-
tro às do Norte; arranca também o ceptro de Júpiter; e se o
nosso neófito quer jurar os nossos estatutos, associa-o à nos-
sa fraternidade". Tratava-se de uma associação secreta
hermética criada por Agrippa, e há uma evidente analogia
entre a prova do espaço que deve confrontar o iniciado e
as terríveis provas e viagens simbólicas da iniciação maçó-
nica, inclusive se a prova, aqui, se faz nas asas de Hermes.
Hermes Psicopompo, o pai dos filósofos segundo a tradição
hermética, é o guia das almas no mais além clássico e nos
mistérios iniciáticos. Também nesta carta, se refere a quali-
dade de homem livre, o suficiente para abrir ao profano a
porta do templo que procura; também aqui, manifesta-se
em substância o princípio da liberdade de consciência a
par da tolerância. Ambas as tradições paralelas, hermética
e maçónica, põem idêntica condição ao profano a iniciar,
a de ser um homem livre; do que pode presumir-se que não
se referia às exclusividades particulares das corporações de
ofício, ou que, por outro lado, estivesse fora de questão
exigir aos accepted Masons que não eram pedreiros de
profissão senão franco-maçons.

13
Cornelius Agrippa, Cartas. Cf. Também a monografia de A. Reghini,
prefácio da versão italiana da Filosofia Oculta de Agrippa.

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O “Athanor” do V Império – Boletim Mensal de Temática Esotérica – Ed. n.º 4 – Domingo, 04.06.2006

O carácter fundamental das Constituições de Anderson resi-


de pois no princípio da liberdade de consciência e de tole-
rância, que permite também aos não cristãos pertencer à
Ordem. Nas Constituições de Anderson a Franco-maçonaria
conserva o seu carácter universal, não está subordinada a
nenhum credo filosófico particular nem a nenhuma seita reli-
giosa, e não manifesta nenhuma inclinação por trabalhos de
ordem social ou política; pode ser que este carácter a-
confessional e livre tenha inspirado igualmente a Maçonaria
anterior a 1717 e que Anderson não tenha feito mais do que
ratificá-lo nas Constituições.
Ao implantar-se na América e no continente europeu, a
Franco-maçonaria conservou em geral o seu carácter uni-
versal de tolerância religiosa e filosófica e permaneceu
alheia a todo o movimento político e social, incluso acen-
tuando por vezes, como na Alemanha, o seu interesse pelo
hermetismo. Por volta de 1740, começaram a multiplicar-se
os novos ritos e os altos graus, mas conservando cuidadosa-
mente os rituais e o rito dos três primeiros graus, os da verda-
deira franco-maçonaria, chamada igualmente maçonaria
simbólica ou azul.
Os rituais de estes altos graus são muitas vezes um desenvol-
vimento da lenda de Hiram, ou relacionam-se com os Rosa-
cruzes, o hermetismo, os Templários, o gnosticismo, os Cáta-
ros..., e não têm já um autêntico carácter maçónico; do
ponto de vista da iniciação maçónica, são absolutamente
supérfluos. A Franco-maçonaria está completa nos três pri-
meiros graus, reconhecidos por todos os ritos, e sobre os
quais se baseiam os altos graus e as lojas superiores dos dife-
rentes ritos. O companheiro franco-maçom, uma vez que
chegou a mestre, terminou simbolicamente a sua grande
obra. Os altos graus só poderiam ter uma função verdadei-
ramente maçónica se contribuíssem para uma interpretação
correcta da tradição maçónica e para uma compreensão e
aplicação mais inteligente do rito, quer dizer da arte real.
Desde logo isto não significa que haja que abolir os altos graus,
já que os irmãos que com eles estão decorados são livres, e
que quem gosta de reunir-se em ritos e corpos para efectuar
trabalhos que não se opõem às obras maçónicas deve ter a li-
berdade de o fazer. Sem dúvida, do ponto de vista estritamen-
te maçónico, a sua pertença a outros ritos e a outras lojas supe-
riores não os põe por cima dos mestres que não experimentam
outra necessidade que não seja efectuar o trabalho da maço-
naria universal dos três primeiros graus. Além disso, é evidente
que ritos distintos como o de Swedenborg, os Escoceses, os da
Estrita Observância, de Memphis..., ao ser diferentes, já não são
universais, ou não o são mais do que a medida em que se ba-
seiam, sobre os três primeiros graus. Esquecê-lo ou tentar desna-
turalizar o carácter universal, livre e tolerante da Franco-
maçonaria, para impor aos irmãos das Lojas pontos de vista ou
objectivos particulares, seria ir contra o espírito da tradição
maçónica e contra a letra das Constituições da Fraternidade.

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O “Athanor” do V Império – Boletim Mensal de Temática Esotérica – Ed. n.º 4 – Domingo, 04.06.2006

É em França que aparece a primeira alteração, ao mesmo


tempo que o florescimento dos altos graus. A efervescência
das ideias nessa época, o movimento da Enciclopédia,
repercute na Franco-maçonaria que se difunde ampla e
rapidamente; e pela primeira vez, o interesse da Ordem diri-
ge-se e concentra-se nas questões políticas e sociais. Afirmar
que a revolução francesa seja obra da Franco-maçonaria
parece-nos, no mínimo, exagerado; pelo contrário, é inegá-
vel que a franco-maçonaria sofreu em França, e teria sido
difícil que isso não ocorresse, sob a influência do grande
movimento profano que conduziu à revolução e culminou no
império. A Franco-maçonaria francesa passou então e conti-
nuou sendo, desde esse momento, uma maçonaria com-
prometida e interessada nas questões políticas e sociais;
alguns quiseram considerá-la como "tradicional" quando, no
máximo, representa a tradição maçónica francesa, muito
distinta da antiga tradição. Este desvio e este compromisso é
a causa principal, se não a única, da oposição que segui-
damente nasceu entre a maçonaria anglo-saxónica e a
francesa; em Itália, criou as divergências destes últimos cin-
quenta anos, que tiveram como consequência a sua desu-
nião e o debilitamento ante os ataques e a perseguição dos
jesuítas e dos fascistas. Seja como for, mesmo os irmãos que
seguem a tradição maçónica francesa não se esqueceram
do princípio de tolerância, e nas lojas maçónicas italianas,
muito antes da perseguição fascista, havia irmãos de todas
as crenças religiosas e de todos os partidos políticos, incluin-
do católicos e monárquicos.
Há que recordar também que no período prévio à revolução
francesa, nem todos os maçons esqueceram a verdadeira
natureza da Franco-maçonaria, mesmo quando ficaram
desorientados pelo cortejo de ritos diversos e opostos. No
Convento dos Philalèthes reuniram-se maçons de todos os
ritos, animados todos eles pelo mesmo desejo de restabele-
cer a unidade. Só Cagliostro, que havia fundado o rito da
Maçonaria Egípcia, que unicamente constava de três graus,
e era exclusivamente dedicada à obra de edificação espiri-
tual, se negou a comparecer neste Convento por razões
cuja exposição seria demasiado extensa.
A influência maçónica francesa afirmou-se também em Itá-
lia, depois da revolução e durante o império. Ainda hoje, a
presença de certos termos técnicos nos "trabalhos" maçóni-
cos, como o "malhete" do Venerável (traduzido em italiano
literalmente por "maglietto") assim como outros termos (lou-
veton, tradução fonético-semantica de Lufton, filho de
Gabaón, nome genérico do maçom segundo os primeiros
rituais ingleses e franceses) são prova de isso.

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O “Athanor” do V Império – Boletim Mensal de Temática Esotérica – Ed. n.º 4 – Domingo, 04.06.2006

A franco-maçonaria francesa e a italiana tiveram estreitas


relações durante todo o ultimo século, e por vezes uma ati-
tude revolucionária, republicana, mas também materialista e
positivista que seguia a moda filosófica da época. Não se
pode dizer, sem dúvida, que a franco-maçonaria italiana se
converteu numa franco-maçonaria materialista, pois se bem
que foi sempre tolerante ante todas as opiniões, nem por isso
deixou de venerar, e muito particularmente, a um grande
espírito como Giuseppe Mazzini e aos grandes franco-
maçons como Garibaldi, Bovio, Carducci, Filopanti, Pascoli,
Domizio Torrigiani, e Giovanni Amendola, todos idealistas e
espiritualistas.14 Foi o selvajismo furioso e o vandalismo dos
incultos fascistas o que devastou os nossos templos, as nossas
bibliotecas e partiu os bustos de Mazzini e Garibaldi que
decoravam as nossas sedes.
Por outro lado há que reconhecer que se a franco-
maçonaria inglesa conservou sempre um carácter espiritua-
lista e nunca lhe ocorreu negar a existência do Grande
Arquitecto do Universo, frequentemente esteve tentada, e
ainda o está, a conferir um certo tom cristão ao seu espiritua-
lismo, afastando-se dessa forma do espírito de imparcialida-
de absoluta e não confessional das Constituições de Ander-
son. Não se pode negar que o facto de obrigar a prestar
juramento sobre o Evangelho de São João não é uma prova
de tolerância ante profanos e irmãos agnósticos ou pagãos,
judeus ou livre pensadores, que não têm uma especial sim-
patia pelo Evangelho de São João e ignoram tudo da tradi-
ção joanista. A intolerância acentua-se com o mau costume
de infligir a leitura e o comentário dos versículos do Evange-
lho durante os trabalhos da Loja. Se este hábito criticável
adquire importância, terminará por reduzir os trabalhos da
Loja a um simples serviço religioso corriqueiro ou puritano, a
uma espécie de "rosário" ou de "vésperas" fastidiosas, inúteis
e insuportáveis para a livre consciência de tantos irmãos
que, em Inglaterra e na América, não vão à missa, nem
aceitam a infalibilidade do papa, como tampouco a autori-
dade da Bíblia. É necessário criar mal-estar e irritação nas
nossas colunas sem uma contrapartida apreciável? Pode
acreditar-se que por esses meios se converterá os outros às
próprias crenças e que dessa forma se conterá o agnosticis-
mo inglês e americano?

14
Giuseppe Mazzini (1805-1872), fundador da "Jovem Itália" (sociedade
secreta que trabalhava para o estabelecimento da república em Itá-
lia). Giuseppe Garibaldi (1807-1882), patriota italiano que lutou para
libertar a Itália do domínio austríaco, dos Borbõns (reino das Duas Sicí-
lias) e finalmente do papado. Giovanni Bovio (1841-1903) filósofo e
homem político radical de esquerda. Giosue Carducci (1835-1907)
poeta. Quirico Filopanti (1812-1894) patriota e universitário. Giovanni
Pascoli (1855-1912) poeta. Domizio Torrigiani (1879-1932). Giovanni
Amendola (1882-1926) homem político, filósofo fundador do Movimen-
to União Democrática Nacional.

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O “Athanor” do V Império – Boletim Mensal de Temática Esotérica – Ed. n.º 4 – Domingo, 04.06.2006

Estas considerações exortam a conservar o carácter univer-


sal da Franco-Maçonaria por cima dos credos religiosos e
filosóficos e dos compromissos políticos. Isto não significa que
se deva ignorar a política. Com efeito, há que proteger-se
dela. A intolerância não pode abrir o campo à tolerância e
a tolerância pode tolerar tudo excepto a intolerância delibe-
radamente hostil. Desde o momento em que apareceram as
Constituições de Anderson com o seu princípio de liberdade
e de tolerância, a Igreja católica excomungou a Franco-
maçonaria, culpável precisamente de tolerância; e o encar-
niçamento contra a Franco-maçonaria já nunca seria des-
mentido. Em Itália, a perseguição à Franco-maçonaria
durante estes últimos vinte anos foi começada e mantida
pelos jesuítas e os nacionalistas15; enquanto os fascistas, para
ganharem a simpatia destes senhores, não vacilaram em
provocar a aversão do mundo civilizado, no que respeita a
Itália, com o seu vandalismo contra a Franco-maçonaria. Os
jesuítas perderam esta guerra; mas a lepra da intolerância
propaga-se sempre, reveste novas formas e é necessário pro-
teger-mo-nos dela. Por outro lado, chegou a hora, se não
nos enganamos, de difundir a Franco-maçonaria por toda a
Terra e estabelecer uma fraternidade entre os homens de
todas as raças, civilizações e religiões; para levar a bom ter-
mo esta tarefa, é necessário que a Franco-maçonaria não
assuma uma fisionomia e um tom que não pertencem mais
que a uma minoria perante a qual as grandes civilizações
orientais, China, Índia, Japão, Malásia, o mundo do Islão, se
têm mostrado refractárias. A coisa é possível enquanto a
Franco-maçonaria não se circunscreva a uma crença qual-
quer e permaneça fiel ao seu património espiritual, que não
consiste nem numa fé codificada, um credo religioso ou filo-
sófico, um conjunto de postulados ou de preconceitos ideo-
lógicos e moralistas, nem numa bagagem doutrinal conside-
rada detentora e portadora da verdade, à qual se deva
converter os não crentes. Há que pensar que, ainda se a
verdadeira religião e a verdadeira filosofia existem, é uma
ilusão crer que se as pode conquistar ou comunicar median-
te uma conversão, uma confissão ou o recitar de certas fór-
mulas, porque cada qual entende as palavras destes credos
e fórmulas à sua maneira, de acordo com a sua civilização e
a sua inteligência; e no fundo, não são, como dizia Hamlet,
senão "words, words, words".

15
Cf. Os artigos de Emilio Bodrero em Civiltà cattolica, órgão da Com-
panhia de Jesus, e em Roma Fascista, jornais; cf. Também Ignis e Ras-
segna Massonica, ano 1925.

14
O “Athanor” do V Império – Boletim Mensal de Temática Esotérica – Ed. n.º 4 – Domingo, 04.06.2006

Enquanto não se reflecte nisto, tem-se a ilusão de que essas


palavras se compreendem de igual maneira; tão pronto
como se começa a raciocinar, surgem seitas e heresias,
cada uma persuadida de que detém a verdade. A sabedo-
ria não pode Já ser compreendida racionalmente, nem
expressada, nem comunicada; é uma visão, uma vidya,
essencial e necessariamente indeterminada, incerta; e,
quando os olhos se abrem à luz com o nascimento na nova
vida, aproximamo-nos a essa visão. A arte maçónica ou arte
real é a arte de trabalhar a pedra bruta para tornar possível
a transmutação humana e a percepção gradual da luz iniciá-
tica. O que não significa, naturalmente, que a Franco-
maçonaria tenha o monopólio da arte real.
No decurso dos dois últimos séculos a maior parte dos inimigos
da Franco-maçonaria recorreram sistemática e unicamente à
injúria e à calúnia, apoiando-se em sentimentos moralistas e
patrióticos. Afirmou-se assim que os trabalhos maçónicos con-
sistiam em orgias abomináveis, e com isso se tem manipulado
os rituais, se tem desvelado as cerimónias maçónicas pondo-
as ao ridículo, se tem acusado os maçons de atraiçoar a sua
pátria pelo carácter internacional da Ordem, se tem afirmado
que a Franco-maçonaria não é outra coisa que o instrumento
dos judeus, sempre para enganar e alçar os crentes e o públi-
co em geral contra a "Sociedade Secreta". Os franco-maçons,
naturalmente, sabiam muito bem que não se tratava mais
que de calúnias; e, como nada conseguia convencê-los, pen-
sou-se em suprimi-los ou em retirar-lhes a possibilidade de reu-
nir-se para trabalhar, ou de responder e defender-se. Recen-
temente, um escritor católico16 publicou um estudo histórico
sobre ”Tradição Secreta”; conduzido com competência e
habilidade; as habituais e costumeiras calúnias, destinadas a
impressionar os profanos, foram habilmente substituídas nele
por uma crítica insidiosa, destinada a impressionar o leitor cul-
to e o espírito dos nossos irmãos.
Esta crítica afirma que o fundo da tradição secreta não con-
tém senão o vazio absoluto (pág. 139) e conclui afirmando
que "na Escola Iniciática ou por meio dela a Tradição Secreta
não tem ensinado absolutamente nada à humanidade" (pág.
155). Não se compreende muito bem então como pode afir-
mar-se igualmente que este vazio absoluto, "esta tradição
secreta coincide (pág. 141), ainda quando frequentemente
seja de uma forma corrompida, com as doutrinas gnósticas",
mas não pretendamos demasiado. A Franco-maçonaria é
pois, segundo o autor, uma esfinge sem segredo dado que
não ensina nenhuma doutrina; desse modo o leitor se vê
levado a concluir que ao estar desprovida de conteúdo, a
Maçonaria não tem nenhum valor.

16
Cf. Raffaele Del Castillo, La tradizione segreta, Milão 1941.

15
O “Athanor” do V Império – Boletim Mensal de Temática Esotérica – Ed. n.º 4 – Domingo, 04.06.2006

Nas páginas que precedem temos mostrado que a Franco-


maçonaria não ensina nenhuma doutrina e não deve
ensiná-la, enfatizando que esta atitude é um dos seus
méritos. Ora bem, para chegar a concluir que a Tradição
secreta contém o vazio ao não conter uma doutrina, há
que crer que somente uma doutrina pode ocupar o vazio.
Na página 153, o autor afirma, contudo: "o sistema iniciáti-
co supõe que o homem possa chegar a compreender por
um esforço da inteligência os problemas inexplicados do
cosmos e do mais além"; na página 152 escreve: "a Igreja
católica opõe às vãs elucubrações dos que se auto-
denominam iniciados, a força intangível do seu dogma
que deve ser único porque não podem existir duas verda-
des" e que o sistema iniciático é incompatível com o cris-
tianismo. A estas afirmações respondemos que ignoramos
a existência de um sistema iniciático, que não conhece-
mos iniciados que façam suposições, e ainda menos que
se façam ilusões sobre a possibilidade de resolver por meio
da sua inteligência ou de elucubrações os problemas
inexplicados; mas é-nos impossível admitir que a fé num
dogma possa constituir um conhecimento, pois saber não
é crer. De facto compreendemos que a verdade é neces-
sariamente inefável e indizível; deixamos aos profanos a
consoladora e ingénua ilusão de crer que é possível formu-
lar de alguma maneira esta verdade e este conhecimento
em credos, fórmulas, doutrinas, sistemas e teorias. Para
mais, até Jesus sabia que as suas parábolas não eram mais
que parábolas; mas dizia também aos seus discípulos que
a eles "lhes era dado entender o mistério do reino dos
céus". Evidentemente sola fides sufficit ad firmandum cor
sincerum , mas non sufficit para entender os mistérios. O
que é igualmente válido para o simples raciocínio. Com
isto não queremos diminuir de nenhuma maneira o valor
da fé e do raciocínio; a fé isolada conduz ao desespero
filosófico; e ambos são um pouco como o tabaco e o
café: dois venenos que se compensam; mas desde logo
não basta fumar com cachimbo e degustar um café para
elevar-se ao conhecimento. Ao conhecimento multi vocati
sunt , mas não todos; e, entre estes muitos, pauci electi
sunt ; segundo a Igreja católica, pelo contrário, é suficiente
ter fé no Dogma, e o conhecimento e o paraíso estão ao
alcance de todos os bolsos a preços realmente insuperá-
veis.

16
O “Athanor” do V Império – Boletim Mensal de Temática Esotérica – Ed. n.º 4 – Domingo, 04.06.2006

Resumimos: Não existe uma doutrina maçónica secreta17;


mas existe uma arte secreta, chamada arte real ou mais
simplesmente Arte; é a arte da edificação espiritual a que
corresponde a arquitectura sagrada. Os instrumentos
maçónicos têm pois um sentido figurado na obra da trans-
mutação, e ao segredo da arte real corresponde o segredo
arquitectónico dos construtores das grandes catedrais
medievais. É natural que os franco-maçons venerem o
Grande Arquitecto do Universo, ainda que não se defina o
que há que entender por esta designação.
Na arquitectura antiga, especialmente na arquitectura
sagrada, as questões de relação e proporção tinham uma
importância capital; a arquitectura clássica regulava a
proporção das diferentes partes de um edifício, e em parti-
cular dos templos, baseando-se num módulo secreto ao
qual alude Vitruvio; existe toda uma literatura referente à
arquitectura egípcia e sobretudo à pirâmide de Kéops, que
ilustra o seu carácter matemático; e procedendo inclusi-
vamente com a maior circunspecção, é certo, por exem-
plo, que esta pirâmide se encontra exactamente a 30° de
latitude para formar com o centro da terra e o pólo Norte
um triângulo equilátero; é certo que está perfeitamente
orientada e que a face voltada para o setentrião é exac-
tamente perpendicular ao eixo de rotação terrestre, em
função da posição que este tinha na época da sua cons-
trução. Quanto aos construtores da Idade Média, não os
guiava somente uns critérios estéticos; preocupavam-se
com a orientação da igreja, com o número de naves, etc.;
a arte dos construtores estava em relação com a ciência
da geometria. O esquadro e o compasso são os dois símbo-
los de ofício fundamentais na arte maçónica; e a régua e o
compasso os dois instrumentos fundamentais na geometria
elementar. A Bíblia afirma que Deus fez omnia in numero,
pondere et mensura; os pitagóricos criaram a palavra cos-
mos para indicar a beleza do universo no qual reconheciam
uma unidade, uma ordem, uma harmonia, uma proporção;
e entre as quatro ciências liberais do quadrivio pitagórico, a
aritmética, a geometria, a música e a estética, a primeira
estava na base de todas as demais.

17
O. Wirth já tinha dito a mesma coisa em 1941: "Como o método ini-
ciático se nega a inculcar o que quer que seja, apenas é admissível
que se tenha ensinado uma doutrina positiva no seio dos Mistérios", no
Livre du Maître, pág. 119.
Del Castillo mantém, pelo contrário – y sem nenhuma prova – que a
Maçonaria pretendeu ensinar uma doutrina secreta, e constata que
não se encontra traça desta doutrina positiva. Em vez de reconhecer
que o seu ponto de vista não é demonstrável, acusa a Maçonaria de
ser redundante e incapaz. O vos qui cum Jesu itis, non ite cum Jesuitis.

17
O “Athanor” do V Império – Boletim Mensal de Temática Esotérica – Ed. n.º 4 – Domingo, 04.06.2006

Dante comparava o céu do Sol com a aritmética porque


"como da luz do Sol todas as estrelas se iluminam, assim da
luz da aritmética se iluminam todas as ciências" e do mes-
mo modo "que o olho não pode olhar o sol, assim o olho do
intelecto não pode ver o número que é infinito"18.
Sem entrar na crítica desta passagem, não deixa de ficar
estabelecida a posição que ocupa a Aritmética segundo
Dante. Por outro lado, tanto a Bíblia como a arquitectura
aconselhavam considerar os números. Hoje em dia, ainda
que negando-se a reconhecer no cosmos uma unidade,
uma ordem, uma harmonia, uma lei, e não aceitando mais
que o determinismo limitado pela lei das probabilidades, a
física moderna continua limitando-se a considerar os núme-
ros e as relações numéricas; de facto não restam senão
eles, e tanto Einstein como Bertrand Russell constataram e
reconheceram que a ciência moderna voltava ao pitago-
rismo.
Assim pois, não há nada surpreendente em que os franco-
maçons tenham identificado a arte arquitectónica com a
geometria e tenham dado ao conhecimento dos números
uma tal importância que lhes justifica a sua pretensão tra-
dicional de ser os únicos a conhecer os "números sagrados".
Mas ainda temos que fazer algumas observações. A geo-
metria na sua parte métrica, quer dizer nas medidas, exige
o conhecimento da aritmética; ora bem, antigamente a
acepção da palavra geometria era menos específica do
que hoje, e geometria significava genericamente toda a
matemática; assim a identificação da arte real com a geo-
metria, tradicional na Franco-maçonaria, não se refere à
geometria tomada no seu sentido moderno, mas também à
aritmética. Além disso, devemos observar que a relação en-
tre geometria, arte real da arquitectura e edificação espiri-
tual, é a mesma que inspira a máxima platónica: "Que nin-
guém entre aqui se não é geómetra". Máxima de uma atri-
buição algo duvidosa, pois não é referida mais do que por
um comentarista bastante tardio; mas em obras que indis-
cutivelmente são de Platão podemos ler: "...a geometria é
um método para dirigir a alma até ao ser eterno, uma esco-
la preparatória para um espírito científico, capaz de voltar
as actividades da alma para as coisas supra-humanas", [...]
"é incluso impossível chegar a uma verdadeira fé em Deus
se não se conhece a matemática, a astronomia e a íntima
união desta ultima com a música"19.

18
"come del lume del Sole tutte le stelle si alluminano, così del lume
dell’aritmetica tutte le scienze si alluminano [...] che l’occhio
dell’intelletto non può mirare [...] il numero [...] è infinito". Dante, O
Banquete, II, XIII, 15 e 19.
19
Gino Loria, Le scienze esatte nell’antica Grecia, 2ª edição, Milão
1914, pág. 110.

18
O “Athanor” do V Império – Boletim Mensal de Temática Esotérica – Ed. n.º 4 – Domingo, 04.06.2006

Esta concepção e atitude de Platão serão as da Escola Itáli-


ca ou pitagórica, que exerceu sobre ele uma grande
influência, o que permite dizer quando se quer admitir que a
Maçonaria se inspirou em Platão, que em ultima análise, se
volta sempre à geometria e à aritmética dos pitagóricos. O
vínculo entre a Franco-maçonaria e a Ordem pitagórica,
sem que se trate de uma derivação histórica ininterrupta,
senão somente de uma filiação espiritual, é seguro e mani-
festo. O Arcipreste Domenico Angherà, no prefácio que
escreveu para a reedição dos Estatutos gerais da Sociedade
dos Franco-maçons do Rito Escocês Antigo e Aceite (1874),
que já tinham sido publicados em Nápoles em 1820, afirma
categoricamente que a Ordem Maçónica é idêntica à
Ordem pitagórica; mas sem irmos tão longe, a afinidade
entre ambas as ordens é certa. A arte geométrica da Fran-
co-maçonaria, em particular, provém directa ou indirecta-
mente da geometria e da aritmética pitagóricas; e não é
anterior, porque os pitagóricos foram os criadores destas
ciências liberais, segundo o que pode deduzir-se historica-
mente e a partir dos testemunhos de Proclo. "À parte de
algumas propriedades geométricas atribuídas, sem dúvida
equivocadamente, a Tales, a geometria, diz Paul Tannery,
brotou completa do cérebro de Pitágoras tal como Minerva
saiu inteiramente armada do de Júpiter; e os Pitagóricos
foram os primeiros a estudar a aritmética e os números".
Para estudar as propriedades dos números sagrados dos
Franco-maçons e a sua função na Franco-maçonaria, a via
que se oferece por ela mesma é pois a do estudo da antiga
aritmética pitagórica; e estudá-la tanto sob o ponto de vista
aritmético ordinário como do da aritmética simbólica ou for-
mal, como lhe chama Pico de Mirándola, corresponde à rea-
lização filosófica e espiritual que Platão atribui à geometria.
Ambos os sentidos se encontram estreitamente ligados no
desenvolvimento da aritmética pitagórica. A compreensão
dos números pitagóricos facilitará a dos números sagrados
da Maçonaria.

(Tradução para português e inserção de imagens pelo


R∴IR∴ APOLÓNIO ALAGNI)

Período Anual de Influência


Terrena da Deusa Egípcia Ísis
PELO R ∴ IR ∴ GERVÁSIO SEQUEIRA

Dotada de grandes poderes, a deusa Ísis era irmã e mulher


de Osíris. Era também protectora das crianças.

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O “Athanor” do V Império – Boletim Mensal de Temática Esotérica – Ed. n.º 4 – Domingo, 04.06.2006

A sua influência terrena, segundo a tradição, faz-se notar no


período compreendido entre 16 de Junho e 15 de Julho, e
dota, os que nasceram neste período, de grande sensibilida-
de, imaginação fértil, acentuados instintos mater-
nais/paternais, desejo e disponibilidade para ajudar os
outros, fidelidade amorosa, pureza de sentimentos, com-
preensão, tolerância, gentileza, ausência de ócio, gosto pela
vida doméstica, excelentes qualidades morais, perfeito dis-
cernimento e justa capacidade para julgar os outros.
Estas pessoas não atraem aborrecimentos à sua vida pes-
soal, e por isso os aborrecimentos dos outros podem produzir-
lhes algum mau humor, o qual disfarçam, fechando-se e tor-
nando-se tímidos, introvertidos e “antipáticos”.
A sua conduta é marcada pela pureza. São ingénuos, aos
olhos dos outros. Esta pureza pode levá-los a grandes
decepções e torná-los desconfiados, fazendo-os isolar-se do
mundo, como forma de protecção.
Na sua natural superioridade consideram-se inferiores e são
complexados.
São bons em todas as profissões onde a precisão e a meticu-
losidade manual são a regra, sendo muito disciplinados e
bons administradores. Podem ser excelentes terapeutas.

“Saber”; é sempre bom; “acreditar”, só às vezes!

Efemérides Maçónicas
Pelo facto do R∴IR∴ JOSÉ MELO BRÁS se encontrar em
Férias, não serão publicadas, neste número, as habituais Efe-
mérides Maçónicas do mês.

Que o Soberano Arquitecto dos Mundos nos permita viver a


nossa existência nas mais absolutas condições de harmonia,
amor, verdade e justiça.

4 de Junho de 2006
O∴M∴M∴M∴
L∴ V Imperivm

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