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Fase 4

Lição 1

1. Clínica Psicanalítica: Melanie Klein

Melanie Klein foi uma das maiores psicanalistas da história. Seguidora de Freud,
com genialidade e amor à verdade erigiu uma escola com pensamentos próprios e
distintos. Como disse uma amiga, quando Klein em 1935 insistia que era uma freudiana:
"agora já é tarde - você é uma Kleiniana".
Suas teorias vieram de seus trabalhos com crianças, o que possibilitou a
investigação psicanalítica dos primeiros meses de vida, abrindo as portas para o
tratamento de pacientes psicóticos.
Outros desenvolvimentos se seguiram à psicanálise de crianças, como o estudo
dos estados maníaco depressivos, a identificação projetiva como defesa do ego, e a
inveja primária na constituição da personalidade. Sua teoria das posições depressiva e
esquizoparanóides são a primeira grande sistematização da teoria psicanalítica.

Melanie Reizes nasceu em Viena em 30/03/1882 e morreu em Londres em


22/09/1960, aos 78 anos. A vida pessoal de Klein é repleta de perdas e decepções: seu
pai, Moriz Reises, nunca foi bem sucedido na vida, estampando essa melancolia em
suas atitudes. Sua mãe, Libussa, extremamente dominadora e invasiva, trabalhava em
uma loja de plantas e animais exóticos para ajudar na renda familiar. Sua gravidez de
Melanie não havia sido desejada, após o nascimento dela, a mãe manteve um
relacionamento distante com seu pai; no entanto, era bastante apegada à mãe e a irmã
Sidonie, que morre aos 8 anos de idade. É o início de outras perdas sentidas na vida
de Melanie Klein.
Casou-se cedo, aos 17 anos, com o engenheiro químico Arthur Stevan Klein
com quem ficou até 1926, aos 44 anos. Klein sofria com as constantes viagens do
marido, bem como com seus problemas com depressão. Teve três filhos: Mellita, Hans e
Erich. Mellita se mostrará sua adversária ferrenha no campo psicanalítico, e Hans morre
em um acidente de alpinismo em 1934 (suspeita-se que tenha sido um suicídio). Klein
morre em 1960, ironicamente, não de câncer, cuja cirurgia fora bem sucedida, mas por
complicações em função de uma queda enquanto se recuperava dessa cirurgia. (Ela
recusara a ajuda da enfermeira durante a noite).
1.1 A Obra Kleiniana
Em 1914 inicia sua análise com Sandór Ferenczi, em Budapeste, e em 1919
torna-se membro da Sociedade Psicanalítica da Hungria. Começa sua análise com Karl
Abrahan em 1924 que morre 11 meses depois. Em 1925, a pedido de Ernest Jones,
muda-se para Londres, e em 1927 torna-se membro da Sociedade Britânica
de Psicanálise.
Klein, desde 1923, apresentava divergências, ainda que veladas, em relação a
alguns postulados freudianos, em especial ao desenvolvimento psíquico antes dos três
anos de idade. Porém essa divergência, que inicialmente era velada, ficou explicita com
a publicação do livro de Anna Freud (filha de Freud), “Tratamento psicanalítico de
crianças”, no qual ela acusava Klein de não fazer psicanálise. Uma série de artigos é
publicada em resposta a Anna Freud, e em 1932 Klein lança seu livro “Psicanálise de
Crianças”, livro que até hoje é a base para trabalhos com crianças.
Em 1935, Klein publica “Uma contribuição à psicogênese dos estados maníaco-
depressivos” que apresentava o conceito de “posição depressiva”. Mesmo D. Winnicott,
um dos seus mais magistrais contestadores, admirou essa descoberta, classificando-a
como a mais importante depois da descoberta do inconsciente. Ainda que Klein, até
mesmo por questões políticas, insistisse em se considerar “freudiana”, a partir deste
trabalho, já se pode falar em pensamento kleiniano.
Em 1940 publica “O luto e suas relações com os estados maníacos-depressivos”,
onde amplia os conceitos já introduzidos pela posição depressiva, postulando que o luto
não seria mais que uma repetição das sensações dessa posição.
Em, “O complexo de Édipo à luz das ansiedades arcaicas” (1940), Klein
introduz as ansiedades persecutórias e depressivas na dinâmica do complexo de Édipo,
ampliando sua atuação no psiquismo infantil. Ao localizar o complexo de Édipo com o
surgimento da posição depressiva, aos seis meses de idade, Klein dá um salto na
compreensão da formação do superego infantil, bem como de eventuais distúrbios
ligados ao Édipo.
Com “Notas sobre alguns mecanismos esquizóides”, aprofunda a compreensão
das defesas do ego em relação às ansiedades persecutórias, ampliando os conceitos da
posição esquizoparanóide. Essa obra também introduz o importante conceito de
identificação projetiva como base para as relações objetais.
Acréscimos importantes sobre esse tema são feitos por W. Bion. Esse trabalho e
“Uma contribuição à psicogênese dos estados maníaco-depressivos” formam os eixos
principais de sua teoria.
Em “Inveja e Gratidão” de 1957, seu mais controverso trabalho, Klein postula a
presença do sentimento de inveja presente desde o nascimento no bebê, e analisa suas
consequências para as posições esquizoparanóides e depressivas, bem como para o
Complexo de Édipo. Ela também faz, nesse trabalho, um importante avanço em relação
às resistências ao tratamento analítico.
1.2 A Teoria Kleiniana
Primeiramente existe um mundo interno, formado a partir das percepções do
mundo externo, colorido com as ansiedades do mundo interno. Com isso os objetos,
pessoas e situações adquirem um colorido todo especial. O seio materno, primeiro
objeto de relação da criança com o mundo externo, tanto é percebido como bom quando
amamenta, daí o nome de “seio bom”, quanto é percebido como “seio mau”, quando
não alimenta na hora em que a criança deseja. Como é impossível satisfazer a todos os
desejos da criança, invariavelmente ela possui os dois registros desse seio, um bom e
um mau. Esse conceito também é muito importante no estudo da formação de símbolos
e desenvolvimento intelectual.
Em segundo lugar, para Klein os bebês trazem, já no nascimento, dois
sentimentos básicos: amor e ódio. É como se a vida fosse um filme em branco e preto,
ou se ama, ou se odeia. É fácil, portanto, perceber que a criança ama o “seio bom” e
odeia o “seio mau”. O problema é que na fantasia da criança, o “seio mau”, esse objeto
interno, vai se vingar dela pelo ódio e destrutividade direcionados a ele. Esse medo de
vingança é chamado de ansiedade persecutória. E mais, quando nos vemos diante do
perigo, como por exemplo, se caminhando em um parque nos defrontamos com uma
cobra, temos o instinto de fugir. Essa reação diante do perigo é chamada
em psicanálise de defesa. O conjunto de ansiedade persecutória e suas respectivas
defesas são chamados por Klein de “posição esquizoparanóide”.
Explicada de modo mais aprofundado, a posição esquizo-paranóide,
conceito elaborado por Melanie Klein (1946), é considerada como a fase mais
arcaica do desenvolvimento humano. Esta posição, situada nos primeiros meses de
vida, é caracterizada pela primeira relação de objeto do bebê, sendo esse o seio da
mãe. Esta relação de objeto provoca a aparição de defesas como
a projeção, introjeção, identificação projetiva e cisão (splitting) de objeto.
Segundo Klein, o ego da criança é exposto, desde seu nascimento, à
ansiedade devido à pulsão de morte e pulsão de vida que agem sobre seu ego. O
conflito imediato das duas pulsões gera uma grande ansiedade no bebê.
Confrontado pela ansiedade derivada da pulsão de morte, o bebê precisa livrar-se
dela e para isso seu ego a deflete. Essa deflexão da pulsão de morte consiste em
parte em uma projeção e em parte em uma conversão da pulsão de morte em
agressividade. Ocorre então um processo derivado de um dos mecanismos de
defesa citados acima — a cisão ou splitting.
O ego se divide e projeta a parte em que se encontra a pulsão de morte para
fora, no objeto externo (seio). Logo, o seio é percebido como mau e ameaçador
para o ego. Dessa forma, o medo original da pulsão de morte é transformado em
medo perseguidor. Ao mesmo tempo, é estabelecida uma relação não só com
o objeto mau como com o objeto bom (ideal). Ou seja, da mesma forma que a pulsão
de morte é projetada a fim de proteger o ego, a libido também é projetada para
criar um objeto idealizado (pulsão de vida). Parte de ambas pulsões que
permanecem dentro do ego são usadas para estabelecer uma relação com esse
objeto idealizado. Dessa forma, o ego tem uma relação com dois objetos desde
muito cedo: o objeto primário (seio) é nessa fase dividido em duas partes — seio
bom (ideal) e seio mau (persecutório) (SEGAL, 1975). Dentro dessa dinâmica, o
objetivo passa a ser adquirir, manter dentro e identificar-se com o objeto ideal que
é percebido como algo que lhe dá vida e que lhe protege.

Portanto, com o desenvolvimento, o bebê percebe que o mesmo objeto que odeia
(seio mau) é o mesmo que ama (seio bom). Ele percebe que ambos os registros fazem
parte de uma mesma pessoa. Agora o bebê teme perder o seio bom, pois teme que seus
ataques de ódio e voracidade o tenham danificado ou morto. Esse temor da perda do
objeto bom é chamado por Klein de “ansiedade depressiva”. O conjunto de
ansiedade depressiva e suas respectivas defesas são chamados por Klein de
“posição depressiva”.
O conceito de posições é muito importante na escola kleiniana, pois o psiquismo
funciona a partir delas, e todos os demais desenvolvimentos são invariavelmente
baseados em seu funcionamento. Nesse sentido, o desenvolvimento em fases, proposto
por Freud (fase oral, anal e genital), é aqui substituído por um elemento mais dinâmico
que estático, pois as três fases estão presentes no bebê desde os três primeiros meses de
vida. Klein não nega essa divisão, muito pelo contrário, mas dá a elas uma dinâmica até
então ainda não vista em psicanálise. Alias, é essa palavra que distingue o pensamento
kleiniano do freudiano.
Para Klein, o psiquismo tem um funcionamento dinâmico entre as posições
esquizoparanóide e depressiva, que se inicia como o nascimento e termina com a morte.
Todos os problemas emocionais, como neuroses, esquizofrenias e depressão são
analisados a partir dessas duas posições. Por isso, em uma análise kleiniana, não basta
trabalhar os conteúdos reprimidos, é preciso “equacionar” as ansiedades depressivas e
persecutórias. É necessário que o paciente perceba que o mundo não funciona em preto
e branco, e que é possível amar e odiar o mesmo objeto, sem medo de destruí-lo. Em
outras palavras, não adianta trabalhar o sintoma (neurose) se não trabalhar os processos
que levaram seus surgimentos (ansiedades persecutória e depressiva).
1.3 Análise infantil
Klein conseguiu desenvolver estudos sobre as ansiedades arcaicas, porque
dedicou quase toda a sua vida à análise de crianças. Seu primeiro paciente foi seu
próprio filho, Hans, que apresentava sérios distúrbios de aprendizagem. Aos poucos
Klein foi percebendo estruturas psíquicas que estavam fora do esquema freudiano e, a
partir da investigação dessas estruturas chamadas “arcaicas”, foi possível o
desenvolvimento de suas teorias. Alguns paradigmas precisaram ser quebrados para que
isso fosse possível e isso lhe rendeu uma série de inimizades.
O primeiro e principal paradigma para a época era a questão da possibilidade da
análise infantil. Para Freud era impossível a análise de crianças muito pequenas, pois
elas não possuíam uma estrutura de linguagem suficientemente desenvolvida para a
elaboração e livre verbalização de ideias.
Sua maior opositora nesse campo foi Anna Freud, que na época também
trabalhava com crianças. Robert Young descreve essa relação da seguinte forma “Onde
Anna Freud disse que crianças muito pequenas não podiam realizar livre associação,
Klein viu um rico mundo de fantasias refletidas no brincar. Onde Anna Freud viu a si
mesma como uma professora com suas obrigações educadoras, Klein foi mais fundo,
interpretando ansiedades sobre seios e outras partes do corpo, sobre ódio, sofrimento,
luto e inveja que chocaram os não-kleinianos.”
1.4 O jogo simbólico e a fantasia inconsciente
A capacidade de se expressar verbalmente e exteriorizar através da palavra
pensamentos, emoções, desejos e experiências é desenvolvida ao longo da vida. Essa
capacidade requer um certo nível de desenvolvimento e aprendizado maturacional, bem
como uma certa capacidade de introspecção.
Assim, para uma criança que não completou seu desenvolvimento, é
extremamente complexo poder expressar seus impulsos, desejos e ansiedades. Essa é
uma das principais razões pelas quais o método de livre associação da psicanálise
freudiana não poderia ser originalmente aplicado a crianças.
No entanto, os elementos instintivos, os desejos e medos que fazem parte de
cada um, estão presentes desde o nascimento. Para a teoria psicanalítica de Melanie
Klein, embora na infância esses elementos possam não estar cientes de que podem ser
simbolizados na geração de fantasias. Dessa maneira, as fantasias inconscientes atuam
como um método de expressar instintos e angústias básicas , projetando-as no jogo e
direcionando amplamente a atitude e o comportamento das crianças.
Nesse sentido, uma das contribuições mais valiosas da teoria psicanalítica de
Melanie Klein é a introdução do jogo simbólico como método de avaliação e trabalho
com menores. Para Klein, o jogo é um método de comunicação em que o bebê
externaliza suas preocupações e desejos indiretamente. Assim, analisando o simbolismo
contido no processo do jogo, é possível observar as fantasias inconscientes que
governam o comportamento da criança de maneira análoga à utilizada nos métodos de
associação livre aplicados em adultos.
Ao montar o jogo simbólico, é muito importante definir ou ajustar a situação, ou
seja, levando em consideração que a necessidade das sessões, o tipo de móveis e
brinquedos adequados à criança de uma maneira que não exija imposições sobre como
jogar A criança deve escolher os brinquedos que deseja usar para si mesma e, através
deles, pode expressar livremente seus medos, ansiedades e desejos.
1.5 Pulsão de vida e morte no bebê
Para Klein o mundo interno do bebê é povoado por fantasias, ansiedades, figuras
boas e más, sendo que, desde o nascimento, o bebê está exposto à luta entre as pulsões
de vida e de morte, representadas pelos impulsos libidinais e agressivos,
respectivamente. De acordo com a teoria metapsicológica kleiniana, portanto, há que se
considerar que cada criança nasce com um “dote pulsional”, um quantum de pulsão de
vida e de morte, cujo equilíbrio se mantém quando o bebê está livre de fome e
tensão. Dessa forma, as experiências gratificadoras – como o carinho da mãe – reforçam
a pulsão de vida e, as experiências frustradoras – como a ausência da mãe – intensificam
a ação da pulsão de morte.
1.6 Técnica kleiniana: aprofundamento para clínica com crianças
A técnica é um conjunto de procedimentos indicados para o analista e o
paciente, projetados para ajudar a tornar o inconsciente consciente. É dada particular
importância à constância em termos da regularidade do quadro, dos prazos e da
frequência das sessões, juntamente com o fato de o analista manter uma atitude mental
receptiva e ao mesmo tempo perspicaz.
Ao longo de seu trabalho, Klein deixa claro que seu trabalho, incluindo sua
técnica específica, se baseia no trabalho de Freud, que descreveu seu método essencial
com pacientes adultos, constituídos por cinco ou seis sessões semanais, e o uso do sofá
e da associação livre.
Isso implica transmitir ao analista oralmente, da melhor maneira possível, o que
é pensado e sentido, sem censura. Sua indicação complementar aos analistas é que
uma “atenção flutuante” deve ser mantida, evitando olhar no material do paciente o
que se espera que seja encontrado (Freud, 1912).
Klein destaca o conceito freudiano de transferência, em relação ao analista, que
se refere à expressão consciente e inconsciente de experiências, relacionamentos,
pensamentos, fantasias e sentimentos passados e atuais, positivos e negativos. Coloca
ênfase especial no significado da transferência negativa, que considera possível
elaborar sempre que for reconhecida e compreendida pelo analista.

Conceito Kleiniano de Fantasia inconsciente


Na teoria kleiniana, as fantasias inconscientes estão subjacentes a todos os processos mentais e
fazem parte de todas as atividades da mente. Constituem a representação mental dos fatos
somáticos do corpo que compõem os instintos e são sensações físicas interpretadas como
relações com os objetos que causam tais sensações. A fantasia é a expressão mental de
impulsos libidinais e agressivos, bem como mecanismos de defesa contra esses impulsos.
Grande parte da atividade terapêutica da psicanálise pode ser descrita como uma tentativa de
transformar a fantasia inconsciente em pensamento consciente. Freud introduziu o conceito de
fantasia inconsciente e fantasia, que ele considerou uma capacidade da mente humana herdada
filogeneticamente. Klein adotou esse conceito de fantasia inconsciente, embora o tenha
expandido consideravelmente, pois seu trabalho com crianças lhe permitiu obter uma grande
experiência da alta variedade de conteúdos das fantasias infantis. Tanto ela quanto seus
sucessores enfatizaram que as fantasias interagem entre si na experiência para formar as
características intelectuais e emocionais que se desenvolvem em um indivíduo. A fantasia é
considerada uma capacidade básica subjacente de pensamento, sonhos e sintomas e padrões de
defesa, para os quais eles também moldam.
Embora, em termos gerais, Klein compartilhe com Freud sua ideia de pulsões de
vida e morte, sua abordagem técnica está mais focada no conteúdo específico das
pulsões instintivas do que na conceitualização abstrata delas.
A observação clínica é o ponto de partida de Klein e esse é seu presente
especial. Em seu trabalho, observação e ideias interagem entre si para gerar novas
observações e expandir teorias. Portanto, para Klein, a técnica e o conteúdo clínico
estão intimamente ligados e interativos; portanto, ele não tenta descrever a técnica em
termos puramente abstratos sem acompanhar o conteúdo clínico.
Ao mesmo tempo, e a partir do trabalho de Klein, houve um progresso
no desenvolvimento da técnica
por Strachey, Racker , Rosenfeld , Bion , Segal , Joseph e outros,
levando a dois tipos principais de mudança. Primeiro, há o aumento da
concentração na relação analista-paciente como a principal fonte de
informações sobre o paciente, contrastando com a visão anterior do
paciente como uma entidade isolada, que poderia ser observada de uma
perspectiva externa “objetiva”. Segundo, e em oposição a Freud e Klein,
a posição de contratransferência foi promovida O analista pode, sob
certas circunstâncias, ser uma fonte útil de informações sobre o
paciente. Essas duas tendências de mudança na técnica são as principais
dentre outras mudanças menos importantes propostas, incluindo
inúmeras distinções terminológicas úteis.
(fonte: https://febrapsi.org/publicacoes/biografias/betty-joseph/ )

Em 1939, com o advento do nazismo, a família Freud se muda para Londres, e o


antagonismo que já existia entre Klein e Anna Freud -- em função da convivência delas
na mesma sociedade psicanalítica, causa um racha na Sociedade Britânica
de Psicanálise. Uma série de reuniões e artigos são publicados entre 1940 e 1944,
chamados Controvérsia Freud-Klein, para se tentar chegar a um acordo. No entanto, até
hoje esse racha persiste na Sociedade Britânica.
Mesmo quando Klein era viva, o movimento kleiniano foi ambivalente. Ela
evitava um confronto teórico direto com Sigmund Freud, no entanto, a partir de 1935
era impossível manter essa posição. Certo radicalismo se instaurou na Sociedade
Psicanalítica Britânica, que praticamente foi dividida em três partes: os freudianos, os
kleinianos e os neutros.
Entre os neutros estava Dr. D. Winnicott, um importante psicanalista, que
também trabalhou com crianças. Klein estava tão absorta no mundo de fantasias da
criança que não se aprofundou na relação mãe/bebê. Coube a Winnicott esse
desenvolvimento.
(Fonte: https://www.apsicanalise.com/index.php/blog-psicanalise/48-artigos/340-melanie-klein )

1.7 A clínica psicanalítica de orientação kleiniana hoje


Atualmente, a clínica psicanalítica de orientação kleiniana apresenta
reformulações daqueles aspectos do método que se revelaram questionáveis. Houve um
aumento da frequência de atendimentos aos pais, provocado por pelo menos dois
motivos.
O primeiro deles foi reflexo da influência da prática lacaniana, que,
considerando a criança e seu sintoma um efeito do inconsciente dos pais, deu voz a eles,
chegando até mesmo a intercalar sessões com a criança e com os pais ou, ainda, a
realizar sessões conjuntas. Um outro fator que contribuiu para essa alteração foi a
condição financeira das famílias, que, conforme já se disse, impôs-lhes a diminuição do
número de sessões semanais.
Assim, o analista foi impelido a buscar mais informações sobre a história de vida
da família e do percurso que culminou no pedido de análise, bem como a fortalecer a
aliança terapêutica com os pais, de quem se espera, agora, mais paciência com a
lentidão dos resultados do processo analítico. Aumentar a proximidade com os pais, e
ainda com a escola e com outros especialistas que porventura atendem a criança,
permite ao analista observar melhor a interação entre a história singular daquela criança
e as fantasias que são desencadeadas para dar conta dos pequenos enigmas que se
colocam para ela.
Uma ilustração pitoresca dessa situação pode ser retirada do material clínico de
uma criança com graves comprometimentos no espectro autista, que, depois de muitos
anos de análise, inicia um processo de simbolização que lhe permite dizer que se
identifica com um super-herói, “o Homem de Ferro”. Além disso, sua grande
dificuldade em incluir a mãe em qualquer uma de suas dramatizações ficou esclarecida
para ele mesmo quando pronunciou a frase: “Eu sei quem é a mãe do Homem de
Ferro: é a Mulher Invisível!”
1.8 As principais contribuições de Klein à psicanálise
As contribuições de Melanie Klein para a psicanálise vão além de seu estudo
voltado para as crianças. Dentre essas contribuições, algumas são consideradas como
conceitos clássicos, são eles:
1. Conceitos a respeito das etapas mais primitivas do desenvolvimento
psicossexual.
2. Conceito de posição.
3. Conceitos sobre a formação do ego e do superego e conceito a respeito da
situação edipiana.
4. Conceito de mundo interno.
5. Novo status dado ao objeto e sobre as relações internas de objeto.
6. Conceito dos mecanismos de introjeção e projeção. Ou seja, os quais são tidos
como atuantes desde o início da vida psíquica em bebês. Esse conceito foi desenvolvido
intensivamente, a posteriori, cujos estudos culminaram com a conceituação
da identificação projetiva.
1.9 Complexo de Édipo em Freud e Melanie Klein
O complexo de Édipo, segundo Freud, que se destaca entre os 3 e 5 anos de
idade, implica fantasias desiderativas sobre a morte do pai do mesmo sexo e a
usurpação de seu papel no casal. Formas inversas também são importantes. O medo da
castração da criança por um pai vingativo, e o medo da perda de amor da menina, levam
ao abandono desses desejos e à instalação do superego. A descrição de Freud coloca
essa constelação no nível fálico.
Tanto Freud quanto Klein consideram o complexo de Édipo como algo central.
Klein sugere um preconceito infantil com um casal assustador, sobre o qual a criança
fantasia uma “figura combinada”: o corpo materno que contém o pênis paterno, e os
bebês rivais. Esta versão primitiva de um casal, onde fantasia refere-se a um ato sexual
contínuo, expõe aspectos sádicos orais, uretrais e anais devido a projeções de
sexualidade e sadismo infantil. As fantasias sobre o corpo materno estão relacionadas à
nova concepção de Klein de feminilidade primária e aos complexos de Édipo feminino
e masculino.
As figuras primitivas do superego se desenvolvem cedo, e geralmente em
relação ao sadismo infantil, e não como o simples resultado da situação edipiana. A
excisão característica do funcionamento esquizoparanóide facilita uma divisão clara e
oscilatória dos pais parciais do objeto em pais ideais/amados e pais
denegridos/odiados. A crescente conscientização do total de objetos percebidos
ambivalentemente, juntamente com o aparecimento de culpa depressiva por ataques,
leva a uma crescente necessidade de renunciar aos desejos edipianos e à reparação dos
pais internos para permitir que eles se unam. Klein entende que o complexo de Édipo e
a posição depressiva estão intimamente ligados.
Vamos aprender mais sobre a autora, e ler Melanie Klein é freudiana, de Débora
Siqueira Bueno

https://www.scielo.br/pdf/rlpf/v7n4/1415-4714-rlpf-7-4-0263.pdf

Para conhecer mais sobre o trabalho com crianças a partir do método


kleiniano, assista a série de vídeos que começa com este:
https://www.youtube.com/watch?v=px18uT1EaBQ
Lição 2
Clínica Psicanalítica: Wilfred Ruprecht Bion
2.1 História e Trajetória de W.R. Bion
Wilfred Bion foi um psicanalista que marcou a história. Suas contribuições o
colocam como um dos autores mais originais e influentes da psicanálise recente.
Bion nasceu em Mattura na Índia Britânica no dia 8 de setembro de 1897, e
morreu em Oxford – Inglaterra no dia 28 de agosto de 1979. Ele se formou como
médico, mas na prática acabou seduzido pelas ideias da psicanálise. Seu trabalho teve
como resultado uma nova teoria sobre a forma de pensar do ser humano.
Bion se destacou pelo trabalho que realizou como psicanalista em pacientes com
transtornos psicóticos. Em um primeiro momento, baseou seus estudos nas teorias de
Melanie Klein e de Sigmund Freud. Posteriormente, criou seu próprio campo teórico e
inclusive ampliou conceitos previamente estabelecidos por Klein.
Bion chegou a participar das duas guerras mundiais. Na verdade, ele participou
como voluntário na Primeira Guerra Mundial, e por isso ofereceram a ele uma
condecoração pelos serviços prestados. Durante a Segunda Guerra Mundial, exerceu o
cargo de psiquiatra militar no hospital de Nothfield.
Durante seu trabalho como psiquiatra ele entrou em contato com as teorias de
Melanie Klein, e com a de outros prestigiados psicanalistas. Ele também trabalhou com
Donald Winnicott e Herbert Rosenfeld, tudo isso graças a seu trabalho da clínica
Tavistock.
O trabalho de Bion foi tão importante que ele chegou a ser presidente da
Associação Psicanalítica Britânica. Os seus últimos anos foram dedicados a trabalhar na
Califórnia, e a divulgar suas teorias sobre o tratamento da psicose.
Bion compara o trabalho do psicanalista com pacientes psicóticos ao do
arqueólogo em suas escavações. O arqueólogo ao realizar suas escavações nas ruínas de
cidades destruídas, descobre que devido a um colapso e ao movimento de camadas de
pedras, fragmentos e outros objetos de estágios mais primitivos se misturaram com
cerâmicas e artefatos de estágios posteriores.
O psicanalista em seu trabalho clínico, assim como o arqueólogo, descobre entre
as manifestações mentais de seus pacientes fenômenos de diferentes estágios; desde os
mais desenvolvidos até mais os primitivos e nesses últimos, ainda aqueles de natureza
primordial. É importante que o analista identifique a cada movimento na sessão, o nível
mental em que o paciente está operando, ou seja, se está operando em níveis neuróticos,
psicóticos, autísticos ou não integrados.
2.2 Bion e seu encontro com a psicanálise

Bion começou a estudar psicanálise durante um período de 2 anos como trainee


(estagiário) do psicanalista inglês John Rickmann, e mais tarde foi supervisionado por
Melanie Klein. Durante a Segunda Guerra Mundial, dedicou bastante tempo na análise
de grupos e essa experiência lhe rendeu algumas obras — Intra-group tensions in
therapy, Leaderless group Project e Group dynamics: a review (Tensões intra-grupo
na terapia, Projeto Leaderless e Dinâmica de grupo: uma revisão). Bion abandonou
as pesquisas nessa área para se dedicar a psicanálise, ingressou na Sociedade Britânica
de Psicanálise e foi presidente da associação entre os anos de 1956 e 1962.

No final dos anos 1960, as ideias de Bion não batiam com as dos demais
psicanalistas da Sociedade Britânica e essas divergências fizeram com que o médico se
mudasse para Los Angeles, no entanto, nos Estados Unidos enfrentou o mesmo impasse
que encarou em Londres. Bion, então, decidiu viajar o mundo divulgando suas ideias
em palestras e conferências, passando pelo Brasil durante a década de 1970.

2.3As principais teorias de Bion


- Teoria de Grupos
Segundo Bion, cada grupo possui uma atividade mental que tem dois níveis de
funcionamento: o consciente e o inconsciente. O primeiro é racional e conduzido por
meio do princípio da realidade. Já o segundo é mais emocional e funciona por
intermédio do princípio do prazer, ou seja, o grupo é orientado a evitar atividades que
desagradam.
Há ainda a mentalidade grupal, que nada mais é do que a atividade mental
desenvolvida no interior do grupo através da contribuição de cada indivíduo. É
importante ressaltar, no entanto, que a mentalidade grupal não é a soma da mentalidade
dos indivíduos, mas a equivalência entre elas. Na prática, isso significa que os membros
se unem em função de objetivos comuns e estabelecem relações de semelhança.
Portanto, para Bion, os grupos simbolizam ainda o sentimento de pertencer
a uma família e esse pertencimento gera reações regressivas de busca e perda de
afeto: dependência, luta, fuga e acasalamento.
- Teoria do Pensar
Bion defendia que o pensar surge como uma saída para lidar com a
frustração. Segundo o psicanalista, se o ódio resultante da situação de desapontamento
for menor do que a capacidade do ego de suportá-lo, será uma forma sadia de
desenvolver o pensamento por meio do que Bion chamou de “função alfa”. Porém, se o
ódio for excessivo, protopensamentos, denominados por Bion de “elementos
beta”, encontrarão uma saída e se transformarão em agitação motora e somatização do
ódio.
Os elementos beta — Bion chamou também de “pantalha beta” — se espalham
de forma caótica e não permitem a distinção entre consciente e inconsciente ou entre
fantasia e realidade. O psicanalista mostrou ainda que as pantalhas betas dominam os
pacientes psicóticos e que o pensamento nesses indivíduos adquirem uma dureza capaz
de gerar danos reais àquela pessoa.
O modelo para a vida psíquica e para o pensamento assenta, para Bion, na
concepção que a formação dos pensamentos e do aparelho para pensar têm a sua origem
na experiência emocional de desamparo do lactante, na sua capacidade de tolerar, ou
não, a frustração das necessidades básicas que lhe são impostas.
É portanto a capacidade de tolerância à frustração que vai possibilitar o
desenvolvimento do aparelho para pensar, como se o pensar se apresentasse como uma
espécie de solução para lidar com a frustração.
Ao formular a hipótese que o pensamento é um desenvolvimento forçado sobre
o psiquismo, pela pressão dos elementos dos pensamentos e não o contrário, Bion
distingue pensamento e função de pensar, ou seja diferencia os elementos do
pensamento dos pensamentos propriamente ditos.
Para Bion, portanto, os elementos do pensamento correspondem aos
elementos “alfa” α e beta β e às preconcepções enquanto o pensamento propriamente
dito desenvolve-se para entrar em contacto com a realidade, resolver problemas e
aprender com a experiência.
Bion postula que os pensamentos são anteriores aquilo que os pode conter, a
um aparelho para pensar os pensamentos.
(fonte: http://repositorio.ispa.pt/bitstream/10400.12/3641/1/19104.pdf)
- Teoria do Conteúdo e Continente
Wilfred Bion afirmava que temos uma tendência inata a conhecer. Seria essa a
faísca que acende a fogueira que nos incita a aprender coisas novas, tanto sobre nós
mesmos quanto sobre os outros, e também sobre o próprio mundo.
Para Wilfred Bion, o pensamento vai se transformando pouco a pouco em uma
máquina de pensar, graças ao acúmulo de percepções, sensações e experiências. Trata-
se da teoria do conteúdo e continente.
O bebê experimenta sensações e emoções que não tolera e chora; a mãe ou quem
cumpre sua função se encarrega de pegá-las e elaborá-las.
Depois, a mãe compartilha essas elaborações com o bebê de uma forma que ele
seja capaz de manejar e compreender. Assim, o bebê vai internalizando esses
pensamentos e vai formando seu próprio sistema de pensamentos.
Finalmente, ele será capaz de formar suas próprias impressões, dotando de
significado as experiências que for vivendo. Esse seria o motor do desenvolvimento
psicológico, segundo Bion. Agora, os elementos primitivos se enraízam se o bebê ou a
pessoa responsável não forem capazes de elaborá-los, dotando as coisas de significado.
Além disso, o vazio gerado produz uma angústia, e a angústia que o pequeno
sente tem a tendência a se manifestar de diversas formas. É assim que surgiriam
sintomas como alucinações, somatizações etc.
O papel do terapeuta pode vir a ser o de continente, porque ele recolhe as
angústias que o paciente traz. Dessa maneira, a estrutura psíquica do paciente precisa de
uma sustentação para poder ir elaborando seus assuntos primitivos enraizados. O
terapeuta seria o facilitador que tornaria isso possível.
- A Psicoterapia em Grupo de Bion
Os trabalhos de Bion com grupos ocupam um lugar de grande relevância na sua
produção científica por duas razões. Uma é que foram os grupos que lhe
possibilitaram reconhecer a presença dos mecanismos psicóticos, e isso o alavancou
para um aprofundamento no trato de pacientes esquizofrênicos e, por conseguinte,
dos problemas ligados ao pensamento, linguagem e conhecimento.
A segunda razão consiste no fato de que Bion tornou-se internacionalmente
conhecido através dos seus estudos ligados à dinâmica dos grupos, o que lhe abriu as
portas para a divulgação do desenvolvimento de suas idéias em outras áreas do campo
psicanalítico.
Aliás, durante muito tempo, os únicos livros de Bion que conseguiam ser bem
vendidos eram os referentes a grupos, e, da mesma forma, essa notoriedade pode ser
medida pelo fato de que, por ocasião de sua primeira visita ao Brasil, foi saudado pela
imprensa unicamente como “o pai da psicoterapia de grupo”.
Assim como Freud, também Bion não separava de forma radical a psicoterapia
individual da grupal, pelo contrário, ele sempre demonstrou uma visão unificadora das
duas, transmitindo a ideia de que a diferença entre a psicoterapia grupal e a individual é
o fato de o grupo oferecer um campo de estudo para captar certos aspectos da psicologia
individual mesmo quando, no grupo, a participação de um indivíduo consiste em
comportar-se como se não fizesse parte de nenhum grupo. Segundo Zimerman, a
filosofia dessa seleção grupal era sintetizada por Bion com uma frase: “Se um homem
não consegue ser amigo de seus amigos, tampouco poderá ser inimigo de seus inimigos”
Nesse campo, vejamos alguns conceitos e designações conforme Bion:
a) Espírito de grupo: no livro Experiências em grupos, Bion destacou uma
série de características que legitimam o “espírito” que unifica e determina a dinâmica do
campo grupal. Cabe destacar as seguintes oito características:
 Um objetivo comum de todos os componentes;
 O reconhecimento dos limites do grupo e das posições e funções do
grupo em relação a outros grupos;
 A capacidade para absorver e perder membros;
 A liberdade e o valor em relação aos subgrupos que se formam;
 A valorização das individualidades dentro do grupo;
 A capacidade para enfrentar o descontentamento interno;
 A tradição do grupo como possível oposição ao surgimento de ideias
novas deste grupo;
 O líder e o grupo comungando uma mesma “fé”.
b) Mentalidade grupal: alude ao fato de que um grupo adquire uma
unanimidade de pensamento e de objetivo, a qual transcende aos indivíduos e se institui
como uma entidade à parte.
c) Cultura do grupo: resulta do conflito de uma oposição entre as necessidades
da “mentalidade grupal” e as de cada indivíduo em particular.
d) Valência: é um termo, extraído da química (o número de combinações que
um átomo estabelece com outros átomos), que designa a aptidão de cada indivíduo
combinar-se com os demais, em função dos fatores inconscientes de cada um. Bion
alertava para o fato de que “sempre teria que haver algumas valências disponíveis para
ligar-se a algo que ainda não aconteceu”.
e) Cooperação: designa a combinação entre duas ou mais pessoas que
interagem sob a égide da razão; logo, é própria do funcionamento do que Bion
denomina como “grupo de trabalho”.
f) Grupo de trabalho (GT): Bion afirma que todo grupo opera sempre em dois
níveis que são simultâneos, opostos e interativos, embora bem delimitados entre si. Um
nível é o que ele denomina como “grupo de trabalho”, e o outro é o “grupo de base” (ou
de “pressupostos básicos”). O “grupo de trabalho” está voltado para os aspectos
conscientes de uma determinada tarefa combinada por todos os membros do grupo, e, se
quisermos comparar com o funcionamento de um indivíduo, equivale às funções do ego
consciente operando em um nível secundário do pensamento (conforme a concepção de
Freud).
g) Grupo de (pré)supostos básicos (SB): (no original: basic assumption) é,
certamente, na área grupal, a concepção mais original de Bion e a mais largamente
conhecida e difundida.
Os supostos básicos funcionam nos moldes do processo primário do
pensamento e, portanto, obedecem primordialmente às leis do inconsciente dinâmico.
Assim, os supostos básicos ignoram a noção de temporalidade, de relação causa-efeito,
ou se opõem a todo o processo de desenvolvimento e conservam as mesmas
características que as reações defensivas mobilizadas pelo ego primitivo contra as
ansiedades psicóticas. Bion descreveu três modalidades de supostos básicos,
denominadas, respectivamente: supostos básicos de “dependência”, de “luta e fuga” e
de “acasalamento” (ou “pareamento”).

Vamos ler o texto A “dinâmica de grupos” de bion e as organizações de trabalho, de Jáder dos
Reis Sampaio (Universidade Federal de Minas Gerais), Psicologia USP, 2002, Vol. 13, No .2,
277-291

E assistir ao vídeo Conversando com Bion (1978), no Youtube:


https://www.youtube.com/watch?v=R7OxV5FlgSo&t=2s
Lição 4
Clínica Psicanalítica: Donald Woods Winnicott
Assim como Melanie Klein, D. W. Winnicott também direcionou o pensamento
psicanalítico em nova direção, com o reconhecimento da importância que as
experiências dos primeiros anos de vida têm para a formação de nosso mundo
emocional na vida adulta.
Para Winnicott, o objeto externo é muito mais do que um modulador das
projeções da criança. A mãe participa de uma verdadeira unidade com o seu filho,
ajuda a formar sua mente, fazendo com que este processo seja bem feito. Ele acreditava
que a mãe suficientemente boa é aquela que possibilita ao bebê a ilusão de que o
mundo é criado por ele, concedendo-lhe, assim, a experiência da onipotência primária,
base do fazer-criativo. E a percepção criativa da realidade é uma experiência
do self, núcleo singular de cada indivíduo.

4.1 A História
Donald Woods Winnicott foi um pediatra e psicanalista inglês nascido em 7 de
abril de 1896 — 28 de janeiro, 1971). Filho de Elizabeth Martha (Woods) Winnicott e
do Sr. John Frederick Winnicott, um comerciante que se tornou cavaleiro em 1924 após
servir duas vezes como prefeito de Plymouth.
A família era próspera e aparentemente feliz, mas atrás desse verniz, Winnicott
se viu oprimido por uma mãe com tendências depressivas, como também por duas irmãs
e uma babá. Foi a influência do pai, um livre-pensador e empreendedor, que o encorajou
em sua criatividade. Winnicott se descreveu como um adolescente perturbado,
reagindo contra a própria auto-repressão que adquiriu ao tentar suavizar os
sombrios humores de sua mãe. Estas sementes de autoconsciência se tornaram a base
do interesse dele trabalhando com pessoas jovens e problemáticas.
(fonte: http://psicopedagogia-fae2011.blogspot.com/2011/04/winnicott-e-
morin.html)
Decidido a se tornar um médico, ele começou a estudar medicina em Cambridge
mas interrompeu seus estudos para servir como cirurgião aprendiz – residente em um
navio (destroyer) britânico, o HMS Lúcifer, durante a Primeira Guerra Mundial. Ele
completou sua formação em medicina em 1920 e em 1923, no mesmo ano do seu
primeiro casamento, com Alice Taylor, foi contratado como médico no Paddington
Green Children’s Hospital, em Londres. Foi também em 1923, que Winnicott iniciou
sua análise pessoal com James Strachey (1887 – 1967), o tradutor das obras
de Sigmund Freud para o inglês.
Em 1927 Winnicott foi aceito como iniciante na Sociedade Britânica de
Psicanálise, qualificado como analista em 1934 e como analista de crianças em 1935.
Ele ainda estava trabalhando no hospital infantil e posteriormente comentou que
“naquele momento nenhum outro analista era também um pediatra, assim durante duas
ou três décadas eu fui fenômeno isolado”. O tratamento de crianças mentalmente
transtornadas, e das suas mães, lhe deu a experiência com a qual ele construiria a
maioria das suas teorias. E o curto período de tempo que ele poderia dedicar-se a cada
caso o conduziu ao desenvolvimento das suas “inter-consultas terapêuticas” outra
inovação da prática clínica que introduziu.
Um acontecimento relevante da vida desse autor foi a chegada em Londres, no
ano 1926, de Melanie Klein (1882-1960), uma das mais importantes analistas de criança
da sua época, logo fazendo escola e seguidores. Winnicott aproximou-se e fez uma
análise adicional com um deles, Joan Rivière (1883-1962).
A convicção do Kleinianos na importância suprema, para saúde psíquica, do
primeiro ano da vida da criança foi compartilhada por Winnicott. Contudo esta visão
diverge um pouco da de Freud e de sua a filha Anna Freud (1895-1982) – ela mesma
uma analista de crianças, que também vieram para Londres em 1938, refugiados do
Nazismo na Áustria. Esboçando-se uma divisão dentro da Sociedade Psicanalítica
Britânica entre os Freudianos ortodoxos e o Kleinianos. Ao final da Segunda Guerra
Mundial (1945), no entanto, um acordo tipicamente britânico estabeleceu três cordiais
grupos: os Freudianos, o Kleinianos e um grupo “conciliador” ao qual Winnicott
pertenceu juntamente com Michael Balint (1896-1970) e John Bowlby (1907–1990).
- Para Freud, ao brincar, a criança tem prazer na aparente onipotência que
adquire ao manipular os objetos cotidianos associando-os a símbolos imaginários como
no jogo fort-da, que evocava a presença da mãe na análise infantil que realizou. Não há
dúvidas, porém, que foi Melanie Klein quem efetivamente trouxe a brincadeira para o
trabalho psicanalítico com crianças. Klein reconhecera uma similitude entre a atividade
lúdica infantil e o sonho do adulto, e as verbalizações da criança ao brincar e a
associação livre clássica.
Durante os anos de guerra, Winnicott trabalhou como consultor psiquiátrico de
crianças seriamente transtornadas que tinham sido evacuadas de Londres e outras
cidades grandes, e separado de suas famílias. Ele continuou trabalhando ao Paddington
Green Children’s Hospital nos anos 1960. (fonte: https://www.scielo.br/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S1516-14982014000200007)
Passada a guerra, Winnicott tornou-se um médico contratado do Departamento
Infantil do Instituto de Psicanálise, onde trabalhou durante 25 anos. Foi presidente da
Sociedade Britânica de Psicanálise por duas gestões, membro da UNESCO e do grupo
de experts da OMS. Atuou como professor no Instituto de Educação e na London
School of Economics, da Universidade de Londres. Dissertou e escreveu amplamente
como atividade profissional independente.
Ele divorciou-se de sua primeira esposa em 1951 e, nesse mesmo ano, casou-se
com Elsie Clare Nimmo Britton, assistente social psiquiátrica e psicanalista. Morreu em
28 de janeiro de 1971, de parada cardíaca e foi cremado em Londres.
4.2 Teoria de Winnicott
Enquanto na psicanálise tradicional existe um método que caracteriza, por
excelência, a própria tarefa analítica – a interpretação dos conflitos inconscientes
relativos a elementos reprimidos – não se pode dizer o mesmo da clínica
winnicottiana.

- A Mãe Suficientemente Boa


Na sua concepção, toda mãe dedica-se à tarefa que tem pela frente, isto é, cuidar
de um bebê. E isso é o que geralmente acontece, e constitui uma exceção o fato de um
bebê ser cuidado, desde o início, por uma outra pessoa que não seja sua própria mãe.
Embora seja perfeitamente possível explicitar as implicações clínicas de sua
teoria, não se pode formular, num enunciado geral, um método ou uma técnica que
definiriam o modo como se trabalha, psicanaliticamente, na perspectiva winnicottiana.
A razão é simples: o que determina o trabalho a ser feito – e a maneira como deve ser
conduzido um determinado tratamento – é a necessidade do paciente, e esta varia
enormemente conforme a natureza do distúrbio que este apresenta. Sabemos dos textos
winnicottianos já clássicos que o que serve, por exemplo, para um paciente neurótico ou
mesmo depressivo não serve, de modo algum, para pacientes cuja problemática central é
psicótica, ou mesmo para os anti-sociais.
Para Winnicott, cada ser humano traz um potencial inato para
amadurecer, para se integrar; porém, o fato de essa tendência ser inata não
garante que ela realmente vá ocorrer. Isto dependerá de um ambiente facilitador
que forneça cuidados que precisa, sendo que, no início, esse ambiente é
representado pela mãe suficientemente boa.
É importante ressaltar que esses cuidados dependem da necessidade de cada
criança, pois cada ser humano responderá ao ambiente de forma própria, apresentando,
a cada momento, condições, potencialidades e dificuldades diferentes.
Segundo esse postulado de Winnicott, a mãe suficientemente boa (não
necessariamente a própria mãe do bebê) é aquela que efetua uma adaptação ativa às
necessidades do bebê, uma adaptação que diminui gradativamente, segundo a
capacidade deste em aquilatar o fracasso da adaptação e em tolerar os resultados da
frustração.
Assim, podemos pensar que, se amadurecer significa alcançar o
desenvolvimento do que é potencialmente intrínseco, possíveis dificuldades da mãe em
olhar para o filho como diferente dela, com capacidade de alcançar certa autonomia,
podem tornar o ambiente não suficientemente bom para aquela criança amadurecer. Não
basta, apenas, que a mãe olhe para o seu filho com o intuito de realizar atividades
mecânicas que supram as necessidades dele; é necessário que ela perceba como
fazer para satisfazê-lo e possa reconhecê-lo em suas particularidades.
- A Prática Clínica
A distinção de seu trabalho, metodologicamente, em relação a Freud e outros,
foi a decisão de estudar o bebê e sua mãe como uma “unidade psíquica”, o que lhe
permitia observar a sucessão de mães e bebês e obter conhecimento referente à
constelação mãe-bebê, e não como dois seres puramente distintos. Assim, não há como
descrever um bebê sem falar de sua mãe, pois, no início, o ambiente é a mãe, e apenas
gradualmente vai se transformando em algo externo e separado do bebê.
O ambiente facilitador é a mãe suficientemente boa, porque atende ao bebê na
medida exata das necessidades deste, e não de suas próprias necessidades. Esta
adaptação da mãe torna o bebê capaz de ter uma experiência de onipotência, também
cria a ilusão necessária a um desenvolvimento saudável.
O conceito de “Preocupação Materna Primária” pode ser comparado a um
estado de retraimento da mãe e é necessário para que ela possa estar envolvida
emocionalmente com seu bebê. Uma grande contribuição do autor refere-se ao conceito
dos objetos transicionais e fenômenos transicionais que surgem na superação do estágio
de dependência absoluta em direção à dependência relativa, sendo que não é importante
o objeto que está sendo utilizado, mas sim, o uso que a criança faz desse objeto. Ele se
coloca na zona intermediária, na separação entre a mãe e o bebê, ajudando a tolerar a
angústia de separação e ausência materna.
- Principais Conceitos
a) Holding
Para Winnicott a sustentação ou holding protege contra a afronta fisiológica.
O holding deve levar em consideração a sensibilidade epidérmica da criança – tato,
temperatura, sensibilidade auditiva, sensibilidade visual, sensibilidade às quedas – assim
como o fato de que a criança desconhece a existência de tudo o que não seja ela própria.
Inclui toda a rotina de cuidados ao longo do dia e da noite. A sustentação compreende,
em especial, o fato físico de sustentar a criança nos braços, e que constitui uma forma de
amar. A mãe funciona como um ego auxiliar.
Winnicott propõe que, durante os últimos meses de gestação e primeiras
semanas posteriores ao parto, produz-se na mãe um estado psicológico especial, ao qual
chamou de “preocupação materna primaria”. A mãe adquire graças a esta
sensibilização, uma capacidade particular para se identificar com as necessidades do
bebê.
O holding feito pela mãe é o fator que decide a passagem do estado de não-
integração, que caracteriza o recém-nascido, para a integração posterior. O vínculo
entre a mãe e o bebê assentará as bases para o desenvolvimento saudável das
capacidades inatas do indivíduo.
- Self Verdadeiro e Falso Self
O ser humano, para Winnicott, nasce como um conjunto desorganizado
de pulsões, instintos, capacidades perceptivas e motoras que, conforme progride o
desenvolvimento, vão se integrando até alcançar uma imagem unificada de si e do
mundo externo.
Quando a mãe não fornece a proteção necessária ao frágil ego do recém-nascido;
a criança perceberá esta falha ambiental como uma ameaça à sua continuidade
existencial, a qual, por sua vez, provocará nela a vivência subjetiva de que todas as suas
percepções e atividades motoras são apenas uma resposta diante do perigo a que se vê
exposta. Pouco a pouco, procura substituir a proteção que lhe falta por
uma “fabricada” por ela. O sujeito vai se envolvendo em uma casca, às custas da qual
cresce e se desenvolve o self. O individuo vai se desenvolvendo como uma extensão da
casca, como uma extensão do meio atacante.
Winnicott diz que a “mãe boa” é a que responde a onipotência do lactante e, de
certo modo, dá-lhe sentido. O self verdadeiro começa a adquirir vida, através da força
que a mãe, ao cumprir as expressões da onipotência infantil, dá ao ego débil da criança.
A mãe que “não é boa” é incapaz de cumprir a onipotência da criança, pelo que
repentinamente deixa de responder ao gesto dela, em seu lugar coloca o seu próprio
gesto, cujo sentido depende da submissão ou acatamento por parte da criança. Esta
submissão constitui a primeira fase do self falso, e é própria da incapacidade materna
para interpretar as necessidades da criança.
Nos casos mais próximos da saúde, o self falso age como uma defesa
do verdadeiro, a quem protege sem substituir. Nos casos mais graves, o self falso
substitui o real e o indivíduo. Winnicott diz que na saúde, o self falso se encontra
representado por toda a organização da atitude social cortês e bem educada. Produziu-se
um aumento da capacidade do individuo para renunciar a onipotência e ao processo
primário, em geral, ganhando assim um lugar na sociedade que jamais se pode
conseguir manter mediante unicamente o self verdadeiro. O falso self, especialmente
quando se encontra no extremo mais patológico da escala, é acompanhado geralmente
por uma sensação subjetiva de vazio, futilidade e irrealidade.
- Objeto Transicional
O objeto transicional representa a primeira posse “não-ego” da criança, têm um
caráter de intermediação entre o seu mundo interno e externo.
Em Winnicott, o conceito de objeto ou fenômeno transicional recebe três usos
diferentes: um processo evolutivo, como etapa do desenvolvimento; vinculada às
angústias de separação e às defesas contra elas; representando um espaço dentro da
mente do indivíduo. Ele propõe ainda que em determinadas condições, o fenômeno
ou objeto transicional pode ter uma evolução patológica, ou mesmo se associar a
certas condições anormais.
O objeto transicional é algo que não está definitivamente nem dentro, nem fora
da criança; servirá para que o sujeito possa experimentar com essas situações, e para ir
demarcando seus próprios limites mentais em relação ao externo e ao interno.
O objeto transicional ocupa um lugar que Winnicott chama de ilusão. Ao
contrário do seio, que não está disponível constantemente, o objeto transicional é
conservado pela criança. Ela é quem decide a distância entre ela e tal objeto. Como os
fenômenos transacionais “representam” a mãe, é essencial que ela seja vivenciada
como um objeto bom. Quando dentro da criança, o objeto materno está danificado, é
pouco provável que ela recorra, de maneira constante, a um fenômeno transicional.

Vamos assistir ao vídeo Saúde e Doença em Winnicott, do prof. Saulo Ferreira


https://www.youtube.com/watch?v=G-2MYt9Swes

E ler os textos: A teoria winnicottiana do amadurecimento como guia da prática


clínica, de Elsa Oliveira Dias. Natureza Humana 10(1): 29-46, jan.-jun. 2008; e O papel do pai
no processo de amadurecimento em Winnicott, de Claudia Dias Rosa. Natureza Humana 11(2):
55-96, jul.-dez. 2009

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