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Ossos humanos e nao ea humanos: dinamica e jnteragao em casos forenses Sérvio Tullo J. Reis Claudia R. Plens Levy Figuti Vestigios 6sseos no humanos em contexto da Antropologia Forense podem ser de alta relevancia paraa contextualizacao do corpo humano, sobretudo quanto aos processos tafonémicos. No presente capitulo é apresentada a Zoormofologia Forense, campo de estudo em desenvolvimento para investigacoes de crimes ambientais e violencia contra animais, assim como para compreensdo dos processos que alteram © corpo humano apés a morte. Para tanto, neste capitulo sdo apresentadas etapas para a identificacao dos animais e as andlises para compreensdo de fraturas, marcas e processo de dispersdo causadas por atividades de fauna vertebrada no contexto de casos de Antropologia Forense. Introducgao As pericias no campo da Antropologia Forense sto repletas de dadios para além do corpo humano (ou remanescentes ‘6sseos humanos), muitas vezes envolyendo umaandlise completa dos vestigios ainda in loco, de forma a melhor contextualizar, coletat, analisar, interpretar e manter a devida cadeia de custédia (vide capitulo 9), para posterior encaminhamento dos remanescentes para cada profissional competente para suas anilises. Dentro desse contexto, 0 arquedlogo forense, com a devida formacio e experiéncia, seré capaz de observar no local a existéncia de diferentes elementos, tais como remanescentes Osseos no humanos. Muitas vezes, esses remanescentes se encontram presentes nesses cenrios; porém, por falta de profissional capacitado para atuar na Arqueologia Forense, sig relegados, ora por no serem observados por profissionais no local de crime, ora pelo desconhecimento de que todos os vestigios devam ser investigados. Dessa forma, geralmente os vestigios faunisticos, sobretudo de vertebrados, nao sao devi € envolto ventralmente. Dife rentemente do que ocorre em muitos outros animais, a sinfise pabica raramente se funde em humanos. O sacro € largo animais 0 ilio € um osso alongado e posicionado dorsalmente, nos humanos ele é lar em forma de cunha e, por fim, sem as vértebras caudais dos outros animais, a coluna vertebral humana finaliza com ‘0 tiltimo osso, o céccix. O sacro de bovinos ¢ equinos apresenta asas, diferentemente do humano, em forma de cunha (Figuras 5 A, Be C Figura 5 Sacro bovna (equine humana (C).0 sacra de bovinose equinos. A clavicula humana também ¢ influenciada pelo bipedalismo, pois a postura vertical liberou os membros superio- res humanos cle modo que el iImente a0 corpo ¢ a clavicula adaptou-se com uma morfolog para suste foram reposicionados late mais longa ¢ robu io dos bracos, Enquanto outros mamiferos exibem escpulas que so mais longas no sentido do eixo da coluna ([Figuras 6 A, B e C) a escdpula humana, de forma triangular e com uma grande fossa infraespinhosa, € mais longa no sentido perpendicular @ ccoluna (Figura 6 D) em raz20 da maior mobilidade dos membros, so men No mero, a tuberosidade deltide e a crista supracondilar arredondada, permitindo maior amplitude de movimento no ombro, ‘ior da maior mobilidade s desenvolvidas. Os primatas, de mod apitulo no timero € proeminente, permitindo mai 0; 0 processo co nente e a fossa do olécrano, por sua vez, mais retraida (Figura 7 D), Diferentemente da ulna de outros mamiferos (Figura 8 A, B e C), dada a menor forga dos musculos humanos € maior mobilidade dos membros superiores, a ulna humana, assim como outros primatas, possui um proceso olécrano curto, per. mitindo uma maior amplitude de movimento no cotavclo, porém conferindo menor forca aos triceps. A cabeca do ridio é mais arredondada, permitindo uma ampla faixa de supinagio e pronacio do antebraco (Figura 8 D). | Figura 8 -Racioe ulna de suo (co (8, pequenc ruminante C)@ humana (0). Os dais 550 pos ruminantes ena equno fo sulno esto conectados por um igamento interés. Em geraleolécrana é mals desenvovido em nda humans © fémur dos mamiferos em geral apresenta o grande trocanter proeminente € cabeca sem pescogo to conspicuo (Figuras 9 A, Be C). O femur humano (¢ dos primatas em geral) é longo e a difise € angulada medialmente, possui uma ircunferéncia menor em relagio ao seu comprimento e exibe uma cabeca robusta € um pescoco longo, grande trocanter discreto. O Angulo entre o colo € a diffise do femur é maior em primatas em geral, sendo que fémures humanos por apre- sentarem maiores dimensoes proporcionalmente se distinguem claramente de primatas sul-americanos. A linha aspera, local de insercio para os extensores da perna, é bem desenvolvida. As superficies articulares proximal e distal da tibia sio mais planas do que em animais nio humanos (Figura 9 D) Figura 9 —Fémur de pequena ruminant (8, co (sumo (C) ¢ humane (0) também diferentemente de outros mamiferos (Figura 10 A eB), os humanos possuem cinco digitos, com uma pen: tadacilia singular nas mios por apresentarem polegares opositores caracteristicos, e apenas os primatas sul-americanos zuragio obustas e metatarsos fprsentam alguma semelhanga anat6mica, mas sempre com pecas bem menores. No caso dos pés humnanos, acon plansgeada para movimentacio bipede gerou um conjunto anatmico singular com falanges cutas¢ Jongos (Figura 10 C), As cabecas dos metacarpos e metatarsos sio arredondadas nos humanos, permitindo ampla mobilidad dos dedos. 0 primeiro dedo da mao humana € oponivel, com um trapézio em forma de sela, 0s oss0s do tarso em humanos sio robustos devido 4 locomocio bipede. Em particular, o talus te articular superior muito plana, semethante a uma plataforma, Figura 10 -Oss0s do pd uno (8), 20 (8) humana () Enquanio os suns possuem Jato dedos nas patas dantelas ‘nfom cinco dedos nas pata Devemos considerar também que, no contexto brasileiro, a espécie humana é um dos maiores mamiferos. Mesmo se acharmos ossos que sejam semelhantes em forma, mas de pequenas dimensées, € sem os tracos correspondentes de ima- turidade etéria, como consolidagio de suturas cranianas, ou fusio incompleta das epifises, teremos nas miios um individuo adulto nao humano (2) Ossos imaturos Nos casos em que as dimensées sio 0 principal elemento de diferenciagZo entre o osso humano € 0 nao humano, saber se estamos lidando com um osso de individuo adulto ou subadulto sera de grande relevincia. A presenga ou auséncia das placas de crescimento ésseo ser um importante elemento nessa diferenciacio, uma vez. que a placa ¢ distinguivel ‘em ossos de criancas ¢ adolescentes (Figura 11), desaparecendo no individuo adulto, apos a cessacio do crescimento e 2 sua caleificacio. Vale ressaltar que, tratando-se de restos mortais em adiantado estado de decomposi¢io, muitas vezes a cartilagem da placa de erescimento se degrada, resultando na separacio completa entre epifise ¢ difise, 0 que exige atencio 4o cxaminador para evitar equivocos de interpretacio. Figura 11 Parde osss angos fémut antes da soldadua cas epises primal e distal, demonstranda serum essa humane mature Em alguns casos, presenga ou auséncia de placas de crescimento 6sseo nao sfo 0 tinico parimetro de maturidade. A escipula, por exemplo, tem no tamanko 0 indicativo mais confidyel do grau de maturidade (Figura 12) Figura 12 scipula humana natu, Fonte: Micleo de Anttopologia Forense da Policia Cientfica do Paand © cranio, em especial, apresenta como indicador de maturidade principal o grau de fusionamento de suturas entre (8 08s0s cranianos, embora haja variagdes individuais a serem consideradas 20 utilizar essas suturas para a estimativa de iddade (Figura 13). Figura 13 Canis humane imatur com suturs bem evident Ossos fragmentados Em situagdes em que os restos esquelé relacionados a causa da morte, seja por alter pode nao ser suficiente para permitir uma identificacio da espécie de origem. Diante disso, podem-se métocos histolégicos e biomoleculares, como radioimunoensaio (pRIA) e anilise de DNA. 0s se encontram muito fragmentados, seja por agio dos agentes mi oe: is morfolégicas macroscopicas fonémicas, a andlise das caracterist Por meio de exame de raio-x, é possiv longos humanos as vezes mostram distribuigio homogénea, porém; esparsa, enquanto o padrao trabecular em ossos no humanos € mais homogéneo e denso. Os dos demais animais so caracterizados por pequenas invaginacdes semelhantes a espiculas do cértex para 0 osso trabecular e a penetracao‘e canais de nutrientes no eixo médio [3]. verificar que as trabéculas do osso esponjoso em eixos médios de ossos © uso da histomorfologia éssea na diferenciaclo de eypécies € conhecido desde o comeco do século XX [4], por meio de variagées na estrutura dos ésteons, configuracio dos ostedcitos e diimetto e distribuigio dos canais haversianos Este tem se mostrado um método eficiente na identificacao de remanescentes sseos fragmentados em estudos de Arque: ologia e Antropologia Forense [5,6,7] Ubelaker [8], em auxilio em uma investigagéo policial, usou bandagem de osteons para identficar se um osso era humano ou ado. As autoridades policiais responsaveis pela cena de crime identificaram inicialmente o frags humano, pois apresentava uma pseudoartrose presa a uma placa cirtirgica. Contudlo, a anilise microscopica do fragmento revelou um padrio de bandas de osteons alternadas, incluindo dsteons primarios ¢ secundatios ¢ osso lamelar, este con. junto de caracteristicas sugere pertencer a um animal, possivelmente de canideo de grande porte. sfiretant, ainda hi necessidade de mais pesquisas para determinacio de diferencasinterespeifeas,intracspect noves abordagens moleculares na identificcio de fragmentos 6sseos, a histomorfologia apresenta-se como uma téenica capaz de contornarlimitagbes como custo e tempo que esses testes exigem [9 © radioimunoensaio dle proteinas (pRIA) também permite a identificacio de espécies animais. A partir da anilise 200 mg de pé de osso da amostra desconhecida, a proteina extraida é exposta a anti-soros espécie-especificos produzidos a partie de cobaias, A extensdo da ligacio especifica da espécie pode ser quantificada através do uso de um marcador ra- ioativo para revelar as espécies representadas (10}. Diferenciacgao macroscépica de dentes humanos e nao humanos Nos conjuntos de vestigios esqueléticos advindos de contextos arqueol6gicosiforenses, além dos ossos, cabe destacar aa presenca dos dentes. Este tipo de vestigios é especialmente valioso nas anilises, pois so partes anatomicas especialmente sistentes (pecas mais mineralizadas) e possuem tragos morfol6gicos que permitem sua identificagio anatOmica ¢ taxonémica com relativa facilidade. Nos vertebrados, os dentes geralmente apresentam a mesma estrutura interna, com esmalte, dentina e polpa. Mas em ralagio a atributos como raiz ¢ coroa, vemos uma grande variedade de formas. Em primeiro lugar, a insergio dos dentes nos suportes dsseos pode variar entre: acrodonte, conectados apenas a superficie externa ou do topo das maxilas (peixes, bios, repteis); pleurodonte, inseridos apenas em parte na superficie interna (alguns repteis); tecondonte, presenca de raizes (mamiferos). Pode-se observar outro atributo, a permanéncia da denticio: polifiodontia, espécies que apresentam miiltiplas dentighes no decorrer da vida; difiodontia, espécies com duas denticdes no decorrer da vida, leite e permanentes (mamiferos); monofiodontia, espécies com apenas uma denticlo (edentados ~ tatus, preguicas) Essas diferencas slo frutos de hist6rias evolutivas distintas relacionadas com 2 alimentacio. Até o surgimento do palato entre os mamiferos, separando a cavidade nasal da bucal, a mastigacio era limitada pelo tempo que 0 individuo podia prender a respiracio. Portanto, antes do palato, 2 fungdo dos dentes era de capturar, segurar e cortar 0 alimento, ¢ estas atividades nao requerem dentes com formas diferenciadas. Desse modo, cada espécie apresenta uma forma de dente apenas, a homodontia, Com 0 palato € possivel mastigar 0 alimento, mas a mastigacdo é um processo complexo de reducio do alimento «, para tanto, foram desenvolvidas formas diferentes de dentes. A heterodontia nos mamiferos resulta nos incisivos, caninos, pré-molares € molares, que apresentam grande variacio no ntimero e forma entre as espécies, em funco da alimentacao de cada uma, CURIOSIDADE Alguias cas pod nerbivoros tendlem a nBo ter caninos e possuem molares largos janas com estria, aumentando o poder de trtur Je alimentos vegetal, como gramineas ~ nos herbivoros que comm g180s, ndZes e casc2s,0s Inclsvos $40 muito proern + camivoros tendem a ter reduco no nlmero de dentes molares, caninos proemninentes, as coroas sao aad e/ou pontiagudas, + onivoros tendem a nao ter reduc no niimero de apresentando molares com coroas com cispides~ geralmente 0 au mento no tamanho de molares pode ser associado @ uma maior dieta végetal, enquanta caninas maiares podem ser associados 2 malor contrbuigdo de ca Outta razao de variacio de forma esté no uso dos dentes como display (exibicio) de atributos sexuais (presas de elefantes,caninos de javalis. Ainda em relagio aos dentes, poucas espécies apresentem formas comparaveis aos dos humanos, tanto na fauna nativa brasileira quanto na fauna doméstica. A forma dos dentes dos outros primatas (macacos, micos, saguis) é bastante distinta, seja pelo tamanho (muito menores), seja pela forma, pois sto geralmente folivoros/frugivoros. Os suinos (porco) € issuideos (cateto, queixada), pelo tamanho e forma dos molares podem eventualmente ser confundides com dentes ‘humanos (apenas fos jovens, pois os porcos adultos possuem molares bem maiores que os dos humanos). Diferenciagao de espécies por meio da Tricologia Forense 40s pelos sio estruturas epidérmicas queratinizadas que revestem o corpo dos mamiferos. Em geral, apresentam trés camadas concéntricas: cuticula (camada externa), c6rtex (camada intermediaria) e medula (camada interna). A rea de ‘conhecimento que se dediea ao estudo dos pelos para sua caracteriza¢Zo, como resultado de uma combinagio dos padré« morfologicos macroscépicos e microsc6picos de cuticula ¢ medula, para obtencéo de dados que permitam uma segura idenuificagio taxondmica ou determinacio da ancestralidade, é a Tricologia Forense. Muitas vezes, os pelos sio encontrados associados a restos mortais mesmo muito tempo apés o dbito, ou até mesmo em fezes ou outros elementos do ambiente, tornando-se um importante elemento para diferenciacio, juntamente com exames em outros tecidos corporais. Estudos sobre a caracterizacio da microcstrutura de pelos em elementos mascofaunisticos tém sido realizados no mundo inteiro com objetivos diversos, desde andlises forenses até a elaboragio {ic inventiios ecol6gicos [11]. (© Brasil ja possui catalogado um grande niimero de pelos de mamiferos ndo humanos, a exemplo dos padrGes isponiveis no Guia de Identificacao de Pelos de Mamiferos Brasileiros [11], Este traz subsidies significativos aos exames tra a fauna, listando, principalmente, espécies brasileiras da ordem carnivora, além 4, gato, coelho). pericais relacionados aos crimes de algumas espécies de mamiferos exéticos e/ou domésticos de interesse forense (p. ex. (© sucesso na identificagio taxonémica baseada em pelos depende da qualidade da amostra tricol6gica obtida, da existéncia de bancos de dados de padroes, de informagées ecol6gicas, como a distribuicio geogr dadas, ¢ da adequacio da técnica laboratorial empregada das espécies estu- Apesat de existirem técnicas para exames microsc6picos de pelos com uso da microscopia eletrénica (12, 13], Mi- randa etal, [11] descrevem uma metodologia simples ¢ de baixo custo, que consist basicamente na montagem de kiminas que permitam a analise dos pelos em microscépio tico. Nesse método, para 0 exame da cuticula, usa-se a impressio do padrio cuticular de pelos guarda (pelos mais longos, que representam o padrao de coloragio da pelagem do animal) em uma camada de esmalte incolor sobre uma limina de vidro. Apds a secagem do esmalte o pelo é retirado, ¢ a impressio resultante € observada diretamente ao microscépio. Para observacio da medula, os autores descrevem técnica de des. coloracio do pelo ¢ sua fixagio em lamina de vidro para observacio ao microscépio, A identificacéo da espécie ¢ enta0 realizada por meio de uma comparagio do material questionado com os padres constantes nos guias Em janeiro de 2020 foi apresentado a exame no Instituto Nacional de Criminalistica um segmento de pele coletada em local de crime, contendo pelos remanescentes, com solicitacio de identificagio de espécie. Apds exames de Tr Forense, foi possivel identificar 0 material como pertencente a ongs-pintada (Panthera onca) (Figuras 14 a 17), icologia eS Ref: 2019.0011729/MT Caso: 18 Local: INC 4 my uD) iF r a r iii hil Figura 14. Imagem apreaimads de seomento de poe coletado em focal de crime conterdo pelos usados para enames de identficagsowiclégica. Zoomorfologia Forense Para a eficicia dos exames de vestigios nfo humanos, muitas vezes € necessirio o emprego de técnicas que guardam grande similaridade com os métodos tradicionalmente consagrados pela Antropologia Forense, mas que io adaptados para o exame de restos mortais de animais. Tais adaptagées correspondem ao campo de atuagio da ‘Zoomorfologia Forense. Segundo Reis [1], ‘Zoomorfologia forense é 0 ramo da medicina veterinaria legal ¢ das ciéncias biol6gicas que trata dos exames de restos mortais de animais em periodo de esqueletizacao, com o objetivo de responder a quest6es relacionadas ao perfil biol6gico, identificacao de espécie € sexo, estimativa de porte e dade, traumatologia éssea, tafonomia, zooarqueologia forense, determinacéo do intervalo post mortem [sic], pesquisa de caracteristicas potencialmente individualizantes, estimativa do numero minimo de individuos, bem como o esclarecimento das causas e circunstancias da morte” Os principais exames em Zoomorfologia Forense so apresentados na Figura 18. Scant) Poni eee ee ee Ea rey ccs rense (1, Figura 18 -Princoas exames em Zoomerclog © trabalho de Zoomorfologia Forense iniciase na pericia de local de crime, com a coleta sistemitica dos vestigios de sm animal, envolvendo diversas etapas até conclusio dos exames laboratoriais. No local de erime, cleve-se realizar uma busca meiculosa, para que os mnimos detalhes nao sejam perdidos, como pequenos fragmentos, dentes, ossos¢ partes de oss0s, Nesse aspecto, é fundamental o emprego dos conhecimentos da Zooarqueologia Forense, notadamente em locais que 4ssumam configuracio de sitio arqueol6gico contendo restos mortais de animais nao humanos Uma vez que 0 material chegue ao laboratério, os exames de Zoomorfologia Forense envolvem técnicas ¢ equipamen- tos, muitos deles adaptados da Antropologia Forense, aliados a conhecimentos de Anatomia, Morfometria, Patologia, Tafo- ‘Nomia, Entomologia, Imagenologia, Tanatologia e Traumatologia, para andlise de esqueletos, dentes, pelos, penas e outros estos mortais de animais, para o esclarecimento dos fatos associados & morte, As Figuras 19 ¢ 20 ilustram alguns exames em Zoomorfologia Forense. Figura 1910030 = 7 . ay” 1 8 9 AOE? |. iv iil > de fémurde onga-pintada Pantha ética para estima de dade do animal Figure 20 Ved Zooarqueologia Forense A Zooarqueologia tradicional pode ser definida como o estudo de vestigios de animais em sitios arqueol6gicos. Esses vestigios podem ser tanto 08 ossos, dentes e carapacas quanto de outras partes duras clo esqueleto ou exoesqueleto ¢ por um conjunto de métodos € técnicas préprias a esta subdisciplina arqueolégica (14,15). de animais, e seu estudo dics Ainda, dentro do escopo da Zooarqueologia, so estudadas ¢ analisadas evidéncias de atividade e/ou presenca anim ro contexto arqueol6gico, ou seja, no contexto antr6pico, como marcas nos ossos humanos (por marcas de dentes, garr bicos, ou tragos de digestio, como fezes ou “coprélitos” ¢ pegadas). rao? a Manos ocx GND cso ONE 19 Scan) Res CADRE Pus Low Fem No caso da Zooarqueologia Forense, limitaremo-nos as interagSes entre seres humanos ¢ outros vertebrados, como mais pertinentes agentes (ou vitimas) dentro das circunstincias que gerem os conjuntos de evidéncias, uma vez que o estuddo de invertebrados no contexto forense & bem desenvolvido pelo campo da Entomologia Forense. A primeira ctapa de investigagio nesse contexto € a coleta de vestigios em campo. Sempre que possivel, os procedi- mentos devem seguir os protocolos da Arqueologia Forense (apresentados no Capitulo 8). Enfatizamos que as condigées de ‘ampo raramente sio adequadas para 0 reconhecimento do material coletado, portanto, a sua triagem deve ser deixada para aanilise laboratorial (Figura 21 22). | 200 rico ce MevooLoa Fone: FuNDAE ck Acne Pa Ji na fase laboratorial, os espécimes, ou as evidéncias cole las, devem passar por um processo de limpeza adequatio ag condigies de conservacio do vestigio. Embora de praxe que os espécimes sejam limpos com gua ¢ escovas macias, por vz visivel que o grau de fragilidade do material nao permite essa abordagem, sendo, em seguida, necessiria uma abordagem, mais delia is com algodio timido ou passando um pincel fino para a retirada co sedimento mais grosso (Figura 23) oye Figura 23 Fragmertos de porco-do-mato encorttados n cavacoarquedtégica no Sto Lararal ers 2005. | Eventualmente, ao final do processo de limpeza, temos uma primeira fase de reconhecimento e triagem de vestigios, conforme seu grau de preservacio e sua natureza anatOmica/taxondmica. Se os vestigios forem muito fridveis, isto pode requerer a aplicaclo de material consolidante a fim de preservar o espécime para andlises mais aprofundadas, Todavia, um primeito olhar sobre o status anatmico e taxondmico do espécime pode validat, ou ndo, a necessidade deste procedimento. Importante considerar que @ aplicagio de consolidantes em material Osseo humano e no humano propicia a maior preservagio do material 6s5¢0 como um todo; em contrapartida, inviabiliza analises fisico-quimicas importantes. Portanto, a questio do custo/beneficio entre preservacio e analise depende dos objetivos do estudo em questi. A préxima etapa de anilise propriamente dita. Cada espécime seré identificado a partir de seus atributos morfol6gicos visando a estabelecer a identidade anatomica e primeiro nivel taxonémico. Se a identificacéo anatomica for possivel, geralmente implica no reconhecimento de certos padres morfolégicos dos vestigios, o que permite um primeiro nivel de identificagio. Entre os vertebrados, a primeira distinglo esquelética bsica € entre os peixes cartilaginosos (condrictes) ¢ 0s peixes dsseos (osteictes),¢ 0s tetrpodes (anfibios, répteis, aves e mamiferos). © esqueleto dos peixes dsseos apresenta um conjunto apendicular simples (nadadeiras), vértebras pouco distintas, iniimeros oss0s cranianos (poucos fusionados), um imero variavel de dentes cénicos sem raiz. Ja os peixes cartilaginos (cubardes e raias) apresentam um esqueleto composto por cartilagem, com vértebras cartilaginosas com sais de calcio, de aparéncia € textura similar aos ossos e formato simples € uniforme, e seus dentes apresentam formas variadas conforme @ espécie, geralmente laminares e pontiagudlos. Por sua vez, os tetrpodes apresentam uma base anatémica fundamentada na presenga de quatro membros para susteritagio e movimentacio, com diferengas ostensivas em forma e estrutura dsse membros com dlgitos especializados; vértebras distintas entre cervicais, toricicas, lombares e caudais; presenga de caixa toricica gobusta (Costelas); reducio ¢ fusio de oss0s cranianos; cinturas pélvica ¢ escapular grandes e distintas; reducio © cespecializagio morfol6gica dos dents. Portanto, nesta etapa, é propasta uma primeira classificacZo entre espécimes, conforme o grau de integridadeifrag- mentagio € a presenca de caracteristicas ana distinguimos por meio de {micas distintas de cada espécime, Por exemplo, temos um es écime que + material: dente, 0850; + fragmentagio: inteiro ou fragmentado; + classe: mamifero, ave, séptil, anfbio, peixe dsseo, peixe cartilaginoso Cossos intciros sio relativamente Ficeis de serem classficados a partir de um conhecimento ¢ uma experiéncia bisica ore anatomin comparada Mesto sendo os fragmentos 6sseos mais difceis de serem identificados, a partis da observaco Stearatriticas das partes compactas,esponjosts cds cavidades mediulares,€ possvel dstingutos de ossos de vetebrados peas seguintes tendéncia eros distinguem-se dos demais por serem compacts espessos, com cavidade medular e parte es cossos de mamit ponjosa expressivas; aves apresentam 0550s compactos finos,cavidade medular importante e presenca de sacos a€reos répteis possuem 0550s compactos espessos, com cavidade medular ¢ parte esponjosa relativamente pequenas; anfibios tém ossos relativamente finos e partes articulares pouco distintas, sem tragos anatémicos muito marcan- Jomo as epifises, devido d importante proporcao de cartilagem na constitui¢ao nas asticulagdes; ambas as classes dle peixes sio densos com partes esponjosas ou medular quase ausentes, Posteriormente, € necessirio 0 reconhecimento da peca, ou seja, a identificagao da parte anatémica. fase subsequente € a anilise de atributos mosfo-anatomicos especificos de cada peca para a identificacao taxond- mica mais acurada, chegando a familia, ao género e 3 espécie, Em geral, esta fase requer uma colecao anat6mica compa ada, ou, se ao for possivel, a partir do uso de manuais de anatomia dssea comparada [16, 17, 18} Derivada dessa anlise, devem ser estudadas, ainda, as marcas peri mortem ou post mortem apresentadas nesses espécimes. Dois tipos se sobressaem: (@) mudangas na coloracio dos oss0s, que podem evidenciar exposicio a fogo, yentes quimicos e biol6gicos, que podem levar & fragilizacio ou destruicio parcial dos espécimes, e (b) marcas imes, as fraturas, marcas de corte, perfuragbes, mastigacio etc. [19]. 0 associadas a impactos fisicos sobre os tonjunto dos dados obtidos pode oferecer uma gama de indicios de atividades ¢ interagGes humanas/animais geradoras da assembleia de vestigios. vapel do agente faunistico nesse A determinagio das espécies presentes € 0 passo primério para estabelecimento do ‘ima de caca ilegal ou abuso, conjunto, As marcas nos vestigios podem auxiliar na determinagio se este agente pode ser fuse participou nos processos tafondmicos sobre os vestigios humanos, seja no descarnamento ou na necrélise de ossos, A reconstrucio da acio dos agentes faunisticos nos processos tafondmicos do sitio/cena pode estabelecer a (o elou perda de partes, eventualmente auxiliar na estimativa de-uma cronologia de eventos. movimentagi Consideragées finais para o antropélogo forense, o conhecimento amplo da anatomia humana e um conhecimento simples das diferentes espécies basta para a diferenciacio dos ossos humanos dos no humanos. Entretanto, a Zoomorfologia Forense, érea de 1 desenvolvimento no Brasil e de suma importiricia para investigacio de crimes ambientais, necessita de um potene ipos de crimes, inclusive em conhecimento € capacitacio mais aprofundada para atuacio em investigacdes de outros associacio 4 Antropologia Forense Desde que repassado 0 elemento dsseo para 0 perito capacitado para identificacio da espécie e de caracteristicas tafondmicas, 0s 0880s nao humanos poderao servie para a interpretacio da cena de crime, em intimeros casos, possibilitando a interpretacio dos vestigios em contexto mais amplo, Questées para analise_ i a Cauials ramos das Ciencias Forenses lidam em suas rotinas de dimensdes menores do que 0 esperado para um indi: ‘com exames de diferenciagio entre restos mortals humanos vviduo adulto. Nesse caso, qual a maneira mais simples de endo humanos? verificar se 0.0880 pertence a um humano subadulto ou um animal adulto? uals 05 principais exames forenses que podem ser empre- cgados para identificacdo de espécie quando do exame de 4. Qual o papel de restos morta identificaddos como nde hu fragmentos dsseos? ‘manos no processo Investigative? ‘io examinar um asso encontrado em atividade de campo, Quio dificil ¢ diferenciar os vestigias 6sse0s humanos dos tum antropéiogo forense verificou caracteristicas morfol6gi do humanos? 2s gerais compativeis com um fémur humana, entretanto, BD/ MAE /USP 202 Referéncias bibliograficas [1] REIS, S.J, Zoomorfologia Forense. Medvep: Revista Cientifica de Medicina Veterinaria, v4, n. 50, p. 138-141, 2020. MULHERN, D. M. Differentiating human from non-human skeletal remains. in: BLAU, 5; UBELAKER, D. H. (eds). Handbook of Forensic Anthropology and Archaeology. 2.ed. Londres: Routledge, 2016. p. 197-212. CCHILVARQUER, |: KATZ, J. GLASSMAN, D. 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