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Aula sobre Interdisciplinaridade - Psicologia e Saú de - 2014

1. Complexidade do campo da Saú de Coletiva


- Complexidade dada pela composiçã o de diferentes saberes (representados pelas
disciplinas), agentes (profissionais técnicos e universitá rios, gestores, usuá rios,
pesquisadores, representantes de partidos políticos e movimentos sociais, entre
outros), prá ticas. Convivência de modelos paradigmá ticos e transformaçõ es no
tempo. (Madel Luz)
- Conceito de campo - Bourdieu (O Poder Simbó lico; O campo literá rio; Algumas
propriedades dos campos).
Preocupaçã o de Bourdieu com a contribuiçã o das formas simbó licas na geraçã o e
distribuiçã o do poder dá origem à noçã o de campo. A noçã o de campo permite
englobar ou articular espaço social, espaço simbó lico e classe social num ú nico
marco teó rico. Ao mesmo tempo, Bourdieu indica a centralidade das pesquisas
empíricas que sustentam e dã o sentido à nocã o de campo (estudo de campos
específicos e singulares).
Campos sã o microcosmos no interior da sociedade que possuem "relativa
autonomia, ló gicas e possibilidades pró prias, específicas, com interesses e disputas
irredutíveis ao funcionamento de outros campos". (Catani).
À pá gina 192 do texto do Afrâ nio Catani, os elementos invariá veis da noçã o de
campo, tal como elencados por Bernard Lahire, sã o apresentados.

 Um campo é um microcosmo incluído no macrocosmo constituído pelo


espaço social (nacional) global.
 Cada campo possui regras do jogo e desafios específicos, irredutíveis à s
regras do jogo ou aos desafios de outros campos (o que faz “correr” um
matemá tico – e a maneira como “corre” – nada tem a ver com o que faz
“correr” – e a maneira como “corre” – um industrial ou um grande
costureiro).
 Um campo é um “sistema” ou um “espaço” estruturado de posiçõ es.
 Esse espaço é um espaço de lutas entre os diferentes agentes que ocupam as
diversas posiçõ es.

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 As lutas dã o-se em torno da apropriaçã o de um capital específico do campo
(o monopó lio do capital específico legítimo) e/ou da redefiniçã o daquele
capital.
 O capital é desigualmente distribuído dentro do campo e existem, portanto,
dominantes e dominados.
 A distribuiçã o desigual do capital determina a estrutura do campo, que é,
portanto, definida pelo estado de uma relaçã o de força histó rica entre as
forças (agentes, instituiçõ es) em presença no campo.
 As estratégias dos agentes sã o entendidas se as relacionarmos com suas
posiçõ es no campo.
 Entre as estratégias invariantes, pode-se ressaltar a oposiçã o entre as
estratégias de conservaçã o e as estratégias de subversã o (o estado da
relaçã o de força existente). As primeiras sã o mais frequentemente as dos
dominantes e as segundas, as dos dominados (e, entre estes, mais
particularmente, dos “ú ltimos a chegar”). Essa oposiçã o pode tomar a forma
de um conflito entre ‘antigos’ e ‘modernos’, “ortodoxos’ e ‘heterodoxos” (...).
 Em luta uns contra os outros, os agentes de um campo têm pelo menos
interesse em que o campo exista e, portanto, mantêm uma “cumplicidade
objetiva” para além das lutas que os opõ em.
 Logo, os interesses sociais sã o sempre específicos de cada campo e nã o se
reduzem ao interesse de tipo econô mico.
 A cada campo corresponde um habitus (sistema de disposiçõ es
incorporadas) pró prio do campo (por exemplo, o habitus da fi lologia ou o
habitus do pugilismo). Apenas quem tiver incorporado o habitus pró prio do
campo tem condiçõ es de jogar o jogo e de acreditar n(a importâ ncia d)esse
jogo.
 Cada agente do campo é caracterizado por sua trajetó ria social, seu habitus
e sua posiçã o no campo.
 Um campo possui uma autonomia relativa; as lutas que nele ocorrem têm
uma ló gica interna, mas o seu resultado nas lutas (econô micas, sociais,
políticas...) externas ao campo pesa fortemente sobre a questã o das relaçõ es
de força internas. (Lahire, 2002, p. 47-48)

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Saú de coletiva, saú de do trabalhador, saú de mental, sã o á reas privilegiadas para
abordagem a partir da noçã o de campo.

2. Estratégias de integraçã o disciplinar (Luz; Porto e Almeida) -


Muldisciplinaridade, Interdisciplinaridade e Transdisciplinaridade
- Madel Luz traz dois elementos interessantes para discutir: a) a convivência, no
campo da saú de coletiva, das três modalidades de integraçã o disciplinar e, ainda,
fazendo corresponder a esferas da histó ria do campo (Saú de Pú blica, Medicina
Social e Saú de Coletiva); b) definindo assim as três formas - Multidisciplinar é a
justaposiçã o com certa independência de diferentes disciplinas na abordagem de
um tema ou problema de saú de; Interdisciplinar é a articulaçã o de duas ou mais
disciplinas criando novas disciplinas, por exemplo, neuropsicologia,
psicossociologia, a pró pria medicina social, entre outras; Transdisciplinaridade é
a focalizaçã o de temas, objetos ou atores a partir da colaboraçã o de disciplinas que
buscam uma compreensã o e formas de intervençã o unificadas, transcendendo a
especificidade de cada disciplina.
- Porto e Almeida vã o inserir as estratégias de integraçã o disciplinar no debate
sobre os paradigmas da ciência moderna e pó s-moderna, debate inaugurado por
Kuhn.
Dois elementos interessantes desse debate: 1) as noçõ es de ciência normal e
disciplinaridade restrita pró prias da formaçã o da ciência moderna que operou e
opera por fragmentaçã o de objetos (interessante notar que Morin aponta que a
interdisciplinaridade também fez parte da construçã o da ciência moderna,
acontecendo, de modo nã o hegemô nico, concomitante à fragmentaçã o), conforme
citaçã o à pá gina 336 sobre a fragmentaçã o;

Uma característica central do método científico cartesiano é a fragmentação


da realidade estudada: o conhecimento racional implica a decomposição da
coisa a ser conhecida por meio de uma série de operações que reduziam-na
às suas partes mais simples (Almeida Filho, 1997). A monodisciplinaridade
ou disciplinaridade restrita pode ser entendida como uma estratégia de
organização histórico-institucional da ciência baseada na fragmentação do
objeto e na especialização do sujeito científico, o pesquisador, cujo sucesso
se realiza através de teorias e experimentos validados pela comunidade de
pares científicos. Esta estratégia manteve os pesquisadores rigorosamente
em suas áreas específicas de atuação, ascéticos e perseverantes no

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enfrentamento dos problemas particulares da seara para a qual foram
formados (Almeida, 2000).

2) a noçã o de paradigma, ou seja, conjunto de regras, princípios e instrumentos


que classificam e enquadram fenô menos que ficam, entã o, disponíveis ou
adequados ao estudo científico. O positivismo é um paradigma. O paradigma pó s-
moderno será bastante influenciado pela sociologia da ciência que coloca em tema
a ciência como prá tica social e abre para sua apreensã o como construçã o histó rica,
produzindo nã o apenas efeitos de conhecimento, mas também, efeitos políticos
(dominaçã o/emancipaçã o) e efeitos ideoló gicos
(reconhecimento/desconhecimento). Citar o debate feito por Boaventura de Sousa
Santos por uma epistemologia pragmá tica cujo parâ metro nã o é a produçã o
tecnoló gica, mas os efeitos éticos e polítcos da ciência sobre os seus usuá rios e suas
"vítimas". Neste contexto de crítica ao paradigma positivista e à fragmentaçã o dos
objetos do conhecimento científico, a questã o sobre as estratégias de integraçã o
disciplinar se intensifica.
- Porto e Almeida vã o apontar três modelos dessas estratégias associados a críticas
lançadas à ciência normal/disciplinar no campo humanista, crítico-social e da
noçã o de complexidade.
- A crítica humanista, mais ou menos associada à multidisciplinaridade, vai
combater a fragmentaçã o apostando numa formaçã o que, articulando ensino e
pesquisa, investe na construçã o de conhecimentos integrados, focalizando a ética.
Traduzindo, seria a perspectiva de um ensino incluindo humanidades que abrisse a
visã o de mundo para o sentido e os modos de apresentaçã o dos fenô menos na
esfera humana e nã o meramente técnica ou abstrata dos laborató rios.
- A crítica social-crítica focaliza dimensõ es histó rico-culturais da constituiçã o da
disciplinaridade. De cunho marxista, apreende a produçã o científica atrelada à
divisã o de classes e à divisã o social do trabalho no capitalismo. A vertente
transformadora desta crítica busca a democratizaçã o da produçã o e da divulgacã o
do saber. Nesta perspectiva é interessante destacar a inclusã o no campo dos
saberes populares e do senso comum. Nã o se trata apenas, para a figura da
interdisciplinaridade associada a esta perspectiva, da integraçã o entre disciplinas,

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mas da integraçã o desses outros saberes. Exemplo das comunidades
interpretativas. Exemplo também da interdisciplinaridade que praticamos no LABI,
ênfase numa perspectiva política e ética. Pesquisa-açã o e outros recortes de
pesquisa participante sã o representativas desta crítica.
- A crítica a partir da noçã o de complexidade (dos campo e fenô menos). Está bem
representada pelo pensamento de Edgar Morin. Trata-se de tomar objetos e
problemas complexos examinando diferentes estratégias metodoló gicas de
integraçã o disciplinar de acordo coma natureza desta complexidade. Trata-se de
realizar sínteses diante de mundo cada vez mais fragmentados. Ler pá gina 339
(final da primeira coluna e começo da segunda). Há quem acredite que a prá tica da
interdisciplinaridade como convivência entre disciplinas é o caminho ou o método
para a transdisciplinaridade. É possível tensionar essa perspectiva da
complexidade que, em geral, atrai aos afeitos à s ciências biomédicas, porque acena
para uma multideterminaçã o dos fenô menos do mundo humano, quando ee
preciso considerar a indeterminacã o, a liberdade, a espontaneidade da açã o
humana. Trata-se, contudo, ainda, do investimento na compreensã o de mú ltiplas
facetas e perspectivas do fenô meno, buscando sínteses integrativas (prá ticas e
conceituais). Ecologia é bem representativa desta tendência.
Definiçõ es das tries formas de integraçã o disciplinar de Porto e Almeida, pg. 340.

a) a multidisciplinaridade como o conjunto de disciplinas que se agrupam


em torno de um dado tema desenvolvendo investigações e análises isoladas
por diferentes especialistas, sem que se estabeleçam relações conceituais
ou metodológicas entre elas. Corresponde à estratégia mais limitada, pois
continuam a se reproduzir práticas fragmentadas da ciência normal, ainda
que se avance na incorporação de múltiplas dimensões de um problema;
b) a interdisciplinaridade como a reunião de diferentes disciplinas
articuladas em torno de uma mesma temática com diferentes níveis de
integração, desde uma cooperação de complementaridade sem articulações
axiomáticas ou preponderância de uma disciplina sobre as demais
(pluridisciplinaridade), passando pela preponderância de uma delas sobre as
demais com ou sem uma axiomática comum (denominadas respectivamente
como interdisciplinaridade estrutural ou auxiliar);
c) finalmente, a transdisciplinaridade corresponderia a uma radicalização
da interdisciplinaridade, pela articulação de um amplo conjunto de
disciplinas em torno de um campo teórico e operacional particular, sobre a
base de uma axiomática comum e envolvendo um sistema de disciplinas
articuladas em diferentes níveis, cuja coordenação se daria pelas finalidades
e axiomática comuns. Esse tipo de integração possibilita o desenvolvimento
de teorias e conceitos transdisciplinares, cuja aplicação é compartilhada por

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diferentes disciplinas e abordagens que atuam num campo teórico e
operacional.

Alguns temas importantes para a experiência da interdisciplinaridade

- Abertura para o diá logo e competência nas á reas de origem e, ainda, presença de
afinidades políticas e pessoais.
- Formaçã o (pouco propícia à acã o e ao pensamento interdisciplinar).
- Estrutura da instituiçõ es nã o é propícia aos arranjos interdisciplinares.
- Á reas de ambiental e de saú de pú blica sã o privilegiadas como campos para
experimentos interdisciplinares.
- Interdisciplinaridade pode levar à transdisciplinaridade.
- Temas interessantes para ainterdisciplinaridade: saú de, equidade,
vulnerabilidade, exclusã o.

Referências Bibliográ ficas

Catani, A. M. As possibilidades analíticas da noçã o de campo social. Educação e


Sociedade, Campinas, v. 32, n. 114, p. 189-202, jan.-mar., 2011.

Luz, M. Complexidade do campo da saú de coletiva: multidisciplinaridade,


interdisciplinaridade e trandisciplinaridade - aná lise só cio-histó rica de uma
trajetó ria paradigmá tica. Saúde e Sociedade, Sã o Paulo, v. 18, n. 2, p. 304-311,
2009.

Porto, M. F. de S. e Almeida, G. E. S. Significados e limites das estratégias de


integraçã o disciplinar: uma reflexã o sobre as contribuiçõ es da saú de do
trabalhador. Ciência & Saúde Coletiva, 7(2):335-347, 2002.

Santos, B. de S. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1989.

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