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Leylah Attar

Leylah Attar
Uma vez na África, eu beijei um rei...
"E assim, em um velho celeiro vermelho no sopé do Monte Kilimanjaro, eu
descobri a magia evasiva que eu nunca vi entre as páginas de grandes
histórias de amor. Ele revoltou em volta de mim como uma borboleta
recém-nascida e se instalou em um canto de meu coração. Aguardei
minha respiração, com medo de exalar por medo que escorregasse, para
nunca mais ser encontrado novamente."

Quando uma bomba explode em um shopping na África Oriental, suas


réplicas enviam dois estranhos em um curso de colisão que nem se vê.

Jack Warden, um agricultor de café divorciado na Tanzânia, perde sua


única filha. Um oceano longe, no campo inglês, Rodel Emerson perde
sua única irmã.

Duas pessoas comuns, presas por uma tarde trágica, buscaram


alcançar o extraordinário, pois fazem três paradas para resgatar três
crianças nas vastas planícies dos Serengeti - crianças que valem mais
mortas do que vivas.

Mas, mesmo que vençam as chances, outro desafio aparece ao final da


linha. Eles podem sobreviver ainda outra perda - desta vez de um amor
que é obrigado a escorregar de seus dedos, como as névoas que se
dissipam à luz do sol?

"Às vezes você se depara com uma história de arco-íris - uma que
abrange seu coração. Você pode não ser capaz de entendê-la ou segurá-
la, mas você nunca pode se arrepender com a cor e magia que trouxe."

Uma mistura de romance e ficção feminina, Mists of The Serengeti é


inspirado por eventos verdadeiros e contém desencadeantes emocionais,
incluindo a morte de uma criança. Não recomendado para leitores
sensíveis. Independente, ficção contemporânea.

Leylah Attar
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SE VOCÊ TIVESSE perguntado a Jack Warden quais eram suas
coisas favoritas antes daquela tarde, ele teria desenrolado uma lista
sem hesitação: café preto, céus azuis, dirigir para a cidade com os
vidros abaixados, as flores do Monte Kilimanjaro circulando em nuvens
no seu espelho retrovisor, e a garota que tinha seu coração compondo
as palavras na música no rádio. Porque Jack era absoluto e preciso, tão
claro como a savana africana depois da chuva. Ele tinha resistido à sua
dose de tempestades – perdendo os pais quando criança, perdendo seu
amor da faculdade em um divórcio – mas ele sabia como rolar dos
golpes. Ele tinha aprendido isso cedo na vida, em safaris empoeirados
no Serengeti, onde o caçador e a presa brincavam de esconde-esconde
no meio da grama de elefantes altos.

Jack era um sobrevivente. Ele foi derrubado, mas ele sempre


levantou. E a vezes que sua filha visitava a plantação de café nas férias
de verão dela eram os dias de ouro – dias de caminhada na lama, comer
pipoca, caçar sapos. Jack tinha o tipo de presença que virava as
cabeças quando ele entrava em um lugar, mas naqueles dias, ele estava
como um relâmpago – todo aceso por dentro.

“Lily, coloque isso de volta,” ele disse, conforme ela abriu o


porta-luvas e tirou uma barra de chocolate que parecia que tinha
acabado de sair de uma sauna.

“Mas tem o gosto tão bom quando está derretida assim. Goma
deixa aqui para mim.

“Goma tem noventa anos. O cérebro dela está quase tão mole
como esse chocolate.”

Eles deram risada porque ambos sabiam que a avó de Jack era
tão rápida e esperta como uma serpente preta. Ela só era cheia de

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excentricidades e caminhava no seu próprio passo. Por isso ela tinha
ganho o nome de Goma, da palavra suaíli: nGoma.

“Lily, não. Você vai sujar toda sua fantasia. Li...” — Jack
suspirou conforme seus dedos gordinhos de oito anos abriam a
embalagem. Ele podia ter jurado que ouviu Goma rindo dos pés da
montanha, sentada no alpendre. Ele sorriu e virou os olhos de volta
para a estrada, tirando uma foto mental de como sua filha estava –
olhos grandes, cabelos enrolados, em uma saia de tutu de arco-íris e
um chapéu de verão, com manchas de chocolate em volta da boca.
Esses eram os momentos que faziam ele aguentar os longos meses
quando ela estava de volta em Cape Town com a mãe.

Conforme eles entraram na rotatória da cidade, Jack descansou


o cotovelo na janela. Sua pele era bronzeada, muito como os turistas
que vinham das praias de Zanzibar, mas sua cor era permanente,
ganha nos anos trabalhando fora sob o sol da Tanzânia.

“Você vai gravar o recital de dança?” Lily perguntou.

Era um acordo não falado entre eles. Lily passava tardes inteiras
fazendo ele e Goma assistirem e assistirem suas performances. Ela lhes
dava cartões com notas, e os números iam aumentando aos poucos,
porque ela os deixava sair até que ela conseguisse exatamente o que
queria deles.

“Assiste de novo,” ela diria, porque eles tinham obviamente


perdido o momento perfeito dela aqui, ou o passo duplo ali.

“Você pode me inscrever em mais aulas?” ela perguntou.

“Já fiz isso,” Jack respondeu. Isso significava uma hora de


viagem até Amosha e de volta, em estradas mal acabadas cheias de
buracos, mas assistir sua filha dançar fazia esse coração crescer dez
vezes seu tamanho. “A mamãe vai matricular você na aula de dança
quando você voltar?”

“Eu acho que não.” Era tão prático, com o mesmo tipo de
aceitação que ela tinha se adaptado depois de saber que seus pais iriam

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viver a milhares de milhas de distância separados, que Jack sentiu uma
pontada forte de tristeza.

Ele tinha conhecido Sarah na universidade em Nairobi. Eles


estavam ambos longe de casa – jovens, livres, e famintos. Ele ainda
podia lembrar da primeira vez que ele a tinha visto – pele negra e
sofisticada – suas tranças impecáveis na altura do ombro caindo pelo
rosto conforme ela sentou ao lado dele na sala de palestras. Ela era
toda garota da cidade, ele era todo garoto do interior. Ela gostava de
anotar as coisas – objetivos, planos, listas, datas. Ele gostava de viver
um dia de cada vez, hora a hora. Ela era meticulosa e cautelosa. Ele era
exuberante e impulsivo. Eles tinham sido condenados desde o começo,
mas quando isso impede alguém de se apaixonar? Ele tinha se
apaixonado forte – assim como ela – e que viagem tinha sido. No fim, o
isolamento e a imprevisibilidade da vida na fazenda de café tinha sido
demais para Sarah. Mas o estado de Kaburi era o sustento de Jack, sua
cidade natal, e seu legado. O ritmo cru, acelerado pulsava em suas
veias como um café preto expresso. Ele sabia que Lily tinha isso nela
também, aquele turbilhão quente, espumante de magia e loucura. Era
por isso que ela amava dançar, e não havia maneira que ele iria ficar
parado e assistir toda a essência pura, vibrante dela ser levada embora
só porque ela passava a maior parte do tempo longe da fazenda.

“Talvez se eu tirar notas melhores esse ano,” Lily continuou.

E lá estava novamente. Estrutura, forma, disciplina. Não que


isso fosse uma coisa ruim para uma criança, mas qualquer coisa que
estivesse fora desses parâmetros era cortado e descartado. Jack tinha
visto isso lavar a felicidade do seu casamento, até que estivesse como
um escorredor cheio de legumes descongelados, queimados do freezer,
sem cor e sem sabor. Sarah tinha pouco espaço para alegria, para
simples momentos de estar, e agora ela estava fazendo a mesma coisa
com Lily. Ela tinha um plano para a filha deles, e ele não incluía ir atrás
de paixões pessoais.

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“Bem, lindinha, sua mãe está certa.” Jack virou para olhar para
ela. “Nós dois queremos que você vá bem na escola. Trabalhe duro nas
notas quando voltar. Mas hoje, dance! E quando você...” - ele piscou
conforme uma explosão de luz o cegou momentaneamente.

“Lily você vai acabar com o filme,” ele disse.

“E daí?” Lilly arrancou a Polaroid que estava começando a


revelar, apontou para a câmera e tirou uma foto.

“Dá aqui essa câmera.”

“Não!” ela gritou e o empurrou com dedos pegajosos.

“Ugh.” Jack limpou o chocolate da cara conforme eles passaram


por lojas com propagandas da Coca-Cola e Fanta, árvores arcaicas com
coberturas verdes, e caminhos de chão vermelhos, vulcânicos. “Você
sujou a câmera toda também.”

“Eu arrumo.” Ela tirou o chapéu que Goma tinha costurado para
ela e limpou a câmera. “Tudo certo!”

Jack sorriu e balançou a cabeça conforme eles entraram no


shopping onde o grupo de dança ia se apresentar. Era uma produção
curta, pequena, informal para família, amigos e clientes de final de
semana.

“Venha. A senhorita Temu estará esperando!” Lily pulou para


fora do carro assim que eles encontraram uma vaga. Sábado era o dia
mais movimentado no Kilimani Mall, e também havia algum tipo de
convenção acontecendo.

“Espera,” Jack disse. Ele tinha quase terminado de subir o vidro


quando seu telefone tocou. Era alguém da fazenda, perguntando se ele
podia pegar alguns suprimentos enquanto estivesse na cidade.

Lily veio para o seu lado do carro. O vidro era fumê, então ela
pressionou a palma contra ele e olhou para dentro. Ela fazia caras
engraçadas para Jack até ele desligar.

“Vamos, garotinha,” ele disse, pegando a mão dela.

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O recital estava acontecendo no andar de baixo, em um espaço
fora da praça de alimentação. Conforme eles chegaram lá, Lily parou na
frente do vendedor de balões.

“Posso comprar um amarelo para Aristurtle?” ela segurou um


dos balões de gás hélio.

Aristurtle era uma tartaruga de estimação de Lily, que tinha


ficado sem nome até Goma começar a chama-lo assim por causa de
todas as perguntas que Lily fazia a ela.

“O que Aristurtle vai fazer com um balão?” Jack perguntou.

“Você sabe como ele sempre se perde?”

“Porque você deixa ele vagar pela casa toda."

“Porque eu não gosto de prendê-lo. Então, se eu amarrar um


balão em volta do seu casco, nós sempre saberemos onde ele está.”

“Você sabe, isso é tão absurdo, que faz sentido.” Jack deu risada
e puxou a carteira. “Vamos levar um amarelo.”

“Desculpe, eles são seis juntos,” o homem respondeu. “Eu tenho


outros avulsos, mas estou sem os amarelos.” Ele deu um olhar curioso,
mas Jack estava acostumado com isso. Tinha começado quando ele e
Sarah estavam namorando, e tinha continuado depois que tinham tido
a Lily. Um casal mestiço com uma filha bi-racial. O contraste parecia
fascinar as pessoas.

Jack olhou para Lily. Os olhos dela estavam fixos nos brilhantes.
“Certo. Vou levar os seis.”

Conforme ele se curvou para dar a ela os balões, ela embrulhou


os braços em volta dele e apertou. “Eu te amo! Você é o melhor pai do
mundo!”

Uma quantidade de estranhos estava em volta deles, mas Jack


foi pego por um silêncio doce naquele momento, uma onda de calor e
propósito no meio de um dia comum.

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“Não os amarre em Aristurtle todos de uma vez ou ele vai voar,”
ele disse.

Lily deu uma gargalhada e saiu, pegando a escada rolante para


descer, os balões sacudindo em volta dela como raios de sol.

“Lily!” sua instrutora de dança gritou, quando eles chegaram ao


local do recital. “Você está ótima!”

“É um arco-íris.” Lily deu uma rodada, mostrando o tutu que


Goma tinha feito. “Meu favorito.”

“É perfeito.” Sua professora virou para Jack e sorriu. “Oi, Jack.”

“Senhorita Temu.” Ele assentiu, instintivamente acolhendo o


corpo delgado da dançarina com a pele suave cor de cacau.

“É Mara,” ela corrigiu, como ela tinha feito tantas outras vezes
antes. Ela tinha deixado seu interesse nele claro, mas Jack sabia que
era melhor não bagunçar a dinâmica da aula de dança da filha. Em
uma sala cheia de mães, ele era o único pai que apareceu com a filha.
Elas o bajulavam não só porque Jack era um barril de pólvora de
testosterona – sua voz, suas mãos, seus gestos – mas também por como
ele era brincalhão e acolhedor com Lily. Isso as levava para ele, e Jack
tinha aprendido a não incitar qualquer ciúmes mantendo toda a sua
atenção em Lily.

“Vai por aqui,” a senhorita Temu começou a conduzir Lily para o


fundo.

“Aqui, papai!” Lily entregou a ele os balões. “Como estou?”

“Linda. Como sempre.”

“Meu rabo de cavalo está bom?”

Jack se ajoelhou e arrumou. Ele deu um beijo na testa dela e


limpou uma mancha de chocolate da bochecha. “Pronto. Tudo certo?”

“Tudo certo!” ela assentiu, mal capaz de conter a excitação de


subir no palco. “Senta na primeira fila então eu posso te achar, tá?”

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“Eu conheço o acordo, Lily. Já falhei com você?”

“Não esqueça de filmar!”

“Vá.” Jack deu risada. “Dance até cair.”

Lily puxou uma respiração profunda e sorriu. “Te vejo do outro


lado.”

“Te vejo do outro lado, garotinha.” Ele a viu desaparecer atrás


das cortinas.

“Jack...” a senhorita Temu bateu em seu ombro. “Os balões. Eles


meio que distraem. Você se importaria de guarda-los?”

“Lógico.” Jack olhou em volta. Estava lotado, mas as duas


primeiras fileiras estavam reservadas para a família. “Dá tempo de eu
correr até o carro e deixar lá?”

“Cinco minutos, mas a Lily é a terceira, então deve dar.”

“Ótimo. Eu já volto.”

Jack pegou a escada rolante para cima de volta para o


estacionamento. O aroma de café fresco o acertou conforme ele passou
pela cafeteria, lembrando-o da caneca que ele tinha deixado no carro.
Nada batia o sabor de grãos árabes da fazenda. Havia uma precisão que
levava a um sabor distinto – do plantio a colheita a torrar em um
tambor sobre uma chama de gás. Jack destrancou o carro e recuperou
seu café, dando uma golada profunda.

Ele estava quase colocando os balões dentro quando uma


explosão alta de rachaduras chocalhou o ar. Seu primeiro pensamento
foi que os balões tinham estourado, um atrás do outro, mas o som
tinham um eco, um estrondo que reverberava pelo estacionamento.
Quando aconteceu de novo, Jack sentiu os ossos gelarem. Sua espinha
congelou. Ele conhecia armas. Você não vive em uma fazenda na África
rural sem aprender como se proteger de animais selvagens. Mas Jack
nunca tinha usado uma metralhadora, e os tiros vindo do shopping
soavam muito como vindos de uma.

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Dizem que a força real de uma pessoa aparece em momentos de
calamidade. É uma medida estranha e injusta de um homem. Porque
desastres e catástrofes são monstros absurdos e anormais espiando na
periferia da sua visão. E quando aquelas sombras disformes se
mostram e aparecem na sua frente, nuas e grotescas, isso te incapacita
totalmente. Seus sensos testemunham algo tão inesperado, tão bizarro,
que você para para questionar a realidade disso. Como uma baleia azul
caindo do céu. Seu cérebro não sabe o que fazer com isso. Então Jack
ficou paralisado, segurando seu café em uma mão e os balões na outra,
no estacionamento B do Kilimani Mall numa tarde clara de sábado de
Julho, conforme tiros eram disparados do lado de dentro, onde ele tinha
acabado de deixar a filha.

Foi só quando os gritos começaram, quando uma debandada de


clientes em pânico tropeçaram saindo pelas portas, que Jack piscou.
Ele não sentiu a queimadura de café nos seus pés conforme seu copo
caiu aberto. Ele não viu os seis balões indo embora para o céu azul da
baleia. Ele só sentiu a desespero de um pai que precisava chegar até
sua filha. Instantaneamente.

Se alguém tivesse sobrevoado o shopping naquele momento, eles


teriam testemunhado uma visão estranha: uma massa de pessoas
correndo, empurrando, lutando para sair do prédio, e um homem
sozinho, solitário correndo, empurrando, lutando para entrar.

Era mais convicção do que força que levava Jack pela multidão.
Dentro era puro caos. Tiros espalhavam pelo shopping. Sapatos
largados, sacolas de comprar, e bebidas derramadas por todo lado. O
carrinho de balões estava lá, abandonado e preservado, rostos felizes e
princesas da Disney olhando o caos. Jack não parou para olhar para a
direita ou esquerda. Ele não se importava em diferenciar amigo de
inimigo. Ele correu pelo café, passando pelos croissants de amêndoas
comidos pela metade e cookies esmagados, passando por gritos de
ajuda, com um único propósito em mente. Ele tinha que descer as
escadas para o salão do recital.

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Senta na primeira fila então eu posso te encontrar, tá?

Eu conheço o acordo, Lily. Já falhei com você?

Ele estava quase na escada rolante quando uma criança bem


pequena, indo para o lado oposto, parou na frente dele. O menino
estava perdido e tinha chorado ao ponto de exaustão. Jack mal podia
distinguir seu choro suave das batidas de seu próprio coração. Por um
momento eles ficaram lá, o menino com a cara pintada como o Batman,
as cores manchadas com as lágrimas, e o homem que, por um segundo,
estava dividido entre leva-lo para um lugar seguro e ir atrás da própria
filha.

Então Jack pisou para o lado. Ele tinha certeza que iria sempre
lembrar da cara da criança, o olhar e expectativa em seus olhos
redondos grandes, a chupeta presa na roupa. Conforme ele enfiou sua
vergonha em um esconderijo escuro da sua alma, alguém começou a
gritar.

“Isa! Isa!”

Pela maneira como o menino virou para a voz da sua mãe, ela
era obviamente a pessoa que ele estava procurando.

Jack soltou um suspiro de alívio e circulou a escada rolante.


“Senhor! Pare. Por favor. Tire meu filho daqui.”

Ela estava deitada no chão, a uns três metros de Jack, ao lado


de um carrinho que tinha virado, segurando seu tornozelo. Ela estava
ferida. E grávida.

“Por favor tire-o daqui,” ela implorou.

As pessoas ainda estavam correndo pelo shopping, borrões


aterrorizados se movendo, mas de todas as pessoas, de todas as
pessoas, ela estava pedindo a Jack. Talvez porque Jack fosse a única
pessoa que tivesse a ouvido. Talvez porque ele tinha parado tempo
suficiente para reconhecer uma criança pequena chorando no meio do
caos. Ela não se preocupava com a própria segurança, nenhum pedido

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para si. E nisso, eles estavam unidos. Ambos só queriam tirar seus
filhos de lá.

Jack sentiu o corrimão da escada deslizar sob suas mãos


conforme ele parou no topo da escada.

Desça.

Não. Ajude-os.

“Sinto muito,” ele disse. Cada segundo que ele perdia era um
segundo que o mantinha longe da Lily.

Ele deveria ter prevenido seus olhos, mas ele viu o momento que
o garoto abraçou sua mãe, o relaxamento do seu corpo pequeno, o alívio
de ter a encontrado, a crença que tudo estaria bem – em total contraste
com a desolação absoluta e desamparo nos olhos dela.

Foda-se.

Então Jack fez a coisa mais difícil, mais corajosa, mas altruísta
da vida. Ele virou de volta. Ele segurou o garoto com uma mão, segurou
a mãe com a outra, e os tirou pela porta. Em seu estado de total
adrenalina, isso não levou mais do que um minuto. Mas foi um minuto
muito longo.

Conforme ele virou para entrar de volta, uma explosão balançou


o shopping, o golpeando longe das escadas. Uma placa de vidro caiu
nele, prendendo-o no chão. Blocos de aço e concreto caíam no
estacionamento, estilhaçando vidros e lanternas dos carros. As sirenes
altas de carros de polícia e ambulâncias se misturavam com o barulho
incessante de alarmes de carros. Mas aqueles que estavam machucados
continuavam assustadoramente em silêncio, alguns deles para sempre.

Jack se mexeu e lutou com a escuridão o ameaçando a puxa-lo


para baixo, ele tinha algo para fazer. Um lugar para ir. Ele focou na
fumaça acre que enchia seus pulmões – aguda, amarga e tão preta
quanto a realização que o pegou quando ele abriu os olhos.

Lily. Oh, Deus. Eu falhei com você.

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Conforme o mundo caiu de joelhos em volta dele, paredes
derrubadas, teto caído, sangue e ossos por todo lado – Jack se sentiu
partido em dois. Antes-Jack, amava café preto, céus azuis e dirigir com
o vidro abaixado, e Depois-Jack, cujo sorriso doce da filha e o rabo de
cavalo como algodão doce nadava na frente dele na labareda quente da
tarde.

Como estou?

Linda. Como sempre.

Naquele momento, conforme Jack tentava levantar o peso que o


segurava para baixo, ele soube. Ele soube que não haveria escapatória
para isso, não havia como levantar dali. E então, como o antílope
cansado que expõe seu pescoço para o leão, Jack fechou os olhos e
deixou a capa dormente da escuridão o devorar.

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É O DIA MAIS FELIZ da minha vida, pensou Rodel Harris
Emerson, conforme ela assinou seu nome da linha pontilhada.

As pessoas assumiam que era um nome de homem, até a


conhecerem. Tinha acontecido dois anos atrás quando ela tinha se
candidatado para a posição de professora na Bourton-on-the-Water, e
aconteceu de novo quando ela tinha mandado uma mensagem para o
agente imobiliário para ver a propriedade que ela estava comprando
agora, no mesmo vilarejo dourado - afetuosamente conhecido como a
Veneza de Cotswolds – no interior inglês.

“Parabéns!” Andy olhou o contrato e sorriu. “Sua primeira casa.”

“Obrigada,” ela respondeu.

Ele não tinha ideia. Não era apenas uma casa; era um sonho
que ela tinha perseguido a vida toda. E agora, aos vinte e quatro anos,
ela finalmente tinha uma âncora, o tipo de estabilidade que ela sentia
falta crescendo em uma família que viajava para qualquer lugar que o
emprego do pai os levasse. Tinha sido um bom emprego, um que
bancava o luxo deles experimentarem culturas diferentes, lugares
diferentes, pelo mundo todo. Mas quando Rodel estava começando a se
estabelecer e começando a fazer novos amigos, eles mudavam de novo.
Sua irmã mais nova, Mo, prosperou com isso, assim como seus pais.
Eles eram exploradores de coração, espíritos livres que ansiavam novos
gostos, novos sons, novo solo. Mas Rodel buscava uma pausa para
descanso, um pequeno retalho de conforto e familiaridade – um lar de
verdade.

E agora ela tinha isso, no exato tipo de lugar que tinha mexido
com a sua imaginação desde que ela tinha assistido O Senhor dos Anéis
pela primeira vez e tinha se apaixonado por Shire. Ela tinha doze anos

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na época, e continuou alojado na sua mente – um ideal ficcional,
improvável – até que ela estava procurando empregos depois da
faculdade e se deparou com Bourton-on-the-Water. Ali, no coração da
Inglaterra, no meio do idílio rural de montanhas tranquilas, a vida não
tinha pressa. Trilhas cruzavam campos pitorescos que floresciam com
flocos de neve em janeiro e jacintos em maio. Casas de pedra se
aninhavam em ruas com árvores enfileiradas, e pontes elegantes baixas,
transpunham o rio.

“Bom, é isso.” Andy colocou a papelada na sua mala. “Tem


apenas algumas datas que nós precisamos repassar.”

Rodel puxou seu celular e abriu o calendário. Ele tocou assim


que Andy iam começar.

Ele leu o nome piscando na tela. “Montego?”

“Minha irmã.” Rodel não compartilhava a razão atrás dos nomes


incomuns delas. Os pais delas tinham dado os nomes de ambas as
irmãs dos lugares onde elas tinham sido concebidas: Rodel Harris, para
a vila pitoresca de Rodel na ilha de Harris na Escócia, e Montego James
para a baía de Montego Bay na paróquia de St. James, Jamaica.

Ro e Mo.

“Por favor continue.” Ela mandou a ligação da sua irmã para a


mensagem de voz. Não era hora para os papos incoerentes de Mo. Além
disso, Rodel tinha grandes notícias para compartilhar. O tipo de notícia
comprei-uma-casa-então-você-precisa-trazer-sua-bunda-aqui que ela
vinha doida para contar uma vez que estivesse tudo finalizado.

“Eu posso esperar se você quiser atender.” Andy era um tagarela


e extremamente complacente. Rodel tinha a sensação que o interesse
dele nela passava do profissional.

“Tudo bem. Eu ligo para ela depois.”

Eles estavam sentados de lados opostos no balcão da cozinha no


chalé do século dezessete que Rodel tinha acabado de comprar. Era

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uma casa bem pequena de dois andares, mas tinha uma sala aberta
com vigas de madeira, um canto de leitura, e uma varanda ensolarada a
alguns passos do rio. Era perto o suficiente da escola para Rodel andar,
mas ficava num lugar isolado no fim do vilarejo. Rodel mal podia
esperar para se mudar do quarto que ela vinha alugando há dois anos.

“Os vendedores concordaram em adiantar o negócio então você


pode ter o lugar em umas duas semanas.” Andy repassou as datas.

“Perfeito.” Significava que Rodel teria o verão para se estabelecer


antes do ano escolar começar em setembro. “Obrigada,” ela disse,
conforme eles terminaram a reunião.

Andy se levantou e limpou a garganta. “Eu estava pensando


se...umm...você gostaria de tomar alguma coisa sabe, para celebrar e
tal?”

Outra hora, Rodel teria dispensado. Ela tinha estado tão focada
em trabalhar na direção do seu sonho de ter sua própria casa que sua
vida social era praticamente inexistente. Não ajudava o fato dela ser
uma nerd dos livros. Ela tinha namorados nos livros que nenhum
homem de carne e osso poderia atender às expectativas. Ela podia ter
procurado tranquilidade em uma casa, mas em um homem ela queria a
tempestade – Strider, Aragorn, Rei de Gondor.1 Outro fictício, ideal
improvável. Sim, O Senhor dos Anéis tinha provavelmente a arruinado.
Ela tinha encontrado Shire, e tinha buscado seu Hobbit-hole, mas ela
tinha quase certeza que ela teria que reformular o herói. Reis como
Aragorn simplesmente não andavam entre homens mortais.

“Uma bebida seria legal,” ela disse ao Andy.

“Bom, então...” ele parecia orgulhoso conforme ele a levou para o


carro dele – um hibrido branco compacto.

Eles foram para um pub pequeno, rústico com vista para o rio.
As mesas rústicas, de madeira talhada eram bem pequenas mal

1 Personagem de O senhor dos Anéis.

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cabendo as cervejas deles, e seus joelhos se tocavam sentados um de
frente para o outro.

“No caso de eu não ter sido claro, eu acho você muito bonita,”
Andy disse. “Você tem umm... lindos olhos castanhos. Eu gosto do
seu...” ele apontou para ela de maneira geral, procurando por algo
elusivo, e finalmente foi pra matar. “Eu gosto do seu cabelo.”

“Obrigada.” Rodel enfiou a cara na caneca ondulada.

Por que sair com alguém era sempre tão dolorido? Por que os
beijos eram sempre tão mornos como sua cerveja?

“Seus pais moram por aqui?” perguntou Andy.

É só conversa fiada, pensou Rodel. Ele não está anunciando suas


intenções de conhecê-los.

Por uma vez, Rodel estava aliviada que seus pais estavam a
milhares de milhas de distância. Ela tinha mudado de ideia. Ela não
queria redefinir seu herói. Ela passaria o resto da vida feliz com
namorados fictícios dos livros.

Darcy? Ah, sim.

Grey? Oh céus.

Aragorn? Oh, céus, sim, sim, sim!

“Meus pais moram em Birmingham, mas eles são aposentados e


adoram viajar,” ela disse. “Eles estão na Tailândia agora.”

“Bem, se você precisar de ajuda com a mudança eu posso...” ele


parou de falar e seguiu o olhar de Rodel. Ela estava parada olhando a
TV. Alguma coisa na tela tinha chamado sua atenção.

Ela levantou, devagar – dura e rígida – e andou até o bartender.


“Você pode aumentar o volume?” era mais do que um simples pedido.
Havia uma ponta severa, controlada na sua voz que chamou a atenção
de todos. Um silêncio caiu sobre o bar conforme todos os olhos foram
para o noticiário.

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“Atiradores invadiram um shopping lotado em Amosha,
Tanzânia, minutos antes de uma explosão violenta. Dezenas foram
mortos. Mais dessa história do nosso correspondente internacional...”

Eles cortaram para a cena do massacre, ondas de fumaça preta


crescendo como tornados escuros atrás do repórter.

“Meu telefone.” Rodel voltou da tela e foi para a mesa. Ela virou
tudo da bolsa, e se ajoelhou, explorando o conteúdo atrás do telefone.

“O que há de errado?” Andy perguntou.

“Eu preciso do meu telefone! Minha irmã está em Amosha. Eu


tenho que pegar..." ela agarrou o telefone e começou a ligar. “Atenda.
Vamos, Mo. Atenda.” Seu peito subia e descia com cada respiração.

Alguém sentou ao lado dela em uma cadeira. Alguém lhe trouxe


um copo de água. Ninguém atendeu do outro lado da linha... Foi para a
caixa postal. Ela ligou de novo. E de novo. Seus dedos tremiam
conforme ela esperava a linha de códigos internacionais.

Ela estava prestes a desligar e tentar seus pais quando notou o


pequeno ícone de correio de voz.

Mo. Ela deve ter deixado uma mensagem quando tinha ligado
mais cedo.

Rodel ouviu conforme a voz da sua irmã filtrava pelo alto-falante,


mas não era calorosa e fervilhante como toda outra vez que elas tinham
se falado desde que Mo tinha ido para a Tanzânia. Essa Mo estava
tensa e restrita, e ela estava falando rígida com sussurros acentuados,
picados que Rodel se esforçava para entender.

“Ro, estou no Kilimani Mall... alguma coisa... acontecendo...


atiradores por todo lado...” as palavras sumiam e voltavam, como uma
conexão ruim. “Estou escondida... tem... única coisa... me mantendo...”
havia uma pausa longa. Rodel podia ouvir vozes abafadas antes de Mo
voltar para a linha. “... vou esperar... seguro aqui, mas se eu não...” sua
voz sumiu. “Se... eu... te amo, Ro... a mamãe e o papai... não... se

Leylah Attar
preocupe. Nós vamos... rir... minhas histórias malucas... Austrália. Eu
tenho... todas as chances, Ro...”

A gravação acabou. E o que tinha começado como o dia mais


feliz da vida de Rodel continuou como o eco vazio traiçoeiro no final da
ligação da irmã.

Ro... seguido pelo ar morto cortado.

A mente de Rodel correu.

Mo tinha mencionado Austrália. Ela tinha pensado que ia


morrer naquela época também e tinha ligado para Rodel enquanto
cruzava um rio infestado de crocodilos em uma balsa afundando.

Ela tinha gritado, ‘Ro, Ro!’ mas as pessoas na balsa achavam


que ela estavam mandando-os remarem2. A embarcação tinha
conseguido se salvar e conforme Mo chegou até a costa, a ligação ainda
em progresso, as duas tinham rido com alívio vertiginoso.

“Volte para casa, Mo,” Rodel tinha pedido.

“Eu não estou satisfeita ainda,” sua irmã tinha respondido. “Eu
não sei se um dia estarei, eu quero morrer fazendo o que eu amo.”

Não. Eu não desejo aquele desejo. Rodel agarrou seu telefone,


alheia às ameaças invisíveis que conectam desejos, ações, pessoas e
consequências. Ela não tinha ideia que as imagens piscando na TV já
tinham ativado uma cadeia de eventos que estavam indo direto para
ela, como dominós caindo em cascata.

2 Em Inglês Row.

Leylah Attar
Leylah Attar
POR ALGUNS segundos felizes antes de estar totalmente
acordada, eu esqueci. Eu esqueci que Mo tinha ido embora, que eu
estava dormindo em sua cama, em um quarto estranho, em uma terra
estranha, onde ela tinha passado os últimos meses da vida dela. Mas o
grito gutural de pombos selvagens, a batida ritmada de uma enxada lá
fora, o som estridente de um portão de metal abrindo e fechando, tudo
me lembrava que era a minha primeira manhã em Amosha.

Eu abri meus olhos e olhei para as lâminas virando do


ventilador de teto. Mo tinha deixado sua marca nele. Fitas brilhantes
deixavam rastros coloridos conforme ele girava sobre mim. Era uma
lembrança tão vívida, dolorosa dela – sua energia sem limites, sua vida
caleidoscópica – que eu tive uma sensação aguda de perda novamente.
Quando você perde alguém que você ama, isso não acaba com aquele
evento, ou com o funeral, ou o nome na lápide. Você perde a pessoa de
novo, e de novo, toda dia, em pequenos momentos que te pegam com a
guarda baixa.

Quase um mês desde o seu funeral. Eu tinha ficado adiando a


viagem para a África, para recolher seis pertences e limpar o quarto.

“Não vá,” minha mãe tinha dito, olhando para mim através dos
cílios vermelhos. “Ainda há um alerta de viagem vigente.”

Meu pai se manteve em silêncio, os ombros encolhidos,


resultado do peso de um homem cujo corpo da filha nunca foi resgatado
dos escombros. Nós tínhamos sido todos negados a dádiva do
encerramento, de ver o rosto dela pela última vez.

Leylah Attar
“Eu tenho que ir,” eu respondi. Eu não podia aceitar o
pensamento de um estranho mexer nas coisas de Mo, se livrando delas.

E então eu tinha chegado, não viajante em uma família de


viajantes, na Nima House em Amosha, onde Mo tinha se inscrito como
voluntária por seis meses. Tinha começado como uma missão
romântica de subir o Monte Kilimanjaro com o amor da sua vida. Bem,
o amor da vida dela daquele mês. Quando ele se recusou a dividir a
porção dele de papel higiênico com ela, em algum lugar entre 15.000 e
17.000 pés, Mo deu um chute na bunda dele e voltou – sem papel
higiênico, e sem passagem de avião para sair de lá. Nossos pais se
ofereceram para socorrê-la, mas Mo não estava satisfeita com a
Tanzânia e os convenceu a lhe dar algum dinheiro para ela ficar mais.
Ela se inscreveu para uma posição não remunerada, trabalhando com
crianças em um orfanato em troca de comida barata, acomodação, e
tempo livre para ir atrás de cachoeiras, flamingos, e gazelas no
Serengeti.

“Faça algo bom, veja um pouco de ação,” ela tinha dito, na


última vez que nos falamos, antes de me dar um relato de quão alto e
barulhento os leões se acasalavam. “A cada quinze minutos, Ro! Agora
você sabe por que Mufasa é o maldito rei da selva.”

“Você é uma pervertida, Mo. Você simplesmente sentou lá e


assistiu?”

“Diabos, sim! Nós almoçamos aqui também. Você precisa trazer


sua bunda para cá. Espere até você ver o pau do elefante, Ro...”

Ela tinha tagarelado sem parar, e eu só tinha ouvido metade,


sem saber que seria a última vez que eu falava com ela, sem saber que
eu estaria no seu quarto, olhando para o mesmo teto que ela tinha
provavelmente olhado quando ela me ligou.

Exceto pela última vez, quando ela tinha me ligado do shopping.

Quando eu não tinha atendido.

Quando ela tinha mais precisado de mim.

Leylah Attar
Eu virei de lado, tentando escapar dos pensamentos que
continuavam a me assombrar.

A cama ao lado da minha estava vazia e arrumada. A colega de


quarto da Mo, Corinne, tinha ido embora. Ela tinha me deixado entrar
na noite anterior e me abraçado.

“Eu sinto tanto,” ela tinha dito. “Ela era uma alma tão incrível.”

Ouvir a Mo ser falada no passado era tão dolorido. Acordar na


cama dela era dolorido. Eu levantei e abri as cortinas. Era mais tarde
do que eu tinha imaginado, mas eu ainda estava me ajustando ao fuso
horário. O piso de cimento era duro sob meus pés, então eu calcei os
chinelos da Mo. Eles tinham cara de coelho, com narizes rosa, e orelhas
que balançavam quando eu andava.

Eu fiquei em pé no meio do quarto e olhei em volta. O lado da


Mo tinha um armário estreito, mas as roupas ou tinham caído dos
cabides, ou ela nunca tinha se importado em pendurar.

Provavelmente isso. Eu sorri. Nós éramos tão diferentes, e ainda


assim tão próximas quanto duas irmãs podiam ser. Eu podia ouvir seu
papo na minha cabeça, conforme eu arrumava suas coisas.

Ei, lembra quando eu enchi um balão com glitter e enfiei no seu


armário? Ele estourou, e todas as suas roupas ficaram tão brilhantes que
você parecia uma bola de discoteca durante dias.

Pensar nela lá ao meu lado, sentada com as pernas cruzadas no


chão, me ajudava a passar por isso. Me impedia de desmoronar
conforme eu dobrava as blusas que ela nunca iria usar novamente, seu
cheiro ainda vivo nelas.

Não esqueça da gaveta, Ro. Estou tão aliviada que seja você
fazendo isso. Você pode imaginar a mamãe encontrando aquele vibrador?
Eu meio que debati isso comigo mesma, mas é tão realístico, sabe? Você
deveria com certeza ter um, cara. Nenhum Mufasa? Sem problemas...

Leylah Attar
E assim foi o dia, com o comentário da Mo voando na minha
cabeça, como uma borboleta que ia de flor em flor, dando tchau
conforme o sol se punha no horizonte.

Já era fim da tarde quando eu fiquei em pé e olhei o quarto. O


lado da Mo estava todo encaixotado, exceto por um mapa na parede
dela com post-its com sua letra cursiva descuidada e as fitas que ela
tinha amarrado no ventilador. Eu não conseguia tira-las. Além disso, eu
tinha mais três semanas antes de ir de volta para a Inglaterra. Eu
queria ver os lugares que ela tinha falado, entender a magia que a
trouxe aqui, encontrar alguma resolução no lugar que ela tinha
chamado de seu.

O Kilinami Mall ainda era um grande buraco no chão, mas os


civis tinham sido um efeito colateral. O alvo dos atiradores tinha sido o
ministro de Estado que estava falando em uma convenção no dia. A
equipe de segurança dele estava levando-o para um lugar seguro
quando um carro bomba explodiu, matando todos. Ele tinha explodido
no subterrâneo do estacionamento, e grandes partes do shopping tinha
desmoronado. Ninguém tinha assumido a responsabilidade, e
investigadores ainda estavam peneirando os escombros. Era uma
daquelas coisas trágicas, sem sentido, como quando uma cratera abre
sem aviso e engole seu carro, sua casa, as pessoas que você ama. Não
tem ninguém para culpar por isso, então você carrega sua dor e raiva
com você, o tempo todo enquanto espera por uma epifania, um grão de
entendimento que ajudaria você a seguir em frente, porque com certeza
isso tudo queria dizer alguma coisa.

Eu caí na cama e agarrei o travesseiro da Mo, desejando que eu


pudesse sentir seus braços em volta de mim. Algo sólido bateu embaixo
dos meus dedos. Eu escorreguei minha mão embaixo da coberta e puxei
uma caixa de óculos. Seus óculos sobressalentes ainda estavam lá –
com armações laranja de gatinho. Mo tinha o hábito de esconder as
coisas na fronha. Eu estava surpresa que não tinha descoberto na noite

Leylah Attar
anterior. Então, novamente, eu tinha estado muito devastada para
notar.

“Eu queria que você pudesse ver o mundo pelos meus olhos,” ela
tinha me dito, quando eu não conseguia entender o fascínio do seu
estilo de vida.

Bem, aqui estou, Mo. Eu coloquei seus óculos e olhei o quarto


pelas lentes desnorteadas da sua armação.

O sol estava se pondo e sua luz dourada enchia o quarto, caindo


na parede. As tachas de metal que seguravam o mapa em cima da mesa
dela brilhavam como o glitter que a Mo tinha espalhado nas minhas
roupas.

Eu levantei e passei meus dedos sobre os Post-its amarelos que


ela tinha colado ali. Tirando seus óculos, eu me inclinei mais perto para
ler.

14 de abril – Miriamu (Noni)

2 de maio – Hizuni (Pendo)

12 de junho Javex (Kabula)

17 de julho – Juma (Baraka)

29 de agosto – Sumuni (Maymosi)

1º de setembro – Furaha (Magesa)

As notas eram estranhas e difíceis de decifrar. As três primeiras


estavam riscadas com caneta preta. Elas estavam espalhadas pelo
mapa, algumas perto de Amosha, algumas longe.

“Uau. Você fez bastante coisa,” disse Corinne, conforme ela


entrou no quarto e jogou a bolsa na cama dela. “Você ficou confinada
aqui o dia todo?”

Eu olhei para mim mesma. Eu ainda estava de pijama.

“Você comeu alguma coisa?” ela perguntou.

Leylah Attar
Eu balancei a cabeça, percebendo que a última coisa que eu
tinha comido era um lanche no avião.

“Como você está irmã da Mo? Nós a chamávamos de Woe-Mo3


quando ela estava sem comer. Ela ficava realmente malvada quando
estava com fome.” Corinne me guiou em direção ao banheiro.
“Refresque-se e então nós vamos pegar algo para jantar.”

Eu olhei para o meu reflexo no espelho conforme escovava o


cabelo. As ondas castanhas se dividiam naturalmente para um lado e
eu tirei calmamente da minha testa. Meus olhos ainda tinham aquele
olhar assustado que as pessoas têm quando você tira alguma coisa
delas, algo precioso. Eles pareciam um marrom mais escuro, como se as
pupilas tivessem aberto e ficado desse jeito. Mo ficava assim quando
estava excitada com alguma coisa apesar de seus olhos terem sido longe
de simples castanhos. Eles me lembravam madeira e areia dourada.
Nossos pais tinham dado o nome de pertinentes. Mo era o ritmo
descontraído do Caribe, o ritmo reage leve, livre. Eu era as entradas
quietas e montanhas antigas. Eu não me vestia muito viva ou falava
muito alto. Eu ficava mais confortável me misturando com o cenário.
Minha situação mediana deixava tudo mais fácil. Altura média, peso
médio, emprego médio, vida média.

Não demorou muito para vestir uma calça jeans e uma camiseta
de manga comprida. Corinne me levou para um pequeno tour do lugar.
O complexo dos voluntários da Nima House era localizado longe do
orfanato, com quartos modestos que abriam para um pátio em comum.

Os outros voluntários já estavam juntos em volta de uma mesa


comprida do lado de fora.

“Você tem que experimentar o wali e o maharagwe,” disse


Corinne, conforme nos juntamos a eles. Ela serviu meu prato com arroz
e o que parecia um cozido com feijão.

3 Mo tristeza.

Leylah Attar
“Não deixe a suaíle te fazer de boba,” alguém falou. “Ela só está
lendo no quadro.”

“Estou tentando dar uma boa impressão.” Corinne sentou ao


meu lado. “Desculpe, esqueci de te apresentar. Pessoal, essa é a irmã
da Mo, Rodel.”

Houve uma pausa notável na conversa antes de todos


começarem a falar de uma vez.

“Ei, sinto muito.”

“Está quieto por aqui sem ela.”

“Eu ainda não acredito que ela se foi.”

Eles dividiram suas histórias com a Mo. Eles tinham todos se


alistado com prazos diferentes, alguns por duas semanas, outros –
como Mo – pelos seis meses inteiros. Era um pequeno grupo informal de
todo canto. Corinne era da Nigéria. O rapaz ao meu lado era da
Alemanha. Alguns deles tinham viajado de cidades que não eram tão
longe de Amosha. Nem todos falavam inglês ou suaíle, mas de alguma
forma, todo mundo se entendia. Meu coração se enchia conforme eu
ouvia todas aquelas maneiras que eles lembravam da minha irmã: doce,
aventureira, barulhenta, corajosa.

“Ela era quente,” disse um dos rapazes antes de alguém chutar


sua perna.

Não foi até Corinne e eu estarmos de volta ao nosso quarto que


eu percebi quanto estava exausta. Eu ficava sempre à flor da pele
quando viajava. Isso, combinado com a montanha russa emocional do
dia me fez querer cair na cama. Mas eu tinha mais uma coisa para fazer
da minha lista.

“Corinne?” eu disse. “O que essas anotações significam?” eu


apontei para os post-its no mapa.

“Ah, isso.” Ela ficou em pé ao meu lado, estudando elas. “Mo


trabalhava com crianças em risco no seu tempo livre. Ela pegava uma

Leylah Attar
criança de algum desses lugares cada mês e as levava para um lugar
seguro. Veja, ela marcou a data que ela era esperada lá, o nome da
criança, e isso aqui, entre parênteses, é o nome do lugar. Ela estava
querendo pegar seis crianças em seis meses. Ela fez as primeiras três.”
Corinne apontou para os que tinham sido riscados.

“E o resto? Quem vai tomar conta deles?”

“Eu acho que o cara com quem ela estava trabalhando. Gabriel
alguma coisa. Um residente local. Nima House não tem nada a ver com
isso. Ela já está com a capacidade total. Ela não tem recursos para
cuidar das crianças que eles estavam pegando.”

“Então para onde eles estavam as levando?”

“Não tenho certeza. Mo deve ter mencionado isso, mas eu não


lembro.” Corinne deitou na cama. “Boa noite, Rodel. Tente dormir um
pouco.”

Eu apaguei a luz e entrei embaixo das cobertas. O ventilador de


teto girava devagar em cima e mim. Eu mal podia ver as fitas no escuro.
Minha mente ficou cheia dos pedaços daqui e ali que eu soube sobre a
Mo. Enquanto eu tinha estado procurando heróis nos livros, minha
irmã tinha sido um – um silencioso, provavelmente acidental, que teria
censurado se alguém tivesse se referido a ela como um. Ela fora para
salvar alguém. Ela só era ávida pela vida – por diversão, por comida, por
cores, por experiências. Ela não podia deixar passar o que estava na
frente dela, e ela só fazia as coisas que a deixavam feliz, mas isso a
tornava mais uma heroína ainda para mim.

Eu pensei nas anotações que ela não tinha podido riscar no


mapa – a parte dela que ficava sem fazer – e resolvi cumprir seu desejo.
Seis crianças em seis meses. Era isso que ela tinha buscado. Ainda
haviam três crianças.

Eu vou pega-las para você, Mo. Eu vou riscar cada uma dessas
anotações antes de voltar para casa.

Leylah Attar
EU PAREI AOS PÉS das escadas suntuosas que levavam ao
Grand Tulip, o hotel lendário em Amosha, conhecido por sua tradição
de receber celebridades exigentes. Eu ainda estava trêmula depois de
pegar um micro-ônibus local, um dala dala, para chegar lá, mas era
onde Corinne tinha me mandado. Ela não sabia o sobrenome do Gabriel
– o homem com quem minha irmã tinha estado trabalhando – mas ela
sabia onde ele morava.

E não, não era no Grand Tulip.

Era num vilarejo nos subúrbios de Amosha.

“Você podia pegar um dala dala até lá, mas eles são meio
caóticos e não muito seguros – bom para uma subida e descida rápida.
Para chegar à casa do Gabriel, eu recomendaria um motorista,” disse
Corinne. “Eu usei um algumas vezes. Seu nome é Bahati. Ele não se
aventura muito fora da cidade, mas ele conhece a área e é fluente em
inglês. Ele está normalmente no Grand Tulip de manhã.”

Então aqui estava eu, subindo as escadas para a grande dama


dos hotéis. Pilares monumentais que lembravam árvores gigantes
retorcidas sustentavam a entrada lá em cima. Dois homens
uniformizados guardavam o lobby aberto, mas o que chamou minha
atenção foi a estátua de tamanho real do lutador Maasai, colocada
contra a enorme parede branca do lado de fora.

Ele estava em uma pose de orgulho, lança na mão, o cabelo


embelezado com lama ocre. A madeira de ébano tinha sido polida tão
bem que sua pele parecia ter sido lambuzada com gordura animal. Sua

Leylah Attar
toga vermelha crescia e ondulava com o vento. Ele parecia um profeta
bíblico em um tempo que tinha passado, como algo que pertencia a um
museu.

Eu me aproximei mais, examinando os detalhes precisos – as


contas vermelhas e azuis que adornavam o corpo dele, os cílios com
pontas tão finas, elas pegavam o sol da manhã. Eu puxei a câmera e
enquadrei o rosto dele.

“Oitocentos shillings,” ele disse.

“O que?” eu pulei para trás.

“Para tirar uma foto.”

“Você é real!”

“Sim, senhorita. Eu faço seiscentos shillings para você.”

“Certo,” eu disse, afastando-me.

“Você é da Inglaterra? Eu posso dizer pelo seu sotaque. Duas


libras esterlinas. Mais barato que um café do Starbucks.”

“Não, obrigada. Estou na verdade procurando alguém. O nome


dele é Bahati. Você conhece?”

“Mil shillings. Eu levo você até ele.”

“Deixa pra lá.” Eu balancei a cabeça e fui embora. Ele era


obviamente um trapaceador. “Com licença,” eu disse para os porteiros.
“Algum de vocês sabe onde posso encontrar Bahati?”

Eles trocaram um olhar e apontaram para atrás de mim.

Vocês devem estar brincando comigo. Eu virei devagar.

Com certeza. O Maasai estava rindo para mim.

“Você me encontrou. Sem comissão. Você é uma pechinchadora


inteligente. O que posso fazer por você?”

“Eu estava procurando um motorista, mas tudo bem. Eu mudei


de ideia.” Eu comecei a descer as escadas.

Leylah Attar
“Minha amiga. Minha amiga!” ele gritou atrás de mim, mas eu
não olhei para trás.

Ótimo. Eu pensei. Eu vou ter que pegar o temível dala dala o


caminho todo até o vilarejo de Gabriel.

Eu caminhei por vinte minutos empoeirados de volta para o


ponto de ônibus. Era uma cacofonia de dar tontura de ônibus fretados,
operadores turísticos acenando mapas na minha cara, e pessoas
querendo me vender pulseiras, bananas e milhos assados.

A rua parecia uma orquestra entre motocicletas, carros, e dala


dalas, todos em velocidades diferentes – começando e parando sem
pedido ou alerta. Condutores saindo de minivans gritando seus
destinos, batendo na lateral da van quando eles queriam que o
motorista parasse para os passageiros. Cada dala dala era pintado com
um adesivo ou slogan, honrando algum tipo de celebridade. Beyonce,
Obama, Elvis. Eu esperei pela chamada para o vilarejo do Gabriel,
Rutema, mas nenhum deles estava indo para lá.

“Minha amiga. Eu encontrei você!” uma 4x4 guinchou parando


ao meu lado, quase pegando um homem de bicicleta. O motorista
estava vestindo uma camisa branca fresca, as mangas arregaçadas, e
óculos escuros de aviador que refletiam minha cara esgotada. “Sou eu.”
Ele tirou os óculos e me deu uma risada larga.

Bahati.

“O que aconteceu com a sua...fantasia?” eu gritei sobre as


buzinas.

“Não é uma fantasia. Eu sou um Maasai verdadeiro.”

“Seu cabelo sumiu também?”

“As tranças? Elas são extensões. Eu me visto para os turistas.


Eles tiram fotos comigo. Eu também sou um guia turístico, mas é
temporário. Eu sou na verdade um ator – um herói em ação –
esperando pelo meu intervalo. Um dia, você vai me ver na telona. Mas

Leylah Attar
isso é para o futuro. Você disse que estava procurando um motorista.
Onde você quer ir?”

“Rutema,” eu respondi.

“Entre. Eu te levo lá.”

“Quanto?” eu perguntei, estreitando os olhos.

“Pra você, o mesmo preço que o dala dala.”

Eu hesitei. Eu não era de entrar no carro de um estranho,


quanto mais um estranho em uma parte totalmente diferente do
mundo.

Alguém beliscou minha bunda. Podia ter sido a mulher idosa


tentando me vender as pulseiras. Eu não chequei. Eu entrei no carro do
Bahati conforme um condutor com um megafone gritou no meu ouvido.

“Você conhece a Corinne da Nima House?” eu disse. “Ela me


disse para vir ver você.”

Eu tenho amigos, cara, e eles sabem onde estou.

“Eu conheço a senhorita Corinne. Ela te deu um bom conselho.


Sou um excelente motorista.” Bahati virou forte à esquerda enquanto eu
segurei no painel com as mãos firmes.

“Você não tem cintos de segurança?” eu virei para puxar o meu,


mas não tinha nada.

“Ninguém usa cintos de segurança por aqui.” ele deu risada.


“Não se preocupe. Você está em boas mãos. Eu tenho uma ficha
impecável. Sem acidentes.”

Eu vi quando dois pedestres desviaram do caminho a tempo de


evitar ser pego por ele.

“Você não me disse seu nome, senhorita...?” ele deixou a


pergunta em aberto.

“É Rodel.”

Leylah Attar
“Senhorita Rodel, você tem sorte que eu te encontrei ou você
estaria naquilo.” Ele apontou para o dala dala nos ultrapassando. “A
maioria dessas minivans devem levar dez pessoas. Se não houverem
pelo menos vinte, não é um dala dala de verdade. Se você está
confortável, não é um dala dala verdadeiro. O motorista tem autoridade
absoluta. Nunca peça para ele abaixar a música. Nunca espere que ele
pare onde você deveria descer. Nunca tire sarro das fotos no vidro dele.
Uma vez que você saia do dala dala, você abre mão dos seus direitos.
Ele pode passar por cima de você, sair com seu outro pé na van, sua
bagagem, sua..."

“Eu entendi. Estou melhor com você.”

“Completamente. E eu ofereço muitos pacotes especiais.


Marmita. Cerveja de banana. Massagem africana grátis. Não. Não
aquele tipo de massagem, minha amiga. Eu quero dizer isso, vê?” ele
olhou na minha direção conforme pegamos uma rua cravada de
buracos. “Massagem africana. Haha. É bom, não? Você vai me dar uma
crítica? Eu tenho uma classificação de 4,5 estrelas no..."

“Bahati?”

“Sim, senhorita?”

“Você fala demais.”

“Não, senhorita. Eu só dou informações importantes. Hoje é um


bom dia para ir a Rutema. Amanhã vai chover. As estradas são muito
barrentas. Estou feliz que estamos indo hoje. Amanhã eu teria que te
cobrar extra para uma lavagem do carro. Para Suzi, meu carro.” Ele
bateu na direção. “Ela gosta de ficar limpa. Mas se você quiser ir
amanhã, tudo bem, também. Eu tenho um guarda-chuva no porta-
malas. É do Grand Tulip. Muito grande, muito bom. Oprah Winfrey
usou. Você vai ver o logo. O logo do Grand Tulip, não da Oprah. Eles
deram ele para mim porque..."

“Hoje está bom. Não é para onde estamos indo?”

Leylah Attar
“Sim, sim. É onde estou levando você. Você já me disse. Você
esqueceu? Tudo bem. Eu tenho boa memória. Mas eu não entendo
porque você quer ir lá. Não tem nada para ver. Se você me perguntasse,
você deveria ir...”

Nós passamos por mercados movimentados e prédios coloniais


que pareciam historiadores teimosos, empoeirados entre lojas
modernas. Bahati falava sem parar conforme saímos de Amosha e
seguimos uma estrada de terra por pequenas fazendas e propriedades
tradicionais. Ele saiu em uma colina com vista para a área e parou o
carro.

“Olhe,” ele disse, apontando para os cânions, no horizonte.

Crescendo acima das nuvens, como uma coroa etérea de glória


contra o céu azul, havia o domo do Kilimanjaro. Eu tinha imaginado
seu vasto esplendor sempre que Mo falava dele, mas nada tinha me
preparado para minha primeira vista dos seus picos elevados.

Bahati parecia compartilhar meu senso de veneração. Por alguns


momentos, houve uma pausa em seus comentários. Ele não tinha
palavras para dividir comigo, sem ladainha de fatos para me
impressionar. Nós olhamos para o gigante surreal que agigantava-se à
distância, elevando-se majestosamente sobre a planície dourada da
Savana Africana.

“Por que você quer visitar Rutema?” perguntou Bahati, uma vez
que estávamos de volta à estrada. “É só um monte de casas locais e
umas lojas.”

“Estou procurando um amigo da minha irmã.” Eu expliquei o


que me trouxe a Amosha, e por que eu precisava da ajuda de Gabriel.

“Sinto muito ouvir sobre a sua irmã. Foi uma coisa terrível,” ele
disse. “Esse homem – Gabriel – você não sabe o sobrenome dele?”

“Não. Só que ele e a minha irmã trabalhavam juntos.”

“Não se preocupe, senhorita Rodel. Nós o encontraremos.”

Leylah Attar
Era uma simples garantia, mas eu estava grata por isso.

Conforme entramos em Rutema, crianças descalças correram


atrás de nós na rua de terra, cantando, “Mzungu! Mzungu!”

“O que eles estão dizendo?” eu perguntei ao Bahati.

“Mzungu significa pessoa branca. Eles não estão acostumados a


ver muitos turistas por aqui.” ele estacionou o jeep embaixo de uma
árvore de fícus. Um grupo de homens sujos de graxa estavam
trabalhando em um trator, embaixo dela, murmurando como cirurgiões
em volta de um paciente. “Eu vou perguntar a eles se conhecem
Gabriel.”

As crianças circularam nosso carro conforme Bahati conversava


com os homens. Eles olhavam assustados e riam. “Scholastica,
scholastica!” eles gritavam, apontando para mim.

Eu não tinha ideia do que isso significava, mas eles


desapareceram quando Bahati voltou e os espantou.

“Para sua sorte só existe um Gabriel no vilarejo com uma amiga


mzungu. Mas ele viaja muito, e eles não o veem faz tempo. A família dele
mora ali.” Ele foi para um composto grande. Parecia fora do contexto
entre fileiras de pequenas cabanas. Um perímetro de paredes com vidro
quebrado, colocado em cima com cimento, rodeava o lugar.

Meu coração afundou. Eu não tinha considerado a possibilidade


de Gabriel não estar. “Podemos ir perguntar quando ele volta?”

Nós buzinamos no portão e esperamos. Os homens pararam de


trabalhar no trator e nos assistiam com curiosidade. Uma mulher
vestindo um vestido feito de tecido kitenge colorido saiu para nos
cumprimentar. Ela falou com Bahati em suaíle, pelas barras de metal,
mas seus olhos ficaram voltando para mim.

“Você é a irmã de Mo?” ela perguntou.

“Sim. Meu nome é Rodel.”

Leylah Attar
“Estou feliz em ver você. Karibu. Bem vinda,” ela disse,
destrancando o portão. “Sou irmã de Gabriel, Anna.” Seu sorriso era
caloroso, mas seus olhos guardavam fantasmas. Ela era bonita da
maneira como as pessoas com corações quebrados são. Ela nos levou a
um quintal com árvores frutíferas e uma pequena área para crianças.
Uma balança vazia rangia, ainda balançando, como se tivesse sido
abandonada com pressa.

Dentro, as cortinas estavam fechadas – uma pena, porque era


um dia ensolarado tão bonito. Caixas estavam espalhadas no chão,
algumas vazias, algumas fechadas com fita adesiva.

“Sinto muito ouvir sobre a sua irmã,” disse Anna, depois que nos
sentamos.

“Obrigada,” eu respondi. “Eu não quero tomar muito seu tempo.


Eu estava pensando se você poderia me dizer como encontrar seu
irmão.”

“Eu gostaria que pudesse,” ela disse, olhando para baixo para as
mãos. “Eu não tenho notícias dele há um tempo. Ele nunca ficou tanto
tempo fora. Receio que ele não vá voltar. Ou pior, que algo ruim
aconteceu com ele.”

“Algo ruim?” eu olhei dela pra Bahati, mas ele estava olhando
sobre meus ombros para alguma coisa atrás de mim.

Eu virei e vi uma garota em pé na porta de trás. Sua silhueta


escura era contornada contra a luz que vinha da porta aberta. Ela
parecia ter entre seis e sete anos, mas sua postura era dura e
desconfiada, como se estivesse incerta se deveria entrar.

“Está tudo bem, Scholastica,” disse Anna. Ela mudou pra suaíle
e falou para a criança entrar.

Quando a garota veio para a claridade, eu me encolhi. Deve ter


sido o inesperado disso, o choque de ver um fantasma pálido aparecer
das sombras na luz do dia. Sua pele era um tom estranho de branco,
com remendos rosa onde o sol tinha tocado. Ela olhava para nós com

Leylah Attar
olhos de outro mundo – leitosos e azuis. Seu cabelo era cortado perto do
couro cabeludo, um tom baixo de loiro, mas sem maciez ou delicadeza.
A ausência de cor era destoante como uma pintura sem pigmento. Eu
tinha visto pessoas albinas antes, mas essa garota tinha cascas de
feridas nos lábios e no rosto, como pequenas moscas pretas fazendo a
festa nela. Eu não podia evitar o arrepio que correu em mim, apesar de
ser Scholastica quem visivelmente se encolheu longe de mim, da reação
impulsiva que era sem dúvida familiar para ela. Repugnância. Horror.
Repulsa.

Eu afastei o olhar, envergonhada de mim mesma.

Ela era apenas uma garotinha, nascida sem cor.

“Essa é a filha de Gabriel,” Anna nos disse. “Ela não fala inglês.
Gabriel parou de manda-la para a escola porque eles não podem
garantir a segurança dela, então ela fica em casa comigo.”

Eu assenti, pensando nas crianças gritando, ‘Scholastica,


Scholastica!’ quando eles tinham me visto. Para eles, ela provavelmente
parecia mais comigo do que com eles. Como professora, eu sabia bem
como as crianças podiam se unir e reagir a algo que eles não
entendiam.

“Ela é sensível ao sol, mas eu não posso mantê-la dentro de casa


o dia todo.” Anna tocou no rosto de sua sobrinha. “Essas são feridas de
queimaduras de sol.” Sua voz tremeu quando ela falou de novo. “Eu
quero que você a leve com você.”

“Perdão?” eu me inclinei para frente, convencida que eu tinha


ouvido errado.

“A sua irmã ajudou Gabriel a levar crianças albinas para o


orfanato em Wanza. Eles tem uma escola lá, para crianças como
Scholastica, um lugar onde ela estará segura, onde ela não tem que se
sentir diferente.”

“Você quer que eu a leve embora? Para um orfanato?” eu estava


passada. “Você não deveria discutir isso com Gabriel primeiro?”

Leylah Attar
“Gabriel foi embora há muito tempo dessa vez. Ele disse que nós
iríamos nos mudar para Wanza quando ele voltasse.” O queixo da Anna
tremia, e ela puxou uma respiração profunda. “Eu não posso cuidar de
Scholastica sozinha. Eu tenho duas crianças minhas. Gabriel nos
trouxe para cá e alugou um lugar maior quando meu marido e eu nos
divorciamos. Sem ele, eu não consigo pagar o aluguel. Eu acabei de
receber um aviso de despejo.” Ela gesticulou para as caixas em volta de
nós. “Eu tenho que me mudar, e uma vez que a gente saia desse
composto... Bahati, você entende, não é? Diga a ela para levar
Scholastica para o orfanato.”

Com a menção do seu nome, Scholastica olhou da sua tia para


Bahati.

Ela não tem ideia do que estamos falando, eu pensei.

“O orfanato em Wanza – esse era o lugar para onde Mo estava


levando todas as crianças?” eu perguntei.

“Gabriel estava levando-as. Ele pediu para Mo ajuda-lo a leva-las


para lá. Eles tinham um arranjo, Gabriel se ofereceu para levar Mo de
carro para qualquer lugar que ela quisesse ir – os parques nacionais,
lagos, abrigos – de graça. Em troca, Mo passava as crianças como dela.”

“Eu não entendo. Mo passava as crianças como dela?” eu


perguntei.

“Crianças albinas se sobressaem na África. Elas são especiais.


Diferentes. Existem pessoas que não hesitariam em pega-las ou fazer
mal a elas. Quando você coloca um chapéu grande e as roupas certas
nessas crianças, você pode enganar as pessoas achando que são
turistas – pelo menos de longe. É muito mais fácil quando as pessoas
acham que estão vendo uma mãe mzungu e uma criança mzungu,
viajando com um guia local. Uma vez por mês, Mo assegurava
passagem segura para uma das crianças que Gabriel rastreava, e
Gabriel retornava o favor de mostrar as coisas para ela.”

Leylah Attar
“Mas agora ele está desaparecido,” eu disse. “Você contou isso
para a polícia?”

“Sim, mas existem tantos homens que vão embora para a cidade
e nunca mais voltam, eles acham que Gabriel nos abandonou.”

“Essa é uma possibilidade?”

“Não sei. Eu acho que não. Ele não deixaria Scholastica


simplesmente assim. A mãe dela foi embora depois que ela nasceu. Ela
queria doar ela porque acreditava que crianças albinas eram
amaldiçoadas, mas Gabriel não aceitava nada disso. Se você pudesse
levar Scholastica para Wanza, eu me sentiria muito melhor, pelo menos
até eu estar mais instalada. Quando Gabriel reaparecer, ele vai saber
onde encontrá-la.”

Era coisa demais para absorver. Eu tinha vindo para Rutema em


uma missão simples: encontrar o homem que eu pensava que estava
ajudando minha irmã. Ao invés disso, era para mim que ela pedia
ajuda,

“Sinto muito, mas sem seu irmão, fico numa saia justa. Eu vim
a procura dele porque minha irmã deixou os nomes de três crianças
que precisam chegar lá. Eu não posso ajuda-las, ou você, sozinha.” Eu
me sentia uma bosta. Eu não gostava da vergonha e da culpa que
rastejava sob a minha pele toda vez que Scholastiva olhava para mim.
Ela estava sentada no chão, perto dos pés da Anna, puxando a barra da
saia para cobrir os pés. Eu deduzi que era um hábito, de ter que se
proteger do sol todo dia.

“E você?” Anna perguntou a Bahati. “Você não pode levar a


senhorita Rodel para Wanza?”

“Para chegar a Wanza, nós teríamos que cruzar Maasai, e eu não


vou lá.”

“Por que não?” Anna avaliava sua estrutura alta, esbelta. “Você
não é Maasai?”

Leylah Attar
“Sim, mas o meu povo me rejeitou. Eu não tenho desejo em vê-
los." A mandíbula de Bahati endureceu, sinalizando o fim da conversa.

Anna acariciou o cabelo de Scholastica vagamente. Ela tinha um


olhar distante, em parte desespero, em parte resignação.

“Eu conheço alguém que pode ser capaz de ajudar,” disse


Bahati, depois de um tempo. “Ele também é mzungu, mas a família dele
morou na Tanzânia há três gerações. O avô dele era um soldado
britânico, instalado aqui durante a Segunda Guerra. Talvez a senhorita
Rodel possa convencê-lo a levar Scholastica e as outras crianças para
Wanza.”

Eles olharam para mim com expectativa – ambos Bahati e Anna.

“Quanto que você acha que ele cobraria por isso?” eu perguntei.
Eu tinha recursos limitados. Minha conta no banco estava seca depois
que eu tinha feito o pagamento da minha pequena casa, e a viagem
tinha sugado o resto.

“Oh, ele não faria isso por dinheiro. Ele tem uma fazenda de
café, uma das maiores propriedades na área. Ele é um homem grande –
não o tipo que alguém queira arrumar confusão. E ele tem um grande
coração. Você e as crianças estariam em boas mãos.”

“Qual o nome dele?”

“Jack,” Bahati respondeu. “Jack Warden.”

O nome pairou no ar entre nós, como uma ponte me esperando


cruzar. Eu tinha a sensação que se eu o fizesse, não haveria volta. Eu
estaria presa pelo que quer que eu decidisse nos próximos segundos.
Eu senti o peso do momento conforme o relógio na parede marcava
continuamente.

“E a Scholastica?” eu perguntei, indicando a menina pequena


cuja cabeça abaixava conforme ela traçava desenhos no chão. “Ela não
tem voto em nada disso?”

Leylah Attar
“Gabriel prometeu leva-la para Wanza para então ela poder estar
com crianças como ela. Ela sempre quis ir. Ela sente falta do pai, mas
se eu disser a ela que ele vai encontrar com ela lá, ela vai.”

Scholastica olhou para cima para mim então. Era como se ela
sentisse que estávamos falando dela. Eu me vi saindo no sol, deixando
ela lá, fazendo desenhos no chão de cimento, com todas as cortinas
abaixadas.

“Eu vou fazer isso,” eu disse.

“Deus te abençoe!” Anna bateu as mãos sobre as minhas.

Bahati não estava tão entusiasmado. “Você tem certeza que você
quer fazer isso?” seu rosto estava diferente, como se ele fosse mais
aquela estátua solene, saída da madeira, com a lança na mão.

“Quão difícil pode ser? Levar algumas crianças para Wanza?” eu


tinha prometido riscar os nomes que tinham sobrado nas anotações da
Mo, e isso era exatamente o que eu ia fazer. “Anna, deixe as coisas de
Scholastica prontas. Nós vamos ver Jack Warden.”

Leylah Attar
QUANDO CHEGAMOS NA casa de Jack Warden, era fim da
tarde. Pilares de pedra gravados com as palavras “Kaburi Estate” nos
levaram por uma estrada tortuosa, esburacada, para o prédio principal
– uma propriedade branca cercada por árvores verdes, bananeiras, e
fileiras infinitas de plantas de café. Ela ficava como um rebelde, na
sombra do poderoso Kilimanjaro, com estores elétricos azuis que
subiam contra as nuvens pretas agora se formando no céu.

“Eu pensei que você tivesse dito que não choveria hoje, Bahati,”
eu disse, conforme saí do carro. “Parece que uma tempestade está
vindo.”

“Eu disse a ela para dançar até cansar." Era a voz de um


homem, profunda e estrondosa como um trovão baixo. Mas não havia
sinal dele.

“É o Jack.” Bahati inclinou a cabeça em direção ao alpendre


coberto. “Venha, vou apresentar você.”

“Não. Você fica no carro com Scholastica. Eu vou falar com ele.”
Eu não queria carregar Scholastica para um situação até eu ter falado
com Jack.

Um raio acendeu o céu conforme eu pisei na varanda. “Jack


Warden?” eu perguntei ao homem que estava sentado em um balanço
verde.

Ele não respondeu. Era como se ele não tivesse me ouvido. Ele
estava segurando o telefone, olhos no horizonte, lembrando de alguma

Leylah Attar
coisa. A tempestade. Quando o trovão veio, ele levantou e andou até a
balaustrada, ainda lembrando.

Ele se levantou alto e magro contra a vastidão da fazenda – rosto


quadrado e ombros quadrados – vestindo um moletom escuro com
capuz e calças de trabalho sujas. Ele tinha o tipo de barba que eu
imaginava que cresceria em um homem se ele hibernasse o inverno
todo. Era mais curta nas laterais e mais cheia no queixo. Seu cabelo era
grosso e escuro – mais escuro na raiz, com pontas que eram
descoloridas de sol. Ele caía em seus ombros, bagunçado e esquecido,
como uma selva em um caos bonito.

Conforme as primeiras gotas de chuva começaram a cair, ele


guardou o telefone e segurou no corrimão olhando para cima para o
céu. Eu estava prestes a ter sua atenção de novo quando ele começou a
rir.

“Eu mandei ela dançar até cansar,” ele repetiu, mas ele não
estava dizendo isso para mim. Ele estava falando para si mesmo.

Ele levantou as mãos para cima, deixando a água correr pelos


seus dedos, conforme ele ria de novo. Era uma risada pesada,
aumentando com respirações falhas no meio, diferente de qualquer
coisa que eu já tinha ouvido. Daí a respiração ofegante ficou mais alta,
mais longa, e eu percebi porque soava tão estranha. Eu nunca tinha
visto alguém rir com dor, e Jack Warden estava fazendo os dois,
chorando e rindo na mesma respiração.

“Jack?” eu falei de novo. “Você está bem?”

Ele virou, me vendo pela primeira vez. Eu senti todas as linhas


soltas, desvendadas dele sendo arrumadas de volta. Aconteceu tão
rápido, que eu me senti como se estivesse encarando um homem
diferente: distante e sem emoção – cada nuance, cada expressão
trancada. O ar em volta dele partiu, como se ele tivesse ligado uma
cerca elétrica. Contra a cortina de fundo de nuvens escuras, da
tempestade, ele parecia Thor, olhando para mim com raios nos olhos.

Leylah Attar
“Quem é você?” ele perguntou.

“Eu sou...” eu parei de falar, sabendo que eu tinha acabado de


invadir um momento muito particular. Essa era a única razão para ele
estar me olhando daquele jeito, como se estivesse prestes a me morder e
cuspir em mim. “Meu nome é Rodel Emerson.”

“O que você quer?” ele manteve os olhos fixos em mim.

Olhos de gato. Eu me lembro de Mo dizendo, de alguma memória


espontânea. Porque gatos não escondem sua raiva absoluta e desprezo
pela humanidade. Eu tinha dado risada na época porque tinha sido
divertido, mas eu não estava rindo agora. Eu estava triste e consciente,
desejando que eu tivesse optado por algo mais substancial do que uma
blusa transparente e jeans lavados.

“Talvez não seja a melhor hora,” eu disse. “Eu volto amanhã.”

“E amanhã será melhor porquê...?”

Ele deu um passo na minha direção, e meu primeiro instinto foi


de virar e correr. Mas isso não era sobre mim. Era sobre Mo,
Scholastica, e as outras crianças. Ainda assim, eu odiava que eu
precisasse de alguém para fazer o que eu tinha que fazer, homem ou
mulher.

“Eu preciso da sua ajuda para levar umas crianças para Wanza,”
eu disse.

“Você precisa da minha ajuda,” ele disse calmamente,


ruminando as palavras. Ele se virou e gritou para ninguém em
particular, “ela precisa da minha ajuda.” Então ele começou a rir. Não o
tipo de risada de doer a barriga como antes, mas triste, sem nenhum
humor.

“Saia da minha propriedade,” ele disse. “Você está invadindo a


propriedade. Você também está enganada. Eu não estou em posição de
ajudar você ou qualquer um. E o mais importante, não me importa.”

Leylah Attar
“Você é Jack Warden, certo?” eu me mantive. Eu tinha
prometido a Anna que levaria Scholastica para Wanza. Eu não ia
desmoronar no primeiro sinal de desafio.

“Sou eu,” ele se endireitou ficando alto, e eu estava tentada a dar


um passo para trás. Minha nossa, ele era grande.

“Então você é o homem que vai me levar a Wanza.”

“E por que exatamente eu deveria dar a mínima a você? Ou


Wanza?”

Eu olhei para ele, a professora em mim querendo chamar sua


atenção pelos seus modos, sua atitude desnecessária. Ele não tinha
sequer se importado em ouvir o que eu tinha para falar.

“Você ouviu?” ele disse, fazendo uma concha com a mão na


orelha. “Esse silêncio é exatamente o quanto me importo.”

Meu rosto queimou vermelho. “Quer saber? O que quer que


estava te destruindo antes, você bem que merece.” Eu virei no salto e
marchei para a chuva caindo, chuva correndo nas minhas bochechas
quentes, inflamadas.

“Vamos, Bahati.” Eu bati a porta do carro fechada. “Eu vou ter


que pensar em outra maneira.”

Mas Bahati estava olhando para o homem olhando para a


chuva. “Algo não está certo nos olhos dele, senhorita Ro. Esse não é o
Jack Warden que eu conheço.”

“Bem, esse é o Jack Warden com quem eu falei. E ele é um...” eu


engoli de volta as palavras mesmo sabendo que Scholastica não ia me
entender. “Vamos.”

Nós estávamos quase no portão quando um jipe vermelho, indo


pelo lado quase bateu em nós. Bahati pisou nos freios e nós
derrapamos quase acertando ele. O outro motorista apertou a buzina,
sem parar.

Leylah Attar
“Senhora louca,” murmurou Bahati, conforme ele deu ré. Era
uma estrada com uma pista, e ela estava nos pressionando, não nos
dando alternativa conforme ela avançava.

A chuva estava caindo forte e eu mal podia distinguir a estrada


conforme Bahati voltava o carro para a casa principal. Mas ao invés de
estacionar, o jipe continuou vindo até nós até estarmos presos em um
canto. A motorista saiu e deu uma batida na janela de Bahati.

“Onde você pensa que vai com esse tempo horrível, jovem?
Dirigindo como um louco nessa estrada?” ela olhou para dentro do
carro, chuva caindo de seu capuz de plástico. Ela devia ter pelo menos
noventa anos, mas seus olhos azuis brilhavam claros.

Bahati e eu trocamos um olhar. Ela veio pra cima de nós como


um morcego saindo do inferno.

“Com uma senhora e uma criança, ainda por cima,” ela


continuou, olhando para Scholastica e eu. Eu tinha que dar crédito a
ela. Ela não deu uma piscada para a aparência da garota. Então
novamente, dada a sua idade, ela já tinha provavelmente visto isso.

“Saiam. Todos vocês.” Ela bateu as mãos e seguiu para a casa,


deixando seu carro estacionado exatamente onde estava.

“Essa é Goma, avó do Jack,” Bahati explicou. “Você não pode


discutir com ela.”

Nós seguimos em fila para a varanda, nossos sapatos


esmagando na lama. Eu estava aliviada que Jack tinha ido. A porta
antimosquito fechou atrás de Goma conforme Bahati, Scholastica, e eu
trememos em nossas roupas molhadas, sob o teto.

“Pois bem? Vocês vão entrar ou devo mandar meus pombos-


correios levarem um convite?” Goma gritou de dentro.

Nós entramos em uma área de estar charmosa com janelas


grandes, sofás fofos e chão de pinho. A casa era tão excêntrica como a

Leylah Attar
senhora que tinha nos convidado – uma mistura de design colonial e
herança africana, com peças que não combinavam e texturas terrosas.

Goma estava em pé no meio da sala, as calças em volta nos


tornozelos, saindo das roupas encharcadas. Bahati e eu evitamos nos
olharmos enquanto Scholastica assistia com olhos abertos.

“Garota valente,” disse Goma. “Não tem medo de pele velha. Você
não fala inglês, fala?” ela mudou para suaíle e logo Scholastica estava
rindo. “Venha.” Ela esticou a mão para ela. “Vamos arrumar umas
roupas secas para você.”

Eu dei uma olhada com o canto do olho, aliviada que Goma


tinha mantido suas roupas de baixo. Elas voltaram, vestindo muumuus
coloridos – vestidos soltos, longos que cobriam dos pés à cabeça.

“Eu faço esses com meu kitenge. Você nunca mais vai querer
usar esses jeans de novo,” disse Goma, me entregando um muumuu.

Bahati olhou para ela como se ela tivesse ficado louca quando
ela deu a ele um verde e amarelo.

“Ah, vai.” Ela enfiou ele nas mãos dele. “Você está derramando
água em todo meu chão.”

Eles se olharam por alguns segundos, lutando silenciosamente.


Então Bahati arrancou o muumuu dela.

“O banheiro é logo ali.” Ela inclinou a cabeça e observou


conforme ele caminhou até lá, seus pés como se ele estivesse indo para
um altar de sacrifício.

“Sou Katherine Warden,” ela disse, virando para mim. “Todo


mundo me chama de Goma.”

“Rodel Emerson.” Eu balancei sua mão retorcida. “E essa é


Scholastica.”

“Rodel e Scholastica,” ela repetiu, olhando para nós com olhos


curiosos. “Então o que traz vocês aqui?”

Eu expliquei a situação o mais sucinto que eu pude.

Leylah Attar
“Desculpe que Jack foi tão rude com você,” ela disse, quando
acabei. “Parece que vocês foram ambos pegos pelo eventos de uma
trágica tarde. Jack nunca mais foi o mesmo desde que ele perdeu Li..."
ela parou quando Bahati voltou, vestido em um muumuu. Ele mal
passava dos seus joelhos.

Goma beliscou Scholastica – um belisco rápido, nas costas da


sua mão para ela parar de rir. Bahati em um muumuu era um homem
quieto, nada parecido com o Bahati que tagarelava sem parar.

“Com licença.” Eu precisava sair de lá antes que Goma me


beliscasse também. “Acho que vou me trocar.”

Quando voltei, eles estavam todos na cozinha – Bahati e


Scholastica agrupados em volta da mesa, enquanto Goma colocava sopa
quente em suas tigelas.

“Você pode pendurar isso na lavanderia,” ela disse, apontando


para a trouxa molhada nos meus braços.

A chuva ainda estava caindo forte conforme eu fui pelo corredor


para a lavanderia. Eu encontrei alguns pregadores e estava pendurando
minhas coisas quando um raio iluminou as costas da casa. Eu achei
que vi Jack momentaneamente pela janela, em pé lá fora no meio
daquela tempestade de verão. Eu estava prestes a achar que era minha
imaginação quando outro flash o acendeu novamente. Ele estava
simplesmente lá, embaixo de uma árvore que parecia ter centenas de
anos, olhando para o chão, enquanto a chuva caía com fúria em volta
dele.

“Eu acho que Jack ainda está lá fora,” eu disse quando entrei na
cozinha.

Goma assentiu e continuou a tomar sua sopa. “Ele faz isso.


Senta com ela sempre que tem uma tempestade.” Ela empurrou uma
tigela na minha direção. “Coma.”

“Senta com quem?” eu perguntei, sentando na frente dela.

Leylah Attar
“Lily. A filha dele. Ela está enterrada lá. Todos estão. Esse lugar
fez jus ao nome.”

“Kaburi Estate?” eu lembrei do escrito na entrada.

“Sim. Era para ser Karibu Estate. Karibu significa bem-vindo,


mas eu ainda estava aprendendo sauíle quando eu escrevi Kaburi no
pedido do serviço. Isso significa túmulo. Sam – meu marido – achou
hilário. Ele se recusou a corrigir. Ele sempre disse que adoraria que eu
lhe desse seu túmulo.” Goma olhava para sua tigela. “E assim foi. Ele
me amou até o fim.”

Eu senti o começo de uma história de amor épica, do tipo que eu


estava sempre disposta a ouvir, mas ela não disse nada mais. Ela só
sorriu melancolicamente e rodou sua colher em volta da tigela em
pequenos círculos.

“Nós deveríamos... alguém deve ir buscar o Jack?” eu perguntei


conforme um raio acendeu o céu de novo. Eu estava começando a me
sentir péssima pelo que tinha dito a ele.

“Ele vai entrar quando estiver pronto. E ele vai continuar a fazer
isso, até o dia, que ele não precise mais. É o que você está fazendo, não
é? A milhas de casa. Enlutada pela sua irmã da sua maneira. Você tem
que deixar isso seguir seu curso. Aceitar até estar acabado e quieto, até
você ter aprendido a respirar através da perda.”

Eu tomei uma colher de sopa e pensei sobre o que ela tinha dito.
A morte da Mo era como uma porta que tinha ficado trancada para
sempre. Eu nunca poderia passar por ela, nunca ouviria ela falar de
todas as coisas inconsequentes que eu sentia tanta falta agora. Há um
limiar invisível de possibilidades quando alguém está vivo. Contrasta
com quando eles se vão, engolindo todos os mundos que pairam em
volta deles – nomes de pessoas que eles nunca encontrarão, rostos de
crianças que eles nunca tiveram, sabores de sorvete que eles nunca
experimentaram. Perder a Mo doía muito, mas eu não conseguia
imaginar como seria perder um filho.

Leylah Attar
“Eu pensei que mandei você sair.”

Eu pulei com o som da voz de Jack. Ele estava encharcado, em


pé na porta de trás em uma poça de água. O moletom tinha
desaparecido e sua camiseta estava grudada nos músculos que vinham
de trabalho físico duro. Nós estávamos lá em cima aos pés da
montanha, onde o ar tinha um toque de gelo à noite, mas ele não
mostrava nenhum sinal de estar com frio. Talvez esse fosse o ponto –
ficar na chuva passava o ponto de dormência.

“Eu os convidei para entrar,” Goma disse.

Jack seguiu seus olhos e notou Bahati pela primeira vez.

“Habari, Jack,” Bahati disse.

Jack assentiu em reconhecimento. Ele não teve nenhuma reação


de ver um homem de muumuu na mesa da sua avó. Então seus olhos
caíram sobre Scholastica, e tudo mudou. Se ele tinha sido duro comigo
antes, ele era positivamente hostil em relação a ela. As mãos dele
fecharam em punhos ao seu lado, os pelos levantando até o ar se
ouriçar com tensão não falada.

“Isso é da Lily,” ele rosnou.

“É sim.” Goma não pareceu perturbada com a reação dele.


“Scholastica precisava trocar de roupa, então eu lhe dei um vestido de
Lily.”

A mandíbula de Jack apertou, como se ele tivesse se segurado


para não arrancar a cabeça de alguém. Scholastica chegou mais perto
de Goma, se encolhendo sob o olhar mordaz dele.

“Acho que devamos ir agora,” eu disse para Bahati. Eu não tinha


ideia se eles deixariam Scholastica ficar comigo no albergue voluntário
até eu pensar em alguma coisa. Tudo que eu sabia era que eu não
gostava da maneira que Jack Warden me fazia sentir. Eu estava
acostumada com constantes das pessoas – uma linha fina, com talvez
alguns sinais sonoros aqui e ali. Mas com Jack, era como um teste de

Leylah Attar
polígrafo ficando louco, a agulha pulando por todo lugar. Eu fui de
esperançosa a insultada, de ser solidária à sua perda a enfurecida com
sua atitude.

“Ninguém vai a lugar nenhum com esse tempo. Caso vocês não
tenham ouvido a previsão, a tempestade não vai parar logo,” disse
Goma. “Não há iluminação pública em milhas e as estradas são
traiçoeiras na chuva. Além disso, vocês tem que pensar em
Scholastica.”

“Tenho certeza que o albergue pode acomoda-la por uma noite,”


eu respondi. “Eu posso ligar antes e..."

“Não é o que eu..."

“Não é seguro,” Jack declarou. “Vocês vão de manhã.”

Eu olhei para ele em silêncio. O que fez ele pensar que ele tinha
o direito de ditar as regras do que eu fazia? Ou quando? Talvez se ele
tivesse falado isso diferente, como se ele desse a mínima, eu teria
considerado, mas ele claramente não nos queria lá, e eu não pretendia
aceitar qualquer grande favor dele.

“Você não pode tomar essa decisão por nós.” Eu levantei o


queixo e encontrei seu olhar.

Seus olhos estreitaram, mas ele não disse nada. Eu tinha quase
certeza que estava a segundos de virar uma pilha de cinzas quando a
análise dele alterasse.

“Bahati.” Ele estendeu a mão. “As chaves.”

Bahati deu um olhar furtivo para mim, mas ele claramente não
queria discutir com Jack.

As chaves desapareceram conforme Jack fechou os dedos sobre


elas e as colocou no bolso. “Vocês vão de manhã.” Ele olhou
diretamente a mim.

Leylah Attar
“Bem. Está resolvido então.” Goma me deu um olhar que não
deixava espaço para protesto. Ela levantou e encheu uma tigela de sopa
para o Jack. “Agora sente e coma um pouco.”

“Mais tarde. Eu vou tomar um banho,” ele anunciou, tirando a


camiseta e secando seu rosto com ela. Ele era todo bronzeado, sem
linhas marcando sua pele, exceto os cortes escuros esculpindo seu
tanquinho. Ele começou a subir as escadas e então virou. Gotas de
água corriam pelas suas costas do cabelo que ainda estava brilhando
da chuva. “Bahati, venha comigo. Eu tenho algo que você pode usar.
Você precisa sair dessa... coisa.”

Bahati olhou para Goma antes de seguir Jack.

“O quê?” ela olhou de volta. “Você usa aquele roupão tribal o


tempo todo. A mesma coisa, só com mangas.”

“Você conhece Bahati?” eu perguntei, quando os homens saíram.

“Sim. Qualquer um que tenha estado no Grand Tulip o conhece.


Jack costumava levar sua mulher lá nos finais de semana – sua ex-
mulher, Sarah. Ela não foi feita para a vida aqui. Eles se conheceram
quando Jack estava estudando no Kenya. A fazenda parecia uma noção
romântica para ela naquela época, mas uma vez que ela chegou aqui,
isso a enlouqueceu. Ela sentia falta das lojas e restaurantes. O spa no
Grand Tulip era o reduto favorito dela, então Jack a levava para a
cidade sempre que podia. Ele a levava para ver um show depois. As
vezes eles passavam a noite. Ele encontrou Bahati lá. A equipe lá é
legal, mas eles todos tiram sarro dele. Ele fica lá em pé como um
guerreiro valente, mas ele grita se uma joaninha pousa nele. Ele é o
primeiro a abandonar o posto ao menor sinal de problema. Eles dão
risada porque, apesar de tudo isso, ele quer ser um herói. Não Jack. Lá
atrás dele, ele estava correndo atrás da sua paixão. Ele deu uma olhada
em Bahati e disse que ele não era qualificado. Os Maasai andam por
todo lugar, mas isso não impediria. Como ele iria lidar com uma
perseguição em um carro em alta velocidade, se ele ficava todo

Leylah Attar
empolado só de pensar em sentar atrás de uma direção? Então,
enquanto Sarah fazia massagem, Jack ensinou Bahati a dirigir.”

“Eu não sei se eu daria crédito a isso,” eu murmurei, pensando


no meu passeio com ele.

“O quê?”

Eu balancei a cabeça e olhei em volta. “Você tem uma casa


adorável. Espero não estarmos incomodando.”

“Nada. Eu não lembro da última vez que tivemos companhia. É


só Jack e eu nesse lugar grande. Sarah se mudou de volta para Cape
Town muitos anos atrás. Eles se divorciaram quando Lily tinha poucos
anos. Eu não posso lhe dizer o quanto eu esperava ela vir. Eu sinto falta
dela, e ter uma pequena sob nosso teto de novo me deixa feliz.” Ela
apontou o dedo para Scholastica, “Nós temos vários quartos vazios.
Você pode escolher.” Ela me apontou o hall. “Tem um armário de roupa
de cama à esquerda com lençóis e toalhas. Sinta-se à vontade.”

“Obrigada,” eu respondi. “Tudo bem se eu fizer uma ligação


rápida? Eu preciso deixar minha amiga saber que não vou voltar hoje.”

“Lógico.” Goma acenou na direção da sala de estar.

Havia um telefone de disco antigo no móvel. Eu disquei o


número para a Nima House e chamei por Corinne.

“Onde você está?” ela perguntou.

“Em Kaburi Estate.”

“Onde?”

“É uma fazenda de café, do Jack Warden e sua avó. Eu não


consegui achar o Gabriel. Bahati disse que Jack pode ajudar.”

“Jack Warden? O mesmo Jack Warden que perdeu a filha no


ataque ao shopping?”

“Sim. É ele.” Eu sentei, percebendo o que Goma quis dizer


quando disse que estávamos ambos conectados aos eventos de uma

Leylah Attar
tarde trágica. Ele tinha perdido Lily, no mesmo lugar, na mesma hora,
que eu tinha perdido Mo.

“Sim. Ele recebeu um tipo de prêmio de reconhecimento por


salvar uma mulher grávida e seu filho. Não levantou para receber. Ele
só ficou lá sentado, parecendo que não estava vendo ou ouvindo nada.
A professora de dança da filha dele recebeu um prêmio também, por
colocar as crianças em segurança. É uma pena que a filha dele não foi
uma delas. Como ele está agora?”

“Intimidador. Triste, bravo, amargo. Eu acho que ele pode ter um


desejo de morte. Ele estava em pé embaixo de uma árvore na
tempestade, no túmulo da filha, como se ele quisesse estar preso lá
embaixo ao lado dela. Ele não quis ouvir nada que eu tinha para falar
sobre as crianças ou Wanza.”

Eu fiquei no telefone tempo suficiente para atualizar Corinne


sobre Scholastica.

“Você não vai poder trazer ela de volta para o albergue com
você,” ela disse. “É para voluntários apenas. Eles fizeram uma exceção
para você, pelo que aconteceu com a Mo.”

“Eu vou dar um jeito. Talvez a avó de Jack possa me apontar a


direção certa.” Eu me despedi e desliguei.

“Se você pensa que envolver Goma vai me convencer a ajudar,


você está errada.”

Eu virei e encontrei Jack me observando da porta, tomando uma


garrafa de Coca-Cola. O banho tinha trazido o calor de volta ao seu
rosto, mas sua voz mandava arrepios gelados para a minha espinha.

“Você deixou claro que não está interessado, mas se você acha
que vou desistir, é você quem está errado.” Eu respondi.

Ele me olhou através da sala, os olhos brilhando com algo


indecifrável, não mexendo, não dizendo nenhuma palavra.

Leylah Attar
“Sinto muito pela sua filha,” eu disse, quando a tensão ficou
demais para aguentar. “E quanto ao que eu disse antes.”

Ele assentiu e olhou para a garrafa.

“Sinto muito pela sua irmã,” ele disse. “Bahati me contou. Aceite
meu conselho.” Ele se mexeu e me imobilizou com seu olhar. “Arrume
suas coisas e vá para casa. Você está indo no caminho errado. Você não
tem ideia onde está se metendo.”

Eu me acendi. Por alguma razão, Jack Warden entrava na


minha pele gelada. Toda. Santa. Vez. “Você quer saber? Estou ficando
cansada de você assumir que sabe o que é melhor para mim. Você não
pode me ajudar? Tudo bem. Mas eu não te pedi conselho, e tenho
certeza absoluta que não vou deixar isso me parar.”

“Diga uma coisa.” A voz dele era calma e indiferente. Isso me


irritava. Ele me irritava. “Exatamente quanto a sua irmã te contou,
sobre essas crianças que você quer levar a Wanza?”

“Eu...ela...” eu me xinguei por não prestar mais atenção em


todas as coisas que Mo tinha me contado. “O que isso importa? O que
exatamente você acha que não posso lidar?”

Passaram alguns segundos antes dele responder. “Você não quer


saber. Acredite em mim. Algumas coisas são melhores deixadas na
escuridão, onde elas pertencem.” Então ele acabou a Coca-Cola em um
gole grande e saiu da sala.

Leylah Attar
O CANTO PENETRANTE de um galo me acordou na minha
seguinte. Ele cantava a cada dez minutos, me dizendo que estava
amanhecendo, mesmo que parecesse que eu tinha acabado de cair no
sono. Eu saí da cama, tremendo com o muumuu de Goma, e andei até
a janela.

Havia claridade suficiente só para distinguir um vulto no campo.


Era Jack, em um trator, arando um pedaço de terra vazio. Eu tentei
imaginar como seria, enterrar alguém em um lugar onde as coisas
continuavam a crescer, onde vida nova rompia pelo solo em brotos
verdes todo dia.

Onde você me trouxe, Mo? O que você está me mostrando?

Eu fui até a lavanderia e encontrei minhas roupas lavadas,


passadas e prontas para usar. Eu as vesti, saboreando a quentura que
ainda estava nelas.

“Oh, Deus. Você está de pé,” disse Goma, quando entrei na


cozinha. “O café da manhã está pronto. Seja boazinha e vá chamar
Bahati e Scholastica. Eles estão na biblioteca.”

A casa tinha uma estrutura incoerente, novos lugares se


estendendo do prédio original durante os anos, cantos e fendas por todo
lado. Levei um tempo para achar Bahati e Scholastica, e quando
encontrei, eu parei dura.

Eles estavam sentados no chão, um de frente para o outro – um


deles alto, magro, e escuro como a noite, o outro macio e prateado,
como a luz da lua – vendo a coisa mais estranha: uma tartaruga com
um balão amarelo amarrado em volta dela, atravessando o caminho na

Leylah Attar
frente deles. A tartaruga andava devagar com pés redondos,
atarracados, olhando para eles – esquerda, direita – como um idoso
cascudo balançando a cabeça em desaprovação. Nós todos começamos
a rir ao mesmo tempo. A risada de Scholastica preencheu o lugar,
mesmo depois de Bahati e eu paramos para tomar fôlego.

“Venham, vocês dois. O café está pronto,” eu disse, fazendo


movimentos de comer para Scholastica. Eu segui para a porta, mas
parei pela segunda vez nessa manhã.

Jack estava em pé lá, seus olhos fixos em Scholastica. Suas botas


estavam sujas de lama, as mangas arregaçadas, um pé para frente, mas
não indo a lugar algum, como se ele tivesse congelado com o som da
risada dela – uma garotinha usando o vestido da sua filha, rindo de
uma tartaruga com um balão.

Scholastica se calou assim que o viu, ainda cautelosa com a


reação dele com ela na noite anterior. Ela manteve a cabeça abaixada
conforme ele entrou na sala em direção a ela. Segundos se passaram
em um silêncio desconfortável conforme a sombra dele se agigantou
sobre ela. Então ele falou algo para ela em suaíle. Ela assentiu e voltou
a olhar para a tartaruga. Jack alcançou algo no seu bolso e estourou o
balão.

BANG.

A tartaruga escondeu a cabeça e pés dentro do casco tão rápido,


que o ar saiu dos seus pulmões em um silvo longo. Ela deitou no chão,
oprimida e decepcionada, com o balão em pedaços em volta dela, como
pequenas bandeiras amarelas de rendição.

“E isso é o mais rápido que vocês verão Aristurtle se mexer,”


observou Jack, antes de repetir em suaíle para Scholastica. Ele
ajoelhou ao lado da tartaruga assustada e presa em seu casco. “Você
está bem, amiguinha?”

Aristurtle colocou para fora a cabeça e os pés com cuidado e


olhou para Jack com desprezo.

Leylah Attar
Scholastica começou a rir. Ela ria tanto, se curvando, segurando
a barriga. Jack sentou e observou-a, seu pomo de Adão indo para cima
e para baixo como se o som disso estivesse furando seu coração com
um estilhaço doce. Ele levantou e foi até o canto onde um monte de
outros balões amarelos estavam balançando e entregou um para
Scholastica. Ela pegou e apontou para a tartaruga.

“Não.” Ele balançou a cabeça. “Para você.”

“Senhor.” Goma entrou e nos deu um olhar bravo. “Eu mando um


para buscar os outros e perco todos vocês. Todos na cozinha. Venham
agora.”

Ela nos levou para a mesa e encheu nossos pratos de comida.


“Café da nossa fazenda,” ela disse, servindo uma xícara para Bahati e
para mim antes de sentar.

“É delicioso,” eu disse, depois do primeiro gole quente. “Obrigada.


E obrigada por cuidar das minhas roupas de manhã. Eu espero ser
metade do que você é ativa quando tiver a sua idade.”

“É a fazenda,” Goma respondeu. “Ar puro, trabalho duro, comida


fresca.”

Scholastica amarrou seu balão na cadeira perto de Jack, e sentou


ao lado dele. Ele passou manteiga em uma torrada, espalhou geleia, e
colocou no prato dela. Ele piscou quando ela o agradeceu, como se
fosse algo que ele tivesse feito sempre, sem perceber até ele ter
terminado.

“Eu ouvi que você salvou uma mãe grávida e seu filho durante o
ataque ao shopping,” eu disse, conforme Bahati e Goma conversavam
do outro lado da mesa. “É incrível.”

“É?”

Eu abaixei meu garfo e olhei para ele. “Qual seu problema? Toda
vez que tento ser agradável, você joga isso de volta na minha cara. Toda

Leylah Attar
vez que eu acho que existe um outro lado seu, você volta a ser um
idiota.”

“É porque eu sou um idiota. Eu sou o idiota que deixou a filha


morrer. Eu estava no shopping aquele dia. Exatamente lá. E eu parei
para tirar uns estranhos de lá antes. Eu estava ocupado demais
salvando outras vidas.”

“Você alguma vez pensou que talvez tenha salva a sua?”

“Você acha que eles me salvaram?” Jack deu risada. Outro tipo de
risada ainda. Essa era cheia de ironia escura. Ele já só riu alguma vez,
como as pessoas normais? Realmente riu?

Ele se inclinou sobre a mesa, tão perto que eu podia ver os anéis
dourados em volta das suas íris azuis de gelo. Eles eram da cor da
grama seca da Savana, esperando pela chuva. “Em mil vidas, eu
morreria mil mortes para salvá-la. De novo e de novo e de novo.”

Eu acreditava nele. Em cada palavra. Pela maneira como ele disse


isso.

Eu não tinha como voltar atrás, então observei quando ele


levantou, abriu a geladeira e pegou uma garrafa de Coca-Cola. Ele
colocou a beirada da tampa no balcão e bateu nela com a palma da
mão. Depois de jogar fora a tampa, ele puxou uma cadeira, jogou a
cabeça para trás e secou a garrafa de uma vez.

Que homem estranho, eu pensei. Um fazendeiro de café que não


tomava café.

A maioria das pessoas afogava suas tristezas com algo mais forte.
Jack escolhia uma garrafa de Coca-Cola. Talvez ele quisesse estar
totalmente atento, totalmente acordado para a dor. Talvez Jack Warden
gostasse da dor porque ele acreditava que era exatamente o que
merecia.

“Você decidiu o que vai fazer a seguir?” Goma me perguntou.

Leylah Attar
Eu desviei minha atenção de Jack e foquei nela. “Eu esperava que
você conheça alguém que quisesse levar Scholastica e eu para Wanza,
com duas paradas no caminho.”

“Eu conheço o homem perfeito para isso. Ele está sentado bem
nessa mesa, e ele sabe disso também, mas ele está muito envolvido com
ele mesmo para dar a mínima.”

“Você não perdeu uma filha,” rosnou Jack, mantendo os olhos no


prato.

“Não, não perdi,” respondeu Goma. “Eu perdi meu único filho,
seu pai. E perdi a esposa dele, sua mãe, no mesmo acidente. Eu perdi
meu marido. E eu perdi Lily, minha bisneta. Isso são quatro gerações
que eu enterrei. E ainda estou de pé. Você acha que eu não queria ir
dormir e nunca acordar da perda? Em cada vez? Você acha que meu
coração e o seu são tão diferentes? Eles não são. Eu sofro tanto quanto
você, Jack. Mas eu levanto porque você ainda está aqui. Você é o único
que sobrou, e quer saber? Você é o suficiente. Você é razão suficiente
para me manter de pé. E me mata ver você assim, vivo por fora mas
morto e vazio por dentro. Você me ouviu? Isso me mata.”

O silêncio que se seguiu era grosso e pesado, como o nó que


obstruía minha garganta. Eu sabia que deveria me desculpar, mas não
podia me mover. Bahati estava olhando para suas mãos, sem dúvida se
sentindo da mesma forma. Até Scholastica, que não tinha entendido as
palavras, sentava dura na cadeira.

Jack olhou para Goma e começou a dizer alguma coisa, mas virou
para mim ao invés disso.

“Sinto muito por desapontar você.” Ele jogou o guardanapo no


prato. “Eu não posso te ajudar. Eu não pude nem ajudar minha própria
filha. Eu gostaria que todo mundo me deixasse em paz nessa merda!” a
cadeira dele arranhou o chão conforme ele levantou e saiu.

Goma continuou sentada e terminou seu café. Quando ela


acabou, ela limpou as migalhas da mesa, sua pele esticada

Leylah Attar
transparente nos nós dos dedos. “Envelhecer não é para maricas,” ela
disse suavemente. “Você perde as pessoas que ama. Uma e outra vez.
Algumas são arrancadas de você. Algumas se afastam. E você tem que
aprender a deixar ir.”

Bahati, Scholastica, e eu limpamos a mesa em silêncio conforme


ela sentava lá, olhando para fora da janela. A tempestade da noite
anterior tinha limpado e revelava um glorioso céu azul.

“Para onde agora?” Bahati perguntou, quando terminamos.

“De volta para Amosha,” eu disse. “Alguém em Nima House deve


ter uma ideia do que eu posso fazer.”

“Vou pegar minhas chaves,” disse Goma. “Meu jipe ainda está
bloqueando o carro de Bahati. Encontro vocês lá na frente.”

Eu arrumei meu quarto e deixei o muumuu de Goma dobrado no


pé da cama. Quando pisei para fora, Bahati já estava esperando no
carro.

“Pronta?” ele perguntou.

Eu assenti com a cabeça e lhe dei um pequeno sorriso, mas eu


não tinha ideia do que ia fazer.

“Desculpe que não deu certo,” ele disse.

“Tenho certeza que vamos encontrar outro jeito.” Eu não tinha


certeza nenhuma, mas com Scholastica a reboque, não havia volta. Eu
entrei no carro e fechei a porta.

Goma estava colocando um chapéu na cabeça de Scholastica.


“Ela não tem pigmentação,” ela disse. “Isso a deixa sensível ao sol.
Providencie protetor solar quando chegar em Amosha.”

“Eu vou,” prometi. “Obrigada por sua hospitalidade.”

“Por nada. Kwaheri, Rodel. Kwaheri, Scholastica. Adeus.”

Ela abriu a porta do carro para Scholastica entrar, mas


Scholastica saiu correndo para o alpendre ao invés disso. Jack estava

Leylah Attar
em pé lá, segurando o balão esquecido dela. Ela lhe deu um sorriso
conforme pegou, mas ele não notou. Os olhos dele estavam focados no
chapéu que ela estava usando.

“Onde ela arrumou isso?” ele perguntou.

“De novo não, Jack.” Goma andou para o alpendre. “Eu o


encontrei no seu carro.”

“Lily estava usando ele. Ela o deixou no carro quando fomos para
o shopping.”

“É só um chapéu, Jack. Não tem nenhuma parte de Lily nele. Ela


está aqui..." Goma tocou o coração dele “... onde ela vai sempre estar.”

“É a última coisa que tenho dela. Seu chapéu de girassol. Você


não tem o direito de dar.”

“Eu fiz aquele chapéu para ela. Eu posso dá-lo a quem eu quiser.”

“Não é só um chapéu. Não para mim!”

Eles foram para cá e para lá, lançando frases um para o outro.

Os olhos de Scholastica iam de Goma para Jack. Não demorou


muito para entender sobre o que eles estavam discutindo. Ela tirou o
chapéu, escorregando ele da cabeça. Por um momento, ela admirou a
flor grande, frouxa no centro que parecia uma pequena explosão de raio
de sol. Então ela o dobrou no meio e ofereceu ao Jack, piscando para
ele com seus olhos azuis bizarros. Ele parou no meio da frase, olhando
para ela. Ela empurrou o chapéu mais perto e quando ele continuou em
pé lá, firme e congelado, ela o colocou na palma da mão dele e fechou os
dedos dele em volta.

Minha garganta ficou com um nó conforme o sol bateu na cabeça


exposta dela. Em algum momento, ela tinha se tornado minha guarda,
minha responsabilidade. Eu tinha passado além da sua aparência
assustadora e a visto pela garotinha que ela era.

Leylah Attar
Jack via alguma coisa também, algo que o fez segurar a mão dela
conforme ela se virou para ir. Ele segurou o chapéu da sua filha
apertado na outra mão e se ajoelhou na frente de Scholastica.

“Seu nome era Lily. Jina yake ilikuwa Lily,” ele disse.

“Lily?” Scholastica perguntou.

Jack assentiu. “Mtoto yangu, minha filha. Ela gostava de arco-íris


e chocolate. Chocolate derretido. Entende?” ele apontou para as
manchas e escorregou o chapéu na cabeça de Scholastica. “Ela gostava
de dançar. E cantar. E tirar fotos.” Ele ajustou o chapéu para que o
girassol estivesse centralizado na frente. “Ela morreu,” ele disse.
“Alikufa.”

“Pole,” respondeu Scholastica. Sinto muito.

Então ela colocou os braços em volta dele e lhe deu um abraço.


Eles se abraçaram embaixo do frontão da casa, o balão de Scholastica
pairando sobre eles, e o Kilimanjaro assistindo silenciosamente das
nuvens.

Foi um momento de grande e pequeno – o homem, a menina, a


montanha, a propriedade. Eu não podia ver o rosto de Jack, mas eu
sabia que alguma coisa estava acontecendo – algo poderoso, ainda que
terno. Quando acabou, eles se falaram sem palavras. Jack se endireitou
e levou Scholastica até o carro, onde Bahati e eu estávamos esperando.

“Você disse que vai voltar amanhã,” ele me disse.

“Perdão?”

“Ontem. Você disse, ‘Talvez não seja o melhor momento. Eu volto


amanhã.’”

Eu olhei para ele surpresa.

“Já é amanhã, Rodel Emerson. Volte para dentro. Eu vou levar


você e Scholastica para Wanza.”

Leylah Attar
“Você vai?” um pequeno tremor correu a minha espinha. “E as
outras crianças?” eu tinha outros nomes para riscar. Eu precisava de
um compromisso.

Jack abriu a porta do carro e esperou eu sair. Então ele estendeu


a mão. Quando coloquei minha mão no seu apoio grande, rígido, ele
segurou por um momento, como se me dando a oportunidade de voltar.

Então ele apertou.

Foi um aperto de mão silencioso, um acordo não falado. E apesar


de ter acabado de conhecê-lo, eu sabia que podia confiar em Jack
Warden para manter sua promessa. Venha o que vier.

Leylah Attar
EU SEGUI JACK até a biblioteca depois do almoço e observei ele
desenrolar um mapa na mesa de nogueira polida. Ele pegou os três
Post-its que eu dei para ele, e os colocou no mapa:

17 de julho – Juna (Baraka)

29 de agosto – Sumuni (Maymosi)

1º de setembro – Furaha (Magesa)

“Nós vamos fazer uma viagem para Wanza,” ele disse, depois de
estudar as anotações de Mo. “As últimas duas paradas são no caminho
de lá e as datas são próximas. Sua irmã e Gabriel provavelmente
planejaram dessa forma. Ao invés de dirigir indo e voltando, nós iremos
para Baraka e pegamos Juna primeiro.” Ele apontou para a localização
no mapa. “Nós podemos partir amanhã e traze-lo de volta para a
fazenda. A próxima coleta não acontece em uma semana. Nós partimos
com ele e Scholastica depois, paramos em Maymosi e Magesa, e
seguimos para Wanza de lá.” Ele olhou para mim para confirmar.

A silhueta dele aparecia contra a janela, ciscos de pó dançando


em volta dele conforme raios de luz inclinavam pela vidraça. As pontas
dos seus cabelos brilhavam como ouro onde o sol tocava, fazendo ele
parecer um carvão escuro, injetado com luz. Ele ainda estava fechado
como uma parede, ainda preso por dentro, mas algo tinha aberto.

Jack não tinha nenhum desejo de ser levado de volta para o


mundo que tinha levado sua filha embora. Ele tinha feito a parte dele,
bancado o herói, sido louvado por salvar três vidas – uma mulher, sua
criança não nascida, e seu menino – mas ele não achava conforto no

Leylah Attar
fato que eles estavam vivos, ou que ele estava vivo. Lily tinha ido
embora, e ele era pura agonia. Ainda assim, lá estava ele, esperando por
uma resposta, olhando para mim como se reconhecendo pela primeira
vez que eu existia, que o que eu achava importava.

“Soa ótimo.” Se ele pudesse me ver através daquele turbilhão de


dor, se ele pudesse ver além dele mesmo, eu com certeza absoluta podia
ver além das arestas rudes dele. Além disso, havia algo a ser dito por
um homem que mantinha um ramalhete de balões na sua biblioteca
escura.

“Eles me lembram Lily,” ele disse, quando notou meus olhos


neles. “Eu pego um lote novo sempre que estou na cidade. Foi a última
coisa que ela me pediu. Balões amarelos. Ela os queria para Aristurtle,
assim nós não teríamos que procurar por ele,” ele explicou, antes de
devolver os Post-its para mim.

Eu pensei como Mo e Lily ainda eram tão presentes no papel


amarelo que eu segurava, nos balões amarelos em que Jack se
agarrava, e a tartaruga que estava em algum lugar atrás da mesa –
invisível, mas com uma explosão de cor o seguindo.

“Espero que nós todos sigamos assim, deixando algo brilhante


para trás,” eu disse.

Nós observamos em silêncio conforme os balões iam para cima e


para baixo gentilmente no canto, como se tocado por respirações
suaves, invisíveis – subindo e descendo.

“Assim era ela. Minha irmã.” Eu procurei meu telefone e mostrei


uma foto de Mo para Jack. Ela estava tendo seu cabelo trançado. Um
pente na parte não feita do cabelo. Ela parecia tão feliz, sentada à
sombra de uma árvore, em um engradado de plástico virado de cabeça
para baixo, vestindo um vestido turquesa e óculos de bolinhas. “Nós
não éramos parecidas.” Mo era o tipo de pessoa que saltava para você
em fotos e multidões. Seus olhos automaticamente a achavam.

“Minha família e eu, nós não éramos parecidos também.”

Leylah Attar
Eu não achava que ele iria dividir mais nada, mas então ele
pareceu mudar de ideia.

“Essa é ela.” Ele puxou sua carteira e me deu uma Polaroid de


Lily.

Ela tinha a pele cor de mel e estava sorrindo para a câmera com
pura traquinagem nos olhos. Fios de cabelo estavam saindo debaixo de
um chapéu de girassol – o que Jack tinha dado a Scholastica. Ela
parecia diferente de Jack, mas eu podia vê-lo no arco das sobrancelhas
dela e no modo desafiador do queixo. Ela teria quebrado corações e
regras, e amado cada minuto disso.

Conforme seguramos as fotos, lado a lado, eu senti a sensação de


perda que vem com o desaparecimento dos sorrisos, da vitalidade, das
vozes, e calor, e escolhas. E ainda assim havia uma doçura de ter
dividido e conhecido, de ter amado, mesmo que parecesse tão
passageiro como o bater das asas de um pássaro.

Eu entreguei a foto de Lily de volta, e me inclinei para pegar algo


que tinha caído no chão. Era outra Polaroid, uma de Jack, que tinha
sido presa atrás. Ele parecia ter sido pego de surpresa, sua pele super
exposta como se o flash tivesse disparado na sua cara. Talvez fosse por
isso que ele parecia tão diferente – seus olhos tão claros e
surpreendentes, me cativaram. Eles tinham um brilho que não era
facilmente esquecido, como geleiras com anéis dourados, da luz do
verão. Eles não tinham nenhuma sugestão das nuvens de tempestade
que eles tinham agora. Eu tinha resolvido que ele tinha por volta de
trinta anos, mas ele parecia muito mais novo naquela foto.

“Ela tirou essas duas,” disse Jack, quando eu entreguei de volta a


segunda Polaroid. “Estávamos dirigindo para o shopping naquele dia.”
Ele acariciou a borda da foto de Lily, “eu disse para ela parar de
desperdiçar o filme.” Ele colocou as fotos de volta na carteira e olhou
para o couro.

Leylah Attar
“Eu não atendi a ligação da minha irmã naquele dia.” Eu não
tinha contado isso para ninguém, nem mesmo meus pais. Eu tinha
compartilhado a última mensagem de Mo, mas não o fato de que eu
tinha ignorado a ligação dela. Eu estava muito envergonhada para isso,
mas de alguma forma, eu me senti bem em dividir isso com Jack. “Eu
estava muito ocupada assinando os papéis da minha casa nova.”

Jack continuou em silêncio. Talvez ele estivesse atropelando as


mesmas coisas que eu estava: os cenários de “e se” que você pensa
várias vezes.

“É por isso que você está fazendo isso?” ele perguntou.


“Assumindo o trabalho não terminado dela? Por que você se sente
culpada?”

“Não sei,” eu admiti. “Nós não entendemos sempre as coisas que


fazemos. Nós só fazemos e esperamos nos sentir melhor.”

“Eu não sei quanto a se sentir melhor.” Jack puxou uma


respiração e se esticou da mesa. “Tudo que eu sei é que quando
Scholastica me entregou de volta o chapéu de Lily, eu não pude afastá-
la. Foi a maneira como ela olhou para mim – sem expectativa, sem
julgamento. Eu não tenho remorso em dizer não para você, ou Goma,
ou a qualquer um que peça qualquer coisa para mim, porque eu não
devo nada a ninguém, incluindo explicações. Mas quando aquela
garotinha olhou para mim, sem pedir, sem falar, algo em mim
respondeu.”

A voz de Scholastica misturava com a de Goma na cozinha


conforme nós estávamos na biblioteca. Era provavelmente como Kaburi
Estate soava quando Lily estava viva – uma mistura de jovem e velho,
com o zumbido de um trator distante, e as conversas abafadas dos
funcionários pelas janelas. A brisa pegava o cheiro da pele de Jack –
grãos verdes de café e terra fofa. Era tanto leve como escuro, ilusório
ainda que enraizado, assim como o homem. Eu podia continuar
respirando aquele momento, mas eu tinha uma sensação estranha,

Leylah Attar
como se eu estivesse em pé à beira de algo fundo e vasto, e precisava
ser puxada para trás.

“Essa é a mãe da Lily?” eu andei até uma das prateleiras e peguei


um porta-retratos. Ele tinha a foto de Jack com uma mulher negra
bonita. Ela tinha o pescoço de um cisne, elegante e liso, e o tipo de
rosto que não precisava de maquiagem para acentua-lo. Suas feições
radiavam uma confiança inteligente. Jack tinha seu braço em volta do
ombro dela conforme ela segurava uma pequena Lily para a câmera.

“Sarah.” Jack pegou o porta-retratos da minha mão e olhou para


ele. “Ela queria levar Lily à Disneylândia, mas eu insisti que ela viesse
para cá, como ela faz todo ano.”

Ele deixou o resto velado, mas estava claro que Sarah o culpava
pelo que aconteceu com a filha deles. Pela expressão no rosto dele, ele
não a culpava, porque ele fazia isso também.

“Lily era nosso último elo, a coisa que nos mantinha conectados.
Eu não falei com Sarah desde o funeral.” Jack cuidadosamente colocou
a foto de volta na prateleira.

Ele fazia muito isso. Cada movimento era conciso e ponderado,


como se ele estivesse focando nas coisas que ele podia controlar, para
evitar ser sugado pelo vazio giratório escuro.

O toque agudo de um apito de juiz veio da sala, onde Bahati


estava assistindo um jogo de futebol. Ele quebrou o estranho encanto
que parecia ter surgido em volta de Jack e eu.

“Eu tenho que ir,” Jack disse. “Eu sou necessário lá fora.” Ele
colocou seus óculos de sol e parou na porta. “Vamos partir para Baraka
de manhã.”

Eu sentei depois que ele saiu e observei Aristurtle comer pedaços


de alface de sua tigela de comida. Raios de sol caiam nas prateleiras
escuras ao meu redor. Foi só então que eu percebi que estava rodeada
de livros. Ainda assim nenhum deles tinha chamado minha atenção
enquanto Jack tinha estado na sala.

Leylah Attar
EU ESFREGUEI a anotação de Mo entre meus dedos conforme
saímos da fazenda. Gotas de orvalho ainda estavam caindo das folhas,
como diamantes da manhã espalhados no campo.

17 de julho – Juma (Baraka), ela dizia.

Era o primeiro dos Post-its da Mo que não tinham sido riscados,


e apesar de agora ser agosto, nós seguíamos para o lugar onde ela
deveria ter pego uma criança chamada Juma. Nos levou metade do dia
para chegar lá, em estradas de terra que serpenteavam por altos
gramados amarelos.

Baraka era uma coleção de cabanas de telhado de palha


cercadas por arbustos de espinhos e caminhos que levavam a pequenos
campos de milho e batata. Os moradores da vila nos apontaram na
direção da cabana da família de Juma e então se amontoaram do lado
de fora, ouvindo.

Eu tentei acompanhar a conversa entre Jack e a mulher que


estava agachada perto do fogo, mas eles estavam falando muito rápido,
pequenas explosões de suaíle.

Ela tinha um bebê preso às suas costas, e estava cozinhando


algo que parecia um mingau grosso. Galinhas bicavam em volta dos
seus pés, enquanto outra criancinha dormia no canto.

A conversa estava ficando quente. Jack sentava ao meu lado em


um banco de madeira, sua cordialidade inicial indo embora. Ele estava
curvado, tentando caber dentro do lugar pequeno enfumaçado. A
mulher, mãe de Juma, parecia estar evitando suas perguntas e nos

Leylah Attar
ignorando. O nome de Gabriel foi falado. A mãe deu de ombros,
balançou a cabeça, e se manteve de costas para nós.

“O Gabriel já esteve aqui?” eu perguntei.

“Aparentemente ele nunca apareceu,” responde Jack.

“E Juma? Onde ele está?”

Jack deu um olhar sombrio para a mulher. “Ela diz que não
sabe.”

Só então, um homem entrou e começou a falar conosco, sua voz


aumentou, os braços balançando.

“O que está acontecendo?” Eu olhei dele para o Jack.

“É o pai de Juma. Ele quer que a gente saia.” Mas Jack não
mostrou nenhum sinal de se levantar. “Não até que eles nos digam onde
Juma está.”

Os moradores do lado de fora espiavam dentro, conforme a


conversa ficava mais alta. A tenacidade teimosa de Jack aumentava a
raiva do outro homem. A mãe de Juma começou a se lamentar,
assuntando a criança dormindo. O choro dele se juntava ao dela,
conforme os homens continuavam a discutir. A cabana escura virou um
hospício de galinhas cacarejando, e choro e gritos.

“Parem!” eu não aguentava mais. “Todos, parem!”

O grito foi recebido por um silêncio chocado. Eu acho que todos


eles tinham esquecidos que eu ainda estava lá.

“Por favor.” Eu levantei e peguei as mãos da mulher. “Nós só


estamos aqui por Juma. É o que você queria, certo? Por isso que o
Gabriel e a Mo arrumaram para passar aqui. Para leva-lo a Wanza. Se
você mudou de ideia, apenas nos diga e nós vamos embora.”

Ela não entendia o que eu estava dizendo, mas conforme ela


olhou para as nossas mãos, juntas, lágrimas grossas começaram a cair
nelas.

Leylah Attar
“Juma,” ela disse, sua garganta convulsionando com o nome
dele. Então ela estava falando como se ela tivesse guardado as palavras
por muito tempo, que ela não podia evitar que elas saíssem. Ela
segurou as minhas mãos apertado quando terminou e soluçou. E
soluçou.

“Jack?”

Seus olhos tinham um vazio torturado conforme encontraram os


meus.

“Vamos.” Ele me levou para a porta, passando pela multidão


reunida do lado de fora, em direção ao carro.

“O que ela disse?” eu perguntei.

“Entre.” Ele já estava ligando o carro.

“Não até você explicar o que acabou de acontecer naquela


cabana.”

“Entre no carro, Rodel,” ele grunhiu. Sua mandíbula estava dura


e ele olhava direto para frente, sem olhar para mim. Esse era o Jack
que eu tinha conhecido na varanda naquela primeira vez – duro,
isolado, inflexível.

“Eu não vou até você me responder.”

“Você realmente quer saber? Certo.” Ele bateu na direção com


ambas as mãos. “Eles o venderam, Rodel. Eles venderam Juma. Eles
iam dá-lo para Gabriel em troca de algumas necessidades, mas quando
Gabriel e Mo não apareceram, eles o venderam para outra pessoa.
Juma foi embora.”

“Embora para onde? O que você quer dizer com venderam?”

“Eu quero dizer que seus pais o venderam porque eles têm
muitas bocas para alimentar. Duas pequenas ali, e mais três nos
campos. Eles sacrificaram uma criança para que as outras pudessem
viver. Eles receberam sementes para a fazenda, umas galinhas, e
comida suficiente para eles por um tempo.”

Leylah Attar
“Eu entendo,” eu disse, mesmo que me chocasse. Eu tinha visto
muitas coisas nas missões estrangeiras do meu pai. O bom e o mal. “É
horrível que os pais dele tenham se sentido obrigados a fazer algo
assim, mas Juma está com uma boa família, certo? Quero dizer, eles
devem realmente querer ele se vieram até aqui para consegui-lo.”

“Juma é uma criança albina.” Jack ainda estava furioso. Não


furioso de raiva, mas de coração partido, furioso de sufocado. Ele soltou
as palavras como se não pudesse segura-las. “Ele vale mais morto do
que vivo. Albinos aqui são caçados pelas partes do seu corpo porque as
pessoas acreditam que elas têm poderes mágicos. Curandeiros fazem
talismãs deles: dentes, olhos, órgãos internos. Pescadores trançam
cabelo albino nas redes de pesca porque eles acham que isso vai trazer
mais peixe. Políticos contratam caçadores de albinos para terem seus
membros e sangue para vencerem as eleições. Compradores ricos
pagam muito por eles. Três mil dólares por um braço ou perna.
Cinquenta mil pelo corpo todo, talvez mais.” Jack olhou para mim pela
primeira vez desde que ele me arrastou para fora da cabana. “Então,
não. Juma não está com um família boa porque Juma está morto.”

Suas palavras saíram como um choque. Eu sabia que albinos


corriam perigo, mas eu tinha deduzido que era porque eles eram
marcados, sofriam bullying, eram banidos ou fisicamente agredidos. Eu
não tinha pensado em nada tão brutal como o assassinato a sangue frio
deles para lucro e ganância e superstição.

Algumas coisas são melhores deixadas na escuridão, onde elas


pertencem. As palavras de Jack voltaram para mim.

Era o que ele tinha tentado evitar que eu soubesse. Eu tinha


pensado que podia lidar com o que quer que fosse. Eu era uma garota
crescida. Eu vivia em um mundo de adultos. Mas naquele momento, no
composto árido de Baraka, no calor escaldante do sol da tarde, eu me
sentia pequena e tonta – doente com o pensamento de um menino
pequeno cortado, traído por seus próprios pais. Eu sai do carro e entrei

Leylah Attar
na cabana mais próxima, agradecida pela escuridão da sua sombra,
que me escondia dos moradores.

Eles todos sabiam.

Os moradores. Jack. Goma. Bahati. Scholastica.

Mo tinha sabido também.

É muito mais fácil quando as pessoas pensam que eles estão


vendo uma mãe mzungu e uma criança mzungu.

Uma vez por mês, Mo assegurava passagem segura para uma


das crianças que Gabriel tinha rastreado.

As palavras faziam mais sentido agora. Mo tinha entrado em


uma missão perigosa, mas ela tinha sabido.

Ela tinha vomitado no solo acre como eu estava fazendo? Ela


tinha mancado até a parede e se abaixado no chão quando ela tinha
ouvido pela primeira vez sobre isso?

Não. Mo era forte. Ela sempre mantinha a guarda alta e os


joelhos fortes. Ela não se detinha em coisas que quebravam seu
coração. Como namorados que a traiam, ou pessoas que a
desapontavam, ou eventos que partiam suas ilusões. Ela aceitava,
assimilava e seguia em frente.

O mundo vai te decepcionar. É fato. Uma vez que você aceite isso,
fica mais fácil, ela tinha dito depois de um rompimento particularmente
difícil.

O que acontece quando você quer romper com o mundo, Mo?


Quando ele joga algo em você que é tão imperdoável que você se encolhe
na sombra de uma cabana de barro e não quer ver mais a cara dele de
novo?

Não havia resposta, só o carro lento de Jack conforme ele dirigiu


até mim e esperou. Eu olhava para as rodas, cheias de lama e sujeira
da nossa trilha. Eu tinha trazido garrafas de água, um chapéu, protetor
solar e lanches para Juma. Nós iriamos levar de volta sem uso.

Leylah Attar
“Quantos anos você acha que ele tinha?” eu perguntei, ainda
sentada no chão. Ele podia ter dois, ou cinco, ou dez, ou doze.

“Nós nunca saberemos,” ele respondeu, exausto.

“Nós não podemos ir até as autoridades? Fazer eles fazerem


alguma coisa sobre isso?”

“Se a polícia pudesse fazer algo sobre isso, isso não estaria
acontecendo. Você não pode lutar contra um exército de fantasmas sem
nome, sem rostos. Mesmo que você os informe, eles são apenas os
intermediários, trabalhando para curandeiros, que são por sua vez
financiados por patrões ricos, poderosos. Não é uma pessoa com quem
você está lidando, Rodel, ou um grupo de pessoas – é um modo de
pensar, uma mentalidade. E esse é o inimigo mais perigoso de todos.”

“Então nós não fazemos nada? Apenas aceitamos e seguimos em


frente? Porque não é pessoal? Porque não nos afeta?”

“Sim! Sim, você aceita! Assim como eu tive que aceitar.” Os olhos
de Jack passam por mim com uma amargura escaldante. “Não há nada
mais pessoal do que perder uma filha. Você acha que eu não quis punir
as pessoas responsáveis por matarem Lily? Você acha que eu não tentei
imaginar seus rostos? Eu deito acordado toda noite, agarrado a fumaça
e cinzas, respirando o fedor do meu próprio desamparo. Então não
pregue para mim sobre não ser afetado. E se você não pode lidar com
isso, você deve arrumar suas coisas e ir para casa, Rodel, porque isso
não é a porra de uma festa no berço da África.”

Eu mantive meu queixo levantado apesar dele estar tremendo.


Ele não era o único que tinha perdido alguém. Eu tinha perdido minha
irmã. E por alguma loucura do destino, nossos caminhos tinham se
cruzado – duas pessoas com uma dor fresca, jogadas em uma situação
irremediável, tentando salvar umas crianças quando mal podíamos
manter nossas próprias cabeças no lugar.

Eu ri da ironia disso. E então eu ri de novo porque eu estava


começando a entender as maneiras vazias, tristes que Jack ria. Mas a

Leylah Attar
minha risada virou soluços suaves, silenciosos. Era o estoicismo que
me pegava, a aceitação da tragédia – auto-inflingida ou cometida. Eu
tinha visto nos olhos de Jack, e então novamente na cabana, nos olhos
da mãe de Juma. Talvez quando você tenha visto o leão trazer a gazela,
várias vezes, quando você sentiu a terra tremer com a migração de
milhões de feras selvagens, isso venha naturalmente. Você faz amizade
com a impermanência e a transição e insignificância. Enquanto eu não
tinha nunca me distraído com tragédia ou fracasso ou desapontamento.
Eu resisti a isso. Eu segui em frente com a convicção que a felicidade
era o estado normal das coisas. Eu acreditava nisso. Eu queria me
segurar nisso, mas isso estava lentamente sendo levado de mim.

Jack me deixou chorar. Ele não tentou me persuadir ou me


confortar. Não havia pressa comigo, ou me dizendo para parar de
chorar. Quando eu finalmente entrei no carro, ele me deu um aceno
seco com a cabeça, o tipo que eu suspeito que um soldado daria a outro
– um reconhecimento de respeito, de bondade, de ter sobrevivido a algo
grande e feio.

Conforme nós dirigimos no azul brilhante do horizonte nublado,


eu tive um vislumbre da alma dele. Tantos pedaços dele tinham sido
dados aos leões. E tão escuro e amargo quanto ele tinha se tornado, ele
era o gladiador em pé onde eu teria com certeza caído.

Leylah Attar
ALÉM DAS ILHAS de árvores de acácia, mechas de carmesim e
violeta invadiam um céu minguante. Mesmo conforme a noite caía nas
vastas planícies, a luz era deslumbrante e clara. Esse era o Serengeti,
uma região da África se estendendo do norte da Tanzânia ao sul do
Quênia. Famoso pelos seus leões magníficos e manadas de animais
migrando, o Serengeti abrangia um número de reservas de caça e áreas
de conservação.

“Nós vamos ter que parar em algum lugar para passar a noite,”
disse Jack. “Vai escurecer logo. É hora de sair da estrada. Nós levamos
mais tempo do que esperado em Baraka.”

Por causa do meu colapso, eu pensei.

Ainda estávamos há horas da fazenda, dirigindo na beira da


Cratera Ngorongoro, a joia da coroa do Serengeti. Uma vez um vulcão
gigante, ele tinha entrado em erupção há três milhões de anos e
desmoronado em uma cratera de 2,000 pés. Agora a maior caldeira
vulcânica intacta do mundo, ela abriga um dos maiores refúgios de vida
selvagem na Terra. Em outra situação, eu teria prestado mais atenção,
mas eu olhava para o nada na estrada à minha frente. Eu continuava
pensando em Juma, e como ele ainda estaria vivo se Gabriel e Mo
tivessem conseguido – como estamos todos conectados de maneiras
estranhas e misteriosas. Puxe uma corda aqui e a vida desfia ali.

Jack entrou em um local de acampamento conforme o sol


começou a se por. A placa na entrada dizia “Luxury Safari Tents.”
Pequenas formas escuras esgueiravam-se pela grama conforme o carro
passava na trilha de terra nos levando para a recepção. As noites no

Leylah Attar
Serengueti pertenciam aos animais, e eu era grata pela Land Rover
resistente e fechada do Jack.

“Podemos comer alguma coisa?” Jack perguntou no balcão,


depois de fazermos o check-in.

“O jantar é dentro de duas horas, mas ainda há alguns lanches


de hoje à tarde na sala de jantar.”

Nós seguimos para a tenda aberta e pegamos uma mesa de


frente para a cratera. O céu estava ficando violeta com o brilho depois
do sol.

“Vocês querem beber alguma coisa?” um funcionário perguntou.

“Chá, por favor,” eu respondi.

“Coca-Cola,” disse Jack.

“Eu já vou trazer. Não há menu. Por favor, sirvam-se do buffet.”


O garçom apontou para a mesa.

Eu não tinha pensado em comida o dia todo, meu apetite


apagado pela realidade brutal do que eu tinha aprendido, mas meu
estômago roncou conforme eu peguei as sobras do que deveria ter sido
o chá da tarde. Sanduiches de pepino, bolinhos e doces, cookies.

“Obrigada,” eu disse, quando o garçom trouxe meu chá.

Eu ri quando Jack voltou para a nossa mesa, seu prato mais


cheio que o meu.

“O quê?” ele perguntou.

“Nada.” Mas mesmo eu tentando me segurar, alguma coisa


soltou.

“O quê?”

“Isso.” Eu levantei minha xícara e indiquei a cratera. “Uma porra


de chá da tarde no berço da África.”

A princípio, ele não reagiu. Ele apenas olhou para mim, chocado
de ter suas próprias palavras jogadas de volta para ele. Então seus

Leylah Attar
olhos sorriram, e levou alguns segundos para o resto dele fazer o
mesmo.

Era bom rir. E Jack rir comigo. A risada verdadeira dele era
quente e profunda, como algo que tivesse sido desenterrado num dia de
sol.

“Não apenas o berço da África,” ele disse. “Possivelmente o berço


da humanidade. Uma das mais antigas evidências sobre a existência da
humanidade foi encontrada ali, no Oldupai Gorge."

Nós ficamos olhando para o lugar. Estava escuro agora, e tão


vasto que parecia se estender para sempre.

“Zinjanthropus,” eu disse. “O homem Quebra-nozes.”

Jack inclinou a cabeça e me avaliou. “Você é cheia de surpresas,


Rodel Emerson.”

“Sou professora.” Dei de ombros. “E você pode me chamar de


Ro.”

Ele deu um gole direto da garrafa. Coca-Cola às margens da


cratera. “Eu gosto de Rodel,” ele disse. “Nunca conheci uma Rodel que
não gostasse.”

“Esse é um rodeio para falar que gosta de mim?” nós dois


sabíamos que ele nunca tinha conhecido uma Rodel antes.

“Não sou o tipo de pessoa de rodeio.” Ele colocou a garrafa na


mesa e prendeu os olhos de gato em mim. “Eu gosto de você. Eu gosto
que você finca o pé e enxerga através das coisas. Eu gosto que você
possa cair, tirar a poeira e continuar. Eu gosto que você tenha essa... fé
natural. Que não importa quanto escuro esteja, você procura a luz. Eu
gosto de sentar nessa mesa com você, sendo desafiado com a minha
própria merda. Sinto muito se fui rude mais cedo. Eu estava puto sobre
Juma. Com os pais dele pelo que fizeram. Com as circunstâncias que
vão com isso. Com você por me trazer aqui. Comigo por não ser capaz

Leylah Attar
de fazer nada quanto a isso. Eu me senti tão impotente como quando eu
perdi a Lily.”

Eu olhei de volta, com a boca seca. Jack Warden era um enigma


sempre mudando. Ele elogiou, se desculpou e se culpou, tudo de uma
vez, com uma objetividade e sinceridade que me deixou sem palavras.
Minha fita métrica de emoções se enrolou em volta dele,
independentemente se ele estava feliz, bravo, triste ou arrependido.

“Eu entendo,” eu respondi. Foi tudo que eu consegui. Eu não


tinha percebido exatamente o que eu vinha pedindo para ele fazer, mas
estava claro por que ele tinha me mandado embora antes. A última
coisa que Jack precisava era alguém batendo em sua porta, pedindo
para ele assumir a responsabilidade da vida de outra criança, quando
ele acreditava que tinha falhado com a sua própria. Que homem iria
voluntariamente encarar a realidade do seu pior pesadelo de novo?

Nós terminamos o resto da nossa comida em silêncio.

Um sentinela com um rifle e uma lanterna nos levou para nossa


barraca. Não era como uma barraca comum em um acampamento.
Ficava em paletes de madeira, com um teto alto apoiado por vigas de
madeira. Haviam duas camas com pequenos criados-mudos, um baú
cheio de cobertores, e um suporte de cabides para pendurar nossas
roupas. Uma porta ligava a um banheiro escasso, mas funcional.

“O jantar será em uma hora. Mandem um sinal com a lanterna


quando quiserem ser escoltados para a sala de jantar,” disse o guarda.

“Eu não acho que consigo comer de novo,” eu disse, depois que
ele saiu.

“Você pode mudar de ideia. Não é como se tivéssemos uma


máquina de venda se você ficar com fome no meio da noite.” Jack tirou
os sapatos e reclinou na cama.

Quando eles nos disseram que só havia uma barraca, eu não


pensei que seria um problema, mas o espaço pequeno parecia diminuir
com sua presença.

Leylah Attar
“Acho que vou me refrescar.” Eu peguei minha bolsa e
desapareci no banheiro.

Eu saí dois minutos depois indo para a saída.

“O que você está fazendo?” Jack observou conforme eu tentei


abrir o zíper.

“A descarga não funciona. Vou avisa-los.”

“Você não pode simplesmente andar até a recepção, Rodel. Esse


lugar não tem cercas, o que significa que há animais selvagens por aí. E
não é uma descarga automática. Você precisa colocar água no tanque
quando quer dar a descarga.”

“Ah. Entendi.” Eu marchei de volta para o banheiro e olhei em


volta. “Ummm... Jack?”

“Sim?”

Eu me surpreendi encontrando-o logo atrás de mim. “Não tem


torneira na pia.”

“Você pega a água daqui.” Ele levantou uma aba e apontou para
a fila de baldes cheios de água. Ele removeu a tampa do tanque do vaso
sanitário, colocou água dentro e deu a descarga.

Se eu tivesse pensado que ele pegava todo o espaço na barraca,


eu mal podia respirar no banheiro apertado. Havia algo no Jack que
passava pela minha pele contra os limites da minha consciência – a
maneira como ele se movia, o modo como seus braços apertavam
quando ele levantou o balde, a maneira que ele irradiava calor e
gentileza. Mas era o Jack. Eu tinha quase certeza que era a resposta
que ele tinha da maioria das mulheres – o olhar casual, seguido por
uma pausa; o reconhecimento de algo magnifico, não importa quão
passageiro fosse. Eu teria que estar morta e enterrada para não reagir a
ele. Não era só a maneira que ele parecia. Ele tinha algo mais. Solidez.
Conteúdo. O tipo de coisa que a lua faz com as ondas, fazendo as ondas
aumentarem. Jack podia te dar arrepios simplesmente estando perto de

Leylah Attar
você. Eu tremi de pensar como seria se ele deliberadamente decidisse
matar você.

“Obrigada,” eu disse conforme ele devolveu o balde vazio. “Eu


acho que vou tomar um banho agora.” Eu praticamente o expulsei pela
porta. Eu gostava de arrepios, mas gostava deles nos meus próprios
termos. E essa não era uma situação de arrepio aprovada. Com um
homem aprovado.

Eu estava metade vestida quando percebi que não havia


torneiras no chuveiro também. E nenhuma ducha. Só um ralo no chão.

Merda.

Eu coloquei de novo minha blusa e abri a porta.

Jack estava em pé lá, os braços dobrados, apoiado contra a viga,


como se estivesse esperando por mim.

“É um chuveiro de balde,” ele explicou, antecipando minha


pergunta.

“Sem água quente?”

“Só de manhã. Mas eles vão esquentar um pouco de água para


nós se eu pedir.”

“Eu posso esperar. Vou usar só uma toalha molhada agora.” Eu


fechei a porta de novo e ouvi os passos irem para trás.

Quando saí, peguei um cobertor e enrolei em volta de mim. Era


bom estar limpa da sujeira e pó, mas a água tinha sido fria, a
temperatura tinha caído e eu estava congelando.

“Você está bem?” Jack abriu um olho. Ele estava deitado de


barriga, totalmente vestido embaixo das cobertas.

“Uh-huh.”

“Com frio?”

“Não.”

“Quer ir jantar?”

Leylah Attar
“Sim.” Ao menos para me aquecer na área do jantar. “Podemos ir
agora?”

“Com fome, tão cedo?” a voz dele carregava um sorriso.

“Faminta,” eu respondi.

Jack deu o sinal para o sentinela com sua lanterna.

“Aqui.” ele tirou seu moletom e colocou em volta dos meus


ombros conforme pisamos para fora.

“E você?” eu perguntei, aproveitando o calor. Tinha o cheiro dele,


e achei estranhamente confortante.

“Não estou com tanta fome,” ele disse.

Uma bolha de risada subiu e se alojou na minha garganta. Ele


tinha pego o fato que eu não queria admitir que estava com frio, então
entrou na brincadeira.

Eu engoli a risada porque não podia me dar ao luxo de gostar de


Jack Warden. Não dessa forma.

As mesas do jantar eram marcadas pelo número da barraca na


área de jantar. Jack e eu acabamos dividindo uma mesa com um casal
de mais idade.

“Oi, sou Judy. E este é meu marido, Ken,” disse a mulher. Ela
tinha um cabelo loiro platinado, e estava vestindo um vestido rosa
estampado.

“Sou Rodel.”

“Jack.”

Nós apertamos mãos antes de nos sentarmos.

“É um sotaque inglês que eu noto?” perguntou Judy, quando as


entradas chegaram.

“Sim. Sou de Costwolds,” eu respondi.

Leylah Attar
“Mas você não é,” o marido dela destacou, percebendo a pele
bronzeada de Jack. Ele tinha cabelo grisalho e olhos que brilhavam
quando ele falava.

“Não. Eu nasci aqui,” respondeu Jack.

“Bem, é bom ver um casal que não permitiu que uma pequena
distância atrapalhasse.”

“Oh, nós não somos...” eu gesticulei entre Jack e eu.

“Nós não estamos juntos,” ambos falamos ao mesmo tempo.

“Era o que eu costumava dizer o tempo todo, não era, Ken?”


Judy deu risada. “Nós não estamos juntos, nós não estamos juntos.”

“E aqui estamos nós,” disse Ken.

“Mais de quarenta anos depois.”

“Só porque você quer ver o mundo e precisa de alguém para


carregar suas malas.”

“Nós pegamos bugigangas pelo mundo todo, para a nossa loja de


raridades no Canadá,” Judy explicou.

“Um lugar chamado Hamilton.”

“Perto das Cataratas do Niagara.”

“Vá nos conhecer se alguma vez estiverem por lá.”

“Chama Ken e Judy´s.”

Eles completavam um a frase do outro e nos divertiram com


suas histórias pelo resto da noite. Jack e eu esperamos depois que eles
saíram, observando as lanternas piscando na brisa da noite.

O sentinela não precisava da sua lanterna para nos levar de


volta à barraca. Alguém tinha acendido uma fogueira no meio do
semicírculo de barracas. Alguns dos hóspedes sentavam em volta com
cobertores, enquanto um dos guardas tocava harmônica.

Leylah Attar
“Fiquem um pouco!” Judy bateu no cobertor vazio ao lado dela.
“Não há aquecimento nas barracas.”

Eu me movi por entre os pedregulhos em volta do círculo de


hóspedes e sentei perto de Ken e Judy. Jack me seguiu, pegando o
lugar vazio ao meu lado. Acima de nós, estrelas estavam penduradas no
céu de veludo. O fogo estalava, como olhos de leopardo na noite, me
lembrando dos homens antigos que tinham vindo e ido, nas pradarias e
montanhas em volta de nós.

O calor do fogo suavizou meus ossos. A harmônica tocada em


longos e lentos toques, acalmando meus sentidos. Outro guarda
começou a bater um tambor na mesma batida lânguida. Ken e Judy
levantaram e balançaram com a música. O casal sentado perto deles me
passou um cachimbo.

“O que é isso?” eu perguntei.

Eles disseram alguma coisa, mas não foi em inglês.

Em outro momento, eu teria recusado, mas pensamentos sobre


Juma e Mo e Lily estavam começando a encher a minha mente. Eu dei
uma tragada profunda do que quer que era aquilo e devolvi para eles.
Isso esquentou meus pulmões e deixou um gosto amadeirado,
adstringente na minha boca. Nós fomos e voltamos algumas vezes,
trocando o cachimbo.

A fumaça de madeira, vozes suaves, luz âmbar batendo nas


testas, o calor suave, as estrelas frias – tudo se misturando em uma
noite mágica. A música entrava embaixo da minha pele, suas notas
bêbadas pulsando pelas minhas veias. O vale tremia, o céu brilhava
como uma labareda. Eu me sentia como uma galáxia esquecida no
vasto universo, como se estivesse prestes a flutuar.

“Dance comigo, Jack.” Eu segurei sua mão. Ela pendia pesada,


até eu levantar e puxar.

Eu não conseguia lembrar a última vez que tinha dançado,


quanto mais convidado alguém para dançar. Era bom ser segurada nos

Leylah Attar
braços do Jack, se misturar em volta do fogo com suas mãos quentes
circulando minha cintura. Eu deitei a cabeça no seu peito e ouvi a
batida do seu coração. Eu sentia como ouvindo um oráculo. Ele dizia
que eu estava em partes iguais com a terra e as estrelas, partes iguais
de animal e alma. Eu era esperança. Eu era calamidade. Eu era amor.
Eu era preconceito. Eu era moinha irmã. Eu era sua filha. Eu era
Juma. Eu era Jack, Jack, Jack, Jack.

“Eu gosto da maneira como seu coração bate,” eu disse. “E eu


gosto da maneira como você diz meu nome. Rodelle. Me faz soar bonita.”

“Você é bonita.” Ele parou no passo, como se eu tivesse o


desconcertado. Ele levantou meu queixo lentamente e observou a luz
dourada no meu rosto. “Você é insanamente linda.”

Essas não eram palavras que eu teria usado para me descrever,


mas naquele momento, eu acreditava nele. Eu me sentia insanamente
linda, mesmo que não estivesse usando um pingo de maquiagem, e
minhas roupas estivessem amassadas, e minhas unhas estivessem
irregulares e sem esmalte. Eu acreditava nele porque ele disse isso com
a simplicidade de uma observação, uma que parecia segura-lo preso,
como se ele tivesse acabado de notar isso.

O sangue correu para as minhas bochechas, meus lábios, o arco


das minhas sobrancelhas, a ponta do meu nariz – em todos os lugares
seus olhos queimavam minha pele.

“Não,” eu afastei meu olhar. Parecia errado me sentir tão viva,


errado sentir essa explosão de euforia. “Mo era bonita. E divertida. E
animada. Eu sinto falta dela. Tanto.”

Jack não se afastou, mas foi como se ambos déssemos um passo


para trás do que quer que tinha momentaneamente inflamado entre
nós, virando ao invés disso para nossos pensamentos particulares,
nossa dor particular. Conforme nós balançávamos em silêncio, eu me vi
cavando mais fundo no conforto de seus braços. Ele era tão quente –
mais quente que o fogo.

Leylah Attar
“Aquele é Bahati rindo?” eu murmurei, minha bochecha
pressionada contra seu peito. Jack era alto, o cara mais alto com quem
já dancei. “O que ele está fazendo aqui?”

“Eu não sei o que você fumou, Rodel, mas aquele não é Bahati.
É uma hiena. Em algum lugar lá fora.” Ele riu.

“Eu gosto quando você ri. Quero dizer, quando você realmente ri.
Começa aqui.” Eu toquei sua garganta. “Mas eu sinto aqui.” Eu coloquei
meus dedos através do seu peito.

Nós dois sentimos então – a chama de algo selvagem e


combustível, como uma brasa pulando da fogueira. Nossos olhos
travaram e Jack ficou parado como uma pedra, cada músculo no seu
tronco fechando tenso, apertado. Seu peito estava vermelho quente
embaixo da minha mão, como se todos nossos sentidos tivessem se
fundido ali, em uma massa derretida ardente. Então ele limpou a
garganta e deu um passo atrás.

“Acho que é melhor nós irmos para a cama,” ele disse.

Eu assenti, me sentindo um pouco como se estivesse em uma


areia movediça. Minhas pernas estavam trêmulas e meu coração estava
palpitante. Devia ser do cachimbo, porque eu estava ali em pé, mole e
exausta, como um macarrão cozido.

Eu não consigo lembrar se andei, ou se Jack me carregou de


volta para a nossa barraca, mas ele me colocou na cama e enrolou o
cobertor apertado em volta de mim.

“Boa noite, Rodel.”

“Boa noite, Jack, Jack, Jack, Jack.”

Eu ouvi a batida suave dos seus sapatos e o estalido da sua


cama. O barulho de besouros da noite e o calor bêbado da fogueira
tinham quase me ninado quando houve uma rugido alto.

“Isso é um leão?” eu murmurei. Parecia que estava fora da nossa


barraca, mas eu estava muito cansada para me importar.

Leylah Attar
“Sim. Mas não está tão perto como soa. O rugido de um leão
viaja um longo caminho.”

“Eles estão fazendo isso?”

“Fazendo o que?”

“Mufasa.” Eu bocejei. “É por isso que ele é o filho da puta do rei


da selva.”

“Mufasa?”

Eu virei para olhar para ele, mas eu estava entrando em uma


névoa funda, “Deixa pra lá.”

Eu ouvi Jack rir no escuro.

Leylah Attar
MEUS OLHOS ESTAVAM pesados conforme eles abriram. Levou
um momento para focar nas vigas atravessando o teto. Havia um gosto
amargo na minha boca, e minha língua parecia estar coberta por uma
lã grossa. Algo não estava certo.

Então eu lembrei. A barraca. O cachimbo. Dançando com Jack.


O fogo. O tambor. Seu batimento cardíaco. Jack, Jack, Jack, Jack. Algo
rugindo entre nós.

Eu virei de lado e gemi. Eu estava de ressaca do que quer que eu


tinha fumado.

“Você está bem?” a voz da manhã de Jack era áspera e bruta.

Nós estávamos deitados nas nossas camas olhando um para o


outro.

“Estou bem.” A minha saiu como se eu tivesse sugado hélio. Não


era todo dia que eu acordava no mesmo quarto que um homem grande,
pesado. Ou um de tamanho médio. Ou qualquer coisa que possa
crescer durante a noite.

A luz fraca batia em seu cabelo, dando uma forma suave,


azulada. Uma mão estava embaixo do seu travesseiro, enquanto a outra
pendurava da cama, seus dedos perto o suficiente para tocar. Apesar de
todas as camadas, era fácil distinguir o corpo sólido de Jack.

Quando eu chegar em casa, eu vou ter uma vida, prometi a mim


mesma. Encontrar uns homens quentes. Sair. Fazer muito sexo, para não
ficar tão miseravelmente mal preparada perto de um corpo masculino.

Agora você está falando! Mo apareceu na minha cabeça.

Leylah Attar
Mesmo? Agora que você resolve aparecer? Quando estou tendo
pensamentos baixos?

Você me deve. Há um tempão. Você nunca teve histórias picantes


para dividir quando eu estava por perto.

Bem, nada picante está acontecendo aqui nesse momento.

Ainda não.

Mo! Ele acabou de perder a filha, e eu ainda estou me


recuperando de você.

E daí? Não há nada mais vital do que sexo.

Você sabe que não sou de brincadeira rápida no feno.

Não. Você quer mais. Você sempre quis mais. Mas você nem
sempre consegue o que quer. Ás vezes você consegue exatamente o que
você precisa. E Deus do céu, olhe para ele! Não me diga que você não
quer uma lasca disso.

Eu suspirei e fechei os olhos. Me diga uma coisa, Mo. Nós


estamos realmente tendo essa conversa ou eu estou inventando na
minha cabeça?

O que quer que leve seu barco.

Você absolutamente não tem jeito.

Ás ordens, cara.

Um nó amargo parou na minha garganta. Sinto sua falta, Mo.

Nenhuma resposta.

“Rodel? Tem certeza que está bem?”

Meus olhos abriram.

Jack estava me observando pelo pequeno espaço que separava


nossas camas.

Eu assenti e limpei a lágrima perdida que tinha escapado.


“Apenas tendo um momento.”

Leylah Attar
Ele não tirou os olhos da minha cara, e eu estava estranhamente
confortável com aquilo, com ele olhando uma parte de mim que
ninguém mais via. Ele era tão dolorosamente familiar com a perda que
dividir isso com ele não parecia estranho. Havia uma aceitação, um
entendimento, que me levantava e me segurava no seu olhar. Talvez ele
achasse o mesmo em mim porque seu rosto se tornou suave – o formato
dos seus lábios relaxado, o de baixo um pouco aberto.

O barulho de alguma coisa do lado de fora da barraca nos tirou


do momento.

“Eu acho que eles acabaram de trazer água quente,” ele disse.
“Quer tomar um banho agora?”

“Seria ótimo.”

Mas nenhum de nós se moveu. Nós deitamos lá por algum


tempo, enquanto a água ficava gelada do lado de fora, mechas de vapor
subindo na manhã gelada. Nós tínhamos encontrado um poço de
quietude, onde todos os fantasmas das nossas mentes tinham ido
dormir, e nós éramos as únicas duas pessoas acordadas.

Então Jack piscou, e o momento foi embora. Eu observei


conforme ele trouxe os baldes para dentro e os carregou para o
banheiro. Eu fui primeiro, tendo certeza que deixei água suficiente para
ele. Então novamente, talvez não. Havia muito mais dele para cobrir.

Eu saí da barraca enquanto ele tomava banho. Um sol nebuloso


aparecendo no horizonte. Mechas de nuvens rosas estavam se
despedindo de uma lua perolada. Os sentinelas não estavam, então eu
deduzi que era seguro andar durante o dia. O acampamento ficava à
beira da cratera, com vista para a paisagem abaixo. Mantendo uma
distância respeitosa da beira, eu olhei por cima e vi a colcha de retalhos
de cores nas planícies cobertas de grama. Conforme eu observava, elas
mudavam e se moviam. Então eu percebi que eram rebanhos de
animais selvagens e zebras, pastando no chão da caldeira. Eles mal

Leylah Attar
podiam ser discerníveis dessa altura, eram como blocos de pequenas
formigas marchando.

Era uma vista linda, surreal. Eu fui mais perto, mas nuvens
grossas que estavam baixando da beirada e cobrindo a cratera
encobriram minha visão. O ar estava notavelmente mais frio, e havia
uma leve garoa no meu rosto. Eu fechei o casaco do Jack e voltei para a
barraca.

Eu não fui muito longe. Tudo tinha ficado cinza e escuro. A


névoa me envolveu em redemoinhos de fumaça, me deixando quase
nada para ver antes de encobrir de novo. Eu andei em uma direção, vi
alguma coisa, e então comecei a andar naquela outra direção. Depois de
alguns minutos, eu estava completamente perdida, completamente
desorientada. Eu não sabia se estava andando em direção à cratera ou
para longe dela.

“Olá? Alguém pode me ouvir?” meu cabelo se agarrava úmido na


minha cabeça conforme eu estendia as mãos, tentando sair do labirinto
pesado, prateado.

Alguma coisa se mexeu na minha frente.

“Jack? É você? Tem alguém aí?” eu virei para seguir o


movimento.

Uma figura gigante, escura apareceu na minha frente. Tinha o


contorno fantasmagórico de uma pessoa mas com braços e pernas
alongados além das proporções. A cabeça estava coberta por um anel
brilhante, como uma auréola de arco íris nebulosa. Eu pisquei, certa
que eu estava imaginando a aparição aflitiva, mas ela ficou lá, tão real e
assustadora quanto as gotas de água caindo na minha pele. Eu dei um
passo para trás, e ela se moveu comigo.

Filho da puta.

Eu virei e corri cegamente, tropeçando no chão acidentado. Eu


pensei ter ouvido meu nome, e então passos pesados atrás de mim. Eu

Leylah Attar
aumentei o passo, no pico da adrenalina, mas não adiantou. Um aperto
forte segurou minha cintura e me virou.

“Que diabos, Rodel? Você não me ouviu? Por que você está
correndo?”

“Jack!” eu soltei um suspiro. “Graças a Deus. Aquela coisa.” Eu


olhei sobre seus ombros, meu peito pesado. “Você viu?” eu me soltei
dele, procurando em volta.

“Ouça.” Ele me puxou de volta com tanta força que eu bati de


encontro nele. “Pare de se mexer. Você me ouviu? Pare. Porra. De. Se.
Mexer.

A urgência na sua voz acorrentou meus passos.

“Você estava perto assim da beirada.” Ele deixou dois


centímetros entre seu polegar e o indicador. “Assim perto. Que porra
você acha que está fazendo?” ele estava furioso, seu rosto uma máscara
de raiva.

“Ouça-me!” eu soltei minha mão, meu coração ainda preto de


pavor. “Eu vi alguma coisa. Um fantasma. Uma figura escura. Eu não
sei o que era, mas estava me seguindo.”

Jack passou a mão pelo cabelo. Estava úmido da névoa. Ou


talvez do banho. Seu cabelo era mais escuro quando molhado, as
pontas enrolavam até um comprimento quase decente.

“Era grande?” ele perguntou. “Braços longos, pernas longas?”

“Sim.”

“Cores do arco íris em volta da silhueta?”

“Em volta da sua cabeça. Sim.”

Ele soltou uma respiração profunda. “Rodel?”

"O quê?"

“Não saia andando sem mim, ok?” ele começou a se afastar de


mim. Ele parecia saber exatamente o que estava fazendo.

Leylah Attar
“Espere.” Eu não ia perder a vista dele. “Você vai me dizer o que
era?”

“Nós vamos conversar lá dentro.”

Eu o segui para a sala de jantar e esperei até estarmos sentados.

“Como você fez aquilo?” eu perguntei, depois do garçom trazer


nossa comida.

“Fiz o que?”

“Me encontrar. E então encontrar a sala de jantar na névoa.”

“Quando você passa muito tempo na selva sem marcadores, sem


prédios, sem placas de estrada, você aprende a achar o caminho.” Ele
bateu na testa. “Quantos passos, qual caminho. No que lhe diz respeito,
eu só segui a sua voz e os passos. Não é difícil uma vez que você saiba o
que está procurando, eu só não esperava que você começasse a correr
em direção à montanha.”

“Foi aquela coisa.” Um arrepio correu sobre mim que não tinha
nada a ver com o frio. “Que diabos está lá fora, Jack?”

“Nada.” Ele passou manteiga em um pedaço de torrada e deu


para mim. “Você só testemunhou uma ilusão de ótica chamada Brocken
Spectre.”

“O quê?”

“Brocken Spectre. B-R-O-C-K-E-N. Era sua própria sombra


projetada na sua frente pela névoa.” Ele deu uma mordida na sua
torrada e tomou a Coca-Cola de uma vez.

“Não era uma sombra, Jack. Era enorme, e haviam essas luzes
coloridas em volta.”

“Eu já vi.” Jack assentiu. “Uma vez. Quando estava escalando o


Kili – o Monte Kilimanjaro. Não acontece com frequência. Só em
condições específicas. O sol precisa estar atrás de você, baixo no
horizonte, para lançar aquele tipo de sombra. A auréola colorida como
arco íris é produzida pela luz retro espelhada pela nuvem de gotas de

Leylah Attar
água. A percepção de profundidade é alterada pela névoa, então ela
parece distante e maior do que esperado.”

“Mas ele se mexeu. Não só comigo. Ele fez isso também, mas
era... não era simplesmente apagado e plano como uma sombra. Ele
mudava.”

“Porque a névoa é mais grossa em algumas partes e mais fina


em outras, então há um jogo de luz envolvido.” Jack terminou seu prato
e indicou o meu. “Você vai comer seu café?”

“Eu só estou... é fascinante.” Fazia sentido quando pensei nisso.


“Eu gostaria que soubesse. Eu teria aproveitado para estudá-la ao invés
de perder totalmente o controle.”

“O que nós não entendemos sempre nos assusta.”

“Sim, mas agora que eu sei, eu acho lindo. Quero dizer, eu fui
uma coisa muito maior por um momento. Com braços e pernas
compridos, tudo ao meu alcance. E não vamos esquecer da minha
auréola de arco íris espetacular. Eu posso parecer comum, mas sou
mágica!”

Jack sorriu e me olhou sobre os dedos.

“O quê?” eu perguntei, atacando meu prato.

“Não há nada de comum em você. Eu achei que tínhamos


estabelecido isso na noite passada.”

Eu fiquei vermelha conforme lembrei das suas palavras.


Insanamente linda. Apesar do nevoeiro da noite passada, aquele
momento ainda era claro. E a coisa louca, o que fazia ser importante,
era que ele queria dizer tudo sobre mim – não apenas como eu parecia.

“Eu devo admitir,” ele continuou. “Eu estou meio que agradecido
que as coisas vivas do dia te aterrorizaram.”

“Isso é horrível. Por que você gostaria de algo assim?”

“As vezes nós precisamos ser tirados da nossa própria realidade.


Nós nos baseamos tanto nas percepções dos outros sobre nós. Nós

Leylah Attar
vivemos para elogios, aprovação, aplauso. Mas o que nós realmente
precisamos é de um grande encontro de arrepiar a espinha com nós
mesmos para acreditar que somos mágicos. E esse é o melhor tipo de
crença porque ninguém pode desmentir ou tirar isso de nós.”

Eu assenti e tomei um gole de chá. “E você, Jack? Você acredita


na sua própria magia?”

“Eu parei de acreditar,” ele disse. “Depois da Lily.” Ele olhou


para fora para a imensidão cinza da cratera. “Tudo que o Brocken
Spectre significa para mim agora é uma projeção escura de mim
mesmo. Grotesca. Estranha. Contorcida. É isso que o mundo faz, sabe?
Ele distorce você até que você não consiga se reconhecer.”

Meu coração apertou com a dor que apareceu em seus olhos.


“Você é um bom homem, Jack.” Eu disse. “Você salvou minha vida hoje.
Eu podia ter acabado no fundo daquela cratera se você não tivesse
aparecido.”

Seus olhos voltaram para mim, como se ele tivesse estado longe
e eu tivesse acabado de trazê-lo de volta. “O que você estava fazendo tão
perto da beirada?”

“Eu estava olhando pela borda. Era lindo. Os animais, o lago, a


floresta. Isso foi antes da névoa descer e cobrir tudo.”

“Você deve ver de perto antes de sairmos. Faça isso agora. Você
nunca sabe se passaremos por aqui novamente.”

Eu assenti. Algumas semanas atrás, eu não tinha ideia do que


essa viagem traria. Novos rostos, novos lugares. Daqui a algumas
semanas, eles seriam todos deixados para trás. Uma pontada de tristeza
me ocorreu, mas dessa vez não tinha nada a ver com Mo.

“Você soube de Goma?” eu perguntei.

Jack tinha pedido ao Bahati para ficar com Goma e Scholastica


enquanto nós estávamos fora. Depois do que tinha acontecido com
Juma, eu entendi por que. Eu pensei no perímetro de muros da casa de

Leylah Attar
Gabriel em Rutema, os vidros quebrados em cima, o balanço
abandonado.

Eles não podem prometer segurança a ela, a irmã de Gabriel,


Anna, tinha dito, explicando por que Scholastica não ia para a escola.
Eu tinha achado que era por causa das crianças sendo maldosas
porque ela era diferente, mas era muito mais do que isso.

E agora eu era responsável por levar Scholastica para


segurança, e eu tinha jogado Jack, e Goma, e Bahati nisso também.

“O sinal do celular é esporádico aqui,” disse Jack. “Vou ter que


usar a linha fixa na recepção. Vou avisar Goma para não esperar Juma.
Você deixou alguma coisa no quarto?”

Eu balancei a cabeça e bati na minha bolsa.

“Ok. Você fica aqui, termina o café. Vou fazer nosso check-out.”

Quando ele voltou, eu estava falando com Ken e Judy. A névoa


estava subindo, e os hóspedes estavam calmamente entrando na sala
de jantar.

“Se você quiser ver a cratera, temos que ir andando,” disse Jack.

“Ouça o homem. Ele sabe do que está falando.” Ken serviu chá
para ele e Judy. “Nós saímos tarde ontem, e estava cheio de carros.”

“Aqui.” Judy me deu um cartão de visitas. “Se vocês estiverem


algum dia no nosso canto do mundo, a ainda 'não juntos'.” Ela fez
gestos com as mãos no não juntos.

“Obrigada.” Eu dei risada. “Aproveite o resto da sua visita.”

Nós nos despedimos e seguimos para a cratera. Jack parou no


portão para guardar as autorizações e papelada.

Conforme nós pegamos a estrada sinuosa que descia para a


caldeira, as nuvens que cobriam a beirada abriram caminho para uma
paisagem extensa, surreal. A nebulosidade dissipou e o mundo entrou
em foco novamente. Os primeiros animais que eu vi foram...

Leylah Attar
“Vacas?” eu virei para Jack surpresa.

Contra as pastagens suaves, um cúmulo vermelho de terra


marcava a fila de gado, seguindo devagar, pela trilha estreita para o
chão da cratera. Uma figura esquelética estava guiando seu rebanho
para a boca do domínio do leão.

“Os Maasai,” ele explicou. “Eles são livres para caminhar na


Área de Conservação Ngorongoro, mas não podem viver na cratera,
então eles trazem seu rebanho para pastar aqui. Eles têm que entrar e
sair diariamente.”

“Mas o que acontece se ele for atacado? Ou uma de suas vacas?”

“O gado é a maior riqueza dos Maasai. Um homem Maasai faria


qualquer coisa para sustentar ou defender sua criação. Ele é treinado
para isso desde que é um menino pequeno. Quando ele passa pelo
último teste de bravura, ele ganha seu nome de guerreiro. Matar um
leão costumava ser o ritual final de passagem para se tornar um
guerreiro, mas as coisas mudaram. Há leis e regulamentos do governo a
serem seguidos agora. Ainda assim, aquele ali..." Jack apontou para o
homem sozinho, marchando ao som dos chocalhos das vacas, lança na
mão “... é o último guerreiro.”

“É isso o que Bahati estaria fazendo se ele morasse aqui? Bahati


é um nome guerreiro?” eu perguntei conforme deixamos o homem para
trás.

“Bahati é seu apelido. Ele nunca recebeu seu nome de guerra.”

“O que aconteceu? Ele me contou que a família dele o rejeitou,


mas ele não disse o por quê.”

“Isso é algo que você deve perguntar para ele.” Jack mudou de
marcha conforme alcançamos o chão da caldeira.

Pedaços de floresta apontavam em volta de colinas íngremes,


fornecendo um pano de fundo para o mar de grama, salpicado com
rebanhos de búfalos pastando. Abutres com olhos afiados exploravam a

Leylah Attar
manhã abaixo. Um javali irrequieto correu pela planície, o rabo em pé, o
tufo de pelos no final balançando como uma bandeira preta. Avestruzes
nos inspecionaram com olhos brilhantes, suas cabeças carecas indo
para cima e para baixo. A vista era plana e clara por milhas e milhas.

Eu puxei uma respiração profunda. Tanta terra. Tanto céu.


Vasto e infinito. Era inspirador, nos deixando humildes, como se o teto
tivesse sido erguido e eu pudesse ver o amanhecer do mundo.

É lindo, Mo, eu pensei. Eu gostaria de ter vindo quando você me


pediu. Enquanto você ainda estava aqui.

“Ali.” Jack desligou o carro e apontou para alguma coisa atrás


de nós na grama da altura do joelho.

Havia um movimento quase imperceptível nas folhas. Então elas


abriram e uma alcateia de leões caminharam lentamente para fora,
balançando conforme andavam pelo caminho na nossa direção. Eu os vi
se aproximarem pelo espelho retrovisor, e segurei minha respiração
conforme eles nos rondavam com longos passos poderosos. Haviam dez
leões, incluindo dois machos com jubas grossas pretas. Suas patas
maciças não faziam som conforme eles passavam pelo carro. Um dos
filhotes fugiu, mas a mãe foi atrás dele. Ela o pegou pelo pescoço e não
o soltou mesmo depois deles se encontrarem com o grupo. Ele se
balançava para frente e para trás, na boca dela, miando desculpas.

“Uma despedida não muito real para um príncipe.” Eu dei risada


conforme os leões se retiraram no matagal de novo.

“Aquele era eu e Goma quando eu era pequeno,” Jack disse,


ligando o carro. “Eu estava sempre atrás de alguma coisa, e ela estava
sempre me trazendo de volta.”

“O que aconteceu com seus pais?”

“Meu pai amava voar. Meus pais estavam voltando para casa
quando seu assento de dois lugares bateu. Eu tinha sete anos. Goma se
fechou no quarto por uma semana. Quando ela saiu, ela estava tão forte

Leylah Attar
como ela sempre foi. Apesar de, as vezes eu achar que foi mais por mim.
Ela não podia se dar ao luxo de desmoronar. Como eu fiz com Lily.”

Ela não se culpava pelo que aconteceu com seu filho, como você
está fazendo com Lily, eu pensei, mas segurei a língua. “Seu avô não
estava por perto?”

“Ele morreu antes de eu nascer, mas eu sinto como se o


conhecesse. Provavelmente por causa de todas as histórias que Goma
me contou sobre ele. Eu costumava achar que ela estava inventando,
mas eu ainda encontro pessoas que falam sobre ele. Ele era maior que a
vida. Um homem extraordinário.”

Nós passamos por um rebanho de gnus e zebras. Jack explicou


que as zebras pastavam na parte mais dura da vegetação, enquanto os
gnus preferiam as partes mais macias, então eles emparelhavam
perfeitamente. Vagando pelas planícies juntos aumentava a atenção por
predadores, e as listras das zebras confundiam gatos selvagens.

“Onde nós vemos preto e branco, o leão vê apenas listras


padronizadas porque ele é daltônico. Se uma zebra estiver parada com a
grama em volta dela ondulada, um leão pode ignora-la completamente.”

Eu sempre tinha sido atraída por homens que tinham cérebros


para respaldar sua força física. Jack dava conta do recado
perfeitamente, mas eu estava apenas meio ouvindo suas palavras. Era a
voz dele que me encantava. Ele não falava muito, mas aqui no espaço
imenso, desimpedido, ele parecia estar se abrindo para mim. E a sua
voz era deliciosa. Ela fazia minha pele vibrar como um diapasão – o tom
perfeito, o timbre perfeito, fazendo os pelos da minha nuca levantarem.
Eu queria que ele continuasse o tempo todo.

Ele deve ter sentido a alteração no ar porque ele parou e olhou


para mim. Diretamente para mim. E não era com a leveza do seu olhar
de hoje cedo. Era diferente. Diferente de palpitar o coração.

Há uma regra não falada de quanto tempo você pode olhar assim
para outra pessoa. Ninguém diz isso, mas todos nós sabemos. Há o

Leylah Attar
olhar rápido que damos a estranhos, a confirmação que trocamos com
as pessoas que conhecemos, a piada particular, a aceitação silenciosa,
olhar de amante, a preocupação de pais. Nossos olhos são sempre
diferentes, sempre falando. Eles encontram e olham longe, mil nuances
expressadas sem palavras. E então havia isso. O que quer que estivesse
se passando entre Jack e eu no meio daquela antiga caldeira. Talvez
fosse porque nós não sabíamos exatamente onde nos encaixar – duas
pessoas unidas por uma trágica tarde ensolarada, resgatadas da beira
da atração – vidas que tinham um oceano se distância, respirações que
se arrastavam no espaço entre nós.

Um jipe tocando música alta passou por nós, deixando uma


película de poeira no vidro. Jack ligou o carro.

“Eles estão começando a vir. Nós devemos seguir para o lago


antes de ficar muito cheio. Há um lago salgado, não muito longe na
frente, no centro da cratera.”

Eu soltei minha respiração e assenti. Alguma coisa estava


sempre crepitando entre nós, esperando para pegar fogo. Não era algo
que um de nós quisesse, então nós recorríamos para a distância e
distração.

Eu olhei para fora da janela, para o rebanho de búfalos, tão


mansos que eles não se mexeram conforme nós passamos.

“Ele são um dos Big Five,” disse Jack.

“Big Five?”

“Leões, leopardos, elefantes, rinocerontes e búfalos. Eles são


chamados de Big Five. É um termo que originou com grandes
caçadores. Não tem nada a ver com o tamanho deles, mas porque eles
eram os animais mais ferozes e perigosos para caçar. Agora nenhum
safari aqui é completo sem localizar todos os cinco.”

“Eu vi dois até agora. O leão e o búfalo.” Eu senti saudades de


Mo naquele instante – tanta que de repente ficou difícil de respirar. Eu
tinha ficado tão focada nos meus objetivos, que tinha deixado as coisas

Leylah Attar
importantes escaparem. Eu tinha minha pequena casa, mas nunca
teria a lembrança de fazer um safari com a Mo.

“Tenho certeza que vamos ver os elefantes, mais perto da


floresta, mas os leopardos costumam ser tímidos, e os rinocerontes
sumiram da caça.” Disse Jack. “Os chifres dos rinocerontes estão em
alta demanda, muito por causa do mito do valor médico deles. A
verdade é, você pode roer as unhas por toda a diferença que faz.”

“Chifres de rinocerontes. Partes do corpo de albinos. Você já


pensou quem começa esses mitos e como eles ganham força?”

“Nós todos queremos mágica, Rodel. Nós queremos acordar


ricos. Ou saudáveis. Ou bonitos. Nós queremos fazer a pessoa que nós
amamos ficar conosco, viver conosco, morrer conosco. Até algo melhor
vir, algo que nos sirva melhor. A verdade é que eu e você estamos
criando um mito nós mesmos. Com Scholastica e as outras crianças.
Nós achamos que se levarmos eles a Wanza, nós vamos salva-las. E
sim, elas estarão mais seguras, mas ainda assim é uma mentira.
Porque isso vai apenas mantê-las fora do resto do mundo. Finalmente,
elas vão ter que partir, e o mundo ainda vai ser o mundo. Elas podem
estar melhor equipadas para lidar com isso, não tão vulneráveis, mas
ainda serão os alvos.”

“Eu sei.” Eu segui o voo de um pássaro brilhantemente


emplumado antes de virar para ele. “Eu sei que não é uma solução.
Nada vai mudar até que as superstições sobre elas desapareçam. E
quem sabe quando isso vai acontecer? Eu não tenho as respostas, Jack,
mas ás vezes as únicas coisas que nos impedem de cair são mentiras
necessárias. As do tipo que nós contamos, então nós podemos seguir.”

“Mentiras necessárias,” Jack repetiu. Ele tirou seus olhos da


estrada e olhou para mim.

De repente, nós não estávamos mais falando das crianças.


Estávamos falando das doces mentiras necessárias que podíamos dizer
um ao outro naquele momento. Nós podíamos fingir – trocar telefones,

Leylah Attar
prometer manter contato, nos visitar, lembrar dos aniversários – apenas
para nos permitir um gosto do que quer que estava batendo forte e
rápido entre nós. Seria como chupar balas de pimenta. Iria zumbir e
arder quando acabasse, mas seria tão, tão bom. E talvez fosse isso – o
fascínio de algo selvagem e indulgente para nos impulsionar de volta
para a vida. Exceto que nós não éramos essas pessoas. Nós éramos
Jack e Ro. E a última coisa que nós precisávamos era nos conectarmos
e libertar outra pessoa.

Eu virei e olhei para fora da janela conforme nos aproximamos


do lago. Ele ficava como uma joia no meio da cratera.

“Um lago rosa?” eu perguntei.

“Olha de novo,” Jack disse.

“Flamingos!” eu exclamei, conforme eles apareceram.

Milhares de pássaros de penas rosas se alinhavam na margem.


Seus pescoços sinuosos entravam e saiam da água, como se bicando
seus reflexos esguios, altos.

Conforme Jack dirigiu mais perto da margem, os flamingos se


espalharam em volta de nós, como pétalas rosas no vento. Alguns
voaram, abrindo suas asas e mostrando a plumagem vermelha por
baixo.

Meu coração se elevou com alegria inesperada, pela Mo. Que ela
tinha tido essa vista incrível, que ela não tinha ouvido quando eu tinha
falado para ela encontrar um emprego de verdade ou alugar um
apartamento de verdade. Ela tinha arrumado tanto as malas na vida,
vivendo cada dia da sua maneira, era como se ela tivesse sabido que
não havia tempo para desperdiçar. Algumas pessoas são assim. Elas
ouvem sua voz interior mesmo que seja louca e selvagem e não faça
sentido para o resto de nós.

Foi curta, Mo. Mas foi completa e cheia de sabor.

Você está falando da minha vida ou daquelas balas de menta?

Leylah Attar
Eu dei risada conforme os flamingos dançaram em volta de mim,
buzinando como gansos. Eles estavam tão perto que eu podia ver o
amarelo dos seus olhos e a curva dos bicos. O céu estava
completamente azul agora, exceto por algumas nuvens brancas vindas
do lago. Estava muito mais quente e a minha pele estava farta de sol.

“Ha!” eu bati no teto com meu punho, adorando o vento no meu


cabelo. “É um lindo dia!” eu gritei para os pássaros.

Nós os deixamos para trás e passamos por brejos e pântanos


onde hipopótamos chafurdavam em piscinas de lama. Uma matinha de
hienas circulavam os restos de uma matança. Elas mordiam as costas
pretas dos chacais que estavam as prejudicando. Abutres e cegonhas
Marabou sobrevoavam, olhando para entrar em ação. Dois grous de
coroa cinza observavam um grupo de búfalos agressivos caçarem um
leão perto da água.

Jack deu uma guinada da estrada de terra e parou o carro.


Alguns minutos depois, ele pulou do meu lado e me deu um par de
binóculos.

“Vê aquele grupo de pássaros ali?” ele esperou que eu os visse.


Eles tinham o pescoço creme, e estavam bicando o chão. “Eles são Kori
Bustards. Os machos estão entre os pássaros mais pesados do mundo.
Agora olhe para cima para aquela árvore. A alta com o galho saindo
para a direita.”

Ele parou ao meu lado, seu peito nas minhas costas, apontando
para fora. Sua outra mão descansava no meu ombro, quente e pesada.

Levei alguns minutos para encontrar o que ele queria que eu


visse.

“Um guepardo,” eu disse.

Ele estava esticado no galho, os olhos fechados, o rabo afastando


as moscas em volta.

Leylah Attar
“Não é um guepardo. É um leopardo.” Nós estávamos tão perto
que o respiração do Jack agitava meu cabelo conforme ele falava. “Eles
são fáceis de confundir porque ambos têm manchas. Guepardos têm
manchas pretas sólidas e linhas pretas que correm dos cantos dos
olhos. As manchas dos leopardos são agrupadas, como rosetas. Os
leopardos são maiores e mais musculosos. Não são feitos para
velocidade como os guepardos, mas o que falta para eles em velocidade,
eles ganham em esconderijo e força. Eles sempre carregam sua presa
para o alto da árvores para evitar que predadores as comam.

Eu observei a barriga do leopardo subir e descer com cada


respiração. Eu pensei nele correndo pela grama alta da Savana, dando o
bote inesperado em sua presa, exercendo uma força letal com sua
mordida poderosa.

“Número três do Big Five,” eu disse, com um pequeno tremor.

“Você ainda está com frio?”

“Estou bem,” eu disse, inclinando meu rosto para ele.

O sol estava bem atrás de nós, emoldurando seu cabelo


bagunçado como uma juba dourada.

Eu fico pensando se ele é como Mufasa, Mo.

“O que é tão engraçado?” Jack pega minha risada.

“Nada.” eu desviei o olhar. “Ás vezes eu tenho essas conversas


estranhas com a minha irmã.”

“Tinha alguma coisa a ver comigo, não é?” ele perguntou, como
se conversar com a minha irmã fosse uma coisa completamente normal
de fazer. Então, novamente, talvez fosse alguma coisa que ele podia
entender.

“Você faz isso?” eu perguntei. “Você conversa com Lily?”

“Não consigo.” As cercas subiram em volta dele, como se eu


tivesse ido longe demais e tocado em algo que ele não quisesse que

Leylah Attar
ninguém visse, algo pessoal e cru e doloroso. “Eu não posso... encara-
la.”

Meu coração apertou. Jack se culpava demais para ter uma


conversa com a filha. Até mesmo uma imaginária. Porque ele não tinha
sido capaz de chegar até ela a tempo. Porque ela tinha morrido sozinha.
Eu queria dizer alguma coisa, mas mantive minha boca fechada. Dizer a
alguém para superar algo como isso era uma merda.

“Se você não pode falar, só ouça,” eu disse. “Talvez um dia você
vá ouvir o que ela está dizendo.”

Eu me espremi para passar por ele pelo teto aberto e sentei no


meu lugar. Nós dirigimos em silêncio até chegarmos em um lugar com
árvores altas de casca amarela. Macacos-vervet pulavam na densa
canopa, e pássaros voavam pelos galhos.

“A floresta Lerai,” Jack disse.

“Oh, Jack. Olhe!” eu apertei seu braço e apontei para o matagal


escuro.

Um elefante enorme estava se esfregando contra uma árvore,


suas presas grandes se arrastando na terra.

“É um macho velho. A maioria dos elefantes da cratera são


machos,” Jack disse. “As manadas grandes mais novas só descem aqui
ocasionalmente.”

“Por que ele está fazendo aquilo? Se esfregando contra a árvore?”

“Provavelmente se coçando. Ou se livrando de parasitas na pele.”


Ele se inclinou para frente e piscou pelos binóculos. “Talvez ele esteja
apenas excitado.”

Ele disse isso tão à toa, que comecei a rir. “Você está conferindo
o pênis dele?”

Jack me olhou de lado. “Você acabou de bufar, Rodel Emerson?”

“Foi uma risada.” ele encostou e cruzou os braços.

Leylah Attar
“Você bufou. E você chama um pau de pênis.”

“Mo disse que eu deveria descer aqui para que ela pudesse me
mostrar um pênis de elefante.”

“Nesse caso, missão cumprida.” Ele fez uma marcação de


checado imaginária no ar e me passou os binóculos. “Vá em frente. Não
fique tímida.”

“Não, obrigada. Eu não preciso ver seu... seu pênis.” Eu tinha


certeza que estava vermelha como pimentão, ou talvez um tom de
cereja.

“Oh, meu Deus... Você está envergonhada. Você está colorindo


como o pôr do sol do Serengeti.” Jack estava rindo. Um sorriso de
orelha a orelha que era completamente deslumbrante.

“Podemos ir?” eu devolvi para ele os binóculos.

“Segure com você,” ele disse, ligando o carro de novo. “Nós


provavelmente veremos mais pênis pela frente.”

A cor voltou nas minhas bochechas conforme nós dirigimos pela


floresta pintada, mas o zumbido se mantinha – como eu fiquei com o
sorrido desse homem.

Nós vimos babuínos, e mais elefantes arrancando galhos e


enfiando-os nas bocas.

“Parece que não vamos ver todos os Big Five hoje,” disse Jack,
conforme nos aproximamos da subida de volta para a margem.
“Nenhuma visão de rinocerontes.”

“Quatro dos cinco não é ruim,” eu respondi, olhando para a


cratera.

Filas de carros cruzavam as planícies abaixo, levantando poeira


atrás deles. Um grupo de leões se esparramava embaixo da sombra de
uma árvore, enquanto um Maasai levava seu gado. Alguns passos
adiante, uma zebra recém nascida se aninhava em sua mãe com as
pernas fracas. Sem a névoa, a cratera era visível até o margem da

Leylah Attar
floresta. Um punhado de nuvens brancas se arrastava, lançando
sombras escuras no chão.

A Mo tinha parado aqui para ter essa vista? Eu pensava. Apesar


dela ter ido embora, eu me sentia mais perto dela por ter estado aqui.
Era como tocar a sombra de sua alma.

“Obrigada,” eu disse a Jack. “Eu acho que nunca vou esquecer


isso.”

O azul dos olhos dele me segurou por um instante. Tudo parecia


silencioso e vazio.

Foi um pouco antes dele falar, e sua voz era suave, mas
carregada. “Eu também não.”

Perder alguém que você ama ajusta você à fragilidade da vida –


de momentos e memórias e música. Faz você querer abraçar todos os
desejos bobos, não articulados que se arrastam no seu coração. Faz
você querer se agarrar a notas não tocadas de sinfonias não tocadas.
Talvez fosse por isso que Jack e eu nos apegamos àquele momento, os
olhos travados, respirações suspensas, ouvindo algo que só nós
podíamos ouvir, algo que vivia no espaço passageiro entre oi e tchau.
Isso me fazia querer congelar a imagem da pradaria abaixo de nós, e o
jogo de luz no rosto do Jack.

Leylah Attar
CONFORME NÓS SAÍMOS da cratera, as árvores altas davam
lugar a um platô alto, varrido pelo vento.

“Mais uma parada antes de seguirmos de volta,” Jack disse,


virando na entrada de uma vila Maasai.

Era uma coleção de choupanas rodeadas por um círculo de


arbustos de espinhos para manter os animais selvagens e predadores
longe. Jack pegou uma mochila do porta-malas e colocou sobre o
ombro.

“Você não viaja com pouca bagagem, né?” eu disse, quando vi


tudo guardado no carro.

Rodas sobressalentes, rolos de corda, um lavatório, panelas,


potes, utensílios, um fogão portátil, galões extra de gasolina, água,
cabos elétricos, rede de mosquito, equipamento de acampamento, um
kit de primeiros socorros, uma lamparina de parafina, fósforos, latas de
comida, alicates, ferramentas, equipamentos eletrônicos. E um rifle,
com o que parecia um visor de longo alcance.

“Eu venho preparado quando saio para as reservas.”

“Então, o que tem na mala?” eu perguntei, seguindo-o pelo


caminho da vila.

“Café, da fazenda,” ele disse. “Para o pai de Bahati. Ele também


é o mais velho na vila. Um cara interessante. Sábio, teimoso, perspicaz.
Ele é preso em algumas coisas, mas incrivelmente avançado em outras.
Oito esposas, vinte e nove filhos, e contando.”

“Sério? Então, os Maasai são polígamos?”

Leylah Attar
“Sim. Eles determinam a posição de um homem primeiro por
sua bravura, e depois pelo número de esposas, filhos, e vacas que ele
tem. Cada esposa tem uma casa dentro da mesma boma ou vila. A vila
de Bahati não é tão tradicional como algumas outras bomas Maasai. É
uma boma cultural, o que significa que muitos tours param aqui para
as pessoas visitarem as casas, tirarem fotos, comprarem souvenirs.
Esse tipo de coisa.”

Um grupo de homens Maasai apareceram para nos


cumprimentar. Eles estavam vestidos de vermelho e azul brilhantes, a
pele num tom de acácia. Eles eram tão altos quanto Jack, pelo menos
1,80, mas magros, corpos rijos, e olhos que pareciam permanentemente
amarelos – provavelmente da fumaça da madeira. Eles usavam tranças
longas, tingidas com argila vermelha, e tinham lóbulos nas orelhas
abertos decorados com miçangas e adereços. Ao verem Jack, o modo de
andar duro aliviou e seus sorrisos abriram.

“Jack Warden, sem pagamento para entrar,” um deles disse.


“Sua namorada? Também sem pagamento.”

“Asante. Obrigado,” Jack respondeu. “Venha, namorada. Vamos


seguir o moran.”

“O moran?” eu ignorei a parte do ‘namorada’.

“É como eles chamam seus guerreiros.”

Nós guiamos pelas pilhas de estrume de vaca, agitando as


moscas, e paramos do lado de fora de uma cabana em forma de pão. Os
morans nos apresentaram para um homem respeitoso com um lençol
xadrez vermelho amarrado sobre os ombros. Brincos de argola prata e
turquesa pendurados nas orelhas. Ele sentava em um banco de três
pernas e afastava com uma escovinha um mosca da sua cara. Homens
e mulheres se agachavam em volta dele. Os morans ficavam em pé ao
lado, apoiados em suas lanças, alguns balançando-as como cegonhas
em uma perna só.

Leylah Attar
“Jack Warden,” disse o homem, cuspindo em sua mão e
estendendo para Jack.

“Olonana.” Jack apertou a mão dele.

Eu tentei não pensar no cuspe na palma selando o


cumprimento.

“Essa é minha amiga, Rodel.” Jack me guiou para frente até eu


estar em frente ao chefe. “Rodel, esse é o pai de Bahati.”

Oh Deus. Por favor deixe que seja um oi sem cuspe.

Eu sorri e fiz uma breve reverência, mantendo ambas as mãos


presas ao meu lado. Ele assentiu, e eu soltei a respiração.
Aparentemente, seu cuspe não era para qualquer um, só para aqueles
que ele tinha grande apreço. E ele obviamente gostava muito de Jack
porque ele pediu outro banco para ele, enquanto fui dispensada.

“Ela senta comigo,” disse Jack, segurando a minha mão e me


puxando de volta.

Nenhum outro banco apareceu e depois de algumas batidas eu


percebi que Jack realmente queria dizer que eu iria sentar com ele. Ou
melhor, sobre ele. E então eu me empoleirei desajeitadamente no colo
de Jack, enquanto as mulheres e as crianças riam de mim.

“Kasserian ingera.” Olonana não usava as palavras suaíles


familiares para oi que eu tinha me acostumado – habari ou jambo.

“Sapati ingera,” respondeu Jack.

Eu pensava se mais alguém cumprimentava o chefe dessa


maneira – solene e sincera, enquanto balançava um mulher se torcendo
na sua coxa.

Eles trocaram algumas palavras, então Olonana levantou sua


escovinha para um homem cuja forma curvada, envelhecida mal era
discernida contra a entrada escura da cabana. Ele estava vestido com
um pano comprido verde, mas o que destacava era a bolsa de couro
pendurada em seu pescoço. Ela era adornada com contas brancas e

Leylah Attar
conchas de búzios, diferentes dos ornamentos que todos os outros
estavam usando. Ele também tinha um colar de dentes de crocodilo que
faziam barulho quando ele se mexia.

“Aquele é Lonyoki. O oloboni,” Jack explicou em uma voz


silenciosa. “Eu acho que você poderia chama-lo de líder espiritual deles.
Um homem de visão e de medicina. O oloiboni é encarregado de predizer
o futuro. Ele supervisiona os rituais e cerimônias.”

“Então ele é como Rafiki.” Eu parei de me mexer e decidi engolir


minha tarefa ridícula de sentar no colo da forma mais graciosa possível.

Jack piscou antes de entender. “Você está falando do xamã


daquele filme, O Rei Leão. O que há com você e todas as referências ao
Rei Leão?”

“O que você quer dizer?”

“Você estava balbuciando Mufasa na noite passada.”

“O quê?” Oh Deus. “O que eu disse?”

“Algo sobre ele ser o rei da floresta.”

Eu estava grata que rafiki, mais conhecido como Lonyoki,


conhecido como o homem da medicina, escolheu aquele momento para
socar seu mastro no chão. Ele tinha uma vara de madeira polida com
um botão em cima, entalhado na forma da cabeça de uma serpente.
Baforadas de fumaça vermelha se agitavam em seus pés. Todo mundo
virou sua atenção para a mulher que levantou da multidão e
desapareceu na cabana.

“O que está acontecendo?” eu perguntei a Jack, percebendo que


tínhamos interrompido algum tipo de encontro da vila.

“Uma cerimônia de chegada à idade adulta,” ele respondeu. “Não


importa o que aconteça a seguir, eu quero que você continue sem
expressão. Não mostre nenhuma emoção. Não desvie o olhar. Não
recue. Você me ouviu?”

Leylah Attar
“Por que? O...?” eu parei conforme os gritos estridentes de uma
garota encheram o ar. Estava vindo de dentro da cabana. O que quer
que estava acontecendo com ela era torturante – dolorido e agonizante.
E ainda assim ninguém se mexeu para ajudá-la. Eles todos esperavam,
amontoados do lado de fora, caras brancas viraram para o vão da porta
escuro. Um coro de mulheres começou a cantarolar como se para evitar
ouvirmos o som ou talvez oferecer conforto a ela.

“Jack, o que está acontecendo?” eu sussurrei.

“A transição de adolescência para mulher. Circuncisão


feminina.” Ele prendeu o braço em volta de mim conforme disse isso,
contendo minha explosão de raiva. “Ouça.” Ele se inclinou mais perto e
falou devagar e firme no meu ouvido. “Isso acontece, mesmo que o
governo tenha proibido. Está profundamente enraizado na tradição,
mas Olonana e seu povo estão se afastando disso. O que está
acontecendo lá é simbólico. A garota está recebendo um corte ritual na
coxa. Não é nada comparado a cortar fora parte da genitália dela. O
grito é importante. Ela precisa gritar alto o suficiente para todos do lado
de fora ouvirem, ou ela não vai sentir como se tivesse ganho o status
conferido a ela. Eles fazem a circuncisão nos garotos também, em seus
adolescentes, só que eles não podem emitir um único som. Fazer isso
traz vergonha para ele e para a família.”

A coisa toda era dura e severa para aceitar. Quando os gritos da


garota pararam, eu percebi que meus dedos estavam apertando forte
em volta dos de Jack.

“Você os conhece pelo Bahati?” Eu perguntei, soltando como se


eu tivesse tocado em um fogão quente. “Olonana e seu povo?”

“A família de Olonana salvou meu avô durante a guerra quando


ele foi ferido em território hostil. Eles o abrigaram até ele se recuperar
dos ferimentos. Goma e eu sempre paramos aqui e prestamos nosso
respeito sempre que estamos na área.”

Leylah Attar
“Por isso que você tomou Bahati sob sua asa e o ensinou a
dirigir?”

“Eu nem sabia que ele era filho de Olonana a princípio. A


maioria dos filhos dele mora por aqui, nos bomas.”

Todos ficaram de pé conforme a garota apareceu da cabana,


amparada por duas mulheres. Uma era a senhora que tinha entrado na
cabana antes, provavelmente para fazer o corte ritual, e a outra, eu
deduzi ser a mãe da garota. A garota recebeu contas tradicionais e um
anel feito de pele de animal como prova da sua passagem para a vida
adulta. O oloboni apresentou-a para a vila, pronta para casar, e todas
as responsabilidades que vinham com isso.

“Ela é tão jovem,” eu comentei.

“Ela é uma das sortudas,” responde Jack. “Alguns anos atrás,


ela não seria capaz de andar por aí por dias.”

“Então, o que os convenceu a parar de fazer isso? A circuncisão


feminina?”

“Não é algo que aconteceu da noite pro dia. Eventualmente,


aconteceu de persuadir os homens que sexo com uma mulher
incircuncisa é mais prazeroso – que, longe de promover a
promiscuidade, ter um clitóris intacto deixa uma mulher mais receptiva
para seus avanços.”

“É uma sociedade patriarcal,” Jack continuou, pegando a


expressão na minha cara. “A maneira de vida deles pode parecer
estranha e severa, mas cada cultura se desenvolve com seus próprios
valores e práticas que mudam com o tempo e circunstância. As
mulheres estão empurrando de volta e se tornando mais independentes.
Muitas delas começaram a trabalhar com organizações estrangeiras,
vendendo suas pulseiras e joias. Elas estão tornando suas habilidades
de trabalhar com contas em algo que gera um rendimento.”

Nós nos fundimos no meio dos habitantes que estavam indo


para um recinto de criação de gado no centro da propriedade. A maior

Leylah Attar
parte do gado estava fora pastando, mas tinham ficado alguns para
trás. Com alguns bodes e ovelhas. Uma vaca estava abatida com um
furo na jugular com uma flecha cega. O sangue que jorrava do pescoço
foi pego em uma cabaça e servido à menina que tinha acabado de
passar pela cerimônia.

“Os Maasai raramente matam seu gado,” explicou Jack. “Mas


eles extraem um pouco do sangue e estancam a ferida logo em seguida.
A vaca não vai mais valer, e o sangue é usado como proteína para
ajudar os fracos ganharem força...” ele parou de falar porque a cabaça
cheia de sangue estava sendo passada em volta e Olonana ofereceu a
ele em seguida.

Eu observei quando ele deu um gole e passou adiante.


Felizmente, ele me pulou e por isso, ele tinha minha gratidão eterna.
Sushi estava tão aventureiro quanto eu estava disposta a tomar, mas
tiro o chapéu para ele por ir todo Drácula nele.

“Você bebe quando te oferecem,” ele disse. “É um sinal de


respeito.’

“Entre o sangue e o cuspe, a troca de fluidos corporais é


claramente um tema vencedor,” eu comentei soltando a respiração, mas
Jack não me ouviu, no entanto. Eu tinha sempre achado que era justa
e de mente aberta, mas meus preconceitos estavam começando a
aparecer, e isso estava me deixando nervosa e desconfortável.

“Talvez, eu não devesse ter aceitado o convite para a orgia


comum que nós estamos indo?”

“O quê?” eu parei.

O garotinho andando atrás de mim deu com o nariz na minha


bunda. Foi uma batida macia para ele, mas ele tinha uma cabeça dura,
e eu esfreguei minha bunda conforme todos passaram por nós.

“É parte da celebração.” Jack checou minha bunda com grande


interesse, então olhei para ele, mesmo que uma parte de mim doesse

Leylah Attar
sempre que eu dava uma olhada nesse Jack – o Jack divertido,
descontraído que tinha estado enterrado no entulho de um shopping.

“É uma orgia de comida, Rodel,” ele disse. “Eles vão abater um


bode para a cerimônia de hoje.”

“E eu devo comer isso?” minha bunda estava dolorida, eu estava


cansada, e as moscas pareciam ter uma coisa por mim. Eu estava com
fome, mas não com tanta fome.

“Eles vão assá-lo.” Jack deu risada. “Mas antes, eles dançam,”
ele disse, conforme nós nos encontramos na margem do círculo de
moradores.

Um moran entrou no círculo, pronto em seu lençol vermelho e


capa turquesa. Ele começou a pular, a lança na mão, enquanto o resto
dos homens emitiam um som baixo. Conforme ele pulava mais e mais
alto, eles aumentavam o tom para combinar com os saltos, até que ele
cansou e outro guerreiro assumiu seu lugar. Então as mulheres
começaram a cantar. Uma mulher sozinha murmurava uma frase e o
resto do grupo respondia em uníssono. Várias mulheres usavam golas
ornamentadas com contas, em volta dos seus pescoços que balançavam
para cima e para baixo quando elas batiam os ombros. Conforme os
homens pulavam, ferozes e orgulhosos, alcançando alturas
impressionantes, todos acumulando louvores neles. Era uma exibição
de músculos masculinos, virilidade e estamina. Eu dei uma olhada nas
mulheres para ver se elas estavam prestando atenção.

Deus do céu, elas estavam. Elas estavam totalmente nisso.


Principalmente a garota que tinha passado pela cerimônia simbólica da
circuncisão. Ela estava sendo cutucada e acotovelada pelas outras
garotas. Ela era a Solteira, a debutante, a Bela do Boma. Eu pensava se
ela escolheria seu marido, ou se seria decidido por ela.

Eu estava prestes a perguntar para o Jack quando Olonana o


puxou para dentro do círculo. Uma vibração alta correu a multidão
conforme Jack tirou seus sapatos. Aparentemente, era um chamado

Leylah Attar
para batalha – para ver quem podia pular mais alto. Olonana e Jack
pulavam olhando um para o outro, subindo e descendo. Eu vi uma
adaga guardada embaixo das roupas do chefe conforme eles subiam
mais e mais. Era um duelo entre o chefe e seu visitante, e Jack estava
dentro nessa.

Havia uma fluidez desenfreada em seus movimentos, uma


crueza que estimulava algo quente e elétrico em mim. Ele era músculo
em ação. Dinâmico, dominante, envolvente. Eu podia ver as linhas
quentes do seu corpo sob suas roupas – a expansão do peito, o recorte
das coxas de aço, os braços que tinham passado por mim no banheiro
na noite passada. Eu enfiei as unhas na palma da minha mão,
esperando me acordar da loucura que me consumia, se espalhando
pelos meus nervos como grama pegando fogo. Havia algo na poeira, algo
no zumbido baixo e seco em minha volta, que parava no meu estômago
e se contorcia como um peixe procurando uma gota de água.

Eu suspeitava que Jack segurou no final, por respeito ao chefe.


E o homem mais velho era sábio o suficiente para saber disso, porque
ele convidou os outros morans para se juntar a eles, declarando uma
vitória compartilhada por todos. Quando o grupo parou, Jack me
encontrou. Eu evitei seu olhar, intensamente alerta da maneira como
sua respiração tinha ficado rápida e rasa, o leve brilho de suor na testa,
o fulgor quente do seu corpo.

“Tudo bem?” ele perguntou, dando um grande gole de água de


uma cuia que alguém deu para ele. Sem Coca-Cola aqui. “Você parece
corada.”

“Só... do sol.”

Ele me passou a água, e eu dei um gole. E então outro. Eu


queria me ensopar com ela. Eu não tinha que ficar tendo pensamentos
sexy sobre esse homem, eu não queria ter, merda.

Nós fomos convidados para a inkajijik de Olonana, uma casa


Maasai tradicional. A entrada era um arco comprido, estreito sem porta.

Leylah Attar
Depois do sol brilhante da tarde, levou alguns minutos para meus olhos
se ajustarem ao escuro. Eu senti em volta e encontrei uma cadeira
nodosa.

“Rodel.” Jack limpou a garganta.

Foi nesse momento que eu percebi que estava apertando o joelho


de uma senhora. Não uma cadeira.

“Desculpe.” Eu pulei para o colo de Jack ao invés. Estava


virando meu paraíso seguro.

Olonana e Jack conversavam, enquanto a senhora me olhava de


seu banco. Ela mexeu em um saco e então esticou algo para mim.
Conforme eu alcancei isso, alguma coisa aterrissou na minha cabeça.
Era úmido e quente. Eu estava prestes a tocar quando Jack agarrou
minha mão.

“Não,” ele disse.

“O que é isso?” eu podia sentir isso ajeitando no meu couro


cabeludo.

“Uma gota de chuva do teto.” Ele disse as palavras suavemente,


no meu ouvido. “Os deuses favoreceram você. Apenas sorria e aceite o
presente que ela está segurando para você.”

Eu fiz o que ele disse, pegando a pulseira da senhora. Era um


barbante com pequenas contas redondas costuradas em um cordão de
couro. Jack amarrou em volta do meu pulso.

“Está escrito alguma coisa.” Eu levantei minha mão para cima


para a luz. Havia uma letra queimada em cada conta.

“Taleenoi olngisoilechashur.” Disse Jack.

“Talee... o quê?”

“Há um ditado entre o meu povo, que tudo é um,” disse


Olonana. “Estamos todos conectados. Taleenoi olngisoilechashur.”

Leylah Attar
Eu fiquei momentaneamente perplexa que ele falou inglês, mas
fazia sentido que ele usasse o dialeto local quando ele falasse com Jack
uma vez que ambos entendiam.

“Estamos todos conectados.” Eu toquei nas contas, sentindo a


superfície fria, suave delas. “Obrigada,” eu disse para a senhora, tocada
pelo seu presente simples, significativo. “Asante.”

Ela sorriu de volta, revelando dois dentes faltando, um buraco


que fazia ela parecer um bebê enrugado.

“Minha mãe fala maa, não sauíle,” disse Olonana. “A palavra


Maasai significa que as pessoas falam maa.”

“Por favor deixe-a saber que eu amei isso.”

Conforme eu admirava as contas azuis, verdes e vermelhas na


pulseira, um prato quente de carne assada foi trazido para a cabana,
junto com uma cuia cheia de algum tipo de bebida fermentada.

“Você vai acompanhar minha mãe para outra cabana agora,”


disse Olonana, olhando para mim.

Claramente, os homens e as mulheres comiam separados, então


eu segui a mãe de Olonana para uma inkajijik enfumaçada, parecida
com a que tínhamos saído. Uma viga grande de madeira segurava o
teto. As paredes eram feitas de galhos, rebocadas com terra, estrume de
vaca, e cinzas. Havia um bezerro doente sendo cuidado por uma das
mulheres. Todas as outras mulheres estavam reunidas em volta de uma
tigela grande de madeira, mastigando com esforço a carne. Não era
nada como os cortes de primeira que Jack e Olonana tinham recebido.

A mãe de Olonana me ofereceu um pedaço de gordura


queimada, marmorizada. Eu sabia bem para não recusar. As crianças
tocavam no meu cabelo e pegavam na minha roupa conforme eu comia.
Moscas se agrupavam em volta das bocas e olhos, mas elas não
pareciam notar. Alguém me passou um chifre cheio de leite azedo. Eu
mergulhei meus lábios dele mas não bebi. Não havia uma única privada

Leylah Attar
à vista, e não havia como eu dar uma corrida desenfreada para os
arbustos caso não me caísse bem.

Você é tão bunda-mole, Ro.

Obrigada, Mo. Eu preciso me sentir pior sobre mim agora mesmo.

Eu sempre disse que você precisa sair mais. Você se encontra com
si mesmo quando viaja.

Eu a ignorei mas ela persistiu.

Bunda-mole.

Legal! eu mordi a carne ferozmente. Feliz agora?

Quando tive certeza que ela tinha ido embora, eu cuspi para
fora, mas não queria correr o risco de ofender ninguém. Eu pensei em
jogar num canto escuro, mas a minha operação secreta acabou sendo
desnecessária. Um cachorro entrou na cabana, cheirando em volta das
mulheres e crianças. Eu cocei sua orelha e o alimentei com o pedaço de
carne na minha mão, virando a cara dele para a parede até ele acabar
de comer.

Sinto muito, sinto tanto que esteja meio pré-mastigada.

Meu estômago roncou porque eu não tinha comido nada desde


que saímos do acampamento de manhã. A mãe de Olonana sorriu e me
deu outro pedaço de carne de bode.

Merda.

Graças a Deus, um ônibus cheio de turistas chegou, e todo


mundo saiu para cumprimenta-los. Jack saiu da inkajijik de Olonana
com o chefe e se juntou a mim. Olonana encheu uma mão de grãos de
café de um saco e os jogou na boca.

“Ele mastiga os grãos de café crus?” eu perguntei.

“Eles estão torrados. Mas sim, ele os come inteiros. Para


energia,” respondeu Jack. “Ás vezes os morans os usam em caminhadas
longas, ou quando eles querem ficar acordados à noite.”

Leylah Attar
Olonana puxou Jack de lado enquanto eu me despedia de sua
mãe. O resto dos moradores estavam fazendo uma dança de boas-
vindas para os turistas. Alguns estavam tentando vender as pulseiras e
outros artesanatos para eles.

“Sobre o que era?” eu perguntei, quando Jack retornou, “Parecia


bem intenso.”

“Ele estava me dando uma mensagem para Bahati.”

“Ele quer se reconciliar?”

“Ele só tinha duas palavras para ele: Kasserian ingera.”

“Não foi isso que ele disse para você mais cedo?”

“Sim. É um cumprimento Maasai. Significa, ‘Como estão as


crianças?’”

“Eu não sabia que Bahati tinha filhos.” Eu parei perto da tenda
na entrada da boma. Era cheia de souvenirs coloridos, feitos à mão.

“Bahati não tem filhos. Não é sobre seus filhos, ou meus, ou de


qualquer um. Você sempre responde ‘Sapati ingera’, que significa ‘Todas
as crianças estão bem.’ Porque quando todas as crianças estão bem,
tudo está bem e certo no mundo.”

“Isso é bonito. E profundo. Que pessoas estranhas, maravilhosas


que eles são.” Eu não conseguia ser capaz de me dar com os costumes
ou estilo de vida deles, mas eu admirava-os pelo orgulho e
autenticidade com que eles se mantinham com sua herança forte, rica.

“Você gosta disso?” Jack gesticulou para a imagem de madeira


que eu estava segurando. Era do tamanho da minha palma, esculpida
no formato de um menino tocando flauta.

Ele pagou por ela sem esperar uma resposta e me entregou


depois que a mulher embrulhou para nós.

“Obrigada. Você não precisava fazer isso.”

Leylah Attar
“Eu meio que precisava. Minha maneira de me desculpar.” Ele
esfregou a nuca encabulado.

“Desculpar? Pelo que?”

“Você sabe quando aquela gota de água caiu na sua cabeça?”

“Sim?” eu andei mais rápido, tentando acompanha-lo conforme


ele ia diretamente para o carro.

“Eu não queria que você ficasse histérica, mas a senhora cuspiu
em você.”

“A senhora...” eu parei. “Ela cuspiu...” eu toquei o lugar na


minha cabeça. Minha mão voltou seca, mas eu olhei para isso,
horrorizada.

“Ela gostou de você.” A boca de Jack vacilava, como se ele


estivesse tentando evitar rir. “Foi a maneira dela de te abençoar.”

A maioria das pessoas fica desconfortável com o silêncio,


especialmente o tipo de quando alguém está prestes a estourar. Jack
não era um desses. Ele ignorava a fumaça vindo das minhas orelhas.

“Isso não vai fazer diferença.” Ele abriu o porta-malas, colocou


um pouco de água em um pano, e esfregou minha cabeça com ele. “Mas
vai fazer você se sentir melhor.”

Eu olhei para ele sem dizer nada.

“Isso?” ele me ofereceu um pacote de biscoitos.

Silêncio.

“Isso?” ele jogou uma garrafa de suco de abacaxi.

Minha raiva se dissipou, porque sim. Sim. Eu estava morrendo


de fome, e aquilo me fez me sentir muito, muito melhor.

“Amigos?” ele perguntou, segurando a porta aberta para mim.

Eu ia revidar com áspera, mas meu estômago escolheu


responder. Com um ronco. Para seu crédito, Jack manteve o rosto sério.

Leylah Attar
Eu ataquei os biscoitos antes dele entrar no carro.

“Não é fã da cozinha local?” ele perguntou.

“Não fã de entranhas assadas, local ou não. E você é um para


conversar. Você comeu todas as coisas boas.”

“Ei, eu vim trazendo presentes para o chefe. Nós o pegamos a


tempo. Ele vai seguir logo com o gado.”

“Mas ele é o chefe. Ele pode mandar mais alguém para pastar o
gado.”

“Ele é um nômade. Quando ele sente o chamado da terra, ele


vai. Ás vezes ele caminha pelas planícies com eles, seguindo a água.”

“Uau.” Eu enchi a boca com biscoito de chocolate. “Eu vou ter


muitas histórias para contar para os meus alunos quando voltar.”

Nós deixamos o platô sombrio para trás, e a paisagem mudou


mais uma vez. Figueiras gigantes se alinhavam pela estrada, cobertas
de carreteis de musgo. Raios de sol brilhavam pelas folhas conforme
passávamos. Eu podia ver Mo ali – sua hospitalidade, seu
deslumbramento, sua energia aguçada, brilhante. Por um momento, fui
transportada de volta para um tempo em que éramos crianças,
brincando de esconde-esconde.

...5, 4, 3, 2, 1 ... pronto ou não, estou indo!

Eu lembrava da adrenalina de se esconder. A pressa de


procurar. Os corações correndo. Corpos se contorcendo. O barulho
quando encontrava alguém, ou quando alguém encontrava você. Talvez
a vida fosse isso. Sete bilhões de pessoas brincando de esconde-
esconde, esperando encontrar alguém e ser encontrado. Mães, pais,
amantes, amigos, brincando um jogo cósmico de descoberta – de si
mesmo e dos outros – aparecendo e desaparecendo como estrelas
girando no horizonte.

Talvez Mo ainda estivesse brincando de esconde-esconde nesses


raios de sol, na dança da grama dos elefantes, na fragrância de flores

Leylah Attar
selvagens, esperando por mim para encontrá-la de novo e de novo.
Talvez Jack encontrasse Lily nas tempestades, embaixo da árvore, perto
do seu túmulo. Talvez quando ele registrava trovão e raio, ele estava
capturando pedaços dela, para carregar com ele no seu celular.

“Podemos parar aqui?” eu perguntei, conforme circulamos um


afloramento rochoso. Uma figueira solitária crescia no pedaço suave de
terra na beirada.

Nós saímos e esticamos as pernas. Era fim de tarde, e as


sombras estavam ficando maiores nas planícies abaixo. Eu cavei um
pequeno buraco embaixo da árvore e enterrei a estátua de madeira que
tínhamos pego no boma.

“O que foi isso?” perguntou Jack, quando entramos de volta no


carro.

“Para Juma,” eu respondi. “Toda criança precisa de uma canção


de ninar. Agora ele pode ouvir os pássaros nas árvores, e o vento no
vale.”

Nós sentamos em silêncio por alguns minutos, conforme o sol ia


devagar atrás da silhueta da árvore gigante.

Então Jack pegou a minha mão, entrelaçando nossos dedos.


“Nós vamos pegar a próxima.”

Algo faiscou e agitou a calma entre nós. Parecia esperança, vida,


meu coração galopando para longe de mim.

“Nós vamos pegar a próxima,” eu repeti, pensando nas outras


duas crianças na lista da Mo.

Talvez fosse uma mentira necessária, uma que estávamos


tentando convencer nós mesmos, mas naquele momento, com a minha
mão descansando no aperto quente, sólido de Jack, eu achava que
qualquer coisa era possível. Porque era assim que segurar a mão de
Jack me fazia sentir.

Leylah Attar
QUANDO CHEGAMOS de volta à fazenda, as luzes estavam
apagadas e todos estavam na cama. Pela primeira vez em semanas, eu
peguei no sono no momento que coloquei a cabeça no travesseiro.

O tiro estourou de manhã cedo – um estrondo estridente, único


que ecoou pela quietude como um trovão.

Scholastica! Foi meu primeiro pensamento conforme eu saí da


cama. Eu abri sua porta do quarto, mas ela não estava lá. Eu procurei
por Jack, mas ele não estava em seu quarto também.

“Scholastica!” eu gritei, girando e correndo direto para Goma.


“Eu não a encontro,” eu disse, apoiando em sua forma pequena.

“Ela está bem. Ela dormiu comigo, no meu quarto.” Goma


segurou sua porta aberta, e lá estava Scholastica, aconchegada em paz
embaixo das cobertas.

“O que foi aquele barulho?” eu perguntei, tentando manter


minha voz baixa. “Você ouviu? E onde está Jack?”

“Era um rifle. E Jack provavelmente já saiu.” Goma amarrou um


roupão grosso em cima de seu muumuu. Ela abriu seu guarda-roupas,
afastou as roupas e pegou uma arma escondida no fundo. Ela carregou-
a calmamente, apoiou no quadril e calçou o sapato. “Nunca deixe um
velho pássaro bravo. Nós somos bravos, temos prisão de ventre e
precisamos do nosso sono da beleza.”

Ela sinalizou para eu ficar atrás dela conforme seguimos pelo


corredor. Se eu me visse, me arrastando atrás da forma frágil de Goma,
eu teria rido. Mas ela segurava a arma como se o assunto fosse sério, e

Leylah Attar
meu coração ainda estava na minha garganta. Eu não tinha ideia do
que estava esperando por nós lá embaixo. E nem ela.

As madeiras do chão estalavam conforme descemos para o


andar de baixo. Quando chegamos na cozinha, Goma afastou as
cortinas transparentes para o lado com a ponta da arma.

“Lá.” Ela apontou para a luz no campo. “Alguém está no curral.”

Nós fomos para fora e seguimos naquela direção, duas formas


escuras contra um céu violeta. Goma abriu o portão do curral,
mantendo o rifle apontado firme na frente dela. Algo estava no chão fora
do celeiro, pouco visível em uma luz fraca.

Minha mente correu todos os tipos de cenários, e se alguém


tivesse vindo pela Scholastica? E se Jack tivesse aparecido no caminho?
E se ele tivesse sido o alvo do tiro que eu escutei?

Oh, Deus. Por favor não deixe que seja Jack.

"Não!" eu corri para a forma esparramada perto do celeiro. O


chão estava escuro e úmido ali.

Sangue.

“Saia daqui.” Era a voz de Jack. Brava e seca. Eu virei na


direção dela com o tipo de alívio que não podia ser segurado.

“Você está bem,” eu disse. Nada mais importava, só que ele


estava ali em pé.

Eu não percebi que estava correndo até ele até estar a alguns
centímetros de distância, quando vi a expressão de Goma. Ela estava
me olhando com uma mistura de curiosidade e astúcia que me fez
parar.

Você se preocupa com ele. Ela não disse isso em voz alta, mas
deve ter dito.Você se importa com Jack.

Lógico que meu importo com ele. Eu tropecei e parei. Se alguma


coisa acontecesse com ele por minha causa, eu me sentiria péssima.

Leylah Attar
Certo. Goma abaixou a arma. E é só isso.

Mas seus olhos afiados ficaram em mim, me fazendo sentir como


se ela pudesse ver através da minha alma.

“Nós... nós ouvimos o tiro,” eu disse a Jack.

“Um grupo de hienas à espreita. Elas estavam atrás de um dos


bezerros. Eu atirei em uma.” Ele apontou para a figura. “O resto fugiu.”

“E o bezerro?” Goma perguntou.

“Alguns cortes e arranhões, mas ela vai se reparar.”

Goma assentiu. “Vou pegar um cobertor para ela.”

Ela desapareceu no celeiro, deixando Jack e eu em pé ao lado da


hiena morta.

“Isso acontece com frequência?” eu perguntei.

Jack tinha atirado na hiena no meio, no meio da testa dela.


Como ele tinha conseguido na luz fraca do amanhecer, estava além de
mim.

“Você tem cavalos também?”

“E vacas e galinhas. Nós tentamos ser o máximo


autossuficientes que podemos. Ovos, leite, árvores frutíferas, um campo
de legumes. Até nosso despertador é orgânico.”

Eu sorri quando o galo cantou de novo. “Você gosta de manter


tudo ao natural?”

“Cem por cento.”

Eu conhecia as nuances de sua voz agora. E pela maneira como


ele estava olhando para mim, ele não estava falando da fazenda. Minha
garganta ficou seca quando eu percebi que estava completamente
contra a luz, que cada curva minha estava exposta a ele. Meus bicos
dos seios estavam enrugados com o frio da manhã, mas um calor
impetuoso corria por cada poro do meu corpo. Meu coração batia forte,
como uma pipa em um rodamoinho. Havia um magnetismo e

Leylah Attar
autoconfiança no Jack que me fazia querer entregar minhas cordas a
ele. Eu queria saber como seria ter suas mãos enroladas no meu cabelo,
puxando, segurando...

“Vocês dois deveriam arrumar um celeiro.”

Nós dois pulamos com o som da voz de Goma.

“É sério, com uma carcaça aos seus pés?” ela olhava de mim
para Jack. “Não, eu não quero ouvir.” Ela levantou as palmas conforme
Jack olhou para dizer alguma coisa. “Você pode negar quanto quiser.
Ambos de vocês. Mas vocês não vão enganar essa senhora. Há uma
força maior acontecendo aqui. Faíscas e tudo.”

Nós olhamos para ela em um silêncio estranho. O que você diz


para algo assim?

“Volte para a casa, Goma,” Jack disse.

“Com prazer,” ela respondeu, nos dando um olhar malicioso,


soberbo.

Oh, Deus. O chão poderia se abrir agora e me engolir?

Nós olhamos para nossos pés quando ela saiu.

“Sinto muito, ela..."

“Tudo bem.” Eu o cortei. “Eu devo ir até a cidade hoje e pegar as


minhas coisas no albergue.” Assim não vou ficar andando com o
muumuu da sua avó, que é a coisa mais longe de sexy, então é meio que
insano que a gente tenha sequer tido esse momento, e talvez se eu
continuar falando comigo mesma tempo suficiente, eu poderei tirar esse
incidente embaraçoso da minha cabeça, e então nós poderemos voltar...

“Você ouviu?” Jack virou, me protegendo com sua estrutura


grande. “Tem alguma coisa ali,” ele disse.

“Sou eu.” Bahati apareceu das sombras. “Eu ouvi um tiro.”

“Isso foi há meia hora. Onde você estava?”

Leylah Attar
“Olhando pela minha janela.” Ele apontou para o andar de cima
da casa.

“E você deixou Goma e Rodel checarem a situação antes? Você é


um péssimo segurança, Bahati.”

“Eu não sou segurança. Nunca disse que era. Sou um ator. Você
me pagou para ficar aqui até você voltar. Você voltou na noite passada.
Pelo que vejo, meu contrato acabou naquele momento. Além do mais, só
estou fazendo o papel de segurança. Quando as pessoas me veem, elas
veem um guerreiro Maasai feroz com quem eles não querem cruzar. Isso
é o que importa. A percepção deles. Eles não têm que saber que eu não
prejudicaria uma mosca. Então, você vê, tudo se resolveu
pacificamente. Sem combate, sem luta. Mas hienas no meio da noite?
Elas são todas suas.”

“Bom, você pode me ajudar a enterrar essa,” disse Jack. “E


então eu espero que você possa levar Rodel até Amosha para ela pegar
suas coisas. Eu preciso de você um pouco mais. Eu estive fora, e
preciso colocar as coisas em ordem. Eu conseguiria com alguma ajuda
até Rodel e eu partirmos para Wanza. Você acha que pode fazer isso?”

Bahati esfregou o queixo e olhou para a hiena. “Mesmo


pagamento?”

“O mesmo.”

“Sem bônus para descartar corpos mortos?”

“Sem bônus. Ainda é muito mais do que você ganha com suas
viagens ao Grand Tulip,” disse Jack. “Você quer ou não?”

“Sim, sim. Lógico. Só checando. Mas eu acho que devemos ter


um código. Para emergências, sabe? No caso de eu precisar de você.
Sua fazenda é um lugar perigoso. Ontem, eu vi uma cobra. Ela cruzou o
caminho bem na minha frente. Talvez eu devesse ter um apito. O que
você acha? E toda essa coisa com Scholastica me dá uma azia. Eu mal
dormi enquanto você estava fora. Goma esquece de trancar a porta. E
sua casa é antiga. Faz muito barulho à noite. Eu vivo tendo ataques de

Leylah Attar
pânico. E daí esse tiro. Animais selvagens andando por aí. Eu tenho que
ter algum tipo de compensação. Risco de saúde.”

Eu me retirei devagar conforme ele tagarelava. Eu queria me


esgueirar e fingir que não estava mal por dentro, que o formigamento na
boca do meu estômago era do susto de logo cedo, e não tinha nada a ver
com a avaliação quente de Jack.

Quando eu cheguei na casa, eu virei.

Eu podia jurar que Jack ainda estava me olhando.

"EU VOU PARA a cidade com Rodel e Bahati,” anunciou Goma.

“Para que?” Jack encheu sua garrafa de água e apoiou no


balcão. Ele tinha saído a manhã inteira e seu rosto estava vermelho do
sol.

“Alguém precisa investigar o pai daquela menina.” Ela gesticulou


para Scholastica. “Ele está sumido e ninguém parece dar a mínima.”

“A irmã dele já registrou na polícia.”

“Sim, eu falei com ela. Rodel me deu o telefone dela em caso de


emergência com a Scholastica. Anna disse que a polícia acha que
Gabriel abandonou a filha. Se esse for ao caso, tudo bem. Mas eu quero
ouvir isso dele. Eu tomei nota de todos os detalhes dele. Vou visitar
meu amigo na polícia e pedir para rastrearem o Gabriel.”

“Só tenha cuidado, ok?” Jack não podia esconder a preocupação


que ele tinha com a avó. “Não deixe eles saberem que estamos com
Scholastica aqui. No caso de alguém saber que ele tem uma filha
albina.”

“Eu não sou boba, rapaz.” Goma colocou um par de óculos


escuros coloridos espelhados. Eles cobriam a maior parte do seu rosto e
refletiam o mundo em círculos coloridos. “Você vai manter o olho em
Scholastica?”

Leylah Attar
“Nós vamos verificar o bezerro,” respondeu Jack. “Você gostaria
disso, Scholastica?” ele mudou para suaíle e sentou ao lado dela.

Jack e eu estávamos evitando olhares, o que estava bom para


mim. Lidar com a alta tensão passando entre nós era uma coisa: ter
isso apontado por Goma só serviu para amplificar a situação toda. Nós
estávamos ambos nos sentindo culpados por isso porque o desejo não
tem lugar no quadro de sofrimento, e ainda assim, lá estava, sentado
entre nós como um convidado descarado, não convidado.

“Bem, estamos indo,” disse Goma, conforme saímos pela porta.

“Kwaheri!” Scholastica nos acenou em despedida. Ela parecia ter


ficado mais próxima de Goma enquanto Jack e eu estávamos fora.

“Olha como minha Suzi está brilhando hoje!” Bahati alisou o jipe
conforme Goma e eu entramos. Ele tinha limpado e polido deixando-o
brilhando.

“Se você gastasse metade do tempo prestando atenção em uma


boa jovem, como você faz com a sua Suzi, você teria uma família agora.”

“Família é volúvel. Minha Suzi..." ele bateu no painel – “... ela é


solida. Confiável. Jack disse que você conheceu meu pai, senhorita
Rodel?”

“É Ro.” Era engraçado como ele chamava Jack e Goma pelos


nomes, mas era mais formal comigo. Eu estava aprendendo que era sua
maneira de se distanciar. “E sim, eu conheci Olonana. Sua avó me deu
isso.” Eu levantei a pulseira para ele poder ver pelo espelho retrovisor.

“Eles foram mais legais com você do que comigo. Você sabe o
que meu pai me deu? Meu apelido. Bahati. Bahati Mbaya.”

“Você não gosta?” eu perguntei. Nós tínhamos deixado os pilares


de pedra de Kaburi Estate para trás e estávamos seguindo a estrada
principal para Amosha.

“Você também não iria gostar se você soubesse o significado.


Bahati significa sorte. Mbaya significa ruim. Meu pai acha que sou uma

Leylah Attar
má sorte. Quando eu nasci, Lonyoki, nosso oloiboni, teve uma visão. Ele
me viu cavalgando uma enorme serpente preta. Eu estava lutando com
os meus, ajudando as pessoas brancas. Muitos anos atrás, os
colonialistas pegaram nossa terra. Nós ainda estamos tentando
recuperarmos e seguirmos do nosso modo de levar a vida. Lonyoki
acreditou que eu era uma ameaça para a vila, mas meu pai me amava.
Ele ouvia Lonyoki para tudo menos isso, e isso desagradou o oloiboni.
Ele me culpou por toda a desgraça. Se a chuva não vinha, era minha
culpa. Se seus feitiços não funcionavam, era minha culpa. Se uma
doença exterminava nossas vacas, era minha culpa.

“Talvez se eu tivesse sido como os outros morans, se eu tivesse


provado meu valor, teria passado. Mas eu não era um bom caçador ou
pastor. Eu gostava de passear pela vila. Gostava de representar para os
turistas. Gostava de equipamentos eletrônicos e música e filmes. Então,
os mais velhos imploraram que meu pai me mandasse embora. Eu
achei que ele fosse me defender, que ele diria para eles pararem de
acreditar em superstições antiquadas, mas ele aceitou. Ele colocou
alguns shillings na minha mão e se despediu de mim. Ele me disse para
nunca mais pisar na terra Maasai, que se eu pisasse, a profecia se
tornaria realidade. Eu tentei argumentar com ele, mas meu pai disse
que ficaríamos todos melhor se eu fosse embora. Eu não voltei lá desde
então.”

“Sinto muito por isso,” eu respondi. “Espero que você consiga se


reconciliar com ele um dia.”

“Olonana é um velho galeão teimoso. Como eu. Nós não


mudamos de opinião fácil.” Goma vasculhou sua bolsa e me passou
uma barra de chocolate. “Aqui.” ela deu uma para Bahati também.
“Chocolate deixa tudo melhor.”

Estava quente e macio, e eu coloquei na minha boca como um


doce pedaço de conforto.

Quando chegamos ao albergue de voluntários Nima House, fui


direto para dentro e arrumei minhas coisas. Eu sentei no pé da cama de

Leylah Attar
Mo depois de ter tirado tudo, agradecida que Goma e Bahati tinham
ficado no carro. Eu precisava de um momento, um último momento
para ocupar o espaço onde Mo tinha estado, respirar o ar que ela tinha
respirado.

Eu estava feliz que tinha vindo, mas não tinha como negar o
vazio onde ela deveria estar. Eu percebi que esses momentos estariam
sempre em mim, sempre ecoando com sua voz, seu rosto, seu sorriso,
como um espaço vazio na minha alma. Eu fui dominada por uma
sensação repentina de gratidão e conexão a Jack, e Goma, e
Scholastica, e Bahati. Eles todos estavam me mostrando aspectos
diferentes do que significava ser forte, em um momento em que eu
estava lutando comigo mesma.

Eu deixei um recado para Corinne, deixando-a saber que eu


estaria no Kaburi Estate durante minha estada. Então eu coloquei os
óculos de gato laranja da minha irmã na minha bolsa e peguei minha
mala. As fitas que ela tinha prendido no ventilador balançaram
conforme eu abri a porta para sair. Eu não consegui desamarra-las,
então eu esperei que quem quer que ocupasse seu lugar gostasse do
turbilhão de cores sempre que ligasse o ventilador.

Adeus, Mo, eu pensei.

Você que pensa, ela respondeu.

Era uma coisa tão da Mo dizer, em um momento tão da Mo, que


eu queria sorrir e chorar ao mesmo tempo.

Eu estava agradecida pela conversa de Bahati conforme saímos,


pelas ruas lotadas de Amosha. Uma moto parou ao nosso lado, a
passageira da garupa sentada de lado enquanto lia um livro. Nossos
olhos se encontraram rapidamente conforme ela olhou para cima, sobre
o alvoroço do trânsito e os ambulantes. Então o farol abriu, e Bahati
virou na delegacia.

“Eu preciso pegar umas coisas na minha casa,” ele disse,


deixando Goma e eu na entrada principal. “Vejo vocês rapidinho.”

Leylah Attar
Eu olhei o prédio desgastado enquanto Goma respirava em cima
de seus óculos psicodélicos e os esfregava com a ponta do seu cafetã4.
Seu cabelo prateado chamava a atenção contra a estampa magenta.

“Vamos acender um fogo,” ela disse, colocando os óculos.

Eu tinha que concordar. Ela sabia como fazer uma entrada


dramática. Ela era intensa, exigente e colorida, como um turbilhão de
energia rosa no cenário pardo.

“Goma, você ainda está viva?” um dos policiais sorriu para ela.

“E vou estar muito depois de você ter partido, Hamisi.” Ela


largou uma pilha de notas na mesa dele. “Isso é pelas cadeiras.”

“Que cadeiras?” ele deslizou o dinheiro na sua gaveta sem


esperar por uma resposta.

“As que você vai arrumar para mim e minha amiga para
podermos sentar e discutir negócios.”

E foi assim que furamos a fila de pessoas cansadas,


maltrapilhas esperando a vez. Ninguém piscou o olho ou questionou
isso. Goma manteve as lentes de arco-íris enquanto Hamisi anotava os
detalhes de Gabriel.

“Eu acho que uma queixa de pessoa desaparecida já foi feita


pela irmã dele. Eu preciso que esse homem seja encontrado.”

“Soa pessoal,” disse Hamisi.

“É por uma amiga.” Goma inclinou a cabeça na minha direção.


“A irmã dela morreu no ataque do shopping. Ela conhecia esse cara. Se
nós pudermos falar com ele, nós poderemos amarrar umas pontas
soltas.”

Hamisi levantou o olhar para mim. “Sinto muito pela sua irmã.
É lamentável, mas a maior parte de nossos recursos estão amarrados

4 Casaco ou sobretudo abotoado pela frente que chega aos joelhos, com mangas
longas

Leylah Attar
na investigação. Isso pode levar um tempo. Havia uma conexão
romântica, talvez?” ele bateu a caneta no formulário.

“Que tal isso como conexão?” Goma pegou a caneta dele e


rabiscou um número no papel. “Pessoal o suficiente para liberar alguns
de seus recursos?”

“Talvez.” Hamisi examinou o número, “É um começo.”

“Um começo, minha bunda. Você concorda com esse valor agora,
ou nós vamos embora. Tenho certeza que posso encontrar mais alguém
que ficaria feliz em ajudar.”

“Goma.” Hamisi levantou os braços em um gesto amansando.


“Sempre como pili pili mbuzi. Você conhece pili pili mbuzi?" Ele me
perguntou. “Grãos de pimenta malagueta triturados, tão quentes que
queimam sua língua. Mesmo com a idade avançada.”

Antes que ele pudesse continuar, quatro guardas policiais


pararam em sua mesa. Eles estavam segurando um homem entre eles.
Ele parecia ter trinta e poucos anos, mas era careca, e não era de uma
maneira barbeada. Ele tinha pequenos tufos de cabelo crescendo em
lugares estranhos da cabeça. Uma bandana vermelha tribal estava
amarrada em seu pulso. As duas pontas para fora como um V enquanto
um dos guardas segurava-o. Ele não era particularmente grande ou
forte, nem estava resistindo a eles, então parecia estranho ter tantos
guardas em volta dele. Ele tinha uma expressão de total indiferença,
como se eles estivesse sentado em um ônibus num dia de verão.

“K.K.” Hamisi suspirou. “De volta tão cedo?”

K.K. sorriu, como se algo bom estivesse prestes a acontecer.

Não há nada mais assustador do que uma pessoa cujas emoções


não batem com a situação. Seus olhos caíram em mim, e eu não pude
evitar pensar nas cegonhas carniceiras que eu tinha visto na cratera,
com suas pernas de osso, e as cabeças sem penas.

“Leve-o para a carceragem,” disse Hamisi.

Leylah Attar
“Quando você vai se cansar desse jogo, Inspetor? Eu estarei fora
daqui antes que você possa começar a papelada.”

“Talvez, mas isso não vai me impedir de fazer meu trabalho.”

“Seu trabalho é uma piada,” disse K.K, conforme os guardas o


levaram embora. “Ei, senhora. Você!” ele chamou Goma do outro lado
da sala. “Eu quero esses óculos!”

Goma olhou para ele por cima da armação. “Só por cima do meu
cadáver.”

“Isso pode ser acertado.” O homem deu risada, antes das grades
o fecharem.

“Desculpe por isso,” disse Hamisi, virando sua atenção de volta


para nós. “Onde estávamos? Ah, sim.” Ele circulou o valor que Goma
tinha oferecido. “Eu acho que posso trabalhar com isso. Entrarei em
contato.”

“Obrigada,” eu disse, conforme ele apertou nossas mãos.

“Estarei esperando,” Goma disse a Hamisi.

Nós encontramos Bahati nos esperando no estacionamento. Ele


tinha se trocado para um camisa e calças, e estava em pé perto do
porta-malas do carro, a espingarda na mochila.

“Esqueci de guardar meu creme hidratante,” ele disse, olhando


desesperadamente dentro dela.

“Parece que você pegou todo o resto.” Goma olhou para as duas
malas que ele tinha colocado no carro. “Você não está se mudando,
sabe. É só até Jack e Rodel voltarem de Wanza.”

“Eu levo meus compromissos a sério.”

“Aparentemente. E o cuidado com a pele também.” Goma foi


para o banco da frente.

“Você poderia fazer isso.” Bahati fechou o porta-malas e ligou o


carro. “O que você usa? O spa do Grand Tulip me passa tudo que sobra

Leylah Attar
deles. Aqui. Sinta minha pele. Macia como um recém-nascido. Eu vou
tirar umas fotos de rosto logo. Para o meu portfólio. Eu estava
esperando meu cabelo crescer um pouco...”

Estávamos dirigindo por uma parte da cidade que eu não tinha


visto antes. Parecia como o centro comercial, com prédios mais novos e
ruas mais largas. Uma zona de construção enorme interrompia a fileira
de lojas e escritórios. Pelo menos, era o que parecia até eu ver as coroas
de flores, se estendendo pela área sem cerca, de ponta a ponta.

“Espere,” eu disse. “Pare aqui.”

Bahati parou o que ele estava falando. Ele e Goma trocaram um


olhar.

“Está tudo bem. Mesmo. Eu só tenho que ver.” Eu olhei para


fora da janela, para o que tinha sobrado do Kilimani Shopping.

A equipe de limpeza tinha removido todos os escombros e vidros


quebrados. A nuvens de fumaça que eu tinha visto pela TV tinham
desaparecido. O que restava era a carcaça de um prédio metade
desmoronado, suas vigas de aço para fora como ossos fraturados,
afiados. O centro dele estava escuro, um buraco enorme, onde o teto
tinha sido estourado pelo estacionamento subterrâneo. Faixas da
polícia esvoaçavam no vento, o amarelo vibrante em confronto com a
cena sombria, cinzenta.

Eu saí do carro em transe. Era aqui que tinha acontecido, onde


Mo tinha perdido a vida. Mas ela não era a única. Fotos estavam
coladas contra a cerca de arame – nomes, recados, datas, súplicas por
informação das pessoas que ainda não tinham sido encontradas.

Durma nos braços dos anjos, Morgan Price.

Levada tão cedo. Salome Evangeline, minha garotinha.

Amado marido e pai. Sempre conosco.

Você viu esse homem?

Leylah Attar
Eu andei pela longa fila de velas e flores e brinquedos. As
pessoas deixando seus tributos, talvez algumas que vinham todo dia,
cujas almas estavam ancoradas nesse lugar de entes queridos perdidos.

Onde você estava, Mo? Eu passei pelo entrelaçado da cerca, para


o cascalho mais para frente. O que você estava fazendo?

Eu nunca saberia as respostas para as minhas perguntas, mas a


que me doía mais, o que eu tentava não pensar, era que ela tinha
morrido sozinha.

“Com licença.” Uma mulher passou por mim. Ela parou em um


lugar específico, tirou uma coroa de flores seca, e substituiu por uma
nova.

O rosto dela parecia estranhamente familiar. Conforme ela fez


seu caminho de volta na minha direção, eu percebi onde eu a tinha
visto antes. Nós tínhamos parado próximas no semáforo antes. Ela
tinha sido a passageira, lendo um livro na moto.

Eu toquei as contas na minha pulseira, pensando nas palavras


nela.

Taleenoi olngisoilechashur.

Nós estamos todos conectados.

Quantas vezes nós passamos por pessoas na rua, cujas vidas


estão interligadas com as nossas de maneiras que permanecem para
sempre desconhecidas? De quantas maneiras estamos ligados a um
estranho por uma linha frágil, invisível que nos une?

Ela parou em um poste de luz e olhou o panfleto colado nele por


alguns segundos. Então ela arrancou um pedaço de papel, passou por
mim e atravessou a rua.

“Está tudo bem?” perguntou Bahati. “Goma me pediu para ver


você.”

“O que está naquele poste?” eu segui até ele e li o aviso.

Perdeu alguém amado e gostaria de um contato?

Leylah Attar
Precisa de uma promoção no trabalho?

Quer se livrar de uma doença ou espíritos malignos?

Por uma pequena contribuição, eu posso fazer isso acontecer para


você.

Melhor Mganga, de Zanzibar.

Ligue agora!

E então um nome e um telefone.

“O que é um mganga, Bahati?”

“Tradicionalmente um médico, curandeiro, ou herbalista. Mas o


termo se aplica a curandeiros e fabricantes de poções também. Os de
Zanzibar são particularmente respeitados. Zanzibar é uma ilha afastada
da costa com uma história rica de vodu local.”

“E as pessoas acreditam nisso?” só havia sobrado duas tiras


com o telefone no folheto.

“Se você está desesperado o suficiente, você acredita.”

Eu assenti, pensando na mulher que tinha acabado de deixar


flores frescas no local. Eu podia ver como a primeira linha no folheto
iria atrair os amigos e famílias das vítimas do ataque ao shopping.
“Esses mgangas – são também os que realizam magias usando partes
do corpo de albinos?”

“Alguns deles. É impossível dizer a menos que você esteja no


círculo de confiança deles.”

“Você já esteve? Com um curandeiro?” eu perguntei, conforme


andamos em direção ao carro.

“Não. A menos que você conte nosso oliboni, Lonyoki. Muitas


pessoas não têm acesso a médicos ou cuidados com a saúde nas áreas
rurais. Curandeiros e herbalistas são normalmente a primeira linha de
defesa deles. Muitos curandeiros tem conhecimento legítimo de como as
coisas funcionam, passados a eles dos seus antepassados, mas existe

Leylah Attar
um número igual de charlatões. Pessoalmente, eu rejeito superstições
locais. Talvez porque eu fui vítima delas, e tive que deixar minha casa e
meu povo.”

“Assim como Scholastica.”

“Sim.” Bahati parou antes de entrar no carro. “Eu nunca pensei


nisso dessa forma, mas sim. Eu acho que Scholastica e eu temos isso
em comum.”

Eu descansei minha cabeça contra a janela e ouvi Bahati


tagarelar. Tinha se tornado estranhamente reconfortante, como barulho
familiar. Goma deve ter se sentido igual porque ela adormeceu e sua
cabeça rolava de um lado para o outro conforme dirigíamos pelos
campos, barracas com telhados de ferro ondulados.

Quando chegamos à fazenda, Bahati colocou Suzi na garagem.


Era uma estrutura inclinada, se estendendo da casa, aberta dos lados,
mas abrigando os carros sob o teto. Uma mangueira estava jogada perto
do carro de Jack, com um caminho de espuma correndo em direção ao
ralo no chão.

“Vocês estão de volta.” Jack estava em seu carro, um braço


longo, bronzeado, para fora da janela.

“Você está indo em algum lugar?” perguntou Goma.

“Não. Scholastica e eu estávamos lavando o carro, e do nada, ela


começou a chorar. Eu acho que ela sente falta de casa e do pai. Ela está
bem agora, mas exausta. Ela caiu no sono há alguns minutos.”

Eu olhei para o carro e a vi encolhida no banco do passageiro, a


cabeça no colo de Jack. “Como você conseguiu acalma-la?”

“Eu lhe contei uma história que a Lily costumava adorar,” ele
afagou o cabelo dela, com cuidado para não acorda-la.

“Eu acho que vou deitar um pouco também,” disse Goma.


“Essas estradas acidentadas abalam meus ossos.”

Nós os vimos abrir a porta e desaparecer na casa.

Leylah Attar
“Eu não sei como um homem pode abandonar sua filha,” Jack
disse suavemente. “Se eu pudesse espremer mais um momento com Lily
– um minúsculo momento passageiro – eu o faria. Não importa quando
custasse. Eu venderia minha alma ao diabo por isso.”

“Eu não acho que Gabriel abandonou Scholastica. Não faz


sentido. Aqui está ele, levando todas essas crianças para segurança – se
colocando em risco nesse processo. E então ele simplesmente vai
embora e deixa a própria filha? Não bate.”

“Como nós sabemos que ele estava realmente levando essas


crianças para segurança? Tudo que sabemos com certeza é que ele
estava pegando crianças albinas, usando sua irmã. Ela alguma vez
disse que eles tinham realmente entregue as crianças no orfanato em
Wanza? Eles fisicamente as levaram pela porta, as registraram e as
domiciliaram lá?”

“Mo nunca trouxe isso à tona, mas eu nunca questionei os


motivos de Gabriel. Ele mesmo tem uma filha albina.”

“Sim, mas isso não o alinha automaticamente à causa. Nós não


sabemos de nada sobre ele como pessoa. Estamos deduzindo que seja
um cara bom. E se ele não for? E se ele só está usando Scholastica para
fazer as famílias de outras crianças confiarem nele? Nós sabemos que
ele ofereceu à família de Juma algum tipo de compensação. É do seu
próprio bolso, ou ele está trabalhando para mais alguém?”

“Você está dizendo que Gabriel poderia ser um caçador de


albinos? Que ele ludibriou a minha irmã para ajudá-lo?” eu passo mal
com esse pensamento.

“Não sei, mas é uma possibilidade que precisamos considerar.


Nós não vamos saber com certeza até chegarmos a Wanza. Uma vez que
estivermos lá, podemos verificar os registros e descobrir se ele
realmente entregou aquelas crianças ao orfanato.”

“Por que nós simplesmente não ligamos pra lá?”

Leylah Attar
“Eu não quero informar ninguém – no caso de Gabriel ter
alguém mantendo o olho aberto para ele por aqui. Eu prefiro
simplesmente aparecer e verificar eu mesmo.”

“E a polícia? Goma tem Hamisi procurando por ele.”

“Hamisi mantem a boca fechada. Sua discrição é o que lhe faz


valer um segundo rendimento.”

Eu assenti, mas parecia que o chão estava balançando sob meus


pés. Tudo em que eu tinha baseado minhas decisões parecia ser
ilusório, como uma miragem distante. “Eu parei no shopping hoje.”

Nós estávamos conversando pela janela, com Jack ainda sentado


no carro. Pela primeira vez desde a nossa troca de manhã no celeiro,
nossos olhos se encontraram e mantiveram. Havia algo indefinível nos
dele, algo que ele não queria que eu visse. E então como uma cortina,
ela caiu, e ele segurou meu rosto. Seu polegar áspero esfregou contra
minha bochecha em um gesto tão carinhoso, o ar parou no meu peito.

Meus cílios pararam com lágrimas não derramadas, apesar de


eu não saber exatamente por que queria chorar. Podia ser por ter visto
o shopping, ou pela possibilidade que eu possa ter avaliado totalmente
errado o Gabriel. Mas uma parte era também por causa disso. Essa
sensação de encaixar tão facilmente na curva da mão de Jack, a certeza
disso, a ruptura disso, como uma fruta – doce e pesada – esperando
para ser colhida. Eu sabia que eu iria ter que deixar ela pendurada –
impecável, sem provar – como um eco perfeito do que poderia ter sido.

Eu não sei como dizer adeus a uma irmã, e então para um


amante, tudo de uma vez.

Então eu dei um passo para trás, e Jack recolheu a mão, ele


levantou o vidro e saiu do carro.

“Você perdeu um lugar,” eu disse, apontando as manchas no


vidro.

Leylah Attar
“São as digitais da Lily. Ela estava comendo chocolate naquele
dia. Quando chegamos ao shopping, meu telefone tocou. Ela veio do
meu lado e colocou a mão aqui. assim...” ele pairou seus dedos sobre as
marcas. "Um, dois, três, quatro, cinco. Vê? Cinco impressões de
chocolate perfeitas. Eu não os lavei desde então. Toda vez que eu olho
para fora da janela, eu vejo Lily ali, segurando sua mão no vidro,
fazendo caretas para mim."

Sempre que Jack falava de Lily, seu perfil inteiro se suavizava.


Nesses momentos, sua presença incessantemente cativante era como
uma chama, acendia-se por dentro. Por um segundo, fiquei
completamente com ciúme, porque nunca tinha vivido no coração de
alguém assim. E eu queria. Queria fazer alguém, um dia, brilhar assim
quando pensava em mim.

Quando Jack colocou a mangueira de lado, eu percebi que não


era verdade. Eu não queria alguém, algum dia. Eu queria agora. Hoje. E
eu queria isso com Jack.

Não importa quantas razões eu desse a mim mesma para não


fazer isso, eu estava me apaixonando por Jack Warden, mais e mais, a
cada dia que passava.

Leylah Attar
O DIA COMEÇAVA cedo na fazenda. A melhor hora para colher
café era antes de ficar muito quente. Tinha que ser feito com a mão
porque os grãos de café em um mesmo galho amadurecem em
momentos diferentes, então eles colhem só os grãos maduros e os
colocam nas cestas, um a um.

“Precisa cerca de setenta grãos para fazer uma xícara de café,”


Goma disse, quando perguntei a ela.

“Uau.” Eu levantei minha xícara com um novo senso de


apreciação.

“Hapana, Scholastica. Não é para você,” disse Goma, conforme


Scholastica roubava seu café. “Watoto wana kunywa maziwa.” Ela
apontou para o copo de leite na mesa.

“Sitaki maziwa.” Scholastica empurrou ele e olhou para nós


brava.

A porta de trás abriu, seguida por duas pancadas fortes


conforme Jack tirava as botas.

“O que está havendo aqui?” ele olhou para Scholastica e depois


para Goma.

“Um impasse,” disse Goma. “Ela está se comportando mal, se


recusando a tomar o leite. Ela quer café.”

“Lógico que ela quer café. Ela está em uma fazenda de café. Está
em volta dela. Você está tomando. É absolutamente natural que ela

Leylah Attar
queira experimentar. Eu suspeito que ela também esteja tentando achar
uma razão para te tirar do sério. Ela provavelmente está pensando que
isso vai leva-la de volta para Rutema. É a única casa que ela conhece.”

Ele circulou a mesa, trazendo o cheiro de folhas verdes e terra


preta com ele. “Você quer kahawa? Café?”

Scholastica assentiu. “Harufu nzuri sana.”

“Sim, realmente cheira bom, não é? Que tal terminar tudo no


seu prato, e eu vou te mostrar como fazer sua própria xícara de café?”
Jack repetiu sua oferta em suaíle e recebeu um resposta com a cabeça
ainda mais entusiasmada.

“Leve Rodel com você, também,” disse Goma. “Eu gostaria do


lugar só para mim por um tempo. Eu aguento muitas pessoas só por
um tempo.”

Eu tinha uma certa suspeita que Goma estava tentando bancar


o cupido, mas mantive a boca fechada. Eu passei protetor solar em
Scholastica antes de sairmos. Ela se contorceu e deu risada conforme
eu aplicava a loção fria em sua pele. As cascas em seu rosto estavam
cicatrizando e seus olhos tinham perdido um pouco da desconfiança. O
medo ainda estava lá, profundamente enraizado, e seus olhos viravam
nervosos conforme seguíamos Jack pelas fileiras de plantação de café.

“Os grãos de café são na verdade as sementes das cerejas de


café,” ele explicou, conforme Scholastica e eu amarrávamos cestas nas
nossas cinturas. “Veem essas vermelhas, brilhantes? São essas que
vocês querem.” Ele arrancou a pele vermelha e tirou a semente
embaixo. Era grudenta e gosmenta. “As cerejas das suas cestas vão
secar ao sol, serão limpas, e viradas durante o dia, para elas não
estragarem. Elas são cobertas à noite ou quando está chovendo, para
evitar que fiquem úmidas. Dependendo do clima, pode demorar até que
estejam secas o suficiente, quando os grãos ‘balançam’ dentro das
cerejas. Então, nós separamos os grãos do resto e vendemos como café

Leylah Attar
cru. Nós guardamos um pouco para a fazenda e os funcionários, para
podermos torrar para nosso próprio uso.”

“Isso é tão legal,” eu disse para Scholastica quando ela arrancou


sua primeira cereja e ergueu para nós vermos.

A fazenda era um arvoredo balanceado de bananeiras e arbustos


de café. As folhas das bananeiras proporcionavam sombra e abrigo para
o café. As fileiras eram estreitas, e conforme nós andávamos entre elas,
Jack passou por mim para ajudar Scholastica. Foi só uma passada,
mas seu corpo inteiro endureceu em reação. Eu senti a aceleração de
sua respiração no meu rosto, o solavanco da sua coxa no meu corpo, a
quebra de consciência onde seus braços nus tocaram os meus. Eu senti
o tipo de química que eu tinha estado segurando, o tipo que acende
todos os seus sentidos, e então você está mais viva naquele segundo do
que em todos os momentos, em todos os dias antes. Então Jack deu um
passo além de mim, saindo da sombra das folhas, para o sol.

“Bom trabalho!” ele olhou na cesta de Scholastica e levantou a


mão com ela para baterem uma na outra. “Safi sana. Eu acho que vocês
ganharam seu café.” Ele juntou nossas cestas e seguiu para o local da
colheita.

“Venha,” ele disse, conforme eu os seguia, tentando pegar fôlego.


“Hora de fazer sua primeira xícara de café desde o começo.”

Ele jogou nossas cerejas em uma lata gigante, escavou uma


quantia equivalente das que já estavam secando em grandes containers,
e as colocou em um almofariz gigante de madeira.

“Nós usamos uma máquina para essa parte, mas isso funciona
bem para pequenos lotes. Aqui.” ele entregou o pilão para Scholastica.

Nós nos revezamos batendo os bagos. Uma vez que as cascas


tinham saído, nós jogamos tudo em uma cesta rasa e escolhemos,
deixando só a parte de dentro. Jack torrou o café em um pequeno pote
de barro em um fogo aberto, até ele ficar escuro. Então nós socamos e
os misturamos na água fervente.

Leylah Attar
“Pronta?” ele deu uma xícara à Scholastica.

Ela assoprou o líquido quente e deu um gole grande.

“Kaaaa!” ela cuspiu e secou a boca com as costas da mão.


“Mbaya sana!” Ela devolveu a xícara para Jack.

“Você não gostou? Hupendi?” ele fingiu surpresa.

“Ah-Ah.” Ela balançou a cabeça e disse algo em suaíle.

“Amargo como remédio?” Jack perguntou. “Mas cheira tão bom.


Harufu nzuri sana.”

Ela levantou o nariz conforme ele esticou para ela.


“Ninapendelea maziwa.”

“Maziwa? Jamani.” Ele sentou com um suspiro exagerado. “Todo


esse trabalho e você quer leite? Vai. Pede para Goma por maziwa.” Ele
apontou em direção à casa.

Ela não precisava de mais estímulo.

“Você sabia que ela não ia gostar,” eu disse, conforme nós


observamos ela correr com seu chapéu de girassol.

“Eu acho que poderia ter oferecido a ela açúcar e leite.” Jack me
deu um sorriso encabulado. “Mas não é realmente café que ela quer. É
ter algum controle sobre sua vida, mesmo que seja algo pequeno como
escolher o que quer comer ou beber. Tudo que nós realmente queremos
é sentir que importamos – que somos vistos, que somos ouvidos.”

“Você é realmente muito bom com ela,” eu disse. “Eu sinto que
estou um pouco em desvantagem porque não falo suaíle.”

“Se você não consegue falar, apenas ouça. Isso que me disseram
uma vez.” Ele me colocou um pouco de café e sentou num tronco na
minha frente.

“Bom conselho.” Eu aceitei a xícara e sorri. Ele tinha lembrado


das minhas palavras, e por algum motivo, isso me deixou feliz. “Você
não gosta de café?”

Leylah Attar
“Eu amo café,” ele respondeu, me vendo dar um gole.

“Jura?” eu cutuquei. “Nunca vi você beber.”

Ele encostou para trás, olhando fixo para uma nuvem. Eu não
achei que ele fosse responder quando ele finalmente falou.

“Eu estava tomando café no estacionamento quando tudo


começou aquele dia. No shopping. O gosto dele ainda estava na minha
boca quando o prédio caiu. Eu tenho ânsia toda vez que tomo café
agora porque ele me leva de volta para aquele momento.”

Eu não sabia o que dizer, porque eu não tinha ideia como era ser
cercado por acres e acres de algo que você amava, mas nunca podia
experimentar. Ao invés disso, eu balancei meu café e segui seu olhar
para o céu. Nós observamos silenciosamente conforme as nuvens
vagaram pela frente majestosa do Monte Kilimanjaro, como véus finos
de prata.

“ESSA AQUI, SCHOLASTICA.” Eu apontei para a letra A no livro


e a encorajei a copiar na folha de papel na frente dela.

Ela parecia ter problema para entender, então eu segui em


frente e escrevi um pequeno A no topo da página.

“Sua vez,” eu disse, entregando a caneta a ela.

Ela olhou para mim, então para o papel, e rabiscou alguma coisa
completamente diferente no canto.

“Assim: A,” eu disse e escrevi a letra.

Ela repetiu o som perfeitamente, mas seu A não estava nem


perto do meu.

Eu virei para uma folha branca e preenchi ela toda com um


grande A, exagerando os traços. “Você consegue fazer assim?”

Ela copiou minha letra devagar e levantou.

Leylah Attar
“Sim!” eu bati palmas. “Isso! Que tal essa?” eu perguntei,
indicando o B no livro.

A expressão dela era vazia, então escrevi um grande B e mostrei


para ela.

Ela se inclinou sobre a mesa e reproduziu perfeitamente.

“Muito bem! Esse é o A, e esse é o B.” eu apontei para as letras


no livro. Ela olhou para eles mas não teve reação.

“Aqui.” eu empurrei o livro mais perto dela. “Você consegue ver


agora?”

Scholastica olhou para as páginas e trouxe ainda mais perto, até


seu nariz estar a centímetros do vinco do meio. Então ela sorriu.

“A.” Ela mostrou para mim, antes de pegar o escrito por ela e
balançar contente.

“Bom!” eu sorri para ela. “Você consegue achar um B?”

Mais uma vez, ela segurou o livro perto do rosto e examinou as


palavras.

“B!” ela exclamou, quando achou um.

Nós ainda estávamos celebrando quando Goma entrou na


biblioteca.

“Scholastica está aprendendo o alfabeto,” eu disse. “Mas acho


que ela precisa de óculos.”

“Isso não me surpreende. Visão ruim caminha lado a lado com


albinismo. Vou marcar uma consulta para ela com o Dr. Nasmo. Ele é o
oculista que nós vamos em Amosha.”

“Ótimo! Ouviu isso? Você vai arrumar óculos.” Eu fiz gestos com
as mãos para Scholastica. É estranho quanto podemos nos comunicar
com expressões e linguagem corporal quando as palavras não são uma
opção. E mais estranho, é quão mais autêntica a conversa pode parecer.

Leylah Attar
“Oh, espere!” eu procurei na minha bolsa e peguei os óculos
sobressalentes da Mo. “Vamos ver se esses ajudam. Não vão ser
perfeitos, mas...” eu os coloquei sobre suas orelhas e dei um passo para
trás. “Como está?”

Scholastica piscou algumas vezes e olhou em volta da sala.


Então sua boca abriu com veneração. Ela olhou para Goma e para mim
por alguns minutos, antes de virar para a estante de livros.

“B!” ela apontou para a lombada de um dos livros. “A!”

Ela seguiu a fileira inteira, parando para cumprimentar cada A e


B como se fossem seus novos melhores amigos.

“Eu nunca vi uma garota tão feliz desde que compramos aquela
tartaruga para Lily,” disse Goma. Ela tinha um olhar melancólico nos
olhos até ela notar as pequenas gotas que Aristurtle estava deixando
aos seus pés. “É isso! Você vai ficar em uma caixa. Não vou mais pegar
cocô seu, ouviu?” ela levantou a tartaruga e disse algo para Scholastica
em suaíle.

Eu as segui para fora e vi Scholastica correr com Aristurtle


embaixo do braço. Ela levantou os óculos de Mo mais alto para evitar
que escorregassem do seu nariz.

“Onde ela está indo?”

“Encontrar Bahati. Talvez ele possa limpar um dos engradados


que temos no celeiro. Vai ser uma boa casa para Aristurtle.” Ela
recuperou a cesta de roupas e começou a pendura-las para secar.

“Aqui. Deixe-me fazer isso,” eu disse, pegando as roupas dela.


“Você vai para dentro. Não vou demorar.”

Eu alternei entre a cesta e o varal, pendurando os itens menores


antes de ir para os maiores. Era um dia perfeito, ensolarado. As nuvens
tinham limpado, deixando o céu azul. Faltavam poucos dias para irmos
para Wanza, e eu estava ficando acostumada com a rotina diária da
fazenda.

Leylah Attar
Conforme eu andava entre os varais de roupas esvoaçando, eu vi
Jack. Ele estava em pé sem camisa entre as fileiras de café, seu corpo
brilhando no sol da tarde. Eu desviei o olhar mas não pude evitar
roubar olhares para seu corpo forte, dourado. Eu poderia conseguir
ignorar minha atração por ele, mesmo que ela reacendesse
constantemente, se não fosse combinada com minha afeição por ele.
Era uma combinação mortal – uma que me fazia sonhar ser pega em
um abraço, mesmo quando eu estava focada na tarefa mundana de
pendurar as roupas para secar.

Eu tinha quase acabado quando o vento aumentou. Eu me


atrapalhei com o último lençol, tentando manter ele parado para eu
poder segurar, mas ele voava em volta de mim. Eu derrubei um
pregador e me abaixei para pegar, imobilizando o lençol com uma mão
no varal. Foi quando os dedos fortes e compridos de Jack fecharam em
cima dos meus. Meus joelhos balançaram com o impacto inesperado do
seu aperto. Eu me atrapalhei enquanto peguei o pregador, meu coração
batendo no meu peito. Nossos olhos se fixaram através do lençol úmido
conforme eu esticava.

Por um longo segundo ofegante, nós nos encontramos em uma


bolha suspensa com perfume de roupa limpa. O olhar de Jack foi para
os meus lábios conforme o vento chicoteava meu cabelo pelo meu rosto.
O toque da sua mão foi repentino – elétrico – mas demorado,
gentilmente tirando as mechas. Eu me senti balançando, como as
roupas no varal. A única coisa me segurando firme era a outra mão de
Jack, ancorando a minha.

O varal sacudia entre nós enquanto outra rajada de vento nos


pegava. O lençol soltou na outra ponta. Nós o levantamos e esticamos
pelo varal, como uma cortina entre nós. Jack segurou-o para baixo
enquanto eu colocava um pregador sobre ele.

“Mais algum?” ele perguntou.

“Não. Acabou.”

Leylah Attar
Graças a Deus, meus joelhos declararam. Esse cara faz nosso
trabalho ficar difícil. Não gostamos dele.

“Obrigada,” eu disse ao Jack, pegando a cesta vazia. “Eu vou...”


voltar para dentro, mas eu estava incapaz de falar, então apontei para a
casa, e comecei a caminhar naquela direção.

Se existe uma ocasião para você ter sucesso em desfilar


despreocupada, graciosa como em uma passarela, é quando você está
se afastando de alguém, e sabe que ela ainda está olhando.
Ironicamente, também é a única hora que você fica dolorosamente
consciente de cada passo que você está dando. Então eu mantive
minhas costas retas e coloquei um pé na frente do outro até chegar à
porta.

Quando entrei, vi Goma olhando pela janela da cozinha com um


sorriso malicioso na cara.

Não demorou muito antes dela me pedir para chamar Jack para
jantar.

Eu o encontrei no celeiro com Scholastica, cuidando do bezerro


que tinha sido atacado.

“Mfalme! Mfalme!” dizia Scholastica, apontando para Jack


quando ela me viu. Ela ainda estava usando os óculos da Mo e apesar
de ter sido eu quem deu a ela, meu coração se contraiu um pouco,
sentindo falta dos olhos da Mo olhando para mim através deles.

“O que isso significa?” eu perguntei. “Mfalme?”

“Significa rei,” Bahati respondeu do canto. Ele estava colocando


areia na caixa que ele tinha feito para Aristurtle. “Ela fez do Jack um rei
com gravetos e palha.”

“Oh?” eu notei sua criação torta na cabeça do Jack

“Eu acabei de contar a ela a estória que comecei no outro dia,


quando ela caiu no sono no carro,” ele respondeu. “Parece que ela me
escalou como papel principal.”

Leylah Attar
“Bem, se agrada a Sua Majestade, o jantar está pronto. Vocês
todos foram convocados por Goma.”

“Vocês vão na frente,” Jack nos disse. “Eu vou logo. Estou
acabando aqui com ela.” Ele tocou a bezerra dormindo no estábulo.

“Twende, Scholastica.” Bahati esticou a mão para ela. “Vamos


colocar Aristurtle em sua casa nova e ver se Goma aprova.”

“Como está ela?” eu olhei para o estábulo conforme Bahati e


Scholastica seguiam de volta para a casa.

“Ela está bem. Só tendo certeza que esse corte não infeccione.”
Ele enxaguou o corte com algum tipo de medicamento, aplicou sálvia, e
enfaixou novamente.

“Pobrezinha,” eu me ajoelhei ao lado dela e acariciei os


arranhões em sua pele. Ela se mexeu e abriu seus grandes olhos
castanhos.

“Ainda bem que são superficiais. Ela ficará bem em alguns dias.
Não vai?” Jack encostou a cabeça nela. “Mas você precisa descansar
agora. Está certo. Feche os olhos. Você está segura agora.” Ele esfregou
a pele dela em amplas pancadas suaves, conforme a luz do pôr do sol
caía em raios dourados em volta deles.

De repente eu estava na presença de um homem de carne e osso


que nenhum namorado de livro poderia atender às expectativas. Ele
usava uma coroa de galhos secos e palha, mas ele era mais nobre, mais
magnifico do que todos os reis cravejados de joias nos contos de fadas
porque ele passeava pela vida real – mortal, vulnerável, quebrado,
aborrecido, mas ainda um rei – com o coração de um leão, e a alma de
um anjo. Eu doía para toca-lo, para sentir sua energia dourada. Minha
mão se moveu negligentemente em direção a ele, as laterais das nossas
palmas tocando rapidamente conforme ele acalmava a bezerra. Era o
toque mais macio de pele com pele, um pequeno aperitivo para a minha
fome antes de eu me recolher.

Leylah Attar
Qualquer um teria considerado isso acidental, mas não Jack.
Ele sabia. Talvez porque ele estivesse tão intensamente ciente da
corrente em espiral entre nós. Seu olhar foi para o meu rosto,
procurando meus olhos. Eu não sei o que ele viu neles, mas o ar entre
nós ficou carregado, como se estivesse cheio de dinamite – um
movimento em falso e nós iríamos explodir em pedaços. Eu não me
importava, no entanto, não naquele momento. A sua proximidade era
como uma droga, me levando à euforia. Eu andei a deriva em direção a
ele, devagar, sem proteção, até meus lábios sentirem a essência total,
intoxicante dos dele.

Beijar Jack era como beijar um leão adormecido. Ele mal se


movia, mas eu podia sentir a força crua atrás de sua restrição. E mais
profundamente, escondia algo selvagem e perigoso, algo que poderia me
destruir se fosse liberado. Mas eu queria isso, porque era magnífico,
porque agitava a perda e a dor correndo em suas veias, porque era a
parte dele que estava viva. Isso me fazia querer enfiar os dedos pelo seu
cabelo grosso, moreno, mesmo que eu soubesse que era uma péssima
ideia.

Jack não respondeu, mas também não me empurrou, e isso


estava bem para mim. Há um tipo especial de inferno que vem com a
lembrança em detalhes coloridos de um beijo que nunca aconteceu. E
eu tinha acabado de me livrar disso. Eu fui para trás, meus olhos ainda
fechados, sabendo que eu tinha acabado de roubar um momento épico
da vida. Algum dia quando eu olhasse para trás, eu iria sorrir no meio
da rua e ninguém saberia o porquê, porque era só para mim, para eu
poder dizer a mim mesma:

Uma vez na África, eu beijei um rei...

Eu levantei, arrumei meu vestido e saí, deixando Jack ajoelhado


ao lado da bezerra.

“Rodel,” ele disse, quando eu estava prestes a sair.

Leylah Attar
Rodelle. Outra coisa que eu iria sempre lembrar – a maneira
como ele dizia meu nome, elevando para além do comum.

Ele estava entre eu e a saída antes que eu pudesse virar. Ele me


colocou entre os braços e me beijou – não suavemente ou com cautela,
como eu tinha o beijado, mas faminto e exigente, apertando meu corpo
contra o dele. Sua boca se movia selvagemente sobre a minha, sua
língua explorando toda minha boca, como se eu tivesse roubado um
pedaço dele e ele o quisesse de volta. Eu saboreei o universo todo no
beijo de Jack – o calor azul das estrelas, o nascimento de sois distantes,
átomos zunindo e colidindo e se fundindo.

E simples assim, em um velho celeiro vermelho nas encostas do


Monte Kilimanjaro, eu encontrei a magia ilusória que eu só tinha visto
nas páginas de grandes histórias de amor. Isso flutuou em volta de mim
como uma borboleta recém-nascida e pousou no canto do meu coração.
Eu segurei a respiração, com medo de soltar, por medo que fosse
desaparecer, para nunca ser encontrado de novo.

Quando Jack levantou a cabeça, meu pulso estava batendo forte


e rápido na base da minha garganta. Ele traçou com o dedo
suavemente, com fascinação, antes de encontrar meus olhos.

“Rodel,” ele disse meu nome de novo.

Eu tentei mascarar o volume de emoções correndo por mim, mas


ele percebeu alguma coisa, porque sua expressão ficou cruel.

“Venha comigo,” ele disse, me levando para fora pela mão.

Nós andamos passando a casa, na meia luz da tarde virando


noite, até a arvore de acácia gigante que eu tinha o visto embaixo, na
noite da tempestade.

“Todo mundo que eu amo acaba aqui,” ele disse, apontando para
as quatro lápides na base da árvore. Seu avô. Seu pai. Sua mãe. Sua
filha. “E aqui é meu lugar.” Ele marcou uma área perto da lápide de
Lily. “Eu nasci aqui, e é aqui que eu vou morrer. Deus sabe, que há dias
em que tudo que eu quero é estar com Lily, onde quer que ela esteja.

Leylah Attar
Quando eu conheci a mãe dela, eu era jovem e bobo. Eu achei que
iríamos dar certo. Mas não são muitas mulheres que são feitas para
viver em uma fazenda, longe de tudo e de todos. A princípio Sarah foi
tomada por isso, depois ela tolerou, então ela odiou. Isso levou tudo de
bom entre nós. Depois que ela foi embora, eu jurei que nunca colocaria
mais ninguém naquilo de novo.” ele colocou as mãos nos bolsos e virou.

“Isso entre nós..." seus ombros levantaram conforme ele puxou


uma respiração profunda "... só vai machucar nós dois. No final das
contas, nós pertencemos a mundos diferentes. Minha casa é aqui, a sua
é lá. Eu nunca poderia pedir para você ficar, e você não pode me pedir
para ir. Não seria justo. E eu não tenho o que precisa para deixar você
entrar ou deixar você ir. Eu não consigo mais lidar com despedidas,
Rodel.” Ele ficou ao pé do túmulo da Lily, conforme o sol se punha e as
sombras derretiam sob a cobertura da árvore de acácia. “A última me
destruiu.”

Meus dedos doíam para endireitar a coroa em sua cabeça, mas


eu fiquei ao lado dele, minhas mãos ao meu lado, lutando com as
emoções estranhas. Meu coração estava pesado com a sensação de
perda: a dele, a minha, a nossa. Ao mesmo tempo, algo bonito tinham
surgido com a declaração de Jack, seu conhecimento da nossa conexão.
Era como se um pequena semente cheia de mágica tivesse criado raiz. E
apesar que ela nunca fosse ver a luz do dia, só o fato de ter formado,
onde não tinha nada antes, me fez sentir como se flores infinitas
estivem desabrochando dentro de mim.

Leylah Attar
AS NOITES NA FAZENDA eram devagar, boas vindas param
quando tudo ficava suspenso sob a cobertura de um céu cheio de
estrelas. Goma sentava em sua antiga máquina de costura, seu pé no
pedal, enchendo a biblioteca com um zumbido suave. Ocasionalmente,
ela levantava, media o tecido na Scholastica, e ou assentia ou pegava a
tesoura e o giz de alfaiate.

“O que você está fazendo?” eu perguntei.

Jack, Scholastica, e eu iriamos partir de manhã para pegar a


próxima criança na lista de Mo, e de lá tínhamos mais uma parada
antes de seguir para Wanza.

“Estou costurando umas saias envelopes para Scholastica,”


respondeu Goma. “Vão servir por um tempo para ela.”

Scholastica olhou para cima no momento do seu nome. Nós


estávamos praticando como escrever seu nome. Desde que ela tinha
visto no papel, ela tinha desenvolvido uma fascinação por ele.

Scholastica.

Scholastica.

Scholastica.

Ela rabiscava isso em qualquer papel que ela encontrava. Era


como se ela estivesse descobrindo sua identidade, solidificando cada vez
que escrevia.

Essa sou eu.

Essa sou eu.

Leylah Attar
Essa sou eu.

"Ela parece exausta,” disse Jack. Ele estava sentado na sua


mesa, trabalhando em algumas faturas.

“Está, não está?” eu afaguei o cabelo dela, pensando quanto do


seu cansaço aparente vinha de saber que era sua última noite na
fazenda. “Você está se sentindo bem?” perguntei.

Ela pode não ter entendido as palavras, mas ela tirou os óculos e
deitou a cabeça no meu colo.

“Bom, acabei por hoje.” Goma cortou uma linha e segurou a saia
para ver. Ela dobrou e colocou na pilha de outras roupas que tinha
costurado para Scholastica. “Vou leva-la para cima. Venha.” Ela esticou
a mão para Scholastica. “Vamos levar você para cama. Tende kulala.
Grande dia amanhã.”

Bahati soltou um suspiro conforme elas saíram da sala.

“O que há de errado?” eu perguntei.

“Não há absolutamente nada a fazer lá fora,” ele murmurou.


“Estou entediado, e são só 8 da noite. Você não anseia por luzes e ação,
Jack?”

Jack olhou para cima, e voltou para o que estava fazendo.

“Que tal jogarmos charadas de livros?” perguntei.

“O que são charadas de livros?” Bahati se animou.

“São charadas, mas com isso.” Eu apontei para a prateleira.


“Nós pegamos um livro e vemos se a outra pessoa consegue adivinhar o
título.”

“Eu nunca joguei charada com duas pessoas. É bobo.”

“Ah, vamos! Eu vou primeiro.” Peguei um livro da prateleira, li a


lombada, e coloquei com a capa para baixo, na minha cadeira. “Ok.
Aqui vai.” Eu levantei três dedos.

“Livro, lógico. Três palavras.”

Leylah Attar
Eu assenti e tentei comunicar a primeira palavra, segurando
meu nariz para cima e andando arrogantemente pela sala.

“Peido! Você cheira peido!” exclamou Bahati.

Eu olhei para ele e balancei a cabeça.

“Soa como...” Bahati interpretou meu gesto de puxar a orelha.


“Cowboy!” ele disse, conforme eu andei empinada.

“Orgulho e preconceito,” disse Jack, sem olhar para cima.

Eu virei para ele com a boca aberta. “Certo. Eu estava tentando


fazer orgulho,” eu disse para Bahati. “Ok, sua vez.”

“Então, quem ganha?” ele perguntou, pegando outro livro da


estante.

“Jack, eu acho,” respondi.

“Mas ele nem está brincando.”

“Não importa. Apenas continue, Bahati.”

Bahati fez uma careta quando leu o livro que estava segurando.
Ele colocou de lado e pensou um pouco.

“Livro. Duas palavras. Primeira palavra...” eu hesitei conforme


ele apontou para sua bunda. “Umm...anca, traseiro, garupa, bumbum.”

Bahati fez com a mão para eu continuar.

“Bunda, bundão...” eu parei quando ele pulou. “Bundão?”

Ele assentiu, mas ele queira que eu aumentasse.

“Bunda, nádegas...”

“Não, o que você disse antes!”

“Você não pode falar. Siga as regras. Então... bundão?”

“Deus, você é inglesa! Deixa pra lá. Vamos para a segunda


palavra.” Ele desfilou como uma diva pela sala, o quadril balançando,
mexendo o rosto, piscando os cílios.

Eu estava quase chutando quando Jack palpitou de novo.

Leylah Attar
“Don Quixote,” ele disse, a cabeça ainda abaixada na mesa.

“Certo!” disse Bahati, segurando o livro para nós vermos.

“Como diabos é Don Quixote?” eu perguntei. “Você apontou para


sua bunda.”

“Bunda, como em burro. Mas você pronuncia diferente, então


não dá certo. Então eu andei como uma gostosona.”5 Bahati bateu as
mãos juntas. “Don Quixote.”

“Isso é só... não tem como...”

“Você tá tirando o Don Quixote. Além disso, Jack acertou.”


Bahati exultou.

Eu olhei para Jack. Ele estava ocupado escrevendo alguma


coisa, mas eu vi uma pequena levantada na sua boca.

“Não.” Eu andei até ele. “Não acredito nisso. Algo não está certo
aqui.”

Jack colocou a caneta na mesa e sentou para trás, me olhando


com olhos que pareciam chuva em flores de bem-me-quer. “O que você
quer dizer, Rodel?”

“Não sei, mas não gosto disso.” Meus olhos se estreitaram nele.
Peguei meu livro e girei.

“Onde você vai?” ele falou atrás de mim.

Deus. Aquela voz. Me fazia sentir como se devesse estar


marchando para seu quarto.

“Embora. Com o Sr. Darcy,” eu respondi, indo para o alpendre.


Era a minha coisa favorita para fazer no fim do dia – me aconchegar
com um bom livro no balanço.

Eu não tinha ido muito longe com meu encontro com o Sr. Darcy
quando o Sr. Warden apareceu, cobertor na mão.

5 Em inglês: Donkey – burro hottie – gostosona.

Leylah Attar
“Eu achei que você podia usar isso,” ele disse. “Está frio essa
noite.”

Eu o ignorei e mantive meu nariz no livro.

“Sim, definitivamente uma geada no ar.” O alpendre balançou


conforme ele sentou ao meu lado.

“Certo, tudo bem,” ele disse, depois de cansar de ouvir os grilos


gorjeando. “Ninguém nunca toca naqueles livros, só você, então cada
um tem seu lugar próprio. Eu podia dizer quais livros você e Bahati
pegaram.”

Eu mantive meus olhos no meu livro por alguns momentos.


Então peguei a ponta do cobertor que Jack tinha trazido e o puxei para
o meu colo. Jack deve ter sorrido, e talvez eu também, mas foi um
sorriso bem pequeno. Nerds de livros acham esse tipo de coisa sexy –
um homem que conhece suas prateleiras de livro como a palma da mão.

Oh, meu querido, Darcy, eu pensei. Estou em apuros. Eu sei que


estou em muito apuro quando você não consegue prender minha atenção.
Eu prendo a respiração toda vez que passo pela sua porta. Minha pele
formiga toda vez que ele senta perto de mim.

Eu fechei meu livro e olhei para a lua crescente. Estava entre


aglomerados de estrelas, sua luz brilhante contra o céu de carvão.

“Estou com medo, Jack.”

“Do que?”

De nunca mais sentir por mais ninguém o que sinto por você.

“De amanhã,” eu respondi. “Depois do que aconteceu com Juma,


eu não sei o que esperar.”

Jack ficou quieto por um momento. Então ele colocou a mão no


bolso e puxou seu telefone.

“Eu quero te mostrar algo.” Ele mexeu até achar um vídeo. “Essa
é a última apresentação de dança que eu tenho da Lily. Eu gravei
algumas semanas antes dela morrer. O olhar dela – é pura felicidade.”

Leylah Attar
Lily acendia o pequeno palco. Ela saltava em seu pé direito,
depois o esquerdo, balançando os braços em movimentos divertidos,
bem-humorados. Era metade coreografado, metade livre, e ela não
parava de sorrir o tempo todo. Quando ela terminou, ela apontou para a
câmera e mandou um beijo ao pai antes de agradecer.

“Ela sempre me dizia para sentar na primeira fila, para ela me


achar.”

“Ela é incrível.” Eu não consegui usar o passado, não com a


energia e entusiasmo vindo tão claro.

“Ela não esteve sempre bem com isso. Essa era ela, na primeira
vez que subiu no palco.” Jack me mostrou outro vídeo.

Era uma Lily diferente, mais nova, mas também incerta e muito
nervosa. Ela era parte de um grupo, e ela se atrasava atrás de todo
mundo porque estava seguindo os passos. Seus movimentos eram
pequenos e artificiais, como se ela estivesse dançando em uma caixa
que a restringia. Ela não fazia tudo. Ao invés disso, ela saiu do palco e
foi para atrás das cortinas, enquanto o resto do grupo completava a
apresentação.

“Ela estava com medo porque ela parecia diferente de todas as


outras crianças. Ser bi-racial não é fácil para uma criança. Ela parecia
bem na aula, mas em cima do palco com todas aquelas pessoas
assistindo, ela perdeu o controle. Eu não achei que ela fosse querer
voltar. Mas ela quis. Ela assistiu isso várias e várias vezes. E cada vez
ela se aceitava um pouco mais, via sua própria beleza, praticava os
movimentos, ganhava mais confiança. Ela me pediu para gravar a
próxima apresentação. E a próxima. Então ela as assistia. Várias e
várias vezes. Até que ela pôde voltar e rir da primeira tentativa.” Jack
deixou o telefone de lado e virou para mim. “Tudo bem estar com medo,
Rodel. Estou assustado também. Eu fiquei naquele estacionamento,
paralisado de medo. Não fui capaz de sacudir isso. Não sei se um dia eu
serei – se um dia vou acreditar que esse mundo seja um lugar seguro.
Então eu assisto os vídeos da Lily, e você sabe o que ela me diz? Que o

Leylah Attar
medo é um mentiroso. Não deixe ele assoprar no seu ouvido. Desligue
essa merda. Faça o que te assusta. Várias e várias vezes. E um dia, seu
medo vai se tornar tão pequeno, que você vai ser capaz de rir disso.”

“Grandes lições de uma pequena menina,” eu respondi.


“Gostaria de tê-la conhecido.”

“Você teria gostado dela. Eu vivia para as vezes que ela vinha me
visitar. Eu adorava vê-la correndo pelas planícies, na grama que era
quase da altura dela. Ela era minha flor, meu sol. Jeans e uma
camiseta de arco-íris.” Ele balançou o pé, levando o balanço a um
movimento suave, de ninar. “Nada vai ferir você ou aquelas crianças,
Rodel. Eu tenho estado na guerra desde que perdi a Lily, só não sei com
quem. E isso me mata. Porque cada fibra do meu ser quer encontra-los
e destruí-los, e eu não posso. Mas se alguém... se alguém tocar em um
fio do seu cabelo ou tentar prejudicar aquelas crianças, eu vou destruí-
los. Eu não quero jogar pelas regras mais. Eu não quero vê-los atrás
das grades. Eu não quero que eles tenham um julgamento justo. Eu os
quero mortos. Eu vou coloca-los a seis palmos abaixo da terra, Rodel,
então Deus me ajude.”

Ele colocou minha mão embaixo do cobertor e entrelaçou seus


dedos nos meus. Ele tinha segurado minha mão uma vez antes, mas
dessa vez era diferente, possessivo – como se ele estivesse marcando
território. Algo curioso pulou dentro de mim. Ambos sabíamos que
havia uma linha a cruzar, mas isso não impediu o braço de Jack vir em
volta de mim ou minha cabeça de encostar no seu ombro.

Por algumas horas naquela noite, Jack e eu sentamos no


alpendre, com o cheiro de jasmim selvagem no ar, e nada além do
barulho do balanço, e dos insetos da noite quebrando o silêncio.

Leylah Attar
EM ALGUM MOMENTO durante a noite, eu tinha pego no sono
no balanço e Jack tinha me carregado para a cama. Eu devo ter
acordado quando ele me pegou, mas a sensação de ser pega em seus
braços era tão deliciosa que eu tinha fingido isso. E então passei de
novo na minha cabeça várias vezes até cair no sono de novo.

É isso, irmãzinha, eu pensei, quando acordei na manhã seguinte.


Vamos pegar as duas últimas crianças na sua lista e leva-las a Wanza.

Não houve resposta, e por um tempo, eu pensei se era algum


tipo de sinal dela, um aviso para não ir. Eu sacudi meu desconforto e
saí da cama. Eu estava inventando coisas – minhas conversas com Mo e
agora os silêncios também.

Eu tinha contado aos meus pais o que estava acontecendo. Eles


não estavam muito felizes que Jack e eu estaríamos fora por alguns
dias. Eles tinham perdido uma filha e queriam a outra de volta, sã e
salva. Uma parte de mim desejava ir para casa para eles, e para a
minha pequena casa de pedra perto do rio, mas outra parte, a parte que
tinha mudado, sentiu uma pontada com o pensamento de ir embora.
Era também a parte que saltou para a vida quando Jack abriu a porta
dele, do outro lado do corredor, com o cabelo embaraçado de dormir, e
nada além de cuecas.

Bom Deus, imagine acordar com isso todo dia.

Ele estava metade na sombra conforme ele ficou de pé no


corredor, mas isso deixou seu corpo como uma escultura entre a luz e o
escuro. Por um momento rápido, satisfatório, sua atitude contida fugiu,

Leylah Attar
conforme seus olhos correram pelo meu ombro nu, na pele onde minha
blusa tinha caído.

“Obrigada por umm... me carregar para cima ontem à noite,” eu


disse, tentando quebrar o que acontecia sempre que ficávamos a alguns
metros um do outro.

Jack não disse nada, mas ele deve ter visto o rubor na minha
cara, porque o canto da sua boca levantou, mas bem pouco, como se ele
estivesse nisso o tempo todo.

Bem, não sinto muito. Não sinto mesmo.

“Bom dia.” Bahati saiu do seu quarto, olhou à esquerda para


mim, olhou à direita para Jack, e então foi para o banheiro.

“Ei, eu vou..."

“Foi para Portugal, perdeu o lugar,” ele zombou, fechando a


porta em mim.

“Shh. Falem baixo!” Goma tirou a cabeça do quarto dela.


“Scholastica e eu ficamos acordadas a noite toda.”

“Está tudo bem?” perguntou Jack.

“Ela está com febre. Dei algo para isso, mas ela não está em
condições de ir a lugar nenhum hoje.”

Goma segurou a porta aberta para eu e Jack podermos entrar.


Scholastica estava dormindo sem as cobertas.

“A pele dela está pegajosa,” disse Jack, sentando ao lado dela.

“Não podemos ir sem ela.” Eu pressionei minha mão na testa


dela. Estava quente ao toque.

“Nós temos que ir. Hoje é o dia que Mo e Gabriel devem pegar a
criança em Maymosi.”

“Sumuni,” eu disse. Eu tinha memorizado os nomes deles. “Mas


e Scholastica? Eu prometi a Anna que a levaria a Wanza.”

Leylah Attar
“E nós iremos. Correção. Eu vou. Você tem um avião para pegar
quando voltarmos. Eu farei outra viagem depois de você ir embora.
Enquanto isso, nós deixaremos Anna saber que houve um atraso. Não
acho que isso importe, contanto que ela tenha certeza que Scholastica
esteja segura.”

“O que está acontecendo?” Bahati entrou, falando conosco.

“É Scholastica. Ela está doente. Ela não pode ir comigo e Ro


hoje,” respondeu Jack. “Você pode ficar mais um pouco? Até eu voltar?”

“Mas Jack, é tão cha..." ele parou conforme Jack anunciou um


valor. “Eu posso comprar pneus novos para a Suzi com esse valor. E
então tudo que ela vai precisar é de novos assentos. Não me entenda
mal. Não é que eu não goste daqui, mas sinto falta do Grand Tulip. Os
convidados, as garotas bonitas, os filmes, os resta..."

“Você quer ou não?” perguntou Jack.

“Certo,” respondeu Bahati. “Estou nessa.”

“Não preciso de uma babá,” Goma resmungou. “Sou


perfeitamente capaz de tomar conta de mim e Scholastica. Mas se você
for ficar, sem mais gritos para eu e Scholastica vermos se tem lagartos
embaixo da sua cama. Certo?”

Bahati teve a decência de parecer levemente envergonhado.


“Alguém quer café?” ele saiu sem esperar uma resposta.

Quando eu desci, ele tinha café sendo feito e estava ajudando


Jack a carregar o carro.

“Você vai ficar bem?” Jack perguntou a Goma quando ela veio se
despedir de nós.

“Sim. E Scholastica também.” Ela não era de abraçar ou beijar


para se despedir. “É com esse que estou preocupada.” Ela inclinou a
cabeça para Bahati.

“O que você quer dizer?” ele disse. “Ninguém me leva a sério


aqui. Por isso que eu..."

Leylah Attar
Jack ligou o carro, encobrindo o resto dos seus comentários.

“Tchau, Goma.” Eu acenei conforme demos ré na garagem.


“Tchau, Donkey Hottie.”

As nuvens estavam baixas naquela manhã, calando a trilha de


poeira que deixávamos para trás. Passamos por florestas e montanhas
com árvores com pilhas de cupins. Outras vezes, a paisagem ficava seca
e marrom, com nada além de arbustos desmazelados por quilômetros.
Então a estrada serpenteava em volta do Vale do Great Rift, oferecendo
vistas que me tiravam o fôlego. Essa vasta trincheira na terra se
estendia do Meio Oeste no norte de Moçambique até o sul. É também o
detalhe físico mais significante no planeta, visível do espaço. Dirigir ao
longo dele, abraçando as paredes íngremes, onde eu tinha apontado no
mapa para meus alunos, era completamente surreal. Através do
horizonte, não muito longe, nuvens de tempestade imensas deixavam
rastros de chuva em um panorama tão largo quanto o mar.

Conforme nos aproximamos, a chuva caiu sobre nós em lençóis


diagonais, grossos de cinza. Os limpadores chiavam, no ritmo máximo,
mas era impossível ver mais de um metro à frente.

“Vamos ter que esperar.” Jack encostou e desligou o carro.

A Mãe Natureza estava um drama completo, batendo no teto, os


vidros, as portas, como se tentando manchar tudo em uma obra prima
de Monet. Era um dia de uma umidade inevitável.

O humor de Jack mudou, ficando tão sombrio quanto o céu. No


rugido furioso da chuva, eu quase perdi suas palavras.

“Ela está me deixando,” ele disse.

“Quem está te deixando?”

Ele matinha os olhos fixos no vidro, observando as gotas


escorrerem pela janela em riachos rápidos e furiosos.

“Lily.” Ele pressionou sua mão no painel, encontrando as


impressões de chocolate do outro lado. “Estou perdendo o resto dela.”

Leylah Attar
Se martírio pudesse ser captado, ele estaria nas pausas entre suas
palavras. “Minha bebê está lá fora, embaixo daquela árvore grande. Eu
sempre cuido dela. Toda vez que chove. Eu fico ao seu lado. Eu penso
em seu corpo pequeno ficando molhado da chuva e não suporta a ideia
dela estando gelada e sozinha. Mas hoje, não estou lá, e ela está me
deixando. Estou perdendo minha bebê.”

Ele desmoronou devagar, suas paredes caindo tijolo por tijolo,


como se a casa onde ele tinha estado morando estivesse sendo levada
pelo deslizamento de terra. Quando ele chorou, havia aspereza, uma
agonia que falava de negação, de uma ferida aberta que tinha sido
negligenciada. Os soluços eram sufocados a princípio, como se ele
estivesse tentando segurar sua dor. Quão fundo ele tinha enterrado
isso, eu não sabia, mas o inundava em ondas. Ele se curvava sobre o
volante, suas mãos abrindo e fechando, como se procurando alguma
coisa para se segurar, para evitar ser sugado pela próxima explosão de
dor.

“Jack,” eu disse. Mas ele estava em seu próprio mundo, perdido


para mim.

Não parou até que ele se rendeu a isso, até ele se deixar se
afogar nisso, até seu corpo todo tremer como se rompesse sua pele e
ossos. Quando ele finalmente levantou a cabeça, ele era uma imagem de
completa devastação.

Eu testemunhei, pela primeira vez, como alguém pode irradiar


pura força de um lugar de pura dor. As vezes a coisa mais heróica que
podemos fazer é lutar com a batalha de dentro e sair do outro lado.
Porque não é apenas uma batalha, uma vez. Nós fazemos isso várias e
várias vezes, enquanto respiramos, enquanto vivemos.

Jack pressionou sua testa na janela, sua respiração embaçando


o vidro. As impressões dos dedos da Lily tinha sumido, lavadas pela
correnteza prateada descendo pelas laterais do vale. As nuvens de
tempestade tinham passado sobre nós, e havia um brilho molhado no
mundo. Tudo estava molhado e escorregadio e novo. Hastes de luz

Leylah Attar
suave, brilhava nas poças conforme um sol discreto aparecia no
nevoeiro.

“Lembra quando você me disse que se eu não pudesse falar com


Lily, eu deveria só ouvi-la?” Jack disse.

“Não percebi que você nunca tinha realmente deixado ela ir até
agora..."

“Estou ouvindo.” Ele apontou para o outro lado do vale.

Ali, contra o horizonte grafite, um arco suave de cores suspenso


no céu lavado.

“Um arco-íris.”

“Lily amava arco-íris. Tudo era colorido como arco-íris. Seu tutu,
chaveiro, meias, lápis...” ele divagou, como se redescobrindo a beleza na
luz recém-nascida. “Eu mandei ela dançar até chover. E é exatamente o
que ela fez. Ela chamou minha atenção. Todo esse tempo eu estive
procurando por ela nos lugares errados – na chuva, no trovão, no raio.
Todo esse tempo... lá está ela, escondida nos arco-íris.”

Nós sentamos em silêncio, testemunhando o milagre do sol e da


chuva e da cor. Então, Jack puxou uma respiração profunda e ligou o
carro.

“Te vejo do outro lado, minha menininha,” ele disse para o arco-
íris do outro lado do vale.

A VILA DE MAYMOSI era a beira de um rio, num campo com


árvores de baobá. Sem folhas e frutas, elas arqueavam no céu como
pilhas de raízes, parecendo que tinham sido plantadas de cabeça para
baixo.

Maymosi era muito maior do que eu tinha imaginado, com uma


estrada larga com várias tendas modestas alinhadas. Estava lamacenta
da chuva, mas isso não impedia todo mundo de caminhar com chinelos
de borracha. Mulheres com cabeças raspadas escolhiam frutas e

Leylah Attar
legumes, barganhando alto o preço. Um açougueiro com um boné
vermelho pendurava peças de carne de carneiro brilhantes, cercado por
uma plateia de cachorros esperançosos. Fumaça fina subia dos
queimadores de carvão conforme os vendedores preparavam chá com
leite e pão mandazi frito para os consumidores.

Nós estacionamos perto do rio e saímos. Mulheres sentadas,


lavando roupas e pendurando-as para secar nas árvores espinhosas. As
crianças carregavam baldes de água para casa, deixando um rastro de
respingos atrás delas. Pastores esperavam em fila com burros e
rebanhos pela sua vez no riacho.

"Bongo Flava! Bongo Flava! Venha ver!” uma procissão de


crianças batendo em panelas nos cercaram – crianças bonitas com os
rostos sujos de cinza.

“O que é Bongo Flava?” eu perguntei a elas.

Elas olharam para mim como seu eu tivesse crescido com duas
cabeças e começaram a rir.

“Música!” uma das garotas explicou. “Você vai gostar.”

“Obrigada, mas não estou aqui para isso.” Eu tentei sair do


emaranhado de braços conforme elas começaram a me levar com elas.
“Nós estamos procurando Sumuni. Você conhece Sumuni?”

“Sim! Venha para o Bongo Flava!”

Eu olhei para Jack perguntando conforme elas me levaram


passando por ele.

“Nós devemos checar,” ele disse. “Parece que todas as crianças


estão seguindo para lá.” Ele apontou para o círculo de crianças já
sentadas em frente a um palco provisório. Parecia um ringue de boxe,
com uma corda amarrada em volta dos quatro postes. A orquestra
entrou – três crianças com instrumentos feitos a mão. Uma delas tinha
uma abóbora de cabeça para baixo acomodada em um balde de água.
Um tambor, eu deduzi. Outra segurava uma caixa de sapato com

Leylah Attar
elásticos em volta. Não conseguia imaginar para o que era. A última
criança chocalhava duas latas cheias de pedras para chamar a atenção
de todos.

“Nyamaza!” ela disse.

No silêncio que seguiu, uma figura baixa, vestindo um manto


com capuz entrou no ringue. Era na verdade um cobertor, amarrado na
cintura com uma cinta floral que parecia ter disso tirado de um vestido
de mulher.

“Certo! Vamos começar a festa!” ele disse, derrubando o capuz e


virando para o público, no estilo Michael Jackson.

“Sumuni! Sumuni! Sumuni!” as outras crianças entoavam,


jogando as mãos para cima para ele.

“Bem, estou condenado,” disse Jack. “Sumuni é a porra de um


superstar.”

Sumuni deu uma volta no palco, um semideus pálido com


cabelo laranja ardente, entoando músicas que eram metade em inglês,
metade suaíle. Ele não tinha microfone, mas sua voz carregava sem
esforço, trazendo os aldeões em volta. Eles riam com seus movimentos,
suas palavras, mas acima de tudo, com sua atitude exagerada. Não
importava que a música estava desligada, ou que a caixa de sapato com
os elásticos sujos fosse um substituto valente ainda que carente de um
violão.

Todo mundo torceu no final da apresentação. Sumuni e sua


banda agradeceram. Alguns dos adultos deixaram mangas e laranjas
em uma caixa perto do palco antes de se dispersar.

“Eu deveria ter sabido,” Jack disse, balançando a cabeça


divertido.

“Sabido o que?”

Leylah Attar
“Sumuni. Significa 50 cents em suaíle. Acho que ele se deu o
nome de 50 Cent, o rapper.” Ele tirou uma notas da carteira e as
entregou para Sumuni.

“Obrigado.” Sumuni colocou o dinheiro no seu chapéu antes de


colocar na cabeça. “São turistas?”

Nossa presença não parecia levantar muita curiosidade.


Maymosi era obviamente um lugar que via sua cota de visitantes.

“Estamos, na verdade, aqui por você. Para leva-lo a Wanza,”


disse Jack. “Seus pais estão por aqui?”

Sumuni parou e piscou para Jack. Ele deve ter doze ou treze
anos, mas seus olhos eram daqueles de uma alma velha. Eram
diferentes dos de Scholastica – mais rosas do que azuis. “Sim, mas deve
ter algum engano. Estamos esperando Gabriel.”

Ele nos levou para sua casa e pediu para esperarmos no quintal
enquanto ia chamar seus pais. Eles nos cumprimentaram cordialmente,
apesar de rapidamente perguntarem de Gabriel.

“Nós não temos certeza de onde ele está,” eu disse. “Eu encontrei
o nome de Sumuni em umas anotações que minha irmã tinha feito, e
decidimos vir pega-lo.”

Eles assentiram conforme expliquei a situação, mas podia dizer


que estavam ocupados avaliando Jack e eu.

“Estamos gratos que fizeram a viagem, mas a questão é, que não


sabemos nada de vocês. Não podemos simplesmente entregar nosso
filho para vocês.” O pai de Sumuni falou com uma finalidade que não
deixou espaço para discussão. E ainda assim, era para a mãe de
Sumuni que ele olhava para direção cada vez que falava. Ela era
claramente quem estava no comando.

“Não estamos com pressa de mandar Sumuni para Wanza. É


mais pela escola,” ela disse. “Não há ensino médio aqui e ele vai
precisar logo, mas vamos esperar por Gabriel – quando quer que ele

Leylah Attar
apareça. A situação de Sumuni não é como a maioria das crianças
albinas. Ele é amado e protegido aqui. A vila inteira se levantaria se
alguém tentasse machucá-lo.

“Nós entendemos,” eu disse, mesmo que sentisse como um


anticlímax, ter vindo até aqui, só para virar e ir embora. “É totalmente
sua decisão.”

“E se Gabriel não aparecer logo?” Jack interveio.

“Então sem escola para mim!” Sumuni levantou o punho. “Eu


viro uma estrela Bongo Flava.”

“Vamos ver isso,” sua mãe disse, o acalmando. “Se Gabriel não
aparecer, teremos que economizar para uma viagem de trem para
Wanza, no vagão privado. Levar Sumuni para lá de ônibus é muito
arriscado. Você nunca sabe com quem você está viajando.”

“Esperamos que não tenha sido muito difícil vir até aqui.” o pai
de Sumuni se mexeu na cadeira. “Para onde vocês vão em seguida?”

“Para Magesa, mas temos alguns dias antes de sermos


esperados lá. Ou melhor, antes de Gabriel ser esperado lá.”

“Por que não ficam para o jantar?” a mãe de Sumuni perguntou.


“Nós planejamos um grande jantar. Achamos que seria a última noite
de Sumuni conosco antes dele partir para Wanza com Gabriel.
Convidamos alguns de nossos amigos e família também. Considerem
um agradecimento, uma pequena coisinha por virem até aqui.
Ficaríamos honrados se comessem conosco.”

UMA PEQUENA COISINHA acabou virando um banquete.


Metade da vila se juntou sob uma árvore grande de baobá. Panelas
cheias de galinha ensopada, e ervilhas no coco, cozinhando no fogo.
Batatas assadas em carvões e o aroma de leite com chá vagava tarde na
noite.

Leylah Attar
Sumuni e sua pequena banda fizeram outro show para todos.
Seu pai assistia orgulhoso, um maço de tabaco atrás da orelha,
enquanto sua mãe costurava contas em longas fitas de fibra do baobá.

“O que há de errado?” Jack perguntou. “Parece que você está em


outro lugar.”

Nós estávamos sentados ombro a ombro em um lugar perto do


fogo.

“Só estou... sinto como se estivesse falhando com Mo. Não estou
chegando a lugar algum com essas crianças. Chegamos a Juma tarde
demais, e agora...”

“Agora o que?” ele virou para estudar meu rosto.

Quando Jack olhava para mim, não importava onde eu estava,


ou no que eu estava pensando, eu voltava para o presente. Para seus
olhos. Para sua voz. Eu podia estar afundando na tormenta, e tudo que
ele tinha que fazer era olhar para mim, como ele estava fazendo agora.

“Você vê isso?” ele inclinou a cabeça em direção a Sumuni. “Olhe


para ele. Olhe para seus pais. Isso é amor. Isso é felicidade. Eles estão
brilhando com isso. Como isso pode fazer você sentir que falhou com
Mo? Além do mais, não é como se ela tivesse te incumbido de alguma
coisa. Você pegou isso para você. Sua decisão. Sua missão.”

“É uma missão estúpida,” eu disse. “Eu queria honrar sua


memória. Eu queria fazer diferença, mas sinto como se tudo tivesse sido
para nada.”

Uma brisa fria passou por nós e levou folhas secas para a brasa.
Nós sentamos lá, observando as mulheres varrerem o chão com
vassouras de grama e galhos até que a maioria dos convidados
dispersaram.

“Você fez a diferença,” disse Jack, conforme eles começaram a


apagar o fogo, um a um. “Para mim.”

Ele levantou, botas afastadas, e esticou a mão para mim.

Leylah Attar
Em volta de nós, o céu da noite ficava repleto de nuvens de
fumaça e poeira, mas naquele momento, aquele momento brilhava com
uma claridade tão forte e comovente, que eu sabia que permaneceria
alojado no meu coração como um diamante.

Você fez a diferença. Para mim.

Leylah Attar
NÃO HAVIAM HOTÉIS em Maymosi, mas um dos aldeões mais
ricos alugava quartos em sua vila particular. Jack e eu passamos a
noite em quartos adjacentes que eram escassos, mas funcionais. As
paredes eram finas como papel então eu sabia que ele tinha ficado
acordado a maior parte da noite. Ele estava com os olhos tão remelentos
como eu de manhã.

Ainda bem que eu não era a única dando voltas na cama a noite
toda, pensei.

Estava ficando mais difícil manter as coisas platônicas entre


nós. Eu pensava se os mesmo pensamentos tinham estado correndo na
mente dele – romper a divisória frágil que nos separava, se entregar ao
que acontecia entre nós, e cair no sono com o som das respirações.

Estávamos ambos quietos conforme íamos para a vila de


Sumuni, perdidos em nossos próprios pensamentos. Eu segurava a
última anotação de Mo na minha mão:

Primeiro de Setembro – Furaha, (Magesa)

As bordas estavam curvadas de todas as vezes que eu tinha


folheado seus Post-its. Furaha significava felicidade. Eu pensava se
seus pais tinham lhe dado esse nome para que isso pudesse estar
sempre com ela... felicidade... não importa o que o mundo jogasse nela.
Eu estava percebendo que a situação com as crianças albinas na
Tanzânia era complexa – Juma em uma ponta, sacrificado por sua
própria família, e Sumuni na outra – cujos pais e amigos fariam tudo
para protegê-lo. Eu pensava onde Furaha se encaixava nessa escala.

Leylah Attar
“Nós vamos pelo parque, e seguimos para Magesa pelo corredor
oeste,” explicou Jack, quando chegamos ao Serengeti National Park.

“Olhe!” eu disse, assim que entramos. “Girafas! Eu não vi


nenhuma na cratera.”

“Não, elas acham muito difícil as colinas lá.”

Com suas pernas metade escondidas pela grama dourada, elas


pareciam estar flutuando graciosamente no horizonte.

“O que são aqueles?” eu apontei para um par de animais de


olhos arregalados que pareciam lebres cobertas de vegetação com
pernas finas.

“Dik-diks. Eles são um tipo de antílopes.”

"Tão pequenos. Tão doces.”

Só então. Algo os assustou, e eles fugiram em zigzag, silvando


pelos narizes.

“Você perdeu a migração anual,” Jack disse. “É uma vista


extraordinária.”

“Eu não consigo imaginar ficar melhor que isso,” respondi,


olhando para fora da janela.

Era fácil se perder nesse cenário, quase como se algo primitivo


acontecesse, removendo o interior estático e afiado dos sentidos. Em
todo lugar em volta de nós, os animais vagavam pelas planícies. Leões,
elefantes, impalas, gnus, zebras, javalis, pássaros com penas
iridescentes que brilhavam como arco-íris no sol. Havia uma
magnificência espectral na paisagem sempre mudando. Conforme nós
dirigíamos pelo centro do parque, as planícies gramadas deram
caminho para caminhos de bosques e leitos de rio com árvores.
Afloramentos de granito apareciam como ilhas rochosas no horizonte.

“Kopjes,” disse Jack. “Aquele parece exatamente a pedra onde


Rafiki apresentou Simba para todos no Rei Leão. Quer ir ver?”

“Duvido que os acharemos lá.” Dei risada.

Leylah Attar
“Talvez. Talvez não.” Jack sorriu, “Mas é o lugar perfeito para
um leão preguiçoso se aquecer.”

Conforme circulamos o aglomerado rochoso, Jack diminuiu e


desligou o carro.

“É seu dia de sorte, Rodel.” Ele apontou para uma das rochas.

“O que..." eu parei quando ele se moveu. “Oh, meu Deus. Um


rinoceronte.”

“O número cinco dos Big Five – o rinoceronte preto. Agora você


viu todos.”

Ele não estava olhando para nós, arrancando os arbustos que


brotavam entre os rochedos. Seu corpo era grande e cinza, como um
tanque redondo de guerra. Pássaros de bico vermelho se empoleiravam
nas suas costas, se alimentando do que eu imaginava serem carrapatos
no seu couro. Passamos alguns minutos admirando seu volume
imponente, os chifres letais enormes e as pernas surpreendentemente
finas.

Quando Jack ligou o carro, o rinoceronte girou e virou sua cara


cheia de lama para nós. Por um momento, não fez nada. Então ele
urrou até uma figura menor aparecer ao seu lado.

“Porra!” Jack disse, indo para trás devagar. “Ela tem um filhote.”

Protegendo o bebê com seu corpo, a rinoceronte abaixou a


cabeça e bufou alto.

“Calma, grande mamãe,” disse Jack, conforme ele continuava a


ir para trás.

Por um momento parecia que a grande fera tinha sido


apaziguada pelo nosso recuo. Então ela veio para nós, tão rápido e
furiosa que eu tive que piscar para acreditar que algo daquele tamanho
podia se mover tão rápido. O chão chocalhava conforme ela explodia em
movimento – raiva, olhos frios, escuros. Minha pele gelou, todo o
sangue pulsando desesperadamente para evitar que meu coração

Leylah Attar
parasse. Ela estava perto, e chegando mais perto, tão perto que eu
podia ver sua respiração – pesada com a umidade exalada de seus
pulmões – a fibra grossa, densa de sua pele, o chifre de aço ameaçador
abaixou conforme ela seguia direto para nós.

Merda. Merda. Merda. Merda.

Era como assistir um pesadelo Jurássico infernal ao vivo. E não


havia nada que eu pudesse fazer para fugir dele. O som violento de
metal esmagando cortou o ar conforme ela nos empurrou. Todo o ar
saiu do meu peito. A força absoluta, brutal do ataque nos fez derrapar
pelo matagal com terra e folhagem. O carro balançou, e por um
momento de parar o coração, parecia que íamos capotar.

“Jack!” meus braços e pernas bateram conforme o mundo


inclinava à minha volta.

“Está tudo bem. Estamos bem,” ele disse, conforme o carro se


acertou.

A rinoceronte foi para trás em uma demonstração de


dominância, mas parecia que ela estava ficando pronta para carregar de
novo. Jack mudou a marcha e o carro pulou para frente, as rodas
girando conforme ele batia atrás de nós. Nós fomos para frente,
rasgando a grama e os arbustos até a perdermos.

“Você está machucada?” Jack olhou na minha direção.

“Não.” Meu estômago ainda estava apertado, e eu sabia que


estaria toda contundida, mas não era uma alternativa. “E você?”

“Já passei por pior,” ele respondeu. “Da próxima segure a alça
de oh-merda.”

“O que?”

“A alça de oh-merda.” Ele apontou para a alça em cima da


minha janela.

Leylah Attar
“É assim que é chamada?” eu dei risada, apesar do triz. Meu
coração estava batendo forte e rápido, como se tentando sair do meu
peito. “Eu sempre achei que era para pendurar lavagem a seco.”

“Habitantes da cidade.” Ele balançou a cabeça.

“Maníacos de safari,” retruquei.

Nós achamos nosso caminho até a estrada principal à beira do


Parque Nacional de Serengeti. Era como se tivéssemos o lugar todo para
nós. Eu não via um único carro, provavelmente porque a estrada era
terrivelmente ondulada, e os animais eram poucos e distantes um do
outro. Contra uma extensão nebulosa de montanha, fileiras de árvores
altas se alinhavam à beira do rio.

“Esse é o Grumeti,” disse Jack. “Ele acaba no Lago Victoria, o


maior lago de água doce da África. Wanza fica localizada à direita da
encosta do Lago Victoria.

“Mais uma parada antes de chegarmos lá.”

“Certo. Primeiro Magesa, depois Wanza,” respondeu Jack,


conforme saímos do parque.

Após algumas milhas esburacadas, nos aproximamos de um


centro movimentado, aninhado ao pé das colinas dos penhascos verdes.

“Imagino que estamos subindo para a cidade de Bunda agora?”


olhei para cima tirando os olhos do mapa.

“Certo.” Jack parou para verificar o carro e combustível. Havia


um amassado considerável na porta do passageiro atrás onde a
rinoceronte tinha atacado. A porta não abria nem fechava, mas tirando
isso, o Land Rover parecia ter vencido bem.

Depois de um almoço rápido de pilau e peixe ensopado,


seguimos a estrada de cascalhos que nos levava para fora da cidade. Os
aglomerados de casas e lojas logo deram lugar a campos de mandioca e
plantações de bananas. Árvores de mangas beiravam a estrada,
carregadas de frutas pesadas. Haviam poucos viajantes na estrada para

Leylah Attar
Magesa, e as árvores fechavam em volta de nós conforme seguíamos a
trilha de terra que levava à vila. O caminho estava úmido da chuva, e o
carro ia em um ritmo constante de andar, frear, andar, frear, conforme
Jack ia por barrancos e rochas. Nós tivemos problema depois de
batermos em um buraco particularmente grande. O Land Rover fez um
barulho horrível e balançou parando.

“Merda.” Agachando-se, Jack olhou embaixo do carro. Duas das


rodas estavam atoladas na lama, mas ele parecia mais preocupado com
mais alguma coisa. “Quebramos um eixo. Provavelmente ele soltou no
ataque da rinoceronte, isso só terminou.

“O que fazemos agora?” perguntei.

“Bem, não vamos a lugar algum até trocarmos isso.”

“Qual a distância para Magesa?”

“Muito longe para andar. Não chegaremos antes de anoitecer, e


não tem como ir por aquela floresta à noite.” Ele apontou para as
florestas densas na frente. “Vou ligar para o mecânico. Ver se eles
podem vir para ajudar.” Ele ligou o telefone e balançou a cabeça. “Não
tem sinal aqui.”

“Merda. Estamos ferrados.”

“Ainda não. Mas estaremos quando o sol se puser e os leões


saírem. Não se preocupe,” ele disse, quando a cor sumiu da minha cara.
“Nós vamos nos revezar vigiando. Eu vou ficar olhando no teto
enquanto você dorme e depois você faz o mesmo para mim. Aqui.” ele
arrancou um galho da árvore, tirou as folhas, e entregou para mim.
“Comece a talhar. Uma ponta longa e afiada é melhor.”

Eu segurei a vara sem falar, conforme ele enfiou a cabeça no


carro para pegar uma faca. Levou um momento antes de eu entender.

Não tem leões rondando aqui.

Com certeza, quando andei e abri a porta, lá estava ele, curvado.


Rindo. O som era como ondas em um lago calmo, depois de uma pedra

Leylah Attar
ser jogada nele. Radiava para fora, me banhando, até eu não poder
evitar de me juntar a ele.

Foi nesse estado de intoxicação, aquela liberação de consciência,


entre barulhos de risadas, que eu percebi que estava totalmente,
completamente apaixonada por Jack Warden, isso me bateu como uma
tonelada de tijolos, que você podia se sentir tão vivo, mesmo que seu
coração não estivesse mais sob sua posse, e você soubesse que você ia
embora sem ele para o resto da vida. Eu me afastei dele, a risada
morrendo nos meus lábios como se ele tivesse espetado no meu peito
com o galho que eu estava segurando. Eu deixei ele cair e virei, mas
meu sapato estava preso na lama e eu balancei, a cabeça para frente,
no chão.

Minha queda foi completa. Quase literalmente. Uma vergonha


absoluta. Humilhação absoluta. Porque Jack podia me ler como um
livro aberto – meus por quês, se´s, e mas: meus começos, paradas,
viradas. Era animador porque era fácil – nenhuma explicação
necessária. Era aterrorizador porque me deixava transparente, sem
cobertura de pretensão. Não havia maneira de esconder dele meus
sentimentos.

Quando Jack me ajudou a levantar, eu evitei seu olhar. Quando


ele limpou a lama da minha cara, eu mantive meus olhos no chão.
Quando ele me sentou e jogou água nas minhas mãos, eu observei a
sujeira ir embora.

“Rodel.”

Que saco ele. Que saco sua voz. Que saco a maneira que ele dizia
meu nome.

Ele levantou meu queixo para eu não ter escolha a não ser
encontrar seu olhar. Ele não estava sorrindo ou rindo. Não era o rosto
de um homem que estava divertido. Ele estava olhando para mim com
uma mistura tão intensa de carinho e desejo. Eu abafei um suspiro,
porque por baixo dele havia uma desculpa. Pelas coisas que ele incitava

Leylah Attar
em mim, pelas coisas que eu incitava nele, pela viagem agridoce que
tinha nos trazido juntos, e pela partida que ainda iria vir. E então bem
suavemente, com um dedo ainda no meu queixo, ele me beijou – uma
vez, duas, três – como se estivesse pegando um buque de flores da
minha boca.

“Seu cabelo está uma bagunça,” ele disse, correndo os dedos nas
madeixas cheias de lama.

“Eu estou uma bagunça." Eu me olhei – meus pés, minhas


roupas, minhas unhas.

“É fácil de arrumar. Fique aqui.”

Ele pegou um fogão de querosene do porta-malas, e logo ele


tinha aquecido duas panelas grandes de água, colocado sabão, um
balde e uma cadeira de dobras.

“Bem-vinda ao Salão da Selva do Jack.” Ele se inclinou com um


floreio. “Sente. Encoste-se.”

“O que você vai fazer?” perguntei, sentando na cadeira.

“Lavar seu cabelo.” Ele arrumou o ângulo, para que a minha


cabeça estivesse pendurada na beira da cadeira.

“Não deveríamos estar resolvendo o que vamos fazer a seguir?”

“Shh.” Sua respiração veio na minha testa, mandando arrepios


pela minha espinha.

E lá, na estrada para Magesa, ao lado de um carro atolado na


lama, Jack Warden lavou meu cabelo com um sabonete azul, conforme
eu sentava em uma cadeira velha que ele carregava no seu carro.
Quando ele derramou a água morna no meu cabelo, fechei os olhos e
pensei como deveria haver uma palavra para descrever a sensação
quando seus pulmões estão cheios do ar mais doce, e ainda assim você
está completamente sem ar.

Era mais íntimo que um beijo, as mãos de Jack trilhando pelo


meu cabelo, as pontas ásperas dos seus dedos massageando meu couro

Leylah Attar
cabeludo, fazendo círculos lentos, firmes conforme ele levava as bolhas
de sabão da raiz para as pontas. Ele começou pela testa, seguiu pela
minha cabeça e para baixo para minha nuca. Massageando as costas
do meu pescoço, ele amassava os músculos até minha cabeça cair para
trás relaxando na sua mão. Minha pele formigava com seu toque, com o
ritmo sensual dos seus golpes, com a delícia do momento submisso
inesperado.

Não sei quanto tempo passamos na clareira, Jack lavando meu


cabelo como se fosse a única coisa que ele quisesse fazer, o sol na
minha cara, pequenos picos do seu corpo mostrando a silhueta.
Quando ele acabou, ele jogou mais água, puxando os dedos pelo meu
cabelo até todo o sabão ter saído. E então novamente. Eu estava pronta
para levantar quando ele segurou meu cabelo com ambas as mãos e
levantou no topo da minha cabeça. Então ele o torceu e espremeu a
água. A sensação de rigidez depois da maciez enviou uma pontada no
meu estômago. Eu tremi conforme pequenos rios escorriam pelo meu
pescoço e costas, mas não era pela água. Era porque eu podia sentir os
olhos de Jack atrás das minhas orelhas, da minha nuca, da curva do
meu maxilar. Então ele soltou meu cabelo, e observou ele cair sobre
meus ombros.

“Toalha,” ele disse, entregando para mim. Ele pendurou uma


linha entre duas árvores e aqueceu mais um pouco de água. “Você pode
terminar ali.”

“Legal.” Eu andei para trás da barreira e tirei minhas roupas. “O


Salão da Selva do Jack tem serviço completo. Uma garota poderia se
acostumar com isso.”

“Um ataque de rinoceronte, problema no carro, cara na lama,


um banho de balde?” ele riu. “Você é uma garota estranha, Rodel
Emerson.”

Era estranho quando eu pensava nisso – que eu estava bem com


as coisas que tinham sido tiradas da minha zona de conforto até agora.
Mas as coisas não tinham que fazer sentido sempre. Os momentos mais

Leylah Attar
profundos, mais memoráveis da vida são os que fazem você sentir. E era
disso que eu sentia falta. Aquela sensação de estar viva. Eu tinha vindo
com um coração cheio de dor pela minha irmã, nunca esperando
encontrar amor ou vida brotando disso. Era como se Mo estivesse me
mostrando o possível no impossível.

Eu gostaria que você pudesse ver o mundo pelos meus olhos, suas
palavras ecoavam na minha mente.

Estou começando a ver, Mo. Estou começando a ver.

Eu olhei por cima do lençol. Jack estava tirando a barraca do


carro. Ocorreu-me que eu ficaria bem, não importava como. Ás vezes
você se depara com uma estória de arco-íris – uma que expande seu
coração. Você pode não ser capaz de agarrar ou se segurar nisso, mas
você nunca pode se arrepender da cor e magia que trouxe.

Leylah Attar
A NOITE CAIU SOBRE nós com uma escuridão completa. A lua
pendurada acima, mas nenhum ponto de luz aparecia no horizonte.
Morcegos de asa amarela voavam para encontrar a escuridão conforme
Jack atiçava o fogo.

“Nós vamos partir para Magesa de manhã,” ele disse. “Uma vez
que a gente encontre Furaha, podemos voltar para o carro com um
mecânico. Tomara que o celular tenha sinal também.”

“Você já foi? Para Magesa?” eu enxaguei nossos pratos e sentei


ao lado dele.

“Não fui a nenhum lugar da lista de Mo.” Ele estava sentado


próximo ao fogo, seus rosto tostado e quente.

“Eles são tão diferentes – cada cidade, cada vilarejo. Eu nunca


soube o que esperar.” Olhos noturnos brilharam em volta de nós. Um
porco-espinho? Uma fuinha? Eu não tinha certeza. Tudo que eu sabia
era que me sentia completamente segura com Jack.

“Você sente saudades de casa?” ele perguntou.

“Sim. E não.” Eu me mexi na tora de madeira onde estávamos


sentados. “Acabei de comprar minha primeira casa. Sinto falta disso.
Sinto falta de suas paredes gastas, em tons de mel. O som do rio
passando. Sinto saudades do meu pequeno recanto de livros. Das
montanhas cheias de ovelhas. Os campos de lavanda. Sinto falta dos
sinos da igreja, dos espirais altos, elegantes. É lar, sabe? Nós viajamos
muito quando eu era mais nova. Eu procurei por um lugar daquele jeito
a vida toda, um lugar que falasse com a minha alma.”

Leylah Attar
“Soa bonito.” Jack virou para mim, os cotovelos nos joelhos.

No silêncio que se seguiu, eu sorri com pesar. Depois de Sarah,


ele tinha jurado nunca pedir para uma mulher morar na fazenda com
ele. E eu tinha acabado de assegurar que mesmo que ele mudasse de
ideia, aquela mulher não seria eu. Ambos tínhamos lugares de
permanência de que não estávamos querendo desistir.

“E a África?” ele sussurrou, olhando para as labaredas. “O que


você acha da África?”

Eu vou sempre pensar em você quando pensar na África.

“É linda e de doer o coração. Ela cura você, destrói você. É o


lugar que levou a minha irmã.” E meu coração.

O fogo soltava sombras brilhantes contra as árvores. O calor do


dia tinha ido embora, e nossas respirações estavam virando vapor.

“Nós devemos entrar,” Jack disse. Mas nenhum de nós se


mexeu. Porque só havia uma barraca, e tinha estado brilhando na
nossa cara a noite toda, como um sinal de neon de Vegas.

Eu entrei primeiro, enquanto Jack cuidou do fogo. Era uma


barraca de bom tamanho – até Jack entrar porque tudo pareceu
encolher em volta dele. Fechei os olhos e me amontoei embaixo dos
cobertores conforme ele escorregou para dentro, ao meu lado. Mantive
minhas costas para ele, mas o colchão de ar mexeu com seu peso,
então acabei me segurando na beirada, para evitar rolar em sua
direção. Eu realmente estava em um declive quando se tratava dele.

“Rodel?”

“Sim?”

“Se você cavar suas unhas mais forte no colchão, você vai fazer
um furo.”

“Eu... eu não estou..."

“Solte.” Ele se apoiou no cotovelo e soltou minha mão. “Do que


você está com medo?” Seus olhos procuraram os meus. “Disso?” ele me

Leylah Attar
puxou para seus braços e me segurou confortável. “Viu? Não é tão
ruim,” ele disse, conforme seu calor espalhava pelo meu corpo – tão
masculino, tão estimulante.

“São apenas braços.” Seus dedos traçaram devagar para cima e


para baixo do meu braço. “E pernas.” Ele traçou a curva da minha
coxa. “E esse lugar aqui, que eu estou louco para sentir o gosto desde
que lavei seu cabelo.” Ele beijou um lugar embaixo da minha orelha.
“Eu anseio você, Rodel. Das mais inocentes maneiras. Eu fico deitado
acordado na cama a noite, pensando em você no fim do corredor, não
querendo mais nada além de te segurar. Quero afagar seu cabelo até
você dormir. Quero beijar sua testa quando você está desanimada. É
tudo que eu me permito. Não vou além disso.”

Ele parou de traçar caminhos na minha pele e fechou os olhos


como se estivesse lutando com algo selvagem e poderoso.

“Mas bem agora, Rodel, agora que estou te segurando, e tocando


em você, e respirando você, tudo que eu quero fazer é levar você como
nunca ninguém te levou antes.” Seu olhar queimou quando ele olhou
para mim. “Eu quero te levar como se odiasse você. Feroz.
Completamente. Porque você me ressuscitou, apenas para me
abandonar. Eu acho que você não tem ideia do que você fez. Vê isso?”
ele esfregou a mão sobre sua barba feita.

“Depois que Lily morreu, toda vez que pegava a lâmina, eu


pensava em acabar com isso. A única coisa que me segurava de fazer
isso era o pensamento de Goma tendo que me enterrar. Quando você
apareceu naquela tarde chuvosa, foi como graça pisando no meu
alpendre. Eu não queria olhar para você, eu não queria ver você ou
ouvir você porque não havia lugar para graça, ou esperança, ou virtude
no meu mundo. Elas tinham sido extintas.”

Eu segurei a respiração conforme ele continuava a tirar partes


de si mesmo. Eu não podia ter falado mesmo que quisesse. Deitada ao
lado dele, nossos corpos se tocando por baixo do cobertor tinham virado
uma bagunça de sensações de tremor.

Leylah Attar
“Eu pensei que fosse bem intencionada, mas ingênua.” seus
olhos estavam nos meus lábios, e eu me maravilhei em como ele podia
fazê-los latejar com um olhar. “E naquele dia, perto do fogo, eu achei
você bonita. Mas então você era mais. Você era inteligente e divertida. E
corajosa. E toda vez que eu olho para você, eu vejo algo novo, e
interessante, e envolvente. Você me faz sentir como se quisesse ir em
longas viagens com você. Para o mar. Para as montanhas. Você me faz
sentir coisas que eu tinha parado de sentir e não sei o que fazer com
elas, ou onde colocá-las. Toda vez que você está perto de mim, eu sinto
que vou explodir, tentando segurar tudo isso. Você me abriu de novo,
Rodel, e você não tinha direito de fazer isso, merda! Você não tinha o
direito.” Seu aperto mudou, toda a tensão soltando em uma respiração
quente.

Tudo se partiu conforme ele pegou minha boca com uma


intensidade selvagem. Uma mão grande segurou minha cintura, me
levando até ele como se ele não aguentasse mais a distância. O sangue
pulsava no meu cérebro conforme sua mão escorregava embaixo da
minha blusa e acariciava meu peito, girando a ponta rosa dura. Seu
corpo era duro e insistente em cima do meu, nossas respirações
descompassada, os membros entrelaçados.

“Me toque.” Ele tirou a camiseta, calor saindo da sua pele. Meu
pulso corria nas pontas dos meus dedos, conforme eu traçava os
músculos do seu peito, um pouco de pelos no sulco entre seus peitos.
Quando eu escorreguei minha mão dentro da sua cueca, ele recuperou
minha boca, crescendo nas minhas mãos com um rugido.

“Diga-me que você quer isso.” Ele deslizou pelo meu estômago,
para o balanço do meu quadril. “Mostre-me.”

E então ele estava tirando minha roupa, os dedos agarraram


minha calcinha, arrastando-a pelas minhas pernas. Ele desacelerou
então, sentou e me tocou – um leve roçar do polegar sobre meu clitóris.
O gemido que escapou de mim perfurou a calma em volta de nós.

Leylah Attar
“Eu vou fazer você gozar, Rodel.” Ele disse essa parte no meu
ouvido, parcialmente cobrindo meu corpo com o dele porque eu estava
tremendo. “Eu quero saber como você é quando goza.”

Eu não tinha esperado que Jack dominasse, principalmente


porque eu tinha visto o outro lado dele – quebrado, acolhedor,
vulnerável. Mas Jack na cama era um homem diferente. Ele tinha a
Arte da Masculinidade com uma habilidade precisa. E isso me
assustava, me excitava.

“De lado.” Ele me virou e tirou as cobertas de nós, se encaixando


atrás de mim. Sua ereção dura contra mim conforme seus dedos
circulavam meu clitóris. Sua outra mão sobre meu peito, amassando a
carne macia com uma possessividade fascinante. Meu corpo se
contorcia contra o dele, nossos contornos se encaixando um ao outro,
conforme correntes de desejo quente corriam dentro de mim.

“Jack...” eu virei um pouco para olhar para ele.

Ele sabia o que eu queria antes de eu dizer. Ele esmagou a


minha boca com fome, sua língua procurando a minha, pedindo por ela.
Meus lábios se abriram com um suspiro conforme ele enterrou a cara
no meu pescoço, intensificando o ritmo dos dedos. Prazer irradiava,
como choques de fogo líquido. Eu agarrei a nuca de Jack. Ele mordia
meu pescoço com força suficiente para comandar toda a minha atenção
e então soltava, como um leão brincando com sua presa. Eu passei
meus dedos pelos seus cabelos grossos, puxando-o de volta, e então
estávamos nos beijando de novo, deixando sonetos dentro da boca de
cada um. Foi quando ele me levou ao limite, escorregando a coxa entre
minhas pernas, levantando sua estrutura dura sobre mim. Era simples,
mas eu estilhacei em milhões de estrelas brilhantes.

O contraste do áspero contra o macio, a antecipação à


penetração, de ser tomada por Jack, a maneira como nossos corpos já
estavam travados em um ritmo faminto, primal, seus dedos apertando
meus pontos de prazer, seus lábios devorando os meus. Era um ataque

Leylah Attar
sensual que sacudia o meu núcleo. Minha respiração veio em gemidos
longos, trêmulos, que soltavam algo quente e rude nele.

“Eu não consigo segurar, Rodel.” Ele esfregou a ponta do seu


pau contra mim. “Diga-me que você quer isso.”

“Eu quero você, Jack,” meu corpo levantou instintivamente para


encontrar o dele. O comprimento duro, grosso dele na minha coxa era
tanto eletrizante como intimidador. “Mas você deve saber... que eu...
nunca fiz isso antes. Você é meu primeiro.”

Ele parou e puxou uma respiração profunda. “Isso...” ele puxou


outra respiração funda como a alma. “Você nunca..."

“Está tudo bem,” eu sussurrei. “Olhe para mim, Jack. Eu quero


que você seja meu primeiro.”

E meu último. E todas às vezes entre. Mas não posso ter isso,
então vou ficar com isso. O que nós temos aqui. Agora.

Mas Jack não estava ouvindo. “Eu já fui longe demais, Rodel,”
ele grunhiu, pegando minha mão e a guiando para ele. Sua cabeça caiu
para trás conforme meus dedos fecharam em volta dele, e ele soltou um
suave suspiro.

Contra a luz do fogo lá fora, ele era a imagem da paixão e do


desejo. Foi só quando ele começou a enfiar na minha mão, seu ritmo
urgente e frenético que eu percebi o que ele queria dizer. Ele tinha ido
longe demais para impedir seu orgasmo, mas ele ainda estava no
controle de como acontecia. Eu senti uma pontada de tristeza, mas ela
não teve chance contra o erotismo do homem na minha frente, a
maneira como ele me observava, fazendo amor com cada curva, cada
centímetro do meu corpo com seus olhos, conforme minha mão ia para
cima e para baixo do seu pau.

“Porra, Rodel.” A voz dele estava no limite, como se ele estivesse


pronto para explodir. Seus lábios se abaixaram nos meus conforme seu
corpo convulsionava em ondas de prazer.

Leylah Attar
Ele inclinou sua testa contra a minha, recuperando a respiração.
Quando ele rolou de costas, me levando com ele, eu pensei como seus
braços eram incrivelmente quentes, como me abraçavam perfeitamente.

“Rodel? Por que você está chorando?”

“Porque.” Eu me aconcheguei mais fundo nele. “Isso é tão bom.”

“Isso é bom...” ele me apertou mais forte. “Ou o choro?”

“Ambos." Eu funguei.

Ele se apoiou no cotovelo e olhou para mim. “Essa lágrimas..."


seu polegar limpou minha bochecha “... elas não têm nada a ver com
você pensar que eu te rejeitei, né?” uma sombra passou pelo seu rosto
quando eu não respondi. “Deus, Rodel.” Ele praguejou. “A sua primeira
vez. A possibilidade nem passou no meu radar. Só o fato de você ter
esperado tanto – isso tem que significar algo. Tem que ser especial. Não
em uma barraca, em um colchão franzino, no meio do nada. E não
comigo, não com um homem que não pode te oferecer todas as coisas
que devem vir com isso. Eu fiz a única coisa responsável que eu podia,
e deixe eu te falar, ainda parece o inferno.”

“Bom. Porque eu não quero responsável, Jack. Eu fiz coisas


responsáveis toda a minha vida responsável. Eu quero despreocupação.
Eu quero insensato, impiedoso, omisso. Eu quero ser levada pela
loucura. Eu quero sua paixão. Eu quero sua dor. Eu quero que você me
diga que não pode pensar em me deixar, que parece que você não pode
respirar, que você me quer, que vai sentir minha falta.”

Seu olhar viajou pelo meu rosto por um longo momento antes de
cair no meu pescoço. “Eu não suporto o pensamento de deixar você ir.”
Ele disse para a marca de dentes deixada lá. “Eu paro de respirar toda
vez que penso nisso.” ele achou outra, perto da minha clavícula, e
pressionou seus lábios lá. “Eu quero você de maneiras que você não
pode nem começar a imaginar.” Sua voz era abafada, vibrando contra
meu corpo. “Se eu vou sentir sua falta?” ele levantou a cabeça e olhou

Leylah Attar
para mim. “Como um sonho que morre de fome e se enrola em meus
ossos.”

Eu pensei que seu toque fosse a única cura para meus sentidos
loucos, quentes, mas eu me vi sendo puxada para o círculo dos seus
braços, para um lugar onde as almas vão se beijar – sem lábios, sem
forma, livres. Eu sabia que sempre que eu pensasse em amor, ele teria
uma cara, um nome, uma voz. E eu ouviria seu coração batendo de
dentro de uma barraca na selva da África.

Leylah Attar
ACORDEI COM MEU nariz alojado na clavícula do Jack. Braços
de aço enrolados em mim, um embaixo do meu pescoço, o outro em
volta da minha cintura. Eu me mexi, e ele soltou um pouquinho. Foi
quando eu percebi que Jack estava acordado e provavelmente já há
algum tempo. Nós nos soltamos devagar, com pequenos picos de
consciência – eu levantando meu cabelo para ele poder tirar o braço, ele
desenrolando suas pernas das minhas.

Cada vez que seu olhar encontrava o meu durante o café da


manhã, meu coração virava. Eu não podia evitar pensar onde suas
mãos tinham estado, o que seus olhos tinham visto. Conforme ficamos
prontos para partir para Magesa, eu o peguei me observando, como se
ele estivesse tirando pequenas fotos e as arquivando.

“Você acha que precisamos disso?” eu perguntei, quando ele


tirou seu rifle do carro.

“Espero que não, mas não vou deixar isso para trás.” Ele o
guardou em uma mochila discreta e enrolou o saco de dormir em volta.

Era incrível quantas coisas Jack conseguia enfiar na sua


mochila. Ele dobrou a barraca dentro, espremeu o resto dos
suprimentos e assegurou as varas do lado de fora.

Quando tudo estava arrumado e guardado, ele apertou as tiras e


trancou o carro. “Vamos levar umas duas horas para chegar em
Magesa. Você está bem para ir?”

Eu assenti e desviei o olhar. Seus olhos eram impossivelmente


azuis, era como se ele tivesse o céu inteiro dentro dele.

Leylah Attar
Nós caminhamos por um pequeno caminho de floresta com
árvores tão densas que bloqueavam o céu. Parreiras enrolavam suas
gavinhas em volta de cascos cinzas escamosos e musgo crescia como
um carpete debaixo dos nossos pés. Eu tive que piscar quando saímos
da copa escura, mesmo que um cobertor de nuvens de algodão cobria o
sol. O caminho de terra onde estávamos virava e se fundia a uma
estrada que subia.

“Mais uma checada,” Jack disse, ligando seu telefone. Ele


procurou por sinal e balançou a cabeça. “Ainda estamos fora de área.”

Eu ajustei minha mochila conforme marchamos. Não estava tão


pesada como a de Jack, mas a carga estava começando a pesar.

“Você ouve isso?” Jack protegeu os olhos e olhou para atrás de


mim. “Tem um carro vindo. Podemos conseguir uma carona.”

Eu virei e segui seu olhar. Uma van branca estava chocalhando


pela estrada, música tocando.

“Isso é um dala dala? Perguntei.

“Não. Parece um carro particular.” Jack ficou no meio da estrada


parando-a.

Era difícil ver alguém através do vidro sujo, mas havia um texto
amarelo estampado na lateral – algo sobre conserto de ar condicionado.
A van diminuiu conforme se aproximou, mas assim que Jack abaixou
as mãos, o motorista de repente acelerou. As rodas giraram conforme
ele chegou ao Jack, de frente, a toda velocidade.

Era um desprezo evidente pela sua vida, quase como se ele fosse
um troféu de atropelamento de animais para os lunáticos no carro que
estavam animados para passar por cima dele. Eu dei uma olhada
rápida neles – dando risada e batendo nas laterais do carro, vidros
abaixados, conforme eles iam na direção dele.

“Jack!” eu ofeguei conforme eles passaram rápido por mim com


um clarão de poeira e metal quente.

Leylah Attar
Ele mergulhou para a lateral da estrada, evitando o para-choque
da frente por um fio de cabelo. A van seguiu pela estrada e eu ouvi o
som alto, estridente de risada.

Keh keh keh keh.

O motorista deu uma buzinada estridente de vitória, celebrando


sua brincadeira perigosa e infantil.

“Idiotas!” Jack levantou e se limpou.

“Você está bem?” meu estômago estava em nós. “Quem tira uma
pessoa da estrada por diversão?” eu olhei para atrás da van conforme
ela desaparecia na curva, a batida da música desaparecendo com ela.

Jack esfregou o ombro, trazendo-o para frente e para trás. Seus


olhos tinham um olhar distante, ardente. “Espero que nós nunca os
veremos de novo.” seu olhar focou de novo em mim. “Quanto mais cedo
chegarmos a Magesa, melhor. Venha.”

Meus dedos se enroscaram com o aquecimento da sua mão


esticada. Elas estavam tremendo e duras.

“Assustada por mim, Rodel?” Jack levantou minha mão até seus
lábios.

“Não.” Eu engoli. Seus lábios quentes na minha pele estavam


quebrando minha conexão cérebro-boca. “Só queria que tivéssemos
trazido a alça de oh-merda.”

“Aqui.” ele deu risada, enganchando meu dedo em uma das


passadeiras do seu cinto no jeans. “Segure firme e não solte.”

Ele deve ter querido que fosse uma piada, mas eu aceitei. Nós
devemos ter andado outra milha assim quando uma picape enferrujada
veio na visão.

“Nem sequer pense nisso,” eu disse, conforme ela se aproximou.

“Medrosa,” ele murmurou.

Leylah Attar
“É mesmo?” eu parei, as mãos na cintura. “Você arriscaria?
Depois do que acabou de acontecer?”

“Mesmo.” Ele riu. “Medrosa. ”

A caminhonete cambaleou por nós, galinhas coloridas


cacarejando em cima de nós do compartimento de carga. Nós ficamos
ao lado da estrada, olhando atrás da nuvem de fumaça do
escapamento.

“Vai.” Ele empurrou meu ombro. “Você sabe que quer rir.”

Eu o beijei, de repente e sem aviso, ficando nas pontas dos pés


para alcança-lo.

“Para o que foi isso?”

Eu queria saber o gosto dos seus lábios depois de um sorriso. Eu


balancei a cabeça e ri como se estivesse guardando um grande segredo.

Tudo parecia mais claro depois daquilo, mesmo que o dia


estivesse cinza e pintado com uma luz desolada.

Magesa era pouco mais do que uma coleção de casas de barro


desmoronando à sombra de uma colina rochosa alta. Era uma tigela
quente, abafada – bosque seco, fonte seca, e pessoas esqueléticas secas.
Parecia um lugar em que as nuvens de chuva tinha pulado,
provavelmente porque a montanha absorvia a maior parte da chuva.

“Dá um doce. Dá um doce. Sou uma criança da escola. Dá um


doce.” Um menino com olhos de cabra veio correndo e segurou minha
blusa.

“Uma criança da escola, hum? Então por que você não está na
escola?”

Ele olhou para mim branco e esticou a mão. Ele não tinha ideia
do que eu tinha dito, mas ele tinha memorizado todo o inglês que ele
precisava.

Eu dei risada, e ele sorriu timidamente, antes de virar para Jack


repetindo as mesmas quatro frases.

Leylah Attar
“Dá um doce. Dá um doce. Sou uma criança da escola. Dá um
doce.”

Jack lhe disse alguma coisa em suaíle. O menino correu e voltou


com uma mulher que eu deduzi que fosse sua mãe. Eles conversaram
com Jack por alguns minutos. O nome de Furaha foi mencionado. A
mulher balançou a cabeça. Jack fez mais algumas perguntas e teve a
mesma resposta.

“Obrigado.” Ele entregou a ela algumas coisas da sua mochila.


Então pegou algumas barras de granola e deu para o menino.

“Asante sana!” eles disseram.

“Então...” Jack virou para mim depois que eles saíram. “Você
quer as notícias boas ou as ruins?”

“Quão ruins?”

Estávamos em pé perto de um barril vazio de óleo atrás de uma


cabana com teto de zinco. Pequenos insetos verdes pairavam no fundo,
sobre o que tinha sobrado da chuva que ele tinha pego. Estava cheio
agora com terra e escombros.

“Fuhara não está aqui. Mas..." Jack levantou a mão conforme


meus ombros caíram “... a boa notícia é que ela se mudou com sua
família há algumas semanas. Seu pai herdou uma propriedade. A
senhora disse que ele é um homem rico agora.”

Eu olhei para ele por alguns segundos. “Então, é isso? Eles


foram embora?” eu olhei para cima e para baixo na fileira de cabanas
caindo. “Quero dizer, bom para eles. Mesmo. Mas é tão frustrante! Três
crianças, três golpes. Quais são as chances? Eu nem sequer cheguei até
uma das crianças da Mo. Nenhuma! E agora estamos presos aqui – sem
carro e sem telefone. Diga que eles têm um mecânico, Jack. Alguém que
possa consertar o carro?”

“Sem mecânico, mas tem aquele ônibus que passa. Podemos


pega-lo para ir comprar as peças.”

Leylah Attar
“Ok. Isso é bom.” Eu não estava lidando com a decepção de ter
decepcionado minha irmã, eu também me sentia terrível por arrastar o
Jack fora da fazenda. Não tinha levado a nada além de uma caçada ao
ganso selvagem. “Quanto tempo antes dele chegar aqui?”

“Três dias.”

“Três dias?”

“Ele vem uma vez por semana.”

“Tem que haver outra maneira. Eles têm um telefone fixo? Uma
cabine de telefone? Algum tipo de assistência na estrada?” eu levantei
minhas mãos para cima em desespero.

“Rodel.” Seus dedos longos, afunilados correram para baixo do


meu braço e apertaram meu pulso. Ele não tinha que dizer nada. Ele
estava fazendo isso de novo – me trazendo de volta para o momento. Ele
tinha uma maneira simples de se comunicar com os olhos. Ele podia
borrar tudo em volta, então tudo que ficava era sua presença calma,
dominante.

“Você faz isso com os bezerros quando eles ficam nervosos.”

“Faço o que?”

“O que você está fazendo agora.”

“É bom?” seu polegar correu para frente e para trás no meu


pulso.

“Como se estivesse sendo hipnotizada.”

“Bom. Agora venha aqui.” Ele me puxou em seus braços.

Meus cílios fecharam conforme eu descansei meu rosto contra


seu peito.

“Inacreditável,” eu murmurei. De toda ferida até o modo Zen em


menos de 10 segundos.

“Você está conversando com a sua irmã de novo?” Jack


perguntou.

Leylah Attar
“Eu não a ouço mais. Ela parou de falar comigo.” Minha
garganta doeu conforme eu disse isso. “Acho que a decepcionei.”

“Ou talvez ela já tenha dito tudo que precisava dizer.”

“Ela nunca se despediu.” A onda de dor estava além das


lágrimas. “Eu gostaria de ter atendido a ligação dela.” Eu tinha falhado
com Mo. E tinha falhado em conseguir qualquer encerramento que eu
pensava que iria encontrar na Tanzânia. E tinha realmente fodido com
meu coração nesse processo.

“Ei,” Jack sussurrou no meu cabelo. “Volte para mim.”

Nós ficamos lá por alguns minutos, fechados um nos braços do


outro. Um pássaro preto nos observava da grama fina, pulou mais
perto, e então desapareceu.

“Jack, eu..."

Ambos congelamos quando seu telefone tocou.

“Está funcionando. Santo Deus, temos sinal. Alô?” ele


respondeu. A pessoa do outro lado começou a falar. E continuou a falar.
E falar.

“Bahat..." Jack interrompeu, mas foi cortado. “Pare. Bahati.


Ouça. Ouça!” saiu como um rugido de leão.

Silêncio do outro lado. Até as folhas marrons em volta de nós


pareceram parar de fazer barulho.

E então, eu ouvi uma pequena voz no telefone.

“Não estou gritando com você, Bahati. Você não faz ideia como
estou grato que você me ligou.” Jack foi para frente e para trás
conforme um rio de palavras veio.

“Há uma chave extra na minha mesa. Gaveta de cima, do lado


direito. Mas isso não é..." Jack balançou a cabeça conforme Bahati
tagarelava. “Apenas fale para Goma esperar até eu chegar em casa. Há
algo..." Jack levantou as mãos para cima e ficou em silêncio.

Leylah Attar
“Acabou?” ele perguntou, quando a conversa do outro lado
parou, “Sim? Agora eu falo, você ouve. Combinado?” ele deve ter tido
uma resposta afirmativa porque ele continuou. “Ro e eu estamos presos
em Magesa. O carro quebrou. Não. Só nós. Sem crianças. Eu explico
quando você chegar aqui. Sim. Eu quero que você venha nos pegar. Eu
sei...” ele segurou o telefone longe da orelha conforme Bahati chiava do
outro lado. “Eu sei que você não vai. Mas você não vai fazer nenhuma
parada em terras Maasai. Você vai passar direto. Quem se importa com
a visão de Lonyoki? Você não acredita nessas superstições, né? Ok,
então agora é a sua chance de provar isso. Prove que a profecia dele é
errada.”

Houve mais protesto antes de Jack falar de novo. “Olhe, vou


fazer valer a pena. Não sei. Novos assentos para a Suzi? Não importa.
Couro preto, couro vermelho, porra de zebra rosa. O que você quiser.
Sim. Sim! E mais uma coisa. Como está a Scholastica?” Jack parou e
assentiu. “Bom. Isso é ótimo. Traga ela também. Estamos perto de
Wanza. Levaremos ela para o orfanato, a acomodamos, e resolvemos
meu carro na volta. Se você sair agora, você chega aqui de manhã.
Rodel e eu acamparemos essa noite. Não, não em Magesa.” Jack olhou
o vilarejo. Havia uma fossa de latrina em uma ponta e quando o vento
soprava a porta aberta, um fedor horrível enchia o ar quente e úmido.
“Encontre-nos do outro lado da montanha. Você vai ver quando chegar
aqui. Vamos esperar por você lá. Certo.” Ele desligou e soltou o ar.

“Bahati está vindo?

“Está.” Jack balançou a cabeça como se não pudesse acreditar


nisso. “E Scholastica está se sentindo melhor, então ele vai trazê-la
também. Nós só temos... " seu telefone tocou de novo.

“Sim?” ele respondeu. Então deu risada. “Mesmo, Bahati? Sem


dinheiro para gasolina? Isso é o melhor que você pode? Coloque Goma
na linha. Oh? Você não quer ela envolvida? Certo. Ou ela vai fazer você
dirigir até Maasai com o muumuu dela. Eu sei que você não quer. Faça

Leylah Attar
isso por mim, ok? Não, você ainda vai ter os bancos. Os bancos
permanecem, estarei sempre em débito. Sim? Ok.”

Nós observamos o telefone mais alguns minutos depois de Jack


desligar, mas ele não tocou de novo.

“Você acha?" Eu perguntei.

“Acho.” Jack guardou o telefone. “Ele vai vir.”

NÓS SENTIMOS A chuva antes dela vir em nuvens rápidas que


vibravam com energia carregada. Eu estava fortalecendo as estacas na
base da barraca quando ela começou a cair, rolando sobre nós grossa e
quente.

“Entre,” Jack gritou no estrondo do céu. “Eu termino.”

“Eu peguei esse. Você conserta o outro lado.”

Quando conseguimos entrar na barraca, estávamos molhados e


encharcados, mas excitados de correr contra a tempestade.

“Não, deixa aberta,” eu disse, conforme Jack foi fechar o zíper.


“Eu quero ver.” Eu me apoiei nos cotovelos, tentando recuperar o fôlego.

Nós deitamos embaixo da lona, olhando através das pontas da


barraca. Ao fundo, árvores espinhosas ficavam em pé contra o céu
cinza. A água misturava com o solo cinza, enchendo o ar com a
fragrância doce da chuva.

Jack ficou duro. Muito duro.

“Você está bem?” eu perguntei. O cabelo dele estava molhado


colado nos ossos do seu rosto esculpido.

“Vai levar um tempo,” ele respondeu, olhando para a claridade.


“Não consigo afastar esse sentimento – de querer ficar ao lado de Lily,
para que ela não fique sozinha lá fora, na chuva. Eu sei que não faz
sentido nenhum, eu sei que ela se foi, mas uma parte de mim quer
protegê-la.”

Leylah Attar
Um trem apitou longe, e em algum lugar nas planícies lavadas
pela água, um chacal solitário lamentava com o raio.

“Sinto muito.” Jack piscou e inclinou a cabeça para olhar para


mim. “Às vezes eu fico tão embrulhado nisso, que eu não vejo o cenário
inteiro. Pelo menos eu consegui a Lily de volta. Eles nunca resgataram o
corpo da sua irmã. Isso deve ser difícil.”

“Foi. É.” Eu coloquei os braços em volta dos meus joelhos e


descansei o queixo lá. “Mas então eu penso que talvez a Mo quisesse
dessa forma. Ela nunca quis ficar em um lugar só. Ela se sentia
encaixotada. E agora ela está... livre. Ela teria rido da minha missão
frustrada. Primeiro, que eu saí da minha zona de conforto por ela. E
então como tudo saiu errado, como eu não pude levar nem uma das
crianças dela para Wanza. Se há uma lição atrás das coisas, eu penso o
que eu devo aprender com isso.”

“Talvez a lição não seja para você, mas para mim. Então, você
pode me ensinar que está tudo bem sentar na chuva sem a Lily, e não
sentir como se estivesse morrendo.”

Ele se inclinou para mim e algo selvagem surgiu na boca do meu


estômago. Não era só um beijo. Era uma lição – uma marca ardente,
feroz, que meus lábios sempre saberiam a diferença entre ser querida e
ser desejada. O mundo lavou em uma pintura borrada, molhada.
Quando ele foi para trás, ele estava respirando forte, como se ele tivesse
corrido um longo caminho.

“Pare de correr, Jack.” Eu segurei seu rosto lindo nas minhas


mãos conforme um raio acendeu longe. “Pare de correr de nós. Eu
quero você. Não estou pedindo você para sempre. Sim, é o que eu queria
– o que eu estava esperando. Mas então eu fiz uma viagem. E percebi
que vivia em um mundo delicado, inventado. Não, não vivia. Hibernava.
Passava os dias, um após o outro. Então o que eu quero – o que eu
realmente quero, é essa tarde chuvosa. Quero voltar para casa bêbada e
intoxicada, cheia de ecstasy e calor branco. Então me ame ternamente,
Jack. Ou me ame deliberadamente. Não me importa qual seja. Mas faça

Leylah Attar
isso agora. Você nunca sabe se vamos fazer esse caminho novamente.”
A expressão dele era tão estimulante, que meu coração flutuou no meu
peito. “Suas palavras. Lembra?”

“Eu estava falando sobre uma viagem na cratera, não..."

“Não isso?” eu tirei minha blusa molhada em um desafio


passional.

Meu convite o levou ao limite. Algo intenso correu por ele –


instantâneo, elétrico, como se eu tivesse acabado de solta-lo.

Merda. Estou dentro disso agora. Meu pulso batia com um


coquetel de desejo, rodeado de pedaços sombrios de trepidação. Ele
olhava para mim atentamente, aumentando com antecipação até que
ficou insuportável.

“Tire,” ele disse, seu comando forte.

Meus dedos vacilaram conforme eu deslizei uma alça, e então a


outra. Ele não me esperou abrir o sutiã. Ele não aguentava mais
esperar. Sua língua mexeu no meu bico pelo tecido molhado antes dele
travar nele, sugando com a boca, raspando as pontas dos dentes.

“Ohhh.” Meu ar escapou conforme ele trazia minhas sensações


não experimentadas à vida, empurrando a renda do outro peito e
apertava o pico com o polegar.

Ele me colocou no seu colo, colocando minhas pernas de cada


lado dele. Ele estava duro, e ele queria que eu soubesse disso. “Última
chance, docinho. Eu nunca quis ninguém como eu quero você. Então se
você está tendo outros pensamentos, agora é a hora, porque logo eu vou
pegar você, gentilmente a princípio, e então em todos os tipos de lugares
escuros, deliciosos.”

A respiração dele deixava beijos quentes, fictícios entre meus


peitos, suas palavras me fazendo contorcer. Sua voz rouca mandava
tremores deliciosos pelo meu corpo. Eu pulava de excitação por dentro.
Sem quebrar o olhar intenso entre nós, eu segurei a beirada da

Leylah Attar
camiseta dele. Ele levantou os braços e me deixou tira-la. A pele dele
estava molhada da chuva, mas o calor vindo do seu corpo era palpável.
Nossas respirações vinham em uníssono conforme paramos no limite,
aquele onda deliciosa de silêncio entre o raio e o trovão.

E então o espaço entre nós explodiu.

Ele cobriu minha boca faminto, devorando a suavidade dela,


seus dedos longos enterrados no meu cabelo. Ele pegou de mão cheia,
expondo meu pescoço e deixou uma trilha de beijos estimulantes, com a
barba raspando. Minhas costas arquearam com eles – inesperados
contra meu corpo. Arrepios correram pela minha pele conforme ele
abriu meu sutiã e jogou ele para o lado. Meus cílios fecharam quando a
língua dele correu por um mamilo rosa, tenso, sussurrando sua
adoração em respirações curtas.

“Espera, querida.” Ele olhou para cima para mim quando as


minhas mãos seguraram seus ombros. Seus olhos tinham o mais
intoxicante tipo de ameaças e promessas.

Eu arfei conforme ele me deitou de costas, a mão queimando um


caminho pela minha barriga e em direção à minha coxa. Ele esfregou
pequenos círculos sobre o tecido molhado, grudado do meu jeans, indo
mais e mais perto da junção entre minhas pernas.

Meus nervos caíam, como a chuva no teto de lona sobre nós,


mas ele me negou e foi para o meu zíper. Eu segurei a respiração
conforme ele o abaixou devagar, me observando com um olhar que era
tão potente, tão convincente, que ele devia estar abrindo minha alma,
pedaço por pedaço. Ele escorregou meu jeans e sentou nos joelhos, me
absorvendo.

Tinha sido diferente no escuro, mas no cinza, a luz do sol


diminuída, minhas inseguranças entraram em ação. Não era como se
eu tivesse ficado nua na frente de muitos homens antes. Uma mão
embaixo da minha blusa, uma levantada da minha saia, mas nunca tão

Leylah Attar
exposta. E certamente não com alguém parecido com Jack. Minhas
mãos foram instintivamente para os meus peitos e estômago.

“Não.” Ele segurou meus pulsos em cima de mim conforme ele


passava os olhos sobre meu corpo nu. Minha carne tremia, meus dedos
dos pés se curvaram, mas quando eu abri os olhos e vi a expressão no
seu rosto, tudo desmanchou. Ele estava olhando para mim como se eu
fosse uma luz.

“Jesus.” Seus olhos escureceram com total sensualidade. “Você é


tão bonita, porra.”

Ele parou para me beijar e então começou a plantar carinhos de


adoração com suas mãos, e lábios, e sua língua, e seus dentes. Ele ia
devagar, saboreando cada centímetro, até que a descarga quente de
desejo saísse em ondas sob a minha pele, fazendo meu quadril levantar
em um ritmo antigo.

“É isso, querida. Agora deixe-me fazer isso com você.”

Eu sacudi no primeiro roçar da sua língua entre minhas dobras


molhadas conforme ele enterrou o rosto entre as minhas pernas.

“Mmm.” Ele levantou a cabeça por um segundo para saborear a


umidade em seus lábios. “Deus, eu estava morrendo para provar você.
Você é....” o resto das palavras sumiram, mas elas derreteram em
vibrações quentes, doces contra cada pedaço de mim.

Jack não era um amante quieto. Ele dava voz ao seu prazer com
sons grossos, que vinham da garganta. Ele jogou a minha perna sobre
seu ombro e mordeu a parte de dentro da minha coxa antes de
mergulhar sua língua dentro de mim. Eu me segurei em seu cabelo
grosso, selvagem conforme tremores involuntários me atacavam. Ele
parecia sentir as chamas acordando porque seus movimentos
intensificaram, me levando ao pico do prazer.

“Sim.” Ele levantou meu quadril do chão, me trazendo em


contato total com sua boca. “Porra, sim.”

Leylah Attar
A sensualidade crua dele me levou ao limite. Eu arfei, e cedi à
suavidade ofegante que explodia através de mim em ondas de sensação
elétrica.

Eu ainda estava ofegando quando ele me colocou contra seu


corpo quente, pulsando. Meus peitos amassaram contra a dureza do
seu peito conforme ele esfregava a pele nua das minhas costas e
ombros. Era como se ele soubesse que eu precisava daquilo, me ancorar
porque eu sentia que eu ia flutuar.

Eu não sei exatamente quando começamos a nos beijar, ou


quando seus golpes suaves transformaram minha pele em fogo líquido.
Algo dormente tinha acordado em mim, e eu estava faminta por isso. Eu
puxei meu jeans, tirando. Eu o toquei, o explorei, o despertei, o adorei –
seus lábios curvados como a lua, o prazer atrás de seus ouvidos, os
vales no seu abdômen talhado. Ele era como uma arte viva, respirando,
respondendo – derretendo quando o tocava aqui, ficando duro como
pedra quando brincava com ele lá. Eu conheci seu gosto e suas curvas,
a doçura de sua respiração, os recortes de suas costas, o pelo áspero da
sua perna. Eu me diverti em seus gemidos, seus grunhidos, seus
tremores de prazer, a maneira como sua cabeça ia para trás quando eu
pegava sua boca, o olhar em seus olhos conforme ele abaixava o corpo
sobre o meu, me aprisionando em uma rede de excitação crescente.

Ele parou por um segundo, mas eu podia senti-lo pulsando de


necessidade antes de empurrar para dentro. Meu corpo esticou para
acomoda-lo, centímetro por centímetro – devagar, proibido – até que ele
chegou a uma barreira. Ele retirou um pouco e tirou uma mecha de
cabelo do meu rosto.

“Beije-me,” ele disse.

Eu toquei meus lábios nos dele, meu foco ainda no ponto onde
nossos corpos estavam misturados.

“Um beijo de verdade,” ele rosnou, raspando meu lábio de baixo


com os dentes. “Assim.” Sua boca capturou a minha até meus sentidos

Leylah Attar
estarem girando. Meu ar escapou conforme a quentura de veludo da
sua língua se enrolou com a minha, me perdendo no domínio do seu
beijo.

Foi quando ele empurrou fundo dentro de mim – um empurrão


forte, firme, que me fez ofegar e soltar seus lábios. Eu segurei seus
ombros, minha unhas deixando marcas de lua crescente conforme a dor
me rasgava.

“Shh. Peguei você.” Ele deu beijos na minha testa, meu nariz, o
canto da minha boca. Ele ficou dentro de mim, sem se mexer até meu
corpo se ajustar a ele e a dor diminuir.

“Não vou mentir.” Seu pomo de Adão balançou conforme ele


começou a sacudir devagar dentro de mim. “Está levando tudo de mim
para não te levar rápido e forte. Você é o paraíso.” Ele entrelaçou os
dedos nos meus, como se para se ancorar.

Meu corpo derreteu em volta dele, e o mundo ficou cheio dele.


Nós encontramos um ritmo que unia nossos corpos.

Jack, Jack, Jack, Jack, ele cantava para mim, cada enfiada de
seu quadril me levando mais alto.

Eu me agarrei a ele, enfrentando a tempestade feroz que estava


crescendo dentro de mim.

“Rodel.” As palavras eram cansadas conforme ele enterrou o


rosto no meu pescoço, sua respiração quente queimando minha pele.
Paixão ardia pelas minhas veias conforme seu ritmo mudava. Seus
dedos enterraram fundo no meu quadril conforme ele começou a
derrubar o limite de controle. Seu polegar achou meu clitóris e ele
soltou um gemido. Meus pensamentos fragmentaram conforme ele
brincou com ele, acariciou ele, deu uns tapinhas nele.

“Jack.” Meu corpo inteiro apertou e então culminou conforme ele


me libertou em explosões de êxtase.

Leylah Attar
Um raio brilhou em volta de nós conforme sua respiração
aumentou e suas coxas apertaram. Em um momento de claridade cega,
eu percebi que toda vez que ouvisse um trovão, eu pensaria em Jack – a
essência dele grudado aos meus sentidos, a turbulência de sua paixão
em volta de mim, nossas fronteiras se dissipando. Pele e osso e
respiração entrecruzadas em uma trança de êxtase.

Nós deitamos lá, os peitos pesados, a testa de Jack descansando


na minha até nossas respirações se acalmarem.

“Você está bem?” ele perguntou, correndo o polegar no meu


rosto.

Eu suspirei de exaustão prazerosa e me aninhei mais perto. Eu


sentia dor, mas não era nada comparado a satisfação que vinha de
ceder para a necessidade abrasadora que vinha se construindo dentro
de mim.

“Quando você acha que podemos fazer isso de novo?” eu


perguntei.

“Sua pequena atrevida.” Jack sorriu e me enrolou em seus


braços. Ele estava quente. Tão deliciosamente quente.

Meus cílios caíram, mas eu não queria perder nada disso – a


maneira como seus dedos estavam traçando as linhas dos meus lábios,
a maneira como seu corpo lindo proporcional se sentia contra o meu, as
manchas de ouro em seus olhos azuis como o céu.

“Lembre-se disso.” Ele tirou o cabelo do meu pescoço e deu um


beijo ali. “Quando você estiver encolhida com seus livros em uma tarde
chuvosa na Inglaterra, lembre-se como você pintou meu mundo com as
suas cores. Lembre-se da sua auréola de arco-íris.”

“Eu vou.” Uma dor quente cresceu na minha garganta. Ele já


estava se despedindo. “Eu vou lembrar. Pelo resto da minha vida.”

Leylah Attar
Do lado de fora, o barulho da chuva diminuiu e as nuvens
passaram. Dentro, nós seguramos um no outro, queimando poemas
agridoces no silêncio.

“Jack?” eu me apoiei nos cotovelos e olhei para ele, as


sobrancelhas suavizadas, olhos metade fechados, as defesas baixas.
Cansado e feliz, como um gato grande relaxando em uma pedra.

Eu queria lembrar dele assim, exatamente assim.

“O quê?” ele estava medindo a minha palma com a dele, os


dedos abertos, os cinco tocando um ao outro.

Eu queria poder explicar para você o que essa voz faz comigo.

Eu queria poder explicar para você como você me faz sentir.

Eu não acho que vou um dia me apaixonar tanto e tão rápido por
alguém, como me apaixonei por você.

Eu não acho que um dia vou amar alguém como amo você.

“Nada.” Peguei seu rosto nas mãos e o beijei.

“Você acha que não sinto isso?” ele sussurrou, sob a cortina do
meu cabelo. “Cada batida do meu coração está levando você longe de
mim. Eu quero parar aqui para sempre. Nessa barraca, nesse beijo,
nesse momento.” Seus dedos entraram no meu cabelo conforme ele me
puxou para seus lábios.

Eu estava bebendo a doçura do beijo quando meu estômago


roncou.

“Acho que seu estômago quer entrar em ação.” Jack escorregou


e colocou o ouvido na minha barriga. “Você está me xingando?” ele
continuou uma conversa improvisada. “O quê? Merda.” Ele levantou e
me deu um olhar rindo. “Boas ou más notícias?”

“Quão más?” eu continuei a brincadeira.

“Ameaças de morte. Se eu não te alimentar, morro.”

“E a boa?” eu dei risada.

Leylah Attar
“Você come alguma coisa e então podemos retomar onde
paramos.”

“E você?”

“Ah, eu pretendo me saciar, docinho.” Ele mordeu entre meu


pescoço e meu ombro e segurou entre os dentes antes de tranquilizar
com a língua.

Eu me entretive com um pacote de quadrados de chocolate


enquanto ele inspecionava na sua mochila.

“Essa lata ou essa?” ele segurou duas latas idênticas.

“Ambas.” Eu joguei um pedaço de chocolate na boca e peguei


mais um. Aparentemente, sexo me deixava com fome.

“Você ouviu isso?” Jack perguntou, sentando reto.

Havia um barulho fraco, metálico vindo de fora.

“O que é?” perguntei.

“Parece.... sinos de vacas.”

Nós nos trocamos e abrimos a ponta da barraca. A chuva tinha


parado, mas uma neblina grossa levantou do chão quente e úmido.

“Por que alguém traria vacas para esse lugar esquecido?” Jack
deu um passo para fora.

Eu rastejei para fora atrás dele e pisquei no nevoeiro denso.

“Elas não podem nos ver,” Jack disse, catando as duas latas que
ele tinha acabado de esvaziar para nosso almoço. “Precisamos impedir
que elas pisem na nossa barraca.” Ele correu para frente, batendo as
latas juntas como um alerta.

Os chocalhos das vacas ficaram mais próximos mas pareceram


parar conforme o outro grupo nos ouviu. Nós paramos e olhamos
através do vapor úmido. Rochas gigantes se erguiam em ambos os
nossos lados. A névoa dava a tudo uma qualidade estranha, como se

Leylah Attar
estivéssemos em pé à beira de um lugar de outro mundo, parado e
suspenso, exceto pelo tinir de um chocalho estranho.

Uma figura apareceu através da neblina, envolta em véus de


fantasma cinza. Ele colocou sua lança no solo macio, encharcado e
ficou em pé na nossa frente como uma sombra preta. Uma camisa
xadrez pendurava de seus ombros e laços prateados ressoavam dos
lóbulos de suas orelhas.

“Olanana.” Jack deu um passo à frente conforme o cacique


entrou em foco.

“Kasserian ingera.” Ele ergueu a lança cumprimentando. Como


vão as crianças?

Jack estava prestes a responder quando as faixas de névoa em


volta de Olonana se mexeram. Rostos brancos como a lua apareceram
silenciosamente, um a um, em volta da figura escura do chefe. Eu
assisti sem respirar, conforme eles materializaram, como notas
silenciosas convocadas por uma sinfonia de invocação. Um, dois, três,
quatro... eles continuavam pisando fora da neblina, até estarem todos
em pé, como assombrações cobertas de vapor em ambos os lados de
Olonana.

Treze crianças albinas, rodeadas por um par de guerreiros


Maasai vestidos de vermelho.

Meu cabelo ficou em pé. Atrás deles, vacas cheiravam o chão


úmido, procurando por sobras de grama.

“Jack Warden,” Olonana o incitou para uma resposta. “Eu vim


um longo caminho para lhe trazer essas crianças.”

“O que...?” Jack parou. “Como...?”

“Na última vez que nos encontramos, você me disse que estaria
em Magesa, no final do mês. Estou feliz que o alcancei. Eu não posso ir
mais além com o gado, então as deixo com você.” Ele gesticulou em

Leylah Attar
direção às crianças que estavam amontoadas em volta dele. “Onde estão
as outras crianças, as que você estava transportando para Wanza?”

“Não deu certo, mas você...” Jack olhou os rostos na nossa


frente. “Como você acabou com todas essas crianças?"

“Nós as encontramos atrás de uma van de carga, não longe de


Bunda. O carro estava estacionado do lado de fora de um restaurante.
Nós ouvimos barulho do lado de dentro, então paramos para verificar.
Salaton aqui..." ele apontou para um dos morans com ele “... ele
sacudiu a tranca com sua lança. Nós as encontramos amarradas e
amordaçadas dentro. Algumas delas foram raptadas de suas casas,
outras negociadas. Elas me dizem que haviam mais crianças, mas...”
Olonana balançou a cabeça. “Os homens que as tinham eram pessoas
perigosas. Eles negociam magia negra. Eles estão entregando essas
crianças, uma a uma, para rituais de sacrifício. Não vai demorar para
eles nos rastrearem. Nós fizemos as crianças andarem entre o gado para
escondê-las e distorcer as pegadas. A chuva não ajudou no entanto. Nós
deixamos um rastro na lama. Um bom rastreador será capaz de nos
achar. E eles vão. Essas crianças valem muito dinheiro para eles. Você
precisa leva-las para Wanza o mais rápido possível.”

Jack não respondeu. Seu rosto era como um quadro branco –


sem emoção e sem expressão. O silêncio pairou, cinza e pesado na
névoa. A gravidade da situação não me passou desapercebida. Nem o
dilema de Jack. Não estávamos preparados para isso. Não tínhamos
carro, sem suprimentos e nenhuma maneira de proteger treze crianças
contra quem quer que estivesse atrás delas.

“A van onde você encontrou as crianças..." eu disse a Olonana.


“Como ela era?”

“Era branca,” ele respondeu. “E amarela.”

Meu coração bateu forte no meu peito. “Com um logo de ar


condicionado?”

Leylah Attar
“Acho que sim, sim.” As sobrancelhas de Olonana se juntaram
“Vocês a viram também?”

“Vimos. No caminho para Magesa. Eles deviam estar procurando


as crianças. Eles quase atropelaram Jack.” Eu virei para ele, esperando
uma resposta, mas ele parecia o Jack que eu tinha visto no alpendre no
primeiro dia, o que tinha se fechado para tudo e para todos. Alguma
coisa estava errada.

“Você pode nos dar um minuto?” perguntei ao chefe.

Ele assentiu e eu puxei Jack de lado. A névoa nos encobriu do


resto do grupo.

“Jack? Saia dessa.” Meu pânico parecia se conectar a ele. Seus


olhos mudaram e então escureceram com uma emoção ilegível.

“Não posso,” ele disse. Saiu sufocada, como se sua respiração


estivesse sento cortada. “Não posso. Meu Deus, de novo não.” Ele se
curvou, segurando dos lados como se estivesse com uma dor
excruciante. “Vem até você do nada. Em um momento você está
comprando balões para sua filha, e no outro... ela se foi, e você não
consegue sequer levantar. Porque algo te segura para baixo no
estacionamento. O peso disso. Posso sentir tudo de novo. Bem aqui.” ele
segurou a mão no peito e puxou respirações profundas, assustadoras.
“Eu gostaria que pudesse fazer isso, mas não consigo, Rodel. Não sou a
pessoa que todos pensam que eu sou. Não sou o herói forte, altruísta.
Sou apenas um cara tentando se recuperar da perda da filha. Eu vim
preparado – na minha cabeça – para três crianças. Eu arriscaria minha
vida por elas e por você. Mas isso... escoltar treze alvos fáceis com um
bando de maníacos sedentos por sangue atrás de nós... tem desastre
escrito por todo lado. Não tenho como protegê-las. E não posso ter mais
sangue na minha mão, Rodel. Não posso.”

Eu alcancei sua mão, porque eu estava quebrando com ele, por


ele, e segurar as mãos com Jack sempre me fazia sentir como se
estivesse em um chão sólido. Alguma coisa ficou solta na minha mão e

Leylah Attar
caiu no chão. Era o pequeno pedaço de chocolate que eu tinha segurado
quando Jack saiu da barraca.

“Aqui.” eu o peguei do chão e dei para Jack. “Chocolate deixa


tudo melhor.” Essas eram as palavras de Goma, e por um segundo ela
estava lá, nos dando suporte, forte e valente, como a árvore guardiã
retorcida que abrigava os túmulos atrás da propriedade.

“Chocolate derretido.” Ele segurou na palma da mão por um


longo momento. “O favorito da Lily.” Ele parecia perdido em seus
pensamentos conforme ele tirou o papel que o embrulhava. “Eu ouço
você, minha garotinha.” Era quase um sussurro, mas ele ficou mais alto
quando disse isso. Pedaço por pedaço, seu corpo parecia se encher com
novo ar. “Eu ouço você. Mais alto do que toda a merda na minha
cabeça. Mais alto do que todas as coisas que me assustam.” Ele
quebrou o quadrado de chocolate no meio e jogou na boca. Ele fechou
os olhos e saboreou o gosto como se fosse uma doce memória.

“Eu não esqueci quão valente você foi quando você dançou na
frente de todas aquelas pessoas. Eu perdi você, meu doce anjo, mas não
vou desapontar essas crianças. Eu preciso encarar meus próprios
demônios. Preciso parar de me sentir como se tivesse falhado. Deus,
Lily. Onde quer que você esteja. O papai sente tanta saudade de você.
Tanta, tanta.” Sua voz falhou, e ele fechou os olhos em um tributo
silencioso. Quando ele olhou para cima, seus olhos estavam brilhando
como pontos azuis de diamantes de claridade nos véus transparentes
de névoa em volta de nós.

Ele segurou a outra metade do chocolate para mim e sorriu.


“Goma sabe do que está falando. Chocolate deixa tudo melhor.”

Nossos dedos roçaram conforme eu peguei o chocolate dele. Não


pude impedir os alarmes que tocaram na minha cabeça. Eu podia ver o
perigo vindo, sua borda brilhante chegando na bruma. E apesar de ter
começado isso, sentada em um bar a milhas de distância, assistindo
imagens horríveis na tela, eu queria que Jack fosse embora. Como eu

Leylah Attar
poderia ter sabido que tentando fazer alguma coisa pela minha irmã, eu
acabaria colocando o homem que eu amava em perigo?

Leylah Attar
A NOITE TINHA caído quando terminei de cuidar das crianças.
Eu guardei o kit de primeiros socorros e me sentei ao lado de Jack.

“Eles estão bem?” ele perguntou. Mas seus olhos carregavam


preocupação comigo também. Tínhamos passados por esses momentos
a tarde toda, quando tudo desaparecia e era apenas nós dois, apesar do
caos – as crianças, o gado, o trio de homens Maasai em volta de nós.

“Eles são sobreviventes,” eu respondi, bebendo o conforto da sua


proximidade.

As crianças tinham andado um longo caminho. Estavam com


fome, machucadas, exaustas. Elas tinham lacerações de serem presas
em cordas. As que tinham lutado tinham mais – hematomas, entorses e
pior. Elas me deixaram cuidar de suas feridas, algumas com olhares
distantes, outras com raiva, medo, confusão, gratidão.

“O que há de errado?” perguntei, conforme Jack ficou nervoso


com o telefone.

“Eu queria falar com Bahati. Pedir para ele reunir um par de
motoristas no caminho para cá, alguém confiável. Não seremos capazes
de colocar todas essas crianças no jipe dele. Mas minha bateria
acabou.”

“Nós vamos pensar em alguma coisa quando ele chegar aqui.


Você disse ao Olonana que ele está vindo?”

Olonana sabia que tínhamos tido que abandonar o carro de


Jack, mas ele não procurou saber mais. Ele tinha feito sua parte, e até
onde ele sabia, o resto era conosco.

Leylah Attar
“Se Olonana souber que Bahati está dirigindo pelas terras
Maasai para nos pegar, ele não vai ficar muito feliz. Ele está planejando
sair ao amanhecer. Bahati não vai chegar aqui até mais tarde do que
isso. Não tem por que piorar as coisas.”

O chefe e seus guerreiros tinham oferecido uma das vacas para


alimentar as crianças. Eles estavam grelhando pedaços de carne, em
gravetos compridos, que eles prenderam no chão em um ângulo sobre o
fogo. A maioria das crianças tinham comido. Os mais jovens estavam
dormindo na barraca, enquanto os mais velhos deitaram perto do fogo,
em pedaços de couro de vaca que os Maasai estavam carregando.

“O que é?” perguntei, quando vi Jack olhando para mim.

“Eu amo ver você à luz do fogo. A maneira como sua pele brilha,
o modo como seus olhos dançam, como seu cabelo ganha vida.” Ele me
levou para seus braços e colocou um cobertor em volta de nós. “A
primeira vez foi naquela noite que paramos perto da cratera. Dançando
com você em volta da fogueira. Eu achei você a coisa mais
extraordinária que eu já tinha visto. Foi a primeira vez que eu tinha
prestado atenção em alguma coisa ou alguém depois de Lily. Eu senti
como se tivesse levado um soco no estômago.”

Um brilho quente se espalhou sobre mim conforme ele falava.


Era como ser embrulhada em uma capa de calor invisível. “Foi quando
você decidiu jogar duro comigo?” eu o cutuquei com meu cotovelo.

“Não importa o que eu decidi, ou para que lado eu fui. Não tinha
como negar essa coisa entre nós.” Ele se mexeu para eu poder deitar a
cabeça no seu ombro. “Descanse um pouco, querida. Você deve estar
exausta.”

Nós olhamos para as planícies escuras em volta de nós. Um trem


apitou longe, seguido pelo barulho do seu motor, e então um grande
silêncio. Aquele reservado a oceanos e picos de montanhas e as crateras
da lua.

Leylah Attar
“Você acha que os homens naquela van vão voltar ou seguir
adiante?” perguntei.

“Tenho certeza que vão voltar, mas não sei quando.” Ele mexeu
no meu cabelo suavemente. “Não se preocupe. Vamos pensar em
alguma coisa de manhã.”

O barulho do fogo me embalou em um sonho estranho. Eu


estava voando sobre fazendas de café com um grupo de crianças
pombas. Estávamos correndo de uma tempestade se formando no
horizonte. Nuvens de chuva de sangue partiram, espirrando nas asas de
marfim delas. Eu gritava conforme elas caiam do céu. E então eu estava
no chão, com lama vermelha até o tornozelo, quando algo afiado furava
meu pé. Eu peguei isso do chão e o levantei para o céu. Era uma coroa
de espinhos e feno mutilada.

“Jack!” meus olhos abriram, o coração acelerado.

“Jack!” a voz de Olonana ecoou a minha. “Eles estão vindo.” Ele


apontou para dois faróis longe. Eles eram fracos, quase impossível de
ver, mas deixavam um brilho revelador na escuridão.

“Como você pode ter certeza que são eles?” Jack levantou e
pegou seu rifle.

“São eles.” Olonana virou para Jack, seus olhos cheios de


sabedoria antiga.

“Nós podemos pega-los. Você, eu, dois morans.” Jack gesticulou


para Salatone o outro guerreiro Maasai. “Quantos podem ter lá?” ele
olhou pelas lentes do seu rifle.

“Não," Olonana retrucou. “Meus homens e eu não lutamos.


Irônico para uma tribo de guerreiros, mas a paz é nossa maneira de
viver agora. Toda vez que meu povo se envolveu em um confronto, isso
afetou a todos. Nós. Nós somos marcados como selvagens e bárbaros.
Não vou mais entrar nisso. Desculpe, Jack. Podemos atrasa-los para
você. Talvez até nos livrarmos deles. É possível que eles tenham dado a
volta porque eles desistiram, o que no caso eles devem só passar. E se

Leylah Attar
eles estiverem nos rastreando, é quem eles esperam – nós, não vocês.
Tire vantagem disso. Pegue as crianças e vá.”

“Eu não posso simplesmente deixar vocês aqui,” Jack rebateu.


“Isso pode ficar feio. Principalmente se eles perceberem que vocês
pegaram as crianças.”

“Pode ser. De qualquer forma, sou responsável pelos meus


homens, e você é responsável pelas crianças. São dois contra treze.
Tenho certeza que me livrarei fácil. Você precisa levar as crianças o
mais longe possível daqui. Vá. Pegue sua barraca e vá.”

Acordamos as crianças enquanto Olonana e seus homens


enrolavam os couros de vaca e arrumavam o acampamento.

“Vai levar um tempo para eles chegarem aqui," Jack disse,


colocando a mochila nos ombros. “Vocês têm algum tempo.” Ele olhou
para as luzes vacilando fazendo o caminho pelo terreno noturno. “Viajar
na escuridão total está atrasando-os. Ou talvez eles estejam parando
para checar os rastros.”

“Não se preocupe conosco,” Olonana disse. “Você tem um


plano?”

“O trem,” respondeu Jack. “Eu ouvi ele passar algumas vezes. Se


nós seguirmos o trilho, podemos chegar até a próxima estação, e então
seguir para Wanza de lá.”

O chefe assentiu e cuspiu na mão. “Deus acompanhe você, Jack


Warden.”

“E você.” Eles se despediram com um aperto de mãos de cuspe.

Então Olonana virou para mim e estendeu a mesma mão.


“Taleenoi olngisoilechashur.”

Bom. Merda.

Ele estava me mostrando a mesma honra que ele reservava a


Jack.

Leylah Attar
Eu cuspi na minha palma e sacudi sua mão, o tempo todo
pensando antisséptico de mão, antisséptico de mão, antisséptico de mão.

Olonana parecia ver através de mim, porque ele riu e disse para
Jack, “Espero que ela não faça essa cara quando você faz.... como vocês
chamam isso? Beijo de língua?”

Jack riu e colocou o braço em volta da minha cintura. “Eu amo


todas as caras dela. Cada uma delas.”

“Então você deve casar com ela e manter todas as crianças.”


Olonana e os morans deram risada.

Foi assim que os deixamos naquela noite – Olonana rindo com


seus dois dentes de baixo faltando, o fogo marcando a silhueta de sua
cabeça perfeitamente redonda, e os morans em pé ao lado dele. Naquela
noite, minha definição de herói ficou maior. Às vezes os heróis são
encontrados entre as páginas de um livro, e às vezes eles estão em uma
montanha, suas togas xadrez flutuando no vento, assegurando a
fortaleza para o resto de nós.

Leylah Attar
A VISÃO NOTURNA se instalou conforme nos movemos para
longe do acampamento. O céu estava escuro e claro, salpicado de
estrelas prateadas. Nos movimentamos em silêncio pelas planícies
áridas, guiados pela luz da lua. Era assustadoramente quieto,
considerando que tínhamos treze crianças a reboque. Exceto que essas
crianças não eram crianças comuns. Elas tinham sido todas tocadas
pela morte, e agora ela estava rondando-as. Um instinto de
sobrevivência tinha tomado conta e elas se moviam coletivamente, sem
perguntar, sem falar. Mesmo as mais novas clamaram para seguir,
segurando na minha mão, ou na de Jack, quando ficava mais difícil
seguir. Havia uma urgência nos movimentos delas que quebrava meu
coração.

“Não estamos longe agora,” disse Jack. “Devemos estar chegando


nos trilhos de trem logo.”

Era um progresso, mas ainda tínhamos um longo caminho para


seguir. A próxima estação estava a milhas de distância, e uma vez que o
sol levantasse, seria fácil para qualquer um nos ver.

“Você acha que Olonana e seus homens estão bem?” eu olhei a


área atrás de nós. A luz tremeluzente do fogo tinha desaparecido há
muito tempo.

“Ona!” uma das crianças que Jack tinha erguido no ombro


apontou para alguma coisa.

Leylah Attar
Havia uma luz fraca longe, algumas milhas. Aparecia e
desaparecia.

Os faróis de um carro, balançando pela sombra e matagal.

Pânico se rebelava em mim. Não havia outra razão para alguém


estar lá naquela hora. Eles tinham nos encontrado, no aberto, sem
lugar para onde correr, sem lugar para nos escondermos. Eles não
deixariam as crianças escaparem dessa vez, e pior, eles podiam nem
tentar coloca-las na van. Não era atrás das crianças que eles estavam.
Era atrás das partes de seus corpos. Ele podiam massacrar cada uma
delas e ainda recolher seu dinheiro sangrento. E eles não deixariam
testemunhas para trás também.

Conforme as luzes se aproximavam, meu pesadelo aparecia na


minha frente.

Chuva de sangue.

Crianças pombas.

Uma coroa estilhaçada.

O som do meu próprio pulso nos meus ouvidos.

Oh, Deus, fale comigo, Mo. Diga alguma coisa. Diga alguma coisa.

Não havia nada além de silêncio.

Vasto e profundo.

E então, do outro lado das planícies, um grito estridente


perfurou o ar.

O apito de uma trem se movendo.

“Há um trem vindo! Precisamos subir nele. Rápido!” eu disse a


Jack, mas ele estava olhando para o trem e o carro. “Jack? O que você
está fazendo? Não há tempo a perder.”

Ele tirou a criança do seu ombro e começou a abrir a mochila.


“Nós temos álcool no kit de primeiros socorros?”

“Sim, mas..."

Leylah Attar
“Pega.” Ele arremessou a garrafa na minha direção. Então ele
tirou duas camisetas dele e começou a rasga-las. “Precisamos parar o
trem, e não tem como o maquinista nos ver na escuridão. Precisamos
acender umas tochas.”

Ele deu algumas tiras de algodão para duas crianças e apontou


para a árvore morta que tinha caído vítima da crueldade das planícies.
“Leteni tawi.”

Elas correram, pegando galhos da árvore, juntando as pontas


com as tiras, para os espinhos não os arranharem.

“Jack. Olha!” eu exclamei. Outro carro estava atrás do primeiro,


os faróis piscando como olhos de cobra na escuridão.

“Foda-se. Eles trouxeram reforço.” Jack estava tirando os


espinhos dos galhos, de todos menos dos do de cima. Ele os enrolou no
tecido de algodão e ensopou com o álcool. Ele reuniu mais tochas,
correndo contra os carros que estavam se aproximando mais e mais. O
ar estava grosso com urgência e desespero. Entrava na minha pele,
deixando uma camada fina de suor. As crianças acompanhavam,
paradas e em silêncio, como se suas vozes já estivessem mudas.

“Segure-as no alto,” Jack disse, estendendo as tochas para os


mais velhos. “Não tenham medo.” Seu polegar correu na roda do
isqueiro conforme ele as acendia.

Uma a uma, as chamas ganharam vida, dez sois quentes,


agitados iluminando a noite. O chão em volta de nó fluiu em ondas de
luz dourada.

“Eles podem nos ver agora,” eu disse, virando para os carros.

“Eles também.” Jack apontou para o trem. Ele ainda estava a


uma distância grande, mas se aproximando rápido. “A questão é, qual
vai nos pegar primeiro?”

Nós não estávamos muito longe dos trilhos de trem, e ainda


assim pareciam a uma eternidade de distância. Minha respiração ficou

Leylah Attar
fraca, explosões instáveis conforme corríamos através do chão frágil.
Uma das crianças na minha frente tropeçou e caiu. Eu parei e a
segurei, levantando-a no meu quadril. Meus pulmões estavam
queimando, minhas pernas tremiam com o peso extra, mas eu
continuei correndo. Eu correria até a pele das minhas solas gastarem
porque é isso que você faz quando monstros estão nos seus pés. Você
tranca seus gritos, seu pânico, seu medo e corre mais rápido que os
idiotas.

Eu fixei meus olhos em Jack e continuei seguindo. A tocha dele


brilhava na frente, fumaça branca sendo levada em direção ao céu. As
crianças estavam agrupadas nos dois lados dele formando um V, os
maiores na frente, os mais novos tentando acompanhar. Eles eram um
grupo de pássaros – voltando para casa – com asas de fogo. Era um
espetáculo tão surreal, que ele deslizava pelo caos e pânico, e ficava
gravado eternamente na minha mente.

Nós tropeçamos sobre as trilhas, nossos olhos olhando o


horizonte com os carros. Eles estavam nos alcançando.

“Rápido agora.” Jack posicionou as crianças, ombro a ombro, em


ambos lados dos trilhos. “Você pode soltar agora,” ele disse a mim.

Eu percebi que ainda estava segurando a menininha que eu


tinha pego. Meu aperto soltou e eu a deixei escorregar devagar para o
chão. Ela tomou seu lugar com as outras crianças, sua pele de
alabastro corada com o calor das tochas. Juntos eles formavam uma
parede de luz acesa, brilhante.

Eu fiquei com Jack no meio do trilho. O cascalho embaixo dos


meus pés pulsava conforme o trem trovejava mais perto.

Oh Deus. Por favor pare, por favor pare, por favor pare.

Jack entrelaçou os dedos com os meus. Era como se ele pudesse


sentir a tensão formando em mim.

“Segure firme e não solte,” ele disse.

Leylah Attar
Ele estava segurando a tocha sobre nós com sua outra mão.
Seus olhos brilhavam com a luz das chamas, mas havia algo mais –
alguma coisa motivada, e sólida e objetiva. A princípio, eu não
conseguia entender isso. Então me ocorreu.

Você acredita na sua própria mágica? Eu tinha perguntado a


Jack uma vez.

Eu parei de acreditar. Depois de Lily.

Mas eu estava vendo o perfil de um homem que acreditava, e eu


exultei com o momento que estávamos dividindo, acontecesse o que
fosse.

“Jack está de volta,” eu disse.

“O quê?” sua voz foi engolida pelo barulho metálico dos vagões
conforme os faróis do trem nos pressionava. Os trilhos vibravam
conforme a locomotiva vinha se chocando pelos trilhos, a toda
velocidade.

Jack xingou soltando a respiração. “Ele não vai parar.”

“Por que não?” comecei a balançar minha mão sobre a minha


cabeça. “Tenho certeza que eles podem nos ver. Estamos todos acesos.”

“É um trem de carga. Se o motorista tiver pego no sono, ou eles


não tiverem alguém na frente, estamos ferrados.”

O trem estava se aproximando de nós com uma velocidade


alarmante. Assim como os carros. Nós podíamos ver o retângulo de luz
refletindo a placa do primeiro.

“Aqui.” Jack me entregou sua tocha. “Saia você e as crianças do


caminho.”

“O que você vai fazer?” meu estômago revirou conforme ele tirou
seu rifle.

“Fiquem do outro lado. Todos vocês. Vai levar um tempo para o


trem passar. Os homens não conseguirão pegar vocês.”

Leylah Attar
“E você? Jack, você precisar sair dos trilhos!” eu estava gritando
para ele me ouvir com o barulho do trem.

“Vá, Rodel. Agora!” sua ordem fez eu me mexer.

“Mantenham as tochas para cima.” Eu juntei as crianças de um


lado. “Mantenham para cima,” eu disse para treze crianças que tinham
tido que se esconder a vida toda, e quem, nesse momento, precisavam
desesperadamente serem vistas.

Meu olhos foram para Jack, para o trem, para a van que estava
se aproximando. Faixas pálidas do amanhecer estavam aparecendo no
céu oriental. Jack apontou o rifle para cima. Ele atirou, abriu e fechou a
culatra e atirou de novo. O som reverberou no campo aberto como um
trovão.

A van parou, as luzes olhando para nós como um predador de


tocaia em sua presa.

Certo, seus fodões. Nós temos poder de fogo, então AFASTEM-SE!

O estouro da arma parecia ter alertado alguém no trem também


porque seus impulsos poderosos diminuíram. Houve um guincho alto
conforme os breques acionaram, mas ainda estava indo rápido demais
para evitar bater no homem nos trilhos.

“Jack!” eu gritei. Houve um suspiro coletivo das crianças


conforme ele passou por nós em um borrão de ferrugem e metal,
apagando algumas das tochas com uma rajada de ar. Ele parou, o
vagão da frente parando a vários metros de nós.

O silêncio que vem depois que alguma coisa alta e


ensurdecedora para é enorme. Ele aumentava o vazio das planícies ao
redor. A fera que nós tínhamos tentado tanto pegar, gemeu e rangeu
como um dragão que tinha ficado sem vapor. Jack tinha conseguido
pará-lo, mas tudo que eu sentia era um vazio doente no meu coração.
Eu fiquei lá parada conforme os minutos passavam, olhando para o
carregamento azul que tinha parado na minha frente, tentando lembrar
como respirar.

Leylah Attar
Os sons de metal escorregando contra metal me tiraram do
choque.

“Rodel. Aqui!” Era Jack.

Alívio. Tão profundo que pulava no meu coração; o sangue


começou a correr nas minhas veias de novo.

As crianças o encontraram antes de mim.

“Haraka! Haraka! Rápido.” Ele apagou as tochas que ainda


estavam acesas, arrastando no chão conforme ele levantava as crianças
para dentro do vagão. Ele tinha as laterais de persiana, com frestas ao
invés de metal sólido nos quatro lados.

“Eu falei com o maquinista,” ele disse. Eu o paguei para nos


levar a Wanza.” Ele estava em modo adrenalina total, sem a menor ideia
do que ele tinha acabado de me fazer. Ele esticou a mão, esperando que
eu pegasse para ele poder me erguer para dentro do vagão. “Venha,
Rodel. Pare de hesitar. Eu falei para ele seguir. Não dá para perder
tempo.”

“Não estou hesitando!” eu queria chorar, e não sabia se era de


raiva ou alívio. “Eu achei que você...você..."

Houve um apito agudo, e então o trem balançou.

“Rodel?” Jack esfregou o ombro, girando-o para frente e para


trás.

“Você machucou o outro?” não era o ombro que ele tinha batido
quando tínhamos encontrado a van.

“Eu realmente preciso parar de sair do caminho assim.”

Ele disse isso tão sinceramente, que os cantos da minha boca


levantaram. “Como você consegue me fazer sorrir, mesmo sob as piores
circunstâncias?”

“Estou feliz que meus machucados divertem você.” Ele me


levantou para dentro do vagão antes de saltar ao meu lado.

Leylah Attar
“Tem bodes aqui dentro!” eu exclamei. O chão estava coberto de
feno, e bodes estavam apinhados nos currais em volta de nós.

“É um vagão de rebanho.”

“Cheira como um também,” eu comentei. Jack tinha deixado a


porta aberta, então o fedor não era tão insuportável.

Eu fiz uma contagem rápida das crianças. Todas lá, todas


contadas. A menininha que eu tinha carregado estava com os joelhos
sangrando, mas tirando isso, elas pareciam bem. Elas olhavam para
fora pelas fendas, os olhos pálidos na van que tinha chegado perto,
claramente visível na bruma do amanhecer. Era a que nós tínhamos
visto no caminho para Magesa. A segunda estava vindo atrás, coberta
de terra.

“Você os assustou,” eu disse, conforme Jack encostou contra a


porta aberta, o rifle pendurado no ombro.

“Foi uma aposta. Dois tiros era tudo que eu tinha.”

“Então se eles entrarem no trem agora..." nós estávamos nos


movendo em passo de tartaruga, o motor se esforçando para levar a
carga de novo.

“Eles não vão. Eles não sabem que estou sem. Eles querem as
crianças, mas não tanto para se colocarem em risco. Uma vez que o
trem se movimente, estamos salvos. Estaremos em Wanza muito antes
deles nos alcançarem.”

Eu estava prestes a soltar um suspiro de alívio quando o carro


que tinha estado atrás do primeiro começou a acelerar. Não parecia que
o motorista tinha intenção de parar.

“Que porra?” Jack se endireitou conforme ele se aproximou.

“Ele vai bater em nós!”

Mas um motorista bateu direto na van branca. Então ele foi para
trás e bateu nela de novo.

Leylah Attar
“Merda,” Jack disse, quando as nuvens de terra abaixaram.
Ambos os carros estavam aterrados contra o monte de cascalho perto
dos trilhos. “É Bahati.”

“Oh Deus. Ele deve ter vindo procurar por nós. Mas o que ele
está fazendo? Não é dele provocar alguém.”

Nós assistimos horrorizados conforme os três homens saíram da


van e arrastaram Bahati para fora do carro. O motorista ficou na van,
uma silhueta escura sinistra contra o vidro escurecido.

“Scholastica.” Cada músculo no corpo de Jack ficou tenso


conforme ele disse isso. “Ela não está com Bahati. Eu disse para ele
trazê-la. Eles devem estar com ela. É a única razão para Bahati os
seguir tão longe.”

“Jack.” Eu prendi seu braço. Ele tinha que ir. Mas eu segurei
mais alguns segundos. “Você não tem balas. Você não tem nada.”

“Não importa,” ele respondeu. “Há uma garotinha lá fora que


precisa de mim.”

Em mil vidas, eu morreria mil mortes para salva-la.

Não era Lily, mas Jack não ia deixar isso acontecer de novo.

“Ouça-me,” ele disse. “Não importa o que aconteça, você fica no


trem. Você leva essas crianças para Wanza. Você me ouviu?”

“Eu não.... Não posso…”

“Você pode. Você é a minha garota de auréola de arco-íris, e você


é mágica. Nunca esqueça disso.” Ele pegou meu rosto em suas mãos e
me beijou como se eu fosse a coisa mais bonita que ele já tivesse
provado.

E então eu ouvi o barulho do cascalho conforme ele pulou fora e


seguiu para o círculo de homens que estavam chutando e batendo em
Bahati enquanto ele deitava no chão.

“Deixem ele ir,” ele disse, apontando seu rifle para eles. Seu tom
não deixava espaço para discussão. Ele sabia que não tinha balas, eu

Leylah Attar
sabia que ele não tinha balas, mas até onde eles sabiam, ele falava
sério.

Os homens se afastaram de Bahati e se alinharam na lateral da


van conforme Jack balançava o rifle de um para outro, controlando-os.

“Bahati, suba no trem,” Jack disse, enquanto Bahati deitava


curvado. Ele estava mal, mas cambaleou para ficar em pé. Um olho
estava fechado inchado, e ele segurava o joelho conforme ele mancava
em direção ao trem.

“Você.” Jack bateu na janela do motorista com seu rifle. “Saia


com suas mãos para cima e abra a porta de trás.”

A princípio, parecia que o homem não tinha o ouvido, mas ele


saiu, um pé e depois o outro. Meu coração se contraiu quando olhei sua
cara. Havia um corte atravessado na sua testa, dividindo sua
sobrancelha, descendo até sua mandíbula. O sangue tinha começado a
coagular, um rio de roxo pisado contra a pele. Havia algo enrolado em
seu pulso. Uma bandana vermelha que balançava na brisa. Eu tinha o
visto antes.

Onde?

Quando?

E então me ocorreu. Na delegacia. Quando eu tinha ido com


Goma. Ele tinha me arrepiado. Seus olhos tinham dito algo totalmente
diferente do seu sorriso.

K.K. foi assim que o inspetor Hamisi tinha o chamado. Eu


estremeci conforme lembrei da gargalhada que eu tinha ouvido quando
ele tinha tentado atropelar Jack.

Keh keh keh keh. Como uma hiena cavando ossos.

Eu estiquei minha mão para Bahati e o ajudei a subir a bordo.


Um gota de sangue pingou do seu nariz.

“Abra a porta de trás,” Jack disse para K.K.

Leylah Attar
K.K. andou para a porta de trás da van como se estivesse em um
passeio de domingo, devagar e sem pressa. “Eu não sei o que você acha
que está..."

“Cala a boca.” Jack o pressionou com a arma. “Deixe ela sair.”

“Deixe quem sair?” K.K. abriu a porta e foi para o lado.

Eu não podia ver dentro da van por causa do ângulo, mas Jack
não parecia muito feliz.

“Onde ela está? Ele perguntou. “O que vocês fizeram com


Scholastica?”

“Jack,” Bahati interrompeu cuidando do seu maxilar.


“Scholastica está na fazenda. Goma não a deixou sair até ter seus
óculos. Eu vim sozinho.”

Jack lhe deu um olhar incrédulo. “Então por que você está
enfrentando esses idiotas?”

“Porque eles machucaram meu pai. Eu vim para te pegar, e


encontrei ele no acampamento ao invés de você. Ele não dizia para eles
onde as crianças estavam então eles torturaram ele e os morans. Se eu
não tivesse chegado a tempo...” Bahati apertou os olhos fechando. “Algo
em mim simplesmente explodiu, Jack. Eu não pensei. Eu só vim atrás
deles.”

“Eles são escória.” Jack começou a ir para trás devagar, seus


olhos olhando para o tonel. “Nós vamos embora agora. Não queremos
problema. Então voltem para o carro e voltem.”

Eu tive que me esforçar para ouvi-lo com o barulho do trem. Ele


estava pegando velocidade.

Vamos, Jack. Acabe com isso.

“Lógico,” disse K.K., as mãos para cima, “Nós não queremos


problema também.”

Ele virou para voltar para a van, mas parou como se fosse
amarrar o sapato. Algo brilhou quando ele se endireitou. Quando eu

Leylah Attar
percebi, era o brilho do aço de uma machete, que estava se chocando
em direção ao Jack com um barulho sibilante. Eu ofeguei conforme ele
desviou para evita-la.

Dois segundos depois, ele balançou. Um borrão vermelho


manchou sua camiseta e espalhou para a manga. Sangue fluía em rios
vermelhos pelo seu braço e pingava no chão de seus dedos. Ele tinha
sido cortado.

Seus joelhos bateram no chão com uma pancada nauseante. O


rifle escorregou da mão dele conforme ele apertou seu ombro, tentando
impedir o fluxo de sangue.

“Nós não queremos problema também," K.K. repetiu. Ele andou


até Jack e pegou o rifle. Daí colocou a sola do seu sapato na cara do
Jack e devagar, colocou seu peso até Jack cair para trás sob a pressão.
“O que eu quero é ter minhas botas lambindas, por toda a merda que
você me fez passar para achar vocês. Vê isso?” ele apontou para o corte
na sua cara. “Isso é daquele chefe Maasai que roubou minha carga.
Você sabe o que eu fiz com ele? Eu quebrei suas pernas. Meus homens
me perguntaram: ‘por que, K.K.? por que não matar o bastardo?’” K.K.
esfregou os tufos de cabelo em sua cabeça, inclinando a cabeça de um
lado para o outro, como se estivesse ouvindo vozes na sua cabeça.
“Sabe, isso é algo que as pessoas não entendem. As complexidades do
sofrimento. Eu sofro quando mato. Matar é fácil, como apagar um
cigarro.”

Jack se encolheu conforme K.K. esfregou o salto para frente e


para trás de seu rosto.

“Mas prolongar isso…ah. Transformar isso. É uma arte. Eu fiz


arte a partir daquele chefe. Uma peça de exposição. Para que serve um
nômade que não pode andar?” ele caiu em uma gargalhada de arrepiar.
Seus homens se juntaram a ele. Eles ficaram em um semicírculo sobre
o Jack, rindo conforme lembravam do que tinham feito com Olonana.

Leylah Attar
“Foda-se,” Jack cuspiu em K.K. uma poça de sangue estava
começando a manchar o chão embaixo dele.

Levante, Jack. Corra! Cada pedaço de mim gritava. É agora ou


nunca. Mas eu não sabia se ele conseguia levantar, ou se conseguia
correr. Tudo que eu sabia era que cada segundo que passava,
estávamos nos movendo mais e mais longe dele.

“Oh, céus,” disse K.K. “Não precisa desse tipo de palavreado.


Você não quer lamber minhas botas? Tudo bem.” Ele tirou a máscara
sinistra de diversão que ele estava usando. Ele parecia o abutre que ele
era, por dentro e por fora. “Vou só cortar sua língua fora e polir meus
sapatos com ela enquanto você assiste. Mas agora, meu lado bom está
indo embora e estou ficando irritado. Você," ele exclamou para um dos
homens dele, “... pare o maquinista. E vocês dois, peguem as crianças.
Pegue a machete. Faça isso no trem. Mate-os como o rebanho onde
estão escondidas. A garota também.”

“Se você tocar neles eu vou..."

“Você vai o que?” K.K. apertou o pé na ferida de Jack enquanto o


via se contorcer na terra. “Você não consegue nem levantar.” Ele
apalpou Jack e pegou sua carteira. “Você não serve para ninguém, Jack
Warden.” Ele leu o nome da carteira de motorista de Jack antes de joga-
la na cara dele. “Você sabe por que? Porque você está morto, filho da
puta.” Ele apertou o gatilho.

Por um segundo, ele só ficou parado, piscando, quando nada


aconteceu – nenhum espirro vermelho nos seus pés. “Seu puto,” ele
disse, apontando a arma para Jack, “não tem balas.” Ele riu
alucinadamente. “Tudo enfeite, sem balas. E você... você veio até nós
como se nos possuísse. Keh, keh, keh, keh.”

Ele ainda estava rindo quando Jack agarrou o tonel e bateu nele
com a coronha do rifle. K.K. cambaleou para trás, segurando o nariz.
Jack gritou alguma coisa que eu não consegui ouvir, as palavras
engolidas pela distância crescente entre nós.

Leylah Attar
Ele foi para frente para acertar K.K. de novo quando um dos
homens dele prendeu Jack com uma chave de braço. Era o cara que
K.K. tinha mandado ir parar o maquinista.

Porra. Ele tinha voltado e vindo para ajudar K.K.

Alguma coisa me chamou a atenção e eu praguejei de novo. Eu


tinha estado tão preocupada com Jack, que não tinha notado que os
outros dois homens que K.K. tinha mandado pegar as crianças tinham
subido no trem em movimento. Eles estavam pendurados nos degraus,
alguns vagões para trás vindo em nossa direção.

Tudo estava acontecendo rápido demais para processar. De um


lado, Jack estava sendo socado por K.K. enquanto seu comparsa o
segurava. Por outro lado, a morte estava vindo para as crianças,
camisas balançando no vento, machete na mão. Meu coração batia
como se fosse explodir. Eu agarrei a beirada da porta, os nós dos meus
dedos ficando brancos conforme eu tentava descobrir o que fazer.

“Bahati.” Eu o sacudi. Ele estava deitado caído contra um dos


currais, seu corpo balançando com o movimento do trem. “Merda.” Ele
tinha desmaiado, e eu não tinha ideia se ele ia ficar bem.

Eu corri para a porta aberta e olhei para fora de novo. Os


homens estavam se agarrando nas laterais do trem, prosseguindo
quando tinham o pé firme. Jack estava sumindo de vista. Havia algo
selvagem e tempestuoso em seus socos agora. Ele não estava apenas
lutando com dois homens, ele estava lutando contra os monstros que
tinham tirado Lily dele. Ele estava despejando toda sua raiva e dor
naquilo. Mas ele estava ferido, e segurava seu braço machucado duro
conforme eles vinham até ele por todos os lados.

Não importa o que aconteça, você fica no trem. Leve as crianças


até Wanza.

Eu engoli um soluço. Eu tinha que fechar a porta e tranca-la. Eu


tinha que impedir aqueles homens de chegar até as crianças.

Leylah Attar
Eu tirei minha mochila das costas e arrastei a porta. Ela não se
mexeu. Coloquei toda minha força nisso e tentei de novo.

Nada. Ela pesava uma tonelada.

As crianças me observavam, os olhos abertos brilhando. Uma


delas tinha as mãos apertadas nas axilas e estava se abraçando.

“Está tudo bem,” eu disse. “Vocês vão ficar bem.” Eu era uma
mentirosa. Uma mentirosa suja, imunda. “Venham. Me deem uma
mão,” eu pedi a eles. “Nós podemos fazer isso!”

Eu segurei o fecho e puxei, os tendões esticando no meu


pescoço, enquanto as crianças empurravam na outra ponta. Ela ficou
parada um tempo, e então deslizou com um empurrão forte. Os bodes
baliram quando o vagão ficou escuro. A única luz entrando agora era
das fendas laterais.

“Bom trabalho!” eu disse às crianças, mesmo que uma parte de


mim estivesse morrendo para abrir de novo, numa esperança
desesperada que Jack conseguiria escapar, de alguma forma.

Eu procurei uma maneira de fortalecer a porta, para impedir que


ela abrisse, mas não havia nada.

Merda. Ela tranca por fora. É um vagão de animais.

Eu queria bater minha cabeça contra a porta. Meus braços


estavam tremendo. Eu não sabia quanto tempo eu podia segurar. Eu
olhei pelas frestas. Não podia ver os homens, mas eu sabia que eles
chegariam logo. Suor formava gotas no meu lábio.

Pensa! Tem que haver alguma coisa.

Uma luz acendeu na minha cabeça. Era um tiro no escuro, mas


era tudo que eu tinha. Eu larguei a porta. Ela abriu com um baque. Eu
olhei para fora. Não podia mais ver Jack. Nós o tínhamos deixado lá
atrás. Mas eu podia ver os homens. E agora só havia um vagão entre
nós.

Leylah Attar
Eu coloquei meu pé para fora, procurando um dente na lateral
com a fenda. Meus dedos agarraram um dos canos que corriam em
cima, e eu me balancei para fora do vagão. O chão embaixo do trem
corria como um borrão cinza. Eu apertei meus olhos, o vento batendo
na minha cara.

Merda. Merda. Merda. Merda.

Meus dedos tremiam conforme eu soltei do cano e segurei nas


fendas do lado de fora, primeiro uma mão, e depois, bem devagar a
outra.

“O que você está fazendo, senhorita?” uma das crianças


perguntou.

Eu estava agarrada à lateral do trem, borrada de medo, meu


maxilar apertado de medo, mas evoquei minha melhor voz de sala de
aula. “Vou soltar os carros atrás de nós, então os homens maus não
conseguirão chegar até nós. Eu preciso que vocês fiquem aqui dentro.
Ok?”

Meu ossos estavam balançando com o movimento do trem, mas


eu segurei firme até eles assentirem. Eu o ouvi traduzindo para as
crianças que não falavam inglês. Eu fechei a parte de mim que estava
gritando: soltar os carros? Você perdeu a porra da cabeça? Você não tem
ideia do que está fazendo. Você vai morrer aqui!

Estou morta de qualquer forma. Pelo menos morro tentando.

Eu me movi, deslizando meu pé em uma abertura, depois na


outra, o tempo todo segurando das frestas acima de mim. Eu engoli o
medo que estava batendo forte e pesado na minha garganta conforme o
espaço entre mim e os homens diminuíram. Eles tinham me visto. O da
frente tinha a machete presa na calça. O outro estava olhando para
mim com olhos malditos. A única coisa os atrasando era o fato que o
vagão deles não tinha as fendas laterais como o meu, então eles tinham
menos onde se segurar. Eu cheguei na ponta antes deles. Havia uma

Leylah Attar
escada de metal, chumbada na lateral, então eu dei a volta nela e
segurei conforme descobria a junta.

A porra se eu sei como fazer isso.

Eu me senti enjoada. Senti tontura. Não sabia se era da


sensação de desgraça que estava se aproximando, ou de ver o chão
desaparecer entre os vagões.

Não consigo fazer isso. Não sei como.

Minha calma estava quebrando em conchas frágeis em volta de


mim. A máscara de bravura que eu tinha colocado para as crianças
estava sumindo.

Eu perdi Mo.

Eu perdi Jack.

E agora vou perder essas crianças.

Uma sensação sufocante apertou meu peito conforme ouvi um


baque. E então outro. Os homens tinham pulado no vagão adjacente.
Era só uma questão de tempo até eles nos alcançarem. A noite sem fim
tinha virado dia. Nós tínhamos lutado e lutado e lutado, mas ia acabar
aqui. A única coisa entre aqueles homens e as crianças era eu.

Você é minha garota da auréola de arco-íris e você é mágica.


Nunca se esqueça disso.

Eu limpei minhas lágrimas com as costas da mão e me


endireitei. Está certo. Sou mágica.

Eu podia ver a trava no pino da junção. Eu só tinha que


descobrir como solta-los.

“A alavanca.”

Eu virei e vi Bahati. Ele estava se agarrando à ponta do vagão.


“As crianças me disseram o que você estava fazendo e eu vim.” Ele deu
a volta do meu lado, ainda trêmulo e instável.

“Você está bem?” perguntei. “Deus, Bahati, eu podia te beijar!”

Leylah Attar
Ele riu. “Sou o motivo de você estar nessa bagunça, senhorita
Rodel. Sou azar. Eles não me chamam de Bahati Mbaya a toa. Você e
Jack teriam fugido se eu não tivesse aparecido e estragado tudo.” Ele
colocou seu pé para fora, tentando atravessar o espaço entre os vagões,
seus dedos agarrados em um dos degraus da escada para se apoiar.

“Bahati, pare! O que você está fazendo?” eu o puxei de volta pela


camisa e por um momento ambos cambaleamos sobre o vão entre os
vagões. Meu estômago virou com o pensamento de como seria ser
esmagada embaixo daquelas rodas de metal.

“A alavanca só pode ser puxada do outro lado,” Bahati disse,


depois que nos estabilizamos. “Vou ter que pular.”

“Espera!” eu o parei de novo. “Se você pular naquele vagão, você


não vai poder voltar uma vez que nos solte. Você vai acabar com
aqueles homens e Deus sabe que eles não vão ficar felizes de perder as
crianças.”

“Eu sei.” Era a frase mais curta que ele já tinha falado. Eu
queria que ele preenchesse o silêncio que se seguiu com divagações,
mas nós seguimos em frente no ritmo de coisas não faladas –
circunstâncias inesperadas, sacrifícios inesperados.

“Bahati..."

“Está na hora de eu ganhar meu nome guerreiro, senhorita


Rodel.” E então o homem que tinha pulado da cama com a visão de um
lagarto, que gritou para grilos, e correu de mariposas, pulou. Suas
pernas longas, finas, alcançaram o vão, mesmo que ele vacilou quando
aterrissou em seu joelho machucado. Ele arriscou um sorriso, um olho
fechado inchado, e puxou a alavanca.

“Kasserian ingera,” ele disse, conforme os vagões se soltaram e


eu o deixei para trás. Como estão as crianças?

“Sapati...” eu engoli em seco e segurei as lágrimas. Os homens


de K.K. estavam quase nele. “Sapati ingera.” Todas as crianças estão
bem.

Leylah Attar
Conforme a traseira do trem se afastava como o corpo cortado de
uma jiboia gigante, eu o perdi de vista. “Obrigada, Bahati,” eu
sussurrei, esperando que o vento carregasse isso até ele.

A visão de Lonyoki tinha se realizado. Ele tinha visto Bahati


dirigindo uma serpente enorme, lutando com os seus, ajudando os
brancos. Mas Lonyoki não tinha interpretado certo. A serpente era o
trem, e Bahati estava lutando contra os homens de K.K. para levar as
crianças albinas em segurança. Ao mesmo tempo, se Bahati tivesse os
ouvido, se ele tivesse se afastado como o pai tinha mandado, ele estaria
seguro.

Uma guerra de emoções acontecia dentro de mim. Tantas linhas


delicadas nos mantinham todos juntos. As planícies sem fim se
estendiam por todos os lados, vastas e vazias, conforme eu me segurava
no último vagão, na última perna para Wanza, zelando as últimas
imagens que eu tinha de Bahati e Jack.

Leylah Attar
“TREZE?” Uma mulher gritou de detrás da porta fechada. “Ela
trouxe treze crianças? Por que nós não fomos notificados?”

“Ela só apareceu no portão,” disse o guarda que tinha nos


escoltado para dentro do orfanato. “Nós dissemos a ela que ela tem que
falar com o encarregado regional, mas ela se recusou a se mexer. E para
ser honesto, eles parecem muito exaustos para ir a qualquer lugar.”

Eu sentei no banco do lado de fora do escritório enquanto eles


iam para frente e para trás. Tinha sido uma provação difícil, com as
crianças em um vagão cheio de bodes, por horas e horas. Havia tido um
grande atraso quando o trem chegou na próxima estação. Eu deduzi
que tinha a ver com os vagões de carga que tinham sido deixados para
trás. Nós não ousamos sair ou fazer um som. Não sabíamos quem era
amigo ou inimigo, então ficamos parados até o trem seguir para Wanza.

Nós já devíamos estar fora de vista quando escalamos para fora


do vagão. Um policial fora de serviço nos viu e se ofereceu para nos
levar ao orfanato. Deixei meu nome e seu número de distintivo com o
chefe da estação antes de entrar em um dala dala particular que ele
arrumou para nós. Eu não ia correr nenhum risco tão perto do nosso
objetivo, mas minhas chances eram limitadas. Eu não podia sair da
estação e pegar as ruas com eles.

O policial acabou sendo outra alma gentil. As crianças e eu


nunca teríamos conseguido sem Jack, Olonana, e Bahati. Eu

Leylah Attar
mentalmente acrescentei ele à lista de pessoas que tinham feito isso
possível.

Wanza era brisas frescas de lagos, água linda e um horizonte


aparecendo rapidamente. Eu sentei à beira do Lago Victoria, cercada
por colinas que eram cercadas por enormes rochas. O orfanato era
perto da estação de trem, envolto com arame farpado, com guardas
patrulhando o portão. Não era o tipo de santuário que eu tinha
imaginado. Havia um cheiro velho, úmido vindo dos dormitórios. As
crianças estavam duas em cada cama. As que estavam brincando no
quintal estavam vestindo uniformes azuis gastos, a pele rosa leitosa
contrastando com eles. E ainda assim elas pareciam felizes – o tipo de
felicidade que vem de se sentir seguro. Elas eram livres para correr e
brincar e gritar.

“Cui, chui, simba! Leopardo, leopardo, leão!” elas cantavam,


correndo em círculos e marcando cada um em um jogo.

As minhas crianças observavam de lado – treze delas, em pé


contra a parede arranhada. O lugar estava super lotado e sem dinheiro.
Eu podia entender a reação da mulher que eu estava aguardando para
ver.

“Senhorita Emerson?” ela abriu a porta e leu meu nome no papel


que o guarda tinha escrito para ela. “Bem-vinda. Meu nome é Josephine
Montati. Eu administro esse orfanato. Por favor...” ela indicou a cadeira
perto da sua mesa.” Eu entendo que você trouxe algumas crianças que
você gostaria de deixar sob nossos cuidados. Treze, se não estou
enganada?” ela era imponente apesar de sua estrutura pequena. Tinha
pelo menos sessenta anos, se não mais. Sua sobrancelha estava
franzida e ela usava o cabelo em tranças.

“Sim. Está certo, mas algumas delas foram raptadas. Tenho


certeza que suas famílias estão procurando por elas e ficarão felizes em
tê-las de volta.”

“E como você acabou com todas essas crianças”?

Leylah Attar
Eu contei a história o mais concisamente que eu pude enquanto
ela me observava sobre os óculos meia-lua. Quando terminei, ela
encostou para trás e suspirou.

“Não vou mentir. Não estou feliz em vê-las. Não temos recursos.
Você pode ver por si mesma.” Ela gesticulou para fora da janela, para o
prédio desmoronando do lado de fora. “Muitas dessas crianças albinas
são quase cegas. Precisamos de livros especiais. Roupa de cama.
Chapéus. Protetores solares...” ela parou e balançou a cabeça. “Sinto
muito. Eu peço desculpas. Você salvou treze crianças. Você se arriscou.
Você está preocupada com seus amigos. E eu fico falando de
suprimentos. Me perdoe. Eu vou instalar as crianças. Só precisamos
preencher alguns papéis e então você pode ir. Por que você não pega
algo para você e as crianças comerem antes de começarmos? Tenho
certeza que vocês estão muito cansados e famintos.”

“Seria ótimo,” eu respondi. Comida era a última coisa na minha


cabeça. Eu estava tão preocupada com Jack e Bahati para me importar,
mas as crianças tinham estado em viagem por muitas e muitas horas.
“Há só uma coisa que eu gostaria de falar com você a respeito. Você
conhece alguém chamado Gabriel?”

“Eu conheço alguns Gabrieis.” Ela tirou os óculos e colocou em


cima da mesa.

“Minha irmã estava trabalhando com ele, para trazer algumas


crianças para você.”

“Ah, você quer dizer Gabriel Lucas. Então aquela jovem adorável
que ele trouxe... Aquela é sua irmã?”

“Você a conheceu?”

“Sim, mas não a vejo há um tempo. Ela terminou seu período de


voluntariado?”

“Não. A minha irmã...ela morreu no ataque do Shopping


Kilimani.”

Leylah Attar
“Oh.” Josephine deu a volta e me deu um abraço. “Sinto muito
por isso. Que coisa terrível para acontecer com uma alma tão bonita.”

“Obrigada.” Eu fiquei em seus braços um pouco mais de tempo.


Algumas pessoas têm a incrível capacidade de acalmar e confortar.
Josephine Montati era uma delas.

“Eu esperava que você pudesse me dizer alguma coisa sobre o


Gabriel,” eu continuei, quando ela deu um passo para trás. “A irmã dele
e a filha não ouvem dele há um tempo.”

“Bem, vamos ver....” Josephine colocou seus óculos de novo e


andou até o registro. “Ele esteve aqui da última vez em Junho. Não o vi
desde então. Eu imaginei que ele estava ocupado construindo sua casa
em Wanza.”

“Ele tem uma casa em Wanza?”

“É o que ele disse – que ele estava se mudando para a filha


poder ir na escola aqui. Ele não quer que ela fique no orfanato. Ele sabe
como é aqui. Ele trouxe vinte e quatro crianças ao todo. Através dos
anos, lógico. Não todas de uma vez, como você.” Ela riu. “Bom homem,
aquele Gabriel. Coração de ouro. Ele está muito na estrada, mas não
estou surpresa que ele não tenha estado em contato com sua família.
Vou lhe dar uma boa lavada da próxima vez que o ver.”

Eu encostei na cadeira, aliviada. Gabriel era uma cara bom. Ele


tinha entregado as crianças no orfanato, como ele tinha prometido aos
pais. Ele não tinha enganado a minha irmã. Na verdade, ele tinha
trazido ela aqui, também. Mas onde diabos ele estava?

“Eu poderia usar seu telefone?” perguntei a Josephine.

“Sim, lógico. Vou levar as crianças à sala de jantar. Venha nos


encontrar quando terminar.”

“Obrigada,” eu disse, conforme ela fechou a porta atrás dela.

Peguei o telefone e coloquei para baixo de novo. Minhas mãos


estavam tremendo. Eu me sentia como uma pilha alta de tijolos,

Leylah Attar
empilhados aleatoriamente um em cima do outro. Uma cutucada e eu
iria desmoronar. Eu tinha me segurado todo esse tempo, mas sentada
em uma sala vazia, sozinha com meus pensamentos, eu estava
começando a desmontar.

Os últimos dois dias tinham sido uma montanha russa de


emoções: o incrível ponto alto de fazer amor com Jack, o encontro
inesperado com Olonana, ver treze crianças se materializarem na névoa,
a enorme responsabilidade de leva-las à segurança, a emoção de correr
mais rápido que nossos perseguidores, o gosto horrível, amargo de ter
que deixar Jack para trás, Bahati olhando para mim do outro lado do
vagão...

E lá estava eu, no escritório de Josephine Montati, olhando os


arranhões na sua mesa, prestes a ligar para Goma e lhe dizer que não
sabia onde seu neto estava. O único membro vivo da sua família.

“Alô,” ela respondeu irritada quando finalmente disquei o


número.

“Goma? Sou eu. Rodel.”

“Rodel.” Ela riu. “Acredito que Jack esteja muito irritado para
falar comigo.”

“Não, ele está...” desaparecido. Mas não consegui dizer isso. “Por
que Jack estaria irritado com você?”

“Por não mandar Scholastica com Bahati. Está tudo bem? Você
parece...desligada. Não me diga que ainda está esperando por Bahati.
Aquele garoto amarelou de..."

“Não, Bahati... ele veio nos pegar. É só que... é só que..."

“Desembucha, garota. Meu DVD de zumba está rolando.”

“Goma, eu não sei onde eles estão.”

“Onde quem está?”

“Jack e Bahati.” Eu expliquei o que tinha acontecido – da hora


que Jack e eu saímos de Magesa e cruzamos o caminho com Olonana,

Leylah Attar
até como Jack, Bahati e eu nos separamos. Quando eu terminei,
esperei a resposta de Goma. A linha permaneceu em silêncio.

“Goma?” Merda. Talvez eu não devesse ter ligado.

“Estou aqui. Só estou tendo pensamentos felizes. Meu querido


Sam sempre fazia isso quando tinha um problema. ‘Pensamentos
felizes’, ele costumava dizer. ‘Pensamentos felizes’. Então agora, estou
pensando quanto eu gostaria de enfiar aquele bastardo do K.K. na
traseira do meu Jeep e leva-lo para o mato. Ninguém encosta a mão no
meu neto e se safa disso. Não enquanto meus pulmões ainda
respirarem fogo. Vou torrar o rabo dele. É melhor ele rezar para nada de
ruim acontecer com Jack ou Bahati. Você e as crianças estão bem?”

“Estamos bem. Estava pensando se você podia entrar em


contato com o inspetor Hamisi. Talvez ele conheça alguém na delegacia
aqui que possa mandar uma equipe de busca.”

“Oh, não se preocupe. Vou mobilizar todos eles. Assim que eu


desligar o telefone. E daí vou pegar meu carro e seguir direto para
Wanza. Você apenas aguente firme. Vamos pegar nossos garotos, me
ouviu? Nem que eu tenha que virar cada pedra eu mesma.”

Eu achei que ela ia desmoronar, mas ela tinha levantado como


um dragão, garras expostas, pronta para dilacerar seus inimigos em
pedaços. Sua reação me levantou. Acendeu um incêndio de esperança
dentro de mim.

“Sim, Goma,” eu respondi. “Vamos pegar nossos garotos.” Por


um segundo, eu pensei se ela era realmente tão forte, ou se ela iria
sentar com a cabeça baixa depois, olhando as veias retorcidas nas
costas das suas mãos, pensando como elas iriam encontrar forças para
deixar flores em outro túmulo, se acabasse assim.

Desliguei e saí do escritório. Do lado de fora, crianças ainda


estavam brincando no quintal. Aquelas que tinham me acompanhado
estavam na sala de jantar esperando para serem arrumadas com seus
uniformes. Algumas delas me levaram para uma caixa de papelão que

Leylah Attar
tinha sido arrumada como mesa, com pedaços quadrados de jornal
como jogo americano. Eu sentei em um banco enquanto eles fingiam me
servir chá em uma xícara em miniatura.

“Asante.” Dei um gole e fingi queimar minha língua, abanando


minha boca.

“Moto sana! Muito quente!” elas deram risada, me dando comida


invisível.

Uma sombra nos cobriu conforme eu ofereci uma xícara para a


boneca de palha sentada na minha frente.

“Eu me viro por dois segundos e você está no meio de uma festa
de chá.”

Minha respiração parou no meio. A voz dele era como bálsamo


no meu coração partido.

“Jack! Jack!” as crianças se juntaram em volta dele.

“Você está atrasado,” eu disse, tentando deter a onda de


lágrimas nos meus olhos. Seu braço estava enfaixado em um tecido
sujo, a barba grossa com sangue parado, os lábios rachados e inchados.
Ele ficou parado como uma tábua, coberto de terra e farrapos,
parecendo como se seus músculos tivessem aumentado.

Eu nunca tinha visto um homem mais bonito que ele.

Eu teria corrido para ele, enrolado meus braços em volta dele,


mas meus circuitos estavam tão sobrecarregados com alívio, que eu só
fiquei ali sentada, segurando uma miniatura de xícara de chá.

“Minha namorada me dispensou,” ele respondeu, pegando o


banquinho de criança na minha frente, e colocando a boneca no colo.
Ele estava dizendo uma coisa, mas seus olhos diziam outra.

Você está bem

Você conseguiu. Deus, deixe-me apenas olhar para você.

Leylah Attar
E então nós sentamos ali, olhando um para o outro através de
uma caixa de papelão de cabeça para baixo, conforme as crianças
vinham em volta de nós. Ele soltou meus dedos da pequena xícara que
eu estava segurando e fingiu encher duas xícaras em miniatura com
ela. Peguei a minha, ele pegou a dele, e nós a tocamos em um brinde
silencioso.

Nós fingimos comer e beber. O ar vibrava entre nós, pesado com


palavras que não podíamos falar.

“Eu pensei... eu pensei que você...” uma lágrima pulou como


uma gota de chuva na caixa de papelão.

“Shh. Você está aqui. Eu estou aqui. Tudo está exatamente como
deveria estar.”

“Jack, o Bahati..."

“Ele está bem. Está no carro, lá fora. Estamos bem.” Ele


levantou, desdobrando suas longas pernas e esticou seus braços.
“Venha aqui, querida.” Sua voz era cheia de saudade.

Jack Danado Warden. Ele tinha sobrevivido. E Bahati tinha


conseguido também.

Eu enfiei minha cara em seu peito, talvez entusiasmada demais,


porque ele se encolheu sob a respiração.

“Desculpe. Estou te machu..."

“Fique quieta, Rodel.” Ele procurou meus lábios, seu beijo


cantando pelas minha veias.

Meus braços enrolaram em volta do seu pescoço enquanto eu


derretia contra ele. Eu queria curar as linhas rachadas dos seus lábios
com os beijos mais suaves, lamber todas as partes tenras, machucadas
dele. Eu queria ama-lo como se ele fosse meu.

“Senhorita Emerson?” eu afastei minha boca e encontrei


Josephine Montati nos observando com uma sobrancelha levantada.

Leylah Attar
“Desculpe.” Eu sorri envergonhada para ela. As crianças
estavam nos observando fascinadas. “Meus amigos conseguiram. Os
dois. Estou tão feliz!”

“Posso ver isso. Fico feliz que você está bem,” ela disse ao Jack.

“Nós já vamos preencher a papelada.” Eu indiquei com a cabeça


para a pilha de formulários que ela estava segurando. “Você poderia nos
dar uns minutos?”

“Lógico. Estarei no meu escritório.”

“Nós?” Jack disse, depois que ela saiu. “Eu gosto como você me
arrastou dentro disso. Não tenha certeza que a minha caligrafia dá para
preencher formulários.” Ele flexionou os nós dos dedos
ensanguentados.

“Bem, não vou deixar você sair da minha vista. Mas, primeiro
quero ver Bahati. E quero saber exatamente o que aconteceu.”

“O que aconteceu foi que K.K. e seu capanga me bateram


muito.” Ele alcançou a minha mão conforme os guardas abriram o
portão para nós.

“Sim. Eu estava lá nessa parte,” eu respondi, pensando quão


ridiculamente feliz minha mão estava, segurando a dele. E meu
coração. “Vamos às coisas boas. Você sabe, quando você bateu nas
bundas deles.”

“Não foi exatamente assim que aconteceu.” Ele riu. “Então, lá


estou eu, deitado de costas, certo que estou acabado quando eles
começam a discutir. K.K. fica louco porque ele disse para o outro cara
parar o maquinista, mas agora o trem está indo e as crianças ainda
estão nele. O outro cara está berrando que ele voltou para salvar a pele
de K.K. quando ele viu que eu estava levantando a mão. Então K.K. fala
que ele não precisa da ajuda de ninguém, e que isso é desrespeito a ele.

“Enquanto isso, estou no chão perto do carro de Bahati. A porta


está aberta de quando eles o arrastaram para fora, e o que eu vejo? A

Leylah Attar
bolsa de Bahati – a que ele usa quando coloca toda sua indumentária
de Maasai no Grand Tulip. Está derrubada no chão, sua lança saindo.
Então, enquanto K.K. e seu amigo estão brigando eu estou indo devagar
em direção a ela.

“O resto aconteceu tão rápido. É tudo um borrão. Eu acertei seu


amigo antes, dei a volta com a lança e cortei a perna dele. Então fui até
K.K., mas ele é pequeno e rápido e perverso. Ele ficava se esquivando
dos meus golpes, esperando eu cansar. Ele sabia que eu não ia durar.
Não com um braço machucado. Quanto mais tempo eu desperdiçava,
mais longe você ficava. Então encurralei K.K. para a traseira da van
dele. Amarrei ele e seu comparsa, costas com costas. Eu os tranquei lá,
onde eles tinham mantido as crianças. Sem ar, sem janelas, sem luz.
Ele riu quando eu estava saindo. Idiotinha assustador. Ele disse que
gostava da ironia daquilo.”

“Ele me dá arrepios,” eu disse. “Nós temos que contar para a


polícia onde encontra-los. O que me lembra – temos que ligar para
Goma. Ela está reunindo um equipe de busca..." eu parei quando vi o
carro. “Oh, meu Deus, você conseguiu dirigir a Suzi até aqui?”

Ela estava amassada, empoeirada. O para-choques estava torto,


um farol pendurado, o outro quebrado.

“Ro, é você?” eu ouvi um choramingo de dentro do carro.

Ro. Ele me chamou de Ro. Eu ri como uma idiota. Ele me


considerava sua amiga. “Bahati?”

Ele estava deitado no banco de trás, embrulhado em um


cobertor metálico, brilhante de emergência, como uma batata pronta
para ser colocada no forno.

“Você está bem?”

“Meu olho está inchado.” Ele olhou para mim com o outro. “Você
não acha que isso seja permanente, né? Eu vivo desse rosto. E estou
com muito frio. Acho que posso precisar de uma troca de joelhos. Tudo

Leylah Attar
dói. Mal posso me mexer, mas estou tão feliz em ver você. Oww," ele
gemeu, tentando se virar para o outro lado.

Dei um olhar preocupado ao Jack, mas ele rolou os olhos.

“Tenho certeza que podemos pedir a alguém do orfanato para te


dar alguma coisa para dor,” ele disse. “Até chegarmos a um médico.
Você quer entrar?”

“Não acho que consigo levantar.”

“Comida?” eu tentei. “Você está com fome?”

“Não. Não acho que possa comer. Meu maxilar está machucado.
Meu nariz sangrando. Não sinto o gosto de nada e tenho esse corte
aqui.” ele mostrou a língua para mim.

“As crianças estão todas esperando você. A equipe também. Você


é um herói, Bahati,” Jack disse, “Eles querem tirar fotos com você.”

“Querem?” Bahati colocou a língua para dentro.

“Sim. Mas não se preocupe. Vou lhes dizer que você não está
com ânimo para isso. Venha, Rodel.”

“Espere.” Houve um farfalhar alto conforme Bahati tirou o


cobertor. “Talvez eu possa dar uma chegada um pouquinho.”

“Tem certeza? Você está em um péssimo estado, cara.”

“Eu sei, mas não quero desaponta-los.”

“Certo. Venha então.” Jack segurou a porta aberta e esticou a


mão.

“Não. Assim não. Me passe a minha mala. Vou com as minhas


roupas Maasai.”

“Você não está falando sério.”

Mas Bahati insistiu, então viramos nossos rostos e ignoramos os


barulhos e queixas conforme ele se trocava no carro.

“Então como você o encontrou?” perguntei ao Jack.

Leylah Attar
“Eu pulei dentro da Suzi, tentando alcançar você, e achei o resto
do trem, desligado do carro central. Achei que tinham pego você. Deus,
Rodel, eu meio que fiquei perdido. Eu escolhi um trilho e estava
seguindo naquela direção quando ouvi alguma coisa. Eu segui o som
até que cheguei em dois tufos de grama. Era Bahati. Espirrando. Ele
tinha pulado do trem e se coberto com a poeira para escapar dos
homens que ele achava que ainda estavam procurando-o. Não foi até ele
me dizer que você tinha conseguido fugir que eu pude respirar de novo.”

“Eu estava tão preocupada com você.” Segurei o rosto dele na


minha mão.

“E eu?” Bahati falou de dentro do carro.

“Você também.” Dei risada, deixando minha mão cair. “Estou tão
aliviada que conseguiu escapar daqueles homens.”

“Foi uma camuflagem muito inteligente. Vocês acham que as


crianças vão querer ver isso? Eu tenho uma lembrança.” Bahati
levantou um ramo de grama arrancada.

“Aqui. Deixe-me pegar isso para você.” Jack pegou e ajudou


Bahati a sair. Nós o seguramos conforme ele mancava até o portão.

“Nome?” perguntou um dos guardas. Ele já tinha eu e o Jack na


sua lista.

“Meu nome é Bahati. Bem, esse não é meu nome verdadeiro. É


meu apelido. Ou melhor, uma parte do meu apelido. Eu nunca recebi
realmente meu nome de guerreiro, mas sou um guerreiro de verdade
agora. Eu salvei meu pai. Ele é o chefe. E salvei as crianças e a Ro aqui.
Fui convidado a entrar, então abra os portões. Eles estão me
esperando!” ele levantou sua lança quando disse isso, fazendo toda uma
encenação.

O guarda rapidamente a confiscou e o deixou lá em pé, com seu


punho levantado. Jack colocou o tufo de grama amarelando na mão
dele, e nós esperamos solenemente enquanto o guarda olhava de mim,

Leylah Attar
para Bahati, para Jack. Passaram-se segundos antes dele balançar a
cabeça e ligar para o escritório.

“A senhorita Josephine disse que vocês podem entrar.” Ele


destrancou os portões e ficou de lado.

“Viu?” Bahati balançou a grama para ele conforme mancava


passando. As crianças o cercaram quando ele entrou, animadas como
se estivessem encontrado um velho amigo. As costas de Bahati se
endireitaram, os olhos brilharam e de repente, ele não precisava que
nós o segurássemos mais.

“Acho que estamos bem por um tempo,” disse Jack, me levando


para o escritório onde Josephine estava nos esperando. Ele ligou para
Goma enquanto preenchíamos a papelada. Eu podia imaginar o alívio e
o xingamento, a risada e as ameaças do outro lado da linha.

“Como está Scholastica?” Jack perguntou. “Alguma atualização


do inspetor Hamisi sobre o pai dela?” ele ficou quieto por um tempo.
“Ok. Não. Você fique aí. Vejo vocês em breve.”

Dei um olhar questionador a ele depois que desligou.

“Nada do Gabriel ainda,” ele disse.

“Eu já falei com Josephine sobre ele.” Com a permissão dela,


mostrei ao Jack o registro e todas as entradas de Gabriel.

“Ele é legítimo,” disse Jack, passando pelas páginas.

“Gabriel?” Josephine levantou as sobrancelhas na hora.


“Totalmente. Você tinha dúvidas?”

“Eu não sabia o que pensar dele. Então agora a pergunta é, onde
o encontramos? Sua irmã está preocupada, e sua filha está ansiosa
para se encontrar com ele.”

“Como eu disse a Rodel, ele está construindo uma casa em


Wanza. Vocês podem querer acompanhar isso.”

“Acho que acabei aqui.” Passei a pilha de papéis pela mesa de


Josephine. Treze crianças, um zilhão de formulários. “Eu os completei o

Leylah Attar
melhor que pude, mas tem muita coisa faltando. Datas de nascimento,
local de nascimento, nome da mãe, nome do pai...”

“Não há nada que possa ser feito. Tentaremos completar.”


Josephine caminhou conosco até o quintal, onde Bahati está
reencenado como ele tinha pulado entre os vagões. Foi mais um pulo,
dado seu joelho ruim, mas as crianças pareciam devidamente
impressionadas.

“Vocês devem comer alguma coisa antes de ir,” ela disse.

“Comer?” Bahati virou. “E as fotos?”

“É uma ideia esplêndida. Adoraria tirar algumas fotos de vocês


com todas as crianças que trouxeram.” Josephine nos conduziu pelo
portão de trás e foi pegar a câmera.

O lago nos cercava, pontilhado de flores roxas flutuando em


telas de folhas verdes. Pedregulhos se espalhavam na água, algumas
balançando precariamente com outras, como se colocadas juntas por
gigantes brincando com pedras. Nos alinhamos contra a margem, os
dezesseis, colocados juntos como linhas aleatórias em uma tapeçaria,
para nos encontrarmos nessa junção, para um grande e brilhante flash
da câmera.

“Outra!” disse Bahati, mudando de pose.

Eu sentia o calor do braço de Jack em volta da minha cintura


enquanto sorriamos para as lentes. Ele virou e me beijou conforme o
flash escapou.

“Vou lavar seu cabelo quando estivermos sozinhos,” sussurrei.

“Não é fã do visual indomado, arrumado pelo vento?”

“Apenas retribuindo o favor. E você está errado. Acho sexy como


pra caramba – mal posso esperar para correr meus dedos nele.”

Jack se engasgou. Ele na verdade balbuciou. “Você deveria...” ele


tossiu para pegar ar. “Você deveria dirigir trens com mais frequência.
Eles parecem ter um efeito libertador em você.”

Leylah Attar
“É?” fiquei nas pontas dos pés para poder falar no ouvido dele.
“Posso pensar em algumas outras coisas que eu prefiro dirigir.”

Tenho certeza que a próxima foto o pegou com a boca aberta.

“Você está gostando disso, né?” ele disse pelos dentes.

“Pense nisso como um acerto de contas por jogar duro comigo e


então desaparecer.” Eu sorri para a câmera.

“Sabe, dois podem jogar esse jogo.” A voz dele ficou mais baixa
assim quando seus cinco dedos correram pela minha nuca. Ele segurou
meu cabelo, e puxou me segurando imóvel. “Diga x, Rodel.”

Quando o próximo flash disparou, eu estava me contorcendo.

“Qual o problema?” ele provocou, conforme traçava uma linha


comprida, sensual pelas minhas costas, da nuca até a cintura. “Seu
jardim inglês não sabe lidar com o calor tropical?”

"Obrigada. Isso deve servir," Disse Josephine, terminando.

Oh, graças a Deus. Eu pulei longe do Jack, pensando que isso


deve ser exatamente como você se sente quando tem um espartilho
aberto no final do dia.

“É hora de entrarmos, crianças,” disse Josephine. “Digam adeus


para seus amigos.”

Minha garganta fechou conforme eles me abraçaram, um a um.

“Kwaheri,” eles diziam. “Asante”

Eu beijei suas bochechas brancas como a neve e me segurei


neles, sabendo que esse era apenas o começo. Eles ainda tinham um
caminho bem longo a seguir.

Por favor, mundo, seja gentil com eles, eu pensava. Senão,


apenas deixe-os.

Fiquei de lado conforme Jack e Bahati se despediam. Alguma


coisa sussurrou nas árvores em volta de nós, mandando brilhos de um
sol se pondo através das folhas. Caminhei até a pequena beirada da

Leylah Attar
margem e abri minha mochila. Puxei uma respiração profunda e peguei
um caderno deixando-o abrir na página que eu tinha guardado os Post-
its da minha irmã.

Era hora de me despedir.

O lago estava calmo como um espelho, refletindo as nuvens


brancas como anjos contra o céu azul. Era difícil dizer onde um
acabava e o outro começava.

É o cenário perfeito, Mo. Livre e infinito.

Segurei os três papéis e li o primeiro silenciosamente: 17 de


julho – Juma (Baraka)

Então o abaixei na água e deixei ir.

Adeus Juma. Desculpe não chegarmos a tempo.

Eu sorri quando olhei para o próximo: 29 de agosto – Susumi


(Maymosi)

Adeus Susumi. Continue fazendo rap. Não os deixe silenciar você.

Alisei o último e fui pega por um surto de emoção: 1° de


setembro – Furaha (Magesa)

Adeus, Furaha. Nós nunca nos encontraremos porque você já


tinha partido com sua família quando chegamos lá. E você nunca saberá,
por sua causa, muitas vidas foram salvas. Viemos por você e
encontramos os outros. Onde quer que você esteja, espero que esteja
bem. Espero que esteja feliz.

Sentei e observei os três pedaços de papel amarelo flutuarem


para longe de mim. Eles boiavam gentilmente na água, fazendo ondas
em círculos cada vez maiores até desaparecerem, como ecos em um
vasto vale.

Adeus, Mo. As lágrimas gradualmente acharam seu caminho


pelo meu rosto.

Leylah Attar
Uma brisa eriçou a grama. Flores despregaram devagar, como
braços de corais acenando com uma leve onda. Eu coloquei a mochila
nas costas e comecei a caminhar. Então parei e virei, eu tinha deixado
meu caderno para trás. Conforme me abaixei para pega-lo, uma onda
quebrou na borda e respingou em mim.

Eu puxei a respiração com o choque da água gelada na minha


pele quente do sol.

De onde isso veio? O lago está tão calmo.

E ainda assim estava em cima de mim toda – meus braços, meu


cabelo, meu rosto.

“Olhe para você,” disse Jack, quando me juntei a ele e Bahati. As


crianças tinham voltado para dentro e os dois estavam me esperando.
“Parece que você acabou de tomar um banho de purpurina.”

“Purpurina..." eu parei e estiquei os braços. Gotas de água


agarraram na minha pele como pequenas faíscas de prata. “Oh, meu
Deus.” Eu dei risada. Alegria inundou meu coração conforme eu olhei
de volta para a água.

“O que foi?” perguntou Jack.

“Minha irmã. Ela encheu uma bexiga com purpurina e deixou no


meu armário. Ela estourou e eu fiquei parecendo uma bola de discoteca
por dias. Eu acho que ela acabou de se despedir.”

Jack e Bahati trocaram um olhar confuso.

“Deixa pra lá.” Eu sorri. “Estou feliz! Estou tão feliz que poderia
esguichar em vocês dois.” Beijei cada um deles na bochecha.

“Acho que não.” Jack grunhiu e me puxou de volta, querendo


meus lábios. Meus sentidos rodopiaram e derraparam. Meus braços
deram a volta em seu pescoço conforme ele me levantava nos braços.

“Oh,” disse Bahati, apontando para mim, então para e Jack.


“Ohhh.” Ele foi para trás com um grande sorriso no rosto.

Leylah Attar
“Acho que deixamos Bahati sem palavras,” disse Jack, quando
ele saiu.

“Me coloque para baixo, Jack.” Meus pés ainda estavam


pendurados.

“Não.”

“Não?”

“Você precisa ser punida por ficar me provocando naquela foto


em grupo.”

“Jack, não!” eu gritei quando ele me colocou sobre o ombro. “Eu


vou morder! Vou morder seu braço machucado!”

“Oh, baby.” Ele riu. “Eu amo quando você é indecente.”

Leylah Attar
EU ENTREI NO chuveiro e fechei os olhos conforme a água caía
sobre mim. Rios de vapor caíam pelo meu rosto, meu cabelo, minhas
costas, dissolvendo a sujeira e poeira dos últimos dias. Eu inalei
profundamente, sentindo o cheiro do sabonete fino, branco do hotel. Eu
nunca iria subestimar os pequenos luxos da vida de novo.

Senti um sopro de ar gelado conforme o box abriu.

“Você está de volta.” Sorri quando Jack ficou parado lá, seus
olhos correndo pelo meu corpo nu como um carinho quente.

“Você começou sem mim.” Ele entrou no chuveiro, ignorando


completamente o fato que estava totalmente vestido. Um braço muito
grande, masculino envolveu minha cintura conforme ele me beijava, me
levantando do chão.

Água quente, sabonete, e a seleção especial de beijos de Jack –


do tipo que tiram seu chão.

Eu poderia passar meu dia inteiro aqui.

“Suas roupas estão todas molhadas,” eu disse, quando ele me


colocou no chão.

“Eu não planejo coloca-las de novo.” ele se desfez de sua


camiseta empoeirada e esfarrapada e chutou a cueca para o canto.

A visão dele em pé ali nu em toda sua glória me deu um ataque


embriagador até que vi os vergões roxos no seu corpo.

“Oh, Deus.” Eu tracei um que corria no seu peito.

Leylah Attar
“Não é nada.” ele disse. “Parece pior do que é.” Ele chegou mais
perto, mantendo o braço para fora da água. “Eles me falaram para
manter seco.” Ele gesticulou para a gaze em volta do corte.

“E é isso? O resto está bem?”

“Você gostaria de checar?” meu pulso aumentou conforme ele


me puxou forte contra ele e mordeu meu pescoço. Eu engoli conforme a
impressão pesada de seu desejo reacendeu as memórias da nossa tarde
na barraca.

“Rodel.” Ele segurou meu pescoço.

Rodelle. Isso me fazia sentir como a mulher mais sexy viva.

“Nós fomos impulsivos,” ele disse, seus olhos me definindo.


“Fomos levados pelo momento. Eu deveria ter sido mais cuidadoso. Eu
deveria ter..."

“Shhh. Nós estávamos no meio do nada, e não é como se você


carregasse preservativos na sua carteira. Além disso, acabei meu ciclo
alguns dias atrás antes de partirmos para Wanza, então as chances de
eu estar grávida são muito pequenas.”

Ele soltou uma respiração profunda e apoiou a testa na minha.


“Isso é um alívio. Mesmo assim... por uma pequeno momento egoísta,
quando considerei a possibilidade, fiquei inacreditavelmente feliz.”

Eu engoli, pensando quanto ele tinha amado Lily, e como eu


podia vê-lo como um pai incrível. Mas eu ia embora em poucos dias, a
tempo para o começo do ano letivo, e era tão doloroso considerar todas
as possibilidades que podiam ter aflorado em Jack.

O vapor nos envolveu conforme esfregamos um ao outro em


silêncio, pele com pele – se maravilhando, memorizando, cuidando. Os
cílios de Jack, grossos com água; suas coxas fortes; a maneira como
seus músculos ondulavam quando se mexia; as pontas do seu cabelo
enroladas com espuma.

Leylah Attar
Ele enrolou uma toalha na cintura, me embrulhou em outra, e
me carregou para a cama. O quarto era gasto e vazio, as cortinas
puídas na beirada, mas suspirei com um contentamento cansado.

“Um banho quente, lençóis macios, um colchão de verdade. Pura


benção.” Eu sentei na beirada da cama conforme Jack esfregou meu
cabelo para secar.

“Posso pensar em algumas coisas que gostaria de colocar nessa


lista.” Ele pegou uma sacola de compras que estava na mesa de
cabeceira e colocou no meu colo.

“O que é isso?” eu inspecionei a sacola e encontrei uma pomada


antibiótica para o seu corte, um pente, pasta de dente, goma de mascar,
creme, e.... um pacote de preservativos.

“Eu quis dizer isso.” Ele ajoelhou na minha frente, mexeu na


sacola e pegou o creme. “Deite-se,” ele sussurrou no meu ouvido. “De
barriga para baixo.”

Minha pele formigou conforme ele tirou a toalha em volta de


mim e começou a amassar meus músculos doloridos em círculos lentos
– meus pés, minhas panturrilhas, as costas dos meus joelhos.

“Mmm.” Eu me aconcheguei mais no travesseiro. Eu estava mais


exausta do que pensava. Não dormia há anos, mas lutava contra a
necessidade de fechar meus olhos. “A polícia pegou o K.K.?”

“Não. A van tinha ido embora quando eles chegaram lá. Eles
acham que os dois homens que vieram atrás de você no trem o acharam
e o pegaram.”

Uma sensação desconfortável se instalou na boca do meu


estômago. A ideia de K.K. correndo solto era perturbadora. “Como está
Bahati?” eu perguntei. “Ele vai ficar bem?”

“Ele está bem. Nada quebrado.” Jack foi das minhas pernas para
as costas. Eu estava derretendo sob seus movimentos firmes, sensuais.

Leylah Attar
“Alguns dos jornalistas ouviram sobre a história e queriam uma
entrevista. Ele está na sala de reunião com eles. Luzes, câmera e ação.”

“Isso é ótimo.” Eu ri. “E Gabriel? Alguma coisa dele?”

“Eu localizei o empreiteiro que está trabalhando na casa dele.”


Jack colocou mais creme na mão antes de esfregar meus ombros. “A
construção parou porque Gabriel não o pagou para a próxima fase. Eu
disse a ele para me contatar assim que souber dele. Gabriel colocou
muito dinheiro nessa propriedade. Ele não vai simplesmente
abandonar.”

Perdi minha linha de raciocínio porque Jack estava


massageando meu pescoço, para cima e para baixo. Eu era como um
pêndulo balançando entre dois estados – de relaxamento a estímulo, e
de volta. Conforme seus dedos trabalhavam nos nós sob a minha pele,
meus olhos fecharam.

“Jack,” eu murmurei, “se você não parar agora, eu vou dormir.”

“Então faça isso. Apenas deixe-se divagar. Você não dorme há


anos.”

“Mas o tempo... eu quero aproveitar o máximo dele.” Eu me virei


e olhei para ele.

Alguma coisa nublou sua expressão antes dele a afastar. “Não


quero pensar nisso. Não agora. Agora, eu só quero aproveitar isso. Essa
sensação. Sua pele. Seu cabelo no travesseiro. Seus olhos castanhos
com sono.”

Coloquei meus braços em volta do seu pescoço porque não


suportava a distância. “Você faz uma coisa para mim?”

“Qualquer coisa.” Sua respiração estava quente contra meu


rosto. Eu não podia evitar seus lábios.

“Você me deixaria escovar seus cabelos?”

Ele deu risada, mas parou quando viu minha expressão. “Você
está falando sério?”

Leylah Attar
“Sente.” Eu bati na beirada da cama e escapei dele para me
ajoelhar atrás dele. Peguei o pente e corri pelo seu cabelo molhado, até
o ombro em movimentos suaves, devagar. Ele sentou rígido e ereto, não
acostumado a ser cuidado. Ele pode ter tido um barbeiro, mas era
diferente, e eu duvidava que ele tenha cortado o cabelo desde que Lily
morreu.

Depois de um tempo, seus ombros relaxaram. Eu continuei


escovando suas mexas grossas, morenas, da raiz às pontas, gentilmente
desembaraçando seu cabelo. Sua cabeça inclinou para trás, e eu sorri
porque seus olhos estavam fechados. Toda vez que os dentes do pente
passavam por cima de um ponto na sua nuca, ele ronronava e
reclinava.

“Isso é bom.”

O quarto ficou suave conforme os últimos raios de sol passavam


pela cortina. A luz acalorada batia no rosto de Jack, suavizando a
rigidez, dando destaques à sua barba. Ele se rendeu a mim, à
suavidade do ato, a intimidade disso.

Quando terminei, ele puxou o lençol sobre nós e puxou meu


corpo apertado ao seu. Caímos no sono, pelados e entrelaçados, sem
necessidade de palavras, ou beijos, exaustos demais para pensar na
despedida pairando sobre nossas cabeças.

Leylah Attar
EU ME MEXI DEPOIS do amanhecer, quando os ônibus da
manhã se transformaram em um desfile de paradas abruptas na frente
do hotel. Jack estava deitado de lado, uma mão embaixo do travesseiro,
me observando através de olhos preguiçosos.

“Bom dia,” eu sorri. Seu cabelo parecia diferente, provavelmente


porque ele tinha pego no sono com ele todo penteado e um pouco
úmido. Ele tinha ido todo para um lado, fazendo-o parecer um modelo
para propaganda de shampoo. Grosso, brilhante, volumoso o dia todo.
Meu sorriso aumentou. “Você estava me vendo dormir?”

“Eu estava olhando as estrelas.” Ele traçou a curva do meu nariz


com o dedo.

Era muito bonita, como ele parecia como todos os lugares que eu
queria ir. Seus braços se encaixavam perfeitamente em volta de mim,
como se eles tivessem sido moldados por um escultor, só para mim.

“O que foi?” ele perguntou, enganchando sua perna em volta da


minha, conforme eu o contemplava.

“Quando olho para seu rosto...esse rosto...” eu passei meu


polegar sobre a luz fraca refletindo em seu maxilar. “Eu sinto como se
aqui fosse exatamente onde eu deveria estar.”

Nós começamos devagar – um pouco bêbados, um pouco tontos


– dando goles de mel nos lábios coloridos. O mundo girou ao nosso
redor – buzinas de bicicletas e entregadores de jornal, alheios que
estávamos colocando fogo no quarto.

Leylah Attar
Jack tirava o ar dos meus pulmões. Ele arrastou seus lábios pelo
meu quadril, experimentou minhas curvas, me ensinou o tom do prazer
até eu estar intoxicada dele. E no calor dos suspiros elétricos, quando
nossos corpos estavam derretidos e nossos ossos dissolvidos, parecia
que tínhamos sido feitos do mesmo grupo de estrelas. Nós nos
agarramos um ao outro e mergulhamos no sono doce dos amantes,
vagando entre acordados e sonhando.

Quando Bahati nos ligou para saber se estávamos prontos para


ir, nos distraímos de novo, até que ele começou a bater na porta. A
camareira entrou assim que abrimos a porta. Já tinha passado há
muito tempo o horário de check-out.

“Coca-Cola para você. Café para você.” Bahati se endireitou e


nos deu nossas bebidas. “Eu imaginei que vocês não se importaram em
tomar café essa manhã. Nem dormir muito, huh?” ele examinou nossas
caras e riu. “É um longo caminho de volta, mas prefiro eu mesmo
dirigir,” ele disse a Jack. “Não quero você caindo no sono na direção.
Vou ter a minha foto nos jornais amanhã. As coisas estão finalmente
olhando para mim. Não quero morrer porque você e Ro foram como
macacos a noite toda. Quero dizer, é ótimo e tal, mas acabei de
consertar a Suzi o melhor que pude. Um pouco mais de trabalho
quando voltarmos e então tudo que terei que fazer é colocar os assentos
novos de couro que você prometeu. Você quer ver as amostras? Eles
tem de pele de crocodilo também. Acredita? É um pouco nodoso. Então
eu disse a eles...”

Era um longo caminho de volta, mas eu divaguei no banco de


trás enquanto Bahati não parava de falar. Partes de mim que eu nem
sabia que existiam estavam doloridas, mas divinamente doloridas. De
vez em quando, Jack olhava para mim do banco do passageiro. Nós
tínhamos uma linguagem secreta, estrofes inteiras escondidas nos
nossos olhos.

Conforme passamos por Magesa, a noite começou a aparecer.


Jack guiou Bahati ao lugar onde nosso carro tinha quebrado. Ele ainda

Leylah Attar
estava lá, sozinho e empoeirado. Tínhamos pego as peças em Wanza, e
o chão estava finalmente seco, mas levou um tempo para arrumar.
Quando voltamos para a estrada, a lua estava alta e os faróis de Bahati
balançavam atrás de nós, o caminho todo de volta para o estado de
Kaburi.

“Você acha que elas estão acordadas?” eu perguntei ao Jack


quando passamos pelos pilares de pedra no portão. Goma tinha pedido
um horário estimado de chegada.

“Espero que não. Está quase amanhecendo.” Seus olhos


correram pelas plantações de café, avaliando como de costume. A parte
de cima estava ficando rosa prateado conforme a manhã se agitava
além dos picos majestosos de Kilimanjaro.

Bahati estacionou ao nosso lado, e nós saímos, colocando as


mochilas nas costas.

Jack brincou com as chaves antes de balançar a cabeça. “Goma


deixou a porta aberta de novo.”

Bahati deu risada conforme entrei. Era bom colocar minha mala
e sentir o calor do lugar. Me fez perceber quanto a fazenda tinha me
cativado, e quanto eu sentiria falta dela.

“Eu acho que vou..." eu congelei conforme olhei em volta da sala.

Alguma coisa estava errada. Alguma coisa estava muito errada.

Retratos de família caídos destruídos no chão, vidro espalhado


como confete; luminárias viradas, almofadas espalhadas, cortinas
tortas.

“Jack, alguém esteve aqui...” eu parei de falar quando vi ele


pegando uma bandana cheia de sangue.

Ele se endireitou, segurando-a, seu rosto contorcido de raiva.


“K.K.” ele amassou a bandana na mão e virou, correndo pela casa.
“Goma! Scholastica!”

Leylah Attar
Haviam mãos de sangue na porta, sangue no chão, sangue no
corrimão, nas escadas. Em todo lugar.

Um alarme primitivo começou a tocar na minha cabeça. K.K.


tinha visto a carteira de motorista de Jack. Ele sabia seu nome. Ele
sabia onde ele morava. Ele tinha vindo atrás do Jack mas tinha
encontrado Goma e Scholastica no lugar.

Oh Deus. Scholastica. Eu tremi, imaginando o momento que ele a


tinha visto. Ele fazia a vida vendendo crianças como ela. Que melhor
maneira de se vingar de Jack do que roubando-a debaixo do seu teto? E
terminar com sua avó de novo.

Meus ossos ficaram frágeis. Ansiedade tomou conta das minhas


veias conforme procuramos pela casa.

Jack foi pela cozinha e parou. Eu congelei atrás dele, incapaz de


seguir, com medo do que eu veria. Bahati pairava atrás de mim
enquanto o silêncio se alongava.

“Que porra?” Jack xingou e foi para frente, não mais bloqueando
minha visão.

Goma estava em pé lá, parecendo intacta, mexendo uma panela


de leite no fogo. Scholastica estava sentada à mesa. Elas estavam
vestindo muumuus combinando. Era como se tivéssemos acabado de
entrar em um sonho.

“Já era hora de chegarem,” disse Goma, derramando o líquido


quente, espumoso em uma xícara e entregando a Scholastica.
“Querem?” ela acenou a panela na nossa direção.

Balançamos a cabeça e observamos ela colocar o resto e colocar


sua xícara no balcão. “Ah, muito melhor.”

“Você vai nos dizer que diabos está acontecendo aqui?” Jack
perguntou. “O lugar parece que foi saqueado e tem sangue por todo
lado.”

Leylah Attar
Eu caí em uma das cadeiras, meus joelhos ainda fracos do
susto. Jack sentou na minha frente. Bahati abriu a torneira e tomou
três copos de água.

“Aquele bastardo do K.K. se intrometeu aqui, procurando por


você. Ele e seus comparsas. Sarnentos como cachorros abandonados. O
olhar deles quando viram Scholastica. Como se tivessem achado um
pote de ouro. Eles queriam me levar também. Acharam que uma
mulher idosa poderia valer um troco pra você.

“Nós começamos uma briga, mas era inútil. Eu parei K.K.


quando eles estavam nos levando para fora da porta e disse, ‘Hey. Eu
conheço você. Eu te vi na delegacia.’ Ele olhou para mim. E então seu
rosto iluminou. ‘Sim,’ ele disse. ‘Você é a senhora com os óculos loucos
de arco-íris. Eu lembro o que você disse: sobre meu cadáver.’ Isso fez
cócegas nele. Ele riu como um maníaco. Ele queria os óculos, então me
levou para o meu quarto.

“Eu abri meu guarda roupa e peguei o rifle. Acho que nunca vou
esquecer a cara dele quando eu virei e BOOM. O idiota estava no chão,
apertando a perna. Eu estava carregando a arma de novo, quando seus
homens vieram, arrastando Scholastica atrás deles. Eles olharam para
mim, olharam para ele – sangrando no chão aos meus pés e saíram. Eu
os parei no caminho. Não quero lixo na minha casa então os fiz carregar
K.K. para fora. Não sabia dizer se ele estava vivo ou morto. Espero que
ele esteja queimando no inferno enquanto conversamos.” Ela deu um
gole grande no leite e balançou a cabeça. “Acham que podem se meter
com meu neto, entrar na minha casa, e roubar a menina embaixo das
minhas vistas? Idiotas.” Ela limpou seu bigode de leite com as costas da
mão e sentou ao lado de Scholastica.

Ninguém disse uma palavra. Sentamos em volta da mesa, um


pouco chocados e atordoados, enquanto os minutos passavam.

Então Scholastica acabou o leite e bateu a xícara na mesa. As


feições da Mo passaram por ela.

Leylah Attar
“Idiotas,” ela disse, limpando seu bigode de leite com as costas
da mão, como Goma tinha feito.

Eram as primeiras palavras em inglês que eu tinha ouvido dela.


Ela não tinha ideia do que significavam, mas imitou-as, seu rosto
brilhando de orgulho.

Jack levantou, abriu a geladeira, e colocou a cabeça atrás da


porta.

Bahati segurou a risada dando uma tossida.

Eu mordi meu lábio e olhei para minha mão.

“Está certo.” Goma bateu na mão de Scholastica solenemente.


“Sempre fale isso assim.”

EU RELAXEI DENTRO do abraço de Jack e descansei minha


cabeça em seu ombro. Ele encontrou minha mão embaixo do cobertor e
entrelaçou nossos dedos. Sentamos no alpendre sob um céu roxo, no
balanço verde que tinha se tornado nosso lugar favorito. Campos
salpicados pela lua se estendiam à nossa frente. Atrás de nós, o
Kilimanjaro observava silenciosamente, neve brilhando em seus picos
elevados. Insetos noturnos zumbiam, folhas farfalhavam, uma libélula
zuniu e voou longe.

Eu tinha sempre pensado em lar como um lugar, onde você


fincasse raízes, desembalasse sua coleção de canecas com frases,
colocasse todas as estantes que você quisesse, e assistisse a chuva cair
nas suas janelas em tardes cinzas. Mas eu estava percebendo que lar
era uma sensação – de ser, de pertencer – uma sensação que corria nas
minhas veias toda vez que eu estava com Jack.

“Por que tão quieta?” ele perguntou.

Balancei a cabeça e escolhi uma planta de café para focar. Se eu


falasse, minha voz ia falhar. Se eu olhasse para ele, meus olhos iriam
me trair.

Leylah Attar
Peça-me para ficar, Jack.

Tão estúpido e impraticável como soava, eu estava pronta para


largar tudo por ele. Meu emprego. Minha cabana. Minha vida na
Inglaterra. Porque é o que o amor fazia. Ele deixava você burro e fazia
você fazer coisas que você nunca pensou que faria.

“Mais três dias,” eu mantive meus olhos na planta de café,


desejando que ele dissesse a frase. Me dê algo, Jack. Qualquer coisa em
que me agarrar.

“Nós podíamos fazer funcionar.” Ele tinha essa habilidade de me


ler, sintonizar na frequência dos meus pensamentos. “As pessoas têm
relacionamentos à distância o tempo todo.”

“Sim, mas não para sempre.” Meu coração afundou. Não era o
que eu tinha esperado. Eu tinha sempre sabido como isso seria. Ele
tinha me dito de cara que nunca me pediria para ficar, mas isso ainda
queimava dentro de mim.

“Rodel.” Ele colocou a mão embaixo do meu queixo, seus olhos


azuis capturando os meus. “Não estou pronto para deixar você ir.”

“Eu não quero que você faça isso, mas prefiro dizer adeus agora
do que no ano que vem, ou no ano seguinte, quando estivermos ambos
desgastados pela distância. Quando ligações telefônicas e conversas por
vídeo e nos vermos de vez em quando não der mais. Ficaríamos bem no
começo. Chegaríamos no limite, mas estou farta de ok, Jack. Ok é
existir. Ok e comum. E você...” eu segurei seu rosto em um gesto
melancólico. Havia tanto que eu queria dizer. “Você e eu... somos
grandes demais, magníficos demais para caber no comum. Eu te amo,
Jack. É amor grande. Imenso. Não posso colocar isso em uma carta ou
e-mail. Não estou ok para isso. Não sou uma garota ok. Sou uma garota
tudo ou nada.”

Vários sentimentos passaram pelo seu rosto resistente. Orgulho.


Alegria. Pesar. Carinho. Ele enrolou uma mecha do meu cabelo em seu

Leylah Attar
dedo e me deu um sorriso comovente. “Eu sempre soube que você seria
problema.”

“Eu?” eu queria soluçar, mas não podia me permitir quebrar.


“Sua avó arrebentou as bolas de um homem hoje.”

A sua risada era rica e pura. Era o som mais maravilhoso para
mim.

“A minha avó foi fichada, fotografada e liberada,” ele disse. “Eles


encontraram o corpo de K.K. em uma vala. Ela merece um prêmio por
colocar aquele monstro para dormir.”

“Estou feliz que ele se foi. Acho que podemos ter uma boa noite
de sono.”

“Eles estão todos recolhidos – Goma, Scholastica, Bahati. Você


deveria fingir estar dormindo também.”

“Por que eu faria isso?”

“Para me fazer carrega-la para cima, como da última vez.”

“Eu sabia! Sabia que você sabia!” cobri o meu rosto com as
mãos. "Eu fui tão óbvia?” eu olhei para ele por entre os dedos.

“Completamente.” Ele me levantou e parou na porta para eu


poder apagar a luz de fora. “Você praticamente se jogou para mim. Me
deixou louco na noite que as hienas vieram, levantando antes da
claridade naquele muumuu que eu podia ver suas curvas. Você
arregalou os olhos para mim no varal de roupas. Olhou de canto de
olho na celeiro.” Em cada degrau, ele acrescentava em sua lista. “Me
beijou sem pensar. Caiu aos meus pés..."

“Eu escorreguei! Eu caí de cara na lama.”

“Como eu disse. Você caiu aos meus pés, arrancou a blusa na


barraca, mostrou seus seios..."

Eu o abafei com um beijo. Oh, eu sabia exatamente como calar


sua boca. E então eu prossegui para fazê-lo perder a linha de raciocínio.

Leylah Attar
TEMPO. QUANTO MENOS você tem dele, mais precioso ele se
torna. Eu estava amarrada a cada momento que tive com Jack como
uma pérola em um colar. Goma me pegou, apoiada contra a porta, o
vapor do meu café à deriva no ar da manhã, enquanto eu observava
Jack trabalhando no campo. Ela sabia que nós dávamos as mãos
debaixo da mesa, que os nossos olhos falavam palavras que ninguém
mais podia ouvir, que desaparecíamos por horas e depois voltávamos
com o rosto corado e pedaços de feno saindo do nosso cabelo. Ela tirou
a minha roupa de cama, lavou os lençóis e os colocou no armário. Não
havia necessidade de esgueirar-me de volta para o meu quarto de
manhã.

Os óculos novos de Scholastica chegaram, mas ela se agarrou


aos de Mo, até Goma cedeu e ligou para o Dr. Nasmo para outra
consulta - desta vez para colocar novas lentes na armação de Mo.

“Eu vou mantê-la,” disse Goma, depois que saiu do telefone.

“Manter quem?” Jack secou as mãos e sentou-se para comer.

Era hora do almoço - quente demais para trabalhar lá fora. Isso


significava uma longa pausa e Jack sabia exatamente o que queria fazer
com ela. Ele me deu um sorriso diabólico que fez o meu pulso acelerar.

“Scholastica. Eu vou ficar com ela.” Goma serviu-se de um


pouco de água e desafiou Jack sobre a borda do copo.

“Ficar com ela?” Jack largou o garfo. “Ela não é como Aristurtle,
que você pode construir uma caixa e mantê-la lá. Ela precisa de escola,

Leylah Attar
crianças com quem brincar, um ambiente estimulante. Rodel prometeu
a Anna que ela iria levar Scholastica para Wanza.”

“Você realmente quer levá-la para Wanza? Você viu o lugar por si
mesmo. O pai dela também não quer que ela viva lá. Ele está
construindo uma casa em Wanza para que ela possa ir à escola lá, mas
voltar para casa à noite. Então, até ele aparecer, eu vou mantendo-a.
Não há lugar melhor para ela agora. Ela está aprendendo o alfabeto, ela
corre com cavalos e bezerros, faz bastante exercício, tem comida boa e
uma boa noite de descanso. Eu já falei com Anna. Ela ainda está
tentando encontrar uma maneira de sustentar a si e seus filhos, por
isso até que ela esteja mais estável ela não tem objeções a Scholastica
viver com a gente.”

“Olha.” Jack se inclinou sobre a mesa e pegou as mãos de Goma


na sua. "Entendi. Você se apegou a ela. Deus sabe, eu também. Cada
vez que a vejo, lembro-me como esse lugar era quando Lily estava por
perto. Eu não vejo por que ela não possa ficar aqui até que ouvimos de
seu pai, mas não sabemos quando isso vai acontecer. E se ele nunca
aparecer? E se alguma coisa aconteceu com ele? KK não era o único
cara comercializando crianças albinas. E se Gabriel tornou-se um
problema e alguém decidiu eliminá-lo? Ele poderia estar enterrado no
meio do nada. O que acontece com Scholastica então? Isso não é
apenas um compromisso a curto prazo. Temos que cobrir todas as
bases e fazer o que é melhor para ela. Mesmo que isso signifique colocar
os nossos próprios sentimentos de lado.”

A porta se abriu e Scholastica entrou com Bahati. Eles estavam


rindo, tentando manter as coisas de rolar para fora de suas mãos:
batatas, cenouras e tomates vermelhos brilhantes pegos recentemente
na horta.

“Vamos discutir isso mais tarde,” disse Jack para Goma,


conforme Scholastica lavava as mãos e se sentava ao lado de Jack. Ela
desembrulhou uma toalha de papel e entregou-lhe o maior tomate
maduro.

Leylah Attar
“Você guardou esse para mim?” perguntou Jack. Era fácil ver o
quanto eles adoravam um ao outro.

“O que é isso?” perguntou Bahati, pegando um envelope da


mesa. Ele tinha seu nome nele.

“Ele chegou para você esta manhã,” respondeu Goma. “Uma


garota Maasai muito bonita entregou.”

“Uma carta de amor, Bahati? Você estava escondendo isso de


nós.” Jack lhe deu um tapa nas costas.

Bahati não ligou. Sentou-se, com os olhos analisando o papel.


Quando ele terminou, ele olhou para cima com uma expressão vazia.

“Está tudo bem?” perguntei.

"Meu pai...” Ele olhou de mim para Jack para Goma, ainda
segurando a carta.

Ah não. Eu me preparei. "Ele está bem?"

“Meu pai me chamou para o boma. Ele quer que eu vá para a


aldeia.”

“Isso é fantástico, Bahati!” Jack soltou um grito grande. “O velho


quer fazer as pazes. Ele está convidando você de volta para casa.”

Bahati dobrou a carta e a deslizou de volta para o envelope. Ele


estava vestindo uma camisa nova que mostrava sua estrutura, mas
havia algo diferente nele, algo mais - uma nova confiança, um novo
sentimento de orgulho. “Esperei muitos anos por isso, por sua
aprovação. Tudo o que eu sempre quis foi sentir que importo para ele. E
agora que isso está aqui, eu não sei como me sinto. Uma parte de mim
quer ir até ele, mas eu tenho uma vida fora do boma agora. Eu não
quero voltar e passar o resto da minha vida vivendo nos padrões do
meu pai, tentando agradá-lo. Estarei de volta ao Grand Tulip na
próxima semana, e depois daquele artigo do jornal, eu até tive algumas
ofertas de emprego. Uma é para um anúncio de creme dental. Eu tenho
que fazer um teste primeiro, mas eu tenho praticado.” Ele deu-nos um

Leylah Attar
sorriso branco de teclas de piano. Era tão deslumbrante, que eu podia
quase ouvir o tinir do brilho, refletindo dos dentes.

“Oh, Jesus.” Goma deixou cair seu sanduíche para proteger-se


do brilho. “Que diabos você fez?”

“Eu branqueei meus dentes. Não há como eles me dispensarem


agora. Quer dizer, quem pode resistir a este sorriso?” Ele nos deu um
novo sorriso de diamante.

Ting, ting, ting.

“Faça-me um favor, Cintilante,” disse Goma. “Passe-me aquele


outro envelope.” Ela apontou para o que estava perto do seu cotovelo.
“Isto é para vocês dois,” disse ela, pegando dele e deslizando-o sobre a
mesa.

Jack e Rodel. Estava impresso com sua caligrafia instável.

Vendo os nossos nomes entrelaçados no papel, como se


pertencesse um ao lado do outro, me pegou de surpresa. Eu olhei para
as letras – a espessura grossa, horizontal no topo do J, a curva que
afunilava no l.

“Vá em frente, abra,” disse Goma.

Era uma reserva de quarto no Grand Tulip - tudo pago e


confirmado.

“Eu pensei que vocês dois deveriam ficar em Amosha esta noite.”
Goma levantou-se e começou a lavar seu prato. “Seu voo sai amanhã de
manhã, Rodel. O aeroporto fica logo ali, então você não terá que se
levantar tão cedo.”

Era a última noite que Jack e eu teríamos juntos. Goma estava


nos dando tempo e espaço para nos despedirmos.

“Obrigada,” eu disse, mas ela estava vendo Jack com o mundo


inteiro em seus olhos, como se seu coração estivesse quebrando por ele
ter que dizer outro adeus.

Leylah Attar
Ela desviou o olhar e sorriu para mim. “Obrigada você por livrar
este lugar do ranzinza que vivia aqui. Lembra quando você chegou
aqui? Oh, Senhor. Eu pensava que eu teria que viver o resto dos meus
dias com o Sr. Mal-humorado.”

“Eu estou bem aqui, você sabe.” Jack lançou-lhe um olhar


divertido. “E se você quiser que eu pegue suas pílulas de fibras na
cidade, é melhor você jogar limpo.”

“Senhor abuso,” murmurou Goma.

"O que você disse?"

“Eu disse que podia fazer com um pouco de suco de cranberry.”

Jack sorriu e se levantou. “Eu te amo, Goma.” Ele a beijou no


topo da cabeça e deu-lhe um abraço. “E obrigado por seu presente. Isso
foi muito atencioso.”

Um nó se formou na minha garganta enquanto eles ficavam ao


lado da pia, a forma frágil de Goma completamente engolida por Jack.

“Pfft!” Bahati expeliu um spray de água por toda a mesa.

“Que diabos?” exclamou Jack.

“A água.” Ele tossiu, empurrando seu copo. "Está tão gelada!"

Nós olhamos para ele por um momento e então começamos a rir.


O branqueamento dos seus dentes tinha os deixado mais sensíveis ao
calor e frio. Scholastica riu mais alto quando Bahati engasgou e cuspiu
até lágrimas começarem a escorrer pelo seu rosto.

“Você acha que é engraçado?” Bahati se lançou atrás dela. Ela


gritou e correu para fora da porta. Goma foi atrás deles. Eu segui.

“Deixe-a ir,” eu disse, tirando Scholastica longe de Bahati


conforme ele a alcançou.

Nós passamos por dentro e por fora das roupas molhadas


penduradas no varal. Segui lampejos de pés descalços entre os lençóis e
toalhas – os dedos brancos como leite de Scholastica, os tornozelos

Leylah Attar
magros de Bahati - pulando, correndo, encontrando, fugindo.
Shcolastica era pequena e ágil. Bahati e eu ficávamos nos enroscando
na roupa pendurada. O vento levava as nossas ondas de riso.

“Eu desisto,” disse Bahati, vestindo um par de calcinhas de


Goma no rosto. “Mas só porque meu joelho dói.” Ele sentou-se, com o
peito arfando, abanando-se com elas.

“Me dê isso!” Goma puxou sua calcinha dele e deu-lhe um olhar


mortal.

“Bom trabalho!” Eu disse, dando um toque de mão com


Scholastica. Eu me ajoelhei diante dela e cutuquei seu nariz. Seus
braços foram ao redor dos meus ombros e ela me deu o abraço mais
apertado.

“Kesho.” Ela apontou para o céu.

“Sim,” eu respondi, as palavras encravadas na minha garganta.


“Amanhã, eu vou voar. Longe.” Eu segurei sua mão conforme me
endireitei. "Vou sentir saudades de você."

Goma e Bahati chegaram perto. Nós quatro nos abraçamos na


sombra da montanha enquanto plantas de café carregadas oscilavam
em volta de nós. Então, Goma se soltou.

"OK. Acabei. Meus ossos não podem dar mais abraços hoje. Vá.”
Ela me enxotou para ir embora. “Vá arrumar as malas. Deixei uma
coisa no seu quarto. Não abra até que você esteja no avião.”

“Obrigada,” eu disse. “Por tudo.” Meu coração parecia que ia


quebrar, então me virei e me dirigi para a casa. Através das roupas
esvoaçantes no varal, eu vi Jack nos observando. Ele estava de pé perto
das quatro lápides, sob a árvore de acácia. Tudo parou conforme nossos
olhos se encontraram. Naquele instante, nós revivemos tudo - aquele
primeiro encontro na varanda, o jeito que ele trapaceou nas charadas
dos livros, a maneira que eu ia tinha corrido da minha própria sombra
na névoa, da próxima vez segure a alça “ah-merda”, os dentes dele no
meu pescoço, me dê sua língua, ele segurando minha mão nos trilhos

Leylah Attar
do trem, eu me viro por dois segundos e você está em outra festa do chá,
eu penteando seu cabelo, de mãos dadas sob o cobertor em nosso
balanço. O nosso balanço. Nosso.

Mas o nosso tempo acabou. Exceto por mais uma noite.

Ele observou enquanto eu me dirigia a ele. Eu passei meus


braços em torno dele, querendo absorver a sensação dele, querendo que
ela se infiltrasse profundamente nos meus ossos para que eu pudesse
armazená-lo em minha medula. Nós balançamos gentilmente, de um
lado para o outro.

À medida que o sol da tarde aquecia nossas costas, procurei a


pequena lápide sob a árvore.

Adeus, Lily. Cada vez que o sol brilhar através da chuva, eu vou
procurar por você. Vou procurar você no arco-íris, e eu vou me lembrar de
um homem que detém todo o céu em seus olhos.

Leylah Attar
EU PAREI NA entrada do Grand Tulip e observei a extensão da
parede de fora.

“A primeira vez que eu vi Bahati, ele estava em pé bem aqui. Eu


achei que era uma estátua,” eu disse a Jack. Ele estava vestindo uma
camisa com as mangas arregaçadas, mostrando seus braços fortes,
bronzeados. Eu não estava acostumada a mulheres olhando para ele.
Eu tinha tido ele só para mim. Até agora.

Conforme entramos no lobby, cabeças viraram, cabelos foram


ajeitados, pernas cruzadas, posturas corrigidas. Era como se um vento
quente tivesse soprado, trazendo com ele uma fragrância estonteante,
intoxicante.

Menos, garotas. Eu coloquei minha mão possessivamente na de


Jack conforme fizemos o check-in. Pela primeira vez em anos, eu tive a
necessidade de pintar minha unhas, para que elas brilhassem como
pequenas garras afiadas. Mantenham a distância.

Elas tinham inveja de mim. Podia ver isso em seus olhos. E


ainda assim, ciúme estava apunhalando meu próprio coração, porque
eu estava indo embora e não podia suportar o pensamento dele com
mais ninguém.

“Você está bem?” Jack perguntou, observando meu rosto.

“Sim.” Afastei os pensamentos tristes que estavam começando a


cair sobre mim. Eu tinha visto o fim se aproximando antes de
começarmos. Eu tinha insistido nisso de qualquer forma. E valia a pena
cada dor, cada emoção, porque ficando ao seu lado nesse momento, eu

Leylah Attar
soube lá no fundo da minha alma: Jack não tinha olhos para mais
ninguém além de mim. E não havia nada mais estimulante do que
perceber a força disso.

“Venha.” Eu o arrastei para os elevadores. Eu não queria perder


nada do nosso tempo precioso juntos com pensamentos inúteis e
vazios.

Nosso quarto era no último andar – o terceiro, com uma sacada


que dava para os montes de buganvílias rosas6 espalhadas em volta de
uma piscina azul tranquila.

“Goma deve ter pedido a melhor suíte,” eu disse, assimilando os


lençóis de seda, a vista da baía da janela com cortinas carmesim
amarradas ao lado, a sala de estar luxuosa, a penteadeira, o espelho
dourado na parede. Havia uma banheira no banheiro, um chuveiro
circular gigante em um box, e piso de mármore branco brilhante. “Você
está vendo isso?” eu ri, afastando Jack. Ele estava me seguindo por
tudo, fazendo seu próprio tour. Soltando minha blusa, beijando meu
pescoço, medindo a curva da minha cintura.

“Eu vejo tudo. Como esses dois sulcos verticais que correm entre
seu lábio e seu nariz... como esse espaço é chamado? Deve ter um
nome. Cabe a ponta do meu dedinho perfeitamente.” Ele prosseguiu
para demonstrar, e então traçou sua língua sobre o meio dos meus
lábios. Estava me perdendo na magia do seu beijo quando houve um
barulho na porta.

“Você se importa de atender?” ele perguntou, afastando-se.

Eu não tinha certeza do brilho em seus olhos. “O que está


acontecendo? Você parece estar aprontando alguma coisa.” Jack era o
tipo de cara que se encarregava das coisas. Se havia alguém na porta,
ele iria querer atender.

“Apenas. Vá. Atenda.” Ele me girou.

6
Tipo de flor.

Leylah Attar
Eu abri a porta e vi o carregador com as nossas malas. Atrás
dele havia um trio de lindas mulheres carregando sacolas que
definitivamente não eram nossas.

“Por favor, entrem.” Jack abriu mais a porta e os deixou entrar.


Ele deu uma gorjeta ao carregador enquanto as mulheres colocavam
suas sacolas na área do closet.

“Jack?” eu olhei delas para ele.

“Rodel, conheça Cabelo, Maquiagem e Guarda-roupa,” ele disse.


“Eu pedi que elas viessem e mimassem você. Quero que você tenha uma
tarde mágica.”

“Mas eu...eu achei que iríamos passar nosso último dia juntos.”

“Nós vamos, querida.” Seus olhos suavizaram, e ele sorriu. “Nós


vamos sair. Só eu e você. Em um encontro mesmo. Estarei esperando
por você no lobby quando estiver pronta. Não demore muito.” Sua boca
queimou uma promessa silenciosa na minha. “Cuidem bem da minha
garota, senhoras,” ele disse para as três.

“Cuidaremos, Sr. Warden,” elas responderam.

“Vou sentir sua falta.” Ele enrolou os braços na minha cintura e


me apertou em um abraço forte, levantando meus pés. Eu gostava de
ser sua garota. Eu não queria pensar em nada mais nesse momento.

Depois dele sair, me virei e encontrei Cabelo, Maquiagem e


Guarda-roupa de boca aberta para a porta.

“Homens que te levantam quando te abraçam,” disse uma das


garotas. Eu não sabia qual delas era, mas as três suspiraram juntas.

Eu olhei para suas caras enfeitiçadas. Elas me viram olhando


para elas e retomaram suas expressões. Houve um momento de silêncio
constrangedor.

“Bem, com sorte é um homem que vocês gostam,” eu disse.


“Senão seria um momento de spray de pimenta.”

Leylah Attar
Levou um segundo antes de seus rostos quebrarem. Todas nós
começamos a rir. Foi o quebra-gelo mais engraçado, a transformação
mais estupenda que eu já tinha feito. Josie, Melody e Valerie foram
minhas fadas-madrinhas durante a tarde. Meu cabelo foi lavado,
cortado, e enrolado. Fui arrumada, cores escolhidas, unhas feitas,
sobrancelhas tiradas, lábios marcados.

“Não, obrigada,” eu disse para a bandeja de cílios postiços que


Josie segurava na minha frente. Eu tinha imagens delas flutuando com
bebidas para mim, ou pior, vendo Jack através de um cenário
excêntrico enquanto ele sentava na minha frente.

“Você precisa escolher um vestido,” disse Valerie, segurando um


modelo elegante.

“Sapatos primeiro. Depois o vestido. Sempre,” disse Melody,


abrindo uma fileira de caixas arrumadas.

“Isso deve custar um braço e uma perna ao Jack.” Eu olhei a


etiqueta no vestido. “Eles são tipo aluguel?”

Valerie riu tanto que quase derrubou o vestido. “Não, querida.


Sem aluguel. Você vai ficar com o que quer que escolha. Nossa empresa
é muito seletiva quanto a com quem trabalhamos. Fazemos casamentos
de celebridades, eventos classe A, bailes beneficentes. Top de linha só.”

“Então como Jack conseguiu fazer isso?”

Josie parou no meio da aplicação da maquiagem e segurou o


pincel inclinado. “Garota, aquele homem com quem você entrou aqui é
top de linha. Não me diga que você não sabe quanto ele vale.”

“Eu nunca... eu não... eu pensei...”

“A questão não é como ele conseguiu isso. A questão é como ele


conseguiu tão rápido. Estamos agendados por meses à frente. Quando
nossa chefe ligou para ter a equipe pronta aqui hoje, vou te dizer, nós
corremos. Então, sim. O que quer que o Sr. Warden disse à nossa chefe,
com certeza acendeu um fogo.”

Leylah Attar
“Eu não tinha ideia.”

Eu pensei nas botas sujas de lama de Jack na porta de trás, a


maneira que ele pegava um pano úmido e limpava sua cara e pescoço
antes de sentar para comer. Pensei nele limpando os estábulos,
conversando com os cavalos, começando o dia antes de qualquer um
chegar na fazenda. Esse era o Jack que eu conhecia. Esse era o homem
sólido, simples por quem eu tinha me apaixonado. E saber que ele não
estava fazendo isso só para fazer o dinheiro chegar ao fim do mês, que
ele estava fazendo porque era o que o levava, o que o inspirava, o que o
definia, me fazia ama-lo ainda mais.

“O que você acha?” perguntou Josie, segurando o espelho para


mim para eu checar a maquiagem.

“Acho que quero que Jack Warden perca completamente a


cabeça essa noite.” Eu dispensei o espelho e sentei mais reta. “Vamos
subir um nível disso, garotas.”

“Siiiim!” elas fizeram um coro em volta de mim. “Agora estamos


falando igual!”

PUXEI UMA respiração profunda e verifiquei meu reflexo. Josie,


Melody e Valerie tinham ido embora, mas eu fiquei parada, com medo
de piscar, caso a mulher estonteante olhando de volta para mim
desaparecesse. Meu cabelo estava de lado, mechas castanhas caindo
em ondas brilhantes nos meus ombros. Eu tinha escolhido um longo
preto com uma fenda lateral sexy. Parecia modesto quando eu ficava em
pé, mas cada vez que eu me mexia, ele mostrava um flash das minha
coxas. O corte era icônico, com um V profundo nas costas e uma
cintura estreita. Servia como um sonho, marcando minha curvas nos
lugares certos. Dei um passo à frente e parei. Não estava acostumada a
usar saltos, mas eu gostava do jeito que eles me faziam andar –
balançando meus quadris e peitos para frente, acentuando a curva da
minha bunda.

Leylah Attar
Meus olhos pareciam maiores – a sombra dourada leve
misturada com o delineador marrom esfumaçado. Havia um
formigamento na minha barriga cada vez que eu pensava em Jack. Isso
fez minha bochechas corarem e as pupilas dilatarem. Minha pele
brilhava em antecipação quando eu alisei o vestido e apaguei as luzes.

Um encontro.

Um encontro de verdade.

Um encontro de verdade com Jack.

Esperei o elevador, segurando a respiração. Não podia esperar


para Jack me ver toda vestida. E ainda estava nos nervos. Havia mais
uma coisa também – uma sensação de urgência para estar com ele.
Nosso tempo juntos estava passando muito rápido. Eu apertei o botão e
esperei. E esperei.

Dane-se.

Tirei meus saltos e peguei as escadas. Cada degrau era revestido


com uma madeira linda de côco. Eu podia ver o lobby conforme eu me
movia pela escada em espiral, segurando meus sapatos em uma mão e
levantando a barra do meu vestido com a outra. Conforme virei a última
parte, o andar principal se abriu para mim. Eu diminui, meus olhos
procurando por Jack.

Alguns hóspedes estavam sentados em poltronas aveludadas em


volta de mesas de café de madeira entalhada. Um deles me viu, inclinou
a cabeça, e sussurrou alguma coisa para seu colega. Ambos viraram na
minha direção. Ótimo. Eu estava obviamente arrumada demais. Eu me
encolhi conforme desci. Mais cabeças se viraram.

Merda. Eles não podiam ter colocado a escada em algum outro


lugar? Qualquer lugar menos nesse espacinho no meio do lobby? Fiquei
em pé descalça no último degrau, querendo correr de volta para cima,
quando o elevador apitou. Conforme a porta abriu, eu puxei a
respiração. Era Jack, mas em uma camisa branca estonteante e um
paletó preto sob medida que acentuava seus ombros. As calças eram

Leylah Attar
moldadas nas suas coxas e ele vestia... o mesmo par de botas, gastas,
sujas de trabalhar.

Eu sorri e encontrei seus olhos. Mas ele ficou lá, boquiaberto. A


porta do elevador fechou, engolindo ele de novo. Um segundo depois, ela
abriu, e ele saiu.

“Isso era...” ele limpou a garganta e apontou para o elevador.


“Era eu, tão desconcertado pela visão de você, que esqueci de sair.” Seu
olhar correu por mim de novo. “Você está...” ele balançou a cabeça e
tentou de novo. “Uau. Você está espetacular.”

“Você também está bem atraente,” respondi. Seu cabelo ainda


estava bagunçado e rebelde, mas ele tinha feito concessões. Ele tinha
aparado a barba. Eu podia quase ver o contorno do seu maxilar.

Ele era o tipo bonito que fazia seu coração virar.

“Eu passo?” seus olhos brilharam com a minha análise sem


pudor.

“Não tenho certeza se as botas combinam com o conjunto fino,


mas passa.”

“Ei, pelo menos estou de sapatos. Minha companhia apareceu


descalça.” Ele atravessou e pegou os saltos da minha mão. “Posso?” ele
se ajoelhou e colocou um pé, depois o outro. Meu coração saltou
conforme ele esfregou os dedos do meu tornozelo antes de se endireitar.

“Pronta?” ele ofereceu o braço.

Coloquei meu braço no dele, e nos viramos para ver todos os


olhos do lobby sobre nós. Tínhamos esquecido que haviam pessoas em
volta, pessoas que estavam nos observando.

“Sinto-me arrumada demais,” sussurrei.

“Eles não estão olhando para você porque você está vestida
demais. Estão olhando porque não podem evitar. Porque você está de
tirar o fôlego. Reservei uma mesa no restaurante, mas agora não tenho

Leylah Attar
tanta certeza que quero todas essas pessoas cobiçando você.” Ele me
levou através do lobby para a entrada do restaurante.

“Lide com isso,” brinquei sobre o ombro, conforme o metre nos


levou à nossa mesa. Era uma linda sala de jantar – com tema de safari,
com madeira e toques de carmesim. Arte local adornava as paredes.
Tecidos brancos engomados cobriam as mesas com candelabros. “Não
gastei todo aquele tempo me arrumando, para serviço de quarto.” Eu
falei quando Jack me deu uma palmada forte, discreta na bunda.

“Tudo bem?” perguntou o metre. Ele era um senhor gentil, com


um bigode grosso, bem cuidado e linhas profundas na testa.

“Está tudo ótimo, Njoroge. Obrigado.” Jack puxou a cadeira para


mim antes de se sentar.

“Bom ver o senhor, Sr. Warden. Faz tempo,” Njoroge respondeu,


nos entregando os menus. “Vou mandar alguém vir tirar o pedido.”

Sentamos em silêncio depois que ele saiu. Virei as páginas para


frente e para trás, sem ver realmente as opções.

“O que foi?” Jack abaixou meu menu para ver meu rosto.

“Nada, só...” eu balancei a cabeça. Eu estava sendo infantil, e


não queria estragar a nossa noite. “Não é nada.”

Jack pegou meu menu e me olhou com seus olhos azuis de aço.

“Nós não podíamos...” cruzei minhas pernas sob a mesa.


“Podíamos apenas...”

Sua expressão não se alterou.

“Certo.” Eu suspirei. “Você costumava trazer Sarah aqui.” eu


tinha esquecido totalmente disso até Jack se dirigir ao metre pelo nome.

“Eu trazia.” Seu rosto ficou cauteloso. “A última vez que vim
aqui com a minha ex foi há seis anos. Sentamos naquela mesa.” Ele
inclinou a cabeça em direção à janela. “Quando saímos, ambos
sabíamos que tinha acabado. Não voltei desde então. Não me traz
exatamente boas memórias. Mas sabe de uma coisa, Rodel?” ele

Leylah Attar
alcançou minha mão sobre a mesa. “Tudo é novo quando estou com
você. A comida é mais gostosa. As cores mais brilhantes. A música mais
doce. Fico com fome do mundo de novo. Quero ir aos lugares que eu
parei de ir, quero dividi-los com você – mostrar a você quem eu sou,
quem eu era, quem eu posso ser.”

“Estou aqui, Rodel, não porque eu gosto dos cookies que eles
deixam no travesseiro, ou o filé a Diane do menu. Estou aqui, em um
restaurante cheio de pessoas, com você, porque não posso me permitir
perder o controle, porque o pensamento de você partindo está me
matando, então estou focando em criar o máximo de momentos lindos
que eu possa com você. Não posso te dar muito mais, mas posso te dar
isso. E não posso imaginar – nem por um instante – por que você
estaria sentada na minha frente pensando na minha ex, porque eu com
certeza não estava. Quando estou com você, Rodel, estou inteiro com
você.”

Ele tinha feito isso de novo – mandado aquele papel picado de


emoções para todos os lados. Eu me sentia grande e pequena ao mesmo
tempo, como se estivesse segurando as estrelas em uma mão, mas
procurando na graxa com a outra.

“Desculpe,” eu disse com a voz baixa. “Desculpe que estou


arruinando a noite.” Uma pontada de culpa enterrou no meu peito, mas
havia algo mais, algo que eu estava segurando embaixo de tudo. Eu
queria que ele dissesse que me amava. Queria ouvir as palavras. Essa
era a razão para eu estar agindo como uma idiota, e não gostava como
me sentia. “Então estamos claros,” eu brinquei com ele com meus
olhos. “Eu realmente gosto daqueles cookies. Eles têm formato de
tulipa, e são deliciosos.”

Jack parecia pego desprevenido pela mudança rápida, mas me


deu um olhar divertido. Seu sorriso tinha uma sensação de acerto
indefinido.

“Gostaríamos de duas dúzias dos seus cookies,” ele disse


quando o garçom veio para anotar o pedido. “Para viagem.”

Leylah Attar
“Sim, senhor. Mais alguma coisa?”

“Não, só isso.”

“Só isso?” eu exclamei, quando o garçom saiu. “É com isso que


você vai me alimentar? Cookies, na minha última noite aqui?” eu tirei
minha mão da dele e fingi indignação. “E quanto aos momentos
maravilhosos? Você não pode cria-los com um estômago vazio. Eu
acho..."

Ele me silenciou com um dedo comprido nos meus lábios.


“Muitas palavras. Muita conversa. Se eu quisesse conversar, eu teria
convidado Bahati.” Ele pegou a caixa de cookies enfeitada com um laço
que o garçom trouxe e veio até a minha cadeira. “Está pronta para ir?”

Minha pele arrepiou quando ele me tocou.

Inferno, sim.Vamos.

Mas eu funguei conforme ele me guiou para fora do restaurante.


“Foi um encontro barato.”

“Pare de reclamar.” Ele piscou, sentando-me no carro quando ele


chegou.

Dirigimos para fora do hotel e entramos no trânsito caótico de


Amosha. O céu estava em chamas com tons de vermelho e laranja do
pôr do sol. Um caminhão com megafones gigantes passou por nós,
gritando anúncios em sauíle. Vendedores balançavam cartões de
telefone e faixas coloridas de kangas enquanto as pessoas passavam.

Jack estacionou do lado de fora de uma tenda de comida de


aparência triste, fora da avenida principal. A luz fluorescente acendia e
apagava sob um teto enferrujado. Logotipos “Kilimanjaro Premium
Lager”7 penduravam do teto, presos com pregadores de roupa em um
barbante. Uma fileira de panelas wok pairavam sobre as labaredas na
frente, borbulhando com óleo. Cadeiras de plástico gastas em volta de
mesas plásticas no chão irregular – metade terra, metade cascalho.

7 Cerveja fermentada

Leylah Attar
“Venha.” Jack deu a volta no carro e abriu a porta para mim. “A
melhor nyama choma da cidade.”

“O que é nyama choma?”

“Carne grelhada.” Ele me equilibrou conforme meu salto ficou


preso no cascalho.

“Estamos definitivamente arrumados demais para esse lugar,”


eu disse. Fumaças fracas de petróleo baforavam da estação de serviço
perto do balcão. Dalas dalas passavam abandonados, e mulheres em
kangas brilhantes perambulavam, carregando todo tipo de comida na
cabeça.

“Jambo,” a garçonete nos cumprimentou. Ela estava tão ocupada


que ela não teria piscado se tivéssemos aparecido em burcas. “O que
posso trazer para vocês?”

“Coca-Cola, baridi,” disse Jack.

“Umm...” eu olhei em volta quando a garçonete virou para mim.


“Tem um menu?”

“Uma Stoney Tangawizi para ela,” disse Jack. Ele enumerou um


monte de coisas em sauíle, antes de encostar para trás com um sorriso.

“Não tenho ideia do que estou prestes a comer. E você está


gostando disso, né?”

“Ter você totalmente à minha mercê?” disse Jack, quando a


garçonete trouxe nosso pedido de bebida. “Pode apostar. Essa noite,
você vai jantar como uma nativa. Nada de floreios turísticos.” Havia um
brilho em seus olhos quando ele colocou uma garrafa marrom na mesa,
seus dedos marcando as gotas de condensação do lado de fora dela.
“Tome devagar, querida.”

Virei o rótulo na minha direção, mas ele não revelou nada. “O


que é Stoney Tangawizi?” perguntei.

“Uma cerveja de gengibre da Tanzânia.”

Leylah Attar
“Cerveja de gengibre? Pfft.” Virei os olhos e bebi de uma vez,
jogando a cabeça para trás.

A sensação de queimação começou enquanto eu ainda estava


engolindo. Bolhas quentes, efervescentes fizeram cócegas no meu nariz.
Minha língua começou a amortecer. A minha garganta pegou fogo. Bati
a garrafa na mesa, lágrimas escorrendo dos meus olhos. “Que porra!”
eu inalei. Grande erro. Comecei uma onda de tosse. Mais lágrimas.
Mais balbuciadas. Era gengibre com esteroides – doce, espumante, e
fermentado, com um chute pungente. E era bom, tão bom que dei outro
gole assim que tomei o ar, mas dessa vez mais devagar.

“Gostou?” Jack se apoiou e correu o polegar embaixo do meu


olho. Ele saiu preto e borrado.

“Ótimo. Meu rímel escorrendo. Devo parecer um guaxinim.”


Toquei meus olhos com um guardanapo para limpar.

“Você parece exatamente da maneira que eu queria que você


parecesse depois de fazer amor passional, louco com você. Só que esse
vestido estaria no chão e você não estaria vestindo nada além de um
sorriso.”

Eram ótimas preliminares, trocadas no meio de todo aquele


barulho, pessoas, o trânsito em volta de nós. Eu pisquei, corei e fiquei
tonta.

“Mishkaki wa kuku, samaki ndizi, mbuzi mbavu choma, ugali,


maharagwe...” eu não entendi o resto do que a garçonete disse
enquanto ela colocou o monte de pratos de comida na nossa mesa. Ela
segurava uma chaleira em cima de uma bacia para podermos lavar as
mãos com água quente antes de comer.

Era um banquete para os deuses, e tinha um cheiro incrível:


peixe frito e banana, cubos de frango em espetos de madeira com
molho, costelas de carneiro tão macias que a carne saía do osso,
deixando pedaços tostados de sal e chili para dar sabor, um prato com

Leylah Attar
polenta para neutralizar os sabores explodindo da minha boca; feijão
cozido, molho de tamarindo, e goles de cerveja de gengibre para descer.

“Leta chipsi,” disse Jack para a garçonete, enquanto eu limpava


a última banana. Não haviam talheres então tive que lamber o molho
dos meus dedos.

“Então chipsi é chips?8” perguntei, quando a garçonete nos


trouxe um prato de batatas fritas quentinhas.

“Sim, você só acrescenta o i no final. Várias palavras em inglês


foram assimiladas no dialeto local assim.”

Eu assenti, observando dois garotos em idade escolar lavarem os


pratos sujos na beira da estrada antes de traze-los de volta para o
quiosque. Em algum lugar do outro lados das ruas movimentadas,
preces noturnas retumbavam de uma mesquita próxima.

“Pronta para ir?” perguntou Jack, chamando a garçonete


conforme encostei na cadeira, olhando os pratos vazios na nossa frente.
Tínhamos conseguido comer tudo na mesa.

“Espere. Eu sei isso,” eu disse, virando para ela. “Letta billi.”

Se chips era chipsi, então bill9 deveria ser billi. Segurei a


respiração, pensando se tinha acertado.

“Sim, senhora,” ela disse. E saiu.

“Estou começando a entender isso.” Dei um sorriso vitorioso a


Jack. Não durou muito.

A garçonete voltou com um homem ao seu lado. Ele limpou suas


mãos rústicas, envelhecidas no seu avental e olhou para mim com
expectativa.

“Você perguntou pelo Billy,” a garçonete falou depois de uns


gestos desajeitados, onde eu olhava dela para ele e de volta para ela.

8 Batatas

9 Em Inglês: Conta.

Leylah Attar
“Perdão. Eu quis dizer a conta.” Billy murmurou algo em sauíle e
saiu pisando duro. Ele claramente não estava feliz de ter sido chamado
da grelha.

“Você gostaria de praticar mais seu sauíle ou podemos iri?” Jack


brincou, enquanto pagava a conta.

Eu saí o mais graciosamente que pude, meus saltos prendendo


no cascalho apenas duas vezes. Eu acenei para o Billy do carro. Billy
não acenou de volta.

Jack e eu mantivemos o rosto reto conforme esperamos alguém


nos deixar voltar para a rua. Depois explodimos em gargalhadas. Em
volta de nós, buzinas tocavam. Comércios noturnos passavam em um
borrão de lamparinas de querosene e pechinchas. Um céu de estrelas se
materializou conforme dirigimos para fora da névoa quente de Amosha.

“Onde estamos indo?” perguntei, quando Jack virou em um


caminho iluminado pela lua entre campos de milhos prateados.

“Certo...aqui.” Ele parou, deu ré no carro em uma clareira e


desligou o motor. “Venha,” ele disse, pegando a caixa de cookies do
banco de trás e saindo do carro.

O ar estava pesado e quente com a fragrância de jasmim da


noite. Houve um zumbido gentil perto de nós, como um enxame de
abelhas.

“O que é esse barulho?” perguntei, tirando meus saltos e


seguindo Jack até a traseira do carro. A grama era como camurça suave
e silenciosa sob meus pés. “Isso me lembra...” parei de falar quando
segui seu olhar.

Estávamos estacionados na beira de um riacho. Uma pequena


queda d´água caía sobre rochas do outro lado. Linhas prateadas
fundiam-se e espirravam sobre uma cama de cascalhos em turbilhões
de espuma. A lua silenciosa acima, lançando um brilho de mel sobre as
árvores.

Leylah Attar
“É tão bonito aqui,” eu disse. O gorgolejo, o balanço, faíscas
brilhantes – era como ter os lugares na primeira fila de um concerto
ilusório.

“Um lindo lugar para uma linda garota.” Jack acariciou meu
rosto. Sua face tinha uma sensualidade irrefutável, mas à luz da lua ele
me matava positivamente.

Ele abriu a porta de trás do seu Land Rover e nos sentamos lá,
minha cabeça em seu ombro, nossas pernas penduradas para fora do
porta-malas enquanto assistíamos a queda sedosa da água quebrando
nas rochas. Ele me alimentou com o cookie em forma de tulipa, e eu
puxei a respiração com seu cheiro de pele quente. Por um tempo,
parecia que o tempo tinha parado para sempre. As estrelas marchavam
pelo céu, galáxias giravam em volta de nós e ainda sentávamos quietos
e suspensos, não querendo quebrar a magia. Era o tipo de magia que
vem depois de uma vida inteira de busca, quando você se depara com
algo tão perfeito, que você para de procurar e diz: sim. É isso. Eu sei. Eu
sinto. Eu ouvi os passos chegando ecoarem nos caminhos da minha
alma.

Nós nos viramos um para o outro com beijos que eram suaves e
famintos, respeitosos e egoístas – cada um como uma margarida
pressionada para ser escondida entre páginas da nossa história.
Apaixonar-se por algo que nunca pode ter é como furar-se com uma
adaga cheia de mel. Mais e mais vezes. É afiada e doce, bonita e triste, e
você nem sempre sabe por qual chora.

“Não.” Jack beijou o canto úmido do meu olho. “Não é assim que
eu quero me lembrar de você. Não é como eu quero que você se lembre
de nós.”

“Então como? Como você vai lembrar de mim quando eu tiver


ido embora?”

“Assim.” Ele deslizou as alças do meu vestido, primeiro uma,


depois a outra. “Seus ombros brilhando à luz da lua. Cristais de açúcar

Leylah Attar
nos seus lábios.” Ele roçou sua boca na minha, sua língua sentindo o
gosto do cookie que ele tinha me dado. “Seu cabelo, como fitas de cetim
nas minhas mãos. A emoção de tirar a sua roupa. Assim.” Ele abaixou o
zíper do meu vestido, expondo minha carne, um arrepio atrás do outro.
“A sensação de você nos meus braços, o modo que suas pálpebras caem
sobre seus olhos quando mordo você aqui.” seus dentes rasparam em
um lugar embaixo da minha orelha onde meu maxilar encontrava meu
pescoço. “Eu vou lembrar o formato oval perfeito do seu rosto, o calor
da sua garganta, a maneira que você segura a caneta quando escreve.
Acima de tudo...” ele segurou meu queixo, os olhos passando pelo meu
rosto transtornado. “Vou lembrar de uma linda garota, estranha, que
gostava do toque de livros antigos e bebia café doce. Ela entrou no meu
alpendre em um dia cinzento e me ensinou a ver colorido. Ela era uma
ladra, minha garota de auréola de arco-íris. Quando ela foi embora, ela
levou meu coração. E se eu tivesse outro, eu o daria para ela também.”

Era o mais próximo que ele iria chegar para me dizer que me
amava porque aquelas palavras iriam me prender, e ele estava me
deixando livre – livre para viver a minha vida, meus sonhos, minhas
aspirações. Ele queria que eu encontrasse meu lugar ao sol ao invés de
viver na sombra da vida dele. Mas naquele momento, eu não queria ser
deixada livre. Eu queria que ele me pedisse para ficar. Eu queria que ele
reivindicasse isso, comandasse isso, me deixasse sem escolha. Mas ele
apenas me segurou com os olhos, e eu entendi a força de ser totalmente
amarrada, sem cordas ou amarras.

“Eu quero uma ruptura limpa.” Minha voz falhou quando disse
isso, mas eu quis dizer. “Não quero passar meus dias vivendo para
ligações telefônicas e mensagens. Não quero me contentar com a sua
voz quando o que eu realmente quero são seus braços em volta de mim.
Não quero olhos que não podem encontrar os meus e pés que não
podem tocar. Acho que isso me mataria.”

“Eu sei. Você é a minha garota do tudo ou nada. Você é grande e


especial, e tão bonita que meu coração dói cada vez que olho para você.

Leylah Attar
Eu não quero que você se contente com nada menos do que isso. Mas
eu não quero saber quando você estiver com outro cara – alguém que
você encontre em uma cafeteria pequena antiquada, alguém com quem
você coma um brunch no domingo de manhã, alguém que possa te
segurar e te amar e dormir ao seu lado. Eu acho que isso me mataria.”
Uma respiração cortada escapou de seus lábios conforme ele procurou
a minha boca. Ele me beijou forte e faminto, como se quisesse que eu
carregasse seu gosto para sempre.

“Jack,” eu disse por nenhuma razão, a não ser que parecia certo.
O nome dele pareia pertencer à minha boca, como se tivesse sempre
pertencido.

“Eu quero você nua à luz da lua.” Ele puxou meu vestido, que
caiu como uma poça em volta dos meus pés. O resto das nossas roupas
saiu rápido, dedos como fósforos, colocando fogo na pele.

Fizemos amor em um cobertor perto do riacho, devagar e gentil,


forte e feroz, levando as correntes de nossas emoções como ondas
batendo na beirada. Haviam faíscas de sensação – o olhar nos olhos de
Jack quando ele deslizou para dentro de mim, suas mãos moldando
minhas curvas, o céu da meia-noite sobre nós, árvores balançando em
volta de nós, o primeiro gemido escapado dos meus lábios, músculos e
tendões dançando um tango de amantes, a respiração irregular, o brilho
prateado das constelações na nossa pele, a pressa da queda d´água, a
respiração difícil de Jack, nossos corpos pegos entre a intoxicação do
clímax e querer estender esse momento que não queríamos que
acabasse. Minha cabeça rolou para trás conforme todas as estrelas do
céu se condensaram em um único ponto. Jack sufocou meu grito com
seus lábios, seus dedos entrando na minha carne conforme ele ia para o
limite de prazer.

Nós não estávamos prontos para soltar então permanecemos


presos no resultado da paixão. Quando nossos corações se acalmaram e
nossas respirações também, ele tirou o cabelo da minha testa e beijou
meu rosto. Eu tracei a linha no sulco das suas costas. Sua pele era

Leylah Attar
doce contra meus dedos, como os últimos pedaços de açúcar no fundo
da xícara de café. Eu queria saborear isso. Eu queria sugar cada gota e
fazer isso parte de mim para sempre.

“O que você está fazendo?” perguntei, quando ele levantou e me


cobriu com outro cobertor do carro. Ele estava ajoelhado no chão,
agitado, quando tudo que eu queria era que ele viesse para mim.

“Cobrindo seus pés.” Ele segurou meu calcanhar e correu o dedo


pela minha sola do pé até meus dedos se torcerem. “Você tem pés de
traidor. Amanhã, eles vão carrega-la para longe de mim, mas hoje você
é minha.” Ele beijou em cima dos meus pés gentilmente. “Eles sabem o
caminho de volta, Rodel? Eles sabem que se eles andarem um dia
nesses campos de novo, eles pertencem a mim? Porque eu vou
reivindica-los. Não se engane quanto a isso.”

“E eu reivindico você.” Eu o puxei para mim e envolvi meus


braços em volta do seu pescoço. “Se você um dia estiver na Inglaterra. E
não só seus pés. Eu reivindico você todo. Isso, e isso, e isso e isso.” Eu
fiz um inventário do seu corpo firme e bronzeado. Teria sido engraçado
se não estivéssemos ambos sofrendo por dentro.

“Acho que você perdeu um lugar.” Eu deitei a cabeça no meu


lugar favorito e fechei os olhos.

Um coro de sapos coaxou em volta de nós, a cachoeira


derrubava nas rochas com limbo, mas tudo que eu ouvi naquela última
noite na África, enquanto as estrelas ficavam suspensas sobre nós, foi a
batida do seu coração. Jack, Jack, Jack, Jack.

Leylah Attar
O CÉU ESTAVA baixo e melancólico na manhã seguinte
enquanto dirigíamos para o aeroporto, o rangido dos limpadores do
para-brisa limpando o borrão do mundo de vez em quando. Uma leve
garoa caía quando viramos na área de desembarque do carro.
Há momentos que ficam congelados no tempo – cada som, cada
cor, cada respiração, cristalizada em cacos vivos na memória. Sentada
no carro parado com Jack, do lado de fora do terminal de embarque,
era um deles. Malas batendo nas lajes de concreto. O cheiro de
combustível no ar pesado. Pessoas com mochilas nas costas desciam de
ônibus de traslados com decalques coloridos colados na bagagem.

Eu conquistei o Monte Kilimanjaro

Killi – 19,340 pés

Um mar de rostos passava pelas portas, sob as letras amarelas


brilhantes do prédio de embarque.

Jack e eu assistíamos em silêncio. Era mais fácil focar em algo


fora de nós. Todas as combinações, de todas as letras, não podiam
formar uma única palavra para o que queríamos dizer. Éramos círculos
e espirais e batidas do coração, enrolados em uma bagunça gloriosa.
Éramos um pacote de memórias estacionados rapidamente na área de
desembarque.

“Não entre.” Peguei minha mala do Jack quando saímos do


carro. “Por favor.” Meus olhos imploravam para ele. “Eu nunca aprendi
a chorar graciosamente, como eles fazem nos filmes – com lágrimas

Leylah Attar
perfeitas rolando pelo rosto. Eu pareço uma goiaba murcha quando
choro.”

“Rodel.” Ele me apertou contra ele, meu nome saindo dos seus
lábios em um sussurro rouco. Outro carro parou atrás de nós, suas
luzes piscando ritmicamente como um relógio.

Os braços de Jack apertaram em volta de mim. “É como um


pedaço de mim sendo arrancado. Primeiro a Lily, agora você. E ainda
assim...” sua voz suavizou conforme olhou para mim. “Eu não mudaria
nada. Eu faria tudo de novo, e de novo.”

Nós nos despedimos na linguagem de fantasmas, com palavras


não ditas e desejos sombrios, alheios a tudo e todos em volta de nós.

“Beije-me forte, então deixe-me ir,” eu disse, quando o toque de


sua mão se tornou de repente insuportável com sua ternura.

Eu senti o movimento da sua respiração antes de nossos lábios


se tocarem. Meu coração vibrou com a sensação doce, selvagem da boca
dele. Era como correr sem ar – sem fôlego e linda. Agarrei-me a ele por
um momento de explosão de almas, antes de me soltar e sair andando
em direção ao prédio. Eu parei por um momento para as portas se
abrirem.

Vire-se Rodel, uma parte de mim gritava.

Não olhe para trás, a outra parte dizia.

Eu virei. Porque não podia evitar. Porque Jack buzinou.

Ele estava sentado no carro, suas mãos abertas na janela em um


adeus congelado. Nossos olhos se encontraram através das gotas de
água que escorriam no vidro como pérolas de prata. Eu refiz meus
passos, puxando minha mala atrás de mim até ficar em pé ao lado do
carro. Então levantei a mão e coloquei meus dedos contra os dele. O
vidro estava molhado e frio entre nós, mas algo quente e poderoso
corria nas minhas veias. Quando tirei a mão, a impressão da minha
palma estava marcada na janela úmida, como a da Lily tinha ficado.

Leylah Attar
Nossos olhos travaram, eu podia sentir a conexão latejante entre Jack e
eu através daquela janela. E era o suficiente. Para saber, para ter
sabido.

Eu sorri.

Um canto da boca dele levantou de uma forma que fez meu


coração derrapar.

Segurei-me naquela imagem conforme andei pelas portas


deslizantes e fiz o check-in. Conforme o avião decolava, eu observei os
carros e construções ficarem menores e menores: os pastos onde as
vacas pastavam, os campos de milho, as cabanas de argila com
telhados de palha. E então as nuvens estavam flutuando sob nós como
carreteis de lã de ovelha. Eu peguei a minha bolsa para pegar o
pequeno pacote que Goma tinha me pedido para abrir no avião. Era um
lenço de renda, amarrado a um pequeno estojo com uma pequena tira
de juta. Estava quase acabando de abrir quando olhei para fora da
janela e perdi o ar.

O Kilimanjaro subia entre as nuvens, como a noiva dos Deuses,


seus picos cobertos de gelo brilhando como uma coroa de cristais
majestosos. Brumas prateadas se misturavam em volta do cume,
trocando e balançando sob os raios de sol. Havia algo delicado e tocante
no movimento passageiro da luz – o tipo de beleza que apenas coisas
efêmeras podem fazer.

Eu pisquei para segurar as lágrimas que tremiam nos meus


cílios. As névoas me lembravam de Mo e Lily, das crianças albinas que
apareceram e despareceram sem rastro, de um amor que alcançava o
cume, só para se despedir.

Uma lágrima quente rolou pelo meu rosto e caiu no lenço da


Goma. Eu limpei meu rosto e desamarrei o nó que o prendia. Um monte
de se M&M espalhou no meu colo. Havia uma nota dobrada entre ele.
Eu abri e li a caligrafia de Goma.

“Chocolate deixa tudo melhor,” ela dizia.

Leylah Attar
Eu dei risada. E solucei. Veio como um engasgo estranho.

“Você está bem?” a senhora sentada ao meu lado perguntou.

“Sim.” Toquei de leve meus olhos com o lenço da Goma. “Eu


só...” olhei para o Kilimanjaro e pensei em um senhor de branco com
um balanço verde ao pé da colina. “Eu estive em uma grande aventura.”

“Bem, sou toda ouvidos. Você precisa me contar isso.”

“Eu não saberia por onde começar.” Eu sorri e olhei para fora da
janela.

Uma vez na África, eu beijei um rei...

Leylah Attar
TERMINEI DE CORRIGIR a última folha e voltei para a primeira
para somar a nota final. Minha caneta acenou momentaneamente
conforme notei o nome do aluno.

Jack.

Quatro letras juntas para formar um nome. Simples. Comum.


Usual.

Quatro letras que não tinham nenhum significado, mas agora


parecia que eu tinha caído de dez andares e batido no chão cada vez
que eu me deparava com elas. Quantos Jacks tinham vindo e ido antes
dele? Nenhum tinha avisado do Jack que estava por vir, aquele cujo
nome me deixaria sem ar no meio do dia.

Era Julho em Cotswolds, dez meses desde a nossa despedida


chuvosa no aeroporto. Rosas cor de pêssego floreavam do lado de fora
da minha janela. Abelhas e borboletas iam de flor em flor. Era o fim de
outro ano escolar, meu último dia de trabalho antes das férias de verão.
Eu finalizei as notas das provas e olhei em volta da minha sala de aula.

"Você ainda está aqui?” Jeremy Evan enfiou a cabeça na sala.


Ele era um temporário, cobrindo a licença maternidade da professora de
música.

“Estou saindo,” respondi.

“Eu também. Aceita uma bebida? Estou indo para o bar para
uma cerveja.”

Leylah Attar
“Obrigada, mas vou passar.” Desliguei meu laptop e sorri para
ele. Ele era doce, com olhos castanhos suaves e cabelo escuro que
enrolava na testa.

“Ouch.” Ele bateu no peito. “Rejeitado de novo. Você vai ter que
aceitar um dia, nem que seja para me calar a boca.”

“Tenha um bom verão, Jeremy.”

“Ah. Sei o que você está fazendo. Você acabou de me descartar


para o verão inteiro. Você deve também bater a porta na minha cara.” E
com isso, ele se puxou pela gravata e bateu a porta atrás dele.

Eu ainda estava sorrindo quando soltei minha bicicleta e segui


para casa. Como você pode não gostar de alguém que faz você sorrir?
Eu cortei pelas ruazinhas de paralelepípedos que serpenteavam os
chalés em tons de mel. Bourton-on-the-Water era um lugar quente para
turistas no verão, e as principais rotas estavam repletas de visitantes.
Era um pequeno preço a se pagar pela maneira como eu me sentia cada
vez que vinha para casa – o portão de madeira, a porta azul-ardósia,
faixas de flores amarelas espalhavam nas floreiras das janelas, lavandas
crescendo contra a pedra dourada.

Eu prendi minha bicicleta e peguei a correspondência – contas,


um cartão postal dos meus pais, panfletos...uma carta da Tanzânia.
Destranquei a porta e joguei o restos das coisas no sofá.

Quero uma ruptura total, eu tinha dito. E Jack tinha me dado


isso. Eu não tinha ouvido sobre ele desde que eu tinha partido –
nenhuma ligação, nenhuma mensagem, nenhum e-mail. Às vezes,
quando pensava nele na varanda, sentado no balanço olhando para as
estrelas, bombas explodiam no meu peito.

É você? Eu perguntei para o envelope, meu coração pulando


conforme eu rasguei para abrir.

Não era. Mas eu ri quando vi a foto que Bahati tinha mandado.


Ele estava em um outdoor, parecendo muito jovial em um terno, com

Leylah Attar
um relógio sofisticado. Nas costas, ele tinha escrito: não é a telona que
eu achei que seria, mas é bem grande �

Uma explosão de orgulho me encheu. Por baixo de toda a coisa


sofisticada, Bahati era um guerreiro, cada pedaço dele tão feroz quanto
seus irmãos e irmãs no boma. Ele tinha se agarrado rápido àquela
tradição de orgulho e autossuficiência. Ele não só tinha se saído bem
quando as crianças e eu tínhamos precisado dele, ele também tinha
conseguido abrir seu próprio caminho enquanto ganhava o respeito do
seu pai, e mais importante, o seu próprio.

Eu subi as escadas para o meu estúdio com sua foto na mão.


Lá, no quadro de cortiça, eu a prendi ao lado do cartão de natal que
tinha recebido de Josephine Mantati. Ela tinha mantido contado, me
contando as novidades das crianças. Eu a admirava por sua
tenacidade, sua dedicação e paixão. Ela era o tipo de pessoa que
mudava vidas. E vidas mudavam mundos.

Meus olhos foram para a foto que ela tinha mandado de Jack,
Bahati e eu com as crianças. Eu parecia distraída. Jack estava rindo.

Qual o problema? Seu jardim inglês não consegue lidar com o


calor tropical?

Sim. Esse era o momento preso no meu quadro.

Como você fez isso? Eu tracei as linhas do seu rosto. Como você
puxou e esticou e cultivou meu coração, e fez isso soar como doce, doce
música?

Eu soltei a foto e afundei na minha cadeira.

A vida é boa, Jack. A vida é grandiosa. Estou exatamente onde


quero estar, fazendo exatamente o que quero fazer. Amo meu emprego.
Meus alunos me admiram. Eles me inspiram. Eles me desafiam. Não é
sempre fácil, mas é recompensador. Como croissants na cama, e
alimentar patos que não deveria alimentar. Compro velas acima do preço
e chás exóticos. Semana passada, saí para comprar uma camisa branca
e voltei para casa com camisolas de seda. Eu durmo até tarde. Tomo

Leylah Attar
banhos de banheira. Eu penso em você toda vez que chove. De uma
maneira boa. Não com uma cara de goiaba enrugada. Sou completa e
centrada e forte. Sou completa porque você me amou, não pelo que eu
poderia ser para você. E talvez seja por isso que dói. Porque seu amor era
bom e puro. E é um saco. É um saco porque meus namorados dos livros
não resolvem mais isso.

Você me arruinou, Jack. Mas tudo bem. Sou boa, estou bem, sou
mágica. Mas você quer saber de uma coisa patética? Inscrevi-me em todo
tipo de alerta de voo. Toda vez que o preço cai nas tarifas aéreas da
Tanzânia, eu recebo uma notificação. E toda vez, eu olho para a tela, a
um clique de pegar um avião para ver seu rosto de novo. Porque sinto
saudades. Porque, e daí se você não me convidou? E daí se a memória de
mim estiver começando a sumir?

Isso é normalmente o que digo a mim mesma, que você é um


idiota, Jack. Como você pôde me deixar ir? Como você pôde concordar
com essa merda de sem contato e não perdeu o controle como eu? Tantas
vezes por dia. Sim. Você é um idiota, Jack. Eu odeio que sinto sua falta. O
verão está aqui, e está quente e bonito, e eu sinto a sua falta. Sinto tanto
a sua falta.

Eu segurei a foto no meu peito e fechei os olhos. Alguns círculos


nunca se fecham, algumas feridas nunca cicatrizam. O amor é assim.
Ele te deixa aberto para sempre, para sempre vulnerável.

Puxei uma respiração profunda e levantei. Era tempo de seguir


em frente, hora de abrir a porta e me permitir outras possibilidades, até
mesmo as vezes à noite, se eu ouvisse bem, eu podia ouvir meu coração
dizendo Jack, Jack, Jack, Jack.

Leylah Attar
JEREMY EVANS CHEGOU cedo para o nosso encontro para
jantar. A campainha tocou quando eu estava secando o cabelo, de
cabeça para baixo. Eu joguei para trás, corri os dedos por ele, e desci
para abrir a porta.

“Oi, Rodel.” Não era Jeremy. Era Andy, o corretor com quem eu
tinha comprado o chalé. Ele tinha ligado para oferecer suas
condolências com o falecimento da Mo, mas eu não o tinha visto desde
que tinha voltado da Tanzânia. “Estava no bairro e pensei em dar uma
passada, ver como estão as coisas. Tudo certo com a casa?”

“Sim, obrigada. Está tudo bem. Estou muito feliz com ela.”

“Bom, bom.” Andy balançou de uma perna para a outra. “Bem.


Eu estava pensando que talvez você quisesse tentar e sair para uma
bebida? Da última vez foi... foi terrível, saber da sua irmã daquela
forma. Eu não queria apressar você, mas desde que estava por aqui e
tal, pensei...sabe. Por que não?”

“Isso é gentil, Andy.” Não ia acontecer, mas ele é tão sincero e


desajeitado, eu queria decepciona-lo gentilmente. “Eu estou na verdade
esperando pelo meu compromisso. Ele deve estar chegando a qualquer
minuto.”

“Oh.” Ele corou. “Tudo bem. Eu estava só vendo se estava tudo


bem com o chalé de qualquer forma.” Seus olhos foram para a floreira
na janela. “Lindas flores.” Ele as tocou como se elas fossem pequenas
senhoras. “Bem. Tenha um bom...encontro.” Ele deu tchau e saiu.

Leylah Attar
Fechei a porta e fui para cima. Meu cabelo ainda estava úmido,
mas teria que ficar assim. Estava pondo a maquiagem quando a
campainha tocou de novo. Olhei para o meu relógio. Eu ainda tinha
quinze minutos. Terminei de passar o batom e alisei meu vestido. Era
um tom de coral bonito, feito para piqueniques e sorvete e sol. A saia
abria e terminava acima dos joelhos. Peguei minhas sandálias, minha
bolsa e desci.

“Sinto muito, Jeremy. Não estou..." meu coração pulou no meu


peito quando uma figura vestida de preto se endireitou, preenchendo
toda a entrada com físico de ombros largos.

Não era Jeremy.

Jack.

Jack Warden estava em pé na minha porta – elegante e sem


barba, seu cabelo grosso, moreno afunilado no seu colarinho. Camisa,
jeans, sapatos Oxford polidos, e um par de fones pendurados em volta
do seu pescoço – uma imagem da urbanidade devastadoramente
perfeita.

Ele tinha uma ótima aparência. Ele estava muito incrível. E foi
um soco no meu estômago. O choque de vê-lo, o choque de vê-lo assim,
sem nada encobrindo seu rosto – o corte quadrado da sua mandíbula, o
modo como seus lábios pareciam mais redondos e mais cheios, seus
olhos azuis de miosótis, tão vívidos e reais e na minha cara – isso me
tirou o ar. Eu fiquei ali congelada, as sandálias na mão, de boca aberta
para ele. E de repente, me ocorreu. Me ocorreu forte.

“Eu estive vivendo com o coração partido todo esse tempo,” eu


disse a mim mesma, finalmente admitindo a verdade, mas ele pegou as
minhas palavras.

Um músculo travou na sua mandíbula. “Você sabe o que é


triste?” ele colocou as mãos nos bolsos, como se para evitar de me
tocar. “Não é quando coisas ruins acontecem com você, ou quando a
sua vida muda completamente de como você achava que seria, ou

Leylah Attar
quando as pessoas te decepcionam, ou quando o mundo te derruba. O
que é triste é quando você não se reergue, quando você não se importa
o suficiente para pegar os milhões de pedaços quebrados de você que
estão gritando para serem montados, e você só deita, ouvindo o coro
arrasado de você mesmo.

O que é triste é deixar o amor da sua vida ir embora, porque


você não consegue abrir mão do seu trabalho ou da sua casa para ir
com ela, porque tudo que você ama é tirado de você. Então estou
dizendo não para a mágoa. Aqui, agora. Esse sou eu me reerguendo,
cruzando o oceano e vindo direto para a sua porta, Rodel.”

“Não posso não te amar. E não consigo parar de pensar em você.


Então estou aqui para dizer as palavras porque eu nunca as disse e isso
está quebrando meu coração. Não estou dizendo para ouvi-las de volta.
Não estou dizendo para termos um final feliz. Não sei onde você está, ou
se você ainda pensa em nós, ou se podemos sequer fazer dar certo.
Estou dizendo-as por mim. Porque elas vêm crescendo no meu peito em
cada respiração que eu dou, e eu tenho que coloca-las para fora ou eu
vou explodir. Eu te amo, Rodel Emerson. Estou aqui para dizer isso.
Esse sou eu, arrumando meu coração. Eu sei que é egoísta e sem
pensar e muito arrogante aparecer assim, mas eu não podia seguir mais
um dia sem ver você.”

Por um momento, eu não consegui respirar. Meu peito estava


tão cheio de completa euforia inacreditável que eu não queria deixar
sair um ar.

“Você está atrasado.” As palavras saíram abafadas e cruas. E daí


eu fiquei consciente apenas por um soluço baixo, torturado enquanto
enfiei o rosto no seu peito. Ele me segurou nos seus braços e me
apertou confortavelmente.

“Meu encontro me dispensou,” ele sussurrou no meu cabelo.

Parecia que tínhamos voltado ao orfanato, dizendo aquelas


palavras, revivendo o alívio intenso de nos vermos de novo.

Leylah Attar
“Falando em encontros...” eu tentei dar uma passo para trás
quando vi Jeremy se aproximando, mas Jack não me deixava ir. “Aqui
vem o meu.”

“Umm... oi?” Jeremy bateu no ombro de Jack. “Acredito que seja


meu encontro que você está segurando.” Ele era um cara convencido.
Eu tinha que admitir. Persistente também.

Jack se virou, um braço enrolado possessivamente em volta da


minha cintura e olhou para ele. Ele não precisou dizer nada. Sua
presença maciça, autoconfiante falava por si.

“Ceeeeerto.” Jeremy foi para trás e me deu um olhar


questionador.

“Rodel.” Jack manteve os olhos fixos nele. “Você fez planos com
esse cavalheiro?”

“Sim. Nós deveríamos sair para jantar. Sinto muito, Jeremy.


Jack acabou de aparecer do nada.”

“Isso é uma coisa regular?” O posicionamento do Jack era um de


descontração estudada, mas seu tom tinha uma pontada. “Vocês dois
estão saindo?”

“Não. Não, não.” Jeremy soltou uma risada nervosa. “É a


primeira vez que ela disse sim. Mas se eu tivesse sabido que você...” ele
gesticulou para Jack. “Sim, não.”

“Então onde você estava planejando levar a minha garota?”

“Bem...tem uma churrascaria legal perto do rio. É muito...” ele


olhou do Jack para mim e tossiu. “É muito romântica.”

“Você fez reserva?”

“Uh...sim. Sim, eu fiz.”

“Se importa se eu acompanhar?”

“Desculpe?”

Leylah Attar
“O negócio é o seguinte cara...” Jack inclinou a cabeça na
direção de Jeremy e abaixou a voz. “Rodel concordou em jantar com
você. E você, sendo o cavalheiro que é, decidiu leva-la a um restaurante
legal. E eu, sendo o cavalheiro que eu sou, percebo que apareci sem
avisar e arruinei seus planos. Agora, não espero que a dama troque as
coisas num piscar de olhos por mim. Ao mesmo tempo, não vou deixa-
la sair da minha vista. Eu também estou com muita fome. Comida de
avião não é para mim. Então, estou sugerindo o jantar. Por minha
conta.”

Jeremy piscou. Então sorriu. “Diabos, sim. Só uma coisa.” Ele


apontou para seu Mini Cooper e olhou para mim. “Você acha que ele vai
caber ali?”

Leylah Attar
Leylah Attar
EU ME APAIXONEI por Rodel Emerson em algum lugar entre
uma festa de chá no berço da África e uma barraca de comida sem
nome na beira da estrada com cadeiras de plástico e mesas de plástico.
Talvez tenha sido quando ela me pediu para guardar seu passaporte no
meu cofre e eu li seu nome.

Eu estava apaixonado pela garota cujo nome do meio era Harris.

Meu Deus, eu estava irrevogavelmente, irreparavelmente


apaixonado por ela.

Seu charme rouba a insensibilidade em mim – devagar a


princípio, e depois como uma tonelada de tijolos. Não lembro quando
comecei a pensar que seus olhos eram como as rochas de rios que eu
costumava colecionar quando criança – escuros e esfumaçados, com
um brilho que me prendia quando ela ria, ou chorava, ou ficava
aborrecida por uma senhora cuspir na sua cabeça. Eles eram sempre
diferentes, estavam sempre mudando, às vezes da cor das árvores no
inverno no pôr do sol, outras vezes como o sol brilhando. Seus cílios
eram de menina, pretos e longos. Eles me faziam acreditar como a
vibração das asas de uma borboleta podiam causar um tsunami.

Ela tinha o tipo de beleza que vinha por estar totalmente alheia
a quão linda ela era. Às vezes, eu tinha me virado e lá estava ela, nas
pontas dos pés, olhando para fora da janela para algo além do
horizonte. As linhas do seu corpo caíam em poses esplêndidas, e uma
vez que você olhasse para ela, você não conseguia parar de olhar. Não

Leylah Attar
porque ela era perdidamente linda. Espera. Eu retiro isso. Ela era.
Diabos, na noite que ela desceu as escadas, toda arrumada, todo
mundo no Grand Tulip congelou. Mas além disso, ela tinha uma
simplicidade interior, uma inocência na sua fala, nos seus gestos, no
seu sorriso. As pessoas relaxavam perto dela. Ela via você. Ela fazia
você se sentir como se você fosse alguém também.

A primeira vez que eu soube que ela era especial foi quando eu
estava vindo dos campos. Eu ouvi a risada dela saindo pela janela da
cozinha e não pude evitar sorrir, apesar de ter sido só por dentro. A Lily
tinha feito isso comigo. Sua alegria, sua risada, gargalhadas,
costumavam me fazer parar e perceber. Ninguém mais tinha o direito de
me fazer sentir assim.

Eu me ressenti de Rodel Emerson naquele dia. Eu ressenti por


ela cutucar buracos na minha armadura, por me fazer sentir outra
coisa além da dor que estava correndo como uma droga pelas minhas
veias. Eu precisava daquela dor, pura e inalterada, para me manter
seguindo cada dia. Sem isso, meus joelhos iriam se dobrar e eu cederia
à escuridão que estava na beirada da minha alma. Mal podia esperar
para me livrar da linda menina com a linda risada e as ideias lindas do
mundo.

Mas Rodel Emerson não foi embora. E quando ela realmente foi,
ela ainda estava lá – no vento que bagunçavam as roupas no varal, na
luz que tocava as nuvens, na chuva, na lua, no rangido do balanço
vazio a noite. E quando eu acordava, lá estava ela de novo, no orvalho
da grama.

Eu não podia dar um único passo sem bater com o fantasma


dela.

Então, eu entrei em um avião. E entrei em um Mini Cooper. E


escolhi a garrafa de vinho mais extravagante da carta de vinhos,
enquanto eu a ouvia rir do que quer que seu encontro para o jantar
estava dizendo. Esse não era um momento Coca-Cola. E ela sabia disso.
Ela sabia que eu estava tomando goles longos dela – todas as partes

Leylah Attar
que eu tinha sentido falta e beijado e ia reivindicar quando
chegássemos em casa. Não me importava que ela tinha dito sim a esse
cara Jeremy, ou que ele estava sentado na mesa. Eu só estava aliviado
que ela não tinha seguido em frente. Céus, até o Jeremy podia sentir as
faíscas entre Rodel e eu. Era assim que era, como sempre seria entre
nós.

“Obrigado pelo jantar,” Jeremy disse conforme eu me


descompactei do seu carro. “Tenha um bom verão, Rodel.”

“Eu vi o que você fez lá.” Ela riu. “Você me deixou para fora do
seu verão inteiro.”

“Sim. Bem, esse cara não deixa muito espaço para mais
ninguém, né? Mas qualquer hora que vocês queiram me levar para
jantar..."

“Nunca.” Bati no teto do Mini Cooper. “Nunca mais vou entrar


nessa lata de sardinha com rodas de novo.”

“Ei, calma, cara.” Sua voz levantou algumas oitavas antes dele ir
embora.

“Desculpe,” eu disse conforme Rodel prendeu seu braço no meu


e nós entramos na casa. “Eu não queria causar algum dano. Tudo é tão
pequeno por aqui. As casas, as ruas, os carros. Estou acostumado com
espaços abertos, não em trombar com coisas pequenas cada vez que me
viro. Sinto-me como um leão em uma jau..."

“Como você pôde?” Ela agarrou meu colarinho e me puxou mais


perto. “Você aparece sem avisar, invade meu encontro, e senta lá,
comendo sua carne, enquanto um milhão de perguntas estão rodando
na minha cabeça.”

Os lábios dela estavam tão perto que tinha que me concentrar


muito, muito no que ela estava falando.

“Rodel.” Meus olhos passaram sobre os ossos delicados do seu


rosto. “Eu pensei em você cada dia dos últimos dez meses. Você acha

Leylah Attar
que eu não queria expulsar o mundo no momento que você abriu a
porta? Eu estava saindo do taxi quando um cara andou até a sua porta.
Eu tinha considerado muitos cenários. Entrei naquele avião sabendo
que as coisas podiam ter mudado para você. Isso não me impediu, no
entanto. Eu tinha que ver por mim mesmo. Mas não estava preparado
para isso. Quando vi aquele cara batendo na sua porta, eu perdi isso.
Ele podia ser qualquer um. Podia ser um estranho, um vizinho, um
vendedor. Mas na minha cabeça, ele estava te segurando, beijando,
vivendo o que eu queria viver.

“Eu queria socar ele, Rodel. Queria bater nele. Então ele saiu. E
ainda assim eu queria socar ele, por bloquear você da minha visão.
Levei alguns minutos para me controlar. Eu não tinha direito de ter
ciúmes. O que quer que acontecesse quando eu visse você – se você
tivesse alguém na sua vida, ou não – não importava. O que nós tivemos
foi real. E eu não iria voltar sem dizer as coisas que eu queria dizer para
você.

“No segundo que você abriu a porta, eu soube – eu soube que


você ainda era minha. Então quando aquele outro cara apareceu, não vi
porque arruinar seus planos. É como quando você abre uma garrafa de
vinho fino. Você não engole simplesmente. Você para por um instante
para deixa-lo respirar. Foi para isso o jantar, Rodel. Deixar nós
respirarmos. Porque ver você de novo foi direto para a minha cabeça. E
agora, tudo que eu quero fazer é isso...” minha boca foi para baixo e
capturou a dela.

O gosto dela era uma anomalia pela qual eu tinha ansiado –


doce e perversa e sexy, tudo junto. Deus, eu tinha sentido falta da sua
pequena boca suave. Eu a segurei mais perto e aprofundei o beijo.
Como era possível alguém se sentir assim? Como no paraíso em seus
braços?”

“Lembra do que eu te disse?” suas mãos correram pelas minhas


costas.

Leylah Attar
“Baby, eu não consigo lembrar nem o meu nome agora.” Eu
procurei seu pescoço, me perdendo no cheiro do seu cabelo.

“Eu disse..." ela agarrou uma mecha do meu cabelo e puxou


minha cabeça para trás, “... se você estivesse um dia na Inglaterra, eu
reivindicaria isso.” Ela apertou minha bunda, forte o suficiente que me
pegou de surpresa. “E isso.” Ela correu a língua nos meus lábios. “E
isso.” Ela foi onde definitivamente não deveria ter ido. Todo o meu
comedimento se foi.

“É assim, huh?” eu rosnei, levantando-a nos meus braços.


“Nesse caso, vamos para algum lugar onde você possa obter suas
reivindicações apropriadamente.”

Minha intenção era carrega-la para cima, mas não tinha como
subirmos desse jeito. Não naquelas escadas. Bati minha cabeça no teto
inclinado e acabei balançando-a nos meus braços, o que acabou
raspando seus joelhos contra a parede.

“Porra de lugares pequenos.” Eu a abaixei devagar, saboreando


suas curvas contra mim. “Você está bem?” esfreguei minha cabeça e me
empurrei atrás dela.

Oh Deus, essa bunda.

O quarto dela era exatamente como eu tinha imaginado.


Aconchegante e confortável. Livros, quadros, paredes discretas,
lavandas em um vaso na penteadeira.

“O que é isso?” peguei a brochura na sua cama e abri no


marcador de livro.

“Me dê isso.” Ela tenta pegar de mim, mas eu segurei longe dela
conforme olhei a página.

“Isso é uma coisa sexy, Rodel.” Eu comecei a ler a cena em voz


alta enquanto ela me batia com seu travesseiro. Eu segurava o livro
com uma mão e me defendia do seu ataque com a outra.

Leylah Attar
“Pare!” ela estava respirando com dificuldade, tanto de rir como
pela sua luta sozinha. Ela era tão linda, que eu parei só para olhar para
ela.

“Isso é o que acontece na hora de dormir, huh?”

Ela puxou o livro de mim e jogou embaixo da cama. Ela estava


deitada em cima de mim, sua barriga indo para cima e para baixo com
a subida e descida dos seus pulmões.

“Senti sua falta.” Ela traçou as linhas do meu rosto, seu cabelo
caindo como uma cortina em volta de mim. “Você é como o capítulo
rompido da minha estória favorita.”

Algo feroz tremeu dentro de mim conforme coloquei um lado do


seu cabelo atrás da sua orelha. Como eu podia explicar para ela a fome,
o desejo, a obsessão? As pequenas memórias vivas dela, sempre na
minha cabeça? Eu não podia. Então a beijei. Com todas as palavras que
eu não podia formar. Meus braços travaram em volta dela e ela derreteu
em mim com um suspiro.

Era um amor suave, macio. O calor aumentando sob nossa pele.


Roupas tiradas. Uma série de beijos no peito dela. Suas pernas
deslizando contra as minhas. O entusiasmo de reaprender suas curvas.
A plenitude indescritível de segura-la, de ver seu corpo responder às
sensações que eu estava fazendo-a sentir.

Eu tinha fome dela e fome em dar prazer a ela. Com as minhas


mãos e meus lábios e minha língua. Eu adorava como ela gozava – o
corpo envergado, a boca aberta, a carne quente se arrepiando sob meu
toque. Cada vez que ela chegava no topo, eu queimava um pouco mais,
e então eu me afundei nela – profunda e completamente.

Deus. A sensação do corpo dela se abrindo para mim, se


moldando em volta de mim como uma luva quente e úmida. Sua língua
na minha boca. A maneira como suas mãos me seguravam. A maneira
como sua perna se enrolava no meu quadril. Eu mordi seu ombro
quando o animal dentro de mim despertou. E daí era tudo uma paixão

Leylah Attar
primal, nada além dos sons de seus grunhidos macios. Minha
libertação deveria ser rápida, mas eu segurei, não querendo que
acabasse. Estar dentro dela era como uma droga. Estar dentro dela era
pura euforia. Eu peguei o soluço que escapou dela conforme seu corpo
enrijeceu. Ela estava gozando de novo.

“Sim,” Eu grunhi conforme ela se contorceu embaixo de mim.


“Foda-se, sim.” E então eu cedi à explosão de sensações que me
tomaram, me sacudindo.

Na sequência, ela deslizou a perna entre as minhas e colocou a


cabeça no meu peito. Eu podia sentir seus cílios contra a minha pele
cada vez que ela piscava. Era a menor vibração – a sensação mais suave
– mas ela tranquilizava a dor quente, transbordante que a sua ausência
tinha deixado. Uma onda de plenitude correu sobre mim, conforme
devagar, gradualmente, ela fechou os olhos e caiu no sono nos meus
braços.

A luz de fora passava pela cortina e fazia desenhos na parede. A


noite era diferente, tão diferente da fazenda. O som de um carro
solitário passando, as conversas abafadas das pessoas andando, folhas
batendo na janela. Meus dedos estavam pendurados para fora da cama
pequena dela. Minha cabeça estava descansando em um travesseiro
bagunçado de estampa floral. Grampos de cabelo caídos no chão.
Perfume e creme e pequenos vidros na penteadeira. Eu sorri e trouxe
Rodel para mais perto. Ela se aninhou em mim com um suspiro de
prazer.

Eu estava a milhas de casa, mas me sentia exatamente onde eu


pertencia.

Leylah Attar
ACORDEI cedo na manhã seguinte. Por alguns lânguidos
momentos, eu deitei na cama curtindo o calor da mulher dormindo ao
meu lado. Meus olhos vagaram sobre sua sobrancelha, os pequenos
cabelos que se misturavam, a almofada rosa e macia dos seus lábios.
Coloquei a ponta do meu dedinho no vão entre seu nariz e o lábio de
cima. O philtrum. Eu tinha procurado. Era meu. Eu me encaixava ali
perfeitamente. Como todo o resto dela. Cada parte de mim era feita para
se encaixar em uma parte dela.

Meu desejo se mexeu, quente e pesado, embaixo das cobertas.


Eu a queria com uma ânsia que não tinha limites. Ela era linda e
devastadora. Como o amor deve ser. Eu podia ficar para sempre nos
cantos da sua mente e nunca me cansar. Eu poderia beijar seus lábios
toda manhã e ainda assim não saber todos os sabores se sua alma. Eu
tinha ido longe por essa mulher – tão longe que isso me aterrorizava.

Eu puxei o edredom sobre ela e saí da cama, sorrindo quando


ela se aconchegou mais. Nós tínhamos acordado e feito isso de novo. E
de novo. Eu a tinha deixado exausta. Da melhor maneira possível.

Tome isso, eu disse para o livro caído no chão. Então parei e


folheei. Hmm. Talvez possamos fazer isso essa noite. Não. Isso. Isso é
ainda mais quente. Meu Deus.

Quando Rodel desceu, eu estava no sofá, pés para cima, olhos


fundos em um romance.

“Jura?” ela se arrastou para cima de mim e me beijou. “Eu não


sei o que acho mais sexy. Você lendo esse livro ou a sua cara ao

Leylah Attar
acordar.” Seus dedos traçaram meu maxilar. “Ainda não estou
acostumada a ver você sem barba.”

“Faz diferença quando faço isso?” eu a puxei e reivindiquei seus


lábios.

“Espera!” ela resgatou o livro ficando amassado entre nós. “Oh.


Meu. Deus. Você entortou as bordas do meu livro?” ela sentou e
folheou.

“Só as partes que eu acho que devemos re-atuar.”

“Jack.” Ela balançou a cabeça sofrendo. “Você nunca, jamais


dobra um canto em um livro.”

“Você fica tão quente quando fica toda nerd comigo.” Sua
camisola estava alta em suas coxas, seus lábios amuados e ela estava
balançando o livro como se ele fosse uma criança machucada. “Quer
saber..." eu a virei para ela ficar de quatro, seu nariz acomodado nas
dobras do livro “... eu faço muito sexo com você. Na minha cabeça.
Assim.” Eu apertei sua bunda e esfreguei meu pau latejante na sua
calcinha. “Leia para mim, Rodel. Leia para mim enquanto eu transo
com você.” Eu coloquei o tecido da calcinha de lado e deslizei um dedo
dentro dela. Ela soltou uma gemido abafado.

“Você está enterrando sua cara nesse livro? Rodel?” Eu


perguntei. "Você nunca, jamais maltrata um livro assim. Essa bunda
sexy, sim.” Eu dei uma palmada em sua bochecha redonda. “Mas o
livro...” eu agarrei seu cabelo e puxei, então ela estava olhando para
baixo para as páginas na sua frente. “Leia, Rodel. A menos que você
queira que eu pare?” deslizei outro dedo dentro dela e mordi atrás do
seu pescoço.

A voz dela tremeu conforme ela começou a ler os trechos em voz


alta. Ela ficava se perdendo. Eu ficava lembrando-a. Um pequeno
empurrão, um pequeno tapa, para manter sua mente no jogo. Seu
corpo se torcia contra o meu, tragando meus sentidos, devorando meu
desejo, até que o ar estivesse pesado com necessidade quente.

Leylah Attar
Ela abriu a boca para dizer alguma coisa, mas eu enfiei nela, o
livro caiu e a única palavra que escapou dela foi: “Unghhhh”. Era um
sussurro indecifrável, vindo da garganta que era mais quente e
alucinante do que todas as palavras eróticas que eu a tinha feito ler.

BRUNCH DE DOMINGO com a Rodel, em sua cozinha - um que


eu tinha tentado imaginar muitas vezes durante os longos e solitários
meses sem ela. A cozinha dela. O banheiro dela. Para o que ela vinha
para casa. Que tipos de pratos ela usava. O que ela via do lado de fora
da janela. Pedaço por pedaço, minha mente juntava todos os pequenos
pedaços faltando como um catador em uma busca ao tesouro.

Nós sentamos em volta da ilha gasta que servia como sua mesa
de jantar. A pintura tinha saído nas pontas e beiradas. Como todo o
resto, parecia caseiro e aconchegante. As vigas no alto, os tetos
inclinados, a pátina gasta das paredes – elas todas tinham tons suaves,
brilhantes conforme a luz do sol corria pelas janelas.

Rodel se serviu uma xícara de café e colocou duas colheres de


açúcar. Ela foi até a geladeira, enfiou a cabeça dentro e começou a tirar
as coisas.

Deus, ela fazia ideia de como ela ficava abaixada assim?

“Sem Coca-Cola.” Ela se esticou e virou. “Suco de laranja?”

Eu ri. Uma parte de mim queria dizer a ela para continuar


procurando. “Suco de laranja está ótimo.” Fiquei ridiculamente feliz que
ela lembrava do que eu gostava de beber de manhã.

Ela tomou um gole do café e se esticou no armário para pegar


um copo para mim. Ela estava colocando o suco quando peguei a caixa
dela e coloquei no balcão. Eu a virei para mim para ficarmos cara a
cara, ela em pé entre as minhas pernas, enquanto eu sentava no banco.

Leylah Attar
“Bom dia, Srta. Emerson.” Eu beijei o buraco pulsando na base
da sua garganta. Não conseguia ter o suficiente dela. Tinha vivido dias e
noites demais sem senti-la.

“Já passou do meio-dia agora.” Ela deu risada. “Boa tarde, Sr.
Warden.”

Seus lábios suaves e quentes eram intoxicantes, mas quando ela


girava sua língua dentro, explorando os recessos da minha boca, o
desejo se agitava entre as minhas pernas. Mas só depois de um tempo,
porque outra coisa me ocorreu. Coloquei minha cabeça para trás e
franzi a testa.

“O que está errado?”

“Faça isso de novo. Beije-me.”

“Sim, senhor.” Ela riu e foi para os meus lábios, seus braços
enrolando em volta do meu pescoço conforme me beijava, devagar e
profundo.

“Isso é estranho,” eu disse. “Não estou ficando com ânsia.”

“Espero que não.” Suas sobrancelhas levantaram. “Você está


surpreso que meus beijos não estão te deixando com ânsia?”

“Não. Não seus beijos.” Eu deslizei sua xícara na sua direção. “O


café. Posso sentir o gosto dele em você.”

Uma luz pareceu acender na cabeça dela. Ela deu outro gole no
café e me beijou. Dessa vez o sabor dele era quente e forte na boca dela
– doce como inferno por causa de todo o açúcar que ela tinha colocado,
mas bom e encorpado, com um leve toque de nozes.

“Café Kona,” eu murmurei contra seus lábios. “Do Havaí.”

“Muito bom.” Ela deu um passo para trás e olhou para mim. Não
importava de onde diabos ele vinha. O que importava era que não me
deixava enjoado ou com náusea. “Você gostaria de um pouco?” ela me
serviu uma xícara e observou eu inalar o aroma dele.

Leylah Attar
Dei um gole hesitante e esperei pela ânsia horrível que me
atormentava desde o ataque ao shopping.

Nada.

Na verdade, minhas papilas gustativas queriam mais.

Café. Minha fraqueza, meu sustento, minha paixão. Eu tinha


processado quase o equivalente a um ano de colheita sem uma única
xícara. Sentir o gosto dele em Rodel, misturado com sua respiração
doce, tinha me curado. Ou talvez ela tivesse me curado com aquele
primeiro beijo. Ou na vez que ela disse que me amava. Eu nunca
saberia. Tudo que eu sabia era que ela preenchia todos os buracos
doloridos no meu coração.

“Você está bem?" Ela perguntou, enquanto eu segurava meu café


e olhava como o sol pegava as manchas cor de mel dos seus olhos.

“Estou bem,” menti. Você já se sentou na frente de alguém,


totalmente vestido, e sentiu ele devagar abrir seu coração? Alcancei a
mão dela e apertei. “Senti tanto a sua falta. Tanto que meu coração
ainda dói.”

“Bom.” Ela colocou um bolo na boca.


“Ficophfelizphquephnaophsouphaphunica.”

Eu ri e tomei mais café. “O que vamos fazer hoje?” eu sabia o


que eu queria fazer. Absolutamente nada. Exceto, se possível, comprar
uma cama maior.

Ela colocou o bolo no prato e ficou quieta. “Quanto tempo você


vai ficar Jack?”

Eu não sabia como dizer a próxima parte porque sabia que ela ia
brigar comigo. “Quanto tempo você gostaria que eu ficasse?”

“Ha.” Ela me deu um pequeno sorriso e começou a limpar o


balcão.

“Ei.” Eu a abracei por trás conforme ela colocava a louça na pia.


“Diga. Converse comigo.”

Leylah Attar
“E se eu dissesse que quero você aqui, sempre e para sempre?”
ela segurou a cabeça para cima, os olhos na janela.

Eu engoli. Ela tinha coragem de me perguntar o que eu não


tinha tido de perguntar para ela. “E se eu dissesse ok? E se eu dissesse
que ficaria? Sempre e para sempre.”

Ela endureceu nos meus braços. A torneira pingava pequenas


gotas de água na tigela.

“Não é engraçado.”

“Parece que estou tentando ser engraçado?” eu a virei.

Ela buscou meu rosto com seus olhos de café. “Você não pode...
você não pode simplesmente largar a fazenda. É sua casa, seu legado. E
tem Goma.”

“Sim, e ela chutou a minha bunda por eu não ter vindo antes.
Ela disse que se ela me pegasse vagando pela fazenda mais um dia, ela
pegaria seu rifle e me tiraria da minha miséria ela mesma. Ela ameaçou
vender sua parte da fazenda e acabar com isso, se era ela que estava
me mantendo longe de você. Ela disse que quer ir em cruzeiros pelo
resto da vida, ver o mundo, ter aulas de zumba, e dançar nos decks a
noite toda, com o dinheiro que faria com isso.”

Uma pequena risada escapou de Rodel antes dela ficar séria.


“Ela está mentindo. A fazenda é tudo para ela. Assim como você.”

“Eu sei.” Eu esfreguei sua bochecha querendo limpar o olhar em


seus olhos, aquele que dizia que nunca daríamos certo. “Às vezes temos
que libertar as pessoas que amamos porque as amamos – porque suas
esperanças e sonhos estão em outro lugar. Essa é a razão de eu ter te
libertado, a razão para eu nunca ter pedido para você ficar. E é por isso
que Goma está me deixando ir, porque meu coração já está com você, o
dia todo, todo dia. Então se você me quiser, sempre e para sempre, aqui
estou.”

Leylah Attar
Eu tinha percebido seus olhos acenderem quando disse a ela.
Eu pensei que ela ficaria um pouco tonta. Minha garota de auréola de
arco-íris, a garota tudo ou nada. Mas ela só olhou para mim, seus olhos
brilhando, e o mesmo aconteceu comigo. Que diabos!

“Não.” Eu beijei a ponta do seu nariz. “Pare com isso, Rodel. Eu


não vim isso tudo para uma goiaba.”

Ela riu, um pouco gaguejando e limpou os olhos. “Eu pensei que


você amasse todas as minhas caras.”

“Eu amo, querida.” Eu a puxei mais perto, meus braços


apertando em volta dela. “E eu quero passar o resto da minha vida
conhecendo todas elas.”

Ela não disse nada por um tempo. Ela só descansou a cabeça no


meu peito e me deixou segura-la.

“Eu teria ficado.” Suas palavras eram abafadas contra minha


camisa. “Se você tivesse me pedido, eu teria ficado.”

Meu coração inchou de emoção. Eu sabia que ela teria. Ela teria
se rendido por mim. Então como eu poderia não fazer o mesmo por ela?

Leylah Attar
ELA ARRUMOU ESPAÇO para mim no seu guarda-roupa. Ela
mal tinha o suficiente para ela. Eu gostava da maneira como minhas
camisas pareciam ao lado das roupas dela – como se fizessem parte
dali.

“É só por agora,” ela disse, encostando na cama e me


observando como se pudesse ler a minha mente. “Não vou deixar você
fazer isso. Não vou deixar você largar a fazenda.”

Ela era teimosa, e me deixava louco.

“Você ainda está brigando com isso?” eu fechei minha mala vazia
e coloquei embaixo da cama. “Eu apareço, querendo reconstruir minha
vida toda ao seu lado, e é isso que eu ganho?”

“Ei, você ganhou quinze centímetros no meu armário. Não é tão


desprezível.”

“Ah é?” eu segurei os tornozelos dela e a puxei para a beirada da


cama, para meu quadril ficar entre suas pernas. “Como isso é justo,
considerando que você tem mais do que quinze centímetros. Toda vez.”

“Convencido.” Ela corou e se agitou para longe de mim.

“Provoque.” Eu adorava que nunca sabia o que teria dela. Às


vezes dengosa. Às vezes ousada. “Tenho algo para você.” Andei até o
guarda-roupa e peguei minha jaqueta pendurada. “Da Scholastica.” Eu
peguei uma carta do bolso de dentro e entreguei a ela.

Seus olhos se acenderam conforme ela leu. Era uma única frase
que usava a folha inteira.

Leylah Attar
“Eu tenho escrito para ela. É uma boa prática para nós duas.”
Ela apontou para um dicionário inglês-sauile na prateleira. “Ela escreve
em inglês, eu respondo em sauíle.”

Eu sabia disso. Eu dirigia uma hora até o correio em Amosha


para mandar as cartas de Scholastica. Eu tinha até encorajado isso.
Porque quando a resposta vinha, eu a segurava perto, o caminho todo
de volta para sentir o cheiro de Rodel nela.

“E o Billy?” perguntei. “Você escreve para o Billy?”

“Nunca vou renegar aquele.” Ela riu.

“Não se eu puder evitar. Mas eu poderia ser persuadido a


esquecer.”

“O que você tem em mente?”

“Para começar...” eu sentei no chão ao lado da cama, olhando


para longe dela. “Aquilo que você faz com seus dedos no meu cabelo.”
Eu encostei para trás e me entreguei à sensação dela massageando meu
couro cabeludo.

“Então, como está Scholastica?” ela perguntou, esfregando


pequenos círculos que me faziam ronronar com seu toque. “O inspetor
Hamisi conseguiu alguma coisa sobre o pai dela?”

“Infelizmente não. Gabriel está agora oficialmente listado como


desaparecido. Temos quase certeza que houve algum tipo de sujeira
envolvida, mas nunca saberemos. Corta meu coração as vezes, quando
olho para Scholastica. Seu pai era um homem excepcional. Eu sempre
soube das coisas terríveis que acontecem com crianças como
Scholastica, mas nunca fiz nada. Mas Gabriel, ele estava ajudando-as,
quieto, sem qualquer tipo de compensação, de uma maneira que
nenhum de nós se envolveu. Ele provavelmente perdeu a vida por isso,
e ninguém vai reconhecer seu pai como um herói. Terei certeza dela ter
orgulho do que ele fez e o que ele significou."

Leylah Attar
“Jack?” os dedos de Rodel pararam. “O que acontece com
Scholastica se você está aqui? Goma não pode cuidar dela sozinha.”

“Goma não terá que fazer isso.” Eu virei e olhei para ela.
“Josephine Montati ofereceu um emprego no orfanato para a irmã do
Gabriel. Anna sente como se tivesse tendo a oportunidade de continuar
com o trabalho do irmão, e está ansiosa para ter sua sobrinha de volta.
Ela está empolgada que podem estar juntas de novo. Temos trabalhado
em uma nova habitação para as crianças e a equipe. Uma vez que esteja
pronta, Scholastica se mudará com suas primas e tia.”

“Que ótimo.” Rodel assentiu, como se tentando convencer a si


mesma. “É realmente ótimo.”

“Mas...”

“Mas você vai sentir falta dela. Posso ver que já está sentindo.”

Doía como inferno deixar outra menininha entrar na minha vida


e depois deixa-la ir. Tão difícil quanto eu tentava evitar que isso
aparecesse, eu não podia esconder isso de Rodel. “Não é sobre mim. É
sobre o que é melhor para Scholastica. Ela sempre terá a mim, mas
agora ela estará com sua família, em Wanza. Eu acho que é isso que
Gabriel iria querer para ela. E eu ainda estarei trabalhando com
Josephine e Anna. É um processo em andamento. Livros, materiais,
cuidado médico. Precisamos colocar tudo em ordem.”

Rodel mordeu seu lábio por um tempo, mas não podia impedir
seus pensamentos de voarem. “É só um Band-Aid, né? Você pode
colocar todo o dinheiro do mundo lá, mas não vai resolver o problema.
Essas crianças vão continuar a aparecer no orfanato até as pessoas
começarem a pensar diferente, até elas pararem de acreditar nas
superstições sobre elas.”

Era verdade, e eu não podia negar. Dobrei a carta de Scholastica


e coloquei de volta no envelope. Nada disso era fácil. Para ninguém.

“Você é necessário lá, Jack,” disse Rodel. “Goma precisa de você.


O orfanato precisa de você. A fazenda precisa de você.”

Leylah Attar
“E quanto ao que eu preciso?” algo acendeu dentro de mim.
“Você acha que é fácil para mim? Você acha que eu quero ficar aqui,
discutindo sobre coisas que eu fiquei revirando na minha cabeça todo
santo dia? Estou aqui porque eu preciso de você, mas se você vai
começar a listar os motivos contra nós, então precisamos desistir. Aqui,
agora.” Eu olhei para ela e desci as escadas. Bati minha cabeça no teto
de novo e olhei para ele também.

“Camas pequenas, armários pequenos, porra de escada


pequena,” eu grunhi.

Ela desceu um pouco depois, segurando sua bolsa e um guarda-


chuva. “Precisamos ir até a loja de ferragens.” Ela olhou para mim
ansiosa.

“Para que?” eu ainda estava puto.

“Para comprar alguma coisa para os entalhes que você deixa


cada vez que desce essa porra de escada.”

Era sua maneira de me dizer que queria que eu ficasse. Sem


mais discussões sobre isso.

“Qual a palavra mágica?”

“Pleasi?10” O sauíle dela era dramático, mas sua voz era macia e
seus olhos tinham um brilho porque ela sabia que me tinha.

“Com certeza você pode ir até a loja sozinha, Harris.”

“Do que você me chamou?” seus olhos arregalaram.

“Está certo. Eu conheço seu pequeno segredo sujo.”

“Como você..."

“Traga sua bunda linda aqui e me dê a porra de um beijo.” Eu


bati no meu colo. “Não vou a lugar nenhum até me reconciliar com
sexo. Com Harris.”

10 Por favor?

Leylah Attar
Um sorriso perverso apareceu em seus lábios. “Ah, você quer
encontrar Harris?”

Ela deslizou a bolsa do ombro. Ela caiu no chão com um baque.


Ela jogou o guarda-chuva e se despiu para mim, um botão de cada vez,
devagar, me dando pequenas visões da renda do seu sutiã que ela tinha
por baixo.

Foda-se meu coração.

Eu tinha a sensação que ia realmente gostar de conhecer Harris.

Leylah Attar
ERA VERÃO, o interior inglês era bonito, e eu me recusava a
desperdiçar um único momento. Eu não me lembrava da última vez que
eu tinha dias para mim mesmo, dias que eu esbanjava com Rodel. Nós
ficamos em uma pousada pitoresca, e acordei escovando nossos dentes
perto dos cavalos mascando feno do lado de fora da nossa janela.
Comemos peixe e batatas, embrulhados em jornal. Eu enchi o meu de
vinagre. Rodel embebeu o dela com catchup. Algumas noites, nós
sentávamos no terraço da Rodel, vendo os tijolos dourados mudarem de
ocre para cobre para conhaque sob a luz do sol se pondo. Nós
relaxamos no bar local até as ruas estarem vazias e andávamos para
casa de mãos dadas e inventando letras de músicas esquecidas. Eu
sentia uma pontada de culpa cada vez que pensava na fazenda, mas
estava a venda, e eu tinha contratado alguém para cuidar das coisas
até aceitarmos uma oferta. Goma começou a desligar o telefone comigo
depois de um tempo e me disse que eu estava a cerceando.

Os pais de Rodel vieram nos ver. Exploramos fortes e palácios,


encontrados em vilarejos charmosos. Eu ganhei luz verde depois que o
pai dela examinou minhas mãos. A sujeira estava saindo debaixo das
unhas.

“São mãos boas,” ele declarou. “Grandes, fortes, boas mãos!


Céus, qualquer homem que possa tirar o nariz da minha filha dos livros
tem meu voto.” Ele me pagou mais uma rodada de cerveja, enquanto
Rodel e sua mãe cantavam um karaokê terrível sob luzes fracas.

Leylah Attar
“Tem certeza que você não é adotada?” perguntei, na manhã
seguinte que eles partiram.

“Mo se parecia mais com eles.” Ela mexeu seu café


despreocupadamente. “Eu gostaria que eles tivessem ficado mais uma
noite, principalmente já que hoje faz um ano do ataque no shopping.”

Eu apertei minha mão na dela. Estávamos sentados no terraço,


olhando o rio, com uma nevoa de lavandas e rosas em volta de nós. Era
incrível pensar que eu tinha sobrevivido um ano inteiro sem Lily. Muito
disso tinha a ver com a linda mulher sentada na minha frente.

“Ei.” Eu não podia suportar a tristeza na cara dela. “Esqueci de


te mostrar uma coisa.” Liguei o celular e mostrei um vídeo para ela

“Oh, meu Deus.” Ela sorriu. “É Bahati. E Olonana. Mas Olonana


está mancando. Acho que ele nunca se recuperou completamente do
seu encontro com K.K.? O que eles estão fazendo?”

“É uma cerimônia Maasai. Bahati está recebendo seu nome de


guerreiro.” Eu assisti o vídeo com ela e expliquei o que estava
acontecendo.

“E o que Bahati está vestindo?” ela riu. “Jeans de marca,


camiseta de marca, e um cocar tribal elaborado.”

“Ele está nos dois mundos, e ambos são igualmente válidos. Eu


não acho que ele vá virar as costas para nenhum. É quem ele é, e ele
tem orgulho disso.”

“Oh, e lá está Lonyoki, o pajé deles! O que ele está dizendo?” ela
se esforçou para pagar suas palavras. “Que nome de guerreiro ele
acabou de dar a Bahati?”

“Nem sei.” Eu dei risada. “Ele ainda usa Bahati. Disse que é
muita chatice mudar tudo na sua mídia social.”

“Então, ele está bem? Ele se reconciliou com seu pai, mas ainda
faz o que gosta?” ela perguntou, conforme Olonana e Bahati ficaram
lado a lado para as fotos.

Leylah Attar
“Acho que Olonana calculou que tem filhos suficientes para
deixar um sair do boma. Acho que ele está orgulhoso de Bahati ter
encontrado seu próprio caminho.” Deixei de lado meu celular e
terminamos nosso café da manhã.

Estávamos prestes a entrar quando vi algo boiando no rio. Bem,


o que eles gostavam de chamar de rio. Eu chamava de piscina rasa
infantil. Tinha trinta centímetros de profundidade e a água era tão
limpa que você podia ver as pedras no fundo. Talvez ele virasse um rio
mesmo mais para frente, ou quando chovesse. Quando eu pensava em
rio, eu pensava em crocodilos se estendendo na margem.

“Rodel, tem um pato de plástico na água.”

“Oh, Deus.” Ela bateu na testa. “Esqueci completamente. Há


uma corrida de patos de borracha para caridade, hoje. Eu me
voluntariei para ajudar.” Ela olhou para o relógio e agarrou minha mão.
“Venha. Ainda podemos fazer isso.”

Multidões de pessoas já estavam alinhadas nas pontes que


cruzavam o rio. Algumas delas estavam na água, as calças enroladas
em cima dos joelhos, enquanto patos de borracha eram lançados de
uma ponte e faziam seu caminho serenamente em direção a elas.

“O suspense é real, Rodel. Não tenho certeza que posso lidar


com a tensão.”

“Vá patrocinar um pato.” Ela me empurrou em direção a mesa


perto da dela. “Vou demorar um pouco.”

Eu nunca, jamais nem em cem anos pensei que eu fosse dizer as


palavras que saíram da minha boca a seguir, mas eu as disse. Por ela.

“Gostaria de patrocinar um pato de plástico, por favor.”

“São dez libras.” Um dos voluntários pegou meu dinheiro e me


deu um pato. “Boa sorte, cara.”

Segurei o brinquedinho de plástico na palma da minha mão. Ele


olhava de volta para mim com seu bico laranja. “Certo, carinha. Mostre-

Leylah Attar
me o que você tem.” Encontrei um lugar para lançar meu pato. As
pessoas pareciam abrir espaço para mim. Tomei isso como um bom
sinal. Meu pato era um fodão. Rodel acenava para mim loucamente
conforme eu parei ali, mais alto que todo mundo na ponte.

“Não me decepcione na frente da minha mulher,” eu disse ao


pato, enquanto o segurava em cima da água, esperando o próximo sinal
de lançamento.

“Desculpe, senhor.” Uma mão pesada pousou no meu ombro.


“Vou ter que pedir para o senhor parar agora.”

Eu me virei para a cara de um policial solene, com um cassetete


na mão.

“Acabamos de receber uma reclamação,” ele disse.


“Aparentemente, há um estatuto antigo que diz que o rio e a grama do
vilarejo não podem ser usados aos domingos para propósitos de
angariação de fundos.”

Eu olhei a área e notei carros de polícia em volta de nós. Oficiais


uniformizados estavam retirando as pessoas das pontes e recolhendo
pássaros amarelos de plástico da água. Rodel estava dobrando sua
mesa.

“Sem corrida de pato de plástico?” perguntei.

“Eu o aconselharia a deixar para lá ou encare a prisão.”

Por um momento, eu considerei soltar meu patinho.

Corra. Nade livre, meu amigo.

Eu podia alegar que não tinha entendido as instruções do


policial. Mas tirei meu pato e me estiquei. “É um pouco pesado, não
acha?”

“Só estou fazendo meu trabalho.” Ele parecia constrangido.

“Está tudo bem?” Rodel se aproximou de nós e parou ao meu


lado.

Leylah Attar
“Ele não me deixa brincar com meu pato de borracha, Rodel.”

“Tudo bem.” Ela sorriu para o policial e começou a me puxar


para longe. “Estou com ele.”

Eu segurei meu pato enquanto ela me levava para uma casa de


chá do outro lado da ponte.

“Essa é a sua solução para a atrocidade que acabamos de


testemunhar?” eu tive que me inclinar para entrar no estabelecimento.
“Um chá da tarde?”

Ela me ignorou enquanto a garçonete nos levou para uma mesa


perto da janela. Nós observamos a polícia tirar os patos com redes de
pesca e tranca-los em seus veículos.

“Desculpe que você teve que ver isso,” Rodel disse ao meu pato,
virando-o da janela.

Meus ombros começaram a sacudir. Eu não podia evitar a


explosão de risada que saiu da minha boca. Eu tinha vindo segurando
há muito tempo. A cara de Rodel explodiu em uma risada. E então
estávamos inclinados sobre a mesa, rindo até nossas costelas doerem.
Em volta de nós, policiais seguravam sanduiches no ar, nos observando
como se tivéssemos perdido a cabeça.

“Não,” eu balancei a cabeça quando a garçonete finalmente teve


coragem de vir até a nossa mesa com um bule de chá. “Café para mim.”

Eu podia finalmente beber a coisa. Nada mais iria tirar isso de


mim agora.

Rodel fez o pedido para nós e encostou na sua cadeira. “Eu


adoro quando você ri.” A voz dela era macia enquanto ela olhava para
mim. “Você sabe o que é incrível?”

“O quê?”

“Nós dois sentados aqui rindo, um ano depois que perdemos Mo


e Lily.”

Leylah Attar
Nossas mãos se uniram silenciosamente sobre a mesa e deram
conforto um ao outro.

“Eu liguei para Sarah hoje,” eu disse. Não tínhamos nos falado
desde o funeral da Lily, mas eu sabia que ela sentia falta dela tanto
quanto eu, e hoje principalmente, eu senti necessidade de falar com a
minha ex.

“E?”

Balancei a cabeça. “Não acho que ela vá um dia me perdoar pelo


que aconteceu com Lily.”

Rodel apertou a minha mão suavemente. “As pessoas vão amar


você. As pessoas vão odiar você. E isso vai sempre ter mais a ver com
elas do que com você.”

Sentamos em um silêncio confortável, perdidos em nossos


pensamentos, até nossa comida chegar.

No caminho para casa, Rodel me cutucou para uma livraria.


“Vamos entrar aqui.”

Placas de metal e imãs de geladeira estavam pendurados nas


paredes. Bonecas de porcelana alinhadas em uma vitrine fechada perto
do caixa.

“Eu já volto. Dê uma olhada por aí.” Disse Rodel, seguindo para
o fundo da loja.

Eu mexi nos sinos de vento enquanto esperava por ela.

“Pronto!” ela anunciou.

Eu me virei e congelei. Seu rosto estava quase sumido atrás de


um buquê com seis balões amarelos.

“Você ainda os mantem em seu escritório?” ela perguntou.

“Algumas pessoas gostam de manter flores. Eu gosto de balões


amarelos.”

“Bem, então venha.” Ela me puxou para fora pela mão.

Leylah Attar
“Onde estamos indo?” a visão dela andando pela rua assim, me
lembrou de Lily correndo na minha frente no shopping, segurando seus
balões. Isso fez alguma coisa no meu coração.

As faixas da corrida de patos estavam penduradas em cima de


nós conforme ela me levava para uma das pontes de pedra sobre o rio.
As pessoas tinham se dispersado, e o rio se esticava na nossa frente.
Alguns turistas sentavam nas margens com grama. Árvores de faia,
salgueiros e castanheiras balançavam com a brisa de verão.

“Aqui.” Rodel me deu os balões conforme paramos na ponte.


“Para Lily.”

Minha garganta travou conforme peguei os balões dela. Peguei


três barbantes e dei para ela. “Para Mo.”

Seus olhos brilharam com lágrimas não derramadas, mas ela me


deu um sorriso. “Juntos?”

“Juntos.”

Nós soltamos os balões e os vimos subirem para o céu. Era azul,


e infinito.

Alguma coisa flutuou dentro de mim, como uma pena, enquanto


os balões subiam mais e mais alto. As últimas palavras da Lily: vejo
você do outro lado.

“Vejo você do outro lado, minha bebê,” eu repeti para ela.

Rodel passou um braço em volta da minha cintura conforme os


balões desapareciam de vista. Beijei o topo da sua cabeça e começamos
a andar para fora da ponte.

“Desculpe, senhor.” Uma mão pesada apoiou no meu ombro.

Virei e encarei o mesmo policial de antes.

Que merda.

“Deixe-me adivinhar,” eu disse. “Há um estatuto antigo que diz


que não é permitido balões aos domingos?”

Leylah Attar
Ele levantou a mão com expectativa.

“Ah.” Eu peguei o pato de borracha que estava embaixo do meu


braço. “Nós não íamos colocar ele na água.”

Ele parecia mais inflexível.

“É mesmo? Nem na minha banheira?”

Ele limpou a garganta e nos deu um acena curto. “Muito bem,


então. Continue.”

Esperei até ele estar fora da ponte antes de apertar o pato e ele
fazer barulho.

“Jack!” Rodel bateu no meu braço.

“Salvamos um.” Segurei o pequeno pássaro gorducho na frente


dela. “Nós precisamos retorna-lo ao seu habitat natural.”

UM BANHO DE BANHEIRA

Mas só para o pato de Rodel. Eu não podia entrar sem que a


água transbordasse.

“Porra de banheira pequena,” eu disse, conforme mergulhei a


esponja na água e esfreguei as costas dela.

“Ninguém disse que o amor é fácil.” ela apoiou a cabeça na


beirada e olhou para mim, de cabeça para baixo.

“Grande amor, você disse.” Eu repeti as palavras que ela tinha


me dito no balanço, na noite que tínhamos voltado de Wanza. “Enorme,
você disse.” Esfreguei meus lábios na sua testa. “Você omitiu as
pequenas partes.”

A risada dela era como dentes-de-leão alegres no campo. Eu não


me canso disso. Eu faria qualquer coisa para fazer isso acontecer de
novo e de novo.

Ela deslizou para trás e ficou quieta. “Sinto falta da Tanzânia.”

Leylah Attar
“É apenas um voo de distância. Diga e podemos visitar.
Qualquer hora que você queira.” Eu derramei água em seus ombros
ensaboados.

“Não.” Ela segurou a minha mão. “Não quero dizer visitar. Hoje,
quando vi você soltar aqueles balões, eu percebi que você estava comigo
quando você deveria estar com Lily. Embaixo daquela árvore. Ao lado
dela. Se o corpo da Mo tivesse sido recuperado, é onde eu iria querer
estar. Eu não tenho isso, mas você tem. E não é só Lily. São seus pais,
seu avô, toda sua família.”

“Não vamos entrar nisso de novo, Rodel.” Comecei a me levantar.

“Você não está ouvindo.” Ela segurou meu pulso. “Eu disse que
eu sinto falta da Tanzânia. Eu amo esse lugar,” ela gesticulou em volta
de nós, “mas a Tanzânia...me mudou. Foi como descobrir algo que eu
não sabia que eu estava procurando. Eu não fui a mesma desde então.
Eu teria ficado Jack, mas eu não podia simplesmente pular dentro, não
de um lado só. Eu precisava que você segurasse a minha mão porque
era assustador, porque eu não podia fazer isso sozinha.” Ela traçou a
cicatriz no meu braço, uma lembrança do meu confronto com K.K.
“Sinto falta de Goma e Scholastica e Bahati. Sinto falta do cheiro de
terra. Sinto falta dos picos de neve e dos baobás. Sinto falta dos jasmins
na sacada. Sinto falta dos buracos e de Stoney Tangawizi. Sinto falta da
frustração, da raiva, da admiração, da excitação, da tranquilidade.”

Eu a ouvi em silêncio. Eu sabia exatamente o que ela queria


dizer. A Tanzânia estava no meu sangue, na minha pele, meus osso.
Ouvir ela dizer que sentia falta disso me assustava muito, porque abria
possibilidades que eu nunca tinha ousado querer. Tinha sempre sido
Rodel ou a fazenda. E eu tinha escolhido uma. Lar era onde quer que
ela estivesse, e não importava se eu batesse minha cabeça no teto cada
vez que eu descia as escadas. Eu era tão louco assim por ela.

“Eu tenho um problema porque estou comprometida com a


hipoteca daqui.” Ela estava balbuciando mais para si mesma do que
para mim. “Eu poderia vender, no entanto. E entregar minha demissão

Leylah Attar
na escola. Mas o que eu faria na fazenda? Eu teria que encontrar um
emprego. Mas estamos no meio do nada. Então novamente, o que você
faria aqui? Eu conheço você. Você não vai ficar de braços cruzados, sem
fazer nada.”

“Eu poderia plantar lavanda,” eu interrompi sua linha de


raciocínio. “Podíamos ter uma fazenda de lavanda. Eu conheço a terra e
conheço o céu. Entre os dois, posso plantar quase que qualquer coisa.
Podemos ter bebês com bochechas rosas. Patos de borracha por todo
lado. Você pode continuar a lecionar. Ou não. O que você quiser.”

“Bebês.” Ela sorriu. “Com você.” Seus olhos tinham um olhar


distante, como se ela estivesse imaginando seus pequenos rostinhos.
“Pinte-me outra imagem, Jack.” Ela fechou os olhos e encostou para
trás. “Mas dessa vez, na Tanzânia.”

“Eu podia manter a fazenda. Você podia manter o chalé. Seria


nosso ninho de amor. Você cataria café, e moraria com uma senhora
excêntrica. Seu chefe pediria todo tipo de coisas inapropriadas de você.
As horas seriam longas. O salário seria amendoins – apenas o suficiente
para fazer os pagamentos do chalé. Nós visitaríamos Scholastica. Bahati
poderia sentar atrás com Goma, mas do lado esquerdo. Ela é meio
surda daquele ouvido agora, então isso funcionaria bem. Podemos ter
bebês com bochechas redondas rosas. Patos de borracha por todo lado.
Você pode ensina-los em casa, e talvez outras crianças também. Elas
viajam um longo caminho para ir até a escola hoje. Você poderia
ensiná-las como pensar, ao invés do que pensar, então quando elas
crescessem, elas seriam pessoas melhores do que nós. Mas isso seria
com você. O que você quisesse.”

O pato amarelo boiava enquanto Rodel permanecia em silêncio,


seus olhos ainda fechados. O bico do seu seio apontado para cima para
mim pelas bolhas. Mechas molhadas do seu cabelo desapareciam sob a
superfície. Uma curva suave tocava seus lábios. Onde quer que ela
estava na sua cabeça, era um lugar bom.

Leylah Attar
“Sim,” ela disse, quando finalmente abriu os olhos. “Quero muito
isso.”

“Qual parte?”

“Toda ela. Quero tudo isso com você. Aqui. Lá. Realmente não
importa.” Ela veio até a borda da banheira até eu poder sentir sua
respiração nos meus lábios. “Mas agora, quando eu abri os olhos, a
imagem que ficou comigo foi a de um balanço verde no terraço de uma
linda casa branca. É o que está apertando no meu coração. Então é
para onde vou. Vamos para a Tanzânia. Vamos fazer uma tentativa.”

Havia genuidade e excitação na voz dela – uma faísca de algo


que me deixou sem dúvidas que era o que ela queria, não por mim, mas
por ela mesma. Acabava que ela era uma aventureira, no final das
contas – uma exploradora, como o resto da sua família. Ela estava
pronta para dar um salto comigo, e isso fazia meu coração crescer
ainda mais.

Peguei seus lábios molhados e fui soterrado por uma


necessidade de absorve-la, enfia-la em cada poro do meu corpo. Tirei
minhas roupas e entrei na banheira, primeiro uma perna, depois a
outra. Rodel grunhiu. O pato de borracha fez barulho quando o apertei.
A água derramou por todo o chão.

Era escorregadio e desconfortável e completamente louco, mas


nós rimos porque estávamos altos de amor e com as possibilidades sem
fim.

“Inferno, sim,” eu rosnei, meus dentes raspando a extensão


suave, macia do seu pescoço. “Vamos para a Tanzânia. Mas espero que
você lembre do que eu disse. Se você um dia colocar seu pé lá de novo,
vou reivindicar você. Você é minha, Rodel Harris Emerson. Toda
minha.”

Leylah Attar
NO DIA do nosso casamento, Aristurtle fugiu de casa.
Scholastica tinha o tirado da sua caixa para poder limpar. Ela virou, e
ele tinha se perdido.

“Bom para ele.” Goma ajustou seu chapéu. Sem chapéu de


penas e flores para ela. “Se você vivesse até os 150 anos, não iria querer
passa-los em uma merda de caixa também.” Ela levantou a meia cortina
na cozinha e reclamou para o grupo de pessoas que deveria estar
procurando por ele.

Bahati, o padrinho e madrinha honorária, tirando selfies com


seu terno patrocinado.

Scholastica, nossa garota das flores, girando pelas plantas de


café em seu vestido novo, enquanto sua tia Anna corria atrás dela com
um chapéu.

As crianças de Anna, brincando de amarelinha na terra, meias


brancas enroladas nos sapatos.

Os pais de Rodel, tentando conversar com Olonana para ele lhes


vender seus brincos.

“Aristurtle podia subir pelas pernas deles e morder suas bundas,


e eles não iam notar,” disse Goma. “E você.” Ela virou para mim e
tentou ajustar minha gravata, mas não conseguia alcançar o nó. “Sem
espiada na sala.”

Leylah Attar
Cabelo, Maquiagem e Guarda-roupa estavam lá com Rodel – as
mesmas garotas que tinham vindo ao hotel. Não podia esperar para ver
Rodel no vestido de noiva, mas santo Deus, quanto tempo ia levar?

Goma riu enquanto eu andava pelo chão. “Jack...” ela parou de


falar e bateu na cadeira ao seu lado.

“Gostaria que seu avô estivesse aqui,” ela disse, quando eu


sentei. “Ele teria ficado tão orgulhoso. Seu pai e sua mãe também.” Ela
olhou para a mesa e assentiu. “E Lily...” sua voz falhou quando ela
disse isso. Um nó se formou na minha garganta. Coloquei meu braço
em volta dela e a puxei. Ela deitou a cabeça contra meu ombro e
dividimos um momento doce de silêncio.

“Estou cansada, Jack,” Goma disse. “Mas ver você e Rodel


juntos me dá um novo ar. É melhor vocês fazerem bebês logo. Não para
mim, lógico. Odeio bebês. Gritando, fazendo cocô, pequenas coisas
inúteis. Mas para você poder encher mais alguém e me deixar em paz
sozinha.”

“Eu não encho você.”

“Ah é? Eu durmo algumas horas e você está do lado de fora da


minha porta. Não vou morrer dormindo, Jack. Não é meu estilo.”

Eu dei risada. “Bem, você pode estar vivendo com uma dessas
coisinhas inúteis gritando e fazendo cocô logo.”

“Não!” Goma bateu no meu braço. “Sim? Me conta.”

“Cuidado. Posso começar a pensar que você se importa de


verdade.”

“Eu só quero saber para poder planejar meu cruzeiro. Estarei de


volta quando já não tiver fraldas e problemas durante a noite.”

“Você não vai a lugar nenhum Goma. Você vai precisar de


alguém para trocar as suas fraldas logo.”

“Cale essa sua boca suja.” Mas ela riu e olhou para mim como
ela sempre fazia – como se eu significasse o mundo para ela.

Leylah Attar
“Estamos prontas!” uma das garotas enfiou a cara. Josie. Ou
Melody. Ou Valerie. Eu nunca acertava.

Tentei dizer alguma coisa mas acabei rindo como um idiota.


Rodel estava do outro lado. Pronta para andar pelo corredor de lugares.

“Obrigada!” Goma disse por mim. “Vamos começar a levar todos


para o galpão.”

Tínhamos limpado o galpão e levado os animais para os celeiros.


Luzes e lustres pendurados das vigas de madeira. A maioria dos
convidados já estavam sentados quando entramos. Bahati ficou ao meu
lado conforme esperávamos por Rodel. Jodie, Valerie, e Melody
entraram primeiro. O telefone de Bahati apitou. Ele olhou e
rapidamente digitou uma resposta. Do outro lado, outro telefone tocou.
Uma das garotas que tinha acabado de entrar pulou no lugar para
silenciar.

“Qual delas?” eu perguntei a Bahati.

“Não sei do que você está falando.” Ele desligou o telefone e me


deu um sorriso.

Scholastica foi a próxima. Seu sorriso era tão grande quanto a


lua conforme ela vinha na minha direção, esquecendo de espalhar as
flores conforme ela vinha. Eu ri quando ela me presenteou com uma
cesta cheia de pétalas. Ela tinha guardado para mim.

E então Rodel entrou, e o mundo todo parou. Tinha passado um


ano desde que tínhamos voltado da Inglaterra, e ela ainda tirava meu
fôlego. Seus ombros brilhavam conforme ela parou contra a entrada.
Ela tinha o cabelo solto e segurava um único lírio. Ela era uma visão no
vestido que Goma tinha costurado para ela. Era na altura do joelho,
com o corpo justo e uma saia de tule que abria da cintura. A bainha
não estava completamente certa, mas ninguém queria desafiar a vista
de Goma.

Leylah Attar
O pai de Rodel provavelmente a escoltava pelo corredor, mas
todo o resto desapareceu. Eu tinha meus olhos para ela. Parecia levar
para sempre para ela me alcançar.

Venha. Venha.

Quando ela finalmente chegou ao meu lado, eu queria pular


direto para a parte onde eu tinha que beija-la. Delicadas flores de
jasmim estavam presas no cabelo dela. Eu queria pegar uma e passa-lo
no caminho do seu pescoço.

“Eu me viro por dois segundo e você está no meio de um chá da


tarde,” ela disse.

“Você gosta?” eu sorri.

Em volta de nós, os convidados estavam em pequenas mesas


redondas. Bules de chá e bandejas estavam em mesas.

“Um chá da tarde em uma fazenda de café.” Ela sorriu de volta.


“Eu gosto.”

As próximas horas passaram como um borrão. Galinhas


renegadas entraram na festa de casamento. Rodel descobriu que muito
do chá era na verdade bebida alcoólica. Olonana ficou bêbado e deu em
cima de Goma. Josephine Montati nos deu um cartão de casamento
assinado pelas crianças do orfanato. Eu dancei com a mãe de Rodel.
Bahati dançou com Cabelo. Depois Maquiagem. E depois Guarda-
roupa. Não tinha como dizer para quem ele estava mandando
mensagens. O inspetor Hamisi queria saber se os circuitos estavam em
ordem para toda a luz extra. Os morans Maasai que tinham vindo com
Olonana dançaram com as funcionárias da fazenda. Scholastica e as
crianças de Anna roubaram goles do chá de adultos quando ninguém
estava olhando. A mãe de Olonana cuspiu em nós.

Conforme o sol começou a se pôr, puxei Rodel para o estábulo


onde nos beijamos pela primeira vez. Lá, conforme a luz dourada caía
sobre ela, apontei minha Polaroid para nós.

Leylah Attar
“Espere!” ela procurou por algo dentro do seu vestido. “Esperei
para usar isso o dia todo.” Ela puxou uma anotação de Post-it, onde ela
tinha escrito os detalhes do nosso casamento:

11 de agosto – Jack & Rodel (Kaburi Estate)

Ela o segurou entre nós conforme sorrimos para a câmera.

Observamos a foto revelar, nossos rostos aparecendo no filme


leitoso como uma pintura ganhando vida na névoa. Dois rostos
brilhantes superexpostos – terno preto, vestido branco, um papel
aparelho entre nós.

É assim que parece quando você anda por algum lugar entre a
areia e a poeira das estrelas, e encontra um pedaço de si mesmo em
mais alguém.

Meus lábios acharam seu caminho instintivamente para os dela


e eu a beijei. Minha mulher. Minha garota de auréola de arco-íris.

“É bom, Sra. Warden.” Eu a levantei do chão e girei.

“A foto?” ela riu, corada e um pouco tonta.

“A foto. Seu sorriso. A vida. Você. Eu.”

“E o bebê forma três,” ela disse suavemente, quando a coloquei


para baixo.

Meu coração encheu como sempre fazia quando ela mencionava


o bebê, coloquei minha mão sobre sua barriga com um voto silencioso
para a pequena vida crescendo dentro e senti um círculo se fechar em
volta de nós. Minha grande perda tinha me levado ao meu grande amor.
Corações eram quebrados, e corações eram cicatrizados. Vidas eram
perdidas, e vidas eram salvas.

Conforme guardei nossa foto na minha carteira, perto da que eu


guardava de Lily, notei as bandeiras triangulares que tinham sido
capturadas. Elas eram parte da faixa de juta atrás de nós, pendurada
nas vigas. Juntas, ela formavam as palavras da pulseira de Rodel,
aquela que a mãe de Olonana tinha dado a ela:

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Taleenoi olngisoilechashur.

Estamos todos conectados.

“O que foi?” perguntou Rodel conforme olhei em volta no


estábulo.

“Você já pensou o que encontraríamos se pudéssemos pegar as


linhas de volta no ponto onde as coisas começaram, onde os caminhos
se cruzaram, e as vidas giraram e as pessoas ficaram juntas?” peguei
sua mão conforme nos juntamos aos convidados.

Naquela noite, as luzes brilharam até o amanhecer em um velho


galpão vermelho aos pés do monte Kilimanjaro.

Leylah Attar
Leylah Attar
MO EMERSON FOLHEOU a revista de viagem conforme sentava
na sala de espera do oculista. O consultório do Dr. Nasmo era no andar
de baixo do shopping Kilimani, do outro lado da praça de alimentação.
Sua consulta tinha sido umas semanas antes, mas ela tinha estado fora
com seu amigo Gabriel, então ela tinha remarcado.

E que dia eu escolhi, ela pensou. Através das portas de vidro do


consultório do Dr. Nasmo, Mo podia ver uma multidão de pessoas
reunidas em volta de um podium montado.

“O que está acontecendo aqui hoje?” ela perguntou a Christine, a


recepcionista.

“Algum tipo de encontro político. Uma convenção de apoiadores


de John Lazaro.”

“Quem é ele?” Mo tinha visto seu nome em pôsteres e placas por


Amosha, mas ela não tinha prestado atenção. As eleições estavam
chegando em outubro, mas seu serviço voluntário teria acabado até lá.
Ela não sabia para onde ia a seguir, mas essa era a emoção disso. Ela
podia fechar os olhos e apontar para o mapa para o começo de uma
nova aventura. As possibilidades eram infinitas. Mo florescia com a
adrenalina do inesperado. Isso a fazia se sentir mais vibrante, mais viva
do que qualquer outra coisa fazia. Era a coisa que sua irmã, Rodel,
nunca entenderia. E ainda assim, se qualquer um falasse qualquer
coisa das suas escolhas, Ro era a primeira defende-la.

“John Lazaro?” Chrsitine olhou para cima. “Se você me


perguntar, ele é um político sujo, mas é rico e poderoso, e está fazendo
todas as promessas certas.”

“Hmm.” Mo voltou para o artigo que estava lendo:

Seja pago para viajar: torne-se um fotógrafo de viagem.

Sim, ela assentiu, entrando na sua brilhante nova ideia. Ela não
era fotógrafa, mas podia aprender. E então ela não teria que recorrer
aos seus pais quando falhava do outro lado do mundo. Bem, talvez uma

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última vez – para comprar uma boa câmera. E lentes. E algumas aulas.
Mas depois disso, preste atenção, mundo.

Ela pegou seu celular e tirou uma foto das fontes listadas na
reportagem. Ela teria arrancado a página, mas ela gostava muito do Dr.
Nasmo para fazer isso. Ele era um doce, e alguém que ela admirava. Ela
tinha o conhecido no orfanato em Wanza. Ele viajava por várias áreas
rurais, fazendo exames gratuitos nos olhos e óculos, mas era seu
trabalho com as crianças albinas que ele dizia ser o mais
recompensador. Mo tinha testemunhado a alegria pessoalmente, na
primeira vez que ela tinha visto a expressão na cara de uma criança,
quando o mundo todo tinha entrado em foco. Naturalmente, ele era a
primeira pessoa em quem ela pensou quando percebeu que tinha
negligenciado seus próprios checkups há muito tempo.

A porta para o consultório do Dr. Nasmo balançou quando uma


jovem tentou entrar com um carrinho.

“Aqui.” Mo segurou a porta para ela. Havia um menininho


dormindo no carrinho.

A mulher agradeceu e deu o nome para Chrstine. “Oi, estou aqui


para escolher lentes de contato. Meu nome é Zara Ayadi.”

“Obrigada.” Christine ticou seu nome. “Sente-se por favor. O Dr.


Nasmo está um pouquinho atrasado hoje. Ele está com uma paciente,
mas vai acabar logo.”

Zara sentou ao lado de Mo e virou seu carrinho para manter um


olho no filho.

“Fã do batman?” Mo perguntou. O rosto do menininho estava


pintado com o logo amarelo e preto.

“Na verdade não. Isa não conhece o batman pelo Coringa.” A


mãe riu. “Tem pintura no rosto de graça para as crianças hoje. Esse foi
o que ele escolheu.” Ela tirou uma de suas rasteirinhas e massageou o
pé.

Leylah Attar
“Quanto tempo até o grande dia?” perguntou Mo.

“Mais algumas semanas.” Zara esfregou a barriga grávida.

O barulho agudo do telefone do consultório acordou Isa do seu


sono. Ele abriu os olhos e piscou, tentando se orientar.

“Escritório do Dr. Nasmo,” Christine respondeu. “Lea, quantas


vezes eu te disse para não me ligar no telefone do trabalho? Você está
no shopping?” ela ouviu um pouco e suspirou. “Ok. Não, está bem. Vejo
você em casa. Mas pelo amor de Deus, segure firme quando estiver na
moto dele. Não, você não segura. Você lê livros na traseira daquela
engenhoca de aço. Não é seguro. Apenas me agrade, ok? Sim. Te amo
também.” Ela desligou o telefone e virou os olhos. “Irmãs,” ela disse a
Mo. “Ela deveria se encontrar comigo hoje, mas decidiu sair com o
namorado ao invés disso.”

“Eu tenho uma dessas. Uma irmã, quero dizer. Os namorados


vêm e vão.” Mo riu. “É o oposto para nós. Sou eu que fico dispensando
ela por encontros quentes.”

Isa estava agora bem acordado, e querendo sair do carrinho. Ele


olhava para Mo com os olhos grandes.

Alguém saiu da sala so Dr, Nasmo e parou na mesa. “Acabei. Ele


disse que você pode mandar entrar a próxima pessoa.”

“Ok, obrigada.” Christine puxou uma ficha e levantou. “Mo? O


Dr. Nasmo vai ver você agora.”

Mo olhou para a mulher grávida que estava brigando com sua


criança. “Por que você não vai primeiro?”

“Tem certeza?” ela perguntou, tentando acalma-lo com uma


chupeta.

“Com certeza.”

“É muito gentil. Muito obrigada!” ela deu um sorriso a Mo e


seguiu Christine para a sala do Dr. Nasmo.

Leylah Attar
“Quanto tempo eles vão levar?” Mo perguntou, quando Christine
voltou para a mesa.

“Uns vinte minutos.”

“Vou tomar um café. Volto logo.”

A porta se fechou atrás de Mo, conforme ela saiu, John Lazaro


estava no palanque. Em volta da plataforma, por todos os lados, haviam
filas de seguranças armados. Os uniformes deles eram diferentes dos
guardas do shopping, e estavam fortemente armados.

Caraca, pensou Mo, conforme ela passou pela concentração. Ele


não está bobeando.

Ela olhou os restaurantes de fast food em volta e decidiu pegar


seu café na cafeteria do andar de cima. As palavras de John Lazaro
estavam retumbando pelo amplificador, misturadas com o falatório das
pessoas fazendo compras desatentos e a música do shopping. Ela
preferia tomar seu café em um lugar menos barulhento.

Mo pegou o elevador para cima e passou por um vendedor de


balões. Ele assobiou para ela e encheu um balão comprido rosa para
ela. Mo tinha esse efeito nos homens. Ela estava acostumada com isso.
Talvez fosse as roupas coloridas que ela usava, ou as saias, ou as
bijuterias grandes que faziam barulho quando ela andava. Mas não
haviam exceções à regra. Homens que não se afetassem. Como Gabriel
Lucas.

Mo refletiu sobre isso conforme sentou em uma das mesas


dentro da pequena cafeteria e tomou seu café. Gabriel era diferente. Ele
era intenso – um enigma que ela não tinha sido capaz de resolver. Ela o
tinha notado primeiro na casa noturna que todos os voluntários de
Nima House frequentavam. Não era apenas a sua boa aparência que o
diferenciava. Ele não era como nenhum outro local. Ele não conversava.
Ele não dançava. Ele só sentava lá e ficava bêbado.

Por fim, ela soube que ele tinha uma filha e irmã em Rutema.
Não havia trabalho para ele lá, então ele pegava trabalhos estranhos em

Leylah Attar
Amosha. Ele nunca dizia o que fazia, mas viajava muito. Quando ele
disse a ela que ia a Dar es Salaam, a maior cidade da Tanzânia, Mo
tinha implorado para ele a levar. Ela queria passear pela Oyster Bay e
gastar o dinheiro que ela não tinha no shopping. Foi naquela viagem
que Mo soube sobre Scholastica e a situação com os albinos. Uma
amizade nasceu entre os dois, e quando Gabriel propôs um plano que
funcionaria para ambos, Mo tinha concordado.

Mo terminou o resto do café e olhou no relógio.

Sincronismo perfeito.

Ela saiu da cafeteria assim que um cara espetacular, alto,


segurando um buque de balões amarelos passou por ela.

Oi. Mo olhou de novo. Ela deu uma olhada nele – maxilar


quadrado, nariz forte, forte, cabelo loiro sujo. Resistente e lindo, com
ombros fortes que acompanhavam um físico atlético, magro. Ela não
pôde evitar ficar presa ao seu rastro. Não era apenas os balões em cima
dele; era toda a presença massiva dele. O ar girava por causa dele.

Merda. Mo inalou o aroma sutil do seu perfume, conforme ele


saiu pelas portas. Eu deveria vir mais ao shopping. Ela fez uma
anotação mental de dizer a Ro sobre ele. Ele parecia ter saído de um
dos livros dela. Mo não tinha certeza de que tipo de livros Ro estava
lendo ultimamente, mas ela tinha certeza que a sua irmã teria parado
para ver.

Mo pegou o elevador para o andar debaixo. As portas abriram e


fecharam como se esperassem um monte de idosos entra e sair.

Tão devagar, Mo pensou, conforme entrou. Mas ainda melhor


que a escada rolante lotada.

Ela cantarolou enquanto um piano tocava pelos alto falantes.

Quando as portas abriram de novo, foi para um cenário de sons


totalmente diferente.

Tiros. Gritos. Caos. Pânico.

Leylah Attar
O inferno tinha liberado enquanto ela estava no elevador, e Mo
se viu no meio dele. Ela não tinha ideia do que estava acontecendo, mas
sabia que era ruim. Ela fez o caminho para o consultório do Dr. Nasmo,
mas um lado da porta estava estilhaçado, e ela não conseguia ver
ninguém lá dentro. Um tiroteio espalhou no ar, primeiro à direita dela,
depois à esquerda. Estava vindo de todo lado.

Mo caiu de joelhos, ensurdecida e desorientada. Não havia


tempo para pensar. Ela engatinhou embaixo de uma mesa na praça de
alimentação e cobriu os ouvidos. Medo, como ela nunca tinha sentido,
subiu pela sua garganta, mas ela engoliu os gritos. Ela pulou quando
um bala passou por uma das cadeiras ao lado dela. Ela estava muito
aberta, muito exposta.

Seus olhos olharam em volta – passando pelos pés correndo por


ela: tênis brancos, sandálias de couro, pés pintados, pequenos sapatos
rosas. Havia uma sala além da praça de alimentação, para o lado.
Ninguém estava entrando ou saindo dela. Mo não tinha certeza se ir lá
seria uma boa ideia, mas ela sabia que tinha que sair o mais rápido
possível do som dos tiros.

Ela deu uma corrida para lá, metade rolando, até chegar lá.
Estava vazia – fileiras de cadeiras dobradas, algumas viradas,
arrumadas na frente de um palco. O som da sua respiração ecoava em
volta dela. Ela encostou contra a parede, abraçando seus joelhos.

“Aqui,” alguém disse. “Entre aqui.”

Ela olhou em volta, mas não conseguia ver ninguém. Então ela
viu uma fresta no tecido na base do palco. Era um palco elevado, com
um fundo escondido para o andaime. O lugar perfeito para se esconder.

“Oi?” Mo engatinhou para dentro. Estava tão escuro que seus


olhos levaram um tempo para se ajustar.

“Shh,” disse a figura sentada do outro lado. “Não fique com


medo. Meu pai estará aqui logo. Ele vai deixar tudo bem. Ele sempre
deixa.” Era uma garotinha, com o cabelo preso em um rabo de cavalo.

Leylah Attar
“Seu pai?” Mo engoliu o nó na sua garganta. A garota não devia
ter mais do que sete ou oito anos, mas sua fé no seu pai era tão forte,
que ela estava reassegurando uma mulher adulta. “Onde está seu pai?”

“A minha professora disse que ele foi guardar os balões. Ela


disse para eu ir com as outras crianças, mas então ele não vai
conseguir me achar. Eu sei que ele vai vir me buscar. Ele está sempre
na frente. Bem ali. Vê?” ela levantou o pano do palco e apontou para as
cadeiras.

“Balões amarelos?” Mo perguntou. O homem com os balões, que


tinha chamado sua atenção. “Seu pai estava segurando balões
amarelos?”

“Sim! Você o viu?”

“Vi.” Mo sentou para trás. Ela tinha o visto saindo do shopping,


minutos antes de começar o caos. Mesmo que ele conseguisse entrar de
volta, ela não tinha ideia se ele conseguiria chagar até sua filha ileso.
“Tenho certeza que ele estará aqui logo.”

“Por que eles estão fazendo isso?” a menina perguntou. “O que


aqueles homens maus querem?”

Mo puxou uma respiração profunda. Ela estava pensando na


mesma coisa. “Gostaria de saber.”

Elas estavam sussurrando no escuro, entre estrondos violentos


de tiros. Elas se torciam por dentro a cada rajada de fogo aguda de
horror. Mas entre uma e outra, elas fingiam que estavam se conhecendo
sob outras circunstâncias.

“Qual o seu nome?” Mo perguntou.

“Lily. E o seu?”

“Mo.”

“Você é bonita. Gosto dos seus óculos. Você é casada?” Lily


parou com o som de vidro estilhaçado. Algo quebrou. Houve um
momento se silêncio e então o barulho rouco de pessoas. “Acho que

Leylah Attar
meu pai deveria se casar,” ela continuou. “Ele sente minha falta quando
vou embora. Eu sei que ele é solitário, apesar de ter Goma.”

“Quem é Goma?”

“Minha bisavó. Ela me fez essa saia.” Lily alisou seu tutu.

“É linda.” Mo tocou o tecido e sentiu pequenos cacos de pesar a


acometerem. Ela deveria ter ligado mais para seus pais. Ela deveria ter
ido a mais natais. Ela deveria ter mandado cartões postais para Ro e
bibelôs bobos. De repente, ela tinha sido acometida por uma
necessidade de alcançar a família. Seus pais estavam na Tailândia, mas
Ro deveria estar em casa. Desta vez, Mo estava agradecida por uma
constante firme na sua vida – sua irmã.

O espaço embaixo do palco ficou azul quando Mo ligou seu


celular. Ela notou muitas chamadas perdidas. Alguém estava tentando
falar com ela, mas ela tinha perdido todas as ligações naquele caos. Ela
descartou as notificações e ligou o número da Ro. Tocou algumas vezes,
e então foi para a caixa postal. Mo foi para o outro lado, longe de Lily e
abaixou a voz.

“Ro, estou no shopping Kilimani. Uma tempestade de merda


estourou. Algo ruim está acontecendo lá embaixo. Há atiradores em
todo lugar. Estou escondida embaixo do palco, em um tipo de salão.
Tem uma garotinha comigo. Ela é a única me mantendo sã.”

“Com quem você está falando?” Lily perguntou.

Mo colocou na mão no telefone e virou para ela. “Minha irmã. Na


Inglaterra.”

“Oh. Diga a ela para não se preocupar. Diga que meu pai estará
aqui logo e ficaremos bem.”

“Sim, querida.” Ela segurou as lágrimas conforme falou no


telefone de novo. “Vamos esperar passar. Acho que é seguro aqui, mas
se eu não...se eu não conseguir, eu só quero te dizer que te amo, Ro.
Diga a mamãe e o papai que os amo também. Não quero que você se

Leylah Attar
preocupe quando ouvir essa mensagem. Provavelmente iremos rir disso
um dia. Vai ser mais uma das minhas histórias malucas, como quando
eu achei que ia morrer naquela balsa na Austrália.” Ela parou conforme
passos urgentes entraram no salão. “Tenho que desligar agora,” ela
sussurrou. E então, porque soava como uma despedida, e ela não
queria que sua irmã entrasse em pânico, ela acrescentou, “Eu corri
todos os riscos, Ro...” ela parou de falar conforme os passos chegaram
mais perto. Quando eles pararam do lado de fora, alguns metros do
palco, Mo desligou e segurou a respiração.

“É meu pai!” Lily disse entrando em ação.

“Espere. Não temos certeza. Lily, espere!”

Mas Lily se livrou dela.

Por alguns segundos tensos, Mo sentou paralisada embaixo do


palco, esperando a confirmação de um encontro feliz entre Lily e seu
pai. Ela nunca veio. Não houve nada. Nem um som, nem um barulho.
Mo sentiu o arrepio do destino iminente, correndo por sua espinha. Não
era o pai da Lily. Mais alguém tinha entrado no shopping. Mo não tinha
ideia se a Lily estava cara a cara com o inimigo. Tudo que ela sabia era
que não podia deixar a menininha sozinha lá. Então Mo rastejou para
fora da saia do palco e vestiu sua cara mais corajosa.

Detalhes pequenos, insignificantes se tornaram de repente


vívidos, como se a sua mente estivesse tentando se agarrar a coisas,
para evitar deslizar da beira. A marca de nascença atrás do tornozelo de
Lily. A bainha desgastada do jeans do homem. O olhar dela foi para o
torso. Para cima, para cima, ela levantou, pegando a pequena mão da
Lily na sua conforme se endireitou. Então seus olhos encontraram os do
homem e ela engasgou.

“Gabriel?”

“Mo!” seu corpo inteiro relaxou com alívio. “Deus, Mo.” Ele a
abraçou forte. “Eu estava na escada rolante, saindo, quando vi você
pegar o elevador para baixo. Tentei te ligar. Estou procurando você por

Leylah Attar
todo lugar. Graças a Deus encontrei você! Precisamos sair daqui.” Ele
começou a apressar Mo e Lily em direção à porta.

“Não!” Lily puxou a mão fora da mão da Mo. “Não vou a lugar
algum sem meu papai. Vocês vão.”

“Não vou deixar você,” Mo disse. “Por que não ficamos todos?”
ela virou para Gabriel. Ela não sabia o que ele estava fazendo no
shopping, mas estava aliviada de vê-lo. “Está seguro aqui. Estamos
longe de tudo. Podemos nos esconder ali embaixo.” Ela apontou para o
palco. “Vamos esperar passar.”

“Não é seguro aqui. Nenhum lugar no shopping é seguro.


Acredite em mim, Mo. Precisamos ir. Agora!”

Algo no tom de Gabriel roeu em Mo. “Lily, volte para dentro e


espere por mim. Vou para lá em um minuto.” Ela esperou até Lily sumir
antes de puxar Gabriel de lado. “O que está acontecendo? O que está
acontecendo lá fora?”

“É John Lazaro.” As palavras de Gabriel eram secas e urgentes.


Mo sabia que estava testando a paciência dele – ela sabia que podia
confiar nele, mas não ia segui-lo às escuras para o caos. Ela tinha que
tomar uma decisão, não apenas por ela, mas por Lily também.

“É uma tentativa de assassinato em John Lazaro,” Gabriel


continuou. “Ele tem feito algumas coisas – muitas coisas – e as pessoas
para quem ele fez o querem morto. São negócios e política, tudo
misturado. Se o plano A falhar, eles irão para o plano B. De qualquer
forma, ele não sairá daqui vivo.”

“Então, deixe eles brigarem. Vamos esperar aqui. Plano A ou


plano B. O que tem a ver conosco?”

“Porque!” Gabriel apertou os punhos. “Porque eu sou o plano B,


Mo. Se a equipe de segurança de John Lazaro o tirarem daquela praça
de alimentação vivo, esse lugar todo explode.”

Leylah Attar
Mo abriu a boca e fechou. “Eu não...” ela balançou a cabeça. “O
que você está dizendo, Gabriel? Você não está fazendo sentido. Você
está dizendo que está envolvido nessa... nessa tentativa de
assassinato?” ele era seu amigo. Era um bom homem. Ela o conhecia. E
mesmo assim, a parte dele que tinha sempre escapado dela, a parte
dele que tinha continuado um enigma estava entrando em foco. Um
peso no peito de Mo. Ela tinha dificuldade em respirar.

“Eu tentei, Mo,” ele disse, seu pomo de Adão balançando com o
olhar dela. “Eu trabalhava em dois empregos. Dia sim, dia não. Mas não
estava chegando em lugar nenhum. Eu precisava de dinheiro. Eu
precisava de dinheiro para levar Scholastica para Wanza. Eu precisava
de dinheiro para construir a casa. Precisava de dinheiro para salvar as
crianças. Dinheiro de gasolina. Dinheiro de comida. Eu estava ficando
sem tempo. Então um dia, eu estava sentado no bar, e alguém me
ofereceu um emprego. Era simples. Pegar um carregamento e dirigir
para um lugar, sem perguntas. Não podia acreditar em quanto eles me
pagaram. Então peguei outro. E outro. E não parei desde então.”

“Eu entendo isso,” Mo disse. “Entendo, Gabriel. Nós todos


fazemos o que precisamos. Mas o que isso tem a ver com aquilo?”

“Hoje...” ele olhou para o teto, como se não pudesse encarar os


olhos dela. “Hoje, peguei uma caminhonete e dirigi para o shopping.
Está no estacionamento do sub-solo. Encontrei um cara na praça de
alimentação e entreguei a ele as chaves, como fui mandado.”

“E daí?” Mo queria sacudi-lo. Ele estava girando em círculos.


“Como isso é o plano B?”

“A caminhonete que eu dirigi? Ela está cheia de explosivos, Mo.


Alguém está mexendo no carro de John Lazaro enquanto conversamos.
Se ele tentar fugir, eles vão explodi-lo, e tudo em volta. Por isso que
temos que ir. Eles ainda estão brigando, o que significa que John
Lazaro ainda está vivo. E enquanto ele viver, enquanto houver a chance
dele escapar, não estamos seguros aqui. Não estamos seguros em lugar
algum no shopping.”

Leylah Attar
“Não.” Os pensamentos de Mo estavam confusos e machucados.
“Gabriel. Não. Todas aquelas pessoas inocentes.”

“Exatamente!” os olhos de Gabriel brilhavam com algo feroz.


“Todas aquelas pessoas inocentes. Você sabe o que John Lazaro faz?
Ele bebe sangue albino. Ele acha que isso o deixa poderoso e invencível.
Ele acha que isso vai ajudá-lo a vencer as eleições. Eu só fiz meu
trabalho, Mo. Fiz o que eu sempre faço. Eu entreguei as mercadorias.
Mas se eu for completamente honesto, eu quero John Lazaro morto. Eu
quero que ele morra antes de mais pessoas inocentes perderem suas
vidas, incluindo minha filha! O resto disso, eu terei que viver com isso.
Vou ter que fechar os olhos, como todo mundo faz, para as injustiças
que acontecem embaixo dos seus narizes, porque eles não têm poder,
ou têm medo, ou estão lucrando com isso. E se eu queimar no inferno
por isso, então que seja. Pelo menos Scholastica vai ter menos um
monstro indo atrás dela.”

Eles estavam ambos chorando, Mo e Gabriel, com lágrimas


escorrendo pelos rostos – Mo tentando lidar com o que tinha acabado de
saber, e Gabriel tentando desesperadamente fazer ela entender. Então,
lentamente, tentativamente, eles se aproximaram um do outro, olhos
procurando por olhos, sondando a profundidade da amizade e da
traição.

“Você voltou por mim,” disse Mo. “Você poderia ter me deixado,
mas você voltou.”

“Eu não poderia ter deixado você. Nunca foi uma opção.”

Mo soluçou nos braços deles. Gabriel Lucas. Ele era tanto anjo
como diabo.

“Precisamos sair agora,” ele disse. “Vamos pegar a garota e ir.”

“Isso pode ser um problema. Lily está convencida que seu pai vai
vir e pega-la.”

“Deixe-me tentar.” Gabriel andou até onde Lily estava escondida


e procurou embaixo do palco. “Lily, qual o nome do seu pai?”

Leylah Attar
Não houve resposta. Depois de um tempo, ela perguntou, “Onde
está Mo?”

“Estou bem aqui, Lily. Está tudo bem. Você pode dizer a ele.”

“O nome do meu pai é Jack,” ela respondeu. “Jack Warden.”

“Que tal você sair daí, e podemos ligar para o seu pai. Seria uma
boa?” Gabriel convenceu Lily a sair. “Está bem. Boa menina. Agora.
Qual é o número dele?”

Lily falou uma série de números mas parou. “Acho que isso é
quando ligo de Cape Town.” Ela tentou de novo, mas sua cara
murchou. “Não tenho certeza do resto. Minha mãe sempre liga para
mim.”

“Tudo bem. Vamos ligar para a operadora. Ela vai ser capaz de
nos dizer.”

Era incrível como Gabriel era calmo com ela. Mo sabia que ele
estava fazendo de tudo para não pegar ela no colo e carregar para fora,
chutando e gritando. Era muito arriscado, no entanto, principalmente
se ela tentasse se soltar e fosse pega na linha de fogo.

Mo olhou para o seu relógio. Parecia que eles estava ali para
sempre, e não era tanto. Tudo parecia se esticar – cada respiração, cada
palavra, cada tensão, momento pesado, conforme Gabriel tentava falar
com Jack. Mo soube o exato momento quando Gabriel decidiu que
estavam perdendo tempo precioso. Seus olhos mudaram conforme ele
falou no telefone.

“Sim, operador. É ele. Você pode fazer a ligação?” ele esperou um


tempo antes de continuar. “Oi, Jack? Estou no shopping com a Lily. Ela
está esperando você vir busca-la. Onde você está? Entendi. Não, ela
está bem. Lógico. Vou falar para ela. Nos vemos logo.” Ele ignorou as
tentativas de Lily de pegar o telefone e desligou. “Desculpe, querida. Não
temos tempo para isso agora. Você pode falar com ele logo. Você estava
certa. Ele está a caminho. Está quase aqui, mas disse que será mais
rápido se nos encontrarmos com ele no lugar seguro.”

Leylah Attar
“Lugar seguro? Onde é o lugar seguro?”

“Venha comigo. Vou levar você lá.” Ele esticou a mão para Lily.
Ela olhou por algum tempo e então olhou para Mo.

“Estou bem atrás de você,” disse Mo. “Vamos todos juntos.”

Assim que Lily colocou a mão na do Gabriel, tudo mudou. Tudo


lento ficou rápido de novo. Era como se eles tivessem pulado para outra
dimensão. Eles estavam de volta para o meio do caos, exceto que
haviam menos pessoas agora. Aqueles que não tinham fugido estavam
caídos no chão, feridos ou mortos – era difícil dizer – enquanto dois
grupos continuavam a trocar fogo.

Gabriel virou quando chegaram à escada rolante. “Está


bloqueada.” Ele pegou Lily e correu para o elevador. “Venha, Mo!” mas
haviam mesas e cadeiras bloqueando ele também. Os inimigos de John
Lazaro tinham usado seu próprio equipamento contra ele. Todas as
saídas e escadas tinham sido bloqueadas.

“Merda!” Gabriel exclamou.

Ele olhou para o andar de baixo. John Lazaro estava atrás de


um dos balcões da praça de alimentação, flanqueado por seus homens.
Eles estavam atirando cegamente em todas as direções. Buracos de
balas pelas paredes. Pedaços de massa de parede voavam pelo ar.

“O estacionamento,” disse Gabriel. “É nossa única saída.”

“Mas o carro dele está lá.”

“Ou nós ficamos aqui ou vamos para lá. De qualquer forma,


vamos arriscar.”

“Continue!” disse Mo, seguindo de perto atrás dele.

“Meu papai vai estar lá?” Lily perguntou.

“Sim,” Gabriel respondeu. “Vamos nos encontrar com ele no


lugar seguro, lembra?” ele a colocou para baixo e se ajoelhou na frente
dela. “Agora, eu quero que você corra o mais rápido que puder, ok?
Quanto mais rápido você correr, mais rápido você pode ver o papai.”

Leylah Attar
Lily assentiu e esticou a mão para Gabriel. “Posso correr com
você?”

Havia algo em Gabriel que a ligava a ele. Talvez fosse porque ele
era um pai também. O que quer que Lily sentia nele, parecia suavizar
seu coração. O coração de Mo apertou no peito conforme Gabriel pegou
a mãozinha de Lily na dele.

“Vou tentar acompanhar,” ele disse.

E então eles estavam correndo pelo estacionamento, em direção


a rampa para subir quando eles ouviram as paredes de concreto,
ecoando com a respiração deles. Eles estavam na metade do caminho
da primeira rampa quando ouviram o acelerador de um motor
roncando. Houve um berro alto, uma girada de rodas conforme o carro
dava ré da vaga. O vigor das balas no metal continuava, e então o
barulho de um carro dirigindo em direção à rampa.

“Qual o problema?” Lily perguntou, quando Gabriel parou.


“Vamos! Precisamos ir para o lugar seguro.” Ela segurou sua mão.

Mo e Gabriel trocaram um olhar. Se fosse o carro de John


Lazaro, prestes a vir na curva, eles não teriam tempo.

De repente, uma calma profunda se instalou em Mo. Pela


primeira vez na vida, ela queria só parar – por aqueles últimos segundo.
Eles eram dela, e eram gloriosos. Ela podia sentir a batida do seu
coração, o ar correndo para dentro e para fora dos seus pulmões. Era
lindo – estar viva. Era suficiente saber e ter sabido.

Juntos, Mo e Gabriel levaram Lily para o conato, onde uma


rampa encontrava a outra.

“É isso,” disse Gabriel. “Esse é o lugar seguro. Vou ligar para o


seu pai e avisar ele, ok?” ele apertou alguns números. Mo segurou a
mão de Lily conforme ele falava no telefone. “Oi Jack? Estamos aqui.
Sim, a Lily está aqui, também. Ela é uma menina muito corajosa. Você
deve ter muito orgulho dela. Espere, vou dizer a ela...” ele virou para
Lily. “Seu pai diz que estará aqui logo, e que te ama muito.”

Leylah Attar
“Posso falar com ele agora?” ela perguntou, esticando a mão
como se estivesse esperando um prêmio. Não havia ninguém do outro
lado da linha, mas Gabriel deixou o telefone deslizar da sua mão.

“Lógico,” ele respondeu, algo agridoce cruzando seus olhos.

“E você?” perguntou Mo. “Você não vai fazer uma ligação?”

“Ninguém sabe que estou aqui, Mo. Nem Anna, e nem


Scholastica. É melhor assim. Não quero que elas vivam com vergonha
de saber o que eu fiz. Não quero que esse seja o meu legado para minha
filha. É irônico. Fiz tudo por Scholastica, para poder mantê-la segura,
para poder dar a ela a vida que ela merece. E agora, ela vai crescer sem
mim. Se ela crescer.” Seus olhos brotaram.

“Shh. Você é um bom pai. E você fez muito pelos filhos de outras
pessoas também. Você arriscou sua própria vida para leva-las em
segurança as vezes. Alguém vai fazer isso. Alguém vai ter certeza que
Scholastica será cuidada.”

“Papai?” Lily olhou para o telefone. “Ele não está dizendo nada.”
Ela deu o telefone de volta para Gabriel.

“Talvez tenha caído. Vamos tentar de novo." Gabriel fingiu ligar


para Jack de novo. “Está tocando agora. Aqui está.”

Conforme Lily abaixou a cabeça para o telefone, era impossível


ignorar o som do carro se aproximando.

“Quando?” Mo perguntou a Gabriel.

“Não sei.”

Mo deu um sorriso lento, sábio. “Vamos salvar mais uma?”

Gabriel olhou para ela por alguns segundos. “Vamos.”

Eles enrolaram Lily entre seus corpos, sabendo que a explosão


iria destruir tudo em volta. Mas talvez, apenas talvez, ele poderiam
pegar o máximo para eles.

Leylah Attar
Conforme o carro subiu a rampa, Mo e Gabriel viram
rapidamente John Lazaro no banco de trás. Eles se abraçaram, testa
com testa, braços enrolados um no outro, formando um escudo para
Lily no meio.

“Papai?” Lily disse. Seu rosto estava brilhante conforme ela


falava no telefone. “Estou no lugar seguro agora.”

Leylah Attar
De onde vêm as HISTÓRIAS? Como se formam e fluem e
encontram seu caminho para o nosso mundo? Como podemos tirar
inspirações e ligá-las entre as capas de um livro, projetá-las na tela
grande ou transformá-las nas notas da nossa música favorita? O
processo criativo é uma coisa mágica que nos permite tomar
pensamentos, ideias e sentimentos — aquelas peças etéreas e
intangíveis — e condensá-las na realidade. Não posso começar a
explicar como funciona porque é diferente para cada um, toda vez, mas
posso acompanhá-las nos bastidores e mostrar-lhes os eventos, as
pessoas e as circunstâncias que inspiraram este livro.

Depois que terminei minha última série, The Paper Swan, eu


sabia duas coisas. Um, que meu próximo livro aconteceria na África.
Dois, que seria uma história de amor. Deixei ir e esperei aquela faísca,
aquele ímpeto, o sentimento que faz você navegar em uma nova
aventura.

Poucas semanas depois, jantei com o Dr. Nasmo11, que acabava


de voltar da Tanzânia. O Dr. Nasmo é um optometrista que nasceu na
Tanzânia, mas vive nos Estados Unidos. Quando era criança, sofria com
uma visão fraca, uma condição que não foi corrigida até que uma
missão voluntária chegou a sua aldeia e o forneceu óculos. O dom da
visão foi tão impactante, que ele baseou sua carreira em torno disso.
Ele agora faz viagens anuais na Tanzânia para ajudar a prevenir a
cegueira e a deficiência na visão, fornecendo consultas e óculos
gratuitos nas áreas rurais. Ele é uma figura inspiradora, e sempre olho
para o momento em que nossos caminhos se cruzam.

11 Nome alterado para proteger sua privacidade.

Leylah Attar
Nesta viagem particular, o Dr. Nasmo visitou um orfanato para
crianças com albinismo. A Tanzânia possui uma das maiores
concentrações de albinos no mundo. As pessoas com albinismo não
possuem pigmento e geralmente têm uma série de problemas oculares,
incluindo visão deficiente e sensibilidade à luz. Noventa e nove por
cento das crianças que o Dr. Nasmo examinou no orfanato precisavam
de correção na visão. Quando abrimos as fotos da sua viagem, ele me
mostrou um vídeo de uma garota albina brincando com um pedaço de
corda. Ela deixou cair e tentou pegá-la várias vezes, mas falhou, porque
não conseguia encontrá-la.

A visão não é o único problema com o qual as crianças com


albinismo lutam em partes da África. Eles acreditam que possuem
poderes mágicos, partes do seu corpo são compradas e vendidas por
milhares de dólares no mercado negro, para uso em poções que trazem
riqueza e boa sorte.

Não consegui dormir naquela noite. As imagens poderosas do


que eu tinha visto continuavam piscando diante dos meus olhos.
Lembrei-me de uma noite semelhante, quando um amigo me enviou um
artigo de notícias sobre o ataque do Westgate Mall, também na África
Oriental, onde vivi por muitos anos. De alguma forma, os dois eventos
ficaram vinculados na minha cabeça. Quando eu saí da cama na
manhã seguinte, algo se cristalizou de todos os pedaços que circulavam
na minha mente. Embora as circunstâncias em torno do trágico
incidente do Westgate Mall fossem muito diferentes do ataque
imaginário de Kilimani Mall, uma história tinha começado a se formar.

Não era uma história que eu queria contar. Parecia muito grande
e muito real, e eu não sabia se poderia fazer qualquer justiça, então eu
a guardava. Mas continuou tocando e batendo até abrir a porta e deixá-
la entrar.

Além da concepção da história, as seguintes peças de verdade


foram tecidas na ficção:

Leylah Attar
- As aldeias nas notas de Mo são nomeadas após vítimas reais
de ataques albinos.

- Amosha é um lugar de ficção, derivado das cidades de Arusha


e Moshi, na região do Kilimanjaro.

- O nome de Josephine Montati é inspirado por uma mulher que


iniciou uma organização sem fins lucrativos para ajudar crianças de
zonas de crise e obter próteses personalizadas para membros
desaparecidos.

- A corrida de patos de borracha ilegal nos Cotswolds não é


ficção.

- John Lazaro é nomeado após dois assassinatos de albinos na


Tanzânia.

- Scholastica é o nome de uma das crianças nas notas do Dr.


Nasmo do orfanato albino.

- Aristurtle é o nome que dei à tartaruga do meu irmãozinho


quando éramos crianças. Meu irmão sempre a perdia e nós ficávamos
na ponta dos pés procurando em torno do apartamento até que a
encontrávamos.

Em última análise, este livro é um trabalho de ficção. Procurei


entreter e informar através do filtro das minhas experiências,
imaginação, encontros e pesquisa. Não é meu objetivo retratar ou
apresentar qualquer evento ou situação.

Por último, mas não menos importante, agradeço a chama da


magia louca que queima em todos nós, é isso que nos conecta de
maneiras maravilhosas e desconhecidas.

Com amor,

Leylah

Leylah Attar
DR. NASMO, esta história não teria sido possível sem a chance
de me encontrar com você. Seu trabalho muda vidas. Que privilégio
incrível é ver isso se desenrolar.

Hang Lee (Por Hang Le), suas capas são pura magia. Eles falam
comigo sem dizer uma única palavra.

Lea Burn (Burn Before Reading), meu fantástico editor, obrigada


por trabalhar durante as férias para cumprir o prazo. Estou tricotando
um lenço para você com todas as minhas vírgulas redundantes. É
agradável e acolhedor e irá te envolver muitas e muitas vezes.

Christine Estevez, não consigo imaginar esta jornada sem você.


Obrigada por revisar e me ver através de outro livro. Eu gosto de apoiar-
me em você.

Christine Borgford (formatação de tipo A), meu formatador


fenomenal - sempre meticuloso, sempre atento. Meus livros não são
reais até que você tenha trabalhado sua magia neles. É o que sinto
quando estou segurando um dos seus belos eARCs ou livros de bolso
pela primeira vez? Isso é tudo seu!

Soulla Georgiou. Aqui estamos. Esse foi um passeio. Onde eu


começo mesmo? Obrigada pelo seu apoio inabalável, sua amizade e por
estar comigo mesmo que eu me recuse a usar meu celular. Eu te amo
muito, muito!

Mara White, minha imensa gratidão por preencher os pontos


cegos e compartilhar sua visão e percepção. Amor sempre.

Meu agente, Amy Tannenbaum, obrigada por sua inestimável


contribuição sobre este projeto e por estar comigo.

Leylah Attar
K. Larsen, Layla Boutazout, Lisa Chamberlin, Luisa Hansen,
Priscilluh Perez, Saffron Kent - tenho grande carinho e apreciação por
seus comentários sobre essas páginas.

Para os inúmeros leitores, blogueiros dedicados e amantes dos


livros que passam horas lendo, revisando e compartilhando, obrigada
não é suficiente para todas as coisas que vocês fazem. Vocês são o que
impulsionam a comunidade dos livros. Vocês são que o mantém isso
fresco, vibrante e vivo. Vocês me inspiram a continuar escrevendo e a
escrever melhor.

Para cada pessoa que tomou o tempo de entrar em contato


comigo, escreveram belas palavras que me tocaram, derramou seus
corações na criação de memes relacionados ao livro, estou imensamente
grata por seus atos de bondade.

Meus amigos autores, não posso dizer-lhes quantas vezes eu


peguei um de seus brilhantes livros e desejei que eu pudesse escrever a
mesma magia. Vocês me inspiram, não apenas como escritores, mas
por serem as almas corajosas, generosas e inspiradoras que são - todos
os dias, de muitas maneiras. É impossível listar todos vocês aqui,
então, do meu coração para cada um de vocês, obrigada.

Muito amor para a pequena banda Leylaholics Book Nook - eu


não posso ser capaz de espremer todos vocês aqui, mas meu coração é
totalmente expansível, e às vezes soa como um acordeão. Então você
também tem música.

Um grande grito para a equipe do BBFT, Este é o Indie / This is


Romance, e todas as maravilhosas colaborações que eu tenho sorte e
tenho honra de fazer parte.

Meus amigos. Minha vida é colorida por sua causa. E sorridente.


Posso criar palavras e vocês ainda sabem o que estou dizendo. Eu te
amo mais do que todas as pessoas mortas no Game of Thrones. Quero
dizer, em número. Porque eles estão mortos, então eles não podem
realmente amá-los. Além disso, eles nunca te conheceram. A menos que

Leylah Attar
considerem uma vez que a Amanda conheceu o Jason Momoa. E que
ela continua nos lembrando. Bish.

Meu filho. O melhor e mais brilhante canto da minha vida. Estou


tão orgulhosa de ser seu Kuriboh12.

Meu marido. Meu homem doce, incrível e incrível. Eu me


apaixono mais por você todo dia, e já passamos um tempo. Obrigada
por me fazer o café da manhã todas as manhãs e por não desistir de
Funny Face Egg13. Nós nos amamos.

12 Personagem de um jogo.

13

Leylah Attar

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