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Proteção Da Laboralidade
Proteção Da Laboralidade
Assim, além de a lei garantir que o trabalhador goze as vinte e quatro horas, ainda
garante que goze ininterruptamente as onze horas (antecedendo ou precedendo as
vinte e quatro do descanso semanal). Às onze horas de descanso diário tem de seguir
ou de anteceder o dia de descanso semanal (art.º 233/1 do CT).
- A lei, para os trabalhadores do art.º 233/3 do CT, não garante o gozo destas trinta e
cinco horas consecutivas (as vinte e quatro do descanso semanal + as onze do
descanso diário), mas esses têm direito a um período de descanso suficiente.
Nota: Neste elenco existem algumas sobreposições relativamente à tutela geral, o que
parece ser supérfluo relativamente ao CC, i.e., se já temos a proteção da tutela da reserva
da intimidade, porque é que vamos ter outra disposição no Código do Trabalho? O bem
jurídico é o mesmo, mas o que não é idêntico é a exposição a que o trabalho sujeita às
pessoas, e, portanto, faz sentido ter uma proteção no âmbito laboral.
Estamos meramente perante uma justaposição/complementaridade que se verifica entre
as formas de tutela. Claro que na falta de uma proteção específica recorremos à
proteção genérica.
A matéria dos direitos de personalidade aplica-se a todas as situações de subordinação,
às situações equiparadas, ao trabalho em funções públicas, e aos candidatos a
emprego: sempre que isso se justifique pela natureza do bem jurídico em causa. Portanto
é a matéria de mais largo espetro na aplicação do Direito do Trabalho.
Se virmos com atenção este elenco de bens jurídicos protegidos pelo direito, verificamos
que há aqui dois grupos de situações:
o Uma primeira forma de proteção que incide sobre aspetos gerais de convivência
social (liberdade expressão, integridade física, reserva da integridade da vida
privada).
o E depois um grupo de situações que podemos compreender porque se trata de
proteger o indivíduo face às potenciais agressões da utilização de tecnologias
no posto de trabalho (proteção que tem por objeto os dados pessoais, dados
biométricos, confidencialidade de mensagens, etc.).
Nota: Isto é tendencial pois pode haver proteção de dados em qualquer outra forma
de tutela da personalidade, mas no essencial é aqui que as questões de proteção de
dados se encontram. Vamos analisar estes quatro de seguida.
Seja qual for a forma em que a proteção de dados avulte há sempre uma questão essencial
na sua base que percorre todos os direitos de personalidade: a tensão entre os poderes
do empregador (fiscalização e direção) e a tutela da personalidade → No fundo,
qualquer regulamentação da personalidade no ambiente laboral tem sempre
subjacente esta tensão, que pode ser agravada dado existirem vários aspetos da
personalidade que reclamam proteção em determinadas zonas, como são os meios de
vigilância à distância relativamente aos quais temos de acautelar a inviolabilidade pessoal
e todo o direito de proteção de dados que transcende essa zona.
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Este artigo tem de ser lido no enquadramento da proteção de dados em geral, nomeadamente
com RGPD e com a Lei 58/2019. Isto significa que no que diz respeito a este direito são garantidos
os direitos de acesso, cancelamento, retificação, bem como os direitos de portabilidade e
apagamento.
Da análise deste artigo compreendemos que a proteção se estende não apenas aos
trabalhadores, mas também aos candidatos a emprego, i.e., aos estados potenciais de
subordinação.
Trata duas categorias específicas de dados:
o Os relacionados com a vida privada, relativamente aos quais existe uma
proibição de tratamento, admitindo, no entanto, dentro dos limites da necessidade,
adequação e proporcionalidade, que alguns destes possam ser tratados.
Ademais, esse tratamento tem de obedecer a condições formais9 – fundamentação
por escrito da necessidade de tratamento do dado (sindicação do motivo); e
materiais – as informações sejam prestadas ao médico.
o Os de saúde e gravidez.
Veja-se este exemplo: Quando há uma recolha microscópica, imagine-se que a nossa
impressão digital é considerada em quinze pontos e ela é comparada com uma amostra
completa da nossa impressão digital. Visto que a amostra permite a identificação do
individuo colocam-se problemas de dados pessoais.
Contudo, existem sistemas de leitura que apenas sensibilizam os pontos biométricos
determinados, e quando a amostra considera esses pontos não permite reconstituir a
impressão na sua totalidade. Claro que esses sistemas, para serem mais seguros, têm de
considerar mais pontos, o que enriquece a amostra, e, consequentemente se traduz numa
maior vulnerabilidade relativamente aos dados.
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Sendo formalidade substantiva, caso não se verifique o tratamento dos dados é ilícito.
O art.º 19/1 prevê que “O empregador não pode para efeitos de admissão ou
permanência no emprego, exigir a candidato a emprego ou a trabalhador a realização
ou apresentação de testes ou exames médicos, de qualquer natureza, para comprovação
das condições físicas ou psíquicas, salvo quando estes tenham por finalidade a proteção
e segurança do trabalhador ou de terceiros, ou quando particulares exigências inerentes
à atividade o justifiquem, devendo em qualquer caso ser fornecida por escrito ao
candidato a emprego ou trabalhador a respetiva fundamentação” (proibição relativa).
Nota: No caso do art.º 19/1 do CT para que as exceções se apliquem, estamos dependentes
de exigências formais, i.e., não basta que o teste ou exame médico seja necessário para
comprovar a aptidão do trabalhador ao posto. É preciso ainda o preenchimento de
condição formal que é a fundamentação escrita que o empregador tem de entregar
ao trabalhador.
Todavia, para salvaguarda da inviolabilidade do indivíduo, o médico, seja médico interno
da empresa ou externo, responsável pelos exames médicos só pode comunicar ao
empregador se o trabalhador está apto ou não à realização da atividade, i.e., a
conclusão a que chega, e não o teste ou exame.
No entanto, existem algumas condições para que estas exceções sejam lícitas:
boa-fé contratual. O trabalhador não pode ser apanhado desprevenido. Deste modo
o empregador deve comunicar/informar o trabalhador acerca da existência e
finalidade dos meios utilizados (art.º 20/3 do CT).
Este direito é disponível através do consentimento do trabalhador, o qual deve ser livre,
esclarecido e atual.
Atenção: A redação do art.º 21 do CT não está atualizada, porquanto mantém no número
1 a referência a autorização da comissão de proteção de dados que desapareceu com o
RGPD.
Nós temos já muitos acórdãos sobre videovigilância, e a jurisprudência reflete a evolução
técnica dos equipamentos. Note-se que o diferente entendimento nos acórdãos resulta do
faco de os primeiros equipamentos não terem capacidade de armazenamento de dados, e
atualmente já terem.
Ora bem, o que é certo é que dentro da disponibilidade do direito temos de considerar
duas situações distintas:
o Se a vigilância é feita através de equipamentos da empresa (GPS do carro da
empresa).
o Ou se é feito através dos próprios equipamentos do trabalhador (quando lhe é
exigido que descarregue aplicações nos seus equipamentos pessoais, os quais
servem para vigiar o seu desempenho profissional).
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Mensagens escritas e entregues por uma folha de papel estão aqui contempladas.
o Além da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o DUE tem uma
série de diretivas voltadas para a firmação do princípio da igualdade e não
discriminação11:
- DIRECTIVA 2006/54/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO
CONSELHO, de 5 de julho de 2006 relativa à aplicação do princípio da igualdade
de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios
ligados ao emprego e à atividade profissional (reformulação).
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Como se sabe, as preocupações sociais não foram um objetivo primeiro dos tratados
constitutivos da comunidade europeia, mas apesar dessa ausência de preocupações sociais a
matéria da igualdade e não discriminação esteve sempre presente, pois desta poderiam
resultar distorções às trocas de mercado e das relações de concorrência. A proteção deste
princípio tem uma finalidade comercial, que depois se autonomizou e se transformou no
complexo normativo que hoje temos.
1 – Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
o Este art.º 13 da CRP tem, depois, inúmeras derivações, algumas também de âmbito
laboral. No que ao trabalho diz respeito, temos a subsecção III do CT que se inicia
do art.º 23 do Código do Trabalho. Temos ainda a o Regime do Contrato de
Trabalho em Funções Públicas (Lei 35/2014, de 20/06).
Podemos reconhecer a tutela da não discriminação em geral, a que se soma uma tutela
da não discriminação em função do género (que, aliás, foi onde tudo começou) e uma
tutela da não discriminação em função da deficiência e da capacidade de trabalho.
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O elenco é aberto, porque a evolução e complexificação das relações sociais faz
surgir novos fatores discriminatórios. Hoje, nos EUA, discute-se a questão da
discriminação em função da aparência física.
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A idade é o mais recente fator a entrar nas preocupações da União por força do inverso
demográfico europeu. Quando falamos em discriminação em função da idade pensamos
sobretudo na discriminação de que são alvo os trabalhadores mais idosos.
Nota: Porque é que esta situação típica da igualdade se impõe como imperativo
ideológico? Porque é a única forma de reconhecimento da dignidade da pessoa.
Mas, afinal, de que é que falamos quando falamos de igualdade e não discriminação?
Falamos, do ponto de vista jurídico, de uma COMPARAÇÃO, i.e., para chegarmos à
conclusão que existe discriminação temos de comparar uma situação ideal (situação
em que não existiriam os fatores de discriminação que criam juízos antes da
consideração da pessoa em si) com uma situação real (situação presente que temos à
nossa frente).
Nota: O termo comparativo não é difícil na situação concreta, mas sim na situação ideal.
Mormente, é no desenho dessa situação ideal que confluem todos os parâmetros da
proteção multinivelada.
Modalidades de discriminação:
Esta situação foi até objeto de pronuncia pelo TJUE por diversas vezes, que julgou
que os contratos de trabalho a tempo parcial de per si são neutros, mas podem ser
instrumentalizados para discriminação em função do género.
Nota: Além destas normas relativas à tutela geral, temos uma secção relativa à não
discriminação em função do género no acesso ao emprego, atividade profissional e
formação no art.º 30; igualdade de condições de trabalho no art.º 31; registo de processos
de recrutamento com a finalidade de sindicalizar estes processos em matéria de igualdade
e não discriminação no art.º 32.
- Proteção contra atos retaliatórios (art.º 25/7 do CT): Invalidade dos atos
de retaliação que prejudiquem o trabalhador. Qualquer ato que tenha uma
incidência desfavorável da esfera jurídica do trabalhador por rejeição ou
submissão a ato discriminatório é invalido. É uma nulidade.
- Tutela da parentalidade (art.º 33 e seguintes): Esta tutela não foi criada apenas
com o fim de corrigir situações discriminatórias. Há muito que tem outras
finalidades como a “proteção de valores sociais iminentes” da organização social.
- Tutela contra o assédio sexual e moral (art.º 29 do CT): Esta opera-se por dois
instrumentos: transição para o regime de teletrabalho e transferência temporária
ou definitiva do local de trabalho.
- No seu art.º 6 contém uma norma muito semelhante àquela que vimos
relativamente à inversão do ónus da prova (“Cabe a quem alegar a
discriminação em razão da deficiência fundamentá-la, apresentando elementos
de facto suscetíveis de a indiciarem, incumbindo à outra parte provar que as
diferenças de tratamento não assentam em nenhum dos fatores indicados nos art.º
4 e 5”).
- Também estabelece o direito a indemnização (art.º 7) (“A prática de qualquer
ato discriminatório contra pessoa com deficiência confere-lhe o direito a uma
indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais”).
o Mais se indica que é no âmbito da proteção do emprego das pessoas com
capacidade diminuída, que é estabelecido, no DL 29/2001 de 3 de fevereiro, um
sistema de quotas de emprego para pessoas com deficiência (art.º 3 deste DL). É
um sistema que até hoje não teve cabal efetivação. Há tentativas de cumprimento, mas
são bastantes limitadas.
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O art.º 2 prevê que “«Discriminação com base na deficiência» designa qualquer distinção,
exclusão ou restrição com base na deficiência que tenha como objetivo ou efeito impedir ou
anular o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade com os outros, de todos
os direitos humanos e liberdades fundamentais no campo político, económico, social, cultural,
civil ou de qualquer outra natureza. Inclui todas as formas de discriminação, incluindo a negação
de adaptações razoáveis”.
Assédio:
Esta é uma figura que tem um regime próprio e que, evidentemente, beneficia da proteção
multinível dos instrumentos normativos (CRP → Direitos Fundamentais; Código Penal
e Código Civil → Direito de Personalidade; Código do Trabalho → Direitos de
Personalidade do Trabalhador).
Ora, isto quer dizer que o art.º 29 do CT reprime duas formas de assédio: o moral e o
sexual. Estas duas noções, aparentemente cobertas na mesma definição do art.º 29/2, são
distintas e têm duas realidades diferenciadas:
o No assédio moral o que se verifica é uma prática reiterada de atos com vista a
isolar/constranger a pessoa atingida, por exemplo com o objetivo de que ela
resolva o contrato. É, portanto, uma prática estratégica.
Denote-se que essa prática estratégica pode ser feita através de atos legais, como
ordens legítimas, por exemplo, tarefas menores ou esvaziadas de conteúdo útil,
mas que vêm através de instruções aparentemente lícitas, o que torna muito difícil
o seu reconhecimento.
O assédio moral tem uma tutela laboral, contraordenacional e civil.
o No caso do assédio sexual a pratica é diferente, porque não existe esta estratégica
continuada que vemos acontece no assédio moral. Na verdade, basta um só ato
para ser considerado assédio sexual, ao passo que o assédio moral não se consuma
apenas com um ato. Claro está que haverá situações de assédio sexual em que
haverá muito mais do que um ato, mas não é necessário para o reconhecimento do
assédio sexual a pratica reiterada.
O assédio sexual tem uma tutela laboral, contraordenacional, civil e ainda tem
uma tutela penal. A criminalização do assédio sexual faz-se através dos crimes
de importunação e coação sexual.
Onde as coisas se complicam no reconhecimento é na evolução do assédio sexual
para o moral. As rejeições dos avanços de natureza sexual levam a condutas que
chegam à noção de assédio moral. Então, temos o reconhecimento dificultado,
porque se misturam as duas realidades.
Nota: O assédio faz parte de uma esfera mais ampla de patologias da relação de trabalho,
que genericamente a OIT designa de violência no trabalho.
Nota: Do ponto de vista do DUE nas diretivas relativas à igualdade e não discriminação
aparece esta formação recorrentemente: “o assédio é considerado discriminação” (art.º
2/3 da Diretiva 2000/78/CE). Esta afirmação tem levado a grandes problemas, porque
levou no nosso Ordenamento Jurídico, antes da formulação que temos em vigor, à
consideração do assédio como prática discriminatória. Isto, obviamente que é redutor,
porque muitas vezes o assédio não tem qualquer razão discriminatória porque não se
funda num dos fatores de diferenciação que vimos inicialmente. Às vezes nem tem razão
objetiva.
Assim, na fixação do conceito de assédio, temos duas formas: a do assédio moral/em geral
e sexual, que eventualmente se cruzam com práticas discriminatórias quando, tanto o
assédio moral como sexual, advém de um animus discriminatório. Quando isso
acontece a tutela do assédio faz se através da tutela anti-discriminatória (pelos
mesmos instrumentos) → “Em regra, o assédio traduz-se numa conduta discriminatória,
que envolve um tratamento diferenciado para um dado trabalhador; mas não tem,
forçosamente, de ser discriminatório” (“Contrato de Trabalho”, João Leal Amado).
Consequências do Assédio:
o Obrigação de indemnizar os danos patrimoniais e não patrimoniais (art.º 29/4).
o Responsabilidade contraordenacional: contraordenação muito grave, pela qual
responde o empregador (art.º 551 do CT), sem prejuízo da eventual
responsabilidade penal (art.º 29/5 CT).
o Publicidade da decisão condenatória.
o Direito à resolução do contrato (art.º 394/2/b) e f) do CT) ou despedimento como
justa causa (como vimos, o assédio pode ser resultado de atuação de pares e,
quando isso acontece, os trabalhadores assediantes praticam uma infração
contratual cuja sanção é o despedimento).
Quanto à efetivação:
o Art.º 25/5 relativo ao ónus da prova: “Cabe a quem alega discriminação indicar o
trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado,
incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em
qualquer fator de discriminação”.
o Deveres do empregador:
- “Adotar códigos de boa conduta para a prevenção e combate ao assédio no
trabalho, sempre que a empresa tenha sete ou mais trabalhadores” – art.º 127/k)
CT.
Nota: Este regime do assédio também está a ter expressão fora do Direito do Trabalho,
nomeadamente na proibição do assédio no âmbito do arrendamento – art.º 13-A da Lei
12/2019.