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Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Assim, além de a lei garantir que o trabalhador goze as vinte e quatro horas, ainda
garante que goze ininterruptamente as onze horas (antecedendo ou precedendo as
vinte e quatro do descanso semanal). Às onze horas de descanso diário tem de seguir
ou de anteceder o dia de descanso semanal (art.º 233/1 do CT).
- A lei, para os trabalhadores do art.º 233/3 do CT, não garante o gozo destas trinta e
cinco horas consecutivas (as vinte e quatro do descanso semanal + as onze do
descanso diário), mas esses têm direito a um período de descanso suficiente.

o Feriados (art.º 234 a 236 do CT):


- Os feriados são dias de descanso impostos por lei por motivos de carácter religioso
ou não, mas que o legislador entende que devem ser comemorados.
- A lei enumera um número de acontecimentos que o legislador entende que devem
ser comemorados, e nesses dias há uma obrigação de não trabalhar, ao qual acresce o
dever de encerrar a empresa por parte do empregador.
- Claro que as empresas que trabalham sete dias por semana estão isentas de encerrar.
- Os feriados podem ser obrigatórios (previstos no art.º 234 do CT) ou facultativos
(previstos no art.º 235 do CT).
Nota: Esta obrigatoriedade estende-se quer à existência, quer à data de observância
do dia dos feriados. Há, no entanto, uma exceção, que é o caso da Sexta-Feira Santa
que, apesar de também ser um feriado obrigatório, pode ser celebrado em outro dia
com significado local no período da Páscoa (é o único feriado obrigatório que é
flexível).
- O art.º 269/1 do Código do Trabalho prevê que o trabalhador deverá auferir
retribuição apesar de não prestar trabalho, não sendo permitido ao empregador
procurar compensar essa omissão com trabalho suplementar.

9. MODO DE PROTEÇÃO DA LABORALIDADE:


9.1 TUTELA DA PERSONALIDADE DO TRABALHADOR:
Até agora vimos as questões metodológicas, fontes, e (alguns dos) vínculos que podem
dar origem à proteção da laboralidade. Vamos agora falar do modo como essa proteção
se aplica, começando por aquele que é 1.º passo dessa proteção: reconhecimento da
personalidade do trabalhador.
A proteção legal ou jurídica da personalidade decorre da existência de uma
personalidade humana, cujas características o Direito repercute, como a essencialidade,
a inseparabilidade, a irrenunciabilidade, etc. Como é que se protege essa dimensão
humana no nosso ordenamento jurídico? Através de duas formas:
o DIREITOS FUNDAMENTAIS.
o DIREITOS DE PERSONALIDADE:

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- Há vantagens associadas ao reconhecimento dos direitos de personalidade, em geral,


e no trabalho, porque podem ser mais amplos do que os direitos fundamentais, os
quais são previstos e pensados para uma proteção vertical, i.e., o indivíduo, face às
noções institucionais/estaduais, criando uma zona de inviolabilidade perante a
organização, social. Ao passo que os Direitos de Personalidade são de proteção de
uma pessoa face a outra que tem a mesma posição jurídica que a primeira.
- Assim pode haver mais Direitos de Personalidade que não sejam Direitos
Fundamentais, i.e., é possível alargar o leque com esta forma de proteção.
- Isto redunda na conclusão de que temos uma tutela multinível dos Direitos de
Personalidade porque se opera na CRP, no Código Civil, no Código Penal e no
Código do Trabalho:
… Na CRP, pois é possível conceber os direitos fundamentais como os
mecanismos de proteção dos direitos de personalidade, e proteger os mesmos bens
jurídicos através desse modo.
… No Código Civil. No que diz respeito à lei, temos como forma primeira de
proteção a conjugação de uma proteção geral (em que o objeto é a pessoa no seu
todo), com uma proteção descentralizada que diz respeito a aspetos parciais da
pessoa/da sua personalidade. Quanto ao art.º 70 do CC, este depois acrescenta uma
série de direitos especiais/parcelares de personalidade respeitantes a outros
aspetos da personalidade.
… No Código Penal também protege os direitos de personalidade através de uma
tutela descentralizada.
… O Código do Trabalho tem ele próprio também uma tutela descentralizada,
com o principal objetivo de reconhecimento da pessoa enquanto trabalhador.
Aliás, como nos diz João Leal Amado na sua obra Contrato de Trabalho, “o
trabalhador não é apenas um ser laborioso e produtivo […]; antes e mais do que
trabalhador, ele é uma pessoa e um cidadão”.
Já sabemos que a relação de trabalho é especial porque é uma relação de poder entre
iguais, havendo uma vulnerabilidade acrescida da pessoa enquanto está nessa relação, daí
a necessidade de haver atenção especial na proteção da personalidade dos
trabalhadores.
Essa especial atenção com a proteção da personalidade é nos dada nos art.º 14
e seguintes do CT, e que se ocupa da proteção da personalidade nas facetas que
se reportam à liberdade de expressão; integridade física e moral; proteção de dados
pessoais, proteção de dados biométricos, proteção perante exames médicos e
testes, vigilância à distância, confidencialidade de mensagens e acesso à
informação; etc.
Catálogo aberto, mas que recobre os aspetos fundamentais da proteção da
personalidade laboral. É sobre estes aspetos referidos que nos vamos debruçar.

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Imperfeiçoes jurídicas neste catálogo:


o Primeiro aparece a proteção da liberdade de expressão e só depois é que se
reconhece a integridade física e moral;
o Esta regulamentação diz respeito, em muitos casos, à proteção do trabalhador e
do empregador, veja-se, desde logo, o art.º 14 do CT, onde encontramos uma
dessas situações.
Porque é que isto é objeto de crítica, se quanto mais proteção melhor? É objeto de
crítica porque no âmbito do contrato de trabalho o que se modifica para a pessoa
é o facto de ficar dependente de uma heterodeterminação alheia, i.e., alguém vai
poder fazer dispor do seu tempo e do seu espaço.
Ora, a modificação que acontece na esfera jurídica do trabalhador resulta da
celebração do contrato. O empregador, pelo facto de empregar alguém, não vê a
sua posição jurídica alterada, não tendo nenhuma compressão na sua liberdade e
na sua autodeterminação. O empregador por ter pessoas ao seu serviço não fica
mais vulnerabilizado. Ademais, ele já está protegido nos termos gerais, e a
proteção adicional do direito do trabalho é irrelevante para ele, daí que não faça
sentido esta chamada do empregador à tutela da personalidade laboral.

Nota: Neste elenco existem algumas sobreposições relativamente à tutela geral, o que
parece ser supérfluo relativamente ao CC, i.e., se já temos a proteção da tutela da reserva
da intimidade, porque é que vamos ter outra disposição no Código do Trabalho? O bem
jurídico é o mesmo, mas o que não é idêntico é a exposição a que o trabalho sujeita às
pessoas, e, portanto, faz sentido ter uma proteção no âmbito laboral.
Estamos meramente perante uma justaposição/complementaridade que se verifica entre
as formas de tutela. Claro que na falta de uma proteção específica recorremos à
proteção genérica.
A matéria dos direitos de personalidade aplica-se a todas as situações de subordinação,
às situações equiparadas, ao trabalho em funções públicas, e aos candidatos a
emprego: sempre que isso se justifique pela natureza do bem jurídico em causa. Portanto
é a matéria de mais largo espetro na aplicação do Direito do Trabalho.

Se virmos com atenção este elenco de bens jurídicos protegidos pelo direito, verificamos
que há aqui dois grupos de situações:
o Uma primeira forma de proteção que incide sobre aspetos gerais de convivência
social (liberdade expressão, integridade física, reserva da integridade da vida
privada).
o E depois um grupo de situações que podemos compreender porque se trata de
proteger o indivíduo face às potenciais agressões da utilização de tecnologias
no posto de trabalho (proteção que tem por objeto os dados pessoais, dados
biométricos, confidencialidade de mensagens, etc.).

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A matéria dos direitos de personalidade verifica a necessidade de proteção da pessoa do


trabalhador e a consequente compressão dos poderes do empregador. Assim, o
empregador não pode utilizar qualquer meio que entenda.

LIBERDADE DE EXPRESSÃO E OPINIÃO (art.º 14 do CT):


“É reconhecida, no âmbito da empresa, a liberdade de expressão e de divulgação do
pensamento e opinião, com respeito dos direitos de personalidade do trabalhador e do
empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e do normal
funcionamento da empresa”.
É uma disposição que tem por objeto a proteção do trabalhador e do empregador, como
já foi referido.
Diz respeito sobretudo à liberdade de expressão e de opinião relativamente às
questões profissionais e laborais, sendo reconhecida no âmbito da empresa. Fora do
âmbito da empresa temos a proteção geral.
Esta questão da liberdade de expressão e de opinião tem sido muito debatida a propósito
das publicações em redes sociais, i.e., da expressão de opiniões e da revelação de factos
a partir das redes sociais.
Ora, evidentemente que os limites da liberdade de expressão e de opinião têm aqui, em
matéria laboral, a fronteira acrescida resultante de deveres específicos do trabalhador,
nomeadamente de um dever de lealdade que impede a revelação de factos e
informações atinentes à vida da empresa e que possam causar prejuízos ao
empregador – art.º 128/1/f) do CT. Está aqui uma primeira delimitação desta liberdade
de expressão e opinião, seja nas redes sociais ou qualquer outro lado.
Por outro lado, há também na questão das redes sociais que considerar a natureza da
publicação e a sua parametrização: a expectativa de reserva e confidencialidade que pode
existir. Veja-se que aquilo que dizemos numa conversa privada tem uma repercussão, ao
passo que o que dizemos publicamente tem outra. As expectativas de reserva de
confidencialidade dos destinatários da informação também são importantes para a
aferição dos limites da liberdade de expressão e opinião. As publicações privadas têm
uma sindicação menor do que as publicações com âmbito público.
Outra questão que se coloca neste contexto é a questão de denúncias feitas relativamente
à ilicitude de comportamentos/práticas laborais, por determinados trabalhadores que
tendem a ficar vulneráveis à atuação dos empregadores no sentido da cessação do
contrato. Isto foi particularmente discutido no âmbito da pandemia, e hoje há um estatuto
geral de proteção de “wistle blowing”, na sequência de uma diretiva comunitária.

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INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL (art.º 15 do CT):


O art.º 15 do CT não suscita grandes dificuldades e diz-nos que “O empregador, incluindo
as pessoas singulares que o representam, e o trabalhador gozam do direito à respetiva
integridade física e moral”.
Ora, qual o conteúdo útil/função mais relevante desta disposição no âmbito laboral? Há
muito que damos por adquirido que no ambiente laboral as pessoas gozam do seu direito
à integridade física e moral, então porque a formulação positiva desta norma? Porque ela
funciona como a cobertura axiológica para uma série de proteções específicas que
vamos encontrar, desde logo em matéria de saúde e segurança no Direito do
Trabalho: se é um direito de personalidade, a proteção da integridade física e moral, isso
faz com que a saúde e segurança no trabalho sejam uma obrigação a quem emprega só
pelo simples facto de haver esta disposição.
Também o reconhecimento desta integridade leva à proibição de todas as formas de
assédio/perseguição individual.
Em suma: Toda essa proteção descentralizada que encontramos no âmbito laboral tem
esta cobertura axiológica derivada do art.º 15 do CT.

PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS (art.º 17 e seguintes do CT):


Vamos iniciar a parte mais dirigida ao posto de trabalho digital, começando pela proteção
de dados. Porquê a proteção de dados? Porque é um aspeto transversal a todos as outras
formas de tutela descentralizada de personalidade.
Hoje, a proteção de dados é um direito profusamente regulamentado, e começou por
derivar da proteção da inviolabilidade da pessoa, tendo hoje um bem jurídico próprio e
que transcende essa dimensão da personalidade, sendo que, atualmente, quando
falamos na proteção de dados pensamos nas liberdades públicas e privadas, dignidade da
pessoa humana, direito à imagem, direito à palavra, e não só na proteção da reserva da
vida privada.
Conclui-se, assim, que há determinadas vertentes que se cruzam com a proteção de dados,
por isso não podemos inserir este direito como apenas uma manifestação da
intimidade da reserva da vida privada.

Eixos através dos quais a proteção de dados é protegida no DT:


o Dados biométricos (art.º 18 do CT).
o Exames médicos (art.º 19 do CT).
o Vigilância remota à distância (art.º 20 e 21 do CT).
o Confidencialidade de mensagens (art.º 22 do CT).

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Nota: Isto é tendencial pois pode haver proteção de dados em qualquer outra forma
de tutela da personalidade, mas no essencial é aqui que as questões de proteção de
dados se encontram. Vamos analisar estes quatro de seguida.

Seja qual for a forma em que a proteção de dados avulte há sempre uma questão essencial
na sua base que percorre todos os direitos de personalidade: a tensão entre os poderes
do empregador (fiscalização e direção) e a tutela da personalidade → No fundo,
qualquer regulamentação da personalidade no ambiente laboral tem sempre
subjacente esta tensão, que pode ser agravada dado existirem vários aspetos da
personalidade que reclamam proteção em determinadas zonas, como são os meios de
vigilância à distância relativamente aos quais temos de acautelar a inviolabilidade pessoal
e todo o direito de proteção de dados que transcende essa zona.

Relativamente à proteção de dados temos o art.º 17 do CT8, que prevê que:

1 - O empregador não pode exigir a candidato a emprego OU a


trabalhador que preste informações relativas:
a) À sua vida privada, salvo quando estas sejam estritamente necessárias
e relevantes para avaliar da respetiva aptidão no que respeita à execução
do contrato de trabalho e seja fornecida por escrito a respetiva
fundamentação;
b) À sua saúde ou estado de gravidez, salvo quando particulares
exigências inerentes à natureza da atividade profissional o justifiquem e
seja fornecida por escrito a respetiva fundamentação.
2 - As informações previstas na alínea b) do número anterior são prestadas
a médico, que só pode comunicar ao empregador se o trabalhador está ou
não apto a desempenhar a atividade.
3 - O candidato a emprego ou o trabalhador que haja fornecido
informações de índole pessoal goza do direito ao controlo dos respetivos
dados pessoais, podendo tomar conhecimento do seu teor e dos fins a que
se destinam, bem como exigir a sua retificação e atualização.
4 - Os ficheiros e acessos informáticos utilizados pelo empregador para
tratamento de dados pessoais do candidato a emprego ou trabalhador
ficam sujeitos à legislação em vigor relativa à proteção de dados pessoais.
5 - Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto nos n.ºs
1 ou 2.

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Este artigo tem de ser lido no enquadramento da proteção de dados em geral, nomeadamente
com RGPD e com a Lei 58/2019. Isto significa que no que diz respeito a este direito são garantidos
os direitos de acesso, cancelamento, retificação, bem como os direitos de portabilidade e
apagamento.

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Da análise deste artigo compreendemos que a proteção se estende não apenas aos
trabalhadores, mas também aos candidatos a emprego, i.e., aos estados potenciais de
subordinação.
Trata duas categorias específicas de dados:
o Os relacionados com a vida privada, relativamente aos quais existe uma
proibição de tratamento, admitindo, no entanto, dentro dos limites da necessidade,
adequação e proporcionalidade, que alguns destes possam ser tratados.
Ademais, esse tratamento tem de obedecer a condições formais9 – fundamentação
por escrito da necessidade de tratamento do dado (sindicação do motivo); e
materiais – as informações sejam prestadas ao médico.
o Os de saúde e gravidez.

DADOS BIOMÉTRICOS (art.º 18 do CT e art.º 28 da Lei 58/2019):


O que é um dado biométrico? Todos temos e usamos equipamentos que nos pedem dados
biométricos (reconhecimento facial, impressão digital, leitura das iris, etc.). mas afinal
todos os dados biométricos são dados pessoais e, portanto, recobertos pela proteção
dispensada pelo RGPD? Não, nem todos os dados biométricos são dados pessoais, pois
só há dados pessoais se houver possibilidade de identificar o sujeito.
Estes tipos de dados estão ligados a características únicas da pessoa, estando presentes
em todas as pessoas e devem ser distintivos de cada um (universalidade e singularidade
dos dados biométricos).
Ora, há dados biométricos que são tão fragmentados em termos de composição identitária
que não permitem a identificação, visto que no processo de utilização dos dados
biométricos está sempre presente uma avaliação comparativa, i.e., há alguns aspetos da
nossa morfologia que são tomados para comparação com uma amostra, e,
verdadeiramente, o problema está na amostra e não nos nossos dados. Portanto, nesta
tipologia de dados, o que se passa é que algum aspeto individual (por exemplo os pontos
da impressão digital) são comparados com uma amostra prévia, sendo nessa mesma
amostra que pode estar o problema da proteção de dados pessoais.

Veja-se este exemplo: Quando há uma recolha microscópica, imagine-se que a nossa
impressão digital é considerada em quinze pontos e ela é comparada com uma amostra
completa da nossa impressão digital. Visto que a amostra permite a identificação do
individuo colocam-se problemas de dados pessoais.
Contudo, existem sistemas de leitura que apenas sensibilizam os pontos biométricos
determinados, e quando a amostra considera esses pontos não permite reconstituir a
impressão na sua totalidade. Claro que esses sistemas, para serem mais seguros, têm de
considerar mais pontos, o que enriquece a amostra, e, consequentemente se traduz numa
maior vulnerabilidade relativamente aos dados.

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Sendo formalidade substantiva, caso não se verifique o tratamento dos dados é ilícito.

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Características deste direito:


o Âmbito subjetivo: Tem como destinatários os trabalhadores e não os candidatos
a emprego, pois estes últimos não são controlados.
o Âmbito material: Dados recolhidos através de sistemas que se baseiam na análise
e mensuração de dados biológicos em comparação com uma amostra digital.
o É um direito disponível e passível de consentimento do trabalhador.
o A utilização deve ser acompanhada pela comissão de trabalhadores – art.º 18/4
CT.
o É um direito no qual o empregador só pode usar/exigir a utilização dos dados
até ao momento da permanência do trabalhador na empresa ou até a
cessação do CDT. Se o trabalhador for transferido, por exemplo, deixa de poder
ser usada a sua biometria, como também deixa a partir do momento em que cessa
o CDT (art.º 18/3 do CT).
o Art.º 28/6 da Lei 58/2019: “O tratamento de dados biométricos dos trabalhadores
só é considerado legítimo para controlo de assiduidade e para controlo de
acessos às instalações do empregador, devendo assegurar-se que apenas se
utilizem representações dos dados biométricos e que o respetivo processo de
recolha não permita a reversibilidade dos referidos dados”.
o Só é permitido se os dados a utilizar forem necessários, adequados e proporcionais
aos objetivos a atingir (art.º 18/2 do CT).
Como nos diz Teresa Coelho Moreira no Manual de Direito do Trabalho, “a
finalidade pretendida por parte dos empregadores na utilização deste tipo de
dados terá de assentar na necessidade de agilizar o cumprimento de um objetivo
que a lei reconhece integrar-se no âmbito dos seus poderes de controlo. Mas,
ainda assim, parece-nos que só em situações excecionais, nomeadamente de
segurança, se poderão instalar este tipo de sistemas”.
o O empregador só pode tratar dados biométricos do trabalhador após notificação à
Comissão Nacional de Proteção de Dados, notificação essa que deverá ser
acompanhada de parecer da comissão de trabalhadores ou, não estando este
disponível dez dias após a consulta, de comprovativo do pedido de parecer.

TESTES E EXAMES MÉDICOS (art.º 19 do CT e art.º 29 da Lei 58/2019):


São categorias diferenciadas dos dados biométricos. A regulamentação geral impõe a
utilização da interface por um profissional de saúde e por aquele que procede ao seu
tratamento, bem como a salvaguarda do sigilo.
Como foi referido, ocupa-se deste bem jurídico, também, o art.º 19 do CT, o qual se dirige
também, além dos trabalhadores, aos candidatos a emprego, porque é no momento
da admissão em processo de recrutamento que os potenciais trabalhadores estão
vulneráveis, dado estarem dispostos a consentir a transgressões de maneira a ficar com o
emprego.

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O campo de aplicação objetiva são as informações:


o Médicas: os testes podem ser de natureza preventiva ou curativa, portanto são
testes que produzem informações sensíveis em qualquer um dos casos. Neste
sentido a expressão “informações médicas” evidencia essa amplitude de natureza
dos testes.
o Genéticas.
o Psicologia clínica: porque só a psicologia clínica? Porque a área da psicologia
que não se destina a terapêutica individual e que nada tem a ver com o estado de
saúde individual não é sequer passível de exigência por parte do empregador no
sentido de obter essas informações.

O art.º 19/1 prevê que “O empregador não pode para efeitos de admissão ou
permanência no emprego, exigir a candidato a emprego ou a trabalhador a realização
ou apresentação de testes ou exames médicos, de qualquer natureza, para comprovação
das condições físicas ou psíquicas, salvo quando estes tenham por finalidade a proteção
e segurança do trabalhador ou de terceiros, ou quando particulares exigências inerentes
à atividade o justifiquem, devendo em qualquer caso ser fornecida por escrito ao
candidato a emprego ou trabalhador a respetiva fundamentação” (proibição relativa).

Já o art.º 19/2 prevê um princípio de proibição absoluta (não há exceções): proteção


absoluta de exigência de testes e exames médicos para a gravidez. Contudo, existem
funções que não só não devem ser desempenhadas por grávidas, como não podem ser
desempenhadas por grávidas, pois, essas atividades podem prejudicar a função genética.
Assim, esta proibição salvaguarda as disposições relativas à saúde e segurança no
trabalho.
Note-se que essa salvaguarda não afeta o princípio, porque aliás quando há ofertas de
emprego para esse tipo de postos de trabalho tem de ser ressalvada a sua perigosidade e
risco para o seu desempenho por mulheres grávidas, e por mulheres que pensam em
engravidar. Também aqui existe o requisito formal de fundamentação escrita e a
necessidade de que a informação seja prestada a médico.

Ou seja, a proibição de exigir a candidato a emprego ou a trabalhador a realização


ou apresentação de testes ou exames médicos do art.º 19/1 do CT comporta duas
exceções, por isso é que dissemos que era uma proibição relativa:
o A necessidade de aferir a capacidade física dos trabalhadores em função da
sua proteção ou de terceiros – razões subjetivas ou individuais como a
necessidade de proteção em matéria de saúde do próprio e de 3.º, por exemplo a
afetação a postos de trabalho de risco, de trabalhadores sem robustez física
necessária.

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o Ou particulares exigências inerentes à atividade que o justifiquem – razões


objetivas. Neste segundo caso podemos incluir situações como a proteção em
função de segurança de instalações ou de vulnerabilidade perante assaltos.

Nota: No caso do art.º 19/1 do CT para que as exceções se apliquem, estamos dependentes
de exigências formais, i.e., não basta que o teste ou exame médico seja necessário para
comprovar a aptidão do trabalhador ao posto. É preciso ainda o preenchimento de
condição formal que é a fundamentação escrita que o empregador tem de entregar
ao trabalhador.
Todavia, para salvaguarda da inviolabilidade do indivíduo, o médico, seja médico interno
da empresa ou externo, responsável pelos exames médicos só pode comunicar ao
empregador se o trabalhador está apto ou não à realização da atividade, i.e., a
conclusão a que chega, e não o teste ou exame.

MEIOS DE VIGILÂNCIA (art.º 20 e 21 do CT):


Os meios de vigilância à distância são heterogéneos, compreendendo as:
o Situações de videovigilância.
o Serviços de geolocalização inseridos nos smartphones ou tablets, visto que estes
possuem serviços de GPS, “permitindo obter um panorama íntimo dos hábitos e
padrões […] e podem elaborar extensos perfis” (Teresa Coelho Moreira em
“Direito do Trabalho”), permitindo um controlo constante e remoto.
o Todos os outros meios que permitem a observação distanciada por alguém, como
é o caso do …
… Software instalado nos computadores e que permite o controlo e a
avaliação do tempo de permanência em determinadas aplicações.
… Drones.
… Sensores de cadeira.
… Placas identificativas com chips incorporados e que permitem
reconstituir o percurso dos trabalhadores pela empresa.
O art.º 28 da Lei 58/2019 diz que “As imagens gravadas e outros dados pessoais
registados através da utilização de sistemas de vídeo ou outros meios tecnológicos de
vigilância à distância, nos termos previstos no artigo 20.º do Código do Trabalho, só
podem ser utilizados no âmbito do processo penal”. Portanto há uma equiparação da
responsabilidade disciplinar à responsabilidade penal.

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O âmbito subjetivo do art.º 21 do CT é o trabalhador.


O art.º 21 aplica-se a qualquer forma de controlo ou fiscalização à distância através de
equipamentos tecnológicos, e que implica, necessariamente, distanciamento entre
trabalhador e empregador.
A utilização de meios de vigilância a distância no local de trabalho está sujeita
obrigatoriamente a autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados (art.º 21/1
CT).
Limites: A autorização só pode ser concedida em caso de necessidade, adequação e
proporcionalidade (art.º 21/2 do CT).
O art.º 20/1 prevê a impossibilidade de o empregador utilizar meios de vigilância à
distância para controlar o desempenho do empregador.
De acordo com o art.º 20/2 do CT existem duas exceções a esta proibição (i.e., a utilização
de meios de vigilância é lícita nestas duas situações):
o Proteção de pessoas e bens (caso dos bancos).
o Particulares exigências inerentes à natureza da atividade, i.e., atividades que
exigem monitorização das instalações ou do fluxo de atividade desenvolvida,
como é o caso da polícia, ou das atividades de policiamento em geral.

No entanto, existem algumas condições para que estas exceções sejam lícitas:
boa-fé contratual. O trabalhador não pode ser apanhado desprevenido. Deste modo
o empregador deve comunicar/informar o trabalhador acerca da existência e
finalidade dos meios utilizados (art.º 20/3 do CT).
Este direito é disponível através do consentimento do trabalhador, o qual deve ser livre,
esclarecido e atual.
Atenção: A redação do art.º 21 do CT não está atualizada, porquanto mantém no número
1 a referência a autorização da comissão de proteção de dados que desapareceu com o
RGPD.
Nós temos já muitos acórdãos sobre videovigilância, e a jurisprudência reflete a evolução
técnica dos equipamentos. Note-se que o diferente entendimento nos acórdãos resulta do
faco de os primeiros equipamentos não terem capacidade de armazenamento de dados, e
atualmente já terem.
Ora bem, o que é certo é que dentro da disponibilidade do direito temos de considerar
duas situações distintas:
o Se a vigilância é feita através de equipamentos da empresa (GPS do carro da
empresa).
o Ou se é feito através dos próprios equipamentos do trabalhador (quando lhe é
exigido que descarregue aplicações nos seus equipamentos pessoais, os quais
servem para vigiar o seu desempenho profissional).

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Porque é que são diferentes? Porque se a vigilância é operada através de equipamentos


da empresa basta a informação, mas se é exigido que faça ele a descarga da aplicação,
isso significa que ele está a conferir ao empregador um verdadeiro e próprio direito de
agressão aos seus direitos de personalidade, e para isso não basta a mera informação: é
necessário o consentimento autorizante.
A par da jurisprudência nacional que acompanhou a evolução técnica, temos de ter em
conta a jurisprudência do TEDH, que se tem pronunciado por diversas vezes com
acordos marcantes sobre estas questões:
o Particular interesse tem o Acórdão Antovic and Mirovic – a vida privada pode
incluir atividades profissionais, reconhecendo uma esfera pessoal de trabalho.
o Acórdão Lopes Ribalda I e II. Em primeira instância decidiu de uma forma mais
favorável/exigente relativamente aos direitos das trabalhadoras e depois reverteu
essa decisão em recurso.
Importa mencionar três Acórdãos nacionais do Tribunal da Relação do Porto, de
26/06/2017, de 5/03/2018 e de 23/04/2018, que admitiram a “possibilidade de utilização
de imagens captadas por sistemas de videovigilância como meio de prova em processo
disciplinar”.
Por fim, como é mencionado no manual “Direito do Trabalho”, na utilização destes meios
têm de se considerar três princípios: o princípio da finalidade legítima, o princípio da
proporcionalidade e o princípio da transparência informativa.

CONFIDÊNCIALIDADE DAS MENSAGENS E DE ACESSO À INFORMAÇÃO


(art.º 22 do CT):
Âmbito subjetivo é o trabalhador (art.º 22/1 do CT). Âmbito objetivo é a reserva e
confidencialidade de mensagens pessoais e consulta e acesso a informação de carácter
não profissional. Não apenas mensagens eletrónicas. Ou seja, protege a comunicabilidade
do trabalhador por via eletrónica e física10. Este é um direito disponível.
O art.º 22/2 elenca alguns limites a este direito do trabalhador: “O disposto no número
anterior não prejudica o poder de o empregador estabelecer regras de utilização dos
meios de comunicação na empresa, nomeadamente do correio eletrónico”.
Violação do direito: eventual responsabilidade penal e consequências laborais (resolução
do contrato por justa causa), o que dá direito a uma indemnização ao trabalhador.
Veja-se, no entanto, que a violação do direito pode acontecer por outros trabalhadores.
Evidentemente que temos a proteção de âmbito geral do art.º 483 CC, acrescida da
proteção legal do art.º 70 CC, mas há também repercussões laborais, pois existe um
comportamento infracional do trabalhador que procede à violação do direito. Se o
empregador for conivente ou não acionar os mecanismos normais de responsabilidade
então ele é objetivamente responsável também – responsabilidade disciplinar do lesante

10
Mensagens escritas e entregues por uma folha de papel estão aqui contempladas.

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e eventual responsabilidade objetiva do empregador. Se não houver culpa do empregador


a responsabilidade é extracontratual exclusiva do lesante.
O CT tem um processo especial de agilização da tutela da personalidade e a Carta
Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital também tem algumas incidências nesta
matéria – art.º 8 da Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital, que não
introduz novidade ao já contemplado nos artigos do CT.

9.2 IGUALDADE E NÃO DISCRIMINAÇÃO:


Continuamos no âmbito da tutela da personalidade. Esta matéria é uma área que
rapidamente se transformou num quase sub-ramo do Direito. É uma área em que o Direito
do Trabalho conseguiu disputar muitos dos conceitos consagrados no âmbito do Direito
Civil. No entanto, do ponto de vista jurídico, a efetividade deste direito é complexa e,
sobretudo, evolutiva, visto que aquilo que hoje nos satisfaz nos parâmetros da igualdade
não é seguramente o que nos satisfará amanhã.
Enquadramento legal da igualdade e não discriminação no Direito da União
Europeia (DUE):

o Além da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o DUE tem uma
série de diretivas voltadas para a firmação do princípio da igualdade e não
discriminação11:
- DIRECTIVA 2006/54/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO
CONSELHO, de 5 de julho de 2006 relativa à aplicação do princípio da igualdade
de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios
ligados ao emprego e à atividade profissional (reformulação).

- DIRECTIVA 2000/78/CE DO CONSELHO, de 27 de novembro de 2000, que


estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade
profissional.

- DIRECTIVA 2000/43/CE DO CONSELHO, de 29 de junho de 2000, que aplica


o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem
racial ou étnica.

o Quando falamos de igualdade e não discriminação temos de falar no papel


fundamental da jurisprudência do TJUE, na medida em que muitos dos progressos
feitos neste domínio devem-se a esta jurisprudência arrojada do TJUE.

11
Como se sabe, as preocupações sociais não foram um objetivo primeiro dos tratados
constitutivos da comunidade europeia, mas apesar dessa ausência de preocupações sociais a
matéria da igualdade e não discriminação esteve sempre presente, pois desta poderiam
resultar distorções às trocas de mercado e das relações de concorrência. A proteção deste
princípio tem uma finalidade comercial, que depois se autonomizou e se transformou no
complexo normativo que hoje temos.

Filipe Schumacher e Joana Dias 89


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Enquadramento legal no ordenamento jurídico nacional:

o Tudo começa no art.º 13 da CRP:

1 – Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2 – Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de


qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo,
raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas,
instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

o Este art.º 13 da CRP tem, depois, inúmeras derivações, algumas também de âmbito
laboral. No que ao trabalho diz respeito, temos a subsecção III do CT que se inicia
do art.º 23 do Código do Trabalho. Temos ainda a o Regime do Contrato de
Trabalho em Funções Públicas (Lei 35/2014, de 20/06).

- A regulamentação relativa à igualdade e não discriminação no Código do


Trabalho cobre todas as relações de trabalho dependente, no emprego público e
emprego privado, bem como, por força do art.º 10, as situações equiparadas (sem
subordinação jurídica, mas com dependência económica).

- O Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas cobre os serviços de


administração direta e indireta do Estado.

Organização sistemática deste complexo conjunto de normas:

Podemos reconhecer a tutela da não discriminação em geral, a que se soma uma tutela
da não discriminação em função do género (que, aliás, foi onde tudo começou) e uma
tutela da não discriminação em função da deficiência e da capacidade de trabalho.

Portanto, temos um regime geral completado por dois regimes especiais.


Evidentemente que a tutela geral se estende, apesar da tutela descentralizada, em tudo
aquilo que não esteja previsto e regulado nessa mesma tutela descentralizada.

Filipe Schumacher e Joana Dias 90


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

*No que diz respeito à proteção da igualdade em matéria de género há ainda um


subconjunto normativo que cada vez ganha mais relevo que é o relativo à tutela da
parentalidade que se iniciou, também ele, com a finalidade de corrigir o desfavor laboral
que representava a maternidade para as mulheres, que se viam muitas vezes obrigadas a
interromper a carreira, a perder chances de progressão da carreira, etc., e que hoje tem
uma proteção mais alargada e que, obviamente, transcende esta finalidade inicial, mas
que continua a ser um recurso muito importante para a efetivação da igualdade de género.

Disposições gerais da igualdade e não discriminação no Código do Trabalho:


o No art.º 23 do CT temos um conjunto de definições importantes em matéria de
igualdade e não discriminação, tais como: discriminação direta, discriminação
indireta, trabalho igual e trabalho de valor igual.
o O art.º 24 do CT preocupa-se com o direito à igualdade de oportunidades e de
tratamento no acesso ao emprego, à formação e promoção ou carreira profissionais
e às condições de trabalho – disposição que tem como destinatários tanto os
trabalhadores como os candidatos a empego.
o O art.º 25 do CT estabelece a proibição de discriminação (“O empregador não pode
praticar qualquer discriminação, direta ou indireta”).
o O art.º 26 do CT determina o destino das regras contrárias à igualdade e não
discriminação (“A disposição (…) que respeite especificamente a trabalhadores de
um dos sexos considera-se aplicável a ambos os sexos”).
o O art.º 27 do CT legitima as medidas de ação positiva, que dantes eram referidas por
discriminações positivas (“medida legislativa de duração limitada que beneficia
certo grupo, desfavorecido em função de fator de discriminação”).
o O art.º 28 do CT determina a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais
resultantes de atos discriminatórios (sanção para a igualdade e não discriminação).

Ora, o art.º 24 do CT encerra o elenco aberto12 dos principais fatores discriminatórios:


Ascendência; Idade; Sexo; Orientação sexual; Identidade de género; Estado civil;
Situação familiar; Situação económica; Instrução; Origem ou condição social;
Património genético; Capacidade de trabalho reduzida; Deficiência; Doença crónica;
Nacionalidade; Origem étnica ou raça; Território de origem; Língua; Religião;
Convicções políticas ou ideológicas; Filiação sindical.
Pelo contrário, no DUE, o elenco dos fatores discriminatórios é taxativo: Género
(Diretiva 2006/54/CE), Origem racial ou étnica (Diretiva 2000/43/CE), Religião ou
convicções (Diretiva 2000/78/CE), Idade13 (Diretiva 2000/78/CE), Deficiência (Diretiva
2000/78/CE) e Orientação sexual (Diretiva 2000/78/CE).

12
O elenco é aberto, porque a evolução e complexificação das relações sociais faz
surgir novos fatores discriminatórios. Hoje, nos EUA, discute-se a questão da
discriminação em função da aparência física.
13
A idade é o mais recente fator a entrar nas preocupações da União por força do inverso
demográfico europeu. Quando falamos em discriminação em função da idade pensamos
sobretudo na discriminação de que são alvo os trabalhadores mais idosos.

Filipe Schumacher e Joana Dias 91


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Nota: Porque é que esta situação típica da igualdade se impõe como imperativo
ideológico? Porque é a única forma de reconhecimento da dignidade da pessoa.

Mas, afinal, de que é que falamos quando falamos de igualdade e não discriminação?
Falamos, do ponto de vista jurídico, de uma COMPARAÇÃO, i.e., para chegarmos à
conclusão que existe discriminação temos de comparar uma situação ideal (situação
em que não existiriam os fatores de discriminação que criam juízos antes da
consideração da pessoa em si) com uma situação real (situação presente que temos à
nossa frente).

No entanto, isto é uma operação jurídica muito difícil porque:


o É difícil definir o que é a situação ideal;
o Para fazermos esta comparação temos de fazer apelo ao património
civilizacional, na medida em que, do ponto de vista naturalístico, o primeiro
impulso do Ser Humano é não aceitar o que é diferente. Ora, o Direito corrige
o naturalístico dizendo que temos de ultrapassar essa tendência através de uma
igualitarização das situações.
o Essa situação ideal típica evolui muito rapidamente tendo em conta as
conceções sociais.

Quando realizamos a comparação referida anteriormente podemos chegar a três


resultados:
o Se a situação ideal típica (dever ser) é uma situação melhor que a situação
concreta que temos à nossa frente (ser) (i.e., a situação real fica aquém do nosso
padrão de exigência) → DISCRIMINAÇÃO.
o Se a situação ideal típica é menos satisfatória do que a situação concreta →
DIFERENCIAÇÃO SEM CARGA NEGATIVA ASSOCIDADA, PELO QUE É
TOLERADA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO (a situação concreta é melhor do
que a ideal).
o Se a situação ideal típica e a situação concreta são iguais → IGUALDADE.

Nota: O termo comparativo não é difícil na situação concreta, mas sim na situação ideal.
Mormente, é no desenho dessa situação ideal que confluem todos os parâmetros da
proteção multinivelada.

Modalidades de discriminação:

o Discriminação direta: Situações em que há um tratamento menos favorável do


que aquele que é conferido (ou que tenha sido ou que ainda venha a ser dado) a
outra pessoa (p.e., dizer que não são aceites mulheres nos cargos de chefia).

Filipe Schumacher e Joana Dias 92


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o Discriminação indireta: Discriminação que resulta da colocação de alguém


numa situação de desvantagem, não porque haja um tratamento menos favorável
imediato, mas porque há uma prática aparentemente neutra, mas que conduz
àquele resultado desvantajoso (p.e., suponhamos que determinada organização
não quer que mulheres acedam a cargos de chefia. Ora bem, então se
determinada organização não quer as mulheres nesses cargos de direção, e sabe
que a maior parte das mulheres com possibilidades de atingir esses cargos
trabalham a tempo parcial, exige, por hipótese, o tempo completo como requisito
de admissibilidade. A exigência de tempo completo é aparentemente neutra, que
não visa, à 1.ª vista, qualquer determinado grupo e que pode ser formalmente
justificado. No entanto, este critério aparentemente neutro vai ser
instrumentalizado para obtenção de um resultado discriminatório, dando lugar
assim a discriminação indireta).

Esta situação foi até objeto de pronuncia pelo TJUE por diversas vezes, que julgou
que os contratos de trabalho a tempo parcial de per si são neutros, mas podem ser
instrumentalizados para discriminação em função do género.

A discriminação indireta é uma discriminação muito mais difícil de descobrir, mas


mais frequente. A modalidade de discriminação direita não é tão corrente, embora
ainda exista.

Nota: Além destas normas relativas à tutela geral, temos uma secção relativa à não
discriminação em função do género no acesso ao emprego, atividade profissional e
formação no art.º 30; igualdade de condições de trabalho no art.º 31; registo de processos
de recrutamento com a finalidade de sindicalizar estes processos em matéria de igualdade
e não discriminação no art.º 32.

Instrumentos de efetivação da igualdade e não discriminação:

Filipe Schumacher e Joana Dias 93


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

o Instrumentos de proteção imediata: Visam combater a discriminação seja de forma


preventiva, seja de forma corretiva ou repressiva.

o Forma Preventiva: Atuam antes da ocorrência de situações discriminatórias.

- Invalidade das cláusulas de IRC ou de regulamento de empresa contrárias


ao princípio da igualdade (art.º 26/1 e 2 do CT).

- Medidas de ação positiva (art.º 27 do CT). Do ponto de vista social e até


político a principal medida de ação positiva que nos aparece referida é
sempre a questão das quotas. O que é essencial para a licitude destas
medidas é o seu caráter temporário, não se podendo transformar em
medidas estruturais, o que significa que o CT aceita o estabelecimento de
quotas.

- Registo de processos de recrutamento (art.º 32 do CT).

o Forma Corretiva ou Repressiva: Instrumentos chamados a atuar depois de


verificada a situação discriminatória.

- Inversão do ónus da prova (art.º 25/5 e 6 do CT), i.e., suponhamos que o


trabalhador A se sente discriminado relativamente a B e a C no acesso a
determinado concurso. O que é que acontece? Se não houvesse a
disposição do art.º 25, A teria de invocar e provar a discriminação, porque
é ele quem alega o direito. Isso pode revelar-se impossível porque os factos
podem estar na esfera jurídica pessoal de B e C, sendo inacessíveis a A,
nomeadamente por uma questão de proteção de dados. Portanto, o
estabelecimento do direito sem esta norma acaba por ter escassa utilidade.
Ora, o art.º 25 diz que o A não tem de fazer essa prova integral apesar de
invocar o direito, bastando-lhe indicar as situações relativamente às quais
se considera discriminado.
Portanto, na sua invocação vai dizer que se sente discriminado no concurso
relativamente a B e C e este é o fundamento. O empregador, perante isto,
vai ter de provar que a diferença de tratamento eventualmente existente
entre A, B e C não advém de discriminação. O empregador tem de provar
que B e C foram admitidos e A não, e que a diferença de tratamento não
assenta em fatores de discriminação. O empregador fica com a prova de
inexistência de discriminação (prova de facto negativo). Denote-se que
não é uma inversão total do ónus da prova porque A continua a ter de
indicar as posições jurídicas relativamente às quais se acha discriminado.
É indispensável que ele tenha esse encargo, porque é através desse encargo
que ele identifica e delimita o âmbito da discriminação.

Filipe Schumacher e Joana Dias 94


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

- Proteção contra atos retaliatórios (art.º 25/7 do CT): Invalidade dos atos
de retaliação que prejudiquem o trabalhador. Qualquer ato que tenha uma
incidência desfavorável da esfera jurídica do trabalhador por rejeição ou
submissão a ato discriminatório é invalido. É uma nulidade.

- Indeminização (art.º 28 do CT): Ora, se a discriminação afeta a dignidade


pessoal (afeta um bem jurídico da personalidade) ela constitui um facto
ilícito culposo, gerador de responsabilidade extracontratual nos termos
gerais do art.º 483 do CC, gerando obrigação de indemnização. Esta
indemnização vem reforçada no art.º 28 do CT.

- Resolução do contrato (art.º 394/2/f) do CT): No âmbito laboral a


ilicitude dos atos dá direito ao trabalhador atingido de resolver o contrato
com justa causa (ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou
dignidade do trabalhador, prática de assédio denunciada ao serviço com
competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou seu
representante).

o Instrumentos de proteção lateral: Instrumentos que prosseguem outras finalidades,


mas que também servem para corrigir estas situações discriminatórias.

- Tutela da parentalidade (art.º 33 e seguintes): Esta tutela não foi criada apenas
com o fim de corrigir situações discriminatórias. Há muito que tem outras
finalidades como a “proteção de valores sociais iminentes” da organização social.

- Proteção contra despedimento de “trabalhadoras grávidas, puérperas e


lactantes” (art.º 63 e 356/ 2 do CT).

- Presunção de que o despedimento ou sanção disciplinar é abusivo no ano


subsequente a reclamação ou exercício de direito relativo a igualdade e não
discriminação (art.º 331/2/b) do CT).

- Obrigação de o empregador comunicar o motivo de não renovação do contrato


de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante (art.º 144/3 do CT).
- Proteção de trabalhadores vítimas de violência doméstica (art.º 166 e 195 do
CT).

- Tutela contra o assédio sexual e moral (art.º 29 do CT): Esta opera-se por dois
instrumentos: transição para o regime de teletrabalho e transferência temporária
ou definitiva do local de trabalho.

Filipe Schumacher e Joana Dias 95


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Discriminação com base na deficiência:

o Decisão do Conselho de 26 de novembro de 200914 (2010/48/CE), relativa à


celebração, pela Comunidade Europeia, da Convenção das Nações Unidas sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, que entre outras medidas levou à adoção do
legislador português da figura dos maiores acompanhados, porque o regime
anterior era discrepante com esta decisão e a Convenção das NU.

o No nosso quadro normativo nacional, no Código do Trabalho, temos os art.º 85 e


seguintes, sendo que no art.º 85 se estabelece os princípios gerais quanto ao emprego
de trabalhador com deficiência ou doença crónica (princípio de equiparação de
tratamento): “O trabalhador com deficiência ou doença crónica é titular dos mesmos
direitos e está adstrito aos mesmos deveres dos demais trabalhadores no acesso ao
emprego, à formação, promoção ou carreira profissionais e às condições de trabalho,
sem prejuízo das especificidades inerentes à sua situação.

O Estado deve estimular e apoiar a ação do empregador na contratação de


trabalhador com deficiência ou doença crónica e na sua readaptação profissional”.

o A tutela da discriminação com base na deficiência é completável pela Lei 46/2006 de


28 de agosto, que:
- No seu art.º 5 prevê esta discriminação.

- No seu art.º 6 contém uma norma muito semelhante àquela que vimos
relativamente à inversão do ónus da prova (“Cabe a quem alegar a
discriminação em razão da deficiência fundamentá-la, apresentando elementos
de facto suscetíveis de a indiciarem, incumbindo à outra parte provar que as
diferenças de tratamento não assentam em nenhum dos fatores indicados nos art.º
4 e 5”).
- Também estabelece o direito a indemnização (art.º 7) (“A prática de qualquer
ato discriminatório contra pessoa com deficiência confere-lhe o direito a uma
indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais”).
o Mais se indica que é no âmbito da proteção do emprego das pessoas com
capacidade diminuída, que é estabelecido, no DL 29/2001 de 3 de fevereiro, um
sistema de quotas de emprego para pessoas com deficiência (art.º 3 deste DL). É
um sistema que até hoje não teve cabal efetivação. Há tentativas de cumprimento, mas
são bastantes limitadas.

14
O art.º 2 prevê que “«Discriminação com base na deficiência» designa qualquer distinção,
exclusão ou restrição com base na deficiência que tenha como objetivo ou efeito impedir ou
anular o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade com os outros, de todos
os direitos humanos e liberdades fundamentais no campo político, económico, social, cultural,
civil ou de qualquer outra natureza. Inclui todas as formas de discriminação, incluindo a negação
de adaptações razoáveis”.

Filipe Schumacher e Joana Dias 96


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Assédio:

Esta é uma figura que tem um regime próprio e que, evidentemente, beneficia da proteção
multinível dos instrumentos normativos (CRP → Direitos Fundamentais; Código Penal
e Código Civil → Direito de Personalidade; Código do Trabalho → Direitos de
Personalidade do Trabalhador).

o De acordo com o art.º 29/1 do CT “É proibida a prática de assédio”.


o O art.º 29/2 diz que se entende por assédio: “O comportamento indesejado
nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso
ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o
objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou
de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou
desestabilizador”.
o O art.º 29/3 diz-nos que “Constitui assédio sexual o comportamento indesejado de
carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objetivo ou o efeito
referido no número anterior”.

Nota: Evidentemente que o art.º 29 circunscreve essa repressão ao âmbito laboral. As


situações de assédio fora do campo laboral têm outro regime.

Ora, isto quer dizer que o art.º 29 do CT reprime duas formas de assédio: o moral e o
sexual. Estas duas noções, aparentemente cobertas na mesma definição do art.º 29/2, são
distintas e têm duas realidades diferenciadas:

Ora, os traços comuns são o caráter indesejado e o constrangimento/perturbação da


pessoa atingida.

o No assédio moral o que se verifica é uma prática reiterada de atos com vista a
isolar/constranger a pessoa atingida, por exemplo com o objetivo de que ela
resolva o contrato. É, portanto, uma prática estratégica.
Denote-se que essa prática estratégica pode ser feita através de atos legais, como
ordens legítimas, por exemplo, tarefas menores ou esvaziadas de conteúdo útil,
mas que vêm através de instruções aparentemente lícitas, o que torna muito difícil
o seu reconhecimento.
O assédio moral tem uma tutela laboral, contraordenacional e civil.

o No caso do assédio sexual a pratica é diferente, porque não existe esta estratégica
continuada que vemos acontece no assédio moral. Na verdade, basta um só ato
para ser considerado assédio sexual, ao passo que o assédio moral não se consuma
apenas com um ato. Claro está que haverá situações de assédio sexual em que
haverá muito mais do que um ato, mas não é necessário para o reconhecimento do
assédio sexual a pratica reiterada.

Filipe Schumacher e Joana Dias 97


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

O assédio sexual tem uma tutela laboral, contraordenacional, civil e ainda tem
uma tutela penal. A criminalização do assédio sexual faz-se através dos crimes
de importunação e coação sexual.
Onde as coisas se complicam no reconhecimento é na evolução do assédio sexual
para o moral. As rejeições dos avanços de natureza sexual levam a condutas que
chegam à noção de assédio moral. Então, temos o reconhecimento dificultado,
porque se misturam as duas realidades.
Nota: O assédio faz parte de uma esfera mais ampla de patologias da relação de trabalho,
que genericamente a OIT designa de violência no trabalho.

O assédio tem várias modalidades:


o Quanto à relação entre o agente e a vítima, que advém de posições
diferenciadas na cadeia hierárquica: vertical descendente (forma mais
frequente. Aqui o assédio é exercido de cima para baixo ao longo da cadeia
hierárquica, porque é a forma típica de tentar alcançar a resolução do contrato
pelo trabalhador); vertical ascendente (inversão no sentido da cadeia
hierárquica, por exemplo há casos quando há uma nova chefia num
determinado setor, os trabalhadores juntam-se para “lhe fazer a vida negra” de
modo que o novo chefe desista).
No assédio vertical temos a violação de direitos de personalidade (dignidade,
integridade física e moral – art.º 18 da CRP); violação do princípio da boa-fé
na execução do contrato (art.º 119 do CT); violação da obrigação de
proporcionar boa condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como
moral (art.º 120 do CT).

o As vezes o assédio não advém das posições diferenciadas na cadeia


hierárquica, mas no mesmo grau: assédio horizontal, i.e., praticado por
pares.

No assédio horizontal temos a violação de direitos de personalidade


(dignidade, integridade física e moral – art.º 18 da CRP); violação do princípio
da boa-fé na execução do contrato (art.º 119 do CT); violação do dever de
respeito para com outros trabalhadores (art.º 120-A do CT).

o Finalmente, pode combinar-se isto tudo: assédio combinado.

Filipe Schumacher e Joana Dias 98


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Nota: Do ponto de vista do DUE nas diretivas relativas à igualdade e não discriminação
aparece esta formação recorrentemente: “o assédio é considerado discriminação” (art.º
2/3 da Diretiva 2000/78/CE). Esta afirmação tem levado a grandes problemas, porque
levou no nosso Ordenamento Jurídico, antes da formulação que temos em vigor, à
consideração do assédio como prática discriminatória. Isto, obviamente que é redutor,
porque muitas vezes o assédio não tem qualquer razão discriminatória porque não se
funda num dos fatores de diferenciação que vimos inicialmente. Às vezes nem tem razão
objetiva.

Nota: Ainda no contexto da UE temos um Acordo Quadro sobre Assédio e Violência no


Trabalho (Bruxelas, 8.11.2007 COM(2007) 686 final). Este é acordo quadro autónomo,
que tem apenas esse alcance, e não está ratificado por qualquer diretiva.

Assim, na fixação do conceito de assédio, temos duas formas: a do assédio moral/em geral
e sexual, que eventualmente se cruzam com práticas discriminatórias quando, tanto o
assédio moral como sexual, advém de um animus discriminatório. Quando isso
acontece a tutela do assédio faz se através da tutela anti-discriminatória (pelos
mesmos instrumentos) → “Em regra, o assédio traduz-se numa conduta discriminatória,
que envolve um tratamento diferenciado para um dado trabalhador; mas não tem,
forçosamente, de ser discriminatório” (“Contrato de Trabalho”, João Leal Amado).

Consequências do Assédio:
o Obrigação de indemnizar os danos patrimoniais e não patrimoniais (art.º 29/4).
o Responsabilidade contraordenacional: contraordenação muito grave, pela qual
responde o empregador (art.º 551 do CT), sem prejuízo da eventual
responsabilidade penal (art.º 29/5 CT).
o Publicidade da decisão condenatória.
o Direito à resolução do contrato (art.º 394/2/b) e f) do CT) ou despedimento como
justa causa (como vimos, o assédio pode ser resultado de atuação de pares e,
quando isso acontece, os trabalhadores assediantes praticam uma infração
contratual cuja sanção é o despedimento).

Quanto à efetivação:
o Art.º 25/5 relativo ao ónus da prova: “Cabe a quem alega discriminação indicar o
trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado,
incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em
qualquer fator de discriminação”.

Filipe Schumacher e Joana Dias 99


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Importa atentar na explicação de João Leal Amado em “Contrato do Trabalho”


sobre o ónus da prova do assédio: “Haverá que distinguir: no caso de assédio não
discriminatório, o ónus da prova recai sobre o trabalhador assediado, por força da
regra geral constante do art.º 342/1, do Código Civil, segundo a qual, àquele que
invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado;
tratando-se, pelo contrário, de assédio discriminatório, terá aplicação o art.º 25/5 do
CT, cabendo ao assediado indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem
se considera discriminado e incumbindo depois ao empregador provar que a
diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação”.

o Proteção contra atos retaliatórios: “O denunciante e as testemunhas por si


indicadas não podem ser sancionadas disciplinarmente, a menos que atuem com
dolo, com base em declarações ou factos constantes dos autos do processo, judicial
ou contraordenacional, desencadeado por assédio até decisão final, transitada em
julgado, sem prejuízo do direito ao contraditório” – art.º 29/6 do CT.

o Deveres do empregador:
- “Adotar códigos de boa conduta para a prevenção e combate ao assédio no
trabalho, sempre que a empresa tenha sete ou mais trabalhadores” – art.º 127/k)
CT.

- “Instaurar procedimento disciplinar sempre que tiver conhecimento de alegadas


situações de assédio no trabalho” – art.º 127/l) CT.

o Responsabilidade pela reparação de doenças profissionais resultantes do


assédio: “A responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de doenças
profissionais resultantes da prática de assédio é do empregador; A responsabilidade
pelo pagamento da reparação dos danos emergentes de doença profissional prevista
no número anterior é da segurança social, nos termos legalmente previstos, ficando
esta sub-rogada nos direitos do trabalhador, na medida dos pagamentos efetuados,
acrescidos de juros de mora vincendos” – art.º 283/8 e 9 CT.

o Presunção de caráter abusivo: “Presume-se abusivo o despedimento ou outra


sanção aplicada alegadamente para punir uma infração, quando tenha lugar: Até um
ano após a denúncia ou outra forma de exercício de direitos relativos a igualdade,
não discriminação e assédio” – art.º 331/2/b) CT.

o Justa causa da resolução do contrato advinda da ofensa à integridade:


“Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente,
os seguintes comportamentos do empregador: Ofensa à integridade física ou moral,
liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de
assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada
pelo empregador ou seu representante” – art.º 394/2/f) CT.

Filipe Schumacher e Joana Dias 100


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

o A Autoridade para as Condições do Trabalho e a Inspeção Geral de Finanças


disponibilizam endereços eletrónicos próprios para receção de queixas de assédio em
contexto laboral, no sector privado e no sector público, respetivamente, e informação
nos respetivos sítios na Internet sobre identificação de práticas de assédio e sobre
medidas de prevenção, de combate e de reação a situações de assédio – art.º 4/1 da
Lei 73/2017.

Nota: Este regime do assédio também está a ter expressão fora do Direito do Trabalho,
nomeadamente na proibição do assédio no âmbito do arrendamento – art.º 13-A da Lei
12/2019.

Em suma: Neste capítulo focamo-nos apenas nos traços essenciais da proteção do


trabalhador enquanto pessoa. Poderíamos alargar esta área para a questão da infortunística
laboral dos acidentes de trabalho, e que também tem como finalidade última da proteção
do trabalhador. Contudo, são derivações daquilo que existe no nosso Ordenamento
Jurídico.

10. FORMAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO:


Abandonamos agora a área do Direito do Trabalho que se volta sobretudo para a proteção
da pessoa do trabalhador. Deixamos de ter o enfoque no sujeito da relação laboral para
passarmos a uma perspetiva mais objetiva – o quid da prestação.
Assim, vamos agora ocuparmo-nos do conteúdo das obrigações contratuais que
resultam da celebração do CDT.
Ora, o contrato de trabalho é um contrato como qualquer outro, e, portanto,
naturalmente que na sua estrutura e na sua densidade negocial hão de estar presentes
todos os princípios gerais que vimos presidirem à celebração de qualquer contrato:
o É por isso que o art.º 102 do CT nos recorda que “Quem negoceia com outrem
para a conclusão de um contrato de trabalho deve, tanto nos preliminares
como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de
responder pelos danos culposamente causados” (Já ouvimos isto no Direito
Civil, na Teoria Geral).
Da mesma forma também o Código do Trabalho prevê a promessa de CDT:
o No fundo, mais não é que uma sub-modalidade do contrato promessa que já
conhecemos do Direito Civil, e que tem um regime próprio. Evidentemente
que em primeira linha aplica-se o regime do Código do Trabalho e em tudo o
que não estiver previsto recorremos à respetiva regulamentação civil.
o Este contrato de promessa de trabalho é um contrato formal com conteúdo
mínimo obrigatório, como prevê o art.º 103/1 do CT.
o O não cumprimento da promessa dá lugar a responsabilidade nos termos gerais
– art.º 103/2 do CT.

Filipe Schumacher e Joana Dias 101

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