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PERIGOSAS NACIONAIS

LR REIS

JOGO
de
MENTIRAS
O acerto de contas
PERIGOSAS NACIONAIS
PERIGOSAS NACIONAIS

Copyright© LR Reis, 2018


Todos os direitos reservados.
É proibido o armazenamento ou a reprodução de qualquer parte
desta obra, qualquer que seja a forma utilizada − tangível ou
intangível – sem consentimento escrito da autora.
________________________________________________
Este livro segue as regras da Nova Ortografia da Língua
Portuguesa
PERIGOSAS NACIONAIS

Sumário
Introdução
Um
Dois
Três
Quatro
Cinco
Seis
Sete
Oito
Nove
Dez
Onze
Doze
Treze
Quatorze
Quinze
Dezesseis
Dezessete
Dezoito
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Dezenove
Vinte
Vinte e um
Vinte e dois
Vinte e três
Epílogo
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Introdução

Kai

− Porra, atrasada!
Inclino-me contra a pilastra de madeira branca,
que sustenta a tenda improvisada no jardim. As
mãos mergulhadas nos bolsos do Dior − que a
futura senhora Müller fez questão que eu
comprasse −, meus ombros curvados e o maxilar
tenso. Está frio, ainda chuvisca um pouco, e
garanto que não estou com humor para frescuras.
Tsc, tsc, tsc...
Será que a Grace está levando essa coisa tão a
sério assim? Ela não precisa fazer isso. Basta entrar
e assinar a porcaria dos papéis − que é o que
interessa a ela −, e darmos o fora, o mais
rapidamente possível para a noite de núpcias. Aí
sim, essa história para mim também terá um final
interessante...
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Grace

A Limusine se aproxima da casa dos Müller. É


primavera, mas o tempo está ruim. Pelo vidro
embaçado do veículo não vejo nada direito, mas
escuto vozes nervosas.
A rua está movimentada e o acesso a casa é
complicado, porque dezenas de automóveis
circulam a procura de vagas.
Eu sei que será uma noite difícil, mas
completamente previsível, afinal um Müller está
prestes a se casar.
Oscar, meu padrasto, está ao meu lado sorrindo
e olhando para fora. É claro que ele está feliz!
Obviamente tudo acabou bem para ele. Porém, eu
não tenho certeza se acabou para mim.
Por que o meu coração está gritando? O que ele
está querendo me dizer?
A vontade que eu tenho é de pular do veículo e
sair correndo, mas não farei isso por uma série de
motivos, o principal deles, redenção…
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Um

Kai

Eu juro que tentei consertar essa bagunça que a


Grace fez com a minha vida, mas não tive forças.
Eu quero fazer isso agora, porém não consigo
esquecer a merda toda que ela fez comigo,
principalmente com a minha família, que agora
pensa que ela é a última bolacha do pacote.
Na verdade, de uns anos pra cá meus pais
tentam me casar de todo jeito, mas eles nunca
foram bons nisso.
Eu nunca tinha me interessado seriamente por
ninguém. Jamais tinha sentido tudo que senti
naquela noite em que a Grace reapareceu em minha
vida.
Naquela porra daquela noite alguma coisa
mudou dentro de mim. Alguma coisa que estava
adormecida.
NÃO! Eu não podia cancelar.
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Na verdade, eu precisava, eu devia, era o certo


a se fazer, mas quer saber? Eu não queria.
Descobri uma tentativa de golpe por acaso,
pouquíssimo tempo antes do casamento, numa
conversa que ouvi sem querer, é claro, mas que no
final das contas me abriu os olhos.
Eu confesso que senti tanto ódio que tive
vontade de matar a Grace e o padrasto dela naquele
dia, mas dei meia volta e saí para não fazer uma
loucura.
Infelizmente não consegui me controlar. A ira
me dominou completamente, a ponto de eu socar o
vidro do meu jipe inúmeras vezes, até cortar mãos e
pulso, mas isso não diminuiu a minha sede de
sangue.
Eu queria matar.
Eu queria morrer.
Dentro do carro ainda lutei contra a vontade de
sair e fazer merda. Eu me engasgava com o meu
próprio ar e não enxergava nada direito. Óbvio que
eu precisava de algum tempo para me controlar,
mas eu não conseguia raciocinar, e é claro, saí
daquele lugar que estava me tragando.
Infelizmente aconteceu o inevitável, bati o
carro.
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Levaram-me inconsciente para o hospital, onde


fiquei internado por vinte dias. Eu sentia tanta dor
que não conseguia nem respirar nem falar direito,
porque tinha perfurado o pulmão, quebrado o
maxilar e algumas costelas, além de perder muito
sangue.
Eu estava um trapo.
Eu nunca tinha experimentado o tal ódio, mas
ele me cegou, me tomou por inteiro fazendo-me um
mal enorme, e, consequentemente, dificultando a
minha recuperação. E mesmo depois da alta, não
fiquei bem. Minha alma estava contaminada,
envenenada.
Emagreci e não consegui voltar às minhas
atividades, tampouco para a fazenda, para perto dos
meus campeões, que era onde eu gostava de
descansar.
Comecei a fumar quase ininterruptamente, o
que me ajudou a conseguir algumas úlceras, depois
foi o fundo do poço.
Meus pais ficaram preocupados. Conrad, meu
irmão mais velho que é padre e que deu a maior
força com a papelada, tentou arrancar da minha
boca o motivo de tanta depressão. Ele ficava
tentando ligar as coisas. (Meu irmão não era bobo.).
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Entretanto, no início, não pude me abrir com


ele, porque eu tinha muito coisa suja em mente, e a
frase “fazê-la pagar” não saía da minha cabeça, e o
Conrad não permitiria que eu fizesse nada do que
eu pretendia.
Mas era certo que eu precisava desabafar com
alguém. Então, alguns dias depois fui à igreja e usei
o segredo de confissão para isso.
Eu não raciocinava direito.
− Kai eu não posso acreditar. Oh meu Deus!
Pobre irmão. Como você está agora?
− Quer saber como estou? − Eu já tinha saído
do confessionário e andava de um lado para o
outro. − Eu estou destruído, Conrad. Sabe o que eu
tenho na cabeça agora?
Meu irmão ficou andando atrás de mim,
preocupado, com medo de que entrasse alguém e
ouvisse aquele desabafo carregado de ódio.
− Kai, meu irmão, você não pode se deixar
levar pela ira.
A voz pacífica do Conrad era de doer. Como
alguém conseguia ser tão bondoso, depois ouvir
algo tão odioso?
− E o que quer que eu faça? Que perdoe o que
ela fez comigo?
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− Quero que reflita. Eleve seus pensamentos a


Deus e peça a Ele que tire a raiva do seu coração.
Perdoar sim, mas continuar com ela não, jamais.
Não tem sentido ficar com alguém que não te ama.
− Pois eu tenho uma notícia pra te dar irmão.
Eu não perdoo e não acabo com o compromisso. Eu
quero que ela pague pelo que fez comigo!
− Deus, tenha misericórdia! Mas como assim?
O que pretende? Por que precisa se casar com ela,
Kai?
− Ainda não sei o que vou fazer. Mas eu vou
arranjar um jeito de me vingar.
− E por que precisa se vingar? Você já sabe
que a vingança envenena a alma.
− Envenena? Irmão, eu já estou envenenado.
Estou a ponto de…
− Por favor, Kai, não faça nenhuma loucura!
− Ela merece sofrer, Conrad.
− Então eu lavo as minhas mãos. Não conte
comigo para casar vocês. Não compactuarei com
uma coisa dessas, jamais!
− Conrad, é fácil julgar.
− Kai, meu irmão, eu não estou jugando você,
mas o casamento é uma coisa sagrada. Simboliza a
união de duas pessoas que se amam. Isso que está
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prestes a fazer vai contra as leis de Deus.


− Eu sinto muito, mas nesse momento eu não
ligo.
Meu irmão arregalou os olhos.
− Que Deus te perdoe, Kai. Você precisa Dele
para tirar esse ódio do seu coração.
− Não se esqueça de que não pode dizer nada
disso a ninguém. É uma confissão.
− Não precisa me lembrar. Tsc, tsc, tsc... Você
está cego, mas ainda há tempo. Ore, perdoe! Siga
com a sua vida e os seus planos! Esqueça-se dela!
Impaciente, eu segurei o colarinho do Conrad.
− Eu não quero me esquecer, PORRA!
Meu irmão arregalou os olhos e fez o sinal da
cruz.
− Kai, você está na casa de Deus. Respeite!
Abaixei os olhos, resfolegando.
− Desculpe!
− Eu vou orar por você, mas não estarei aqui.
Isso que está planejando fazer é inadmissível.
Eu sabia disso, mas não me importava.
Nada mais importava.
É claro que meus pais desconfiaram que meu
estado tivesse a ver com a Grace, pois eu não
atendia aos seus telefonemas e não a recebia em
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casa, nem sob protestos.


Eu disse que tínhamos brigado feio, e só. Mas
isso foi o suficiente para que minha mãe tivesse
uma crise de pressão alta e ficasse acamada,
chorando o dia todo, dizendo que com meu gênio,
apostava que o culpado fosse eu, e que desse jeito,
nunca seria avó e tal. Aquelas baboseiras que toda
mãe diz a um filho maduro.
É claro que Rachel Müller era mais intensa do
que as outras mães. A Grace a tinha fisgado
direitinho.
Eu estava tão cego que não ligava para o que
pudesse acontecer com a minha mãe. Eu queria era
foder com a vida da Grace, e para isso deixei de
ouvir o meu coração que ficava tentando me avisar
que não era isso que eu realmente queria.
Então me sentia pressionado como se ouvisse
vozes dentro de mim. Algumas vezes elas me
diziam para eu ferrar com a Grace, humilhá-la,
outras, para eu fazer a coisa certa e perdoar.
Perdoar?! Perdoar o caralho!
Eu queria era dar o troco, mas terminar com ela
não seria suficiente, porque seria rápido e indolor, e
eu queria que a decepção dela durasse. Queria que
ela sofresse em conta-gotas, como eu sofri e ainda
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estou sofrendo.
Então não podia terminar com ela.
Se eu quisesse fazê-la pagar, eu deveria
continuar com tudo. Levá-la ao altar e assinar a
papelada. Ela deveria acreditar que eu a amava
mais do que a mim mesmo e que tínhamos sido
feitos um para o outro.
De qualquer forma, segundo a minha mãe, já
estava mais do que na hora de eu partir para uma
relação séria. Logo, bati o martelo e me decidi.
Resolvi não terminar com a golpista para me
vingar dela, embora ainda não tivesse decido a
melhor maneira de fazer isso, mas eu já tinha
algumas ideias na cabeça, ideias interessantes que
tomariam tempo e dinheiro, mas que deixariam a
Grace frustrada, completamente decepcionada.
O ódio me detonou, mas também alimentou o
desejo que eu tinha de dar a ela o que ela merecia −
aumentou a minha sede de vingança.
Coitada, se pensou que eu abriria uma conta
para ela e a entupiria de dinheiro mensalmente, ou
que lhe daria mais joias caras, carro importado...
Aquela sem noção iria se dar mal.
Se ela achava que estava me passando à perna,
alterando e brincando com a minha vida daquela
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forma, por dinheiro, eu brincaria mais ainda com a


dela. Sim seria divertido. Ela não me conhecia. Não
sabia nada sobre mim...
Ela tinha arranjado um problema.
Porém, para fazê-la pagar era certo que eu
deveria tê-la ao meu lado para confundi-la, brincar
com ela − como ela fez comigo. Eu queria vê-la
infeliz. Ela precisava sentir na pele o que eu senti.
Então eu usei a imaginação. A nossa história era
uma mentira, portanto o casamento também deveria
ser. E não foi difícil arranjar as coisas. Com
dinheiro e os contatos certos a gente consegue o
que quer.
Mas eu me torturava pensando que talvez esse
jogo fosse perigoso demais, porque era certo que
ela me atraía, e muito. Mas a minha indignação era
ainda maior.
Foda-se!
O casamento falso estava de pé. Ajeitei tudo.
Eu não tinha mais porra nenhuma a perder. Já tinha
gastado uma fortuna com os preparativos iniciais,
então só me restava aproveitar.
Aproveitar mesmo.
Era como se eu estivesse prestes a comprar
uma mercadoria bem cara. E eu iria usá-la muito,
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me divertir com tudo. Eu não teria motivos e nem


tempo para me preocupar com padrões
predeterminados de uma vida a dois, fidelidade,
jantares românticos e mais um montão de outras
coisas que você faz quando está com alguém por
amor. A Grace destruiu essas coisas dentro de mim.
Eu sempre acreditei nisso por causa da minha
educação, mas acabei percebendo que sentimentos
só atrapalham.
Olha só como fiquei por causa deles!
Descobri com isso que existem dois tipos de
mulheres − as que você faz amor, por amor, e as
que você fode, por foder.
Decidi que a Grace seria a número dois, porque
ela não merecia respeito algum. Para mim, ela não
passava de uma alpinista social, uma golpista, uma
vadia.
Fiquei dias sem falar com ela, que não
entendeu nada e quase surtou ao telefone com a
minha mãe. Provavelmente preocupada com o
possível fracasso do seu plano. Mas eu não queria
vê-la. Não conseguia sequer pronunciar o nome
dela, e, principalmente, não podia me esquecer
daquela conversa na qual, dentre tantas outras
coisas, o padrasto dela me chamou de pato idiota e
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otário, de ricaço perdedor.


Eu tinha tanta raiva dentro de mim que se
aqueles dois aparecessem à minha frente eu os
enforcaria. Mas, além disso tudo, eu precisava
daquele prazo “sem Grace” para planejar as coisas.
A minha relação com o padrasto dela já era
pouca, mas depois do que descobri ficou perto de
zero. Eu quase nunca falava com ele, porque ia
pouco ao pequeno apartamento deles, embora a
Grace tivesse me dito que ele não ficava em casa.
Porém, depois do que tinha decido fazer eu
precisava manter as aparências, dessa forma, eu
dava uma passadinha lá de vez em quando.
Um dia desses eu quis saber mais sobre ele.
Perguntei algumas coisas e percebi que ela se
sentiu incômoda. Questionei, por exemplo, onde ele
trabalhava e porque nunca estava em casa.
Ela desconversou, mas, eu, maldoso, insisti. A
Grace ficou branca. Continuei insistindo até que ela
respondeu, meio sem graça, que já tinha dito que
ele era advogado aposentado, mas que fazia alguns
trabalhos para alguém que ela não conhecia.
− Que área do direito? − continuei insistindo.
− Não sei. Antes ele trabalhava na área
tributária... − Ela respondeu e se refugiou na
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cozinha do minúsculo apê.


Minutos depois, a minha noiva golpista voltou
com uma taça de vinho e me entregou.
Será que tinha veneno naquela taça?
Não, ela ainda precisava de mim.
− É de uma boa safra. O Oscar ganhou, mas ele
não pode beber.
− Não precisava.
Eu perguntei muitas outras coisas, que ela
respondeu cismada, então acabei descobrindo que o
padrasto dela tinha uma filha de dezesseis anos que
estudava num colégio interno, em Londres.
− Puxa como assim a garota está em Londres?
Você mesma disse que seu padrasto é aposentado.
Sei que manter alguém num colégio interno de lá é
muito caro. Desde quando ela está lá?
− Desde os doze anos de idade.
− Entendo agora porque ele ainda precisa
trabalhar.
Muito suspeito.
Decidi não contar sobre meus planos para
ninguém, naquela altura, nem mesmo para o Ray
ou o Dante, dois dos meus melhores amigos.
Talvez noutra ocasião. Entendi que quanto menos
pessoas envolvidas na trama, naquela fase,
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melhores as chances de tudo correr bem, além do


mais, se eu contasse, eles tentariam me fazer
desistir de tudo.
Mas, porra, eu queria me casar! Queria sim. Eu
precisava disso para a minha desforra. Eu tinha de
fazê-la acreditar que ela era a dona da situação, que
estava no topo, para quando eu desse o xeque mate.
De qualquer forma era brincadeirinha, mas só
eu, o Mitch, um amigo ator porra louca que eu
tinha, da época da faculdade, e o irmão dele,
sabiam. Eles cuidaram de toda a armação para
mim. O resto, ficou para a minha mãe e a Grace,
afinal eu queria que tudo fosse bem real, para a
decepção dela ser ainda maior.
É claro que quando tudo acabasse eu teria que
ouvir muito falatório, por parte da minha família,
mas eu não ligava. O importante era a vingança.
Entretanto, uma coisa desse tipo não podia
chamar a atenção da imprensa. Eu não queria
problemas, nem fofocas. Por isso pedi,
encarecidamente, a todos que mantivessem nosso
casamento em segredo, que fosse algo íntimo,
apenas para família e amigos, e eles concordaram.
Assim, depois, eu não teria que explicar nada aos
de fora.
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A Grace queria se casar com um marido rico,


não queria? Então ela teria o seu casamento. Aquilo
para mim tinha se tornado um desafio. O que eu
faria com ela depois não vinha ao caso, mas eu
estava maluco para ver a cara de decepção dela
quando soubesse que, no final das contas, eu havia
a passado para trás. Eu havia vencido.
Sim senhor!
O Conrad bateu de frente comigo várias vezes,
e até tentou fazer a cabeça dos meus pais para me
dissuadirem. Inventou algo idiota, tipo que ela era
jovem demais e tal, porém não podia contar o
segredo da confissão − o que provocou muito
falatório e desconfiança.
Pobre irmão, eles chegaram a pensar que ele
estivesse apaixonado pela Grace, e isso o deixou
péssimo. Confesso que também fiquei, mas se eu
quisesse fazê-la pagar caro pelo que tentou fazer
comigo, eu não podia fraquejar. E era capaz de
cortar relações com quem atravessasse o meu
caminho.
Talvez ele ficasse aliviado quando soubesse
que o casamento era falso. Ou não. Acho que não,
porque o que eu estava prestes a fazer era errado do
mesmo jeito.
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Infelizmente, o Conrad e eu ficamos sem nos


falar por algum tempo, mas o fiz prometer que não
se meteria − que o pecado era meu e da Grace.
Ele, arrasado e vencido pediu autorização e
viajou alguns dias antes para não sofrer mais. Pobre
Conrad, eu sentia muito por ele, mas eu não tinha a
menor vontade de cancelar o casamento falso. E
estava disposto a enfrentar quaisquer
consequências.
Diante disso eu investi mais − ainda que fosse
tudo mentira. Não interessava. Eu queria uma
cerimônia perfeita e marcante.
Por isso eu coloquei grana na mão dela e
autorizei-a a contratar os melhores serviços
especializados em casamentos. Ah, e a deixei à
vontade para comprar o vestido que quisesse. Eu
queria impressioná-la, marcá-la, porque quando eu
enjoasse desse jogo ela iria chorar até secar suas
lágrimas.
Quanto a mim? Bem, arranjei trabalho na
fazenda. Não quis voltar para o escritório de Ohio.
O campo era fundamental para minha recuperação.
Somente lá me esqueci por algum tempo daquela
ordinária que me deixou doente de amor e de ódio,
que me descompensou a ponto de chorar toda noite
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na companhia de uma garrafa de vinho.


Porra, eu demorei a me apaixonar, e quando
isso aconteceu me apaixonei por alguém que só
queria o meu dinheiro!
Tanto que eu fugi disso!
− Que idiota, que fraco! − Eu dizia, a mim
mesmo, embriagado, batendo em meu próprio
rosto.
A autopiedade e a autopunição duraram uma
semana. Felizmente, aos poucos, voltei a me
alimentar bem e não me preocupei com mais porra
nenhuma, aliás tive apenas que me decidir de
“mentirinha” sobre a casa onde moraríamos, porque
a minha mãe, aflita, me ligava todos os dias.
Às vezes eu pensava em tudo. No que queria
fazer, se deveria fazer e confesso que ficava com
medo de estar indo longe demais e metendo os pés
pelas mãos. E se no final das contas eu me
machucasse ainda mais?
Talvez fosse melhor acabar com tudo logo de
uma vez e tentar seguir a minha vida. Mas, eu ainda
tinha muita mágoa dentro de mim e não queria
deixar a Grace, sem antes acabar com toda essa
mágoa.
Eu acreditava piamente que a vingança me
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daria algum alívio.


Quanto à lua de mel, tema hiperdiscutido em
nossos encontros, eu enrolei. Disse que estava
pensando, porque queria que fosse inesquecível,
que faria uma surpresa para ela e tal, e ela não se
opôs.

$$$

Eu conheci a Grace, alguns anos atrás, numa


das festas do Tom Hardy, o promoter mais
badalado de Nova York, e depois a reencontrei, em
outras duas festas dele.
A gente nunca trocou mais do que algumas
palavrinhas, porque ela sempre estava
acompanhada de um cara pegajoso, o David Fitz,
filho de um médico conhecidíssimo na cidade. Mas
sabe quando você gosta de alguém à primeira vista?
Quando alguém te marca mesmo? Aconteceu algo
assim comigo. Eu não saberia explicar. Apenas
aconteceu.
Depois disso, demorou um tempo para que eu a
reencontrasse, mas confesso que ela nunca saiu da
minha cabeça.
Esse reencontro aconteceu no dia que fui a um
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vernissage, depois que tinha rolado um sexo


animal, no banheiro, com uma mulher que eu não
fazia ideia de quem era.
Eu tinha saído do salão principal e estava à
procura do garçom, que circulava pelo lugar. Eu já
tinha visto o cara, quando uma mulher linda, que
não parava de me encarar, me abordou e perguntou
se eu poderia ajudá-la com algo.
Assenti, é claro, e a segui. Ela abriu a porta do
banheiro feminino e me puxou pela mão.
Estranhei aquilo, mas fiz o que ela me pediu.
Logo estávamos dentro de um dos banheiros,
transando. Transando loucamente. Foi a coisa mais
maluca que eu já tinha feito na minha vida.
Então, pra ficar ainda mais louco, uma mulher
entrou e abriu a torneira.
Eu tentei me movimentar mais devagar para
não chamar a atenção dela, mas a outra, a
escandalosa, pedia para eu meter com força.
Obedeci − confesso que estava bom demais.
Acho que a intrusa ouviu a foda, claro que ela
ouviu, porque escutei seus risinhos.
Eu estava a ponto de gozar mandando ver na
mulher, em pé, encostada à porta, quando ouvi
novamente os risinhos abafados da outra, que
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parecia se divertir com a nossa pequena e


barulhenta farra.
Eu cobri a boca da maluca com a mão e
sussurrei:
− Shhhhhhh, não faça tanto barulho.
Parei de estocar por alguns segundos.
Então uma terceira pessoa, um homem, abriu a
porta e berrou:
− Grace Kelly você está aí?
Óbvio, perdi o tesão e decidi sair daquele
banheiro.
A mulher maluca bem que tentou me fazer
mudar de ideia, mas eu não tinha mais clima.
Porém eu queria muito ver a cara da
engraçadinha indiscreta, que tinha decidido escutar
meu momento de diversão. Então sai e fiquei do
lado de fora aguardando ela dar as caras.
Mas, para a minha surpresa, quando a porta do
banheiro se abriu, eu vi aquela garota que tinha me
balançado nas festas do Tom Hardy − aquela que
gostei à primeira vista e que nunca saiu da minha
cabeça.
Tremi um pouco, mas respirei fundo e a
observei, sorrindo. Não deixava de ser engraçado,
apesar de esquisito, e, de certa forma, constragedor.
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Era ela mesma, bem à minha frente ainda mais


linda, mas muito desconfortável, sem saber onde
enfiar a cabeça.
A dona daqueles olhos encabulados
provavelmente não se lembrava de mim. E mesmo
que se lembrasse não queria nem olhar para a
minha cara, de tanta vergonha.
Esperei ela dizer alguma coisa, mas ela não
abriu a boca. Depois foi em direção ao salão, e, eu,
num primeiro momento, fui observar uma tela que
havia me chamado a atenção, até passar aquele
momento esquisito, mais tarde eu tentaria uma
aproximação, embora tivesse pouquíssimo tempo.
Minha mãe, que tinha praticamente me
obrigado a acompanhá-la, estava superinteressada
nos trabalhos da artista. A entusiasmada Sra.
Müller não parava de elogiá-la para o curador.
Então, para fechar aquele dia atípico e maluco,
com chave de ouro, do nada, a curiosa do banheiro,
por quem eu estava balançado novamente,
tropeçou, derramando vinho na tela que eu estava
prestes a comprar, e em mim
Ela ficou possessa e tentou limpar a tela com a
própria echarpe, mas não teve jeito. A tela estava
arruinada.
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Rolou uma pequena discussão, é claro, e só por


isso descobri que a artista daquela noite era ela.
Não pude investir nela, naquele momento,
porque estava atrasadíssimo para o meu
compromisso de trabalho, mas eu já sabia quem era
ela, e encontrá-la não seria difícil.
Decidi arrematar a “Menina de tranças”, que
fazia parte da coleção “Meninas”, mesmo
arruinada. Eu tinha me apaixonado pelo trabalho,
porque achei que no fundo a pintura, um
autorretrato, me lembrava a garota que conheci na
festa, por quem senti algo diferente e que dessa vez
estava bem perto de mim ainda mais linda e muito
sensual.
E as coincidências não pararam.
Depois desse dia, num sábado, o Ray e eu
fomos à boate do Dante para passarmos algumas
horas agradáveis e bater papo.
Ele tinha vindo à Nova York resolver alguns
problemas pessoais, e, bem, queria aproveitar ao
máximo e ficar com alguma garota.
Eu só pensava na Grace, mas decidi
acompanhá-lo, porque meu amigo e braço direito
não tinha muita intimidade com a cidade grande.
A gente se sentou no bar e ficou vendo o
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movimento. Logo eu senti um braço me


empurrando.
Até aí tudo normal porque o lugar estava
lotado. Então eu ouvi uma voz aveludada se
desculpar.
Olhei para a dona da voz e a reconheci
imediatamente, mas eu achava que ela não tinha se
lembrado de mim, ou fingiu que não lembrou,
afinal aquele dia tinha sido muito embaraçoso.
Meus amigos bem que tentaram chamar a
minha atenção, mas eu estava mais interessado em
começar uma conversa com a Grace, porque tinha
perdido a oportunidade daquele dia.
Percebi que ela estava meio bêbada pelo jeito
que falou com o garçom. Ela perguntou por
alguém. Não ouvi o que disse, mas entendi quando
pediu outra bebida.
Um cara sem noção, totalmente embriagado,
estava enchendo o saco dela.
Ela se afastou.
Houve um início de tumulto. O bêbado tentou
forçar a barra e se deu mal, porque ela se defendeu
muito bem esmagando as bolas dele, com a mão.
Encolhi ao imaginar a dor.
Nesse momento, não sei explicar o porquê,
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decidi tirá-la dali para evitar que o bêbado a


agredisse, quando se recuperasse.
Grace Kelly estava muito nervosa e se irritou
comigo também. Eu praticamente a arrastei e quase
fui alvo da sua mão poderosa, mas consegui
imobilizá-la, depois de algum tempo, até que ela se
acalmasse.
Ficar ali agarrado a ela foi incrível. Senti um
tesão dos infernos.
Quando vi que ficou quieta a soltei.
Envergonhada, ela fugiu em direção ao ponto
de táxi e nem ligou para a chuva que castigava
Nova York naquele momento.
Voltei para o bar, ligeiramente aborrecido, e vi
que ela tinha deixado seu casaco e bolsa sobre o
balcão.
Apanhei aquelas coisas e corri para tentar
alcançá-la.
Eu não sei por que me importava tanto com a
Grace, provavelmente porque ela tinha mexido
mesmo comigo.
Era inconsciente, mas eu tinha vontade de
protegê-la, embora ela não quisesse botar os olhos
em mim.
Alcancei-a no ponto do táxi, ensopada,
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encolhida e muito nervosa. Trocamos algumas


palavras. Ela arregalou os olhos quando estendi a
bolsa e o casaco, e acabou me agradecendo com os
olhos no chão.
Nessas alturas eu também já estava ensopado,
mas não liguei. Estranhamente eu me sentia
confortável e muito feliz por estar perto dela,
falando com ela.
Quando o táxi parou, me antecipei e abri a
porta, e assim que ela entrou também me enfiei no
veículo.
Ela esbravejou, disse que o táxi era dela e blá,
blá, blá, mas insisti; brinquei que não tinha visto o
nome dela nele, e perguntei que mal havia em
dividirmos o carro.
Acabei vencendo, e aos poucos consegui
descontraí-la − fazê-la sorrir.
Óbvio, podia parecer pretensão, mas perguntei
se ela não se lembrava de mim, e ela disse que
tinha tido essa impressão, mas que não fazia ideia
de onde.
Conversamos bastante durante o trajeto. Ela se
desculpou por ter sido tão grosseira desde o início,
inclusive por ter invadido a minha privacidade
naquele dia. (Esse momento foi muito
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embaraçoso.).
Eu fiquei sem graça, porque, na verdade, ela
não tinha invadido a minha privacidade, eu é que
estava errado naquela situação, mas juro, enquanto
me lembrava daquele dia bem que pensei no quanto
seria bom que fosse com ela.
Depois de algum tempo de constrangimento ela
mudou de assunto e deixou escapar que tinha ido
àquela boate para encontrar alguém que resolveria
uma situação para ela, mas que a tal pessoa tinha
desistido do encontro. Ela não quis entrar em
detalhes, e eu, por educação, decidi não ser
invasivo, mas eu queria saber sim.
A curiosidade me cutucava. Eu fiquei
imaginando o que poderia ser, “alguém que
resolveria uma situação?”.
Seria um namorado?
De qualquer forma, eu não queria ferrar com
tudo por curiosidade, então deixei pra lá.
Quando o táxi parou à porta do prédio onde ela
disse que morava, eu fiz questão de descer e
acompanhá-la até a entrada. Eu juro que senti muita
vontade de beijá-la, até meu coração bateu
diferente. Eu me senti um adolescente novamente,
prestes a dar o meu primeiro beijo.
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Claro que não me atrevi, mas decidi investir


nela, aliás, meu coração decidiu isso pra mim.
Idiota!
Entreguei meu cartão e me despedi maluco
para vê-la novamente. Eu só não imaginava que
depois dessa noite eu seria apenas uma peça de
jogo nas mãos dela.

$$$

A Grace era uma garota marcante. Linda.


Lembrava a Hillary Duff. Tinha os cabelos longos,
castanhos claros, quase loiros, pequena, delicada e
os olhos azuis mais encantadores que já tinha visto.
Ela era intensa, cheia de energia. Só de olhar para
ela o meu corpo reagia − o meu pênis pulsava
enlouquecido e a porra do meu coração acelerava a
1000.
Okayyy, eu fui maluco pela Grace sim, e
mesmo tendo sido ludibriado, eu não podia negar
que ela me atraía, me excitava, mexia comigo
profundamente.
Por isso eu decidi tatuar um cifrão nas costas
da minha mão, para todas as vezes que eu
fraquejasse, olhasse para aquela marca e me
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lembrasse de que esse era o símbolo que ela amava,


não a mim. Talvez isso amolecesse meu pau e
colocasse meu coração na velocidade certa, me
colocasse de volta no controle.
É claro que no dia em que eu fiz a tatuagem ela
ficou curiosa. Eu disse que fiz, porque gostava do
significado daquele símbolo.
Estranhamente ela não comentou.

$$$

Olho para o céu, sem lua e sem estrelas, e


começo a ficar nervoso de verdade com aquele
atraso idiota.
Meu pai espera perto do altar, junto da minha
mãe e da pequena Willa, minha irmãzinha adotiva.
Tiro um cigarro do maço e coloco nos lábios.
Mariane Rocco, a nova assistente do meu pai, se
aproxima e acende para mim. A filha a mãe tá com
uma cara safada. Fissurado como estou, a vontade
que tenho é de levá-la para um canto qualquer e
tirar uma rapidinha, mas não tenho tempo para isso.
− Tá nervoso! − Ela se aproxima e sussurra
perto do meu ouvido.
− Dá pra perceber?
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− Com certeza, mas está gostoso também. −


Ergo as sobrancelhas com aquela declaração
ousada e tenho a impressão de que ela quer dar pra
mim.
Engulo em seco.
− Você pode me dar um minuto, Kai? − Sigo-a
discretamente até o interior da casa. Quando
chegamos ao corredor, ela puxa a minha gravata e
me obriga a entrar no primeiro quarto, que é o do
Conrad, e me empurra contra a parede. Ousada, ela
segura o meu pau.
− Olá, bonita, onde você estava?
− Bem aqui, gato.
− Ah que pena, infelizmente não posso fazer
isso agora!
Ela insiste.
− Claro que pode! Posso te ajudar a acabar com
essa ruguinha aqui. − Coloca o dedo em minha
testa.
− Não... É que... Eu... − Ela se aproxima ainda
mais e diz perto de meu ouvido que pode me
ensinar uns truques, bem rapidinho.
Fico louco de tesão, mas resisto.
Empurro-a, dou as costas e ajeito meu pênis
que fica a ponto de rasgar as minhas calças.
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Mariane Rocco é lindíssima. Cabelos longos e


castanhos, olhos cor de mel e um corpo perfeito. É
tão feminina e delicada que é difícil resistir aos
seus encantos.
− Certo, já entendi, é fiel, ok? Rum rum, vai
demorar quantos dias pra voltar da lua de mel?
− Não faço ideia. Depende − digo me afastando
dela, que ainda investe.
− Depois, quando já tiver enjoado do papai e
mamãe, me procura? − Eu sou obrigado a rir.
− Mariane, por favor! Não vai rolar.
− Hum que desperdício de tempo! − Ela volta a
roçar o dedo na minha pele.
− Ama mesmo a Grace, não é? Tatuou o nome
dela no pulso. Sabia que pode removê-la?
− Não pretendo remover nada, Mariane! − Ela
coloca os braços ao redor do meu pescoço.
Resfolego e me afasto. − Por favor, não começa
com isso!
Ela insiste.
− Ficou com tesão, hum? − A atrevida segura
meu pênis de novo e se abaixa. Ela tenta abrir meu
fecho. Eu coloco a mão, então ela vê a outra
tatuagem.
− E essa?
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− Essa o quê?
− Essa tattoo.
− Gosto de grana. Essa tatuagem é para eu não
perder o foco nos meus negócios.
− Muito bom, mas que tal a gente brincar um
pouco, antes de você se meter naquela tenda e dizer
sim?
Empurra-me de novo, até me encostar à parede
e me beija. Fico em ponto de bala, porque é difícil
resistir a ela.
− Aqui não é o lugar e nem o momento,
Mariane. Pode entrar alguém e... − digo com os
olhos fervilhando de vontade. Eu não sou de ferro!
− Não se preocupe o dono do quarto tá longe
daqui, e o restante da sua família está sentadinha,
esperando pela noiva.
Então decido dar a ela o que quer.
Agarro-a pela cintura e a levo até a cama. Fico
olhando para ela, enquanto abro o fecho da minha
calça. Depois ergo sua saia e baixo sua calcinha.
Quando vejo o que me aguarda, do jeito que eu
gosto, não resisto nem mais um minuto.
− Eu sabia que você queria! Vem pra mim,
vem! − Penso por um segundo e me lembro do
preservativo.
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− Eu tenho – ela se antecipa.


− Prevenida, ham?
− Eu não perco uma foda por nada.
− Safada!
− Yes!
Trepo naquela mulher gostosa e oferecida e
entro com tudo. Não estou a fim de preliminares e
carinhos, quero fodê-la bem rapidinho, só pra ela
me deixar em paz, e me aliviar.
Estou prestes a gozar quando ouço o barulho
da porta batendo. Olho para trás, mas não vejo
ninguém. Então me levanto rapidamente,
completamente desconcertado, olho para Mariane e
noto que está com o rosto cheio de ódio. Ela
mataria a pessoa que abriu aquela porta, se ela
soubesse quem.
Eu não ligava. Bem, apenas se fosse a minha
mãe ou a Willa. Se fosse a Grace, eu acho que
ficaria muito feliz.
Eu me levanto e começo a ajeitar a minha
roupa.
− Ah espera aí! A gente não vai continuar?
− Não. Não tem mais clima.
Eu não vejo a hora de acabar com a parte tensa
e cansativa dessa peça teatral, para começar a parte
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divertida, mas tudo é muito lento e estressante.


Retiro outro cigarro do maço e dou uma
tragada funda. Levanto o dedo e olho para ele.
Eu demorei a parar de fumar, mas aquela fase
da minha vida me trouxe o pior, até aquele vício
idiota.
Quer saber, não fumo mais!
Apago o cigarro e jogo num canto.
A Willa corre em minha direção pela décima
vez.
Porra, ela me deixa ainda mais pilhado!
− Cadê ela Kai? Eu quero ver ela!
− Willa, já disse pra ficar perto da mamãe. As
noivas se atrasam mesmo. Tem de ter paciência e
ficar quietinha, porque senão vai sujar seu
vestidinho de princesa.
− É mesmooo!
Ela corre para o interior da tenda, para ficar ao
lado da nossa mãe que, como nosso pai, nem
sonham que estou me casando com uma mulher
que não me ama, só por vingança, aliás, que estou
me casando de mentira − brincando com algo tão
sério e sagrado.
Em nossa família tradicional e católica,
valorizamos sentimentos, amizades sinceras,
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casamentos eternos e verdadeiros. Eu juro que


sempre valorizei isso também, mas depois do que
descobri, confesso que esses valores ficaram para
trás.
A área externa está cercada de fotógrafos. Juro
que queria descobrir quem foi o traíra que divulgou
o casamento, mas no final das contas, não é difícil
de imaginar. Há pelo menos meia dúzia de
convidados da minha mãe, em quem não confio
mesmo! Além do idiota do Oscar. Mas, isso já era
previsto. Na hora certa eu teria que lidar com isso
também.
Vejo um movimento diferente, perto de uma
árvore, e dou alguns passos para ver quem tenta se
esconder. Logo vejo a Susan.
Susan é uma garota com quem saio às vezes, e
é também a veterinária que cuida dos nossos
animais. A gente fica junto há anos. Não temos
compromisso, mas como ela mesma faz questão de
lembrar, somos amigos com benefícios. Na verdade
não me sinto bem com isso. Já deveríamos ter
acabado, mas a mulher não larga do meu pé, e a
gente vai levando.

$$$
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Volto para a tenda e me recosto na pilastra.


Se as pessoas repararem bem, verão que não
estou com cara de noivo apaixonado e feliz. Estou
mais para noivo... Sei lá, pilhado, talvez. E não
seria anormal. Claro que não! Afinal, estou prestes
a dar a minha última cartada nesse jogo perigoso de
mentiras e trapaças, do qual posso sair ainda mais
ferido.
Mas estou disposto a ir até o fim, só para ver a
cara de derrotada e perdida da Grace. Acho que
nessa hora eu terei um orgasmo, um dos grandes,
bem demorado.
Alguns minutos depois, ouço alguém gritar que
o carro que traz noiva fez a curva e entrou na rua da
propriedade.
Não é difícil imaginar o que se passa lá fora.
Respiro fundo e reviro os olhos quando
imagino dezenas de fotógrafos saindo de seus
automóveis, debaixo de chuva, e correndo em
direção ao veículo da noiva do ano, apesar de o
local estar isolado.
Aquele bando e urubus!
Dou um tapa no ar e me posiciono.
O circo está armado.
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Dois

Grace

− Vem Grace! − Meu padrasto puxa minha


mão, coberta por uma luva branca.
Quero gritar.
Estou aflita porque sinto que vou amarelar.
Olho de novo para aquele monte de gente
eufórica e empaco dentro do veículo.
Estou em pânico.
Há alguns meses minha vida virou de cabeça
para baixo, da noite para o dia, e eu me vi muitas
vezes sem chão, por causa do Oscar, meu padrasto,
por uma dívida de jogo absurda que consumiu todo
o seu patrimônio, e o único bem que eu possuía.
Por isso eu acabei fazendo algo absolutamente fora
do comum, principalmente por causa das ameaças à
vida da Julie, filha dele, que era como irmã para
mim.
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Não podíamos denunciar, nem fugir.


O bandido avisou ao Oscar que se
envolvêssemos a polícia ele mataria a menina − só
precisaria dar um telefonema.
Estávamos de pés e mãos atadas, mas com a
ajuda da Evy, minha melhor amiga, uma ideia
começou a surgir. Ideia maluca, viajada, mas que
resolveria o meu problema, se tivesse dado certo.
Então Kai Müller surgiu em minha vida.
Tudo começou depois de alguns
acontecimentos e coincidências. Essas coisas que
acontecem na vida da gente, sem motivo aparente,
mas que a gente passa a acreditar que tem o dedo
de Deus.
Bem, eu tinha decidido fazer um acordo de
casamento com um cara amigo da Evy, o Nolan
McBride, para ajudá-lo a receber uma herança, e
dessa forma, eu receberia o dinheiro para quitar a
dívida do Oscar. Eu preciaria ficar casada com ele
por apenas um ano. Um ajudaria o outro.
Mas, infelizmente, no dia e hora combinados o
McBride não apareceu.
Nesse dia, depois de passar muita raiva com
um bêbado, o Kai ajudou-me, e, bem, eu fui uma
ogra com ele, ao invés de agradecê-lo. Tudo por
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causa das taças de vinho a mais que bebi, por culpa


do bolo do McBride, e que me encheram de
coragem.
Ainda bem que o Kai não desistiu de me
conquistar.
No dia seguinte a esse incidente, eu estava em
casa, pensando em qual seria o próximo passo,
então a Evy me ligou para explicar o que tinha
acontecido na noite anterior, e por que ela não tinha
comparecido, além de querer saber os detalhes.
Ouvi a explicação e depois contei a ela que o
meu futuro marido não tinha aparecido. Disse que
queria riscar a noite anterior da minha memória.
− Ué, mas, por quê? Não desista ainda só
porque o McBride não foi. Talvez ele não pôde,
ora! Não vai desistir né?
− Claro que eu não vou desistir! Quando digo
que quero riscar a noite anterior da minha memória,
é porque rolou o maior barraco na boate, por causa
de um merdinha bêbado.
− Não posso acreditar!
− Acredite! E se não fosse por um cara aí...
Que se meteu no meio da confusão, eu teria
arrumado problemas.
− Um cara é? E o que tem esse cara? Falou de
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um jeito que deu a entender que gostou dele. − Eu


ri, mas não disse nada. Ela então se desculpou e
falou. − Não posso falar mais. Não quer vir aqui em
casa? Hoje é minha folga. A gente pode ligar para o
McBride e planejar outro encontro. Que tal?
− Certo. Daqui a uns quarenta minutos tô
chegando aí.
− Estarei esperando.
Quando cheguei ao apartamento dela, minha
amiga me abraçou e se desculpou pelo bolo
novamente. Ela tinha recebido um telefonema do
pai dizendo que a mãe, que tinha câncer, se sentiu
mal.
Pobrezinha! A mãe dela sofria muito quando
voltava da quimioterapia.
− Já disse que tudo bem.
− E então? Me conta tudo! Você disse que um
cara aí entrou na confusão com o bêbado para te
ajudar?
− É. Eu estava sentada no bar, como
combinado e o cara do vernissage, aquele…
Contei à Evy todos os detalhes.
Ela morreu de rir e disse que não queria ter
perdido por nada, e riu ainda mais quando eu disse
que o cara lindo me imobilizou ao perceber que eu
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iria chutar as bolas dele.


− Fala sério! Ele te imobilizou tipo te
abraçando?
− Aham – eu ri.
− E ele é cheiroso? Com quem se parece?
Como ele é?
− Ah Evy, não bota pilha! Você sabe que não
posso nem pensar nisso.
− É cheiroso ou não é? – Insitiu.
− Ééé, muito cheiroso. Ahh não sei com quem
ele se parece. Ainda não associei. E... Ai amiga, se
não fosse essa confusão que a minha vida está, eu
não pensaria duas vezes e aceitaria o convite que
ele me fez para sair. – A Evy ficou ansiosa. –
Acredita que a gente já se conhecia? Mas não me
lembrei muito bem dele. Apenas alguns flashs.
− A coisa tá ficando boa. Você não disse com
quem ele se parece!
− Ai tá legallll! Peraí, deixe-me pensar… Ah já
sei, sabe aquele ator cubano que a gente gosta, o
Willian Levy, aquele do filme Addicted.
− Nãoo!
− Sim, moreno, entre vinte e cinco e vinte oito,
alto, cabelos e olhos castanhos claros, barba por
fazer... Ah amiga não consegui prestar atenção aos
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detalhes, porque ele me deixou nervosa.


− Ah Grace, ver seus olhos brilhando assim me
deixa muito feliz!
− Me entusiasmei porque o cara é lindo. Na
verdade a beleza dele é diferente, não saberia
explicar. Ele sorri com os olhos… E os dentes
dele? Ui!
− Fala sério! – A Evy estava se divertindo.
− Cara, os dentes dele são perfeitos! Ah amiga,
mas a voz dele, rouca, murmurando lá no banheiro
naquele dia não me sai da cabeça.
− OMG, tá rolando uma química por esse cara,
hein?
− E isso é terminantemente proibido. Não
posso.
− Certo. Agora você disse uma coisa sensata.
Vou buscar o meu smartphone e olhar o número do
celular do Nolan McBride, daí a gente pergunta o
que houve e se ele ainda está interessado. Eu
particularmente acho estranho. O Nolan não deixa
de ir à boate, nem um sábado sequer.
A Evy desligou o telefone desanimada.
− Caixa postal.
− Cê tá de brincadeira! – Disparei.
− Não estou. Ele não atendeu.
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− Puta merda! Será que ele desistiu?


− Não faço ideia.
− Eu só posso estar carregando alguma
maldição. Não, isso é carma! O que é issooo?
− Não apela, né, Grace! A gente vai tentar de
novo.
Comecei a chorar.
Alguma coisa me dizia que ele tinha desistido.
Logo ouvimos o bip do celular dela, que leu a
mensagem em voz alta:
“Desculpe, Evy, não pude comparecer ao
nosso encontro, por motivo de força maior. Acho
que não vou mais precisar da sua amiga, mas
obrigado por tentar me ajudar. Ah e agradeça a
ela, por favor.”.
− Eu não disse?! – Evy segurou meu rosto
entre as mãos.
− Não fica assim, querida! A gente vai dar um
jeito. − Funguei. A Evy se levantou e ordenou: −
Respira fundo, fica calma! As coisas acontecem
quando têm que acontecer.
− Vou ter que começar de novo caramba! Seria
mais fácil roubar um banco – disparei secando as
lágrimas.
Ela interrompeu:
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− Talvez não. E o tal cara de ontem? Disse que


já é conhecido.
− Sim, mas só de vista. Estivemos nas mesmas
festas que o Tom Hardy promoveu. Só isso. Não sei
nada sobre ele. Além disso, ele não tem cara de
rico. Tá, ele comprou uma tela de US$ 2 mil
dólares, mas... Ele não se veste exatamente como
um cara rico.
− Nunca se sabe. As aparências enganam. Qual
é o nome dele?
− Acho que Guy... Kai. Acho que é Kai. Ele
me deu o cartão dele, mas eu nem prestei atenção.
Eu não vou ligar, porque ele parece ser um cara
legal e não merece alguém com os meus problemas.
− Cadê o cartão? Amiga não temos tempo para
crise de consciência agora. Vamos ver quem é o
bonitão!
Abri minha bolsa, retirei o cartão e entreguei a
ela.
− Kai Müller, Kai... Esse nome não me é
estranho. Müller Technologies Corporation... Eiii!
– Ela exclamou como se uma luz se acendesse na
sua cabeça. Arregalei os olhos. − Kai Müller?! Eu
conheço essa cara, Grace. Todo mundo conhece!
− É mesmo? De nome não conhecia
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− Sim, tá aqui no cartão. É um excelente


partido. Disse que está interessado em você?
− Sim.
− Nunca mais fale que tem uma maldição te
cercando amiga. Eu diria que é exatamente o
contrário!
Suspirei e disparei:
− Ele me convidou pra sair.
A Evy se sentou.
− Grace Kelly Olsen você tirou a sorte grande.
Ele é um dos donos da Müller Technologies
Corporation. Sabe o que isso significa? Que ele é
podre de rico.
Eu me sentei também.
− Agora você tá gozando com a minha cara.
Para! Isso não se faz!
− Não é brincadeira. Olha aqui! No cartão diz
que ele o CFO.
− Ele é?!
− Pode apostar
− Diretor financeiro. Me belisca! − Evy
obedeceu.
− Aiiiii, não era pra doer! O que um diretor
financeiro estaria fazendo naquela boate? A gente
sabe que é um lugar legal, mas tá longe de ser um
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lugar que os ricos frequentam. Não, ele não é nada


disso! Além do mais, ele não se veste como um
diretor.
− Kai Müller é o melhor amigo do Dante
Scorpio. Ele frequenta a boate há anos.
− Ah tá explicado.
− Grace, pensa comigo! O cara tá interessado
em você... É jovem, bonito e milionário − que é o
que interessa, nesse momento...
− Ah, não posso acreditar que esse homem me
convidou para sair. Ele só estava sendo legal.
− Ora, por que não? Você é uma das garotas
mais bonitas que eu conheço. Esse olhões azuis
hipnotizam minha querida!
− Para, não sou não!
− Não seja modesta! Você é linda, amiga! E
depois das luzes que fizemos em seus cabelos, está
ainda mais gata.
− Eu acho que ele é um cara que deu em cima
de mim. Foi antes de eu conhecer o Nathan. Mas
não foi nada demais.
− Então o que está esperando? Vamos fazer
assim. Eu consigo a ficha dele com um jornalista
amigo meu que frequenta a boate, e você se dedica.
Se ele está interessado, dá uma ajudinha! Faça com
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que ele fique ainda mais ligado. Vamos descobrir


do que ele gosta, seus restaurantes preferidos,
esporte, hobbys, enfim, tudo. E você vai gostar das
mesmas coisas que ele gosta, bebidas, comidas,
músicas… Entendeu?
− Tudo isso é tão maluco e... Tão injusto.
− Não pense dessa forma. Pense que... é por
uma boa causa.
− Acha mesmo que isso pode dar certo?
− Estude a ficha e deixe a coisa acontecer!
− Isso não vai ser nada fácil, mas tenho que
tentar. Na verdade eu quero ficar com ele. E juro
que mesmo que ele fosse pobre eu queria. Acho
que isso é uma coisa boa, não é? − Funguei.
− A vida às vezes nos prega cada peça, não é?
− Evy disse solícita. – Deus está do seu lado minha
querida. Esqueça aquela coisa de maldição!
Ficamos conversando por mais alguns minutos.
Evy reforçou que eu deveria investir pesado no Kai,
aproveitando o seu interesse por mim e o meu tesão
por ele.
− Tem razão. Eu não posso perder essa
oportunidade.
Voltei para casa pensando no convite que o
tipão tinha feito.
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Durante o trajeto, no ônibus, eu peguei o cartão


dele e fiquei olhando. Forcei minha memória e me
lembrei vagamente das festas que fui e ele estava,
mas a primeira vez que o tinha visto foi no luau do
dia da independência, uns dois anos atrás. Essas
festas eram incríveis e muito bem frequentadas. Eu
me lembrei de que a Evy não pôde ir à parada
comigo, então decidi aceitar o convite do David
Fitz, um amigo nosso, para ir ao luau.
Recordei-me também de que um cara me
chamou para dançar, aproveitando que David tinha
saído para buscar um refrigerante. Era ele. Agora
conseguia me lembrar.
Naquela noite eu não dei muita confiança ao
Kai, porque não ficaria bem. Se o meu
acompanhante voltasse e me visse dançando com
outro cara, era capaz de brigar, porque ele já tinha
dito que queria ficar comigo, embora eu tivesse
deixado bem claro que a gente era apenas amigo.
Assim, para evitar, eu apenas disse ao kai que
em outra ocasião a gente dançaria.
Na última festa, num iate, o Kai ficou de longe
me observando dançar. Ele já tinha me oferecido
uma bebida, que mandei o garçom devolver, porque
naquela época eu não bebia, além do mais não me
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sentia atraída por ele, que era magro feito grilo.


Confesso que eu era bem chatinha.
Em compensação agora ele está incrível.
Em casa, bem mais tarde, a Evy ligou e disse
que o jornalista ficou feliz em ajudá-la. Ele
combinou de enviar um e-mail com a ficha
completa de Kai Müller, o mais rápido possível.
Fiquei roendo as unhas à espera do retorno
dela, que logo me ligou e me tirou da consumição.
− Abre seu e-mail agora!
Corri e abri o meu notebook.
− Espera, espera! Você já leu?
− O que você acha? Claro né! Li tudo e reli. A
ficha dele é incrível. Completinha. Fisga esse! Ele é
per-fei-to!
− Me deseja sorte!
− Que a sorte esteja com você!
− Boba! − Eu disse rindo da voz dela.
Havia detalhes importantes e que me deixariam
uma expert no senhor empresário do ano, segundo a
Revista Constellation.
No e-mail descrevia até o seu tipo de mulher.
Estremeci quando li que ele gostava de loiras.
Não sou loira, mas eu tinha feito algumas luzes…
Ah, isso não é importante, afinal ele já está atraído
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por mim.
Virei a página e vi mais um montão de coisas
interessantes tipo, que ele tinha uma vida social
agitada, que praticava Jiu-Jtsu e que amava
embarcações, vi também que ele curtia família e se
amarrava em animais, principalmente cavalos, e o
mais importante, não era comprometido.
Estudei exaustivamente aquela espécie de
dossiê, mas confesso que valeu a pena. Era
instigante. O cara não podia reclamar da rotina.
Esse era o meu futuro marido, custasse o que
custasse.
Deus, eu estava irreconhecível!
Bem, de posse de todas as informações
necessárias, resolvi procurá-lo no dia seguinte,
aproveitando o convite que ele tinha feito.
Então chamei um Uber que me deixou num
café bem perto do prédio da Müller Technologies
Corporation.
− A-aalô! − Minha voz ficou presa. Eu tinha a
sensação de que faltava ar. − Alô!
− Quem é?
− Grace. Lembra? Lá da boate.
− Não conheço ninguém com esse nome... –
Fiquei sem graça pelo silêncio, acreditando que ele
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dizia a verdade, mas ele riu. – Brincadeirinha! Ah,


como vai? Estou surpreso. Você disse que...
− Desculpe, aquela noite foi a pior da minha
vida. Uma daquelas que a gente deve esquecer. Eu
não fui legal.
− Eu juro que ela vai ficar gravada na minha
memória. Eu não quero esquecê-la.
− Ah, por favor, esquece! Eu fiz papel de boba.
− Como vou esquecer a noite em que a gente se
conheceu, digamos, oficialmente.
− Ah, a gente já se conhecia.
− Só de vista. Só em meus sonhos.
− Okaaaaay fiquei sem graça. Rum rum... Mas
liguei por que estou indo almoçar, e é perto de onde
você está. Você tem compromisso para o almoço?
− Está perto da empresa?
− Na verdade, estou num café perto do
restaurante Four Leaf Clover, se não me engano é
perto do seu trabalho, estou certa? Dissimulada!
− É perto sim.
− Que tal a gente almoçar nele?
− Mesmo que eu tivesse compromisso,
cancelaria qualquer um para vê-la.
− Puxa, obrigada! – Um arrepio percorreu
minha espinha. Ele mexia muito comigo.
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− Posso sugerir outro restaurante?


− Claro!
Na hora eu fiquei pensando o que havia de
errado com o restaurante que eu tinha sugerido.
− Te pego em no máximo quinze minutos.
− Combinado.
Assim que desliguei consegui soltar o ar que
estava preso em meus pulmões.
Uffaaa!
Apanhei um estojinho com espelho, que
sempre carregava na bolsa, e conferi meu rosto. Eu
tinha conseguido disfarçar, com maquiagem, aquela
porcaria de espinha que tinha aparecido no meu
queixo, mas eu não estava certa sobre a escolha do
tubinho azul topázio.
Merda! Será que não exagerei?
Inspirei e expirei inúmeras vezes.
Calma Grace kelly, tá tudo bem! O vestido azul
foi a melhor escolha, você está bem.
Ansiedade me atacando.
Olhei para o meu relógio dourado da sorte, que
eu amava por ter sido presente da minha mãe, e vi
que tinham se passado apenas nove minutos, mas
para mim era uma eternidade.
Tomei um gole de café e olhei para a rua.
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Quatro minutos mais tarde ele estacionava a porta


da cafeteria.
Observei-o por um segundinho enquanto ele se
aproximava.
Eu não entendia, Kai Müller era um executivo,
mas quem o visse naquele momento jamais
apostaria nisso. Ele vestia camiseta azul-escuro,
sob uma jaqueta preta, e um jeans rasgado no
joelho. Eu juro que imaginei que ele estaria de
terno e gravata.
Ô, ô esse vestido não foi a melhor escolha.
Respirei fundo.
Ele se aproximou e me deu um beijo no rosto.
Fiquei sem jeito.
− Você está linda, Grace!
E vermelha.
− Obrigada.
No trajeto ele não falou muito, parecia não
acreditar.
Quando chegamos ao local eu li by Tutti e
gostei. Era um local agradabilíssimo. Estava cheio.
Provavelmente a comida era ótima. Não era nada
sofisticado. Ele me surpreendia a cada minuto.
Um garçom cumprimentou-nos e entregou os
cardápios.
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Eu olhava curiosa para aqueles nomes


diferentes de tudo que eu já tinha visto, como
Ceviche, um prato da culinária peruana baseado em
peixe cru, marinado em suco de limão, e outro,
Fried Calamari que fui perceber era lula.
Odiava qualquer bicho do mar, principalmente
aquele.
Escondi meu rosto atrás do cardápio e fiz cara
de nojo. Eca!
Havia várias sugestões, tipo uma gororoba feita
com um feijão diferente, um grão que parecia arroz
chinês e outro vermelho, abóboras grelhadas, couve
refogada com alho, sementes, cogumelos e … Eca,
anchovas!
Será que só tem peixes e frutos do mar aqui?
Continuei lendo o cardápio, maluca para ver
algo bem apetitoso, que tivesse carne. Confesso que
estava azul de fome, mas ao que parecia só tinha
peixes naquele restaurante.
Deus eu não vou conseguir!
Então meu rosto se iluminou quando vi o nome
“lasanha”, mas rapidamente se apagou quando vi
que era lasanha de frutos do mar.
Urgh!
Fala sério, lasanha de frutos do mar?
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Torci o nariz.
− E então? Gostou da minha sugestão?
Abaixei o cardápio e sorri para ele.
− Uau, não imagina o quanto!
Fingida!
Minha mãe provavelmente estava esmurrando
o caixão, querendo sair para me assombrar por
tanta mentira e enrolação.
Eu tinha prometido que não mentiria nunca
mais, e mantive a minha promessa, até aquela
merda daquele dia em que o Oscar virou a minha
vida dos pés à cabeça.
Escondi o rosto novamente e me senti
pressionada pelo garçom, que ficou parado ao
nosso lado.
Ele provavelmente tinha pressa, porque o lugar
estava lotado.
Então decidi escolher a gororoba feita com
feijão e anchovas.
Eu poderia simplesmente dizer que não gostava
de peixes, ou quaisquer outros frutos do mar e
mostrar um pouquinho do meu jeito de ser, mas ele
provavelmente ficaria sem graça por não ter
perguntado antes se eu gostava de peixe, e eu não
queria constrangê-lo… Bem, eu decidi agradá-lo.
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Eu tinha que conquistá-lo, até nessas coisinhas


mais simples.
Obviamente o Kai, imaginando que eu gostasse
desse tipo de refeição, por causa da minha sugestão
de restaurante, decidiu me surpreender e me trouxe
a um que ele considerava o melhor.
Eu estava odiando a comida, mas não podia
fazer feio. Comia devagar, custando a engolir.
Tomava doses e mais doses de água por cima de
cada colherada, para disfarçar o gosto que era de
queimar até os neurônios de tanto condimento.
Eu mastigava com má vontade, até perceber
que o Kai tinha notado, porque antes de levar uma
porção de amêndoas à boca ele riu. Então acho que
ficou com pena e perguntou meio que afirmando.
− Não está gostando, não é?!
Olhei para ele e engoli a última porção, sem
mastigar direito, depois bebi uma dose generosa de
água.
Ele tinha descoberto que eu odiava peixe, e que
estava comendo apenas para agradá-lo.
Na verdade eu estava seguindo os conselhos da
Evy, que tinha dito que eu deveria gostar de tudo
que ele gostava.
− Imagina. Está...
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− Não come mais, por favor! Eu tenho a


impressão de que estou te castigando!
Balancei a cabeça e limpei a boca com um
guardanapo.
Ele chamou o garçom e pediu a conta.
Algum tempo depois o Kai segurou a minha
mão e disse:
− Vamos dar o fora daqui!
No carro ele se desculpou novamente e
perguntou se eu gostava de sanduíches. Quando eu
disse que amava, ele parou o veículo em frente a
um food truck.
− Me perdoa?! Jamais pensei que fosse odiar a
comida do by Tutti. Aquele é um dos restaurantes
especializados em frutos do mar mais procurados.
Como tinha me convidado para o Four Leaf Clover,
pensei que... − Balançou a cabeça e sorriu.
− Eu nunca comi naquele restaurante, sugeri
apenas porque pensei que sendo mais perto do seu
trabalho… Na verdade não queria atrapalhar seus
planos. Desculpe.
− Você jamais vai me atrapalhar.
Eu ri e dei uma mordida no delicioso sanduíche
recheado com carne, queijo, ovo, bacon e molho.
− Quer um pedaço? − Brinquei, levando o
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sanduíche a sua boca.


− Humm – ele fez uma cara gostosa e ficou
olhando para o sanduíche. – Uma mordida.
− Claro, fica à vontade. Não quer um?
− Não eu já estou satisfeito, obrigado – ele
disse limpando o canto da minha boca, que tinha se
sujado de molho. − Você parece uma garotinha.
Fiquei envergonhada quando senti os dedos
dele no meu rosto, e, inevitavelmente, pensei na
mão dele tapando a boca da mulher naquele
banheiro.
Ai-meu-Deus,eu preciso me esquecer daquilo!
Conversamos por mais de uma hora, depois eu
disse que precisava dormir cedo.
− Tem certeza? Adoraria conversar mais um
pouco.
Confesso que estava fascinada por ele, louca
para ouvir aquela voz a noite toda. O Kai era uma
homem interessante e muito atraente.
Dentro do carro ele disse:
− Pena que tem compromisso logo pela manhã.
Eu adoraria esticar a noite… Hum eu posso te ligar
depois… Sei lá, a gente pode ir a outro
restaurante… A um que você goste. Ou se
preferir…
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Eu interrompi:
− Vamos ao shopping! Adoro me sentar na
praça de alimentação e bater papo saboreando uma
cerveja bem gelada.
− Jura? É só isso?
− Aham. Ou se preferir a gente assiste a uma
comédia romântica comendo pipocas.
Ele ficou rindo e olhando para mim feito bobo.
− Eu vou agradecer à minha mãe para sempre,
por ter insistido comigo em acompanhá-la, naquele
vernissage. Só assim eu te reencontrei. Você é uma
fofa, Grace.
Corei.
− Ah, será que é aquela senhora simpática que
ficou me elogiando o tempo todo?
− A própria. Depois daquela noite ela se tornou
sua fã.
− Tão lindinha! Gostei muito dela também.
O papo rendeu. A gente falou do meu trabalho
com os quadros e do dele, e quando já estávamos
em meu prédio ele disse:
− Amanhã eu preciso fazer uma viagem.
Ficarei a semana toda fora, mas eu volto na sexta-
feira.
− É sempre assim?
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− Sim. Eu cuido do escritório de Ohio. Lembra


que te falei? Eu deveria ter ido hoje, mas tivemos
uma reunião importantíssima com os acionistas.
Ainda bem, assim eu pude revê-la.
Ele encarava a minha boca.
Fiquei vermelha olhando para a boca dele
também, querendo um beijo. Ele mexia comigo de
verdade.
− Até mais! – Dei as costas, mas ele segurou
minha mão.
− Te ligo quando voltar. Salvei seu número.
− A gente se fala.
Entrei e fiquei com a sensação de que ele ficou
me olhando, até eu fazer a curva para pegar o
elevador.

$$$

Depois desse dia, o Kai começou a fazer parte


da minha vida, dos meus planos e se apaixonou
rapidamente. Isso foi um verdadeiro milagre. Só
assim para as coisas acontecerem dentro do prazo
estipulado pelo agiota para pagarmos o restante da
dívida.
É claro que eu me sentia péssima com tudo. Eu
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até quis me abrir várias vezes, sobre o principal


motivo de eu ter ficado com ele, porque percebi
que ele era generoso e compreensivo, e não merecia
ser enganado, mas eu sempre amarelava, por
motivos óbvios.
Eu tinha medo, porque mesmo sabendo que o
Kai estava apaixonado, eu tinha certeza de que ele
não gostaria de saber que eu tinha decidido ficar
com ele, a princípio, por interesse − que o tinha
ludibriado. É claro que não! Ainda que eu tivesse
tido uma razão forte, ele não me perdoaria.
Eu sempre preferi a verdade, mas nesse caso
não podia pagar para ver, porque tinha medo de
perdê-lo para sempre, e não era apenas pelo
dinheiro. Eu juro.
Porém, tudo era um risco. Eu estava apostando
em algo que não fazia ideia se daria certo. Ou seja,
não tinha menor noção de como conseguiria essa
grana, depois do casamento, e se conseguiria a
valor todo, mas eu tinha que tentar, não é? Eu tinha,
porque quando vi o vídeo da Julie se divertindo no
colégio, e uma voz sinistra narrando o que faria
com ela, se o Oscar não pagasse o restante da
dívida, eu entrei em pânico e decidi aceitar a oferta
do Nolan McBride, e participar daquela armação,
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que mais parecia coisa de filme.


Infelizmente o trato com o McBride não tinha
rolado. Ele seria a forma mais fácil.
A partir daquele momento, me vi obrigada a
fazer o que abominava, e à medida que o tempo
passava, a pressão aumentava, porque os vídeos
chegavam ao celular dele a cada quinze dias.
Estranhamente notei que as ameaças tornaram-
se mais agressivas, depois que o Kai colocou o anel
de diamante em meu dedo.
Então desconfiei que nosso telefone do apê
tinha sido grampeado, e o bandido sabia bem como
conseguir o restante do dinheiro.
Logo, para pressionar, enviaram outro vídeo da
menina, com a voz tenebrosa dizendo que se a
grana não aparecesse em uma semana, eles a
estuprariam, antes de picá-la em mil pedaços.
Aquele vídeo me deixou desesperada, por isso
rolei na cama a noite inteira, antes de procurar a
Evy para pedir conselhos e junto com ela, fazer
uma ideia que crescia em minha cabeça acontecer.
Era uma decisão maluca e perigosa.
Antes de falar com a minha amiga sobre a
minha ideia, eu chorei copiosamente em seu ombro.
Eu queria desabafar, porque minha vida estava uma
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droga. Minha consciência estava me matando. Eu


estava enganando um cara legal, a quem aprendi a
admirar e querer. Na verdade achava que estava me
apaixonado por ele. Essa era a parte boa dessa
sujeirada toda, mas também muito triste, porque se
o Kai descobrisse, ele me daria um pé na bunda e
poderia inclusive me mandar para a cadeia.
Como se não bastasse, o Oscar estava
desesperado, porque não tinha o dinheiro do
colégio, na verdade eram seis meses de atraso. Uma
quantia exorbitante, e isso era outro problemão de
última hora, porque, segundo ele, a direção do
colégio o estava pressionando.
E ele a mim.
É claro que eu cansei de perguntar por que ele
mantinha a filha naquele colégio, se não tinha
condições. E ele disse que não podia tirá-la, se não
tivesse dinheiro para acertar a dívida.
− Evy, o que eu faço? − perguntei rodando meu
anel de noivado, pensando na minha ideia, sem
coragem pra falar. − Evy observou o meu gesto e
respondeu:
− Acho que não tem alternativa amiga. Precisa
vender esse anel. Eu já tinha falado isso; até sei
quem poderia comprá-lo. Ele é a solução de todos
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os seus problemas. – Então eu funguei.


− E o que eu vou dizer ao Kai?
− Diga que lhe roubaram, que foi assaltada.
− Ele pode desconfiar. Isso não vai dar certo.
Tem que ser algo sério, com polícia envolvida... Se
o Kai descobrir, ele vai cancelar o casamento e vai
me odiar.
− Ué, mas isso seria perfeito! Você pagaria o
filho da puta que tá ameaçando vocês, usando a
Julie, e se livraria do Kai. Afinal você não o ama.
Menos um problema na sua cabeça, porque sei que
está mal por esta situação. Seria o correto... Certo?
– Balancei a cabeça.
− Eu me sentiria uma ladra de qualquer jeito.
Não amiga. O Kai me ama. Ama muito. Eu tenho
que me casar com ele e fazê-lo feliz. É o mínimo
que ele merece – eu disse profundamente mexida,
porque meus sentimentos por ele tinham se tornado
algo especial.
Na verdade, eu não queria perdê-lo de forma
nenhuma.
− Então não sei como te ajudar. − Busquei o ar
e comecei a pensar. De repente eu olhei para ela
que me perguntou: − Alguma ideia?
− Na verdade eu tenho uma ideia sobre como
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bolar o roubo do anel.


− Conta o que tá pensando!
A Evy eu decidimos que seria melhor algo
discreto e silencioso. Então no dia seguinte, que era
sábado, deixei que o Kai me visse com o anel.
Quando a Evy teve uma folguinha do trabalho, ela
me convidou a ir ao banheiro. (Tudo combinado).
− A gente já volta. − O Kai assentiu.
Ele não estava bem. Havia dias que ele não
sorria e não me contava piadas, como costumava
fazer, e muito menos me convidava a ir ao Luna
Blanca, onde sempre rolava uns amassos. Ele
estava com algum problema. Eu tinha certeza.
Dentro do banheiro, a gente esperou que as
duas mulheres que estavam retocando a maquiagem
saíssem, então passei o anel para a Evy, junto da
minha carteira.
Ela guardou o anel dentro de uma das botas, e
minha carteira no sutiã. No dia seguinte, minha
amiga cúmplice, levaria o anel ao homem que
concordou em pagar um preço justo por ele.
É claro que era um valor bem abaixo, mas
certamente eu conseguiria a quantia de que eu
precisava. Estava tudo combinado. A carteira, ela
jogaria no lixo. Eu teria muito trabalho para fazer
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novos documentos, mas não havia outra saída.


A Evy saiu e se dirigiu ao camarim das
dançarinas, então coloquei um par de luvas, dessas
cirúrgicas, peguei um vaso de vidro, que estava
cheio de balas e gomas de mascar e o quebrei, para
parecer que tinha havido uma luta com a suposta
ladra.
Os doces ficaram espalhados na bancada e no
chão. Em seguida me descabelei, borrei o batom
em minha boca, para parecer bem real, e rasguei
meu vestido, perto do ombro.
Eu parei por alguns segundos e fiquei pensando
o que mais poderia fazer. Então retirei as luvas e
decidi arranhar meu braço um pouco, e isso foi
doloroso, eu chorei de verdade.
Depois disso espalhei o conteúdo da minha
bolsa no chão, joguei as luvas no vaso, dei descarga
e lavei as minhas unhas. Tudo estava arranjado.
Por fim, me deitei no piso frio de granito, como
se tivesse desmaiado e fiquei assim até que alguma
mulher resolvesse vir ao banheiro.
Quando uma mulher abriu a porta, se assustou
e fez muito escândalo. (Não deu para ser mais
discreto.) Depois saiu correndo.
Logo alguns seguranças apareceram, e um
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deles usou um radiocomunicador. Provavelmente


chamou uma ambulância. Ouvi o nome do Dante.
Segundos depois, ele entrou e me reconheceu.
− Grace, Grace! O que aconteceu aqui? − Ele
me cutucou. Continuei “desmaiada”. − Jerry, por
favor, vá até o bar e chame o Kai Müller, mas não
diga o que aconteceu.
− Está certo. − O empregado saiu às pressas.
Dante colocou os dedos no meu pescoço, para
sentir meus batimentos.
− Graças a Deus! − ele disse quando viu que eu
estava viva e continuou tentando me acordar. O
amigo do Kai parecia perdido.
Nervoso, ele foi até a pia, molhou as mãos e
passou em meu rosto.
Logo a porta se abriu e o Kai entrou.
− Você me cham... Mas o que... Grace? Bem
que percebi que estava demorando. − Ajoelhou-se
e segurou minha mão. Então ele viu os arranhões. −
Quem fez isso com você? O que aconteceu aqui?
Imaginei que ele olhava ao redor.
− Não sabemos de nada. Uma senhora entrou e
a viu aí, caída. Parece que lutou com alguém. O que
acha?
− Está toda arranhada! − Senti uns tapinhas em
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meu rosto. − Grace!


− Vamos chamar uma ambulância. − O Dante
sugeriu.
− Já deve estar a caminho, senhor! − Um
homem respondeu. Então eu percebi que era hora
de acordar. − Ela está voltando, veja!
− Grace! − O Kai ergueu minha cabeça e me
abraçou.
Fiquei feliz por isso, havia dias que ele não era
carinhoso comigo. Senti o coração dele socar meu
rosto. − O-o-o que aconteceu? − Comecei a chorar,
e isso era absolutamente verdadeiro. Eu me sentia
horrível. Ele não merecia isso.
− Eu... Eu...
− Está sentindo alguma coisa? Está tudo bem?
Está chorando de dor?
− Estou bem, só assustada e um pouco confusa.
Ai meu Deus! Mamãe me perdoa!
A porta se abriu e a Evy entrou, conforme
tínhamos combinado.
− Grace! O que houve? Saí e deixei você
retocando o batom! − Oh minha amiga, quem fez
isso com você?
− Evy! − Chorei copiosamente, mas de ódio de
mim mesma. A que ponto cheguei? − Uma
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mulher... Ela...
− Você viu a cara dela? − O Dante perguntou.
− Sim, ela é morena. Bem morena − Funguei. −
Mas os cabelos são pintados de roxo, e tem umas
mechas... Pink – inventei soluçando de verdade.
Evy respirou fundo.
− Roubaram alguma coisa?
Olhei ao redor e disse:
− A minha bolsa está aberta. − O Kai apanhou
a bolsa.
− Sua carteira não está aqui.
− Chame a polícia Jerry! − Olhei para a Evy.
− Sim senhor!
− Espera aí! – Eu disse fingindo surpresa.
− O que foi? – O Kai perguntou preocupado.
− O meu anel! − Ergui o braço e mostrei meu
dedo sem o anel. O Kai segurou a minha mão. − O
meu anel de noivado! Ela provavelmente o tirou
quando caí desmaiada. − Meu futuro marido fez
uma cara indecifrável.
− Não se preocupe Grace! Vamos encontrar a
ratazana que fez isso com você. Está vendo aquele
quadro? Por sorte tem uma câmera escondida nele.
− O Dante disse apontando para um quadro feito de
pequenos objetos. − Está ali por causa de uma
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investigação, sobre venda de drogas pesadas aqui


na Scorpio. Espero que ainda esteja funcionando
bem. Ela ia ser retirada, mas por algum motivo a
gente se esqueceu de fazer isso. Que sorte, hein?
− No banheiro tem uma câmera? − Arrepiei e
comecei a passar mal de verdade.
− Só aqui nos lavatórios. Na área dos sanitários
não tem.
− A ambulância chegou. − Jerry, o assistente
do Dante anunciou.
Minutos depois, dois homens entraram e
começaram a me examinar. Obviamente eles
disseram que de uma forma geral eu estava bem,
mas que minha pressão tinha subido um pouco. E é
claro, disseram que era por causa do incidente. Um
deles fez uma dezena de perguntas, enquanto o
outro cuidava dos arranhões. Evy ficou com os
olhos arregalados, quando viu as marcas dos
arranhões nos meus braços. Ela também parecia
estar passando mal por saber sobre a câmera
escondida.
− Calma Evy! Se aquela pequena maravilha ali
estiver funcionando bem, a polícia vai prender essa
mulher, bem rápido. Vai ficar tudo bem.
− Assim espero! − O Kai murmurou.
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Depois de responder às perguntas dos policiais,


nós saímos e os deixamos periciando o local.
Antes, porém, vi quando um deles retirou a câmara
e a colocou dentro de um saquinho.
Eu já podia me considerar uma criminosa. Sem
contar que, por minha causa, a Evy estaria bem
encrencada também.
Não, isso não está acontecendo!
Desespero me matando.
Naquela mesma madrugada pedi ao Kai para
me deixar no apê da Evy. Eu disse que preferia
dormir na casa da minha amiga, e ele concordou.
Juntas, minha cúmplice e eu, tínhamos de pensar
numa maneira de recuperar a minicâmara, mas
sabíamos que seria algo praticamente impossível.
Não tive nem tempo de contar o que tinha
acontecido ao Oscar. A gente precisava botar as
mãos naquela minicâmara ou estaríamos fritas.
Mas como faríamos isso? Ela estava com a
polícia. Não tinha como entrar na delegacia e dizer:
“Eu preciso da minicâmara que retiraram da boate,
vocês poderiam me emprestar?”.
Não. A gente estava lascada! Não fazíamos a
menor ideia, nem do local para onde o policial a
tinha levado.
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Diante disso eu falei para a Evy que teríamos


de fugir. A gente nem dormiu. Ficamos olhando o
ponteiro do relógio avançar vagarosamente para ela
sair na manhã seguinte e vender o anel.
Quando o sol nasceu, ela foi a um desses
lugares onde eles fazem qualquer negócio, e
procurou pelo cara com quem já tinha conversado e
conseguiu vender a jóia.
Graças a Deus eu tinha uma amiga como a
Evy, bem relacionada. Ela tinha amigos em todos
os lugares e conseguia uma “forcinha” para sair de
quase todas as situações.
Com aquele dinheiro, a gente daria o fora para
Londres e salvaria a Julie. Só havia mais um
problema, eu ainda não tinha conseguido falar com
o Oscar. E eu não poderia deixá-lo para trás. É
claro que não! Senão o pobre coitado estaria
condenado.
Ele não fazia ideia do que estava acontecendo.
Pra variar o celular dele só dava fora de área.
Infelizmente não conseguimos passagens para
viajar imediatamente. A Evy e eu ficamos
absolutamente em pânico, pensando que seríamos
presas a qualquer momento. Cogitamos até alugar
um jato particular, um barco... A Evy ficou um
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tempão ligando para seus contatos, mas


infelizmente não conseguiu ajuda dessa vez, porque
era algo que precisaria de tempo para resolver.
De carro não conseguiríamos atravessar
nenhuma fronteira, porque provavelmente estariam
com as nossas fotografias em alta definição, só
aguardando as duas trambiqueiras da boate.
Deus eu tinha feito algo muito ruim no passado
para merecer meus últimos meses!
A gente já tinha praticamente se entregado ao
nosso destino, e estávamos apenas aguardando a
polícia bater a nossa porta. Desespero nos matando.
Então, à tardinha, por telefone, o Kai me fez
ficar muito pior quando declarou que tinham
prendido a mulher.
− Como assim prenderam a mulher?
− Ora, prenderam a ratazana, mas infelizmente
não conseguiram encontrar o anel. Você não está
feliz? – O tom dele era estranho.
− Cla-claro! − disse me sentando para não cair.
O que estava acontecendo? O Kai disse que
tinham prendido a mulher? Mas que mulher? Não.
Alguma coisa não estava bem.
Depois disso, minha vida fodida ficou ainda
mais fodida, porque eu comecei a surtar, e a Evy
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também não ficou legal.


Quem era a mulher que eles tinham prendido?
Não havia uma ladra. Nós a inventamos. Então
quem estava presa? Não. Tudo era muito louco,
mas por enquanto era bom pra nós, embora
sofrêssemos sabendo que uma mulher estava presa,
respondendo às inúmeras perguntas sobre um crime
que não cometeu, apenas porque tinha a aparência
que eu inventei no banheiro da boate.
Então aquela câmara não gravou nada.
Provavelmente estava quebrada, porque, é claro
que se tivesse funcionando, eles teriam visto toda a
minha encenação.
Nossa que vergonha! Só de imaginar que a
polícia, o Dante e o Kai podiam ter visto aquela
doideira.
No dia seguinte, eu consegui falar com o Oscar
e o chamei ao apartamento para passar a maleta
com o dinheiro.
Meu padrasto texano sorriu bonito, tipo
hipnotizado.
− Eu não acredito! Eu passei os piores meses
da minha vida, por causa dessa merda de dinheiro,
e quando finalmente consigo a grana e passo para
você, um sorriso assim é a única coisa que eu
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recebo?
− Claro que não. Onde estou com a cabeça, não
é? – Então ele se aproximou e me abraçou.
Que abraço mais frio!
Onde estava o suspiro de alívio e aquele
“graças a Deus” emocionado? A euforia de saber
que estávamos livres daquelas ameaças? A
gratidão...
O Oscar era a pessoa mais esquisita do mundo.
− Obrigado.
Ele se afastou e saiu, sabe-se Deus quando o
veria novamente.
Meu padrasto quase nunca ficava em casa
comigo. Isso era tão estranho! Mas eu já estava
cansada de perguntar coisas que ele respondia com
má vontade, às vezes até com grosseria. Então eu
não ligava mais para isso. Provavelmente ele tinha
alguém, mas não queria falar sobre ela, por causa
da filha. Eu respeitava.
O texano marrento era um homem de boa
aparência − alto, magro, cabelos loiros lisos,
ligeiramente grisalhos, quarenta e oito anos, pele
clara e muito metido. Depois da morte da minha
mãe eu não me lembrava de tê-lo visto com
nenhuma mulher. Com certeza era isso. Ele queria
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se manter discreto.
Estranhei quando ele voltou à noite,
completamente embriagado, contrariando ordens
médicas, cantando e dizendo que eu estava livre.
− Nós estamos, não é, Oscar? Vê se toma jeito
agora! Ele gargalhou. − Tô falando sério! – Ele fez
cara de coisa alguma.
Insensível.
Bem, esta parte da minha vida tinha se
resolvido. Eu só não entendia por que ainda tinha a
sensação de que meus problemas não haviam se
acabado.
Meu padrasto dormiu no sofá, depois de beber
bastante, porém quando fui acordá-lo, ouvi seu
telefone vibrar.
Ele se mexeu, mas não acordou. Joguei meus
olhos no visor e vi o nome do Nathan.
Hã?
Peguei o aparelho e corri para o quarto.
− Alô! – Silêncio absoluto do outro lado. –
Nathan? Nathan é você? O que você quer com o
Oscar?
Ouvi sua respiração impaciente e depois ele
desligou na minha cara. Logo ouvi o bip de
mensagem, mas infelizmente o Oscar se aproximou
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e retirou o celular da minha mão.


− Que coisa feia!
Fingi de boba.
− O quêêê?
− Você atender o meu celular. E garanto que se
eu não chegasse aqui agora, iria bisbilhotar minha
mensagem também.
− Você estava dormindo. Pensei que fosse me
agradecer. Talvez fosse algo importante...
− Nunca mais pegue meu celular, entendeu? –
Balancei a cabeça, mas arrisquei:
− Só me responda uma coisa! Que tipo de
ligação você tem com o Nathan? – Silêncio
absoluto. − Você sempre soube de tudo, não é? Por
que nunca me disse? Você poderia ter me alertado!
– Ele já estava roxo. − Oscar você sabe muito bem
o que acontece quando se envolve com maus-
elementos... Diga-me que aprendeu esta lição!
Completamente descompensado, e ainda
bêbado, ele girou, me agarrou pelos ombros,
arfando ruidosamente, e me encarou como se fosse
me estrangular. Seus olhos me fuzilavam. Eram
olhos maldosos e absolutamente assustadores que
me intimidavam.
Dezenas de arrepios atravessaram meu corpo
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quando ele gritou:


− Quem você pensa que é pra falar assim
comigo? – Sacudiu-me como se eu fosse uma
boneca de pano.
Fechei meus olhos apavorados e me preparei
para o pior, porque estava completamente presa.
− Por Deus, Oscar! O que deu em você? Que
porcaria de reação é essa?
Ele continuou me sacudindo, até que, sem
controle algum, me esbofeteou duas vezes.
Eu gritei por socorro já sem forças.
− Alguém me ajude, por favor!
Então ele me empurrou na cama. Fugi para o
outro lado do quarto e fiquei encolhida. Ele deu as
costas, levou as mãos à cabeça e disse impaciente,
entredentes:
− Não se meta com o Nathan! Não fale com
ele, e, principalmente, não me pergunte mais nada!
Não se envolva em meus assuntos, senão... –
deixou a frase no ar, e, por fim, completou: −
Quanto menos você souber, melhor!
Juro que se eu pudesse não queria mais botar
os olhos naquele maluco, mas aquela situação era
curiosa demais. Eu tinha que saber que tipo de
assunto ligava àqueles dois. Eu queria respostas.
PERIGOSAS NACIONAIS

$$$

Eu soube do paradeiro do Nathan, meu ex-


namorado fugitivo, que tinha me deixado plantada
na suíte de um hotel, por acaso, numa dessas
coincidências que vivem acontecendo.
Foi no dia em que comecei a frequentar a casa
dos Müller, depois que o Kai me pediu em
casamento. E foi nesse dia também que descobri
que eles eram primos.
Quase tive um AVC quando o reconheci, na
fotografia, abraçado à Senhora Müller, e à mãe
dele, já falecida.
Quem me contou algumas coisas sobre ele foi a
Willa, irmãzinha do Kai, do jeito que contaram a
ela.
Segundo a menina, ele tinha “torcido pessoas.”.
A pobrezinha não sabia nem pronunciar, muito
menos o que era isso. Eu deduzi que ele tinha
extorquido pessoas.
É claro que o meu mundo caiu, e naquele dia
eu decidi esquecer que tinha conhecido aquele
idiota. Bem, pelo menos até que acontecesse algum
encontro, o que era meio improvável, já que ele
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cumpria pena.
Decidi também não falar sobre o Nathan com o
Kai, antes do casamento, porque não fazia ideia de
qual seria a reação dele, e eu não queria causar
constrangimentos e mal-entendidos entre a gente.

$$$

Ouvimos batidas na porta. Algum vizinho


provavelmente tinha escutado meus gritos e estava
ali para me ajudar.
Definitivamente o Oscar e o Nathan escondiam
alguma coisa sinistra, mas o quê meu Deus?
Provavelmente era algo ilegal ou ele não teria
perdido as estribeiras.
Eu disparei chorando:
− Vai pro inferno!
− Meta-se com a sua vida! − Oscar grunhiu.
− Bipolar!
Ele levou as mãos à cabeça novamente,
murmurou alguma coisa, que não entendi e saiu.
Berrei:
− Você é a pessoa mais estranha que eu
conheço!
− Obrigado! – Ele respondeu da sala.
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− Mal-agradecido! ​– Esgoelei.
− Obrigado de novo.
Ele berrou com o vizinho à porta:
− Vai cuidar da sua vida, velho gagá!
Depois que ele saiu, fui até a porta e pedi
desculpas ao Senhor Kendrick, que estava
preocupado e a ponto de chamar a polícia.
Mas eu não queria botar mais lenha na
fogueira, até porque eu iria me mudar, e juro que
queria distância do Oscar e da vida maluca dele.
Quando fechei a porta, respirei fundo e decidi
não deixar que aquele incidente atrapalhasse o meu
momento.
De qualquer forma, logo eu estaria longe do
Oscar e da vida maluca dele, mas eu não queria
deixar de ver a Julie. Confesso que ela era a minha
maior preocupação.
$$$

Quando a pequena Julie, com apenas cinco


anos, entrou em minha vida, eu tinha treze e estava
muito triste pela morte da minha mãe.
Naquela época, é claro, eu ainda não
compreendia as coisas da vida e não fazia ideia por
que o Oscar só a tinha levado para casa nessa idade.
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Mas eu agradecia a Deus todos os dias, porque


ela de certa forma preencheu o vazio deixado pela
minha mãe e ajudou-me a superar.
A gente se deu tão bem que eu a considerava
minha irmãzinha menor e a protegia de tudo, com a
ajuda da Consuelo, nossa empregada mexicana, de
anos.
Só mais tarde eu fiquei conjecturando e entendi
que, provavelmente, a Julie era filha do Oscar fora
do casamento, e por isso a gente não soube dela
antes.
Mas, às vezes eu ficava me perguntando, por
que só depois que a mamãe morreu ele a trouxe
para morar com a gente? E a mãe da menina?
Mas esse era um assunto terminantemente
proibido na casa. O Oscar quase me bateu quando
eu perguntei onde estava a mãe da garotinha.
Infelizmente, quando a Julie fez doze anos, o
Oscar cismou de mandá-la para Londres, contra a
vontade da garota. A gente se separou, mas
continuamos muito amigas, graças à internet.

$$$

− Grace, sua lerda, a gente tem que sair! O que


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deu em você? Estou te chamando há um tempão.


Não vai amarelar, hein? Não seja covarde!
Ai, seja o que Deus quiser!
− ♫Não está me ajudannndo! ♫ − digo tipo,
cantando. Então, despretensiosamente, olho para o
lado e juro que vejo o Nathan.
Minhas pernas estremecem.
− Grace você está linda, desencana! − A Julie
diz. − O Kai vai amar você ainda mais quando te
vir.
Ela está eufórica com tudo, e não sossega
desde ontem, quando chegou com o pai, que foi
buscá-la, depois de relutar muito, deixando-me com
a pulga atrás da orelha.
Eu fiquei para morrer quando ele disse que não
queria que a filha voltasse para casa, mas insisti,
porque, afinal, eu tinha feito tudo o que fiz por
causa dela, e não sossegaria enquanto não a visse sã
e salva, depois de tudo.
− Ai-Meu-Deus! Oscar, você tinha que ter me
dado algumas gotas daquele negócio que toma para
relaxar. Eu não vou conseguir! – Digo sem graça,
porque ainda estou muito magoada com ele, por
causa da nossa última discussão.
− Vai, nem que eu tenha que te carregar! − Ele
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diz entredentes. − Sem frescura, hein! − Arregalo


os olhos e coloco um pé pra fora da limusine.
− Todos para trás, por favor! Atrás do cordão...
− Um dos organizadores tenta manter os fotógrafos
afastados.
Alguém grita meu nome. Desvio meus olhos
rapidamente, e quando volto a olhar para o Nathan,
já não está mais lá.
Isso é a gota que faltava para eu me sentir
péssima.
Será que é ele mesmo? Não, aquele não pode
ser o Nathan. Ele está preso, não está?
Foco, Grace Kelly!
Tá certo que não era o casamento dos meus
sonhos, com um homem por quem eu me apaixonei
de um jeito normal, mas mergulhei de cabeça e
organizei como se fosse, junto com a senhora
Müller, é claro, porque não sou boa em organizar
festas.
O Kai queria algo íntimo e simples. Pediu
inclusive para não divulgar. Eu confesso que não
ligava para ostentação também, mas a minha sogra
queria uma festa bacana.
Então ela se empenhou, mas prometeu ao filho
que seria apenas uma cerimônia íntima, para
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família e alguns amigos mais chegados. Fiquei


surpresa quando vi os jornalistas.
Embora estivesse ali de uma forma não
tradicional, preciso confessar que me diverti muito.
Gostei pra valer de tudo que fizeram por mim. Até
ganhei uma festa de despedida de solteira, de
última hora, que aconteceu ontem pela manhã, na
piscina.
Eu não tinha pensado nisso, nem minhas
amigas, mas a mãe do Kai sim. Ela fez essa linda
surpresa e me fez chorar de emoção.
Antes disso, eu já andava emotiva, coração
mexido, sensível, porque, ainda que tivesse
decidido ficar com o Kai, inicialmente, por
dinheiro, esse não era mais o único motivo. Eu
tinha um carinho enorme por ele. Era capaz de
jurar. Meus sentimentos estavam confusos, mas
tinha certeza de que gostava mais dele a cada dia.
Por isso eu me perguntava todas as vezes que
sentia cosquinhas no estômago e trancos no
coração: será que estou aprendendo a amá-lo?
Portanto, acho que por mais inusitado que
fosse esse momento da minha vida, eu estava feliz.
Seria um acontecimento muito importante sim e
merecia ser lindo.
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Eu daria o meu melhor.


Kai fez questão de cuidar de toda a parte
financeira e burocrática. Acredito que ele concluiu
que o Oscar não conseguiria arcar com despesas tão
altas, afinal se tratava do casamento de um Müller.
E ele estava certo, tampouco eu, com o salário
que recebia da Rose Spiegelman, a artista plástica,
amiga da senhora Müller. Ainda mais porque com
toda a correria, devido aos preparativos, não tinha
conseguido pintar mais nada.
Encomendei um vestido lindo da Carolina
Hidelbrand, com direito a véu e tiara de princesa.
Fiz tudo como mandava o figurino, sem
economizar, conforme o Kai tinha pedido,
principalmente por causa da família dele.

$$$

Ouço vozes nervosas e gritos. Os fotógrafos


quase se estapeiam por um lugar melhor. Este é um
momento que não gosto. No dia seguinte minha
foto estaria estampada em todos os jornais da
cidade. Não sei ainda o que pensar disso.
O Oscar, atrevido, chamou a imprensa
contrariando às ordens do Kai. Meu padrasto
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sempre contraria as pessoas. Não entendo porque


ele faz isso.
O Oscar é um espetaculoso. Fala sério!
Porém, a imprensa não podia passar do portão.
Ainda bem.
Duas moças erguem o véu e o carregam.
Um homem vestido a caráter segura um imenso
guarda-chuvas, que mais parece uma barraca de
camping, e nos conduz pela trilha de pedras que vai
para a casa, de onde sairei para me encontrar com o
Kai, que espera sob a tenda.
A Julie não me larga.
Paro e seguro seus ombros.
− Entra e senta num dos bancos reservados
para a minha família, está bem?
− Pode deixar. Arrasa viu! − Ela diz e me dá
um beijo no rosto.
Quando chego à porta, que está fechada, eu
paro e espero que arrumem meu véu quilométrico.
O buquê de rosas brancas é colocado em uma
das minhas mãos trêmulas, ao mesmo tempo em
que a maquiadora pede para dar um retoque no
blush.
Respiro fundo e sorrio para todos os lados.
Por favor, por favor, por favor. Que eu não
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tenha um piripaque!
Oscar, com o seu jeitão texano, esnobe,
enrosca seu braço no meu de repente, fica
misterioso e me aborrece com seus comentários que
mais parecem charadas.
− Você conseguiu sortuda. Garota esperta.
Viu? Não precisa de amor nenhum. A gente só
precisa de dinheiro nessa vida. Mas, olha, apesar de
tudo desejo o seu bem. − Esse “apesar e tudo” me
incomoda. Ele continua com suas falas chatas,
repetitivas, enigmáticas e sem noção: − Promete
que você vai ficar bem depois dessa! Promete que
não vai se esquecer de mim e da Julie! Seja
generosa, viu? Porque se não fosse por mim...
− Por você? − Reviro os olhos, mas respiro
fundo e tento me concentrar. Recuso-me a ouvir
mais abobrinhas, porém ele insiste nesse assunto
que me deixa irritada.
− Sim por mim. Não se esqueça de que foi por
minha causa que acabou agarrando esse pote de
ouro.
− Rá, pote de ouro? Oscar, você só pensa em
dinheiro?
− Não existe nada melhor. Presta atenção, se
fizer tudo direitinho, dentro de mais ou menos um
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ano você poderá jogar esse casamento por alto, aí a


gente dá o fora desse país. Que tal a terra da
rainha? Com a mesada que o seu marido vai te dar,
você poderá fazer uma excelente poupança. O que
você acha? Quer morar lá?
− Ooscarrrr! Cala essa merda dessa boca! –
Sussurro possessa. Eu ainda estou fula com ele.
Ele resfolega irritado, mas continua
sussurrando:
− Escuta! Independente do que aconteceu, da
forma como aconteceu e do que ainda pode
acontecer, de como chegamos até aqui, precisa
colocar na sua cabeça que você é uma vitoriosa.
− Fala sério, vitoriosa? Você ainda não
entendeu que eu odiei o que tive de fazer? Esquece!
Essa não é a hora para termos essa conversa. – Ele
inclina um pouco mais e sussurra:
− Odiou? Acho que nem tanto. Eu percebi que
você se divertiu muito, todos os fins de semana −
cinema, bons restaurantes, passeios de iate, clube...
− Ah você não sabe de nada! Não tem a menor
ideia do que eu senti. Não foi você que precisou
mentir e enganar as pessoas.
− No final das contas, de uma maneira torta,
tudo acabou bem, e aqui está você se casando com
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um cara que pode mudar o nosso futuro. Grace,


minha querida, você pode não acreditar, mas me
preocupo muito com você. – Busco ar. Estou a
ponto de sair correndo. − Espero que esse ano passe
logo, porque não quero te ver casada com esse
imbecil do Kai Müller, por muito tempo. A gente
merece ser feliz. Vamos para os alpes suíços, no
inverno, para Londres. Você escolhe. Quem sabe a
Itália? Espanha? Portugal? Quer tranquilidade?
Portugal é perfeito.
− Shhhh, já chega!
− Ah deixa de ser fresca! – Ele esbraveja
comigo e continua: − Faça o que tem de ser feito.
Tira tudo que puder dele! Precisamos de muito para
nos estabelecer em algum lugar da Europa.
− Oscar, não fica me falando isso! Não gosto.
O Kai é um cara legal. Não merece. Além do mais
eu... − Ele me interrompe.
− Não vai me dizer que se apaixonou por esse
trouxa! Não complica tudo com sentimentalismo!
Tira tudo dele e depois a gente arranja outro idiota,
lesado. Os velhos gagás são ainda melhores, porque
morrem rápido.
− Ficou maluco?! Você às vezes me assusta
sabia? Alias, você tá me assutando o tempo todo! O
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Kai não é nenhum trouxa. Ele me ama. Como pode


dizer isso? Nem o conhece direito! Além do mais
não pretendo me separar dele!
− Urgh... Esquece! Mmmm sabe quando volta
do cruzeiro?
− Já disse, não sei nada desse assunto. Nem sei
onde vou morar. O Kai disse que é surpresa.
− É um babaca mesmo! − Emito um som de
impaciência, então ele diz: − Tranquila. Respira
fundo e vê se não vai dar mancada, sua lerda!
Quase choro pela sua frieza e grosseria. Como
ele pode ser tão grosso comigo, depois de tudo!
Juro que se não estivéssemos ali, o colocaria no
lugar dele, mas não resisto e sussurro com cuidado:
− Escuta, a sua filha só está aqui por causa
dele. Embora ele não saiba disso. Se não fosse pelo
dinheiro do anel que ele me deu, e que eu fui
obrigada a vender, nós dois estaríamos lascados, e a
Julie... Bem, talvez ela não estivesse aqui hoje.
Cala a sua boca!
Ele ri.
Mas que tipo de pai ri de uma coisa dessas?
Eu estou furiosa.
Urgh!
Eu quero fechar os olhos e acordar em minha
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cama, no duplex, e constatar que tudo não passou


de um pesadelo. Que aquele dia que o Oscar
chegou todo machucado não aconteceu de verdade.
Então, por um segundo ou dois,
inevitavelmente, eu volto no tempo e me lembro
daquele acontecimento que bagunçou a minha vida.
Para mim, a vida financeira do Oscar ia bem.
Na verdade meu padrasto nunca falava de seus
negócios. Eu sabia que ele proprietário de muitas
coisas, e Jamais o tinha ouvido reclamar, aliás, ele
era extremamente arrogante e dono de si, mas
naquela manhã ele apareceu, após dias de sumiço,
quase irreconhecível, com aquele papo tenso de que
estava ferrado, falido e em maus-lençóis, e que um
agiota, barra pesada, tinha feito aquilo com ele. Era
apenas um aviso. E só pra me fazer entender bem
com quem ele estava lidando, disse que o seu sócio
estava desaparecido, provavelmente com a boca
cheia de formigas, em algum canto da cidade.
Eu fiquei ouvindo aquele desabafo
emocionado, boquiaberta.
Aí ficha caiu.
− Hã? Mas que negócio é esse? Por que se
meteu com um... Um agiota? Oscar, não me diga
que... Deuuus, a gente já era!
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− É o que estou tentando te dizer, sua lenta!


− Tá tentando me dizer mais não explicou nada
até agora, grosso! – Ele fechou a cara, mas acabou
relaxando. Ele tinha que baixar a bola, porque
provavelmente estava abrindo o jogo comigo a fim
de conseguir algum favor meu. − Em que tipo de
negócios você está metido? Por Deus! Eu... Eu...
Puxa você acabou de me deixar em pânico!
− Você precisa se acalmar! Eu vou conseguir
sair dessa. Vamos pensar... – Deu as costas com a
mão na testa, como se escolhesse as palavras certas.
Interrompi.
− Tá, mas o que foi que você fez? Por que está
metido com essas pessoas, Oscar? Eles podiam ter
te matado! Deixe-me ver!
Meu padrasto deu as costas e se afastou.
− Estou muito arrependido, Grace!
Virou-se, com o semblante já mudado e os
olhos no chão.
− Agora não adianta... No que exatamente você
se meteu?
− Eu joguei. Aliás, eu venho jogando há anos
e… perdendo. Eu não tenho mais nada. Todos os
meus bens já foram vendidos. Agora só temos... –
Franzi a testa. Ele jogou os olhos em mim, para ver
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minha reação –, este duplex, mas ele é seu. Será


que você poderia me ajudar nessa?
Sacudi a cabeça.
− Quê? Nãããooo! É o meu apartamento, meu
lar... Aliás, nosso lar. Sem chance!
− Eu sabia que não podia contar com você,
egoísta!
− Eu não sou egoísta. É que se trata da minha
casa, e eu só tenho ela. Oscar, que situação! Por
que nunca me contou? Talvez eu tivesse ajudado de
outra forma. O que ganho não é muito, mas a gente
poderia tentar levantar essa grana.
− Grace a gente nunca conseguiria. Estamos
falando de milhões de dólares e… E o que você
ganha com a venda dos seus quadros...
Interrompi:
− É eu sei que é muito pouco, mas...
Ele abaixou os olhos novamente tipo derrotado
e respirou fundo − parecia chorar.
Mas esse não era o Oscar.
Aquilo tudo estava muito estranho. Era como
se meu padrasto estivesse atuando, mas eu não
podia afirmar.
Depois de fungar, limpar os olhos e fazer cara
de coitado, ele disparou que tinha medo do que
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pudessem fazer à filha.


Aí ele conseguiu minha total atenção e eu
compartilhei de sua aflição, de verdade.
− Estou desesperado Grace. O agiota já avisou
que se eu não começar a pagar o que devo, vai
matar a Julie e vai vir para cima de você.
− Hã?! − Uma tontura quase me derrubou. –
Pra cima de mim?
− Eu sei. Eu sei o que está pensando. Desculpa
Grace. Se concordar em me ajudar, bem, se assinar
uma procuração me dando plenos poderes para
negociar a venda do duplex, usarei o dinheiro para
acalmar os ânimos e conseguir mais algum prazo.
Não sei mais o que fazer. Eu não tinha percebido
que tinha ido tão longe.
− Deus! – Levei a mão à cabeça, totalmente
abatida. − Para com isso Oscar! Por favor, vamos
pensar! – Comecei a dar voltas pelo quarto. A mão
nervosa coçando a cabeça. Puxa vida foi por isso
que demitiu a Consuelo? A coitadinha foi embora
sem entender nada. – Ele assentiu.
Era uma situação complicada, porque aquele
duplex era o único bem que eu possuía − herança
dos meus pais. Seria difícil me desfazer de algo tão
importante e significativo, afinal eu tinha crescido
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naquele apartamento. Mas, a situação que o meu


padrasto tinha exposto era uma questão de vida ou
morte.
Então declarei decidida:
− Ei... Olhe pra mim! A gente se vira. Fazemos
isso que sugeriu e arranjamos dinheiro emprestado
para o restante. Eu vou te ajudar. Pelo amor de
Deus, vamos pensar com calma! Eu trabalho mais,
tento levantar algum dinheiro em meu nome,
também posso conseguir uma soma com os meus
amigos...
Então meu padrasto respondeu chorando, quase
berrando, obrigando-me a recuar:
− Grace Kelly, não seria suficiente! E quanto a
mim, nenhum banco, nenhuma financeira, nenhum
amigo, ninguém, NEM DEUS, me emprestaria
mais dinheiro. Eu fodi com tudo. Estou nessa
merda toda há anos, atolado até o pescoço. Essa
dívida já é uma bola de neve maior do que eu e
quer me esmagar. Estou liquidado. Estou nas mãos
deles. Esses vermes já começaram a me intimidar.
Olha só o estado em que me deixaram!
Eu nunca tinha visto o Oscar tão desesperado.
Aquele definitivamente não parecia ele.
− Não pode ser Oscar! Por que foi tão longe? −
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Perguntei com o coração sangrando. Eu tremia de


pavor.
Ele abaixou a cabeça de repente.
− Eu fui um fraco. Joguei muito. Apostei o que
tinha e o que não tinha.
− Deus, Oscar, eu nunca soube que você
jogava. Você nunca pensou na gente? Na sua filha
verdadeira, principalmente?
− Eu nunca pensava que perderia. Para um
jogador a próxima cartada sempre será à volta por
cima. Desculpe-me por deixar você nessa situação
Grace. Eu sei o quanto este apartamento significa
para você.
Eu fiquei em pânico e dei as costas. Meu rosto
provavelmente ficou todo enrugado. Eu quis chorar
muito, quis gritar, porque pelo jeito a nossa vida
viraria de cabeça para baixo. Deus, eu perderia a
minha casa, meu porto seguro!
Mas eu tinha que me desapegar. Precisava ser
forte para tentar ajudá-lo. Uma casa era só uma
casa. Era um bem material, e a venda dela ajudaria
a salvar a nossa pele. Talvez não conseguíssemos
resolver a situação toda de uma vez, mas
teoricamente nos daria algum prazo para
planejarmos nosso próximo passo, talvez
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denunciar.
Milhares de coisas passaram pela minha cabeça
naquele momento. Tinha que haver uma saída.
Então uma luz se acendeu.
− Oscar, o Nathan! O Nathan é rico, e ele gosta
de mim. Gosta muito. Certamente ele vai ajudar a
gente... – Abaixei os olhos, já desanimada –, se eu
conseguisse falar com ele.
Meu padrasto arregalou os olhos. Foi como se
eu tivesse cutucado a sua ferida, porque ele ficou
muito incomodado.
− Vai sonhando! Quanto tempo tem que
aquele maluco não aparece por aqui?
− Você falou de um jeito estranho. O que
houve entre vocês? Sabe onde ele está? Diga-me, se
souber, porque ele pode nos ajudar.
− Não seja ridícula, por que eu saberia algo
sobre ele? E, sobre a grana... Um homem só faria
algo desse tipo por uma mulher se ele a amasse, e,
ao contrário do que pensa, o Nathan só ama a ele
mesmo.
− Você fala como se o conhecesse.
− Não viaja, só pensa! Se aquele perded… Se
ele te amasse já teria feito uma proposta, afinal
estão enrolados há um tempão. – Ele deu as costas.
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Tive a impressão de vê-lo sorrindo. Fiquei cismada.


− Tá, sobre isso, ele me pediu em casamento da
última vez em que apareceu, fique você sabendo!
Porém, os negócios dele o afastaram de mim bem
na hora em que ele ia colocar o anel em meu dedo.
− Rá, rá, rá, eu não disse?
− Ok, concordo que foi estranho. A gente tinha
planejado uma noite perfeita, que começou com um
voo panorâmico de helicóptero, depois jantamos
num hotel tipo mil estrelas, e aí você pode imaginar
o que faríamos em seguida.
− Me poupe dos detalhes.
− Tá, só que quando chegamos à suíte e rolou a
tal proposta, ele recebeu um telefonema, que o
deixou em pânico, e praticamente fugiu. E depois
disso não nos falamos mais. Ele evaporou.
Meu padrasto riu de maneira sinistra.
− Grace, não desenterra esse defunto, ok?
Deixe-o enterrado onde está.
− Charadas, metáforas, odeio isso!
Ele coçou a cabeça, suspirou pesado e
despistou como pôde.
− Não quero mais falar desse imbecil.

$$$
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Eu volto à realidade quando ouço uma música.


A porta se abre e as minhas madrinhas entram.
Minhas quatro amigas, todas solteiras, ficam
posicionadas bem perto dos padrinhos e do noivo,
que está sério.
Na verdade o Kai ficou com o semblante triste
desde aquela crise. Confesso que até hoje não sei o
porquê daquele momento dele. Quase morri de
aflição, pois parecia que ele estava com raiva de
mim. Depois ele explicou que era coisa dele, e eu
deixei pra lá. Ainda bem que se recuperou, porque
fiquei preocupada com ele de verdade.
Ergo os olhos e busco mais ar antes de
caminhar até meu destino.
Logo ouço a marcha nupcial e todos se voltam
para mim. Eu sou o centro das atenções. Nessa hora
tantas coisas vêm a minha cabeça, a mamãe, por
exemplo.
Tento focar na cerimônia e sorrio um pouco.
− Ouviu? − Oscar me cutuca.
− Hã, o quêêê?! – Pergunto, forçando um
sorriso, olhando disfarçadamente para o fotógrafo,
que se prepara para espocar o flash.
− Faça tudo direitinho e a gente vai ficar bem.
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− Oscar, pare de falar sobre isso!


− Deixa de ser fresca!
− Então pare de falar!
− Tá certo. Pissss, presta atenção! A gente já
está quase lá.
Então novamente tenho a impressão de ver o
Nathan. Isso me desconcentra tanto que paro.
− Parou por quê?
Fecho os olhos e respiro fundo. Eu sinto como
se não houvesse ar suficiente para mim naquele
lugar.
− Estou nervosa por sua causa... – desabafo –
Merda, pra piorar acho que vi um fantasma que
jamais imaginei que veria aqui!
− Você está certa. Ele está aqui, mas se
concentra!
− O que o Nathan está fazendo aqui? Ele não
estava preso?
− Infelizmente esse maluco drogado conseguiu
fugir. Está aqui pessoalmente para me perturbar.
− O que você quer dizer com isso? Que tipo de
negócio você tem com o Nathan, Oscar? Eu juro
que você não vai fugir desse assunto. Mais cedo ou
mais tarde vai ter que me contar tudo.
− Mais tarde então. Vai, vai, vai!
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− Fala agora!
− Não é o momento, as pessoas estão olhando
− ele diz sorrindo, entredentes.
− Agora!
− Prometo que te conto na primeira
oportunidade, mas agora não dá.
As dezenas de pessoas sorriem quando passo.
Retribuo agradecida. É evidente que aquilo é
emocionante. Por isso me sinto muito tocada, mas
também estou mexida com presença do Nathan −
não de forma romântica. Na verdade estou em
pânico pelo que talvez ele possa fazer.
Vejo que as pessoas observam-no, curiosas −
algumas até saem de perto −, provavelmente
amedrontadas.
Deus, como eu não percebi antes? Ele é
intimidador! Pensando melhor, acho que era por
isso que eu não lhe perguntava as coisas. Juro que
depois do que descobri me questionei inúmeras
vezes sobre o que vi nele, por que insisti com ele.
Merda, o que o Nathan quer aqui? Caramba,
ele não poderia ter ficado mais uns dias preso?
Que saber? Foda-se Nathan!
Desvio meus olhos.
A euforia quase me sufoca quando olho para o
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Kai. Então do nada lágrimas começam a forçar


passagem. Estou confusa demais sobre tudo e não
faço ideia do que estou sentindo, porque é um
sentimento novo e absolutamente diferente de tudo
que já senti, mas certamente é bom.
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Três
Kai

Encontro-me com minha noiva sorridente,


como tinha ensaiado, e lhe dou um beijo na testa.
Desvio os olhos e vejo que todos sorriem. Porra
parece contagioso! Olho rapidamente para minha
mãe e percebo que chora.
A Willa acena incansavelmente, e o meu pai
apenas observa.
Vejo o Nathan perto da porta e tenho um
pressentimento ruim.
Como ele conseguiu sair da cadeia? Teria
fugido, ou conseguido um indulto? Merda, talvez
os problemas fossem recomeçar. Pobre mamãe!
Será que já o tinha visto?
Nathan é a sua cruz. A razão de todas as suas
preocupações. É o filho único da tia Agatha, irmã
dela que morreu e deixou esse abacaxi espinhoso
para nossa família descascar.
Tudo bem, se ele fosse um cara normal, mas
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Nathan sempre foi problemático − um mau-caráter.


Meu pai já tinha tentando colocá-lo na linha,
inúmeras vezes, mas meu primo sempre trilhou o
caminho errado. Extorções, pequenos furtos,
tráfico, lavagem de dinheiro…
Olho uma última vez para Susan, ao lado do
meu pai, e percebo que limpa os olhos com um
lenço. Aquilo me deixa intrigado. Eu tinha que ter
me amarrado era nela que me ama de verdade, mas
meu coração resolveu fazer as coisas do jeito dele.
Depois de olhar para todos da minha família,
acomodados na primeira fileira, fito a Grace que
não deixa de sorrir em nenhum momento. A
impressão que tenho é de que congelou o sorriso
forçado. Boa atriz.
Atuo também.
− Você está linda! – Digo sem sorrir.
Ela olha pra baixo como se ficasse
envergonhada, depois ergue os olhos e responde
que eu também estou lindo.
Chega de bajulação, vamos ao que interessa!
Aquela cerimônia falsa transcorre como todas
as verdadeiras. Para mim longa e cansativa, mas o
padreco, o Mitch, está com a corda toda e fala pra
caramba.
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Olho enviesado. Quero que ele desconfie, mas


ele quer dar o seu melhor. Ele é realmente um bom
ator. Sorrio.
Depois do seu lindo e cansativo sermão, o
sacerdote de araque abençoa as alianças, aí é a vez
dos votos.
Deus, eu custei a fazer isso! Acho que demorei
noites pensando no que deveria escrever para ela.
Tantas coisas lindas vieram a minha cabeça, mas
eram coisas que eu diria antes de descobrir o que
ela queria de mim.
Porém, eu precisava escrever algo. Os malditos
votos tinham de sair da minha boca de qualquer
jeito! Mas fracassei porque sempre pensava nas
mesmas coisas − era o que eu queria dizer.
Infelizmente não consegui escrever nada, por
isso usei um trecho do livro O Casamento, do
Nickolas Sparks, que um dia minha mãe tinha lido
para mim, e acho que saiu a contento.
Todos suspiraram.
Eu virei para ela e a encarei.
− “Acabei entendendo que amar é mais do que
resmungar três palavrinhas, antes de dormir. O
amor é sustentado por ações, pela constante
dedicação às coisas que um faz pelo outro,
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diariamente.”.
Ela engole em seco e abaixa os olhos.
Ela está emocionada? Boa tentativa!
Depois disso ela respira fundo, segura minhas
mãos e diz os votos dela olhando em meus olhos.
− A gente se conheceu de uma forma tão
inusitada que até hoje eu mal consigo acreditar.
Você apareceu em minha vida quando eu estava
assustada, frágil, machucada e sem esperanças, e
conseguiu me curar com o seu amor... Ah sua
fingida! Chegou de mansinho e foi conquistando
aos poucos cada pedaço do meu coração. Hoje,
aqui ao seu lado, posso confessar que nem em meus
melhores sonhos senti tamanha felicidade.
Ela é ousada. Merece um troféu pela sua
atuação.
Um filho da puta qualquer dá uma gargalhada e
causa buchichos.
Olho para trás, mas não consigo ver quem riu.
Na verdade todos tentam ver quem teria feito uma
grosseria daquela.
Pelo jeito não sou o único que acha a noiva
ousada e falsa.
Alguns minutos depois, o padre fajuto faz a tão
famosa pergunta.
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− Se alguém aqui for contra essa união, que


fale agora ou se cale para sempre!
Percebo que Grace crispa e tenta se virar, mas
por algum motivo ela desiste e fica olhando para
baixo.
Está ansiosa.
Será que ela acredita que alguém possa impedir
o casamento?
Sou obrigado o rir um pouco.
Como ninguém atrapalha seus planos, ela olha
para o sacerdote pirata, que está se segurando para
não rir, e relaxa um pouco.
Percebo que ela estranha.
Olho para o Mitch e torço a cara.
− Tudo bem meu amor? − Pergunto só para me
divertir com a resposta desconcertada dela.
− Tá. Tá tudo bem sim – ela diz com cara de
dúvida, olhando para o Mitch.
Estou certo. Ela sabe que alguém ali pode
atrapalhar seus planos, mas isso não acontece.
Quem seria o sujeito? Confesso que sinto uma
comichão e fico inquieto.
Porra, estou morto de ciúmes!
Seria um apaixonado por ela? Um ex-amor?
Disso não gosto.
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Por fim, o padre Mitch, já concentrado,


pergunta se ela me aceita como marido e bla-blá-
blá.
Ela diz rapidamente que sim e olha para mim,
sorrindo.
Agora é a minha vez.
Mas, um nó se forma em minha garganta, e,
momentaneamente, eu titubeio.
A Grace arregala os olhos ansiosos.
O celebrante pigarreia e repete a pergunta.
Ainda me sinto travado.
Um burburinho é ouvido ao fundo, e o padre
fictício, Mitch, suando, com mil rugas na testa,
repete a pergunta uma última vez, pigarreando
insistentemente para que eu desconfie.
Encaro a Grace, e é como se as pessoas
desaparecessem. Vejo apenas ela em minha frente,
com seus olhos brilhando pelas lágrimas de pavor.
Balanço a cabeça e respondo rápido:
− Sim.
Sou capaz de ouvir um grito vindo do meu
coração, e consigo sentir também o coração da
Grace disparado. Na verdade pareceu-me que todos
os presentes soltaram um suspiro de alívio, até o
Mitch.
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Minutos depois assinamos a papelada, ao som


de uma música linda, do Lionel Richie, “Endless
Love” − que acho exageradíssima para a nossa
situação −, e em seguida saímos.
É claro que aquela lengalenga toda ainda
demorou, porque os convidados fizeram uma fila
gigantesca para nos cumprimentar.
Quando chega a vez do Dante, ao me abraçar, a
gente fala baixinho sobre o fantasma que resolveu
aparecer.
− Viu quem está aí? – Pergunto.
− Eu vi, cara. Como ele conseguiu sair?
− Não faço ideia. Deve ter fugido. Espero que
não cause problemas.
− Também espero. Que ele fique bem longe da
minha boate. Mmmm, Kai, e a Grace? O que
pretende fazer? Não entendi por que se casou,
depois de tudo que houve, daquela maluquice.
− Não tivemos tempo de conversar – declarei,
baixinho. − Eu preciso contar mais coisas para
você, amigão, mas não agora. Depois, quando tudo
terminar a gente se encontra, e eu te conto tudo.
− O que foi que você fez, hein?
Eu rio.
− Tomei algumas decisões, mas conto com
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calma depois. O desfecho não vai demorar.


− Que mistério!
Fiquei rindo e olhando ao redor. Era perigoso
falar sobre aquele assunto naquele momento.
− A gente se fala depois.
Ele dá uns tapinhas em meu ombro e diz
sorrindo:
− Certo, Senhor Müller. Agora o senhor jogará
no time dos casados, no meu time.
Gargalho.
− Não por muito tempo.
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Quatro

Grace

Geralmente a primeira dança é dos noivos.


Não na minha festa. O noivo preferiu tomar um
uísque com os amigos primeiro. O Kai está
esquisito.
Fico magoada.
Depois de dançar com o meu sogro e com o
Oscar, que falou sem parar, mas não explicou a
relação dele com o Nathan, aí sim é a vez do Kai.
Ele se aproxima com um olhar penetrante,
intenso, e me segura firme.
Não sei explicar o que vejo em seus olhos, mas
não é alegria.
Resfolego frustrada.
Ele me aperta mais, aproxima a boca do meu
ouvido e arfa.
A minha libido grita.
A Mágoa desaparece.
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− Feliz?! – Ele pergunta.


Por um momento hesito. O tom dele é
diferente.
É seco.
É rude.
É o tom de quem exclama e pergunta ao
mesmo tempo. Sarcasmo corre em suas veias.
− Claro que estou.
Mas não posso negar que também estou
apreensiva, amedrontada, insegura...
Os amigos do Kai o puxam. Ele ergue as duas
mãos como se quisesse dizer “desculpe preciso ir”,
e me lança um olhar devasso.
Os olhares dele me deixam arrepiada.
− Até mais, esposa!
Esse tom!
Minha cabeça quer doer.
Olho ao redor à procura da Julie e vejo que ela
está conversando com a Willa.
Tento encontrar a Evy, minha melhor amiga e a
única que sabe de toda a verdade, mas ela está com
as outras, observando à festa.
Quase tenho um treco quando vejo a última
pessoa da face da terra que queria ver, vindo em
minha direção.
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− Dança comigo? − Mordo o lábio, toda sem


graça, mas estendo a mão e o acompanho pelo
salão.
Não é boa ideia, porque ele é péssimo
dançarino. Na verdade ele parece estar meio
drogado, tanto que atrai a atenção de todos, até do
Oscar. Sem contar que o Kai não para de nos
encarar. Então, do nada, meu padrasto dá uma de
doido e tenta tirar o Nathan de perto de mim.
− Você perdeu a noção do perigo? Tá maluco?
Dá o fora daqui, agora!
Meu ex o encara e o desafia, sussurrando:
− Você e mais quantos vão me tirar? − O clima
é tenso entre os dois. O Oscar segura o Nathan, que
puxa o braço ameaçando: – Vaza, ou não respondo
por mim! Você sabe que posso abrir o verbo...
Meu padrasto recua.
Agora eu tenho certeza de que os dois têm
alguma ligação errada.
Juro, relutei. Na verdade, não queria acreditar
nisso, mas está óbvio demais.
− Não está falando sério. Vai dar um tiro no
próprio pé?
− Não tenho medo. Já fiz coisa pior – o Nathan
desafia.
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Meu padrasto estufa o peito.


Continuo sem entender.
Mas que merda, quantas charadas! O que está
acontecendo?
− Nathan, Oscar, parem com isso!
Meu padrasto, possesso, fuzila o Nathan. Olho
ao redor e percebo que algumas pessoas já nos
observam.
− Por favor, as pessoas estão observando. Não
quero um escândalo na minha festa!
Contrariado, o Oscar sai pisando duro.
Acompanho-o com os olhos e vejo que se dirige à
porta.
A Julie o segue, mas ele grita para ela o deixar
em paz.
A menina corre chorosa.
Preocupada, ameaço segui-la, mas o Nathan me
segura firme.
− Fica aqui! Tem razão. Hoje é um dia
especial. Não vou aborrecê-la com os nossos
assuntos – o Nathan dispara.
Algumas rugas se formam em minha testa.
− Que tipo de assunto você e o Oscar têm em
comum? − A gente desliza desengonçado. Ele não
diz nada. − Eu não entendo... Por que está aqui? −
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Ele me ouve e faz uma cara estranha. Eu desabafo:


− Juro que fiquei com medo de que fizesse alguma
loucura.
− Hehehe, tipo interromper o casamento?
− É. Algo assim.
− Fala sério! E por que eu faria isso?
Ele resmunga algo que não eu entendo − como
se quisesse falar apenas para ele.
− Que foi que você disse?
− Apenas pensei alto. Foi mal.
− Você é um imbecil!
− Olhaaaa, sem ofensas. Mas, me diga uma
coisa… Queria que eu interrompesse o casório?
Seu coração ainda treme por mim?
− Nããão! É claro que não! É que... Por que
apareceu só agora? – Abaixei os olhos, mas com
coragem olhei para ele de novo e declarei: − Na
verdade depois que soube da sua ficha, acabei
agradecendo a Deus por você ter desaparecido. Foi
melhor assim.
− Ah não exagera! A gente não tinha
compromisso sério, ou tinha?
− Seu grosso, mentiroso, aproveitador! Ainda
bem que a gente não... − Afasto-me dele. – Eu
gostava de você, sabia? Ah esquece! É tão
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embaraçoso! − Porém não resisto e solto o verbo. −


Eu não merecia nem uma explicação? Um
telefonema? Até os presos têm direito a uma
ligação.
− Gata, foi mal! Não sabia que fazia tanta
questão dessas formalidades. − Ele me segura pelo
braço quando ameaço largá-lo na pista. − Pensei
que o Oscar te daria a notícia. Sabe que ele é meu
advogado, não sabe? Além disso, temos uma
relação estreita, alguns amigos em comum e...
− Por que não abre o jogo Nathan? Que tipo
relação o meu padrasto tem com você? Fala a
verdade! Ele também é bandido?
− Shhhhhhh, porra! Ninguém precisa saber do
que estamos falando. Se fizer um escândalo pode
atrair a atenção das pessoas e eu quero ficar
discreto. Eu já disse, ele é meu advogado − ele diz
arrastando a fala. Está visivelmente drogado.
Olho para o Kai, que observa com cara de
poucos amigos. Ele ameaça vir até nós, mas o
Dante o segura.
− Está certo. Não vamos falar sobre isso aqui.
− Nem aqui nem em lugar nenhum. Minha
relação e meus negócios com o Oscar, são assuntos
delicados, que só dizem respeito a nós. Mas, se
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quiser matar a saudade, juro que te levo naquele


hotel para terminarmos o que começamos. Não
pense que me esqueci. Só não apareci antes por
motivo de força maior − ele ri e me aperta.
Empurro-o levemente, tentando ser discreta.
− Vai sonhando! Agora, como pode perceber,
já estou em outra. E por falar nisso, ele está
olhando muito pra cá. Coincidência né? Fui me
apaixonar pelo seu primo.
− Apaixonar uma ova! Eu sei de tudo. Sei de
todos os detalhes e eu...
Fecho a cara.
Que ódio! Eu vou matar o Oscar!
− Não termina o que ia falar! Não é assunto
seu!
− No final das contas a gente é igualzinho.
− Uma vírgula – digo irritada.
− É tudo pela grana. Negócios, gata.
− Que parar de dizer que o que faz é um
negócio! Eu já sei o que você faz, seu... seu...
Nathan estala a língua e me encara impaciente.
− Não me julgue, você também não é um poço
de virtude.
− Deus, onde estava com a cabeça que não
percebi que tipo de homem é você? Eu vou matar o
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Oscar, por ter dado com língua nos dentes. Escuta


aqui, eu não sou como você. Fiz o que fiz por causa
chantagem, ameaças cruéis, mas você já sabe disso
– sussurro entredentes.
− Isso é só um detalhe. Acho que no fundo
acabou gostando, senão teria rompido o
compromisso quando conseguiu o restante da
grana. É mais esperta do que eu pensei.
− Mau-elemento! − Eu digo baixinho.
− Pelo jeito você gosta é dos imbecis, tipo o
meu primo, porque deles pode arrancar dinheiro. É
uma vigaristazinha! Uma vigarista linda − a pior
espécie, a mais perigosa.
− Lava a boca para falar de mim! Você não me
conhece! Não sabe pelo que passei. − Penso por
alguns segundos e decido acabar logo com aquela
conversa perigosa, porque se alguém ouvisse não
pegaria nada bem. E até eu explicar o inexplicável,
as coisas poderiam ficar bem tensas. − Já chega
Nathan! Vê se me esquece! Me deixa em paz! A
gente não tem de se falar mais!
Ameaço sair, mas novamente ele me segura e
cutuca.
− Você me surpreende sabia? ​– Fuzilo-o com
os olhos. Que porcaria de declaração é essa? Ele
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emenda: − Ludibriou o meu primo com aquela


história do anel e resolveu o seu problema. Muito
bem. Não precisava se casar, mas se casou. Ainda
pensa em arrancar muito dinheiro do perdedor do
Kai? Confesso que adoraria ver meu primo se
ferrando, pra deixar de ser tão arrogante e pensar
que é melhor do que eu. − Olho para os lados com
medo de que alguém pudesse ter ouvido e peço
sussurrando:
− Pelo amor de Deus, cala essa boca! O Oscar
não devia ter te contado nada. Por favor, não repita
isso nem brincando! Não que isso te interesse, mas
eu gosto de verdade do seu primo – respiro fundo e
imploro: − Vai embora daqui!
− Você não sabe de nada gata... Mas sossega!
Eu sou um túmulo. Além do mais se eu...
Ele pensa um pouco e desiste do que ia dizer.
O Kai se aproxima rapidamente.
Sussurro:
− Vai embora, o meu marido está vindo para
cá.
− A gente se fala depois. Meu primo vai armar
um barraco. Ele sempre arma.
− Vai embora antes que...
− Nathan! Não sabia que tinha conseguido um
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indulto.
− Como vai Kai? Não consegui. Eu subornei
um guarda e saí. Provavelmente já estão à minha
procura. − Arregalo os olhos. − Fugi porque não
poderia deixar de vir ao seu casamento, meu
querido primo. Você é como um irmão pra mim!
O sarcasmo é de família.
− Não está pensando em roubar a minha noiva,
está? − Nathan se move nervoso.
É visível a tensão entre eles.
Meu marido não é simpático. Ao contrário, é
seco, irônico e parece querer ver o Nathan pelas
costas. Mas meu ex não quer ficar por baixo e
provoca:
− Deveria ter feito isso antes de ela entrar aqui,
não acha? Mas, olha, eu quase não resisti quando
ela desceu da limusine. Ela está linda demais! − O
maluco diz olhando para mim, que fico sem lugar.
Percebo que o Kai muda de cara e fica sem
entender. Nathan continua: − Só que não quis me
arriscar, e agora é impossível, porque tem muita
gente olhando. Mas... Não se preocupe, já tive
bastante atenção da Grace, não é gata? – Fico
verde. − E você também andou aprontando das
suas. Fala sério! Um petisco antes do banquete,
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hum? − Kai resfolega. Parece não entender a


piadinha do primo.
Confesso que também não entendi.
− Tá falando de que, seu esquisito?
− No quarto do Conrad? Uau! Isso pegou mal.
Vai receber um castigo de Deus! – Finalmente o
Kai entende do que o primo fala e fecha os punhos.
Eu fico olhando para os dois, ainda sem
entender.
− Não se meta em meus assuntos, aberração!
− Uii! Conto pra ela?
− Contar o quêêê?
Kai enruga o rosto.
− Sabia que o seu maridinho estava...
− O quê?!
− Estava... − Nathan faz suspense e me mata de
curiosidade.
− Não seja idiota! − Kai diz entredentes.
− Se vai falar, fala logo! − Ordeno impaciente.
− Tudo bem, você merece saber. É que ele fez
uma despedida de solteiro particular no quarto do
Conrad. Que pecado!
Olho para o Kai e faço cara de dúvida,
misturada com surpresa, decepção e medo.
− Como é que é?! − Nathan gargalha dentro da
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mão fechada. Ele parece se divertir com a gente.


− Não, não fica chateada! − Ele interrompe. −
Não rolou. Eu garanto. Alguém abriu a porta e
atrapalhou a foda.
Kai se esforça pra não socar o primo.
− Você estava com uma mulher no quarto do
Conrad? − Fuzilo o Kai que segura o pulso do
Nathan.
− Não-co-me-ça! − Nathan avisa
pausadamente, entredentes.
− Você...
Olho para o Kai, mas ele tenta ajeitar as coisas.
− Não dá atenção ao que ele fala. Ele está
jogando.
− Primo não esquenta, a Grace entende.
− Entendo uma ova! Quer parar de botar lenha
na fogueira! – Eu digo sentida, porque fico
enciumada.
O Kai teria me traído no dia do nosso
casamento?
− Ahhh primo... Deixa quieto! E você Grace,
contou ao seu maridinho que nós já ficamos? Você
disse pra ele que a gente fez um voo panorâmico de
helicóptero, antes de irmos àquele hotel de luxo? –
Ele olha para o Kai e emenda: − Primo, a Grace...
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Dessa vez meu marido me encara. Os olhos


saindo faíscas. Ele e o primo se odeiam. Eles ficam
trocando farpas o tempo todo, e provavelmente
saber que o Nathan já tinha me dado uns amassos,
fez com que ele se sentisse péssimo e traído.
Porém, o Kai não diz nada ao Nathan. Ele
apenas se aproxima de mim para cochichar.
− Então era você?! Isso é novo. − Engulo em
seco e fico sem entender o que ele quis dizer.
Por acaso ele sabia de outras coisas? Como
assim era eu?
O Nathan, atrevido, segura meu braço,
ignorando o primo, se aproxima e diz:
− Te desejo sorte depois dessa. – Irada, puxo
meu braço e me afasto.
Ele diz provocando:
− Rum rum, agora que já sabe que a Grace e eu
tivemos nossos momentos, eu vou dar umas voltas
pelo salão. Me dá um beijo, gata!
− Não se aproxima dela, mau-caráter! − Kai,
impaciente, me puxa, antes do beijo e me coloca
atrás dele, como se quisesse me proteger do primo.
Nathan se irrita com o movimento brusco. Os
dois se encaram.
Meu marido segura o colarinho do primo e o
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fuzila.
Gente, meu casamento vai acabar, antes da lua
de mel. Que azarada!
Minhas pernas fraquejam. Tenho a impressão
de que vou desmaiar, mas tento me aguentar.
− Kai, por favor!
Meu marido rosna, mas larga o Nathan que
levanta as duas mãos, recua e sinaliza para o Oscar,
que acompanha a tudo de uma mesa, nos fundos.
A Julie. Penso olhando ao redor, e a vejo
conversando com o Brian, o outro primo do Kai,
um jovem que parece ter a sua idade.
− Some da minha frente, senão eu mesmo te
levo de volta para o lugar de onde jamais deveria
ter saído!
− Por que todo mundo nessa porra dessa festa
cismou comigo hoje? − Ele cresce depois da
ameaça.
Homens são uns brutos mesmo!
O Kai parte para cima do primo que estufa o
peito e encara.
Estou aflita e com as pernas ainda mais
bambas.
− Dá o fora! Não percebe que está sobrando
aqui?
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− Qual o seu problema, Kai? Por que você tá


me dando tanta importância? Por que eu te
incomodo tanto? É porque eu dei uns amassos nela
primeiro?
Reviro os olhos e olho ao redor. Todo mundo
tá ouvindo aquilo. Que ódio!
Ameaço sair correndo, mas o Kai me segura.
− Fica aqui! A gente ainda não terminou.
O Kai não se segura e acerta um soco no rosto
do primo, que tenta revidar, mas meu marido se
desvia e contra-ataca.
Estou tão perto que me desequilibro, mas sou
amparada pelo Ray, amigo do Kai. O Dante segura
meu marido, enquanto outro convidado tenta
segurar o Nathan.
− Some daqui, seu mau-elemento! − Kai berra
com o dedo em riste, mas está tão possesso que
consegue se soltar e agarrar o primo numa chave de
pescoço, imobilizando-o e arrastando-o, de costas.
O senhor Müller tenta acalmar o filho, e a
senhora Müller está sentada, abraçando a Willa −
as duas choram sem parar.
Então, o Kai solta o primo e pede aos
seguranças para levá-lo.
− Despareça da minha vista senão chamo a
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polícia!
− Se acalma filho! − Meu sogro ordena,
tentando controlar meu marido, que acabei de
descobrir, é ciumento ao extremo. − Nathan, meu
filho, vai embora! − Ele ainda diz ao sobrinho: −
Não cause mais problemas!
− Não era essa minha a intenção, tio. Ele
começou tudo.
Os dois ficam conversando perto da piscina.
Vejo o Oscar ao lado deles.
Eu torço para que sumam. Meu padrasto está
entalado em minha garganta. Ele não escapará da
sabatina, quando eu voltar da lua de mel.
Se é que terei uma.
Deus que cena lamentável!
Logo o Kai está ao meu lado. Ele puxa meu
braço de novo e pergunta irado:
− Fala sério, Grace! Você namorou o meu
primo? Era você que estava com ele naquela porra
de hotel, na noite em que conseguiram prendê-lo? –
Mordo o lábio e franzo todo o rosto, com o seu
desabafo raivoso. − Esse é um daqueles detalhes
que nunca se deve esconder do noivo. Eu me
surpreendo mais a cada dia. O que mais eu devo
saber sobre você, hein? Por que omitiu isso?
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− Não fazia a menor ideia de como falar isso


pra você.
− Não enrola! − Ele berra.
Eu me encolho envergonhada. Todos
continuam olhando. Ainda bem que a imprensa
ficou de fora. Nunca fui tão humilhada.
− Desculpa Kai, eu só não achei relevante.
Além do mais, não queria te chatear com uma coisa
que não tem mais a menor importância. Vamos
falar sobre isso depois, tá legal? Não vamos discutir
aqui. O que rolou já foi constrangedor demais.
Olha só, tá todo mundo olhando!
Infelizmente o Kai não liga e desabafa:
− Como assim não achou relevante?
− Acabou Kai! É passado. Não tem
importância!
− Eu vou matar esse desgraçado, se ele
aparecer à minha frente de novo! − Kai diz alto,
provocando buchichos. Ele está vermelho e
descontrolado.
− Ei, ei, ei vem cá! O cara já foi embora. Vem
tomar um drink! − O Anthony, um dos padrinhos
do Kai, puxa-o.
Eu quero sair correndo dali, mas fico
empacada. As pernas bambas não se movem.
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Logo a tia Lindy se aproxima.


Confiro novamente onde está Julie e vejo que
ainda está conversando com o Brian.
− Tira uma foto comigo, minha querida!
− Claro, tia. − Quando ela me abraça, sinto que
está chorosa − eu ainda trêmula.
− Ah meu amor fica calma! Já acabou. Hoje é
dia de festa.
− Eu estou bem, tia, obrigada.
− Você é uma mulher casada agora, minha
querida. Sua mãe seria a mulher mais feliz do
mundo, se estivesse aqui hoje. − Sinto minha
garganta se estreitando. Ela tinha que falar da
minha mãe?
Deus, quero que esta festa acabe e quero
minha viagem agora!
Fungo quando ela sai e dá lugar à mãe do Kai,
que me observa de longe.
Ele está tão nervoso que dá pra notar pelo
modo como aperta o copo de uísque.
Eu não sei não, mas o meu marido às vezes me
passa uma impressão ruim. Juro que mudou
comigo. Tenho medo de estar me escondendo algo.
Respiro fundo e junto forças.
Vejo que seus amigos estão sorrindo muito e
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tentando distraí-lo. Aposto que falam de coisas


sujas − sacanagens de lua de mel. Só que ele não
move um músculo.
− Tudo bem agora querida? − Rachel Müller
pergunta.
Assinto e a encaro.
− Desculpe pela confusão senhora Müller.
Confesso que me sinto aliviada em saber que o
Nathan saiu.
Ela aperta meu ombro levemente e me estuda.
Eu não estou com ânimo para bate-papo, pois a
conversa tensa com o Nathan não me sai da cabeça.
− Não gostei do que vi. Aconteceu alguma
coisa que queira me contar? Por que estavam
discutindo? − Engasgo, mas explico que o Nathan e
eu fomos namorados, antes de eu conhecer o Kai. E
que, infelizmente, meu marido soube disso durante
aquela conversa tensa, e, é claro, não gostou. − Ela
então segura minha mão e balança a cabeça. −
Entendo. Mundo pequeno não é minha filha! Tsc,
tsc tsc... – Estala a língua, tipo, desistindo do que
queria dizer. − Certo, vamos mudar de assunto. Já
percebi que não ficou à vontade. Também não
gosto muito de falar do Nathan. Ainda bem que a
minha irmã não está mais aqui para ver no que o
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filho dela se transformou. − Então a minha sogra,


contrariando o que havia dito, decide desabafar. –
Ele é tão irresponsável! Esse menino tinha de tudo
e perdeu. A mãe deixou um patrimônio gigante
para ele, infelizmente não há mais nada.
− Lamento muito, Sra. Müller!
− Tudo bem, vamos mudar de assunto, não é?
Hoje é dia de festa... E aí? Gostou da decoração?
− Amei. A senhora é tão boa em tudo que faz!
Não teria dado conta de nada disso sozinha, em tão
pouco tempo. A empresa que contratou é incrível.
Ainda bem que cuidou dessa parte – digo
sinceramente. Ela afaga meu rosto.
− Não. Não. Já disse para me chamar de
mamãe agora. E não aceito um não como resposta.
− Obrigada senhora... Quero dizer, mamãe. −
Acho estranho, mas gosto.
Não posso negar que sou sentimental e me ligo
nessas coisas de família. Acho que é porque perdi a
minha muito cedo. Papai foi assassinado no fórum,
antes mesmo de eu nascer, e mamãe... Pobre
mamãe, ela foi baleada dentro do carro, ao
estacionar na garagem do edifício onde
morávamos, quando eu tinha treze anos.
Infelizmente ela morreu algumas horas depois.
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A tia Lindy me explicou direitinho.


Eu estava no carro na hora do crime, mas eu
não me lembro dos detalhes, porque dormia.
Lembro-me apenas de acordar com os berros
de um mascarado, e em seguida tudo fica negro.
Acho que tive uma amnésia depois de uma pancada
na cabeça.
Infelizmente, às vezes eu tenho pesadelos
terríveis nos quais eu vejo o tal homem mascarado,
mas é muito rápido.
No sonho eu choro desesperadamente irritando
o cara que me dá uma pancada para eu calar a boca.
Fico meio atordoada, mas vejo minha mãe avançar
para me proteger, porém ela acaba levando um tiro.
Eu fico em choque. Vejo sangue pra todo lado e
minha mãe desfalecida sobre o volante. Ai sim,
nessa hora eu grito de susto e encaro o homem
novamente.
Mas eu acordo desesperada, suando, quase
febril.

$$$

Segundo minha tia, mamãe tinha me apanhado


no colégio e nos dirigíamos a nossa casa. Ela conta
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isso porque falava com a irmã ao telefone, pouco


antes de tudo acontecer.
Ainda de acordo com a minha tia, mamãe tinha
descoberto algo grave sobre alguém que elas
conheciam. Mamãe estava apavorada, mas não quis
falar algo tão importante por telefone.
As irmãs combinaram de se encontrar à noite,
mas infelizmente não tiveram tempo.
Tia Lindy ficou sem saber sobre quem a irmã
queria falar. Porém, ela acreditava que a pessoa que
tinha cometido essa crueldade, queria os Autos dos
processos e o laptop recheado de informações.
Minha mãe era promotora e trabalhava em
grandes casos de pessoas importantes e bandidos
perigosos.
Desafortunadamente nada foi provado e nunca
prenderam o culpado.

$$$

Um garçom se aproxima. Sinalizo e apanho


uma taça de vinho. Preciso beber urgentemente,
porque é óbvio que estou uma pilha.
Depois de tirar fotografias e ser cumprimentada
por quase todos os convidados, sento-me exausta e
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frustrada. A vontade que tenho é de tirar os sapatos


e mergulhar meus pés numa bacia de água quente.
Minha festa está uma droga. A começar pelo
comportamento do meu marido, desde que o padre
declarou que a gente já era marido e mulher.
Nunca tinha visto um noivo recusar o beijo,
mas o Kai olhou para mim como se estivesse com
raiva e apenas segurou a minha mão e me puxou
para sairmos daquela tenda.
Onde estava a alegria? Por que ele estava tão
irritadiço? Por que estava agindo daquela forma?
Provavelmente os convidados estavam
estranhando tudo aquilo.
E como se não bastasse, ainda teve aquele
tumulto com o Nathan e o Oscar. Pior foi o barraco
que o primo do Kai armou. Deus que vergonha!
Jamais imaginei que seria assim.
Uns parentes do Kai que vieram do Havaí, se
aproximam e começam a falar de tradições e alguns
assuntos que não têm nada a ver.
Tento parecer interessada.
Depois de ouvi-los atentamente é a vez das
minhas amigas. Fico sem jeito, porque não quero
falar do Nathan e principalmente do
comportamento do Kai.
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Para meu alívio, elas parecem ter se esquecido


dos incidentes, ou estão apenas sendo legais, mas
estão cheias de bobeira na cabeça.
Escandalosa, a Nora começa:
− E então, amiga, preparada?
Sei do que ela fala e sorrio. Até gosto, porque,
por um momento me esqueço das coisas que me
deixaram chateada.
− Minhas mãos estão suando pra caramba −
digo baixinho. − Liza dá uma gargalhada,
provavelmente está bêbada.
− E a calcinha, está molhada? Amiga, você vai
transar com o Kai, pela primeira vez! − Interrompo.
− Lizaaaaa! − Puxo sua mão.
− Que ééééé! Estou errada? Olha só para o
noivo, coitado! O cara deve estar matando cachorro
a grito. Aposto que já está duro.
− Ká, ká, ká, ká, ká − Evy, a única que sabe do
meu segredo, não se segura, mas tenta acalmar os
ânimos. – Hum hum... Gente pega leve!
− Meninas vocês são umas malucas! As
pessoas vão ouvir!
− Como é que conseguiu não transar com ele
até hoje, hein? − Nora pergunta.
Olho de relance para meu marido e o estudo.
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Na verdade, não sei como eu resisti porque estava


fascinada por ele há muito tempo, mas de uns
tempos pra cá, o Kai parecia não me desejar com a
mesma intensidade, então não rolou, até porque eu
tinha dito a ele que só queria transar depois do
casamento.
Claro que isso foi uma desculpa, porque
naquela ocasião, ainda me sentia culpada. Como eu
fui burra! Ela continua: − Ele está lindo, diferente
dos outros dias. Você precisa cuidar disso, hein
Grace! Faz ele ficar bem gostoso mesmo!
− Olha o respeito, hein! Pode ir tirando os
olhos do meu maridão! − Dou uma gargalhadinha
histérica e nervosa. − Ah meninas, vocês são umas
figuras! − Digo olhando para ele que agora está
falando com a mulher que trabalha para o pai dele,
uma tal Mariane Rocco. Ela é bem atraente − diria
até demais −, e está falando com o Kai bem de
perto. Posso sentir de onde estou que eles estão
bem entusiasmados.
Olho para as minhas amigas e continuo:
− Mas acho que não deviam ter me lembrado
dessa coisa de primeira vez. Agora meu coração
começou a bater mais depressa.
E era verdade. Com os últimos acontecimentos,
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tinha me esquecido completamente de que eu faria


amor pela primeira vez. O Nathan teria sido o
primeiro, mas antes de acontecer ele deu o fora
daquela forma.
− Está sentindo a calcinha vibrar também? −
Lucy atiça.
− Para gente!
Depois de me deixarem mais pilhada do que já
estou, três delas se sentam em outro local. A Evy
aperta meu ombro e sussurra que está do meu lado
e que ainda há tempo de acabar com tudo.
− Tem certeza de que quer mesmo levar isso
adiante amiga? Estou achando o Kai muito
esquisito! Você acredita que é possível ele ter
descoberto alguma coisa?
− Hum hum, sem chance. Se ele tivesse
descoberto acho que teria me colocado na cadeia.
− Deus, nem fale uma coisa dessas! Grace,
ainda pode conversar com ele e dizer a sua verdade.
Dizer que... Dizer que fez tudo por medo de perder
a sua irmã do coração e... Ah sei lá, abre o verbo!
Se ele não aceitar isso, anula o casamento!
− Agora não posso mais voltar atrás.
− Ei, espera aí! Você está diferente… − Mordo
o lábio e abaixo os olhos. Ela emenda: − Tá
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apaixonada por ele, de verdade?


− Ah Evy, não sei o que está acontecendo, mas
algo mudou dentro de mim sim. − Algumas pessoas
passam por nós − shhhhhhh.
A Evy insiste:
− Então vai ser feliz! Se gosta dele precisa
relaxar, esquecer o que precisou fazer e deixar seu
coração livre para amar. Primeiro você precisa se
perdoar, Grace!
Um dia, se isso vier à tona, tente fazê-lo
entender que não teve opção, mas que no final das
contas você se apaixonou por ele. Deixa rolar!
Ela me dá um beijo e diz que sempre poderei
contar com ela. Depois me deseja sorte e se junta às
outras.
Logo a Willa que segura um copo de
refrigerante, vem se sentar comigo.
− Você quer?
− Não obrigada. Viu a Julie?
− Ela tá conversando com o meu primo... Isso
vai dar namoro! – Eu rio. − Você tá linda, Grace!
Tão bonita que nem parece de verdade. Parece uma
boneca. O Kai teve sorte. − Eu rio da declaração
dela. A garotinha é espontânea.
− Obrigada, Willa. Você é a coisinha mais
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linda que eu conheço. − Ajeito os cabelos ruivos


dela, atrás da orelha. Ela declara.
− Logo quando você veio a nossa casa pela
primeira vez, eu sabia que a gente ia ser muito
amiga. Daí quando Kai não quis falar com você, lá
em casa, e não quis atender às suas ligações
daquela vez, lembra?
− Aham.
− Eu falei pra ele que eu gostava muito de você
e que se ele fizesse você chorar de novo, eu nunca
mais olharia para ele.
− Jura? Ohhh Willa! − Abraço minha
cunhadinha com carinho, os olhos úmidos. − Eu
gosto muito de você também, viu?
− A gente vai ser amiga pra sempre, não vai?
− Claaaaro. A gente já é, ora!
− Promete? − Balanço a cabeça. – Por que você
tá com cara de choro, Grace? Tá triste por causa
daquela confusão? A mamãe disse que o Nathan é
um inconse... inconsci... Ah esqueci! − Ela leva o
copo à boca.
– Inconsequente.
− Isso aí... O Kai tá esquisiiito! E tá muito
triste também.
− Será?
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− Ele e o Nathan se odeiam, sabia?


− É, fiquei sabendo.
− A mamãe disse que eles brigam há um
tempão assim ó... Por causa das coisas que a tia
Agatha deu para o Kai, antes de ela morrer. Mas, a
mamãe nunca me disse o que eram. Só que eram
coisas de adultos.
− Entendo.
− A mamãe me contou que a tia Agatha era
louca pelo Kai, e o Nathan morria de ciúmes, ainda
morre, porque todas as vezes que eles se encontram
dá briga.
− Vamos deixar isso pra lá. Na verdade estou
muito cansada. Acho que vou chamar o Kai pra a
gente ir para o hotel. Estou louca para tirar este
vestido pesado e estes saltos.
− Tá certo. − Ela deixa o copo sobre a mesa e
me puxa, como sempre faz.
Seguro o véu, ligeiramente dobrado, com
intenção de segui-la. Olho para frente e vejo Kai
vindo em nossa direção.
− Willa, não enche o saco da Grace!
O Kai ainda está esquisito.
− Eu só quero ajudar ela, Kai. A Grace disse
que está cansada, não é?
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A garotinha me fita.
− É verdade... meu amor? − Kai pergunta
olhando diretamente em meus olhos, mas percebo
que está meio embriagado, pela sua voz arrastada.
− Rum rum... Estou, mas está tudo bem. Acho
que consigo esperar até o final.
− Ah, mas não vamos esperar o final da festa.
− Certo. Mmmm, Kai, meu amor!
− Agora eu sou seu amor?
Encaro-o, com uma ruga na testa, e esqueço o
que ia perguntar.
− Você não está bem. Bebeu demais. Acho que
devemos...
− Devemos o quê? – Recuo. − Depois do que
descobri hoje, eu deveria... – Ele começa, mas para
e fica pensando. Certamente está puto com o que
aconteceu mais cedo, pela forma com a qual ficou
sabendo sobre o Nathan e eu. − Abaixo os olhos e
tenho um pressentimento estranho. Ele continua: −
Por que a cara de desânimo? Tem algo mais que eu
deva saber? Tem medo de que as coisas não
terminem como planejou? – Meu marido está
enigmático e chato. – Relaxa! Teremos muito
tempo para discutir a relação. Além do mais, o seu
caso com o Nathan foi antes de me conhecer, não
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foi?
− É claro que foi!
− Mas pensa bem, a gente não pode começar
uma relação com você me omitindo coisas, certo? –
Fico com um gosto amargo na boca, mas não
resisto e digo:
− Não fica se achando! Não pense que me
esqueci da sua escapadinha antes da cerimônia. Isso
que o Nathan falou é muito grave. Não é como o
meu caso que foi antes de te conhecer.
− Você acreditou naquela baboseira? Ele
disse aquilo só para jogar você contra mim. Acha
mesmo que eu faria uma idiotices dessas, no quarto
do meu irmão padre?
Eu acredito no Kai. O Nathan não tem limite.
Decido não render o assunto, até por que ele
está alterado e certamente não dirá coisa com coisa.
A Willa abaixa os olhos e se senta sem graça.
Parece chorar. Olho para ela e fico com pena. A
garotinha não parece nada satisfeita, assim como o
irmão.
− Me leva com vocês, Kai! − Ele se abaixa e
beija a irmãzinha.
− Willa, minha bruxinha dos cabelos
vermelhos…
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− Eu já disse pra você não me chamar assim,


bigfoot! – Ela agarra o pescoço dele.
− Ôôôo, aí você pegou pesado!
A menina gargalhou.
− Certo sardentinha… Olha, os casais precisam
ficar a sós. Mas eu prometo que da próxima vez a
gente te leva, certo?
− Tá legal.
Olho para ele.
− Kai, pensando melhor será que podemos ir?
Estou com muita dor de cabeça! − Então meu
marido cochicha em meu ouvido.
− Já? – Fico sem entender. − Joga esse buquê
logo que a gente vai!
Faço cara de paisagem.
Tia Lindy vem falar comigo, então Kai se
afasta cambaleando.
Depois de alguns minutos, estou sobre um dos
bancos de pedra do jardim , com o buquê nas mãos.
Uma pequena algazarra se forma no centro do
lugar, e logo as moças se cutucam.
Jogo o buquê e me divirto um pouco. Todas,
incluindo minhas madrinhas, lutam pelo ramalhete
branco, mas quem leva a melhor é uma garota sem
graça, que ouvi todos chamarem de Susan.
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Ela sorri e lança um olhar sujo para o meu


marido. Logo ouço alguém jogando uma frase no
ar.
Berrando, na verdade.
− Ihhhhh Susan, o Kai já tem dona! − Meus
olhos atentos fuzilam a tal garota. Como assim? Eu
penso, evidentemente. Então o Kai tem uma
apaixonada?
Meu coração palpita de ciúme e um gosto
metálico se destaca em minha boca, mas eu tento
agir com naturalidade.
Depois de ouvir as declarações de todos os
nossos amigos, dos pais do Kai, padrinhos, e rir
muito com as piadinhas sobre a lua de mel, nós
brindamos. Então os convidados pedem.
− Beijo, beijo, beijo!
O Kai me fita.
Eu estremeço.
Algo mudou e não é só por causa do Nathan.
Tem mais coisa por trás desse comportamento rude.
Ele retira a taça da minha mão e entrega à
primeira pessoa que vê, depois me agarra pela
cintura e me dá um beijo. Mas, não é um simples
beijo. É um beijo carregado de sentimentos.
Sentimentos que não consigo compreender, dentre
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eles, fúria, mas eu também consigo perceber


paixão. Uma paixão avassaladora que me deixa em
brasas e sem ar.
Aquele beijo me confunde. Eu coro
absurdamente em seus braços e perco um pouco a
noção.
Por fim, ele me afasta, sem deixar de olhar em
meus olhos, e me puxa.
− Vem esposinha!
Uhuuuuuuu, dá-lhe Kai! – Os amigos dele
zoam.
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Cinco

Kai

Espero por ela na entrada da casa, ao lado da


limusine. Estou meio tonto, mas louco pela noite de
núpcias. Quero entrar naquela suíte, onde tudo foi
meticulosamente preparado, e aproveitar − em
todos os sentidos. Quero esquecer o que essa
mulher fez, por algumas horas, e depois... Bem,
depois daquela palhaçada no banheiro da boate,
meus planos mudaram, e, certamente, eu tenho algo
surpreendente para a Grace.
Os fotógrafos ainda estão ali, detrás do cordão
de isolamento.
A frente da minha casa parece um set de
filmagens. Tanto que pedi para não avisarem a
imprensa, mas, enfim…
Mamãe está ao meu lado, e a Willa segura a
minha mão. Meu pai acompanha a Grace.
Ela sorri.
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A merda do meu coração, que andava meio


caído, vibra de ansiedade. Aquelas doses de uísque
cowboy não me relaxaram o suficiente.
Aperto os olhos e tento focar nela.
Mamãe percebe e sorri.
− Não deveria ter bebido.
− É, mas não consegui evitar. Dá pra entender
né, mãe?
− Claro. O nervosismo faz parte. Sua vida vai
mudar bastante agora filho.
− Você não faz ideia do quanto.
− Está certo. Ah e vê se me arranja um neto
logo ok?
Faço continência.
− Sim... Senhora Müller.
Minutos depois, seguro a mão da Grace e a
apresso.
− Vem, Grace!
− Calma, meu amor! Eles querem se despedir!
Aperto os olhos, impaciente.
− Aproveite sua lua de mel, minha querida.
Sorria bastante, tire muitas fotografias e cuide do
nosso Kai. Esse menino é de ouro. Um bom filho
que merece uma linda mulher como você. Sei que
serão muito felizes. – Ela olha para mim e chama:
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− Vem filho, dê um beijo aqui na sua mãe!


A Grace sorri e me observa.
Meu pai, que acompanha toda a cena, me
abraça emocionado e diz:
− Ah Kai, você não deveria ter enchido a cara
desse jeito!
− Estou bem, pai − digo sem convencer.
Então eles se despedem mais uma vez e
entram.
Já no Ibiza, dentro do elevador, eu fico olhando
de lado para a jovem, que acha que agora é uma
Müller, para o seu vestido, para o decote dele, e,
inevitavelmente, fico excitado – muito excitado.
Ela percebe e abaixa os olhos.
Ela é linda, não posso negar que ela me
encanta.
Porra!
Desvio os olhos.
Grace se atrapalha com o véu. Não entendo
porque os vestidos das noivas têm esse pano todo,
se logo vamos tirá-lo.
Eu dou um sorriso e um tapa no ar.
− O que há com você, Kai? Está impaciente
comigo, sempre me dando alguma resposta mal-
educada. Ainda está com raiva de mim?
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− Não.
− O que mudou, então? Você era bem mais
carinhoso!
− Nada mudou, só estou... Só bebi um pouco
além da conta. Desculpe senhora Müller, vou ficar
bonzinho com você, está bem?
− Certo − ela ri do meu jeito de falar.
O elevador chega ao nosso destino, o décimo
andar. Busco uma respiração profunda e tento me
divertir.
− Vem cáááá! − Ergo-a nos braços. Ela se
assusta. Tem medo de cair.
− Kai, você está… A gente vai cair! Eu não
esperava por isso!
− Diz à tradição que o noivo deve carregar a
noiva − digo zoando, tentando segurar o riso.
− Kaiii, cuidado, a gente vai caiiir! − Grace diz
quando dou alguns passos em direção à suíte. Ela
parece gostar.
Abro a porta com dificuldade.
Minha jovem mulher de mentirinha agora está
gargalhando. Na verdade acho que está se
divertindo com o meu ataque de palhaçada.
Coloco-a no chão e estico o pescoço para beijá-
la.
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Isso foi absolutamente involuntário, mas eu


fecho os olhos quando meus lábios tocam seu rosto.
O cheiro dela é bom.
Ela me empurra levemente.
− Pode me dar um minuto?
− Claro, Senhora Müller. Vou abrir um
champanhe.
Respondo ironicamente.
Grace dá as costas, mas volta.
− Pode abrir para mim, por favor? – Ela parece
emocionada. Será?
Nessa hora ouço um barulho vindo de dentro
de mim − um estrondo −, algo que estava
adormecido, uma explosão física ao simples
contato com a pele nua dela.
Meus dedos deslizam suavemente em suas
costas. Ela se contrai.
Fecho os olhos e balanço a cabeça.
Este é o meu momento. O início da minha
desforra. Preciso estar focado nela. Eu quero. Eu
mereço algo dela, antes de colocar as cartas na
mesa.
A Grace está tremendo.
Rio por dentro da sua desfaçatez. Será que lá
no fundo ela não tem vergonha do que fez, apenas
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porque não consegue se imaginar pobre? Uma cara


de pau!
− Vai lá gostosa! Quase não consigo esperar −
digo perto de sua orelha. Isso sim é verdade.
Ela segura o vestido aberto, para não cair, e sai.
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Seis

Grace

O nervosismo e a emoção me sufocam. Respiro


fundo e digo a mim mesma, olhando para espelho:
− Calma, Grace Kelly, calma! Não vai chorar
né?
Deixo o vestido escorregar pelas minhas pernas
e o recolho cuidadosamente, pendurando-o.
Uma lágrima quer brotar, mas não permito.
Não posso ficar com cara de choro e maquiagem
borrada. Penso por segundo e decido tomar uma
ducha rápida.
Alguns minutos depois, apareço toda tímida na
suíte, enfiada num roupão branco.
O Kai está sentado em uma poltrona. Ele
segura duas taças, obviamente esperando por mim.
Ainda está vestido, apenas a gravata frouxa.
Ele me come com os olhos.
Resfolego.
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− Demorei um pouquinho porque precisei


tomar um banho. Estava suada e a maquiagem um
pouco borrada.Você vai...
− Shhhhhh – ele me interrompe, coloca as taças
sobre a mesinha de vidro redonda e se aproxima.
− Valeu a pena esperar. – Kai ergue meu braço
e me gira. Os olhos dele em meus seios que
aparecem de relance. Suas mãos deslizam pelos
meus braços. Então ele abre meu roupão. A
tremedeira recomeça. − Vem cá!
Estou em seus braços quase nua sob o roupão.
Ele me aperta. Está excitado − muito excitado.
Também estou. Meus seios salientes encostados
nele, que fecha os olhos quando os toca.
Vibrações poderosas tomam conta de mim, ao
ver o quanto ele me deseja.
Fecho os olhos por um segundo e tento me
controlar, porque estou enlouquecendo.
Logo um arrepio atravessa meu corpo
bagunçando a minha respiração.
− Eu... Eu...
Ele fita meus olhos, tapa minha boca
suavemente e sussurra:
− Não diga nada ainda. Eu nem comecei. −
Sonho com essa mão cobrindo minha boca desde
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aquele dia, no banheiro, no vernissage


Entro em transe.
Esse moreno tatuado de vinte e sete anos, alto e
sarado, de traços duros, está fodendo com a minha
cabeça. Se ele continuar me olhando dessa maneira,
eu juro que estarei seriamente apaixonada para
sempre.
− Antes de tudo precisamos brindar. − Ele se
afasta e apanha as taças.
Saio do breve transe completamente
desconcertada e fecho o roupão. Seguro a taça que
ele me entrega e bebo rapidamente.
Eu precisava mesmo dessa bebida.
Ele enche a taça novamente. Está sorrindo.
Parece se divertir com o meu nervosismo.
− Agora vamos brindar.
− Aham.
Abaixo meus olhos quando ouço o tilintar do
vidro. Kai ergue meu queixo. Encaro-o, sem piscar,
mas tentando parecer calma.
Se acalma Grace Kelly, vai dar tudo certo!
− A nós. Que seja uma noite absolutamente
inesquecível para você − ele dispara, sem piscar.
Seus olhos brilham. Aquelas palavras parecem
trazer algo subentendido
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Eu crispo arrepiada e estremeço.


− A-a nós – digo gaguejando. Ele é tão
enigmático!
Novamente viro o conteúdo da taça como se
estivesse sedenta.
− Por que eu tenho impressão de que você quer
ficar bêbada? Não está feliz... Meu amor?
E eu tenho quase certeza de que quando ele
disse “meu amor” estava sendo irônico, mas, por
quê?
− Claro que estou. É que... A gente nunca...
Então do nada ele se irrita.
− Não por falta de eu tentar, mas e com o
Nathan? Transou com ele? − Antes de eu dizer
qualquer coisa, ele coloca as taças vazias na mesa e
me encara, à espera da resposta.
− Eu nunca transei com ninguém – esclareço.
− Rá, rá, rá, rá, rá. Me engana que eu gosto!
− Eu não entendo... O que deu em você? A
gente tá aqui no maior clima, prestes a nos
entregar... É a nossa noite de núpcias! Ahh deixa de
ciúmes! Não tenho motivo pra mentir, porque é
uma coisa que facilmente vai poder comprovar.
Ele pensa por um segundo e decide mudar.
− Shhhh, foi mal. Tem razão, é a noite de
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núpcias. Isso merece música boa.


Kai vai até o aparelho de som e seleciona algo
romântico, Crazy in Love, da Beyoncé, versão
Cinquenta Tons de Cinza − que é supersexy.
Respiro todo o ar do quarto, porque aquela
música é pura paixão. Eu gosto da escolha.
Obviamente milhares de obscenidades me vêm à
cabeça.
Foco Grace Kelly!
Logo ele se aproxima com um olhar faminto,
como se eu fosse uma presa, passa o polegar nos
meus lábios e suga eles, morde eles.
Eu sinto dor, mas gosto. Fico à espera da
próxima carícia.
Então de repente o Kai me vira e começa a
passar a língua em meu pescoço, mordiscando o
lóbulo da minha orelha, ao mesmo tempo em que
afasta o roupão nos ombros, vagarosamente,
escorregando sua língua quente de ambos os lados,
mordendo, chupando, sussurrando besteiras,
provocando contrações alucinantes dentro de mim.
Quase vou à loucura.
− Aaiiii!
Ele desliza as mãos em minhas coxas, sob o
roupão e aperta a minha bunda enquanto sua boca
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explora meu pescoço.


− Graaaace! − Sinto seu pênis me empurrando
e resfolego louca de desejo.
− Você me deixa maluco! − Ele me vira e me
encara.
Fecho os olhos para absorver aquele momento,
mas ele segura meu queixo e me manda olhar para
ele. Frisa para eu não parar de olhar para ele.
Obedeço completamente submissa.
Ele retira meu roupão e me ergue em seus
braços.
Tento desviar os olhos, mas, de novo, aquele
olhar devasso me obriga a encará-lo.
Estou apenas de calcinha e juro que ela não
está mais seca.
Ele olha a peça de lingerie branca, transparente
e aprova.
− Linda.
Nossos olhares novamente nivelados.
Agarro o pescoço dele, tonta pelo seu
movimento brusco, e sinto meu corpo arder.
Kai me beija com força, agressivo,
provocador…
Eu me afasto ofegante, mas ele me segura forte
e cai comigo na cama, cheio de energia e ainda
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provocando.
Excitada, solto um gemido histérico.
− Aiiiiiiii!
− Vou te foder tanto que não vai querer que eu
pare.
Fico tensa. Ouvir isso me deixa sem ar, mas
ainda mais excitada.
Arfo ruidosamente. Meu peito sobe e desce.
Não sei se gosto das coisas desse jeito, mas quero
experimentar. Quero agradá-lo. Quero que ele goste
de mim na cama.
Ansiosa e sentindo meu sexo gritar observo o
Kai se livrar da camisa.
O peitoral forte, peludo e o abdômen cheio de
gomos são de encher os olhos.
Logo ele se livra da calça e da cueca e se deita
ao meu lado.
Uau como ele é grande!
O olhar quente dele me queima gostoso. A mão
inquieta passeia dos mamilos até a parte baixa do
meu abdome.
Fico tensa quando ela entra na minha calcinha,
e, maluca, quando sinto seu dedo explorando meu
sexo, brincando com ele.
Mas o Kai me leva à lua quando enfia o dedo
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bem devagar na entradinha da minha vagina e o


tira. Ele fica me tentando, enfiando e tirando e
olhando sujo para mim.
Eu arqueio inquieta e imploro:
− Não para!
Meu coração triplica suas batidas quando ele
geme meu nome.
− Ah Graaaace que carinha linda de tesão. Fala
que me quer! Eu preciso saber. Eu preciso ouvir
isso. Fala que me deseja, que está maluca por mim!
− Eu quero você, estou maluca por você – digo
num fio de voz.
− Você me deixa maluco também. Eu quero
você todinha. Quero passar minha língua em cada
pedacinho do seu corpo. Quero minha língua aqui.
– Acaricia dentro da minha calcinha. – Fala que
quer!
− Simmmmmm, por favor!
Ouvir o que ele quer fazer é muito excitante.
− Quero que você goze muito. Você nunca
mais vai se esquecer de mim!
− Juro que não. Eu não quero me esquecer –
sussurro enlouquecida.
Ele morde meu pescoço suavemente me
matando de tesão, adiando o que eu mais desejo.
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− Por favor... Por favor! Estou pronta − suplico


rouca, sem saber dar nome ao que está acontecendo
dentro de mim, mais precisamente em meu sexo.
− Isso, Grace, pede que eu te dou!
Beijo seus lábios, cheia de luxúria, pensando
em coisas obcenas.
Ele corresponde mexendo a língua gostoso, me
prendendo em seus braços.
Cravo minhas unhas em suas costas.
Ele resfolega no meu ouvido.
− Tá pronta pra mim?
− Siiim.
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Sete

Kai

Estou sobrecarregado de tanto tesão. Eu a


quero. Quero foder de todas as formas, fazer com
ela o que jamais fiz com mulher nenhuma, deixá-la
maluca. Quero sentir sua boca me explorando e
quero logo. É absolutamente excitante o jeito que
ela me olha e pede por mim. Enche-me de vontade.
Se estiver fingindo, está sendo muito convincente.
Foda-se! O que importa sou eu.
Inclino meu pescoço. A minha boca indo para a
dela o tempo todo. Eu não consigo parar de beijá-
la.
Ela treme a cada carícia. Respira com
dificuldade. É ruidosa. Adoro isso.
− Isso, baby, geme!
Eu fecho meus olhos, desesperado para
acalmar as batidas do meu coração traidor. Eu estou
fodido. Meus sentimentos me contradizem, mas
PERIGOSAS NACIONAIS

tenho um propósito e não recuo, ainda que ela


mexa demais comigo.
Esquece isso agora imbecil!
Ela levanta a cabeça e ergue os olhos. A gente
se encara. Então a trago para mim apertando seu
corpo perfeito, porque não consigo deixá-la longe,
nem um centímetro.
− Amorrr!
− O que você quer deliciosa? – Ela me
surpreende e fica por cima.
− Você.
Seguro seus seios empinados e firmes que se
encaixam perfeitamente em minhas mãos. Acaricio
os mamilos rosados, brinco com eles, apertando-os
entre os dedos polegar e indicador.
Ela parece gostar, porque fecha os olhos e
emite sons absolutamente excitantes.
A Grace me confunde, me enfraquece, mas sei
também que isso pode ser encenação. Ainda assim
ela me desorienta tanto que meu coração não para
de gritar dentro de mim.
Ela se inclina e me beija gostoso. Beijar como
ela beija é sacanagem!
Eu me entrego. Entrego sem resistir.
Sempre me disseram que o beijo é a carícia
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mais íntima, perigosa e excitante. E é verdade. O


beijo da Grace é capaz de acender todas as
lâmpadas do meu corpo e de apagar as marcas da
dor, causadas por ela mesma.
Quase não me aguento de tesão quando ela
morde meu peito e desliza a língua pela minha
barriga. Ela está no controle. Então escorrega
devagar, até enfiar a língua no meu umbigo.
− Puta merda, baby! − Sussurro louco para
senti-la me explorando mais embaixo. Eu quero a
boca dela no meu pênis, mas a Grace não faz isso.
Fico ansioso querendo mais e não me aguento.
Agarro-a bruscamente, virando-a e retomando a
liderança. Quero estar no controle.
Prendo suas mãos sobre a cabeça e a encaro
demoradamente. Juro que nesse momento, ao fitar
seus olhos sinto ternura.
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Oito
Grace

Os sentimentos continuam crescendo dentro de


mim. Estou casada há apenas algumas horas, com o
homem que provavelmente vai querer me matar, se
souber que o passei para trás, mas não me importo
de morrer, se antes eu conhecer o paraíso ao lado
dele.
Preciso saber que nome dar ao que estou
sentindo.
Eu o amo?
Sim, eu amo louca, profunda e
irremediavelmente. E, se o perder, não sei o que
será de mim. Se isso não for amor, é algo tão lindo
quanto, e não quero deixar de sentir.
Ele agora está por cima e me encarando, me
olhando sujo.
− O que ééé? − Pergunto com um sorrisinho
bobo.
Ele contona meus lábios com o dedo e diz:
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− Boca gostosa!
Me beija, por favor!
Uau, ele faz meu corpo inteiro reagir. Os
músculos da minha parte mais secreta se contraem.
Sinto pequenos espasmos subindo e descendo, e
isso é tão gostoso que não quero que ele pare.
Kai parece ler os meus pensamentos e toma
meus lábios. Morde, chupa − sempre rude −, mas é
uma rudeza gostosa que me faz sentir desejada. A
barba, por fazer, arranhando meu rosto. Quero sua
barba em cada centímetro da minha pele em brasas.
Ele desce devagar e me arranha na coxa, sem
desgrudar os olhos dos meus. Quero-o logo
entrando e saindo de mim, mas ele me tortura com
as preliminares, que são superestimadas e bem-
vindas.
Quero acariciá-lo e matá-lo de prazer também,
porém ainda me sinto travada para investir, mas
estou me soltando aos poucos.
Cravo minhas unhas em seus ombros, quando
ele morde o interior da minha coxa.
Isso é muito boooom!
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PERIGOSAS NACIONAIS

Nove

Kai

Deus, dói de verdade saber que ela não me


ama. Eu sei que ela pode estar se divertindo como
eu e sentindo prazer. Sexo é assim, não depende de
amor, mas ela também pode estar atuando,
fingindo. Essa dúvida vai ficar me corroendo.
Confesso que depois dessa noite não sei se
estarei preparado para deixá-la ir. Não sei se
conseguirei fazer o que planejei.
Que porra! Acho fiz merda!
Meus pensamentos me torturam e me
desconcentram. Aquelas vozes que ficam me
perturbando começam a me incomodar.
Eu preciso me desligar.
Fecho os olhos e me afasto momentaneamente.
A Grace me fita. Os olhos cheios de dúvida.
Às vezes o olhar dela é sujo, outras vezes,
inocente. Juro que isso é excitante pra caralho!
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Essa maluca duas caras está vencendo esse


jogo de mentiras porque ela me tem. Sim. Ela me
tem. E independentemente do nosso casamento ser
falso, ela me fisgou, e eu não conseguirei viver se
ela.
− Desculpe, machuquei você?! − Ela pergunta
rouca, se afastando também.
Eu respondo baixinho, perto do seu ouvido:
− Não, baby, você só me deixou com mais
tesão. Com mais vontade. Quero você agora. Você
quer? − Ela balança a cabeça assentindo. Seus
olhos nos meus, pedindo, implorando.
− Por favor, Kai, por favor, eu quero você! −
Mordo os dedos dos seus pés e vou subindo, sem
deixar de fitá-la. Passo a língua no meio das suas
pernas, provocando-a um pouco mais. – Issoooo,
assim, assimmmm...
Arranco sua calcinha vagarosamente,
saboreando seu olhar.
Pequenos espasmos de prazer atravessam meu
corpo, apresentando-me uma sensação diferente. É
absolutamente diferente de tudo que já senti.
Jogo a peça de lingerie para cima e começo a
lamber sua coxa, parando exatamente onde quero,
no seu clitóris. Brinco com ele. Sinto-o rijo em
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minha língua.
Ela Parece gostar disso. Claro que ela gosta! A
Grace não é feita de pedra. Óbvio que ela deve
estar sentindo prazer!
Saboreio sua parte mais íntima com um tesão
desmesurado, que ainda não tinha sentido por
mulher nenhuma, olhando para ela que parece que
vai gozar. Eu juro que ela vai gozar. Eu quero que
ela grite de tesão.
Então coloco meus dedos nela e faço
movimentos circulares.
Ela vai à loucura e grita que me ama, que me
quer, apertando-me, implorando para eu meter nela.
Mas eu quero mais − quero marcá-la.
Eu a prendo segurando seus quadris para que
ela não se esquive. Eu quero deixá-la à beira do
orgasmo, antes de ela sentir o que é gozar de
verdade quando fodê-la. Quero que jamais se
esqueça de mim. Quero que nos próximos dias,
quando ela estiver só, se lembre desse momento e
se toque. Quero que se masturbe enquanto toma
banho, em qualquer hora do dia ou da noite
pensando em mim, e goze gritando meu nome.
− Kaiiiii, agora, por favor!
− O que você quer, Grace?
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− Eu quero ser sua. Eu quero você. Quero você


todinho! – Eu fico louco. − Vem para mim meu
amor! Vem com tudo! − Então uma reação em
cadeia começa e é absolutamente incrível. Meu
coração parece não caber no peito. Consigo sentir
meu sangue correr pelas veias e meu pênis pulsar
enlouquecido. − Você não me quer? − Ela pergunta
quando a encaro. A voz insegura.
− Não percebe o quanto mexe comigo? Olha
pra mim! Olha pra ele! Toca nele! Sinta o quanto
ele quer você! − Ela segura meu membro pela base.
Eu digo enlouquecido: − Ele pulsa por você baby!
− Logo ela faz o que desejei até mesmo nos meus
sonhos: coloca a boca delicadamente e passa a
língua bem devagar. Depois ela o abocanha todo e
faz um boquete maravilhoso, aumentando a
intensidade aos poucos, me matando de tesão, que
triplica quando ela suga minhas bolas.
Mas ela está disposta a me levar ao céu, e eu
vou, quando ela as morde levemente.
Que sensação única!
− Caralhoooo, continua, baby!
− Ahhhhh, gostoso! − Sussurra olhando para
mim, que já não me aguento.
Eu quero comê-la – fodê-la loucamente.
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Preciso dela.
− Quer senti-lo inteiro dentro de você agora?
Quer foder gostoso?
− Por favor! − Diz rouca.
Então eu agarro seu corpo e giro num
movimento rápido. Eu a quero de frente primeiro.
Quero possuí-la olhando para seus olhos.
− Eu vou te mostrar o que é prazer.
Ela está deitada ansiosa à minha espera, e
assim como eu respira rapidamente.
Isso me deixa com mais vontade.
Monto nela ansioso, guiando meu pênis
pulsante, quase explodindo de tão duro.
− Vamos gozar juntos, Grace!
− Kai, você não vai usar preserv… – Cubro sua
boca com a minha mão e a silencio. Não quero que
ela diga nada. Quero apenas ver seus olhos. Gosto
de trepar olhando nos olhos. Só eles são capazes de
mostrar os verdadeiros sentimentos.
Então eu começo a percorrer o caminho para o
prazer. Faço isso aos poucos, porque meu pênis
encontra resistência. Ela é realmente fechada. Juro
que gosto disso. Gosto de saber que sou o primeiro
homem dela. Pelo menos isso.
Meu pênis dói gostoso. Sinto que a estou
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rasgando. Esse misto de dor e prazer é excitante pra


caralho.
Tento entrar todo nela que geme muito.
− Relaxa, Grace! Esquece o desconforto! −
Digo quase dentro do seu ouvido.
Ela arqueia.
Enfim, depois de conseguir entrar nela
completamente, aumento as estocadas. Entro e saio
com vigor. Faço isso cheio de desejo, olhando para
ela que está com os olhos fechados, apertando os
lençóis nas laterais da cama − ela quase os rasga.
Não parece estar gostando.
Isso me desconcentra um pouco.
Sem sentir, como se uma daquelas vozes me
alertassem, eu jogo meus olhos no cifrão tatuado
em minha mão, e me lembro de que ela não dá a
mínima pra mim. Ela está ali atuando – atuando
muito bem, tanto que me confunde. E
provavelmente chora porque está odiando tudo.
A ficha começa a cair.
Que merda!
A outra voz grita que eu estou errado, mas eu
não quero ouvi-la. Ela provavelmente vai tentar me
convencer de que a Grace está gostando.
Foda-se, agora é tarde!
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Estou frustrado, chateado, enfurecido, estou


cheio de energia e quero comê-la por trás. Então eu
a viro e a posiciono.
Ela está arfando ruidosamente.
Seguro seus cabelos, perto da nuca, ao mesmo
tempo em que forço meus quadris, enfiando meu
pênis latejante nela, que geme alto e estremece.
Também não consigo manter minha voz,
carregada de sentimentos, presa na garganta.
Eu rosno e estoco com vigor, dando palmadas
na bunda dela que dá gritinhos histéricos.
− Aaaa, aaaa, aaaa…
− Graceeeeeeee!
Então ela enfraquece sob mim, exausta − como
se tivesse tido um orgasmo demorado.
Algum tempo depois, esgotado, eu gozo
ruidosamente.
− Porraaaaaaaaaaaa!
Caio de lado e coloco o braço sobre os olhos.
Não demora muito e escuto a Grace fungar.
Ainda com os braços sobre os olhos, olho para
ela, de lado e vejo lágrimas escorrendo. Ela chora
em silêncio.
Que porra de mulher complicada! Por que está
chorando?
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Estar comigo foi tão ruim assim? Droga, mas


ela pareceu tão excitada!
A ficha cai completamente e eu não gosto,
porque no fundo eu tinha esperança de que ela
gostasse – gostasse não −, ficasse maluca por mim
e... que, talvez, apenas talvez, eu pudesse esquecer
a merda toda que ela fez comigo.
Eu juro que perdoar passou pela minha cabeça
sim, porque eu a amo − sou louco por ela.
Mas não dá para amar sozinho.
Agora é tarde.
Não há perdão.
Agora eu preciso esfriar a cabeça e fazer o que
é necessário − jogar todas as verdades na cara dela
e acabar de vez com esse jogo de mentiras.
Eu vou me declarar vencedor. E vou sair dessa
merda como eu entrei, solteiro. Nessa hora eu juro
que vou sentir tanto prazer que vai ser difícil me
segurar.
Levanto rapidamente, sem olhar para ela, e vou
me aliviar no chuveiro, pois ainda a quero.
Quando retorno, enrolado numa toalha, a Grace
está tentadoramente esparramada. Ela dorme tão
profundamente que não se mexe quando afundo no
colchão ao seu lado.
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Deito e a observo por algum tempo. Alguns


fios dos seus cabelos escorregam sobre os olhos,
retiro-os.
Caralho! Ainda estou com um tesão
inexplicável.
Saio do quarto para beber algo na sala. Antes,
porém, eu retiro uma pen drive, num dos
compartimentos da minha mala de mão, e me sento.
− Ahh Grace Kelly! – Digo olhando para o
objeto.
Estou na segunda garrafa. Bebo no gargalo
porque quebrei a taça e não tive ânimo de me
levantar para apanhar outra, então tenho a
impressão de ouvir a Grace gemer e chorar.
Dou um pulo, curioso, com o coração na boca,
e corro para ver o que está acontecendo.
Logo percebo que ela está tendo um pesadelo.
Ela diz coisas desconexas.
Toco sua testa e noto que está muito quente e
suando.
− Grace... Grace... Acorda! − Enfio o braço sob
seu pescoço e ergo seu corpo.
Eu quero ser frio. Não quero que ela perceba
minha fraqueza, mas eu não consigo deixar de
sentir a sua aflição.
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Ela abre os olhos molhados e me encara,


tremendo.
− Kaiii – ela diz fungando e voando para mim,
agarra meu pescoço e me aperta. − Eu vi de novo!
− O que foi que você viu? – Tento afastá-la,
mas ela está aflita.
− O homem que matou a minha mãe. Aquela
cena veio toda a minha cabeça novamente... Ele
puxou o gatilho e…
Ela se afasta e cobre o rosto com as mãos.
− Ele quem? – Pergunto sem conseguir conter
minha curiosidade. Será que a Grace está jogando
comigo novamente?
Provavelmente.
− Eu não sei. No sonho eu só vejo os olhos
dele, porque está de máscara.
Eu dou corda.
− Você nunca falou disso. É apenas um
pesadelo, ou isso aconteceu de verdade?
− Eu me sinto confusa em relação a isso,
porque eu tinha apenas treze anos e...
Interrompo impaciente, achando aquilo meio
inacreditável.
− Aham, e...
Ela percebe minha impaciência e decide
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encerrar aquele assunto.


− Não, nada não. Deixa pra lá! – Limpa o
rosto.
− Tudo bem.
Levanto, mas ela puxa minha mão.
− Por favor, não me deixa sozinha. Me abraça!
Eu não quero ficar perto dela, porque preciso
pensar e tomar decisões, mas acabo cedendo e
fazendo o que ela pede.
Meu coração traidor fica batendo forte em suas
costas.
Com medo de não resistir à tentação, me afasto
e escoro a cabeça com a mão.
Estou a ponto de explodir olhando as curvas do
corpo dela. Eu quero deslizar a minha mão naquele
corpo lindo, explorar aquelas curvas novamente,
quero morder seu pescoço e dizer sacanagens em
seu ouvido, mas recuo.
Volto para a minha garrafa de vinho, para
minhas reflexões, para e o meu dilema, para o meu
ato − que vai começar logo. Bebo um gole e
naturalmente vejo uma das tattoos, a do nome dela.
Idiota, aprende essa lição! Jamais tatue o
nome de uma mulher em seu corpo!
Na primeira oportunidade eu a removeria.
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Só durmo depois de me embriagar. Somente


assim consigo apagar o fogo que ainda queima
dentro de mim, por causa dela.
Eu até queria fechar esse capítulo patético da
minha história, depois de tudo que passei. Confesso
que já estou cansado, mas meus sentimentos
continuam guerreando dentro de mim. Essa batalha
está me destruindo.
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Dez
Grace

Uma sirene insistente me acorda. Ergo os


braços e espreguiço. Então, me dou conta de que
estou na cama mais gostosa que já dormi, em toda a
minha vida, e estou casada com o homem mais
incrível do mundo.
Uau parece um sonho!
Olho para a aliança e confirmo.
É verdadeee!
Porém não vejo o meu marido.
− Kai! – Chamo, com a voz rouca. − Rum rum.
Kaiiii! − Logo uma ruga se forma na minha testa e
pergunto. − Ué, Kai, onde diabos você está? −
Levanto rapidamente e me dou conta de que estou
nua. Obviamente as cenas da noite anterior voltam
a minha cabeça, então eu coro. Um sorriso bobo se
forma em meus lábios. − Uhuuuuuuuuu, yes, yes,
yes! – Sussurro, fazendo festa na cama.
Fecho os olhos e suspiro feliz. Logo os
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músculos do meu abdome se contraem e sinto uma


vontade louca de vê-lo.
Foi a noite mais incrível de toda a minha vida.
Deus, estou tão apaixonada! Foi tão emocionante e
gostoso que eu nem me senti desconfortável por
estar fazendo amor pela primeira vez. O prazer
superou a dor. Eu não conseguia parar de chorar,
mas minhas lágrimas eram do mais puro amor.
Enrolo o lençol de qualquer jeito em meu
corpo e pulo as roupas dele, que estão espalhadas
perto da cama. Depois, curiosa, sigo para o
banheiro, mas ele não está lá.
Encontro-o na sala deitado de bruços, na chaise
longue, e a toalha, que provavelmente o cobria, no
chão.
Na mesa do centro vejo algumas garrafas de
vinho e os cacos de uma taça, espalhados perto
dela.
O que você fez aqui, hein, Kai?
Talvez devesse acordá-lo para nos prepararmos
para nossa viagem, mas paro a um passo dele e o
observo.
Que tesão! Que bunda linda! Que costas
largas! Que tudo! O sorriso bobo ainda estampado
em meu rosto.
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A tatuagem nas costas − uma águia com as


asas abertas, de braço a braço −, ressalta os
músculos e o deixa ainda mais sexy.
Incrível, o Kai se liga mesmo em tatoos! Ele
tem uma pequenina no pulso com o meu nome, que
eu amo.
No dia em que ele a fez o acompanhei. Foi
logo depois do pedido de casamento. Ele disse,
antes de sofrer com as agulhas, que aquela era uma
prova de amor e tanto, pois jamais poderia ser
removida.
Essa noite ele tatuou seu nome no meu
coração.
Na boa, me sinto a pior das pessoas por ter
iniciado nosso relacionamento por interesse, mas
posso garantir que meus sentimentos foram
mudando gradualmente.
Eu o amo, posso dizer isso com certeza, com
todas as letras. Penso que posso amá-lo loucamente
dia após dia, com todas as minhas forças, e quem
sabe amenizar minha culpa.

É claro, zilhões de dúvidas, inseguranças e


medo me atacam. Por que meu marido me deixou
dormir sozinha? Aliás, por que ele não me agarrou
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depois daquele pesadelo e fez amor comigo? Eu


teria adorado. Será que não gostou de mim na
cama? Puxa vida, isso não foi legal! Pra falar a
verdade, estou frustradíssima.
Um tanto desapontada, dou um passo atrás,
sem me virar, e bato o calcanhar no pé da mesa.
Atrapalhada, deixo o lençol cair.
Tentando me equilibrar, eu danço sobre os
cacos, que cortam as solas dos meus pés,
impiedosamente.
Óbvio, dou um grito agonizante e acordo o
Kai.
− Deus, o que foi isso? − Ele berra ao se
levantar e me encara, ali, paralisada. − Esse foi o
jeito carinhoso que arranjou de me acordar?
Parabéns, você quase me matou de susto! − Noto
aquele sarcasmo de sempre. Logo ele fica sério,
mas percebo que está me comendo com os olhos. −
O que aconteceu? Fala alguma coisa! – Ele olha
para os meus pés, que sangram.
− Kai me perdoa! Eu vim te acordar e pisei nos
cacos da taça. Não quis te assustar − digo
segurando o choro.
Ele pula os cacos para me ajudar.
− Shhh, fica quieta! − Ergue-me nos braços,
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sem tirar os olhos de mim.


Sem graça, seguro no seu pescoço e cheia de
sentimentos novos deito a cabeça em seu ombro.
Tudo é muito constrangedor porque estamos
nus. E mesmo sentindo os pés arderem fico
excitada.
Noto que ele tenta se controlar também.
− Como aconteceu? − Quebro o silêncio
perturbador.
− O quê?!
− Como quebrou a taça?
− Como assim? Como se quebram as coisas,
ora? Deixei cair... Foi sem querer – dispara
impaciente.
Fico magoada. Ele é um ogro comigo. Eu não
entendo o que está acontecendo.
− Claro... hummmm, vi que bebeu sozinho.
Não quis festejar comigo? − Ele não responde.
Assim que me coloca na cama, puxo o outro
lençol e me cubro um pouco.
Sinto as bochechas queimarem.
− Me deixa ver isso!
Ele tá de sacanagem. Por que não se veste
primeiro?
− Não foi nada, pode deixar! – Digo ainda
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chateada. – Só preciso lavar e passar um


antisséptico.
Quero gritar para ele se vestir, porque mesmo
sendo um grosso está me deixando com um tesão
dos infernos, mas ele não se mexe.
− Não seja boba! Temos que ver se ficou
algum pedaço de vidro dento dos cortes. Eu cuido
disso, só preciso... Espere um pouco! – Ele apanha
uma toalha e enrola na cintura.
Interrompo:
− Você entende dessas coisas? Pensei que só
soubesse lidar com números, imóveis, cavalos,
barcos... − Evito olhar para seu rosto, mas não
resisto.
Ele dá um sorrisinho irônico e continua
examinando meus pés, que continuam sangrando
bastante.
O Kai até tenta disfarçar, mas percebo que
como eu está ofegante, porém parece mais
preocupado com os meus pés.
− Você não sabe muito sobre mim, no final das
contas, não é? – Ele provoca encarando-me, mas
acho seu comentário estranho, parece haver algo
nas entrelinhas – como sempre.
− O que quer dizer?
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− Exatamente o que eu disse. Deixe-me te


contar uma coisa: fiz cinco semestres do curso de
medicina. Desisti porque vi que não tinha nada a
ver comigo.
− Uau, eu não fazia ideia!
− É como eu disse.
− Desculpa, eu realmente não sei muito sobre
você, porque tivemos pouco tempo para nos
conhecermos. Você viajava muito, e eu estava... –
Decido não continuar meu raciocínio. − Mas
teremos o resto de nossas vidas para isso. – Ele vira
o rosto e não consigo ver a sua reação, mas quando
olha para mim está completamente diferente.
Um arrepio atravessa meu corpo. Eu tento
parecer natural, mas sinto que ele quer dizer
alguma coisa, e não é sobre ele
− Fala mais!
Ele se estressa e diz me encarando:
− Esquece! Você não precisa continuar com
isso!
Milhares de interrogações me rodeiam.
Meu marido definitivamente mudou. Algo está
acontecendo e eu quero saber o que é.
Silêncio por alguns segundos.
− Kai você tem algo para me dizer? Por que
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está falando assim comigo?


− Não temos tempo para bate-papo agora − diz
seco. − Vou te levar até o chuveiro para você se
lavar. Isso tá sangrando muito. Quando terminar me
chame que te ajudo. Aí sim vamos conversar
bastante.
− Conversar bastante? Na nossa lua de mel?
Isso tá esquisito. O que é meu amor?
− Faça o que eu disse, depois falamos!
Kai me carrega até o banheiro, sem dizer mais
nada, e se vira para sair.
Eu insisto.
− Kai eu fiz alguma coisa que você não
gostou? Pode dizer! É sobre o Nathan? − Disparo
sem conseguir pensar em mais nada.
Ele me deixa com o coração desesperado.
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Onze
Kai

Visto o roupão, apanho a pen drive e deixo o


vídeo no ponto em meu laptop. Apanho um copo e
sirvo uma dose caprichada de Bourbon, que viro de
uma só vez, e fico esperando ela me chamar, mas a
Grace não faz isso.
Alguns minutos depois, minha esposa falsa
entra na sala vestida num roupão também. Está
pensativa e apreensiva, os cabelos molhados, as
mãos nervosas pra baixo…
Ela parece pisar em ovos.
− Pedi pra me chamar. Seus pés podem voltar a
sangrar.
− Não quis incomodar... Bem, estou aqui.
− Sente-se, por favor!
Ela dá dois passos e se senta onde indico.
Sento-me perto dela e ligo o player.
Enquanto o vídeo é exibido eu fico olhando
para a cara dela, imaginando o que ela pensa em
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dizer. Isso gera uma ansiedade doente em mim.


Não consigo ficar calmo. Rever a Grace planejando
aquele roubo no banheiro é odioso.
Ela não fala nada, apenas engole em seco. Em
alguns momentos, abaixa os olhos, mas antes de o
vídeo acabar eu vejo que chora.
Grace leva a mão ao rosto e limpa as lágrimas
que caem uma sobre a outra.
Quando o vídeo acaba, ela fica de cabeça baixa
e continua muda, mas fungando.
Rever aquilo... Sei lá, pela trigésima vez, é
ruim para mim, porém eu tinha que mostrar que ela
não ganhou. Talvez tivesse ganhado o primeiro
round, apenas até eu descobrir suas intenções. A
partir desse momento tomei as rédeas da situação.
Mas ela ainda conseguiu ir além. Ela foi longe
demais com a aquela palhaçada no banheiro,
provavelmente com intuito de vender a joia. Se,
vendeu, sabe-se Deus por quanto. Uma joia que
tinha me custado US15 milhões.
Espero ela dizer alguma coisa, mas Grace se
mantém calada. Apenas os músculos do seu rosto
se mexem.
Aponto para a aliança do casamento falso e
pergunto seco:
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− Vai fazer a mesma coisa com ela também?


Ela não significa nada para você, não é?
Provavelmente vai simular outro roubo, e,
consequentemente, pensa que conseguirá mais
dinheiro. – Respiro fundo e fecho os olhos. – Ah
Grace, como você conseguiu ser tão fria? Sua
dissimulada! – Dou uma pausa e declaro: − Você
pode até tentar vender a aliança do casamento, mas
garanto que dessa vez não vai conseguir nem cem
dólares por ela.
Ela enruga a testa e limpa o rosto.
− O que quer dizer?
− Você acha mesmo que conseguiu me
enganar?
− Kai, primeiro eu preciso explicar por que fiz
tudo isso. Depois você pode tirar as suas
conclusões, mas, por favor, não me julgue, sem
antes ouvir as minhas razões.
− Eu nem ouvi e já estou te condenando. Nada,
entendeu, Grace? Nada justifica as coisas que fez!
Você brincou com os meus sentimentos, com a
minha família. Isso não tem perdão.
De repente, uma das vozes dentro de mim berra
que fiz pior. A voz da minha consciência briga
comigo, diz que um erro não justifica o outro, e,
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que, ao me vingar, acabei me igualando à Grace.


Ela vai além, diz que eu não devo continuar, que eu
estou magoando a pessoa que eu amo.
A outra voz, aquela mais agressiva e porra
louca que fica me atiçando a dar o troco,
interrompe e grita mais alto que eu jamais serei
feliz sendo um banana. Que eu tenho que botar pra
quebrar e mostrar que eu sou o cara!
Balanço a cabeça para dissipá-las.
A Grace implora:
− Por favor, ouça!
Impaciente e ansioso, eu cruzo os braços e
ordeno:
− Tô ouvindo! − Ela já ia abrir a boca, mas eu
me antecipo: − Pensando melhor, antes de dizer
qualquer coisa eu preciso contar que eu sempre
soube de tudo. − Ela arregala os olhos. − Sei que
você e o Oscar armaram para mim. − Coloca a mão
na testa e se levanta. Fica nervosa dando voltas pela
sala. Provavelmente nem se lembra dos pés
cortados. Logo ela olha para mim, incrédula, e caí
sentada na poltrona, derrotada e pálida.
Eu me levanto.
− Eu soube no dia em que ouvi uma conversa
entre você e o seu padrasto, logo depois que te pedi
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em casamento.
Grace me encara atônita e pergunta:
− Você sabia que a gente... E mesmo assim
continuou com tudo, mas eu não entendo, por quê?
Eu jogo meus olhos nela e digo alto, com a voz
carregada de emoção:
− Porque eu estava apaixonado, porra!
Ela se assusta.
− Kaiiii! – Coloca a mão sobre o peito. Eu
emendo:
− Mas eu também sentia muito ódio. Esses dois
sentimentos ficaram brigando aqui dentro. – Soco
meu coração. − Eu não consegui acabar com tudo.
− Ameaço chorar, mas tento me manter firme. −
Não queria te perder. Não sabe o quanto foi difícil
ouvir o que ouvi. Você não faz ideia do que passou
pela minha cabeça. Eu quis... Matar você, Grace!
− Kai, por favor, acredita em mim! No início...
− Ela fica na defensiva. É claro que ela vai inventar
desculpas.
Interrompo irado e avanço.
− O mais duro foi ouvir as piadinhas e as
gargalhadas do Oscar. Vocês se divertiram às
minhas custas, Grace. Você não tem noção do mal
que me fez.
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− Kai eu nunca ri de você. Eu sempre me


zangava com o Oscar por causa dessas piadinhas.
Por favor, acredita em mim! Além do mais, as
coisas mudaram. Eu juro!
− Como assim mudaram?
− Eu passei a querer você. Eu fui me ligando
e... Me apaixonei.
− Ora, não me faça rir! – Dou um soco no ar e
giro. – Não minta mais! Já disse que não precisa
continuar com a farsa!
− Kai eu preciso te contar...
− Agora eu entendo por que não quis transar
comigo, antes. Queria adiar ao máximo, não é?
Sempre cheia de mimimis. – Faço uma voz fina: −
“Eu preciso de tempo. Quero transar só depois do
casamento.”. Eu sou um idiota mesmo. Ontem
fingiu direitinho, hein?
− Eu juro por tudo que é mais sagrado, não
fingi. Estou apaixonada por você, Kai. – Ela avança
e tenta me abraçar. Seguro aquela atriz interesseira
pelos ombros e a jogo na poltrona.
Aquelas palavras me provocam taquicardia.
Então decido dizer o que venho ensaiando.
− Você não me engana mais, Grace. Aliás, não
me engana há muito tempo, mas não deixei barato.
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Se pensa que venceu, que me passou a perna, que


me deu um golpe… Caiu do cavalo. Eu me casei
com você, de mentirinha. Que tal hein? Você não é
uma Müller. Não vai rolar grana nenhuma, nem
carro importado, nem jóias, nem mesada
milionária, nem porra nenhuma!
Ela parece não entender bem.
− Como é que é?
Meu coração dispara quando vejo a cara de
dúvida dela − depois ela faz cara de decepção.
Mas esse momento não é gostoso, nem
prazeroso, como eu tinha imaginado. Na verdade
não sinto nada. Ainda assimilando a reação dela,
emendo:
− Você brincou comigo, fingiu e me enganou,
então eu decidi pagar com a mesma moeda.
− Você… Quer dizer que… Tudo não passou
de encenação? Você quer dizer que nosso
casamento é falso? Mas, mas…
− É isso aí. Não somos marido e mulher de
verdade. − Ela fecha os olhos, respira fundo e olha
para mim.
− Mas, como assim? E os convidados? E a
nossa família? Todo mundo sabia? Foi uma
armação em conjunto? Deus, todo mundo sabe o
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que eu fiz?
− Não. Para eles tudo foi real. Eu cuidei de
tudo. A única coisa falsa é a papelada. Na verdade
o padre e o juíz também são falsos. São atores,
amigos meus que toparam me ajudar. Ninguém
mais sabe de nada.
Fico esperando ela dizer algo. Eu quero que ela
grite comigo, fique indignada; quero até mesmo
que ela voe para cima de mim e tente me bater, mas
ela apenas me olha. Está chorando. Chorando
muito.
Confesso que estou frustrado – completamente
decepcionado e triste.
Ela limpa as lágrimas e tenta parar de chorar.
Juro que a reação dela me surpreende.
− Tudo bem. Entendo e te perdoo – ela diz
fungando.
− Rá, me perdoa? Puxa que boazinha!
− Por favor, antes de me julgar e me condenar,
eu preciso esclarecer porque fiz o que fiz. Eu sei
que nada justifica, mas... Eu... Eu não tive escolha.
Por favor, me deixa explicar! − Ela insiste.
− Todo mundo tem escolha, Grace.
− Eu vou explicar! − Ela diz se levantando,
mas não para de fungar.
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− Hum, estou ouvindo.


− O Oscar era muito rico, tinha muitas
propriedades e um patrimônio invejável… − Franzo
a testa e interrompo:
− Eu não quero saber do passado sujo daquele
filho da puta, Grace Kelly!
− Preciso explicar para você entender!
Eu ergo as mãos e faço gestos.
− Vamos ver se você me convence.
− Ele era viciado em jogatina. Na verdade, eu
nunca soube disso, e só fiquei sabendo quando ele
anunciou o que estava acontecendo. Resumindo,
ele perdeu tudo, jogando, e ficou devendo muito
dinheiro a um agiota. Segundo ele, um agiota
mafioso que mata fácil. Era uma grana preta e ele
não conseguia mais dinheiro emprestado com
nenhum banco, com ninguém.
− Não quero mais saber. Não tem justificativa.
Por que eu hein, Grace?
− A gente estava sendo chantageado, Kai. −
Minha respiração triplica a velocidade. − Eu juro
meu amor, não planejei seduzir você. Mas, naquela
noite, lá na boate, você me ajudou e...
Interrompo irado.
− Ajudei você e é assim que decidiu me
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agradecer? − Dou uma pausa e pergunto, apenas


para ouvir até aonde ela é capaz de chegar: −
Chantageados? Explica isso melhor! − Então ela
desaba. Ela coloca as mãos no rosto e chora alto. −
Por que estavam sendo chantageados? Por quem?
Ela está nervosa e não consegue dizer nada.
Eu pressiono.
Logo ela começa a explicar, ainda chorando
muito:
− Já te contei que Julie, filha dele, estudava em
Londres. Esse mau elemento a vigiava. Ele
mandava vídeos da menina, até dormindo.
− Ele quem, porra?
− O Oscar nunca disse o nome, só o
pseudônimo, um tal Senhor X, a quem devia muito,
por muito anos.
Dou corda.
− A menina estava em poder dele? Por que não
foram à polícia?
− Na verdade ele a tinha vigiada, mas nunca
tocou nela. Porém, ameaçou matá-la se
envolvêssemos qualquer pessoa. O Oscar disse que
tinha gente da polícia envolvida. Muitos, na
verdade.
− Ah isso não é desculpa. A polícia saberia
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lidar com qualquer situação. Deus isso é


maluquice! Por que tinha de ser eu? Já sei.
Pesquisou quem era o idiota mais rico da cidade e
viu meu nome na lista?
− Juro que não foi assim. Deixe-me contar
como tudo começou! − Ela engole o choro. − Bem,
eu fiquei a par da situação do Oscar no dia em que
ele chegou em casa, todo machucado, depois de ter
sido espancado pelos homens do tal Senhor X.
− Rá, bem feito…
Enquanto o Kai pragueja dando voltas pelo
lugar, eu me lembro do final daquela conversa
tensa na qual o Oscar teve a ideia maluca de
casamento por interesse.
Na verdade o assunto começou depois que
falamos do Nathan, do fato de ele ter me proposto
casamento, no dia em que foi preso. Embora, minha
decisão de levar o Kai ao altar, tivesse sido depois
que o Nolan McBride tinha desistido do casamento
por contrato.

$$$
O Oscar dizia:
−… Mas, vamos cogitar a possibilidade de
você se casar. Seria muito útil que conquistasse um
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ricaço. Um pato idiota, milionário. Ai a gente


poderia respirar até eu conseguir saudar a dívida
toda, ou a gente viveria felizes para sempre, se você
tivesse competência para atuar.
− Interesseiro, olha como fala! Pato? Isso é
falta de respeito. Eu nunca faria isso.
Oscar deu as costas e ficou olhando para o pé,
mexendo-o, tipo pensando no que dizer, (ele
sempre fazia isso) até resolveu puxar meu saco.
Então ele se virou e insistiu:
− Mas, a coisa do casamento pode funcionar.
Você é linda Grace. Qualquer homem se
apaixonaria por você instantaneamente, se você
quisesse. Mas você fica se escondendo naquele
estúdio pintando...
Por mais que achasse aquela ideia viajada
demais eu cogitei, mas titubeei. Não queria me
casar dessa forma interesseira. Essa não era eu.
Bem, eu me casaria com o Nathan, tranquilamente,
porque gostava dele, embora algumas coisas
realmente não batessem.
− Vamos à polícia! − Disparei querendo sair do
assunto casamento.
− Se eu fizer isso, o... Senhor X, disse que
entrega a Julie picadinha, numa caixa.
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− Senhor X? Então o agiota assassino tem um


pseudônimo! Quem é ele, Oscar? Entrega esse
cara! Denuncia ele! Só você pode fazer isso. Juro
que se eu soubesse quem era o mau-elemento eu
mesma faria isso.
− Faria é? − Ele riu ironicamente. − Grace eu
admiro a sua coragem, mas você não tem noção do
que essas pessoas podem fazer. Eles podem
declarar guerra de onde estiverem. E eu não sei
onde estava com a cabeça quando cogitei fugir.
Eles são mafiosos, Grace. A banda podre da
sociedade. Aqueles que matam só pra ver o tombo.
Têm gente deles até na polícia. Estão enraizados
em todas as áreas. Existem médicos que tratam dos
feridos deles, banqueiros que cuidam dos seus
interesses, advogados que os livram da cadeia,
pilotos, agentes alfandegários... Toda espécie de
serviços. Não há como fugir deles. Possivelmente
estão no meu encalço o dia todo, vigiando meus
passos.
− Por Deus, vamos buscar a menina!
− Era o que eu mais queria. Mas, que parte de
tudo que eu disse você não entendeu?
− Meu Deus, que horror! − Caí sentada na
cama. O coração saindo pela boca.
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− Está diante de um cara arruinado e


condenado. Juro que se não fosse pela minha filha,
já teria dado um tiro no ouvido.
Então eu fiquei pensando no que ele tinha dito
sobre me casar, mas isso não era algo simples e
nem rápido. Era algo bem viajado na verdade, tipo
filme. Eu já tinha visto pelo menos meio dúzia
deles. Isso não iria prestar! Detalhe básico e
fundamental: não podia ser pobre.
No dia seguinte fiz uma procuração, e em
seguida o Oscar saiu para finalizar a venda do
duplex. Chorei horrores, porque em breve eu teria
que me mudar daquela casa que eu amava.
Não podia negar que estava aliviada por poder
ajudar o Oscar, mas obviamente fiquei destruída
em minha cama pensando no pedido dele, antes de
sair. Ele queria que eu pensasse seriamente na
única janela que estava aberta − um marido rico.
Ele era maluco mesmo. Eu não digeria essa de
casamento por interesse, porque eu jamais mentia,
quer dizer, eu tentava. Mas naquelas circunstâncias,
e sem nenhuma outra ideia piscando a minha frente,
eu ficava cogitando.
Só que essa saída também era cheia de
obstáculos. Primeiramente, porque eu deveria
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encontrar o cara e fazê-lo gostar de mim. Gostar


não, se apaixonar instantaneamente. Tinha de ser
algo como um milagre, tipo uma flechada de
cupido. E o coitado, inocente, teria que ficar tão
maluco por mim, a ponto de fazer uma proposta de
casamento rápida.
Seria algo quase impossível e improvável.
Sem chance nos dias de hoje. Sem chance na
vida real.

$$$

− Juro que não planejei, Kai. Eu vou explicar.


Você reapareceu em minha vida na hora errada.
Infelizmente se não fosse você, seria outro, porque
estávamos desesperados. − Sinto uma pontada no
peito. Estou me corroendo de ciúmes. Eu sou um
imbecil mesmo! Ela continua: − Eu fiquei com
medo de eles matarem a menina. A gente nunca
pensa que uma coisa dessas pode acontecer na
nossa vida, e quando acontece, a gente não sabe o
que fazer, porque é dominado pelo medo. − Abaixo
a cabeça, confuso, mas levanto rapidamente quando
ela diz: − Naquela noite em que a gente se
reencontrou, depois do vernissage, lá na boate,
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lembra? − Assinto. − Eu tinha marcado encontro


com um homem. – Ela se senta na cama e abaixa a
cabeça.
− Não posso acreditar! − Soco a parede e me
viro.
Eu me lembro de que ela disse, no táxi, quando
a estava levando para casa, que tinha ido se
encontrar com alguém que resolveria uma situação
para ela.
Ela não mentiu naquele dia.
− Era um cara que precisava de uma mulher
disposta a...
Interrompo:
− Você ia se prostituir? − Ela arregala os olhos.
− Ia se vender?
− Nããão, claro que não! − Ela diz, olhando
para cima.
− Então me explica isso, porque se ia sair com
um cara...
Ela interrompe:
− Seria um acordo, Kai, mas o cara desistiu. Eu
fiquei sem chão, porque nosso prazo estava se
esgotando.
− Que tipo de acordo? − O ciúme começa a me
envenenar.
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Eu não tinha que estar interessado nisso, afinal


a gente ia terminar tudo, depois daquela conversa,
mas era inevitável.
Ela declara:
− Casamento por contrato, mas, Kai, a gente
não iria ter relações por que ele é gay, porém o avô
só daria a herança a ele, depois que se casasse.
− Eu vou sair, preciso de ar. É muita coisa para
assimilar. Muita doideira. Difícil acreditar − digo
completamente confuso.
Ela puxa a minha mão e diz, tremendo, e com
voz embargada:
− Escuta, independente do que acontecer,
depois que nós sairmos por aquela porta, eu preciso
dizer que eu te amo. Te amo muito, Kai – ela frisa.
− Vou demorar bastante a me recuperar, porque
pensei que a gente fosse ficar junto para sempre. E
eu juro que não tem nada a ver com dinheiro.
Estou chorando.
Tento esconder o rosto, mas não consigo deixar
de fungar.
Ela percebe e emenda chorando como eu:
− Eu sei que machuquei você. Eu sinto muito.
Mas eu também fiquei bem machucada. Fazer o
que fiz foi horrível. E concordo que é difícil
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perdoar. Eu mereço o seu ódio. Claro que eu


mereço! Mas isso que você fez foi demais! Você se
vingou de mim, mas também arranjou problemas.
Como é que vai explicar isso para a sua família e
amigos? E a imprensa? O que vai dizer?
− É assunto meu – digo secando as lágrimas,
sem olhar para ela.
− Tudo bem. Não se preocupe com a minha
familia. Eu digo que houve problemas e que
decidimos anular o casamento.
− Faça o que quiser.
− Ei, olha pra mim! – Reluto, mas me viro
ainda chorando. − Juro que não fui falsa em relação
aos nossos momentos juntos. Principalmente
quando estávamos em família. Estou sendo
honesta. Amo todos eles. − Ela abaixa os olhos. −
As coisas mudaram, Kai. Meus sentimentos são
puros.
− Ah Grace, como posso acreditar em você,
depois de tudo? Você me detonou. Eu te amei tanto
que seria capaz de fazer o que fosse por você. – Ela
não consegue parar de chorar. − Depois que
descobri o que pretendiam, só restou mágoa no meu
coração. Vocês só queriam a porra do meu
dinheiro!
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− Kai, a menina corria perigo de morte,


caramba!
Eu grito impaciente e destruído:
− Vai continuar com essa lengalenga? − Ela se
assusta. Eu continuo indignado: − Eu seria capaz de
entender a sua aflição, se tivesse se abrido comigo,
contado essa… Historinha de sequestro naquela
ocasião, e provavelmente teria acreditado, porque
eu acreditava em você cegamente. Mas você foi
leviana, foi vil, dissimulada...
− Que merda! Quando é que uma pessoa chega
perto da outra, que ela acabou de conhecer, e pede
na maior cara de pau para ela pagar uma dívida de
milhões de dólares? Não me venha com hipocrisia
e falso moralismo!
− Não estou sendo hipócrita. É assim que eu
penso!
− Duvido que se um bandido colocasse uma
arma na cabeça da sua irmãzinha, por exemplo,
você não seria capaz de fazer o que fosse preciso,
até roubar um banco para salvar a vida dela. Ora
não me julgue!
− Realmente temos pontos de vista diferentes.
− Dou uma pausa e provoco: − Mas, me diga. Vi a
Julie no casamento, usou o dinheiro da venda do
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anel para trazê-la de volta? − Ela engole em seco e


assente.
− Pagamos o agiota, que nos liberou da dívida,
daí o pai dela pôde buscá-la. Kai, eu não estou
inventando, acredita em mim, por favor!
− Só se me mostrar as notas promissórias.
− Hã? Notas... promissórias? Mas eu não
tenho. O Oscar não me mostrou nota de nada! Kai a
gente estava senso chantageados, acha mesmo que
essas formalidades…
Eu a fuzilo com os olhos.
− Que inferno, Grace Kelly! É claro que não
tem nota, porque…
Ela interrompe. Parece cansada de discutir:
− Não estou mentindo, Kai. Isso é tudo que
posso dizer, mas já percebi que não acredita, dessa
forma não adianta insistir. − Aquiesço. – Certo. Se
me der um prazo − um prazo longo −, eu posso
devolver centavo por centavo o valor do anel.
Apenas isso. As despesas com o casamento falso,
são um problema seu.
Indignado, faço um comentário maldoso.
− Vai dar um golpe em outra pessoa para
conseguir dinheiro? Não seria melhor você rodar
bolsinha? Bonita e gostosa como é os ricaços
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pagariam caro para comer você. − Ela se levanta


da cama e me esbofeteia.
Seguro-a pelos ombros e a encaro. Mais
lágrimas brotam de seus olhos vermelhos. Eu
completo:
– Fique sabendo que o dinheiro não é
importante para mim, Grace. Eu não quero essa
porra desse dinheiro, porque não sei como você o
conseguirá.
Jogo-a na cama.
− Não precisa me ofender! Você sabe muito
bem que não sou prostituta! Mas tudo bem. Eu
mereço o seu ódio. – Ela dá uma longa pausa.
Parece que vai se sufocar com próprio ar. Eu
também, completamente descontrolado, tento
manter o foco. Ela repete: − Eu nunca quis te
magoar, Kai, sobretudo, depois, por que me
apaixonei por você. Eu já disse, mas acho que não
adianta. Você não vai mesmo acreditar em mim,
não é?
− Se coloca em meu lugar! Você acreditaria?
Ela declara soluçando alto:
− Tudo bem. Vamos acabar logo com isso. Eu
prometo que vou sumir da sua vida. Volto hoje
mesmo para a minha casa, e juro que não vai mais
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ter que botar os olhos em mim. Eu sinto muito por


ter feito você sofrer tanto. Acredite, eu não sofri
menos.
− Isso é tudo? Vai ficar por isso mesmo?
− O que mais você quer de mim?
Sinto angústia. O medo de perdê-la me causa
dor. Eu não quero deixá-la ir. O que está
acontecendo comigo?
Eu preciso dizer alguma coisa, mas travo.
− Eu... Eu...
Ela implora chorando alto:
− Pelo amor de Deus, esquece a noite passada!
Eu não sabia que estava me usando para se vingar.
Ela não deve ter significado nada para você, como
significou para mim. – Meu peito dói. − Com
licença, vou me trocar e vou embora. Está tudo
acabado entre a gente.
Estou prestes a ter uma crise de ansiedade.
Por que meu coração está tão esquisito?
Por que essa declaração me faz sofrer?
Afinal, era isso que eu queria, não era?
Pronto. Eu a tinha desmascarado. Eu contei a
verdade sobre o casamento… Planejei isso, não
planejei?
Mas, por que eu tenho a sensação de que vou
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morrer, se ela for embora?


Nesses poucos segundos, reflito e concluo que
realmente não quero deixá-la ir. Eu não
sobreviverei sem ela, apesar dessa sujeirada toda.
Eu não conseguirei ficar sem ouvir a sua voz
rouca, suas risadas no cinema, sem ouvi-la reclamar
do shopping lotado, sem vê-la se lambuzando de
molho barbecue, na praça de alimentação, ou
devorando um balde de pipoca, na sala do apê dela,
assistindo aquelas séries de mulherzinha... E as
selfies fazendo careta?
Ah, juro, que não conseguirei ficar sem minha
Grace! Apesar de tudo, eu quero virar a página
dessa história inacreditável, que eu só vi no cinema,
para estar com ela e dormir com ela, transarmos
quantas vezes nos der na telha, incansavelmente, e
de novo, de novo, de novo...
Mas, eu não quero foder por foder, eu quero
fazer amor. Quero confiar nela. Quero-a pra mim
de corpo e alma, inteira, sem falsidades, sem
interesses, sem mais mentiras. Quero que a Grace
seja minha esposa de verdade, e um dia quero ter
filhos com ela.
Mas isso seria possível, depois dessa noite?
Eu fodi com tudo.
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A Grace saiu do hotel chorando muito, depois


de falarmos mais alguns minutos, depois da
proposta repentina e absurda que fiz para
continuarmos, por aparência, pela minha família.
Ela sairia lucrando com essa história.
Primeiro ela me chamou de egoísta, depois
declarou que precisava de um prazo para colocar a
cabeça em ordem e pensar, porque ela não queria
continuar pela minha família, ou pela dela, nem
queria dinheiro. Ela declarou que se fosse pra levar
a nossa história adiante, seria por mim e por ela,
porque ela me amava.
Eu sou um idiota mesmo!
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Doze

Grace

− Por favor, não machuque a minha filha,


senhor! Leve o que quiser, mas não machuque a
minha Grace!
− Eu quero as pastas e o laptop. E quero
agora!
− Mamãe, mamãe!
− Shhh, filha, senta e fica quieta! Por favor,
fica caladinha!
− Mamããee!
− CALADA GAROTA!
− Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!

$$$

Ergo meu corpo suado. Abraço meus joelhos e


tento buscar o ar. Vasculho minha memória, mas
ainda demora um tempo para que eu me lembre do
que vi no pesadelo. Eles são cada vez mais
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frequentes e sempre terminam quando o mascarado


me encara e me bate.
Cubro meu rosto com as mãos e choro por
alguns minutos. Olho ao redor e me dou conta de
onde estou.
O colchão é diferente, e os lençóis não têm o
mesmo aroma daqueles sobre os quais, uma semana
atrás o Kai me fez sentir todas aquelas coisas.
Um arrepio percorre minha espinha. Eu preciso
parar de pensar naquilo.
Meu corpo está leve como uma pluma, e ainda
estou sonolenta por causa dos calmantes pesados
que a Evy conseguiu para mim, com a tia dela.
Aquilo derruba até elefante, mas eu juro que tomei
porque estava em frangalhos, porém ciente de que
preciso me levantar para procurar trabalho.
Estou há dias saindo em busca de alguma vaga,
em algum ateliê, estúdio e tal.
Eu sei que se eu procurasse a Rose
Spiegelman, a artista plástica, amiga da senhora
Müller, ela devolveria o meu emprego, mas eu não
posso sequer cogitar isso porque quero esquecer a
família do Kai e os amigos deles.
Eu sei também que não conseguirei um
superemprego, porque só sei pintar, embora se eu
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me arriscasse com os pincéis, melancólica como


estou, minhas meninas sairiam tristes e deprimidas.
Graças a Deus, não preciso mais me preocupar
com a Julie, porque ela vai para a casa da avó, onde
acredito que estará segura, tendo a oportunidade de
conviver com a família – muito melhor do que
enfurnada naquele colégio frio, como o pai dela
queria. O Oscar é um insensível!
Tenho quase certeza de que o Kai foi para a
fazenda cuidar do que ele realmente ama.
Eu pedi um prazo para pensar na proposta dele,
mas eu praticamente tinha me decidido. Não queria
continuar mentindo nem enganando a mais
ninguém. E só de pensar na promessa que tinha
feito à minha mãe, de nunca mais mentir, eu sentia
uma tremenda dor na consciência.
Não dei a minha resposta ao Kai, depois do
prazo estipulado, então estava tudo acabado.
Eu percebi, ao ouvi-lo, o quanto estava
magoado e com raiva de mim. E isso era esperado.
Eu imaginava que se ele descobrisse a verdade, ele
não me perdoaria mesmo. Mas fiquei surpresa ao
descobrir que ele já sabia de tudo, desde o início.
Enfim, sem querer julgá-lo, achei exagerada
essa coisa de casamento de mentira, porque ele teve
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a sua vingança, humilhando-me daquela forma,


mas certamente sua familia não aprovou, quando
ele precisou contar, se é que já contou.
Conheço bem os Müller, e eles certamente não
aprovariam o que o filho pretendia fazer.
Talvez, se Henry Müller descobrisse sobre meu
plano antes, ele me colocaria na cadeia. Sei que ele
é estupim curto. Rachel Müller, doce, generosa e
compreensiva, talvez procuraria me entender, e o
Conrad, certamente tentaria dissuadir o irmão.
Pensando bem, acho que foi por isso que ele
não estava no casamento. Provavelmente descobiu
algo. É claro! Eu bem que desconfiei dessa viagem
de última hora do irmão do Kai.
E é obvio que não posso reclamar de
absolutamente nada. Eu mereci. Não posso sequer
odiar o Kai por ter se vingado.
Antes de sair do hotel, combinamos nossas
versões sobre o fim do casamento. Diríamos que
decidimos anulá-lo por motivos pessoais.
No final das contas ele não queria um
escândalo. Queria apenas me desmascarar e contar
sobre o casamento falso, após me possuir − apenas
para se vingar.
Meu ex-marido falso foi frio, calculista e
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cruel. Ele declarou que era o mínimo que merecia,


depois da fortuna que ele tinha gastado.
Isso doeu, porque quando eu estava fazendo
amor com ele eu me senti amada, mas ele estava
apenas atuando, indo a forra, sendo macho.
Eu sei que errei feio. Eu sei que mereci e
mereço todo o seu ódio, mereço todas as suas
palavras cruéis, porque o usei. Mas não importa,
estou sentida, arrasada e não quero vê-lo.
Contudo, eu ainda o amo. Amo mais a cada
dia. Estou um lixo, sentindo a sua falta. Obvimente
Kai decidiu seguir a vida dele, logo tenho de fazer a
mesma coisa.
A imprensa sensacionalista não deu sossego
por uns três dias. Eu juro que não entendo como
souberam que a gente se separou, na manhã
seguinte ao casamento, mas agora parece que se
esqueceram de mim. Aposto que pegaram pesado
com o Kai.
Imagina se souberem que tudo não passou de
teatro! Deus, eu morreria de vergonha! Acho até
que me mudaria de cidade.
No metrô, dois dias depois daquele oito de
abril, quando voltava de uma agência de emprego,
peguei um jornal velho, e, coincidentemente, vi as
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notas sobre o nosso casamento. Vi, com lágrimas


nos olhos, uma fotografia da minha saída da
limusine. Havia apenas essa, porque a cerimônia foi
privada.
Merda, nem eu imaginava que, tão pouco
tempo depois, eu estaria me sentindo um lixo de
pessoa!
A reportagem na coluna social, dizia que
aquele era o casamento do ano, e, que a noiva
sorridente, tinha motivos de sobra para sorrir,
porque Kai Müller era considerado excelente
partido − rico e bonito −, um dos herdeiros do
emergente Henry Müller, dono da Müller
Technologies Corporation.
Urgh!
$$$

As lágrimas deslizam pelo meu rosto, mas eu


as limpo quando ouço a linda voz da Julie
cantando, Wrecking Ball, junto com Miley Cyrus.
♫“We clawed, we chained our hearts in vain
We jumped, never asking why
We kissed, I fell under your spell
A love no one could deny” ♫[...]
Meu estômago reclama. Então me lembro de
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que não jantei, porque cheguei tarde e exausta e


meu corpo só queria cama. Mal consegui tomar
banho.
Vou até a minúscula cozinha e abro a geladeira
− não tem mais nada bom nela.
Abro a porta do armário e não vejo meu cereal
preferido também.
Há apenas alguns pacotes de macarrão
instantâneo, que eu não consigo mais comer, pelo
menos eu enrolo para não comer.
Por isso venho gastando cada centavo que
ainda tenho, nesses últimos dias, com comida para
a Julie, e para mim.
Com o restante da grana da venda do anel, eu
recuperei o anel da mamãe, que havia penhorado, e
paguei várias dívidas − cartões de crédito,
condomínio, as mensalidades atrasadas do
empréstimo que a Evy fez para me ajudar, e as
passagens aéreas, do Oscar e da Julie, para o
Texas. Voltamos, à estaca zero − sem
grana −, mas juro que nunca mais faço o eu fiz.
Não sinto a menor vontade de comer aquele
macarrão horrível, mas não tenho escolha. Logo
uma coisa sem graça fica pronta e sou obrigada a
encarar, porque estou faminta.
PERIGOSAS NACIONAIS

Alguns minutos depois, a Julie se senta comigo


e diz:
− O papai já comprou as passagens. Ele vai me
levar para a casa da vovó Margareth ainda hoje.
− Vai ser melhor para você. Lá estará segura, e
tem os seus outros tios e primos.
− Vou sentir sua falta, Grace. Ficamos anos
sem nos ver, e agora vamos nos separar de novo.
Ah te contei, né? Quase que o Senhor Goldman,
engraçadinho, me deixa lá naquele colégio horrível.
Estou invocada com ele.
− Sim. E ele relutou muito antes de ir também.
Seu pai é estranho, Julie, mas esquece! Ainda bem
que você bateu o pé e inventou aquela história de
que se ele não a trouxesse, você fugiria.
− Pois é. Eu não aguentaria nem mais um mês
naquele lugar.
− Prometo que vai ficar no Texas por pouco
tempo. Deixa eu me organizar, aí trago você para
morar comigo, quer?
− Juuura? – Cruzo os dedos sobre a boca e
beijo. − Posso te contar um segredo? – Ela dispara.
− Claro.
− O Brian disse que vai me visitar.
− Que bom, querida, mas tenha cuidado, tá?!
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− Pode deixar… Hum, Grace, você e o Kai não


tem volta?
− Não, meu amor. Não era para ser.
− Que pena! Você curte muito ele, né?
− Você não faz ideia do quanto, mas tudo
bem.
− Eu fico péssima só de pensar que essas
maluquices na sua vida aconteceram por minha
causa.
− Se a gente parar pra pensar, se não fossem
essas maluquices, eu também não teria conhecido o
Kai. E eu amei cada minuto que passei com ele.
Abaixo os olhos.
− Não acabou ainda, Grace. Tenta falar com
ele!
− Não, minha querida. Ele agora me odeia.
Tenho que esquecê-lo.
Ela me dá um beijo.
− Não fica assim! Vai aparecer outro gato na
sua vida.
Dou meio sorriso.
Ela se levanta para arrumar as malas, mas eu a
chamo.
− Mmmmm, Julie, tenho algumas roupas que
acho que ficariam bem em você. Quer
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experimentar?
− Claro que quero. Amo as suas roupas!
Seguimos para o quarto que dividimos e
começamos a falar sobre o recém-interesse dela
pelo primo do Kai.
Julie está feliz e fantasia sobre um romance.
A filha do Oscar é uma garota tímida,
complexada. Ela se acha feia e sem graça.
Principalmente depois que foi obrigada a usar
óculos. É cisma dela. Adolescentes são assim
mesmo. Eu já passei por isso.
Julie é bonita, magrinha, olhos castanhos
escuros. Tem um rosto delicado com algumas
sardas perto do nariz, que ela odeia é claro, mas eu
acho um charme. Ela não é alta nem baixa. Os
cabelos lisos também castanhos escuros são
volumosos e sedosos.
Na verdade ela não tem nada a ver com o pai.
Provavelmente se pareça com a mãe.

Minha linda irmã do coração acredita que o


Brian também esteja interessado nela, porque não
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quis deixá-la sozinha na festa.


Mas ela ficou ainda mais entusiasmada quando
ele anotou seu número de celular e endereço.
O primo do Kai é um fofo, aliás, os homens da
família do Kai são bem atraentes. O Brian não é
uma excessão. Coincidentemente também usa
óculos e como a Julie é tímido, reservado, mas o
destino deu um empurrãozinho e os dois agora não
param de se falar.
Depois de experimentar todas as roupas que
separo, ela entra no banheiro e vai tomar banho,
porque já se aproxima o horário que o Oscar
combinou de apanhá-la.
Uma hora depois, estou trançando os cabelos
dela, quando o Oscar chega e me estende um
envelope.
− O que é isso?
− Um convite, não está vendo? O porteiro
entregou-me quando cheguei.
Tão educado!
− Claro, mas...
− Abre logo!
− Hum. Deixa aí, por favor, senão terei de
recomeçar a trançar.
− Julie, já está tudo pronto, não está?
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− Só falta a Grace terminar de trançar os meus


cabelos.
Na hora prevista os dois se despedem. A Julie
me abraça apertado e me dá um beijo.
Percebo que há quatro malas, e apenas duas
pertecem à Julie.
− Hum hum… Oscar quanta mala! Vai ficar
por lá quantos dias?
− Não é da sua conta!
− Ogro!
− Obrigado.
− Fala sério! Os dois são sempre assim? –
Silêncio por alguns segundos. A Julie faz cara de
impaciente e se despede: − Obrigada por tudo,
Grace. Eu jamais vou me esquecer do que fez por
mim. Eu te devo a minha vida.
− Ah chega de frescura! − O grosso do Oscar
diz.
− Me liga todas as vezes que desejar falar sobre
aquele assunto, tá, Julie!
− Que assunto? − Oscar abelhudo pergunta.
− Assunto de moças. Boa viagem!
Depois que eles saem eu me sento à mesa,
totalmente desanimada, coloco os cotovelos na
superfície de vidro e abraço meu pescoço por trás.
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Estou tensa e intuindo que terei uma dor de cabeça


daquelas.
A cozinha está horrível. Tem louças sujas por
toda parte. E a pequena área de serviço também
está entupida de bagulhos.
Desanimada e com nojo daquela sujeira que já
cheira mal, prendo meus cabelos num rabo de
cavalo, coloco um avental, calço as luvas de
borracha e procuro por uma esponja.
Depois de lavar a louça eu tento colocar tudo
no lugar. Quebro um prato e uma xícara no
processo e fico irada. Lembro-me da Consuelo.
Quando eu era pequena ela ensinou-me a lavar
louça. Eu sempre quebrava alguma coisa, e ela
dizia que eu não tinha nascido para aquele trabalho,
mas que era bom aprender, porque um dia eu
poderia precisar me virar.
Saudade dela.
Os armários da nossa cozinha, no antigo
apartamento, eram impecáveis. Olho para aqueles a
minha frente e faço uma careta.
Alugamos o pequeno apartamento mobiliado.
Os móveis são horríveis. Não gosto de nada.
Trouxemos todos os utensílios domésticos do
duplex, como os Tupperwares, as louças, os
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talheres e toda a roupa de cama, mesa e banho. Por


isso ficou um pouco melhor. Habitável.
No final da faxina eu já me sinto fraca, além
disso estou deprimida, mas não posso me esquecer
de que preciso sair para arranjar um emprego, ou as
coisas ficarão complicadas para mim.
Isso só pode ser castigo! Eu devo ter feito algo
terrível na minha vida passada e agora estou
pagando.
Mentiras?
Será que no passado eu também precisei
mentir e enganar pessoas? Ou será que fiz algo
pior?
Fala sério!
É claro que eu sempre posso contar com a Evy,
que me convidou a morar com ela, mas eu não tive
coragem de deixar a Julie.
Bem, mas isso agora é algo em que posso
pensar. Na verdade quero me afastar do Oscar,
porque não confio mais nele.
Ah, por falar na Evy, o Kai me disse, naquele
dia, já no final de nossa discussão, que o Dante quis
despedi-la, mas ele não deixou, obviamente para
não estragar o plano dele de me desmascarar só
depois do casamento.
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Mas a minha amiga não quis continuar lá.


Assim que eu contei o que tinha acontecido, ela
mesma se demitiu, por vergonha, mas já arranjou
outro emprego e está indo muito bem.

$$$

O celular vibra sobre a mesa.


Atendo quando vejo o número da minha amiga.
− Grace você está bem?
− Na verdade não estou.
− Tem que levantar o seu astral, amiga. Não
gosto de ver você assim.
− E como quer que eu fique, Evy? Eu não sei
por que essas coisas ruins acontecem comigo.
Escuta só! Perdi meu pai, assassinado, antes mesmo
de eu nascer, minha mãe teve o mesmo fim trágico,
e estive perto de perder a Julie. Isso sem contar que
me apaixonei perdidamente pelo cara que decidi
enganar, por causa da chantagem, pior, esse cara
descobriu a trama toda e planejou uma vingança
maluca contra mim. E no final de tudo, eu ainda saí
como a vilã dessa história.
− Ah não leva por esse lado! Que seus pais
descansem em paz! E, amiga, o Kai é que saiu
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perdendo. Ah, até hoje estou bege com o que me


contou. Juro que pensei já ter visto de tudo nessa
vida, mas isso que o Kai tramou, tsc, tsc, tsc… Fala
sério! Na verdade, ultimamente tenho visto muitas
coisas inacreditáveis acontecendo, não é? – Ela
cutuca do outro lado.
Respiro fundo.
− Com certeza, mas ouça! Meu raciocínio é
meio dramático, porém não deixa de me assustar.
Olha no que o Oscar estava metido! Isso acabou
gerando um problemão para mim. Fiz coisas
terríveis, e por causa do Kai vou sofrer
eternamente. É uma espécie de castigo, não acha?
− Rainha do drama.
− Tenta seguir meu raciocínio! O que mais
pode me acontecer? Acho que preciso tomar
alguma providência, sei lá. Eu já disse né, isso
parece ser meu carma[1].
− Isola!
− Você não conhece um médium? – Pergunto.
− Acredita mesmo nessas coisas?
− Acredito na doutrina espírita. Não sou
praticante, mas já li muito. A Nora me emprestou
muitos livros. Em um deles eu li algo que diz que,
para toda ação sempre há uma reação, ou para toda
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a causa sempre há um efeito. Este fundamento é


algo lógico para tudo na vida.
− E o que tem isso a ver com você?
− Olha, é algo para se refletir. Uma vez eu li,
num desses sites que falam sobre o assunto, acho
que se referiam ao Livro dos Espíritos, de Allan
Kardek, que se buscarmos em nós mesmos, em
nossas próprias atitudes, quase sempre
encontraremos a causa de todas as nossas mazelas,
porém, caso não a encontremos à primeira vista,
isto não significa que ela não exista, pois não existe
efeito sem causa. Muitas vezes, as causas dos males
que nos acometem podem encontrar-se num
passado distante, em existências anteriores
momentaneamente inacessíveis pelo véu do
esquecimento.
− Ainda não vi ligação.
− Evy, provavelmente em minhas vidas
passadas eu fiz coisas ruins: causa. E estou
pagando: efeito.
− Ahhh entendi.
− Então, essa é a minha teoria para explicar por
que a metade das desgraças do mundo está caindo
sobre mim. Eu tenho certeza de que fiz besteira nas
minhas vidas passadas, e continuo fazendo, então
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eu preciso me preparar para comer o pão que o


diabo amassou, para sempre − fungo.
− Você é tão exagerada! Falou um monte de
abobrinha sem sentido. Levanta a cabeça e vamos
sair!
− Não quero.
− Recebi um convite para uma festa maneira
do Tom Hardy, no iate de um playboy − eu acho
que é árabe. Topa ir comigo?
− Sem chance. O Oscar me trouxe um convite
desses. Nem abri. Eu não estou em clima para
festas.
− Pode ser divertido e você está precisando.
Quem sabe você não conhece um gatinho e se
apaixona instantaneamente?
− Evy, não! Eu tenho que sair para arranjar
emprego.
− Ah, já ia me esquecendo. Liguei por isso
também. Não sei se vai querer.
− Fala, tô topando qualquer coisa!
− É que... É uma vaga para garçonete...
− Topo. Passa o e-mail para eu enviar o
curriculum.
− Não esperou eu dizer aonde é.
− Qualquer lugar é melhor que nada, amiga.
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− Não vai dizer a mesma coisa quando eu


disser o nome do lugar.
− Não importa… Okayyy, diz aí!
− É num cruzeiro. Não sei se você estaria
disposta a viajar no cruzeiro da...
− Claro que eu quero! Quem te falou dessa
vaga?
− É o que todo mundo está falando na Night
Feever, a nova boate onde estou trabalhando. As
garçonetes do lugar estão dando o fora, porque o
salário é o triplo.
− Ai Deus, obrigada!
− Mas tem uma condição que já eliminou mais
da metade das concorrentes.
− É? Qual?
− As garçonetes têm de falar espanhol fluente.
− Hum, estava bom demais pra...
Ela interrompe:
− Nem termina o que ia dizer, amiga! Eu sei
que você manda bem no espanhol.
− Ah eu não falo espanhol, eu arranho, por
causa da Consuelo.
− Fala sim que eu já ouvi você conversando
com ela.
− Tá legaaall!
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− E então, tá dentro? Fala que sim porque não


vai aparecer nada melhor. Você não tem
experiência nenhuma sem ser na área de arte. E
nessa área não conseguiu nada até agora. Grace,
essa coisa do espanhol vai ser a sua salvação.
− Talvez você tenha razão.
− É claro que eu tenho! Então se prepara e
envia um currículo! O e-mail é pdbetter@mtc.com.
A Evy desligou o telefone, mas antes me fez
prometer que eu iria com ela à tal festa do Tom
Hardy. Disse que todos os nossos amigos iriam,
que o iate do gringo era coisa de sonho e blá, blá,
blá.
Bem. Já que aquela oportunidade de trabalho
havia aparecido, eu não poderia desperdiçá-la, e o
salário era excelente. Acima de tudo me animei,
porque estaria em alto mar, me distraindo e
tentando me esquecer do Kai.
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Treze
Kai

− Comandante, Comandante. O que o Senhor


tem? Grace, este homem está morto!
− O helicóptero vai cair! A gente vai morrer!
Kai pelo amor de Deus estou com medo! O bebê, o
nosso bebê!
− Bebê? Você está me dizendo que... Está
esperando um filho? Por que não disse antes?
Calma, calma!
− Kaiiiiiiiii a gente vai morrerrrrrrrrrr!
− Ei olhe para mim! A gente não vai morrer. A
gente não vai morrer…

$$$

Ah, ah, ah…


Acordo na fazenda com o coração socando
meu peito e suando muito. Que sonho maluco e
trágico! Um bebê? (Risos) Que maluquice!
Depois daquela discussão terrível no hotel, eu
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decidi dar um tempo. Eu esperei a resposta da


Grace, sobre a minha proposta ridícula, mas ela não
se manifestou. Claro.
Droga, na verdade essa proposta foi uma
idiotice, porque fiquei desorientado quando ela
disse que ia sumir da minha vida, então sem tempo
para raciocinar, inventei essa proposta maluca.
Aliás ultimamente só tenho feito coisas
malucas.
De qualquer forma, mesmo com tudo o que
aconteceu, eu não desisti dela. Porém eu precisava
pensar no que ia dizer aos meus pais, quando os
encontrasse, porque os boatos já davam o nosso
casamento como acabado.
Eu só não entendi como souberam, mas não era
difícil de imaginar.
É sempre assim. Provavelmente algum
empregado do hotel ouviu a gente discutindo, viu a
Grace deixando o hotel, sozinha, e decidiu ganhar
dinheiro com a informação.
A ideia de ir para a fazenda foi uma saída
estratégica, com intuito de pensar em minha
situação. Eu precisava de tranquilidade e silêncio
para tomar decisões, e lá era o lugar perfeito.
Mas, ao chegar, fiquei sabendo que uma de
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minhas éguas − a Cinderela −, tinha morrido


envenenada, e eu tinha quase certeza de que foi
proposital. Isso acabou de me derrubar. Mas a
investigação estava nas mãos da polícia.
Reforcei a vigilância, principalmente deixei
homens cobrindo as cercas das divisas. Ninguém
tirava da minha cabeça que fora um ato criminoso,
para me derrubar nas próximas competições,
porque meus cavalos sempre venciam em todas as
categorias.

$$$

O helicóptero sobrevoa Nova York. Estou


apreensivo, ainda pensando na melhor maneira de
conversar com os meus pais, que não me deram
sossego na fazenda. E com razão. Eles não
entenderam nada do que aconteceu. Mas eu prometi
que assim que resolvesse um problema urgente na
empresa, eu voltaria para casa e conversaria com
eles.
Eu preciso falar com Grace também, mas ainda
não encontrei as palavras certas.
Acho que devo começar dizendo que estou
disposto esquecer que ela me usou para conseguir
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dinheiro e… Tsc, tsc, tsc… Eu não sou mais a


única vítima.
Entretanto, eu ainda não consigo fazer nada,
porque estou cheio de orgulho e mágoa no coração.
E aposto que ela também não quer me ver, depois
de saber que eu estraguei tudo.
Por outro lado, eu não posso sequer imaginar a
Grace fora da minha vida.
Na fazenda tive tempo pra refletir, então
cheguei à conclusão de que nesse jogo nós dois
perdemos.
Mas agora eu preciso engolir o meu orgulho e
aceitar que fui longe demais. Dizer isso a ela.
Preciso, acima de tudo me declarar − como ela fez.
E eu juro que agora acredito. Na verdade eu sinto
isso. Sinto com todo o meu coração.
Àquela discussão no hotel foi meio que um
acerto de contas − esclarecemos coisas, colocamos
nossos pontos de vista, eu desabafei, coloquei meu
ódio e ressentimento para fora e chorei, aliás
choramos.
Depois de alguns dias refletindo, me
lembrando das atitudes e do comportamento da
Grace, dos olhos dela, eu consigo enxergar o que
antes não via.
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Como pude ser tão cego e insensível?


A gente se ama, porra! E por amor, estou
disposto a apagar... Apagar não, rasgar essa página
feia e suja da nossa história.
Eu quero levá-la para bem longe e me casar
com ela de verdade. Essa história de casamento
falso nem precisa vir à tona.
$$$

Eu mal coloco os pés no heliporto do Edifício


Rosewell, e recebo uma ligação urgente do Marcus
Ortega, meu amigo detetive.
− O quê? Tem certeza? Você pode repetir? –
Ouço atentamente e respondo: − Certo, já estou a
caminho.
Disco o número do meu gabinete e aviso a Sra.
Binglay que não poderei estar presente à reunião,
por motivo de força maior.
A força maior é uma bomba chamada Nathan.
Chego ao DINY (Departamento de
Investigações de Nova York), em menos de vinte
minutos. Estou ansioso para ouvir tudo o que meu
amigo detetive tem a dizer, mas pelo que ele me
antecipou, é algo para se comemorar. Menos um
bandido nas ruas da cidade.
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− Marcus, como vai amigo? – Estendo a mão.


− Bem, Kai. E você?
− Estou levando.
− Falamos sobre esse o outro assunto depois.
Quero que veja no que o seu primo está metido.
Estamos há meses tentando identificar os
integrantes de uma quadrilha ligada à família
Black, sobre a qual já te falei. E advinha quem é
um deles?
− O Nathan.
− Ele agora foi longe demais, Kai. Está
seriamente envolvido com a máfia. Amigo ele vai
precisar de um excelente advogado.
− Por mim pode apodrecer na cadeia. Ele está
aqui?
− Estava, mas agora há pouco ele dominou um
policial, roubou a arma dele e fugiu.
− Puta merda!
Enquanto meu amigo explica sobre a operação
que farão à tarde, eu me lembro de que talvez o
Marcus possa me aconselhar sobre o caso da Grace
− se ainda poderão prender a quadrilha que
supostamente os chantageou.
Obviamente tudo já tinha acabado, mas o
Oscar poderia denunciar o chantagista. É claro!
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Agora que a Julie estava fora de perigo, seria o


momento adequado para desmantelar a quadrilha e
prender o cabeça, que segundo a Grace, apenas o
padrasto conhece. E só não o entregava por medo.
A Grace explicou que não registraram uma
queixa porque, segundo o Oscar, tinha gente da
polícia envolvida, e o sujeito tinha ameaçado matar
a menina, se eles denunciassem.
Contei tudo ao Marcus, que achou a história
muito esquisita, inclusive o desfecho do caso, mas
ele prometeu investigar.
Saio do DINY e vou direto para casa. Eu
preciso alertar a minha família sobre o Nathan, e
também tenho que ter àquela conversa com meus
pais.
Já em casa, primeiro conto sobre o meu primo
marginal.
Minha mãe fica decepcionada e começa a
chorar.
− A gente nunca vai ter sossego, filho? Por que
seu primo é assim? O que mais esse menino
pretende fazer?
− Mãe, eu reforcei a segurança na entrada da
casa. Ele está proibido de entrar aqui. E você está
proibida de sentir pena dele, entendeu, Sra. Müller?
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– Limpo as lágrimas dela e emendo: − Ele fez as


escolhas dele, mãe. Nós já fizemos a nossa parte.
− Mas Kai...
− Querida, o Kai está certo – meu pai apoia.
− Mãe, ele é um bandido procurado. É
perigoso. A polícia toda está atrás dele. Não se
arrisque!
− Está certo. Filho... Hum hum, e quanto ao
outro assunto?
Conto tudo sobre a Grace aos meus pais, mas
omito sobre o casamento falso. Claro. Na verdade
não pretendo contar isso a ninguém. Talvez não
seja necessário, se a Grace aceitar meu pedido de
desculpa.
Depois de refletir um pouco minha mãe diz que
sente pena dela.
Meu pai não aceita.
− Não quero ver a cara dessa mulher, Kai.
Anule esse casamento!
Ah, se ele soubesse!
− Eu não... sei se posso pai. Eu a amo.
− Como assim? Depois de descobrir que ela é
uma golpista, você ainda a ama?
− Aconteceu pai. Eu estou perdidamente
apaixonado por ela. Mas as coisas estão muito
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confusas pra mim ainda. Ela jura que foi


chantageada, que fez o que fez por medo, mas que
se apaixonou por mim − e no fundo eu acredito. A
polícia vai investigar o caso.
− Eu estou do seu lado, filho. Eu não sei por
que, mas também não acho que a Grace seja má –
mamãe me apoia.
− Querida!
− É isso mesmo, meu amor. A gente precisa
dar um voto de confiança. Ela jurou que fez essas
coisas porque estava sendo chantageada. Eu
acredito nela também.
Meu pai não relaxou. Ele reafirmou que o que
ela fez é imperdoável, independentemente das
razões.
Falei com o meu irmão e ele confirmou que
estará de volta no próximo mês, mas que já tinha
me perdoado, porém eu quero olhar nos seus olhos
e lhe dar um abraço.
Juro que depois que a ficha caiu, foi dele que
eu me lembrei primeiro, por tê-lo colocado numa
situação complicada.
$$$

Mais tarde, depois de seguir a Grace pelas ruas


PERIGOSAS NACIONAIS

de Nova York, sento-me numa cadeira confortável


e fico olhando para o nada.
Minha mãe me entrega uma xícara de café e se
senta ao meu lado.
− E então, o que decidiu?
− Já disse, vou ficar aqui por enquanto. Não
tenho cabeça para lidar com o trabalho ainda, nem
da fazenda nem do escritório de Ohio. Eu preciso
ficar perto dela, mãe. Eu preciso resolver essa parte
da minha vida primeiro.
− Depois de tudo que nos contou, e do que seu
pai disse, pensei que mudaria de opinião. −
Aquiesço. − Ela começou isso da forma errada.
Está certo. Ela te enganou − enganou a todos nós −,
mas ela não fez isso por maldade. Foi por aflição.
Além do mais eu sempre a observei muito. Ela é
uma boa garota, filho. Eu não costumo me enganar
e você sabe disso.
− Acha isso mesmo mãe?
− Aposto nisso. Você disse que ela vendeu o
anel para pagar a dívida... Deus, e eu que pensei
que essas coisas só acontecessem em filmes!
− Também pensava isso.
− Então, Kai, pensa comigo! Depois que a
Grace pagou a dívida, ela podia ter acabado o
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compromisso e seguido com a vida dela, mas não.


Ela quis continuar. Pode estar certo de que ela
gosta de você. − Eu balanço a cabeça. − Mas,
filho, não fica nem mais um dia nessa angústia. Se
ama a sua mulher, por que não a procura? Ainda dá
tempo.
− Tá vendo isso aqui mãe? − Eu mostro a
tatuagem com o nome dela. − Eu estava tão
apaixonado que quis fazer essa tatuagem. − Uma
lágrima rola. Coloco a xícara na mesa, logo minha
mãe me abraça.
− Oh Kai! Você é só coração! Às vezes acho
que você é tão intenso com os seus sentimentos!
Quando ama, ama demais…
Interrompo:
− E quando odeio fico cego.
− Isso mesmo.
− Na verdade descobri isso agora, porque
nunca tinha odiado ninguém – disparo.
− Lembro-me de quando você era garoto e
costumava fazer pactos com os seus amigos.
Lembra?
− Ah mãe lá vem você!
− E você cortava a própria mão para selar o
pacto com sangue. − Eu sou obrigado a rir.
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− Eu me lembro disso.
− Filho, ninguém é perfeito. Todo mundo
comete erros nessa vida. Ela é jovem, imatura,
frágil e influenciável... A Grace cresceu sem pai e
mãe. O padrasto não é confiável. Nunca fui com a
cara daquele homem. E, bem, depois do que você
contou, vejo que sempre tive razão em ficar um pé
atrás.
− Nem me fale. Ele ainda está atravessado em
minha garganta.
Minha mãe muda o tema.
− Então, filho. Você precisa pensar no que
realmente deseja. Tá, até agora estou chocada. Eu
gosto muito daquela garota, mas o que ela fez foi
terrível. A armação do anel para mim superou,
porém eu me coloco no lugar dela. Kai, a Grace
estava sendo chantageada. Imagina uma pessoa te
mandando vídeos de alguém que você ama,
ameaçando matá-lo!
− Mãe ela podia ter acabado com tudo, se
tivesse procurado a polícia. Por mais que eu tente,
não entra em minha cabeça que ela simplesmente
se deixou levar.
− Filho, a pobrezinha ficou sem ação. O medo
de perder a menina de uma forma tão violenta
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deixou-a assustada.
− Não concordo.
− Ah Kai, não estou defendendo a Grace, mas
eu me coloco no lugar dela. Imagina se fosse com a
gente? Eu sei que pensaríamos em chamar a
polícia, na hora, mas aí você recebe um vídeo em
que a... Willa, por exemplo, está sendo ameaçada
de perto. Ah não não julgue a coitada da Grace! Eu
acredito nela.
− Ah agora ela está certa?
− Não é isso. Já disse que ela errou, mas eu
tento não julgá-la. Eu me coloco em seu lugar.
Imagina, tão jovem e inexperiente sofrendo
ameaças!
− Arrrrrr, a Grace não faz ideia do que fez
comigo! No início eu queria esganá-la. Queria
pegar um bolo de notas e esfregar na cara dela,
queria...
Meus olhos queimam. Eu limpo as lágrimas
que insistem em cair.
− Filho não fica assim! Eu entendo. Sei que
está sentido e cheio de dúvidas, mas querendo
perdoar a sua mulher, porém sei também que o
orgulho ainda o está impedindo de fazer isso. É
difícil, eu compreendo, mas sei que pode virar o
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jogo.
− Só peço a Deus que me ajude a fazer isso.
Não consigo imaginar a minha vida sem ela, mas
quando eu penso muito, eu recuo. Por isso estou
indo aos poucos. Eu quero estar perto dela, mas
ainda não consigo me aproximar. (Se a minha mãe
soubesse da outra parte.).
− Na verdade vocês não tiveram muito tempo
para se conhecerem. Essas suas idas e vindas a
Ohio atrapalharam. E eu acho que namoraram
pouco tempo.
− Eu fui um bobo por tê-la pedido em
casamento tão rápido. Tem razão. Eu não conhecia
a Grace. O tempo que ficava com ela era pouco.
Não importa. Eu me dei conta de que fui longe
demais com a Grace e com todos vocês,
principalmente com o Conrad. Eu preciso falar com
o ele. Isso também tá tirando o meu sono.
− Não se torture mais, filho! Bem, depois de
tudo que conversamos eu espero que você faça a
coisa certa. Ouça o conselho da sua velha mãe, e vá
procurar a sua mulher. Conversem! Nunca é tarde
para se reparar um erro e recomeçar.
− Essa é a parte difícil, Senhora Müller.
− Tente esquecer a parte ruim. E quando se
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reencontrarem mostre para a sua mulher o tamanho


do seu coração. − Ela toca meu peito. − Plante uma
sementinha no coração dela e regue todos os dias.
Namorem, se conheçam, sejam honestos um com o
outro e acima de tudo se amem!
Beijo o alto da cabeça da minha mãe.
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Quatorze
Grace

No silêncio do pequeno apê, aproveito para


conferir as poucas linhas do meu curriculum, e
envio para o endereço que a Evy me passou.
Depois, deitada no sofá, cabeça querendo doer e
ligeiramente faminta, me recusando a comer
macarrão instantâneo, as coisas vêm à tona, e sinto
uma tristeza profunda.
Decido tomar um banho para relaxar um pouco
e tentar dormir.
Pelo amor de Deus! São seis horas da tarde e
eu quero dormir profundamente? A que ponto
cheguei?
Debaixo do chuveiro eu choro. Eu quero levar
numa boa e esquecer as coisas que tive que fazer,
como aquela merda daquela simulação de roubo,
mas não tem como apagar isso, né?
É claro que eu não me arrependo! Foi por
causa daquele dinheiro da venda do anel que nos
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livramos do filho da puta do credor bandido, e,


principalmente, conseguimos trazer a Julie de volta,
mas é óbvio também que não me orgulho do que
fiz.
Já em minha cama eu tento me esquecer de
tudo. Tento me concentrar e deixar a mente vazia
para que o sono me cure, mas é impossível porque
outra cena fica rodando na minha cabeça, e, essa,
eu juro que não quero me esquecer, pois ela me faz
sorrir sozinha e suspirar, como uma garota de
dezesseis anos que acabou de ser beijada pela
primeira vez.

Kai está me mordendo e passando a língua


perto da minha orelha, me fazendo gritar de tesão.
Eu fecho os olhos e me abraço. Rolo para o
lado e tento não sair da realidade. Tento não
fantasiar, porque dói não tê-lo comigo, depois
daquela noite.
Estou inquieta sem conseguir tirá-lo dos meus
pensamentos. Sem conseguir deixar de pensar em
como ele me despiu com os olhos e me desejou. No
que senti quando pediu a minha língua.
Essas lembranças me deixam molhada e com a
respiração pesada.
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Eu gemo.
− Kaiiiii.
Lentamente eu aperto minhas pernas e sinto
uma coisa gostosa quando faço isso. Então sem
pensar muito, eu coloco a mão dentro da calcinha e
manipulo minha parte mais íntima, lembrando-me
de como ele falava sacanagens em meu ouvido, de
como mordeu minha língua, deslizando a sua,
vagarosamente, pelos meus ombros − um a um −,
dando pequenas mordiscadas, até tocar meus seios.
Lembro-me de que a cada segundo ele ficava
mais duro, e recordo-me também da sensação que
senti quando ele encostou o pênis na minha coxa, e
da sua respiração ofegante e urgente dentro do meu
ouvido.
− Ahhhhhhhhh
Eu mordo o lábio inferior, sentindo tudo de
novo, assim como a língua dele circulando meus
mamilos e sugando eles, a mão ansiosa me
explorando…
Com um dedo eu faço movimentos circulares
em torno do meu clitóris e brinco com ele,
enquanto a outra mão segura firme o meu seio.
Nesse momento, mais do que antes, eu penso
na maneira como o Kai me encarava, como se
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movimentava sem deixar de me comer com os


olhos.
As ondas de prazer que senti voltam, os
espasmos dentro de mim e os arrepios pelo meu
corpo se intensificam, como se ele estivesse ao meu
lado e respirando fundo no meu ouvido.
É absolutamente mágico como, de olhos
fechados, eu me lembro e sinto a firmeza do pênis
dele me dando amostras de como está pronto para
me dar prazer e me fazer descobrir o quanto amar é
gostoso.
Eu quero mais.
Quero sentir tudo que senti quando ele mordeu
o interior da minha coxa e me deu aquele banho de
língua. Quando ele usou os dedos me mostrando
sensações absolutamente libidinosas.
Eu gozei. Nunca tinha tido um orgasmo de
verdade com um homem, mas naquele dia, naquele
momento eu gozei desesperadamente e
demoradamente.
Eu quero mais eu quero agora.
Aperto os olhos e consigo sentir a língua dele
me levando à loucura.
Meu dedo se move mais depressa e eu fico
louca, imaginando o momento em que ele montou
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em mim, como me penetrou, como fez isso devagar


no início, e foi aumentando as estocadas
energicamente, ligeiramente agressivo – de um
jeito gostoso e tentador.
A ansiedade e o tesão aumentam. É como se
ele estivesse aqui. Eu posso até ouvir a respiração
ruidosa dele, os grunhidos de prazer e a sua voz
carregada de emoção.
Naquele dia, naquele momento, eu fui às
alturas, e caí enfraquecida e saciada sob ele, que
rosnou ensandecido e saciado também.
Agora, eu gozo sozinha e choro.
Eu nunca mais serei dele. Nunca mais sentirei
suas mãos me acariciando e a sua língua me
descobrindo.
E é claro que eu tenho de me acostumar com
isso, porque do Kai, as únicas coisas que terei são
as lembranças da única noite de amor que tivemos e
que foi linda – pelo menos para mim.

$$$

Dois dias depois, estou na estação do metrô


quando meu celular vibra.
Atendo meio torta, porque estou carregando
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duas sacolas de supermercado, além da bolsa.


Um som esquisito ao fundo me causa
desconforto. Algo como uma máquina qualquer.
− Grace, Grace, é você?
− Quem é?!
− Gata, sou eu, o Nathan. Você pode me fazer
um último favor?
− Merda Nathan! Não quero falar com você!
Por que está me ligando? Não adianta me ameaçar,
porque não vai conseguir me extorquir. Você não
soube ainda?
− Já sei, você e o Kai já se separaram. Uau!
Isso vai para o Guinness World Records. [2]Kkkk,
eu sabia! Ele descobriu tudo né?
− Babaca!
− Ahh, obrigado! Mas estou sentido. Jamais
faria uma crueldade dessas com você.
− Me engana que eu gosto. Merda! O Oscar
não perde uma oportunidade, não é? É o maior
fofoqueiro da face da terra – suspiro. − Tudo bem.
É melhor que saiba logo de uma vez e me esqueça!
− Gata eu... Eu preciso me manter discreto...
Está vendo essa banca, aqui no fundo. – Olho ao
redor e vejo a tal banca. Ela parece estar fechada,
mas há alguns homens trabalhando por perto.
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− Sim. O que você quer? Esse barulho...


− Em nome do que rolou entre a gente... Você
poderia vir até aqui? Preciso te perguntar algo. −
Fico com medo.
Ele é um cara de pau mesmo! Em nome do que
rolou? Fala sério! Mas ele não seria maluco de me
fazer mal ali, num lugar público. − Pode vir até a
banca? Por favor!
− O que você quer de mim, Nathan? Pode
perguntar. Estou te ouvindo. – Então ele diz algo,
que não ouço bem, por causa da máquina que está
ligada perto dele.
− Venha, por favor, é questão de minutos!
− Está beeemm! – Desligo o celular e o coloco
no bolso da calça.
Segundos depois eu chego perto da banca.
Olho para os lados e não o vejo. As sacolas,
pesadas, machucando a minha mão.
− Vem aqui! – Ele me puxa para trás da banca,
desequilibrando-me. Minhas compras se espalham.
− Ai Nathan, que susto! Viu o que você fez?
Agora me ajude a juntar isso tudo! Foram meus
últimos dólares.
− Grace larga isso aí! Eu não posso ser visto.
− Não é problema meu se você é um bandido
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procurado.
− Já disse para vir aqui! – Ele me puxa
novamente e me segura firme pelos ombros.
− Eu vou gritar se... – Ele me vira rapidamente
e tapa minha boca, arrastando-me para trás da
parede que divide as lojas da estação.
Eu tento me soltar, mas o Nathan alto e muito
forte, consegue me dominar facilmente.
Estou em pânico.
Ele diz perto da minha orelha:
− Shhhhhhhh, calma! Eu não vou te fazer mal!
Não pode chamar atenção. Vou soltar você, mas se
gritar não vai ver a luz do dia. Estou armado. –
Balanço a cabeça. − Eu não quero nada de você, só
quero te perguntar algo.
− Então fala logo! – Digo num fio de voz, me
virando para ele, que está horrível − barba e
cabelos crescidos, despenteados, olhos vermelhos
provavelmente está drogado, para variar. Bem
diferente do gato loiro, olhos cor de mel que eu
adorava.
Estou tremendo.
− A casa caiu. Quero saber onde está o Oscar.
Ele vai ter que me ajudar. Eu preciso de um lugar
para me esconder, além disso, ele tá com a minha
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grana.
− Eu... Eu... Não...
− Não me venha com mimimi! Sei que sabe pra
onde ele foi. Abre o verbo! Se ele não me ajudar,
eu vou ser preso, mas eu não vou sozinho, como
antes... Dessa vez dinheiro nenhum não vai me
silenciar.
− Ele disse que ia levar a Julie... O quê? Como
assim? O que você acabou de dizer?
− Fala agora! – Ele grita.
Grito de susto, tapando meus ouvidos.
Um homem que passa pelo local vê a cena e
pede ajuda.
− Socorro, tem uma mulher sendo assaltada.
Pega, ladrão!
− Idiota! – O Nathan diz e sai correndo.
Estou prestes a cair. Minhas pernas quase não
me obedecem.
− Está tudo bem? Aquele mau-elemento a
machucou?
− Não, estou bem, Obrigada por me ajudar.
Depois de apanhar minhas coisas no chão,
agradeço ao homem e corro para entrar no metrô,
que acaba de abrir as portas.
Assustada e exausta, pelo esforço, escoro na
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porta, já fechada, e olho para fora


despretensiosamente, mas só o que vejo é o Nathan
fazendo mímica, porém não entendo o que ele diz.
Eu mal posso acreditar no que acho que acabei
de descobrir. O Oscar, o meu padrasto, que eu
pensei que fosse tudo − menos bandido −,
envolvido com coisas ilegais, falcatruas... Deus, e a
Julie? Espero que ele a tenha deixado na casa da
avó.
Pobrezinha, ela não merece o pai que tem.
Deus, minhas preocupações nunca acabarão?
Aposto que essa viagem para o Texas, além de
ser para se ver livre da filha, para, obviamente,
deixá-lo à vontade, tem algum outro motivo oculto.
E, se ele recheou a mochila da menina de dólares?
Aquelas malas a mais… É isso! Quem desconfiaria
de um pai viajando com a filha?
Eu juro que não fazia ideia de que ele fosse
capaz de algo tão baixo!
Sento-me na primeira cadeira que vejo e fico
pensando.
Eu vinha desconfiando da ligação do Oscar
com o Nathan há meses, mas eu pensei, e o próprio
Nathan tinha dito, que o meu padrasto era seu
advogado.
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Então algumas conversas e acontecimentos


começam a voltar a minha cabeça, como aquela
última vez que atendi o celular dele, as charadas na
igreja, aquele papo de Europa... E depois na festa.
Deus, não posso acreditar! Se o Oscar está
envolvido com coisas erradas... O sequestro… Não,
uma coisa não tem nada a ver com a outra! Ele não
faria...
Dou um tapa em minha testa.
Deixa de ser boba, Grace Kelly! Ele não teria
ido tão longe... Ou teria? Mas e aquela conversa
na festa, quando o Oscar disse que o Nathan não
atiraria no próprio pé?
Lembro-me de que o Nathan e o Oscar ficaram
falando coisas desconexas, e metáforas...
Estou chocada!
A Evy liga, logo em seguida, para confirmar se
eu vou à festa com ela, à noite.
− Evy, me tira dessa! Estou sem a menor
vontade. Se coloca em meu lugar!
− A gente toma umas cervejinhas e você
relaxa. Tá precisando minha amiga!
− Estou mesmo. Mas se prepara para ouvir o
estrondo de uma bomba, quando você souber o que
acabo de descobrir. Bem, eu não descobri, é só uma
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desconfiança, mas é algo muito grave.


− Então posso contar com você?
− Tá legaallllll! Mas só vou para te fazer
companhia, e porque estou maluca para te contar o
que eu acho que descobri.
− Ok, eu passo em seu apê e a gente se arruma
juntas.
− Combinado. Acho que assim vai ser melhor.
Quando a Evy chega, eu já estou dentro de uma
blusa levinha, bege, simples, mas bonitinha, shorts
jeans e botas marrons; também decido usar brincos
e um colar lindo que a senhora Müller me deu.
Este é o tipo de roupa e acessórios que as garotas
costumam usar nas raves do Tom Hardy − roupas
descontraídas.
O tempo não está muito quente, mas dançando
e bebendo o clima ferve.
Evy está de shorts, blusa curta, roxa, e botas
longas, pretas.
Ousamos na maquiagem. Na verdade eu não
estou a fim de nada, mas ela sempre me bota pilha.
Então me deixo levar.
Os cabelos loiros platinados da minha amiga
estão lindos, soltos. Ela arrasa sempre. Os meus,
definitivamente, precisam de um carinho. Até eles
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estão deprimidos.
Decido prendê-los um pouco.
Uso a chapinha, apenas para dar um toque final
aos fios, que deixo desfiados.
Saímos apressadamente.
O vizinho elogia.
Sorrimos para ele e começamos a nossa luta
para conseguirmos um táxi, que a Evy se oferece a
pagar.
− Sei não amiga, acho que a festa vai ser
debaixo de um chuvão!
− A gente dança assim mesmo. Ah vamos
curtir! A gente tá precisando relaxar. Você
principalmente! – Evy incentiva.
O táxi nos deixa a dois passos do ancoradouro.
Vejo o Luna Blanca e sinto um frio na barriga.
Seria péssimo se o Kai estivesse ali e me visse.
− Vamos depressa, eu não quero ver o Kai.
Respiro fundo e agarro a mão da Evy para
subirmos a pequena rampa de acesso ao iate.
Confesso que me sinto travada e muito
nervosa.
Na entrada entregamos os convites para o
recepcionista e somos liberadas.
O lugar está movimentado.
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Vejo algumas pessoas conhecidas e


cumprimento-as, ao passar.
− Ora, ora, quem é viva sempre aparece!
− David? Que surpresa! Há quanto tempo,
hum? − Ele me apresenta à sua acompanhante, que
me cumprimenta com dois beijinhos.
− Fiquei sabendo que se casou. − David diz,
abraçando a amiga por trás.
− Aham, já sabe também que acabou?
− Ah jura? Não gostou da vida de casada? − A
Kim, acompanhante dele pergunta.
− É uma longa história, da qual não quero me
lembrar. Hoje eu prefiro esquecê-la.
− Então você precisa de uma dessas. − Ela
mostra um copo de algo vermelho.
− Hum parece bom. O que é?
− Não sei o nome, mas é um coquetel de frutas
com vodca. Tá muito gostoso!
− Bem-vinda, Senhorita! − Um cara gato −
muito gato −, me cumprimenta.
Eu sorrio.
A Kim mexe os olhos. Parece querer me dizer
algo. Olho ao redor e procuro pela Evy, que sumiu.
− Hum, hum, este é o Hassan Farah. − O David
apresenta.
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− Muito prazer, Grace Kelly Müll... Quero


dizer, apenas Grace, por favor!
Idiota!
A Kim sorri com o meu embaraço.
− Grace Kelly… A senhorita é bem famosa,
hein? Acho que uns dois ou três rapazes da festa,
disseram que faltava a senhorita aqui.
Arregalo os olhos, surpresa.
− Jura?
− E eles tinham razão. − Fico vermelha. Fala
sério! Isso já é uma cantada?
Tento desconversar.
− O senhor é... Árabe ou...
− Sou de Dubai. Conhece a minha cidade,
senhorita? − Ele pergunta me segurando pelo braço
e me conduzindo educadamente. − Olho para trás e
faço cara de dor para a Kim, que ri. Eu não tô a fim
de papo. E antes que eu responda, ele emenda: − É
a maior cidade e emirado de mesmo nome dos
Emirados Árabes Unidos.
− Não, infelizmente, mas eu adoraria conhecer.
Já vi muitas fotografias pela internet. É top. Um
lugar incrível!
− Tenho que concordar. Adorei o “top”. – Ele
ri.
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Hassan fala inglês fluente, embora com um


sotaque carregado, o que o deixa charmoso. Não
posso negar que é um homem lindo − alto, moreno,
cabelos negros, olhos castanhos claros e uma barba
linda, estilosa. Lembra o modelo Omar Borkan.
Olho insistentemente para os lados à procura
da Evy e quase desmaio quando vejo o Nathan.
Aposto que está rolando drogas nos camarotes.
− Está procurando alguém, senhorita?
− Grace, por favor. Sim, estou procurando uma
amiga que veio comigo.
− Ela deve estar se divertindo. A música está
do seu agrado? Pedi ao DJ algo bem americano.
− Está sim, tudo está perfeito. Hum, hum... Ah
me desculpa, mas preciso procurá-la. Você me dá
licença?
Eu nem espero pela sua resposta, mas não
estou à vontade, sabendo que o Nathan está na
festa, depois de tudo que ele fez na estação,
principalmente, depois das coisas que me disse.
Quero distância daquele marginal, e quando o
Oscar aparecer, eu juro que quero distância dele
também. Já vinha pensando nisso há tempos. E o
convite da minha amiga para dividirmos o
apartamento, tinha vindo a calhar. Embora, muito
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provavelmente, se o que o Nathan disse for


verdade, o destino do Oscar seria a cadeia.
− Eu não acredito que vai deixar esse gato para
procurar a sua amiga! − A Kim diz, quase dentro
do meu ouvido, quando passo por ela, de novo, e
pergunto pela Evy.
− Tá mudada, hein, Grace! − O David diz
sorrindo.
− Como assim mudada?
− Não sei – silêncio por um segundo. Ele
parece pensar. − Quieta, triste... Está diferente
daquela garota eufórica e pra cima que não perdia a
oportunidade e uma música como esta. – Rolava
Rihanna, Work. – Aquela Grace só parava no fim
da festa, quase ao raiar do dia.
− Também tenho saudades dela, David! O
nome daquela garota era alegria. Naquela época eu
não tinha os problemas que tenho hoje. – Ele fica
me encarando.
– Uau! Não fazia ideia. Desculpe!
− Tudo bem. Não vamos falar nisso. Desculpe,
mas vou ver onde está a Evy.
Quando chego ao convés vejo dezenas de
pessoas segurando seus drinks. Garotas lindas,
vestidas como a Evy e eu − um visual bem
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informal. Os homens estão de bermudas e


camisetas leves.
Fico sem graça quando o Hassan se aproxima
por trás. Permaneço parada, sem saber onde enfiar
minha cabeça.
Os convidados me observam. Algumas garotas
tentam disfarçar, mas acho que estão gozando com
a minha cara, por causa da história do meu
“casamento” − um fiasco que a imprensa fez o
favor de divulgar, maldosamente. Eu só não faço
ideia de como descobriram. Se eles soubessem da
outra parte…
Vai entender!
Ainda bem que ninguém soube os motivos.
Isso ficou entre a família e os amigos mais íntimos,
como o Dante e a Evy. Mas apenas a Evy e os tais
amigos do Kai, é que sabem de toda a verdade.
Eu fico invocada ao me lembrar da cara do
padre. Merda! Por isso ele riu naquela hora
durante a cerimônia. Ah filho da puta!
− Para tudo! Eu não acredito! Minha querida
Grace Kelly, você veio? Onde está o maridão? O
cara mais sortudo da cidade! – O Nathan zoa.
Fuzilo-o com os olhos. − Estava maluco para te
encontrar. Vem cá! – Ele me arrasta.
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O Hassan fica olhando, mas dá as costas e se


afasta um pouco.
− Me larga! – Puxo meu braço.
− A gente precisa terminar aquele papo – diz,
arrastando a voz.
− Não tenho mais nada para dizer. Me esquece!
Ele me puxa e me abraça forte. Tento me
soltar, mas estou presa.
Que ódio!
− Eu não vou te largar, gata. Preciso daquela
informação.
Os olhos dele estão arregalados e vermelhos.
Provavelmente está doidão, como sempre.
− Nathan... Você está chapado. Não força, por
favor! Se eu gritar aqui pode ter certeza de que vêm
um monte de caras e te botam para fora.
Empurro-o.
Ele levanta as mãos.
− Okayyy − ele diz tentando se equilibrar.
Fico observando o movimento para ver se
encontro minha amiga.
– Não viu a Evy? – Arrisco.
− Ela está no lugar mais animado do iate, onde
eu estava. Saí de lá pra conseguir um bagulho.
Veja!
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− Esconde isso, cara!


Uma interrogação.
− E... Onde seria esse lugar? Pelo que estou
vendo a animação aqui é geral.
− Proibido para senhoras casadas. Ô ô...
Esqueci que seu marido te chutou. Aquele imbecil!
Onde já se viu uma gata dessas! – Ele segura meu
queixo. Dou um tapa na mão dele.
− Nathan, fica na sua! – Ele ergue os braços, e
volta a se movimentar desengonçado.
Um garçom passa pela gente. O Nathan apanha
uma bebida e berra:
− Uhuuuuu, e viva a liberdaaaade!
Afasto-me um pouco.
− Evy, sua maluca, cadê você? – Pergunto,
baixinho.
Ele se aproxima e diz:
− Gata, ela tá se divertindo e você já sabe de
que jeito.
− Fica na sua!
− Que seja! Hum, hum... Podemos conversar
num lugar privado? − Ele insiste.
− Claro que não, cara de pau!
− Ah Grace, eu preciso falar com você. É papo
sério!
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− Papo sério? Como lá no metrô? Não


obrigada, tô fora! Não tenho nada a ver com os
rolos entre você e o Oscar.
− Onde está aquele mau-caráter do seu
padrasto? Você tem de me dizer.
− O sujo falando do mau lavado. Só rindo
mesmo. Já disse que não sei!
− Você vai ter que me dizer... – Ele agarra meu
braço.
Eu me preparo para gritar, mas…
− Ah você está aqui! – O árabe, que cimou
comigo, me livra do Nathan. Pelo menos isso! −
Venha comigo, minha querida! – Puxa-me pelo
cotovelo.
Humm, não vou negar que ele é muito
cheiroso!
O Nathan fica invocado. Juro que prefiro a
companhia do árabe, praticamente desconhecido, a
dele.
Sigo o anfitrião da festa pela lateral do iate, que
é enorme, e vejo todos comentarem.
Ele me leva ao seu camarote e me canta de
novo.
− Confesso que estava louco para conhecê-la.
Sente-se, por favor! Os irmãos Hardy falam muito
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de você.
Não diga!
Enquanto me dirijo à poltrona que o Hassan me
indica, ele segue para o bar e coloca uísque em dois
copos. Observo que faz isso bem devagar.
Sento-me, mas fico incomodada.
Uma batida à porta do camarote chama nossa
atenção.
− Pode entrar!
− Hassan, eu preciso… − O Tom Hardy desvia
os olhos e me vê –, Grace Kelly! – Ele se aproxima
e pega minha mão, erguendo-me, girando-me. –
Uau! Você está linda!
− Precisa de alguma coisa, Tom? A gente vai
tomar um drink, aceita um?
− Não, não… Obrigado, só preciso que me
passe a lista das músicas. O Edward disse que você
acrescentou algumas, mas não consigo localizar
meu irmão.
− É verdade. Mmmmm… Deixe-me ver! Aqui
está.
− Obrigado. – Ele olha para mim. − Foi um
prazer revê-la, Grace. Depois dá uma passada lá no
alto, na parte mais divertida da festa. Precisamos
colocar o papo em dia.
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− Está bem. Adorei rever você também.


Depois que o Tom fecha a porta o Hassan volta
e apanha os copos.
− Eu não quero beber. Estou preocupada com a
minha amiga. Se não se importa eu vou procurá-la.
− Tento me levantar, mas ele já está a minha frente
com o copo estendido.
− Oh, por favor, um drink apenas! − Eu sorrio
quando vejo sua cara de pidão e aceito, apenas por
educação. Eu não vou ficar bêbada com apenas um
copo.
− Ouvi por aí que se casou e na manhã seguinte
saiu do hotel sozinha. Disseram também que já
estão se divorciando.
− Puta merda! Rum rum, me desculpe, é que...
Eu fico invocada com essa gente fofoqueira! A
imprensa às vezes é uma droga.
− Não, por favor, não se zangue! Eu é que peço
desculpas. Isso não é da minha conta. É que... Você
é uma mulher tão bonita! Fico me perguntando
como um homem deixa uma beldade dessas
escapar, depois da lua de mel. ​− Ele sorri
interessado.
Viro o copo de uma só vez, com raiva.
Ele se levanta e apanha a garrafa.
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− Obrigada, mas tenho mesmo que ir. É que a


minha amiga pode estar em apuros. − Aperto os
olhos.
− Apuros aqui? Não, não, não, não. Aqui só
tem gente selecionada. Ninguém vai fazer mal à sua
amiga. Perdão? Selecionada? E o Nathan? −
Prometo que ela está se divertindo. Está dançando.
− Ele diz servindo-me mais uma dose e se sentando
ao meu lado.
Fico olhando para o copo e percebo que estou
estranha.
Merda!
− Está se divorciando mesmo? Não quero
problemas com o seu marido.
− Senhor Farah, o senhor...
− Hum, hum... Hassan, por favor! − Sorrio
desconcertada. Ele está ao meu lado. Posso sentir a
sua respiração pesada perto do meu rosto.
− Hassan, estou me sentindo estranha, eu
preciso sair...
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Quinze
Kai

Estou há várias horas sentado num pub que tem


perto da marina. Johnnie Walker[3]me faz
companhia. Max e o Jordan, dois amigos do Jiu-
Jtsu, chegam e se sentam comigo.
A gente coloca o papo em dia, e confesso que
me divirto muito, porém quando eles perguntam
sobre Grace eu me sinto mal e disparo a beber
mais.
Bebemos até o início da noite, e, eu, fatalmente
fico bêbado. Eles custam a me convencer que eu
devo ir embora, porque uma grande tempestade
está por vir.
Porém eu quero me embriagar. Quero beber e
criar coragem para consertar as trapalhadas que fiz.
E a quero. Quero muito. Ela é minha e não
abro mão dela.
Depois de ouvir o conselho dos meus amigos,
eu decido ir embora, mas eu não posso ir para casa.
Minha mãe surtaria se me visse nesse estado.
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Decido ir para o Luna.


As ruas estão movimentadas. Carros e pessoas
se apressam para fugir da iminente tempestade. Eu,
bêbado, vou trocando as pernas e lutando contra o
vento. Mas inevitavelmente paro algumas vezes,
tentando me equilibrar, porque ele parece querer
me carregar.
Algum tempo depois, finalmente consigo
chegar ao iate, mas estou um trapo, por isso vou
direto para a cama e me deito, sentindo milhares de
coisas incompreensíveis.
Porém estou inquieto.
Trôpego, eu me levanto da cama e vou até a
cozinha apanhar uma cerveja para beber no convés.
O vento uivante desconta toda a sua fúria no
mar, que se revolta e joga suas ondas contra os
barcos. Todos estão furiosos. Eu estou furioso.
Estou irado comigo mesmo.
− Ahhhhhhhh − eu rosno com a voz embargada
e arrastada, depois de beber um gole longo.
Estou chorando.
− Grace, Grace... Graceeeeeeeeeeeeeee! –
Grito para o mar revolto e arremesso a latinha. −
Grace sua maldita... Sua... Sua linda. Por que, por
quê? Por que fez isso comigo? Oscar seu fodido.
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Eu... Eu vou te...


Balanço a cabeça, cansado, e tento voltar para a
cabine, mas ouço alguém me chamar.
− Kai! − Olho para trás e vejo duas mulheres.
− Kai, sou eu, Mariane!
Mariane Rocco? O que essa mulher quer
comigo? Merda!
− Não ultrapassa! Mulheres não são permitidas
no meu barco.
− Mentiroso! − Ela diz sorrindo. – Certo, seu
pai me pediu para te procurar. Ele está preocupado,
mas a gente sabia que estaria aqui. Ele só pediu
para eu checar. E também queria te mostrar uma
coisa.
− Porra!
− Ei, ei, onde estão seus modos?
− Não tenho modos. Sou um ogro, como a
Grace disse.
− Nossa, essa garota te marcou mesmo, hein?
Tá certo. Que tal isso? − Ela estica o braço.
− O que é isso, Mariane? Olha, não estou
enxergando bem – digo trocando as penas.
− Ah, mas isso você vai enxergar. Veja o nome
bem no centro, acima.
Ela me entrega o envelope e fica esperando.
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Olha para o iate, que está movimentado, e comenta


algo, mas não dou ouvidos.
− Por que está com o currículo da minha
mulher?
− Sua mulherzinha quer trabalho no cruzeiro.
Garçonete. Ela quer ser sua empregada Kai. E aí?
Faço o quê?
Olho para aquele currículo e me lembro de que
um dia disse que desejava ver a Grace trabalhando
duro para dar valor ao dinheiro.
Balanço a cabeça e faço uma cara descontente,
mas não estou em condições de decidir nada.
− Pode deixar isso comigo. Eu tô chapado
demais para ler ou decidir qualquer coisa. Obrigado
Mariane, pode ir!
− Não tão rápido Kai! Já que estou aqui... Tem
certeza de que prefere ficar sozinho a desfrutar de
uma companhia feminina? A gente pode terminar o
que começamos naquele dia.
− Mariane não começa! − Então ela me abraça
por trás, mas estou sem a menor condição.
− Ah vadia, eu sabia que você não prestava
desde quando te vi pela primeira vez! − Ouço outra
voz de mulher.
Giro, alarmado. A Susan está a dois passos de
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nós.
− É Mariane, perdedora!
− Susan, o que está fazendo aqui?
− Sua mãe está preocupada. Ela me pediu para
ver se estava bem. A Sra. Müller tinha certeza de
que estaria aqui.
− Meus pais são inacreditáveis. Adeus
privacidade! Já viram. A saída é por ali.
− Vaza! – Mariane olha para Susan, apontando
a escada.
− Puta! – Susan berra.
− Ora, era só o que me faltava! As mulheres
dessa cidade são sempre assim, tão efusivas? Ainda
bem que fui criada na civilização, com classe.
Detesto gente barraqueira. Vai lá cuidar dos seus
bichos! Ninguém te chamou aqui!
− Kai, você vai deixar sua empregada me tratar
assim? – Susan pergunta com voz de choro.
− Vão embora as duas! – Ordeno nervoso,
cambaleando.
− Eu não vou enquanto essa oferecida não sair
daqui!
Susan declara guerra.
− Veja bem o que está dizendo, hein? Eu tenho
classe, mas não tenho sangue de barata! − Mariane
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diz se aproximando da Susan.


− Quero as duas fora do meu barco, ou eu
mesmo jogo vocês para fora.
− Você não faria isso! − Susan diz se
aproximando de mim e tocando meu rosto.
Mariane se enfurece e retira a mão dela.
Susan, disposta a tudo, puxa Mariane pelos
cabelos e provoca uma briga.
As duas estão se estapeado e arrancando os
cabelos uma da outra, e, eu, bêbado, tentando
separá-las, mas num dado momento uma bolsada,
que era para Susan, me acerta em cheio no rosto.
Logo me afasto ainda mais tonto e acabo no chão,
nocauteado.
As duas continuam, até que se desequilibram e
caem no mar.
− Aaaaaaaaaaaaaaa! − Ouço os gritos
desesperados das duas. A cena é hilária e me faz rir
muito.
− Bem feito! Não quero mais ver as duas no
meu barco. Aliás, se continuarem com essas
atitudes não precisam mais me procurar.
− Kaiiiii − Susan berra. − A gente é amigo.
Somos amigos desde sempre. − Ela dá murros na
água.
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− Ah, por favor, não me faça rir! Amigos não


trepam. Você que é a puta aqui! − Mariane diz
invocada.
− Não me provoca que eu te afogo! − Susan diz
tentando nadar para sair, porém Mariane continua:
− Me afogar? Vai precisar ser bem forte. − Ela
puxa os cabelos de Susan que afunda.
Dois homens que estão por perto, quase sendo
levados pela ventania, se divertem com a briga das
duas, mas decidem intervir, porque, provavelmente,
o mar furioso mataria as duas, ou uma mataria a
outra.
Estou tão sem motivação que não ligo.
Dou um tapa no ar e me viro.
Algum tempo depois, eu ainda estou de porre e
sou um porre. Eu quero estar só, quero chorar e
gritar a Grace, mas parece que não querem me
deixar curtir uma fossa.
− Kai! − Ouço uma voz feminina e me viro.
De novo?
− Su... Susan? O que está fazendo aqui,
novamente? Eu quero ficar sozinho, porra, vai
embora!
Ordeno, indo ao seu encontro e apontando para
a escada.
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Minha voz me denuncia.


− Ei, ei, calma! Você está muito bêbado.
Deixe-me te ajudar. Sua mãe está preocupada. Eu
esperei aquela mulher ir embora e voltei para
cuidar de você. − Ela diz me abraçando.
Desequilibro, mas ela me ampara. − Por que
isso agora, Kai? Não precisa ser assim. Estou aqui
para te apoiar, como sempre.
− Susan, eu não sou boa companhia hoje. Não
insista!
− Eu nunca deixaria você sozinho nessa
situação. Venha, vou levar você para a cama e vou
te fazer um café amargo.
− Susan você nunca desiste? Eu não posso te
oferecer nada. Olha para mim! Estou um trapo. Não
sou mais o mesmo, desde... − Choro.
− Kai, eu nunca desistirei de você. Vem
comigo, vou fazer você se sentir melhor.
Não resisto mais e me deixo levar.
Susan me ampara e me ajuda a chegar à cama.
Fica ao meu lado alguns minutos, acariciando meu
rosto e depois sai.
Fecho os olhos e só o que vejo é a Grace.
− Por que, por quê? − Pergunto pela milésima
vez, entre lágrimas. O braço sobre os olhos.
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Susan retorna com uma xícara na mão e me


ajuda beber. Em seguida coloca a xícara vazia
sobre o móvel e novamente investe.
Sinto-me acabado e sem forças para nada.
Susan quer transar, mas eu não tenho a menor
condição. Aliás, não quero transar com outra, só
com a Grace, mas acho que depois daquela noite,
não vai mais rolar.
Eu fodi com tudo.
− Kai, você nunca me rejeitou. O que está
acontecendo com você?
− Não percebe Susan? Não pode ver que estou
destruído?
− É por causa daquela sonsa? Aquela mulher
separou a gente e fez da sua vida um inferno. Eu
disse que não seria feliz com ela!
− Vai embora! Você parece uma bruxa falando
assim! Eu não quero falar da minha mulher com
você. Não quero te machucar. Vai chover muito.
Vai embora, por favor!
− Você já me machucou. Fez isso no dia em
que disse que se casaria com ela, mas, Kai, agora
não estão mais juntos!
− Droga!
− O que ela fez pra te deixar nesse estado, meu
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amor? Ela te machucou muito. Você nunca chorou.


Estou chocada! − Susan me abraça e me deixa
irritado. − Veja como está? Essa mulher precisa
sumir! Tomara que ela morra!
Uma força repentina toma meu corpo, então
empurro aquela mulher. Suas palavras foram duras
e carregadas de ódio. Sei bem o que este
sentimento pode fazer.
− Vai embora! Eu não estou no meu melhor
dia, Susan. É só isso. Tomei um porre e não estou
dizendo coisa com coisa. Além disso, já disse que
vai chover!
− Não ligo, já estou molhada mesmo! Kai, até
hoje fiquei na minha, quietinha, e já tinha aceitado,
mas não consigo ver você desse jeito. Eu te amo,
Kai Müller! A Grace é a bruxa. Aquela vadia te
enfeitiçou, mas pode ter certeza de que o mal
retornará para ela. − Susan se levanta e sai.
Deixo-me cair novamente, de olhos fechados.
Estou esgotado, de saco cheio, cabeça
doendo… Acabo dormindo.
Acordo algum tempo depois com barulho de
fogos de artifício e trovões. Ainda está escuro. Eu
me sinto enjoado, mas já estou lúcido, porém ainda
muito cansado. Então decido ficar quieto, mas ao
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longe, o barulho da festa no iate me incomoda.


Gente maluca, debaixo de chuva!
Eu tento dormir. Ainda preciso de muitas horas
de sono para me recuperar, só que não está fácil.
Coloco o travesseiro na cabeça para abafar o
som, mas não adianta, porque os céus também
estão furiosos.
Arremesso o travesseiro para longe e me
levanto para ver aquela algazarra, mas antes mesmo
de eu chegar, eu ouço as centenas de vozes agitadas
cantando uma música do Pitbull – “Don't Stop The
Party.”.
− Poorra!
Do nada eu me lembro de que fui convidado
para aquela festa. Eu sempre recebo os convites das
festas do Tom Hardy. E se eu fui convidado,
provavelmente a Grace também foi.
Lembrar-me disso me deixa irritado, porque só
de imaginar a minha mulher, aliás, a mulher que eu
amo, no meio daquela festa, onde eu sei que rola de
tudo, sendo paquerada por outros homens, me tira o
ar.
Procuro pelo meu celular e não o vejo.
Provavelmente o deixei na cozinha.
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Dezesseis
Grace

O Hassan quer ficar comigo, até tentou me


beijar, mas eu saio correndo do camarote dele
porque estou estranha, eufórica, pilhada e tenho
muita vontade de dançar.
Eu não sei o que está acontecendo. Meu
coração está batendo rápido, e eu me sinto
animada, louca para ver gente.
Não demora muito e encontro o Nathan, que
puxa a minha mão e me força a ir com ele a um
canto − eu, rindo histericamente, sem parar.
− Nathan, seu maluco, quase caí!
− Gata, tomou um negocinho? Não vejo você
assim desde aquela festa em que te dei aquele
comprimidinho. Agora a gente termina aquela
conversa, que tal?
Eu não estou entendendo bem as coisas. Estou
confusa, mas muito acesa. Não consigo parar de me
mexer e sinto um tesão inexplicável.
O Nathan me puxa e me beija.
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Estou a fim de dar uns amassos e não reajo


quando ele coloca suas mãos nas minhas pernas,
depois na minha bunda, levando-me para perto
dele.
− Grace, Grace. Eu quero te comer. Vem
comigo!
Então meu celular vibra e eu atendo a
chamada, brincando, como se fosse a secretária
eletrônica:
− Grace falando. Deixe o seu recado que
após...
− Grace!
Eu balanço a cabeça como se ele pudesse me
ver.
− Kai? Kaiiiiiiiii que saudade!
− Porra! − O Nathan diz tentando tomar o
celular da minha mão. − Vem comigo gata!
− Não me diga que você está nessa festa
maluca do Tom? Eu preciso falar...
− A festa tá maneira. Estou bebendo e me
divertindo. O Nathan está comigo. Uau, Kai! Estou
muito doida. Vem pra cááá! Vem dançar comigo,
vem beber!
− Você está drogada? Espera, você disse que o
Nathan...
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− Estou num iate maravilhosoooooo, de um


árabe, e com muita gente bonita... O Tom mandou
bem mais uma vez.
− Você é maluca? O céu está desabando e você
está... Eu vou te buscar!
− Kai a festa tá bombando, rá, rá, rá.
O Nathan toma o celular da minha mão.
− Kai, brother, a Grace e eu… Ahhh não vou
dizer. A gente tá muito doidooooo!
Uhuuuuuuuuuu!
− Me dá aqui, Nathan! Kai meu amor, vem me
ver! Estou maluca para te ver. Eu quero te beijar
e... Nathannnnnn. Kkkkkk.
− Me dá aqui este telefone! − O Nathan pega o
aparelho de novo e diz:
− Vem não! Pode deixar que eu cuido dela.
Você chutou a pobrezinha, que estava triste, mas o
Hassan já deu um negocinho pra ela, e agora a
gente vai se divertir!
− Ora seu... Vocês drogaram a minha mulher?
− Sua mulher? Bro você deu um pé na bunda
dela. Agora é de quem chegar primeiro. Perdeu!
Tomo o celular dele e digo:
− Vem amor. Eu preciso é de você!
− Estou a caminho, baby, não deixa o Nathan
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encostar em você!
− O Kai vai viiir, uhuuuuuuu!
Britney Spears está levando os convidados ao
delírio com uma música que eu amo, Toxic. Canto
também.
♫”Baby, can't you see? I'm callin'
A guy like you should wear a warnin'
It's dangerous, I'm fallin'
There's no escape, I can't wait
I need a hit, baby, give me it
You're dangerous, I'm loving[…]”♫

A euforia toma conta de mim.


Então jogo a minha bolsa com celular e tudo no
Nathan e saio correndo em direção à música.
Chego ao segundo pavimento do luxuoso iate,
que tem três andares. Uma música do rapper
Pitbull, “Freedom”, que eu amo também, faz o iate
tremer e faz com que os meus pés se movam
praticamente sozinhos.
Meu coração bate tão rápido que eu tenho a
impressão de que vai explodir.
Estou cheia de energia, menos presa, corajosa.
Quero cantar, dançar, fazer amigos, beber... Estou
me sentindo tão feliz que quero todo mundo
sentindo a mesma coisa.
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Abraço um cara qualquer e lhe dou um beijo.


Ele corresponde, me abraça apertado e tenta me
tirar do lugar, mas os sons e as luzes vibrantes me
obrigam a ficar ali, dançando. Eu sinto tanto prazer
que não sei explicar.
As pessoas pulam enlouquecidas, como eu, que
me sinto cada vez mais incrível. Eu quero
extravasar. Para isso subo numa bancada, onde
algumas pessoas estão recostadas e começo a cantar
e dançar, e, maluca, bebo tudo que me dão.
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Dezessete
Kai

Encontro a Grace e quase não acredito no que


vejo.
Ela está num bar, dançando sobre uma
superfície de pedra e tomando shots.
Tiro minha mulher e a coloco no chão.
− Kaiiii, você veio! Que tudo! − Ela pula em
meu pescoço e me beija. Beija gostoso. Aquele
beijo me tira do chão, mas ela está fora de si.
Drogada.
Vejo o Nathan com um colar de neon no
pescoço, dançando. Aliás, o lugar parece uma
explosão de luzes coloridas que se destacam no
escuro.
Encontrei a Grace rapidamente, porque ela
disse que queria dançar. E eu a conheço bem. Ela
gosta de fazer isso no centro.
− Amor, estou faminta!
− Vem comigo, vou te levar daqui e você vai
comer. E... Nathan! − Cutuco o ombro do meu
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primo mau-elemento.
− Fala Kai, brother! E aí car... − Eu nem espero
ele acabar e lhe dou um soco.
Ele se desequilibra e cai.
− Você vai me pagar caro por ter drogado a
minha mulher. − As pessoas nem se dão conta de
que tem um cara caído no chão. – Vem Grace,
vamos sair daqui!
Na mesma hora eu pego o meu celular, e
enquanto arrasto a Grace para fora daquele lugar,
eu ligo para o Marcus e entrego o Nathan.
− Menos um bandido na cidade. E que ele
apodreça na cadeia!
Logo eu ouço as sirenes e o lugar fica cercado.
− Kai... Estou muito feliz. Uhuuuuuu!
− Não diga! E está quente também. Você se
lembra de quanto tempo está assim? – Ela gargalha.
− Fala sério! Assim como?
− Imaginava. Vamos, tá chovendo muito!
Corremos pela marginal como dois
adolescentes.
Eu, apesar de preocupado, consigo sentir o
coração bater acelerado de alegria, por estar tão
perto dela novamente.
Quando chegamos ao Luna Blanca, ensopados,
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ela me abraça e diz que está com tesão, agarra meu


pescoço e me beija.
Eu não resisto. Sonho com ela, com o beijo
dela, desde o dia em que acabei com a farsa do
nosso casamento, e embora eu ainda sofresse ao me
lembrar de tudo, eu a quero. E quero muito.
Então eu a ergo em meus braços e entro com
ela no pequeno camarote, beijando-a e sussurrando
contra sua pele molhada.
− Baby, baby.
Grace me beija com frenesi, mas não é ela, é a
droga.
− Eu quero você, Kai!
Só de ouvi-la dizendo isso eu já estou no céu.
Ela está olhando fixamente para mim.
Eu me sinto atraído, mas preciso recuar.
Ela resfolega.
− Vem! – Digo e a coloco no chão.
Óbvio que vou me arrepender, mas eu não
posso transar com ela assim.
Respiro fundo.
Grace aperta os olhos.
Provavelmente o efeito do quer que o Nathan
ou o tal árabe tenha lhe dado esteja passando. Sei
que depois de quatro horas tudo começa a ficar
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ruim.
Eu quero muito fazer amor com ela de novo,
mas não tenho o direito de fazer isso com ela
drogada, porque posso estragar tudo.
Mas eu não consigo controlar a minha mente e
o desejo do meu corpo, que está pronto para ela.
Não importa o quanto eu tente, minha cabeça é um
carrossel de emoções.
− O que está acontecendo comigo? Eu tô em
chamas. Eu tô estranha. Tô sem lugar…
− Vai ficar tudo bem daqui a algum tempo.
Respira fundo!
− Mas é que…
Então do nada ela me abraça e fica se
esfregando em mim e passando aquele nariz lindo
no meu rosto e pescoço.
Eu tento segurar as pontas. Não há muito o que
fazer, mas confesso que é difícil.
Ela sussurra:
− Eu te amo, te amo, te amo…
E enfia a língua no meu ouvido.
Sacanagem!
Resfolego com um tesão dos infernos.
Ouvir isso é muito bom, mas tento afastá-la um
pouco, porque não sei por quanto tempo
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conseguirei ficar sem tomá-la em meus braços.


− Grace, por favor, você precisa recuar um
pouco e…
− Eu estou morrendo de saudade, Kai. Me
deixa te sentir!
Empurro-a carinhosamente.
− Amanhã a gente conversa, Grace. Você
precisa de uma ducha. Tem que tirar essas roupas
molhadas.
− Uma ducha?
− Aham.
− ♫ Só se… você vier comigooo.♫
Ela se vira e circula à minha frente sem deixar
de me tocar, depois pula em meu pescoço e rouba
um beijo.
Correspondo maluco para levá-la para a cama.
Mas decido apagar o fogo dela, e o meu, no
chuveiro. Eu não quero a Grace sob efeito de droga.
Ergo-a, rindo muito, em meus braços e a
coloco no chão apenas quando entramos no
pequeno banheiro do camarote.
− Vem comigo! – Ela diz com a voz arrastada.
Eu me aproximo lentamente, resfolegando, e
ergo seu queixo. Fico tão perto que sinto uma vibe
alucinante.
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Ela se contrai, como se sentisse cócegas, mas


fica olhando fixamente para mim, e eu para a sua
boca. Suas mãos em minha cintura. Percebo que
está mais calma. É a vibe.
Meu polegar roçando seus lábios... Eu preciso
deles, preciso do beijo dela.
Hesito por um instante.
Eu tenho que deixá-la entrar naquele maldito
box sozinha, mas temo que ela se machuque. Então
decido entrar com ela.
Divirto-me ao vê-la tentando tirar a blusa, que
se agarra ao pescoço, então dou um passo para
ajudá-la.
Minha boca sedenta ainda querendo a dela, que
está mais linda que nunca.
Ela respira com dificuldade e passa a língua
insistentemente nos lábios, como se quisesse
umedecê-los − isso me deixa com mais vontade de
beijá-la.
− Foda-se!
Eu a empurro contra a parede e a beijo
demoradamente, com paixão.
Ela está muito louca e geme alto.
Traço com a boca o caminho entre seu pescoço
e ombro. Meus dedos abrindo o zíper do short.
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Ela não me deixa respirar, e também quer a


minha boca.
Quer muito.
A gente está aflito se querendo.
O short escorrega pelas suas pernas e me mata
de tesão.
Ainda a beijando eu tiro o sutiã e calcinha dela.
Seus seios ali expostos, empinados.
Sem conseguir resistir, inclino-me e os beijo
ferozmente. Contorno seus mamilos com a língua,
um de cada vez e a enfraqueço. Sinto que ela vai
cair.
Ergo-a.
Ela se encaixa em mim e arfa ruidosamente.
Eu resfolego também fazendo muito barulho.
Mas eu preciso parar. Eu preciso cuidar dela,
por isso me afasto e abro a torneira.
− Eu também preciso desse banho frio.
− Aaaaaaa. Tá friaaaa!
− Desculpe, é necessário, baby. Você precisa
se recuperar.
Alguns minutos depois, ela está parada,
recostada, enquanto a água fria cai com força sobre
sua cabeça. Ela parece não estar ali. Aquela alegria
desapareceu.
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Fico apenas observando. Apenas cuidando para


que ela não caia. Meus olhos percorrendo seu
corpo, detalhadamente.
Eu sou maluco por ela. Parece castigo. Depois
do nosso acerto de contas eu a amo ainda mais.
Aos poucos ela parece se dar conta do que
aconteceu, mas não diz nada. Eu sinto que ela vai
desabar a qualquer momento. É um sintoma do pós-
droga. Eu quero estar com ela, juntinho dela nesse
momento, para que ela não entre em pânico.
Eu me aproximo e fico por trás. Dou um beijo
terno em seu pescoço e a abraço. Ela é minha, só
minha. Só de imaginar o que fizeram com ela, antes
de eu chegar fico doente.
Algum tempo depois a Grace está em minha
cama. Estou parado à porta do pequeno banheiro,
com uma toalha enrolada na cintura e com a outra
enxugo meus cabelos. Inevitavelmente fico olhando
para ela, que está extremamente pálida e com os
olhos fechados.
− Grace... Grace, não apaga! Fala pra mim o
que está sentindo! − Ela abre os olhos bem devagar
e fala, quase sem voz, que está muito cansada e
triste. (Normal).
Sento-me ao seu lado e passo a mão em seu
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rosto.
Ainda sinto cheiro de álcool.
− Está com fome?
− Não.
− O que estava fazendo naquela porra daquela
festa, com o Nathan? O que ele te deu pra beber?
− Eu... Eu não me lembro – ela funga e se vira.
Eu tenho uma pergunta que não quer calar. E
dependendo da resposta eu matarei o Nathan.
− Você dois... Você e ele...
− Oh meu Deus! − Ela cobre o rosto e chora
arrependida. − Eu não me lembro. − Eu não sei
Kai. Não sei como eu cheguei lá. Eu juro que não
sei se eu...
− Por que está chorando?
− Eu não seeeei! Minha cabeça está ruim. Eu
não sei o que eu fiz, não sei se o Nathan e eu
ficamos... Não me lembro. Por que foi me buscar?
Por que se preocupa? Como soube que eu estava
lá?
− Não importa. Shhhh, se acalma! Você está
assim por causa da porcaria que aquele filho da
puta te deu.
Levanto e ando como louco pela cabine sem
saber o que fazer e sem entender por que ela estava
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naquele iate, depois de tudo que aconteceu.


Será que não está arrasada como eu? Se ela me
ama, como disse, era o mínimo que eu esperava
dela − dias e mais dias de reclusão −, sem festas,
sem shopping, sem encontros com amigas...
Apenas pensando em mim, como eu tenho feito.
Olho novamente para a mulher da minha vida e
sinto tanta ternura que não sou capaz de repreendê-
la.
De qualquer forma eu preciso saber se ela está
disposta a deixar o passado para trás, e começar
uma vida diferente ao meu lado − sem mentiras e
omissões. Se, está preparada para rasgar a página
suja e feia dessa nossa história e começar a escrever
uma nova.
$$$

− Espera um pouco, está bem? Eu volto já. Vê


se dorme!
A movimentação da polícia já está no fim. Eu
espero que dessa vez o Nathan não se safe.
Ele é mil vezes pior de que pensei. Ele não
merece viver no meio de pessoas normais. Seu
lugar definitivamente é numa penitenciária de
segurança máxima. E eu juro que farei de tudo para
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que dessa vez ele não escape.


Depois que o lugar fica calmo eu reflito.
Eu quero fazer acontecer. Quero esquecer a
parte ruim e recomeçar, mas será que a Grace
deseja a mesma coisa? Será que ela não estaria me
odiando, depois de tudo?
De qualquer forma, eu só teria minhas
respostas conversando com ela.
Volto para a cabine e a observo. Ela está
abatida, parece mais magra, tem olheiras...
Deslizo o dedo pela sua bochecha e fecho os
olhos, emocionado. As batidas do meu coração
aumentam.
Deito ao seu lado e a abraço.
Meu coração dispara − surra meu peito.
O que essa mulher faz comigo? Eu a amo de
forma ensandecida, e agora não importa o que ela
fez. Eu a quero assim mesmo.
Na manhã seguinte eu acordo com o cheiro
dela no ar. Um cheiro que só ela tem, mas a Grace
não está na cama. Ouço seu choro e levanto
rapidamente.
− Grace! − Eu bato na porta do banheiro.
− Vai embora Kai! Estou envergonhada.
− Quero falar com você.
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− Já disse para ir embora!


Tento mais uma vez.
− Grace, preciso mesmo que me ouça.
− Por favor! Não consigo olhar para você.
− Grace, baby, só abre!
Ela coloca o rosto para fora e sai
vagarosamente.
− Senta aqui! − Indico uma poltrona. – Você
está bem? Está sentindo alguma coisa?
− Minha cabeça está doendo.
− É normal. − Abro a caixa de medicamentos
que tenho na cabine e lhe entrego um comprimido.
− Vai ficar tudo bem.
− Obrigada.
− Hum... Podemos conversar um pouco?
− Aham.
Sento-me ao seu lado.
− Bem, naquele dia você me disse que seus
sentimentos mudaram e…
Ela interrompe atropelando as palavras:
− Eu te amo Kai. Amo muito. Pode parecer
conveniente eu dizer isso agora, mas eu não tenho
outra forma de dizer. É isso. Eu te amo. Não estou
inventando. Não quero seu dinheiro, não quero
nada de você, apenas preciso que me perdoe. –
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Sinto-me sufocado pela emoção. Ela emenda sem


dar pausa: − Comecei a gostar de você logo que
começamos – tento respirar. Estou ansioso. − Eu
juro que não fingi em momento nenhum. Tudo
começou pelo motivo que já sabe, mas as coisas
realmente tomaram outro rumo. Infelizmente nessa
vida a gente faz coisas estúpidas o tempo todo, mas
juro que não sabia o que fazer naquela situação.
− Amo você também, Grace, e acho que posso
me considerar um idiota, porque fiz uma coisa
estúpida querendo me vingar. Certo. Vamos
esquecer isso. Vamos passar uma borracha. Quero
que a gente dê certo... Quero casar de verdade, mas
primeiro quero te pedir perdão…
Ela interrompe novamente, já chorando.
− Me perdoa também?! Estou tão
envergonhada de tudo!
A gente se abraça. Estamos emocionados.
− Ei não chora! – Digo limpando as lágrimas
dela com os polegares.
− É que… parece um sonho. Eu estou livre
daquela mentirada toda. Eu juro que estou
chorando de alívio e felicidade. Pensei que nunca
mais iria te ver e…
− Shhh, tudo bem, vamos apenas esquecer.
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− Contou para alguém o motivo de termos nos


separado no dia seguinte ao casamento? – Pegunto
envergonhada.
− Só para a minha família e para o Dante, mas
baby, eu não contei nada sobre o casamento falso
para ninguém. Nem vou contar.
Ela abaixa os olhos.
− Que vergonha!
− E você contou para alguém?
− A Evy... Ei espera aí? A Evy... Ela estava
comigo ontem. Agora consigo me lembrar. Ela
sumiu e eu fiquei feito louca tentando encontrá-la,
mas ela não estava em parte alguma.
− Você se lembra de tudo?
− Não. Algumas cenas vêm a minha cabeça,
mas estão meio borradas. Me lembro do David…
Lembra dele? Um que sempre estava comigo nas
festas?
− Como vou me esquecer? Pensei que vocês...
− Nunca.
− Grace, tem uma coisa que está matando. O
que houve entre você e o Nathan?
− Quer mesmo saber? − Balanço a cabeça.
− Eu era maluca por ele. − Busco uma
respiração profunda. – Mas ele nunca foi um
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namorado normal. Ele sempre desaparecia. Nunca


chegamos a avançar... Bem, o Nathan e eu nunca
tivemos nada, se é o que deseja saber, mas eu acho
que já descobriu isso também, naquela noite. −
Respiro aliviado e sinto meu pênis pulsar, só de me
lembrar de como a penetrei. Aquele misto de dor e
prazer.
Balanço a cabeça e volto a me concentrar na
nossa conversa.
− Então você e eu nos reencontramos e aí você
já sabe do resto – ela concluiu.
− Entendo. − Fico meio desconcertado, mas
sugiro: – Você precisa ir comigo a minha casa.
Temos que conversar com os meus pais. Acho que
isso é necessário para começarmos com o pé
direito. E só você pode contar a história toda, da
forma correta, expor todos os detalhes.
− Kai, seus pais vão me nocautear de
perguntas, sem contar os sermões, e não quero mais
me sentir daquele jeito. Quero superar e seguir em
frente, fazendo as coisas certas dessa vez. Já estou
em busca de um emprego. Vamos deixar rolar
naturalmente!
− É eu sei. Quer trabalhar no cruzeiro, como
garçonete, não é?
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− Ué como soube?
− Recebemos o seu currículo, mas não sei se
vou aprovar a minha mulher num cruzeiro. Não
quero que trabalhe viajando.
− Aquela empresa é da sua família?
− Aham.
− Que mancada! Bem que a Evy tentou me
dizer, só que eu não dei ouvido.
Eu rio.
− Certo, mas, por favor, venha comigo! Acho
que mereço isso, depois de tudo.
− Eu... Eu... Está certo. Quer que eu vá com
você, hoje?
− Sim, quero resolver isso logo. Não consigo
nem trabalhar direito, Grace. – Dou uma pausa e
emendo: − Agora eu preciso te perguntar... Baby,
você sabe onde está o Oscar?
− Por quê?
− Por que... Bem, eu conversei com um amigo
detetive, o mesmo que prendeu o Nathan, e ele acha
que vale a pena denunciar o bandido que fez isso
com vocês, e somente o Oscar pode fazer isso.
− E se o mau-elemento fizer algo com a gente?
Ele disse que se denunciássemos, ele mataria a
menina e depois viria pra cima de mim. Kai eu
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tenho medo por nós duas.


Abraço-a carinhosamente, depois seguro seu
rosto entre as mãos. Eu quero olhar nos olhos dela e
quero que ela sinta que a protegerei.
− Baby, não podemos deixar esse homem solto,
impune. Ele é perigoso, aliás, não é só um, são
vários. Provavelmente uma quadrilha, mas não se
preocupe, a polícia sabe lidar com isso. Além do
mais podemos pedir proteção policial para vocês. E
eu juro que não os deixarei sem guarda-costas.
− Está certo. Mas o Oscar não está em Nova
York. Ele foi levar a filha à casa da avó, no Texas.
− Vou dizer isso ao Marcus.
− Por falar do Oscar, eu preciso te contar algo
– ela declara.
− Pode dizer meu amor.
Acaricio seu rosto.
− Kai, eu posso estar maluca, mas estou
seriamente desconfiada de que o Oscar está
envolvido com coisa errada. Para ser mais exata,
ele está metido com o Nathan. – Mexo na cadeira,
inquieto. − Na verdade eu sempre achei estranha a
ligação dele com o seu primo.
− Mesmo? Conte-me o porquê!
Contei tudo ao Kai. Não omiti nem uma
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vírgula. Contei até o que tinha acontecido na


estação do metrô, no dia anterior, e de como o
Nathan falou sobre o Oscar.
− Eu sabia! – Levanto-me socando o ar. – Eu
sempre desconfiei do Oscar, Grace. Ele nunca me
enganou!
− E por que não disse nada?
− Porque naquela altura pensei que vocês...
Fossem farinha do mesmo saco. Desculpe, mas foi
inevitável!
− Você pensou que eu... Tem razão. Você disse
que soube de tudo desde o início. Que vergonha! –
Ela dá uma pausa e continua: − Kai, eu vou me
odiar para sempre por ter feito você sofrer tanto.
Ainda mais depois daquele episódio ridículo que eu
protagonizei no banheiro. Você podia ter
denunciado a Evy e eu. Por que não fez isso?
− O Dante pensou horrores de vocês. E só não
as mandou para a cadeia porque eu disse que
cuidaria de tudo. Na verdade eu queria saber até
onde você iria.
Então ele relaxou e retirou a queixa, em nome
da nossa amizade. Ainda bem que o policial que
estava com o caso era amigo dele e lhe devia
alguns favores.
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− Deus, que vergonha!


− Então, sobre o Oscar, eu nunca fui com a
cara dele. Mesmo antes de ouvir àquela conversa.
Eu sempre achei o seu padrasto arrogante e
misterioso, além de ser um grosso com você.
− Agora que te contei sobre o Nathan, sobre o
que ele me disse, o que pretende fazer?
− Vou ligar agora mesmo para o Marcus e
contar. – Fico pensativo e divido com a Grace as
minhas desconfianças: – Eu posso estar enganado,
mas...
− Mas o quê?
− É muito estranho. Eu começo a enxergar
muitas ligações, mas há também muitas pontas
soltas.
− O que você quer dizer?
− Pare pra pensar! Lembre-se de todos os
momentos, desde o dia em que o Oscar declarou o
que estava acontecendo.
Então ela começa a fazer um flashback de tudo
e fica muito confusa.
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Dezoito

− Eu já ia ligar para você, Kai.


− Alguma novidade, Marcus?
− Você não vai acreditar o que o Nathan
acabou de confessar.
− Fala logo!
− Antes me diga que a sua mulher sabe onde
está o padrasto dela!
− Ela sabe, mas…
− Você pode trazê-la aqui?
− Estamos a caminho.
Quando chegamos ao DINY, o Marcos nos
leva a uma sala e nos conta o que o Nathan
declarou.
− Senhora Müller...
− Grace, por favor.
− Certo. Então, Grace, o Nathan contou que o
Oscar e ele são membros de uma organização
criminosa, uma quadrilha. Eles extorquem pessoas.
E eles fizeram isso com você, indiretamente.
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− Deus!
− Calma, baby! – Abraço minha mulher.
− Ele confessou que eles vêm fazendo isso há
anos e levando o dinheiro, aos poucos, para o
exterior.
− Merdaaa! Não estou entendendo nada. E o tal
Senhor X?
− Senhor X? – Pergunto olhando para o
Marcus e para a Grace.
− É um pseudônimo – Marcos declara.
− Não. Não é possível. Você está insinuando
que... – Ela olha confusa para o Marcus.
− Estou afirmando. O Nathan contou tudo. O
Senhor X é o Oscar Goldman.
A Grace dispara a chorar.
− Eu não posso acreditar. Ele não faria isso
comigo e com a Julie. Ele ama a filha. Ele disse que
o estavam chantageando. E tinha os vídeos da
menina na escola...
− Amor é isso, agora tudo faz sentido. Lembra
que estávamos conversando? Eu já tinha pensado
nessa hipótese. Essa história era estranha demais.
O Marcus emenda:
− É isso mesmo. Segundo o Nathan, o Oscar
fez você acreditar que a menina estava sendo
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vigiada, que a matariam, se ele não pagasse as


dívidas que ele mesmo inventou. Utilizou os vídeos
que recebeu da própria filha para te pressionar. Seu
padrasto a usou, porque sabia que você faria
qualquer coisa pela menina.
− Eu não acredito! – Ela diz fungando.
Meu coração dói por vê-la sofrendo. Então eu
pergunto:
− Grace, meu amor, me diga uma coisa... Em
algum momento você viu a menina sofrendo algum
tipo de violência? Ele por acaso mandou alguma
imagem da menina com uma arma na cabeça...
− Não. Ela sempre aparecia conversando com
as amigas, sorridente, brincando, e às vezes até no
quarto. A gente... Quer dizer, eu, pensava que era
alguém de dentro da escola que mandava as
imagens para ele, e que essa pessoa estava pronta
para matá-la, quando o bandido ordenasse. Oh meu
Deus!
− Era o Senhor X − Marcus diz.
− E as agressões? Ele sempre aparecia
machucado, dizendo que tinha sido espancado. –
Grace questiona.
O Marcus leva a mão à cabeça e estala a
língua.
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– Olha vou te dizer, esse cara é frio, calculista e


muito inteligente. O Nathan não disse nada sobre
isso, mas eu já vi casos parecidos antes. Ele
provavelmente pediu alguém para dar uns socos
nele, para te impressionar e te pressionar.
− Que idiota! Que maluco! Que esperto! –
Digo espantado.
− Ah eu não posso acreditar! E os bens dele? E
o meu apartamento? Assinei uma procuração para
ele vender o imóvel, vender o meu duplex! O
apartamento onde cresci. E ele disse que ainda
faltavam U$3,5... E que... Filho da putaaaa! Com
essa desculpa de que faltava U$3,5 ele me
pressionou a arranjar o restante, e você sabe o que
tive que fazer, Kai. Ele queria mais e mais...
− Você disse duplex? – Pergunto.
− Sim, ele estava em meu nome. Herdei da
mamãe. Pobre mamãe, foi morta em um assalto.
− Shhhh, se acalma! Isso tudo é muito pra
digerir de uma só vez. − Abraço minha mulher com
amor.
− Você nunca desconfiou do Oscar? – O
Marcus pergunta.
− Não – ela responde desanimada, mas
completa: − Bem eu sempre o achei esquisito,
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bipolar, surta de uma hora para a outra e cheio de


segredos. Ah e ele odeia que entrem em seu quarto.
Nem a empregada podia entrar lá para limpar, mas
eu nunca liguei para isso. Eu não me interessava
pelas coisas dele. Depois que a gente se mudou, ele
continuou ciumento com quarto, embora quase não
ficasse nele.
− E você nunca parou para pensar que isso era
algo muito suspeito?
− Kai, eu acreditava nele. Nunca tive motivo
para suspeitar de nada.
− É assim mesmo, Kai. Quando a gente confia
em alguém, não pensamos mal dessa pessoa –
Marcus diz.
− Ele é podre – digo irado. – Claro que tem
mais sujeira por trás desse farsante!
− E a gente vai descobrir tudo, meu amigo. –
Marcus toca no meu ombro.
− Deus, ele foi capaz de envolver a própria
filha nessa sujeirada! Tô chocada!
− Grace, o Nathan disse que ainda precisa
revelar mais coisas, mas que só falará na presença
do advogado dele.
− Eu pensei que o advogado do Nathan fosse o
Oscar! O Nathan é um mentiroso. Só disse aquilo
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para me ludibriar.
− O advogado é o diabo? – Kai ironiza. – Fala
sério!
− Marcus, a gente pode acreditar no Nathan,
sobre essas declarações? – A Grace pergunta.
− Boa pergunta, baby, meu primo não é
confiável – digo me sentindo péssimo com tudo.
− Quando o prendemos ele estava drogado,
mas quando acordou, hoje pela manhã, ficou
possesso, começou a gritar dentro da cela e dizer
que não ficaria preso sozinho. Disse que precisava
depor, e que iria abrir o verbo, entregar todos que
estavam envolvidos. A lista é grande.
− Gente como assim? Como eu nunca
desconfiei de nada? E como eles conseguiram se
safar por todos esses anos?
− Existem muitos casos assim, Grace.
Infelizmente. – O Marcus declara.
− Perdoe-me Grace, eu não confiei em você! −
Digo arrependido.
− Eu fui vítima, mas eu sempre vou me culpar,
porque no meio disso tudo, enganei você. – Ela
chora. − Eu te fiz muito mal. Eu é que tenho que
pedir perdão.
− Grace, a gente vai demorar a esquecer essa
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sujeirada toda. Mas temos que tentar.


− Aham.
− Marcus, eu nunca fui com a cara do Oscar.
Sei lá, coisa de feeling. Disse isso, hoje, à Grace.
− Entendo. – Ele olha para minha mulher e
pergunta: − Grace, você entendeu a manobra dele?
− Sim, não é difícil. A idiota aqui assinou uma
procuração, e isso foi perfeito para ele, que vendeu
o duplex e ficou com a grana, alegando ter pagado
o agiota.
− É isso aí. – O Marcos concorda.
A Grace continua:
− Sem contar os três milhões e meio da venda
do anel, que a otária aqui deu um jeito de vender. –
Ela olha para mim −, e passar a grana para ele
também, a fim de quitar a dívida, daí, aquele mau-
caráter disse que o agiota, que é ele mesmo, nos
liberou da dívida, para que, dessa forma, o pai, que
é ele também, pudesse buscar a menina. Que ódio!
− É isso – O Marcus diz morrendo de pena
dela. – Eu sinto muito, Grace. Esses maus-
elementos se aproveitam da bondade e da
ingenuidade das pessoas. Ele te conhece muito
bem, e sabe que você seria capaz de qualquer coisa
para proteger a menina, a própria filha.
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− Que calhorda! – Eu digo, irado.


− Agora entendo por que ele não queria ir à
Londres buscar a menina. É porque era tudo
mentira. Não havia perigo, não havia prestações do
colégio atrasadas. E era muito mais cômodo para
ele que a filha ficasse bem longe das falcatruas do
pai. Ai eu quero morrer! – A Grace diz, batendo a
cabeça na mesa.
− Baby, se acalma, você vai se machucar! Não
pense nisso agora. A gente vai recuperar tudo. A
polícia vai colocar esse delinquente na cadeia.
− Pode apostar nisso – O Marcus declara, por
fim.
− Kai, a gente pode adiar o encontro com a sua
família? Eu não estou me sentindo bem.
− Claro.
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Dezenove

Grace

Choro por horas.


Como não chorar?
Fui enganada, ludibriada, vivi sob o mesmo
teto do cara que eu considerava um pai – um pai
ogro −, porém que era o mais próximo de um pai
que eu tinha, mas que foi capaz de infernizar a
minha vida. Fui obrigada a agir com desonestidade,
porque pensava que estava salvando a vida de uma
garota, que imaginei estar correndo perigo. Perdi
meu apartamento, e quase perco o homem que eu
amo, que também foi uma vítima.
O Kai saiu dizendo que tinha uma reunião na
empresa e que demoraria, porque tinha também que
dar alguns telefonemas e resolver algumas coisas.
Eu aproveito e ligo para a Evy. Eu preciso
desabafar. O que acabei de descobrir me deixou
arrasada. O que o Oscar fez não tem nome. Ele
merece apodrecer na cadeia.
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Quando a Evy atende percebo que está mal,


mas ela não perde o bom humor.
− Onde diabos você se meteu ontem, Grace
Kelly Mü-ller? Ups… Olsen – ela ri.
− Rá, rá, rá, engraçadinha! Eu é que tenho que
perguntar isso. A única coisa que me lembro de
ontem, foi que fiquei doida procurando por você, aí
eu acordei hoje pela manhã, no iate do Kai.
− Hã, mas e os detalhes?
− Nada de detalhes. Apagão amiga. Na verdade
agora é que estou tendo alguns flashs do que fiz
ontem. Acredita que…
Ela interrompe ansiosa:
− Tá legalll, sumi por uma boa causa. Aaiiiii,
estava coçando de vontade de te ligar! Eu fiquei
com o Edward Hardy. Lembra-se dele? O irmão do
Tom.
− SEM-CHAN-CE! Fala sério!
− Estou falando. A gente ficou amiga. Foi
tudo! Ahh já estou apaixonada!
− Que supernotícia! O Edward é lindo e muito
legal. Estou feliz por você Evy. Também tenho
novidades – uma boa e uma ruim.
− Ahh conta a ruim primeiro, porque depois a
boa anima.
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− Você não vai acreditar...


Conto tudo a ela.
A Evy gritava “eu não acredito!”, do outro lado
da linha, todas as vezes que eu acrescentava mais
detalhes.
− Pooorra! O Senhor X é… É o Senhor
Goldman?
− É isso aí, Evy. Você ainda duvida de que a
minha vida dá um filme?
− Tô chocada. Tô bege. Nããão, você tá de
brincadeira!
− Não é brincadeira – digo séria.
− Tem razão, amiga, se contar isso para alguém
vão achar que é filme. – Ela resfolega e ordena: −
Agora me conta a novidade boa!
− O Kai e eu... A gente se entendeu. Mas, olha,
não sei nada direito da noite anterior. Acredita que
me drogaram? Como eu disse, agora é que estou
me lembrando de algumas coisas, mas nem tenho
coragem de contar ao Kai porque ele surtaria.
− Quem te drogou?
− Não tenho certeza. Acho que foi o árabe,
aquele mal-intencionado! A última coisa que me
lembro foi de falar um pouco com o Tom, quando
ele entrou no camarote, enquando o árabe e eu
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conversávamos, e depois… Blackout.


− Putz, que maldoso! Mas, também… O que
senhora estava fazendo no camarote do árabe?
− Ele cismou comigo, Evy! Saiu me arrastando
e me intimou a beber um drink com ele. – Paro e
penso. − Foi isso! Ele colocou alguma coisa na
bebida! E foi algo tão forte que varreu por várias
horas as lembranças da minha memória.
− Nossa, Grace!
− Amiga, só não me pergunte se ele fez algo
comigo, porque disso não me lembro ainda. Ai que
dúvida!
− E como o Kai soube que estava lá?
− Eu me lembro apenas vagamente de que falei
com ele no celular, mas essa parte está embaralhada
na minha cabeça, porque o Nathan estava
comigo…
− Que confusão! Será que esse árabe te deu o
tal Boa Noite Cinderela?[4]
− Sei lá, mas o quer que seja foi uma dose
cavalar, porque me lembro, bem vagamente
também, de estar dançando e bebendo… Argh, não
me lembro de mais nada. Só sei que se não fosse
pelo Kai, não sei o que teria acontecido comigo.
− O Kai parece te amar muito, Grace. Ele foi
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duro com você porque… Ah se coloca no lugar


dele!
− É eu sei – sorrio para ela e digo feliz: − Ele
se declarou. Ah Evy foi tão emocionante! A gente
finalmente se entendeu, e acho que agora teremos
tranquilidade para vivermos nosso amor, sem
mentiras, sem precisarmos atuar, sem enrolações.
− Certo. Eu torço muito por vocês. E, me
conta, vocês dois…
− Acho que não. O kai não se aproveitaria de
mim no estado em que eu estava.
− E quando acordou você não sentiu nada? Não
teve ressaca?
− Rá, fiquei chorando, me sentindo uma
derrotada. A cabeça explodindo…
− Fiquei curiosa para saber como o Kai te
achou lá. Aquilo estava fervilhando.
− Olha, não sei. Não tô te dizendo que o
negocinho derreteu minhas lembranças! Pior é que
agora estou sem minha bolsa, carteira de
identificação e celular. Isso é sério!
− Ah por falar em coisa séria, acredita que a
polícia baixou lá? Amiga muita gente foi em cana.
E eu só me safei porque estava com o Edward, e
não tinha bebido nada. Na verdade não tivemos
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tempo para beber. Mas foi constrangedor quando


um policial abriu a porta do camarote e pegou a
gente mandando ver.
− Kkkkkkk, eu não acredito!
− Acredite! Mas valeu a pena. Foi tudo!
− Tá legal… Evy topa ir comigo ao meu apê?
Quero dizer, futuro ex-apê?
− Rá, gostei do futuro ex-apê. E o que pretende
fazer, lá?
− Conseguir respostas. A gente conversa no
caminho.
Peço a Evy para me pegar de táxi, porque estou
sem bolsa, celular e tal.
Quinze minutos depois ela me encontra na
entrada da marina, e a gente vai para o apartamento
que divido com o Oscar – de vez em quando.
Ao chegar me lembro de que também perdi
minhas chaves e sou obrigada a pedir ao porteiro
para abrir a porta.
A primeira coisa que faço ao entrar, é procurar
pelas ferramentas.
No duplex elas ficavam sob a escada, num
lugarzinho que usávamos para guardar coisas sem
uso. Mas ali, onde estariam as ferramentas?
Então me lembro de que poderiam estar na
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pequena despensa, na cozinha.


− Bingo!
− Peço a Evy para me ajudar com a chave de
fendas, mas a gente é uma negação.
Tentamos até aquele velho truque com um
grampo, mas morremos de rir − tampouco
sabíamos fazer essas coisas.
Então eu apelo para um chaveiro, que com
apenas alguns minutos abre a porta.
− Obrigada senhor!
Fecho a porta com o pé, ansiosa para vasculhar
o quarto do meu padrasto bandido, duas caras.
A Evy exclama quando vê o quadro da mamãe.
Uma pintura linda, que nem eu conhecia.
Toco-o de leve e me emociono.
A gente começa a observar, em silêncio.
É um quarto pequeno, mas bem normal. Nada
que lembrasse que era o quarto de um bandido.
Há uma caixa, média, aberta, jogada de
qualquer jeito, como se tivesse sido esvaziada há
pouco tempo; uma mesa com computador e
impressora, cama e armário com algumas peças de
roupa.
− Ah Grace, não tem nada aqui!
− Vamos olhar com calma. Deve ter algo sim,
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ou por que esse ciúme todo do quarto? O Kai tem


razão. Com certeza esse lugar tem respostas para
gente.
Abaixo e olho sob a cama.
− Acha mesmo que ele iria dar bandeira?
A gente revira o quarto e não vê nada.
− Grace, pensa comigo! Se você tivesse que
esconder alguma coisa, esconderia aonde?
− Ahh, eu acho que procuraria um lugar acima
de qualquer suspeita.
− E, aqui, onde seria esse lugar?
Eu levo a mão à testa e penso.
− Bem, no meu quarto? – Brinco, olhando para
ela.
− Yes! – A Evy exclama animada.
− Não! Deixa de ser boba! Acha mesmo que
ele esconderia coisas dele no meu quarto, e eu não
encontraria? − Olhamos uma para a outra e
corremos para o meu quarto. − Onde você
esconderia? – Pergunto olhando ao redor.
– Num lugar onde ninguém imaginasse.
− Ahh não tem cabimento. Vamos sair daqui! –
Digo incrédula.
− O que tem naquela caixa branca,
organizadora?
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− Hum? – Olho para o dedo dela, apontando


para a minha caixa de lembranças da mamãe.
− Ah era só o que me faltava! Acha mesmo que
o Oscar colocaria os trecos dele na minha caixa de
recordações da mamãe?
− O que tem na caixa?
− Como pode ver, álbuns de fotografias, meu
Teddy bear, minha coleção de papéis de carta e
tal…
− Hum… − Ela fica olhando ao redor e vê um
chaveiro, sobre minha mesinha de canto. − E este
molhe de chaves?
− São as chaves da casa dos Müller. A senhora
Müller deu-as para mim.
− Ah, pensei que fossem suas chaves reserva. −
Ela continua observando e volta para a caixa de
lembranças da mamãe. Segura meu cofrinho e fica
pensando.
− Evy vamos embora. A gente não teve sucesso
por aqui!
− Graceee!
− Que ééé?
− O quadro da sua mãe!
− O que tem o quadro da mamãe?
Ela estica o cofrinho.
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Arregalo os olhos e dizemos juntas:


− Um cofreee!
A Evy joga o cofrinho para cima e corre para o
quarto do Oscar.
Eu a sigo.
Meu coração reage quando retiro o quadro e
vejo um cofre pequeno.
− Toca aqui, amiga! – A Evy berra erguendo a
mão.
− Dã, mas e aí? A gente não sabe o segredo! –
Digo sentindo-me desanimada.
− Ah que tal a gente chamar o chaveiro
novamente? Eu pago.
Algum tempo depois, o mesmo rapaz que abriu
a porta, toca a campainha e desconfia, quando
mostro o cofre e digo que esqueci o segredo.
A Evy precisou jogar o chame dela e enfiar
uma nota gorda no bolso dele.
O que o dinheiro não compra, não é?
Depois de alguns minutos, o rapaz eficiente
consegue abrir o cofre, e enquanto a Evy o
acompanha até a porta, eu dou um passo e respiro
fundo.
Estou prestes a encontrar coisas sujas sobre
meu padrasto.
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Meu coração acelera, mas a decepção me ataca


quando não vejo nada comprometedor – pelo
menos acho que não é comprometedor.
Há apenas um caixinha com um molhe de
chaves desgastadas, além de um papel, que abro
imediatamente.
− Merda, que números são esses?
A Evy entra sorrindo, parece ter se divertido
com o chaveiro.
− O que foi amiga?
− Não tem nada sujo aqui.
Ela dá a volta e se aproxima.
− Nada? Nem um revólver? – Eu crispo
assustada.
− Deus, se eu encontrasse um arma aqui eu
nem sei o que faria…
A Evy enfia o rosto na frente do pequeno cofre e
depois a mão.
– E essas coisas?
Com lágrimas de decepção nos olhos eu seguro
novamente aquele monte de chaves e fico na
dúvida.
− Espera aí, eu conheço esse chaveiro! Essa
chaves…
Milhares de interrogações dançam ao meu
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redor.
− Como assim?
− São as chaves do Oscar, lá do duplex, são as
originais.
− Sem chance! – A Evy exclama. − E esse
papel?
− Evy eu vou te pedir mais um favor – digo
cheia de desconfiança.
− Pode falar.
− Você se importa de ir comigo a um lugar?
− Depende. Não é nada ilegal, né? – Ela ri.
− Hahahaha.
− Okay, mas só se me disser o que tá pensando.
− Tá vendo essa chave aqui? Essa
descascadinha, está quase se quebrando, tá vendo?
− Aham. O que tem ela?
− É a chave da porta da frente do meu
apartamento, e não duvido que as outras são das
demais portas. Esse chaveiro foi a Julie que deu ao
pai, quando ele a visitou, há algum tempo.
− Nãooooo!
− Simmm. Eu me lembro de que ele fez cópias
de todas as chaves para prevenir, por que esta, a
principal, está ruim, tá vendo? E ele disse que as
guardaria junto com o chaveiro, porque não usaria
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algo tão grande, além de ser feminino.


− Um coração de pelúcia. Kkkk, concordo. E,
porque será ele ainda tem essas chaves? O chaveiro
tudo bem, porque foi um presente, mas…
Esquisito.
− Talvez ele guardou de lembrança, ora! –
Arrisco.
− Pensa comigo. Quando a gente vende um
imóvel a gente entrega as chaves – as originais e as
cópias.
− Okay, agora você me deixou com a pulga
atrás da orelha. Ah e está vendo esse papel? Veja os
números! O que parece?
− Parece uma senha…
− Então vamos tirar isso a limpo – digo
decidida.
− Ahhh tá pra nascer duas detetives piores que
a gente. – A Evy declara sorrindo. – Mas estou em
cólicas para desvendar esse caso.
− Boba!
Quarenta minutos depois o táxi deixa a gente
em frente ao prédio onde morei praticamente toda a
minha vida.
Eu olho para cima, em direção do meu
apartamento, e sinto meu coração bater mais
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rápido.
Respiro fundo e chamo a Evy.
− Vamos entrar!
− Confesso que estou uma pilha, amiga.
− Também estou – declaro.
− O que você está pensando, Grace? Acredita
que ele não vendeu apartamento?
− Não sei de nada. Vamos conferir!
A gente entra.
O porteiro é o mesmo, um senhor
extremamanente simpático que trabalha no prédio
há anos, desde que eu era criança.
Estou tremendo.
− Boa tarde, Grace!
− Boa tarde, Billy! Tudo bem?
− Estou muito bem, minha querida. Feliz em te
ver.
− E a Betsy?
− Ah ela está do mesmo jeito. Não se lembra
de mais nada. Pobre Betsy, essa doença roubou
todas as suas lembranças.
− Alzheimer é uma doença cruel – a Evy
declara.
− E então? Está de volta? Fiquei triste porque
você nem se despediu. Eu perguntei ao Senhor
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Goldman, e ele disse que você foi morar em


Londres.
Franzo a testa e me lembro de que na época da
mudança, discreta e silenciosa, o Billy estava de
férias.
Descobrir que o Ocar continua frequentando o
meu apartamento me sufoca, mas tento parecer
calma para não dar bandeira.
− Estou de volta sim – decido não render o
assunto, mas sondo:
− Você tem falado muito com o Oscar?
− Falei com ele há alguns dias.
Olho para a Evy e pisco.
− Certo a gente vai ter tempo para conversar
com calma, mas agora estou com um pouco de
pressa. Até mais, Billy!
Dou alguns passos, mas me viro quando ele
pergunta:
− E a sua bagagem?
− Vou trazê-la mais tarde, antes preciso
resolver algumas coisas.
− Hum Grace, depois quero comentar umas
coisas com você… Eu não tenho nada com isso,
mas o Senhor Goldman anda muito esquisito
ultimamente.
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Eu volto um pouco e pergunto:


− Esquisito como?
− Ele tem andado nervoso, sem paciência com
os funcionários do condomínio, e sempre recebe
pessoas mal-encaradas. − Ele se aproxima e
sussurra: − Um dia vi um revólver na cintura de um
deles.
− Jura?
− Pode apostar.
Eu decido não alarmá-lo. Na hora certa ele
saberia de tudo.
− Ah não é nada, Billy. Hoje em dia muitos
homens andam armados. Talvez o cara seja um
policial, segurança…
− É pode ser.
No elevador eu solto o ar que estava preso em
meus pulmões, olho para a Evy e digo:
− Bingo!
Ao chegar à porta do apartamento, eu respiro
fundo, coloco a chave, cuidadosamente, no buraco
da fechadura e giro devagar, com medo dela se
quebrar.
− Yes! − A Evy exclama. − Tamos dentro.
Meu coração dispara quando entro.
− Puta merda! – A Evy berra. – O Senhor
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Goldman está morando aqui nesse luxo esse tempo


todo?
Eu começo a chorar.
− Por que ele fez isso comigo?
− Calma Grace, lembre-se de que ele já era!
A gente anda pela lugar, que está impecável.
Clean.
Obviamente os móveis são outros. Tudo muito
moderno, diferente dos antigos móveis, que eram
no estilo provençal, o preferido da mamãe.
O sofá é preto, luxuosíssimo, as almofadas
vermelhas aveludadas, dão um toque de requinte.
Há uma TV gigante na parede e vários
aparelhos no móvel, sob ela.
A iluminação é de muito bom gosto.
O tapete de lã de carneiro é pura ostentação.
Sem contar as plantas. Há dois vasos daqueles
grandes com arvoretas, e perto de uma das sacadas
há um aquário enorme, com várias espécies de
peixes.
A decoração é incrível.
− Bandido! – Digo fungando.
Entro no corredor, que dá acesso ao quarto
secreto − aquele onde o Oscar não permitia a nossa
entrada. A Consuelo não podia nem limpá-lo.
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− Aposto que é esta chave. – Mostro uma


chave amarelada para a Evy, que concorda.
O quarto é grande. O maior da casa. Parece um
salão de jogos, mas é também uma espécie de
escritório, com mesa, computador, impressora…
− Puta que pariu! – Desabafo. − Eu não
acredito que isso era assim antes. Ele deve ter
decorado depois que me mudei.
No centro há uma mesa negra, redonda, com
tampo verde, e seis cadeiras confortáveis,
luxuosíssimas.
Sobre a mesa há uma caixa de madeira
retangular de alumínio, contendo cartas, dados e
fichas pretas, azuis, verdes, vermelhas e brancas.
Eu não entendo bem, mais acredito que é jogo
de poker.
A paredes da direita, branca, tem quadros com
os símbolos das cartas − ouro, copas, espada e paus
−, nas cores vermelho e preto.
Ao fundo há um bar.
Olho para a Evy.
− Claro, um bar. Mas você disse que o Senhor
Goldman não pode beber.
− Mas os jogadores, amigos dele,
provavelmente bebam, ora!
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− Viu o móvel? – A Evy aponta para um


armário negro de duas portas, no canto, perto da
mesa de jogos. – Aposto que suas respostas estão
lá.
− Pode ser. E aquela estante? Uau, isso aqui
parece cenário de novela! Veja quanto livro!
− Rá, vamos dar uma olhada – ela diz ao passar
por mim.
− Ainda não, Evy! Vamos checar se tem algum
cofre. Algo me diz que esses números são uma
senha.
− Certo. Vamos ver… Veja aquela pintura!
Giro meu pescoço e vejo um quadro lindo com
imagens de bolas bilhar.
Aproximo-me dele e o retiro.
Mas para a minha decepção não há um cofre.
− Urghhhhh!
Olho para Evy que levanta os ombros.
− Eu não disse que somos péssimas detetives!
Nem sempre há cofres atrás de quadros.
− Aiii, eu tô de saco cheio! Vamos embora –
digo impaciente e cansada, me esparramando numa
poltrona, ao lado de uma mesinha, onde vejo o
controle da TV.
− Adoraria ter uma dessas na minha sala, bem
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em frente à TV para curtir meus filmes − a Evy diz.


− O Oscar morando confortavelmente no meu
apartamento esse tempo todo, me chantageando…
Que ódio!
− Amiga, relaxa! Agora a polícia vai cuidar
dele.
A Evy diz se aproximando.
− Nossa, quanto botão!
Minha amiga curiosa decide botar a poltrona
para funcionar e quase mata a gente do coração,
porque a estante começa a se mover.
A gente se encara. A Evy, com os olhos
assustados, quase pula em meu colo.
− Grace o que é isso? − Ela berra.
− Eu… Eu… Acho que é uma passagem
secreta!
− Quêêê?
Levanto-me num pulo e vou até a passagem. A
Evy me segue. A gente entra tremendo.
Observo que há várias caixas empilhadas.
− Grace chama o Kai!
− Espera um pouco! Vamos ver o que tem nas
caixas.
Há também uma parede com várias TVs, além
de uma bancada com dois computadores.
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− Deus! O Oscar é um doente! Ele precisa de


uma camisa de força, o mais rápido possível! − Eu
digo com as mãos sobre a boca.
− Certo, vamos chamar o Kai. Eu não acho
que devamos mexer nessas coisas.
Mas eu não ouço os conselhos da minha amiga
e abro uma das caixas.
− Porraaaaa! – Enfio a mão e retiro um pacote
de dólares. Fico olhando para ele, perplexa.
− Puta meeeerdaaaa!
A Evy berra quando abre a outra caixa
recheada de mais dólares.
Estou feito boba mexendo naqueles pacotes de
notas, como se nunca tivesse visto dinheiro. A Evy
está meio hipnotizada fazendo a mesma coisa.
Então eu vejo uma pasta preta no fundo da
caixa, que me parece familiar.
− Evy, veja!
− O que é?
− Essa pasta...
Abro-a e vejo a procuração que assinei, junto
da escritura do imóvel, no nome do Oscar.
− Merda!
Olho para a Evy.
− Pode me emprestar seu celular?
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− Claro.
Ligo para o Kai.
− Alô!
− Kai, você não vai acreditar no que a Evy e eu
encontramos!
− Grace, onde você está?
− Estou no meu apartamento… No meu
duplex, que não é mais meu e… Depois te conto –
engulo em seco −, e, meu amor, traga a polícia!
Encontramos coisas muito interessantes. Mando o
endereço por sms.
− Grace você está maluca? Por que foi até aí?
− É uma longa história. Primeiro fui ao
apartamento no Queens e…
Conto tudo ao Kai.
− O que está me dizendo?
− Eu queria ver se encontrava algo que
provasse que o Oscar é um bandido, ou que
provasse que ele me passou a perna e… Acabei
descobrindo que ele não vendeu meu apartamento.
Ele o transferiu para o nome dele. O Oscar continua
morando aqui, meu amor. Ele usa o local para fazer
falcatruas… Jogar, esconder dinheiro. Não! Você
precisa ver de perto!
− Vejo é demais, Grace!
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− Amor, você não vai acreditar. Venha logo,


por favor! Ainda tem muita coisa para gente ver. O
quarto dele é cheio de caixas. Há milhares, milhões,
trilhões... Zilhões de dólares!
− Vou ligar para o Marcus.
− Grace, veja o que há nessa caixa! – A Evy
me chama.
Curiosa, pergunto:
− Não é dinheiro, como nessas?
− Não.
Ela apanha um laptop antigo e fica olhando
para ele.
Envio a localização para o Kai e olho para ela.
− Deixe-me ver! − Dou alguns passos, pulando
os obstáculos a minha frente e seguro o laptop. – É
velhinho né?
− Sim, mas aposto que nessa velharia tem mais
respostas para você, Grace.
− E o que mais tem na caixa? – Pergunto.
− Vamos ver!
Encontramos algumas pastas que lembram
trabalhos de escritório − há pelo menos dez pastas.
− Que será isso, Grace?
− Sei lá.
− Tá, não vamos perder tempo. Vamos ver se
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tem algo que te interessa – minha amiga diz


apressada.
Vejo um brasão no alto da página.
Olho para a Evy que está apreensiva.
− Tenso – ela diz.
Sem me prender aos detalhes, eu folheio
página por página para ver do que se trata, e
percebo que são processos criminais. Até aí tudo
normal, afinal o Oscar é advogado. (Pelo menos diz
que é). Mas quando jogo meus olhos na etiqueta e
vejo o nome dele, começo a tremer.
− Veja a data, Evy! – Aponto, já sentindo meu
corpo amolecer e o chão se afundar.
− Abril de 2007.
− Oh meu Deus!
Minhas pernas ficam bambas. Eu preciso de ar.
Minha visão fica turva.
− Calma Grace, você está branca! Pelo amor de
Deus, não desmaia! Eu vou ligar para o Kai!
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Vinte
Kai

− E aí, Kai? Nada, até agora? – A Evy pergunta


ao me estender um copo de café.
Eu passei a noite no hospital ao lado da Grace,
que teve uma crise de ansiedade, por causa do que
viu naquele quarto, e acabou desmaiando. Minha
mãe apareceu e me fez companhia por algum
tempo.
Quando contei tudo que tínhamos descoberto,
ela se sensibilizou e disse que sabia que a Grace era
a maior vítima naquela história maluca, além da
menina, é claro. E que quando tudo acabasse, nós
deveríamos fazer uma longa viagem de lua de mel,
para esquecermos aquele pesadelo.
A gente precisava.
O Marcus disse que recolheram todas aquelas
caixas. Havia provas incontestáveis dos delitos do
Oscar, inclusive armas. E que dentro de uma das
caixas havia um laptop antigo, de 2007, que, depois
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de carregado, descobriram que pertenceu à Jane


Olsen, uma advogada criminalista que foi baleada
no carro, e que morreu algumas horas depois, no
hospital.
Nessa caixa havia também recortes de jornais e
revistas sobre o caso, bem como documentos do
óbito, que na ocasião deu muito o que falar.
Quando ele disse isso eu tremi e me lembrei da
Grace. Jane Olsen era a mãe dela. Só podia ser. Ou
seria coincidência demais.
A Grace tinha começado a me contar essa
história naquele dia, depois que teve àquele
pesadelo, e eu não acreditei nela.
Pobre Grace! Descobrir isso, da forma que
descobriu, foi um choque tremendo, por isso
desmaiou.
A mulher da minha vida ficou internada por
dois dias. Saber que o padrasto tinha assassinado
sua mãe trouxe todo o sofrimento de volta.
Como sempre o caso não ficou encoberto.
Infelizmente a impressa noticiou, e por causa da
crueldade e da circunstância, a notícia viralizou, o
que não foi bom. O Oscar provavelmente fugiria e
seria muito mais difícil prendê-lo.
Na segunda-feira, depois da alta médica, levei
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a Grace para a casa da minha mãe e fui me


encontrar com o Marcus. Ele tinha novidades sobre
o caso do Oscar e do Nathan.
− Veja isso! − Ele joga uma pasta sobre a
mesa. – Este é o último relatório sobre a
megaoperação policial que prendeu, em tempo
recorde, oito pessoas, entre elas, os membros da
família Black, gente muito perigosa, todos
acusados de crimes relacionados à agiotagem, jogo
ilegal e extorsão.
− Uau! Parabéns!
− Um dos cabeças, seu sogrinho Oscar
Goldman – reviro os olhos e faço uma careta −, ou
Senhor X, está foragido, mas a prisão dele já foi
decretada. Esperamos que em pouco tempo ele
esteja atrás das grades também.
− Eu fico muito feliz. Cadeia é pouco para uma
pessoa tão fria e cruel.
Marcus declara ainda que com as detenções, foi
interrompida uma rede de empresas criminosas, e a
família do crime organizado que a apoiou.
Foram interceptadas conversas que revelaram a
hierarquia, identidade e supostas atividades ilegais
relacionadas à família Black e ao Senhor X, que ao
que parece controlava um esquema de jogo ilegal,
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agiotagem, extorsão e lavagem de dinheiro.


Saio do DINY e vou para casa, mas ao chegar
tenho uma surpresa.
− Julie?!
− Oi Kai. – Ela se aproxima e me abraça
chorando.
Olho para a Grace que chora também.
− O que aconteceu, garota? Como chegou
aqui?
− O Brian me buscou.
− Quê? − Olho para minha mãe. – Mãe!
− Não olhe para mim. Estou tão perplexa
quanto você.
O Brian entra na sala com dois copos de água e
entrega um para a Grace e outro para a minha mãe.
Brian é o filho da minha tia Mary, a outra irmã
da minha mãe. Ele tem dezoito anos e já tinha me
confessado que estava gostando da Julie, desde o
casamento.
− Brian, por que buscou a Julie?
− Ela me ligou desesperada, dizendo que tinha
brigado com o pai, por causa das notícias e das
coisas que ele declarou. Kai, o Senhor Goldman
fugiu quando soube que sua prisão tinha sido
decretada.
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− Kai, por favor, não me mande embora! Eu


não quero mais ver o meu pai, aliás, aquele monstro
não pode ser o meu pai. Deus, eu estou tão
envergonhada! – Ela funga.
Olho para a Grace, que está abraçando a Willa.
− Mas, Julie, e a sua avó? Não acha que
deveria ficar com ela? A pobrezinha deve estar
sofrendo.
− Eu não quero ficar lá. Odiei aquele lugar!
Odiei todo mundo naquele rancho. Eu não tenho
afinidade com ninguém naquela família, ainda mais
agora. Quero morar com a Grace.
Olho novamente para a Grace e vejo que está
péssima, fungando sem parar.
Na verdade as mulheres estão todas vertendo
lágrimas.
Olho novamente para a minha mãe, que ergue
as duas mãos sem saber o que dizer.
− Está certo, você pode ficar aqui. Depois a
gente vê como fica isso. Hum... E Julie, você sabe
para onde seu pai foi?
Ela parece sentir asco quando ouve a palavra
pai, e leva as mãos à cabeça, como se sentisse que
ela está prestes a explodir.
O Brian tenta se aproximar, mas faço sinal para
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ele esperar.
A pobre menina chora muito, mas engole o
choro e pergunta:
− O que vai acontecer com ele? O meu pai vai
ser condenado... à morte?
Balanço a cabeça, negando. Infelizmente não
há pena de morte no estado.
− Eu sinto muito garota, mas...
− Kai, por favor, não diga nada – a Grace
implora. A menina está sofrendo.
Julie olha pra ela e declara com a voz
embargada:
− Grace, eu odeio o meu pai e jamais o
perdoarei pelo que ele fez com você… Por ter me
usado, pelo que ele é, mas acima de tudo, eu o
odeio porque ele matou uma pessoa… Eu estou tão
envergonhada! – A garota desaba.
A Grace solta a Willa e corre para abraçar a
filha do Oscar.
− Shhhh, não chore mais!
A menina dispara a falar e acaba revelando
algo importante.
− A gente discutiu e ele ficou irado, dizendo
que não ia acabar assim, que ele não fez tudo que
fez para acabar preso, e, Grace, ele disse uma coisa,
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na hora em que viu o noticiário, que me fez ficar


pensativa.
A Grace olha para mim. Olho para minha mãe,
que está apreensiva, visivelmente tocada, e para o
Brian.
− O que ele disse?
− Ele disse que seu pai e sua mãe tiveram o que
mereceram. Que ele mereceu centavo por centavo
daquele dinheiro que foi apreendido, e que…
aquele duplex é dele, por direito.
A Grace se mexe nervosa.
− Ele falou que meu pai… Ai Deus! Será que
foi esse doente matou meu pai?
Levo a mão à cabeça. O Oscar é um monstro.
Àquela história ainda tinha muitas pontas soltas.
Definitivamente, o Oscar tinha algo a ver com a
morte do pai da Grace também.
Mas e os motivos? Por que esse homem
decidiu eliminar os Olsen e cuidar da filha deles?
A Julie respira fundo e continua:
− Ele pegou apenas uma mochila e fugiu. Eu
não faço ideia de onde ele possa estar.
Ela cobre o rosto com as mãos e chora
desesperada.
A Grace olha para mim. Sinto a sua
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preocupação e entendo o que ela deseja.


Minha mulher estala a língua e diz:
− Julie, puxa, eu... Eu Sinto muito.
− Não se preocupe, Julie! A gente não vai te
abandonar – digo.
Ela olha para mim.
− Eu não quero ver meu pai nunca mais. Fiquei
naquele colégio todos esses anos, contra a minha
vontade, e só saí porque ameacei fugir, se ele não
me trouxesse para o casamento. A verdade é que
meu pai não gosta de mim. Ele sempre foi frio e
distante. Me visitou apenas uma vez, em todos
esses anos!
− Fica calma, Julie! − O Brian diz.
Ela funga alto, parece sentir dor.
− E sabe o que mais? Eu, burra, toda
sentimental, com saudade, mandava vídeos do meu
dia a dia, tentando despertar algo nele, sei lá,
saudade, carinho – tenta engolir as lágrimas −, mas
ele nem respondia. Agora entendo por quê. Meu pai
não ama. Não sente. É uma pedra de gelo. É um
doente, psicopata.
− Shhhhh, eu sei querida. Eu sei o quanto esta
doendo. Estou aqui por você. Estamos. Não é Kai?
− Claro – digo, abraçando as duas.
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− Pode contar comigo, Julie – minha mãe diz


se aproximando, chorando muito também.
A Willa, inocente, junta-se àquela roda e diz:
− Eu deixo você dormir no meu quarto.
A Julie sorri, limpando as lágrimas, e olha para
o Brian que dá alguns passos e engrossa aquele
abraço coletivo.
− Você sabe o quanto me importo com você.
Conte comigo sempre.
− Está vendo, Julie? Você nunca ficará
sozinha. A gente é uma família. – A Grace declara.
Minha amada olha para mim.
Pisco para ela.
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Vinte e um

Grace

A Julie dormiu no sofá, deitada no colo do


Brian, depois de chorar muito. O primo do Kai,
visivelmente caído por ela, pegou-a nos braços,
com carinho, e a levou para o quarto.
O kai saiu acompanhado do Brian e do Slater,
um dos guada-costas da família, para se
encontrarem com o Marcus. Eles queriam ajudar,
da maneira que fosse possível.
A Senhora Müller, generosíssima, disposta a
acolher a Julie, chamou a Willa e foi ao shopping
comprar algumas roupas para a nova integrante da
família.
Ouvi quando chamou o John, o outro guarda-
costas, e saiu.
Eu não quis acompanhá-las, com a desculpa de
que ficaria cuidando da garota, mas na verdade eu
estava destroçada, querendo fechar meus olhos e
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esquecer àquele pesadelo, por algum tempo.


Então, quando a casa ficou em silêncio eu subi
as escadas e fui para o quarto.

$$$

Duas horas depois e eu ainda estou acesa.


Estou um trapo deitada na cama. As palavras do
Oscar, sobre meu pai e minha mãe terem tido o que
mereceram, e que o duplex é dele por direito, ficam
se repetindo na minha cabeça, como uma fita
gravada.
Como assim? Que merda de direito ele teria?
Que conversa era aquela?
Eu fecho os olhos e tento dormir. Eu preciso,
porque minha cabeça está péssima e uma
enxaqueca terrível está me matando, mesmo depois
do analgésico duplo.
Mas não consigo relaxar. Eu preciso saber o
que ele quis dizer. Eu juro que quando ele estiver
preso eu farei uma visita, só para saber por que ele
disse aquilo.
Talvez fosse mais uma das muitas mentiras que
ele inventou. Por que ele teria direito ao meu
duplex?
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Uma voz distante, conhecida, me traz de volta


à realidade.
− Senhora Müller, alguém quer vê-la!
É a Melanie, a empregada.
Estranho aquilo porque esse não é o costume
naquela casa. Mas, enfim, decido checar.
Levanto-me rapidamente tentando imaginar
quem quer falar comigo.
Desço as escadas com a mão na testa e quando
chego à sala, quase morro do coração de tanto
susto, porque bem à minha frente o meu pesadelo
torna-se realidade.
O mascarado está agarrado à Melanie,
apontando um revólver para a sua cabeça.
Desvio os olhos e vejo o Sr. Newman, o
porteiro, caído a um passo dele, com a cara pregada
no chão, inconsciente. A cabeça sangrando.
A pobre mulher está tremendo e murmurando,
tentando não se mexer.
Estendo o braço.
− Por favor, não a machuque! Como você
entrou aqui?
− Com isso. − Ele ergue a pistola e volta a
encostá-la na cabeça da empregada. − Eu vou dizer
o que quero, apenas uma vez – ele grunhi com a
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voz trepidante.
Aquela voz… Oscar!
Bato na cabeça.
De repente tudo fica claro como um véu
transparente, e eu me lembro daquele dia, quando
todos comemoravam o dia das mães.
Mas naquele dia eu não tinha nada para
comemorar, porque perdi a minha, vítima da
ganância e da crueldade daquele mascarado, que
me enganou, por todos esses anos e me fez
acreditar que ele era um homem bom.
Eu juro que até sentia carinho e me preocupava
com ele.
Perco um pouco a noção do tempo. Estou
tonta. Mas eu volto à realidade quando algo bate
em meu corpo.
− Quero que encha essa mochila de dinheiro e
jóias. E quero agora!
− Oscar!
Ele resfolega.
− Agora! Ah, antes deixe-me cumprimentá-la!
Você é mesmo uma sortuda, hein! Depois de tudo
que fez com o Kai, ele a perdoou. Acho que você
não é tão imprestável assim, no final das contas.
− Por que tá fazendo isso comigo? – Pergunto
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chorando. − A Julie falou que…


Ele se irrita.
− O que a pirralha falou?
− Que você disse que meus pais mereceram
morrer. E que… O meu duplex é seu por direito.
Oscar, por que odeia tanto a minha família? Você
tem alguma coisa a ver com a morte do meu pai?
A empregada está desesperada.
− Cala essa boca, infeliz! – Ele a empurra tão
forte que ela cai aos meus pés. Giro para ajudá-la e
vejo a Julie escondida no alto da escada. Ela segura
um celular e faz mímica para mim.
Assinto discretamente e decido enrolar para
ganhar tempo.
− Oscar, por favor, me diga por que odeia a
minha família!
Ele se movimenta inquieto, retira a máscara e
joga em mim.
− Por que eu odeio a sua família? É simples.
Eu não jogo para perder. E o seu pai escolheu o
parceiro errado para enganar.
− Meu pai também era um jogador?
− Seu pai não era um santo. Eu avisei a ele. Eu
disse que ele iria se arrepender por não cumprir
com o combinado. Dívida de jogo é coisa séria.
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− E o que era o combinado?


Oscar explica impaciente:
− Ele perdeu o duplex e não quis transferi-lo
para mim. Aquele duplex é meu, por direito. Eu o
ganhei na mesa de jogo.
Eu já chorava copiosamente abraçada à
Melanie, que estava em pânico.
− Você matou meu pai também?
− Claro que matei! E para ter o meu duplex eu
seduzi a Jane, aproveitando-me da sua carência. A
gente era colega de trabalho, e não foi difícil me
aproximar dela, que estava grávida de você. Daí eu
fui morar naquele belíssimo apartamento. Mas ele
ainda não era meu… Eu precisei bolar uma
estratégia para tê-lo. Isso demorou e foi um porre!
Interrompo acabada.
− Você acabou com a minha família! – Eu digo
cobrindo o rosto com as mãos.
A Melanie me abraça e sussurra, perto do meu
ouvido:
− Olhe para o jardim, Sra. Müller!
Encaro o Oscar, tentando disfarçar, e vejo atrás
de seus ombros, pela grande parede de vidro, a
movimentação silenciosa da polícia. Os homens se
posicionam tentando se esconder para surpreendê-
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lo.
− Dívida é dívida. Se não pagar morre. Simples
assim.
− Você merece aprodecer na cadeia! – Digo
aos berros.
Ele sorri cínico.
− Mas isso não foi tudo. Esperei você nascer e
me casei com a sua mãe. Foi tudo planejado, Grace.
Eu tinha um objetivo.
Eu interrompo:
− Você é um monstro!
− Um monstro que ajudou a criá-la e educá-la,
como se fosse seu pai, até mesmo depois que me
livrei da sua mãe.
− E fez isso por quê? Você poderia
simplesmente ter me deixado aos cuidados da tia
Lindy!
− Mas dessa forma eu não conseguiria o meu
duplex. Eu precisava estar com você, ganhar a sua
confiança para dar o golpe no momento certo.
− Você é um demônio!
− Obrigado.
− Você não pensou na sua filha?
− A Julie não é minha filha. É minha sobrinha.
− Quê? A Julie…
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− Mas, por que você a criou como se ela fosse


sua filha?
− Porque, acredite, fiquei com a consciência
pesada, depois que matei a mãe dela.
Eu levo as mãos à boca, assustada pela frieza
dele.
− Matou a sua irmã? − Perco as forças. Ele ri
cínico. – Mas e a sua família? Sua mãe é a avó da
menina. Ela compactuou com essa sujeirada toda?
− Eles não sabem quem matou a Pheebe. Ela
foi encontrada boiando no Riverdale. Eu fui
bonzinho. Me ofereci para criar a menina, que não
conhecia o pai, mas em troca exigi sigilo. Ela
deveria acreditar que eu era seu pai verdadeiro. E
isso não foi difícil, uma vez que ela também nunca
tinha me visto.
− Claro, muito bonzinho. E eles aceitaram?
− Grace, você ainda não entendeu que aquela
gente está em minhas mãos? Eles fazem o que eu
mando, por dinheiro.
Deus, por que a polícia não invade a casa?
A Melanie começa a fungar alto. Estamos nas
mãos de um psicopata da pior espécie.
Ele continua:
− Ela descobriu sobre meus negócios, meus
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planos, e ameçou me denunciar. Avisei que se ela


se metesse iria amanhecer com a boca cheia de
formigas, mas ela não me deu ouvidos, duvidou de
mim. Odeio quando as pessoas duvidam de mim.
Ela mereceu.
− EU ODEIO VOCÊ! – A Julie berra do alto
da escada. A pobrezinha ouviu tudo. O Oscar olha
pra a menina que praticamente voa até ele. − Eu te
odeio, eu te odeio, eu te odeioooo! − Ela o esmurra
sem parar. − Ele tenta segurá-la e luta com ela. −
Maldito, maldito, malditoooooo! Monstrooooo!
A Melanie aproveita o momento de descuido
do meu padrasto e sai correndo.
O Sr. Newman continua com a cara no chão.
Temo que esteja morto.
Eu me levanto num pulo, mesmo com as
pernas bambas, e tento tirar a Julie das mãos do
Oscar que a esbofeteia duramente, arremessando-a
contra a parede.
− Julieeeeeeeeeee!
Dou um passo para acudi-la, mas sou agarrada
pelo psicopata que está disposto a tudo.
− Vem cááá – Ele puxa meus cabelos. – Dou
um grito agonizante. − Vai agora mesmo encher
aquela porra daquela mochila! Eu já perdi muito
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tempo aqui! Depois, eu e você vamos dar uma


voltinha. O Kai Müller vai ter que pagar caro para
ter você de volta! Eu quero o valor do duplex, ou
você já era!
− Oscar eu não sei onde a família guarda
dinheiro. Pelo amor de Deus, deixa a gente em
paz! Você já destruiu a minha vida. Desaparece!
Então ele se irrita ainda mais e rosna feito
cachorro louco.
− Eu não vou sair liso nessa história, Grace!
− Eu não sei onde tem dinheiroooo! – Grito.
Ele me agarra pelo pescoço.
Finalmente a polícia se manifesta.
− Sr. Goldman, a propriedade está cercada.
Saia com as mãos para cima!
Ele aperta meu pescoço ainda mais e me
arrasta. Fica escondido atrás da outra parede, ao
lado da janela, de onde consegue ver a
movimentação do lado de fora.
− Me larga! Eu não sei onde tem dinheiro
nenhum.
− Quieta!
Estou em pânico sentindo o cano do revólver
na minha cabeça.
Deus, eu nunca mais vou ver o Kai!
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Então, contra todas as possibilidades eu vejo o


meu marido do outro lado da sala, escondido,
colocando o dedo nos lábios.
− Saia com as mãos para cima, Senhor
Goldman! A casa está cercada – o policial repete.
O Oscar se desespera.
− Eu quero a grana, Grace! Essa demora está
me irritando! – Ele me sacode. – Eu quero a grana e
quero agora! Depois você vai dirigir um daqueles
carrões lá na garagem e a gente vai sair daqui!
− Aiii, Oscar, por favooorrr, eu não sei onde a
família guarda o dinheiro – choro alto, em pânico.
O kai, alarmado, sai de onde está, com as mãos
levantadas, e diz alto:
− Ei, calma Oscar! Não machuque a Grace,
estou aqui para lhe dar o que quiser – dinheiro, as
chaves de um carro…
Um policial atravessa correndo pela frente e
chama a atenção do meu padrasto, que se vira
alarmado, apertando o cano da pistola ainda mais
na minha cabeça.
− Aiiiiiiii – choro apertando os olhos,
momentaneamente, mas os abro quando ouço o
gemido do Sr. Newman, que se levanta confuso.
Graças a Deus ele não está morto.
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O Oscar fica desesperado sem saber para quem


aponta o revólver.
− Pro chão! – Ele ordena tirando a arma da
minha cabeça e apontando para o porteiro.
Então, um disparo estilhaça a vidraça, e a
morte invade a casa dos Müller levando o Oscar
com ela.
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Vinte e dois

− Sra. Müller! − Ouço uma voz saliente e custo


a associar que a Senhora Müller sou eu.
− Hum? Sim, Sra. Bates, já pedi para me
chamar de Grace. – Ergo os braços bocejando, os
olhos quase fechados.
− O Sr. Müller pediu para acordá-la por volta
de nove horas.
− E por que ele não fez isso?
− Porque ele saiu muito cedo. Quando cheguei
ele já estava manobrando o carro. Ele pediu para
lhe entregar isso. − Ela estende a bandeja
caprichada, com o café da manhã e um rosa
vermelha.
Eu rio do sorriso bonito dela e me sento na
cama para tentar comer, mas desconfio que, a
exemplo dos outros dias não conseguirei.
− Obrigada.
Ele ligou há quinze minutos, mas eu disse que
você ainda não havia acordado. Então ele pediu
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para eu acordá-la agora, para lembrá-la de que você


precisa comer, nem que seja uma fatia de mamão e
também precisa tomar sol. Ele pediu para eu fazer
beicinho e pedir por favor… Por favooor! – Ela
brinca fazendo beicinho.
Sou obrigada rir.
− Obrigada Sra. Bates. A senhora é muito fofa.
Ela esboça outro sorriso e se aproxima, cheia
de boas intenções.
− Não deixe de comer, minha querida! Você
está muito pálida.
Acho graça do jeito dela querendo cuidar de
mim. O Kai fica incentivando-a a me fazer rir.
− Pode deixar, eu juro que vou tentar.
Quando ela sai eu cheiro a rosa e olho para o
lindo desjejum, preparado com carinho, mas não
tenho apetite.
♥♥♥

Alguns dias depois daquela tragédia, o Kai me


trouxe para essa linda casa, muito simpática, em
Coney Island, à beira mar, para eu me recuperar.
Nos dois primeiros dias eu não consegui nem
me levantar da cama, mas aos poucos, com os
mimos do Kai e da Sra. Bates eu já estou quase
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totalmente recuperada.
Tenho aproveitado esses dias, antes da viagem
que o Kai programou, para pintar e fazer longas
caminhadas. Isso tem funcionado bem. É uma
terapia e tanto e está me ajudando a esquecer os
momentos terríveis que passei.
Talvez não esquecesse. Não havia como
esquecer tais atrocidades e tamanha violência. Mas
talvez, apenas talvez eu pudesse deixar para trás.

♥♥♥

Fecho a porta da casa e saio.


A manhã está linda. Uma pintura. A intenção é
caminhar, apreciar as mansões, os iates e ver gente,
mesmo estando indisposta.
Ando vagarosamente a beira da praia,
apanhando conchinhas e sorrindo ao me lembrar da
minha infância, quando visitava meus avós, já
falecidos, em Hamptons.
Caminho por uma hora, e, cansada, decido
voltar. Não sei se seguro a sacola de praia, meu
celular, ou o sorvete que decido tomar, por causa
do calor.
Embora vente um pouco, o sol está tão quente
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que decido comprar um chapéu, numa dessas


barracas de lembrancinhas, na praia.
Odeio tomar sol sem filtro, mas acabei me
esquecendo de usar.
Eu já estou quase chegando quando decido
parar, por um instante, para apreciar a vista em
frente a casa, que é de tirar o fôlego.
Deixo a sacola de praia escorregar para o chão,
maluca para fazer uma selfie e envir para a Julie,
que está na casa do Brian, tentando se recuperar
também, depois daquela loucura.
Mas a pobrezinha ainda está depressiva. Eu
fico tentando animá-la, enviando fotografias,
emoticons, vídeos engraçados e tal, mas sei que
levará um tempo para que ela também consiga
deixar aquelas lembranças pra trás.
Posiciono o aparelho e tiro a fotografia,
mostrando o mar ao fundo, envio e decido entrar.
Mais tarde, depois de tomar um longo banho,
eu decido separar as conchinhas mais bonitas para
fazer uma tornozeleira, enquanto espero o Kai.
− Baby!
− Estou aqui, meu amor! – O Kai entra na sala,
escondendo algo.
− Pra alegrar o seu dia.
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− Hummm, rosas vermelhas! Adoro! Obrigada


– digo cheirando as flores. – Está me deixando mal-
acostumada. – Ele sorri. − Vou colocar num vaso,
depois vou ao terraço pintar um pouco. Eu preciso
aproveitar essa vista. Acho que vou pintar uma
menina na praia, brincando com seu baldinho,
fazendo esculturas. Vou aumentar minha coleção
de “meninas”.
− Voltou a pintar? Isso é ótimo!
− Graças a você que trouxe o material para
mim. Eu preciso voltar a minha antiga rotina, Kai.
Além disso, é uma terapia poderosa, e quero
aproveitar esse último dia.
− Concordo, mas não se esqueça de que
precisamos arrumar nossas malas.
− Aham. Pode deixar. Nem tem tanta coisa
assim para arrumar.
− A gente vai se divertir muito nessa viagem.
Eu prometo que farei você se esquecer de todas as
coisas ruins que aconteceram – ele diz com cara
safada, tentando me atiçar.
− Aham – murmuro sem emoção.
Ele me abraça por trás e morde o lóbulo da
minha orelha.
Crispo.
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− O que foi? Não está com saudade? Grace,


acabou, meu amor! Vê se faz um esforço. Se anima
vai! Hum… Por favor, por mim!
Eu me viro e o encaro. Eu sei que preciso
tentar, porque a gente se ama e merece ser feliz,
depois de tudo, mas não é fácil. Meu estado geral é
bom, mas ainda estou psicologicamente detonada.
Ainda bem que o Kai é paciente, compreensivo e
está indo aos poucos.
Eu dou um sorriso de canto de boca e brinco:
− Estou morrendo de saudade, mas não vou
transar com um homem que não é meu marido.
Ele também sorri.
− É compreensível, mas relaxa, baby! A gente
vai arranjar as coisas… – Ele diz rouco. Está
excitado.
Enrolo.
− Sem chance. Só transo depois de casada.
Ele desliza os dedos pelos meus braços. Está
ofegante.
Fecho meus olhos para tentar me ligar, mas
ainda não consigo me concentrar.
Eu balanço a cabeça e me afasto.
O Kai implora rouco: − Não faz isso comigo!
Busca uma respiração profunda e me abraça −
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abraça apertado. Depois segura meu rosto em suas


mãos e me beija.
Fecho meus olhos novamente quando a língua
dele acaricia a minha.
O beijo é lento, é sensual e carregado de
significado – ternura, amor, desejo… E começa a
despertar algo em mim. É como se as luzes que
estavam apagadas se acendessem.
É isso. Eu precisava do beijo dele para me
incendiar.
Uma reação em cadeia começa quando ele
desliza as mãos pelas minhas costas e me aperta
ainda mais.
Minha libido, que estava no pé, caidaça, dá as
caras e grita.
Estou viva.
Jogo meu pescoço para trás quando ele
sussurra em meu ouvido e começa a espalhar beijos
pelo meu ombro.
Então, uma batida na porta interrompe nosso
momento.
− Sra. Bates! – Dizemos juntos.
− Porra! – O Kai berra irado.
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Vinte e três
Kai

Já tinham se passado duas semanas, desde o dia


em que o Oscar invadiu a minha casa.
Ainda estávamos chocados com toda aquela
história, com tudo que a Grace contou em seu
depoimento.
Aquele marginal teve o topete de dizer que
merecia aquele dinheiro, depois de tudo que fez, do
trabalho que teve para planejar o golpe, durante
todos esses anos, pelo que teve que suportar, e por
ter colocado um pote de ouro nas mãos dela − o
pote de ouro sou eu. Ele era um cara de pau
mesmo!
Ela também falou sobre o que o Oscar
confessou. A razão pela qual ele tinha feito todas
aquelas tretas e atrocidades, inclusive sobre ter
matado a própria irmã.
Depois de todas as idas e vindas à delegacia,
juntamente com a Julie, a Melanie e o Sr. Newman,
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para prestar depoimento, eu decidi trazer a mulher


que eu amo para descansar, longe dos malditos
repórteres e de todas aquelas lembranças. Mas ela
não estava bem. Estava psicologicamente abalada e
tinha dificuldade para se soltar.

♥♥♥

A Grace e eu já tínhamos conversado com um


advogado, que afirmou que não seria difícil a
minha mulher reaver o seu apartamento.
E ela fazia questão de morar lá.
Não me opus, porque o duplex é incrível,
muito bem localizado, além de ser a casa onde ela
cresceu.
Eu fiquei emocionado quando vi os olhinhos
dela brilhando, no dia em que fomos lá com o
Marcus e sua equipe, que periciou o local.
Depois desse tornado, chamado Oscar, que
passou pelas nossas vidas, devastando-nos,
principalmente a Grace, a gente merecia um
descanso, longe de tudo, mas antes precisávamos
nos casar de verdade, e isso deveria ser o mais
rápido possível.
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Epílogo
Grace

− Senhora Müller, por favor! – Meu marido


estende a mão para eu descer do Jeep, parado à
frente da casa da praia, para onde viemos, depois da
rápida e discreta cerimônia civil de casamento, no
interior do estado. A Evy e o Mitch foram nossas
testemunhas.
Eu me viro para observar o incrível pôr do sol
de Aruba, no Caribe, que é de tirar o fôlego, e
exclamo olhando para o horizonte, segurando meu
chápeu, que está louco pra voar da minha cabeça.
– Que paraíso é esse, meu amor?! Deus existe!
− Você ainda não viu o paraíso, baby. Vou te
levar pra lá e juro que não vai mais querer sair.
Uma corrente de ar levanta meu vestido.
− Uiiiii! – Eu berro segurando-o. O Kai ri. −
Eu devo estar sonhando. Me belisca! Eu preciso ter
certeza.
Então ele se aproxima, vagarosamente,
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sorrindo da minha cara de boba e morde meu lábio.


− Auuuu.
− Não, Grace. Não é um sonho. − Ele segura
meu rosto entre as mãos. – Eu juro que vou te
provar que não está sonhando, que esse é o nosso
recomeço, a nossa nova página. A gente vai ter
muitos dias para se curtir e… − Os olhos do Kai
passeam sobre meu corpo, provocando um arrepio
gostoso em minha espinha. − Vem!
− Espera um pouco, eu preciso fazer uma
selfie!
O Kai se aproxima e me abraça por trás.
Meu coração treme.
− Segura pra mim, seu braço é maior − eu digo.
Ele estica o braço e tira a fotografia.
− Uau, linda! Essa vai para o nosso álbum de
memórias. Acho que a gente vai tirar lindas
fotografias, não vai?
− Sim. Essa casa é toda nossa por cinco dias,
Senhora Müller.
Ele me vira e me beija.
Meus olhos se fecham brevemente, pela
intensidade do seu beijo e eu sinto uma fisgada na
minha parte mais íntima.
Então ele me surpreende, e a exemplo daquele
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dia, que eu preferia me esquecer, e me ergue em


seus braços, sem deixar de me beijar.
− Seus olhos… Eu amo seus olhos ​– ele
declara. − Eu te amo, Grace.
Minhas bochechas queimam. Agora eu não
consigo tirar os olhos dele, que me olha excitado,
hipnotizado, enquanto se dirije a algum lugar,
acredito que seja para o quarto.
Meu corpo está em brasas.
Meu coração martela e fica difícil respirar.
Ele me coloca no chão.
Suas mãos apressadas arrancam meu vestido e
escorregam para minhas costas. Atrevidas, logo
elas estão pressionando minha bunda.
Sinto seu pênis me empurrando e isso me atiça
ainda mais.
− Gostosa, você me deixa maluco. Lembra que
disse que te levaria ao paraíso?
− Me leva, vai! – Eu digo resfolegando.
Ele me surpreende novamente, me leva até a
cama e retira minha calcinha.
Logo ele abre minhas pernas e aprecia minha
vagina.
Eu fico pra morrer só de vê-lo olhando faminto
para ela.
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− Kaiiiiiii – gemo.
Então ele começa a me levar ao tão desejado
paraíso, mordendo o interior da minha coxa e
deslizando a língua, devagar, até chegar ao clitóris.
Ele o massageia e suga.
− Ahhhhhhhhhh.
Jogo minha cabeça e braços pra trás, totalmente
entregue, sentindo coisas indescritíveis.
Estou nas estrelas.
− Eu vou te fazer gozar muito, baby!
Então, ele afasta meus grandes lábios e enfia a
língua.
Mordo o lábio, ansiosa.
Não satisfeito ele usa o dedo também.
− Kaiiiiiiii – grito insana, gozando − gozando
muito. − Ahhhhhhh…
Puxo seus cabelos. Eu quero ele. Estou pronta
pra ele, morrendo de tesão. – Gostoso, vai, vai,
vai… Assim, assim…
Outro orgasmo vem e me enfraquece,
momentaneamente. Mas a voz rouca dele,
sussurrando obscenidades, me atiça, me faz querer
mais.
Estou maluca para sentí-lo dentro de mim.
O que está acontecendo comigo?
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Prazer, meu nome é luxúria.


Eu puxo sua cabeça e lhe entrego meus lábios.
Ele me beija gostoso, morde meu pescoço e orelhas
e diz que quer foder gostoso.
− Vem aqui primeiro, amor! É a minha vez −
digo segurando seu cinto, abrindo o fecho da calça.
Ele se livra da cueca, arfando ruidosamente.
Ver a cara de desejo do Kai enquanto saboreio
seu pênis, é excitante. Fico incendiada e um pouco
mais atrevida.
− Ele todo meu, não é?
− Todo seu. Todinho, engole ele vai!
Obedeço sem reclamar e sugo suas bolas com
sensualidade, olhando para a cara de prazer que ele
faz. Os olhos quase se fechando, a voz rouca, as
mãos em meus cabelos, acariciando-os.
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Kai

− Ahh, Grace, sua travessa! Ahhh, vem cá!


Vamos fazer isso juntos!
Decido ensinar à Grace que o prazer não tem
limites, e nada mais gostoso do que a gente se
saborear ao mesmo tempo.
Então eu me deito e a coloco em cima de mim.
A boca dela em meu pênis, e a minha na parte mais
deliciosa dela.
Eu levo minha amada ao limite do prazer e ela
me agradece gemendo em mim, correspondendo,
me fazendo ir ao limite também.
A gente crispa, geme, se mexe aflitos se
querendo e fica quase sem ar.
Eu preciso dela, quero possuí-la.
− Vem pra mim, baby!
A gente muda de posição.
Estou sobre ela, acariciando seus seios,
completamente maluco por eles.
Ela arqueia quando sente minha língua neles e
geme quando os mordo, implora quando chupo e se
contorce de tesão quando os belisco.
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Eu me preparo para possuí-la. Não me aguento


mais de tanta vontade.
Então me lembro do preservativo e corro para
apanhá-lo.
Ela fica me observando.
Eu sei que não fui legal naquela noite,
inclusive não me preveni. Mas foi algo
absolutamente maluco. E se ela engravidasse?
– Quero que você a coloque – digo olhando
para ela, que olha para o meu pênis rijo – olha bem
entusiasmada. Adoro o olhar admirado dela. Fico
mais maluco ainda.
– Jura? Nunca fiz isso.
− Eu te ajudo.
Logo ela está segurando meu pau. Ela brinca
com ele, que pulsa e lateja. Cobre a cabeça dele
com a boca e ensaia começar de novo.
Ela ri olhando para mim.
Eu rio saboreando o sorriso dela.
A gente está arfando ruidosamente, se
desejando.
− Vem amooorr! − Ela implora.
− Está pronta pra mim, Grace?
Ela geme que sim.
Então eu coloco meu pau onde ela quer. Faço
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isso olhando para os olhos dela, cheios de


ansiedade.
Ela dá um gritinho de tesão e resfolega
gostoso.
Meu coração agride meu peito quando a
penetro completamente. Eu quase gozo, mas me
seguro porque quero que ela goze junto comigo.
Estoco vigorosamente grunhindo, ouvindo os
gritinhos histéricos dela. (Adoro esses gritinhos).
Então eu mudo de posição e a coloco de
quatro.
Seguro seus cabelos e meto nela com força,
cada vez mais depressa, em vai e vem, até que sinto
meu pau quase estourar dentro dela, que explode
num orgasmo intenso também.
− Aaaaaaaaaaaa, Kaiiiiiiiiii!
− Graceeeeeeeee, porraaaaa!
O corpo dela enfraquece de imediato.
Ela está mole, saciada.
Eu caio de lado saciado também e a abraço por
trás, beijando seus cabelos, macios e perfumados.
Meu coração batendo forte em suas costas.
De olhos fechados, sentindo meu corpo relaxar
eu fico pensando na gente e fico emocionado.
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♥♥♥

Eu gostaria de conseguir compreender por que


eu a amo tanto. Por que, depois de anos, ao
reencontrá-la fiquei balançado e me apaixonei
instantaneamente. Era como se eu soubesse que a
Grace era a mulher certa para mim.
Meu coração decidiu isso.
Seria coisa do destino?
Eu já tive muitas mulheres, mas nunca senti
tanto carinho e ternura por nenhuma delas, quanto
sinto pela que Grace. E mesmo depois que descobri
aquelas tretas, não deixei de amá-la – até tentei.
Obriguei meu coração a odiá-la, mas foi inútil.
(Ainda bem)
O que eu sinto pela Grace é irrefreável, insano
− de maneira gostosa −, imensurável, indestrutível
e infinito. Um amor verdadeiro que veio para
refrear e transformar a minha vida desregrada.
O que eu quero para o futuro?
Estar com ela, sorrir com ela e fazer amor
apenas com ela.
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Grace

O coração do Kai bate ensandecido em minhas


costas. As nossas mãos estão agarradas, quentes,
suadas.
Estou chorando de alegria. Eu não quero que o
Kai perceba que eu sou manteiga derretida, mas é
inevitável, depois de fazer amor com tanto amor,
sem culpa, remorso e medo.
− Baby, você está chorando?
Eu me viro para ele, fungando.
− Estou feliz. − Ele limpa minhas lágrimas. –
Eu te amo tanto, Kai!
− Te amo também, Grace.

♥♥♥

Não é a forma como nossas vidas se cruzaram


que importa. O que realmente deve contar e valer é
que a gente se apaixonou, e independente do que
fizemos de errado, a gente se perdoou e decidiu ser
feliz, depois de tudo.
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O que eu quero para o futuro?


Me apaixonar pelo Kai todos os dias.

Fim
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Contato com a autora:


lilianarreis@gmail.com

[1]
Carma significa pagar por algo que se fez.
[2]
O Guinness World Records (antigo Guinness Book of Records),
é uma edição publicada anualmente, que contém uma
coleção de recordes e superlativos reconhecidos
internacionalmente.
[3]
Johnnie Walker é uma marca de uísque escocês[1]
[4]
Boa noite Cinderela é um coquetel de drogas, também
conhecidas como drogas de estupro.

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