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Vamos pensar o seguinte: a criança já esteve presente em conflitos conjugais

que, por não serem resolvidos entre o próprio casal, foi judicializado. Após uma
separação litigiosa, é comum que algumas crianças resistam ao contato com um dos
genitores. Isso não necessariamente significa a presença de alienação parental.

A resistência pode se dar por motivos tais quais: um estilo parental rígido (bravo,
inflexível com a criança), uma forma de diferenciação do adolescente de seus genitores,
uma preferência da criança ficar com o genitor percebido como mais fragilizado
emocionalmente pelo divórcio, pela ansiedade de separação de um dos genitores
presente em crianças mais jovens, resistência a uma nova relação conjugal de um dos
genitores ou por abusos e violências sofridos na família. (Ramires, 2020).

Além dos mais, Vera Ramires (2020) elenca três outros fatores que podem gerar
resistência nos filhos(as). São eles um vínculo frágil e distante com um de seus
genitores, a ausência de sensação de segurança durante a estadia com o genitor e a
percepção, por parte da criança, que não há desejo dos pais para vê-la.

Nos casos de alienação parental, essa recusa é mais intensa e categórica. De


acordo com Ramires (2020), a criança se “vê capturada por conflitos de lealdade e
sofre influência do genitor que tem sua guarda no sentido de afastar o genitor não
guardião”. Lealdade, nesse caso, significa que, se a criança não repudiar, de alguma
forma seu não guardião, ela estaria “traindo” seu genitor guardião. Assim sendo, há um
abuso emocional por parte de um dos genitores que provoca, na criança, uma recusa em
ver o outro.

Como expressões dessa alienação a criança pode rejeitar o outro genitor,


reprimir o afeto que tem por ele ou até mesmo odiá-lo. Assim sendo, são expressas
crenças e sentimentos irracionais e fantasiosos da criança em relação ao seu pai ou
mãe alienado(a). Frases do tipo “ele/a não sabe cuidar de mim”, “é tudo culpa dele/a”,
“ele/a não se importa comigo” são comuns em crianças alienadas. Observa-se que esses
julgamentos não possuem substrato na realidade; concomitantemente, são
estereotipados, e são sempre repetidos de acordo com uma mesma estrutura – o que
indica que a criança foi, de algum modo, induzida a dizer tais frases. Há também a
dificuldade de individuação, apresentando uma relação simbiótica com a mãe e a
ambivalência em relação à figura materna.
Em termos emocionais, a carga da alienação parental se traduz em sentimentos
de raiva ou medo, igualmente irracionais, perante o genitor não guardião. Há também a
possibilidade de ambivalência, na qual a criança tem afeição e rejeição simultâneas,
recheadas de culpa, podendo desejar se aproximar e se afastar do alienado ao mesmo
tempo. Aí, o conflito de lealdade impera. Nos casos mais extremos, a criança, de modo
algum, deseja contato com o genitor, não apresenta culpa pelo distanciamento e
nenhuma forma de ambivalência. Ramires (2020) destaca que, nesses casos, há
contornos psicopatológicos que transcendem a aliança com um dos genitores e o
distanciamento com o outro.

De acordo com Kelly e Jhonson (2001 apud Ramries, 2020), as crianças mais
vulneráveis á alienação estão na faixa etária de 9 a 15 anos de idade – por apresentarem
noção de julgamentos e valores. Entretanto, Ramires (2020) destaca que existem
crianças de 5 a 9 anos de idade com intensa rejeição a um dos genitores, sem evidências
racionais para tal. Do mesmo modo, crianças entre 7 e 8 anos apresentam dificuldades
de apego e ansiedade de separação podem desenvolver comportamento alienado se nada
se alterar. As crianças mais vulneráveis à alienação são aquelas que apresentam
ansiedade, baixa autoestima, teste de realidade prejudicado e problemas
cognitivos. Em todos os casos, é fundamental analisar o motivo da resistência ao
contato que a criança apresenta.

Quando se trata do genitor alienador e do genitor rejeitado, são verificada alguns


padrões de comportamentos, como pode ser observado na figura 1.

Genitor alienador Genitor alienado


Crença – A criança não precisa do outro genitor Passivo e isolado frente o conflito
em sua vida
Tendência em difamar e desvalorizar o outro Rigidez (inflexibilidade, demonstração de raiva)
genitor
Considera perigoso (violento física ou Imaturidade
sexualmente, negligente) o outro genitor
Diz que o outro genitor nunca amou ou se Egocentrismo
importou com a criança
Problemas com limites, diferenciação da criança, Pouca empatia/sensibilidade com a criança
ansiedade de separação, identificação projetiva na
criança, teste de realidade prejudicado
- Rejeita a criança de volta (contra rejeição frente a
rejeição da criança
Figura 1. Padrões comportamentais do genitor alienador e do genitor alienado. Fonte: Kelly e Jhonson
(2001).
Em síntese, o quadro apresenta um padrão de atuação do genitor alienador e um
padrão de ação e reação do genitor alienado. Destaca-se, nesses casos, que há uma
aparente aceitação, por parte do genitor alienado, da alienação causada. A contra
rejeição, ausência de sensibilidade com a criança, rigidez e passividade frente ao
conflito são elementos que colaboram para a consecução da alienação parental. Um
recorte de gênero pode ser adicionado à essa análise: no caso de homens, essas
características parecem cumprir as expectativas sociais de não obrigatoriedade do
cuidado e contato com seus filhos, ou até mesmo com a tão aceita omissão do pai na
relação de cuidado com os/as filhos/as.

O psicólogo na avaliação psicológica para a produção de laudo no contexto


jurídico deve utilizar de métodos que possam elucidar, principalmente, o/s motivo/s da
recusa do contato parental. Assim sendo, a perícia constitui prova para subsidiar uma
decisão tomada pelo Juiz de Direito da Vara da Família ou da Vara da Infância e
Juventude. Ramires (2020) destaca alguns requisitos para atuação como peritos nesses
casos: realizar terapia, especializar-se em áreas clínicas e jurídicas, aperfeiçoar-se
constantemente por meio de supervisão e pesquisas, além de pautar sua atuação pelo
código de ética e resoluções do Conselho Federal de Psicologia (a exemplo da resolução
008/2010 – peritos e ass. Técnicos no contexto judicial).

Como sugestão de avaliação psicológica, Vera Ramires (2020) destaca os


elementos guia:

 Há resistência no contato parental? Qual o motivo?


 Como se dá a relação dos genitores com a criança?
 Fazer a leitura dos autos (há suspeita de violência física, sexual ou
alienação?)
 Utilizar múltiplos métodos1, como
o Contato com escola
o Pediatra
o Babá
o Avós
o Amigos
o Familiares
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Quanto mais complexo o caso, mais importante ampliar as fontes de informações.
 Uso de testes psicológicos (parentalidade e personalidade de cada um dos
envolvidos – mãe, pai e filhos – e a relação entre eles).
o Projetivos ou de personalidade
 Entrevistas (pais, criança, separada ou conjunta)
 Contrato claro com as partes (cliente é pai, mãe e criança)
 Imparcialidade da avaliação
 Cuidado com a qualidade dos registros

Citando algumas pesquisas da área, Ramires (2020) destaca que nas entrevistas
com crianças, há uma perda da espontaneidade, revelada por discursos prontos de falar
mal dos pais. Há conflitos de individuação, apresentando uma relação simbiótica com a
mãe e ambivalência em relação a ela. Nos testes projetivos, as meninas se retratam bem
semelhante às mães, com desenvolvimento abaixo do esperado para idade. Os meninos
desvalorizam si mesmos e tendem a omitir os pais nos desenhos. O estilo de apego de
crianças afetadas pela alienação parental é inseguro.

Dentre os procedimentos mais usados para esses casos no Brasil, estão as


entrevistas separadas com os pais, entrevista com o/a filho/a, entrevista conjunta do
pai/mãe com o filho/a, entrevista conjunta dos pais, visita da escola, visita à residência
de ambos e entrevistas conjuntas entre o casal e o/a filho/a, além de testes
psicométricos.

Com os pais, os testes mais utilizados são o HTP, Rorschach, TAT, Inventario de
estilos parentais (IEP), teste de zulliger, WAIS adultos e o inventário de expressão de
raiva. Com as crianças, são usados o HTP, desenho da figura humana, o teste de fábulas,
escala de inteligência (WISC), IEP (estilos parentais), escala de traços de personalidade
para crianças (ETCP), Rorschach e escala de stress infantil (ESI – de 6 a 14 anos).

Por fim, Ramires (2020) destaca que a avaliação deve promover uma
discriminação das razões por que as crianças apresentam a recusa ou resistência ao
contato parental, avaliar o que da dinâmica do relacionamento dos pais com os filhos
causa o afastamento, além de compreender as características dos genitores e da criança
tendo em vista seu papel e suas dificuldades. Vale lembrar que o laudo e a sentença não
esgotarão o sofrimento pela qual passa a família.

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