Você está na página 1de 12
O HOMEM EO MUNDO MIDIATICO NO PRINCIPIO DE UM NOVO SECULO Angel Luis Hueso Montén Universidade de Santiago de Compostela (Espana) O reconhecimento de que nos encontramos perante um momento cro- noldgico que possui uma singularidade especial (o principio de um novo sé- culo ¢ de um novo milénio), € 0 que nos pode permitir fazer algumas refle- xoes sobre a situagao que ocupa o homem nestas circunstancias e, sobretudo, em relagao 4 manif stagdes tao complexas ¢ carregadas de elementos a ter em conta como os audiovisuais. Talvez nao devamos esquecer a repercussao que pode ter tido neste tipo de reflexes a ainda préxima comemoragio do primeiro centendrio do cine- ma; nao ha diivida que a partir de 1995 se desenvolveu uma preocupacio crescente pelo papel que ocupa o cinema no contexto dos audiovisuais, a0 mesmo tempo em que se concedia uma maior importancia ao estudo da sua vinculagéo com a sociedade na qual se produz ¢ que, simultaneamente, é espectadora das suas manifestacoes. Iniciaremos a nossa abordagem ao tema fazendo uma série de conside- rages prévias e gerais sobre 0 contexto audiovisual ao qual vamos nos referir, as quais nos permitirao delimitar as nossas afirmagGes posteriores com maior exatidao. Em primeiro lugar, ha que ter em conta que nos encontramos ante uma série de manifestagdes que tém a sua base mais profunda em determinados fatores técnicos, os quais condicionaram de maneira decisiva tanto 0 apareci- mento destes meios como o seu desenvolvimento posterior; este fator, que se nos apresenta especialmente evidente em determinados momentos (pense- mos na importincia dos efeitos especiais e na sua répida transformagao no cinema atual), deve ser valorizado de maneira continua, visto que adquire uma singularidade que vai mais além da meramente mecanica. 29 Angel Luts Hueso Monti Neste sentido, uma caracteristica muito interessante na evolugio dos os mesmos; esta meios audiovisuais & 0 progressivo © continuo vinculo ent Circunstincia, que adquire especial significado no decurso do século passado, ada na “teoria em V". (ESPADA, 1979) De acordo com a mesma, blocos evolutivos conforme seja foi configu nd Wisuais se estruturam ci os meios au seu suporte fundamental (fotografico ou eletronico), de tal forma que se pro- duzem duas forgas sincrdnicas: uma que marca um avango cada ver mais répi- do (cada vez & menor 0 tempo que separa uma contribuigéo técnica daquela que a segue imediatamente) ¢ outra que dé um impulso a uma distincia que progressivamente se vai reduzindo em relagio a outra corrente conforme avan- amos em diregio ao vértice do vé. No gréfico adjunto podemos ver como cada uma destas correntes esté marcada por uma dinamica peculiar, de forma que se constatam ritmos tem- porais distintos nos quais aparecem fases de maior aceleracio, sobreposicao de elementos novos (fundamentalmente na linha das formulas de base eletré- nica) e, sobretudo, uma aproximagio continua entre ambas as correntes que nos conduz em direggo a uma situagio de “unidade total”. Grafico: Teoria em “V" fromm, \ jf wae sematnty cnn f worgeminn feet 30 De tal fato, surge A Caractenistica mais interessante desta situagao: © desenvolvimento de uma propressiva interdependéncia de todos os meios © a todos os miveis, avangando em diregao ae que Roman Gubern denominou de “ieonostera™: “ecossistema cultural bass Ho nas inter relagoes entre diferen: tes meios de comunicagao, © ont 1996, p, LOS- 109) 1 estes © ay suas audiéncias.” (GUBERN, evidente que a fasio entre os diferentes meios audiovisuais se pro cuz, em primeiro higar, no ambito tecnico, como facilmente constatamos ao considerar a crescente importincia da difusio cinematogrifica através de meios cletrénicos ou informaticos (tele a0, video, Internet) ou a utilizagao das peculiaridades dos suportes magnéticos (a edigio de imagens, por exemplo) para trabalhar com maior rapidez e economia no mundo do cinema A importancia das imagens digitais esté fora de questio, dado que a sua firmeza e difusa 10 nos tiltimos anos tenha feito com que muitas das reflexdes que tinhamos feito em relagio aos suportes fotograticos ou cletromagnéticos tenham sido totalmente superadas. Mas juntamente a esta questo, ndo podemos esquecer que os emprés- timos entre todos os meios se produzem, também, noutras vertentes: a nivel industrial assistimos a uma dedicagao atual das companhias a diferentes cam- pos audiovisuais comparando com situagées passadas em que se trabalhava de maneira prioritéria em alguns deles. A inter-relagdo empresarial, a importante integracao em aglomerados empresariais que incidem em distintos ambitos da comunicagao (sem que isso seja verdadeiramente uma novidade) é uma das realidades que tem maior relevancia industrial e comercial nos primeiros anos do século XXI. ‘Também devemos ter presentes as relagdes no mundo da narrativa e da estética, de tal modo que podemos constatar como se esté produzindo uma pressao muito forte dos projetos televisivos sobre os cinematogréficos (os filmes se parecem cada vez mais aos tele-filmes). Nao podemos esquecer que © crescente consumo de filmes através de canais alternativos muito diferentes da histérica e tradicional exibigao numa sala de cinema, tem como conseqii- €ncia mais imediata o fato de que a estrutura narrativa se vé organizada pelas formulas publicitarias (os cortes que as cadeias de televisio introduzem) que impedem uma linearidade continua e obriga 4 criacao de blocos temporais. Finalmente, a homogeneidade temitica vai sendo cada vez maior, 0 qual écondicionado em grande parte pela exploragio comercial dos produtos através de canais muito diferentes, 0 que traz como conseqiiéncia légica a tentativa 31 de que nao surjam problemas de censunn on de rejeigan por parte de potenci- ais grupos de espectadores Nan sera demasiado relembrar neste panto as afirnacor s de Jean Mitry ater relacdes entre os diferentes aspectos da (L978) quando, para explicar asin nia se tinha transfor mado em arte gragas ao seu imagem, diz processo dle indhustinlizagio, mas que ne podia | um espetaculo de arte, um relato em + chegado a ser uma autén- tica indtistria se nao fosse uma arte, imagens animadas. Un scqndo agpecto geral a considerar deriva da concepto do séeulo XX como “o século da imagem” € 0 que isso representa para a ctapa posteri- or, os anos que levamos da nova centtiria, Nao é que estejamos a defender uma postura de absurda ignorancia sobre a importancia que tiveram as ima- gens © as suas diversas formas de representagio a0 longo de toda a historia mas devemos, sim, constatar a forca que alcangou 0 mundo icénico no século vo protagonismo na vida quotidiana e, passado, 0 seu crescente © progres: sobretudo, duas caracteristicas que, no nosso entender, definem de maneira radical esta presenca: a sua extensio € a sua profundidade. Extensio que faz mengio tanto ao ambito geogréfico como ao social; os lugares mais rec6nditos afastados do globo terrestre sao testemunhas de ma- nifestagSes audiovisuais, ao que se une a penetracao em grupos sociais de todo tipo, de forma a que um mesmo modelo de filme pode ser aceito por pessoas pertencentes a ambientes muito diferentes, culturas radicalmente diversas e, ainda, geragGes que tém muito poucos pontos em comum. Desta forma, frente 20 elitismo que se tinha produzido ao longo da histéria em relagéo a outros tipos de manifestagées culturais (no podemos esquecer o elevado grau de anal- fabetismo que se deu em muitos paises até principios do século XX e que, todavia perdura em sociedades marginais), vemos como © audiovisual se torna acessivel, em maior ou menor grau, a entidades sociais muito diversas. E juntamente a este fator, a profundidade. Frente a opiniao de que as imagens ocupam somente aspectos ou momentos concretos da nossa existén- cia, constatamos, pelo contrério, que o potencial espectador se vé envolvido pelas mesmas em todos os momentos da sua vida e até nos aspectos mais superficiais da sua existéncia. Isto tem como conseqiiéncia mais imediata o fato de que se vai produ- zindo uma freqiiéncia que, como tal, pode chegar a se tornar um habito; nao ha duivida de que o processo de “ecranizagio” ao qual nos vemos submetidos se manifesta em todas as facetas e momentos da nossa vida (televisdes, com- 32 putadores, telelones, etc,), de tal modo que é muito dificil de nos livrarmos | des- da pressio dessas imagens. O resultado tiltimo de tudo isso & 0 posh gaste do impacto das proprias imagens que podem chegar a se tornar em algo quotidiano para nés © por isso, pouco valorizado, O tiltimo aspecto geral a citar faz mengdo a uma determinada perspec- tiva que a todos nés, que nos dedicamos a educagio, nos preocupa desde j4 hé bastante tempo: a auséncia de uma clara concepgio educativa em relacio a imagem. Se por um lado constatamos que o homem se encontra submetido & presenga de todo o tipo de imagens em momentos muito diversos da sua vida quotidiana (publicidade, imprensa gréfica, histéria em quadrinho, televisao, cinema, ete.), as quais Ihe vio transmitindo mensagens muito diversas, pare~ ceria légico que de forma paralela se he facilitasse uma série de meios para poder interpretar essas imagens a fundo. Um dos contra-sensos mais gigantescos no que caiu a sociedade con- temporanea foi o de nao dar As criangas ¢ aos jovens os meios adequados para poder valorizar essas imagens com as quais convivem; ensinamos-lhes a inter- pretar a palavra escrita, mas nao Ihes damos os rudimentos minimos para “ler” as imagens. Isso se deve talvez a uma forte tradigao social que desenvol- veu certo desprezo ante este tipo de imagens e que teria o seu fundamento na consideragio de mero espetéculo que as rodeou desde 0 seu nascimento, o qual, sendo um fator real e que nao se pode deixar de lado, nao deveria impe- dir que se facilitasse aos seus consumidores ferramentas mfnimas para poder interpretar aquilo que se Ihes oferece perante o seu olhar. Torna-se cada vez mais evidente a necessidade de um conhecimento, pelo menos rudimentar, dos elementos que entram para formar parte da sua técnica ede como evoluiram, do seu profundo vinculo com a sociedade na qual foram aparecendo e, sobretudo, da necessidade de adotar uma postura critica ¢ de valorizagio perante todas as imagens. Podemos relembrar aqui as palavras de Francastel quando dizia “o conhecimento das imagens, da sua origem, das suas leis, é uma das chaves do nosso tempo. Para compreendermos a nés mesmos € para nos expressarmos, é necessdrio que conhegamos a fundo o mecanismo dos simbolos que utilizamos.” (FRANCASTEL, 1988, p. 49) Mas também, e em contraste com essa necessidade de uma aprendiza- gem, se desenvolveram uma série de posturas sociais que respondem em muitas ocasides a atitudes muito elementares; desde a pessoa apaixonada que vive de € com essas imagens de uma maneira quase inconsciente (do qual seriam modelos paradigmiticos 0 “televiciado”, 0 gravador obsessivo de video ou o 33 Angel das Hes Mh que se aproxima até as mesmas com total cinétil Compulsive) até aquek ) pequena mas, sobretu- superticialidade, dando-thes uma importincia mm spreciativa (am exemplo muito do, adotando uma pastura de superioridade « Claro seria a dos “especiaistas®” em_cinenna que sem saber quase nada dele se permitem doutrinar sobre o mesmo) -se conforme vai passando 0 esta dificil situagae apudiz Vimportine Sivemos), pois sito cada vex mais as a tempo (inexoravel sobre o mundo em qt geragies que se vinam privadas do conhecimento de uns rudimentos icénicos que, em longo pravo, Ihes permitiram ir construindo de forma paulatina uma visao social conjunta sobre os meios audiovisuais. Tendo em conta estas consideragbes gerais, podemos passar a nos per- guntar qual é a situagao do homem perante o amplo conjunto de imagens que 6 rodeiam nesta situagio cronolégica do principio de um novo século e milé- nio. E, a meu ver, 0 que mais chama a atengio é a sensagio de perplexidade, 0 em que se vé imerso o individuo, devido, sobretudo a que se veja de confus submetido a uma série de pressdes muito diferentes. Porque nao podemos deixar de reconhecer o fator que representa a rapidez e a variedade de avangos técnicos perante os quais 0 mero espectador ou consumidor se encontra totalmente indefeso; é muito freqiiente que nos seja dificil seguir o ritmo dos avangos que nos vao oferecendo (percebemos isso com total claridade no campo da informética), a0 que se une o fato de que geracdes que tenham sido educadas em determinadas condigées frente 20 mundo da técnica se vejam obrigadas a realizar um rapido e esforgado processo de reciclagem para que nao se vejam radicalmente desvinculadas da realidade circundante (a diferente atitude que tém perante os meios audiovisuais os pais e filhos dentro de um mesmo grupo familiar € um claro exemplo deste cenério social). Podemos ver esta situagio de confusio exemplificada através de cinco duplas opgdes que se oferecem ao individuo ¢ que refletem outras tantas cir- cunstancias similares de um mundo complexo como o dos meios audiovisuais. Ainda que nesta ocasiao as estruturemos por separado a nivel metodolégico, nao as podemos considerar totalmente segregadas como se tornara visivel atra- vés das referéncias miituas que surgirio em determinadas ocasides. A primeira destas opgdes € a dicotomia entre universalidade ¢ indivi- dualismo. Quando nos referimos a uma visio “universalizante” neste momen- to hist6rico, o fazemos constatando que nos encontramos perante um mundo cada vez menor, nao tanto no sentido geografico como no de acessibilidade, 34 visto que podemes conhecer a tnformacae procedente de qualquer parte do globo deuma forma totilmente imediatas se destaco come 6 conceite de chistingia sofrew uma total alteragie no mundo contemporanes, pois a maior ou menor provimidade nao se deve medir tanto em quilmetros como nas comu nicagoes reais ¢ de todo tipo que se possam estabelecer entre dois pontos. Desta forma, o homem, que possuia um minimo de inquietude, viu como se iam ampliando de mancira paulatina os seus campos de informagdo, ae mesmo tempo em que Ihe era mais fécil acabar por estabclecer nexos de unido entre areas tematicas que noutras circunstincias ficariam totalmente separadas. \ isso se foi unindo, de for 4 paulatina, a pressio das grandes compa- nhias do audiovisual que atualmente operam em ambitos geograficos cada ver mais amplos, chegando a grupos humanos muito dispersos mas que, no en- tanto, vivem de forma muito similar acontecimentos que de outro modo thes seriam totalmente alheios (é supérfluo relembrar a importincia que alcangou na ultima década uma cadeia televisiva como a CNN € a sua importancia ao oferecer em direto acontecimentos de todo o tipo). Mas frente a tal situagdo se encontra a tendéncia “individualizante”. O es- pectador est sempre s6 perante a imagem, apesar de que em determinadas cir- cunstincias pode estar fisicamente rodeado por um grupo humano mais ou me- nos amplo; o didlogo que se estabelece entre o espectador € a imagem é sempre profundamente pessoal (podemos relembrar a popular frase que diz que “cada espectador vé um filme, o seu filme”), pelo que constatamos que hé uma forma peculiar de interpretar e viver as imagens, de tal forma que aspectos significativos ou fundamentais para uma pessoa, parecem para outra totalmente irrelevantes. Este duplo confronto nos obriga a ter uma grande cautela quando fizer- mos afirmagées sobre as possiveis repercussdes das imagens, pois deveremos ter sempre presente a ampla referéncia social que possuem, mas sem deixar de lado o fato de estarmos falando de individuos incididos de maneira radical por aspectos muito concretos como podem ser a formagao pessoal, o meio social e ainda a propria sensibilidade. A segunda alternativa a considerar é a presidida pelos elementos homogeneidade e singularidade. Ninguém pode negar que no momento presente, quando estamos iniciando um novo milénio, se vai observando uma maior semelhanga entre todos os tipos de imagens; tendo em conta, em pri- meiro lugar, os aspectos técnicos, é cada vez mais dificil distinguir as formulas utilizadas para criar as imagens, fato do qual temos testemunhos muito recen- tes na evolugio que experimentaram os desenhos animados que de forma 35 progressiva parecem mat dnaw frecardem, por Exempla, as disensor sobre erouisny de Pocahontas), ae mesmo tempo que ne de Paranie: conve teite de que as imagens geradas por consputader sae uma réphea per teita di i eita dos seres humanes Masa isso se une 0 fato da maior similitude que se vat desenvolvende, entre os elementos tematicos € narratives, de forma que as netay que toniiva rem V" encontram aqui uma mos aw nos referirmos 2 concentragio da “teor daw suas realizagoes mais concretas. Esta cireunstincia se constata facilment vo visionar filmes que pertencem a épaca do cinema clissico, nas quals estru- turas narrativas, estudo de personagens ¢ elementos estéticos se apresentam radicalmente diferentes dos produtos atuais;! para além disso, esta situacao sc veuiliza mais em diregio ao espectador quando vemos que um dos canais mais habituais de difusio deste tipo de obras é a televisao que, por sua parte, consagra modelos narratives muito diferentes. A tendéncia homogeneizante que rodeia 0 espectador vé-se reforcada pela pressio das grandes multinacionais da imagem, sobretudo norte-ameri- canas, que defendem uma concepgao preferentemente espetacular dos seus produtos, de forma que tendem a evitar as obras que abordem problemas complexos ou individuais (os quais tendem a se expressar através das obras dos canais independentes) ¢ procuram como uma das suas grandes aspiraes a exploracao dos seus filmes perante piiblicos diferentes sem que estes levan- tem o menor problema. Mas, em paralelo temos a preocupacio pela singularidade. F indiscutivel que no momento atual da nossa sociedade se vejam claras inclinagoes em dire- ao ao particular (tenhamos em conta a oposigao politica entre internacionalismo C nacionalismo que se vive em todos os paises com maior ou menor forga) que também encontram a sua clara aplicagio nas imagens. O excepcional supe um atrativo para determinados grupos de espectadores que defendem os direitos das minorias (seja 0 de um filme independente ou de uma cinematografia ex6- tica, scja a possibilidade de visionar um programa televisivo no multitudinério) face a uma imagem plana e sem matizes na qual os claro-escuros estejam margi- nalizados, tudo tenha que ser “politicamente correto” € no final avancemos perigosamente em dircgio a uma sociedade de clones. Tradugao de Ana Karina Costa Siqueit © revisio do préprio autor. "Cinema estudado de mancira excelente por David BORDWELL, Janet STAIGER e Kristin THOMPSON (1997) 36 aa Gnematigeaf Un olhar sobre a bistiaa. Outro fator facilmente constatavel nestas tiltimas décadas & a oposigao espetaculo social e consumo de imagens indi- vidualmente. Nao podemoy exquecer que ao longo de grande parte do século cada vez mais radical entr passado os espeticulos de imagens se visionaram em condig6es muito especiais (¢ assim foram estudadas pelos socidlogos da censura) (CHIARINI, 1963 LOPEZ, 1966), entre as que sobre saem de forma singular a vertente multitudindria ¢ social, assim como determinadas peculiaridades técnicas (sala escura, ecra de grande formato, som de consideravel amplitude) e econémicas (fundamentalmente o pagamento de um bilhete). Mas estas mesmas condigdes experimentaram uma profunda transformagao nos tiltimos trinta anos de tal forma que ainda que persistam alguns dos elementos anteriores que continuam nos falando de um espetaculo social, se incorporaram mudangas de especial singularidade que sao facilmente reconheciveis por todos os espectadores atuais (0 modelo de multi ala agrega muitos deles ¢ evita mais comentérios).. Mas junto a isso, ao espectador se oferece neste momento uma alterna- tiva radicalmente oposta: consumir todo o tipo de imagens individualmente quer seja em casa quer seja através de qualquer das formulas alternativas (com- putador, reprodutores de DVD, etc.). A partir do aparecimento da radio e de forma lenta, mas progressiva foi-se produzindo a incorporacao de diversos avangos técnicos que facilitavam 0 uso dos meios audiovisuais sem necessida- de de abandonar a nossa casa; posteriormente, se ofereceu esta possibilidade a partir de qualquer lugar, o que neste momento atingiu niveis de especial amplitude, reafirmando-se a relagio com a tendéncia individualista que co- mentavamos anteriormente. (GUBERN, 1994) Mas a diversidade de modos de acesso as imagens incide também, como nao podia deixar de ser, sobre os niveis de recepgio, pois é evidente que as condigées ambientais ¢ a atitude pessoal que se adota perante estas duas dife- rentes possibilidades apontadas (sala especificamente preparada e qualquer lugar e em qualquer momento) sao radicalmente distintas; isso traz como conseqiiéncia direta o estudo destas circunstancias desde 0 ponto de vista psicoldgico para compreender as diferentes reagbes do espectador perante as mesmas imagens de acordo com o lugar concreto onde sao contempladas. Em intima relagao com tudo 0 que temos expressado encontra-se a alternativa entre passividade e postura ativa. Um dos grandes desafios que enfrentam as imagens no momento atual é a sua gigantesca acumulagio; perante tao clevada quantidade o espectador pode se sentir totalmente inde- feso, sem poder adotar uma postura de valorizacao, chegando a ser uma au- 37 téntica “sarjeta” de imagens que se yao acumulande sem ordem nem concer- torna sta mente. Nesta sitiacae pode ecupar um papel muito determinante a sufocante publicidade que nos radeia cm todos es momentos da vida quotidi- ama © qe ineide sobre os aspectos mais clementares da nossa existéneia te TP possivel que espoctadar realiz Assim) surge uma pergunta preecuy um anténtic feed back® petante as imageny que recebe 94 esta Cuma situ gio totalmente utopica? \ sensagae de que, sem nos apercebermos, nos vamos transformando nuns seres que vém imagens unicamente, mas que nao refletem sobre as mesmas ¢ uma das sensagées mais fortes do momento atual; apesar da grande resisténcia social em aceitar esta situagio, ndo podemos deixar de reconhecer que avangamos perigosamente em direcio a uma sociedade eminentemente receptiva. Tal situacio uniu-se a um elemento como o do evidente “desgaste” que sofrem as préprias imagens, de tal forma que o impacto que puderam produvir num momento concreto se vai perdendo devido a sua reiteracao. A solugao, dificil solugio sem a menor diivida, é 2 da atitude ativa do e por um lado ha uma série de espectador. Nao podemos esquecer que, s aspectos que tendem a desenvolver a passividade, também nos encontramos com muitos outros que se podem transformar em motor de arranque para uma auténtica agio de decisio por parte do espectador; nao se trata s6 do fato de que 0 desenvolvimento dos préprios meios tenha potencializado a neces- sidade de tomar decisdes em determinados momentos (por exemplo, a sim- ples escolha perante um mimero gigantesco de canais de televisio), senao que algumas delas sao dirigidas para um auténtico protagonismo do consumidor, como por exemplo, os programas interativos ¢ as suas miltiplas possibilida- des. (POPPER, 1989) Atal se une no Ambito informative a mudanga radical que se produziu ao longo do século pasado na concepcio da noticia; somos conscientes de que, cada vez mais, ndo somos meros receptores de noticias senao que nos transfor- mamos em seus “testemunhos” e, ainda em algumas situagSes, em co-protago- nistas. Os acontecimentos do mundo circundante chegam até nés no mesmo instante em que se produzem e com um forte cardter de imediatismo, de forma que perante os mesmos nao adotamos uma postura de mero conhecimento sendo que passamos a desenvolver um protagonismo ativo, postura essencial- mente diferente daquela que nos levaria a dein 1 passar os acontecimentos como algo sem importincia e psicologicamente afastados de nés. © ltimo dos contrapontos que vamos considerar é a concepgio das imagens como testemunho informativo ou espetaéculo. Uma vez mais, a 38 Gromanigeafo. Um olhar sobte whist situagao na que se encontra o individio perante as imagens, coloca-o frente a uma série de dilemas que tom que enfrentar para poder aleangar a visio mais perfeita possivel do set meio \s imagens em movimento possuem em situma forte carga de realismo Tanto nos casos nos que se nos apresentam acontccimentos com uma clara finalidade documental ou informativa, como nos que se pretende uma recre- agio ficticia, a imagem tem um impacto no espectador com a sua proximida- de © a sua carga de realismo; isto pode adquirir especial importincia em de- terminadas ocasides em que se reafirma 0 mero cardter de veiculo que tém as imagens para servir de testemunho de determinados fatos ou situagbes con- cretas € reconheciveis. Mas, sobretudo, tal deriva do cardter “presente” que possui a imagem cinematografica (c por extensio todas as animadas), pois como bem expre sou Mitry “o passado enquanto tal nao existe no cinema. Toda acio passada € um atual resgatado do vivido do drama por uma implicagao légica ou psicolé- gica: € 0 presente no pasado, mas sempre € presente.” (MITRY, 1978, p. 158) Mas juntamente a essa questo encontramos outras imagens que esto presididas pelo mero conceito de espeticulo. O desejo de recriar determina- das circunstancias vitais com uma finalidade de entretenimento foi sempre muito forte no mundo da imagem animada e enquanto tal foi estudada pelos psicdlogos para poder compreender o atrativo que representa para os espec- tadores, e que os conduz a um consumo permanente mesmo em condicdes que, a priori, se poderiam considerar como adversas, como por exemplo, as guerras ou as crises sociais profundas. ‘Também nio € de desdenhar a importancia que teve a progressiva dramatizagio das imagens animadas, pois, como j4 foi apontado, (DUVIGNAUD, 1988) as formas de representagao que estao dirigidas a cole- tividades mais ou menos amplas foram alterando paulatinamente a visio da histéria propondo uma perspectiva na que os elementos ficticios adquirem uma especial singularidade. O problema adquire uma profunda radicalidade no momento atual nao pela mera existéncia deste duplo projeto icénico, senao pela progressiva € perigosa combinagao que se faz dos mesmos, sobretudo através dos meios televisivos ¢ seus derivados. Esta mistura do espetacular e do informativo coloca os espectadores perante situages paradoxais, que se torna dificil di: tinguir a entidade e validade de cada um destes modelos de imagens (pense- mos no impacto dos “reality shows” e a sua incidéncia sobre 0 publico pouco 39 Angel Luss Hero Mon critico, om a apresentacao da violencia nos telejornais que vai seguida, sem os em filmes de fiegao) ens simil, solugio de contimuidade, de ims Como conclusin de tudo quanto dissemos, podemos sublinhar, uma 4.0 homem perante as Yer Mais, a sittagao de complesidade na qual se encontr ar esta circunstancia como Imagens que © redeiany nao devemos consider radicalmente negativa, senao como um clemento interessante © atrative que nos permite analisar as facetas com as que se desenvolve a sociedade atual e, agas a isso, poder incorporar novos elementos que contribuem para o seu estudo na dinamica de transformagao permanente a qual se vé submetida. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS BORDWELL, D.; STAIGNER, J. TROMPSON, K. EI cine elisico de Hollywood. Estilo y modo de produccién hasta 1960. Barcelona, Paidés, 1997. CHIARINI, L. El cine, quinto poder Madrid, Taurus, 1963. DUVIGNAUD, J. Sociologia da arte. Barcelona, Peninsula, 1988, ESPADA, L. G. histéria dos meios audiovisuais I (1828-1936). Madrid, edigdes Piramide, 1979. FRANCASTEL, B.A realidade figurativa I. O limite imagindrio da expresso figurativa Barcelona, Paidés, 1988. GUBERN, R. 0 olhar opulento. Explorago da esfera iconogréfica contempordnea. 3° ed. Barcelona, Gustavo Gili, 1994. Do bisonte d realidade virtual. O palco ¢ o labirinto. Barcelona, Anagrama, 1996, LOPEZ, M. V. EI cine en la sociedad de masas. Arte y comunicacién, Madrid, Alfaguara, 1966. MITRY, J. Estética e psicologia do cinema. México, Século XX1, 1978, vol. I. Akal, 1989, POPPER, F. Arte, agdo, participagéo. O artista e a criatividade hoje. Mad 40

Você também pode gostar