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Capitulo 5 O fim da andlise e as intervencées do analista Quando e como termina a anilise de uma crianca? Existem finais de andlise que acarretam a marca de um fecha- mento e alcangam uma conclusio; mas isso nao acontece em todos os casos: alguns apenas finalizam com um vislumbre de abertura. E possivel afirmar que os primeiros levam impresso o fim de anilise, enquanto dos outros diria que simplesmente terminam. Na minha experiéncia, o fim de anilise de uma _crianca difere do fim de anilise de um adulto. A prova que aguarda o sujeito na conclusao da metamorfose puberal impede o analista de prevenir, na infancia, as vicissitudes do precipitado fantasmatico que, anotadas nas contas do futuro, abririo o marco para orientar novos gozos ¢ colocar 08 atos de vida no caminho de sua realizacao. Porém, as coordenadas que permitem ao analista justificar o ini- cio de sua intervengao e considerd-la concluida nao se baseiam apenas em notas desordenadas ou deixadas ao acaso ou na apurada intui¢aéo destituida do valor inestimavel de uma légica orientadora, sem vetor e Se 0 inicio da andlise de uma crianga é mot: rumo para o ato analitico. Digitalizado com CamScanner Alba Flesler vado pela necessidade de intervir diante do veneimento do vencimento dos tempo: sujeito, o fim da andlise também merece uma Stempos do sujeito, o fim da analise ta ontuacio com sustente Tbgico. Os tempos do sujeito expiram e a analise, info a lise, infelizmente, n; Yoltar para tris. Maso se - AL eUFSO permite reparar a falha irremediney abrindo caminhos colaterais ou constiuindo ferrameniae die svenida que foi fechada e oferecendo assim um future mathe faz, Tenho pensado o fim de analise ou como conclu a anilise de uuma crianga comecando por considerar a questo do fim como fina de, pois a pergunta sobre.a finalidade da.andlise de uma crianes finalidade, também decidiemos quando chegar a uma conclusio, Exe outras palavras, o fim depende do inicio. Se sabemos por ¢ De minha parte, eu decido iniciar ou nio a anilise de uma erian- a dependendo se encontro comprometida a promogio dos tempos da Sujeito. Portanto, parto de uma fina delimitagéo do percurso sofrido pelas trés dimensoes do tempo, que sio 0 si o Imagi- nario, como tempos do sujeito da estrutura. Pude constatar essa pers- pectiva, ligada ao fato de que o sujeito mais do que idade tem tempos, nas discrepincias presentes em muitos adultos cujo salto temporal, seja ao nivel da palavra, da construcio do set fantasma ou das mods- lidades dos seus gozos, ¢ evidente. Como antecipei, os tempos constitutivos da estrutura dependem de operagoes necessérias que podem ou nao ser realizadas para cada tum dos tempos. Ao comecar por localizar qual tempo tem 0 sujeito e as detengoes dos tempos, ao delimitar as operagdes realizadas eas que falharam, posso propor 0 inicio de uma aniilise quando encontro os tempos do sujeito comprometidos. Este 6, no meu entender, um indies dor preciso de comeco. E a finalidade aponta a relancar o movimento Fazer isso significa abrir espaco para a recriagio da falta, condigae promotora do curso do tempo. ee A questio nao ¢ simples, pois na infancia a recriagio.envele crianga a dependéneia real ao Outro, E mensurar a dependéncis res! “Qo Outro real ni E jeito e o Outro pode haver ‘20 Outro real nao € pouca coisa. Entre 0 sujelto 156 -erianga em andlisee as intervencées do analista ética. Quando existe, o Outro propée ou demanda a ‘peujlto responde com seu traco diferencial. A relagao ¢ cir criangas © Or mnétria; inicialmente, é 0 Outro quem tem que doar cata Malo da falta para que haja uma resposta do sujeito ooonevexomel essas coordenadas do inicio para chegar a dizer o que ero met entender, quando 0s tempos so cursados eo fazer sees moro. Se as operacdes se realizam e 0s tempos do sueto se eam, poderemios constatar seus efeitos. Lacan os menciona como fates de neurose.' Segundo minha leitura, eles sio 0 produto das Gperagoesrealizadas, So responsévets de que haja corpo e construc e santasma como tempos localizaveis do Imaginario e do Simbdlico. Gracas & distingéo dos tempos promotores desses efeitos, encontrare ‘nos primeiro 0 sujeito no campo da linguagem; depois, em funcao da palavra e, mals tarde, em sua articulagio a um discurso. A oposi¢ao ipifcante serd anterior a aquisigao do shifter, sinalizador da enuncia- {go nos enuinciados, E 0s tempos do Real implicarao distribuigao dos ou nto uma dial conte 420s pulsionais. ‘A importincia de assumir os tempos do sujeito esta em perm: tir tragar 08 alcances ¢ os limites de uma analise, Assim, se o inicio & ‘marcado por uma detencio, o fim fica indicado quando se relanca 0 movimento produtivo dos efeitos da neurose entre o sujeito e o Outro. Dou por concluida a andlise de uma erianga, mais além do ideal de crianga que cada um tem, no relangamento dos tempos da estrutura € 0 faco sem tentar prevenir ou antever o futuro. Se a dialética recriativa for relancada, o Outro sera o produtor da neurose. Mas 0 que acontece quando nao ¢ assim? Ha momentos em que encontramos algo mais do que falhas nos tempos instituintes. O nd do sujeito padece do erro* e certos tempos JH expiraram. Nesses casos nao temos efeitos de neurose ¢, portanto, 4 Lacan, J, Seminario NLL : nario XI Las euatro concepts funcamentales det pscoaniis, ‘Barcelona, Baral, 1977. a 7 2El deseo det pare Po, sintoma, transferet “ PGAREe TUN SE * (outubro de 2010), Buenos Aires. 187 Digitalizado com CamScanner Alba Flesler almejamos com a anilise reparé.los. Poréi, tempos que falharam: ¢ reconhecer a falha’ nhos colaterais, suploncias. Essa via difere da neurose sto indicadores de subjetivacao Quando © movimento segue seu curso, devemos conclu intervencio sem dilatagdes, sob o ritco de reler una pore oo ferencia que deve ser jogada predominantemente comes patenos ee pos da infancia. cd Mas nos outros casos, prucentemente nomeados como graves, casos em que ha Verwerfing do Nome do Pai, foraclusio, “efeitos de ndo neurose”, os caminhos néo serao facilmente redialetizados, Train -se, entio, de abrir as condicées colaterais e permanecer como terceite real, sabendo que as criancas voltario uma e outra vez, no melhor dos casos. E preferivel, nessa situagtio, deixar claro o alerta sobre a partir de que indicadores devem voltar. Nao podemos manter a anilise inde- finidamente com a ilusio de prevengio, mas a conclusio difere quanto 8 intervengo. Delimitar o impossivel faz com que o ato do analista seja possivel. reparar nao ¢ reinstalar © produzir solugées, camp daquela em que os efeitos ‘Uma anilise que termina: o carro de Javier Quando tomei em anilise Javier, de quem falei antes,’ nas en- trevistas preliminares ele tentou brincar com uma corda na qual seu corpo se enroscou sem encontrar uma saida, Eu sabia que o rumo da anilise de Javier deveria apontar a se desemaranhar do novelo do Ow jo, mas para alcancar essa proposta tro para encontrar 0 fio do seu desejo, mas p: : tive que partir de uma delimitagio apurada do tempo do sujeto, aps localizar como havia transcorrido cada um dos tempos de sua vida ¢ registrar os fracassos em sua promocio, Nas entrevistas com os pais, ao desdob mar de “o mapa dos gozos” nas trés geragoes que antec dobar o que costumo cha ederam 0 |3, Ver 0 capitulo 2, “Um easo de minha experiéncia", p. 78 158 ‘crianga em andlisee 2s Interveng6es do anaista 6 lugar da crianga para 0 Outro, i jeto instrumental da mie e objeto Jocalizado como objeto instrumental dam ‘onstatar também que a crianca havia realizado do pai. Pude de djelo do Vda a presenca do objeto no fantasma materno, Por no inlco de apava que, apesar do desconforto e do sofrimento que fim, no reed a0 met consult6rio, as condicdes de possbilidade os haviam orien andlie estavam ainda por se estabeleccr. Contava com + plicadavertente real que regava.o incomodo do pal para con aay teabalho. Fok preciso orientar as intervenes, num primeiro din ato, apontando que os pais pudessem aceitar a diminuigso do Too necessri para acolher tm fiho, e ainda mai, para que ele pur esse entrar em anilise. Logo, o primeiro trecho indicou que Javier pudesse desarrumar campo do Outro e expulsar do corpo esse objeto que ele era, tempo deexpulsto, de Ausitssing. Como eu disse, a existéncia dele dependia dessa grande operagio, da possibilidade de expulsar aquele objeto que tle era, Pois bem, efetivamente, entre perceber o lugar do objeto no fantasma materno e dar o passo diferencial de responder como sujeito, esti'em jogo, para todo ser Iuumano, a existéncia vital. Meses atirando ‘bjetos com firia, gostando de atirar no alvo e de demolir construgdes aparentemente s6lidas, mostrando-me repetidamente as acroba‘ que fazia para manter 0 corpo equilibrado em tabuas e cubos. © segundo trecho da anilise emergiu com a aposta de fazer consistir © corpo. A fallia daquele tempo fundacional, que impediu « ctianga de se beneficiar do desejo materno ¢ ocupar o lugar do falo Imaginirio, impedira de atingir uma consisténcia imaginéria um cor- Pinho sempre exposto, desde entdo, a fragmentagio. Essa falha no sus- lento nareisico fez tropegar a unificagio da imagem do corpo, doo funeionar como um tubo, cujos orificios no chegavam a fazer bordas de uma falta, Nesse trecho, as fungdes chamadas de “organis- mio", que estavam comprometidas no inicio da analise, ganharam uma ‘rganizagio; de acordo com o fechamento ocorrido, os furos no corpo ‘sanharan abertura e fechamento. Lembro que trabalhamos com sua eaixa, que, como eu The havia ae © a Feitura no n6 dos pais encontre! Javi 59 Digitalizado com CamScanner ‘Alba Flesler antecipado, era dele eninguém abria, Ensaiamos pis ane . Ensaiamos pintila para cobrila protegéla, Também construimos esse espago de “dentro” come ag mala dl intimidate qe faltva,Deciinos monta ot chee cobrilas com invélucros e massa de modelar, untartubon «fecha a” sa de modelar, juntar tubos e fechilos Enquanto isso, Javier jgava bola weatars o could dn ok 0, ficando de pé e se equilibrando, fazendo testes difiecis e me dizenie: “Olha isso, olha, olha!”. Javier jogava “Oil iso, aa, oh” Javier jogava de modo a mover o otha fixo Nao menos relevante foi outro momento em que montou u gacrafa, mostrando com a escultra,colocada no espaga tedincnse nal, o ganho de um novo espaco para 0 corpo, separado do plano, que adquirit profundidade e altura. Nao por acaso, levou a uma virada de jogo que eu chamaria de *jogar com as dimensées do espaco”: dentro, fora, para frente e para tris. Sua mobilidade abriu um vislumbre de dese, Junto com sua dinamica, Javier comecou a mostrar gosto por carros. Costumo estar muito atenta, tanto com as criangas quanto com os adultos — especialmente em relagio aqueles em que houve uma des: truigdo manifesta do sujeito, precoce ¢ brutal -, a esse raio de luz colocado como uum traco de desejo! Nesse caso, era o gosto por carros. ‘Seno inicio da anilise toda tentativa de desenhar terminava com 10 consigo”, com destino final do papel na lixeira, nesse novo tempo, e coincidentemente com todo esse movimento, foi se produ- zindo uma sequéncia escritural. A série, com sua riqueza diferencial, passou a antecipar 0 que poderia ser lido nos desenhos: por enquanto, aproximava-se o momento de encerrar nossos encontros. Desde ja, chegada essa instancia, tento obler noticia do que esta acontecendo fora da cena analitica, pois uma andlise nao se dirige ape- nas ao assentamento da trama sensivel dos significantes do sujeito: di rigese também as necessérias retificagdes do gozo na cena do mundo. [Na minha experiéneia, uma andlise pode aspirar a ser eficaz em con- seguir uma certa reorganizagao com relagio at realidade fantasmatic. 4. Vegh, Ie outros, Una cita con la psicasis, Rosato, Hom Sapiens, 2007 160 <— -eranga em aalise as intervenes do anata smogado a ir a escola ~ sendo que antes havia se fc -»tinha tentado jogar tenis com algum st do jogar futebol, embora nfo tivesse conse iva que é uma partida, muito diferente so Javier nha €0 terminantement ;bém havia tentar nessa cena cole ‘Uma certa violéncia posta em jogo nas pat de resposta. Por exernplo,diante de um passe is dos outros jogadores. Nao as criancas ecusado fesso e tamber jdo se inserit proposta no teniS. Feat ‘com suia falta i cot ele havi reeebido os insultos ustals do vi amas nem menos do qu aqueles com os as 2s SAREE er usr, as een pe clr Nios Tron paalsado, como era sua posta habitual no comes aor edisparou, embora para sua subjetividade implicassom 0P) os socos que 7PM sua insercao no plano social. Era preciso buscar + regras Ihe permitissem compartir 0 gozo de estar ganho, i tum esporte cujas ccom 0s outros. ‘Quando o corpo apenas tem ume prec consistenci magn ria, éfrequente que a presenca dos outros se transforme em presigh {vo do qual osujeito nao encontra como se protege de um gozo excessi 1 Se vevesretirarse da cena e buscar isolamento é a tniea prote ante de uma situago ameacadora. Nos trechos finais de nosso encontro, os car como una reparagdo para a fala de seu enodamento. E o que chama sos de sinthome, aquilo que no Real repara 0 n6 e o alivia da ameaga de eclosto, Como eu disse antes a sequencia se ey 20 irae a dde desenhos no quadro-negro de met consultorio! A caracteristica Ue tolerou e aceitou que um erro néo destruia toda a representagto. A angtstia cedeu com as ferramentas simblicas producidas na andlise, tos desenhos passaram a ter tum inicio, um desenvolvimento e, depois, ‘uma conclusto. ros perfilavam-se 5. Eu tenho uma parede pinta como um quadro-nesto, Menciono-e pore a Pos. Siniidade deo quadro-negr tet & quase implicit ~ portanto legit = wiz do apagador dev lugar a algumas intervengSes, oportunas para fazer perdurar uma Jimagem que no atingia qualquer estabilidade 168 Digitalizado com CamScanner Alba Flesler Fot nesse tempo, inoportuno para fazer 0 desenho sumir do qua dro, que penset em Ihe dizer, tentando colocar para jogar seu olhar e sua avaliagao: “Que bom ficou! Posso tirar uma foto clo carro que dese. nhaste?”, Ele néio apenas amou a ideia na época, mas também tentou teiteri-la em outra ocasiio. Na mesma linha, perguntei se eu poderia ‘mostrar a foto aos meus alunos, que com certeza iriam adorar. Minha intencao era abrir o olhar, ampliando seu espectro para. mundo, fora da transferéncia, Foi assim que seguiu construindo coisas, tomando papeloes, péis ebarbantes de uma caixa do consultério enquanto me perguntava: “Posso usar isso? Posso fazer aquilo2”. E também se apoiava em frases como: *Tive uma idefa!”, Nesse momento vinha com prazer, embora inio deixasse de referir quando deixaria de vir ao meu constiltério eas resistencias dos pais se incrementassem, como era de esperar, somadas ao cansaco legitimo de tantos translados pesados. Um conjunto de desenhos foi escrevendo outros tempos em rela a0 a0 suf e anunciando a despedida c o fim da ani lise. Primeito foram os rabiscos iniciais, necessirios pontos de apoio para comecar a falar ~ desenhos com justaposigdes onde era impos el discriminar uma representagio. Depois, um com a anotacio do rmimero da sta idade, até conseguir passar a desenhar 0 que nao se vvé, escondendo as transparéncias, © assim foram surgindo os carros, até atingir a figurabilidade. Aqueles desenhos em que era impossivel situar 0 sujeito para além da sua confusio, os esbocos invertidos, ro- los, movidos, transbordantes, foram dando lugar & delimitagao: as linhas procuravam se fechar, a centralidade do figurativo afastava-se das margens do papel ¢ os esforsos para encontrar a gestalt, a boa for- ma —aquela unidade unificante tio dificil para Javier ~, nao desistiam. Mas seria com os carros que o visual frontal variaria. Nas il: timas sessbes, os carros ~ até entio suspensos no ar ~ desceram e apoiaram-se num caminho. Javier também comegou a valorizar seu produto: “Nao imagine’ que fosse acabar assim’, disse ele, “é a melhor coisa que eu ja fiz". Como novidade, ele se dedicou a pintéslos, dando presenga & profundidade no desenho, e me pediu que esperasse para tirar uma foto, colocando intervalo ao olhar urgente que tantas vezes 1 Acrianga em anilise eas interven¢6es do analista n, concluindo, anunciou-me: “Ai esta! o torturavaalém de mim. Por fim, concluindo, nme A eoet pode Fotografat!” Eu fiz sso e jogamos o jog rt evhecest junta palasras, Equant jogseamos, ude eo o nntivel avango do Simbélico,o quanto seu acervo tinka se constittido, dando chances de tuma mudanga na perspectiva do st- card vgo eva de se estranhar que seus desenhos ganhassem detalles. aoe Finalmente, velo a iltima sesso, e ele sal falado disso, Também haviamos cor ta Fae am dante de determinadosindicadores. les haviam consegt 1A mae havia sido capaz. de limita sua com Iho © 0 encorajava a fazer por si mesmo; faquele dia, do uma grande mud pulsio de fazer em lugar do fil = = Prothar do pai, que sempre via o que faltava, esmaccev. ao chegs, vier foi direto 20 quadro-negro e comecou a desenhar o carro; ele fez isso devagar, com calma, Como se tivesse internamente feita por mim ha muito tempo: “Quando te deixas ", Agora que tinha mais ferramentas, sabia dizer: uma interpretagi apressar, acaba ma “Espera, ainda nao, agora nio!”. Ele desenhou devagar, sem buscar 0 meu olhar como costumava fazer; apagou, pensou, ao invés de fazé-lo compulsivamente. Comecou pelas rodas, sem transparéncias; desenhou assentos, fares no carro. Ele colocow um no volante ¢ outro atras; io havia justaposigao, mas alguma transparéncia ainda per Ele percebeu e disse: “Deu errado, torto, Acho que vou fazer tudo de novo". Quando se encontrava com a falha, permanecia para ele a desa- provacio fatal do Outro. Imedliatamente, ele se virou e me perguntou: “Hla algo errado com voct?”, Respondi que nao, que $6 estava olhando © que ele desenhava, naquele dia da nossa despedida. Entao ele con- timiou. Acrescentou, apagou, corrigiu, desenhow um escapamento € por fim 0 motor, com “uma parte fora e outra parte dentro”. Sua labil definigio imagindria s6 he permitia &s vezes velar real, deixando dentro o que nao se ve. Corrigindo aquilo que nao gostava, terminow 0 desenho dizendo: “Renovei tudo, esta étimo!”. E entio ele desenhow ‘ocho, com pedras e agua, fumaca saindo do escapamento, ¢ também nuvens. Othow-me ¢, como despedida, disse: “Pronto”. Efetivamente, ele 163 Digitalizado com CamScanner Alba Flester cstava pronto para ir, Ouvi falar dele por meio de sta mac e sua profes sora, que me disseram, um ano depois, que ele estava bem, saber do fim: as “caixinkas” de Federico ‘Quando a mae me consultou sobre Federico, ele tinha doze anos alguns sintomas na escola ¢ em casa. Sua progenitora queixavase ‘com amargura ¢ irritabilidade das atitudes do filho. Nas suas, “Federico nao estuda, nao avisa quando tem prova, contesta, ¢ rebelde fe nao quer fazer as coisas”, Sua expectativa quando veio me ver grr paleras, ques ho “estentase iso com reponsnbila Alguns fios da historia, amarrados no decorrer dos encontros com 0 joven e algumas entrevistas com a mie, permit ceunscrever o que era “isso” que a demanda materna esperava que fosse sustentado pelo filho e & qual o menino respondia sintomaticamente “nao”: estudar, avisar, fazer as coisas que ela pedia, nao responder com rebel seer m Vindo de familia de imigrantes que chegou ao pais carregando, como tantos outros, nao poucas dores, Delia ~ a mie de Federico hhavia perdido tragicamente o primeito marido aos dez meses de cass- ‘mento, quando tinha dezoito anos. A essa desgrasa, havia se somado a morte de seus pais no ano seguinte, deixandosa ligada a um luto de ‘matiz patolégica. Era not6rio, nas entrevistas que ela teve comigo so- zinha, seu olhar abatido e sua pouca ou nenhuma referéncia tanto a0 Ito histérico quanto ao pai de Federico, Ignacio, cujo nome confun din repetidamente com o de seu primeiro e “tinico” amor. Talvez por isso também tenha sido dificil para o pai vir me ver. A educacio de set filho esteve matizada, para ela, por esforgo e marcada desconfor- midade, a ponto de se Ihe tormar crénica uma modalidade queixosa, hipereritica e sombria; ela fazia eair na erianga, para se aliviar, uma culpa inadequada toda vez que se apresentava um desajuste na trans- feréncia. Por exemplo, se o dinheiro para pagar meus honorarios nio hhavia chegado, era porque “ele esqueceu 0 dinheiro". Se alguma vez 164 erlanga em andiise eas intervendes do analist 1a mareado e nao olhou paras jorque “ele tinh: as pela primeira vez, ela me pergunto ‘nesmo que “o trouxesse a menina”. Federico, do desencontro entre eles, responden Ihe sem ‘aga-me voc’.” do e sustentar “isso” com respons a0 longo da a jcagao”: multi- cele nao comparecet, sua agenda”, Ao trazi dada se para mim era.o mostrando a mim a.cena sequer me dar tempo: * “Trazé-lo ao mun foi facil para Delia. Nos de Federico, muitas veze abilidade nao ‘meuis encontros com ela, .s houve “problemas de comu MF makentendidos, com aqueles dois ingredientes reais ¢ inevitive renequalquer andlise: dinhelro e tempo. Equivocos com a soma, Ss® tin que vinha em outeo horirio ou debxara de frequentar no hor cr Timado, expressaram no inicio a modalidade de “telefone sem fio sont sustentadas pelos pilares das intervengdes do analista, a sgumas linhas foram tragadas. ‘Lembrome, em mais de uma ocasizo, de que pude vislumbrar sua angistia por tras da face cruel de sua posigto hipereritica. Ne Jonga lista de critcas contra seu filho, ela argumentou que Federico queria entrar em uum colégio secundario cujo ingresso requeria un qxame exigente,e acrescentou a frase reiterada e fatal: “Espero que ele Sustente isso com responsabilidade”. Disselhe que era uma conquista {que seu filho nao 36 se inclinara a dizer o que nao queria, mas também G que desejava: entrar nesse colégio, Porém, atinel a Ihe perguntar se ao achava demais pedir que Federico sustentasse “isso”, seu desejo, Sozinho, Sugeri, para concluir, que talvez nao fosse necessirio apressi Jo, mas acompanhélo, O indicador a respeito dos tempos a necessidade que o jovem tinha de néo ser apressado pela urgente demanda do Outro, eu havia podido ler em transferéncia. Suas chegadas tarde se repetiam ¢ me faziam ver que ele nao se dava bem com o tempo toda vez. que vinha sozinho. De minha parte, Federico parecia jovern demais para que se tanta maturidade em seus deslocamentos. Ele chegava tarde ‘me dizia, sempre culpando o outro e filando uma verdade: “Um cara me ‘deu a hora errada”. Quando perdia em um jogo, adiava a continuidade da competicio lidica para outro dia. Ele também se mostrava cansado e me

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