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Num Vento Diferente - Ursula K. Le Guin
Num Vento Diferente - Ursula K. Le Guin
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I
O CONSERTO DO
CÂNTARO VERDE
— De Roke.
— Os sonhos.
— Ah — e lançou-lhe um olhar penetrante dos seus
olhos escuros sob sobrancelhas emaranhadas e
grisalhas. — Fizeste uma boa soneca ali na erva, acho eu.
— Bem o vejo.
— Sim.
— Mas no Inverno. Dois meses depois da morte dela.
Veio-me um sonho. Ela estava no sonho.
— Conte-me.
— Tocaram-se?
— Há mais.
— Como se chama?
— Chama-a aqui.
O Amieiro não conseguia falar. Por fim, abriu a boca,
mas não foi o nome-verdadeiro da sua mulher que disse,
antes o seu nome de usar, o nome por que a chamara
em vida. Disse-o em voz alta: «Lírio...» Mas o seu som
não era o de uma flor branca, antes o de um seixo a cair
no pó.
E o Amieiro contou-lhes.
— Quem, então?
Nada se movia.
— Animais?
— E tinha razão.
— Acredito.
— É.
— Eu fico aqui.
— O Senhor das Configurações...
PALÁCIOS
— Sim.
O Amieiro murmurou:
— À ele — e bebeu.
— Não — respondeu.
— Meu Senhor...
— É claro.
— Meu Senhor, confrange-me trazer-vos notícias que
vos perturbam!
— Faz as perguntas.
Lebánnen propôs:
— Deixemos os sonhos de lado por um momento. O
nosso convidado precisa de saber o que nos preocupava
antes da sua chegada; porque supliquei a Tenar e a
Tehanu que viessem, no início do Verão, e mandei Tosla
regressar das suas viagens para nos reunirmos em
conselho. Explicas este assunto ao Amieiro, Tosla?
O feiticeiro pigarreou.
— Não sei.
— Sim.
— Se puder.
— Bem, é mais corajosa do que eu pensei. Se lhe
aconteceu aquilo da primeira vez que falou com um
dragão, é provável que volte a acontecer.
— Eu sei — disse.
Avançaram todo aquele dia a um ritmo tão rápido
quanto os cavalos conseguiam manter, chegando ao cair
da noite a uma pequena vila na montanha onde os
cavalos podiam ser alimentados e descansar e os
cavaleiros dormir em camas variadamente
desconfortáveis. Os que não estavam habituados a
montar descobriram então que mal conseguiam andar.
As pessoas na cidade não tinham ouvido falar de dragões
e sentiam-se intimidadas apenas pelo terror e a glória da
chegada de um grupo de forasteiros abastados a
quererem feno e camas e a pagarem com prata e ouro.
O CONSELHO DOS
DRAGÕES
— Seserakh.
— Gosto. Tu não?
— Anel?
— O anel de Urthakby.
— Amieiro.
Ergueu a cabeça lentamente e olhou a mulher que
se encontrava de pé junto de si. A pequena mulher
grisalha, Tenar. Viu a preocupação no seu rosto, mas não
sabia a que se devia. Depois, lembrou-se que a filha dela,
a moça com queimaduras, partira com o Rei. Talvez
houvesse más notícias. Talvez tivessem morrido todos.
— Sozinha?
Um centenar de guerreiros,
um centenar de mulheres
— Sim.
Tenar falou.
O Rei interveio.
— Não.
— Mudo eu?
O Rei disse:
Írian sorriu.
— Eu irei lá — retorquiu.
Ambas olharam para o Rei.
— Sim.
O GOLFINHO
— A Alta Princesa?
— Há mais do que uma? Não tens conhecimento de
que a filha do Alto Rei é nossa convidada?
— Vir.
— À Ilha de Roke.
— Em navio — disse ela e, subitamente, soltou um
gemido, uma espécie de lamento. Mas logo acrescentou:
— Eu vir. Eu ir.
Ônix refletiu.
— O teu poder.
— E comida.
— Sim, claro; uma vez por dia. Não em demasia. Ele
é um bocadinho guloso. Tem tendência a pensar que
Segoy fez as ilhas para o Reboque poder encher a
barriga.
— Gosta de os observar.
— Ar e fogo — acrescentou.
— Estou satisfeito.
O feiticeiro disse:
— Porque é assim?
— Não há problema.
— Tu e ela estavam ali a falar tão livremente, tão à-
vontade. É como pôr-se uma pessoa à-vontade com um
vulcão, acho eu... Mas digo-te uma coisa, não me
importava de ver melhor aquela prenda que os
karguianos te enviaram. Vale a pena olhar para ela, a
julgar pelos pés. Mas como é que se tira da tenda? Os
pés são bem elegantes, mas eu gostava de ver um
bocadinho mais de tornozelo, para começar.
— Há algum problema?
Ó minha alegria!
— Contra ele?
— Foi há muito tempo — respondeu ela, sorrindo de
prazer com a sua incredulidade, a sua relutância em
acreditar que alguma vez pudesse ter sido feita qualquer
afronta a Gued. — Quando ainda era rapaz e se tinha
metido com a escuridão. Foi o que ele disse.
— Obrigada.
— Obrigada.
Ela disse:
— Uma língua?
— No meio?
— Ah, sim! No meio! — riu, com o prazer de
encontrar a palavra. — No meio... vós! Gente magia! Ah?
Vós, gente no meio, falar língua hárdico mas também
guardar falar língua Antiga Fala. Vós aprender ela. Como
eu aprender hárdico, ah? Aprender a falar. Depois,
depois... isto ser o mau. O coisa mau. Depois, vós dizer,
naquela língua magia, naquela língua Antiga Fala, dizer:
Nós não morrer nunca. E ser assim. E o Vedurnan
quebrar.
— Seyneha?
Olharam-se de frente.
REUNIÃO
Gued riu.
— Azver! — chamou.
Ônix sorriu.
— É o nome do Nomeador.
A terminar, disse:
O Invocador fitou-a.
Írian riu.
— Es eyemra — disse.
Írian falou:
— Os homens receiam a morte e os dragões não. Os
homens querem possuir a vida, apoderar-se dela, como
se fosse uma joia numa caixa. Esses magos antigos
cobiçavam a vida eterna. Aprenderam a usar nomes
verdadeiros para evitar que os homens morressem. Mas
quem não pode morrer jamais poderá renascer.
Fez-se silêncio.
— Para a vida.
— Para a vida.
— Eu sei.
— Tens de me deixar.
— Eu sei.
— O Amieiro.
Ônix apoiou-o:
E o Configurador respondeu:
— Os mortos.
— Keilessine!
— Lírio — exclamou.
— Inteira?
— Julgo que ele vai ficar bom, Brand. Ela é-lhe agora
muito mais útil do que nós.
— Ah — fez ele.
— Oh, meu querido — disse ela. Apressou-se,
naqueles últimos e poucos passos, enquanto ele
caminhava para ela.
— Continua.
— De trás para a frente?
— Não.
Ela sorriu.
— E Tehanu.
Um silêncio.
Um silêncio.
— E passeaste na floresta?