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Luiz Carlos Bresser-Per CAPITULO 1 As instituigdes: Estado e mercado Em busca do Ne) 8) At) PERDIDO um projeto Eel eel ea lh al lana eee “&* FGV EDITORA Em busca do desenvolvimento perdido Estado e mercado sfo, portanto, as duas do capitalismo, © Estado ¢ o sistema c organizagio que o garant a organizasio que, a0 40 Capitalista ou revolugio ni periodo que comegou nas cidades-estado do norte da completou pela primeira vez quando na Inglaterra nagio, formou-se 0 Es Os primeiros paises a serem bem-s se tornarem também ricos foram a Bélgica e a Fran XIX seguiram 0 mesmo eaminho estados-nasio como os Es- dois paises latino-americanos interromperam seu desenvolvi- ‘mento econdmico nos anos 1980 e so hoje apenas paises de renda média, enquanto os paises asisticos continuaram a se de~ senvolver e so hoje paises ricos. Ao olharmos para a historia da humanidade, vemos ‘0s povos lutaram e ainda lutam para se tornarem uma nacio ¢ formarem seu Estado-nagao. Lutam porque sabem que essa igdes: Estado e mercado € uma condigio do seu desenvolvimento. Nos primeiros — a Inglaterra, a Bélgica ¢ a Franga — a formagio de um estado- -nagiio dotado de um grande mercado interno que vi a industrializagio aconteceu nas sociedades agrétias-letradas € mercantis, que existiram na transigo do feudalismo para 0 capitalismo. Nelas a formagio do Estado-nagao e a Revolu- «40 Industral foram logradas por meio da associago dos mo- narcas absolutos e suas cortes patrimonialistas com a grande bburguesia comercial que entio prosperava. Foram as primei- ras coalizées de classe desenvolvimentistas ou nacionalistas sua Revolugio Capitalista e se desenvolver ; porque atrasaram-se em unificar sua sociedade e formar um grande Estado-nagio, Nacionalismo econmico ou desenvol- vimentismo e liberalismo econémico foram as estratégias de desenvolvimento adotadas. O mercantilismo foi um primeiro desenvolvimentismo; as demais revolugées industriais, tanto nos paises retardatirios da Europa como dos demais conti- nentes, foram sempre realizadas no quadzo de coalizées de classes desenvolvimentistas nas quais empresitios industs lianos se atrasa~ trabalhadores ¢ setores da oligarquia proprietiria de terras se associavam para construir mercados internos grandes ¢ livres, Duas formas de capitalismo ‘As duas instituigdes pro } ‘mercado; correspondentemente, as duas formas de organiza~ io econdmica e politica do capitalismo sfo o desenvolvimen- | tismo ¢ 0 eralismo econdmico. Existe teoricamente uma_ terceira forma, o estatismo, mas esta é uma formagio social contraditéria com o capitalismo que resultou de revolugdes 18 Em busca do desenvolvimento perdido socialistas, logrou iniciar a Revolugao Industrial dos respecti- vvos paises, mas afinal se revelou intrinsecamente ineficiente € foi abandonada. Em cada sociedade capitalista,o Estado & coordena a sociedade por meio da lei e das € 0 sistema constitucional-legal e a onganizacio que o garante. Ele est presente na nossa vida em todos os momentos, desde que nascemos ¢ somos registrados em cartério, Cabe a consti- tuigdo definiro sistema politico, as formas de propriedade e os grandes objetivos so © cumprimento da lei e 0 bom funcionamento d O mercado, por sua vez, € a instituigao regulada que coordena as atividades econémicas competi © capitalismo € desenvolvimentista quando Estado mercado partilham a coordenagio econdmica, 0 mercado se encarregando, no plano microecondmico, dos setores com- petitivos, enquanto 0 Estado se encarrega dos setores nao competitivos e da coordenacao macroecondmica, cuja estabi- lidade e bom desempenho 0 mercado nao tem capacidade de assegurar. O capitalismo é liberal quando o Estado se limita a garantir o bom funcionamento do mercado garantindo a pro- lade € os contratos, a defender a concorréncia, ea manter radas as contas piblicas. __ Meu conceito de desenvolvimentismo &, po amplo. E aalternativa ao liberalismo econdmico, para o qual nai te uma palavra alternativa clara. Usava-se socialismo, mas este uma alternativa a0 capitaismo. Usa-se como alternativa & socialdemocracia, mas esta é uma forma de desenvolvimentis- mo social e democritico. Ao propor como alternativa a palavra desenvolvimentismo eu estou fizendo conscientemente uma ampliagio semantica, porque precisamos dela para entender © capitalismo e para discutir como melhor institucionalizé- lo (Bresser-Pereira, 2017). O capitalismo nasceu desenvolvi- As insttuigGes: Estado e mercado 19 smo, que entendo haver sido o primeiro desenvolvimentismo; entre 1834 ¢ 1929 foi liberal, desde o ‘ano em que o Reino Unido afinal abriu seu comércio (signi- ficativamente, 60 anos depois que Adam Smith publicou 4 riqueza das nagées — o livro fundador do Ii ico) até quando 0 liberalismo econdmico clissico entrou em cise terminal. Mas nos quase 100 anos em que o liberalismo econdmico foi dominante, os pafses que primeiro se industria~ zaram. ¢ adotaram um regime de politica econdmica liberal jamais lograram realizar o “ideal” liberal, porque a realidade dos fatos obrigava os governos a fazerem intervengies econd~ ‘micas, que nao eram sistemiiticas, mas pontuais. ‘A Grande Depressio e a Segunda Guerra Mundial foram ‘odo de transico. No pés-guerra, entre 1946 ¢ 1973, 08 principais paises europeus passam a se desenvolver acelerada~ mente ea instalar 0 Estado social. $30 os Anos Dourados do CCapitalismo. Os Estados Unidos alcangam hegemonia econd~ icac politica ¢ pretendem ser o exemplo de democracia ¢ mo- dernidade para todo o mundo, mas os anos 1970 foram também cos anos da sua derrota no Vietna.A rigor, os Anos Dourados do CCapitalismo aconteceram principalmente em paises da Europa que adotaram um modelo de capitalismo social-democritico € desenvolvimentista. Para os paises que haviam realizado sua Revolugao Industrial no quadro do desenvolvimentismo, foram 108 anos do segundo desenvolvimentismo, Foi também 0 grande momento dos paises em desenvolvi- mento como 0 Brasil. Muitos deles aproveitaram a janela de oportunidade aberta entre os anos 1930 ¢ 0s anos 1970 para adotar uma estratégia desenvolvimentista © se industrializa~ rem, O Norte era, entio, razoavelmente desenvolvimentista, principalmente a Europa no pés-guetta, ¢ o Banco Mundial era um banco desenvolvimentista. O Brasil, sob a lideranga inicial de Getdlio Vargas, adotou uma estratégia desenvolvi- ‘mentista no mercant sralismo econd- 20 Em busca do desenvolvimento perdido mentista desde 1930, ¢ alcangou enorme éxito. Mas a partir da elevagao brutal da taxa de juros ameri cchegada ao poder, em 1979 ¢ 1981, de € 8 ortodoxia liberal. Como novamente era de se paises em desenvolvimento realizaram reformas ¢ mas 0 desenvolvimento econémico nao veio; no Norte alguns pesquisadores deram-se conta da quase-estagnacio — exceto no do Leste e do Sudeste da Asia — ea denominaram “armadilha da renda média” — uma boa denominasao para 0 baixo crescimento de muitos paises, que, porém, nao se deveu & irresponsabilidade fiscal dos governos (como afirma a ortodo- xia liberal), porque esta, a partir de 1990, nao se tornou maior do que era antes, mas menor. Deveu-se, sim, ao fato de terem todos se subordinado ao Norte e adotado o regime de ‘econdmica liberal, que ¢ incompativel com o desenvolvimento acelerado ou com 0 alcangamento. A partir dos anos 1970, com o avango ideolégico do beralismo, a volta da teoria econdmica neockissica & de ensino dominante nas universidades foi fa prprio capitalismo estava em transformacio. O que fora um capitalismo industrial ou de empr formou-se na primeira metade do século XX em um capitalis- mo de tecnoburocratas porque estes substt rios na gestio das empresas; ¢ na segunda metade desse século transformou-se mais uma vez, agora em um capi rentistas (os herdeiros dos empresitios) e de financistas — os tecnoburocratas tecnicamente capazes, detentores de MBAs ‘ou de PhDs em economia nas principais universidades, que acdministram a riqueza dos rentistas e agem como seus intelee- uigdes: Estado e mercado a s “orginicos”, formuladores da ideologia neoliberal; 0 ca pitalismo torna-se assim um capitalismo financeiro-rentista, Em sintese, tomando-se a Inglaterra e mais recentemen- te os Estados Unidos como parimetro, 0 capitalismo central evoluiu historicamente por meio da alterndncia do desenvol- vimentismno e do liberalismo econémico. O capitalismo (1) nasceu desenvolvimentista (primeito desenvolvimentismo) ao realizar a Revolucio Industrial na segunda metade do sé- culo XVII, no quadro do mercantilisimo ¢ das monarquias absolutas; (2) foi liberal entre 1834 ¢ 1929 (primeiro liberalis- mo), mantendo-se autoritirio até aproximadamente a virada para o século XX quando, afinal, os liberais cederam & pressio popular e accitaram o suftigio universal; (3) voltou a ser de- senvolvimentista (segundo desenvolvimentismo), mas agora democritico e social, entre 1946 1979, no tempo dos Anos Dourados do Capitalismo ou, na terminologia da Escola da Regulagao Francesa, do Fordismo; (4) regrediu para um li- beralismo radical, desregulado, 0 neoliberalismo, entre 1980 € 2008, ao mesmo tempo que o capitalismo se tornava finan- ceiro-rentista; (5) desde 2008 o capitalismo vem passando por forte processo de retorno A regulagdo financeira, a0 mesmo tempo que a globaliza¢io comercial entra em declinios ¢ a glo- \sio produtiva, realizada pelas empresas multinacionais, continua a acontecer Estado e mercado fortes Enquanto 0 capitalismo fot dinimico e progressista, o Esta~ do e 0 mercado foram fortes e se compk tado ficando com a p ica, o planejamento do setor nao comp. industrial estratégi~ ca, enquanto 0 mercado ficava com todo o resto da econo- rentaram — 0 Es- 2 Em busca do desenvolvin mia. Porque o mercado € mais efi realizar a coordenagio econdmica quat E, por isso, ha um principio na boa t © da subsidiariedade: quando retirar-se da coordenagio mercado, por meio da lei da oferta da pro ue da determinagao dos presos e da alocas: produgio. Dado que a grande maioria dos setores ec tende a ser competitiva, neles o mercado ¢ wi coordenadora insubstituivel. Mas toda ec de vista microeconémico das empresas e dos individuos, mas do ponto de vista macroeconémico, dos agregados £08 € dos precos macroeconémicos, a boa coord nomica, que garanta estabilidade e crescimento, fiscal, a pol recusada pela ortodoxia liberal: a politica cambial. Essas po- liticas so necessérias porque o mercado ¢ incapaz de manter (8 cinco pregos macroecondmicos no patamar certo; porque, deixada uma economia nacional por conta apenas d cla estara sujeita & inflagio e A deflagio e a crises € financeiras frequentes. Mesmo nos setores competitivos al- guma intervencao do Estado é necesséria, seja para promover indistria infante, seja para a realizagao de politica industri 6 ptincipalmente, como veremos, para neutralizar a doenga holandesa Quando combinados pelo desenvolvimentismo, Estado € mercado se fortalecem mutuamente. O mercado torna-se vivo, cheio de energias, mostra-se uma instituigao que se abre lade e para a capacidade de inovacao do empre~ As insttuicOes: Estado e mercado 2B sitio. Os agentes econdmicos dotados de espirito empresatial vem as tendéncias do mercado, percebem as oportunida- des que se abrem, obtém financiamento, ¢ realizam as inova~ ses que Ihes garantem uma vantagem monopolista e, por- tanto, os lucros satisfatérios que sio necessérios para que @ taxa de investimento se cleve, ¢ o crescimento se transforme em aleangamento, No inicio da industrializagio o Estado as- sume um papel importante em realizar acurmulagao primitiva de capital ¢ investir na infraestrutura ¢ na industria de base, mas uma vez superada essa fise ele comega a abrir espago para a privada, porque nao tem ele possibilidade de exercer a etiatividade e realizar as inovages que entio pas sam a ser necessitias. Os russos atrasaram-se em perceber esse fato, abriram sua economia tardiamente e ficaram para tris,’ enquanto 0s chineses viram no momento devido que estava na hora de abrir a economia para o mercado e para © espirito empresarial dos chineses, realizaram a abertura € experimentaram o episédio mais longo ¢ extraordinério de desenvolvimento econdmico de todos os tempos. Nesses dois paises a industrializacio ocorreu no quadro do estatismo, € por isso sua transiglo para 0 mercado foi radical, e, no caso da Russia, traumética, porque tentou dar um salto do estatis- ‘mo para o liberalismo, fracassou, ¢ afinal tornou sua econo- mia desenvolvimentista; mais sdbios foram os chineses, que abricam gradualmente a economia, enquanto conservavam © controle do Estado, de forma que a transigao foi apenas do estatismo para o desenvolvimentismo. O Brasil ¢ os de~ mais paises latino-americanos cometeram 0 mesmo erro que 5 Alémn de abrir tardiamente sua economia, a Risi fer a0 mesmo tempo 2 sbertura econémica ea politica. Foi wm grande err, porque, sem um Estado ‘para coordenar a aberra econdmica, esta aconteceu de forma caética,abriu expago paca a capeura do patrimdnio pablico por uma oligarquia, e causou brual queda do PIB. 24 Em busca do desenvolvimento perdido a Russia, mergulharam no liberalismo econdmico em 1990, ¢ agora precisam corrigir 0 rumo ¢ voltar a adotar a estratégia desenvolvimentista. Na medida em que um pais se desen- volve © que seu mercado se fortalece, é natur: coordenador do mercado aumente, mas mesmo desenvolvidos o Estado precisa estar presen © papel econémico do Estado Iniciei este capitulo afirmando que uma nagio ou sociedade -2 capitalista s6 é coesa e capaz de realizar seus objetivos politicos se contar com um Estado forte e um mercado forte. O Estado tem fungdes politicas e sociais maiores do que 0 mercado, Analisando-se a questo de um ponto de vista his- t6rieo, seu papel econémico tem sido muito claro: no € ape- “garantir a propriedade © os contratos”, como liberais, mas garantir as condigces gerair do investimento pri- vado — dar condigdes ao setor privado para que ele realize seu papel de investir e inovar. Quais slo as co da acumulagio e, portanto, as fungées do Estado? As primei- ligdes cl A sexta ea sétima s20 condigdes do lado da deman« & keynesiana € a sétima, novo-desenvolvimentista. ‘As condigées do lado da oferta, que aumentam a capacida- (1) promover a educagio, (2) criar a moeda nacior ides: Estado e mercado 25 (3) definir instituigoes que garantam o bom fanciona~ mento dos mercad (4) planejar e invest trutura; (5) criar um sistema de financiamento de longo prazo para o investimento, direta e indiretamente na infraes- Keynes, nos anos 1930, promoveu uma revolugio na teo~ ria econémica ao se dar conta que, nas sociedades modernas, existe a tendéncia & insuficiéncia de demanda efetiva e & su- do de recursos a0 nivel da economia como um todo. partir dessa ideia, eriou a macroeconomia, € propds as po- s fiscais e monerérias, que deram um papel ao Estado maior, Como 0 mercado é incapaz de garantir que a oferta seja igual & demanda, como supunham os economistas politicos cléssicos, o Estado precisa administrar a demanda efetiva por meio da politica fiscal e da politica monetétia. Keynes, porém, construiu na Teoria geral [1936] um mo- delo macroecondmico fechado, sem outros paises, comércio exterior, conta-corrente ¢ taxa de ctmbio. Fez bem em fazé~ Lo, porque se abrisse 0 modelo provavelmente o tornaria tio complicado e néo seria compreendido. O setor externo, po- rém, sempre foi muito importante para os paises em desen- volvimento. Basta ler a Farmasio econmica do Brasil (1958] de Celso Furtado para perceber 0 quanto a economia bi ra refletia a economia mundial. O novo desenvolvimentismo nasceu da importincia da macroeconomia aberta para os pai- ses em desenvolvimento e descobriu que existe nesses paises ‘uma tendéncia a sobreapreciagao ciclica e cronica da taxa de cambio, ¢ deu origem a uma sexta ¢ tiltima condigdo geral da acumulagao de capital: (6) neutralizar a tendéncia a insuf garantindo as empresas um. cia de demanda, sustentado sufi~ 26 Em busca do desenvolvimento perdido ciente de demanda, por intermédio da administragio da politica fiscal e da pol permitir uma expansio continua do ede vendas. de forma a No inicio do século XXI, 0 novo desenvolvimentismo adi- Gionou uma sétima e iltima condigao geral de acumulagao de capital a ser provida pelo Estado: (2) neutralizar a tendéncia a sobreapreciagio ci nica da taxa de cambio € assim garantir 0 acesso das empresas que usar tecnologia no estado da arte mun- dial 4 demanda existente, tanto 4 demanda interna quanto a externa. ecr0- Em outras palavras, de nada adianta as empresas compe- tentes estarem diante de uma demanda ii 1a Ou uma de- ‘manda externa fortes, se a taxa de cimbio do pais permanece sobrevalorizada por virios anos, s6 se depreciando por breves periodos, quando ocorrem as crises de balanco de pagamentos. ‘Uma taxa de ciimbio fora do lugar nao nega acesso apenas as boas empresas existentes, mas também a todos os empreendi- mentos inovadores potenciais que poderiam ter surgido ou vir a surgir se a taxa de cimbio se conservasse competitiva. Concluo este capitulo com uma observacio geral que decorre de tudo i discutido até aqui. Um regime de politica econdmica liberal, como aquele hoje (2018) presente no Brasil, nao tem condigdes de levar a economia brasileira a novamente crescer ¢ realizar o aleancamento dos niveis de desenvolvimento dos paises ricos. A alternativa é um regime de politica econdmica novo-desenvolvimentista, que defende a responsabilidade fiscal e cambial, 0 equilfbrio dos cincos pre~ 908 macroecondmicos ¢ a diminuigao da desigualdade, Sem esses pregos no patamar certo — sem uma politica fiscal que As insttuicdes: Estado e mercado a mantenha 0 endividamento piblico estivel ¢ em nivel con~ fortvel, sem um nivel relativamente baixo da taxa de juros em tomo do qual o Banco Central realiza sua politica, sem ‘uma taxa de cimbio que torne competitivas as empresas que utilizam a melhor tecnologia disponivel, sem um salério mé- dio que cresga com a produtividade, sem uma taxa de lucro satisfat6ria para as boas empresas industriais, sem uma taxa de inflagio baixa —, as empresas nio investirfo e a economia brasileira nao cresceri. Sem reduzir a desigualdade, o Brasil nio conseguir se modernizar ¢ construir uma sociedade boa de se viver. Apresentarei, no préximo capitulo, as principais ideias do novo desenvolvimentismo. © mal do populismo econémico © desenvolvimento econdmico depende, portanto, da adogio de uma competente politica mactoeconémica, a qual, por sua imigos: a incompeténcia dos dirigentes econ6- ismo fiscal e 0 populismo cambial. Os politicos € economistas precisam conhecer a realidade econdmica de seus paises, devem ter conhecimento das teorias que so re~ levantes, ¢ saber quais as politicas aplicaveis aos problemas que enfrentam. Precisam, por exemplo, saber ou pelo menos it 0 que é a dona holandesa ¢ como ela pode ser neu- lizada, Geralmente atribuimos as politicas econdmicas que levam os paises a crises € ao baixo erescimento aos interesses ‘em jogo. Mas ha momentos em que os interesses em confi to estio relativamente neutralizados ¢ 0 decisor de pol go7a de relativa liberdade para adotar as politicas certas, mas adota as erradas. Esses casos 86 podem ser explicados por sua incompeténeia técnica. A incompeténcia & geralmente ex- cluida das anilises, porque a grande critica que tanto liberais 28 Em busca do desenvolvimento perdido como desenvolvimentistas fazem € ao fato de seus adversa- rios se pautarem pelos interesses das classes que eles repre~ sentam. Assim, os economistas neoclissicos ou ortodoxos representam hoje os interesses dos rentistas e dos enquanto os desenvolvimentistas tentam tesses dos empresirios industrizis e d vi muitos economistas ortodoxos ¢ mui senvol das por mera incompeténcia, em momentos em que tinham liberdade para adotar a politica certa mas adotaram a errada, Nos primciros {quatro anos do governo Fernando Henrique, por exemplo, 0 cimbio foi mantido apreciado eo pais acabou em grave crise de balango de pagamentos enquanto o presidente do Banco Central afirmava que nio havia por que se preocupar porque « produtividade no Brasil estaria crescendo mais rapidamente do que a dos outros parses. Nao pude deixar de lembrar de Garrincha, que era mais sibio ¢, diante das estratégias que 0 ‘téenico Feola propunha para vencer a Riéissia, perguntou:*mas 9 senhor combinou isso com os russos?” Quanto ao problema dos interesses como causa de ma po- ica macroecondmica, eles se traduzem no populismo eco- nomico, Nada é mais importante para um jentistas adotarem do que rejeitar a tentagdo do populismo econémico, seja ele © populismo fiscal, bem conhecido, ou o populismo cambial, por tris. Simplificando muito, o populismo politico é a de um lider carismatico de estabelecer uma relagao direta com © povo sem a intermediaco de partidos pondentes ideologias. Nos paises que comecam a realizar sua As insttuicoes: Estado e mercado |, porque envolve irresponsabilidade no gastar. E-uma doenga que atinge tanto o liberalismo econémico como smo. A expressio foi originalmente utlizada por economistas liberais nos anos 1980, mas eles a 20 populismo fiscal — ao gasto piiblico inresponsivel e a dé ficits pblicos elevados e crOnicos, Esse & sem civida um mal. ‘Mas ha também o populismo cambial — o gasto irresponstivel nio do Estado, do setor pablico, mas do Bstado-nagio, do pais, como um todo, incluindo o setor privado, Quando o Estado sgasta mais do que arrecada de forma irresponsivel, temos 0 populismo fiscal; quando, em lugar do Estado, € o Estado-na~ ‘Glo que gasta irresponsavelmente mais do que arrecada, temos © populismo cambial, Nesse caso, no apenas 0 Estado, mas também, sendo principalmente, 0 setor privado se envolve na gastanga. Os economistas desenvolvimentistas nio gostam do conceito de pop a boa € necessai tas liberais nao tém simpat porque veem com bons olhos os déficits em conta-corrente. Mas 0 fato objetivo € que existem os dois tipos de populismo; nos dois ha gasto irresponsével, nos dois casos ha aumento da renda dos eleitores no curto prazo que aumenta a chance de o ‘a8 pliblicas e tende a causar inflagao; 0 populismo cambial é pior, porque quebra o pais. Como se distinguem os economis- tas liberais e 05 economistas desenvolvimentistas em relagio a 30 Em busca do desenvolvimento perdido esse problema? Os governos desenvolvimentistas sio tentados tanto pelo populismo fiscal como pelo populismo cambial, ¢ com certa frequéncia caem nos dois erros. J os governos li- berais incorrem necessariamente no populismo cambial, e, no caso do Brasil, também no populismo fiscal. Eles podem ser bem-sucedidos em conduzir planos de estabilizacio, como © brasileiro de 1964-66, mas nao tém condigdes de garantir 0 crescimento posterior, porque acreditam na politica de eres- cimento com “poupanga externa”, ou seja, na politica de en- dividamento externo, que envolve o populismo cambial. Eles incorrem tranquilamente em elevados déficits em conta-cor- rente na certeza de que as taxas de poupanga ¢ investimento iro aumentar em consequéncia desses déficits; mas a reali- dade € que a taxa de cimbio se aprecia, as empresas perdem competitividade, a industrializagao se inviabiliza ou a desin- dustrializagio se desencadeia, e, depois de alguns anos, uma crise financeira termina o breve ciclo de apreciacZo. Mas como seria o populismo fiscal dos economistas liberais? Nao sio cles defensores da austeridade? Depende de quem deve sofrer a politica austera. O populismo fiscal liberal 60 praticado exten- sivamente no Brasil. E defender uma taxa de juros altissima, intem, porque nao beneficia o consumo as aumenta os rendimentos com juros da classe média tradicional que € principalmente rentista, € permite 0 aumento do seu consumo, Agrada a esses eleitores diferenciados social e culturalmente, que, conjuntamente com (08 muito ricos, constituem sua constituency, a base de seu apoio politico e de sua atividade profissional. ‘Mas € preciso ter cuidado com 0 termo “populis plano politico, desde que nos anos 1950 descobri o B 0s artigos nacionalistas e desenvolvimentistas do Tseb, apre 1 respeitar 0 populismo de lideres como Gerilio Vargas por As insttuigOes: Estado e mercado 3 {que eles representavam um desafio aos sistemas oligiirquicos existentes nos paises que nao haviam ainda se industrializado. Os liberais sempre condenaram o populismo, porque naquela época estavam aliados politicamente aquela oligarquia. Hoje, 8 neoliberais tém usado a palavra populismo pat car qualquer politica que nao seja liberal, que seja “a ral’, sobretudo os partidos e governos nacionalistas de dire {que tém se desenvolvido principalmente na Europa ¢ que niio merecem qualquer simpatia. Mas quando um partido de es- querda adota uma posicao nacionalista, desenvolvimentista ¢ democritica, como vem acontecendo na Franga com o Partido de Esquerda de Jean-Luc Mélenchon, e este é “acusado” de populista, temos ai novamente a razao financeiro-rentista € liberal a se manifestar. Em sintese, déficits em conta-corrente impli sariamente apreciagao cambial, seja porque existe, objetiva- ‘mente, uma relagio direta entre 0 saldo em conta-corrente ea taxa de cimbio, seja porque, para financiar esse déficit relativamente permanente, é necesséria uma entrada corres- pondente de capitais que mantém a moeda nacional aprecia~ da no longo prazo. A taxa de cimbio que gera um deficit de 39% do PIB ¢ substancialmente mais apreciada do que aquela que equilibra o saldo em conta-corrente do balango de paga~ mentos, Em consequéncia, quando o pais incorre em déficit em conta-corrente, as entradas de capitis que passam a ser as para financié-lo apreciam 2 moeda nacional, as dable) perdem competitividade e nio investem, de forma que, ou 0 pais se desindustrializa, ou, se é ainda apenas produtor de commodities, era grande dificuldade em se industrializar. A politica de endividamento externo para crescer é essen cialmente equivocada a nfo ser nos breves periodos em que a economia ji est crescendo muito rapidamente, a propen- 32 Em busca do desenvolvimento perdido rginal a consumir cai, c, em consequéncia, a taxa de io da poupanga interna pela externa cai. Esta criti- ca novo-desenvolvimentista & contraintuitiva, porque parece verdade que “os paises ricos em capital devem transferir seus capitais para os paises pobres em capital”,' mas isso s6 seria verdade em um mundo sem moeda ou no qual a moeda é neutra — 0 mundo da ortodoxia liberal. No mundo real os deficits em conta-corrente i apreciagdo da moeda nacional, porque para cada nivel de saldo em conta-corrente existe uma taxa de cimbio que pode permanecer apreciada no longo prazo sem que a crise financeira se desencadeie, mas que deprime o investimento e 2 poupanga privada no longo prazo. * A propria ortodoxiareconhece que os capitis lm, na veda dos pai- teoria neocissica, Ver Robert 6 Lis Oreito, capiTULO 2 Novo desenvolvimentismo talismo nasccu desenvolvimentista,tornou-se liberal no século XIX, voltou a ser desenvolvimentista apés a Segunda Guerra Mundial, regrediu para o neoliberalismo entre 1989 e 2008, esté em transigo desde entio, ¢ poderd vir a experimentar um terceiro desenvolvimentismo. A cada uma dessas fases corres- ponderam teorias econémicas. A fase original, mercantilista, correspondeu a teoria econémica mercantilista de Thomas ‘Mun c James Steuart; ao periodo pés-Revolugio Industrial, a economia politica clissica de Adam Smith David Ricardo; 20 periodo liberal, posterior & abertura econdmica do Reino Unido, a critica do capi 10 de Marx ea teoria econdmica neocléssica de Leon Walras e Alfred Marshall; ao pés-crash da bolsa de Nova York de 1929, a macroeconomia de John ‘Maynard Keynes e Michal Kalecki; a acordar dos paises da petiferia do capitalismo para o desenvolvimento no pés-guer- ra, 0 descavolvimentismo ou development economics de Axthur Lewis e Rail Prebisch; 20 capitalismo financeiro-rentista pés-Bretton Woods, a macroeconomia neoliberal de Milton 34 Em busca do desenvolvimento perdido Friedman ¢ Robert Lucas ¢ a ortodoxia liberal do Consenso de Washington; e, finalmente, no inicio do século XX1, balizagio associada & crise do desenvol itagdes da macroeconomia pés-keynesiana, correspon- deu 0 surgimento do novo desenvolvimentismo. beral nio ocorreu erescimento acelerado, porque o liberalis- ‘mo econémico no € compativel com um projeto de desen~ volvimento; porque, nos paises em desenvolvimento, defen- de taxas de juros elevadas e déficits em conta-corrente que implicam apreciag2o cambial de longo prazo e inviabilizam o desenvolvimento industrial; porque os ajustamentos que pra- ‘ica sfo “ajustamentos internos", que envolvem apenas ajuste fiscal e pesam fortemente apenas sobre os trabalhadores, 20 pesarem também sobre os rentistas — rentista. O liberalismo econdmico é incapaz de promover 0 alcangamento, mas isso nao impede que uns poucos econo- mistas neocisscos fagam a exten competent das poltcas tervengio do Estado, Estou pensando em economistas como Paul Krugman, Joseph Stiglitz e Dani Rodrik. Para isto ser les “esquecemo equilbrio geal ea expecatvasra~ cionais, apoiam-se na “teoria econdmica basica” que & comum a todos os bons economistas, ¢ usam sua experiéncia ¢ noté- vel inteligéncia para fazerem suas a lo direi uma palavra sobre a economia politica chissica, brevemente a ortodoxia liberal, ¢ farei um grande resumo da teoria novo-desenvolvimentista que uso neste livro para pensar o Brasil e propor um projeto de desenvolvimento. Entre as teorias liberais, existe uma que foi progres ta ou revolucionitia, Refiro-me a economia politica class Novo desenvalvimentiseno 35 Ela surgiu em meio a Revolugio Industrial na Inglaterra, € fez uma cxitica cerrada a primeira grande escola econdmica, a escola mercant em relagio & qual representou um avan- 50 te6rico. No inicio do século XIX, da mesma forma que @ burguesia era uma classe revolucionatia ou progressista, por- que estava substituindo a aristocracia proprietiria de terras no comando das sociedades nacionais capitalistas em formagio, 05 economistas liberais e sua economia politica eram também 8 porque defendiam os interesses dos empresirios industriais. Sua ciéncia estava firmemente apoiada na reali- dade do seu tempos era uma ciéncia que buscava fazer ge- neralizagées a partir dos comportamentos recorrentes ou das, regularidades ¢ tendéncias econdmicas que observavam nas sociedades inglesa e francesa, que entdo realizavam sua revo~ Juco nacional e capitalista, Com isso os economistas clissicos, construiam uma ciéneia histérico-dedutiva que era podero- sa porque realista. E naturalmente imper qualquer teoria histérica, porque, dada a nao € possivel fazer previs6es econdmicas com plena certeza. Os economistas politicos clissicos ignoraram o papel do mer- cantilismo na realizagao das primeiras revolugoes industriais, criticaram seus erros tedricos ¢ se tornaram os idedlogos da burguesia industrial nascente. Seu liberalismo era razoivel a0 invés de dogmiitico, Eles reconheceram o papel do Estado na economia ¢ mantiveram o nome original da ci ca— “economia politica”. Ortodoxia liberal No final do século XIX, quando a burguesia e, em especial, os empresirios industriais jé haviam se tornado definitivamen- te a classe social dirigente, ¢ agora enfrentavam o desafio do 36 Em busca do desenvolvimento perdido socialismo, a teoria econémica tornou-se naturalmente con- servadora. E esse conservadorismo foi fortalecido quando al- guns economistas descobriram a possibilidade de transformar ‘economia em uma ciéne jpotético-dedutiva e axiomatica, im, to exata como é a matemitica. cia muito diferente da matem: a a economia é uma ciéneia substantiva, que tem um objeto definido de estudo — os Assim, 0 projeto ico era € continua a ser absurdo — construir a cién- cia econdmica como se construiu a matemitica, a partir de axiomas —, mas atraiu economistas académicos, encantados pela po: desvinculada de interesses. Na verdade, e paradoxalmente, ela se tevelou uma forma poderosa de legitimar “cientificamente” pensamento deixou, assim, de ser ckissica para ser neoclassica, seguidores mudaram 0 nome da cigneia, de economia para economics — uma palavra inventada para designar ‘uma ciéncia pura, nio obstante nada fosse mais ideolégico do que cla. ‘A teoria econdmica neoclissica est centrada em torno do modelo de equilibrio geral, no modelo de crescimento de Solow,’ e na teoria das expectativas racionais. Nao € 0 caso de discuti-ta aqui. A ortod ral, por sua vez, 60 dona: to de reformas, instituigée que derivam da teoria neoclassic visam tirar 0 Estado da econo a desregulagio finance . As reformas que propéem as privatizages,a liberacao 2 autonomia do banco uma boa critica ao modelo de erescimento de Solow, ver José Luis 016: cap.2). Novo desenvolvimentiseno 7 central, autonomia das agéncias reguladores encarregadas de regular os setores no competitives da economia que foram tizados. As politicas econdmicas sio apenas duas: manter a divida publica sob controle realizando um supervit prima- rio suficientemente alto para esse fim, e uma politica de metas de inflacio, além, naturalmente, da nao politica de deixar a taxa de cimbio completamente livre. As reformas institucio- nais slo importantes porque visam desvincular o Estado da economia. Sio inter porque a regulaco é continua mente exigida pela realidade dos fatos, algo que o neolibera- lismo nao aceita, ‘A importincia dada ds reformas aumentou quando 0 ca- pitalismo financeiro-rentista se associou ao vs instituciona- lismo —o jonalismo neoliberal. Até 1990, as relagdes de producio, os conflitos de classes, a logias, que sio fundamentais para as teorias econo toricas, estavam ausentes do mainstream neockissico. Era uma estranha teoria do desenvolvimento capitalista, sem histéria es. A historia foi nela admitida, sempre mar Mancur Olson endogeneizaram o comportamento dos politi- cos e servidores piiblicos ao suporem serem todos guiados por seus proprios interesses, fizendo compensagées ou frade-off apenas entre seu interesse em ser reeleito ¢ seu interesse em capturar o patriménio publico. Dai concluiram a necessidade de reduzir o tamanho do Estado, Segundo, a partir dos anos 1990, os novos institucionalistas, agora sob influéncia do livro de Douglass North que lhe valeu o prémio Nobel de econo ‘mia as instituigdes foram definidas corretamente como “as regras do jogo", que, naturalmente, condicionam os compor- tamentos econémicos. Dessa maneira, o historiador econdmi- 0, que fora marxista e se tornara um liberal radical, levava os 38 Em busca do desenvolvimento perdido ‘lusive os modestos economistas que reproduzem os livros-texto, a“descobrie” alguma coisa que s ja haviam descoberto ha séculos: as instituigdes, ja, que a constituicao, as demais leis e as demais normas sociais sio importantes. Entretanto, apesar da sofisticacdo de North e de seus seguidores como Daron Acemoglu ¢ James Robinson, a pobreza do aporte teérico é gritante. Afinal, @ instituigao que conta é uma sé — a garantia da propriedade € dos contratos. Que, por sua vez, deu aos novos institucio- nalistas uma explicasio histérica para 0 atraso econdmico ou subdesenvolvimento. Os paises que nao se desenvolveram no passado nao o fizeram porque sua sociedade na época nio respeitou a propriedade € o mercado, nao criando, assim, as i ira que o mercado realizasse sua missio milagrosa rar 0 crescimento com estabilidade. E aplicaram sua “descoberta tedrica” aos paises em desenvolvimento, afir- mando, por exemplo, que o Brasil se atrasou em relagéo aos Estados Unidos porgue nao respeitou a propricdade ¢ 0s con- tratos, ignorando que existe uma forte correlacio entre o nivel de desenvolvimento econémico de um pais ¢ a qualidade das suas instituig6es. O Brasil nao se atrasou em relacio aos Esta- dos Unidos porque nao respeitou a propriedade e os contratos, ‘mas se atrasou € ndo respeitou devidamente a propriedade ¢ 08 contratos porque a forma de colonizacio, no Brasil, nio de povoamento, como nos Estados Unidos, mas de explora ‘mercantil baseada no latiiindio e no trabalho eseravo; porque, em consequéncia dessas duas formas muito diferentes de colo- nizagio, 0 nivel edueacional e social dos pri imigrantes chegados 20 Brasil era muito baixo em comparagio com os primeitos chegados aos Estados Unidos. O novo instituciona~ lismo neoliberal hoje dominante nos paises ricos supde que é possivel garantir a propricdade e os contratos em sociedades ‘menos desenvolvidas realizando reformas institucionais com Novo desenvalvimentismo 39 esse objetivo. Supde que as instituigdes sto realidades sociais exégenas, que podem ser mudadas desde que haja vontade para isso. Uma tolice. Definitivamente, 0 novo institucionalismo no trouxe a hist6ria para dentro do pensamento neoclissico; as instituigSes continuaram para esse pensamento exégenas, quando elas so endégenas, proporcionais ao nivel de desen- volvimento econdmico do pais. O novo institucionalismo ‘rouxe apenas uma justificago adicional a politica imperial de convencer-forcar os paises em desenvolvimento a realizar as reformas neoliberais que, em alguns casos, si0 boas reformas, mas geralmente slo reformas qh eralizarem, desregula~ rem e privatizarem de forma i ada, levam os paises em desenvolvimento (e também os paises ricos) a perder 0 controle de sua economia ¢ a experimentar baixo crescimento, instabilidade financeira e aumento da desigualdade. ‘Como era de se esperar, a transformagao do Ii econdmico em uma espécie de religiio nao representou ne- nhum ganho na capacidade da sociedade de garantir estabi- lidade e erescimento econdmico. As crises continuaram a se suceder, até chegarem a0 crash de 1929, 8 Grande Depressio 8 desmoralizagio do pensamento neoclissico. E abriu espaco para que grandes economistas desenvolvimentistas, principal- mente os fundadores da macroeconomia, Keynes ¢ Kalecki, ¢ dois dos pioneiros do desenvolvimentismo, Arthur Lewis ¢ Rail Prebisch, refundassem a teoria econémica dotando-a de uma macrocconomia, de uma politica fiscal ¢ monetéria, € de uma teoria desenvolvimentista clissica. Por 40 anos as novas ideias foram dominantes no mundo e causaram eres cimento e estabilidade, mas, assim que surgiam problemas, 1nos anos 1970, 0 conservadorismo neoliberal e o platonismo académico neocléssico reuniram suas forgas e voltaram 20 po- der, impondo aos seus paises aos paises em desenvolvimen- to a ortodoxia liberal. Com ela voltaram as crises econdmicas 40 Em busca do desenvolvimento perdido € financeiras, o baixo crescimento ¢ um grande aumento da desigualdade. A globalizacao foi identificada com a abertura comercial generalizada que os Estados Unidos e a ortodoxia liberal passaram a impor no mundo, a partir do pressuposto do século XIX de que liberalizacio era bom para pais rico ¢ ‘mi para os paises em desenvolvimento. Um pressuposto que deixou de ser verdade quando os paises em desenvolvimento passaram a exportar manufaturados, a partir dos anos 1970. Em consequéncia, a abertura dos mercados representou um boomerang para 08 paises ticos; ela nao os beneficiou, e, sim, a China e os demais paises em desenvolvimento que se apro- veitaram de sua mio de obra barata e dos mercados abertos nos paises ricos para se industrializarem e exportar bens ma- nufiturados. O efeito dessas exportagdes sobre as economias desenvolvidas foi, evidentemente, negativo, ¢ é uma das causas do aumento do protecionismo nos vamente, 0 que vemos hoje nos palcos internacionais sio os dirigentes da China ¢ da India criticando o protecionismo ¢ fazendo a defesa da liberalizagao comercial. Muito bem, mas, como 6 novo desenvolvimentismo argumenta, desde que a taxa de cimbio seja competitiva; desde que a doenga holan- desa esteja neutralizada e a taxa de juros no pais esteja muito proxima da taxa de juros internacional. Novo desenvolvimentismo O novo desenvolvimentismo éa teoria que utilizarci neste ivro |. J4 vimos que essa nova originada a partir da teoria pés-keynesiana e do desen- volvimentismo clissi coordenar setores com] apenas propondo uma Novo desenvalvimentismo a é claramente necessiria, ou seja, quando ocorre uma deficién- cia na demanda efetiva e o pais entra em recessio, Comecei a formular essa teoria no inicio dos anos 2000, quando me dei conta de que a economia brasileira, depois de haver superado duas grandes crises (a crise da divida externa dos anos 1980 ea crise da alta inflagao inercial de 1980 a 1994), nao lograra retomar o crescimento acelerado que prevalecera nos 50 anos anteriores, que as politicas desenvolvimentistas nos anos 1980 as politica liberais desde 1990 haviam fracassado em fazer a economia brasileira retomar 0 desenvolvimento. (O desenvolvimentismo € uma palavra com muitos signifi- cados. Ela serve tanto para designar uma forma de organizagio econdmica e politica do capitalismo como para nomear uma ideologia que torne o desenvolvimento econdmico sua priori~ dade, e, finalmente, como teoria, Como forma de organizacao ica ¢ politica do capitalismo, o desenvolvimentismo cervensio moderada do Estado na economia; como ideologia, ela supde o nacionalismo econémico; como teoria, ela defende a coordenagio econdmica pelo mercado, mas reco- snhece suas limitagdes; é uma teoria que explica por que 0 de~ senvolvimento econdmico nfo depende apenas da disciplina fiscal ¢ do respeito & propriedade e aos contratos; ele depende também de uma politica econdmica, principalmente de uma politica cambial, que mantenha os cincos precos macroeco- n6micos certos, a conta-corrente € a conta fiscal equilibradas. Pedro Cézar Dutra Fonseca, que fer. uma cuidados: sobre o termo “desenvolvimenti usado no Brasil por Hélio Jaguaribe (1962) ¢ Bresser-Pereira (1963:16).. Em 2007, depois de haver decidido denominar como “novo 0", afirma que foi prit panga externa’, e enquanto estava formulando a nova teoria 2 Em busca do desenvolvimento perdido da doenga holandesa, eu decidi escrever um livro sobre a ma~ croeconomia do Brasil. Tomei essa decisio porque ha muitos anos defendo que a macroeconomia de Keynes é uma teoria ‘muito préxima da realidade, e reflete a economia dos paises ricos aps a Primeira Guerra Mundial. Hi muitos anos a ma- crocconomia dos principais livros-textos reflete os problemas da economia americana. Por isso escrevi o livro Macroeconomia da estagnarao (2007) no qual esto presentes uma teoria entio em construgdo (hoje ela j esta relativamente amadurecida) € 0 diagnéstico da quase-estagnacio brasileira. Jé nesse livro eu fazia meu diagnéstico principal: que a economia br O livro nao recebeu muita atengao quando foi publicado, porque sobreviera um doom de commedites e a economia bra- sileira estava crescendo a taxas mais clevadas do que nos anos anteriores. Os anos seguintes, poré firmar meu diagnéstico. Continuei trabalhando na construgio (2009) © Macroeconomia desenvolvimensista (2016), este ailtimo com Nelson Marconi e José Luis Oreiro, ao mesmo tempo que usava os novos instrumentos teéricos para expl brasileira ¢ fazer propostas de reforma e de politica econd- mica. Assim, a macroeconomia novo-desenvolvim poucos ganhou corpo ¢ fundamentacio tedrica. E uma teoria de matiz. p6s-keynesiana, pois afirma que 0 desenvolvimento econdmico é puxado pela demanda, mas uma teoria nova, pois afirma que nao basta a existéncia da demanda para haver crescimentos é preciso que haja acess a essa demanda, algo que uma taxa de cimbio apreciada no longo prazo nao ga- rante. E nova ainda porque, além de defender mostra que a dis para o pais se desenvolver, deve ter equilibrio ou superivit em Novo desenvolvimentismo 43 ‘conta-corrente, nio devendo, portanto, se endividar em moeda estrangeira, Finalmente, é nova porque trabalha com os cinco precos macroeconémicos: a taxa de juros, a taxa de a taxa de saldrios, que — bem administradas por uma monetiria, fiscal e cambial — garantem uma taxa de lucro satisfatoria para as empresas investirem e uma taxa de inflagio controlada. Além disso, ela trabalha duas contas macroeco- némicas: a conta fiscal, que reflete a economia do Estado, ¢ a conta externa ou corrente, que reflete a economia do estado- -nagio, do pais, no qual, além do Estado, hi também 0 setor privado, As duas contas tendem a se desequ um continuo acompanhamento do governo e da socied: ‘mas a ortodoxia liberal geralmente subestima os deseq brios do setor privado, que se refletem na conta-corrente, € que sio muitas vezes mais desestruturadores do sistema eco- 10 do que os desequiltbrios do setor piiblico, sobre o qual hoje um controle bem melhor do que aquele a que estio submetidas as contas privadas. © novo desenvolvimentismo esti focado na taxa de cim- bio ¢ na correspondente conta extema do pais, uma area da tcoria econémica muito pouco desenvolvida, e, talvez por isso, uma rea Co novo desenvolvimentismo avangou bastan- mental para a inflaco e, segundo o novo desenvolvimentismo, também determina o investimento e a poupanga e, portanto, 0 desenvolvimento econémico. £ frequente se afirmar que a taxa de cambio ou ¢ fixa ¢, portanto, administrada; ou é futuante e imposstvel de ser administrada. Afirmai tendo em mente as moedas reservas e particularmente o délar, que, exatamente por serem moedas reservas, io dificeis de se- rem administradas. Mas para os paises em desenvolvimento & mais ficil e absolutamente necessirio ter uma politica cambial isso provavelmente 44 Em busca do desenvolvimento perdido que neutralize a tendéncia a sobreapreciagao ciclica e erénica da taxa de cambio. “Poupanca externa” ‘Uma taxa de cambio apreciada no longo prazo torna a indiis- tria do pais nao competitiva e desestimula seus investimentos, tornando-se um obsticulo ao erescimento. Além disso, 0 cor- respondente déficit em conta-corrente acaba levando o pais & crise de balango de pagamentos. Nao obstante,a grande mai tia dos economistas nao di a importancia devida aos déficits em conta-corrente. ‘Uma teoria € boa se, além de verdadeira, além de nao ter sido desmentida pelos fatos, for contraintuitiva. Repetir 0 senso comum pode estar de acordo com a verdade, mas nao é fazer ciéneia. A macroeconomia novo-desenvolvimentista parte de um pri raises de renda média como o Brasil nao ps externos para se de- senvolver. Ainda que Ihes filtem capitais e divisas estrangeiras, ‘0 déficit em conta-corrente com que pretendem “resolver” essa falta deprime os investimentos ¢ dificulta o desenvolvimento econdmico em vez de promové-lo. © argumento a favor do endividamento externo € o de que déficit em conta-corrente € poupanga externa, e que a poupan- ‘¢0 externa € a poupanga interna sao iguais 4 poupanga total, que sempre é igual 20 investimento, Esse, porém, é um cinio de contador, baseado em identidades, nao um racioci de economista, que envolve a definicio de relagées de causa e feito. Quando o pais entra em déficit em conta-eorrente, sua taxa de cambio se aprecia e, em consequéncia, (1) os rendi- :mentos do trabalho (salérios) ¢ do capital (juros, aluguéis e di- videndos) aumentam em termos reais, (2) 0 consumo aumenta, Novo desenvolvimentismo 45 (3) a competitividade das empresas ¢ os lucros esperados caem «e, assim, (4) empresas siio desestimuladas a investir, enquanto trabalhadores e rentistas sio estimulados a consumir. Dessa forma, a entrada dos recursos externos decorrente do déf em conta-corrente aprecia a moeda e resulta na substitui~ io da poupanga interna pela externa, que geralmente é alta. ‘A taxa de substituico da poupanga interna pela externa s6 ro € alta nos raros momentos em que pais est crescendo muito fortemente, ¢,poriss0,28 oportnidaes de to aumentam ¢ a propensio a investir se eleva. A tiltima vez {que isso aconteceu no Brasil foi no “milagre” de 1968-73. Se as {quatro etapas do ciclo de depreciagio ¢ apreciagio que acabei de resumir acontecem enquanto o nivel da taxa de juros per- manece alto, 2s empresas nacionais veem seus lucros baixarem e seus indices de endividamento piorarem. Além disso, tanto os credores externos como os credores internos tém mais uma, razio para suspender a rolagem da divida das empresas e, as~ sim, a crise se desencadear. GRAFICO 2 Saldo em conta-corrente e taxa de cambio teimbio 5 4s a8 3 25 Defic : Separate sete 1 o1?2 3 45 6 Saldo co conta-coente 46 Em busca do desenvolvimento perdido ‘Como vemos no grifieo 2, ha uma correspondénci ta entre o saldo em conta-corrente ¢ a taxa de cimbio. Um déficit em conta-corrente corresponde a uma taxa de cambio a a conta-corrente do it em conta-corrente exige 2 Quanto maior o deficit pais. Isso acontece porqui entrada de capitais para finan te que altera a conta-corrente do pais, ‘mas, quando um pais decide crescer com poupanga externa, € essa decistio que se torna a varkivel independente e a taxa de cambio, um resultado. Esse foi o caso brasileiro, que me impressionou muito. Por exemplo, suponhamos um pais parecido com o Brasil. Ele se industrializou, mas cresce muito lentamente, tem taxas de investimento e de poupanga baixas, um déficit pablico e um deficit em conta-corrente elevados. A taxa de cimbi 6 deficit em conta-corrente, o “equilibrio corrente”, é de $ 3,30 por dolar, enquanto a taxa de cimbio que torna competitivas as empresas industrials que operam com tecnologia no estado da arte mundial, o “equilibrio industrial”, é de $ 4 por délar, corresponde a um superivit em conta-corrente de 1% do PIB. Nesse pais, um deficit em conta-corrente de 4% do PIB cor responde a uma taxa de cimbio mais apreciada, de $ 2,80 por dolar. Podemos ver aproximadamente essa correlagio no grifico 2, Se, nessas condigdes, 0 governo decidir zentar erescer com poupanca externa ¢, portanto, decidir incorrer em deficit em conta-corrente, cle tomari uma decisio autoderrotante, porque © aumento do déficit em conta-corrent cambio apreciada no longo prazo, que transformari empresas competitivas do ponto de vista tecnolégico (usando a melhor tecnologia disponivel) em empresas nio competitivas do ponto de vista monetirio, ou, em outras palavras, que desestimulars Novo deserwalvim a7 © investimento e estimularit o consumo. Isso esti associado alta taxa de substituigio da poupanca interna pela externa que geralmente caracteriza as economias em desenvolvimento devi~ do & alta propensio marginal a consumir existente nesses pai~ ses. Ao tomar, portanto, a decisio de “erescer com poupanca ‘externa’, ou 20 se acomodar com um déficit em conta-corrente consumista que esti ocorrendo (o que vem a dar no mesmo), © governo esti apenas incorrendo em populismo cambial. FE importante, porém, assinalar dois pontos: primeiro, que nio aqui rejeig2o a0 endividamento patrimonial decorrente dos investimentos diretos; a rejeigo é aos deficits em conta-corrente as entradas excessivas de capital que apreciam no longo 1 taxa de cimbio do pais. Segundo, que nao ha nada z tra as multinacionais. Quando elas trouxerem tecnologia nova, ou quando envolverem aumento das exportacdes, e quando nio envolverem a desnacionalizagao de empresas monopolistas da infraestrutura, nem dos setores estratégicos da economia nacio~ nal, elas sa0 bem-vindas, GRAFICO 3 Conta-corrente e a taxa de cambio real 1996-2016 Fonte: Bacen. CObservacao: 0 saldo de transacoes comtentes € do ano no gic; a taxa de ‘ambi real efetiva€ do ano arterir 8 Em busca do desenvolvimento perdido No grifico 3 apresento o Brasil como exemplo. Vemos nele a relagio entre o saldo de transagdes correntes e a taxa de cambio real efetiva do Brasil desde 1996. E impressionante ‘como as duas linhas andam juntas. Por que a taxa de cambio determina o supervit em conta-corrente? Sim, mas também porque a decisio de incorrer em déficit obriga o seu finan- ciamento, ¢ este implica entradas de capitais que apreciam a moeda nacional. Doenga holandesa No nosso exemplo, a taxa de cambio que equilibra ou zera a conta-corrente ($ 3,30 por délar) & a taxa de cambio de e brio corrente, Se a taxa de cimbio competitiva ou de equilibrio industrial for diferente, flutuando em torno de $ 4 por délar, nesse pais ha a doenga holandesa, que, nesse momento, € de $ 0,70 por dolar (a diferenga entre o equiltbrio industrial e equilibrio corrente). Sua definigio € simples. A doenga holan- esa é uma sobreapreciagio de longo prazo da taxa de cimbio causada pela exportagio de commedities que, devido a rendas ricardianas ou diferenciais e/ou a um dzom de precos das com- ‘modities, podem ser exportadas com lucro a uma taxa de cim- bio substancialmente mais apreciada do que aquela que torna competitivas as empresas industriais que utilizam tecnologia no estado da arte mundial O grifico 4, no qual a taxa de cambio esta no eixo vertical e 60 tempo no eixo horizontal, mostra em linhas quase paralelas 0 equilibrio corrente rio industrial. Em um pais ex~ portador de commodi inferior, 0 equilibrio corren- te, € principalmente determinada pelas commodities, 0 prego nesse exemplo ($ 3,30 por délar) garante uma taxa de lucro satisfat6ria para os produtores de commodities ¢ equilibra sua Novo desenvalvimentisrno 49 oferta e procura. Mas, como as commodities se beneficiam de recursos naturais abundantes ¢ baratos ¢, em certas ocasides, de booms de commodities, elas podem ser exportadas com lu~ cro a uma taxa de cimbio substancialmente mais apreciada do que aquela que é necessiria para as empresas industriais do pais existentes e em porencial, que utilizem a melhor tecnolo~ ‘1 no mundo. Esti, ai, doenga holandesa. A taxa de cimbio é apreciada para as empresas industrais, ou, mais precisamente, para os produtores de bens e servigos éradable nao commodities, enquanto é competitiva para os exportadores de commodities. GRAFICO 4 ex. instal taxa de cambio Tempe As taxas de cimbio de equilibrio corrente ¢ industrial va~ riam no tempo. A taxa de cimbio de equilbrio industrial varia como decorréncia da evolucio da relacio salitio/produtivida~ de (custo unititio do trabalho) no pais em comparagio com salirio/produtividade nos demais parceiros comer- .* Fi a taxa de cambio de equilibrio corrente varia princi- © Em termos mais tdenicos, a twa de cimbio de equiibrio indus- € aquela que iguala o custo wnitério do trabalho na economia do- ‘mestica com o custo unititio do trabalho no resto do mundo, Seja Ea i ‘6 prego da moeda estrangeira em moe io nominal em unidades monetisias da 50 Em busca do desenvolvimento perdido palmente em fungao dos precos das commodities. Na verdade, 6s dois equilibrios dependem do custo unitirio do trabalho da relagio de trocas, mas para os bens industriais e 0 equili- brio industrial as variagdes no custo unitério do trabalho tém tum peso maior do que a mudanga nos pregos, enquanto para as commadities as variagoes nos precos internacionais tém um peso maior do que as variagdes no custo unititio do trabalho. Para eliminar a desvantagem competitiva resultante da doenga holandesa é preciso neutralizi-la, clevando (tornando mais depreciado) o equilibrio cortente até ele se igualar 20 equi- librio industrial. Logrado esse objetivo, além da desvantagem competitiva desaparecer, ha outra consequéncia importante: 0 pais realizard um superdvit em conta-corrente, isto significando que outros paises deverio apresentar déficits em conta-corren- te. Desaparece uma situagao desbalanceada, mas surge outra, que ter que ser administrada, talvez logrando-se convencer 08 paises ricos que emitem moeda reserva a aceitar sem grande prejuizo um déficit razodvel em suas contas externas. Como neutralizar a doenga holandesa? Antes de informara ‘maneira mais correta de proceder a essa neutralizacio, é pre dizer que a doenga holandesa foi descoberta hi relativamente pouco tempo (0 primeiro modelo, de Coren e Nery, data de 1982; 0 segundo, de Bresser-Pereira, de 2008) mas existe desde {que existe capitalismo, comércio internacional e taxa de cim- bio. E como se trata de um problema grave, 0s dirigentes eco- némicos muitas vezes logravam intuitivamente neutralizar a las de cambio foram muitas vezes usadas ‘com esse objetivo, mas a forma mais generalizada de neutrali- ccononiia doméstca; w a twa de saltio nominal do resto do mundo medida em moeda extrangeir, a, 2 prodatiidade do trabalho na econo- tnia domestics 4 «produtvidade do trabalho no rerto do mundo. Temos ® web Novo desenvolvimentisemo 51 zacio intuitiva e pragmatica da doenga holandesa foi o uso de altas tarifas aduaneiras na importagio de bens manufaturados. Os governos as justificavam com o argumento da indtistria in fante, que muitas vezes ja nao fazia sentido, e os criticos acusa- ‘vam os governos de protecionistas, mas nao se tratava dle pro~ tecionismo. Tratava-se, simplesmente, de garantir is empresas industriais do pais igualdade na competico com as empre- sas dos outros paises. Na verdade, essa era uma forma de neutralizar uma falha maior de mercado como € a doenga holandesa, Legitima, se a tarifa corespondesse & severidade da doenga, ¢ também uma forma de protecionismo se essa tarifia fosse mais elevada. O ideal ¢ realizar 0 aumento das tarifas de importacio sobre bens manufaturados de forma linear. ‘As consequéncias de uma doenga holandesa podem ser muito graves. Tomemos, por exemplo, 0 caso da decadéncia da Espanha e de Portugal a partir do século XVII. Essa de~ cadéncia pode ter outras causas, mas estou convencido de que a causa principal foi a doenga holandesa que esses dois pafses softeram devido 20 ouro, prata, 20 agtcar e a outras especia~ rias que recebiam de suas coldnias. Sua taxa de cambio ficou sobreapreciada no longo prazo, ¢ nio tiveram qualquer possi~ ide de se industrializarem. Um caso inverso, de doenga \desa neutralizada com éxito, é 0 dos Estados Unidos. E, inte que esse pais sofreu doenga holandesa originada do petrileo, continua a sofié-la devido as commodities agricolas ‘que segue exportando, ¢ o petréleo deve ter voltado a apreciar no longo prazo 0 dolar devido ao éleo de xisto. Como aquele ‘grande pais neutralizou sua doenga holandesa? Simplesmente por meio das tarifis de importagio de manufaturados. En- quanto 0s principais paises europeus as reduziram na pri parte do século XIX, os Estados Unidos mantiveram tarfias muito clevadas até 1939. Sim, 1939! Nao ha nada que explique esse fato senio a doenga holandesa,

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