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BRINCANDO COM O ACASO

TRILOGIA ESTILHAÇOS DOIS

COPYRIGHT © 2023 L. JÚPITER


Todos os direitos reservados

Esta obra foi revisada conforme o Novo Acordo Ortográfico.

Estão proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte desta


obra, através de quaisquer meios ― tangível ou intangível ― sem o devido
consentimento. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei
nº 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

Esta obra literária é uma ficção. Qualquer nome, lugar, personagens e


situações são produtos da imaginação do autor. Qualquer semelhança com
pessoas e acontecimentos reais é mera coincidência.

Capa: Larissa Chagas

Diagramação: L. Júpiter

Revisão e Leitura Crítica: Pigmalateia


Leitura Sensível: Leticia Pellizzaro
Leitura Beta: Ana Laura Maniá, Iara Braga, Júlia Barcelos, Ket Viana,

Larissa Lago, Larissa Miranda, Maria Eduarda Mota, Mariana Flaurindo e


Nayane Oliveira.

Ilustração: Sofia Gomes (Ilustraí)

Brincando Com O Acaso


[Recurso Digital] /L. Júpiter — 1ª Edição; 2023

1. Romance Contemporâneo 2. Literatura Brasileira 3. New Adult 4. Ficção I. Título


Eu pensei muito antes de começar a escrever a primeira palavra desse
livro. Eram tantos “E se?”, que chegavam a me fazer chorar.

E se não for suficiente?


E se ninguém ler?

E se não agradar meus leitores?


E se der tudo errado como da última vez?
E se eu falhar?
E se eu me perder?
E se…
Entretanto, em algum momento entre remoer meu medo e decidir se
estava no caminho certo, eles falaram. Eles sempre falam. Mas eu não
esperava que fosse ela a primeira.
Ela me perguntou porque eu estava com medo e eu não soube

responder. Ela falou de novo, mais irritada dessa vez, disse que eu tinha que
tomar vergonha na cara. Vê se pode?

Foi quando eu entendi.


Entendi porque o mundo do Brandon gira em torno dela. Entendi

porque ela sempre conquistava todo mundo. Ela não tem medo. Não mais.
Agora ela é livre. Mas eu… não. Ainda não.
Então, depois de uma conversa séria, me acalmei. Joguei meu medo

para um canto escuro e fechado da minha cabeça e me permiti. Me permiti


tanto que os escrevi em vinte e nove dias. Foi uma loucura que eu não estava

esperando. No entanto, mais uma vez, o medo me assombrou. Não abaixei a


cabeça dessa vez e é por isso que você está lendo isso.

Sendo assim, tenho dois recados para dar; como sabem, Brincando
Com O Acaso, é o segundo livro da trilogia Estilhaços. Não é necessário a

leitura de Perdendo O Controle para entender este, entretanto, se prosseguir a


leitura, esteja ciente de que pegará spoilers do primeiro.
Mas, caso você tenha lido Perdendo O Controle antes de Brincando
Com O Acaso e ter notado alguns detalhes/diálogos um pouco diferentes;
saiba que foi preciso modificar pequenas explicações e coisas do tipo, para
melhor entendimento do livro. O arquivo de POC já foi alterado. Portanto,
não se preocupem se houver um pequeno diálogo ou detalhe diferente do que

leu no primeiro livro (ele já passou por uma nova revisão para consertar esses
furos).

Espero que goste desse livro e que solte muitos suspiros.

Em Perdendo O Controle te dei meu estilhaço egoísta.


Aqui, estou te dando mais.

Estou te dando aquele que guardo a sete chaves.


Bem-vinda ao meu estilhaço medroso.

Eu espero que você cuide bem dele.


Boa leitura.

Com amor,
Júpiter.
A obra não tem intenção nenhuma em causar desconforto, entretanto,

algumas coisas podem causar gatilhos, como:


Abandono parental, violência física, crise de pânico.

Também há insinuações e cenas explícitas de sexo.


A leitura não é recomendada para menores de dezoito anos.
Levante (levante)

Vamos lá (vamos lá)


Por que você está assustada? (Eu não estou assustada)
Você nunca mudará o que aconteceu e passou
Stop Crying Your Heart — Óasis

É muito chato ser criança, porque estou sempre sozinho.


Ainda mais agora que mamãe e eu nos mudamos para Baltimore e eu

não conheço nada aqui ou pelas redondezas. Ontem visitamos a nova escola,
que vou começar a frequentar na próxima semana e eu não poderia estar mais
entediado.

Não quero ter que ouvir as piadas de novo.

Sobre a minha mãe. Sobre o meu comportamento. Sobre não ter um


pai. E nem sobre as minhas notas.

Não quero ter a atenção das crianças de novo.


Não gosto delas.

Não gosto mesmo.


Elas não sabem de nada e mesmo assim insistem em se meter onde não

devem.
— Bran — a voz da mamãe chama. — Vou limpar o sótão, quer vir

comigo?
Evelyn Diaz é a mulher mais bonita e bondosa do mundo. É alta e diz
que eu puxei isso dela. Seus cabelos são negros, os fios longos e bem
cuidados, são o seu maior xodó — depois de mim, é claro. Sou o filho
favorito dela, mesmo que ela diga que sou o único quando me gabo disso.
Seus olhos, igualmente escuros, me olham com tanto amor que, às
vezes, penso que sou o melhor filho que ela poderia ter. Ela faz eu me sentir

o melhor filho que uma mãe poderia ter.


Penso que, se o amor fosse uma pessoa, ele se chamaria Evelyn Díaz e

seria apenas meu.


Às vezes, mamãe parece triste quando me vê jogando basquete

sozinho, no quintal. Eu sei que ela se sente mal por eu não ter amigos e por
não poder jogar comigo, por conta da sua condição. Ela perdeu a perna em

um acidente na empresa em que trabalhava, no mesmo dia que eu nasci.


Mamãe conta que estava fiscalizando uma obra quando a viga caiu bem em

cima dela, fazendo com que meu parto precisasse ser antecipado e eu
nascesse prematuro, depois de uma cirurgia complicada.

A prótese é pesada demais para fazer tanto esforço, por isso ela não
consegue praticar o esporte que eu amo de paixão. Então, ela sempre me faz

companhia, isso quando não está limpando o que eu já limpei ou fazendo


algum trabalho online para empresas que ainda a procuram.

Acho que, ao nos mudarmos para cá, minha mãe encontrou um parque
de diversões dentro de casa: um lugar grande e cheio de cômodos que não
usaremos tão cedo, o que significa que terá mais lugares para limpar e testar
suas misturas esquisitas.
Ela ainda não me explicou direito o que aconteceu para nos mudarmos
para uma casa tão grande, em um bairro como esse, mas disse que
conversaremos no momento certo.

E se mamãe diz, eu acredito.


— Ei — ela chama de novo, sorrindo. — Me ouviu?

Olho para a bola de basquete em minhas mãos e depois para ela.


A poeira me incomoda e me sinto preso em lugares fechados, por isso,

balanço a cabeça, negando seu pedido e vendo-a sorrir, como se já soubesse a


resposta antes mesmo de perguntar.

— Prometo que lavo a louça mais tarde, Evy.


Mamãe revira os olhos, fingindo estar irritada por chamá-la por seu

nome. A verdade é que às vezes, me sinto mais seu amigo, do que filho. Acho
que isso é bom. Sei que algumas crianças não têm a mesma sorte que eu e

fico triste por não poder fazer nada por elas.


— Certo, espertinho. Não demore para entrar, vai chover e sua

imunidade...
— É muito baixa — continuo por ela. — Já sei de tudo, não se

preocupe, mamãe.
— Quando foi que você cresceu tanto? — pergunta para ela mesma,
com as mãos na cintura. — Entre antes do anoitecer. E lembre-se das regras.
Nada de ir para longe.
Nunca responder ou aceitar coisas de estranhos.
Não me meter em brigas.
E correr se estiver em perigo.

Assinto, repassando mentalmente um por um dos itens que vive


recitando enquanto a vejo entrar em casa.

Quico a bola pesada no chão três vezes antes de erguê-la e impulsionar


para cima, em direção a cesta. Ela gira e gira no aro por diversas vezes,

porém acaba caindo aos meus pés.


Droga.

Faz horas que não consigo acertar uma e isso tem me deixado
frustrado. Parece que desaprendi a jogar e não gosto nada dessa sensação. O

basquete é mais do que uma brincadeira para mim e eu preciso ser bom o
suficiente se um dia, no futuro, quiser ser um grande jogador. Eu vou ser

mundialmente famoso, encher minha mãe de orgulho e fazer ele se


arrepender de não ter nos acolhido.

— Mãe!
Franzo as sobrancelhas ao ouvir um grito. Olho para os lados, mas não

há ninguém. O condomínio é fechado e pelo que reparei nesses três dias que
estou aqui, só tem movimento de manhã e à noite, quando os moradores estão
indo e voltando do trabalho.
Meus olhos pousam na casa em frente à minha e ouço novamente o
grito que parece ser de uma garotinha. Tudo fica em silêncio por alguns
segundos, então volto a me virar em direção a cesta que minha mãe pediu
para colocar no nosso quintal. Porém, ouço novamente.

— Mãe, por favor... por favor, não faça isso!


Faço a bola quicar no chão novamente, dessa vez com mais força para

tentar abafar o grito da garota. Incomoda e faz meu peito doer.


Ela chora e chora, enquanto a mãe não diz nada.

É um som tão triste, deprimente.


Olho para trás, em direção a casa de onde vem o choro e bem na hora,

a porta é aberta. Tento desviar meus olhos para que ninguém perceba que
estou observando, pois não quero parecer enxerido. Entretanto, não consigo.

Porque de lá, sai uma menininha.


Uma idêntica às princesas que vejo nas histórias em quadrinho. E

assim como elas, a menina também parece estar em perigo.


Seus cabelos loiros e longos são tão claros e bem cuidados que nem

parecem de verdade, mesmo que agora, estejam bagunçados. A menina veste


um pijama rosa e pantufas de… coelho? São quase quatro da tarde.

Ela… talvez ela seja a garotinha mais bonita que eu já vi na vida.


Parece uma princesa. Uma princesa de verdade. Uma princesa que não
consigo parar de olhar, mesmo parecendo triste.
— Mamãe! — ela implora. — Mamãe, por favor…
Olho para a outra mulher, igualmente loira. Ela carrega uma mochila
nas costas e arrasta uma mala grande, que parece pesada. A mulher é alta e
também parece ter saído de um desenho animado, pois as duas são muito

parecidas fisicamente.
A menina, desesperada, agarra a sua perna, que não para de andar com

raiva, em cima de seus saltos altos. A próxima coisa que percebo é que ela,
definitivamente, não é mãe da garotinha. Pode tê-la gerado, mas não merece

o título ao qual a menina a chama.


Uma mãe de verdade, jamais trataria a filha assim. Ela daria carinho e

conversaria. A minha mãe, diz que às vezes, é normal que os adultos sintam
raiva e sejam grosseiros com seus filhos e o contrário também pode

acontecer, mas, não importa o motivo, alguém sempre tem que pedir
desculpas. Essa moça não parece estar apenas com raiva. O que há nela

agora, é algo muito além disso.


Meu coração acelera quando vejo a mulher fazer um movimento

brusco, empurrando a menina para longe, que cai aos seus pés. Seu rosto
colide com o chão com força e ela levanta a cabeça na mesma hora, deixando

à mostra o sangue em sua testa e boca, misturados a resquícios de grama.


Mesmo machucada, ela não parece entender que a mulher a quer
longe, pois agarra seus pés novamente, sendo arrastada pelo chão.
Ela grita, implora e se humilha.
Mas a mulher continua se afastando, indo para longe.
Pare de segurá-la, princesa.
Ela não te merece.

Nenhuma criança merece implorar pelo amor de seus pais.


Você não a merece.

— Me solta, sua idiota! — a mulher diz, pela primeira vez, raivosa. —


Seja esperta, ao menos dessa vez, e me deixe ir. Não quero suas lágrimas e

definitivamente não quero você. Entenda isso de uma vez!


Ela não obedece.

Porque não a deixa ir, princesa?


Olho ao redor, pela vizinhança, em busca de alguém que esteja

passando e vendo a situação, porém, não há ninguém. Nenhum vizinho está


se exercitando ou voltando do trabalho. Não há ninguém além de mim. Não

há ninguém para fazer a mulher parar.


Posso ver mesmo de longe, os nós de seus dedos ficarem brancos. Sua

garganta deve estar doendo de tanto que grita. Meu Deus, seu coração deve
estar em estilhaços.

A mulher se cansa e move o pé com força, colidindo com o bico do


sapato na cabeça dela. Então, começo a sentir ainda mais medo. É só uma
princesinha. Ela não merece isso.
O grito aumenta.
O choro intensifica.
E o meu coração aperta cada vez mais.
Por que está apertado?

Por que não consigo sair do lugar?


Eu devo gritar à minha mãe?

Devo pedir para a mulher parar de machucar a garotinha?


Ela se apressa e ultrapassa o portão, trancando-o na mesma hora que a

garotinha se levanta e, mancando, se apressa para o mesmo lugar, agarrando


as grades e tentando tocar na mulher.

— Por favor, mãe. Eu prometo… prometo que vou fazer ele me amar
menos. Eu prometo que vou ficar quieta. Eu prometo, eu prometo, eu

prometo…
Meu coração se parte em mais pedaços quando a vejo estapear a mão

da filha, enfiando a própria para dentro e agarrando seu cabelo loiro e longo,
com tanta força, que ela perde um pouco da força nas pernas e parece estar de

pé apenas por causa do agarre de sua mãe.


— A única coisa que me manteria nessa casa, seria se você estivesse

morta, garota — diz, alto. — E isso, infelizmente, não tenho coragem de


fazer. Agora, agradeça e finja que não me conhece.
Então, ela dá as costas, arrastando a mala sem olhar para trás.
A menina cai no chão de joelhos. Suas mãos ainda seguram a grade e
eu fico com vontade de chorar com ela, pois mesmo que sua mãe tenha
acabado de dizer que queria que estivesse morta, ela ainda tenta abrir o portão
para alcançá-la.

Ela não vai voltar, princesa.


Eu continuo sem sair do lugar. Minhas pernas parecem ter criado

raízes e simplesmente não se movem. Olho para trás, lembrando da regra da


minha mãe sobre não falar com estranhos e nem me meter em confusão.

Mordo os lábios, pensativo.


Mamãe também diz que devo ser gentil com as meninas. E, bem,

ajudar a princesinha não vai me fazer mal nenhum, não é?


Ela está sozinha. Eu vou ajudá-la e volto rapidinho. A mamãe não vai

nem saber.
Droga.

Vai saber sim.


Não sei esconder nada dela.

Mas...
Olho novamente para a garotinha, que continua implorando pela sua

mãe, balançando as grades com toda a sua força, como se tentasse arrancá-
las.
Ela grita. E grita. E grita.
Implora.
Esperneia.
Ela precisa de mim.
Sinto isso de uma forma tão esquisita que, antes que eu perceba o

perigo que estou correndo ao atravessar a rua sem olhar para os lados, paro na
sua frente segurando suas mãos pequenas e fazendo-a parar de balançar as

grades.
Eu não digo nada.

Apenas seguro suas mãos até que seu corpo ceda ao cansaço e se deite
no chão, soluçando. Seguro suas mãos até que o choro cesse e ela fique

encarando nossas mãos unidas por horas.


Ela não diz nada. E eu também não.

Então, a princesinha dorme. Está apertando a minha mão com tanta


força que a sinto doer, mas não digo nada. Sua palma está coberta de poeira,

mas agora, não consigo ligar para isso. Só quero que ela fique bem.
Em algum momento, eu também adormeço. No meio da rua,

segurando a mão de uma garotinha que nem conheço. Antes de fechar os


olhos, porém, faço uma promessa.

Enquanto eu estiver segurando sua mão, nenhum mal irá machucá-la


novamente.
Como um rio que corre
Certamente para o mar
Querida, é assim
Algumas coisas estão destinadas a acontecer
Can’t Help Falling Love – Haley Reinhart

— Vou tatuar o nome dela — decido, finalmente. — No meu pau.


Kyle pulveriza a cerveja que estava prestes a engolir e explode em

uma gargalhada alta que, com certeza, chama a atenção de muita gente ao
nosso redor. Eu o ignoro, sabendo que o idiota não leva nada que não seja o

basquete a sério.
— PUTA QUE PARIU! — ele tosse em meio ao riso, batendo no

próprio peito enquanto tenta respirar fundo e ser um pouco normal.


Asher, que não tem muita paciência para as besteiras dele, bate em

suas costas com força, o ajudando a se recompor. Meus lábios murcham em


um bico emburrado e eu me curvo sobre a cadeira, deitando a cabeça sobre os

braços cruzados em cima da mesa.


Eu não deveria estar bebendo. Beber me deixa deprimido pra caralho
por ser um covarde de merda que não consegue dizer o que sente. Estou
bebendo apenas porque não posso estar com ela agora e isso já é uma merda
grande. Só não é maior do que eu ser apaixonado por ela.
Pela minha melhor amiga.
O negócio, é que eu gosto de complicar a minha vida. Puta que pariu.

Tanta mulher no mundo e meu coração acelerou justamente pela mais difícil.
Em minha defesa, não sei controlar isso. Sei apenas que todas as vezes

que ela chega perto, meu coração acelera como se fosse saltar do meu peito a
qualquer momento. E quando ela está longe, ele fica triste, como se não

tivesse uma razão para bater. E isso fode com a minha cabeça porque mesmo
que saiba que sou irredutivelmente apaixonado por ela, não sei como mostrar

ou dizer.
Isso me deixa em uma corda bamba, brincando de slackline[1], perdido

no meio de tantos sentimentos que me invadem e que não consigo decifrar.


— Quem sabe assim ela enxerga que eu estou muito na dela.

— Você já usa uma corrente com o nome dela — Kyle joga uma das
batatas fritas dele em mim. — É praticamente uma coleira. Pelo amor de

Deus!

Mastigo a batata murcha e sem sal, respirando fundo. Kyle tem razão.
Uma tatuagem apenas, não seria o suficiente.
O capitão do time de basquete acha que se apaixonar é a maior bobeira
que alguém pode cometer. Todos acham que ele é só um cafajeste qualquer,
que quer aproveitar a vida cheia de mulheres e farra. Eu tenho uma opinião
contrária, porque acho que Kyle Ballard teve o coração partido e se blindou.
Se fechou para o amor, porque já perdeu um.

Seu discurso barato sobre bebedeiras, aproveitar a vida e pensar no


futuro sem a distração de uma mulher por perto, não me convence. Nunca
convenceu. Kyle é a maior farsa que alguém poderia acreditar.

O sorriso sacana e a postura de desapegado, que não abandona por


nada, escondem um cara divertido que não perde uma oportunidade de reunir

os amigos, para comemorar uma derrota, como hoje. Perdemos um jogo e

mesmo que saibamos que está se mordendo de culpa por dentro, colocou um
sorriso no rosto e está aqui, como se nada tivesse acontecido.
— Ou você podia, sei lá, contar para ela? — Asher diz como se fosse

óbvio. — Acho que é o caminho mais fácil e certo, afinal.


Asher Dempsey é a cabeça pensante do nosso trio. Talvez, seja uma

das pessoas mais sensatas e práticas que conheço. Para ele, tudo se resolve
com uma boa conversa. Entretanto, essa opção nem sempre é tão fácil para

algumas pessoas, como eu.


Diferente de Kyle, sua tristeza, culpa ou seja lá o que aconteça dentro

da cabeça dele, está transparente em seu rosto. Asher não se esforça para
parecer feliz. Ao invés disso, enfia um cigarro entre os lábios ou uma luva
nas mãos, se metendo em lutas ilegais que deixam a todos nós preocupados.
Entretanto, ele diz que devemos confiar nele, então, é o que fazemos.
— Não sei, cara — murmuro, o desânimo escorrendo na minha voz.
— É a Mia.
— Sim, Brandon, é a Mia. Sua melhor amiga — explica como se eu

não soubesse. — É melhor conversar com ela, do que ficar assim, desse jeito.
— Pois é — concorda Kyle. — E é melhor fazer isso antes que outro

cara passe na sua frente.


— Isso não vai acontecer.

Ele solta um riso nasalar e me olha como se eu estivesse delirando.


— Por que não? — Asher indaga. — Mia é bonita e eu duvido muito

que seja o único que tenha interesse. Não pode achar que apenas porque você
vive na cola da garota, que não possa arrumar um cara bacana.

— Cara, imagina se o novo namorado dela não aprova a amizade de


vocês? — Kyle balança a cabeça. — Ainda bem que eu não sou você.

— Não é assim que vai ajudá-lo — Dempsey reclama, revirando os


olhos.

— Estou tentando fazer ele ver a merda que está se metendo.


A próxima batata é engolida com um sabor adicional; ódio. Ciúmes de

um cara hipotético. Que hipoteticamente seria corajoso o suficiente para


querer a minha garota.
Não vou deixar isso acontecer.
Não.
De jeito nenhum.
— Podemos voltar ao meu assunto? — pergunto, obstinado a
encontrar um modo de dizer que a quero, sem parecer um idiota. — A

tatuagem.
Asher geme, escorregando na banqueta e jogando o braço em cima da

cabeça, como se não aguentasse mais a nossa companhia. Mas o que posso
fazer?

Sou apenas um idiota apaixonado.


— Eu nem sei por que aceitei sair com vocês.

— Deixa de ser otário — Kyle rebate, virando a garrafa da cerveja


mais estranha que encontrou no bar. — Preferia estar em casa, sugando

aquela merda de cigarro até não ter mais ar?


— Sim — responde simplesmente. — Seria melhor que fazer

companhia a dois bêbados.


— Estamos aqui para tentar engolir o resto da nossa dignidade após o

jogo de hoje — Kyle se indigna. — Você não se sensibiliza com a minha


dor? Nossa dor? — aponta de mim para ele. — Veja o estado dele, não dá

nem um sorrisinho. Se aquela loira azeda estivesse aqui, estaria todo sorrisos
e olhos brilhantes.
Penso em rebater, mas minha loira é um pouquinho — quase nada —
azeda sim, quando quer. Então, apenas fico calado, olhando para o nada
enquanto aproveito a situação para remoer meu problema.
Problema esse que tem nome, sobrenome e um sorriso que mexe com
todas as minhas estruturas. O problema também tem 1,60m de altura, cabelos

curtos e um olhar de quem sabe que me tem em suas mãos.


— Porque eu sou amigo de vocês? — Asher resmunga de novo.

— Se for para ficar reclamando, é melhor irmos embora — Kyle


rebate.

Bufo, fingindo estar irritado com esse idiota e me inclino, segurando


seu rosto e o beijando na bochecha em um pedido falso de desculpas. Kyle

me empurra e eu rio, vendo-o limpar o rosto com uma expressão de nojo.


Mentiroso do caralho. Ele adora os meus beijinhos que eu sei. Até

parece durão, mas tem um coração muito molenga.


— A gente veio beber — diz, erguendo a dose de tequila. — E só

vamos sair daqui caindo.


— Não concordei com isso — reclamo, estalando a língua.

— Que bom, porque não pedi a opinião de nenhum dos dois.


— Está muito dramático — diz Asher.

— Vocês estão me abandonando pelo gênero oposto!


— Nem estamos falando sobre isso. E se for para falar, é o Brandon
quem sempre nos abandona por causa da Mia, não sei porque me colocou
nesse meio.
Olho para Asher indignado.
— Achei que estivesse do meu lado — me revolto, o vendo erguer as
mãos em rendição.

— Só bebe — Kyle diz para mim. — Vai por mim.


— Pare de incentivá-lo — o outro briga, apontando para mim. — Não

vê que está triste?


— A culpa não é minha se ele é trouxa o suficiente para gostar de ter

uma dona.
— Ele bebeu uma cerveja, Kyle. E parece ter engolido um barril

inteiro.
— Hum… sabe quem também parece ter bebido um barril? — o

capitão diz. — Eu. Preciso encontrar um banheiro antes que mije nas calças.
Asher resmunga alguma coisa sobre não poder deixar o idiota sozinho

pelo bar e decide que nós dois também iremos ao banheiro. Entretanto, essa
parece ser a pior ideia que alguém poderia ter nessa noite.

Porque é assim que vamos parar numa cela de delegacia.

— Puta que pariu! — Asher pragueja, andando de um lado para o


outro. — Puta que pariu! — repete. — Puta que pariu! — de novo. — Puta
que pariu! — mais uma vez. — PUTA QUE PARIU!
— Você já repetiu isso umas cinco vezes — acuso, enojado com o
ambiente ao meu redor.

Por Deus!
Tem um buraco na parede tão grande que me faz ter certeza de que

mora um rato bem aqui. Talvez coisa pior. Esse lugar deve estar cheio de

porcarias. É minúsculo e só tem uma cama, a qual Kyle se jogou na mesma


hora que entrou e simplesmente dormiu.
— PUTA QUE PARIU!

Ele repete mais uma vez, gritando. Comigo.


Como se eu tivesse alguma culpa de estarmos aqui.

Não sei o que tinha na cabeça quando resolvi ser amigo desses dois.
Eles parecem uma dupla de perturbados, que estão tentando me deixar

perturbado. Não que precise de muito para isso.


Faz um ano que os conheço, entretanto, sinto como se fizesse mais

tempo. São raras as vezes que somos vistos sem a presença um do outro. Eu
entendo isso como um tipo de casamento esquisito, no qual estou tentado a

pedir divórcio.
— Minha cabeça dói — Kyle geme, contra o concreto da cama.
O concreto da cama da cela de uma delegacia.
A minha mãe vai me matar.
E depois, a Mia vai me ressucitar, apenas para me matar de novo.
— Lembre-se disso da próxima vez que resolver enfrentar um policial,
seu otário! — Asher briga. — Nunca mais saio com você. Nunca mais, Kyle!

Olha as merdas que você nos coloca.


Deixo um riso me escapar, sem controle, porque às vezes, acho que

Asher é o pai do nosso grupo e em situações como essa, eu tenho certeza.


— Está parecendo a minha mãe quando esqueço de lavar a louça — o

sorriso murcha e de repente, fico triste. — Que saudade dela.


A última vez que a vi foi no início do ano, nas férias. Está sendo tão

difícil ficar longe dela, porque sempre fomos nós dois contra o mundo e
agora estou há quatro horas de distância. E fico com o coração apertado só de

saber que agora está sozinha naquela casa.


Não que ela tenha medo ou corra algum perigo, afinal, Marcus, pai da

Mia, mora do outro lado da rua e sei que posso confiar a segurança da minha
mãe a ele. Porém, mentiria se dissesse que não gostaria de estar cursando em

uma universidade mais próxima, ou se, magicamente, ela viesse morar mais
perto de mim.

Mas mamãe é teimosa e segue fielmente seu mantra ao dizer que pais
criam os filhos para o mundo e essa distância é necessária quando se segue
um sonho. Eu só concordo, pois não há nada que Evelyn Díaz diga que eu
faça o contrário.
— Será que a gente vai passar a noite aqui, Ash? Não quero dormir
nesse chão sujo. Posso pegar uma bactéria. Mia disse que minha imunidade
estava baixa ultimamente e...

— Não sei, cara — me interrompe. — Mas não deve demorar, está


bem?

Me encosto na parede e acho que, por alguns minutos, apenas desligo,


pois não ouço ou penso em nada antes de ouvir a voz de uma certa patricinha

soar por todos os cantos do cubículo em que estamos.


— Eu sou uma Ballard. E a minha mãe irá adorar ouvir o seu nome.

Kimberly Ballard. A garota que prefere morrer a sair de casa sem


saltos altos. Qualquer um que a veja, pode defini-la como fútil ou qualquer

adjetivo que a faça parecer uma megera vazia. A Kimberly que conhecemos,
porém, tem um coração enorme e está sempre disposta a ajudar todos à sua

volta.
Ela é a irmã mais velha de Kyle mas eu também poderia defini-la

como o calcanhar de Aquiles de Asher, visto que os dois vivem se


provocando quando acham que não há ninguém olhando.

— É a Kim! — exclamo em alívio. — Graças a Deus.


Eu não estava aguentando mais o fedor de urina desse lugar. A pior
parte é não saber se faz parte da cela ou se vem do Kyle, que não conseguiu
terminar de se aliviar antes do policial nos abordar.
Aparentemente, não deveria ter comemorado tão cedo, já que Asher,
de repente, parte para cima do policial, socando o cara como se estivesse em
cima do ringue que frequenta todas as sextas-feiras.

Observo a cena atônito, tentando entender que parte dessa história


perdi.

— Ficou maluco? — Kim briga com ele, o puxando pela camisa. —


Eu faço o favor de te tirar daqui e você ainda me apronta essa?

Ela entra na cela, em cima dos seus gigantes saltos e... de pijama?
— Anda, me ajuda a levantar esse babaca — ela o puxa em direção ao

seu irmão, que está deitado, de boca aberta. Estava tão preocupado com o
tanto de sujeira que há aqui, que nem percebi quando o idiota calou a boca e

dormiu de novo. — Da próxima vez, deixo os três mofando na cela. Idiotas.


— Se tivesse me deixado ficar com vocês, eu não estaria aqui — me

defendo, porque é verdade. — Eu não fiz nada, Kim.


Ela e a Mia fizeram uma noite das garotas e não me deixaram

participar. Eu achei um absurdo. Por isso fui arrastado até um bar e vim parar
aqui. Agora que o efeito do álcool está começando a passar um pouco, penso

que algumas horas nessa cela foram poucas, se o policial que nos abordou
averiguasse nossas identidades e percebesse que eu comprei bebidas para
caras que, tecnicamente, são menores de idade.
Na verdade, já foi uma situação patética o suficiente ser detido por
estar tentando fazer uma barreira para que um bêbado pudesse mijar na rua.
Kim suspira, se apiedando de mim.
— A gente conversa amanhã — determina. — Agora, vamos embora

porque a Mia está esperando lá fora.


— Que droga — gemo. — Ela já deve ter contado para a mamãe.

Caminho para fora na frente dos três como se estivesse no corredor da


morte e a cada passo que dou, começo a suar mais, o tempo parece demorar

ainda mais para passar enquanto sigo na direção da loirinha carrancuda, que
está recostada no meu carro, de braços cruzados.

Mesmo brava, ela ainda parece a garota mais linda do mundo.


Os cabelos curtos e loiros estão soltos e há uma faixa verde, com olhos

de sapo no topo da cabeça, como se tivesse colocado ali para não sujar os
fios. Os olhos azuis me encaram um tanto chateados, mas ainda assim, são os

mais doces do mundo inteiro.


Seu cheiro cítrico invade minhas narinas. Fico tentado a abraçá-la,

porque sou, simplesmente apaixonado pelo seu cheiro e pela textura da sua
pele, mas então, lembro que está irritada e me apresso em tentar me explicar.

— Mia, eu...
— Entra no carro — é só o que diz, me interrompendo. — Vamos para
casa.
Deixo meus ombros caírem e não ouso fazer nada de diferente do que
diz. Ela está brava e com razão.
Eu prometi que não me meteria em confusão e vim parar numa
delegacia, além de que eu poderia ter evitado aquilo se convencesse Kyle a

esperar a fila do banheiro andar.


Mia e eu levamos muito a sério nossas promessas, por mais bobas que

pareçam. Eu não as quebro. Ela pode me pedir para prometer retirar uma
palavra do meu vocabulário para sempre e eu o farei. Honro minhas

promessas assim como ela, as dela.


Apenas a sensação de decepcioná-la me causa mal estar, porque Mia é

uma das pessoas mais importantes da minha vida.


Somos amigos há treze anos, nos conhecemos como a palma de nossas

mãos, confiamos nossas vidas um ao outro e, acima de tudo, somos sinceros.


Não escondemos nada do outro. Nada, exceto meus sentimentos.

Mia bate a porta do carro e dá partida.


Suspiro, recostando a cabeça no banco, olhando para sua direção

enquanto reflito sobre as palavras de Kyle, me dando conta de que tenho


medo sim, que Mia encontre alguém que faça por ela mais do que eu. Tenho

medo que ela se apaixone por outra pessoa que não seja eu.
Não há nada que possa ser dito a sério enquanto ainda há álcool
correndo em minhas veias, por isso, sei que é melhor esperar pelo dia
seguinte para perguntar sobre isso, no entanto, não é o que eu faço.
— Você se afastaria de mim se o seu namorado pedisse?
— O que? — exclama. Consigo ver suas sobrancelhas se unirem,
como se estivesse confusa. — Do que você está falando?

— Se você tivesse um namorado e ele não gostasse de mim, você se


afastaria?

Ela pensa por um tempo, deixando-me apreensivo pela sua resposta.


— Não, Brandon, você é o meu melhor amigo, porque eu faria isso por

alguém que acabou de chegar?


— Só fiquei curioso.

Mia me olha rapidamente, antes de parar o carro na minha vaga, em


frente a fraternidade que moro com os caras do time e não toca mais no

assunto. Saímos do veículo quase ao mesmo tempo e eu espero-a travar o


carro para segui-la para dentro.

— Boa noite, garotos — ela deseja para Hector e Duncan, que estão no
sofá jogando.

— Boa noite, Mia — desejam, colocando os maiores sorrisos que


conseguem no rosto.

Olho atravessado para eles enquanto ela começa a subir as escadas e


tento relembrar a eles por telepatia o que sempre digo em qualquer
oportunidade: tirem o olho, porra! Ela é proibida para todos vocês.
Não adianta muito falar, na verdade, porque eles sempre fazem isso
para me provocar. No fim das contas, a baixinha é muito apaixonante. Ela
parece deixar alguém caidinho por ela a cada esquina.
— Anda logo, Brandon!

Desvio os olhos deles e volto a fazer o caminho para o andar de cima,


ouvindo os dois idiotas imitarem um cachorro. Um cachorro.

Minha moral está no chão e ela sempre é pisoteada pela loira azeda
que eu chamo de minha metade.

— Você precisa de um banho — decreta, assim que passo pela porta


do quarto. — Anda, para o banheiro.

Fico embasbacado com o modo com que manda, balançando a mão


como se eu realmente fosse um cachorro. No que eu me tornei? Me

questiono, obedecendo sua ordem.


Alguns minutos depois, saio do banheiro e a encontro deitada em uma

das camas, mexendo em seu celular.


Quando Kim se mudou e Kyle foi morar com ela no apartamento, seu

quarto ficou para Asher, que antes, o dividia comigo. Agora, é apenas meu.
Bom, meu e dela, que vive mais aqui, que no próprio apartamento, no mesmo

prédio que os irmãos Ballard, então, resolvemos aposentar o colchão que eu


dormia no chão antes e unimos as camas, deixando um pequeno espaço entre
elas.
Entretanto, se eu for sincero, não vejo motivos para esse espaço existir.
Ele é tipo um inimigo para mim, que me impede de dormir agarradinho com
ela. É um simples espaço, que foi criado com o único propósito de me deixar
carente.

Patético. Eu sei que sou.


Deito-me na cama, cobrindo meu corpo e esperando que desligue o

abajur ao seu lado. Meus olhos querem se fechar, mas só permito que os faça
quando Mia envolve minha mão com a sua palma pequena. Quando nossas

peles, tão opostas, se encontram, meu peito se acalma e todo o meu corpo
relaxa.

Porque não importa o quão barulhenta seja a minha cabeça, minha


metade sempre consegue acalmar.

Sempre.
Porque amor, quando eu durmo, sonho com você
E quando estou acordado, é tudo o que faço
Penso em todos os detalhes que você tem
Please Notice — Christian Leave

— Qual a dificuldade de me dar um beijo? — é a primeira coisa que


Kim diz quando nos encontramos no corredor do campus. — Não estou
pedindo ele em casamento.

— Também queria entender isso — compartilho meus pensamentos.


— Não é como se isso fosse estragar a amizade. Porque tem que ser tudo tão

difícil?
— Pois... — Kimberly se cala. — Espera. Do que você está falando?

— Do que você está falando? — repito, atônita.


E de repente, ela para no meio do corredor, me obrigando a fazer o

mesmo quando segura meus ombros, com os olhos esbugalhados.


A cena é, no mínimo, exagerada, como tudo nela.

Talvez, essa seja a coisa que eu mais goste nela. Kimberly tem um
jeito tão único, que seria fácil reconhecê-la a metros de distância. Seja pelo
modo excêntrico que se porta ou pelo batom vermelho que não tira da boca.
Entretanto, com toda certeza, a coisa que mais a identifica, são seus
saltos. A garota não deixa de usá-los nem mesmo em casos de emergência,
como o de ontem, é quase como se fizesse parte da sua personalidade.
Enquanto eu, não suporto o pensamento de deixar meus pés tocarem em um.

Prefiro os meus tênis. São confortáveis e não me trazem lembranças


ruins.

— Do Asher.
— Do Brandon — falamos ao mesmo tempo.

Estou tão preocupada em me afundar numa friendzone que eu mesma


me enfiei, que nem processei as palavras que ela disse. Apenas presumi que

estávamos falando do mesmo assunto, mas me dou conta de que nem mesmo
esse raciocínio faz sentido.

O que estávamos pensando quando resolvemos nos interessar por caras


tão… impossíveis?

Parece mais um karma.


Passamos a noite de ontem juntas e o plano era curtirmos a companhia

uma da outra, sem ter que nos preocupar com os meninos e qualquer merda
que eles aprontassem longe de nós, quando resolveram sair juntos para

beberem por causa da derrota do time.


Ficamos olhando para o teto por muito tempo enquanto esperávamos a
argila verde fazer nossos rostos parecerem pedra, depois de tomarmos sorvete

descongelado e chorarmos assistindo Como Eu Era Antes de Você[2].


Fizemos as unhas, as sobrancelhas e até renovei o corte de cabelo.
Era para ser uma noite divertida. Era. E teria acontecido, se uma

ligação não tivesse estragado tudo. Uma ligação da delegacia. Deixamos os


três patetas sozinhos por apenas algumas horas e eles foram presos.
Kimberly e eu olhamos uma para a outra com pena, pois não há nada

que possamos fazer para reverter a situação em que nos metemos. Bem, na
verdade, eu poderia simplesmente tomar uma atitude e falar com Brandon,

mas mesmo assim, o que eu diria?

Oi, então, sei que somos amigos desde a infância, compartilhamos


todos os nossos problemas e primeiras vezes, mas, hum… eu estive pensando,
e se você me beijasse? Seria apenas um beijo para matar minha curiosidade,

nada demais.
— Quer ouvir algo engraçado? — ela muda de assunto bruscamente,

enlaçando meus ombros para voltarmos a andar.


Deve ser uma cena, no mínimo, cômica para qualquer um que nos veja

andando juntas. Sou quase um chaveiro perto da Kim. Ela já é alta, usando
saltos, então, torna nossa diferença de alturas, enorme. Literalmente.

— Quero — resmungo, conformada.


— Quando cheguei no banheiro, o Kyle estava perguntando se o Asher
já mediu o próprio pau — ela diz. — Foi a coisa mais aleatória que aconteceu
no meu dia.
— Mais aleatória do que ir a uma delegacia de pijama? — debocho. —
Duvido muito. Além do mais, não é como se você não quisesse saber
também.

Minha amiga nem mesmo esconde que tem um penhasco pelo melhor
amigo do irmão. Nem mesmo sei como Kyle não percebeu até hoje, do

contrário, estaria surtando.


— Claro que quero — admite, sem nenhuma vergonha na cara bonita.

— Mas achei que eu seria a primeira a perguntar isso.


Rio. Ela realmente parece indignada com isso.

— E o Brandon? — questiona, quando começamos a subir as escadas


para nos sentarmos no topo do auditório. — Deu muito trabalho?

— Não — respondo, sentando-me. — Mas aconteceu uma coisa muito


esquisita.

Kimberly me olha enquanto coloco meu sketchbook em cima da mesa,


tentando ganhar tempo. Não sei como dizer o que me perturbou durante toda

a noite, sem parecer boba. Mesmo sabendo que ela não irá me julgar, ainda é
constrangedor ter ficado chateada por algo que pode não significar nada.

Estou quase tocando o papel com a caneta quando sua mão segura a
minha com delicadeza, me fazendo encará-la.
— Não vai deixar curiosa, não é? — pergunta apreensiva. — Não pode
fazer isso. Sou sua melhor amiga, é sua obrigação me contar o que aconteceu.
Ele se declarou? Disse que quer te beijar? Que quer ultrapassar a linha da
amizade? Falou que...
Por Deus.

— Kimberly — seguro seus ombros, fazendo a calar. — Respira. Ele


fez uma pergunta estranha, só isso.

— Uma pergunta estranha que te deixou estranha, isso não pode ser
normal.

Mordo a pontinha da caneta, repensando mais uma vez nas atitudes das
últimas semanas do meu melhor amigo. Estou tentando pescar algum detalhe

que tenha deixado passar. Algo que soe como errado, mas não há nada.
— Ele perguntou se, hipoteticamente, eu tivesse um namorado que não

gostasse dele, e esse namorado hipotético pedisse para que eu me afastasse


dele, eu o faria.

— E porque te deixou tão preocupada? — tenta entender. — Ele podia


só estar com ciúmes de algo.

— Porque isso pode estar acontecendo com ele, não? E se o Brandon


estiver com alguém? — digo em voz alta o que me perturbou durante toda a

noite. — Ele nem insistiu para ir comigo para a sua casa ontem e sei lá, e se...
— Mia, para — me interrompe, como se eu estivesse falando uma
grande bobagem. — O Brandon não insistiu ontem, porque o Kyle pediu que
eu o proibisse de ir. Meu irmão disse que queria sair com eles e que sabia que
ele preferiria ficar com você.
A informação tira um peso dos meus ombros, contudo, assim que
repenso no que ela diz, outra coisa me ocorre e automaticamente, minhas

pernas tomam vida própria e começam a balançar em ansiedade.


— O seu irmão acha que eu o prendo?

— Está entendendo errado novamente, Mia — fala devagar, como se


eu fosse uma boba. Talvez eu seja. — O que estou querendo dizer, é que o

Brandon gosta de você. Gosta de você o suficiente para dispensar uma noite
de farra para ficar com você, mesmo reclamando das nossas máscaras de

argila o tempo inteiro.


— É claro que ele prefere — concordo. — Crescemos juntos, sempre

foi assim.
— Mia, por favor — Kim revira os olhos. — Ele te olha de uma forma

tão pura e bonita, que me pergunto porque estão perdendo tanto tempo.
Meu coração acelera.

— Não é...
— Não se atreva a dizer que estou mentindo — interrompe com

pressa. — E nem negue que sente o mesmo por ele.


— Acho melhor eu ficar calada, então.
— Isso, continua se fazendo de sonsa.
— Porque não vai perturbar o Asher, hein? — pergunto, emburrada.
— Tenho certeza de que será bem mais produtivo.
— Não se preocupe, quando ele menos esperar, estará nas minhas
mãos.

Isso quer dizer que ele não tem uma grama de paz em seu corpo
quando ela está por perto.

Reviro os olhos, mas estou sorrindo.


— E cadê ele?

— Asher? — pergunto, confusa. — Não sei, não dormiu na sua cama?


— Está muito azeda hoje — brinca. — Estou perguntando do

Brandon. Não o vi abanando o rabo atrás de você hoje.


— Para de falar como se ele fosse um cachorro — reclamo, enrugando

o nariz.
— Mas ele é um cachorro. Com uma dona menor que ele, mas ainda

assim, um cachorro.
— Nunca mais terei paz — resmungo, ouvindo seu riso. — Só o vi

quando chegamos. Aparentemente ele tinha um trabalho para entregar e


estava atrasado.

— Nossa, sem nem um beijinho de bom dia?


— Kimberly — rio, empurrando seu ombro. — Para de ser safada.
— Vai negar que se ele te beijasse, você iria correr?
— Se quem beijasse?
Por algum motivo, fico com vergonha quando ouço a voz rouca de
Brandon. Não quero que descubra que o assunto da minha conversa é
justamente ele e sorrio, nervosa. Minha mão se apoia na coxa de Kimberly

disfarçadamente e a belisco, para que entenda que é sempre bom manter a


boca calada.

— Um pateta e uma lesada — ela explica, em meio a um chiado


quando minhas unhas se enfiam em sua pele. — Ninguém que você conheça.

Brandon franze as sobrancelhas diante da resposta de Kim e se senta


ao meu lado, colocando a mochila em seu colo antes de roubar o bloquinho

que havia tirado da mochila e a caneta colorida que estava na minha mão
alguns segundos atrás.

— Não tinha que entregar um trabalho importante?


— Sim. Já fiz, a professora liberou mais cedo e estou com a próxima

aula vaga.
Brandon cursa Economia e está um semestre à nossa frente, embora

ele e Kim tenham a mesma idade. Eu e ele temos um ano de diferença e


mesmo que tenhamos estudado nas mesmas escolas desde quando nos

conhecemos, ficamos um ano separados quando ele começou seu primeiro


semestre.
Eu estava no meu último ano, e lembro de ser um dos piores que já
tive, não só na questão acadêmica, mas também na social. Antes de Kim,
Asher e Kyle, Brandon era o único amigo que me permiti ter durante toda a
vida. Obviamente, tive alguns colegas de turma, conhecidos que
cumprimentava uma vez ou outra pelos corredores do colégio, porém, nunca

alguém como ele.


Quando se mudou para cá, nos comunicavámos apenas por FaceTime

e nos víamos uma vez por mês, quando ele ia nos visitar durante um final de
semana. Foi horrível, porque ele estava começando no time e isso não o

permitia ficar muito tempo longe da universidade, por conta dos jogos.
Só Deus sabe o quanto rezei para que aquele ano passasse logo para

podermos estarmos juntos novamente. Baltimore parecia sem vida quando


Brandon não estava ao meu lado.

— E resolveu ficar aqui? — Kimberly pergunta, sempre delicada. —


Não tem nada para fazer além de atrapalhar o momento da fofoca?

— Porque está me tratando tão mal? — ele dramatiza. — E por que


parecem estar querendo me expulsar daqui? É algum assunto que não posso

ouvir?
— Não.

— Sim.
Kimberly e eu respondemos ao mesmo tempo.
— Sim.
— Não.
De novo.
Nós duas nos encaramos e enquanto Kim explode em risos, eu começo
a sentir meu pescoço esquentar, sinal de que estou nervosa demais para dar

uma resposta coerente.


Brandon resmunga, com um biquinho fofo nos lábios.

— Estou me sentindo muito excluído — coloca a mão no peito. — O


que aconteceu com a nossa amizade?

— Você deixou de fazer parte do momento da fofoca quando resolveu


se meter em confusão e nós duas tivemos que sair de casa de pijama para tirar

você da cadeia, lembra?


Minha cabeça se move de um lado para o outro, acompanhando a

pequena confusão que os dois estão causando.


— Não foi culpa minha — Bran se defende. — E não teria acontecido

se me deixassem participar da noite das garotas.


— Pintamos as unhas e fizemos as sobrancelhas.

— Estou achando a minha muito sem graça — mostra a mão para nós
duas e Kim, mais uma vez sendo gentil, a abaixa com um tapa que faz o

pobrezinho choramingar. — Porra!


— Kimberly — repreendo-a, segurando a mão dele e acariciando o
lugar do tapa, mas no fundo, quero rir. — Coitado.
Ela olha para mim com as sobrancelhas unidas e a boca aberta, como
se estivesse em choque.
— Não se vire contra mim — diz. — Foi ele quem atrapalhou nossa
skin care para tirá-lo da cadeia.

— Por Deus, você faz parecer como se isso fosse o fim do mundo.
Quando vai esquecer?

— Vou me lembrar do dia de ontem até o fim das nossas vidas,


Brandon. Se tiverem filhos, eu vou fazer questão de dizer: então, crianças, já

te contei sobre o dia em que seu pai fez sua mãe e eu interrompermos um
momento a sós para tirá-lo da cadeia? Oh, já? Vou contar novamente!

Puta que me pariu.


O que eu tinha na cabeça, Senhor?

No que eu estava pensando quando resolvi contar justo para a rainha


da não-sutileza que tenho uma quedinha pelo meu melhor amigo?

Se eu já estava nervosa, começo a ficar um pouco mais. Acho que


estou hiperventilando. Principalmente porque Brandon não parece entender

que Kimberly está insinuando que teremos um filho. Juntos.


— Você é muito má — ele resmunga. — Achei que fosse minha

amiga.
— Acredite em mim, estou sendo sua amiga mais do que merece —
ela sorri, apontando para mim, tentando disfarçar.
Brandon tomba a cabeça para o lado, tentando entender o que ela quer
dizer e não parece obter sucesso com a troca de olhares, porque Kim logo
cansa e se recosta em seu assento, bufando e sussurrando baixo o suficiente
para que só eu ouça por estar perto demais:

— Essa vida de cupido, definitivamente, não é para mim.


E é por isso que eu quero ser seu garoto favorito
Eu quero ser aquele que faz o seu dia
Aquele em que você pensa enquanto fica deitada acordada
Eu mal posso esperar pra ser seu número um

Eu serei o seu maior fã e você será a minha


Mas eu ainda quero partir seu coração e te fazer chorar
Best Friend — Rex Orange County

— Não gosto de nada disso, Ash — resmungo quando o vejo passar o


moletom pela cabeça. — Ainda acho perigoso.

Na verdade, acho que essa historia de luta ilegal, ultrapassa todos os


limites do perigo. Eu já cansei de tentar alertá-lo que lutar em um ringue

clandestino é errado e o quanto isso pode atrapalhar sua vida, contudo, ele
não me ouve. Como sempre.

Sei que toma cuidado e não se arriscaria dessa forma, se não se


achasse capaz de lidar com as consequências. Mas eu me preocupo. Me

preocupo porque, embora seja responsável em tudo que se proponha a fazer,


Asher tem olhos tristes e vazios. E tenho medo que um dia, ele acorde e,
simplesmente, se canse.
Ele tem um motivo para ter aceitado lutar naquele lugar. Nenhum de
nós sabe qual, pois nunca contou. No entanto, seja lá o que for, é algo que o
atormenta o suficiente para se arriscar.
Já vi o cara enfrentar homens com o dobro da sua estatura no tatame e

levá-los ao chão. É realmente impressionante o quão diferente se torna


quando está lutando, ele é rápido, ágil e joga limpo mesmo quando seu

oponente faz o oposto. Eu poderia compará-lo a um monstro. É no que Asher


se torna quando sobe no ringue; Uma pessoa completamente diferente do

meu amigo e posso afirmar isso porque já vi esse seu lado mais vezes do que
gostaria.

Digo isso porque, da última vez que o acompanhei, ele apanhou até
quase quebrar as costelas e mesmo visivelmente machucado, fez o outro sair

de lá carregado, num estado ainda pior que o dele.


Meu medo é o fato de, um dia, ele não ser mais tão invencível quanto é

considerado e ser ele, ao invés de seus oponentes, saindo numa maca.


E isso... porra. Eu não saberia lidar com isso. Nenhum de nós saberia.

Somos um grupo. Um elo. Uma família.


Se um de nós quebrar, todos quebramos juntos. É como um efeito

dominó, se um cair, todos os outros vão em sequência. É difícil explicar


como cinco pessoas completamente opostas conseguem se completar de tal
forma e em tão pouco tempo, que já não saibam mais viver sem as outras.
— Não precisa gostar, apenas fique ciente que preciso disso. É
necessário.
Sei que ele está cansado de repetir a mesma coisa.
Eu também estou cansado de insistir em oferecer ajuda para seja lá o

que for que ele busca. Ele nem precisa me falar no que é, apenas aceitar
minha ajuda e deixar de correr um risco desnecessário.

Kyle também já ofereceu o mesmo. Porém, da mesma forma que é


responsável, Asher é teimoso e um pouco orgulhoso. Prefere enfrentar tudo

sozinho a aceitar ajuda, principalmente se a ajuda for em forma de dinheiro, o


que não faria falta alguma para Kyle ou eu.

— Asher...
— Já resolveu aquela situação com a nossa carrapata? — interrompe,

querendo deixar de ser o centro da atenção. — Percebi que ela ficou chateada
antes de mandar você entrar no carro.

— Ela precisa de um tempo.


Para que?

Não sei.
Sei que Mia está estranha e mesmo que não reclame da minha

presença e nem me ignore, ela parece diferente. Ainda não me atrevi a


perguntar porque não sou corajoso o suficiente para ouvir a resposta. Tenho
medo do que pode estar acontecendo, minha mente tem colocado nos piores
cenários possíveis.
Ela pode estar conhecendo alguém, como Kyle disse. Essa é a teoria
que mais me atormenta.
— Podia, pelo menos, conversar com ela.

— Sem chance.
Não agora, pelo menos.

— Cara, isso é besteira...


Estar apaixonado pela melhor amiga, com certeza, não é uma besteira.

Entretanto, não digo a ele. Nenhum deles entenderá a confusão que está aqui
dentro.

— Pois é — corto, erguendo a sobrancelha para evitar que continue.


Não quero falar sobre a Mia agora.

— Estou saindo — anuncia, porém, antes de passar pela porta, vira-se


para mim. — Certeza que não quer me acompanhar?

Nego e ele não insiste, fazendo a porta do seu quarto, onde estamos,
bater. Se ele quer acabar com a própria vida dessa forma, não vou ser

telespectador.
Quando o silêncio se faz presente no ambiente, meus pensamentos

voam diretamente para ela. Kyle deve estar na casa de alguma garota e o
resto do time, provavelmente, está dividido entre jogar videogame na sala ou
em alguma festa, bem longe do faro do treinador Collins.
Enquanto eu estou aqui. Jogado na cama, pensando na confusão que
meus pensamentos e meu peito se tornaram nos últimos meses.
Sou sincero quando digo que nem sempre fui apaixonado pela Mia,
pelo menos, nunca percebi. Durante a nossa infância, nunca nem cogitei algo

do tipo, afinal, éramos crianças. E quando a adolescência chegou e a


puberdade me atropelou, talvez, eu tenha começado a sentir um interesse a

mais, contudo, eu acredito que tenha sido apenas por conta dos hormônios à
nossa volta.

Se ela sentiu o mesmo quando também passou por essa fase, nunca
saberei, porque nunca tomei coragem de seguir em frente pelo mesmo motivo

que receio agora: a nossa amizade.


Tenho medo de me declarar porque há muitas chances de não ser

recíproco e isso deixar a nossa convivência estranha e desconfortável. De


qualquer forma, prefiro ter apenas sua amizade do que nada. Portanto, se está

tão confortável agora, por que estragar tudo por algo que pode ser apenas
confusão da minha cabeça ou tesão incubado?

Ao passo que, também penso que essa pode ser a oportunidade de


conquistá-la e… porra, isso me deixa animado e assustado ao mesmo tempo.

E é cansativo para caralho estar nessa situação. Porque… é a Mia.


Minha melhor amiga, minha metade. Meu coração não deveria estar tão
indeciso dessa forma por alguém que sempre esteve aqui.
A campainha toca lá embaixo, contudo, não movo um músculo para
sair da cama do Asher, que está a um fio de desmoronar, mas que ainda
assim, é confortável. Hoje, eu quero fingir que não existo. Apenas isso.
— Sua presença é sempre muito bem-vinda, Miazinha — ouço a voz

de Hector.
Miazinha?

Que porra?
Me levanto rapidamente, sabendo que meus planos foram frustrados,

pois o motivo da minha tormenta acabou de chegar, fazendo o idiota do meu


coração acelerar.

Ela ri de alguma coisa que ele fala, porque Mia continua sendo o poço
da simpatia com qualquer pessoa e eu admiro isso nela. Admiro que seu

coração ainda acredite que há bondade em todas as pessoas. Os caras do time


— os que divido a casa —, a adoram e não fico surpreso de ouvi-la

cumprimentar todos eles com intimidade.


Abro a porta bem a tempo de vê-la subir as escadas. Mia veste uma

camiseta preta — que me roubou — por cima de um short jeans e um casaco


do time — que também me roubou. Há uma mochila em suas costas que

parece estar pesada.


Mia percebe a minha presença no meio do corredor e sorri largamente,
sem se dar conta que apenas o simples gesto impacta em mim.
— Oi, Bran.
— Oi, minha metade — cumprimento de volta, um sorriso tomando
conta do meu rosto sem que eu me dê conta. Tiro a mochila pesada de suas
costas. — Porque não me falou que estava vindo? Eu poderia ter ido te

buscar.
Suspirando, passa por mim, guiando o caminho até meu quarto, que

tecnicamente, deveria ser chamado de nosso. O apê dela ainda está em


reforma e isso a fez ir morar na fraternidade que sua mãe um dia ocupou. Não

faço ideia de como isso funciona, já que as duas não tem mais contato desde
quando ela era uma criança.

Ela não gosta muito de me levar para lá, porque diz que uma das
garotas fica implicando quando ela e as outras levam companhia e como

estamos sempre juntos, passamos mais tempo aqui. Mia fica lá apenas
quando está empolgada com uma nova confecção e passa horas e horas em

frente a máquina de costura.


Por mim, ela poderia simplesmente trazer a máquina de costura e se

mudar de uma vez. Já até comentei com os caras, que não se importaram com
isso porque estão tão acostumados com sua presença que nem faria diferença.

Mia, porém, diz que não quer me tirar a privacidade por algo tão bobo.
Enquanto eu me pergunto que tipo de privacidade ela acha que eu tenho
quando moro com seis caras barulhentos e intrometidos. Fora Kyle, que vive
interrompendo nossos banhos para discutir táticas de jogo.
Claro que se ela viesse morar comigo, a porta viveria trancada, mesmo
que eles não se atrevem a chegar perto quando ela está aqui. Ainda vou
convencê-la a vir. Preciso apenas de um pouco mais de paciência.

— Fiz alguns vestidos e queria a sua opinião — anuncia, entrando no


quarto. Ela espera eu colocar a mochila sobre a cama para abri-la e tirar de lá

umas cinco peças. — Vou experimentar e você opina.


Mia não pergunta se eu concordo, nem se tenho algo para fazer além

de ficar aqui, vendo-a desfilar pelo meu quarto, como se eu tivesse algum
embasamento crítico para julgar suas confecções. E, bem, de qualquer forma,

não reclamo.
Ao invés disso, arrasto minha cadeira da escrivaninha para perto da

cama, onde apoio meus pés enquanto a espero sair do banheiro vestindo a
primeira peça.

É um vestido preto com estampas de rosas vermelhas, de manga fina,


que aperta seu busto e tem um caimento rodado, que termina no meio das

suas coxas. Ele a deixa ainda mais perfeita do que é.


Apoio o cotovelo no braço da cadeira e coloco meu rosto na mão,

admirando-a enquanto gira no próprio eixo para me mostrar o movimento


dele.
Não canso de ver esses desfiles, porque em todas as vezes, ela fala
com a mesma empolgação e orgulho, que me deixa feliz junto. Além de ser
uma ótima forma de entretenimento para mim. Que tipo de cara eu seria se
não apreciasse os desfiles particulares da minha garota?
— O que achou? — pergunta. — É aquele tecido que a tia Evy

mandou, ele é um pouco fino e eu achei que ficaria melhor em um modelo


assim. Fiquei em dúvida entre fazer o acabamento com costura inglesa ou

francesa — ela ri sozinha com a última parte e eu sei porque. — Claro que eu
fiz a francesa.

Fico quietinho, observando a forma com que ela fala sobre a costura,
minha mente absorvendo todos os detalhes. Desde pequena, minha metade

sempre gostou mais de produzir roupas para suas bonecas, do que de fato
brincar com elas, como as outras garotas faziam.

Minha mãe nos ensinou a fazer alguns pontos a mão e eu sempre a


acompanhava nas confecções, embora as minhas quase nunca dessem certo.

Então, Mia sorria e dizia que estava lindo, para dias depois, refazer do
jeitinho dela como se eu não fosse perceber.

Quando ela completou quinze anos, tio Marcus, seu pai, a presenteou
com uma máquina de costura e nós nunca mais soubemos como é conviver

sem o barulho que a máquina faz.


Todo mundo sempre soube que ela seguiria algum ramo da Moda.
Por isso que, vê-la falar de algo assim com tanto amor, me enche de
admiração, ao passo que me faz sentir um pouco de inveja. Também quero
que fale de mim com o mesmo brilho que há em seus olhos quando exibe
suas peças.
— Brandon? — ela chama. Percebo que se aproximou e está entre

minhas pernas, estalando os dedos em frente ao meu rosto. — Está me


ouvindo?

Nem mesmo processei quando caminhava até a minha frente. Desse


modo, comigo sentado, ela fica alguns centímetros maior que eu, o que me

permite ver de perto seus cabelos curtos e sentir o cheiro cítrico que vem
dela.

— Sim, minha metade. Ouvi tudo.


— Mesmo? — pergunta desconfiada, colocando as mãos na cintura. —

Qual foi o tipo de costura que usei no vestido?


— Francesa, é claro — digo o óbvio. — Você sempre prefere a

francesa.
— E o que você achou?

— É lindo, baixinha — sou sincero. — Ficou perfeito no seu corpo e


eu adorei as alcinhas.

Ela sorri tão empolgada que quase posso vê-la pulando de alegria por
dentro.
Tão fofinha, chega a dar vontade de apertar.
Mia sabe que sempre sou sincero. Tive de aprender a ser e perceber até
mesmo se a barra estava torta, porque ela se irritava quando eu dizia que
todos eram igualmente perfeitos. Eu dizia a coisa errada, é claro, porque
todas as peças tem um toque único — Mia repetiu tanto isso, que nunca mais

saiu da minha cabeça.


— Vou experimentar mais um — tira outra peça da pequena pilha. —

Só que acho que precisarei dar alguns ajustes nele, a manga também ficou
meio torta e o decote fez parecer que meu peito não existe. Coitadinho, Bran,

já é tão pequeno e…
Coitadinha dela, que não tem noção do quanto é perfeita e que eu

mataria, se preciso fosse, para que fosse minha.


Sua boca não fecha enquanto caminha de volta para o banheiro e deixa

a porta entreaberta, de modo que eu ainda consiga ouvir seu monólogo sobre
todos os defeitos que encontrou nesse vestido em específico.

Eu ouço tudo. Poderia passar o dia todo assim e não me importaria


nem um pouco.

Apenas a sua presença é o suficiente para mim.


Eu só quero ver o quão bonita você é
Você sabe que eu vejo
Eu sei que você é uma estrela
Onde você for, eu sigo

Não importa a distância


Se a vida é um filme
Então você é a melhor parte, oh

Você é a melhor parte, oh


Melhor parte

Best Part — Daniel Caeser ft. H.E.R


— Isso está horrível.

Deixo o que sobrou do meu almoço sobre a bandeja, desistindo de


tentar engolir as últimas garfadas. Saí mais cedo da aula, deixando Kim para

trás, resolvendo os últimos detalhes do seu trabalho com a professora de


história da arte. Nenhum dos meninos estava pelo refeitório quando cheguei,
então resolvi comer sozinha mesmo.
— Eu sei, Mia — Asher resmunga de volta.
Olho para o hematoma em seu rosto, sabendo que ganhou de uma
forma... não convencional.
— Não gosto quando você vai para aquele lugar.
Ele sabe que nenhum de nós concorda com isso.
Asher luta ilegalmente em uma academia e isso nunca me agradou

desde que descobri. Quando cheguei, ele já lutava, porém isso não me
impediu de tentar fazer com que mudasse de ideia. No entanto, a vida é dele e

Asher está mais que ciente do que pode acontecer se a polícia aparecer ou,
eventualmente, a generosidade do tal Alessandro acabar.

Eu o vi lutar apenas uma vez. Foi uma das coisas mais assustadoras
que presenciei e uma experiência que, com certeza, não quero viver
novamente. Não por causa dele, mas porque aquele ambiente me causa ânsia.

Como se apenas o ar fosse denso o suficiente para me sufocar sem esforço.


— Seu amor me disse o mesmo ontem.

De novo isso.
Acho que eles nunca irão entender que Brandon e eu não temos nada.

Ele é o meu amor, sim, mas não como eles pensam.


— Brandon não é o meu amor.

— Eu não disse de quem estava falando. Mais uma prova de que vocês
escondem um relacionamento da gente.
Minhas bochechas não demoram a entregar meu constrangimento e eu
me apresso em mudar o foco dele para qualquer outra coisa ao nosso redor,
porque falar sobre esse assunto está começando a me deixar chateada.
Não com meus amigos.
Sei que não fazem por mal e no fundo, apenas criaram a ilusão de que

Brandon e eu combinamos. Eles não entendem que sim, combinamos, mas


apenas como amigos. Como sempre fomos.

Brandon é bonito, divertido, interessante e sabe tudo sobre mim. Mas,


misturar dois sentimentos — amizade e atração —, seria um erro. Estragaria

nossa conexão e eu não quero isso. Nunca.


Não quero que deixemos de ser amigos, porque perder Brandon seria

como perder um pedaço de mim. Seria como… deixar meu coração no meio
do caminho. Somos um elo. Uma dupla. Como Joey e Chandler, Peralta e

Boyle.
E eu... não quero deixar que algo tão banal quanto sentir vontade de

beijá-lo, estrague o que temos. A confiança que sempre houve entre nós.
— Para de bobeira, Ash. Brandon jamais olharia para mim desse jeito.

É a única coisa que digo, na tentativa de trocar logo de assunto.


— Amigos não se olham da forma que vocês fazem — a voz de

Kimberly nos alcança e eu a olho, lançando um olhar de reprovação para ela.


Faz tempo que eles insistem nessa história. Só não entendem que entre
eu e Brandon, não há nada, e sendo sincera, não vejo por que me envolveria
com ele. Ele é o meu melhor amigo e isso estragaria toda a nossa história.
Ela devolve o olhar e eu logo desisto. Discutir com Kimberly é uma
batalha perdida. Sempre. Essa garota consegue perturbar a paz de qualquer
um. Principalmente do pobre Ash.

Aproveito que os dois começam a conversar e pego meu celular, vendo


que tem uma mensagem dele.

Brandon: Está no refeitório?

Eu: Sim.
Ainda está em aula?

Brandon: Estou chegando aí.


Brandon: Só me responde uma coisa.

Eu: O quê?
Brandon: Qual tênis está usando hoje?

Quase me atrasei hoje e esqueci de


perguntar qual usaria ontem à noite.

Um sorriso escapa do meu rosto. Alguns diriam que é uma bobeira

combinarmos todo o santo dia qual tênis iremos usar para usarmos iguais,
mas não imagino qual seria a reação se descobrissem que em alguns dias
também combinamos as roupas.

Eu: All Stars preto. O básico de sempre.


Brandon: Boa garota.

Kim e Asher continuam a conversar sobre algo que eu ouço, mas não
entendo. Estou ocupada demais sendo consumida pela ansiedade de vê-lo. Sei

que estivemos juntos ontem, entretanto, não anula o fato de querer estar
perto. Assunto nunca falta e eu não posso fazer nada se ele me faz tão bem.

Meus pensamentos são calados quando ouço a voz de Kyle,


anunciando a chegada dos dois e logo sinto um corpo pesado sentar-se ao

meu lado.
Perto. Muito perto. Tão perto que seu cheiro parece impregnar em

mim quase que instantaneamente.


Seu braço passa pelos meus ombros, pousando a mão na minha pele

desnuda, causando arrepios. Meu corpo se encaixa ao seu e eu sorrio para ele,
verdadeiramente contente por estar em seus braços.

— Vai me esperar sair do treino hoje? — pergunta baixinho, após


beijar minha têmpora. — Descobri uma sorveteria nova.

Temos uma tradição.


Todas as semanas visitamos novos lugares, sejam bares, lanchonete ou
algum restaurante. Não sei ao certo quando começou, mas é algo que não
abrimos mão, independente do que aconteça.
— Temos que organizar a surpresa da Kim, lembra?
Ele revira os olhos ao me ouvir.
— Vamos na semana que vem então.

— Até que horas vai hoje?


— Uns minutos depois da sua última aula.

— Eu irei — anuncio, vendo seu sorriso crescer. — Mas não se irrite


quando eu ficar babando pelos seus colegas.

Brandon revira os olhos, parecendo verdadeiramente irritado de uma


hora para a outra. Ele fica calado, segurando uma batata frita da sua bandeja e

mastiga com força e lentidão, olhando para o nada.


— Você não gosta de brigas.

Meu nariz se franze com a fala repentina dele.


— O que tem isso?

Então, seus olhos se direcionam para mim e eu me sinto presa com o


que vejo. Eles parecem inflamados em raiva e por alguns segundos, me

perco, sentindo-me um pouco vitoriosa por causar ciúmes. Nossa atenção se


prende um no outro e seu rosto se aproxima de mim, sua boca próxima ao

meu ouvido, arrepiando todos os centímetros do meu corpo.


— Vou partir para cima de qualquer um que ousar chamar sua atenção.
— Vamos, Brandon? — Kyle pergunta e só então percebo que ele e
Asher estão de pé.
— Te vejo lá — ele diz, antes de se levantar e segui-los.
Enquanto eu fico parada, com a boca entreabertas e as pernas bambas,
sem saber o que fazer.

Que porra foi essa?

Cruzo as pernas, sentada em uma das filas do meio da quadra de


basquete enquanto ouço os gritos do treinador Collins. Avisto Brandon logo

que foco minha atenção na quadra e me concentro apenas lá. Em quem me


interessa.

Ele e Hector estão em times opostos e disputando a bola, enquanto


Kyle conversa com o treinador em um canto, que logo volta a berrar ordens.

Brandon tenta bloquear o outro, o que resulta numa chamada de atenção da


parte do treinador.

Meus olhos o seguem por toda a quadra pelos próximos dez minutos,
quando o treinador Collins apita, sinalizando o fim do jogo. Os jogadores se

dispersam. Alguns vão em direção ao vestiário e alguns se aglomeram num


canto junto ao treinador. Mas ele, não.
Brandon segue em minha direção e é como se estivesse em câmera
lenta. Ele está ofegante, suado e extremamente gostoso. Eu, provavelmente
deveria desviar ou tentar focar meus pensamentos em outra coisa que não
seja o meu melhor amigo dessa forma em outro cenário.
Pisco três vezes quando ele chega a minha frente e usa a camiseta para

limpar o rosto suado, deixando o tanquinho bem na minha cara. Puta que me
pariu.

Bran se inclina para pegar a garrafinha da minha mão, virando inteira


na boca. Acompanho a gota de água que desce por sua garganta, hipnotizada

e acordo quando ouço seu riso. Acho que fui pega, mas quando olho para
cima, percebo que não está olhando para mim e respiro fundo, tentando sair

da zona que Brandon sem camisa e suado me coloca. Ele mostra o dedo do
meio para alguém à sua direita.

— O que achou do jogo?


— Hum… legal.

Brandon sorri largamente.


— Joguei bem? — pergunta novamente, querendo chegar em um lugar

que eu sei bem qual é.


— Não vou alimentar o seu ego — respondo, revirando os olhos. —

Esquece.
Ele bufa e sinaliza para eu levantar, mas quando o faço, ele passa seus
braços pelos meus ombros.
— Você está todo suado — choramingo, tentando sair do seu toque. —
Vai tomar um banho.
Bran ri.
— Vem cá — diz, antes de me agarrar, tirando-me do chão e me

fazendo gritar.
— Brandon, meu vestido!

Sou jogada como um saco de batatas sobre o seu ombro e uma


gargalhada escapa de mim, meu cérebro me traindo. Aceno para as outras

garotas que também assistiam ao treino e nesse momento, me fuzilam com os


olhos. Sinto a mão áspera e pesada de Brandon, espalmando minha bunda,

segurando meu vestido para que não revele a cor da minha calcinha. Mas
acredito que já seja tarde demais.

— O que estão olhando, babacas? — ele grunhe para os seus colegas


de time e caminha comigo em direção ao vestiário. — Gostava quando a

minha palavra valia de alguma coisa nesse time — resmunga, tal como um
velho de oitenta anos.

— Esqueci a minha mochila — resmungo, em um gemido. — Bran,


me coloca no chão.

— Estou com ela, minha metade — responde, ainda caminhando para


a saída. — Suas pernas são curtas e temos uma festa surpresa para organizar.
É aniversário da Kimberly e estamos planejando essa festa surpresa há
duas semanas. A ideia de Kyle parecia promissora no início, mas agora, estou
começando a desconfiar dela. Não gostei da carinha que ela fez essa manhã
quando não a parabenizei.
— Até lá, eu vomitei todo o meu almoço — continuo reclamando,

fingindo que não estou gostando de ter sua palma na minha bunda.
— Fica quietinha que eu sei o que estou fazendo.
Sim, somos amigos para sempre, mas isso parece novo
Sou corajoso o suficiente para ganhar seu amor, para ganhar seu amor?
Ou vou arriscar demais e estragar tudo, vou estragar tudo?
Talvez você me diga que me ama também

Que você estava esperando que sejamos algo mais


Ou você vai me deixar sozinho
Você vai me recusar?

Você vai me dizer como somos apenas amigos?


Somos apenas amigos?

Just Friends — Andy Kong


Mia solta Kim do seu abraço antes de disparar:

— Desculpa ter fingido que não sabia de nada hoje de manhã.


— Não tem problema — a outra diz.

— Onde estavam hoje de manhã? — Kyle ergue as sobrancelhas e


direciona a atenção para a irmã. — Você não dormiu em casa.
— Eu...
— Ela dormiu comigo — Mia diz, interrompendo a outra. — Noite das
garotas.
Olho para ela, como se perguntasse o que está fazendo. Minha metade
me belisca disfarçadamente e preciso fazer um esforço descomunal para
disfarçar a pontada de dor que me atinge. Ele assente e se vai, sem nem
desconfiar que Mia passou a noite na minha cama e Kim, muito

provavelmente, na do Asher.
Kyle não questiona porque ninguém duvidaria dela.

— Não estou sabendo de nada — aviso de antemão, antes que a merda


exploda. — Que fique bem claro que não sou cúmplice de vocês.

Kim revira os olhos e Mia estapeia minhas costas duas vezes ao ponto
de me fazer inclinar para a frente e esbugalhar os olhos.
— Fica tranquila amiga, ele vai ficar quietinho.

— Você precisa parar de me tratar como um cachorro — resmungo,


mas no fundo, não me importo. Porque ela poderia pedir para que eu desse a

pata e colocasse a língua para fora e eu o faria. — Feliz aniversário, Kim.


Ela agradece e não demora a se perder em seus pensamentos, olhando

ao redor. Kim nem disfarça quando segue em direção ao banheiro, a atenção


mirada em Asher, que, alguns segundos depois, a segue obedientemente.

— Isso vai dar uma merda sem tamanho.


— Eles são adultos, sabem o que estão fazendo.
— Não sabem, não — refuto, indo atrás dela, que se joga no sofá de
qualquer jeito, quase deixando a calcinha à mostra. Modos? Não existe no dia
a dia de Mia. — O Kyle...
— O Kyle não tem por que se meter.
Sento-me na outra ponta do sofá e ela aproveita para colocar suas

pernas em cima do meu colo. Apoio a mão em que não seguro a bebida em
sua pele macia, deslizando a mão sem nem mesmo perceber, o movimento é

tão automático que nenhum de nós dois estranha.


— Você nem me deixou terminar.

— Eu já sei o que você vai falar.


Franzo as sobrancelhas.

— Eu ia falar — enfatizo, como se ela não tivesse me interrompido. —


Que o Kyle não tem nada a ver com o lance entre eles, mas...

— Não tem mesmo.


Reviro os olhos.

— Porém, o Asher é amigo do Kyle.


— Já sei disso.

— E a Kim é a irmã do Kyle.


— Me conte uma novidade.

— Tirou o dia para me irritar, carrapata?


Ela ri, bem baixinho. O som tem um efeito rápido em mim, fazendo-
me arrepiar pelo modo que sai de seus lábios sendo mordiscados. Mia
impulsiona seu corpo para cima, sentando-se sem retirar as pernas de cima de
mim.
Penso que vai sair, mas não é o que acontece.
Mia se inclina ainda mais, grudando a boca no meu ouvido antes de

sussurrar:
— Isso é um problema para você?

Sua voz sussurrada ao pé do meu ouvido, soa como um canto, me


chamando para cada vez mais perto. E isso é perigoso. Ela é perigosa para o

meu coração.
Meu corpo inteiro parece entrar em chamas, como se eu fosse feito de

gasolina e ela fosse a pólvora. Um contato altamente perigoso. Inflamável.


Destrutivo.

Porra.
Se ela ao menos soubesse o que tem acontecido comigo nos últimos

tempos quando se aproxima de mim…


O que aconteceria se eu a beijasse aqui e agora, nesse sofá enquanto

todos os nossos amigos estão à nossa volta? Ela aceitaria ou tentaria me


afastar?

Minha boca está seca, mas não estou com sede. Não de água, pelo
menos. Estou com sede dela. Meu corpo parece sentir uma vontade insana de
beijá-la até que implore por ar e nossas bocas fiquem doloridas.
Porra.
Só posso estar delirando.
Meu peito nunca bateu tão rápido quanto agora. Nunca senti tanta
vontade de... não sei explicar. Como se Mia, e apenas Mia, fosse capaz de

aplacar o tamanho da vontade que está me consumindo nesse momento. A


vontade que está me consumindo há muito tempo.

Tudo se passa em segundos, porém, na minha cabeça, parecem se


passar horas.

Viro em sua direção e ela ainda continua onde está, o que faz nossos
rostos ficarem perto. Muito perto. Tão perto que consigo sentir sua respiração

bater no meu queixo. Tão perto que não perco o momento em que sua
atenção sai dos meus olhos em direção a minha boca.

Porra.
Porra.

Porra.
Mil vezes porra.

Acho que posso infartar a qualquer momento, porque sinto que esse
momento... esse momento pode estar nas minhas lembranças para sempre.

Meus lábios se abrem, automaticamente, como se estivessem apenas


esperando um sinal seu. Eu só preciso de um sinal de que ela me quer tanto
quanto a quero.
Embora saiba que, ninguém — principalmente nós dois — pode negar
que seríamos perfeitos juntos. Em tudo e em todas as ocasiões, não quero dar
esse passo à frente sem saber se ela também sente o mesmo. Seria como
matar a nossa amizade. E eu não posso perder Mia. Não posso fazer isso

porque... perder Mia, seria o mesmo que me perder.


Acho que começo a delirar quando percebo que seu corpo pende cada

vez mais para minha direção e minha mão, que até o momento havia se
mantido quieta, se move lentamente para cima, sentindo sua pele se arrepiar

violentamente do mesmo jeito que a minha.


Entretanto, antes que possa tomar a iniciativa, uma voz grita por mim

do outro lado da sala.


— Ei, Brandon.

Minha mandíbula tensiona quando Mia olha na direção da garota,


sabendo que seja lá quem for, acabou de estragar a minha diversão, porque no

segundo seguinte, Mia parece ficar mal-humorada e se joga no sofá,


mantendo as pernas em cima de mim.

Viro na direção da outra garota, porém, antes mesmo que responda,


vejo que já está quase à minha frente. Não esboço qualquer reação e ela se

aproxima, sorrindo.
O jeito que olha para Mia já a faz perder pontos comigo. Ela parece
estar amaldiçoando a minha garota. Depois, foca sua atenção na minha mão,
em sua perna e novamente, em meu rosto.
— Pode me dar licença, fofa? — pergunta, sorrindo. — Eu preciso
falar com ele.
Mia revira os olhos sem nem mesmo esconder e está prestes a fazer o

que a garota pediu, mas sou mais rápido e agarro sua panturrilha forte o
suficiente para saber que vai deixar marcas. Olho para a garota, tentando

reconhecê-la de algum lugar, sei que já devo tê-la visto em alguma festa, mas
não consigo me recordar se, em algum momento, conversamos ou dei a

entender que ela tem o direito de exigir que a minha garota saia para dar lugar
a ela.

— Eu conheço você?
— Claro que sim — afirma, com uma certeza que não me convence.

— Saímos juntos na semana passada. Na quinta, lembra? Você disse que me


ligaria...

Solto um riso anasalado porque... Deus, essa mulher só pode estar


louca. É impossível que eu tenha saído com ela. Ela está delirando e de

alguma forma, isso parece me deixar nervoso, porque, de repente, estou


suando frio.

— Acho que está me confundindo. Não, acho não, tenho certeza de


que está me confundindo.
Ela sorri, falsamente.
Seu dedo fino toca meu pescoço, num toque invasivo, que não me
agrada em nada. Meus olhos focam no lugar onde ela tocou, desacreditados.
Caralho, que porra é essa?
— Já entendi, gatinho — anuncia. — Me liga quando estiver sozinho.

E sai.
Ela simplesmente sai como se eu soubesse do que está falando.

Ainda assustado e com um medo do caralho do que posso ter feito


bêbado, acompanho sua saída. Seus quadris se movem de forma exagerada,

como se tentasse chamar atenção e em um determinado momento ela olha


para trás e sorri cínica.

Tenho certeza de que nunca nos encontramos antes e se isso tivesse


acontecido no dia do bar, depois de ter ingerido álcool, Asher me diria. Ou

melhor, ele nem mesmo me deixaria próximo de alguém.


Desperto do transe apenas quando as pernas de Mia se movem em meu

colo indo em direção ao chão e ela se senta, prestes a se levantar e ir embora.


Eu, porém, sou mais rápido e seguro seus braços, fazendo com que caia sobre

mim, as mãos se apoiando em cada uma das minhas pernas e ficando com o
rosto a centímetros do meu, mas dessa vez, não há nada de excitante no

momento.
— Para onde está indo?
— Para casa, Brandon, não é meio óbvio?
— Por quê?
Por um segundo, penso que está com ciúmes de mim. Mas perguntar
só a faria se afastar e não quero isso.
— Foi por isso que me fez aquela pergunta no carro? Está com a

Cindy e não me contou?


— Cindy? — franzo o cenho. — Eu nem sei quem é aquela garota.

Mia revira os olhos.


— Não foi o que pareceu.

— Eu sei o que pareceu — refuto, chateado por não acreditar em mim.


— Não desgrudei de você em nenhum momento da semana passada e das

anteriores e praticamente de toda a minha vida. Você sabe de todos os meus


passos, Mia, e quinta eu estava no bar. Por que mentiria para você?

Ela desvia os olhos dos meus.


— Porque fez aquela pergunta, então?

— Por que ficou tão chateada com ela? E por que não tentou conversar
comigo antes sobre isso?

— Perguntei primeiro — responde, como se ainda tivéssemos oito


anos.

— Porque o Kyle fez um comentário sobre isso quando reclamei sobre


você e a Kim terem me proibido de ir na noite das garotas. E eu pensei que,
talvez, esteja sendo um empecilho para você, sei lá, conhecer alguém.
— Não sabe se quero alguém.
— Porque nunca falamos sobre isso.
— Porque você sempre foge do assunto — acusa.
— Porque não quero alguém — não quero ninguém além de você.

— Por que estamos falando tantos “porquês”? E por quê não responde
a minha pergunta?

Mia suspira e ergue a coluna, deixando de ficar com as mãos em


minhas pernas para ajoelhar-se entre elas, em cima do sofá.

— Porque achei que estava com alguém e que ela tivesse te pedido
para se afastar de mim. Não quero que isso aconteça, Bran, te perder acabaria

comigo. Sei que pode soar egoísta, mas às vezes, desejo que não goste de
outra garota além de mim. Não quero que ninguém tome o meu lugar.

Ela parece constrangida ao pronunciar as palavras e eu não sei se sinto


felicidade ou uma estranha vontade de dizer que...

— Eu também desejo isso — escapa. — Também não quero que


ninguém tome o meu lugar no seu coração. Não quero que tenha outros

amigos para brigar por pedaços de torta — ela ri. — E não quero que mais
ninguém se ofereça para cortar seu cabelo. Não gosto de pensar em outro

alguém usando uma corrente com o seu nome e nem que esse alguém... — te
beije, te toque, te ame como eu. — Não quero que esse alguém te afaste de
mim.
Minhas mãos seguram em sua cintura e eu a aperto, buscando sua
atenção que é voltada para mim no mesmo instante.
— Não precisa se preocupar, Mia. Porque ainda que eu me
interessasse por outras garotas, nenhuma delas conseguiria chegar aos seus

pés.
Nossos olhares ficam presos um no outro por segundos minutos, talvez

horas. Até que ela mordisca o lábio e desvia a atenção de mim novamente,
sem falar qualquer coisa.

— Podemos só... ir para casa? Não tenho mais clima para ficar aqui.
Depois... depois eu explico para Kim.

Assinto, me sentindo um pouco frustrado, mas, também, o que


exatamente eu queria?

Que ela também jamais colocaria outro cara além de mim no seu
coração?

Porque foi exatamente o que acabei de fazer.


Acabei de dizer para ela que nunca, jamais, qualquer outra garota vai

chegar tão longe quanto ela no meu coração. Nenhuma outra garota vai me
fazer sentir tão vivo quanto ela. Nenhuma delas irá conseguir minha atenção

tanto quanto ela. Nenhuma.


Ela se levanta e deixa a bebida que tinha em mãos em cima da mesinha
de centro e eu faço o mesmo. Mia caminha na minha frente, enquanto eu vou
atrás, nervoso em como as coisas vão seguir daqui para frente, tanto por
causa do que eu falei, tanto por causa do quase beijo de minutos antes.
Entretanto, quando chegamos a porta, sinto como se minhas costas
estivessem ardendo e olho para trás, encontrando o olhar de Ryan Nolan e

logo entendo. Na hora, não reparei muito, mas ele está no mesmo lugar de
onde a garota surgiu. Ele armou tudo.

Seus olhos fitam os meus sem sentimento algum, seu rosto sem
expressão. Devolvo, me perguntando em qual momento da minha vida, nós

dois começamos esse embate.


Não lembro se foi quando nos conhecemos, ainda na infância ou

quando comecei a ser elogiado por jogar bem. A questão é que nós dois
sempre disputamos por tudo em nossas vidas, desde pequenos.

Me pergunto se ele soubesse que o que nos liga está muito além do que
disputarmos sobre uma escalação, o ódio em seus olhos seria diferente.

O meu, certamente não.


— Bran? — desvio meus olhos dos seus e foco na pequena a minha

frente. — Estou com frio. Me dá o seu casaco?


Reviro os olhos, atravessando a porta e a fechando.

— Eu avisei para vestir um.


— Iria estragar meu vestido e ele deu trabalho para fazer.
— Por que não fez um casaco para combinar?
— Vai me dar ou não, Brandon?
Acho fofa a forma com que ela bate o pezinho, com uma expressão
brava no rosto. Como se precisasse disso para conseguir o que quer de mim.
Coloco o casaco em seus ombros e ela logo trata de enfiar os braços nas

mangas, sendo engolida pela peça.


— Se o casaco iria estragar seu look, por que está usando um agora?

Mia suspira, levando os dedos até a têmpora e massageando o local


como se eu estivesse lhe causando dor de cabeça.

— Se disser que é porque ninguém está vendo, sei que é mentira. Eu


estou, sabe?

— Você não conta, já te vi pelado, o mínimo que pode fazer é fingir


que está combinando com o vestido.

Estou prestes a rir quando processo o que disse. Ela parece


compreender no mesmo momento que eu, pois suas bochechas se

avermelham e ela enfia as mãos dentro do bolso, olhando o número dos


andares em cima do elevador.

— Espera aí, quando foi isso?


— Quando foi o que?

— Não seja sonsa — reviro os olhos. — Quando me viu pelado?


— Nunca te vi pelado.
— Viu sim, acabou de falar.
— Está precisando fazer uma lavagem nos ouvidos.
— É sério, Mia, preciso saber como ele estava.
— Ele quem? — suas sobrancelhas se unem.
— O pequeno Bran. Não. Pequeno, não. O grande Bran.

— Não acredito que chama o seu pau de pequeno Bran.


— Grande Bran — a corrijo. — E eu não o chamo assim, só estou

tentando ser respeitoso.


— Patético.

— Responde a minha pergunta — peço, bem na hora em que o


elevador abre no térreo.

A fraternidade fica a apenas algumas quadras do apartamento de Kyle


e Kim, e como sabíamos que beberíamos alguma coisa, achamos melhor

virmos andando.
— Já disse que seu ouvido está sujo. Olha só, está até afetando sua

audição.
Dou uma pequena corrida e começo a andar de costas para o caminho,

ficando em sua frente.


— Anda, me conta — peço, tentando acabar com o clima esquisito que

estava lá em cima. — Ele estava mole ou duro? Você achou pequeno,


mediano ou grande? Justifique sua resposta, mas não seja muito má, isso
pode acabar com a minha autoestima e sabe? Com a performance do pequeno
Bran.
— Grande Bran — me corrige.
— RÁ! — grito, apontando para ela, que começa a rir. — Eu sabia!
Agora, continue, me dê uma resposta mais elaborada sobre isso, preciso de

uma opinião e estou pensando, quem melhor que a minha melhor amiga para
isso?

Mia para de caminhar e coloca as mãos nos joelhos, o corpo inteiro


sacudindo em uma risada silenciosa. Seu tronco se ergue e ela limpa algumas

lágrimas antes de me dar um tapa leve, ainda rindo.


— Vai se foder.

Só se você vier comigo.


Engulo meu comentário de quinta série, mas sorrio junto com ela,

fingindo que essa noite não deixou as coisas ainda mais confusas no meu
peito.
Quando abro os olhos, minha primeira reação é puxar minha mão das
do menino do outro lado do portão.

Eu não o conheço, nunca o vi. O que ele faz aqui? Segurando minha
mão ainda! Abusado!
Isso parece assustá-lo, porque ele também acorda e me encara, mas
não parece envergonhado. Ele deve ter a minha idade, mas é alto, tem o
cabelo escuro, muito preto, igual seus olhos. Ele está vestindo uma camiseta

de basquete maior que ele e está descalço.


— Oi — ele diz.
— Quem é você? — pergunto de volta. — Por que está aqui?

— Você estava triste — explica. — Eu só queria ajudar. Não vou pedir

desculpas por isso.


Quando ele termina de falar, eu me lembro.

Então olho ao meu redor e noto o lenço de mamãe caído no chão.


Minhas pernas doem e eu olho para baixo, percebendo que estou toda suja de

poeira e grama.
Minha testa lateja e eu levo a mão até ela, vendo o sangue em meus

dedos.
Não foi um pesadelo.

Ela foi embora.


Ela me deixou como prometeu para o papai.
Meus olhos enchem de lágrimas e eu começo a fungar, triste demais.
— Ei — ele chama, colocando o braço para dentro da grade e
segurando meu pulso, puxando-me para ele. — Não chora, princesa. Você
fica feia assim.
Meu choro aumenta.

— Por que está chorando tanto?


— Minha mãe foi embora — gaguejo, como consigo. — E você me

chamou de feia.
— Não chamei não.

— Disse que fico feia quando choro.


— Então, é só parar de chorar — ele dá de ombros, solucionando o

problema. — E eu posso te ajudar com a outra coisa também.


— Vai trazer a minha mãe de volta?

— Não. Eu não gostei dela.


— Vai fazer o que então?

— Se você quiser, posso te emprestar a minha por um ou dois dias na


semana. Ela é muito carinhosa e faz torta de maracujá com chocolate amargo,

só reclama se colocar os pés sujos ou calçados em cima do sofá e não pode


deixar a toalha em cima da cama. Ela briga feio.

— Minha mãe não brigava comigo.


Só xingava e dizia para o papai que não me queria. Que nunca me
quis.
— Porque ela não era sua mãe de verdade.
— Não fala assim dela.
— Está bem — ele concorda. — Mas não vou pedir desculpas.
Me sento em frente ao portão, com as pernas dobradas e brinco de

arrancar as poucas gramas no chão.


— Está bem — respondo.

Ele também se senta no chão do mesmo jeito que eu, fazendo careta.
— Por que está com essa cara?

— Não gosto de sentar no chão da rua.


— E por que sentou?

— Você faz muitas perguntas para alguém tão pequena.


— Tenho a mesma idade que você.

— Como sabe? — dou de ombros. — Quantos anos você tem? Eu vou


fazer oito na semana que vem.

— Estou fazendo sete hoje.


— Parabéns.

— Não respondeu porque se sentou no chão.


Ele também dá de ombros.

— Não quero te deixar sozinha.


Quando termina de falar, o carro do meu pai para em frente a casa, ao
invés de estacionar na garagem. Ele deve estranhar a presença do menino, já
que sabe que não tem nenhuma criança além de mim no condomínio e eu não
tenho nenhum amigo.
As grades são altas, uma coisa que a minha mãe quis colocar quando
nos mudamos para cá. Nenhuma outra casa tem, porque é um condomínio

grande e com uma boa segurança, mesmo assim, meu pai fez a vontade dela.
Ele sempre faz nossas vontades. Acho que agora ele só fará as minhas.

Ela não vai voltar. Eu sei disso.


E só o pensamento faz meus olhos arderem de novo e meu peito querer

chorar.
— Mia? Porque está toda suja do lado de fora? Sabe que a sua mãe

não gosta, filha — meu pai chama, parecendo assustado. — E quem é você,
garotinho?

— Pai! — chamo, meu queixo tremendo enquanto vejo os ombros dele


caírem.

— Meu nome é Brandon — o menino diz, se levantando e oferecendo


a mão para o meu pai, que aceita, mas logo me olha. — Estou cuidando da

sua filha.
Seus olhos me escaneiam e ele logo pega a chave nos bolsos da sua

roupa social, abrindo o portão e se ajoelhando ao meu lado, segurando-me


como se procurasse por mais ferimentos. Os olhos de papai se enchem de
lágrimas.
— O que aconteceu, meu amor? Você caiu?
— A bruxa bateu nela e foi embora.
— Bruxa? Que... — papai não completa a pergunta e sussurra um
palavrão, achando que não ouço. — Onde você mora, Brandon?

O menino, que agora sei que chama-se Brandon, aponta para o outro
lado da rua, onde uma mulher acaba de passar na porta, com as mãos na

cintura.
— Volte para casa e diga para a sua mãe que ela está criando um bom

garoto. Irei procurá-los em breve para agradecer.


— Não precisa não, senhor. A gente não deve querer nada em troca

por ajudar alguém que precisa, mamãe me ensinou isso. Tchau, Mia. Não
chora mais não.

Ele diz e corre para casa.


O choro explode quando ele vai para os braços da mãe dele, que o

impediu de atravessar a rua de novo quando meu pai me pegou nos braços,
disfarçando o próprio choro.

Eu dei tchau para ele em meio às lágrimas, mesmo que ele tenha
pedido para que eu não chorasse mais. Brandon acenou de volta, entretanto,

aquela não foi a única vez que ele aplacou meu choro.
Aquele garotinho nunca mais me deixou sozinha.
Você é aquela que eu preciso
E amor, sim, você me dá razões
Apenas para lutar contra todos os meus demônios
Sim, adoro quando você está falando

Porque você silencia todos os meus sentimentos


Dancing In My Room - 347aidan

Bloqueio um adversário com as minhas costas e recebo a bola,

quicando-a no chão três vezes e arremessando para Asher, que finaliza e


marca uma cesta, finalmente nos deixando a frente no placar.

É um péssimo jogo.
Estamos na frente, entretanto, se não conseguirmos manter o placar,

nossa posição na tabela certamente sofrerá consequências nada agradáveis.


Começamos ganhando, mas, por conta de um descuido, os Princetons

Tigers[3], nos ultrapassaram.

Apenas agora, no segundo set[4], depois de uma conversa com nosso


treinador, retomamos a posição de ataque e conseguimos virar o jogo. Os
Black Panthers não ganham nenhum torneio, por mais simples que seja, há
anos. Como o próprio treinador gosta de dizer, nós somos a esperança dessa
temporada, mas jogamos juntos há pouco menos de um semestre, o que
significa que ainda estamos nos adaptando.
Felizmente, estou me mantendo na posição que sempre joguei —
assim como Kyle —, talvez sejamos os únicos que possam dizer isso, o que
causa um pouco de revolta para um ou dois jogadores, como Ryan, que a
cada dia, é testado em uma posição diferente, isso quando não está no banco.

É um jogo lotado, em casa, então obviamente a nossa torcida se

esforça um pouco mais para mostrar aos adversários que isso aqui não é
bagunça e que somos os melhores, mesmo não vencendo sempre.

Estávamos invictos há oito jogos, os Harvard Crimson[5] tiraram isso

de nós por uma diferença de três pontos que acabou com a nossa reputação.
Se os Princetons acham que terão a mesma sorte, estão enganados. Isso não

vai acontecer.
Asher parece um pouco disperso, mas ainda assim, consegue finalizar

o passe de Kyle, pouco antes do jogo acabar. A multidão vai a delírio,


comemorando conosco o placar de 48 a 53, favorável para nós.

Volto meus olhos para o mar de pessoas e não é difícil achá-la. Mia
sempre fica no mesmo lugar e ainda que isso não acontecesse, eu a

encontraria. Sempre a encontraria, em qualquer lugar, não importa quantas


pessoas estejam ao seu redor.
Ela acena, sorrindo e pulando. Vibrando por mais uma vitória. Mais
uma vitória que ela está comigo.
É como se ela me trouxesse sorte. Como se, apenas por saber que ela
está no ambiente, uma carga de motivação fosse despejada sobre mim e isso
fizesse com que me sentisse o cara mais importante do mundo.

— Vai ficar aí parado, Díaz? — Hector pergunta, passando por mim


em direção ao túnel onde fica os vestiários. — Sua garota não vai sumir se

deixá-la sozinha por mais alguns minutos, mas aposto que ela não vai gostar
nada de chegar perto com você fedendo do jeito que está.

Mostro o dedo do meio para o idiota, que ri antes de passar um dos


braços por meus ombros, nos levando na direção que seguia anteriormente.

— Vai se foder. Ela não é minha garota.


— Ainda — ele corrige, sempre alimentando meu ego. — Todo

mundo vê a forma com que vocês se olham, cara. Todos têm medo de chegar
perto dela com medo de levar um soco seu.

Um pequeno sorriso nasce em meu rosto.


É bom que tenham mesmo.

— Você é um sortudo filho da puta — ele diz, dando um tapa forte em


meu peito. — A baixinha te enlaçou de jeito mesmo, não é?

— Não precisa ter inveja — provoco-o, sabendo que entende a


brincadeira. — Em breve vai sentir o mesmo que eu e vou acabar com você.
Ele está prestes a retrucar, mas antes que pronuncie, chegamos à porta
do vestiário, vendo a forma com que tudo grita caos. A primeira coisa que
meus olhos captam são os de Asher, inflamados de raiva para cima de...
Ryan. Porra. Esse cara só pode estar querendo uma confusão. Está se
metendo com quem não deve. Isso vai acabar com ele.

Nenhum jogador faz nada para acalmar ou separar a possível briga que
está prestes a acontecer. Procuro por Kyle, mas ele não está em canto algum,

o que torna as coisas ainda piores, porque apenas ele e o treinador conseguem
acalmar esse monte de hormônios amontoados que parece exalar do time.

Atravesso o cômodo, parando de frente para ele e de costas para Ryan,


empurrando Asher para trás.

— Asher, não é um bom momento para desentendimento, cara. Sabe


que ele é um babaca e só está fazendo isso para te provocar.

Além de prejudicar seu lugar no time — e consequentemente sua bolsa


—, seria uma perda enorme para a equipe, pois apesar de não querer seguir o

basquete, Asher é bom no que faz, em qualquer posição que joga. Ele não
começa nada que não possa ser bom o suficiente para permanecer.

— Já viu o tamanho dos peitos dela, Asher? — Ryan diz, atrás de


mim, provocando-o. — Seria uma delícia enfiar meu pau ali e eu nem gosto

tanto de peitos. Fiquei sabendo que ela tem uma queda por jogadores de
basquete. Você sabe, os corredores dizem muitas coisas.
Então, entendo. O que o fez perder o controle desse jeito foi a
insinuação sobre Kim. Ele está transtornado a ponto de não se importar com
as consequências que uma briga, a essa altura, pode causar.
Eu o entendo perfeitamente, porque faria a mesma coisa se ele
estivesse citando Mia numa situação dessa.

É desrespeitoso.
E por isso, apenas por isso, não tento mais impedir que Asher parta

para cima dele. Isso e porque ele merece uma surra por ser um idiota
completo.

Asher segura sua camisa com força, quase o suspendendo do chão. O


rosto de Ryan assume um tom avermelhado logo que o ar começa a lhe faltar

e eu me permito sentir um pouco de prazer ao vê-lo ter o que merece. Uma


sucessão de três socos é desferida em seu rosto, sei que cada um faz um

estrago diferente enquanto todo o time assiste, ovacionando a situação como


se estivessem na quinta série.

— Que porra é essa aqui? — a voz do treinador soa, e mesmo assim,


Asher não solta a garganta de Ryan, perdido demais em seu próprio ódio. —

Asher, solta o garoto.


Ele faz a contragosto e só então tenho a certeza de que o rosto de Ryan

não irá voltar a coloração normal tão cedo. Ele até tenta disfarçar, mas é
óbvio que está tendo dificuldade até para respirar. Além disso, todos estão de
prova que ele provocou e saiu na pior, já que nem mesmo teve chance de
revidar.
— Não posso deixar um bando de moleques sozinhos por cinco
minutos que já aprontam uma merda dessas — esbraveja, cada vez mais
vermelho. — Dempsey, está fora dos próximos três jogos. Você também,

Nolan.
— Mas treinador… eu não… — Ryan começa, com dificuldade, ainda

buscando por ar. — Fiz nada. Ele… me atacou.


— Não sou nenhuma criança, Nolan, se estavam atracados como dois

animais, algo aconteceu. E como não tenho o mínimo interesse em saber o


que, os dois estão suspensos dos próximos jogos — Nolan está prestes a

refutar o treinador de novo, quando ele continua: — Posso pensar num


castigo mais severo para quem questionar minhas ordens.

O treinador começa um discurso que não parece ter fim nunca e


aproveita o esporro para falar sobre o jogo de hoje e o que faremos a seguir.

Estou cansado pra caralho. Tudo o que eu quero agora é um banho


quente, minhas séries conforto e Mia. Parece que faz séculos que não temos

mais um momento a sós para nos divertir porque tudo ao nosso redor parece
conspirar para que nos afastemos enquanto lidamos com os problemas dos

nossos outros amigos ou alguma pendência com nossos respectivos cursos e o


time.
Hoje será diferente, porque mesmo cansado do jogo, combinamos de
ter um desses momentos na fraternidade do time.
— Estão liberados — desperto dos meus pensamentos quando ouço a
voz do treinador e em poucos segundos os caras vão se dispersando e saindo,
a maioria até desiste de tomar banho ou já tomaram e sobra apenas eu.

Aproveito para mandar uma mensagem para Mia, avisando que vou
tomar um banho rápido antes de encontrá-la no estacionamento da

universidade.
Quando a água quente entra em contato com meus músculos, posso

senti-los relaxarem automaticamente e fecho os olhos, enquanto me ensaboo.


Minhas pernas estão ardendo e sinto que se erguer os meus braços, eles irão

cair na minha frente como gelatinas, então nem me esforço muito e termino o
mais rápido que consigo, tanto pela dor costumeira quanto por Mia. Não

gosto de deixá-la sozinha me esperando, porque ela também não facilita e


nunca aceita ir embora sem mim.

Minha baixinha é foda.


Por isso que é minha.

Enfio minhas coisas na mochila e saio do vestiário, entretanto, nem


mesmo dou dois passos antes de vê-la.

Meu sangue ferve. Borbulha. É como se houvesse um vulcão em mim


prestes a entrar em erupção. Porque Mia não está sozinha. Está com Ryan
Nolan, e as mãos dele estão nela.
Puta que pariu.
A surra do Asher não foi o suficiente para esse filho da puta?
O que mais ele quer?
Para o azar dele, não tenho nenhum problema em quebrar a cara dele.

Meus passos se tornam pesados, o que chama atenção deles e faz Mia
olhar para trás, em minha direção. Ela parece nervosa quando vê que sou eu e

sorri, mordendo os lábios. Franzo as sobrancelhas para sua reação e movo os


olhos para ele, que não tem o mesmo senso e continua sentado onde está,

com as mãos na cintura dela e fingindo-se de coitado.


Sei que está fazendo para me provocar. Sei que não teria nenhuma

chance com ela. Mas, de alguma forma, vê-lo desse jeito, se aproveitando da
bondade dela, me faz querer arrebentar a cara dele e deixá-lo irreconhecível.

— Me espera no carro? — peço para ela, sem dar mais outra palavra.
Mia parece me implorar com os olhos para que eu não faça nenhuma

besteira e eu assinto. Não vou fazer nada demais. Só preciso colocar esse
merdinha no lugar dele.

Espero que dê a volta no corredor e suma da minha vista. Quando


volto a atenção para ele, Ryan está de pé. Ótimo. Me poupa esforço.

Não faço ideia de onde tiro forças para jogá-lo na parede, sem dó
algum de machucar suas costelas. Ele tenta revidar, mas sou mais rápido em
imobilizar seus braços. Ryan chia e está prestes a abrir a boca quando forço
meu braço em sua garganta.
— Da próxima vez — começo, em tom de ameaça. — Que tentar tocar
nela, lembre-se de que está nas minhas mãos e que posso acabar com você
em um estalar de dedos.

Ele sabe.
Ryan sabe que o tenho em minhas mãos e só preciso de uma ligação

para que essa marra e mal comportamento esvaia dele com rapidez. Será tão
rápido que ele só perceberá quando o estrago estiver feito.

Embora Ryan não saiba o real motivo para um acordo entre nossas
famílias existir, ele tinha se mantido quieto até hoje, mesmo que as faíscas

nunca tenham parado.


E eu tenho aguentado as merdas dele calado por todos esses anos,

porém, ele sabe que Mia é o meu limite. Ryan pode falar ou fazer o que
quiser, desde que a deixe fora disso.

O dia em que tentou usar aquela garota na festa para atingi-la e agora
que o encontrei tocando-a, foram o meu limite. Sei que deve ter se feito de

coitadinho e que ela provavelmente sentiu pena dos seus ferimentos e correu
para ajudar, boa do jeito que é.

Ryan pode ter mais de vinte anos, mas ainda se comporta como uma
criança.
Patético.
Como tudo que carrega seu sobrenome.
— Vou perguntar uma vez e espero que você me dê a resposta que eu
quero e a cumpra — falo bem devagar, para o caso dele ser idiota o suficiente
de fingir que isso não aconteceu. — Você entendeu que é para ficar longe

dela, Ryan?
— Sim — ele diz, a contragosto.

— Quero com todas as palavras.


— Sim, Brandon, eu entendi — puxa o ar. — Que é para ficar longe

dela.
— Perfeito — solto-o, vendo se curvar em busca de ar.

Abandono-o, virando o corredor e caminhando devagar para tentar


espairecer antes de dividir o carro com ela. Não gosto de ficar com raiva

perto de Mia, porque nunca sei me controlar e quase sempre acabo sendo
grosseiro.

Vejo-a sentada no banco do motorista, a cabeça deitada no vidro,


parecendo estar chateada. Dou a volta no veículo e entro, sentando no banco

do passageiro, fechando a porta com cuidado e jogando a mochila para a


parte de trás.

— O que aconteceu com o rosto dele? — pergunta baixinho,


mordendo a ponta do polegar. — Se meteu em uma briga?
— Eu diria que se meteu com quem não deveria.
— Bran, você...
— Não, não fui eu — infelizmente. — Ele disse uma besteira sobre a
Kim e o Asher fez um favor em quebrar a cara dele.
— Ele disse que apanhou sem motivos.

— O problema é que você quer ser boazinha com todo mundo e depois
eles te ferram.

Mia morde o lábio inferior, desviando os olhos de mim e sei o que está
se passando em sua cabecinha. Ela não gosta de ser feita de boba, entretanto,

seu coração é bom demais para perceber a maldade que há nos dos outros.
— Kim passou mal?

— Sim — me responde. — O Kyle a levou para casa, mas parecia só


um mal-estar porque não comeu.

— Entendi. Ela comentou alguma coisa sobre a comemoração de


amanhã?

— Disse que será no apartamento deles dessa vez.


— O idiota só pode estar querendo levar uma multa — resmungo,

vendo-a dar partida no carro. — O que assistiremos hoje?


— A sétima temporada de Friends — ela responde animada enquanto

eu forço evitar meu descontentamento. — Não faça essa cara.


— Não gosto da Rachel e do Joey juntos.
— Bran, se eles tivessem sido endgame, seria tão melhor.
— Claro que não — reclamo. — O Ross e a Rachel nasceram para
ficar juntos.
— O Ross não merece a Rachel. Ele a traiu!
— Ele não traiu! Os dois estavam dando um tempo.

Mia suspira, ficando realmente brava.


Talvez, esse assunto seja um tópico sensível entre nós dois. Da

primeira vez que assistimos, brigamos feio, porque ela fez uma situação
hipotética em que nos colocava numa situação parecida e ficamos sem nos

falar por um dia inteiro.


— Vamos nos colocar em uma situação hipotética.

Não disse? Lá vai ela nos meter em mais uma.


— Eu odeio quando faz isso — resmungo.

— Se brigássemos e deixássemos de ser amigos...


— Melhores amigos — corrijo.

— E deixássemos de ser melhores amigos...


— O que nunca vai acontecer.

— Suponhamos que você arrume um outro amigo.


— Por que não pode ser uma amiga?

O carro para em um solavanco, me lançando para a frente com força o


suficiente para, caso eu não estivesse com o cinto de segurança, morrer.
Maluca. Essa mulher é maluca. Porque eu escolhi ela para ser minha?
— O que está querendo dizer, Brandon?
— Eu? Nada, querida. Foi apenas uma brincadeira, pode continuar.
Ela me lança um olhar enigmático, que ao mesmo tempo que me deixa
com medo, me dá certa alegria em saber que sente ciúmes. O carro de trás

começa a buzinar.
— Voltando — diz, enquanto manobra o carro para voltar a andar. —

Se você conhecesse um novo amigo só porque estamos brigados...


— Eu não estou gostando desse assunto.

— É problema meu?
— Sim, você quem começou.

— Para de me interromper.
— Vamos trocar de assunto — decido e emendo antes que ela tenha

chances de falar: — Você irá comigo para o próximo jogo, certo? Em Saint
Vincent?

— Quando?
— Semana que vem, se não me engano.

— Não sei. Não quero parecer que não vivo sem você — ela brinca.
— Mas é verdade, todos sabem.

— Idiota — resmunga com um sorrisinho. — Seu treinador não deve


aguentar mais me ver.
— Sabia que só perdemos da última vez porque você não viajou
conosco?
Mia revira os olhos, me empurrando.
— Deixa de bobeira, Bran.
— Estou falando sério. Todos sabem que você é o meu amuleto da

sorte e que sempre sou o destaque quando você está.


— Vou contar para o Ky.

Eu rio.
— Pequena traíra.
Dizemos que somos amigos, mas eu estou te olhando do outro lado da sala

E não tem como eu acabar ficando com você
Mas amigos não olham para amigos desse jeito

Amigos não olham para amigos desse jeito


That Way — Tate McRae

— Vai me julgar se eu disser que já estou entediada?

É sexta e estamos no apartamento de Kim e Ky, em uma festa em


comemoração ao jogo de ontem. Cheguei há meia hora com Brandon, que foi

parar em algum canto desta casa com Kyle e Hector, enquanto Kim e eu
ficamos no canto, entediadas em uma bolha que nós duas criamos.

Não é como se eu odiasse festas. Eu gosto delas, não é à toa que vou
em quase todas que meus amigos estão.

No entanto, gosto mais daquelas que posso me sentar no sofá e beber


sem correr o risco de pegar uma IST ou algo do tipo. Nesse momento, por

exemplo, há dois casais no sofá, ambos estão separados, mas pela forma com
que se observam um ao outro, parece que vai sair algo muito interessante
dali. Interessante para eles, no caso.
— Não — ela resmunga, igualmente insatisfeita. — Eles estão ficando
cada vez mais repetitivos.
— Vou procurar o B e ver se ele já quer ir embora.
— Hum… os dois sozinhos — ela cutuca minhas costelas, me

provocando.
— Para com isso — resmunga, rindo. — Ficamos sozinhos o tempo

todo. Vocês precisam parar com essas piadinhas de duplo sentido. Somos só
amigos.

— Amigos não se olham do jeito que vocês fazem, já disse.

Minhas bochechas esquentam, como sempre acontece quando eles

fazem essas insinuações.


— Porque não me deixa em paz e vai procurar o Asher, hein?

Mostro a língua para ela, saindo em direção ao corredor para fazer o


que disse antes.

Eu: Onde você está?

Eu: Estou um pouco entediada.

A mensagem é entregue e visualizada, porém não há nenhum sinal de


que vai me responder, ao invés disso, sinto mãos fortes cobrirem meu rosto,
fazendo-me retesar de susto.
Não demoro dois segundos para reconhecer seu cheiro e meu corpo
relaxar, praticamente se desfazendo em direção a ele. Brandon tira a mão dos
meus olhos e as enlaça na minha cintura, beijando meu ombro nu.
Olho para cima, numa posição meio estranha, que faz meu pescoço

doer, mas vale a pena quando recebo um beijo na ponta do nariz. Sorrio para
ele, que me aperta ainda mais.

— Quer sair daqui?


— Estava te procurando para isso — respondo.

Bran ri e começa a me rebocar em direção a porta, sem me soltar.


Andamos devagar para não cair. Devido a sua altura, Brandon não consegue

nem mesmo apoiar a cabeça na minha.


Chegamos ao elevador e estou prestes a clicar o número do térreo

quando ele é mais rápido e aperta no do terraço. Lanço um olhar questionador


através do reflexo das portas espelhadas fechadas.

— Confie em mim.
Quando as portas se abrem, me sinto uma criança num parque de

diversões, porque está chovendo.


Estava tão focada em ir embora que nem mesmo olhei pelas janelas. O

barulho ao meu redor não havia ajudado para que eu percebesse o que
acontecia do lado de fora.
São apenas gotas finas, que nem devem demorar tanto assim. O céu
está nublado e algumas nuvens tomam conta da extensão azulada.
Brandon dá um passo para fora do elevador e as gotas começam a
molhá-lo no mesmo instante. Ele sorri e... Deus! É a coisa mais bonita do
mundo. Talvez, a coisa mais bonita que eu já vi.

— Vai ficar aí parada?


Um sorriso se alarga em minha boca. Eu, definitivamente, não irei

ficar parada aqui.


Aceito sua mão estendida e é como se voltássemos à nossa infância,

correndo pela grama molhada e com a boca aberta em direção aos céus,
tentando beber a chuva enquanto a mãe dele ri.

Brandon me rodopia pelo terraço com maestria, fazendo-me deslizar


pelo chão liso, arrancando um riso de mim. Tão logo quanto me levou para

longe, traz para perto, grudando meu peito no seu, segurando minha cintura.
— Você seria meu amigo se me conhecesse de outro jeito?

— Do que está falando? — ele pergunta, confuso. — É alguma


pegadinha?

Eu rio.
— Se minha mãe não tivesse me abandonado e eu não houvesse te

perseguido…
— Oh — diz, lentamente, nos girando. — Então agora, a senhorita
admite que me perseguiu.
— Deixa de ser bobo — repreendo, rindo. — E responda a minha
pergunta.
Nossos rostos se nivelam, sorrindo um para o outro, enquanto nossos
corpos entram em sincronia, em um passo não ensaiado.

— Acho que, se não nos conhecêssemos naquele dia, o acaso se


encarregaria de nos unir.

— Como pode ter certeza?


Bran afasta alguns fios molhados do meu rosto, sem nunca parar de

nos mover de um lado para o outro.


— Porque você nasceu para ser minha.

— E você?
— Nasci para ser seu.

Meu peito acelera e um sorriso me escapa para o que diz. No entanto,


nenhum de nós diz ou faz mais nada, apenas dançamos, enquanto a chuva cai

sobre nós.
Não há música. Nunca precisamos dela.

A coisa entre mim e Brandon nunca precisou da presença de mais nada


que não fosse nós dois. Não importa se a brincadeira não possa ser jogada a

dois. A gente dá um jeito. Sempre dá.


Desde que tenhamos um ao outro, nada do lado de fora nos impedirá.
O sorriso não sai dos nossos rostos e nossos olhos não se desgrudam.
Brandon me empurra levemente e segura minha mão, fazendo-me girar
em meu próprio eixo novamente, só para me trazer para seu peito e
impulsionar meu corpo para cima. Enrosco minhas pernas em sua cintura e
ele gira comigo em seu colo.

Posso jurar que a cidade inteira consegue escutar o meu riso, que nesse
momento, ecoa não só a alegria que sinto como também a forma com que

meu coração se sente perto dele.


Livre.

Eu queria ter coragem... de beijá-lo.


Queria saber a sensação de me inclinar em seus braços e grudar nossas

bocas, até o ar se fazer ausente em nossos pulmões.


Porque Brandon desperta em mim uma vontade louca de ser corajosa.

O problema é que não sou.


Quando a dança começa a ficar mais lenta que antes porque nós

estávamos focados demais olhando um para o outro para nos preocupar com
o que acontece à nossa volta, penso que esse seria o momento perfeito.

Estamos há poucos centímetros um do outro. Não seria necessário tanto


esforço.

Mas eu disse.
Eu sou covarde.
Sou a primeira que desvia a atenção dele, olhando para o horizonte
acima de nós, temendo em onde isso pode acabar.
Brandon é meu melhor amigo.
Não posso deixar que momentos como o da última festa aconteçam
novamente. Não seria correto.

Embora eu pense naquele momento com mais frequência do que


deveria, ele ainda é o meu melhor amigo. E eu odeio estar nesse impasse

sobre ser certo ou errado deixar um desejo como esse escapar.


Abraço-o como posso, enfiando minha cabeça em seu pescoço,

enquanto ele aperta seu agarre em minha cintura, ainda nos conduzindo pelo
terraço em silêncio.

Não está mais chovendo. Mas eu não quero sair daqui.


Estar em seus braços é me sentir segura.

Brandon é o melhor lugar do mundo.


— O que a gente faz agora, Brandon?

Posso sentir o ar sair de seus pulmões quando suspira.


Não estou falando sobre o que faremos a seguir. Embora ele não saiba,

quero saber o que farei com meu coração. Quero saber como, em meio a
tanto tempo juntos, deixei que meu coração tomasse as rédeas da situação.

— Daremos um jeito, minha metade. Sempre damos.


Minha vida, minha vida seria péssima, nada, voando sozinho
Minha vida, minha vida seria péssima, nada
Voando sozinha sem vocês
Ei, sim, sim

Ei, sim, sim


Minha vida, minha vida seria péssima, nada
Voando sozinha sem vocês

Flying Solo — Julie And The Phantoms


— Me lembra de nunca mais dar uma festa na minha casa — Kyle

anuncia, se sentando ao lado de Mia, que olha para ele com um nítido
questionamento no rosto.

— Por quê? — ela pergunta, sendo vencida pela curiosidade.


Depois da noite de ontem, Mia ficou esquisita, como se estivesse

pensando no que aconteceu. Eu também fiquei pensativo e um pouco


confuso.

Estou confuso há muito tempo, na verdade.


Ela me confunde.
Me confunde quando sorri para mim, quando me procura em todos os
lugares, quando me acompanha aos jogos e quando me obriga a ver seus
desfiles. Ela me confunde quando faz perguntas como a de ontem.
Porque eu e o meu coração somos rendidos por ela. Eu e ele a
queremos. Muito. Numa intensidade que assusta até mesmo a nós.

É por isso que quando ela faz perguntas com “O que a gente faz agora,
Bandon?”, eu e ele, achamos que ela está falamos de nós e ficamos felizes,

ao passo que, receosos na mesma proporção.


Mia me confunde.

Eu preciso de um pouco mais dela antes de tomar a decisão certeira de


confessar o que sinto.

— Tive que dormir no chão.


Asher se engasga com o café, tossindo. Olho para ele, preocupado,

mas o idiota está tentando segurar o riso enquanto olha para qualquer canto
da sala.

Não.
Ele não...

Não. Ele não fez isso.


É o Asher.

Ele pensaria muito antes de cometer uma loucura dessas.


— Por quê? — Mia pergunta novamente.
— Quebraram o caralho da minha cama.
Kim engasga.
Meus olhos saem do lutador para ir em direção a ela. Oh, sim. Ela não
pensaria em nada antes de cometer uma loucura dessas.
Puta que pariu.

Puta que pariu, eles não fizeram isso.


Isso vai dar uma merda sem tamanho.

E vai acabar sobrando para mim. Porque Mia tinha que me obrigar a
manter a boca fechada sobre esses dois?

Maldita.
Eu deveria começar a fingir que não a ouço.

— Como assim?
— Transaram na minha cama, carrapata — responde, bufando. — É

difícil entender o que eu falo?


Me irrito. Porque ele está falando assim com Mia?.

— Não fala assim com ela, idiota — repreendo, lançando um olhar


para ele que sabe muito bem o que significa.

Kyle está ciente que precisa maneirar a boca perto das meninas.
Obviamente, nenhuma das duas é uma santa, mas já basta as bobagens que eu

e Asher somos obrigados a ouvir, que pelo menos poupe sua boca suja da
irmã e da minha metade. Nossos ouvidos não são penicos.
Infelizmente, não há um botão nele de desligar. Se houvesse, me
pouparia de ouvir muitas histórias constrangedoras.
Ky bufa.
— Desculpa, neném — pede, dando duas batidinhas na cabeça dela.
Ela faz uma careta com o ato e ele sorri, ciente de que detesta quando

faz isso, como vingança, continua a provocá-lo:


— Como você sabe que foi transando e não pulando, ou sei lá?

— Acho meio difícil estarem pulando, se eu achei uma camisinha


cheia no chão — diz, com a boca cheia.

— Olha os modos, Kyle — repreendo mais uma vez, limpando o


farelo de bolo que caiu no braço de Mia.

Que nojo.
Ele engole com dificuldade antes de se inclinar para frente e me olhar.

— Ela — aponta para minha metade. — Só está desse jeito, porque


você a mima demais.

Mimo mesmo. Não tenho nenhum problema em admitir isso.


— Algum problema nisso? — pergunto, soando ainda mais grosseiro.

Não tenho nada contra domingos. Tenho problemas apenas com


domingos — e qualquer outro dia da semana — em que eu seja obrigado a

socializar. Principalmente com Kyle.


Eu o amo. Mas o idiota consegue tirar qualquer um do sério.
— Vai dar uma de Asher agora? — ele pergunta, se referindo a briga
em que o ala se envolveu.
Ele tosse algumas vezes, provavelmente achando que o outro já sabe o
motivo de sua briga.
Eu rio internamente.

Porque se eu não tivesse que ameaçar o time inteiro depois que


cheguei na fraternidade, o idiota com certeza estaria sem o próprio pau agora.

— Como assim? — Mia provoca de novo, só para irritá-lo, já que eu,


obviamente, contei o que aconteceu.

Deveria?
Não.

Porque assim como não esconde nada de mim, também não esconde da
Kimberly. Com exceção daquelas que envolvem nossos passados.

Me sinto um pouco mal pelo Kyle, que é o único de fora dessa história.
Se eu estivesse em seu lugar, gostaria de saber o que está havendo, afinal, ele

é melhor amigo do Asher e irmão da Kim.


Deve ser estranho pra cacete.

Mas não é problema meu. Os dois sabem onde estão se metendo,


devem imaginar o quanto ele se sentirá magoado por ser o último a saber.

— O idiota foi para cima do Ryan e foi suspenso dos próximos três
jogos.
— Ele mereceu — Asher diz, como se não fosse nada demais quase
distorcer a cara de um colega de time.
— Mas eu não merecia ter ficado sem o meu Ala-armador a essa altura
do torneio.
Uma notificação faz todos olharem para Asher. Mia olha para Kim,

mexendo em seu celular e depois para mim. Nego, porque não vou entrar
nessa para acobertar eles dois.

Eles formam um casal bonito, isso é óbvio. E Kyle não tem nada a ver
com a situação, mas eu os conheço, quanto mais postergar uma conversa

sobre isso, maior vai ficar a confusão que só virá depois.


Existe uma enorme diferença entre nós três.

Eu não gosto de relacionamentos casuais. Para mim, qualquer tipo de


relacionamento físico precisa ser baseado em algum tipo de afeto ou por uma

grande atração. Não me importo se me acham “menos homem” apenas


porque não saio metendo meu pau em qualquer boceta disponível. Sou um

cara romântico, poxa. Mereço mais que uma noite quente.


Gosto dos flertes, da conversa, de conhecer a pessoa e só então

avançar para um próximo nível. Pelo menos, é como eu imagino que vá


gostar, quando chegar o momento.

Asher é o meio termo. Ele não parece desesperado por sair por aí
pegando a primeira pessoa que aparecer na frente. Mas também não é o tipo
que gosta de ter contato com as pessoas que se envolve.
E Kyle... bem. Kyle acha que todas as garotas têm direito a um pedaço
dele e é muito, muito raro vê-lo com a mesma garota em algum momento da
vida.
— Por quê? — Mia pergunta, desviando os olhos de Ky para ela. —

Não é bom o suficiente sozinho?


Ele semicerra os olhos para ela, como se os dois travassem uma

guerra. Coitado. Todos sabem que não vai conseguir ir até o fim. Não demora
até que me encare e aponte para Mia.

— Pode repreender ela?


Olho de um para o outro.

— Ela não está fazendo nada.


Mia mostra a língua para ele, que está prestes a retrucar quando um

barulho de ligação ecoa pela cozinha, chamando a atenção de todos para


Asher, que não toca no aparelho, deixando-o com a tela para baixo.

— Não vai atender? — Kim pergunta, inexpressível, dando a entender


que está irritada com o barulho.

— Não — Asher responde, voltando a comer normalmente.


Vejo que Kyle está quase abrindo a boca e unhas afiadas enfiam-se na

minha coxa e assim, sei que é minha hora de intervir ou Mia vai me matar.
Coço a garganta, puxando o próximo assunto:

— Quando vamos para Saint Vincent University[6] mesmo, Ky?


— Amanhã à noite — responde empolgado.
Esse, com certeza, é um dos jogos que mais estamos ansiosos. A SVU
foi a campeã do último torneio, vencendo de lavada com um placar de 52 a

36 em cima dos Harvard Crismons e o treinador tem pegado no nosso pé a


semana toda para darmos o nosso melhor nesse jogo. Será uma chance de
disparar na frente no placar e nos afastarmos cada vez mais dos Princetons,

nosso rival direto.


— Porra — ele pragueja. — Esqueci de avisar a mamãe que não vou

conseguir ir ao evento beneficente.

Kim resmunga.
Aproveito para enfiar um pedaço de pão na boca de Mia, que está
muito ocupada prestando atenção na conversa alheia para lembrar de comer.

— Não quero ir sozinha.


— O Asher pode te acompanhar — Kyle diz. — O idiota não vai ter o

que fazer e a carrapata vai nos acompanhar.


E é bem nessa hora que todos paralisam, sem que ele perceba.

Eu tento reprimir o gemido, porque minha metade acabou de morder


meu dedo. E dói. Porra, como dói. Tento mover o dedo e ela finalmente

percebe o que fez, me soltando para tentar ver o tamanho do estrago.


— Não vou vestir um terno — Asher diz.
— Fica tranquilo, para esse tipo de evento os homens não vão de terno
— Kim diz, sorrindo diabolicamente. — Você vai de smoking.
— Nem fodendo, Ballard.
— Não fala assim com ela, idiota — Kyle olha feio para Asher.
— Entendeu agora? — pergunto para ele, arqueando as sobrancelhas.

Ky revira os olhos.
Mia segura minha mão, limpando o dedo com o guardanapo antes de

apertar o lugar mordido, como se estivesse massageando o lugar. Essas coisas


só acontecem com a gente. Puta que pariu.

— Não vou usar smoking ou porra nenhuma — determina Asher.


— É o que veremos, Dempsey.

— Você vai usar um terno por mim, certo? — Mia se inclina, para
falar comigo baixinho. — Não sei se a sua mãe disse, mas terá a

comemoração de dez anos da empresa e eu só vou se você for. Será no fim do


semestre.

— Eu também só vou se você for.


Nossos pais são sócios em uma empresa de engenharia. Os dois

descobriram vários interesses em comum durante todos esses anos em que


Mia e eu os obrigamos a conviver, um deles, é que minha mãe é uma boa

gerenciadora de crises e era exatamente do que Marcus precisava quando a


ex-esposa deixou a antiga empresa na falência, dando um golpe milionário.
Com isso, eles conseguiram reerguer a GrantDíaz Engineering, mas
não demorou até que vendessem as ações e montassem uma do zero e dessa
vez, foi um sucesso entre as celebridades.
Nenhum dos dois nos obriga a participar dessas festas anuais, mas
agora, está completando dez anos, é um marco importante para os dois e

acredito que assim como eu, Mia também quer estar presente para celebrar o
momento único na carreira deles.

Além disso, seria uma ótima oportunidade para ficar alguns dias com
ambos.

— Então, nós iremos.


— Certo — concordo. — Vou ter mesmo que usar terno?

— Bran — me chama, manhosa, sabendo que assim não resisto a nada


que me pede. — Se for com outra roupa, não vai combinar com o meu

vestido.
Suspiro, sem responder nada. Não quero parecer tão fácil.

— Combinamos depois.
Ela sorri e assente, beijando minha bochecha.

— Bran?
— Hum?

— Quero falar com você sobre uma coisa, mas não quero que fique
chateado.
Meu alerta pisca em letras neons na minha cabeça.
— São duas coisas, na verdade.
O alerta pisca mais forte.
— Pode falar.
— Vamos lá para o quarto da Kim.

Levanto-me logo depois dela e a sigo pelo corredor, ignorando os


olhares que se voltam para nós. No momento, estou muito ocupado traçando

as teorias mais aterrorizantes que minha mente é capaz de criar.


Estou até suando frio.

Mia atravessa a porta e espera que eu entre para fechá-la, enquanto eu


me sento na cama, vendo-a se encostar na porta, me olhando como se não

soubesse por onde começar.


— Então... é...

— Aconteceu alguma coisa? — pergunto, interrompendo seu


embaraço. — Sabe que pode me contar qualquer coisa, certo?

Ela assente e mira a janela antes de disparar.


— Acho melhor não ir para Saint Vincent com vocês — solta a

primeira bomba. — Vou sair com um cara na segunda.


Minhas sobrancelhas se erguem e preciso controlar minha boca, para

não abrir.
Eu.
Vou.
Infartar.
Puta que pariu.
Puta.
Que.

Pariu.
Ela vai sair com um cara.

Vai sair com um cara que não sou eu.


Meu pior pesadelo está acontecendo bem diante dos meus olhos.

O estalar de dedos me tira dos meus pensamentos.


— Brandon? — ela chama e eu pisco. — Você está bem?

— Vai sair com um cara? — pergunto, confuso. — Que cara?


— Um cara do time… de basquete — ela suspira e eu sinto a minha

pressão subir na mesma hora. Mas que porra?. — Ele me chamou há alguns
dias, mas eu estava um pouco insegura. Sei lá, nunca fui a um encontro, não

sei se é o momento, eu acho que... talvez eu...


Mia suspira diante de mim.

— Brandon, fala alguma coisa.


Eu?

Eu quero cometer um homicídio de primeiro grau. Não vai haver


Ballard no mundo que vai conseguir me livrar das atrocidades que estou
pensando em fazer.
— Eu? — repito, como idiota que sou. — O que tem eu? Qual é o
nome do idiota? Foi o Hector, não é? Aquele filho da…
— Bran! — ela exclama baixinho.
Por um instante, Mia parece não saber onde colocar as mãos, e as

cruza atrás do corpo. Só então noto que está nervosa, mordendo o lábio
inferior como uma garotinha à espera da aprovação do pai para algo.

E... porra, ver isso é como receber um soco no estômago.


— O que eu deveria dizer exatamente? — pergunto com cautela.

— Talvez me incentivar? — rebate, erguendo as sobrancelhas.


Porque eu faria isso, porra?

Por que incentivaria a garota que quero para mim a sair com outro
cara?

Oh...
Oh... sim.

Devo incentivar a garota porque ela é minha melhor amiga e não faz
ideia das besteiras que está se passando na minha cabeça agora. Uma delas, é

a maneira mais gentil e nada correta de espantar esse cara, seja quem ele for,
para bem longe de Mia.

— Que cara? Quando isso...


— Do time, já disse. Ele é do reserva, e a gente conversa há um
tempo...
— E eu só estou sabendo agora?
Mia fecha a cara, não aparentando estar satisfeita com a minha
resposta.
— Eu interajo com muitas pessoas do time, não posso ignorar as

pessoas ao meu redor.


Certo.

Eu mereci essa.
Mas porra... eu achei...

— Você disse que acha melhor não ir para Saint Vincent... —


incentivo, tentando fazer meu próprio coração não saltar pela minha boca, de

tão forte que bate. — Vamos começar por aí. É por causa do encontro?
— Não — diz, simplesmente. — O jogo é amanhã e o encontro depois

de amanhã.
— E qual o motivo?

— Podemos falar sobre isso em específico, quando você voltar, de


preferência com mais uma vitória?

Um novo alerta se acende em minha cabeça, que começa a trabalhar


em novas teorias do motivo para não querer me acompanhar nessa viagem.

Mia é tão fanática por basquete quanto eu.


Eu não diria que tivemos uma infância solitária, porque estaria
mentindo. Sempre tivemos um ao outro e sempre foi o suficiente.
O que significa que assim como eu brinquei de bonecas e de cozinha
para agradá-la, Mia também aprendeu a jogar por mim. Embora fosse boa,
era muito fácil driblá-la, pois é minúscula perto de mim e se distrai fácil.
Na nossa adolescência, foi natural que passássemos o tempo divididos

entre as séries que gostamos e os jogos de basquete. Acabou virando a nossa


coisa, o momento de assistir, é sagrado.

Hoje, compartilhamos um momento ou outro assim, com os caras e a


Kim, mas entre nós dois, é sempre diferente.

Desde quando começou o semestre aqui, alguns meses atrás, Mia só


não me acompanhou em um jogo, por motivos de saúde. Ela estava com a

pressão baixa e mesmo insistindo para me acompanhar, a convenci a ficar em


casa. Afinal, eu não conseguiria me concentrar em campo sabendo que ela

poderia estar passando mal na arquibancada. Preferi saber que em casa, pelo
menos, estava sob os cuidados e olhos atentos de Kimberly.

Por isso é estranho que não queira me acompanhar.


— Eu devo me preocupar com isso, Mia?

— Não — se apressa. — Não é nada demais, só preciso... é... preciso


pensar.

— Isso está com cheiro de história mal contada — cruzo os braços.


— Não é! — bate o pezinho. — Eu juro, Bran. A gente conversa
depois. Dou a minha palavra.
Suspiro, me dando por vencido ao me dar conta de que não importa o
quanto eu tente, ela não irá me contar agora.
— E quem é ele? — volto ao assunto principal.
— Milo.

Torço o nariz.
— Vai sair com esse cara?

Ela une as sobrancelhas, me olhando de uma forma esquisita. Na


verdade, acho que eu estou esquisito.

— Qual o problema?
— Não gosto dele.

Eu o conheço, claro. É dos reservas que tem sido testado para jogar no
time principal, mas que tem um ego imenso e desse jeito, só irrita ainda mais

o treinador.
Nada e nem ninguém vai conseguir arrancar de mim o ódio mortal que

sinto por esse Milo e que acabou de surgir dentro de mim.


Por Deus! Quem ele pensa que é para sair por aí convidando a minha

garota para sair?


Tudo bem que ela não sabe que é minha garota.

Mas eu achei que por estarmos sempre juntos e ela ter quase um aviso
de não se aproxime na testa, os caras passariam longe.
— Você não gosta de ninguém.
— Não é verdade — me defendo. — Gosto de você.
Gosto de você mais do que deveria.
Mais do que é apropriado.
Mais do que posso ou consigo expressar.

— Eu não conto — ela diz, como se fosse óbvio. — Você foi quase
obrigado a gostar de mim.

Reviro os olhos.
— Não vamos discutir sobre isso.

— Claro que não vamos discutir — ela concorda, saindo do quarto. —


Até porque, eu estou certa.

Me apresso em ir atrás dela.


— Eu não concordei com isso!
Amigos apenas dormem em camas separadas
E os amigos não me tratam como você trata
Bem, eu sei que há um limite para tudo
Mas meus amigos não vão me amar como você

Não, meus amigos não vão me amar como você


Friends — Ed Sheeran

Eu não sei como contar para ele que nossa amizade está me deixando

confusa. O que acontece é que, sabendo ou não, preciso contar.


Pior que não contar que estou confusa, é guardar tudo isso para mim.

Isso se dá ao fato de que eu não consigo esconder nada, absolutamente nada


dele.

E isso está me matando.


Eu não quis ir ao jogo — embora estivesse com muita vontade de

conhecer a universidade em que jogariam — porque não iria conseguir ficar


no mesmo quarto de hotel que ele, como nas últimas vezes. É tentação

demais ter uma parede de travesseiros nos separando.


Sei que faz isso apenas para me deixar mais confortável, mas,
sinceramente? Eu ficaria mais confortável dormindo agarradinha com ele. E,
se isso acontecer, ficarei ainda mais confusa.
Está sendo um sacrifício ficar perto de Brandon ultimamente, mas pelo
menos, na maior parte do tempo, tem os nossos amigos. Se não fosse por
isso, já teria falado alguma besteira, ou ainda pior, o beijado na primeira

brecha que desse.


Tenho pensado nisso todos os dias.

Desde o dia da festa, antes de Cindy aparecer.


Eu poderia jurar que Brandon me beijaria naquele momento.

Eu queria que ele me beijasse naquele momento.


E desde então, tudo o que consigo pensar é no quão gostoso seria ter

seus lábios unidos ao meu, sua mão grande na minha nuca enquanto a outra...
Caio exausta na cama, fechando os olhos e tentando pensar em

qualquer outra coisa que não seja as mãos de Brandon em mim, porque isso...
isso pode nunca acontecer.

Mas eu queria tanto...


Que droga.

Brandon: Estou chegando na fraternidade.

Vem me ver?
Estou com saudades.

Impossível.
Deus, é impossível, não pensar nesse cara quando ele é literalmente o
cara dos meus sonhos.
Eu ainda tento entender de onde surgiu todo esse fogo que toma conta

de mim quando penso nele. Não sei se quando me deu a mão naquela terça-
feira ensolarada enquanto me banhava em minhas próprias lágrimas ou

quando dançou comigo a minha valsa de dezesseis anos, vestindo um terno


combinando com o meu vestido, embora odiasse gravatas. Não sei se

começou quando brincamos na chuva pela primeira vez, ou quando partiu


para a faculdade sem mim.

Não consigo entender por que meu corpo reage assim, mas preciso
aprender um jeito de fazê-lo parar. E com urgência.

Não posso deixar meu coração exposto para Brandon.


Ele é um cara bacana, carinhoso e atencioso. É o combo perfeito para

qualquer garota que sonha em conhecer um príncipe.


O problema é que o príncipe é o meu melhor amigo.

O problema é que o príncipe também me vê como a melhor amiga.


É esse príncipe que conhece meu lado triste, raivoso e histérico. E que

também tem meu carinho e minha simpatia em qualquer hora do dia. Esse
príncipe nunca teve uma coroa, mas me trata como uma princesa.
Mas o príncipe nunca quis uma princesa.
E é esse mais um outro problema.
Porque não sei a profundidade dos meus sentimentos por Brandon.
Não sei se o que sinto é só uma vontade descontrolada e avassaladora de
beijá-lo ou se eu... se eu... estou apaixonada.

Não.
Melhor não pensar nessa última opção.

Seria o fim.
O fim de nós.

Isso nunca daria certo.


Pego a minha bolsa, rumando em direção à porta para encontrá-lo.

Cumprimento uma ou duas meninas que vejo pelo caminho e sigo para
fora. Temos uma boa convivência. Não diria a melhor porque não somos

próximas, só faço parte da fraternidade porque é como uma herança que a


minha mãe deixou quando acabou a faculdade, coisa que só descobri pouco

antes de me mudar e descobrir que a empresa contratada para reformar meu


apartamento, não havia feito nada.

Meu pai ficou muito irritado e demitiu todo mundo antes de contratar
uma nova empresa, que agora, quase seis meses depois, está quase

finalizando a obra. Eu tinha a opção de cursar Moda em qualquer outra


faculdade, que Marcus Grant daria um jeito. Entretanto, não queria mais ficar
longe de Brandon. Yale sempre foi o nosso sonho. Foi quando meu pai
conversou com a reitora e descobriu sobre essa coisa esquisita de herança.
Que, graças aos céus, não precisava entrar em contato ou da autorização de
Willa.
É isso que me faz odiar essa fraternidade. Saber que em algumas

noites, durmo no mesmo cômodo que ela, que já esteve aqui nos mesmos
lugares que eu, me causa asco. A simples menção do nome ou existência de

Willa, me dá ânsia.

Brandon: Comprei uma caneta nova para você.


Acho que vai adorar.
Voltando ao que interessa: há esse Brandon.

O Brandon que me faz sentir amada quando faz pequenas coisas como
essa. O cara que me faz companhia em dias tristes, que me leva a jantares

especiais em dias comuns e me dá flores todos os anos, religiosamente, no


meu aniversário.

É esse Brandon que me confunde.


Porque ele não parece ser apenas meu melhor amigo.

Ele parece ser meu.


Em todos os sentidos da palavra.
Isso está me assustando. E eu não consigo pensar em como contar para
ele isso.
Todas as vezes que estou prestes a falar, algo acontece ou eu travo,
como se o acaso estivesse conspirando para que nada disso acontecesse.
É sufocante.

Porque não quero guardar esse sentimento.


Porém... há a possibilidade de ele não sentir nada disso.

Sei que não levaria na brincadeira porque me conhece, sabe que eu


jamais falaria algo como “acho que estou me apaixonando por você” apenas

porque quero entretê-lo.


Mas, se houver a chance, a mínima possibilidade de Brandon não

sentir nem mesmo uma fagulha disso tudo, sei que sairei arrasada.
Eu penso no que ele veria em mim para retribuir tais sentimentos?

Sou apenas a garotinha que ele sentiu pena ao ser abandonada e que o
desafiou a ser seu melhor amigo. Não tenho tantas qualidades para que ele

sinta nada além de amizade por mim.


Mas e se...

E se ele, ainda assim, sentir algo? E se eu estiver errada e ele ver


qualidades em mim que não vejo?

E se…
E se...
São tantos. Tantos “e se...?” sem respostas, que me deixam ainda mais
nervosa. Entretanto, sei que preciso enfrentar isso.
E logo.
Mas não hoje.
Hoje não. Deixa para amanhã. Ou depois de amanhã. Semana que

vem, talvez.
Paro em frente a enorme casa onde os meninos do time moram e

procuro pela minha cópia da chave, abrindo a porta. No entanto, o caos que
encontro vindo do corredor de cima, me faz paralisar. Parece estar havendo

alguma briga lá e estou ouvindo a voz do Kyle.


Penso em ir ver o que está acontecendo, talvez tentar impedir que algo

ruim aconteça, mas não consigo me mover. A cena me leva de volta para
muitos anos atrás.

Me leva para a garotinha sentada no sofá, encolhida e abraçada à sua


boneca, enquanto a mãe grita. Estou vendo o pai tentar impedi-la, tirando-a

de perto da criança.
Porém já é tarde.

A menina ainda guarda as palavras.


A menina ainda lembra.

Ela está lembrando agora, quando ouve uma discussão que não
entende, mas que a deixa paralisada como antes.
— Anda, Ky. Você precisa esfriar a cabeça.
Então, a voz de Brandon me traz de volta a realidade. Olho para cima,
vendo-o tentando segurar Kyle, que esbraveja, irritado;
— Não me toca! — praticamente grita antes de se desvencilhar.
— Kyle, por Deus! — Brandon grita de volta, enraivado como nunca o

vi antes. — Faça um favor a si mesmo e vá para a puta que pariu e só volte


quando conseguir ser ao menos educado com a sua própria irmã.

Kyle desce as escadas com pressa, como se o lugar estivesse pegando


fogo. Ele parece estar inteiramente possuído, não se parece nada com o cara

que me faz rir durante as manhãs e rouba os restos de comida dos nossos
pratos apenas para irritar.

Brandon vem atrás dele, e não parece estar calmo. Ky me vê, dá alguns
passos para o lado da porta e paralisa, me olhando com os olhos

semicerrados.
— Você já sabia também? — me pergunta. — Sabia que os dois

estavam me fazendo de idiota esse tempo todo?


Abro a boca para responder, mas nada sai.

Porra.
Ele descobriu sobre Asher e Kimberly. E como Brandon imaginou,

não foi nada bem.


Não consigo responder nada. Embora saiba que Kyle não está
chateado comigo, o tom que usa para falar, me lembra ela e faz com que me
sinta em perigo. É como se minha mente apagasse a parte em que ele é meu
amigo e de forma alguma me faria mal intencionalmente e meu corpo recebe
como um alerta.
— É melhor deixar ela de fora disso, Kyle — Brandon avisa, o

empurrando para longe de mim. — Sabe que não vai querer se meter comigo.
Kyle parece suspirar, como se tentasse controlar a si mesmo.

— Desculpa, Mia — diz, a contragosto. — Eu... preciso sair... falo


com a Kim depois.

Antes que eu possa dizer que está tudo bem, ele volta a marchar em
direção a porta, fechando-a com um baque estrondoso que me faz estremecer.

Brandon vem em minha direção e abraça meu corpo, tirando-me do chão e


caminhando em direção ao sofá.

— Está tudo bem, carrapata? — ouço a voz de Hector. — Quer uma


água? Parece nervosa.

— Por favor — Brandon aceita por mim.


Meu melhor amigo se senta no sofá, me colocando em sua perna.

— Tudo bem? — pergunta.


— Foi só um susto.

— Desencadeou uma lembrança, Mia — ele diz, devagar. — Não foi


só um susto.
— Eu não sabia que vocês estavam brigando.
— Tudo bem, metade. Não é sua culpa, fui eu que te chamei aqui e o
Kyle vai pedir desculpas quando estiver mais calmo.
— Ele já pediu.
— Ele vai pedir de novo.

— Manda ele me comprar uma canetinha nova também?


Ele sorri com a minha brincadeira.

— Mando.
— Onde está a que me trouxe?

— Aqui.
Ele se inclina comigo em seu colo, para tirar a caneta do bolso. É

personalizada com o meu nome, tem o corpo roxo e uma tampa simples.
Abro-a, tirando a proteção da ponta e escrevo meu nome em seu braço,

apenas para ver a cor preta estampar sua pele.


— Ele nos fez esperar duas horas na fila da barraquinha — Hector

acusa, me entregando o copo com água.


— Nem parece que foi você quem deu a ideia.

— Eu te ajudo a conquistar a garota e não levo nem os créditos — o


grandalhão diz, balançando a cabeça em negação enquanto sai da sala.

Bebo o copo de água como se estivesse morrendo de sede.


Eu preciso contar para ele.
— O que acha de visitarmos aquela sorveteria que falei outro dia? —
ele diz, mudando de assunto.
Murcho um pouco, sentindo minhas expectativas serem frustradas.
Eu não contaria agora, obviamente, o clima ainda está pesado demais
para isso e acredito que depois desse chilique do Kyle, nem mesmo Brandon

tem clima para nada. Entretanto, minha insegurança faz com que eu pense
que ele não quer falar sobre nós. Não hoje, pelo menos.

Então, faço o que sei de melhor: empurro meus sentimentos para trás
do portão, enquanto o garotinho do outro lado da rua, apenas observa.

— Acho uma ótima ideia.


— Como foi o jogo? — pergunto, engolindo uma colherada de
sorvete.

— Bom — Brandon responde, fazendo o mesmo que eu. — Poderia


ter sido melhor, sabe?

Uno as sobrancelhas. Vi a postagem que Kyle fez minutos depois do


jogo com o placar favorável para os BP. Estavam todos felizes,
comemorando no bar do hotel.
— Por quê?
— Eu teria jogado muito melhor se meu amuleto estivesse comigo.
Reviro os olhos para ele e mostro a língua. Brandon ri.
— E o hotel?

— Uma merda. Hector ronca para caramba. Meu amuleto é mais


silencioso.

— E a viagem?

— Tão chata — ele faz um biquinho. — Queria que o meu amuleto


estivesse lá para dividir os fones com músicas ruins comigo.
Rio.

Talvez, esse seja o único ponto em que somos diferentes: nossos


gostos musicais. Brandon curte rock antigo, enquanto eu prefiro pop ou

qualquer música que eu possa cantar a plenos pulmões dentro do meu carro
como se estivesse em um videoclipe. As dele servem também.

— Estou achando que a idade está chegando mais cedo para você —
provoco. — Está até conseguindo te deixar mais chato e reclamão.

— Ei — chama, olhando para um ponto em específico em meu rosto


que não consigo identificar. — Tem algo aqui.

Ele está ao meu lado, então minha primeira reação é tatear meu rosto a
procura de alguma sujeira. Entretanto, não acho nada e quando estou prestes
a me virar, o gelado da sua colher encontra meu rosto, sujando minha
bochecha de sorvete.
Abro a boca, pasma e viro para ele devagar, com a expressão mais
assassina que consigo. Não acredito que fez isso.
— Acho que a velha é você, está até se sujando à toa.

— Eu vou te matar.
— Vai não.

— Vou — afirmo, segurando minha colher. — Vou sim.


Brandon ri tão alto enquanto segura meus pulsos para não o manchar

que acaba chamando a atenção de alguns dos poucos clientes do lugar, mas
eu não poderia me importar menos com isso.

— Não precisa ficar com raiva, eu vou fazer o favor de limpar para
você.

Dito isso, ele simplesmente se aproxima e limpa a pequena mancha de


sorvete... com a língua.

O movimento me deixa perplexa, me fazendo virar em sua direção e


quase colidindo com nossos rostos de tão próximos que estão.

Seus olhos encontram os meus e seu riso também se vai. Ficamos


apenas nós dois, um diante do outro, enquanto tentamos conter nossas

respirações, nunca sem desviar a atenção.


Sua respiração quente entra em contato com a minha pele e como se
fosse automático, meus olhos se fecham.
Pooooooooorra.
Puta que me pariu.
Eu acho que... acho que morri e estou no céu.
Essa sensação soa como o paraíso.

Ou melhor, como um precipício. Um que estou prestes a cair.


— Mia — sua voz não passa de um sussurro. — O que você diria se eu

dissesse que estou com medo de ir atrás de algo que quero muito?
Abro os olhos devagar, flagrando os seus ainda me observando.

Então, percebo.
Ele também está com medo.

Também está com medo de dar um passo à frente e acabar com a nossa
amizade. Ou talvez... talvez, para ele, seja apenas isso, desejo, algo que ele

quer muito.
— Eu diria que somos dois medrosos.

Brandon continua me olhando.


— Ainda bem que não estou nessa sozinho.

— Ainda bem que não.


Mas nenhum de nós dois toma qualquer atitude. Nenhum de nós dois

se inclina sobre outro.


Não sei Brandon, mas acabei de ficar com mais medo agora que sei
que também há nele a mesma vontade que há em mim me deixa... eufórica,
ansiosa.
Então deixo com que apenas fiquemos parados, enquanto nossos
sorvetes derretem e nenhum de nós dois dá voz ao mundo do lado de fora.
Porque estamos presos no turbilhão que nossos olhos carregam.

Porque estamos presos demais na ligação que nos une.


E porque ainda que saibamos que podemos ser perfeitos um para o

outro, temos receios.


E isso é assustador para caralho.

Um coçar de garganta interrompe o momento e tanto eu quanto ele,


nos recompomos, sentando normalmente e encarando a garçonete, que nos

olha com um sorriso simpático no rosto.


— Sinto muito, pombinhos, mas iremos fechar em cinco minutos.

Olho para o lado de fora, percebendo que está anoitecendo e que


passamos tempo demais aqui. Chegamos no início da tarde. Olho para a mesa

e percebo que ela está retirando os potinhos que estão cheios de sorvete
derretido.

— Vou pagar a conta e vamos embora.


Assinto para ele, que segue em direção ao caixa.

— Estão juntos há quanto tempo? — a garçonete pergunta.


— Somos apenas amigos.
Ela sorri para mim, como se me chamasse de boba.
— Oh, querida, aquele garoto olha para você como se fosse o centro
do mundo dele. Amigos não fazem isso.
Sorrio de volta para ela, meio sem jeito pela sua fala.
Levanto-me, indo até Bran que termina de pagar a conta.

Normalmente, eu brigaria para dividirmos, mas nem lembrei de pegar a


minha carteira quando saí de casa para vê-lo na fraternidade, então não

entramos em discussão dessa vez.


Caminhamos para o lado de fora e eu me surpreendo quando, devagar,

sua mão se junta a minha, quase como se fosse um movimento involuntário,


mas sei que não é. Tudo sobre Brandon é milimetricamente calculado.

Olho para o seu rosto, inexpressivo enquanto olha para os dois lados
da rua para atravessarmos.

Sua mão segura a minha com mais firmeza quando aceito o toque,
como se agora tivesse a desculpa perfeita para segurá-la e eu olho para o lado

oposto de onde ele está, sorrindo como uma boba.


Ainda estou com medo.

Ele ainda parece estar corroendo meu ser. Tenho medo de dar errado,
de ser uma escolha errada ou que isso cause um afastamento entre nós.

Mas, de alguma forma, saber que ele também sente o mesmo, me


conforta.
Porque no fim das contas, nós dois sempre estamos em sincronia.
Porque eu realmente tenho sentimentos por você
Eu ajo como se estivesse pouco me fodendo
Porque eu sou medroso pra caralho

Eu sou apenas um tolo por você


E talvez você seja boa demais pra mim
Eu sou apenas um tolo por você

Mas eu tô pouco me fodendo, de verdade


Idfc — Blackbear
DIAS DEPOIS

— Quer ir lá para fora? — pergunto para ela, deitada no canto da sua


cama. — Está chovendo.

— Não — resmunga, meio entristecida.


Suspiro, sabendo que desde o dia em que Kyle descobriu sobre Kim e
Asher, tudo desmoronou.
O babaca tem bebido bastante na última semana, como se descobrir
que a própria irmã e o melhor amigo estão juntos, encontrando a felicidade
um no outro, fosse a pior coisa que poderia acontecer com ele.
Por outro lado, temos eles dois. Kim não tem nem se esforçado para
parecer menos triste. Ontem, nem mesmo passou seu batom vermelho para ir
à faculdade, o que acendeu em Mia um sensor de que algo além do que

aconteceu na semana passada, tenha acontecido.


Asher tem feito o que pode para tentar animá-la, mas é óbvio que não

está dando certo, porque o que Kim quer e precisa no momento é do apoio do
irmão, que age como se ela não existisse.

O que resultou num afastamento entre todos nós desde o primeiro dia
da semana, quando nos reunimos para o intervalo das aulas no refeitório e
Kyle passou direto, sentando-se em uma mesa afastada e nem se dignando a

dar um olhar para nós. Kimberly não teve o mesmo sangue frio que o irmão e
se retirou da mesa, fazendo Asher ir junto.

Desde então, o que não estava bom, começou a piorar.


Mia tem estado triste com isso e eu odeio vê-la assim, embora entenda

que nenhum de nós dois pode fazer nada para mudar essa situação. Não diz
respeito a nenhum de nós e mesmo sabendo que Kyle deve ter suas razões —

pelo menos, eu espero que tenha — para agir dessa forma, não é justo que
esteja tratando-a desse jeito.
Sento-me na cama, acariciando seus fios loiros com cuidado. Ela ergue
os olhos que estavam atentos ao aparelho em suas mãos para mim e se move,
deitando a cabeça nas minhas pernas e as abraçando.
— Não gosto de te ver assim, minha metade.
— Não consigo evitar. Parece que voltamos a ser apenas nós dois.

Cutuco suas costelas, tentando animá-la ao me fazer de ofendido.


— Qual o problema em ser apenas nós dois, metade? Não sou mais o

suficiente para você e seus tênis surrados? — ela ri. — E por acaso, algum
deles fica te vendo desfilar por horas enquanto experimenta suas criações?

Algum deles sabe a diferença entre costura francesa ou inglesa, uh?


Ela sorri, se apoiando nos cotovelos para me encarar com suas

gigantes orbes claras.


— Não seja ciumento — reclama. — Não quis dizer que não é o

suficiente, apenas... apenas me acostumei com a presença de todos eles e


estarmos distantes dessa forma, me deixa triste. Vazia.

— Sei que sim — concordo, segurando uma mecha de seu cabelo. —


Essa situação toda é uma merda. Espero que Kyle caia em si logo e perceba o

mal que está causando.


Mia suspira, no entanto, antes que possa responder qualquer coisa,

meu celular toca e vejo o nome da minha mãe no visor. Não espero nem mais
um minuto para atender.
— Oi, bebê da mamãe! — ela cumprimenta, os cabelos espalhados no
travesseiro escuro e as bochechas coradas.
— Oi, mãe, como você está?
— Com saudades — diz, sorridente. — Quando você e Mia virão para
casa?

Já faz um tempo desde a última vez que se referiu apenas a mim em


alguma ligação ou encontro. Minha mãe não lida bem com a ideia de

estarmos sempre juntos, mas não namorarmos.


Ela e Marcus fazem um tipo de competição para ver qual dos dois

consegue ser o maior apoiador de algo que acontece apenas na cabeça deles.
E, bem, na minha.

— Ainda não sabemos, mas não deve demorar. Onde a senhora está?
Ela desvia os olhos de mim, para algo além do seu celular e morde o

lábio, nervosa.
— Em casa?

— Hum, sim, filho — responde, rápido. Muito rápido. — E acabei de


lembrar que preciso lavar algumas roupas. Te ligo mais tarde, pode ser? Um

beijo, bebê. Diz para a Mia que estou com saudades.


E desliga.

Ela desliga na minha cara.


— Ela está mentindo — Mia acusa. — Não está em casa coisa
nenhuma.
— Não está, não — defendo, mesmo sem saber. — É a minha mãe,
Mia. Jamais faria isso.
— Vou te mostrar — refuta, rolando para o lado e pegando seu celular
de volta para discar um número. — Oi, pai.

— Oi, princesa — responde do outro lado. — Aconteceu alguma


coisa?

— Nada não — ela diz, despretensiosa. — Está em casa? Deitado uma


hora dessas?

— A idade chega para todos, linda. Não é sempre que posso me dar
ao luxo de não precisar comparecer a um desfile interminável. Essa tarefa,

deixei para o meu sócio.


— Você adorava os meus desfiles.

— Estou morrendo de saudades dele.


— Então, está em casa mesmo?

— Sim, por que a pergunta?


Mia move um pouco o celular, ligado em uma videochamada, de modo

que tio Marcus não me veja do outro lado da tela, mas que eu consiga
observar com clareza de detalhes a fronha de travesseiro preta de bolinhas

brancas.
Idênticas àquelas que minha mãe estava deitada a minutos atrás.
Puta que pariu. Eu não sei reagir a isso.
— Nada não — responde a mentirosa. — Tem visto a tia Evy?
— Hum... — ele pensa um pouco, diferente da minha mãe, parece
realmente estar pensando numa desculpa. — Por que a pergunta?
— Sei lá, talvez vocês...

A chamada não continua, porque a porta do quarto é aberta


abruptamente por um Kyle visivelmente transtornado, que nos encara com

um pavor estampado no rosto que faz tanto eu quanto Mia nos levantarmos,
atentos.

— Ky, o que houve com você?


— Acabaram de me ligar do hospital — ele diz, lágrimas rolando pelo

seu rosto descontroladamente. — É a Kim. Ela perdeu o controle do carro e


sofreu um acidente.
Ela não sai do meu pé.
Eu queria ficar sozinho durante o primeiro dia de aula. E talvez,

durante o ano inteiro. Mas a loirinha chorona, que também é minha vizinha,
não sai do meu pé.
— Me espera, eu vou ao banheiro! — ela pede, me entregando a sua
mochila.
Essa é uma boa oportunidade para sair daqui e nunca mais me

aproximar da garota. Tagarela, ficou me seguindo durante todo o tempo que


conseguiu. Dividiu seu sanduíche e me obrigou a dar um pedaço da minha
torta. Eu deveria sair correndo daqui agora mesmo, mas... não consigo.

Não quero vê-la chorar de novo. Também não quero que ela fique

triste se eu a deixar sozinha. Mas também não quero que fique me seguindo e
falando sem parar. É chato. Ela parece um papagaio. Eu fiquei sabendo tudo

o que ela já aprendeu hoje na sua turma, que é um ano a menos que a minha.
A pior parte é que ela nem percebeu que eu fiquei calado e só falei

quando ela perguntou qual o meu nome.


Mia, como ela pediu para chamá-la depois que me ouviu dizer que ela

parecia uma carrapata, não demora a voltar, sacudindo as mãos e espirrando


água em mim enquanto as seca.

Ela começa a caminhar e eu vou atrás. Acho que estamos voltando


para casa, já que é só virar o quarteirão.
— … Aí o meu pai disse que você é novo na cidade e que eu deveria
ser sua amiga, porque é um bom garoto e se importa com os outros. Eu disse
para ele que você era um menino e eu uma menina, ele disse que também é
um menino e que bons meninos não fazem mal nenhum, então eu falei que
seria sim sua amiga. Eu não tenho amigos. Só você. Você é meu amigo

agora, não é?
Só me dou conta de que chegamos em frente a sua casa quando ela se

vira para mim e dá um sorriso tímido.


— Não sei se somos amigos.

A garotinha murcha e eu me sinto mal.


— Quer brincar comigo?

— De quê?
— De verdade ou desafio.

— Não sei, não.


— Escolhe um — manda. — Verdade ou desafio?

— Desafio — ergo o queixo, sem me dar conta de que o plano era não
ser amigo dela. — Sempre desafio.

— Eu te desafio a ser meu melhor amigo para sempre.


Ela estende a mão para a frente.

Penso um pouco, sabendo que ela está só me chantageando. Para


sempre é muito tempo. Mas não vou deixá-la ganhar dessa.
Ela vai se arrepender de ser minha amiga porque não vou fazer nada
por ela. Não sei como vou fazer porque ela faz essa carinha de cachorro que
caiu da mudança e eu fico querendo morder ela.
Então, também estendo a mão para a frente e seguro a sua, balançando
para cima e para baixo.

— Desafio aceito.
Mia se aproxima de mim e como se nos conhecêssemos há muito

tempo, me abraça bem forte. Forte demais para uma garotinha do tamanho
dela.

Fico sem reação por alguns segundos, mas também a abraço, tocando
seus cabelos loiros e longos.

Ela nem parece a menina que estava chorando na semana passada.


— Obrigada por segurar minha mochila, Bran.

Bran? Que apelido é esse? E de que mochila ela está falando?


Ah, sim.

Só me dou conta de que estava segurando sua mochila desde quando


ela disse que iria no banheiro e me deixou do lado de fora, parecendo um

guarda daqueles filmes de princesa. Ou um cachorro treinado.


Que droga.

Entrego a mochila rosa e cheia de brilho para ela, que se vira e abre o
portão da sua casa e volta a me olhar. Ela parece triste quando toca o portão
então, resolvo dizer alguma coisa.
— Você é muito tagarela, carrapata. Mas eu não desgostei de você.
— O que é tagalera? Uma menina da minha sala me chamou assim
uma vez, mas ela não era minha amiga. É um xingamento? Você não gostou
de mim?

— É tagarela — corrijo. — E eu gostei.


— Acho bom mesmo — resmunga, com um biquinho. — Não te

deixei sozinho e dividi o meu sanduíche. Era o meu favorito. Tudo bem que
foi o meu pai que mandou, porque a gente precisa devolver uma boa ação

com uma boa ação e você também me deu um pedaço de torta.


— Você roubou um pedaço da minha torta.

Sua testa franze e seu nariz fica empinado.


— Não roubei, não. Eu perguntei se podia pegar um pedaço.

— E comeu metade dela com duas mordidas. Roubou.


Ela sorri, nervosa.

— Estava com fome — se defende. — Prometo que da próxima, te


dou um pouco de suco também.

— Da próxima vez não vou deixar você morder a minha torta.


— Vai sim.

— Não.
— Acabou de aceitar o desafio de ser o meu melhor amigo — Mia me
lembra. — Você vai fazer o que eu quiser.
— Não é assim que as amizades funcionam.
— E como é então? — a carrapata cruza os braços. — Nunca teve
amigos.
— Você também não.

— Sim — concorda, meio triste. — Mas sei que devem dividir o


lanche.

— Também devem conversar antes de comer a torta do outro, como se


fosse morta de fome.

— Eu não sou morta de fome!


— Não foi o que pareceu.

Mia cruza os braços e bate os pezinhos no chão antes de me dar as


costas e começar a andar para dentro de casa.

— Ei, Mia, para onde vai?


— Para casa, não está vendo? — grita com raiva. — Cansei de ser sua

melhor amiga, você é chato. Não vou mais andar com você.
— Não é assim que funciona. Eu aceitei o desafio e vou cumprir.

— Tchau! — grita, brava, batendo a porta.


Fico encarando o nada por alguns minutos, tentando entender como

pode uma menina tão pequena ter tanta fome e tanta raiva. Acho que gostei
dela. Mas vou ter que pedir para a mamãe colocar mais um pedaço de torta na
minha lancheira, porque não gostei de ter comido só um pedacinho.
— Ei, por que está do outro lado da rua? — minha mãe pergunta,
saindo de casa. — Se perdeu, neném?
— Não, mamãe — respondo, olhando para os dois lados da rua que
quase não passa carros a essa hora sob seus olhos atentos. — Uma

maluquinha grudou em mim na escola, me desafiou a ser melhor amigo dela


e ainda comeu metade da minha torta.

— EU TE DEI METADE DO MEU SANDUÍCHE! — me assusto com


o grito que vem detrás de mim e viro, vendo-a na janela, ainda parecendo

brava.
— Deixa de ser fofoqueira, carrapata.

— NÃO SOU CARRAPATA E TAMBÉM NÃO SOU SUA AMIGA.


— É O QUE VAMOS VER.

Mamãe ri, acenando para a garotinha que acena de volta enquanto


parece ter virado um anjo de bochechas avermelhadas. Mia logo fecha as

janelas e sai da nossa vista.


— Eu gostei dela — diz.

— Minha cabeça está doendo — reclamo. — Ela é muito tagarela, não


me deixou quieto nem um minuto.

Evy ri de novo das minhas reclamações e me deixa comer mais um


pedaço de torta de maracujá, dizendo que vai colocar mais um pedaço no
meu pote, no dia seguinte, enquanto desejo que amanhã ela esteja menos
falante.
No entanto, à noite, quando me deito na cama e sou engolido pelo
silêncio do meu quarto, sinto uma estranha vontade de ouvi-la falar sem
parar.

Eu acho que agora sou melhor amigo de uma menina meio maluca.
Acalme-se, tudo vai ficar claro
Não preste atenção aos demônios
Eles enchem você de medo
O problema pode arrastá-lo para baixo

Se você se perder, você sempre pode ser encontrado


Apenas saiba que você não está sozinho
Porque eu vou fazer deste lugar o seu lar

Home — Phillip Phillips


— O que estão fazendo aqui? — Kimberly pergunta, quando

invadimos seu quarto.


— Sendo seus babás — Brandon responde.

— De novo?
— Está achando ruim? — ele resmunga. — Eu dei comida na sua boca

ontem, não negue que se aproveitou da minha bondade para fazer as suas
vontades.

Rio baixinho, sem querer chamar atenção dos dois pela implicância
boba.
A verdade, é que desde o acidente de Kim, há um mês, todos nós
temos nos revezado para cuidar dela, que está de repouso e não pode fazer
tanto esforço assim. Porém, ela é teimosa e a única coisa que conseguimos
realmente ajudá-la, é no banho, o resto ela sempre dá um jeito de fazer
sozinha, exceto quando quer encher a paciência de alguém, como ontem.

Kim fez drama, quase chorou, dizendo que estava com preguiça até de
levantar os braços. O pateta do meu melhor amigo levou ao pé da letra e deu

até comida na boca dela, com direito a mãozinha no queixo para não sujar e
tudo.

Não disse?
Um príncipe.

Ela enruga o nariz e gira o pescoço em minha direção.


— Como você consegue aguentar ele?

Dou de ombros, escolhendo não me meter nessa intriga.


— Eu é quem deveria perguntar isso — ele resmunga. — Você chegou

agora e já acha que a Mia é só sua, não é justo.


— Para de ser ciumento. Teve ela durante a vida toda, não custa

dividir agora.
— Custa muito — ele diz, sentando-se ao pé da cama e colocando o pé

quebrado dela em cima do seu colo. Me jogo ao lado dela. — Você já tem o
Asher.
— Não vamos fazer essa comparação — ela rebate. — Asher é meu
namorado, ela é a minha melhor amiga.
— Primeiro, a melhor amiga é minha, depois, o Asher já sabe disso?
— Ele já deve ter percebido — responde como se estivesse óbvio para
todos. — Olhe para mim, ele já está apaixonado.

Brandon balança a cabeça e eu rio.


— Quem diz que homens têm autoestima alta, nunca te conheceu.

— Pelo menos não fico perdendo o meu tempo enrolando — ela diz,
digitando em seu celular. — Acho uma atitude meio covarde.

Kim: Beijou?
Lanço uma olhada de canto para ela, que parece focada em seu celular,

sem dar sinal nenhum de que está, na verdade, disfarçando para falar comigo.
Brandon não parece perceber nada, entretido enquanto checa se o gesso

continua no lugar. Não dá para confiar na Kim, a garota não consegue ficar
parada e é realmente um milagre que não tenha inventado de tentar andar

mesmo com dor.


Acho que, no fim das contas, a ideia de Brandon deu certo. Ele disse

para ela que quanto mais rápido ela melhorar, mais rápido poderá voltar aos
seus saltos e desde então, ela tem se esforçado para se recuperar mais rápido,
embora, ainda mantenha resistência em muitas coisas.

Eu: Quase.
Eu: Nem preciso perguntar sobre você, não é?

Kim: Em minha defesa...

— Pode pedir para ele fazer uma massagem no meu pé? — ela
pergunta para mim, ainda segurando o celular como se estivesse apenas nós

duas no cômodo. — Está doendo.


Nós dois olhamos para ela, preocupados. Kim apenas levanta os

ombros, uma expressão de culpa estampando seu rosto. Não entendo essa
resistência em pedir ajuda, somos seus amigos e estamos aqui justamente

para isso, eu me sentiria mal sabendo que está com dor e que não podemos
fazer nada para ajudar.

— Só um pouquinho — se defende e ergue um pouco o pé quando


Brandon mexe no gesso. Kim solta um pequeno gemido de apreciação e

depois diz: — Deveria largar a economia para se dedicar à carreira de


massagista.

Eu: Estou esperando.

Kim: Certo, não tenho uma defesa.

Eu: Quebraram mesmo a cama do Ky?

— Quando vai tirar o gesso? — Brandon pergunta, concentrado no que


está fazendo, sem perceber que nós duas estamos conversando por

mensagens.

Kim: Sim.
Me disseram que você e o B sumiram...
— Acho que em uma ou duas semanas — responde enquanto digita.

Eu: É. As coisas estão um pouco confusas para mim.

— E a fisioterapia?

Kim: Por quê? Ele sempre pareceu interessado por você.

— Ah... o que? — ela pergunta, se fingindo de inocente enquanto


levanta os olhos do celular. — Fisioterapia, sim, isso, exatamente. Para
começar, é só um pé quebrado, não faço ideia de nada disso. A minha mãe
está resolvendo.
Me pergunto como Kyle não percebeu antes o quanto ela e Asher
estavam... próximos. Estava bem claro, principalmente, porque ela é uma

péssima mentirosa e não sabe esconder nada, de absolutamente ninguém.

Eu: Dançamos. Ele fez mais uma pergunta estranha. Eu respondi ainda
mais estranha. Ficamos muito estranhos. No outro dia fomos a uma

sorveteria. Ele lambeu o meu rosto. Quase nos beijamos. Eu disse que sairia
com o Milo.

Eu: Eu acho que só.


Eu: Cancelei o encontro. Não tive coragem de ir.

Kim: Eu acho que você deveria tomar uma atitude e fazer algo.

Está claro para mim que ele só precisa de um empurrão.

Eu: O problema é que eu não sei como fazer isso.

Kim: Ah, eu sei! Vou dar um jeito nisso em breve.

— Por que estão conversando por mensagens? — Bran pergunta,


semicerrando os olhos ao olhar para nós duas, com seus respectivos celulares
em mãos.
Olhamos uma para a outra e depois, de volta para ele, dizendo juntas:
— Nada.

— Nem sei por que ainda pergunto — resmunga, voltando a


massagear o pé machucado de Kim. — Vocês sempre me deixam de fora

mesmo. Nunca sou prioridade.


— Como você o suporta? — Kim pergunta-me novamente, o

provocando. — É sério, ele é muito dramático.


— Não pude evitar — suspiro. — Ele foi muito insistente ao me

oferecer um pedaço de torta de maracujá.


— Um pedaço de torta não vale tudo isso.

Vale, Kim.
Vale, sim.

Um pedaço de torta roubado, me trouxe a coisa mais valiosa que eu


poderia ter na minha vida.

— Primeiro, que é pecado falar assim da torta da minha mãe, nunca a


experimentou para saber se vale ou não a pena. E segundo, eu nunca ofereci

nenhum pedaço de torta. Você — aponta para mim. — roubou!


— Não é verdade — coloco a mão no peito, me fazendo de ofendida.
— Eu te ofereci meu sanduíche e você aceitou, achei que fosse um sinal para
aceitar um pedaço de torta. Não pode sair por aí me acusando.
— Podia ter tirado só um pedaço mesmo.
— Eu tirei um pedaço.
— Você engoliu metade dela com duas mordidas.

— Falando assim, parece que eu era uma morta de fome.


Assim que as palavras saem da minha boca, um sorriso involuntário se

forma nos nossos lábios em sincronia. Foi exatamente o que ele me disse
quando paramos em frente ao portão de casa, na semana em que nos

conhecemos e eu o desafiei para ser meu melhor amigo.


— Foi o que eu disse! — ele diz, animado, como se também tivesse

sido teletransportado para o passado.


— Eu sei.

É como se estivéssemos de volta aquele dia e a lembrança me causa


uma nostalgia tão grande, que quase posso ver ele, aos oito anos, fazendo de

tudo para se livrar de mim, sendo que eu o mandei me esperar e não deixei o
pobrezinho respirar por um minuto, todas as vezes em que o via passar em

frente à minha sala.


No entanto, um fungar nos tira da nossa bolha e encaramos nossa

amiga, que está com a mão em frente a boca, tentando se conter enquanto
algumas lágrimas rolam de seu rosto.
— Desculpem, não queria interromper o momento — ela pede,
chorando um pouco mais. — É que vocês são tão fofos que me dá vontade...
— ela gorgoleja. — Me dá muita vontade de chorar. É tão lindo e eu amo
tanto vocês.
Eu sorrio, achando a situação um tanto estranha, mas a abraço de lado,

fazendo com que enfie seu rosto em meu pescoço, encharcando-me.


— Isso foi muito meloso da sua parte — Bran provoca, mas está

sorrindo enquanto divide a atenção entre nós duas. — Não sei como o Ash te
suporta.

Ela apenas ergue o dedo do meio para ele e depois me aperta um


pouco mais, me fazendo rir e Brandon a cutuca.

— Já pode soltá-la — diz. — Não estou gostando.


— O problema é seu — ela resmunga. — Eu, pelo menos, deixaria ela

comer a torta inteira.


Ele revira os olhos e me encara, prendendo sua atenção em mim

enquanto sorri, como se estivesse relembrando todos os detalhes de tudo o


que nos trouxe até aqui.

Embora tenhamos nos conhecido de uma forma dolorosa para mim, se


eu tivesse que vivenciar aquela situação novamente, jamais dispensaria sua

presença. Brandon é uma parte da minha história que eu gostaria de viver em


todas as vidas, caso existam.
Eu faria tudo de novo, sendo sincera. O perseguiria dentro do colégio,
roubaria sua torta e o faria segurar minha mochila para ir ao banheiro, como
garantia de que não me deixaria voltar para casa sozinha.
Porque ele é o meu acaso preferido. E penso que, se o destino existe
mesmo e Brandon nunca tivesse atravessado a rua para me consolar,

daríamos um jeito de nos encontrar em qualquer ocasião. Não importa


quando ou onde, sei que nós dois sempre estivemos destinados.
Você me tem na palma da mão
Estou mergulhando de cabeça
Esperando poder te amar tão imprudentemente
Isso me atingiu como uma onda, estou apaixonado

Você me hipnotizou, encantado


Enrolado em seu dedo até as luzes se apagarem
Você me tem na palma da mão

Você me tem
Head First — Christian French
De alguma forma, ter as coisas se ajustando, finalmente, parece estar

animando Mia a ponto de aceitar a ideia de Hector e Kyle em darmos uma


festa em casa.

Talvez, tenha sido uma má ideia.


Não.
Talvez, não.
Foi uma má ideia.
É uma má ideia porque tem a porra de um cara ao meu lado olhando
para a mesma garota que eu, que conversa entretida com outra.
— Então, sei que você e Mia são melhores amigos — ele começa.
Seu nome é Milo e já encarei seu rosto vezes o suficiente para odiar o
cara. Ele é um dos jogadores reservas do time, o único que foi corajoso o

suficiente para pedir um encontro com ela, que acabou sendo cancelado pela
minha metade depois de toda aquela situação com Kyle e o acidente de Kim.

No entanto, ao que parece, ele não recuou como achei que faria e a
convidou mais uma vez. E, para a minha morte lenta, Mia aceitou.

Como se esse já não fosse um problema grande o suficiente, o idiota


colou em mim desde que Mia se afastou e está há meia hora tentando puxar
assunto, enquanto eu dou as respostas mais rasas possíveis, na esperança que

perceba o incômodo e saia de perto de mim.


Em uma situação diferente, eu não teria nada contra ele, mas estamos

falando da Mia, então ele acaba entrando para a minha lista de pessoas-não-
agradáveis.

— Uhum — concordo com o que diz, ainda sem tirar os olhos dela,
que parece empolgada com a nova amiga.

Mia caprichou ainda mais hoje. Não há sequer uma pessoa nessa festa
que não tenha notado sua beleza. Ela veste um vestido azul brilhante que
termina no meio das suas coxas, a alcinha é formada por uma corrente
dourada e ela calça, como sempre, um All Star preto. Não há nada demais no
look, mas é a Mia, ela não precisa de mais para chamar a atenção.
Não a minha, pelo menos.
— Estava pensando que você podia me ajudar a conquistá-la no nosso

encontro.
Estou prestes a dizer que não posso ajudá-lo, quando uma ideia me

ocorre. Em minha defesa, ele quem pediu por isso.


— Mia ama comida árabe — respondo, olhando para o garoto com um

sorriso que está quase rasgando meus lábios, mas o desfaço logo depois,
forçando uma expressão de pesar. — Ela também não entende muito de

basquete. Uma pena, não é?


Milo assente.

— Posso ajudá-la nisso — diz, todo cheio de si. — Não se preocupe.


Respiro fundo para não cair na gargalhada. Acho que estou começando

a gostar dessa ideia de encontro entre os dois.

— É por isso que a odeio — Kyle diz, ocupando o espaço que há


poucos segundos, meu novo amigo, Milo, estava.
Adorei o cara. Ele, com certeza, vai ser uma enorme ajuda para mim.
— De quem está falando?
Kyle ergue as sobrancelhas, como se soubesse o que estou fazendo.
Nem sei de onde ele surgiu. Não o vi desde o início da festa, mas
levando em conta que desde o acidente isso é tudo o que ele faz, não me

surpreende em nada.
A verdade é que eu sempre soube que Kyle surtaria com a notícia de

que Asher e Kimberly estão juntos. Ele sempre a colocou num pedestal que

nunca lhe pertenceu e isso está gerando frustrações, o que não é justo com
nenhum dos lados, pois além de ser mais velha e adulta, Kim tem desejos
tanto quanto qualquer um de nós e não precisa de ninguém opinando no que

deve ou não fazer.


Não faço ideia de como as coisas ficarão de agora em diante entre nós

cinco, já que Kyle não está falando com os outros dois e Mia e eu nos
sentimos em um cabo de guerra, sem saber de qual lado ficar, visto que

mesmo sabendo que Kyle está errado, o compreendemos e não podemos


deixar nenhum dos três.

— Não se faça de idiota — diz, virando a cerveja, mesmo que não


esteja olhando para ele, sei que seus olhos estão no mesmo lugar que os

meus. — Sei o que está pensando. Ela está só provocando.


Ky se refere à cena à nossa frente, onde Mia está dançando com a
mesma garota que conversava há minutos atrás. O problema, é que a garota
parece muito interessada na minha garota e isso não pode, em hipótese
alguma acontecer, porque sei bem quem ela é. É a mesma que brigou com
Kyle no meio de outra festa há alguns meses atrás. E Kyle geralmente se dá
bem com todo mundo, se isso não acontece com essa garota, boa coisa ela

não é.
— A Mia não...

— Não estou falando da Mia — ele diz, parecendo enojado. — Estou


falando da Diaba.

— Tenho quase certeza de que esse não é o nome dela.


— É claro que não. Se chama Diana. Porém dá no mesmo, se parar

para pensar que os dois são capazes da mesma coisa.


— De onde a conhece?

Ele toma um longo gole de cerveja, me enrolando.


— Não te interessa.

— Está difícil de te entender.


Kyle suspira, parecendo mais triste agora e sabendo que não estou me

referindo apenas ao agora.


— Eu sei.

Nos mantemos calados, ainda olhando para as duas há alguns metros


de nós concentrados.
Não sei bem o momento em que Mia e ela começaram a dançar juntas.
Eu neguei o convite da minha metade, quando me chamou para dançar,
porque não estou muito animado em estar aqui, porém, prometi que não
tiraria os olhos dela enquanto o fizesse.
Me virei apenas para pegar minha bebida, quando Milo finalmente me

deixou em paz e quando voltei a atenção para ela, já tinha essa garota colada
ao seu corpo, as duas embalando na dança na mesma sincronia da música.

Observo quando a mão de Diana segura a cintura de Mia e ela olha


para nossa direção, no entanto, não parece me notar as observando, pois seus

olhos vão para Kyle e um sorriso perverso toma conta de seus lábios antes de
induzir Mia a acompanhá-la até o chão.

E é assim, que meu peito quase salta pela boca.


Mia está com um vestido curto colado ao corpo, porra, e à medida que

se move, tenho certeza de que não há um par de olhos nessa festa que não
acompanhe seu movimento.

Quando seu tronco se curva levemente para frente, balançando os


quadris devagar de um lado para o outro, de uma forma sensual o suficiente

para fazer minha calça apertar, seus olhos encontram os meus.


E eu paraliso.

Porque, de repente, somos só nós dois nessa sala lotada, enquanto ela
dança para mim. Olhando nos meus olhos.
O delineado em seus olhos os fazem parecerem ainda mais sexys do
que já são por natureza. A verdade é que não há um átomo meu que não ache
cada pedacinho dela a coisa mais esplêndida e gostosa que já pisou na Terra.
Mia é a porra do meu castigo.
O acaso me presenteou com a mais diabólica das mulheres. Não há

como negar isso, pois embora pareça um anjo, sua atenção em mim me causa
a mais pecaminosa das intenções.

Eu acho que não é certo querer tanto profanar alguém assim.


Mas eu quero.

Porra, como quero.


Minha vontade é tirá-la daqui agora mesmo e sair para qualquer lugar

onde ninguém possa ver o quão louco sou para tê-la em meus braços, com o
corpo suado grudado ao meu e nossos lábios unidos até implorarem por ar.

Porra. Eu não deveria pensar nessas coisas.


Ela é minha melhor amiga.

— Vai acabar babando.


Dou uma cotovelada em Kyle, que geme.

— Não finja que não está fazendo o mesmo.


— Pela Mia? — provoca. — Oh, sim. Muito gostosa.

— Se eu fosse você, aprenderia a fechar a boca. Não quero ser


obrigado a quebrá-la.
— Pare de insinuar que estou babando na Diaba e eu paro.
— É o que parece.
— Prefiro beber cianeto puro.
— Faria um favor a humanidade — uma voz melodiosa e levemente
alcoolizada diz. — Não faz ideia do quanto eu agradeceria por não ser

obrigada a ver seu rostinho bonito todos os dias.


Só então noto que as duas estão à nossa frente e reparo na garota.

Diana veste um vestido amarelo, que realça a cor da sua pele negra,
enquanto os cabelos cacheados estão soltos. Ela é linda e mesmo com o que

tenha acabado de dizer ao Kyle, não entendo de onde o ódio de um pelo outro
nasceu.

Acho que perdi esse capítulo.


— Pelo menos tem a decência de admitir que sou bonito — ele

provoca de volta, parecendo tenso com a presença dela.


— Não sou cega, embora tenha andado assim por um tempo.

— Engraçado — Kyle ri. — Poderia dizer o mesmo. Estava tão cego


que deixei uma cobra me tentar. Isso te lembra algo, querida?

Os olhos dela se nublam, como se fosse capaz de esganá-lo a qualquer


momento.

— Me parece familiar — ela concorda, balançando a cabeça. —


Felizmente a cobra entendeu quais batalhas merecem seu tempo.
Kyle tomba a cabeça para o lado e tanto eu, quanto Mia, que está a
minha frente, não tiramos os olhos deles.
— De qualquer forma, vou indo nessa, alguns ambientes exalam vibe
ruim — a garota diz, virando-se para Mia e abrindo um sorriso enorme de tão
doce, nem parece a mesma de segundos atrás. — Nos vemos qualquer dia

desses, Mia.
Com isso, ela se vira, jogando os cabelos cacheados para trás, olhando

nos olhos dele antes de começar a caminhar para longe.


— A festa está começando a perder graça — Ky diz, antes de sair de

perto de nós.
— Quem é ela? — pergunto.

Analiso sua postura, enquanto coloco a garrafa vazia no balcão, me


virando para ela. Mia se aproxima, seus pés, se apoiam no apoio da banqueta,

enlaçando meu pescoço, fazendo com que seu rosto fique bem próximo ao
meu.

Próximo ao ponto de me deixar quase hipnotizado pela sua boca.


— Uma amiga.

— Ela parecia bastante interessada em você.


Mia sorri, deixando um ar risonho escapar ao passo que levo minhas

mãos à sua cintura, apertando com delicadeza ao sentir o tecido macio.


— Mas eu não tenho nenhum interesse nela.
— Hum... — é o que sai dos meus lábios. — Alguém em vista?
— Com certeza em vista.
Porra.
— Brandon?
— Hum.

— Você está muito lindo hoje.


— Mia?

— Hum?
— Você está muito perto.

— Eu sei.
— E eu quero te beijar.

É isso. Deixo com que as palavras tomem forma, saindo da minha


boca com uma naturalidade que nem mesmo parece chocá-la, já que

lentamente seus lábios pintados de um rosa discreto se abrem num sorriso


radiante, ao passo que meu coração palpita tão rápido quanto nunca antes.

— Talvez eu também queira.


É hoje.

Hoje eu beijo essa mulher.


Hoje eu mato a minha curiosidade sobre o sabor dos seus lábios.

— Brandon? — ouço alguém gritar, mas estou focado demais


encarando ela para sequer pensar em dar atenção a outra pessoa. — Brandon!
Para o meu desespero, Mia move o rosto na direção da pessoa, tirando
os olhos dos meus. Eu não consigo fazer o mesmo e mantenho meus olhos
onde estão, enquanto ela se comunica com o filho da puta que nos atrapalhou.
É melhor eu nem saber quem é.
Estou com tanta raiva que poderia quebrar esse ser dos infernos na

porrada.
— Vocês não vêm? — pergunta a pessoa que não faço ideia de quem

seja. Mia assente e parece ter uma rápida conversa com ele. — Estamos na
sala de estar.

Ela se vira novamente para mim e vejo sua boca se mexer, então me
esforço para entender, mas minha cabeça não processa suas palavras.

— ... vamos?
Para onde? Para o andar de cima? Para um lugar onde ninguém

possa nos ver?


— Claro.

Já me viu negar alguma coisa a você, minha metade?


Mia sorri e desce do apoio, segurando na minha mão, fazendo-me

levantar, e me guia até a sala e quando chegamos, quase a faço voltar.


E o meu beijo?

Porra! E o nosso beijo?


Ela vai deixar para lá o que pode ser o beijo das nossas vidas para ficar
com um monte de estranhos? Porque eu concordei com isso, Deus? Porque
não consigo negar nada para ela?
Quando adentramos a sala de estar, parece que a festa inteira deu um
jeito de se enfiar no cômodo, porque quase não há lugar vago. Só percebo o
que estamos fazendo aqui quando noto a garrafa vazia em cima da mesinha

de centro.
Entretanto, antes mesmo que eu possa dizer que é melhor irmos

embora daqui, porque prefiro muito mais morrer de tédio ao vê-la ser
desafiada a… sei lá, mostrar os peitos para esse bando de idiotas, Mia solta

minha mão e se senta entre Hector e outro outro cara do time, em um dos
poucos espaços vagos.

E simples assim, sei que só sairemos daqui depois de, pelo menos,
uma rodada. Mia é fissurada em qualquer tipo de brincadeira que envolva

correr riscos. Acho que ela tem algum fetiche na adrenalina.


Me dou por vencido e faço o mesmo, sentando-me ao lado do Kyle,

que solta um riso nasalado.


— O que foi?

— Você está fodido.


Eu sei.

Eu sei, porra, como sei.


Porque a cada vez que a garrafa gira, uma gota de suor escorre pela
minha lombar. A antecipação pelo que pode acontecer devido aos desafios ao
meu redor e o medo de algum idiota pedir para que tire a roupa ou qualquer
coisa que a ridicularize.
Entretanto, em algum momento desde que saí do meu quarto, o acaso
resolve trabalhar a meu favor. Quando chega a minha vez de girar a garrafa,

estou nervoso demais para pensar em qualquer coisa, porque minha cabeça só
consegue pensar em Mia. E repetir seu nome sem parar como uma prece.

A garrafa gira.
Gira.

Gira.
Gira.

E para.
Apontando diretamente para ela.

Porra, só pode ser um sinal.


— Verdade ou desafio? — as palavras saem da minha boca sem

dificuldade alguma, um sorriso ameaçando surgir por já saber sua resposta.


— Desafio — ela responde, erguendo o queixo. — Sempre desafio.

— Eu te desafio — começo, vendo seus olhos brilharem em


expectativa. — A me beijar.

Ela disse que também queria me beijar, não disse? Estou dando a
oportunidade de uma forma que sei que gosta, na adrenalina de ser desafiada.
Estou dando a oportunidade a ela de me beijar enquanto brincamos.
Um coro de vozes ecoa ao nosso redor, todos atentos para saber sua
atitude. Todos duvidando que ela realmente faça isso. Mas é da Mia que
estamos falando. Ela pode ser tímida, mas nada disso seria o suficiente para
fazê-la recuar.

Mia nunca recusa um desafio.


É por isso que ela não demonstra nenhum desconforto ao levantar e

caminhar até mim, do outro lado. Sei que leva apenas alguns segundos, mas a
ansiedade faz parecer como se fossem horas.

Mia para a minha frente. Tenho quase certeza de que as pessoas ao


nosso redor que estão assistindo, falam ou gritam alguma coisa, mas minha

cabeça só consegue pensar na porra da mulher mais linda que já vi na vida,


parada na minha frente, cravando os joelhos no sofá, as mãos apoiadas nos

meus ombros e os olhos inflamados de desejo nos meus.


Minhas mãos correm por sua coxa, enquanto ela se aproxima o

suficiente para sentir sua respiração se misturar a minha enquanto meu


coração martela no peito, com força o suficiente para quase senti-lo sair do

peito.
— Você é maluco.

Meu sorriso cresce enquanto meus olhos descem para a sua boca.
— Por você — sopro. — Sempre por você.
Não tenho tempo para pensar. No segundo seguinte, sua boca se choca
a minha. E caralho, é o paraíso.
Suas mãos se enroscam na minha nuca, uma delas subindo pelo meu
cabelo enquanto seus lábios dominam os meus com calma. Eu sinto que,
poderia morrer nesse exato momento e estaria eternamente feliz.

Minhas mãos sobem por sua coxa, segurando a barra do seu vestido
para baixo. Não quero ninguém de olho na bunda da minha garota, ela foi

feita apenas para a minha apreciação.


Posso sentir o gemido de Mia em minha boca quando mordo seu lábio

inferior, o que a faz aumentar o ritmo do beijo, dificultando muito as coisas


para mim. Porra, qualquer um que me ver saindo dessa festa irá conseguir

notar o volume em minhas calças.


Maldita Mia.

Meus dedos se apertam com ainda mais força em sua coxa e sinto
quando sorri em minha boca. Terminando de me foder. É demais para mim.

— Os quartos são no corredor de cima.


Sua boca se separa da minha, assustada quando ouvimos alguém dizer.

Parece que todos estavam prestando atenção no nosso beijo. Foda-se.


Acabaram de presenciar o melhor momento da nossa amizade: a linha

invisível que havia nela sendo ultrapassada.


E eu não poderia me importar menos.
Até porque a única coisa que me interessa está praticamente em cima
de mim, com os lábios avermelhados porque eu causei isso. Eu sou o motivo
pelo qual ela está sem fôlego agora e a partir de hoje, serei o único a ter esse
poder.
Como se não fosse nada demais, o jogo continua. Entretanto, eu

conheço Mia, sei que não vai querer sair no meio do jogo, apenas para não
chamar atenção.

Então, seguro sua cintura e a ajudo a se virar para se sentar no meu


colo. Obviamente, calculo mal o movimento e ela acaba sentada bem em

cima de algo bem… duro.


— Confortável? — pergunto em seu ouvido quando apoia-se nas

minhas coxas e move a bunda, me fazendo prender um gemido na garganta.


— Não imagina o quanto.

Minha mão se apoia em sua cintura apertando com força e ela dá


apenas uma risadinha, se inclinando para a frente para encher o copo com

bebida. É quando ouço a voz de Kyle ao meu lado:


— Não diga que não avisei.
Seu corpo está bonito esta noite
Estou pensando que deveríamos cruzar a linha
Vamos arruinar a amizade, vamos arruinar a amizade
Fazer todas as coisas em nossas mentes

O que está nos atrasando tanto?


Vamos arruinar a amizade, vamos arruinar a amizade
Ruin The Friendship — Demi Lovato

Quando conheci Brandon Díaz, eu estava sozinha.


Não me refiro ao momento em que minha mãe me deixou, mas a todos

os momentos que antecederam a esse.


Eu me sentia sozinha quando meu pai saía para trabalhar, quando

chegava da escola, quando ia a escola. Me sentia sozinha até quando havia


muita gente ao meu redor.

Então, ele chegou.


No início, não parecia nada amigável. E confesso que talvez, só

sejamos amigos hoje porque quando bati os olhos nele, soube que precisaria
ser insistente.
Foi o que eu fiz.
E desde então, ganhei um companheiro.
Brandon esteve lá em todos os momentos.
Ele sempre me escolhia primeiro quando nossas turmas se juntavam na
quadra da escola, nunca me deixava sozinha na hora do intervalo e sempre

levava um pedaço de torta a mais para dividir comigo.


Brandon amarrou seu casaco na minha cintura quando a minha

primeira menstruação desceu e estávamos na rua. Ele foi o cara que estava
comigo quando experimentei cerveja pela primeira vez e também foi ele que

segurou o meu cabelo enquanto eu colocava tudo para fora depois. Foi a sua
mão que segurou a minha em todos os meus aniversários, em que queria

chorar por lembrar dela, e também dançou valsa comigo aos dezesseis, em
uma festa chique que roubamos muitos docinhos e levamos o maior esporro

da tia Evy depois, porque escondemos alguns em nossas roupas e deu


formiga.

Foi ele que assumiu a culpa por mim quando arremessei a bola errado
e acabei quebrando a janela de uma das nossas vizinhas. Ele era o cara que

apertava as campainhas alheias e me puxava para sair correndo.


De alguma forma, ele sempre está em alguma lembrança.

É como se minha galeria de memórias tivesse apenas duas pastas:


antes dele e depois dele.
Antes da GrantDíaz ser fundada, meu pai trabalhava como diretor em
uma empresa de engenharia, profissão na qual ele é formado. Isso significava
que ele passava bastante tempo trabalhando, enquanto eu ficava com a minha
mãe.
Com a ida repentina dela, Marcus não sabia o que fazer e acabou

deixando um pouco o próprio trabalho de lado por mim, já que começou a


trabalhar de casa e isso acabou o atrasando muito. Embora minha intenção

não fosse atrapalhar, eu era uma criança, que por mais quieta que fosse,
exigia atenção como qualquer outra e ele sempre largava tudo para me dar

esse cuidado.
Foi então que Marcus e Evelyn finalmente se conheceram, embora

morassem de frente um para o outro e sempre observassem Bran e eu à


distância. Os dois não se deram muito bem no início, meu pai costumava ser

um cara fechado, que acabou soando um pouco grosseiro com ela e isso
gerou algumas discussões. Mas isso não a impediu de oferecer para ele uma

ajuda comigo.
Foi quando meu pai voltou a um ritmo de trabalho que não o deixava

sobrecarregado, enquanto tia Evy tomava conta de mim depois da escola.


Bran e eu voltávamos sozinhos, porque o bairro sempre foi seguro e de

qualquer forma, Evy sempre nos encontrava no meio do caminho.


Com essa “mudança” fomos ficando ainda mais próximos. Chegou a
um ponto em que simplesmente não nos desgrudamos mais e a qualquer hora
do dia, podíamos atravessar a rua para falar com o outro.
E agora, estou aqui, repassando todos os nossos passos desde a
infância, até o momento em que estou sentada em seu colo, bastante
confortável, aliás, depois de beijá-lo loucamente, como se o fizesse todos os

dias.
A parte que está me deixando pensativa é que não parece errado.

De alguma forma, estar sentada em seu colo enquanto minha boca


chega a estar dolorida, me parece a coisa mais normal do mundo e eu me

pego desejando ter isso todos os dias.


Porque agora estou me dando conta.

Nossos amigos estão certos. Amigos não se olham da forma que nós
dois fizemos hoje na cozinha. Amigos não se beijam, não como acabamos de

fazer. Não como se precisássemos disso para respirar.


E eu estava, mais uma vez, enganada quando achei que o que sentia

por ele era só atração.


Não é.

Eu…
Eu acho que estou me apaixonando por Bran.

Tipo, acho que estou realmente gostando dele. E isso não me assusta,
mas me deixa insegura, mesmo que, agora, saiba que ele também sente o
mesmo.
E se estragarmos tudo?
Aproveito que todos saíram em direção a cozinha e fundos, para
finalmente criar coragem de virar em sua direção e me ajoelhar entre suas
pernas. Encaro seu rosto enquanto ele faz o mesmo com o meu, voltando a

apoiar suas mãos grandes em minhas coxas.


— Se arrependeu?

É ele quem quebra o silêncio.


Crispo os lábios enquanto levo os dedos até o cordão com meu nome,

brincando com o pingente enquanto evito olhar para seus olhos, até não ser
mais possível.

Lembro-me exatamente do dia em que ele começou a usar esse colar.


Foi no último dia dele em Baltimore, antes de vir para Yale. Era meu, ganhei

de aniversário do meu avô.


Estava triste por ter que passar um ano longe dele e o fiz prometer que

não me esqueceria, quando Bran o tirou de mim e colocou em seu pescoço.


Depois daquele dia, nunca mais o vi sem.

— Eu deveria dizer que sim?


Brandon abre um sorriso lindo, como se estivesse bastante satisfeito

com a minha resposta.


— Não — responde. — Não mesmo.
— Você parece muito empolgado para alguém que deu apenas um
beijo.
— Não foi apenas um beijo — ele diz, erguendo as mãos e as
entrelaçando nas minhas. — Estou me sentindo ofendido.
— Brandon — reviro os olhos, sorrindo. — Não seja dramático.

— Não é drama.
— E o que posso fazer por você?

— Pode me beijar até nos faltar o ar.


Mordo o lábio, sorrindo. Mesmo sabendo que precisamos conversar,

me sinto muito tentada a fazer o que está sugerindo.


— Sabe que precisamos conversar, certo?

Brandon desliza pelo sofá com as pernas abertas, encurtando meu


espaço. Ele segura minha coxa, como se me convidasse a sentar em seu colo

e é o que faço, recebendo suas mãos em minha cintura.


— Nunca vem coisa boa quando você diz isso.

— É que... — começo, meio perdida. — Tenho medo.


Ele suspira, automaticamente assumindo um ar mais sério, quando

entende a gravidade dos meus pensamentos.


— Medo de que, amor? — pergunta, resvalando os dedos em meu

cabelo, o colocando para trás.


— De ficar em frente ao portão novamente e não ter mais um
garotinho do outro lado da rua para segurar a minha mão.
Brandon sorri.
— Se está querendo dizer que está com medo de ficar sozinha, pode
esquecer. Isso nunca vai acontecer. Prometo que nossa amizade sempre estará
acima de qualquer coisa.

— E se as coisas ficarem estranhas?


— Não sei se você percebeu, mas as coisas estão estranhas há um

tempo.
— E se estivermos confundindo tudo, Bran? E se isso for só porque

não temos contato com outras pessoas?


— Não quero outras pessoas, Mia.

— Como pode ter tanta certeza? — questiono. — Passamos o tempo


inteiro juntos, Bran, podemos muito bem estarmos confusos.

— Mia — me chama, seus dedos passando seus fios para trás da minha
orelha com um cuidado que chega a doer. — Eu não quero outras pessoas.

— Certeza?
— Absoluta.

— E se eu estiver com um encontro marcado?


Ele dá de ombros, parecendo muito seguro sobre essa parte.

— Você está confusa, eu entendo, se quer sair com esse cara, vai lá.
As coisas entre nós não precisam haver nenhuma cobrança para isso,
podemos ir com calma.
— Mesmo?
Brandon assente.
— Só me prometa que vai ser sincera. No sim e no não.
Assinto.

— Posso fazer uma pergunta agora? — assinto novamente. —


Concordou em ir com calma, certo? — assinto mais uma vez. — Pedir outro

beijo... se encaixa nisso?


Sorrio, balançando a cabeça em concordância.

— Pode me dar um beijo?


Toco seus lábios com os meus em um selinho breve, que o faz bufar

enquanto eu rio, lhe dando um beijo de verdade dessa vez.


— Bran — chamo, quebrando o contato. — Podemos subir?

Um novo sorriso começa a crescer em sua boca e eu rio,


interrompendo seu ânimo:

— Isso não é ir com calma, Brandon.


— Não sabe no que estou pensando.

— Sei sim.
Ele revira os olhos, fingindo estar irritado.

— Assistir série e dormir?


— Assistir série e dormir.
— Tenho mais uma pergunta — diz, ainda sem me deixar sair do
lugar. — Tenho permissão para juntar as camas?
É a minha vez de revirar os olhos, sorrindo.
— Tem, Brandon.
Eu poderia dizer que não ouso
Pensar em você dessa maneira
Mas estaria mentindo, sim
E eu finjo estar feliz por você

Quando encontra um cara


Para levar para casa, mas não vou negar que
Double Take — Dhruv

Ela parece estar empolgada para esse encontro, enquanto eu, não sinto
nada além de ódio por aquele cara. Apesar de saber que não importa o quanto

ele tente, no fim da noite, é comigo que ela estará, fico com raiva por ser ele
levando-a para um encontro e não eu.

Fora que o tal Milo é um idiota total, que ao invés de perguntar para
ela o que gostaria de fazer, veio perguntar para mim. Justo para mim. Burro

do caralho. Por isso que merece se foder.


— Alugou o banheiro por quanto tempo, metade? — pergunto da

cama, curioso para saber como irá sair.


— Deixa de ser chato! — grita de volta. — Já estou terminando.
Minha atenção é pescada para o celular, passando um storie de Kim
com o idiota do irmão — aparentemente os dois se acertaram essa manhã e
parece que nada aconteceu, segundo Asher —, enquanto cantarolo a música
de fundo.
Não demora mais que cinco minutos até que a porta se abra e…

Puta que pariu.


Quase infarto quando a vejo sair do banheiro, usando a porra do

vestido preto que me fez observá-la desfilar por horas na minha frente.
— Vai com esse vestido? — pergunto, sem nem disfarçar o tom de

irritação. — É sério?
Levanto-me, seguindo-a até a sua escrivaninha, que também usa como

penteadeira. Mia posiciona o espelho de modo que consiga me ver enquanto


passa sua máscara de cílios com calma, consumindo cada pedaço de mim de

pouquinho em pouquinho.
— Ir devagar inclui não opinar sobre as minhas roupas quando eu não

peço — contesta. — O encontro com o Milo já estava marcado, sabe disso.


Achei que não haveria nenhum problema.

— Não há — respondo, na mesma hora. É claro que há um problema.


— Mas achei que fosse com uma coisa menos nossa.

Ela finalmente olha para o vestido e depois para mim, finalmente


entendendo onde quero chegar. Mia solta uma risadinha nasalada antes de
descruzar os braços.
— Bran, todos os vestidos que já fiz, são coisas nossas.
Bom ponto.
— Eu sei, é que... — ela arqueia a sobrancelha, esperando que eu
continue. — Está legal, porra, estou com ciúmes. Não estou sabendo lidar

com isso.
Admito, de uma vez.

— E vai ficar aí chorando? — provoca, se virando para o espelho


novamente. — Quando você não está com ciúmes? Às vezes, parece que me

quer só para você.


Dou dois passos para a frente, colando meu peito as suas costas,

apreciando o pequeno pulinho que dá quando me sente atrás dela. Aprecio o


calor dos nossos corpos juntos, me sentindo um pouco mais livre que da

última vez ao colocar a mão em sua cintura, a deslizando até seu abdômen e
cravando meus dentes em seu ombro de leve.

Tão minha…
Uma empolgação fora do normal toma conta de mim quando ela solta

um gemido baixo, fechando os olhos e jogando a cabeça para trás.


Alguma coisa se quebrou entre nós ontem após aquele desafio.

Claro que quebraria.


Mas eu não imaginei que ela se entregaria tanto assim.
E eu não poderia estar gostando mais disso.
— E se eu quisesse? — pergunto, olhando em seus olhos através do
reflexo. — Hum? E se eu te quisesse só para mim?
Ela fica quieta, enquanto minha boca explora sua nuca e a lateral do
pescoço. Seus olhos lutam para se manterem abertos, ainda que tente

concentrá-los em mim através do espelho e falhe, o desejo falando mais alto


que a razão.

— É só um encontro — reafirma. — Vai ser rápido. Nem vai sentir


minha falta.

— Não sabe o que está falando — respondo, minha boca parada em


seu lóbulo, enquanto uma das minhas mãos se espalma na parte interna de

sua coxa. — Eu sinto sua falta em todos os segundos que está longe.
Por favor, Mia.

Por favor, entenda que cada segundo que passo longe de você me sinto
ficar sem ar.

Por favor, entenda que você é a única garota que quero. A única que
desejo. A única que... amo.

— Bran... eu quero ir...


Conheço Mia. Sei que quer provar um ponto a si mesma. Também sei

que a resposta que quer é que o cara certo sou eu. Posso não ser o cara
perfeito para Mia, mas qualquer um que ousar duvidar, sempre saberá que
farei o que estiver ao meu alcance — e um pouco mais — para que ela se
sinta a mulher mais amada e satisfeita do mundo.
— Você já contou?
— O que?
— Já contou para ele que, embora saia para um encontro juntos, nunca

vai te fazer sentir as coisas que o seu melhor amigo faz?


— Meu melhor amigo tem sido um cara muito egocêntrico nos últimos

tempos.
— Ele tem motivos para isso.

— É mesmo?
Eu sorrio, voltando a ver seus olhos quando ela os abre.

— Você sabe que sim — aproximo-me ainda mais de seu corpo. —


Sabe que quando ele tentar te tocar, vai lembrar de mim. Vai pensar em mim.

Vai querer que eu esteja no lugar dele — sussurro, nossas bocas a


centímetros de distância. — E se ele for corajoso o suficiente para tentar te

beijar, vai ter a certeza de que suas bocas não se encaixam como as nossas.
— Está muito prepotente, Brandon — seu rosto se vira para o meu,

nossas bocas quase colidindo de tão próximas. — Está fazendo muitas


promessas também.

Um sorriso começa a crescer em meu rosto, enquanto encaro sua boca


e logo depois, seus olhos. Suas costas ainda estão grudadas em meu peito, sua
bunda moldada em meu corpo da forma perfeita para nós dois.
Giro seu corpo com uma das mãos, segurando sua cintura para colocá-
la sentada na escrivaninha, meu corpo se encaixando no meio das suas
pernas.
— Está brincando com fogo — aviso.

— Talvez eu queira me queimar.


Ela não precisa dizer mais nada.

Eu não consigo me segurar, porque queimo junto com ela.


Minha boca invade a sua com fome, sem a delicadeza que tive ontem,

quando todos estavam de olho. Meus dentes mordiscam sua boca e suas
unhas arranham minha nuca ao ponto de me fazer arrepiar com a força.

Minhas mãos exploram suas coxas desnudas pelo vestido curto, nunca
ultrapassando o limite invisível imposto por mim mesmo.

Não quero assustá-la. Não quero que ache, nem por um segundo, que a
quero apenas como uma garota para esquentar minha cama. Ao passo que,

preciso me controlar, porque... nunca fiz isso antes.


Beijei alguns pares de bocas durante a vida. Na maioria das vezes,

queria saber se conseguia tirar a boca que eu queria da cabeça.


Mas não funcionou. Como funcionaria?

Então, apenas parei.


Era como se tudo em mim achasse errado tocar outro corpo que não
fosse o dela. Beijar outra boca que não a dela. Amar alguém que... não fosse
ela.
Não sei se Mia sabe, mas imagino que sim. Sempre contamos tudo um
para o outro e sei que assim como eu, também é virgem, embora saiba
provocar como ninguém. Se bem que, para me provocar, basta ela chegar

perto o suficiente para sentir seu cheiro. Às vezes, basta lembrar dela.
Meu corpo meio que é viciado nela.

Eu inteiro sou, na real.


— Mia? — uma voz chama do lado de fora, seguida de batidas. É uma

garota. — Mia, tem um cara lá embaixo te esperando.


Nossas bocas se desgrudam, mas eu ainda tento com que desista e

desço meus beijos pelo seu maxilar e pescoço, onde aproveito uma distração
para deixar uma marca.

Ela vai me matar, porém, quando perceber, será tarde demais.


— Hum... eu já vou — ela geme, respondendo. — Diga que já vou,

por favor.
Os passos se afastam, e quando penso que Mia vai se deixar levar e

ficar aqui, suas mãos delicadas afastam minha cabeça devagar.


— Preciso ir.

— Não vai demorar, certo?


— Não sei — diz, antes de uma risadinha escapar.
— Mia...
Ela salta da escrivaninha, mas eu não me movo de onde estou,
aproveitando nossa proximidade para saciar um pouco da minha vontade
dela, quando se vira de volta ao espelho e retoca a maquiagem com calma.
— Não vou demorar — garante e se vira, ajeitando minha gola. —

Volto para cá antes da meia noite e te mando mensagem avisando.


— Eu achei que você fosse lá para casa...

— Não, Bran, você vai para a sua casa e eu venho para cá. Tivemos
essa conversa ontem, lembra? Sobre ir com calma e tudo mais…

Com isso, ela beija meu queixo, saindo porta afora, sem imaginar que
está prestes a sair para o encontro mais ridículo de sua vida e que estará na

minha casa muito antes do que planeja.


Estou procurando maneiras de expressar o que estou sentindo
Simplesmente não posso dizer que não te amo (é)
Porque eu te amo, é
É difícil para mim comunicar o que estou pensando

Mas esta noite vou deixar você saber


Die For You — The Weeknd

Eu odeio comida árabe.

E no momento, tudo o que eu quero é me levantar e voltar para casa.


Não quero mais ter que passar um minuto sequer sentindo o cheiro de

tempero forte e a conversa insuportável de Milo Cox.


— … ouvi uma conversa do treinador, ele disse que tenho chances de

substituir o Kyle.
Engulo o kibe — a única coisa que consigo comer — com dificuldade,

o riso preso em minha garganta, porque está claro que o garoto quer apenas
aparecer. Duvido muito que do time atual, alguém seja capaz de substituir

Kyle. Não que os jogadores não sejam bons o bastante, mas Kyle nasceu para
ser o capitão, aquele time não seria o mesmo sem ele.
— Não sei se estava no último jogo, mas fui bastante elogiado por ele,
fiz um dos lances para a cesta.
Mentira.
Eu estava no jogo. Acompanho todos, mesmo que seja por
transmissão, na verdade, porque aprendi bem cedo a gostar de basquete. Sei

até jogar. Não tão bem, mas o suficiente para vencer Brandon em algumas
partidas apesar do tamanho.

— Eu fiz um passe picado[7] — ele diz, dando o nome para um dos


passes. — É sempre…

A melhor saída para manter a posse de bola com a sua equipe.

— Eu sei — interrompo, sendo uma das poucas vezes que falei desde
que saímos do seu carro. — Eu conheço os passes e regras.
— É mesmo? — pergunta, desconfiado. — Conhece alguma formação

ofensiva?
Eu sorrio ironicamente e com o pouco de paciência que resta em mim,

respondo;
— Clássica, quatro abertos, três no garrafão e cinco abertos. Quer que

eu te explique como joga cada uma?


— Muito bem — elogia, como se eu fosse uma criancinha.

Se meu conhecimento em homens não estiver falhando, ele deve estar


achando que fiz uma enorme pesquisa antes de vir a esse encontro apenas
para impressioná-lo. E, se acha mesmo isso, é apenas um tolo.
Existe apenas um homem ao qual sempre desejo impressionar e ele
com certeza não é o que está a minha frente.
É aquele que não me deixou em paz nem por um segundo desde que
saí de casa. Não. Brandon não ligou ou mandou nenhuma mensagem, mas

estava certo quando disse que eu pensaria nele em todos os segundos


enquanto estivesse com Milo.

Pensei que Brandon jamais me deixaria abrir a porta do carro sozinha.


Ele nunca deixa. Brandon também me perguntaria qual o lugar eu gostaria de

ir antes de me levar e descobrir que odeio o tipo de comida que é servido.


Minha metade faria questão de fazer cada minuto desse encontro

memorável.
Provavelmente, me levaria para um lugar que nunca fomos antes,

como todas as vezes. Abriria a porta do carro para mim e não se sentiria nada
constrangido quando eu pedisse para verificar se meu vestido está no lugar

certo ou deixando minha calcinha marcando — não que eu tenha feito isso
com o babaca sentado na minha frente.

Ele também teria reservado a mesa mais escondida possível, porque


sabe que odeio comer qualquer coisa com pessoas desconhecidas ao meu

redor. E ele certamente não faria a cara de nojo que Milo está fazendo agora
ao me observar limpar o molho da bochecha com o dedo e enfiar na boca.
— Eu acho que preciso ir ao banheiro.
— Claro — ele diz, assentindo como se estivesse entendendo algo. —
Vou pagar a conta e te esperar.
Rio internamente.
Mas não vai mesmo.

— Não precisa — digo. — Apenas me espere.


Faço o caminho contrário do banheiro quando sei que ele já me perdeu

de vista. Me sinto desconfortável ao passar pelas pessoas arrumadas como se


estivessem em um evento, enquanto eu visto um vestido curto simples e tênis

all stars.
Porra, o cara poderia, pelo menos, ter dito para onde iríamos quando

perguntei ao invés de fazer suspense dizendo que estava tudo pronto e


perfeito — sim, ele usou essas palavras para agora, me dar o pior encontro de

toda a minha vida.


Pago a conta inteira, mesmo não tendo comido quase nada enquanto o

observava tagarelar sobre sua vida, alguns resquícios de molho caindo em


mim.

Era assim que Brandon se sentia quando éramos crianças e eu o


perturbava o dia inteiro? Caralho.

Quando volto, ele está ao telefone e parece estar jogando algum jogo
mais interessante que eu.
— Milo? — pergunto, tentando chamar sua atenção. — Vamos?
— Achei que iria demorar no banheiro, gata. Mulheres sempre
demoram — diz, ainda sem erguer os olhos para mim. — Pode esperar cinco
minutos? Prometo que não vou demorar.
Era. Só. O. Que. Me. Faltava.

— Claro — respondo simplesmente, antes de dar um passo para trás.


O cara nem parece perceber que caminho em direção a saída e eu

também não me atrevo a olhar para trás quando saio do restaurante, sentindo
o frio da noite me abraçar e sentindo falta do casaco que Brandon sempre me

estende em noites como essa.


E eu não deveria estar comparando tanto.
Giro as chaves quando chego em casa, mesmo que seja difícil chamar
esse lugar assim.

Não é como se eu não me desse bem com as garotas que moram aqui.
Na verdade, a maioria delas são até simpáticas comigo. O problema mesmo é

a Cindy, que implica com todo mundo e é meio que a líder da casa, o que
significa que se ela não gosta de alguém, as outras mantêm distância. É assim
comigo.
As garotas são simpáticas apenas quando ela não está por perto. E são
simpáticas demais quando Brandon está por perto. E eu não gosto disso.
É uma casa grande, com quartos suficientes para não precisarmos
dividir e um ótimo espaço em volta do qual eu nunca aproveitei. Passo mais

tempo dividida entre o apartamento de Kim e a fraternidade dos meninos.


Só fico aqui quando estou focada em terminar alguma peça ou em

casos como hoje, que quero apenas ficar sozinha e pensar.

— Mia, chegou flores para você — é Meyvi quem diz, quando


ultrapasso a porta. Ela está vindo da cozinha e parece estar assistindo TV com
Sabrina, que apenas acena para mim em cumprimento. — Eu coloquei no seu

quarto, mas não mexi em nada. Nem nas suas canetinhas.


— Obrigada, Meyvi.

Volto a fazer o caminho para o quarto, um enorme ponto de


interrogação martelando em minha cabeça sobre a origem dessas flores. Não

faz nem meia hora que deixei Milo sozinho no restaurante, achei que aquele
jogo demoraria o suficiente para ele nem mesmo notar que saí.

Quando chego no quarto, olho ao redor, conferindo se está tudo no


lugar mesmo. Não há muita privacidade aqui, as meninas sempre acabam

entrando para pegar uma caneta emprestada e nunca mais devolvem. Foi por
isso que tive que levar a maior parte da minha coleção para a casa de
Brandon, já que seria impossível deixar aqui sem pensar o tempo todo no que
elas poderiam aprontar na minha ausência.
Com os tênis, pelo menos, não preciso me preocupar, já que todas elas,
sem exceções, preferem andar em seus enormes saltos ou em sapatilhas que
— nas palavras delas — são mais femininas.

De qualquer forma, agradeço. Odeio dividir minhas coisas. Isso é algo


que apenas meus amigos podem fazer.

Meu foco volta para o buquê de rosas vermelhas depositado na minha


escrivaninha. São lindas e me lembram o roseiral que tia Evy e eu cultivamos

em Baltimore, quando eu ainda era uma criança.


Seguro o buquê com cuidado, analisando as rosas e aproximando do

nariz para sentir o cheiro. Entretanto, assim que aproximo o rosto, percebo
um cartão enfiado no meio do buquê e o pego, segurando as flores com uma

mão, enquanto abro o bilhetinho com a outra.

“Quando o idiota me pediu ajuda para te levar a um encontro,


não achei que fosse mesmo ser corajoso para ir adiante. Espero

que tenha tido uma péssima noite, minha metade. E


só para você saber: comigo teria sido bem melhor.

Seu B.”

Filho da...
Foi tudo uma armação! Eu vou matá-lo.

Bato na porta três vezes antes de ser atendida por Kyle, que por algum

milagre está aqui, porém, pelo visto, prestes a voltar para casa.

— O que está fazendo aqui a essa hora, carrapata? — pergunta, usando


o apelido que B me deu quando éramos crianças. — É perigoso, sabia? Podia
ter chamado eu ou Brandon para te buscar.

— Não precisava — falo, brava demais para alguém que está sendo
tão educado comigo. — Esse idiota está em casa?

Kyle abre a boca. Então, fecha.


Ele abre de novo e começo a batucar os pés no chão com impaciência.

Kyle olha para meu rosto e o buquê de rosas que estou praticamente
amassando em mãos.

— Depende — responde, ainda parecendo em dúvida. — Porquê está


tão bravinha?

— Interessa a você em quê? — pergunto, perdendo a paciência, antes


de empurrá-lo com o buquê. — Deixa para lá. Eu mesma vou atrás desse
babaca.
Kyle resmunga algo que não entendo sobre talvez não precisarmos das
camisinhas, afinal. Mas já estou subindo as escadas com pressa.
— Se rolar pancadaria, pode tirar uma foto para mim?
Ele grita as minhas costas. Ouço a porta fechar e sei que saiu, no

mesmo tempo em que eu abro a segunda porta à direita do corredor, entrando


no comodo e trancando a fechadura atrás de mim, eliminando a chance do

idiota de fugir.
E quando nossos olhos se encontram, eu sei que sabe por que estou

aqui. Porque Brandon está deitado confortavelmente em sua cama, o peito


desnudo e um sorriso sacana em seu rosto, enquanto me olha. É como se me

dissesse, em alto e bom som: eu avisei!


Perco o foco da conversa por um segundo enquanto o encaro.

Nesse momento, Brandon parece a encarnação de um pecado que


estou prestes a cometer.

— Oi, minha metade — cumprimenta, a voz mais rouca que o normal


enquanto se levanta. — Como foi o encontro?

— Você — acuso, apontando o buquê quase amassado em sua direção.


— Você armou tudo isso.

— Armei — admite, sem nenhuma vergonha na cara. — E não me


arrependo de nada.
— Brandon!
— O que? — pergunta, ainda com um ar de riso. — Cada um luta com
as armas que tem.
— E a sua era me entregar o pior encontro da minha vida?
— Claro. Porque o melhor encontro da sua vida será comigo, achei

que estivesse óbvio.


— Olha só, Brandon, não sei por que está achando isso tudo

engraçado, mas é melhor tirar esse sorrisinho do rosto, ou...


— Ou o que? — pergunta, se aproximando cada vez mais. — Diga,

minha metade, ou o que?


— Brandon...

— Não está chateada por causa das flores, está? — ele se inclina até
meus olhos desviarem para sua boca, que esboça um sorriso quase que no

mesmo instante. — Está chateada porque não conseguiu esquecer do meu


beijo, enquanto estava com ele.

— Não sabe do que está falando — digo, desviando meus olhos.


Brandon, porém, é rápido em segurar meu rosto com apenas uma mão

usando um pouco de força quando trás meus olhos para os seus, quase me
arrancando um gemido.

— Diga olhando nos meus olhos, então.


Fico muda.
— Diga que quando ele te tocou, não me imaginou em seu lugar —
desafia. — Diga que enquanto ele falava, não imaginou o quão melhor seria
se eu estivesse lá.
A atmosfera ao nosso redor parece mudar. A antecipação não cabe em
mim. Seu corpo está próximo demais ao meu, sua boca está perto demais.

Tão perto que eu preciso apenas impulsionar meu corpo. Entretanto, ele me
para. Um sorriso ainda mais perverso toma seu rosto quando sua mão grande

se encaixa na minha nuca, segurando a raiz do meu cabelo com força o


suficiente para me arrancar um gemido alto.

— Diga, Mia — manda, a outra mão subindo para acariciar meu rosto.
— Por que chegou tão cedo?

— Porque ele não é você — respondo, minha voz não passando de um


fio, meio gemido. Brandon ergue a sobrancelha, esperando por mais. — E

porque não deixei de pensar em você enquanto estava com ele.


É o bastante para que Brandon avance sobre mim.
AOS 8 ANOS
— Pai! Pai! Pai! Pai!
— Oi! Oi! Oi! Oi! — ele responde me imitando, enquanto desce as

escadas.
Pulo do sofá para o seu colo, vendo seu sorriso quando me joga para o
alto apenas para me ouvir gritar e me abraçar de novo.
Agora, somos apenas nós dois.
Mas, bem, para falar a verdade, agora que ela foi embora, percebo que

talvez, sempre tenha sido nós dois.


É o papai quem brinca comigo.
É o papai quem dança na chuva comigo.

É o papai quem vai em todas as minhas apresentações da escola.

E também é ele quem sempre me dá um beijo para a ferida sarar


quando caio de bicicleta.

O papai sempre foi meu. E eu sempre fui dele. Então acho que sempre
seremos nós dois.

— Vamos dançar na chuva? — pergunto animada, tentando fazer uma


carinha para convencê-lo. — Por favor! Por favor! Nunca te pedi nada.

Ele revira os olhos, mas eu sei que é de mentirinha.


— Querida, o papai está muito velho para dançar na chuva — diz,

sorrindo, fazendo com que o meu sorriso morra. — Mas eu tenho uma ideia.
— Que ideia, Marcus?
— Porque está bravinha com o papai, linda? — ele pergunta, se
sentando no sofá comigo em seu colo.
— Quero dançar na chuva, pai — resmungo, querendo chorar. — Mas
tudo bem, o senhor não pode se machucar, não é? Podemos ficar no terraço,
então? Olhando ela cair bem de pertinho?

— Por que não chama aquele seu amiguinho para ir com você? — ele
dá a ideia. — Aquele que tem te trazido para casa todos os dias.

É verdade.
Brandon me espera atravessar a rua todos os dias de manhã para irmos

juntos à escola. A mãe dele nos leva agora. Ela e o papai não parecem se
gostar, mas disseram que seria bom se nós dois fossemos amigos porque não

temos nenhum.
Mas Brandon é um pouco mal-humorado, ainda tenho que dar mais

amor para que ele possa sorrir sem fingir que eu o irrito. E eu acho que o
irrito mesmo. Mas é porque ele não fala nada. E eu quero saber de tudo.

Quero saber como era a casa que ele morava antes, como era a sua
vida em outra escola, se ele gostava de lá, e quero saber se ele gosta de me ter

como sua melhor amiga.


Eu penso que sim.

Porque ele pode dizer que não me quer por perto e eu vou respeitar.
Não vou segurar o pé dele como fiz com o da mamãe porque machuca.
Não podemos querer que as pessoas que nós amamos, nos amem de
volta. Elas também precisam querer.
Minha mãe não quis me amar. Não está tudo bem, mas eu a entendo.
Talvez ela só preferisse ter um gato a uma talagera, que o B disse que eu sou.
Eu nunca vou ter um gato.

— E se a mãe dele não deixar?


— Por que não deixaria?

— Está chovendo.
— Vocês são crianças, meu amor. E crianças brincam. Tenho certeza

de que ela vai entender.


Assinto, saltando de seu colo.

Abro a porta e meu pai se encosta no batente dela, me analisando


atravessar a rua até a casa do outro lado da calçada. Bato três vezes na

madeira, antes de ser atendida pela mãe dele.


— Oi, sra. Díaz, o Bran está?

Ela sorri bem grande. Muito linda.


— Oi, querida, está sim. Por que está na chuva?

— Vim chamar o B para dançar. Ele pode?


— Na chuva? — suas sobrancelhas se unem, mas ela não parece

chateada, só confusa.
— É — assinto. — É legal, mas meu pai disse que está ficando velho
para fazer isso comigo.
Ela olha para o outro lado da rua, onde sei que meu pai está e acena
com a cabeça de forma amigável.
— Bran — ela grita, olhando para dentro. — Sua amiga está aqui.
Ele aparece logo, com uma cara confusa. Bran é muito bonito. Seria

ainda mais se sorrisse só mais um pouquinho.


— Oi, carrapata, por que está na chuva?

— Vim te chamar para dançar.


— Na chuva? — pergunta, igual sua mãe.

— É. O meu pai não pode. Está ficando velho. E você é meu melhor
amigo, precisa ir comigo.

Ele olha para a mãe que sorri bem grande e assente, dando permissão.
— E se eu ficar resfriado?

— Eu posso cuidar de você! — me ofereço.


— Se eu pegar uma gripe, você também pega.

— Aí a gente pode ficar doente juntos. Como melhores amigos.


— Não faz sentido.

Bufo, começando a ficar irritada.


— Vem logo!

— Eu tenho escolha?
— Não.
Seguro sua mão, arrastando-o até o quintal da sua casa, onde sei que é
seguro. Um carro passa e na mesma hora, estamos cobertos com a água da
poça que se formou no chão.
Nós dois gritamos, mas quando olhamos um para o outro, começamos
a rir, porque parecemos dois patinhos molhados.

— Não dá para dançar.


— Como não?

— Não tem música, carrapata.


Dou de ombros.

— Isso não importa — respondo. — A gente pode dançar com os sons


dos nossos corações. Assim, oh...

Balanço meus ombros rápidos e seguro as mãos dele, o obrigando a


dar pequenos pulinhos enquanto giramos, como se estivéssemos em uma

ciranda. Brandon parece estar se divertindo como eu porque não para de


sorrir.

— Seu coração bate muito rápido, carrapata — ele grita, para que eu
ouça em meio aos nossos risos.

— Eu sei!
Ele sempre bate rápido quando estou com você.

Me distraio por um segundo e acabo escorregando na lama, caindo de


bunda no chão e trazendo Bran comigo. Não paramos de rir quando
percebemos que estamos cobertos de lama, jogados lado a lado.
Até que, em algum momento, ficamos em silêncio, olhando para o céu
depois que a chuva passa.
— Bran?
— Oi, Mia.

— Você gosta que eu seja talagera?


— É tagarela — ele me corrige.

— Tanto faz. Você gosta?


Ele dá de ombros.

— Gosto.
— Por quê?

— Porque ouvir você falar, me deixa feliz.


— Eu acho que a minha mãe não se sentia assim.

— Ela não te amava.


— E você me ama?

— Amo.
— Até quando eu como um pedaço da sua torta?

— Amo, Mia.
— Eu acho que eu também te amo, Brandon.

Ele fica quieto.


— Você é minha melhor amiga — diz, tirando meu cabelo no rosto. —
Nunca vai deixar de ser.
— Você não vai embora igual ela, não é, Bran?
— Nunca, minha carrapata.
— Promete?
— Prometo para sempre. Nunca vou te deixar.

— Pode me dar um abraço?


— Posso. Mas tem que ser rapidinho porque estamos sujos, e será só

dessa vez.
Era mentira. Ele não vivia mais sem os meus abraços quentinhos.
Neste momento, eu não tenho vergonha
Gritando a plenos pulmões por você
Não tenho medo de enfrentar isso
Eu preciso de você mais do que queria

Preciso de você mais do que queria


Mostre-me que você não tem vergonha
Shameless — Camila Cabello

A respiração de Mia vacila à medida que me aproximo.


O seu perfume cítrico dança no ar, me levando até ela como um

canto de sereia. Posso sentir seu coração cada vez mais acelerado à medida
que diminuo o espaço entre nossos corpos.

— O que você está fazendo, Bran? — questiona baixinho, grudando


suas costas na porta.

— Você me enlouquece, sabia? — sussurro, parando a um passo de


distância e inclinando meu corpo sobre o seu, apoiando as mãos na madeira, a

encurralando. — Minha metade, meu coração… Você é tudo, Mia. Sempre


foi.
Agora, sua respiração aquece o meu pescoço e o seu coração bate no
mesmo ritmo desordenado do meu. Coloco uma mecha do seu cabelo macio
atrás da sua orelha, a pele sedosa sob meus dedos ásperos.
— Linda — minha mão desliza até sua nuca e levo minha boca até
seu ouvido. — Minha.

Deixo um beijo no seu lóbulo da sua orelha, vendo-a se arrepiar


imediatamente. Afastando meu rosto, seus olhos alcançam os meus e ela

engole seco. Posso ver dentro das suas íris tudo o que ela vê dentro das
minhas.

Desejo. Desejo reprimido por muitos anos.


— Você é o meu melhor amigo, Brandon — pontua calmamente,

enquanto as mãozinhas pequenas e delicadas sobem pelos meus braços,


parando nos meus bíceps. — Não sei se devemos ultrapassar essa linha.

Solto um riso nasalado, porque embora essas palavras saiam de sua


boca, suas mãos percorrem meus braços enquanto seus olhos não param de

encarar meus lábios.


É como se me convidasse a fazê-la mudar de ideia. E é o que faço.

Me inclino em sua direção, beijando-a e assim, tenho certeza que, não


importa quantas vezes o faça, sempre terá um gosto diferente.

Nosso beijo é urgente, confuso e… incrível. Mais do que o primeiro


e todos que vieram depois desse, dessa vez, eu e ela sabemos que depois
daqui, não há volta.
Eu quero pular desse precipício com ela e mais ninguém.
Minhas mãos descem pelo seu corpo, apertando nos lugares certos,
onde imagino que seja mais sensível. Quando meus dedos agarram suas
coxas, subindo seu vestido, o gemido que Mia solta em minha boca leva uma

onda de excitação direto para o meu pau.


Sua boca devora a minha. Sua língua dança com a minha.

Dou impulso e ela entrelaça as pernas em minha cintura, se


permitindo ficar totalmente à mercê de mim. Muito a contragosto, separamos

nossas bocas quando o ar nos falta e eu desço meus beijos para o seu
pescoço. Mia joga a cabeça para trás, me dando a belíssima visão dos seus

seios redondos e pequenos.


Perfeitos. E a partir de hoje, somente meus.

Movendo o quadril em meu colo, sua boceta se esfrega no meu pau


através do tecido de nossas roupas e eu solto um grunhido contra o seu

pescoço, deixando uma mordidinha leve em sua pele.


— Bran? — chama, ofegante.

— Oi, minha metade — digo, com esforço.


— O que estamos fazendo?

Ao ouvir sua pergunta, me dou conta que posso estar indo rápido
demais aqui e a última coisa que eu quero é assustar a incrível garota nos
meus braços.
A dona de todos os meus pensamentos.
— Nada que você não queira — garanto, com firmeza.
Seus olhos imediatamente voltam a encontrar os meus e, para o meu
completo alívio, Mia sorri ao encostar sua testa na minha. Nossas respirações

se fundem e o azul dos seus olhos nunca foi tão bonito como agora.
— Que bom — me dá um selinho demorado. — Porque eu quero e

muito — rebola novamente, fazendo meu pau ficar dolorosamente duro.


— Mia — alerto.

— O que foi, metade? — ela leva a boquinha bonita até o meu ouvido.
— Acha que só você sabe brincar?

Segurando-a com mais firmeza, giro nossos corpos e caminho com ela
até a minha cama. Jogando-a sobre o colchão, seu corpo quica e sua risada

gostosa preenche meus ouvidos. Encaixo meus dedos no cós da minha calça e
Mia se apoia sobre os cotovelos, me olhando com expectativa e os cabelos

bagunçados.
Linda.

Porra, linda demais.


Quando puxo o tecido para baixo, levando minha cueca junto, meu pau

salta muito contente em vê-la. Mia morde o lábio inferior, tombando a cabeça
para o lado, o analisando com bastante interesse.
— Realmente, Grande Bran — debocha.
Reviro os olhos. Eu deveria adivinhar que ela não perderia a
oportunidade.
— Eu avisei.
— Será que vai caber? — arqueia uma sobrancelha, sorrindo

maliciosa.
Reviro os olhos.

— A gente dá um jeitinho — subo no colchão, agarrando seus


tornozelos, puxando-a para mais perto. — O nosso jeitinho.

E no momento que seus dedinhos incríveis se fecham em torno do meu


comprimento, eu preciso fechar os olhos e mentalizar toda a minha força para

não gozar tão rápido.


Porra.

Porra.
Porra.

— Quando eu estava com Milo, só conseguia pensar em você —


sussurra, resvalando seus lábios nos meus. A mão se movimentando para

cima e para baixo. — Em como suas mãos em mim, seriam mil vezes melhor.
— Mia… — é a minha vez de engolir em seco.

— Sim?
— Me chupa?
Ela sorri, malandra, e se ajeita na cama. Fico de joelhos e, caralho,
definitivamente, eu não estava preparado para ter a boca de Mia em volta do
meu pau. Quando sua língua lambe a minha glande, um grunhido alto sai do
fundo da minha garganta.
— Como você gosta? — pergunta baixinho, me olhando com uma

expressão nada inocente.


— Eu gosto de você — minha mão alcança sua nuca novamente e

meus dedos entram nos seus fios loiros. — E tudo o que você faz é incrível.
Ela revira os olhos, mas seu sorriso ainda está lá quando volta a levar

os lábios para o meu comprimento. Sem ritmo no começo, a ajudo com os


movimentos, mas logo Mia aprende direitinho a maneira de me fazer ver

estrelas.
Fecho minhas pálpebras com força, meu coração batendo rápido, à

medida que ela vai aumentando o ritmo e meu quadril vai indo de encontro a
sua boca.

Porra.
Bom demais.

Mia engole tudo, me levando fundo em sua garganta e eu sinto que


vou explodir.

— Mia… — sussurro. — Amor, eu estou quase. É melhor parar.


Diminuindo o ritmo aos poucos e, atrevida como é, deixa um beijinho
na cabeça do meu pau e então, olha para mim.
— Acho que sou boa nisso — lambe o lábio inferior e eu exalo.
— Convencida — empurro seus ombros gentilmente, deitando-a sobre
o colchão.
Me inclino sobre seu corpo, enfiando o nariz em seu pescoço somente

para sentir seu cheiro. Minhas mãos sobem vagarosamente sobre suas pernas,
sentindo a maciez da sua pele. Meus dedos agarram com vontade suas coxas

grossas, entrando por debaixo do vestido, à caminho da sua bunda.


— Agora é a minha vez — beijo sua boca, engatando meus dedos na

sua calcinha. Arrasto o tecido para baixo de uma vez só, pegando-a de
surpresa e fazendo-a soltar um gritinho em minha boca.

— Bran! — Mia protesta, rindo.


— Oi, amor — bato meus olhos inocentes para ela. — Fique quietinha,

ok? Não quero que ninguém te ouça.


— Qual o problema se ouvirem? — pergunta, em uma clara

provocação.
— Porque, a partir de hoje, apenas eu sou merecedor dos seus

gemidos.
Termino de tirar sua calcinha, jogando o tecido longe. Subindo seu

vestido bonito, que ela mesma fez, obtenho a visão da sua boceta encharcada
e meu pau pulsa contra a sua perna.
— Gostosa — beijo abaixo do seu umbigo, colocando suas pernas
sobre meus ombros. Deixo outro beijo em sua virilha, descendo cada vez
mais e ela se contorce, ansiosa.
— Brandon — reclama de novo.
— Tão impaciente — mordo de leve a parte interna da sua coxa, sem

nunca tirar os olhos dela. — Eu não disse para ficar quieta? Só quero ouvir
você implorando ou gemendo.

— Eu não te torturei assim.


— Então, pede.

— Me chupa?
Sorrio, satisfeito, e então, lhe dou o que tanto quer. O que nós dois

tanto queremos.
Seu gosto doce se espalha pela minha língua, me fazendo enlouquecer

um pouco mais. Mia geme alto, agarrando os lençóis, e eu travo suas pernas
com meus braços, deixando-a bem aberta para mim. Dou uma grande e

demorada lambida na sua boceta e então, uma atenção especial ao seu clitóris
sensível, que a faz tremer de leve.

— Bran… — sussurra, ofegante. — Não para.


— Ah, não, amor — coloco um dedo dentro dela, devagar e com

cuidado, observando atentamente as suas reações. — Nós só estamos


começando.
Movimentando meu dedo na sua entrada, ao mesmo tempo que minha
língua trabalha no seu clitóris, os gemidos de Mia vão aumentando cada vez
mais. E, quando seus dedos agarram os meus cabelos com força e seu quadril
começa a levantar do colchão, sei que ela está quase.
— Goza na minha boca, amor — incentivo, levando outro dedo para

dentro dela.
— Brandon! — ela geme, seu corpo começando a tremer com força,

atingindo seu orgasmo.


Continuo chupando-a até que seus espasmos diminuam e apenas

nossas respirações altas são ouvidas pelo quarto.


— Que espetáculo é assistir você gozando — me levanto, ficando de

joelhos novamente, tocando o meu pau com calma. Ela me olha com um
sorriso perdido e o olhar nublado.

— Agora eu quero você — se apoia em seus cotovelos, enrolando um


dedo na corrente para me trazer mais perto. — Dentro de mim.

— Tão mandona, minha metade — um sorriso largo se espalha pelo


meu rosto e eu me inclino mais sobre ela, nossos narizes se tocando. Mia me

devolve o sorriso, um daqueles que eu sei que reserva apenas para mim. Lhe
dou um beijo demorado, sem pressa, e Mia substitui minha mão pela sua,

continuando a carícia no meu membro. — Tem certeza? — pergunto


baixinho, olhando dentro dos seus olhos.
— Como nunca tive antes — garante.
Assentindo, inclino a cabeça para o lado, me permitindo sentir por um
instante o calor da sua mão em volta do meu pau.
Meu Deus.
— Tira o vestido — mando.

Arqueando a sobrancelha, ela solta o meu comprimento e obedece. Seu


vestido cai no chão ao lado da cama segundos depois, mas estou ocupado

demais babando na visão de Mia nua na minha frente, para me preocupar se


vai sujar.

— Camisinha — ela se apressa e eu aponto com urgência para a


gaveta da minha mesinha de cabeceira. — Eu deveria me perguntar porque as

tem?
— Como pode duvidar tanto assim da minha honra? — me finjo de

ofendido. — Estava me guardando para você.


Mia se inclina para pegar o preservativo.

— Sabe como é. Eu seria o rei dos idiotas se tivesse que perder a


maior chance da minha vida, por causa disso — pisco para ela, que joga o

pacotinho para mim.


Desenrolando o látex sobre meu pau, sinto-o pulsar em minha mão

ansiando estar dentro dela, de uma vez por todas.


Olho para Mia, notando seu nervosismo ao mastigar o lábio.
— Ei — seguro o seu queixo com delicadeza, deixando meu
comprimento descansar na sua virilha. — Somos nós dois, lembra? Para
sempre.
— Para sempre — ela relaxa e eu beijo sua testa.
Posiciono-me na sua entrada e olho para Mia, que assente, me

passando segurança.
— Devagar? — pergunto e ela balança a cabeça em negação.

— Quero de uma vez.


Faço como deseja, entrando em apenas uma estocada e… porra.

A sensação me arrebata e eu não tenho resistência nenhuma aqui.


Preciso de um minuto, com o coração batendo a mil, absorvendo a sensação

que é estar tendo meu pau esmagado pela sua boceta.


— Tudo bem, amor?

— Sim — confirma, suas pálpebras fechadas com força. — Estou


bem, juro. Só preciso de um segundo.

— Eu também — beijo sua bochecha e Mia abre os olhos, encontrando


os meus.

Então, damos risada. É genuíno e eu definitivamente amo que tudo


entre nós seja assim; simples. Não é um riso envergonhado ou de nervosismo.

Rimos porque, bem… somos nós dois. E nós dois somos estranhos.
Quando está visivelmente mais relaxada, ela assente e eu respiro
fundo, começando a estocar devagar. Descendo meus lábios pelo seu
pescoço, chupo seus seios quando começo a aumentar o ritmo aos poucos,
ouvindo seus gemidos baixinhos. Mia arranha as minhas costas, erguendo seu
quadril de encontro ao meu, e percebo que a cama começa a bater na parede.
Foda-se.

— Mais, Brandon… Preciso de mais — ela sussurra.


— Seu desejo é uma ordem, minha metade — arrasto meus dentes por

seu mamilo, vendo-a se arrepiar no mesmo instante.


Metendo com mais força e mais rápido, sei que não vou durar muito.

Minha mão escorrega entre nós dois e faço pressão em seu clitóris,
massageando. Mia geme meu nome e segura meu rosto entre suas mãos,

chocando sua boca na minha, me beijando com urgência e eu retribuo com a


mesma necessidade.

Então, gozamos juntos quando solto um grunhido na sua boca ao


mesmo tempo que ela geme alto na minha. Meu pau pulsa dentro dela,

sentindo sua boceta mastigando-o com seus tremores.


Sem sair de dentro, caio sobre seu corpo, cuidando para não depositar

todo o meu peso, e ela abraça minhas costas, suas mãozinhas imediatamente
subindo pelos meus cabelos, fazendo carinho.

Um minuto de silêncio se estende pelo quarto enquanto ambos


tentamos recuperar nosso fôlego.
— Você está bem? — escondo meu rosto em seu pescoço.
— Melhor que isso — posso sentir seu sorriso. — Vamos fazer de
novo?
Dou risada, levantando o rosto para olhá-la.
— Você é impossível, Mia — beijo o seu queixo.

— E você é a minha metade, Brandon — beija a minha boca.


Então, você tem coragem?
Estive pensando se seu coração ainda está aberto
E se estiver, quero saber que horas ele fecha
Se acalme e prepare seus lábios

Sinto muito interromper, é que apenas estou constantemente à beira


De tentar te beijar
Mas não sei se você sente o mesmo que eu sinto

Mas poderíamos ficar juntos se você quisesse


Do I Wanna Know? — Artic Monkeys
— Não acredito que fizemos isso!

Quebro o silêncio do quarto depois de recuperar meu ar, só agora me


dando conta de que realmente transei com Brandon.

— Ah, meu Deus — resmunga Brandon, a cara enfiada nos meus


peitos. — Você vai surtar.
— Não acredito que fizemos isso, Brandon.
— Sim, amor, três vezes — ele confirma, meio sonolento. — Se
esperar mais quinze minutos, partimos para a quarta.
Ignoro sua piadinha, enquanto olho para o teto, que só agora noto que
precisa de uma limpeza. Apesar de estar surtando um pouco, continuo
acariciando os fios curtos de sua cabeça, estrategicamente apoiada entre meus
seios. Vez ou outra ele levanta um pouco e os beija como se estivesse os

cumprimentando.
Louco de pedra.

— Que loucura, cara — continuo divagando sozinha. — Eu acordei


virgem essa manhã.

— Não pareceu — seu tom enciumado não passa despercebido por


mim.
— Não era eu quem tinha mil camisinhas na gaveta.

— O Kyle me deu quando eu contei que mandei as flores — se


defende, finalmente tirando a cara dos meus peitos. — Não pode me culpar

por isso.
Ele coloca a mão no peito, como se eu realmente tivesse o ofendido, o

que me arranca um sorriso.


— Posso fazer uma pergunta?

— Sim, Mia.
— Porque ainda era virgem? E porque resolveu perder comigo?
Não é como se eu tivesse descoberto hoje, obviamente. Brandon e eu
sempre conversamos sobre tudo e sobre isso não seria tão diferente, embora
sexo e outras pessoas nunca tenha sido uma pauta recorrente em nossas
conversas, eu saberia se ele já tivesse perdido a virgindade.
Entretanto, me sinto feliz em saber que ainda era virgem e melhor

ainda, que perdeu junto comigo. Não sei dizer se é ou não egoísmo da minha
parte, mas não vejo que outra forma poderia ser mais perfeita para nós dois.

Brandon suspira, desistindo da ideia de dormir entre seus novos


amigos — meus peitos — e se apoia em seus cotovelos, ainda em cima de

mim. Uma de suas mãos coloca uma mecha do meu cabelo para trás de forma
cuidadosa, alisando os fios loiros enquanto observa meu rosto. Ele sempre faz

isso como se fosse a primeira vez. E eu sempre me sinto a garota mais feliz
do mundo, também como se fosse a primeira vez.

— Já disse; porque você é tudo. Minha metade e o meu coração.


Minha melhor amiga independente de tudo. Nunca senti que fosse o

momento certo antes, mas agora sinto. Porque é você. Porque somos nós.
Arregalo os olhos diante da sua fala porque, porra, é fofo para caralho,

mas ao mesmo tempo me lembra de algo muito importante.


— Puta que pariu! — quase grito e Bran ri. — Quer dizer, que lindo,

Bran, você é um fofo, nem parece que estava tentando me empalar há


algumas horas atrás — ele explode em uma gargalhada, sem se preocupar em
acordar seus colegas de quarto. — Também nunca senti que era o momento
certo, até hoje. Só que acabei de me lembrar de algo muito importante.
Ele franze as sobrancelhas, tenso, de repente.
— Não somos mais amigos.
Assim que as palavras saem de minha boca, Bran parece ficar

ofendido. Mas, bem, é verdade, pelo menos em parte. Definitivamente, não


somos mais apenas amigos. Não depois de passarmos a noite como dois

coelhos. Não depois do que fez antes de ir ao encontro e não da forma com
que fez o meu corpo se sentir adorado.

Porque foi o que Brandon fez.


Adorou o meu corpo como se houvesse nascido para isso. O beijou

como se soubesse todos os pontos certos para me levar as nuvens, e... causou
o caos na minha cabeça.

Está tudo misturado aqui dentro.


— O que isso quer dizer? — ele resmunga, emburrado. — É claro que

somos amigos.
— É, eu sei — refuto, fazendo um pouco de esforço para tirá-lo de

cima de mim. — Mas não somos mais apenas amigos, isso não te assusta?
— Deveria? — questiona, parecendo tentar entender onde quero

chegar. — Assusta você?


Me sento na cama, pouco me importando com a minha nudez — ele já
viu tudo mesmo — e olho para o ambiente ao nosso redor. Nossas roupas
estão espalhadas pelo chão, enquanto meu vestido parece estar arruinado.
Brandon se arrasta na cama, pelado, até deitar com a cabeça no meu
colo, abraçando a minha cintura como se estivesse me impedindo de sair
daqui. Levo as mãos até suas costas, admirando os arranhões que minhas

unhas fizeram por toda ela.


— Não.

Meu dedo começa a traçar as linhas avermelhadas, como se isso


tivesse o poder de apagá-las, embora esteja me sentindo satisfeita por ter sido

eu a causadora delas.
— Mas você parece assustada.

— Estou assustada por não estar assustada.


— Ok — ele diz devagar. — Isso está ficando estranho pra cacete,

você se arrependeu?
— Do que está falando? É claro que não! Minha boca está dormente e

quase não sinto as minhas pernas de tão ardidas, e mesmo assim não vejo a
hora de repetir, mas preciso surtar.

— Ótimo. Podemos repetir e amanhã você surta, que tal?


— Não — digo. — Você tem noção de que eu acabei de perder a

virgindade com o meu melhor amigo? O mesmo cara que já rolou na lama
comigo, foi obrigado a gostar de mim, fez…
Sou interrompida quando ele se ajoelha e se inclina, me dando um
beijo firme, que me tira de órbita por alguns segundos.
— Pronto, tagarela — ele diz, satisfeito em me ver calada. — Posso
falar agora?
Assinto.

— Não acho que deveria estar tão preocupada com esses detalhes.
Aconteceu, ponto. Somos melhores amigos, já passamos por muita coisa

antes e o que rolou hoje, é mais uma delas. E é mais uma que não precisa de
alarde ou desespero, justamente porque somos melhores amigos.

— Você não acha que isso pode mudar as coisas daqui para a frente? E
se der tudo errado?

— E se der tudo certo? — rebate, me deixando sem palavras. — Você


perde muito tempo pensando no que pode dar errado, que esquece que existe

um outro lado, minha metade. Somos eu e você agora. Faremos dar certo,
sempre foi assim.

— E sempre será — concordo, aceitando o beijinho que me dá.


Abraço-o com tudo que há em mim. Com medo, mas ainda assim, com

a certeza de que não importa o que será do dia de amanhã, daremos um jeito.
Brandon puxa minhas pernas, fazendo-me escorregar no colchão até

estar deitada para que ele possa beijar meus seios antes de se deitar no meio
deles, no seu novo local favorito. Ele boceja, abraçando minha cintura.
Alcanço meu celular na mesinha de cabeceira e seleciono o contato de
Kimberly, porque sou tagarela e simplesmente não saberei esperar até mais
tarde.

Eu: está acordada?

A resposta não demora a chegar.

Kim: Sim. Você não deveria estar dormindo?

Eu: Atenda.
Ela faz o que peço assim que clico no ícone de ligação. Posso jurar que

nem mesmo completou um toque.


— Transei com o Brandon — disparo.

— Por Deus, Mia — Brandon repreende na mesma hora, rindo


baixinho.

Estou mostrando apenas meu rosto, de uma forma em que ele não
apareça, já que estou completamente pelada.

— Finalmente! — ela comemora.


— Transei. Com. O. Brandon.
— Ah meu Deus — ela repete, um pouco assustada dessa vez. — Você
transou com o Brandon!
— É! — respondo de volta.
— Me conta isso direitinho.
— Não quero atrapalhar você e o Asher, posso te contar na uni…

— Ele dormiu agora, não vai se mexer até que o despertador toque.
— Não vou nem perguntar o que estavam fazendo para ir dormir

agora.
— O mesmo que você — responde, mesmo que eu não tenha

perguntado.
— Mia estava transando? — consigo ouvir a voz rouca e sonolenta de

Asher. — O Brandon sabe?


Que?

— Você estava dormindo — ela acusa.


— Desculpe, fiquei curioso com a história.

— Claro que o Brandon sabe — respondo, com as sobrancelhas unidas


ao ver o lutador aparecer de relance na tela. — Ele está aqui.

— Você transou com o Brandon?


— Você está surpreso? — Kim pergunta para ele. — Não me

surpreende que tenha demorado tanto para perceber que sou perfeita para
você.
Reviro os olhos, concordando mentalmente com o que Brandon disse
outro dia; se o ego de Kimberly fosse vendido em potinhos, ela lucraria
muitos milhões.
— Claro que estou surpreso, porra, é o Brandon e a Mia. Mal posso
acreditar que deu tudo certo.

— O que deu certo? — é a minha vez de indagar, me apoiando nos


dois cotovelos. — Não entendi.

— Essa é a hora que você me agradece pela ideia do buquê, Brandon.


— Obrigada, Kim — ele responde arrastado. — Você é uma grande

amiga.
— O chá foi forte, hein? — Asher brinca. — O coitado não consegue

nem reagir.
— Vai se foder — meu melhor amigo pragueja, um pouco mais firme,

me arrancando uma risada.


— Esperem — Kim diz, clicando em algo na tela. — Estava quase

esquecendo.
O rosto de Kyle aparece na chamada e Brandon geme, enfiando a

cabeça no meu pescoço como se desejasse sumir daqui assim que ouve a voz
dele.

— Deu certo? — o capitão pergunta. — Ele perdeu o lacre?


— Brandon era virgem? — Kimberly e Asher perguntam ao mesmo
tempo, mas é ela quem continua: — Que fofos! São o primeiro um do outro,
estou emocionada em presenciar isso.
— Você não presenciou nada — digo o óbvio. — Ainda bem.
— Foi no sentido figurado, você entendeu.
— E então? — Kyle continua. — Usaram todas as camisinhas que eu

deixei ou precisam de mais? Posso pedir para o Hector passar aí.


— Não é da sua conta.

Brandon diz, ao mesmo tempo que eu:


— Só sobrou uma.

— O que é isso, Brandon? — Kyle finge estar horrorizado. — Eu


deixei quatro camisinhas, porra, como consegue usar quase todas na

primeira vez?
— Precisa ensinar uns truques para o Asher — Kimberly diz,

tornando a ligação ainda mais caótica. — Coitado, acho que sou areia
demais para o caminhão dele.

— Como é? — o namorado dela diz, parecendo estar indignado. —


Vou te mostrar uma coisa.

Explodo em uma gargalhada quando apenas eu e Kyle estamos na


chamada. Ele tem as sobrancelhas unidas e a boca entreaberta, em uma

expressão de nojo.
— Eu acho que vou ali beber um pouco de cloro.
— Não seja dramático, seu imbecil — Brandon o repreende, quase
sem se mover de onde está.
— E você não canse demais a minha carrapata. Tchau.
Brandon levanta a cabeça rapidamente.
— A carrapata é minha!

Eu rio do seu desespero, mas já é tarde, Kyle já foi em busca da sua


dose de cloro.

— E agora, Bran? — pergunto, séria.


— O que tem?

— O que faremos agora? — repito. — Digo, depois de hoje.


— Agora, a gente aproveita o momento, minha metade. E vê até onde

podemos chegar.
— E o que fazemos com isso? — pergunto forçando um biquinho

quando pego a embalagem laminada em cima da cabeceira.


Um sorriso sacana cresce em seu rosto.

— Tenho algumas ideias bem legais.


E se eu pudesse somente tirar o seu fôlego
Eu não ligo se não tiver muito o que dizer
Às vezes o silêncio guia nossa mente
E nos leva para um lugar distante

Sweater Weather — The Neighbourhood

— Nenhuma piadinha — mando, apontando o meu garfo diretamente


para para cara sentado à minha frente quando vejo Mia e Kim se

aproximarem da nossa mesa. — É sério, Kyle.


Ele revira os olhos e volta a comer, fingindo que não me ouviu. Nem

me surpreendo. É o Kyle. Não demora até que elas cheguem e como sempre,
Kim senta-se entre Asher e Kyle, beijando o namorado e cotovelando o

irmão.
Dois esquisitos.

Penso que Mia não irá fazer o mesmo mas me surpreendo quando se
senta ao meu lado, não perdendo um segundo antes de selar nossos lábios

brevemente, logo começando a comer.


Não importa quantas vezes faça isso; me toque, me beije, me olhe,
todas sempre parecem a primeira vez. E, sendo sincero, acho que sempre será
assim.
Ainda fico olhando-a, enquanto age normalmente.
Tipo assim: a garota mais linda do mundo inteiro acabou de me
beijar!!!

Não foi a primeira vez, é claro que sei disso, mas porra, a garota mais
linda do mundo — a que acabou de me beijar — é minha. Minha para cuidar,

amar e dar o mundo. E a sensação que tenho agora — a de não precisar


esconder de ninguém o que sinto, principalmente dela — é a coisa mais

libertadora que já experimentei na vida.


— Não consigo — Kyle diz, arrancando um gemido frustrado de

Asher. — Como pode, depois de não sei quantos mil anos esses dois só
estarem abrindo os olhos agora, caralho?

— Sempre você — Mia resmunga para ele, revirando os olhos.


— Não diga que estou errado, carrapata — ele continua. — Eu não

acredito nessa historinha de melhores amigos. Está na cara que os dois


sempre estiveram afim um do outro.

— Isso não altera em nada o fato de serem melhores amigos, idiota —


Kimberly rebate.

— Não defenda! Também não caí no seu papinho sobre roubar o meu
melhor amigo.
— Você roubou a minha, o mínimo que podia fazer era dividir o seu
— Kim diz, fazendo com que tanto eu, quanto Asher e Mia fiquemos
confusos. A quem ela se refere quando diz “minha”? — Além do mais, nunca
quis ser amiga do Asher, apenas vocês dois que não perceberam.
— É verdade — Mia confirma. — A Kim quis dar para o Asher desde

a primeira vez que viu ele.


— Não fale sobre isso na minha frente, é a minha irmãzinha.

— Porque não vai procurar outra pessoa para irritar, hein? — Asher
resmunga para ele.

— Então — minha metade começa, falando mais alto que eles para
cortar a possível discussão que possa surgir dali. — Estão animados para o

jogo da semana que vem?


Mia se recosta no assento, fazendo seus fios curtos roçarem na minha

pele.
Semana que vem — daqui a cinco dias, sendo mais específico —,

começam as quartas de final do torneio anual de basquete. O time está uma


pilha de nervos com a possibilidade de sairmos campeões dessa,

principalmente Kyle, que não perde uma oportunidade de se exibir quanto a


isso.

Eu, no entanto, estou apreensivo por algum motivo que desconheço.


Nunca me senti assim antes e é uma situação que me deixa inquieto, nervoso.
Mas acredito que seja por conta da pressão que o time está sofrendo pela
torcida, então tento apenas abstrair esses pensamentos negativos e focar no
que realmente importa: voltar para casa com a taça.
— Animado é pouco — Kyle diz, pela primeira vez parecendo ansioso
e sério. — Estou nervoso pra caralho, mas acho que temos muitas chances,

principalmente com a escalação que o técnico fez.


— Nos sairemos bem — garanto e logo olho para o lado, beijando a

têmpora da minha metade, antes de dizer: — Meu amuleto estará comigo e


nos dará sorte.

— Também irei levar o meu — Asher diz, ganhando um beijo na


bochecha.

Meus olhos se desviam para Kyle, que olha para um ponto específico,
a algumas mesas de distância de nós, focando em Diana, que está sentada

sozinha.
— É… — ele diz e simples assim, sei que não prestou atenção no que

dissemos, já que não fez nenhuma piada ou reclamação, focado demais na


garota. — Espero que sim.

O suor escorre pelo meu corpo enquanto mantenho-me na posição,


esperando pelo passe de Kyle, que eu agarro prontamente. Quico a bola no
chão três vezes, desviando de Asher, que está atuando como rival nessa
partida.
Ele rouba a bola de mim com facilidade e eu praguejo internamente.
— Atenção, Díaz! — o treinador grita, pela segunda vez. — Será

possível que terei que jogar sem mais um dos meus titulares em um jogo
importante?

Paro por um segundo, puxando o ar para meu peito com força antes de

forçar minha atenção no jogo novamente. Dessa vez, tento me concentrar


apenas aqui e deixar para pensar no depois, quando o apito do treinador soar.
Meu pressentimento ruim não me deixou desde ontem, quando

falamos sobre o próximo jogo.


Asher continua com a bola nas mãos, enfrentando Hector, que assim

como eu, está no time principal. O lutar se descuida e o outro rouba a bola,
fazendo um lance perfeito para onde estou.

Meus dedos tocam a bola, eu sinto.


Entretanto, algo doloroso atinge meu braço antes que consiga agarrá-la

e a esfera laranja foge das minhas mãos, caindo no chão enquanto sinto uma
dor quase que insuportável no meu braço, irradiando por todo o meu corpo. O

treinador apita, sabendo que meu urro não foi uma brincadeira.
Os segundos seguintes são cruciais.
Quando olho para o lado, vejo Ryan Nolan segurando a bola e entendo
que foi ele. Foi ele quem acertou meu braço com uma jogada suja. O meu
próprio parceiro de time.
A minha bomba-relógio estoura.
De repente, não sinto mais dor. Toda ela é substituída por raiva.

Raiva de tudo o que venho guardando sobre ele por todos esses anos.
Não entendo qual a sua insistência em sempre tentar me afetar, me perseguir.

Quando éramos crianças, eu entendia. Outra coisa, é ser um adulto,


guardando uma rivalidade que existe apenas na cabeça dele. Eu quero

distância, mas esse idiota não permite.


Começou com uma nota mais baixa que a minha, depois, um elogio da

professora.
No entanto, à medida que fomos crescendo, as coisas começaram a

piorar. Antes de me mudar para Baltimore, estudávamos na mesma escola e


Ryan fazia questão de juntar sua pequena turminha para me aterrorizar,

embora não tivesse sucesso algum. Eu sempre lidava com eles, mas isso me
levava a um nível de exaustão mental que me dava ódio.

Quando me mudei, finalmente me senti livre. Estava longe dele, da sua


família de merda e da sua presença insignificante. Conheci Mia e a paz

finalmente reinou. Mas, bem, eu estava enganado se achava que ele me


deixaria em paz tão cedo, porque quando fui para o colegial, Ryan voltou.
Era como se, não importava para onde eu fosse, ele sempre chegava.
Eu gostaria de não saber o motivo, mas infelizmente sei.
Ryan ainda me inferniza pelos corredores, mas em Baltimore, era
diferente. Ele estava no meu território. Nunca fui um cara brigão, mas não
tinha medo de entrar em brigas para me defender, Ryan aprendeu isso. Ou

pelo menos, achei que houvesse aprendido.


Entretanto, parece que agora, que também resolveu fazer seu curso na

mesma universidade que eu, voltou a mostrar as asinhas, me enfrentando


sempre que pode. E de forma pior, tentando perturbar meus amigos e me

atingir através de Mia.


É por isso, e por todos esses anos que tenho aguentado calado o

assédio dele e de sua família, que sempre esteve ciente das merdas do
imbecil, que eu finalmente explodo.

Meu braço dói como nunca antes, entretanto isso não me impede de
empurrá-lo com toda a força, fazendo seu corpo ir para trás. Vou junto.

— Qual a sua, Nolan? — quase cuspo o sobrenome que tanto


desprezo. — Estamos no mesmo time, caralho.

Uma multidão começa a se formar à nossa volta, Asher e Kyle são os


que mais se aproximam, prontos para me afastarem ou avançarem nele junto

comigo.
— Será mesmo, irmãozinho?
Suas palavras, ditas em voz baixa, me desmontam. Me fazem parar.
Tombo a cabeça para o lado, tentando entender se eu realmente ouvi o que
disse. Um riso incrédulo salta dos meus lábios.
— Como é que é? — pergunto, apenas para ter a certeza de que vejo
em seus olhos. — Está delirando?

— Não me coloque como o louco da história, sabemos bem a quem


esse papel pertence.

Não aguento com a insinuação e meu punho acerta seu nariz em cheio.
Se juntar com o estrago que Asher fez há um tempo, acho que em breve,

precisará de uma cirurgia para voltar ao lugar certo.


Seguro sua camiseta com as duas mãos, tanta raiva em mim que nem

mesmo me movo enquanto tentam me tirar de cima dele.


— Quem te contou?

O acordo sempre foi simples. Ryan nunca saberia. Nunca saberia que
somos irmãos ou quem sofreria as consequências, seria o elo mais fraco. Que

na conta idiota dos Nolan, é a minha mãe.


A louca.

A amante.
A outra.

Para eles, ela sempre foi apenas uma aproveitadora, que dormiu com o
próprio chefe, garantindo, assim, um futuro. Colocaram ela como vilã,
quando é a vítima. Minha mãe é só mais uma das vítimas daquela família, a
qual sempre me recusei a fazer parte.
Ela foi enganada por um homem que dizia estar em processo de
divórcio. Evy caiu no papo barato de um imbecil que nunca soube sustentar o
que guarda nas calças. O maior erro dela foi ter sido boa e ter acreditado nele

ao ponto de tentar ajudá-lo.


O problema foi quando eu surgi e ele voltou atrás. A consciência de

Jonas pesou a ponto de finalmente contar para sua esposa que a estava traindo
com uma de suas funcionárias. Ele alimentou o ego de sua mulher, que

crendo fielmente no marido, armou uma emboscada.


Minha mãe perdeu a perna por culpa deles.

Eu nasci prematuro por culpa deles.


Então, sua provocação faz com que um alerta vermelho se acenda em

minha cabeça. Estou em desvantagem.


Agora entendo.

Somente agora entendo por que Ryan veio para cá e voltou ainda pior.
Ele descobriu. E agora, fará de tudo para me ferrar. Porque é o que vai

acontecer quando Jonas descobrir que seu filho legítimo descobriu que ele
não é um rei, que eles não vivem em um mundo encantado e vai querer

revanche.
Ele vai descontar na minha mãe. De alguma forma, ele sempre
consegue descontar nela.
E se isso acontecer... eu não me importarei em me expor para trazer
seu legado abaixo. Mexer com a minha mãe é algo que não admito e se ele
for homem o suficiente para fazer isso, também será para aguentar as
consequências que isso trará não só para ele, mas também para sua adorada

família.
— Quem te falou isso? — quero saber.

Quero saber por que, se foi a sua mãe, ela também há de amar as
consequências.

Mexer comigo é uma coisa. Eu aguento. Eu resisto. Mexer com a


minha mãe vai além do que posso suportar e eu sou capaz de tudo,

absolutamente tudo, para que nada que venha deles possa atingi-la.
Não quero ter que encontrá-lo nunca mais em minha vida.

Sou grato por todos os dias olhar no espelho e ver que sou a cópia de
Evelyn. Que fisicamente não puxei nada dele. Seria um martírio. Para mim e

para ela. Isso não.


Ryan sorri com um sorriso cheio de dentes, o sangue escorrendo do

seu nariz até manchar seus dentes.


— Deveria tomar cuidado com as pessoas que dividem os segredos de

família.
Não quero ouvir suas palavras sujas. Não quero ver seu rosto nojento
que é tão parecido com o dele. Não quero estar no mesmo ambiente que ele.
Mesmo assim, o encaro.
O encaro buscando algo.
Em uma circunstância diferente, seríamos amigos? Se o homem que
me deu a vida arcasse com as consequências dos seus erros fosse diferente,

algo mudaria?
Eu acho que não.

E isso só torna Ryan Nolan ainda mais imbecil aos meus olhos. E é por
isso que permito que Asher e Kyle me tirem de cima dele, afastando-me da

quadra cada vez mais.


Eles sim, são meus irmãos.
Oh, uma complicação simples
Falhas de comunicação nos levaram à ruínas
Tantas coisas que eu queria que você soubesse
Tantos muros construídos que eu não consigo quebrar

The Story Of Us — Taylor Swift

Sobressalto na cama quando ouço a porta bater com força,


estremecendo a estrutura do quarto. Um Brandon muito irritado passa por ela,

indo em direção ao banheiro, sem nem mesmo me olhar.


— Brandon? — chamo, mas não tenho uma resposta durante um longo

tempo, então levanto-me, indo em direção à porta fechada. — Aconteceu


alguma coisa?

Ele não responde nada enquanto tira as roupas com pressa e tomo um
tempo analisando sua postura. Está suado e ofegante. Sei que estava no treino

e seja lá o que o irritou de tal maneira, tem haver com isso, contudo, não
insisto em perguntar sobre o que aconteceu.

Volto para a cama, sentando-me contra a cabeceira, esperando


pacientemente até que saia alguns minutos depois, com os cabelos
bagunçados e molhados, com a toalha na cintura.
Ele abre seu armário, ainda de costas para mim e se veste calmamente,
como se estivesse tentando se controlar.
Não é o Brandon que eu conheço.
Aconteceu alguma merda muito grande e ele está tentando não

descontar em mim. E sempre que isso acontece, Ryan está envolvido. Sempre
assim.

Brandon se senta na cama, há alguns metros de mim e apoia os


cotovelos na perna, enfiando a cabeça entre as mãos enquanto puxa longas

respirações.
— Ryan de novo?

Sua cabeça se levanta rapidamente e ele semicerra os olhos, ainda


quieto.

— Como sabe?
Meu corpo fica ereto com o tom que usa para falar comigo. Parece que

dessa vez, não se controlou o suficiente.


— Porque sempre que fica assim ele está envolvido.

— Não pareceu saber disso quando o ajudou aquele dia.


Puta que me pariu. Não o suporto quando começa a culpar o mundo

por coisas do passado.


— Como disse, eu só estava o ajudando, Brandon.
— Sobre o que conversaram? — pergunta, tentando parecer mais
calmo.
Olho para seu braço direito, que agora está avermelhado, parecendo
inchado.
— Brandon, pode olhar para mim, por favor?

Ele faz o que eu peço e eu estranho a raiva que vejo em seus olhos, de
uma forma que nunca presenciei antes. E eu já vi todas as faces dele.

Todas… Menos essa.


— O que está querendo me dizer?

Então, ele suspira novamente. No entanto, dessa vez, o faz após olhar
para os meus olhos durante um longo tempo. Seus ombros caem e ele parece

mais calmo antes de responder:


— Ele sabe de tudo. Sabe que somos irmãos e provavelmente sobre

todo o resto — diz, grunhindo. — O desgraçado ainda disse que eu deveria


tomar cuidado para quem contava os segredos de família. Porém, a única

pessoa além da minha mãe que sabe de tudo é…


Uno as sobrancelhas, tombando a cabeça para o lado e tentando

entender se isso está mesmo acontecendo bem na minha frente.


— Eu? — custa tudo de mim pronunciar isso. — É isso que você quer

dizer?
Ele não está me acusando de contar um segredo de família para
alguém que odeia, está? Eu só posso estar presa em um pesadelo. Ou numa
brincadeira de muito mal gosto.
Não.
Não.
Não.

Porra, não.
Isso não pode estar acontecendo.

Ele não pode...


O que está acontecendo, meu Deus?

O que...
— Acha que quem contou fui eu?

Solto um riso sarcástico, porque de repente, quem está com raiva sou
eu.

— Eu não disse isso, você entendeu errado, eu…


— Não entendi errado coisa nenhuma — me exalto, falando mais alto

para interrompê-lo. — Não sou idiota, Brandon. Posso parecer boazinha o


suficiente para ser enganada por qualquer um, mas nunca permitiria que

alguém chegasse perto de algo que me confidenciou.


— Mia, por favor, não foi o que eu quis dizer, me entenda, eu só…

— Pare. Por favor, pare. Não quero ouvir mais nada.


— Me deixa falar.
— Não, Brandon, não precisa de uma desculpa, essa insinuação já foi
o suficiente.
Entendo que, seja lá qual parte da história Ryan está sabendo, Brandon
está irritado por colocar sua mãe numa posição tão vulnerável. Sei disso
porque Evelyn é a pessoa que Brandon mais venera no mundo e ele faria

qualquer coisa para mantê-la segura.


Então, sim, isso está acontecendo. Não é um pesadelo, nem a minha

imaginação. A constatação de que, mesmo por um pequeno momento,


acreditou que falei algo que confidenciou a mim para alguém tão baixo

quanto Ryan Nolan, cai sobre o meu colo como uma bomba e como se apenas
isso fosse o suficiente para ativar em mim a decepção inexplicável que sinto,

as lágrimas começam a descer do meu rosto.


Fungo, levantando da cama.

As lágrimas continuam descendo sem controle, molhando meu rosto.


Algo dentro de mim parece vazio. Como se... não houvesse nada.

O Brandon que pensou isso de mim, não se parece em nada com


aquele garotinho que atravessou a rua e deu a mão para me consolar. Muito

menos com o cara que pareceu me amar com seu corpo há dois dias.
Minha voz não passa de um sussurro trêmulo.

— Eu achei que confiasse em mim.


Achei que sabia que da minha boca, jamais sairia algo para te
prejudicar, B.
Achei que soubesse.
Achei que tivesse aberto os portões do seu coração.
Achei que... achei que pudéssemos ser mais.
Deus! Achei tantas coisas que agora me sinto uma boba, uma idiota.

Talvez, eu seja uma.


Ela estava certa. Eu não deveria acreditar tanto nas pessoas. Eu não

deveria achar que a vida é um conto de fadas.


Brandon parece enxergar em meus olhos tudo o que penso, pois os

seus se desmontam em apenas um piscar e seus ombros caem mais,


derrotados. Como se apenas agora estivesse se dando conta de que está

falando comigo.
Seus olhos me olham cheios de culpa.

— Desculpa, Mia, eu só estou... — ele se aproxima, tentando me tocar,


mas sou rápida em dar dois passos para trás, me afastando. — Minha metade,

por favor, eu...


Seguro minha mochila, colocando-a no ombro prestes a sair pela

mesma porta que entrei. Vim para cá na esperança de passarmos a noite


assistindo a última temporada de Friends depois de mostrá-lo os novos

vestidos que fiz. Os vestidos que fiz pensando nele.


— Não — peço, e ele se cala. — Não diga nada e não toque em mim.
Apenas me deixe ir.
— Minha metade, nós precisamos...
— Conversamos depois. Quando você perceber que eu nunca faria
algo desse tamanho.
— Sabe que não é verdade. E-eu falei da boca para fora, estava com

raiva e...
— E resolveu descontar em mim, eu sei — completo por ele. — Todo

mundo sempre faz isso.


De repente, ele parece triste e bravo.

— Não me compare àquela mulher.


— Com quem acha que pareceu agora? — respondo, a voz

entrecortada quando elevo a voz, estufando o peito. — Você prometeu que


seria meu melhor amigo para sempre. E melhores amigos não desconfiam um

do outro.
Ele suspira.

— Foi sem querer, eu já disse, me deixa ex…


— Quero que me deixe ir — choro mais. — Quero que me deixe

sozinha.
— Por favor, diga que vamos conversar depois.

Mais lágrimas descem pelo meu rosto enquanto vejo algumas


deslizarem pelo seu.
— Já disse que vamos. Mas não agora. Você me machucou.
— Eu sei, me per…
— Não, Brandon, não quero ouvir desculpas. Não agora, por favor.
— Minha metade... — mais um passo em minha direção.
— Não me chame assim agora! — grito, as vozes em minha cabeça se

emaranhado. — Não diga mais nada.


— Amor, não, eu só preciso que me ouça.

— Não quero — levo as mãos aos ouvidos, como se fosse suficiente


para não ouvir mais nada.

É quando ouço a porta abrir.


— Está tudo bem aqui? — Kyle pergunta.

— Vou para casa.


— Eu te levo — Brandon diz, manso. — Prometo que não vou dizer

mais nada até você querer conversar. Não vou mais insistir até que você
queira.

— Não quero ficar perto de você.


— Tudo bem — Ky diz, quando estou próxima dele, acariciando

minhas costas. — Eu te levo, ok? Depois vocês conversam com calma.


— Kyle, não se mete — Brandon rosna, vindo em nossa direção.

— Fica calmo aí, cara — ele o impede, engrossando a voz e me


trazendo para mais perto de seu corpo. — Não está vendo que ela está
magoada? Deixa a garota respirar antes de conversarem.
Ele suspira e mesmo que não esteja encarando nenhum dos dois, meus
olhos fixos no chão, sei que estão tendo algum tipo de conversa silenciosa.
— Não esqueça do cinto de segurança.
Ky e eu descemos as escadas. Sinto os olhares dos outros caras, mas

não me atrevo a olhá-los, não quero encontrar pena por me verem chorando.
Sei que devem ter escutado ao menos meus gritos e se assustado, pois

Brandon e eu nunca passamos de pequenas discussões cotidianas, sobre


coisas banais.

Ele abre a porta de seu carro para mim e entra. Kyle também é gentil
em não dizer nada enquanto ouve meu choro durante todo o caminho até

minha casa.
Um dia
Eu vou parar de me apaixonar por você
Um dia
Alguém vai gostar de mim como eu gosto de você

Até lá, eu vou beber o meu café


Comer a minha torta
Fingir que somos mais que amigos

E, claro, deixar você partir meu coração outra vez


Let You Break My Heart Again — Laufey
Porra.

Porra.
Porra.

Fiz merda.
E uma das grandes.
Deixei a raiva tomar conta de mim e descontei em quem não devia.
E caralho, como é difícil lidar com as consequências de fazer uma
besteira.
Quando Ryan disse aquilo, minha visão ficou vermelha. Não
raciocinei, não pensei nas consequências. Sequer ensaiei o que falaria quando
chegasse lá.
Praticamente corri durante todo o caminho até a fraternidade dos

Panthers. São apenas três ou quatro quadras da universidade. Enquanto


seguia o caminho, os dois tentavam falar comigo, entretanto, não obtiveram o

que queriam. Sequer ouvi o que falavam.


Quando subi as escadas, mandei que nenhum dos dois viesse atrás de

mim. Algo que, por algum milagre, acataram.


Mia estava deitada na minha cama, vi pelo canto dos olhos, porém,
não quis dar atenção para ela naquele momento porque estava com tanta raiva

que seria capaz de derramar tudo em cima dela. E foi o que aconteceu.
Diante do seu silêncio, dos seus olhos marejados e da expressão

quebrada, eu caí na real. Por um segundo, se passou sim, na minha cabeça


seu nome, já que realmente é a única além da minha mãe que sabe. No

entanto, nunca cheguei a pensar que ela poderia fazer isso, mas fui burro e
não medi minhas palavras. Me expressei mal e acabei magoando-a a ponto de

vê-la chorar.
Eu prometi ser o seu melhor amigo para sempre.
Melhores amigos confiam um no outro. Eu confio nela.
Melhores amigos não fazem o outro chorar. E foi o que eu fiz.
Fiz algo que prometi nunca acontecer. Parti seu coração.
Por Deus, é a Mia.
Minha melhor amiga. Minha garota.

Ela jamais seria capaz de fazer aquilo.


E hoje faz três dias.

Três dias que acampo ao seu redor como ela fez comigo naquele dia,
treze anos atrás. No entanto, não digo ou faço nada. Estou respeitando o

espaço que me pediu porque sei que irá me dizer quando estiver pronta para
me ouvir.

Porém, isso não faz com que eu me sinta melhor.


Não faz o aperto em meu peito ceder.

Não limpa a minha consciência.


E isso tem acabado comigo.

Eu: Podemos conversar?

Envio a mensagem antes de terminar de me vestir. Preciso estar na

quadra em menos de uma hora, mas não posso mais continuar com a
sensação de impotência que está me acometendo desde aquele dia. Preciso
saber o que fazer.
A mensagem não é respondida, porque ela inicia uma chamada de
vídeo, que me apresso em atender. No entanto, não digo nada, é ela quem
toma a iniciativa:
— Fez merda, não foi?

O rosto de Evy está fechado, como se ela já soubesse do que está


acontecendo. E sei que não é do meu lado que ficará. Até porque, estou

errado.
— Fiz, mãe — respondo, me sentando na cama que, agora, não tem

mais o cheiro dela. — E não sei como reverter a situação.


Assumo minha culpa porque foi assim que ela me criou. Me criou para

ser alguém diferente dele.


— Tem a ver com a Mia e o fato dela estar evitando as ligações do pai

dela?
Deixo para perguntar como ela sabe desse detalhe depois e apenas

aceno, confirmando.
— Briguei com o Ryan.

O rosto da minha mãe se torna tenso.


— Brandon, eu falei para ficar longe dele.

— É impossível, sabe disso.


— Por quê?
— Ele me chamou de irmãozinho e disse que eu deveria tomar cuidado
com quem eu contava os segredos da nossa família.
Ambos os lados ficam em silêncio.
Mia é a única que sabe, mas antes de contar, pedi permissão para a
minha mãe. Ainda me lembro da cena como se estivesse acontecendo agora,

ela se sentou na mesa, olhou no fundo dos meus olhos e perguntou se eu tinha
certeza.

Um dia, muito tempo depois, entendi que minha mãe não estava me
perguntando se eu tinha certeza se poderia confiar em uma amiga.

Minha mãe estava perguntando se eu tinha certeza que o meu coração


havia cedido a barreira.

Eu não lembro de quando e como soube sobre a história de como os


dois se conheceram e eu nasci, mas me lembro que prometi a mim mesmo

que jamais amaria alguém além de Evy. Na minha cabeça, apenas minha mãe
merecia o meu amor.

No entanto, quebrei essa promessa quando atravessei a rua sem olhar


para os lados apenas para segurar na mão daquela garotinha chorona.

Por isso, não pensei duas vezes antes de dizer que sim, tinha certeza
que queria que Mia soubesse porque demorei para deixá-la abrir as grades do

meu coração.
— Acusou a Mia, não foi? — minha mãe suspira, deixando o celular
apoiado em algum lugar, pois logo vejo ela passar as duas mãos pelo rosto.
O silêncio se estende novamente.
— Não foi bem assim, fiz um comentário sobre o que ele disse e
acabei me expressando mal.
— Brandon, não foi assim que eu te ensinei — posso sentir seu tom de

decepção. — Quando a raiva faz bagunça, você precisa aprender a


reorganizar, meu filho.

— Eu sei — mordo o lábio, fugindo dos seus olhos. — Eu sei. Eu não


quis machucá-la, só que… estava com tanta raiva deles, mãe, que nem

mesmo consegui raciocinar antes de falar.


Evy sempre me ensinou que a raiva não leva ninguém a lugar nenhum

e a base para qualquer tipo de relacionamento sempre deve ser diálogo e


respeito.

— Agora não sei como fazer ela me perdoar.


— Deixe-a sozinha, Brandon. Sabe que ela precisa disso.

— Não consigo — digo, o choro entalado na garganta. — Não consigo


ficar longe dela.

— Precisa conseguir.
— Mãe, tem ideia do quanto está sendo difícil...

— Tenho, meu filho — ela me interrompe, a voz mansa e um sorriso


triste. — Mas tenho ainda mais certeza de que está sendo mais difícil para
ela conseguir processar tudo isso. Você conhece a Mia mais do que ninguém.
Apenas deixe-a sozinha até que ela decida que é uma boa hora de conversar.
— E Jonas?
— Eu vou dar um jeito — responde, obstinada.
— Mãe, não quero que veja aquele homem.

— Eu não queria que você brigasse. E aí está você.


Bufo, não gostando nada da ideia.

— O tio Marcus...
— Vai te matar quando souber que fez a garotinha dele chorar — ela

não espera eu terminar. — E eu vou deixar.


Tem algo errado.
— Você está bem? — Kyle pergunta ao meu lado.

Observo seu sorriso, a maneira com que seu corpo inteiro parece vibrar
por estarmos à frente do placar. O jogo está ganho, embora o primeiro set

tenha acabado agora e ainda tenha muito pela frente. Temos tudo para
sairmos vitoriosos do torneio.
Falta apenas quatro jogos. Quatro jogos e poderemos comemorar.
Logo, a animação do cara parece pular para fora de seu corpo tamanha
a alegria que sente. Kyle respira basquete. É simplesmente tudo para ele. A
única coisa que ele consegue amar mais que o esporte, é Kimberly.
— Está sim — afirmo, com um sorriso fraco no rosto.

Ele se afasta quando o treinador o chama e eu volto a olhar para a


arquibancada, procurando pela minha loira azeda em cada centímetro do

lugar.

Contudo, meus olhos param em Asher, que vem em minha direção


com o meu celular em mãos e uma cara confusa. Ele ficou no banco hoje por
escolha própria. Apesar de ser bom no que faz, Asher não quer seguir no

basquete e mesmo que o treinador insistisse de que precisava dele no time,


ele afirmou que seria melhor se Conrad jogasse em seu lugar, visto que é uma

partida importante, com muitos olheiros assistindo.


— Você e a Mia fizeram as pazes?

— Não diria que chegamos a tanto — coço a nuca, sem entender a


pergunta. — Por quê?

Ele ergue o celular, para que eu veja o rosto de Mia aceso na tela. Ela
está ligando. Porra, ela... ela está me ligando.

Está ligando depois de dizer que não queria mais falar comigo.
Isso significa que meu coração se enche de esperança. Talvez ela
queira conversar, finalmente, para resolvermos isso de uma vez.
As próximas palavras de Asher, porém, destroem todos os meus
pensamentos.
— Ela ligou umas cinco vezes. Não ouvi, porque deixou no silencioso,
mas não para de chegar notificação com mensagens dela.

— Porra.
Arrebato meu aparelho e atendo a ligação no mesmo segundo,

correndo para longe do barulho sem me importar com o que vão pensar por
eu estar saindo assim, prestes de começar o segundo tempo de um dos jogos

mais importantes do time começar.


Pouco me importa qualquer coisa que aconteça ao meu redor. Mia vem

em primeiro lugar. Sempre. Isso não é algo que vai mudar. Nunca.
— Oi — atendo ofegante e não dou a oportunidade de ela falar,

disparando perguntas enquanto corro até a saída. Eu sabia que algo estava
errado. — Oi, Mia. Desculpa a demora. Desculpa. O que aconteceu? Estou

indo até você, o que aconteceu? Chego em dez minutos!


Um fungar do outro lado da linha corta meu coração.

— Bran... eu... — um choramingar soa. — Eu preciso de você.


É o suficiente para que eu deixe a porra do jogo e todo o resto do

mundo para trás.


— O que foi, moleque? — tio Marcus me pergunta, quando ultrapasso
a porta de sua casa como se fosse a minha. — Ainda não se cansou de ver

minha cara velha?


Sorrio para ele, que está com os cabelos despenteados e a barba por
fazer, deitado no sofá enquanto assiste a um programa aleatório de decoração.
Ele está tirando um pequeno período de férias — forçadas pela minha mãe,
que é sua sócia —, e está fingindo que não precisa fazer nada disso apenas

porque pode.
— Você me adora — provoco. — Vai morrer de saudades de mim.
Ele suspira, colocando as mãos no peito. É claro que vai sentir. O cara

me adora. E é recíproco. Desde que me mudei para cá e me tornei amigo de

Mia, ele sempre me tratou como um filho.


Isso também já foi motivo de muitas brigas entre mim e a ciumentinha

que chamo de minha metade. Segundo ela, tudo bem receber o maior pedaço
de torta de maracujá da minha mãe, mas nada feito quanto a eu ser amigo do

pai dela.
— Deixa de ser egocêntrico e vai consolar sua metade.

— Ainda está chateada?


— Sim e eu espero que te maltrate muito antes de perdoar.

— Você reclama, mas é tão ciumento quanto a sua filha — retruco. —


Não se preocupe, tenho uma carta muito boa na manga.
— Posso saber o que é?
— Não — respondo, subindo as escadas.
— Vou ter uma conversa com a sua mãe sobre essas suas atitudes mal-
educadas.
Não respondo, sorrindo, ao invés disso, caminho até a segunda porta

do corredor, abrindo-a e tendo a visão da garota mais mimada que já conheci


na minha vida.

— Soube que a minha metade está triste.


— É porque a minha vai embora — ela choraminga, tirando os olhos

de mim para enfiar o rosto no travesseiro.


Seu corpo tremula na cama, chorando copiosamente com tecido

abafando o som. Puta que pariu. O universo não quis cooperar a meu favor
quando a minha ida para a faculdade coincidiu exatamente com a TPM dela.

— Mia, é por pouco tempo.


Seu rosto se levanta, dessa vez, vermelho de raiva.

— Um ano não é pouco tempo.


— Venho te visitar sempre que der — digo, me sentando ao seu lado e

trazendo sua cabeça até meu colo. — E você também pode ir sempre que
quiser.

— Não vai ser a mesma coisa.


— Metade — chamo-a, esperando que erga os olhos para mim. — É a
faculdade. Mesmo que eu queira ficar, não poderia. E você vai para lá no ano
que vem.
— Eu sei — diz, deixando mais lágrimas escaparem. — Eu sei que
estou sendo dramática.
— Você tem um bom motivo — brinco, limpando seu rosto. — Vai

ser horrível viver sem mim.


Ela funga, rindo.

— Vai ser muito bom ter a torta da tia Evy só para mim.
Fecho a cara, fingindo estar bravo por isso.

— Não tinha lembrado dessa parte.


Mia se senta na cama, se arrastando até se encostar na cabeceira da

cama, ao meu lado, tão próximo que ela deita a cabeça em meu ombro,
suspirando.

Enfio a mão no bolso e tiro dele duas canetas coloridas que ela estava
querendo muito há um tempo, mas que tio Marcus estava se enrolando para

encontrar porque não há mais estoque na marca. Felizmente tenho alguns


contatos, dei meu jeito e consegui duas.

São canetas bem simples, parecem até mesmo bem frágeis. O corpo de
uma delas é lilás, a outra azul e ambas têm corações brilhantes desenhados.

Totalmente brega. Igual a mim.


Mia, porém, parece estar recebendo o mundo em suas mãos.
— Mentira! — quase grita, animada, se ajoelhando na cama antes de
me abraçar, sem nem mesmo pegar as canetas antes. — Obrigada, Bran!
Você é o melhor de todos.
Rio da sua felicidade, sentindo meu coração se aquecer ao finalmente
ver um sorriso em seu rosto. Mia volta a se sentar na cama, jogando as pernas

bonitas acima das minhas, antes de segurar as canetas e abri-las, riscando um


coração na minha mão para ver a cor. É preta. Como a enorme coleção que

ela tem, mas não a deixa menos feliz.


É nesse momento que o tio Marcus passa, e como nunca nos

preocupamos em fechar a porta, ele olha para dentro, não esboçando


nenhuma reação ao nos ver tão próximos. Ele sabe que entre nós dois nunca

houve malícia.
Não fora da minha cabeça, pelo menos.

— Está melhor, princesinha?


— Pai, olha as minhas novas canetas! — ela mostra, animada.

Tio Marcus revira os olhos e me lança um olhar quase mortal.


— Se parece muito com as que já tem.

— Para de ser ciumento, cara — provoco, rindo. — São apenas


canetas.

— Já tive a sua idade, garoto — diz, antes de sair. — Essa história


barata, eu não compro.
Mia e eu rimos, mesmo que ainda haja um clima de despedida no ar.
Em algum momento, ela se aconchega em meu peito. E assim ficamos.
Em silêncio. Sabendo que um ano é sim, muito tempo. Entretanto, sei que
mesmo que meu coração fique aqui com ela, passaremos por isso. Daremos
um jeito de estarmos juntos, mesmo que longe.

— Brandon — chama, quando a noite cai lá fora. — Verdade ou


desafio?

Eu rio.
— Desafio, metade. Você sabe que sempre escolho desafios.

— Eu te desafio a prometer que nunca irá esquecer de mim.


— Isso não vale! — reclamo e ela se levanta com pressa do meu peito.

— Por que não?


— Porque não esqueceria de você nem se quisesse. Nem se me

esforçasse muito.
— Eu quero ouvir você dizer.

Suspiro e sorrio, aproveitando que está distraída para levar meus dedos
até a parte de trás do seu pescoço, abrindo a correntinha que ela usa com o

seu nome. Ela sente o movimento, mas não faz nada para impedir, apenas me
encarando enquanto seguro o fio de ouro em minhas mãos, colocando nas

dela.
Desencosto meu corpo da cabeceira, permitindo que ela se ajoelhe na
cama, ao meu lado e seus dedos delicados rocem na minha nuca, arrepiando-
me enquanto coloca a correntinha em mim.
Então, ela se senta sobre os próprios pés e encara seu nome
descansando em meu peito. Não é grande, mas tem tamanho suficiente para
ser visto de uma certa distância considerável.

— Vai andar por aí com o meu nome no pescoço? — ela pergunta,


sorrindo. — Tipo uma coleira?

Tombo a cabeça para o lado, analisando seu ponto de vista.


— É, tipo isso, eu acho — confirmo. — Você já me trata como um

cachorro mesmo.
Mia gargalha, tombando a cabeça para trás e me deixando admirá-la

enquanto o som sai dos seus bonitos lábios.


— Eu nunca vou te esquecer — digo, quando ela para de rir. —

Prometo.
Afinal, ninguém consegue esquecer o amor da sua vida.
Reinos podem cair, anjos podem chamar
Nada disso me faria ir embora
Toda vez que olho nos seus olhos, eu vejo
Você é tudo que eu preciso

Get You — Daniel Caesar ft Kali Uchis

Estou uma bagunça quando ouço a porta do quarto ser aberta.


Sei disso porque quando saí de casa, estava maquiada. Acordei

decidida a ir ao jogo mesmo que ainda estivesse chateada com Brandon,


porque, independente de tudo, ele ainda é meu melhor amigo.

Só que eu não estava preparada para ouvir o que ouvi quando pisei
para fora dos portões da fraternidade. Eu não estava pronta para encarar

aquele garoto. E definitivamente, não estava pronta para reviver um fantasma


do passado.

— Vim o mais rápido que pude.


É a única coisa que ouço depois que me arrastei até o quarto, antes de

ser amparada por seus braços e finalmente desabo. Agarro seu corpo como se
ele fosse uma boia e eu estivesse à deriva no meio do mar.
A dor que meu coração experimenta agora, é semelhante àquele vinte e
três de fevereiro, há treze anos atrás.
Estou vendo ela fazer as malas, colocando dentro do compartimento
apenas dinheiro e suas joias, enquanto escuta uma menina perguntá-la o que
está fazendo.

Não consigo pensar em mais nada. Minha mente não consegue pensar
em nada que não sejam as lembranças do meu aniversário de sete anos.

Todos os segundos rondam a minha cabeça em uma espiral que parece estar
me acorrentando em minha própria cabeça.

No entanto, tudo para quando chego ao momento em que um garotinho


segura a minha mão e não a solta. Como agora.

Estou sendo apertada em seus braços. Ele está suado e ofegante, como
se tivesse acabado de sair de uma maratona de corrida e, levando em conta

que disse que veio o mais rápido que pode, sei que nem mesmo pensou antes
de correr até aqui.

Me lembro de que hoje está rolando um jogo importante do


campeonato, um dos últimos e que ele deveria estar lá, exercendo seu papel

no time e não aqui, dando colo a mim e balbucio em meio ao choro:


— Seu jogo… você tem que ir…

Sua mão toca meus cabelos, tirando uma mecha do rosto e a colocando
atrás da minha orelha.
— Você é mais importante, minha metade — sopra, suas mãos
subindo e descendo por minhas costas em uma tentativa de me acalmar. —
Sempre será mais importante que tudo.
Então, meu choro recomeça.
Porque ainda estou chateada. Dissemos coisas feias um para o outro é

mesmo assim… mesmo assim, ele veio.


Brandon veio porque sabe que independente de tudo, ele ainda é meu

melhor amigo.
Ainda é o cara que me defende de tudo e todos, mesmo que eu esteja

errada.
Ainda é o abraço que me faz sentir segura. Como agora.

Ele não fala nada. Apenas continua parado com o rosto enfiado entre
meus fios de cabelos e as mãos em volta da minha cintura com força, como

sabe que me acalma.


Eu não emito nenhum som.

Não sei exatamente quanto tempo se passa até que ele caminhe comigo
em direção ao sofá e se desfaça dos seus tênis, se sentando comigo em seu

colo. As meninas não estão em casa, todas foram ao jogo.


Suas mãos voltam a acariciar minhas costas devagar, como se

estivesse me acalmando. Já estou calma. Estou calma desde quando ele


passou pela porta.
— Vou tomar um banho — digo, mas não me movo. — Você também
deveria, está todo suado.
Brandon se levanta novamente, caminhando comigo em seus braços
até o andar de cima, entrando no meu quarto. Ele só me solta quando estou
dentro do banheiro.

Beija minha cabeça, empurrando sutilmente meu corpo em direção ao


box.

Quando ouço a porta do quarto bater, sei que deve ter ido até o
banheiro do corredor para tomar seu banho e finalmente entro debaixo da

água fria, sentindo meus músculos relaxarem minutos depois, como se a água
fosse o suficiente para levar toda a angústia embora.

Não é.
Eu sei que não.

Mas prefiro acreditar no contrário.


Esfrego-me com mais força do que necessário, sentindo que só assim

me sentirei em paz. Como se a água fosse capaz de me livrar do toque dela


em mim.

Quando a água cai sobre meus cabelos, eu sinto o puxão. Forte,


dolorido, de arrancar os fios, literalmente. Faz anos que não deixo os fios

loiros crescerem e sempre existiu uma motivação.


Eu não queria lembrar dela a cada vez que precisasse tocar nele.
Saio do boxe, parando em frente ao espelho.
Está grande.
Eu consigo sentir.
Consigo sentir o toque dela nele.
A sensação é tão real que não me contenho e no segundo seguinte,

estou levando as mãos até a gaveta da pia, pegando a tesoura.


Então, estou cortando o cabelo.

Curto.
Muito curto.

Do jeito que ela odiava.


Do jeito que não machuca sentir. Ver. Tocar. Olhar.

Estou trêmula, mesmo assim continuo a cortá-lo, me livrando dela.


Tentando, desesperadamente, esquecer.

Desperto quando ouço a porta ser aberta com brusquidão e Brandon


passar por ela.

Acho que estou chorando. Tem lágrimas rolando em meu rosto quando
encaro o meu reflexo. Mas não consigo escutar. É como se meus ouvidos

estivessem tapados e nada passa por ele além da voz dela.


Você é a pior desgraça que já me aconteceu.

Sinto nojo de você.


Queria ter coragem de me livrar de você.
No.jen.ta.
Ingrata!
Meu pé dói. No exato lugar em que ela deixou sua marca em mim.
Então, eu ouço.
Ouço o barulho dos meus soluços e da porra do portão de ferro bater.

No segundo seguinte meus joelhos estão indo ao chão, implorando. Me


humilhando.

Por favor, não vá.


Por favor, não me deixe.

Por favor. Você é a minha mãe. Me ame.


Eu ouço o momento em que Brandon chega e se escora na grade,

segurando a minha mão.


Ele segura minha mão até que o choro cesse.

Até que eu pegue no sono.


Quando acordo e vejo as suas olheiras me encarando, uma melancolia

toma conta de seu rosto, enquanto seus dedos passeiam pelos fios curtos do
meu cabelo.

E então, eu choro de novo.


Choro porque lembro.

Choro porque quero esquecer.


Choro. Choro. Choro.
Choro porque queria me importar menos.
Choro porque queria ter coragem de dar as costas a ela do mesmo jeito
que ela deu a mim.
Eu queria conseguir.
Ela é a minha mãe.

E me abandonou, me deixando sozinha quando tudo que eu precisava


era do seu abraço, do seu colo.

Choro porque ela ainda consegue me afetar mesmo que longe,


seguindo o caminho que sempre quis.

Eu choro, porque não aguento mais chorar. Choro porque não aguento
mais sentir. Choro porque tudo o que eu queria, era ter um botão para apagá-

la de mim.
Garoto, eu te ouço nos meus sonhos
Sinto seu sussurro do outro lado do mar
Eu te guardo comigo no meu coração
Você facilita as coisas quando a vida fica difícil


Sorte de estar apaixonado pela meu melhor amigo
Sorte de ter estado onde estive

Sorte de estar voltando pra casa novamente


Lucky — Jason Mraz
No meio da madrugada, ela finalmente faz algo além de deixar as

lágrimas rolarem, enquanto olha para o nada.


Sua cabeça se move em meu peito, suas pernas se dobram e eu trago a

coberta para cima de nossos corpos.


Como saí apressado da quadra, não trouxe nada além do meu celular.
Estou vestindo apenas uma cueca que encontrei em seu armário, porque o
meu uniforme do time estava podre de suor.
Mia me olha por minutos e meus dedos acariciam seus fios, ainda mais
curtos que o normal.
Eu a encontrei assim que bati na porta. Ela se jogou em mim com tanta
força que chegou a doer minhas costelas. Quando anunciei minha chegada,
ela disse que tomaria um banho e que eu deveria fazer o mesmo.

Então, usei o banheiro social e me vesti rapidamente e voltei para o


quarto, pois queria estar aqui quando saísse do banheiro. Foi quando ouvi um

barulho estranho.
Ela estava chorando.

E isso, por si só, já deveria me deixar preocupado, no entanto, o que


potencializou isso, foi o som metálico que ouvi. Como se uma faca ou uma
tesoura caísse sobre o mármore da pia, e lembrei.

Lembrei que sempre renova o corte quando seu cabelo começa a


crescer. Mia não quer lembrar daquele dia. Não quer lembrar de quando ela a

machucou.
Eu só achei que... dessa vez, ela deixaria. Eu achei que longe de casa

— e consequentemente longe do ambiente em que sua mãe viveu —, com


nossos amigos e seu sonho começando a ir para frente, realmente achei que

conseguiria abandonar essa amarra e ser livre.


Só a vi com os fios longos no dia em que a conheci.
Depois, quando me perseguiu na escola, eles já estavam curtos. Ela
nunca me contou por que fez aquilo, só dizia que se sentia melhor daquela
forma. Quando crescemos, em algum momento, entre levá-la ao salão ou
ajudá-la a cortar em casa, entendi que era apenas a sua forma de não lembrar.
Ela cortava os cabelos com uma frequência absurda. Algumas

meninas, na adolescência, a questionavam se ela tinha algum problema com o


crescimento dele porque não parecia sair do lugar. Mas não. Mia os cortava

todo mês. Sabia disso porque era a exata quantidade de tempo em que
demorava a tocar em seus ombros.

Eu a via. Quando pensava que ninguém estava olhando, bastava


apenas seus fios encontrarem a pele de seus ombros para que seu rosto se

transformasse em uma careta de dor e desespero. Era como se tivesse uma


adaga perfurando-a de fora a fora.

Agora, depois que viemos para cá, a vi cortar apenas algumas vezes.
Sempre vi Kim a incentivando a deixar crescer, mas ela tinha receio. Não me

falava, mas eu via.


Já deveria ter mais ou menos dois meses que não cortava o cabelo.

Eles estavam quase passando dos seus ombros, de uma forma tão angelical e
graciosa… Mas quando abri a porta do banheiro e vi, precisei engolir o meu

choro.
Estão mais curtos do que em qualquer outro momento de sua vida,
poucos centímetros abaixo da sua orelha, não seguem um padrão de corte.
Está todo repicado, como se ela estivesse tentando se livrar de todos os fios.
De tudo que lembra aquela mulher.
— Ainda está aqui.
Sua voz doce e fragilizada anuncia, como se em todas essas horas que

está em meus braços, não tivessem existido para ela. Como se estivesse
saindo de um transe.

— Eu nunca te deixaria, minha metade.


Seu corpo se move. Mia se ajoelha antes de apoiar os joelhos um de

cada lado do meu corpo, sentando-se no meu colo, de frente para mim. Ela
tenta puxar a coberta de volta, mas a posição não ajuda e eu seguro as pontas

do tecido fofo, puxando até cobrir seus ombros quando sua cabeça se afunda
em meu pescoço.

— Quer conversar? — pergunto, acariciando suas costas por debaixo


da coberta.

O abajur está ligado, mas não ilumina tanta coisa assim. Quando Mia
ou eu estamos em uma situação como essa, preferimos assim. É algo nosso.

— Ela está doente — diz, baixinho. — E quer me ver.


Entendo o ela sem que precise citar o nome. Ela, é a mulher que a

deixou. A mulher que escolheu abandonar a felicidade que há nos olhos de


Mia.
— Eu não sei se quero ir — funga, mas levanta a cabeça, me olhando.
— Você iria, Bran?
Não, Mia.
Eu não iria.
Se ela me machucasse da forma que fez com você, eu jamais a

perdoaria, minha metade.


Eu não posso dizer isso a ela, no entanto. Porque enquanto meu

coração é feito de rancor, o dela só tem amor.


Mia é pureza. Mas eu... sou duro. Egoísta. Mimado.

Não digo nada disso, porque embora queira que ela escolha não ir, não
posso fazer isso. Jamais conseguiria dormir à noite sabendo que Mia pode

estar se corroendo em culpa por nunca ter ido ver aquela mulher.
Eu me recuso a intitulá-la como mãe.

— Ela está muito doente? — pergunto, ao invés disso.


Mia assente.

— Câncer no intestino.
— Ela te procurou?

— Não — seus olhos enchem ainda mais, sua voz se tornando mais
fina à medida que o choro toma conta de sua garganta. — Um garoto me

procurou, seu nome é Connor. Ele disse que ela o abandonou também, Bran.
Ela nunca nos amou e agora quer o nosso perdão para morrer em paz. Ela
quer ter tudo o que não nos deu. Connor queria saber se eu iria e eu... eu me
sinto uma boba por querer. Por querer ir até lá e dizer que ela pode descansar.
— Meu amor — seguro suas bochechas, esperando que seus olhos
focalizem nos meus. — Está tudo bem. Você não é boba. Só boa demais.
— É a mesma coisa.

— Não é não.
— Você disse que sim!

Reviro os olhos, brincando, embora o momento não seja propício.


— Eu tinha oito anos — reclamo. — Não tinha nem barba.

— Não tem até hoje.


— Tiro tudo, fico ridículo.

— Não fica nada — retruca.


— Está dizendo que sou lindo de todas as formas?

Suas bochechas coram.


— Não!

— Está sim.
— Não estou, Brandon, para de ser egocêntrico.

— Admita, minha carrapata — semicerro os olhos. — Eu sou lindo de


todas as formas.

— Nem que me paguem.


— Ah, é? — ergo as sobrancelhas. — Então vai ser assim?
— Vai, vai ser exatamente assim, do jeito que eu quero.
— Vou te ensinar a ser menos mimada!
— Falou o cara que me deixou mimada — revira os olhos, sorrindo.
Jogo seu corpo para trás, fazendo ele quicar e Mia ri. Me coloco sobre
ela, as pernas em torno de seu corpo e uma das minhas mãos segurando as

suas acima da cabeça.


— Vamos — mando. — Admita que sou lindo de todas as formas!

— Jamais farei isso.


— É o que veremos agora.

O riso de Mia preenche o quarto, onde até poucos segundos atrás,


morava a tristeza. Ela se debate e grita por mim enquanto minha mão livre se

move com rapidez em sua barriga e costelas, fazendo cócegas.


— Brandon! Eu... não consigo respir... respirar...

Paro por alguns segundos. Mia olha para mim, as bochechas coradas,
mas dessa vez não pelo choro. Um sorriso involuntário escapa de seus lábios

enquanto puxa generosas lufadas de ar.


— E então? Mudou de ideia?

— Você é um idiota.
Aproximo minha mão novamente, mas então ela se rende.

— Para! — manda e minha mão estagna no mesmo momento,


buscando seus olhos. — Eu digo.
Mia fica calada.
— Estou esperando.
— Você fica lindo de todos os jeitos.
— E o que mais?
— Era só isso.

— Só isso? — finjo indignação. — Eu mereço mais que um simples


“lindo”.

Ela revira os olhos.


— Também é a minha pessoa preferida. E eu nunca conseguiria viver

sem você.
Rio da sua cara ao dizer isso, mas em instantes, ambos deixamos o riso

morrer sabendo que ainda temos o que conversar. Solto suas mãos e passo a
me apoiar em cima do seu corpo com os cotovelos.

— Eu não quis te acusar de... — interrompo-me ao ver seu olhar se


tornar severo. — Certo, eu quis. E peço perdão por isso, mas é que...

Não sei como continuar.


— O que?

— Tem uma coisa nessa história que nunca te contei.


— O que?

— Você nunca deveria saber sobre esse acordo. Há uma cláusula no


contrato em que a ciência sobre a minha paternidade e o acidente da minha
mãe nunca deveria sair daquela bolha.
— E por que me contou?
— Porque você é a minha metade. Porque confio a minha vida à você.
— Não foi o que pareceu.
— Eu sei — admito. — E não sabe o quanto estou me martirizando

todos esses dias por saber que terei que reconquistar sua confiança. Mas é
que eu perdi a cabeça quando ele disse aquilo, eu senti a ameaça velada em

seu tom, Mia.


— Ele quem? Ryan?

— Sim. Ele também não deveria saber de nada, mas disse que eu
deveria tomar cuidado a quem eu contava nossos segredos de família e eu

só...
— Só contou a mim.

— Sim. Eu fiquei com medo. Se isso viesse a acontecer um dia, a


minha mãe sofreria as consequências de Jonas. Ele vai fazer de tudo para

prejudicá-la e não posso deixar isso acontecer. Por favor, amor, entenda que
eu não quis... — agora, sou eu quem choro. — Não quis te acusar. Eu não

estava pensando, só queria proteger a minha mãe. Ela não merece ter mais
esse fardo.

— Bran... — suas pequenas mãos tocam meu rosto, limpando minhas


lágrimas. — Se está querendo dizer que é um fardo para sua mãe, está errado,
lindo. Aquela mulher te olha como se você fosse o mundo dela. E é.
— Ela não teve escolha, meus avós a obrigaram a me ter.
— Mas ela te ama, Bran. Independente de Jonas ou seus avós, Evy te
ama.
— E é por isso que não posso continuar trazendo problemas para ela.

Mas acabei trazendo para você. Te magoei. E se não estivéssemos brigados,


teria ido ao jogo comigo, vestiria a minha camisa suada quando eu te

erguesse mostrando para todos o meu verdadeiro troféu e ninguém teria te


procurado, ninguém teria te deixado tão triste.

Mia inverte nossas posições com facilidade, praticamente se deitando


em cima de mim. Suas pequenas mãos voltam ao meu rosto, impedindo-me

de olhar para qualquer lugar que não seja seu rosto.


— Não é sua culpa.

— É claro que é.
— Bran — chama. — Não é sua culpa.

— Mia...
— Não é sua culpa — ela beija meu nariz. — Não é sua culpa — meus

olhos, um por um. — Não é sua culpa.


— Não pode dizer isso... não quando estava sozinha porque...

— Brandon — chama mais uma vez, a voz bem séria. — Precisa parar
de pensar que é o responsável por tudo o que acontece ao seu redor.
Brigamos. É normal para qualquer casal. Estou magoada com você, sim,
porque deveria conversar comigo ao invés de ter me acusado. Mas vamos nos
acertar. Se a torta de maracujá da sua mãe não nos separou, acredite, Ryan
Nolan, não irá.
Meu peito se enche de amor. Não sei exatamente por qual parte. Se por

saber que para ela, brigar por uma torta de maracujá é mais grave que por um
idiota ou se por ter dito que brigas é normal entre qualquer casal.

— Connor me encontraria de uma forma ou de outra. Ele estava me


ligando há um tempo, mas eu o ignorava, não sabia que era ele. E sobre o

Ryan... deve haver algum jeito dele ter ciência dessa história e só queria te
testar para saber se você sabia ou se havia contado para mais alguém e você

mordeu a isca.
Porra.

Ela está certa.


Afundo minha cabeça no colchão.

— Como sempre.
— Bran?

— Oi, metade.
— Confia mesmo tanto assim em mim?

Solto um riso nasalado.


— O que esperava, Mia?
— Ah, é que é coisa de família...
— E você é minha família, Mia. Se tornou minha família no dia que
conseguiu abrir aquele portão.
— Mas nunca abri...
— Estou falando do portão do meu coração, tagarela — interrompo.

— Aquele que você não pediu permissão.


— Foi tão fácil — ela sorri, de forma genuína. — Ele nem tinha

cadeado. Estava só um pouco emperrado.


Sorrio para ela, trazendo seu rosto para meu peito, enquanto nossas

respirações sincronizam até que não seja ouvido nenhum sussurro entre nós.
Dormimos agarrados um ao outro, como sempre deveria ser. Esquecendo

que, lá fora, é tudo caos.


Porque tudo o que importa está aqui.
Se ao menos você visse o que eu posso ver
Você entenderia porque eu te quero tão desesperadamente
Agora mesmo eu estou olhando para você e eu não consigo acreditar
What Makes You Beautiful — One Direction

— OH-MY-GOD!
Ouço uma reclamação quando Brandon e eu imitamos Janice,
personagem secundária de Friends, uma das nossas séries favoritas. Ela é

chata pra caralho, porém icônica, a série não seria a mesma sem os seus
ataques histéricos.

— Não aguento mais a breguice deles — reclama Kyle. — Estou


quase vomitando.

Estamos no apartamento dos irmãos Ballard. Resolvemos fazer uma


pequena reunião depois de todo o caos que vem acontecendo conosco nos

últimos meses. A ideia foi da Kim, e claro que Asher foi o primeiro a topar.
Brandon e eu não perdemos a oportunidade de reunir todos para assistir

Friends.
Embora todos reclamem e façam corpo mole quando dou a ideia,
Brandon diz que eu só preciso sorrir para eles, que aceitam. Não concordo.
Parece até que eu sou mandona e eles fazem tudo o que eu quero. Só
acontece às vezes.
— Para de ser burro — é Asher que o repreende, a voz meio engessada
pela mascara de argila. — Quero ver quando você se apaixonar se não irá

ficar igual ou pior que eles.


— Não estou falando dessa parte. Eles são assim desde que nos

conhecemos. Está chegando a um nível insuportável.


— Você é patético — Brandon diz para ele, revirando os olhos.

— Parem de falar — Kimberly resmunga. — Será possível que nunca


poderemos assistir algo até o final ou sem pausar a cada trinta segundos?

— A culpa é do seu irmão — aponto para ele ao meu lado, que morde
meu dedo. — Ai que nojo!

Brandon ri enquanto me segura para não avançar sobre Kyle, que já


está longe, praticamente em cima de Asher, fazendo dele uma barreira

humana.
— Meu melhor amigo é lutador.

— Quem liga, seu babaca? — esbravejo, tentando alcançá-lo. — Vou


acabar com você.

— Desse tamanhinho? — ele debocha, mas não desgruda do Ash. —


Não vai nem me fazer cócegas.
— Porque não vem até aqui, então?
— Sou alérgico a carrapatas.
— Solta ela, Brandon — Kim pede, rindo. — Eu imploro.
— Como você pode dizer uma coisa dessas? — Kyle pergunta,
horrorizado, antes de encarar Asher. — É esse tipo de namorada que você

quer? Que desrespeita e torce pelo mal do seu melhor amigo?


— Me pergunto como me tornei seu melhor amigo.

— Ah, então vai ser assim? — agora ele está indignado. — Vocês se
apaixonam e eu fico à deriva? — o babaquinha cruza os braços. — Não

gostei disso. Eu exijo respeito!


— Mudei de ideia sobre você ser o meu marido reserva — anuncio,

cruzando os braços. — E agora estou sem opções, já que a Kimberly amarrou


o Asher.

— Tem o Hector — Kim sugere, me fazendo pensar. — Ele é bonito e


também joga. Gosta de uns bolinhos bem doces e uma colega disse que é

bom de cama.
— É uma boa opção. Gostei, vou colocar na lista.

Brandon engasga atrás de mim, ainda me segurando.


— Achei que eu fosse seu marido reserva — resmunga, chateado.

— Não — respondo, deve ter um enorme ponto de interrogação na


testa. — Você seria o marido. Achei que essa parte era óbvia.
O marido reserva, é algo que veio da série que está rolando na
televisão nesse momento e que ninguém está prestando atenção.
— Nunca disse antes.
Minhas bochechas se avermelham.
— Pelo amor de Deus! — Kyle grita, interrompendo nosso momento.

Olho para ele, que está com as mãos enfiadas nos cabelos, como se estivesse
louco. — Eu não mereço isso.

— Kyle, deixa eles — Asher reclama. — Os dois estão descobrindo


que sempre foram apaixonadinhos um pelo outro.

Brandon me aperta um pouco mais.


Partiremos para Baltimore amanhã cedo e tomamos uma decisão sobre

algo que deveríamos ter feito há tempos. Iremos enfrentar nossos passados,
pela primeira vez, e confesso que isso me deixa nervosa. Acho que por isso,

ninguém reclamou quando quase os forcei a nos reunirmos.


— Nossa, ela está descobrindo só agora? Depois que deu uma coleira

para o cara e ele dizer que queria tatuar o nome dela no próprio pau? Pelo
amor de Deus, de novo!

Minha pele esquenta, sinto uma súbita vontade de rir mas apenas olho
para trás, encarando um Brandon mais vermelho que um pimentão.

— O que? — Kim e eu perguntamos ao mesmo tempo antes de ela


explodir em uma gargalhada.
— Deixa eles em paz, Kyle — Asher reclama de novo, mas está rindo
dessa vez. — Vamos aproveitar a chuva para pegar uns cobertores, anda.
— Que história é essa? — pergunto quando ele volta a me colocar
sentada ao seu lado, minhas pernas por cima das suas. — Ficou doido? Você
morre de medo de agulhas.

— Eu estava bêbado e deprimido — se defende. — Porque você não


me notava. Mas, se você quiser, posso fazer.

— Valeu, mas eu passo — reviro os olhos. — Seria estranho pra


caralho.

— Não revire os olhos — ele aperta meu nariz. — E só você veria


mesmo, quando fosse me...

— Fica quieto! — tampo sua boca e B ri, me encarando.


— Vou fazer você ficar quieta, isso sim.

— Ah, é? — ergo as sobrancelhas. — Quero ver essa marra toda mais


tarde.

— Mais tarde? — B pergunta, enlaçando minha cintura para me trazer


para mais perto dele e sussurrar no meu ouvido: — Não pode ser agora?

Olho para trás, toda arrepiada, vendo Kim quase dormindo no sofá
enquanto Kyle e Asher chegam segurando alguns cobertores.

Se a gente sair agora não vai fazer nenhuma diferença, não é?


Eles nem irão sentir nossa falta e eu só retribuirei o favor, por todas as
vezes que fiquei esperando eles fazerem o mesmo que quero fazer agora.
Além do mais, a ideia de eu e Bran nos trancarmos em um quarto sem
roupas, é uma proposta boa demais para ser negada assim.
— Estamos indo! — anuncio, me levantando em um pulo e arrancando
uma risada de Brandon, que também se levanta e segura minha mão depois

de recolher nossas coisas.


— O que? — chia Kyle. — Vão nos deixar sozinhos assistindo isso?

Por quê?
Asher revira os olhos e damos as costas, rindo.

— Você é tão inocente, às vezes. Dá até vergonha ser seu amigo.


— Melhor amigo — Kyle corrige. — Sou o seu melhor amigo.
Vá em frente e chore, garotinho
Você sabe que o seu pai também chorou
Você sabe pelo o que sua mãe passou
Você tem que deixar isso sair logo, só deixe sair

Daddy Issues — The Neighbourhood

Acordar com Mia em meus braços tem um gosto diferente. É o que


constato antes mesmo de abrir os olhos e encontrar os seus já me encarando.

— Sabia que é estranho ficar olhando outra pessoa dormir?


Mia ri, seu corpo nu chegando para mais perto do meu, enquanto suas

mãos se movem carinhosamente pelo meu rosto.


— Não pude resistir.

— Meus encantos são mesmo irresistíveis.


— E o seu ego é enorme.

— Eu gostaria muito que redigisse esse elogio a outra parte de mim.


— Oh, claro — ela revira os incríveis olhos castanhos. — Como pude

me esquecer do Grande Bran?


Gemo, envergonhado.
— Assim não.
— Você quem disse.
— Como minha melhor amiga, você deveria fingir que não ouviu.
— Melhor amiga, huh? — Mia ergue as sobrancelhas.
— Uhum — digo, tirando a coberta de seu corpo e rolando sobre ele,

ficando por cima e beijando seu pescoço. — Enquanto não houver um


pedido, será assim.

— Está insinuando que vai haver um?


Minha boca desce pelos seus ombros.

— Quem sabe?
— Hummm, Brandon? — chama em meio a um gemido abafado

quando abocanho seu seio. — Sei que parece bastante… empenhado, mas
precisamos sair em meia hora.

Levanto a cabeça, um pouco decepcionado por não ter pensado em


acorda-lá antes.

— Sabe o que isso significa? — me empolgo. — Que vamos tomar


banho juntos para poupar tempo.

Mia ri enquanto é carregada por mim em direção ao banheiro.


— Tudo o que não vamos fazer é poupar tempo se tomarmos banho

juntos.
— Confie em mim, minha metade, não iremos nos atrasar.

Nos atrasamos.
Mas em minha defesa, não foi culpa minha.

Foi dela.
Foi culpa da boca dela.

— Nunca vou cair nesse papinho de que era virgem.

— Olhe quem está falando — ela revira os olhos enquanto termino de


afivelar o cinto do carro em seu corpo. — Estou andando como um pato!
— Você estava naquele banheiro comigo quando minhas pernas

perderam as forças?
Ela ri, me dando um selinho esperando pacientemente que eu dê a

volta no carro e sente no banco do motorista.


— Os benefícios da leitura são ótimos — se defende. — Você não tem

uma desculpa, tem? Eu duvido que aquela tenha sido a sua primeira vez.
Dou partida no carro.

— Muitos anos treinando com a minha própria mão para não te


decepcionar e é assim que eu sou parabenizado.

Olho de relance para ela, que tem o nariz franzido e uma expressão
confusa no rosto.
— As pessoas parabenizam as outras depois de transarem? Essa é
novidade para mim.
Reviro os olhos.
— Se a intenção é me irritar, está conseguindo.
— Me poupa, Brandon, quem deveria estar irritada aqui sou eu.

— Está duvidando da minha pureza, isso é inadmissível.


— Oh, Brandon, depois de sábado, tudo o que não existe em você é

algo puro.
Coloco a mão no peito, fingindo estar ofendido.

— Essa acusação me magoou, carrapata.


— Me chamar assim me magoou!

— Roubar tortas alheias não te magoa, não é?


Reviro os olhos.

— Por favor, você tem vinte e um anos.


Mia ri e não fala mais nada, logo sei que está pensando no que vamos

fazer quando pararmos o carro.


— Está nervosa?

— Estou — admite. — Você não?


— Nunca senti nada por ele. É indiferente para mim.

— Estou com pena dela.


— Acredito que seja normal. Ela está em uma situação vulnerável e
mesmo que você não admita, sempre esperou que voltasse.
Ouço seu suspiro triste e diminuo a velocidade do carro, colocando a
palma da mão em sua coxa.
— Eu dei o meu melhor, Bran. Você está certo, eu esperei que
voltasse, queria que ela visse que eu valia a pena.

— Você vale a pena, amor.


— Não para ela.

— Vale para mim — esclareço. — Vale muito mais que isso para
mim.

— Valho uma torta de maracujá?


— Não vamos discutir isso — aviso, olhando-a rapidamente, que sorri

largo. — Não conte para a minha mãe, mas eu trocaria uma torta de maracujá
por você.

— Ou podíamos só comer a torta juntos.


— Você não deu essa opção.

— Estava te testando. Você foi reprovado.


— Amor, qual é? — bufo. — Faço tudo por você. Deixe as tortas da

minha mãe de lado apenas uma vez. Elas são sagradas.


— Ainda não entendo como pude me tornar sua amiga.

— Precisa que eu lembre? Me perseguiu…


— Não persegui!
— Eu sentia a sua respiração no meu braço.
— Isso era porque você andava muito rápido.
— Suas pernas são curtas.
— Não fale das minhas pernas.
— Não é por mal, adoro elas. Principalmente quando estão…

— Brandon Díaz!
— Chata! — reclamo, revirando os olhos. — Nem parece que quase

implorou ontem a noite.


— Pare de dizer essas coisas.

— O que? — pergunto, num falso tom angelical.


— Está se fingindo de bom samaritano, saiba que não me engana. Não

pode falar essas coisas porque estamos no trânsito.


— Tem um hotel no caminho, podemos parar e aí você…

Sinto um tapa leve no meu pescoço, me interrompendo.


— Dirige e cala a boca.

— Porque não vem calar com um beijo? Ou melhor, eu paro e aí você


cala com a…

Sua mão tampa minha boca, rindo. Mesmo sem olhá-la, posso jurar
que está com as bochechas coradas.

— Essa sua boca suja…


Paro no sinal vermelho e tiro meu cinto rapidamente antes de me
inclinar, beijando sua boca.
— Você pareceu adorá-la ontem a noite.
— Hum — ela repensa, com um sorrisinho sacana de canto. — Quem
sabe não deixo você usá-la mais tarde?
Porra. Esse jeitinho meigo dela me deixa maluco.

— Na sua casa ou na minha?


— Em qualquer lugar.

— Adorei a ideia — digo, já empolgado. — Não vejo a hora de


acontecer.

É fácil esquecer do mundo à minha volta quando Mia está por perto. É
por isso que a ficha do que vou fazer, só cai sobre mim quando estaciono.
Observo a sala gélida, em tons brancos e vidro fumê para todos os
lados. É tudo tão… morto e vazio, que chega a dar pena.

Talvez eu esteja pensando nisso porque não lembro mais de um dia em


que minha vida não tenha sido tomada por Mia e suas cores. Todas as minhas

coisas eram neutras antes dela chegar. Então, ela implicou com a minha roupa
de cama sem graça e minha mãe comprou uma verde, com borboletas.
Borboletas!
Depois, ela disse que uma criança com o quarto branco, era muito
ruim. E eu ajudei a minha mãe a pintar de azul.
Quando fomos para a faculdade, apenas intensificou. Porque mesmo
que ela tivesse o quarto dela na fraternidade e eu o meu, suas coisas ficavam

mais comigo do que com ela. Não é difícil encontrar retalhos de tecido
descosturados e até mesmo alfinetes espalhados pelo meu quarto. Vira e

mexe estou furando o pé com um, porque apesar de organizada, Mia é

desatenta.
Por isso que, quando entro na sala em que o grande Jonas Nolan
trabalha, me pergunto se ele não tem alguém como Mia em sua vida, que o

faça colorir tudo.


Meus olhos finalmente pousam sobre ele. E eu não menti para Mia

quando disse que não sentia nada por ele. Quando o vejo, a única coisa em
que consigo pensar é no que vim fazer aqui.

Não somos muito parecidos. Ainda bem.


Ele faz um sinal para que eu me sente, seus olhos brilham em

expectativa mas eu trato de apagar isso com um aceno. Continuo em pé. Serei
rápido.

— Eu só vim pedir uma coisa. Não vou tomar o seu tempo.


— Pode levar todo o tempo do mundo, Brandon, estou esperando que
me peça algo há vinte e um anos.
Rio nasalmente porque ele só pode estar de brincadeira.
Onde estava ele quando peguei pneumonia aos onze? Quando me
formei no colegial como um dos melhores da turma? Quando tirei minha
carteira de motorista? Quando entrei para o time da universidade?

Não. Jonas nunca esteve ao meu lado. Evelyn sim. Mia também. Até o
tio Marcus esteve. Mas Jonas não. Ele precisava estar ao lado de Ryan, o

legítimo, não de Brandon, o bastardo.


— Já deve saber que briguei com o seu filho.

— Sim, seu irmão me contou que se desentenderam. Mas eu entendo,


é normal na idade de vocês…

— Você contou para ele?


— Sim, eu achei que seria o melhor para vocês, já são adultos, está na

hora de deixar essa briga entre vocês…


— Como consegue ser tão cínico? — interrompo seu discurso barato,

ao qual não tenho nenhum interesse. — Sabe que entre Ryan e eu nunca
existirá algo além de ódio. Não quero nenhum vínculo com a sua família.

— Filho, sei que conhece a versão da sua mãe mas precisa entender
que….

— A versão dela é o suficiente! Sempre foi. Minha mãe sempre foi o


suficiente para mim e não será agora que deixará de ser. Sei que você tem
esperanças de que eu te perdoe, mas esqueça, nunca irá acontecer. Minha mãe
merece mais do que você pode dar a ela, e se me manter distante de você o
magoa, eu farei até que sinta na pele o gosto de ser rejeitado.
— Eu amei a sua mãe… eu…
— Não, Jonas, você fez promessas vazias a uma jovem que tinha um

potencial incrível, mas era ingênua demais e acabou caindo nas suas garras.
Você a colocou no meio do fogo cruzado. A fez sua, a engravidou, deixou a

sua esposa se tornar uma lunática de merda e isso fez a minha mãe deficiente
e de mim, prematuro. Você destruiu tudo. Isso não é amor. Não é assim que

funciona, porra!
Não aumento meu tom de voz, apesar da raiva estar impregnada no

tom e eu ter certeza que estou vermelho de ódio.


— Brandon, eu…

— Por favor, não diga nada. Eu só vim exigir uma coisa.


Ele fica quieto, olhando-me dentro de seu terno caro e requintado.

Jonas parece destruído. Só agora reparo o quão velho está, beirando os


sessenta anos. Foi só mais um desses homens que se aproveitam de mulheres

mais novas, usando sua experiência de vida para subjugá-las a ponto de as


tornarem doentes por ele.

Uma pena que a mãe de Ryan não tenha caído em si como a minha
mãe. Uma pena que ela ache que há amor com um homem como esses.
— Não quero que nada aconteça com a minha mãe por causa de mais
um capricho de vocês. Eu redigi aquele contrato para uma advogada muito
renomada e sei que lá há muitas coisas que vocês fizeram de propósito para
machucar minha mãe. Não pretendo fazer nada com ele, mas saiba que se eu
souber de algo, qualquer coisa por mínima que seja, que venha a respingar na

minha mãe, eu vou acabar com o que você tem de mais precioso. E ambos
sabemos que não é a sua família.

Negócios. Tudo é sobre negócios. Para ele sempre foi e sempre será
assim.

— Não pretendo fazer nada para prejudicar você, filho.


— Não me chame assim. Você não me merece, não fez nada por mim.

Merece minha pena, Jonas, e apenas isso.


— Sua ingratidão me afeta.

— Não sou ingrato, caso esteja se referindo ao dinheiro depositado em


minha conta todos os meses, saiba que só o aceito porque sei que é meu por

direito. O conceito de pai nos nossos dicionários são bastante opostos, isso já
sei, mas sou uma consequência dos seus atos e o mínimo que pode fazer, é

arcar com isso.


Ele suspira, desistindo de tentar me convencer do contrário.

— Estou indo, Jonas, e espero que cumpra com a sua palavra, ao


menos uma vez na vida. Não sou bobo. Lembre-se que, embora seja uma
merda, sou um pedaço de você. Posso ser tão cruel quanto.
Dou as costas, deixando-o para trás falando sozinho. Abro a porta e
saio, fechando-a com um baque.
No entanto, todo o peso da situação se esvai do meu corpo quando a
vejo, sentada na recepção, enquanto olha para os lados, como se estivesse

esperando-me.
Não demoro para chegar à sua frente e sou agraciado por um de seus

abraços espontâneos. Mia sorri quando me olha, mas sei que está tensa.
Nossa próxima parada é o hospital.
Quando você chama meu nome
Você acha que vou correndo?
Você nunca fez o mesmo
Tão bom em me dar nada


Eu vou sentar e assistir seu carro queimar
Com o fogo que você acendeu em mim

Mas você nunca voltou para me perguntar


Watch — Billie Eilish
Meu pai sempre disse que o perdão era um ato de coragem.

Eu achava a maior bobeira.


Mas aqui estou eu. As pernas bambas, os olhos lacrimejando e o peito

batendo afoito, desesperado. Minhas mãos suam e a minha cabeça dói,


enquanto relembro tudo. Todos os momentos em que o corpo miúdo deitado
na maca, me fez sentir um lixo.
Ela não está do jeito que eu lembrava.
A Willa que me atormenta — aquela que ainda mora na minha cabeça
—, tinha longos cabelos loiros, rosto quadrado e um belo corpo. Digno de
uma modelo.
Já a mulher na minha frente, é magra demais e seus fios de cabelos são
ainda mais curtos do que os meus agora e estão castanhos. Seu rosto está

pálido, com uma cor morta, ela realmente parece estar só esperando a sua
hora.

Fico parada no canto da sala, enquanto ela dorme.


O doutor disse que deveríamos deixar que ela acordasse antes de dizer

qualquer coisa que pudesse alterar seu estado, então aqui estamos nós; três
desconhecidos que tem como ligação uma mulher que se importa apenas com
o próprio nariz.

Há mais duas pessoas na sala. Dois homens, sendo mais específica.


Seu marido e seu filho. Aquele que, diferente de mim, ela cuidou.

Esse seria um bom momento para a Mia do passado perguntar o que


fez de errado, o que ele tem que eu não tenho. Mas ela não está mais aqui, a

antiga Mia foi embora. Ela deu meia volta e entrou para casa, ao invés de
implorar por alguém que nunca a quis.

Procuro em mim algum ressentimento ou mágoa que possa ter pelo


garoto, porém, surpreendentemente, não há nada. Não sinto nada de ruim por
ele. Não consigo culpá-lo. Não quando seus olhos me dizem que ele é tão
vítima quanto eu.
Connor, como me disse que se chama quando me procurou, é alto, tem
cabelos e olhos escuros. Ele também parece curioso pois me encara da
mesma forma que eu faço. Ele parece ter a minha idade, mas sei que é um

pouco mais velho.


Willa era casada com o seu pai antes de se casar com o meu e deixá-lo

para trás, com um ano. Ela nunca permitiu que eu tivesse contato com ele na
infância, tanto que só o vi uma vez antes do dia em que me procurou. Para o

meu pai, ela dizia que o pai do menino não a deixava ter contato com ele e
sempre negava a ajuda do meu pai em recorrer à justiça. Hoje percebo

porquê.
Ela deu as costas para ele, da mesma forma que fez comigo.

— Mia, minha filha — ouço a voz baixa e falha me chamar.


Respiro fundo, voltando meus olhos para ela devagar. Não quero ser

grossa.
— Eu não sou sua filha.

Não sinto mais nada por ela, finalmente entendo Brandon. Apesar de
ter ressentimentos pelo que aconteceu no passado, não sinto nada além disso

por ela.
Houve um tempo em que Willa Olsen era o meu mundo. Eu orbitava
ao seu redor como um maldito mosquito em volta de uma lâmpada, mesmo
quando me afastava, me ofendia e me humilhava.
Eu queria ser como ela. Bonita, simpática com todos, conquistadora.
Hoje, a mínima ideia de ter um traço parecido com o seu, me causa
ânsia, nojo. Medo.

Medo de, um dia, ter um filho, e não conseguir amá-lo mais do que
amo o resto do mundo. Medo de ter um filho e não saber lidar com as suas

dores, com a sua percepção de mundo. Medo de um dia acordar e decidir que
minha vida já não é mais suficiente e simplesmente... ir embora.

— Querida, me...
— Eu te perdoo, Willa — chamá-la pelo nome faz uma lágrima

escorrer dos seus olhos. É algo que só dói nela. — Te perdoo por nunca ter
sido minha mãe.

Ela não diz mais nada, no entanto, os olhos se enchem de lágrimas.


— Mas espero que saiba que não estou fazendo isso por você — digo,

tentando não deixar minha voz fraquejar. — Estou fazendo por mim.
— Eu sei que te magoei, eu…

Não a interrompo, justamente porque quero que continue, coisa que ela
não faz e eu deixo um pequeno sorriso me escapar.

— Você nem mesmo acredita em suas próprias palavras, Willa. Não se


arrepende de nada, porque faria tudo novamente, eu sei.
Ela fica sem palavras, enquanto dentro de mim, também há o eco.
Meu peito está apertado, porém sei que vai passar assim que eu sair da
sua presença. Willa emana energias ruins, o que sinto agora é o mesmo que
sentia quando ela ainda fingia se encaixar no papel de minha mãe.
Dou um passo para trás quando sua mão se move, como se quisesse

me tocar. Isso não. Não quero ter mais algo dela que me martirize novamente.
O olhar dela parece ficar ainda mais vazio. Então, o garoto se

aproxima, e como pensei, ele não a toca. Não há nenhuma emoção em seu
rosto.

— Eu não perdoo — ele diz.


— Connor... — o outro cara o repreende.

— Você quer o perdão para ir em paz, mas nunca me deu isso — sua
voz é tão cortante quanto navalhas enquanto profere as palavras calmamente,

sem nunca desviar os olhos dela. — Então, eu não te perdoo.


Fico um tanto chocada com o que acabei de ouvir. Willa olha de mim

para ele, querendo falar. Porém, acho que assim como eu, ele não parece
disposto a escutá-la.

Connor dá as costas para ela, entendo que ele irá sair do quarto e me
viro para fazer o mesmo. Antes, olho para o rosto dela. Da mulher que por

anos, regeu as escolhas que fiz, ainda que não estivesse perto.
Cortei os cabelos porque me lembravam ela.
Nunca usei saltos porque me lembravam ela.
Larguei o balé, as visitas aos museus… tudo. Willa me fez odiar tantas
coisas.
Meu pai sempre disse que o perdão liberta, e quando eu fizesse isso
com Willa, me sentiria melhor. Mas não sei se é isso que está acontecendo

aqui dentro agora. Na verdade, nem sei se a perdoei de verdade ou se estou


fazendo isso apenas porque a pena que estou sentindo, é maior que o amor

que ela matou no meu coração.


— Mia? — Connor chama, quando estamos próximos a sala de espera.

Viro-me em sua direção, ficando de frente para ele.


Seus olhos parecem um pouco mais suaves agora, enquanto me

encaram e tomo um tempo para analisá-lo. Ele é bem alto, um pouco mais
que Brandon. Alguns dedos de sua mão estão enfaixados, como se…

— Você joga vôlei? — pergunto, antes que ele diga o que quer.
Connor ergue as sobrancelhas e eu aponto para as ataduras. — Seus dedos.

— Oh, sim — sorri, olhando para eles. — Jogo pela NYU[8].


— Legal — digo, porque acho que não sei como conversar com um

irmão que nunca vi antes. — Posso te ver jogar um dia?

Posso jurar que seus olhos estão brilhando pela minha pergunta.
Talvez… talvez, Willa tenha me trazido algo bom nessa vida. Quase
posso imaginar que Connor e eu sejamos amigos.
— Seria bom ter alguém torcendo por mim pela primeira vez.
— Ela… — começo, mas fico indecisa entre continuar ou não e só o
faço quando acena, sabendo do que quero falar. — Ela nunca foi aos seus
jogos?

— Ela nunca quis que eu entrasse no time — suspira, sem deixar de


me encarar. — Ela não quis muitas coisas, na verdade, sempre disse que seu
maior erro foi ter um filho.

— Sinto muito.
— Sinto muito por você também — diz, enfiando os dedos no bolso da

calça. — Vai voltar para casa sozinha?

— Não, vim com o meu namor… melhor amigo — coço a cabeça, me


atrapalhando com o termo ao qual devo chamar Bran no momento e Connor
ri. — É complicado. E você?

Ele acena para trás, onde há dois caras tão altos quanto ele, de pé no
meio do corredor que dá para a saída. Brandon está mais à frente, encarando

nossa interação, assim como os dois grandalhões, que me lançam um aceno


de cabeça quando percebem que estou encarando de volta.

— São Maverick e Blake — conta. — São meus amigos, jogamos no


mesmo time.

— Aquele é o Brandon.
— Ele parece um pouco enciumado.
Sorrio.
— Só um pouquinho.
O silêncio se faz presente entre nós por um tempo.
— Mia? — chama de novo.
— Sim?

— Algum dia desses, posso te ligar?


Dou de ombros.

Não seria de todo ruim.


— Tudo bem.

Connor caminha em minha direção. Penso que irá me abraçar, mas ele
apenas se inclina e beija minha testa. Seu corpo desvia do meu quando ele

começa a andar em direção a saída de costas, de frente para mim.


— É melhor cuidar dela, garoto — ameaça, quando passa por

Brandon. — Estou sempre de olho.


Sorrio, achando graça da situação esquisita quando Bran me abraça

com força — não sem antes revirar os olhos, é claro —, beijando o topo da
minha cabeça.

— Como foi, meu amor?


— Bem, eu acho — respondo. — Podemos ir para casa? Quero um

pedaço de torta.
— Podemos — assente, entrelaçando nossos dedos antes de sorrir para
mim. — Mas vai ser só um pedacinho.
Bem, me deixe te contar uma história
Sobre uma menina e um menino
Ele se apaixonou por sua melhor amiga
Quando ela está por perto, ele não sente nada além de alegria

Mas ela já estava partida


E isso a fez cega
Mas ela nunca poderia acreditar que o amor

Iria tratá-la bem


Fall — Justin Bieber
Quando entramos na casa de Brandon, um riso feminino ecoa pelos

corredores.
Nós dois nos encaramos com as sobrancelhas franzidas, confusos. Ele

coloca o indicador na boca, me pedindo silêncio e reviro os olhos, mas o sigo


quando encostamos nossas malas na parede e seguimos em direção da
cozinha na ponta dos pés.
Tropeço em meus próprios pés e acabo derrubando um enfeite em uma
das prateleiras do corredor e Brandon o pega no ar, me lançando um olhar de
repreensão.
Ele acha que isso é um episódio de Brooklyn 99?
Brandon para no batente da porta, estendendo a mão para que eu faça o
mesmo.

É, acha sim.
— Que merda é essa? — sussurro, sem entender o porquê de tanto

alarde. É só a mãe dele rindo…


— Não falei brincando, Evelyn.

… com o meu pai.


— Quais são as suas intenções com a minha mãe?
Afundo na cadeira da cozinha, torcendo para um buraco se abrir no

chão e que eu seja sugada por ele. Obviamente, não acontece e eu não sei se
quero rir ou chorar.

— Porque você não começa dizendo quais as suas intenções com a


minha filha?
Pronto.
Agora sim.
Agora eu preciso de um buraco que me sugue daqui e me leve para
longe.
Que vergonha.

Que constrangedor.
O que eu fiz para merecer isso?

— Não acham que já estão grandinhos demais para entrarem nessa

discussão? — tia Evy pergunta, voltando da cozinha com uma travessa


gelada nas mãos. — Acho que Mia e eu sabemos o que é melhor para nós,
certo?

Ela deposita a travessa na mesa, bem à minha frente e noto que é a


torta de maracujá e tem menos da metade. Meu coração chega a bater mais

rápido e minha boca a salivar.


Aproveito que os dois entraram em uma disputa de olhares, para ver

quem terá uma resposta primeiro, ergo-me e corto uma fatia bem generosa
para mim enquanto tia Evy faz o mesmo, sentando-se ao lado do meu pai do

outro lado da mesa.


Quase gemo quando a massa amanteigada e geladinha se desfaz na

minha boca. É o paraíso. A oitava maravilha do mundo. A coisa mais gostosa


que já provei e ah… eu estava falando de outra coisa.
Voltando, nós encontramos os dois conversando e rindo bem
pertinhos. Pertinhos tipo ela estava no colo dele e os dois trocavam selinhos
a cada meio segundo.
Certamente essa última parte será algo da qual tentarei passar uma
borracha para tirar da minha cabeça, mas o que posso fazer? Não é como se

eu nunca tivesse desconfiado.


Sei que começou depois que Brandon foi para Yale. Em algumas

manhãs eu a encontrava fazendo café na minha casa, com a desculpa de que


queria nos mimar já que Brandon estava longe e sentia falta de ter alguém

para cuidar. Mas eu duvidava muito que as batidas da cabeceira da cama do


meu pai na parede, durante as madrugadas, era também uma ajuda.

— Minhas intenções com a sua mãe são bem claras — meu pai diz,
deixando a postura brincalhona de lado. — Ela será muito feliz ao meu lado e

farei tudo o que for necessário para mantê-la segura. Já tive muitos
relacionamentos, Brandon. Me casei e sou pai. Quero que a minha filha

encontre um homem honrado, que não a faça se sentir menos do que tudo que
é e é exatamente assim que trato a sua mãe — ele vira-se na direção dela. —

Eu prometo que todas as batidas do meu coração, serão usadas para amá-la
incondicionalmente.

Fico emocionada com o que diz. Durante muito tempo — desde que
minha mãe nos deixou, na verdade —, meu pai preferiu ficar sozinho, longe
de relacionamentos sérios por medo, assim como Evelyn.
O problema, é que para ela, essa parte sempre deve ter sido mais
difícil. O pai de Bran não é o melhor dos homens e arruinou o seu
psicológico a ponto de nunca nem sequer ter se aproximado de muitos
homens desde que Bran nascera.

Jonas deixou feridas irreparáveis nela, a fez suspender barreiras em


volta de si que a fecharam para o amor e fico feliz que seja o meu pai a ter

quebrado essas barreiras. Os dois merecem ser felizes e saber que fazem bem
um ao outro, me deixam de coração quente.

— Também tenho as melhores intenções com a sua filha — ele diz,


olhando sério para o meu pai. — Ela é uma das coisas mais importantes para

mim e não há nada no mundo que me faça desistir dela.


— Que lindo! — tia Evy diz, olhando para os dois, quase chorando.

Engulo a garfada da torta com rapidez antes de concordar.


— Sim, são muito fofos — concordo, de boca cheia.

Nesse momento, a atenção se volta para mim e eu lhe lanço um sorriso


amarelo, que não o convence. É quando ele olha para o último pedaço de

torta no meu prato e depois para mim de novo, como se estivesse me


desafiando.

Ele ergue a mão, como se fosse roubá-lo de mim, mas eu sou mais
rápida e trago a colher à minha boca com rapidez, tentando fazer a quantidade
um tanto exagerada caber.
— Retiro o que eu disse, tio. Estou desistindo dela agora mesmo! —
grunhe, encarando-me lamber o pouco do recheio que escorre pelos meus
lábios. — Não acredito que comeu toda a minha torta.
— Só tinha um pedacinho — me defendo.

— Tinha metade da travessa — diz, horrorizado. — Eu vi.


— Se viu porque não comeu? — pergunto, erguendo a sobrancelha. —

Não tenho culpa se você é mais lento.


— Como é que…

— Crianças! — Evy interrompe, voltando da cozinha de novo com


outra travessa, dessa vez inteira, e colocando na mesa. — Se acalmem, eu fiz

mais. Sabia que iam começar a brigar.


— Não brigaria se ela deixasse ao menos um pedaço para mim —

resmunga o estressadinho. — Também não brigaríamos se a minha própria


mãe fizesse a torta apenas para mim.

— Deixa de ser egoísta! — dou um tapa leve em sua cabeça. — Sua


sorte é que estou cheia demais, se não comeria tudo e queria ver você

reclamar.
Bran revira os olhos.

— Então, vejo que já se resolveram — tia Evy começa.


— Felizmente, sim — Brandon diz, dando garfadas na sua torta com
rapidez, como se estivesse tentando evitar sem ser roubado. — No fim das
contas, serviu para esclarecermos alguns pontos em abertos.
— Mas ainda vamos conversar sobre fazer minha garotinha chorar —
meu pai diz, apontando para ele com um garfo. — Filha, você resolveu ir ao
baile de comemoração da empresa?

Ele me olha com expectativa, sabendo que esses eventos se tornaram


um problema para mim desde que Willa nos deixou. Mas agora é diferente.

Não sei se Willa já morreu ou ainda continua vegetando. Pedi para


Connor, através de uma rápida mensagem quando estava no carro, que não

me avisasse quando o momento chegasse. Não quero me sentir mal por isso.
Não quero me sentir mal por nada que a envolva.

É o aniversário de dez anos da empresa, é importante para eles dois,


então é importante para mim também pois os amo, e sempre farei de tudo

para demonstrar isso. Não posso deixar que um fantasma do passado me faça
prisioneira para sempre.

— Vou sim, pai — respondo animada, vendo seu sorriso orgulhoso. —


Fiz um vestido lindo só para essa ocasião.

— E porque eu não vi? — Bran resmunga. — Poxa, me senti um


pouco excluído agora.

— Deixa de drama, eu passei um dia inteiro trabalhando nele para ser


uma surpresa!
Ele ergue as mãos, se desculpando e eu aproveito a deixa para raspar
meu garfo pelo seu prato e comendo o último pedaço restante.
— Vai se arrepender disso — Bran diz, antes de se levantar.
Começo a rir por antecipação, também me levantando e fugindo do seu
toque enquanto corro ao redor da mesa para despistar dele. Nossos pais riem

quando os uso de escudo e jogo um punhado de guardanapos nele antes de


correr para a sala, e então escada acima.

— NÃO SE ESQUEÇAM QUE PRECISAM FICAREM PRONTOS


EM TRÊS HORAS — tia Evy grita do andar debaixo. — NÃO QUERO UM

MINUTO DE ATRASO!
— Peguei você! — Brandon diz, quando consegue agarrar minha

cintura e me levar em direção ao seu quarto, enquanto eu não paro de rir.


— O que está fazendo, seu doido? — pergunto quando meu corpo é

jogado na cama com força, quicando no colchão.


— Estou fazendo a minha garota feliz — é a única coisa que diz antes

de ir trancar a porta.

Suspiro quando Bran termina de amarrar os cadarços dos meus tênis e


se ergue, beijando minha boca.
— Perfeita. Ainda bem que é minha.
Sorrio contra a sua boca.
— Você está lindo também, meu amor.
Bran está vestindo uma calça social e uma camiseta de mangas longas
e gola alta. O colar com meu nome — o qual ele sempre se recusa a me

devolver — está reluzindo na peça preta, chamando atenção.


Enquanto eu, visto um vestido godê roxo, que tem uma camada de tule

por cima que me faz parecer uma princesa, como ele mesmo disse. A peça

alcança até metade das minhas canelas, destacando o tênis exatamente igual
ao dele.
Hoje, quando chegamos, tia Evy conseguiu aparar meu cabelo de uma

forma mais uniforme, depois que contamos aos dois o que aconteceu. Ficou
lindo e acho que, dessa vez, vou deixar que os fios cresçam um pouco mais

apenas para ver como irei me sentir. Evy disse que devo dar um passo de
cada vez, e está certa.

Farei isso por mim.


— Vamos? — tia Evy volta da cozinha, segurando um pouco da barra

do vestido longo. — Iremos nos atrasar se ficarmos aqui por mais dez
minutos e a festa é nossa.

Como se houvéssemos combinados, ambos assobiamos em apreciação


ao seu vestido bordô, uma peça que fiz especialmente para ela, e que
modéstia à parte, ficou extremamente lindo em seu corpo.
— Está linda, tia. Mas não esqueça que quem está atrasado são vocês
— digo, rindo das suas bochechas avermelhadas.
Meu pai também sai do mesmo lugar, terminando de ajeitar a
abotoadura de seu terno, com a gravata no mesmo tom que o vestido da sócia

e… namorada? Não sei como defini-los ainda.


Bran e eu assobiamos de novo e ele faz um charme, jogando o cabelo

para trás e dando um beijo na bochecha de Evy.


— Vocês dois também estão incríveis, não é, querido?

— Sim, meu amor. Estão lindos. Não quero ofendê-los, mas é óbvio
que se houvesse um concurso de rei e rainha do baile, nós dois ganharíamos.

— É claro que não — rebate Bran, entrando na brincadeira. — Nós


dois ganharíamos.

— Vocês me ouviram dizer que iremos nos atrasar?


— Sim, senhora — dissemos em uníssono, arrancando um riso dela.

Meu peito se aquece ao constatar que agora, somos mesmo uma


família.

O evento já está quase no fim, o que me deixa bastante tranquila. Foi


uma festa bastante intimista, mas ainda assim, cheia de empresários e
fornecedores.
Brandon e eu ficamos um pouco afastados da maioria, mas vez ou
outra cumprimentavamos algum sócio ou funcionário e pessoas importantes
para nossos pais. Os dois nos deixaram livre para isso, até mesmo se

quisessem ficar quietos no mesmo canto. Como disseram, apenas nossa


presença importa para eles e esse momento é uma das coisas que torna nossa

pequena família unida.

— Mia — ele chama, chegando com um dos salgadinhos que foi


assaltar do buffet. — Está chovendo.
— Sério? — pergunto animada, aceitando o canapé que coloca na

minha boca.
— Quer dançar? — ele pergunta, sorrindo imenso.

— Sem música? — pergunto de volta, sendo guiada para os fundos do


saguão da empresa, onde é tudo aberto e iluminado por pequenas luzes

amarelas. — Todos estão indo embora, já parou de tocar há tempos.


— A gente nunca precisou dela, minha metade — Bran diz, seu rosto

colado ao meu enquanto suas mãos deslizam pela minha cintura com uma
delicadeza que só cabe nele. — As batidas dos nossos corações sempre foram

a melhor melodia da nossa história.


Eu sorrio para ele, apoiando as duas mãos em seus ombros.
— Bran?
— Sim, minha metade?
— Você acredita em acaso?
— O que tem ele?
— Eu o desafiei — segrego, vendo seu sorriso crescer. — Duvidei que

ele me trouxesse um melhor amigo um dia antes de nos conhecermos.


— Não acredito que brincou com o acaso — ele ri.

— Eu te amo — digo o que está entalado.


— Eu também te amo, minha metade.

— Não, Brandon, você não entendeu — digo, parando nossos


movimentos sem nunca deixar seus olhos e digo vagarosamente: — Eu te

amo.
Seu sorriso cresce quando também paralisa. Suas mãos sobem

lentamente até tocarem minhas bochechas com cuidado, aumentando minha


expectativa.

— Eu também te amo — sopra, com cuidado, da mesma forma que eu.


— Acho que te amo desde o dia em que me puxou para você. Te amo desde

quando me perseguiu e roubou minha torta. Te amo desde quando me


convidou para dançar na chuva, que era algo que eu sempre tive medo até

você chegar.
— Eu…
Seu polegar toca minha boca, me impedindo de falar.
— E ainda vou te amar. Vou te amar todas as vezes que me fizer
assistir seus desfiles e todas as vezes que ver seu sorriso crescer quando
encontrar uma nova caneta para sua coleção. Vou te amar todas as vezes que
aceitar maratonar minhas séries favoritas mesmo que tenhamos feito isso

milhares de vezes.
Meus olhos se enchem de lágrimas. Essas são felizes.

— Sou apaixonado por você desde… sempre. Não me lembro de um


dia, depois que te conheci, que não tenha pensado em ficar com você, abraçar

você, brincar com você. Não lembro sequer de uma vez que pensei em outras
garotas, porque sempre foi você. Uma vez, você disse que fui seu herói, Mia,

mas naquele dia, foi você quem me salvou. Foi você quem silenciou as vozes
e acalmou meus pesadelos. Depois de você, nunca mais senti medo da chuva.

Nunca mais quis ser diferente, porque você me olhava como se eu fosse o
menino mais legal do mundo e eu… acreditei. Ao seu lado eu sou o melhor.

Ao seu lado eu me sinto no topo do mundo.


“E eu perdi as contas de quantas vezes quis te dizer isso. De dizer que

sou completamente, eternamente, irrevogavelmente apaixonado por cada


detalhe seu e por cada coisinha que você faça. Eu amo acordar todos os dias e

ser presenteado com o seu sorriso. E amo que você não tenha receio de dizer
o que pensa. Eu amo que nunca consiga alcançar a prateleira mais alta ou
quando precisa de ajuda para subir no carro, você é a coisa mais fofa que já
coloquei os olhos e sempre, sempre que penso em você, eu sorrio.
Independente do lugar e das pessoas ao meu redor.”
Ele se cala, mas consigo ver nos seus olhos o quanto quer continuar a
falar. Seus polegares encontram minha face, limpando as lágrimas que

escorrem e as deixando onde estava.


— Você é inacreditável — é o que consigo dizer.

Enlaço minhas mãos em seu pescoço.


— Quando penso que não há como me apaixonar por você ainda mais,

você me mostra o contrário — ele deixa escapar um sorriso convencido. —


Tenho te dito que te amo há muito tempo, Bran. Desde a hora em que acordo,

até ir dormir. Todas as vezes que penso em um vestido, tento pensar em qual
será sua reação ao me ver nele. Sempre que compro uma caneta nova ou um

recorte de tecido diferente, penso em como você vai reagir. Sabe qual a
melhor parte de amar você, Bran?

— Diga.
— Porque sempre me faz sentir especial até quando sou comum e

porque não briga comigo quando alguns dos meus alfinetes encontram seu pé
— rimos. — A melhor parte de te amar, é saber que é o meu melhor amigo e

não há nenhuma outra pessoa no mundo que eu confie em entregar meu


coração que não seja você.
— Estou esperando que diga isso a minha vida toda, minha metade.
— E eu amo quando me chama assim.
— E eu amo você — ele me dá um beijo intenso. — Brincar com o
acaso valeu a pena?
— Eu não saberia explicar o quanto.

Brandon me rodopia, fazendo um riso ecoar entre meus lábios, alguns


pingos de chuva respingando em meu vestido e meu cabelo deve estar

ensopado. No entanto, não me importo com isso. A única coisa que me


importa é o par de olhos castanhos que sempre me fazem sentir linda nos

momentos mais aleatórios possíveis.


— Quer brincar? — Bran pergunta quando meus olhos voltam na sua

direção e apenas nos movemos de um lado para o outro. Eu assinto, já


sabendo onde quer chegar. — Verdade ou desafio?

— Eu escolho desafio.
— Eu te desafio a ficar comigo para sempre.

Deixo um sorriso grande escapar, da mesma forma que me sinto


quando estou com ele.

— Essa é fácil.
A menina se ajoelhou perante sua cama.
Ela não aguentava mais se sentir sozinha.
Ninguém nunca a ensinou a rezar, então, atrevida como sempre foi, decidiu
fazer o que seu coração pediu.
Acaso, eu te desafio a me dar um melhor amigo para sempre.
Mas o pedido caiu nos ouvidos de um certo anjo, que muito intrometido,
concedeu àquela garotinha um melhor amigo.

O melhor amigo que lhe ensinou que o amor não precisa doer.
CINCO ANOS DEPOIS

Quase dois meses após o fim da New York Fashion Week, a semana da moda
mais movimentada de todo o mundo, um assunto em específico vem
chamando a atenção da alta sociedade.
Em especial, um novo nome, revelado no primeiro dia de desfile, tem
causado bastante entre as maiores indústrias da moda. Todos parecem tentar
fazê-la aceitar suas respectivas propostas, entretanto, está óbvio que estão
fazendo isso apenas para não terem uma nova concorrente tão talentosa e
inovadora.

Para alguns, suas peças podem ser simplórias e “mais do mesmo”, no

entanto, não é o que os grandes críticos têm dito sobre isso. As peças de Mia
Grant chamam atenção por seu lema, não é apenas mais uma empresa a fim

de lucrar com peças extravagantes. Como a própria dona diz: é sobre vestir-
se de si mesma.
Apesar de estar sendo descoberta agora, seu nome não é uma novidade para

muita gente. A estilista, fundadora do Ma Moitié, é noiva do atual pivô do


Boston Celtics, Brandon Díaz. Há boatos de que os dois vão se casar no

próximo ano, em uma festa intimista apenas para a família e amigos


próximos.

Desejamos sucesso e felicidade ao casal em sua futura família e respectivas


carreiras.

— Feliz véspera da véspera de natal!


Sorrio antes mesmo de abrir os olhos quando sinto o corpo pequeno da
minha futura esposa se sobrepor ao meu, nos emaranhando ainda mais nas
cobertas. Sua alegria é nítida, está quase estampada em seu rosto desde

ontem, quando chegamos no chalé que alugamos para passarmos as festas de


fim de ano juntos.

E bem, quando digo juntos, quero dizer todo o grupo.

Kyle e eu aproveitamos que o time entrou de férias — uma vantagem


de trabalharmos juntos —, enquanto Asher está em um ano sabático após
ganhar seu primeiro cinturão de rubi e sua filhinha. Mia acabou de começar a

ganhar ainda mais destaque com o fim da Fashion Week. A única que não
parou de trabalhar mesmo agora, que estamos distante de casa, é Kimberly,

que tem trabalhado em pequenos casos sempre que piscamos.


Essa viagem foi um caos desde o momento em que começamos a

planejar, no meio do ano. Nossos respectivos empresários e assessores, mais


enrolaram que ajudaram e tudo se tornou uma bola de neve. Não

encontrávamos o lugar perfeito, nem o dia ideal… nada parecia cooperar para
o dia de hoje, até que Mia tomasse as rédeas, como sempre, e resolvesse tudo

ao mesmo tempo em que dedicava seu tempo à semana da moda, em Nova


York.
Foda.
Minha mulher é foda.
Por isso que é minha. Eu digo isso com uma certa frequência, então
não deixo ninguém impressionado, mas não posso fazer nada se é a verdade.
Eu seria capaz de falar isso todos os minutos de todos os dias restantes da

minha vida: Mia é foda.


Não sei o que fiz ao Cara lá de cima para merecê-la, mas se soubesse,

faria tudo de novo.


— Feliz véspera da véspera de natal, amor — cumprimento de volta,

recebendo um beijo de bom dia. — Acho que não quero mais sair dessa
cama.

Mia ri, aceitando meus beijinhos.


No entanto, meus planos de ganhar algo além disso são frustrados

quando ouvimos batidas fracas na porta e olhamos para a mesma, esperando


que a pessoa se identifique. A batida volta a soar.

— Dindinha! Abe pra mim!


Rio contra o pescoço de Mia ao ouvir a voz da garotinha que em pouco

mais de vinte e quatro horas conosco, fez de tudo para me manter longe da
sua adorada madrinha.

Eu me sinto traído pelas duas, é a verdade pois sou eu que as mimo e


sou deixado de lado toda vez que estão juntas. Isso é o ápice do absurdo.
— Eu abro — me ofereço antes que ela se levante.
Quando abro a porta, passinhos apressados e falhos adentram o
cômodo, sem nenhum sinal dos seus responsáveis. Aposto que a pestinha
acordou e veio direto para cá.
— Bom dia, minha carrapatinha.

— Oi, dindinho — cumprimenta de volta, pronunciando algumas das


poucas palavras que consegue dizer sem se embolar. — Beijo.

Agnes levanta as mãos em minha direção, pedindo colo e fazendo meu


coração amolecer. Carrego-a e dou um beijo estalado na sua bochecha

gorducha, recebendo um molhado de volta, tendo meu pescoço enlaçado por


seus pequenos braços. Parece que acordou de bom humor para mim hoje.

— Beijo, dindinha — repete, apontando para Mia, na cama.


E eu, como um bom padrinho, faço o que ela pede, caminhando até a

cama e a deixando no centro. A espertinha é rápida em se enfiar entre as


cobertas antes de dar dois beijos na madrinha e se agarrar nela.

— Porque a madrinha ganhou dois beijos e eu só um, carrapatinha?


Minha mulher revira os olhos.

— Deixa de ser ciumento — briga. — Eu sou a favorita dela.


— Não é verdade — digo.

— É sim — Agnes concorda, me fazendo abrir a boca em choque


enquanto Mia cai na gargalhada, sendo acompanhada pela pequena traíra.
— Você deveria me apoiar aqui — aperto o narizinho dela. — Te dou
doces.
— Tio Ben também.
Reviro os olhos.
Ben, Ben, Ben, Ben, Ben…

Nada contra o cara, mas ele atrapalha na minha meta de ser o melhor
tio. Por Deus, ele já tem a sua própria garotinha, o que custa deixar esta daqui

para mim?
Ainda tem o babaca do Kyle, que só precisa sorrir para ter a

carrapatinha em suas mãos.


E carrapatinhas me levam a um outro assunto…

— Estive pensando… — divago, como quem não quer nada.


— Diga, Bran — Mia diz, enquanto brinca com Agnes, que ri com

suas caretas.
— E se levarmos ela conosco sem que ninguém perceba quando

voltarmos para casa? — brinco, apertando as bochechas da menininha mais


linda e mimada do mundo. — É tão pequena, não vão nem perceber.

— Só pode estar ficando louco — Mia ri. — É claro que notariam,


amor, a menina não para quieta. É literalmente uma cópia da Kimberly.

— Ou… — começo de novo, tombando a cabeça para o lado.


— Está querendo dizer algo, Bran? — ela se senta na cama para me
encarar, deixando a garotinha pular entre nós dois enquanto segura suas
mãos. — Estou achando que sim.
— Podíamos ter o nosso, não é? — pergunto, tentando falar como se
não estivesse eufórico. — Um neném para cuidarmos. Nosso.
Ela me olha e sorri.

— Podemos conversar sobre isso quando chegarmos em casa, se


quiser — me adianto. — Não quero apressar nada em relação a isso, é só uma

sugestão.
Já conversamos sobre filhos há algum tempo. Planejamos ter dois, mas

combinamos que apenas aconteceria quando nos sentíssemos prontos para


isso. E, bem, estou pronto agora, só preciso saber se ela está na mesma

página que eu.


— Ou podemos começar a tentar.

— Não quero que se sinta pres… o que? — paraliso. Não estava


esperando que essa conversa fosse tão simples assim. — Está falando sério?

— Estou, amor.
— Ouviu isso, Agnes? — pergunto para a princesa banguela, sabendo

que pode não estar entendendo nada. — Você vai ter um amiguinho muito
em breve.

— Nem acredito que vamos ter alguém para brincar o tempo todo —
ela sorri, se inclinando para me deixar um selinho. — Eu desafiaria o acaso
mil vezes se, em todas elas, ele me trouxesse você.
— E eu deixaria você roubar minha torta em todas essas vezes.
Ela revira os olhos, forçando uma carranca irritada.
— Quantas vezes vai insistir nessa história?
Confesso que, depois de dez livros, estou sem criatividade para
começar essa parte, mesmo que às vezes pareça que ainda não escrevi o

suficiente. Ainda não cheguei onde quero.


Mas, nossa, nem acredito que finalmente cheguei aqui.

Escrever “fim” dessa vez, me fez chorar. Sem dúvida alguma foi o
livro em que eu mais me joguei de cabeça, senti e vivi. Eu tive uma
dificuldade absurda em começar os primeiros capítulos e de repente, uma
chave virou e eu escrevi esses dois em vinte e nove dias.
Vinte e nove. Nem eu acreditei.
Brandon e Mia me trouxeram a confiança que havia ido embora
muitos livros antes, eu só precisei do segredo deles: calma. Em meio ao
choro, desespero e frustrações, eu parei. Parei, li um livro e respirei bem
fundo. À noite, me deitei e estava prestes a dormir quando Brandon me disse

que uma garotinha estava gritando do outro lado da rua.


Eu quis deixar para lá. Afinal, era só uma garota. Mas ele insistiu.

Disse que queria jogar e não estava conseguindo acertar a cesta com toda a
gritaria dela. Então, respirei fundo novamente, levantei da cama, me sentei

em frente ao computador e escrevi “É muito chato ser criança, porque estou


sempre sozinho…” e depois disso, parei apenas quando escrevi “fim.”.
Não teve um dia que não pensasse neles, em dar vida a eles. Não

importava o lugar, dia ou hora, minha cabeça sempre voltava para eles.
No entanto, houveram muitas pessoas por trás de tudo isso e é para

elas que essa parte do livro é dedicada.


Ao meu Deus. O Cara que nunca me deixa desistir mesmo quando eu

imploro para ele. O cara que nunca, nem quando eu falho ou dou motivos, me
deixa sozinha. Obrigada, meu Pai.

À Dica, minha mãe, que puxou meu pé quando eu estava passando dos
limites na carga horária de escrita e que nunca, nunca mesmo, usou de
palavras para me desanimar. Pelo contrário, muitas coisas presentes em
BCOA — seja aqui no livro ou na parte por trás disso —, só aconteceram
graças a ela e a confiança que tem em mim e no meu futuro. Mainha, eu te
amo, mesmo quando você muda toda a decoração da minha mesinha sem
minha permissão.

À Pigmalateia — essa parte é mesmo necessária? —, a responsável


por me convencer a passar esse livro na frente de todo o meu cronograma. Eu

te amo, Peppa, mesmo que apareça em todos os meus agradecimentos:


obrigada por entender as vozes na minha cabeça e dividir o mesmo neurônio

que o meu.
À April Jones e a Annie Belmont, minhas máquinas de vencer. As

responsáveis por me fazer rir quando eu queria chorar e por me empurrarem


quando eu quis desistir. Obrigada por sempre alegrarem meus dias e

acreditarem em mim quando nem eu mesma o faço. Passamos por muitas


coisas nesses últimos meses e mesmo que algumas delas tenham nos afetado

mais do que deveria, o Cano nunca se deixou abalar. E continuará assim,


porque no fim das contas, somos um quebra-cabeças e não há nada no mundo

mais forte que nosso elo.


À Letícia Pellizzaro, que aceitou embarcar na loucura desse livro e fez

o trabalho perfeito ao cuidar dele com tanto cuidado e dedicação.


Ao meu grupo de betas (Ana Laura Maniá, Iara Braga, Júlia
Barcelos, Ket Viana, Larissa Lago, Larissa Miranda, Maria Eduarda Mota,
Mariana Flaurindo e Nayane Oliveira). Por vezes, me questionei se tal
parágrafo era bom o suficiente, se o livro inteiro era bom o suficiente, e
nessas horas, uma de vocês sempre aparecia para surtar e me dar palavras de
ânimo. Quero que saibam que cada uma de vocês tem um espaço no meu

coração e eu agradeço por todo o apoio e dedicação com meus bebês.


Ao meu grupo de leitores, que surtaram a cada post, cada reels e

spoilers. Obrigada por ainda continuarem aqui, mesmo quando sumo por dias
e tento deixar vocês doidinhas. Juro que não é por mal, tá?

À Gabi Ribii — que não chama Ribii —, que me aturou às uma da


manhã pedindo indicação de música para colocar no topo dos capítulos.

Obrigada, meu amor, não sabe o quanto sua ajuda foi importante para mim (e
não só pela música).

À Larissa Lago, Ahri Pinheiro, Nina Queiroz e Isabela Crescencio,


pessoinhas mais que especiais que me ajudaram e apoiaram desde o início

desse livro. Serei eternamente grata por tudo o que estão fazendo por mim.
E por último, e não menos importante, à você, leitor, que dedicou seu

tempo para ler meu livro. Obrigada. Você não faz ideia do quanto isso é
importante para mim.

Não esqueça de avaliar a obra e me seguir nas redes sociais


(@autorajupiter em todas).

Até a próxima (muito em breve).


Com amor,
Júpiter.
CONTO:

FIO VERMELHO
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Fio Vermelho do destino é uma lenda que afirma que no momento do nascimento, os deuses
amarram uma corda vermelha invisível nos mindinhos de pessoas que estão predestinadas a serem
almas gêmeas. Segundo a lenda, aconteça o que acontecer, passe o tempo que passar as duas pessoas
que estiverem interligadas, inevitavelmente irão se encontrar.
O fato em questão, é que Chase e Julie nasceram para serem almas gêmeas. Mas talvez uma só
vida não seja o suficiente para isso.

SÉRIE TODOS OS CORAÇÕES PARTIDOS:

1 - TODAS AS NOSSAS MENTIRAS


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Se me perguntarem quando percebi que estava apaixonado por você, eu saberia responder com
clareza de detalhes tudo o que aconteceu naquele dia.
Quando nossos olhares se cruzaram, pareceu ser a primeira vez, mesmo que isso acontecesse
todos os dias.
Ainda éramos crianças e eu não entendia nada sobre o amor além dos filmes de princesa que
você me obrigava a assistir.
Você sorriu para mim, Estrelinha. E aquele simples gesto fez meu coração disparar como nunca.
Nossos corações foram partidos de maneiras dolorosas e isso foi escada para que você
sucumbisse na própria dor. Você estava acostumada a silenciá-la, mas eu odiava te ver triste. Eu queria
poder te abraçar e arrancar de você tudo que te afligia, amor, mas você não deixava.
Um dia, em uma situação incomum, precisamos fingir o que não éramos, mas eu desejava
arduamente. Aquela foi a melhor experiência da minha vida, até que eu estraguei tudo.
Todas as mentiras que contamos um para o outro ao longo da nossa amizade atrapalharam toda a
nossa história. As coisas poderiam ser diferentes se tivéssemos sido sinceros desde o início.
Você iluminou meu coração com todas as estrelas do seu corpo. Agora, eu não consigo mais
dormir porque você não está aqui, e acho que tenho medo do escuro.

1.5 - SE AINDA HOUVER MOTIVOS


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Enrico D'Ávilla está cansado de estar sozinho.
Mesmo rodeado de sua família e com o sucesso de sua empresa, nunca deixou de se sentir
solitário.
No fundo, em um lugar bem escondido e que não mostra para ninguém, está ela; a mulher que
sempre dominou seu corpo, alma e coração.
Helena Lobos é quem carrega o peso de jamais ter sido esquecida. Com a vida totalmente planejada e
feliz, tudo que ela menos precisava e queria era que as coisas seguissem um rumo diferente do que
havia pensado.
Porém, como a vida adora brincar de Deus, seus planos vão por água abaixo quando o caminho
de ambos se cruza novamente e os dois descobrem que os sentimentos que juraram ter esquecido,
nunca os deixaram.
Então, se ainda houver motivos para lutar por esse amor, eles estarão dispostos a recuperar um
ao outro.
Se Ainda Houver Motivos é um conto sobre amor, perdão e recomeços. Mas, acima disso, é um
conto sobre segundas chances.

2 - TODAS AS NOSSAS PROMESSAS


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Quando você se foi, chorei. Senti falta de tudo o que fomos, mas principalmente de tudo que
ainda podíamos ter sido.
Você disse que seria melhor para nós dois. Mas como poderia se, tudo que eu sempre quis, era
ficar ao seu lado?
Todas as promessas que fizemos um para o outro pareceram não valer de nada quando nosso
curto relacionamento foi posto à prova.
Sem olhar para trás, deixei com que se retirasse da minha vida e acabasse com o futuro que
tínhamos juntos e não lutei o suficiente por nós.
Agora, seis anos se passaram, mas ainda te amo como no começo. Ainda te olho como da
primeira vez. E ainda te sinto como se nunca tivesse ido embora.
Você cuida da ferida de todo mundo, mas e a sua? Quem cuida do seu coração apertado quando
você deita? Com quem você divide as tristezas e alegrias de um dia cansativo?
As coisas seriam mais fáceis se estivéssemos juntos.

2.5 - MIL ROSAS ROUBADAS


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Tudo que Luna D’Ávilla mais quer é calmaria.
O que se torna uma ironia, já que sempre foi especialista em causar o caos onde quer que
estivesse.
A caçula dos D’Ávilla procura sossego antes de assumir a empresa e levar mundo a fora o nome
da família.
Por onde passa, ela chama atenção. Seja por sua beleza estonteante ou o poder que exala.
Contudo, seus planos de paz, deitada em uma rede à beira-mar e bebendo água de coco são
frustrados por… rosas.
Rosas vermelhas.
E Luna, conhece muito bem o remetente.
“Mil Rosas Roubadas” é sobre cuidar do próprio coração antes de fazer sarar a dor do próximo.
É sobre recomeços, paixão e, acima de tudo, rosas roubadas.

3 - TODAS AS NOSSAS ESCOLHAS


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Você me amaria novamente se eu me rastejasse aos seus pés?
Eu sei que errei. Se pudesse voltar no tempo, jamais te deixaria. Jamais te machucaria daquela
forma novamente. Quebrar seu coração seria como me partir.
Você diz que eu deveria esquecer que um dia fomos algo. Mas como faria isso se nunca
consegui te tirar da cabeça?
Não sei ser paciente mas, por você, eu espero. Espero até que esteja pronta para mim. Para me
perdoar, para me amar novamente.
Para reescrever a nossa história.
Dessa vez, nosso fim será feliz. Apagaremos tudo o que nos machucou. Iremos nos reerguer
juntos, como sempre fazíamos.
Todas as escolhas que fizemos, nos transformaram no que somos hoje; Lembranças.
Mas não quero ser somente isso. Não quero fazer parte só do seu passado. Quero ser seu presente
também. Quero te dar um futuro comigo. Quero você para mim. Quero o nosso para sempre.
Você me escolheria novamente se eu prometesse nunca mais te deixar? Se prometesse te amar
com todo o meu coração até o fim dos nossos dias?

LIVROS ÚNICOS:

TINHA QUE SER VOCÊ


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Ela representa tudo o que ele odeia.
Ele simboliza tudo o que ela quer esquecer.
Duas pessoas perdidas.
Beatriz quer esquecer o seu passado e deixar para trás sua antiga vida. Ela só não esperava que,
ao aceitar um trabalho que parecia promissor, teria que lidar com um homem ranzinza, que faz de tudo
para mantê-la longe.
Dante quer ficar sozinho. Foi para isso que resolveu morar numa ilha, no meio do nada, longe de
tudo. Mas seus planos são frustrados, quando sua irmã lhe envia uma nova enfermeira que atormenta a
sua cabeça e acelera seu coração.
Nenhum dos dois quer dar o braço a torcer e assim, acabam entrando numa relação de cão e
gato, onde tudo que sabem fazer é machucar um ao outro com palavras.

TRILOGIA ESTILHAÇOS
1 - PERDENDO O CONTROLE
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Ele é o melhor amigo do meu irmão.


Eu posso ser sua ruína.
Ele é calmaria.
Eu sou furacão.
Ele é brisa leve.
Eu sou tempestade.
Ele é tudo aquilo que eu deveria manter distância.
Proibido. Inalcançável.
Seus olhos são vazios e seu sorriso, maldoso.
Asher Dempsey anda pelo campus exibindo sua jaqueta de couro e o
cigarro entre os dedos, como se o mundo coubesse em suas mãos e fingindo
não notar o quanto éramos perfeitos um para o outro.
Eu sempre tive uma queda por garotos tristes e ele estava prestes a
descobrir que Kimberly Ballard tinha tudo o que queria.
Baiana, leitora e viciada em qualquer coisa que envolva a arte, L.

Júpiter é o pseudônimo de uma autora apaixonada por palavras desde que se


conhece por gente. Começou a escrever por incentivo do seu avô e das

milhares de histórias que ele lhe contava, as quais ela nunca descobriu se
eram verdadeiras ou não.
Escreve tudo o que as vozes na sua cabeça sussurram incansavelmente
e já não segue mais um roteiro — nem para a sua vida e muito menos para
aquelas que cria. Precisa apenas de papel, caneta e um ambiente silencioso
para colocar para fora o que a perturba dia e noite: seus personagens.
É apaixonada por chocolate, milkshake de brigadeiro, papelaria,
barulho de teclas, moedas de um real, filmes e séries dos anos dois mil,
perfumes masculinos e toalhas brancas. É mãe de planta — embora sempre
esqueça de regá-las —, costureira, já se aventurou como professora de

reforço e desenho para crianças na pré-escola, e nunca aprendeu a assobiar.

Se você tinha alguma dúvida, eu te dou a certeza: nada sobre ela é


convencional.

Tem um péssimo histórico em matemática e qualquer coisa que passe


das operações básicas. Ama planilhas, mas é péssima com elas. Também não
tem uma boa reputação quando o assunto é velas caseiras, paz, disciplina,

crianças e personagens maus.


Seu coração é movido por palavras e seus livros são recheados de

comédia, drama e coisas que podem ou não te fazer sofrer, mas ela promete
que tudo valerá a pena na última página.
BRINCANDO COM O ACASO
NOTAS DA AUTORA
AVISOS DE GATILHO
PLAYLIST
TRILOGIA ESTILHAÇOS
O DECLÍNIO DA REALEZA
PARTE UM | CABRA-CEGA
01 | NÃO CONSIGO EVITAR ME APAIXONAR
02 | POR FAVOR, PERCEBA
03 | MELHOR AMIGA
04| MELHOR PARTE
05 | APENAS AMIGOS
BRINCANDO COM O NOVO VIZINHO
PARTE DOIS | AMARELINHA
06 | DANÇANDO NO MEU QUARTO
07 | DESSE JEITO
08 | VOANDO SOZINHO
09 | AMIGOS
10| IDFC
BRINCANDO COM AS TORTAS ALHEIAS
PARTE TRÊS | VERDADE OU DESAFIO
11 | LAR
12 | DE CABEÇA
13 | ARRUINAR A AMIZADE
14 | TOMADA DUPLA
15 | MORRERIA POR VOCÊ
BRINCANDO COM A CHUVA
PARTE QUATRO | PEGA-PEGA
16 | SEM VERGONHA
17 | SERÁ QUE QUERO SABER?
18 | CLIMA AGRADÁVEL
19 | A NOSSA HISTÓRIA
20 | DEIXAR VOCÊ PATIR MEU CORAÇÃO OUTRA VEZ
BRINCANDO COM O ADEUS
PARTE CINCO | SETE MINUTOS NO PARAÍSO
21 | TERIA VOCÊ
22 | SORTE
23 | O QUE TE TORNA LINDA
24.1 | PROBLEMAS COM O PAPAI
24.2 | ASSISTIR
25 | CAIR
AQUELE EM QUE ELA DESAFIOU O ACASO
QUER BRINCAR COMIGO PARA SEMPRE?
AGRADECIMENTOS
OUTRAS OUBRAS
TRILOGIA ESTILHAÇOS
SOBRE A AUTORA

[1]
Esporte de equilíbrio que utiliza uma fita de nylon esticada entre dois pontos fixos, permitindo ao
praticante andar e fazer manobras.
[2]
Filme de 2016, dirigido pela inglesa Thea Sharrock. É uma adaptação do primeiro livro da trilogia
Como Eu Era Antes de Você, da escritora britânica Jojo Moyes.
[3]
Time de basquete da Universidade de Princeton.
[4]
Cada partida é dividida em sets que terminam quando uma das duas equipes conquista 25 pontos.
[5]
Time de basquete da Universidade de Harvard.
[6]
Universidade que pertence ao universo da autora Annie Belmont.
[7]
Quando o jogador manda a bola na direção do chão, para que ela encoste no solo antes de chegar ao
companheiro de time.
[8]
New York University, Universidade de Nova York.

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