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Vou protegê-la... Quer ela goste ou não.

Riona Griffin é linda, inteligente e obstinada. Minha mulher


perfeita, exceto que ela me odeia.

Ela acha que não precisa de ninguém. Mas ela precisa de mim.

Ela está sendo caçada por um assassino que nunca


perde seu alvo.

Vou ficar ao lado dela, dia e noite, mantendo-a segura. Riona


acha que é um destino pior do que a morte, mas sei que ela vai
aprender a me amar.

Se este assassino quiser matá-la, ele terá que passar por


mim primeiro.
Estou sentada no canto do meu escritório, trabalhando
em documentos de compra de terras para o Desenvolvimento
de South Shore. As pessoas pensam que ser advogado é só
argumentos, mas na verdade você gasta apenas uma pequena
porcentagem do seu tempo no tribunal ou em negociações de
acordos. A grande maioria das minhas horas passam bem aqui
nesta sala, escrevendo, lendo ou editando.

Não me importo de ficar sozinha aqui. É meu santuário.


Eu tenho controle sobre tudo dentro dessas portas. Tenho
minha mesa arrumada do jeito que eu gosto, de frente para a
vista dos dois lados do Marina City Towers, Michigan Ave e do
rio Chicago que se espalha abaixo de mim.

Tudo em meu escritório é estanho, bronze, creme e azul


– tons que acho calmantes.

Tenho três aquarelas de Shutian Xue nas paredes e uma


escultura de Jean Fourier no canto. É sua peça chamada
Building Blocks, que supostamente representa o interior de um
átomo. Para mim, parece mais um modelo de sistema solar.
Vejo quase todo mundo terminar seu trabalho e sair para
pernoitar. Alguns de meus colegas enfiaram a cabeça na minha
porta ao sair para me passar uma mensagem – algumas
relacionadas ao trabalho, outras apenas sem sentido. Minha
assistente jurídica Lucy me avisa que vai terminar a pilha de
contratos de aluguel que lhe dei, assim que voltar pela manhã.
E Josh Hale me disse que fiquei em segundo lugar na Pick'em
league 1 da semana passada, o que significa que ganhei
incríveis 20 dólares.

— Achei que você nem gostava de futebol, — diz ele com


um sorriso condescendente.

— Eu não gosto, — eu digo docemente. — Eu só gosto de


ganhar seu dinheiro.

Josh e eu não somos amigos. Na verdade, somos rivais


diretos. O mais velho dos sócios da empresa está prestes a se
aposentar. Quando Victor Weiss sair, será Josh ou eu a
escolha mais provável para substituí-lo. E nós dois sabemos
disso.

Mesmo se não estivéssemos competindo pela posição de


sócio, eu ainda o detestaria. Nunca gostei do tipo de pessoa
que finge ser amigável enquanto busca informações que possa
usar para machucar você. Eu o respeitaria mais se ele fosse
um idiota honesto, em vez de um cara legal e falso.

1 Apostar em um time em um determinado jogo (futebol americano) onde não há time favorito.
Tudo nele me irrita, desde seus ternos muito justos até
sua colônia agressiva. Ele me lembra um apresentador de
programa de TV. Na aparência, talvez um Ryan Seacrest. Na
personalidade, mais como um Tucker Carlson – sempre
pensando que é duas vezes mais inteligente do que realmente
é.

Aproveitando a oportunidade para bisbilhotar, eu o vejo


examinando meu escritório, tentando ler os títulos dos
documentos espalhados na minha mesa. Ele é implacável.

— Ok, tchau, — eu digo a ele, incisivamente. Dizendo


para ele ir embora.

— Não trabalhe muito, — ele responde, disparando uma


pequena arma com o dedo na minha direção.

Depois que ele sai, sua colônia permanece por mais vinte
minutos. Ugh.

O último a partir é o tio Oran. Ele é o sócio-gerente da


empresa e meio-irmão do meu pai. Ele sempre foi meu parente
favorito. Na verdade, ele é a razão pela qual me tornei advogada
em primeiro lugar.

Em festas de família, eu o encurralava e exigia ouvir outra


história de casos legais estranhos e interessantes, como o
homem que processou a Pepsi por se recusarem a fornecer a
ele um avião a jato de 23 milhões de dólares em troca de Pepsi
Points, ou o tempo que a Proctor & Gamble tentou argumentar
em um tribunal que suas próprias Pringles não eram, de fato,
batatas fritas.

Tio Oran é um excelente contador de histórias, bem capaz


de extrair drama até mesmo dos casos mais complicados. Ele
me explicaria precedentes e estatutos, e quão importante até
mesmo o mais ínfimo dos detalhes poderia ser... como até
mesmo uma vírgula no lugar errado pode invalidar um
contrato inteiro.

Acho tio Oran fascinante não só porque ele é engraçado


e charmoso, mas porque ele é tão parecido e, ao mesmo tempo,
tão diferente de meu pai.

Os dois se vestem bem, em ternos justos, mas o tio Oran


parece algo que um professor do Trinity usaria – sempre tweed
ou lã, com botões de madeira e cotoveleiras – enquanto meu
pai parece um empresário americano. Ambos são altos, com o
mesmo cabelo grisalho grosso e rostos longos e magros, mas o
tio Oran tem a cor que eles chamam de “Black Irish” – olhos
escuros e um tom moreno na pele. Os olhos do meu pai são
azul-centáurea.

O sotaque de Oran me fascinava mais. Ele havia perdido


um pouco, morando na América por anos. Mas você ainda pode
ouvir dourando as bordas de suas palavras. E ele adora um
bom ditado irlandês:

— Esquecer uma dívida não significa que ela foi paga. —


Ou: — Não existe publicidade negativa, exceto seu próprio
obituário.
Ele é uma versão do meu pai que cresceu na Irlanda –
uma realidade alternativa, se todos nós tivéssemos sido
criados lá em vez de Chicago.

Esta noite ele bate no batente da minha porta, dizendo:


— Você sabe que não pagamos por hora, Riona. Você pode ir
para casa de vez em quando e ainda ter muito dinheiro para
comprar esses sapatos elegantes.

Os sapatos em questão são um par de escarpins Nomasei


vinho, colocados ordenadamente ao lado sob a minha mesa.
Eu os tiro quando sei que vou ficar sentada um pouco, para
que não fiquem vincos nos dedos dos pés.

Eu sorrio para o tio Oran. — Eu sabia que você notaria


isso, — digo.

— Eu noto tudo, — diz ele. — Como o fato de que você


tem todos os contratos de compra de terras de South Shore na
sua frente. Eu disse a você que Josh iria cuidar disso.

— Eu já tinha começado eles, — digo, encolhendo os


ombros. — Achei melhor terminar.

Oran balança a cabeça. — Você trabalha muito, Riona, —


ele diz sério. — Você é jovem. Você deveria sair com amigos e
namorados. De vez em quando, pelo menos.

— Eu tenho um namorado, — eu digo.

— Sim? Onde ele está?


— Cerca de oito quilômetros nessa direção. — Eu aceno
minha cabeça em direção à janela. — No Hospital Mercy.

— Oh, o cirurgião? — Oran funga. — Ele ainda está por


perto?

— Sim, — eu rio. — O que há de errado com Dean?

— Bem... — Oran suspira. — Eu não ia dizer nada. Mas


eu vi que ele mandou rosas para você outro dia. Rosas
vermelhas.

— E?

— Não é muito imaginativo, não é?

Eu encolho os ombros. — Algumas pessoas gostam dos


clássicos.

— Algumas pessoas são intelectualmente preguiçosas.

— Quais são as flores certas para enviar a uma mulher?

Oran sorri. — Eu sempre mando whisky. Você envia a


uma mulher uma garrafa de Bunnahabhain Single Malte de
Quarenta Anos... então ela sabe que você é sério.

— Bem, nós não somos, — eu digo a ele. — Não é sério.

Oran entra no meu escritório e pega a pilha de pastas da


minha mesa.

— Ei! — Eu protesto.
— Isso é para o seu próprio bem, — diz ele. — Vá para
casa. Coloque um lindo vestido. Vá buscar o seu homem no
hospital. Desfrute de uma noite fora. Josh vai encontrar isso
na mesa dele amanhã de manhã, o preguiçoso de merda.

— Tudo bem, — eu digo, apenas para acalmá-lo.

Eu deixo Oran levar as pastas embora, e então eu o vejo


se dirigir aos elevadores, a bolsa de couro pendurada no ombro
no lugar de uma pasta. Mas não tenho intenção de realmente
sair. Tenho um milhão de outros projetos para trabalhar, com
ou sem os contratos de compra.

E esta é a minha hora favorita para fazer isso – depois


que todos os outros foram embora e as luzes diminuíram
automaticamente no andar. Em silêncio total, o resto do
escritório escuro, e apenas as luzes da cidade brilhando abaixo
de mim. Sem interrupções.

Bem, quase nenhuma.

Meu celular vibra na mesa ao meu lado, onde está voltado


para baixo. Eu o viro, vendo o nome de Dean.

Você ainda está aí? Quer vir me encontrar para uma


bebida no Rosie's?

Eu considero. Rosie's fica a apenas alguns quarteirões de


distância. Eu poderia facilmente parar para tomar uma bebida
no caminho para casa.
Mas estou cansada. Meus ombros estão rígidos. E ainda
não tive a chance de me exercitar hoje. Penso em uma taça de
vinho em um bar barulhento e moderno, em comparação com
uma taça de vinho em minha própria banheira, ouvindo um
podcast em vez de uma recapitulação do dia de Dean.

Eu sei qual parece mais atraente para mim.

Desculpe, eu respondo. Vou trabalhar até tarde. Então vou


para casa.

Tudo bem, Dean responde. Jantar amanhã?

Eu hesito.

Claro, eu digo. 6:30 amanhã.

Dean e eu namoramos há três meses. Ele é um cirurgião


torácico – inteligente, bem-sucedido, bonito. Competente na
cama (eu acho que todos os cirurgiões são – eles entendem o
corpo humano e têm total controle de suas mãos).

Eu deveria querer ir jantar amanhã. Eu deveria estar


animada com isso.

Mas estou apenas... indiferente.

Não tem nada a ver com Dean. É um problema que pareço


ter sempre. Conheço alguém e começo a identificar todos os
seus defeitos. Percebo inconsistências em suas declarações.
Buracos na lógica em seus argumentos. Eu gostaria de poder
desligar essa parte do meu cérebro, mas não posso.
Meu pai dizia que espero muito das pessoas.

— Ninguém é perfeito, Riona. Muito menos você.

Eu sei disso.

Percebo minhas próprias falhas mais do que as de


qualquer pessoa – posso ser fria e hostil. Obsessiva. Rápida
para ficar com raiva e lenta para perdoar.

Pior de tudo, fico facilmente irritada. Como quando um


homem se torna repetitivo.

Faz apenas alguns meses, e Dean já me contou três vezes


sobre como ele acha que os anestesiologistas de seu
departamento estão conspirando contra ele, depois que ele se
recusou a contratar um de seus amigos.

— São esses sul-africanos, — reclamou ele, da última vez


que fomos almoçar. — Você contrata um e eles querem que
você contrate o primo ou o cunhado deles e, de repente, a
unidade cirúrgica fica lotada deles.

Além disso, ele parece pensar que agora, na marca dos


três meses, ele merece uma parte maior do meu tempo. Em vez
de perguntar se estou livre na sexta ou no sábado à noite, ele
assume. Ele faz planos para nós e eu tenho que dizer que estou
ocupada com o trabalho ou um jantar em família.

— Sabe, você poderia me convidar para jantar com sua


família, — ele disse em um tom mal-humorado.
— Não é um jantar social, — disse eu. — Estamos
repassando os planos para a fase dois do Desenvolvimento de
South Shore.

A maioria dos jantares com minha família são jantares de


trabalho, de uma forma ou de outra. Nossos negócios e nossos
laços pessoais estão tão profundamente interligados que eu
dificilmente encontraria meu pai, mãe ou irmãos fora do
“trabalho”.

O destino de nosso negócio é o destino de nossa família.


É assim que funciona na máfia irlandesa.

Dean tem alguma ideia sobre os laços criminosos dos


Griffin – seria impossível não ter. Somos uma das maiores
famílias da máfia irlandesa em Chicago há duzentos anos.

Mas ele não entende. Não de verdade. Ele pensa nisso


como uma história de fundo2 interessante, como pessoas que
dizem que descendem de Henrique VIII. Ele não tem ideia de
como o crime organizado está em andamento em Chicago.

É sempre um dilema na minha vida amorosa. Eu quero


um namorado que não conheça o lado negro desta cidade?
Alguém que poderia nunca realmente entender meu
enraizamento em minha família? Ou eu quero um dos “homens
feitos” que trabalham para meu pai, estourando cabeças e
enterrando corpos, com sangue sob as unhas e uma arma
perpetuamente escondida em sua pessoa?

2 Uma história de fundo é um conjunto de eventos inventados para um enredo.


Nem um nem outro, sério.

E não apenas por esses motivos.

Eu não acredito no amor.

Não estou negando que existe – já vi isso acontecer com


outras pessoas. Só não acredito que vá acontecer comigo.

Meu amor por minha família é como as raízes de um


carvalho. Uma parte da árvore, necessária para a vida. Sempre
esteve lá e sempre estará.

Mas amor romântico... nunca experimentei isso. Talvez


eu seja muito egoísta. Não consigo imaginar amar alguém mais
do que amo meu próprio conforto e meu próprio jeito.

A ideia de ser controlada por outra pessoa, fazendo as


coisas para a conveniência dele em vez da minha... não,
obrigada. Eu mal tolero isso para minha família. Por que eu
iria querer centralizar minha vida em torno de um homem?

Eu arrumo minha pasta. Antes de sair, entro no escritório


sujo e desordenado de Josh e roubo de volta os contratos de
compra de sua mesa. Eu os comecei e pretendo terminá-los,
independentemente do que o tio Oran diga. Ele não vai notar –
vou acabar antes que Josh sequer olhe para eles. Com minha
pasta satisfatoriamente pesada, saio da torre de escritórios na
East Wacker Drive. Vou para casa a pé, porque meu
apartamento fica a apenas quatro quarteirões do trabalho.
Comprei o apartamento neste verão. É um prédio novo
com um lindo centro de fitness e piscina. Há um porteiro e uma
vista fantástica da minha sala de estar no vigésimo oitavo
andar.

Já era hora. Eu estava morando na mansão dos meus


pais na Gold Coast. A casa deles é tão grande que havia muito
espaço para todos – nenhum motivo real para sair. Além disso,
era conveniente estar todos na mesma casa, sempre que
precisávamos revisar algum material relacionado a negócios.

Mas então Cal se casou e ele e Aida encontraram seu


próprio lugar. E Nessa saiu também, para ficar com Mikolaj.
Depois era só eu com os meus pais, com a desagradável
sensação de ter sido deixada para trás pelos meus irmãos.

Não tenho interesse em me casar como eles, mas


certamente poderia me mudar.

Então foi isso que eu fiz. Consegui o apartamento. E amo


isso. Amo o silêncio e o espaço. A sensação de estar sozinha
pela primeira vez na vida.

Aceno para Ronald, o porteiro, e pego o elevador para o


meu apartamento. Troco meu blazer, blusa e calça, colocando
um maiô. Então pego meus fones de ouvido à prova d'água e
sigo para a piscina.

A piscina fica na cobertura do nosso prédio.


No verão, eles abrem o átrio acima do teto, para que você
possa nadar sob as estrelas. No inverno, ela é isolada das
estrelas, embora você ainda possa ver o céu através do vidro.

Adoro deitar de costas e nadar para a frente e para trás,


olhando para cima.

Normalmente sou a única pessoa na piscina quando


chego tão tarde. Com certeza, esta noite o espaço está escuro
e silencioso, o único barulho é a água batendo contra a borda
da piscina.

O cheiro de cloro e amaciante vem das novas pilhas de


toalhas espalhadas nas espreguiçadeiras. Depois de ligar
minha lista de reprodução de natação, coloquei meu telefone
em uma das cadeiras.

Estou prestes a pular na piscina quando percebo que


esqueci de arrumar meu cabelo. Eu costumo fazer uma trança
e colocar sob uma touca de natação, para que o cloro não o
resseque. O cabelo ruivo é frágil.

Ainda está em um coque do trabalho, preso com um


daqueles grampos de cabelo de duas pontas.

Eu realmente não quero descer todo o caminho de volta


para o meu apartamento. Isso vai ficar bem, por uma única
vez.

Coloco minhas mãos sobre minha cabeça e mergulho na


água com um salto limpo. Nado para frente e para trás na
piscina, ouvindo “California Dreamin'” em meus fones de
ouvido.

Estou usando óculos de proteção, para que possa olhar


para a água azul brilhante, iluminada ao fundo por lâmpadas.
Vejo uma forma escura no canto da piscina e me pergunto se
alguém deixou cair algo lá – uma bolsa de ginástica ou talvez
uma bolsa de lona com toalhas.

Virando, deito de costas e olho para o teto de vidro. Isso


me lembra uma estufa vitoriana – o vidro dividido ao meio por
uma treliça de metal. Além do vidro, vejo o céu negro e o disco
pálido e cintilante de uma lua quase cheia.

Quando estou olhando para cima, algo se fecha em minha


garganta e me arrasta para baixo da água.

Isso me puxa para baixo, e para baixo, até o fundo da


piscina, pesado como uma âncora.

O choque de algo me agarrando por baixo me fez soltar


um grito, e agora quase não há ar em meus pulmões. Eu chuto
e luto contra essa coisa que me pegou. Agarro a coisa enrolada
em minha garganta, sentindo a “pele” esponjosa com carne
dura por baixo.

Meus pulmões estão gritando por ar. Eles parecem planos


e vazios, a pressão da piscina pressionando contra meus
tímpanos e meu peito. Eu me viro um pouco e vejo nadadeiras
pretas chutando aos meus pés, e dois braços em uma roupa
de mergulho enrolada firmemente em volta de mim.
Eu ouço a expiração de um respirador próximo ao meu
ouvido direito. É um mergulhador – um homem com roupa de
mergulho está tentando me afogar.

Tento chutá-lo e acertá-lo, mas ele me prende com os dois


braços, comprimindo-me como uma sucuri. A água diminui a
força de qualquer golpe que eu aponte para ele.

Faíscas negras explodem na frente dos meus olhos. Estou


ficando sem ar. Meus pulmões gritam para que eu respire, mas
eu sei que se fizer isso, apenas água clorada vai entrar em
minha garganta.

Eu chego atrás de mim e pego o que espero que seja seu


respirador. Eu o puxo o mais forte que posso, trazendo-o para
fora de seu bocal. Uma torrente de bolhas prateadas jorra ao
meu lado. Eu esperava que isso o forçasse a me soltar, mas ele
nem mesmo tenta substituí-lo. Ele sabe que tem mais ar nos
pulmões do que eu. Ele pode aguentar enquanto eu me afogo.

Sinto meu peito pesar, enquanto meu corpo tenta respirar


com ou sem meu consentimento.

Em um último movimento desesperado, puxo o grampo


do meu coque. Eu me viro e apunhalo o pescoço do homem,
bem onde o pescoço encontra o ombro.

Vejo seus olhos escuros e furiosos através da máscara de


mergulho.
E eu sinto seu aperto relaxar ao meu redor, apenas por
uma fração de segundo, enquanto ele recua com o choque e a
dor.

Puxo meus joelhos até meu peito e chuto seu corpo, o


mais forte que posso. Eu me empurro para longe dele, subindo
rapidamente para a superfície.

Meu rosto vem à superfície e eu respiro profundamente,


desesperada. Nunca provei nada mais delicioso. É quase
doloroso a quantidade de ar que arrasto para os meus
pulmões.

Eu nado para a beira da piscina, nadando com todas as


minhas forças, rezando para não sentir sua mão fechando em
volta do meu tornozelo enquanto tenta me puxar de volta para
baixo.

Agarro a borda da piscina e me empurro para fora. Sem


parar para pegar meu telefone, nem mesmo olhando para trás,
corro pelos ladrilhos escorregadios até a saída.

Há duas maneiras de descer do telhado – o elevador ou


as escadas. Eu pego o último, não querendo arriscar uma mão
vestida de preto se empurrando entre as portas do elevador
bem quando elas estão prestes a fechar. Em vez disso, desço
dois lances de escada correndo e volto correndo para o corredor
acarpetado, batendo nas portas dos apartamentos até que
alguém abra.
Eu entro no apartamento do estranho, batendo a porta
atrás de mim e trancando-a.

— Ei, que diabos?! — Ele grita.

Ele é um homem de cerca de sessenta anos, acima do


peso e de óculos, ainda usando roupas de escritório, mas com
um par de chinelos fofos nos pés em vez de sapatos.

Ele olha meu maiô e a água que estou pingando em seu


tapete, confusa demais para formar palavras.

Quando olho para o sofá da sala, vejo uma mulher mais


ou menos da mesma idade comendo uma tigela de sorvete, com
a colher parada na entrada da boca. Na tela da televisão, uma
garota loira soluça sobre suas chances de ganhar uma rosa ou
ser mandada para casa naquela noite.

— O que – o que está acontecendo? — O homem gagueja,


sem raiva agora que percebeu que algo está errado. — Eu
deveria chamar a polícia?

— Não, — eu digo automaticamente.

Os Griffins não chamam a polícia quando temos um


problema. Na verdade, faremos tudo o que pudermos para
evitar o contato com a polícia.

Estou esperando, com o coração disparado, com muito


medo de olhar pelo olho mágico, caso o mergulhador tenha me
seguido e esteja esperando do lado de fora da porta. Esperando
meu olho cruzar a lente para que ele possa disparar uma bala
direto através dela.

— Se eu puder usar o seu telefone, vou ligar para o meu


irmão, — digo.
Fiquei imóvel no fundo falso da carroça. Posso senti-lo
sacudindo e pulando na estrada de terra, depois parando do
lado de fora dos portões do complexo do Boko Haram.

Os terroristas ficaram escondidos aqui por uma semana,


depois de assumir o controle deste pedaço de terra perto de
Lake Chad. Temos informações de que Yusuf Nur entrou no
complexo ontem à noite. Ele só vai ficar aqui por doze horas,
antes de sair novamente.

Ouço Kambar discutindo com os guardas sobre a carroça


cheia de arroz que ele trouxe. Ele está negociando com eles
sobre o preço, exigindo que paguem todos os 66.000 nairas3
que ofereceram, e nem um kobo4 a menos.

Eu gostaria de estrangulá-lo por fazer tanto alarido sobre


isso, mas sei que provavelmente pareceria mais suspeito se ele
não pechinchasse. Ainda assim, conforme a discussão se
arrasta e ele ameaça se virar e levar seus sacos de Basmati de

3 É a moeda oficial da Nigéria.


4 É uma sub-unidade da naira; 1 naira é igual a 100 kobos.
volta para casa, eu tenho que me impedir de dar um baque nas
tábuas acima, para lembrá-lo de que entrar é mais importante
do que pegar o seu dinheiro.

Finalmente, os guardas concordam com um preço um


pouco menor do que Kambar deseja, e sinto a carroça balançar
enquanto entramos no complexo.

Eu odeio ficar confinado aqui. Está mais quente do que o


inferno e me sinto vulnerável, embora Bomber e eu estejamos
armados até os dentes. Alguém poderia mergulhar este
carrinho na gasolina e incendiá-lo antes que pudéssemos
disparar para sair. Se Kambar nos traiu.

Trabalhamos com ele intermitentemente há dois anos.


Então, eu gostaria de pensar que posso confiar no cara. Mas
também sei que ele fará muitas coisas pelo preço certo. Ele fez
muitas coisas por mim, quando consegui um bom suborno.

Felizmente, entramos no complexo sem incidentes.


Kambar dirige o carrinho até o que suponho ser a área da
cozinha e começa a descarregar o arroz.

— Espero que esse cheiro seja do boi, e não de você, —


Bomber sibila para mim.

Por quase três horas agora, estamos amontoados aqui


juntos, como dois amantes em um caixão. É definitivamente
muito mais íntimo com Bomber do que eu esperava
experimentar.
Ele não é um cara mau – um pouco estúpido, um pouco
sexista e horrível em contar piadas. Mas ele trabalha muito, e
posso contar com ele para seguir o plano.

Fomos contratados para matar Nur, o líder desta célula


específica do Boko Haram. Ele tem corrido desenfreadamente
no nordeste da Nigéria, tentando bloquear eleições
democráticas e instalar seu próprio estado teocrático. Com ele
na liderança, é claro.

Ele tomou centenas de reféns e os assassinou quando as


cidades se recusaram a abrir seus portões para ele ou pagar
os resgates ultrajantes que ele exige.

Bem, isso termina esta noite. Boko Haram é uma hidra5


com cem cabeças, mas vou cortar pelo menos uma delas.

Eu gostaria de ter minha equipe normal comigo. Este


trabalho é arriscado. Eu prefiro ter Ghost ao meu lado, ou
mesmo Psycho. Mas os Black Knights estão atualmente
ocupados na Ucrânia. Bomber foi a melhor opção que tive em
curto prazo.

— Eu tenho tanto que fazer xixi, — ele murmura.

— Eu disse para você não beber tanta água.

— Mas é muito quente...

— Shh, — assobio para ele.

5 Era um monstro, na mitologia grega, tinha um corpo de dragão e várias cabeças de serpentes.
Posso ouvir pelo menos outra pessoa ajudando Kambar a
descarregar a carroça. A última coisa de que preciso é que os
terroristas ouçam o choro de Bomber.

Ouço Kambar conversando com alguém a uma dúzia de


metros de distância. Em seguida, uma pausa. Em seguida, as
três batidas rápidas na lateral da carroça que nos dizem que a
barra está limpa.

Eu alcanço embaixo de mim, levantando a trava que


mantém nosso pequeno compartimento no lugar. As portas se
abrem, jogando Bomber e eu na sujeira embaixo do carrinho.
Vejo os cascos do boi acima da minha cabeça e duas rodas
frágeis de cada lado. Bomber e eu rolamos entre as rodas,
escondendo-nos atrás de uma pirâmide de barris de óleo.

Kambar nem mesmo olha para nós. Ele sobe novamente


em sua carroça e acerta as rédeas, assobiando para que o boi
comece a andar.

Bomber e eu nos escondemos atrás dos barris de óleo por


mais duas horas. Bomber cava um canal na poeira e libera sua
bexiga dolorida, o que eu gostaria que ele não fizesse a cinco
centímetros do meu cotovelo, mas não há outra opção. Ouço
os cozinheiros agitando-se na cozinha, preparando o jantar
para os cinquenta ou mais soldados dentro do complexo.

Sinto o cheiro de dar água na boca de cordeiro escaldante


e molho de tomate borbulhante.
— Podemos entrar sorrateiramente e comer alguma
coisa... — Bomber sussurra.

— Nem pense nisso.

Finalmente escureceu e tenho quase certeza de que todo


mundo acabou de comer. Eu vejo o brilho da lanterna na janela
no canto sudoeste do complexo. O quarto que Nur está usando.

— Vamos, — murmuro para Bomber.

Não quero esperar até que comece a vigília noturna.


Quero atuar agora, enquanto todos estão cheios e sonolentos,
enquanto os soldados que vigiaram o complexo o dia todo sob
o sol escaldante estão contando os minutos até poderem fumar
e beber um cigarro, jogar cartas ou ir para a cama cedo.

Estamos observando o complexo há dias. Tenho uma boa


ideia de onde os guardas estão postados e como é seu padrão
de patrulha.

Bomber e eu subimos a escada dos fundos.

O complexo me lembra um castelo medieval – cheio de


pedras grandes e arredondadas e janelas cortadas nas paredes
sem nenhum vidro. Em vez de painéis, um pano colorido é
pendurado para impedir que a poeira entre.

Não há ar-condicionado em lugares como este. Eles


dependem de tijolo ou pedra e fluxo de ar para manter o
interior relativamente fresco.
Bomber fica para trás enquanto coloco minha cabeça no
corredor, verificando o guarda. Ele está parado em uma das
janelas olhando para fora, seu rifle apoiado no chão de pedra
ao lado dele, o cano encostado na parede.

Desleixado. Esses homens não têm treinamento. Eles são


ferozes o suficiente contra civis desarmados, contra mulheres
e crianças, mas seu senso de invencibilidade não é merecido.

Eu me arrasto por trás dele e envolvo meu braço em volta


de sua garganta, cobrindo sua boca com a minha mão e
sufocando-o. Eu espero até que ele fique mole em meus braços,
então o deixo cair suavemente no chão.

Tiro as roupas do homem. Ele está vestindo uma


camuflagem do deserto, com um turbante verde e uma
máscara facial para mostrar sua devoção. Ele é um homem
muito menor do que eu, mas felizmente a blusa e as calças são
largas, provavelmente tiradas ao acaso de uma pilha de
uniformes.

Vesti as roupas dele por cima das minhas, grato pelo


turbante, porque posso usá-lo para esconder o rosto. Quando
estou pronto, Bomber me cobre quando me aproximo da porta
de Nur.

Dois guardas protegem a porta. Esses dois sabem que


não é preciso pousar os rifles ou mostrar qualquer indicação
de tédio. Se Nur os pegasse relaxando, ele próprio atiraria
neles. Ou ordenaria uma de suas torturas mais criativas e
nojentas.
Na última vez em que seus terroristas fizeram reféns fora
de Taraba, ele ordenou que todas as mãos fossem cortadas e
penduradas por um cordão em volta do pescoço. Metade dos
reféns morreu de infecção ou perda de sangue. Nur não parecia
se importar.

Olhando para o chão para esconder meu rosto, ando


propositalmente em direção aos guardas.

— Mensagem para Nur, — murmuro em Kanuri.

O guarda da direita estende a mão para a mensagem,


pensando que trouxe um bilhete ou uma carta.

Em vez disso, cortei sua garganta com minha faca Ka-


Bar.

Ele suspira silenciosamente, levando as mãos ao pescoço,


mais surpreso do que qualquer outra coisa.

O guarda da esquerda abre a boca para gritar,


balançando o rifle na minha direção.

Bloqueio o rifle com o braço, tapando sua boca com a


mão. Então eu o esfaqueio seis vezes no peito.

Os dois homens caem quase ao mesmo tempo. Não há


como abafar o som de seus corpos caindo, ou o gorgolejo do
homem à direita.

Portanto, espero que Nur esteja esperando por mim.


Puxo o homem da esquerda e seguro seu corpo na minha
frente enquanto abro caminho pela porta de Nur.

Com certeza, Nur dispara três balas em minha direção.


Duas atingiram o corpo de seu infeliz guarda. A terceira
estilhaça o batente de madeira perto da minha orelha.

Correndo direto para Nur, jogo o corpo do guarda em seu


rosto. Ele vai para trás, tropeçando em um banquinho e caindo
com força no luxuoso tapete marroquino estendido em seu
chão de pedra.

Eu chuto a arma de sua mão, então me afasto para que


Bomber possa atirar nele. Bomber está bem atrás de mim, com
um silenciador aparafusado em sua SIG Sauer. Ele atira em
Nur duas vezes no peito e uma vez na cabeça.

Nur não estava usando colete. Apenas uma camisa de


linho branco solta, sobre a qual as manchas de sangue
florescem como flores. Eu posso ouvir seu último sopro de ar
assobiar por um buraco em seu pulmão.

Sempre fico surpreso com o quão humanos esses


senhores da guerra são. Nur tem cerca de um metro e oitenta
de altura, ombros macios e barriga. Ele é careca no topo, as
mechas de cabelo ao redor das orelhas manchadas de cinza. O
branco de seus olhos está amarelado, assim como seus dentes.
Posso sentir o cheiro de seu suor.

Não há nada de especial ou majestoso sobre este homem.


Ele assassinou milhares de pessoas e aterrorizou muito mais.
Mas agora ele está morrendo de uma forma maçante, sem
nenhuma última palavra. Sem nem mesmo resistir muito.

Bomber e eu esperamos até que ele esteja totalmente


morto. Verifico o pulso com meus dedos, embora eu já possa
ver em seus olhos vidrados que ele se foi.

Então Bomber e eu nos agarramos ao parapeito da janela


e descemos de rapel pela lateral do prédio.

Estamos planejando sair pela calha de drenagem, onde o


pessoal da cozinha despeja a água suja e outros resíduos.

Não foi minha primeira escolha de saída, mas Bomber e


eu demos todos os nossos tiros, então espero que não pegar
nada muito desagradável.

À medida que avançamos pelo pátio escuro, os guardas


começam a trocar de turno. Em cerca de dez minutos, eles
encontrarão o corpo de Nur. Eles com certeza vão checar seu
chefe.

Bomber e eu estamos passando por um estreito corredor


de pedra para a cozinha quando ele sibila: — Long Shot, dê
uma olhada.

Franzo a testa para ele, irritado por ele ter diminuído a


velocidade. Não há tempo para olhar para o que chamou sua
atenção.

Ainda assim, volto para a porta trancada. Espiando pela


janela minúscula, vejo cinco garotinhas amontoadas no chão.
Elas ainda estão usando seus uniformes escolares de suéteres
xadrez e meias e blusas de algodão branco. Suas roupas são
incrivelmente limpas – elas não devem estar aqui há muito
tempo.

— Merda, — murmuro.

— O que nós fazemos? — Bomber diz.

— É melhor tirá-las de lá.

Bomber está prestes a atirar na fechadura, mas eu o


impeço. Posso sentir algo pesando no bolso da calça que roubei
do guarda lá em cima. Procurando dentro, encontro um molho
de chaves.

Tento cada uma na fechadura, conseguindo na terceira.


A porta se abre com um chiado. As meninas erguem os olhos,
apavoradas.

— Fiquem quietas, por favor! — Eu digo a elas, em inglês.

Não falo hausa, ioruba, igbo ou qualquer uma das outras


línguas nigerianas. Eu só memorizei algumas palavras de
Kanuri para este trabalho. Então, estou rezando para que
essas meninas aprendam inglês na escola.

Eu não posso dizer se elas entenderam ou se elas estão


apenas assustadas em silêncio. Elas encaram Bomber e eu,
com os olhos arregalados e tremendo.

Tento as chaves nas algemas em volta dos tornozelos,


mas nenhuma parece se encaixar. Em vez disso, tiro uma
pedra da parede e coloco a corrente por cima. Bomber a
esmaga com a coronha do rifle até que os elos se partam. Não
consigo remover a algema de metal em torno de seus
tornozelos, mas pelo menos podemos deslizar a corrente.

Colocando meu dedo em meus lábios para lembrar as


meninas de ficarem quietas, nós as empurramos pelo corredor
até a cozinha. Bomber espreita a cabeça primeiro. Ele se
esgueira por trás do cozinheiro e o acerta na cabeça com uma
travessa, derrubando o homem em um dos sacos de arroz que
Kambar trouxe naquela tarde.

Eu jogo as meninas no duto de lixo, uma de cada vez. Tem


um cheiro horrível do caralho.

Bomber torce o nariz.

— Eu não quero entrar aí.

Ouço gritos no andar superior do prédio. Acho que


alguém acabou de encontrar o corpo de Nur.

— Fique aqui e se arrisque, então, — digo a ele.

Segurando meu rifle para mantê-lo fora da sujeira, eu


caio na rampa.

Deslizo pela passagem escura e imunda, esperando


contra todas as esperanças que ela não se estreite em nenhum
ponto. Não consigo imaginar nada pior do que ficar preso como
uma rolha em uma garrafa neste lugar nojento. Felizmente, eu
deslizo até o fim.
— Tenham cuidado! — Eu chamo as meninas antes, não
querendo me chocar com nenhuma delas.

Agora suas roupas estão sujas, manchadas de gordura e


comida estragada. Pego a mão da menor e digo às outra: —
Vamos!

Bomber agarra mais duas pelas mãos e corremos pelo


terreno árido, rezando para que a escuridão e a vegetação
esparsa nos escondam. É bom que as meninas tenham ficado
tão sujas – ajuda a diminuir o branco brilhante de suas meias
e blusas.

Consigo ouvir a comoção no complexo. Os terroristas


estão correndo e gritando, procurando por nós no prédio, mas
sem organização agora que seu chefe está morto.

Estou tentando correr o mais rápido que posso, mas as


meninas são lentas. Elas estão mancando, descalças e rígidas
pelo tempo que estiveram presas naquele quarto. Elas
provavelmente não comeram.

— Temos que deixá-las, — Bomber vocifera para mim. —


Temos que chegar ao ponto de embarque em quarenta e um
minutos ou eles vão embora sem nós!

Está a oito quilômetros de distância. Não há chance de


essas garotas conseguirem correr nesse ritmo. Não em seu
estado atual.

— Nós não vamos deixá-las, — eu rosno.


Os soldados estão um caos, mas logo se reorganizarão.
Eles sairão com seus jipes e lanternas, tentando nos
encontrar.

Agachando-me, faço um gesto para a garota maior subir


nas minhas costas. Pego mais duas garotas e as coloco em
cada quadril.

— Você está louco? — Bomber diz.

— Pegue essas duas, ou eu mesmo vou atirar em você! —


Eu grito com ele.

Bomber balança a cabeça para mim, seu rosto carnudo


vermelho de raiva. Mas ele pega as outras duas garotas. O
Bomber é construído como um linebacker. Eu sei que ele pode
carregar mais alguns quilos.

Começamos a correr pelo terreno acidentado, as meninas


se agarrando a nós com seus braços e pernas magras.

Mesmo sendo pequenas, devo estar carregando mais de


quarenta e cinco quilos. Não sei o que diabos as crianças
pesam, mas essas três parecem estar aumentando de massa a
cada minuto.

O suor está escorrendo da minha pele, tornando difícil


para elas se agarrarem a mim. Bomber está bufando e
soprando como um hipopótamo, cansado demais até para
reclamar.
Corremos até meus pulmões queimarem e minhas pernas
pegarem fogo.

— Mais três quilômetros, — Bomber ofega.

Porra.

Cada sacudida de meus pés envia dor nas minhas costas.


Minhas mãos estão dormentes, tentando agarrar essas
crianças. Estou com medo de desabar e não ser capaz de me
levantar novamente.

Tento fingir que estou de volta ao treinamento básico,


quando tive que correr dezesseis quilômetros com uma
mochila de dezoito quilos nas costas. Quando eu não estava
acostumado a empurrar meu corpo e não tinha ideia de quão
longe ele poderia ir.

Lembro-me do meu primeiro sargento – Sargento Price.

Eu o imagino correndo ao meu lado, gritando para eu nem


pensar em diminuir a velocidade.

— SE VOCÊ CAIR UM MALDITO PASSO, EU VOU


CHUTÁ-LO NAS BOLAS TANTO QUE VOCÊ CANTARÁ COMO
MARIAH CAREY!

Price sabia como motivar um cara.

Por fim, quando realmente acho que não posso dar mais
um passo, ouço o barulho do helicóptero. Isso me inunda com
uma nova vida.
— Quase lá! — Eu digo a Bomber.

Ele acena com a cabeça estupidamente, o suor voando de


seu rosto.

O último pedaço de terreno é uma subida. Carrego


aquelas garotas para cima como se eu fosse Sam wise Gamgee
carregando Frodo para o vulcão. É o melhor e o pior momento
da minha vida.

Eu as coloco no helicóptero, uma por uma, perguntando-


me exatamente como diabos vou descobrir de onde elas vieram
para poder levá-las para casa novamente.

— Não temos capacidade de peso para corpos extras! —


O piloto exclama para mim.

— Então jogue algo fora, — digo a ele.

Não vou deixar essas crianças, depois de carregá-las por


todo o caminho.

O piloto joga fora o kit médico e algumas outras caixas de


suprimentos. Esperançosamente nada muito caro –
provavelmente terei que pagar por tudo isso.

Assim que Bomber e eu estamos acomodados, o


helicóptero se eleva no ar. As cinco garotas se amontoam no
chão, agarradas umas às outras, com mais medo de voar do
que do resto da fuga. Apenas uma tem a coragem de espiar
pela porta aberta, para ver o deserto escuro se dissipando sob
nós.
Ela olha para mim, olhos grandes brilhando em seu
rostinho redondo.

— Pássaro, — ela murmura para mim, em inglês. Ela une


os polegares e agita os dedos como asas.

— Sim, — eu resmungo. — Você é um pássaro agora.

Enquanto sobrevoamos Lake Chad, meu celular vibra no


bolso.

Eu puxo para fora, surpreso por estar recebendo sinal


aqui.

Estou ainda mais surpreso ao ver o nome de Dante na


tela. Da última vez que ele me ligou, acabei levando um tiro na
lateral. Isso me deu uma das minhas cicatrizes mais
desagradáveis.

Eu atendo de qualquer maneira, dizendo: — Deuce. É


melhor você não estar me chamando para outro favor.

— Bem... — Dante ri.

Deuce não costumava rir muito. Acho que ele está


fazendo mais agora que recuperou a garota.

Falando em garotas...

— Deixe-me adivinhar, — eu digo. — Você está me ligando


porque Riona quer meu número. Está tudo bem – eu entendo.
A química entre nós era palpável.
— Bem, ela não jogou a bebida na sua cara, então acho
que pelos padrões de suas interações usuais com as mulheres,
foi muito bem...

Eu bufo. Só encontrei Riona Griffin uma vez, mas ela me


impressionou. Você não vê uma garota tão linda com
frequência. O fato de ela ser arrogante e tensa e me odiar
apenas adiciona um pouco de tempero à mistura.

— Então, sobre o que você realmente está ligando? — Eu


pergunto a Dante.

— É sobre Riona, — diz ele. — Mas não como você está


pensando...
Meu irmão Callum aparece no meu prédio em menos de
dez minutos. Ele me resgata do apartamento pertencente aos
Greenwoods bem a tempo. O Sr. Greenwood está cada vez mais
insistente para que chamemos a polícia. A Sra. Greenwood
também parece impaciente, ou porque está perdendo o final de
The Bachelor, ou porque notou os olhos do marido passando
por minhas pernas nuas várias vezes. A toalha de banho
listrada que os Greenwoods forneceram foi feita para suas
proporções modestas e não cobre muito mais de mim do que
meu maiô.

Quando eles abrem a porta para Cal, meu irmão entra no


apartamento com Dante Gallo seguindo atrás dele. Os
Greenwoods voltam para o sofá, não querendo estar em
qualquer lugar perto de um homem que mal consegue passar
pelo batente da porta sem se virar de lado.

Uma onda de alívio toma conta de mim ao ver meu irmão,


que parece tão legal e competente como sempre, e Dante, que
poderia ter rasgado aquele merda de mergulhador ao meio com
as próprias mãos se ele estivesse na piscina comigo.

Quase quero abraçar os dois. Quase. Mas não estou tão


longe assim.

— Obrigada por vir, — eu digo ao invés.

Cal não faz cerimônia. Ele coloca o braço em volta de mim


e me aperta contra o seu lado. Acho que ser pai o deixou mole.
Mas também, é bom. Reconfortante.

— Já olhamos seu apartamento, — Cal me diz. — Não há


ninguém lá.

— Vamos voltar lá, então, — digo para Cal, com um olhar


sutil para Greenwoods. Não há necessidade de eles ouvirem
mais do que já ouviram.

— Não sei como um assaltante entrou no prédio com


Ronald na porta! — A Sra. Greenwood se preocupa.

Eu disse aos Greenwoods que alguém me abordou na


piscina, mas fui vaga nos detalhes. A Sra. Greenwood
presumiu que era um assalto quando eu disse a ela que teria
que usar o telefone dela para ligar para meu irmão.

— Obrigada por me deixarem ficar, — digo ao casal.

— Vá em frente e fique com isso, — diz a Sra. Greenwood,


apontando para a toalha listrada. Acho que ela me daria quase
tudo para nos tirar de seu apartamento.
Voltamos pelo corredor para os elevadores, meus pés
descalços pisando silenciosamente no tapete, enquanto Cal e
Dante caminham um de cada lado como suportes de livros.

— Você sabe quem era o mergulhador? — Dante diz, em


sua voz grave e grave. — Você viu o rosto dele?

— Não. — Eu balancei minha cabeça. — Ele tinha olhos


escuros. Foi tudo o que vi. A maior parte de seu rosto estava
coberto pela máscara de mergulho. Ele era forte...

Eu estremeço involuntariamente, lembrando como seus


braços me envolveram e me arrastaram para baixo da água.

— Existem câmeras na cobertura? — Cal me pergunta.

— Não tenho ideia, — eu digo.

Pegamos o elevador para descer do trigésimo segundo


andar para o vigésimo oitavo andar. Mesmo que Cal já tenha
passado pelo meu apartamento usando sua chave reserva,
Dante verifica novamente antes de entrarmos.

— Vou tomar banho bem rápido, — digo a eles. — Sirvam-


se de uma bebida, se quiserem.

Abro a torneira o mais quente possível e limpo o cheiro de


cloro do cabelo. Quando viro meu rosto para o spray, sinto
outra onda de pânico. Lembro-me da terrível agitação em meus
pulmões, desesperada por ar. Desliguei a água, seco-me com
minha própria toalha do tamanho adequado e visto uma calça
de ioga e um moletom.
Quando volto para a sala de estar, Cal e Dante estão
rondando, verificando as janelas e portas da varanda em busca
de qualquer sinal de que alguém possa ter arrombado aqui no
início do dia.

— Alguma coisa parece fora do lugar? — Cal me pergunta.


— Está faltando alguma coisa?

— Não que eu possa ver.

Eu notaria. Meu apartamento é minimalista ao extremo,


limpo e bem organizado. Meus livros são organizados em
ordem alfabética pelo nome do autor. Não há um único prato
sujo na pia. Não tenho plantas ou animais de estimação – não
quero nada vivendo dependendo de mim.

— Vamos ter uma conversa com Ronald, então, — Dante


rosna.

Ronald é o porteiro principal. Ele e outros dois se


alternam em turnos para que haja alguém no saguão 24 horas
por dia, 7 dias por semana, garantindo que ninguém que não
seja residente ou hóspede acesse o prédio.

Ronald é de meia-idade, careca, barrigudo e amigável. Ele


tem um toque de sotaque britânico que pode ser real, ou pode
ser algo que ele usa para tornar-se querido pelos inquilinos,
que gostam da ideia de um porteiro chique importado
internacionalmente.

A princípio, ele hesita em nos mostrar as imagens da


câmera da piscina sem liberar o gerenciamento do prédio. No
entanto, meu irmão é muito convincente com seus olhos azuis
claros que cortam você e seu título de vereador. O volume
silencioso e imponente de Dante é persuasivo de uma maneira
totalmente diferente.

Ronald nos leva a uma pequena sala nos fundos com uma
única mesa, cadeira e monitor de computador.

— Vocês podem assistir as câmeras aqui, — diz ele.

— Precisamos ver todas as câmeras da cobertura, — diz


Dante. — As que mostram a piscina.

— Vou ver o que posso fazer, — diz Ronald, sentando-se


à mesa e clicando provisoriamente com o mouse. — Só
recebemos as câmeras de segurança este ano, então não estou
totalmente familiarizado com o sistema. Eu só tive que revisar
a filmagem duas vezes antes, quando a Sra. Peterson insistia
que alguém estava batendo em sua porta...

— Era alguém? — Dante pergunta.

— Não, — Ronald ri. — Era a cacatua dela, dentro de seu


apartamento.

Ronald consegue puxar a câmera da piscina,


retrocedendo a gravação para duas horas antes.

— Essa é a única câmera lá em cima? — Callum


pergunta.

— Sim. Há apenas uma por andar, — diz Ronald.


A câmera é montada bem no canto, de forma que quase
toda a piscina esteja à vista. Podemos ver as espreguiçadeiras
dos dois lados da piscina, o armário que guarda todas as
toalhas extras e a entrada por onde as pessoas entram e saem
no caminho para os elevadores. No entanto, o canto esquerdo
inferior da piscina está cortado.

Assistimos à filmagem granulada enquanto uma mãe e


seus dois filhos pequenos nadavam, então um grupo de
adolescentes deitou nas espreguiçadeiras enquanto um velho
nadava. Depois disso, a piscina se esvazia e por muito tempo
não tem ninguém lá em cima.

Finalmente, vejo minha figura familiar caminhando pelos


ladrilhos. Eu me vejo ligar a música transmitida pelos meus
fones de ouvido à prova d'água através do meu telefone, então
eu coloco o telefone na poltrona mais próxima, sobre uma
toalha dobrada. Calma e alheia ao que está para acontecer,
vou até a piscina e mergulho.

Minha frequência cardíaca acelera conforme os segundos


contam até o que eu sei que está para acontecer. Sinto a
necessidade ridícula de gritar um aviso para mim mesma.
Observo minha figura minúscula nadar para a frente e para
trás na piscina, sabendo que a qualquer segundo essas voltas
constantes estão prestes a ser interrompidas.

O que acontece a seguir parece estranhamente benigno


na tela do vídeo. Eu simplesmente caio abaixo da água e
desapareço. A câmera está muito longe e a resolução muito
fraca para perceber o que realmente está acontecendo. Você
pode ver a agitação da água e a sombra escura de uma figura
abaixo, mas é impossível dizer que na verdade há duas pessoas
lá embaixo, travadas em uma luta mortal.

Percebo que, se o mergulhador tivesse me segurado no


fundo com sucesso, tudo o que a câmera teria capturado seria
meu corpo flutuando de volta à superfície, de bruços. Pareceria
que eu tive cãibras e me afoguei. Ninguém saberia que fui
assassinada.

Eu me vejo lutando e lutando sob a água, apenas um


borrão escuro em uma névoa de bolhas. Sem perceber, estou
prendendo a respiração.

Cal fica tenso ao meu lado, e ouço Dante soltar um


grunhido de raiva. Eu sei que eles se sentem tão impotentes
quanto eu, observando o que já aconteceu, impotentes para
fazer qualquer coisa a respeito.

Quando minha figura volta à superfície novamente,


respiro fundo no espaço sufocante da sala de segurança.
Observo a pequena Riona pular para fora da piscina e fugir
para as escadas.

Tendo falhado em me matar, o mergulhador abandona o


subterfúgio. Ele também se puxa para fora da piscina,
sobrecarregado por seu tanque de oxigênio e incapaz de usar
o braço direito em toda a sua extensão, por causa do grampo
enterrado em seu músculo trapézio. Não consigo ver o grampo
de cabelo na tela do vídeo, mas posso ver a rigidez daquele
braço e a maneira como o mergulhador favorece a esquerda.

Ronald dá um gritinho ao ver o mergulhador. Ele não


tinha percebido até aquele momento o que ele estava
assistindo.

— Quem diabos é esse? — Ele choraminga.

Todos nós ignoramos Ronald. Estamos observando o


mergulhador tirar suas nadadeiras. Ele não parece interessado
em me perseguir. Em vez disso, ele pega meu celular da
espreguiçadeira e o leva com ele.

Só depois que ele se foi posso respirar livremente


novamente.

— Rebobine a fita, — diz Cal. — Quero ver quando ele


entrou na piscina.

Ronald rola para frente e para trás no vídeo várias vezes.


Não podemos ver o mergulhador entrando na piscina.

— Espere, — Dante grunhe, apontando com o dedo grosso


para a tela. — O que é isso?

Ele está apontando para um momento trinta minutos


antes de eu entrar na piscina. Nenhuma figura é capturada
pela câmera. Mas eu vejo ondulações saindo pela água do
canto esquerdo inferior da tela.

— Ele entrou na piscina naquele momento, — diz Dante.


— Ele ficou fora da tela. — Callum franze a testa. — Ele
sabia como evitar a câmera.

— Essa é a única maneira de subir o telhado? — Dante


pergunta a Ronald, apontando para a entrada principal.

— Não. — Ronald balança a cabeça. — Há um elevador


de manutenção do outro lado. Você não pode ver na câmera.
Eu disse a eles que realmente deveríamos ter duas por andar,
apontando em ambas as direções

— Quem tem acesso ao elevador de manutenção? — Cal


interrompe.

— Apenas os porteiros e o superintendente de


construção, — diz Ronald. — Mas nenhum de nós estaria
vestindo roupas de mergulho e atacando os residentes!

Ele bufa indignado, como se Cal estivesse sugerindo que


o próprio Ronald poderia estar escondido na piscina.

— Me dê esse vídeo, — diz Cal.

— O quê? — Ronald gagueja. — Eu tenho que relatar isso,


eu...

— Você não vai contar a ninguém sobre isso, — rosna


Dante. — Nos dê uma cópia do vídeo e, em seguida, exclua-o.

— Eu não posso fazer isso! Posso perder meu emprego!

— Ronald, — eu interrompo, usando meu tom mais


razoável. — Quase fui assassinada na piscina, porque um
desconhecido conseguiu entrar no seu prédio. Se alguma coisa
vai fazer você perder o emprego, é o processo que vou abrir
contra você, a administradora de imóveis e os proprietários
deste prédio, se não me der esse vídeo agora.

Ronald engole em seco. — Bem... uh... quando você


coloca dessa forma...

Ele envia uma cópia da filmagem para Callum por e-mail


e, em seguida, apaga uma hora de vídeo do banco de dados.

— Obrigada, — digo docemente. — Agora, mantenha sua


boca fechada sobre isso, e você verá evidências de minha
gratidão contínua em seu bônus de Natal.

Deixamos Ronald sozinho na cabine de segurança.

— É melhor você voltar para a minha casa esta noite, —


diz Cal. — Ou para a casa mamãe e do papai.

Eu não amo nenhuma dessas opções. Cal tem um bebê


novo. Embora aprecie meu único sobrinho em um nível
intelectual, gostaria de preservar nosso relacionamento não
sendo acordada dez vezes durante a noite por seus gritos.

A casa dos meus pais é pouco mais atraente. Acabei de


me mudar sozinha – não quero voltar ao meu antigo quarto,
especialmente com minha mãe e meu pai me preocupando
depois do afogamento fracassado.

— Acho que vou ficar em um hotel, — digo a ele.

— Alguém deveria ficar de olho em você, — grunhe Dante.


Eu sei que é a maneira dele de se oferecer para fazer o
trabalho. Mas Dante também tem um filho e uma noiva – ele e
Simone vão se casar em apenas algumas semanas.

Eu balanço minha cabeça. — Estou bem. Não preciso de


uma babá.

— Não registre seu nome verdadeiro, — diz Cal.

— Eu sei. — Eu rolo meus olhos. — Não sou uma idiota.

— Isso é sério, — Cal diz, fixando-me com seu olhar frio


e azul. — Quem quer que seja aquele filho da puta, ele é um
profissional. Ele planejou isso com antecedência. Ele conhecia
o prédio. O sistema de segurança. Ele conhecia sua
programação – quando você sai do trabalho e quando você
nada à noite. Ele saiu de seu caminho para fazer isso parecer
um acidente. Isso é uma merda de assassino de primeira.
Quem o contratou para o trabalho não está brincando.

— Eu sei, — digo novamente, com menos sarcasmo. —


Acredite em mim, estou levando isso a sério.

Lembro-me da água fechando sobre minha cabeça e


daqueles braços de ferro me puxando para baixo.

— Precisamos de alguém para ficar de olho em você até


descobrirmos quem fez isso, — diz Dante.

Eu franzo a testa para ele. — De quem você está falando,


exatamente?

— Um profissional, — diz Dante.


Cruzo meus braços sobre meu peito. — É melhor você não
estar falando de quem eu acho que você está falando...

— Eu liguei para ele no caminho. Ele está voando de volta


aos Estados Unidos esta noite.

— DANTE! — Eu grito, completamente irritada.

— Ele é bom, — diz Dante. — Muito, muito bom.

— Eu não preciso de uma babá. Principalmente ele. — Eu


enrolo meu lábio em desgosto. Já conheci Raylan Boone uma
vez e não fiquei impressionada. Seu papo-furado de country-
boy arrogante é a última coisa de que preciso agora.

— Quem é ele? — Cal pergunta curiosamente.

— Estivemos no Iraque juntos, — diz Dante. — Ele me


ajudou a salvar Simone.

— O que ele fez para te ofender, irmã? — Cal pergunta,


falhando em esconder seu sorriso.

— Eu não quero ninguém me seguindo, — eu digo


friamente. — Especialmente não alguém... tagarela.

Cal e Dante nem tentam não rir.

— Só você prefere um assassinato em potencial do que


alguém tentando ‘conversar’ com você, — Cal bufa.

— Ele é o melhor homem que conheço, — Dante me diz


sério. — Ele vai cuidar de você, Riona.
Eu sei que Dante tem boas intenções, mas não posso
deixar de franzir a testa.

Não quero ninguém cuidando de mim.


Dante me leva ao escritório de advocacia de Riona em
East Wacker. Ele me avisou que a princesa irlandesa não
estava exatamente interessada em me ter como seu guarda-
costas, mas eu esperava que pudéssemos sair um pouco
melhor do que da última vez.

— É bom ver você de novo, — eu digo, estendendo minha


mão para apertar.

Riona me olha de cima a baixo como se eu fosse um


vendedor de Bíblias parado em sua porta. Seus olhos verdes
parecem frios e gelados, como vidro do mar. — É isso que você
está planejando vestir? — Ela diz.

Isso me surpreendeu, porque eu realmente tomei banho


e coloquei roupas limpas antes de pegar um voo através do
Atlântico. Estou usando botas, jeans e uma camisa de flanela
de botão, o que me parece ser a roupa mais normal que um
cara poderia usar.

— O que há de errado nisso? — Eu pergunto.


— Nada. — Riona funga. — Se eu precisar de alguém para
cortar lenha para mim.

— Você precisa? — Eu pergunto a ela. — Porque eu sou


muito hábil com um machado. Dê-me três horas e eu vou
cortar, dividir e empilhar uma linha para você.

Riona balança a cabeça para mim. — Espero por Deus


nunca descobrir o que isso significa, — diz ela.

Ela se vira e marcha para longe de mim. Presumo que


devo segui-la, então aceno adeus a Dante e caminho atrás dela.

O escritório de advocacia de Griffin, Briar, Weiss ocupa


vários andares do edifício. Já fui informado por Dante de que
eles tratam de todas as questões jurídicas para o império
Griffin, e parte do trabalho para os Gallo também, já que os
interesses das duas famílias se entrelaçaram.

Demos apenas cerca de uma dúzia de passos quando


somos interceptados por um homem alto e esbelto, com
cabelos grisalhos, rosto comprido e magro e terno de tweed. O
terno, combinado com seus óculos de tartaruga, faz com que
pareça que ele se sentiria mais em casa em um pub de Dublin
do que em um escritório de advocacia de Chicago.

Com certeza, quando ele fala, tem um toque de sotaque


irlandês – apenas um toque, o suficiente para saber que ele
não passou toda a sua vida na América.
— Riona! — Ele diz, colocando o braço em volta dos
ombros dela. — Fergus me contou o que aconteceu. Você não
precisava vir hoje.

Riona enrubesce. Não sei dizer se ela está envergonhada


com a menção do ataque ou porque está sendo abraçada no
local de trabalho. Possivelmente ambos.

— Estou bem, tio Oran, — diz ela.

— Presumo que você seja o Raylan. — Oran solta Riona e


estende a mão para mim. Ele tem dedos finos e secos e um
aperto firme.

— Raylan Boone, — eu digo. — Prazer em conhecê-lo.

— Estou feliz por você estar aqui para ficar de olho na


minha sobrinha, — diz ele. — Ela é muito valiosa para nós –
para a empresa e para a família.

— Vou fazer o meu melhor, — eu digo.

Posso dizer que Riona odeia isso ainda mais – ser falada
na terceira pessoa e ser confiada a mim como um pacote. Ela
deve considerar muito seu tio, porque só isso poderia impedi-
la de disparar uma réplica afiada.

— Raylan pode ficar no meu escritório, — ela diz a Oran.


— Fora do caminho.

— Oh, não precisa! Fique confortável, — Oran me diz. —


Temos uma máquina de café expresso muito boa. Claro que
sou tendencioso – eu mesmo escolhi. Ou há uma cafeteria no
térreo.

Ele sorri, mostrando dentes apinhados que


definitivamente nunca tiveram o benefício dos cuidados
ortodônticos americanos.

— Obrigado, — eu digo. — Bebo qualquer tipo de café,


desde que seja marrom.

Oran ri. — Um verdadeiro soldado! — Ele diz. — Eu era


da mesma forma quando servi no IRA6.

Ele me dá um tapinha no ombro, depois continua pelo


corredor.

— Seu tio esteve no IRA? — Eu pergunto à Riona.

Riona encolhe os ombros. — Isso é o que ele diz. Mas o


tio Oran nunca permite que os fatos atrapalhem uma boa
história.

— Ele é irmão do seu pai?

— Meio irmão. Mães diferentes. Na verdade, há uma


meia-irmã em Cork que é ainda mais velha. Acho que meu avô
não era muito cuidadoso em suas visitas a casa. Ou muito
preocupado com os sentimentos da vovó.

Não acho que ela goste particularmente de me contar essa


história complicada da família, mas Riona tem uma espécie de

6 Exército Republicano Irlandês.


honestidade brutal. Uma característica interessante para uma
advogada. Sempre pensei nos advogados como diabos de
língua prateada que tentariam te convencer de que preto é
branco e errado é certo.

Riona é o oposto – ela parece determinada a afirmar as


coisas exatamente como são e malditas sejam as
consequências. Ou os sentimentos de outras pessoas.

— Este é o meu escritório, — ela diz, apontando para uma


sala que mais parece uma galeria de arte. — Não toque em
nada. Não fale com ninguém. Somente... fique quieto para que
eu possa trabalhar, por favor.

Duas manchas brilhantes de cor queimam suas


bochechas pálidas. Acho que ela tem vergonha de outra pessoa
me ver.

— Está tudo bem, — eu digo, sorrindo para ela. — Você


pode dizer a eles que sou seu primo, se quiser.

— Não, obrigada, — Riona diz friamente. — Eu sei como


vocês tratam seus primos de onde você vem.

Não posso deixar de bufar um pouco. Já ouvi muitas


piadas de primos antes, mas a maneira como Riona diz, com
seu toque particular de desdém, me diverte da mesma forma.

Ela é um osso duro de roer.

E sempre gostei de desafios.


Honestamente, se ela gostasse de mim logo de cara, eu
acharia que ela tinha um gosto terrível.

Eu me sento em uma poltrona confortável no canto de


seu escritório e a observo trabalhar.

Não estou olhando para ela o tempo todo, é claro –


também estou verificando os pontos de entrada e saída do
prédio, fazendo um mapa mental do escritório, observando o
restante da equipe e observando suas interações. Verificando
quem é amigo de quem, quem está enfrentando uma rivalidade
e quem parece particularmente interessado na Srta. Riona.

Noto um cara olhando para nós cada vez que passa pelo
corredor. Ele tem cabelo loiro, cor de areia, penteado em um
topete e um terno azul justo com um lenço de bolso amarelo
brilhante. Meio elegante para o meu gosto, mas parece muito
orgulhoso de si mesmo sobre todo o conjunto.

— Quem é aquele? — Eu pergunto à Riona.

Ela tira aqueles olhos verdes claros de seu trabalho por


um momento, para que possa olhar para cima e verificar de
quem estou falando.

— Oh, — ela diz categoricamente. — Esse é Josh Hale.


Ele é um filho da puta sorrateiro que está competindo pelo
mesmo cargo que eu. É por isso que ele continua tentando nos
espionar.

— O quanto ele quer esse trabalho? — Pergunto a ela.


— Muito, — diz Riona.

— O suficiente para querer você fora do caminho?

— Talvez. Mas não sei se ele teria coragem de fazer isso


acontecer. Ele não é de uma família da máfia. Ele é apenas o
seu perseguidor cruel de promoções. A coisa mais difícil sobre
ele é o fato de que fazia parte da equipe de esgrima da Notre
Dame. O que ele com certeza lhe dirá dez minutos depois de
conhecê-lo.

Assim que Josh termina de olhar para nós, eu o vejo


entrar em um escritório bagunçado no final do corredor. Ele
aparece novamente apenas um minuto depois, com o rosto
vermelho e irritado.

Enquanto isso, uma garota bonita em um vestido laranja


deslizou sua cadeira vários metros para a esquerda para que
pudesse espiar pela nossa janela também.

— Então e ela? — Eu pergunto.

— Essa é a minha assistente jurídica, Lucy. Eu acho que


ela está olhando aqui porque acha você atraente. Ela está
solteira há um tempo.

Riona diz a palavra “atraente” com uma nota de


descrença. Ainda assim, não posso deixar de sorrir por ela
basicamente admitir que sou uma gracinha.

— No que você está trabalhando? — Pergunto a ela.


— Acordos de compra para o Desenvolvimento de South
Shore, — ela diz secamente.

— É só isso que você está fazendo?

Ela pousou a caneta, olhando para mim com irritação. —


Por quê? — Ela diz.

— Bem, — respondo pacientemente, — alguém tentou


matar você na noite passada. Presumo que eles tenham um
motivo. Parece que pode ter algo a ver com um de seus projetos
atuais...

— É possível, — diz Riona. — Este é um desenvolvimento


de dois bilhões de dólares. É dinheiro suficiente para matar
alguém. Mas não faz muito sentido que eles tentem me matar.
Afogue-me na piscina e minha família contratará outra pessoa
para cuidar da papelada.

Ela diz isso com calma, sem emoção. Mas acho que ouvi
uma ponta de amargura em sua voz. Como se ela realmente
achasse que os Griffins continuariam com seu projeto, quase
sem sentir sua falta.

— Eu não acho que você consegue um escritório como


este apenas preenchendo a papelada, — eu digo.

— Acho que você sabe tanto sobre advogados quanto eu


sobre cortar lenha. — Riona funga.

— Justo. — Eu sorrio para ela.

Riona volta ao trabalho.


Sento na minha cadeira e penso.

Os Griffins têm centenas de inimigos. Famílias irlandesas


rivais. Famílias italianas rivais. Bratva. Máfia polonesa...

Por que tentar matar Riona Griffin, no entanto? E por que


tentar fazer o afogamento parecer acidental?

Na maioria das vezes, quando um chefe da máfia ordena


um assassinato, ele quer enviar uma mensagem. Se a intenção
fosse ameaçar os Griffin, ou vingar um erro do passado, o
assassino teria simplesmente atirado em Riona na rua. Ou algo
muito pior...

Quando você mata alguém secretamente, isso é pessoal.

O golpe foi dirigido à Riona, e somente à Riona.

Por causa de algo que ela fez. Ou algo que ela conhece...

Riona trabalha o dia todo sem parar para almoçar. Meu


estômago está roncando, mas não quero dar a ela a satisfação
de implorar por comida.

Por volta das seis da tarde, ela finalmente começa a


arrumar os papéis em sua mesa.

— Hora de comer? — Eu digo.

Riona verifica seu relógio. — Vou me encontrar com Dean


para jantar, — ela diz.

— Quem é Dean? — Eu pergunto a ela.


— Meu namorado, — ela diz afetadamente.

— Mal posso esperar para conhecê-lo.

Ela franze a testa. — Você não vem.

— Desculpe, querida. Eu sou seu guarda-costas. Isso


significa que aonde quer que você vá, eu também vou.

Ela estreita os olhos para mim, e posso dizer que ela está
tentando decidir se vale a pena discutir isso. Por um lado, acho
que Riona odeia não conseguir o que quer. Por outro lado,
estou fixando nela um olhar que deixa claro que estou
planejando ficar com ela como mel em uma pata de urso. Ela
não vai se livrar de mim até que este trabalho esteja concluído.

— Tudo bem, — ela diz finalmente. — Mas eu não acho


que Dean vai gostar disso.

— Ele poderia. — Eu encolho os ombros. — Sou um cara


muito simpático.

Pego minha jaqueta e a sigo até o elevador.

— Você tem um carro? — Eu pergunto a ela.

— Não, — ela diz. — Eu não preciso de um. Moro a apenas


alguns quarteirões do escritório. E é fácil conseguir um táxi ou
Uber se eu quiser ir para outro lugar.

— Fácil para alguém fingir ser um motorista de táxi


também, — digo a ela, sobrancelha levantada.
— Bem, é por isso que você está aqui, não é? — Ela diz.
— No caso de motoristas de táxi falsos e assassinos.

Posso dizer que ela já está se irritando com a


inconveniência de ter seus planos e rotinas desafiados. E este
é apenas o primeiro dia. Nós mal começamos.

Riona caminha até o meio-fio, erguendo a mão para


chamar o táxi mais próximo. Quando ele encosta, eu estendo
a mão para abrir a porta para ela.

— Eu posso fazer isso, — ela atira. Ela própria puxa a


maçaneta e desliza para o banco de trás. Sigo atrás dela,
sentado diretamente atrás do motorista.

— Para onde? — Ele nos pergunta.

— Amuse Bouche, — diz Riona.

— Ótimos frutos do mar naquele lugar, — o taxista diz


alegremente.

Riona o ignora, e a mim também, olhando pela janela


enquanto cruzamos o rio.

— Então me fale sobre Dean, — eu digo para Riona.

— Por quê?

— Porque eu preciso saber sobre todos em sua vida.


Todos com quem você tem interagido.

— Dean não tem nada a ver com isso... — ela ergue os


olhos para o taxista, que está ouvindo uma música country,
tamborilando com os dedos no volante. — Qualquer coisa a ver
com o que aconteceu, — ela termina.

— Nós não sabemos disso. Porque não sabemos o que


aconteceu, ou por quê.

— Isso é ridículo. Dean é um cirurgião. Ele não é...

— Que tipo de cirurgião? — Eu digo.

Riona respira lentamente, claramente irritada comigo. —


Ele é um cirurgião torácico, — diz ela.

— E há quanto tempo vocês dois namoram?

— Três meses.

— Como vocês se conheceram?

— Isso é realmente...

— Basta responder às perguntas. É mais fácil do que


discutir.

Riona joga a cabeça, jogando seu longo rabo de cavalo cor


de fogo por cima do ombro. Seu cabelo é o mais vivo que já vi
– não laranja ou louro-morango. Um verdadeiro vermelho
brilhante. Suas sobrancelhas e cílios são muito mais escuros,
como as pontas pretas nas orelhas e nariz de uma raposa.

Não há nada de delicado ou feminino em Riona. Ela é uma


mulher por completo. Ela tem um nariz longo e reto, boca
larga, maçãs do rosto fortes e postura ereta. Alta, e não tem
medo de usar salto para ficar mais alta.
— Você acha que eu faço alguma coisa porque é mais
fácil? — Ela diz.

— Claro que você faz, — eu digo. — Pessoas inteligentes


não fazem as coisas da maneira mais difícil.

— Você conhece algumas pessoas inteligentes, não é? —


Ela diz ironicamente.

— Por que você está tentando tanto lutar comigo? Não


somos inimigos.

— Nós também não somos amigos. — Ela funga.

Eu apenas rio e balanço minha cabeça para ela, o que a


irrita mais do que se eu tivesse ficado com raiva.

Riona pode parecer uma raposa, mas tem o


temperamento de um puro-sangue – altiva e nervosa. Não acho
que ela seja mal-humorada. Ela simplesmente não confia
facilmente.

Eu sei como lidar com puros-sangues. Afinal, cresci em


uma fazenda de cavalos.

— Vamos, — eu digo suavemente. — Diga-me onde você


conheceu esse tal Dean. Foi no Tinder? Você pode me dizer se
foi o Tinder.

— Não, — diz Riona, recusando-se a sorrir. — Não foi no


Tinder.

— Onde então?
— Foi na festa de aniversário de uma amiga. Eu estava
abrindo uma garrafa de vinho. A tampa escorregou. Cortei meu
dedo. Ele ajudou a enfaixá-lo.

— E ele não mandou uma conta depois, então você sabia


que era amor verdadeiro.

— Não. Ele apenas pediu para me levar para tomar um


café no dia seguinte.

— Quem era a amiga em comum?

— O nome dela é Amanda. Fomos para a faculdade de


direito juntas.

— Como Dean a conheceu?

— Ele joga raquetebol com o noivo dela, Greg.

Estamos parando na frente do restaurante agora. Riona


diz: — Satisfeito? Você não vai interrogá-lo também, espero.

— Não, claro que não. — Eu sorrio. — Vou ficar quieto


como um rato. Você nem vai saber que estou lá.
Dean está esperando por mim na recepção. Ele tomou
banho e trocou de roupa depois do trabalho, então está usando
uma camisa de botões azul clara que destaca o loiro em seu
cabelo. Acho que ele fez a barba novamente, porque sinto seu
rosto perfeitamente liso quando me dá um rápido beijo de
boas-vindas. Posso sentir o cheiro de sua loção pós-barba e do
antisséptico industrial persistente em suas mãos e unhas.

Dean poderia fazer cosplay como um boneco Ken sem


muitos problemas. Ele é alto, em forma e bonito, com uma
covinha no queixo. Ele tem uma suavidade em suas feições que
o faz parecer um menino, embora tenha quase quarenta anos.

Ele parece animado em me ver, até perceber que o homem


que me seguiu pela porta também está nos seguindo até nossa
mesa.

— Raylan Boone, — Raylan diz, sem esperar que eu o


apresente. Ele pega a mão de Dean e aperta. — Prazer em
conhecê-lo.
— Raylan é um especialista em segurança, — eu explico.
— Minha família o contratou. Ele vai me acompanhar nos
próximos dias.

— Ou semanas, — Raylan interrompe.

— Ok... — Dean diz, devolvendo o aperto de mão de


Raylan sem exatamente o mesmo nível de entusiasmo. — Por
quê, exatamente?

— Houve um incidente na noite passada, — eu digo. —


Nada sério. Mas pensamos que seria melhor tomar precauções.

Vejo o olhar divertido de Raylan voar para mim,


interessado por não ter contado a Dean o que aconteceu, e
claramente não estou planejando contar a ele todos os detalhes
agora.

— Que tipo de incidente? — Dean diz, franzindo a testa.

— Nada sério, — digo despreocupadamente. — Vamos


pedir nossas bebidas.

Dean e eu nos sentamos frente a frente na pequena mesa


quadrada. Raylan se senta de lado, como nosso
acompanhante.

— Sério o suficiente para que você precise de um guarda-


costas em tempo integral... — Dean diz. Ele olha para Raylan
com cautela, como se não tivesse certeza de quanto incluí-lo
na conversa. Tenho certeza de que ele está desconfiado por
outros motivos também. Apesar de Raylan ter o corte de cabelo
de um caipira e não se barbear há semanas, ele ainda é
objetivamente bonito. Seus olhos azuis parecem especialmente
brilhantes perto de seu cabelo preto e sobrancelhas grossas e
escuras. Seus incisivos pontudos lhe dão uma aparência de
lobo quando ele sorri.

Eu poderia garantir a Dean que Raylan também é


arrogante, agressivo e completamente diferente do meu tipo.
Mas não tenho o hábito de garantir nada a Dean. Não é meu
trabalho acalmar suas inseguranças.

Raylan não está ajudando em nada.

— Não se preocupe, Doutor, — ele diz. — Eu vou manter


Riona segura. E qualquer coisa que vocês dois pombinhos
queiram conversar... apenas finjam que não estou aqui. Assim
como a confidencialidade médico-paciente, o que o guarda-
costas ouve, ele guarda para si mesmo.

Ele diz isso com aquele sorriso alegre no rosto que faz
você pensar que ele está brincando com você, não importa as
palavras que saiam de sua boca. Dean franze a testa. Ele odeia
ser provocado ainda mais do que eu.

O garçom vem anotar nossos pedidos de bebida. Eu pego


um refrigerante com vodca, Dean uma taça de vinho.

— Só água, obrigado, — diz Raylan.

— Sem gás ou com gás? — O garçom pergunta.

— Qualquer uma que seja de graça e gelada.


— Você pode tomar uma bebida, — eu digo para Raylan.

— Não, — ele diz. — Estou no expediente.

— Não há expediente, — digo a ele.

— No trabalho, então.

Não sei por que me irrita que ele não beba. Acho que é
porque prefiro pensar nele como uma precaução
desnecessária, não como um guarda-costas profissional de
verdade.

Dean, vendo que ele não vai conseguir as informações que


quer de mim, passa a questionar Raylan diretamente.

— Então... como você conhece os Griffins? — Ele


pergunta.

— Eu não conheço, — Raylan diz. — Riona e eu nos


conhecemos por meio de Dante Gallo.

Isso não ajuda. Dean não é o maior fã de Dante. Eles se


encontraram duas vezes antes – depois das quais Dante disse:
“Sim, ele é legal. Um pouco egocêntrico.” E Dean disse: “Você
costuma ficar amiga de seus clientes depois de absolvê-los de
assassinato?”

— Você, ah, trabalha com Dante? — Dean pergunta com


uma nota de nervosismo.

— Estávamos no exército juntos, — responde Raylan.


— Oh, — Dean diz, parecendo aliviado. — Eu pensei em
me alistar, há muito tempo. Para que eu pudesse pagar a
faculdade de medicina.

— Hm, — Raylan diz suavemente. — Não me diga.

— Eu não poderia ser um soldado, no entanto. Toda


aquela limpeza de banheiro e essa merda de ‘abaixe e pague
vinte’. Acho que não gosto de seguir ordens, — diz Dean, rindo.

Olho para Raylan, para ver como ele vai responder a esse
pequeno pedaço de condescendência.

Raylan apenas sorri, seus dentes brancos contra sua


barba escura e sua pele bronzeada. — Acho que você prefere
ser o general em sua sala de cirurgia, hein? — Ele diz.

— Sim, acho que sim, — diz Dean, sorrindo para ele. Ele
não parece notar o brilho nos olhos de Raylan, que não são
totalmente amigáveis.

— Claro, se você estragar seu trabalho, o pior que vai


fazer é matar uma vovó em sua mesa, — Raylan diz
casualmente. — Você não precisa se preocupar em assistir
todos os seus colegas, os anestesistas, enfermeiras e outros
médicos, serem capturados, torturados e ter suas cabeças
cortadas. Ou explodir em pedaços perto de você. Você não
precisa se preocupar em morrer.

— Não... — Dean diz, o sorriso desaparecendo. — Mas


isso não significa...
— Acho que é por isso que, nas forças armadas,
começamos por baixo, esfregando vasos sanitários, — diz
Raylan. — Então nós passamos para fazer nossas camas. Em
seguida, procedemos com exercícios e treinamento, e
praticamos missões, antes mesmo de sairmos para o campo. É
um progresso incremental. Você conhece seus irmãos, e eles
conhecem você. E ninguém é promovido a uma posição de
liderança quando é arrogante demais para seguir as instruções
por conta própria. Porque é assim que funciona quando a vida
de toda a equipe está em jogo. Ninguém vai servir sob um idiota
de quem nem gostam, quanto mais respeitar.

Raylan está sorrindo agradavelmente o tempo todo em


que está falando. Ele mantém o mesmo sotaque sulista
amigável. Mas, de alguma forma, me dou conta de suas mãos
grandes e fortes cruzadas sobre a mesa. E a largura de seus
ombros, sob aquela camisa de flanela.

Dean parece estar ciente da mesma coisa – que Raylan é


um soldado treinado. Sem mencionar uns bons cinco ou sete
centímetros mais alto que Dean.

Dean engole em seco. — Certo, — ele murmura. — Nós


provavelmente deveríamos fazer o pedido. A cozinha pode ser
lenta aqui...

— O que devo escolher? — Raylan me pergunta, sem se


preocupar com o menu pesado de couro e sua variedade de
opções explicitadas em uma impressão elegante em rolagem.

— Você gosta de bife? — Eu digo.


— Claro que sim. O que há para não gostar?

— Bem, eles são famosos pelo filé de costela.

— Achei que aquele taxista tivesse dito que frutos do mar


eram a especialidade deles.

Eu encolho os ombros. — Ele também achava que a


Columbus Drive era a melhor maneira de chegar até aqui.

— Tudo bem, você me convenceu. — Raylan sorri. — O


taxista não distingue a bunda dele do cotovelo.

Dean acena para o garçom.

— Vão em frente, — eu digo aos homens. — Ainda estou


escolhendo.

— Filé de costela, por favor, — Raylan diz. — Malpassada,


com batata assada.

— Vou querer o frango e alcaparras, — diz Dean


virtuosamente. Ele entrega o cardápio ao garçom e pisca para
mim. — Eu pretendo viver mais de cem.

— Vou trocar uma década ou duas por bife, — diz Raylan,


totalmente despreocupado.

Não consigo deixar de sorrir um pouco. — Vou querer o


filé de costela também, — digo ao garçom.

Dean parece traído.

Eu encolho os ombros. — Estou com fome.


Quando o garçom nos deixa sozinhos novamente, um
silêncio constrangedor cai sobre a mesa. Dean tenta uma nova
tática de conversação, que eu suspeito que foi projetada para
excluir Raylan.

— Vi que o Art Institute está exibindo uma mostra do El


Greco, — conta. — Consegui ingressos para nós.

Isso realmente me excita. — Obrigada, — eu digo. — Eu


adoraria ir.

Dean parece satisfeito consigo mesmo. Não satisfeito com


a vitória, ele diz: — Acho que precisaremos de um ingresso
para o seu guarda-costas também. Você é fã de pintura,
Raylan?

— Não realmente, — Raylan diz, encolhendo os ombros.

— Você não gosta de arte renascentista? — Dean sorri.

Raylan pega um pedaço de pão da cesta no meio da mesa


e espalha uma generosa camada de manteiga.

— Bem, El Greco não é realmente renascentista, é? — Ele


diz, dando uma grande mordida em seu pão.

— O que você quer dizer? — Dean franze a testa.

— Bem... — Raylan mastiga e engole. — A maneira como


ele entendeu seu povo e os tornou todos dramáticos. Você não
chamaria isso de Maneirismo?
Agora eu realmente não posso deixar de rir, embora isso
transforme o olhar tolo no rosto de Dean em uma carranca
completa.

Raylan encolhe os ombros. — Temos livros no Tennessee,


— diz ele com suavidade. — Até um ou dois museus.

O bife chega à mesa em travessas fumegantes de


duzentos graus, encharcadas de manteiga e salsa. As batatas
assadas de um quilo estão cheias de creme de leite e pedaços
de bacon. O cheiro de carne grelhada é celestial.

Raylan e eu atacamos nossa comida como cães vorazes.


Não como nada desde o café daquela manhã. A costela rica e
gordurosa é macia o suficiente para ser cortada com um garfo.
Ela derrete na minha língua, intensamente satisfatório.

Dean corta o peito de frango em cubinhos, com o rosto


azedo.

Posso ver que Raylan quer provocá-lo sobre seu pedido,


mas ele se abstém.

Sentindo-me um pouco mal por Dean, já que minha


própria refeição é tão deliciosa, pergunto a ele sobre sua
cirurgia naquela tarde.

Dean se anima, iniciando uma longa e detalhada


descrição da complicada toracotomia que foi trazida para seu
hospital especificamente para ele, porque ele é o único
cirurgião na cidade com uma taxa de sucesso de 100% naquele
procedimento específico.
Nesse assunto, o resto do jantar passa.

— Alguém quer sobremesa? — Eu pergunto aos dois


homens. — Ou outra bebida?

— Estou cheio, — diz Raylan.

— Eu também, — diz Dean, com menos verdade. Ele só


comeu metade do frango. Acho que ele está farto deste
encontro estranho.

— Vou pedir a conta, — digo.

— Eu já paguei, — diz Raylan.

— O quê? Quando? — Eu exijo.

— Eu dei ao garçom meu cartão da última vez que ele


apareceu.

— Você não deveria pagar minhas refeições, — eu o


informo. — Na verdade, você deveria ser reembolsado pela sua.

Raylan encolhe os ombros.

Eu sei que ele provavelmente estava tentando evitar o


constrangimento de Dean se sentir obrigado a pagar por nós
três. Mas Dean parece mais irritado com este resultado, onde
Raylan mostrou sua prudência e cavalheirismo.

— Vamos indo então, — Dean diz bruscamente. — Você


vai voltar para a minha casa, Riona?
Essa é nossa rotina habitual, uma ou duas noites por
semana que nos encontramos para um encontro adequado.
Mas eu realmente não vejo como isso vai funcionar com Raylan
me seguindo em todos os lugares que eu vou. Raylan vai se
esconder na sala de estar de Dean, enquanto Dean e eu
subimos para o quarto para chegar aos finalmentes?

— Acho melhor não, — digo, olhando para o obstáculo


óbvio.

Dean bufa de frustração. — É claro, — ele diz. — Estou


indo então. Presumo que Raylan possa ajudá-la a chamar um
táxi.

Com consideração surpreendente, Raylan fica para trás


para que eu possa ter um pouco de privacidade saindo com
Dean.

— Quanto tempo isso vai durar? — Dean exige.

— Eu não sei, — eu digo honestamente.

— Há algo que você não está me dizendo? — Ele diz. —


Qual é a razão disso? Porque se ele é um ex-namorado, ou...

— Não seja ridículo, — eu estalo. — Fui atacada ontem à


noite.

— Você... o quê? — A expressão de Dean muda de


aborrecimento para alarme. — Por que você não me disse isso?
— Eu não quero ninguém fazendo escândalo.
Principalmente você. Mas é por isso que ele está me seguindo
agora.

— Você está bem? — Dean pergunta, mais gentilmente.

— Estou bem, — digo. — Você apenas terá que ser


paciente com uma vela por um tempo.

Dean suspira. — Tudo bem, — diz ele, beijando-me


suavemente na testa. Realmente não gosto quando ele faz isso,
mas tolero porque sei que não foi a noite mais agradável para
ele.

— Eu te ligo amanhã, — eu digo.

— Por favor, ligue.

Eu o vejo pular em seu Porsche e acelerar na direção de


sua casa em Streeterville.

Posso sentir Raylan parado atrás de mim, perto, mas não


tão perto a ponto de se elevar sobre mim.

— De volta para casa, então? — Ele diz.

— Não. — Eu balancei minha cabeça. — Vamos nos


encontrar com meu irmão. Quero saber o que ele descobriu
sobre aquele mergulhador. Sem ofensa, mas não quero tornar
isso um acordo permanente.
— Certo. — Raylan sorri. — Entendi. Estrago o ambiente
romântico. Aposto que Dean é um verdadeiro encantador
quando é só vocês dois.

Não há limite em suas palavras. Se eu tivesse acabado de


conhecê-lo, acharia que ele quis dizer isso com sinceridade.

Mas já estou conhecendo Raylan o suficiente para


perceber a sugestão de um sorriso afetado no canto de sua
boca.

Ele não gosta de Dean. E ele não dá a mínima se eu


souber disso.
Riona e eu pegamos um Uber até o apartamento de
Callum, com um desvio pela casa dos Gallo. Não gosto de ficar
pulando em carros alugados. Quero poder dirigir para Riona,
em um veículo que sei que é seguro.

Então, pegamos um emprestado de Dante.

É o mesmo Escalade que ele e eu dirigimos da última vez


que estive na cidade. Eu afundo no banco do motorista, na
depressão feita pelo volume de Dante. Riona também parece
em casa no carro, colocando sua garrafa de água no porta-
copos automaticamente antes de colocar o cinto de segurança.

— Dirige muito esse carro, não é? — Eu pergunto a ela.

— O que isso deveria significar? — Ela diz.

— Você parece saber onde tudo está.

Riona dá uma fungada irritada.

— O quê? — Eu digo.
— Não há nada de romântico entre Dante e eu.

— Eu nunca disse que havia.

Ela revira os olhos.

Estou dirigindo pela Lakeshore Drive, a água girando à


nossa direita. Riona olha para o lago, que está plano e cinza
hoje, quase da mesma cor do céu nublado.

— Eu sei que ele estava apaixonado por Simone o tempo


todo, — eu digo.

— Não é por isso! — Riona diz. — Quer dizer, eu sabia


que ele estava apaixonado por ela. Ele disse que não, mas era
óbvio. Tudo que eu pensava era que esperava que desse certo
algum dia. Fiquei triste ao vê-lo sofrendo assim. Não havia
nada de romântico entre nós de qualquer maneira. Éramos
apenas amigos. Ainda somos.

— Tudo bem, — eu digo. — Eu acredito em você.

— Eu não me importo se você acredita em mim ou não.


Essa é a verdade. — Riona fica quieta por um momento. Então
ela disse suavemente: — Ele me respeitava. Frequentemente,
os homens agem como se você tivesse que provar seu valor
para eles. Quando eu apareci na prisão depois que o
prenderam – você sabe disso?

Eu concordo. Quando os Griffins e os Gallos estavam


lutando com a Máfia polonesa, o chefe polonês Mikolaj Wilk
incriminou Dante por assassinato. Riona teve as acusações
retiradas.

— Dante confiou em mim para ajudá-lo. Mesmo que mal


nos conhecêssemos. E nossas famílias eram inimigas não
muito tempo antes. — Riona entrelaça os dedos suavemente
no colo. Ela tem mãos adoráveis – pálidas e magras com
esmalte transparente sobre as unhas cor de rosa. — Somos
parecidos em muitos aspectos. Disciplinados. Esforçados. Sem
emoções. As pessoas respeitam isso em um homem. Mas em
uma mulher, eles dizem que você é fria ou severa.

— As pessoas também dizem isso sobre Deuce.

— No entanto, não usam isso contra ele.

Eu penso sobre isso. Como os atributos são vistos em


homens e mulheres. Como as mulheres são criticadas por
comportamentos que podem ser vistos como virtudes nos
homens. Você vê muito disso nas forças armadas – caras sendo
elogiados por suas “habilidades de liderança” e garotas sendo
chamadas de “vadias controladoras” quando dão as mesmas
ordens.

— Você está certa, — eu digo, depois de um momento. —


E você está certa que eu não deveria ter assumido que você e
Dante não podiam ser apenas amigos.

Riona olha para mim, surpresa que eu realmente


concordei com ela pela primeira vez.
— As pessoas estão sempre me dizendo o que eu devo
querer ou o que devo sentir, — diz ela.

— Dean é uma dessas pessoas?

Essa foi a coisa errada a dizer. Quase posso ver suas


barreiras surgindo novamente.

— Você estava mentindo quando disse que não gostava


de arte, — diz Riona. — Você estava preparando uma
armadilha para ele, para que pudesse fazê-lo parecer estúpido.

— Para um cara inteligente, foi muito fácil fazê-lo parecer


burro.

— Você não gostou dele assim que ele fez aquele


comentário sobre os militares.

— Todo mundo pensa que sabe o que é estar no exército


porque assistiu O Resgate do Soldado Ryan.

Riona balança a cabeça lentamente. — Certo. E todo


mundo é advogado porque assistia Suits.

Eu ri. — Bem... essa era uma série muito boa.

Riona sorri um pouco. — Eu assisti por conta das roupas.


Donna sabia como se vestir. Joan de Mad Men também. Eles
nem sempre fazem as ruivas direito na TV, mas com aquelas
duas...

Lamento que já estejamos parando na frente da casa de


Callum. Bem quando Riona estava começando a relaxar um
pouco. Demoro um minuto para ter certeza de que estamos no
lugar certo, porque o prédio parece uma velha igreja, não um
complexo de apartamentos. Mas Riona me garante que este é
o lugar.

Não encontrei Callum na minha última visita – ele estava


ocupado assistindo o nascimento de seu filho. Eu sei tudo
sobre ele, no entanto. Ele é casado com a irmã mais nova de
Dante, Aida. Ele é o filho mais velho dos Griffin e herdeiro do
império.

Posso dizer imediatamente o quanto ele se preocupa com


Riona. Ele nos leva até sua cozinha aconchegante, que é
pequena, mas aconchegante, com paredes de tijolos à vista e
bancadas de açougueiro. Muito da igreja original permanece,
incluindo as longas vigas do telhado e vários vitrais.

Apesar de ser tarde, Callum ainda está vestido com calças


e uma camisa de botão branca, as mangas arregaçadas. Ele
mantém a voz baixa enquanto nos serve uma bebida,
lembrando-se de Aida e do bebê dormindo no quarto ao lado.

— Como está Miles? — Riona sussurra.

— Ficando mais teimoso a cada dia. — Callum sorri.

Ele serve uma taça de vinho tinto para cada um de nós.

— Para a família, — ele diz simplesmente.

Desta vez, tomo um gole. O vinho parece especialmente


bom depois do bife. É engraçado comer e beber assim. Nos dois
meses anteriores, quase não tive uma boa refeição. Agora estou
no colo do luxo. Terei que ter cuidado para não deixar isso
subir à minha cabeça. A fome lhe dá uma vantagem.

— Tudo bem, — eu digo, colocando o vinho na mesa. —


O que sabemos sobre o mergulhador?

Callum abre seu laptop e reproduz o vídeo de segurança


para mim.

Embora eu possa ver que isso perturba Riona, ela assiste


a tudo de novo sem tirar os olhos da tela.

— Como você escapou dele debaixo d'água? — Eu


pergunto.

Ela explica sobre o grampo de cabelo.

— Isso foi sorte, — eu digo. — E inteligente.

Quando o mergulhador sai da piscina, eu digo: — Ele


parece ter cerca de 1,90, noventa quilos. Parece certo, Riona?

Ela concorda. — Ele era forte. Jovem, provavelmente –


menos de quarenta. Olhos escuros. — Ela faz uma pausa por
um momento, lembrando. — Acho que ele era canhoto, —
acrescenta ela.

— Por que você diz isso?

— Quando eu estava deitada de costas, seu braço passou


por cima do meu pescoço desta forma... — Ela imita cruzando
sua garganta da esquerda para a direita. — Acho que era o
braço dominante dele.

— Bom. — Eu concordo.

— Não é uma descrição muito boa, — diz Riona com


ceticismo.

— É melhor do que nada, — eu digo.

Todos nós assistimos o mergulhador pegar o telefone


depois que saiu da piscina.

— Você já tentou rastrear o telefone? — Eu pergunto a


Callum.

— Sim, — ele diz. — Ligou brevemente em Greektown.


Então desapareceu novamente.

— Que tipo de informação está naquele telefone?

— Muitas coisas, — diz Riona. — Informações pessoais e


bancárias. Todos os meus e-mails de trabalho... é protegido
por senha, mas você sabe que isso não significa nada para
alguém que sabe o que está fazendo.

— O telefone poderia ter sido o alvo?

Riona encolhe os ombros. — Parece que há maneiras


mais fáceis de roubá-lo.

Eu me viro para Callum novamente. — Você sabe quem é


o receptador em Chicago? Se esse cara foi contratado
localmente, um receptador poderia nos dizer quem era o
mergulhador. E talvez quem o contratou.

— Eu conheço alguém. — Callum acena com a cabeça.

Quero acompanhar Callum nisso. Por isso digo à Riona:


— Posso levá-la para a casa dos seus pais amanhã? Apenas
por algumas horas.

— Claro, — ela diz, sem muito entusiasmo.

— Tudo bem, — eu digo. — Agora que tal os inimigos.


Quem tem rancor de você no momento?

— Contra Riona especificamente – ninguém, — diz


Callum. — Contra os Griffins – um monte de gente. No topo da
lista estão os russos. Meu pai matou seu último chefe, Kolya
Kristoff. O novo é um gangster da velha guarda de Moscou. Seu
nome é Alexei Yenin. Ele trabalhou como interrogador para a
KGB, então, como você pode imaginar, ele é o mais cruel
possível.

— Afogamento não é o estilo usual dos russos, mas posso


ver um ex-oficial da KGB sendo um pouco mais sutil do que a
maioria, — digo.

— Certo. — Callum acena com a cabeça. — Ainda assim,


é estranho se eles visassem Riona.

— Quem mais?

— Talvez a família Hartford, — Riona diz.


— Quem são? — Callum pergunta.

— Há alguns meses, Enzo Gallo me pediu ajuda. Ou, mais


precisamente, uma das outras famílias italianas precisava de
ajuda, — diz Riona, com uma expressão de desgosto. — Bosco
Bianchi estava dirigindo bêbado e chapado com duas meninas
de dezesseis anos em seu carro. Uma delas passou pelo para-
brisa. Ela foi colocada em coma induzido. O teste de toxicidade
de Bosco sumiu e eu tive sua confissão rejeitada. O promotor
decidiu oito meses em uma prisão de segurança média. A
menina nunca se recuperou.

Posso dizer que Riona se sente mal pela garota. E ela está
com vergonha de ter facilitado o negócio de Bosco, mas não
hesita em admitir.

— Virginia Hartford foi retirada aparelhos na semana


passada, — diz Riona. — Ela tem um pai e um irmão mais
velho. Se eu fosse eles, poderia querer vingança.

Eu escrevo isso, assim como fiz as informações sobre os


russos.

— Ok, — eu digo. — Nós vamos verificar isso também.


Alguém mais?

Uma pausa mais longa, e então Riona diz: — Talvez Luke


Barker.

— Quem é esse?
— Ele era advogado sênior da minha empresa. Ele me
apalpou na festa de Natal da empresa e o tio Oran o demitiu.

— Onde ele está agora?

— Não tenho ideia, — Riona diz friamente.

— Tudo bem, — eu digo, marcando seu nome também. —


É um bom começo. Vamos eliminar essas possibilidades a
partir de amanhã.

Já é quase meia-noite. Posso ver Callum tentando não


bocejar. Ele dá um abraço na irmã, dizendo: — Vamos
descobrir, Ree. Não se preocupe.

— Não estou preocupada, — diz ela. — Eu só quero saber,


de uma forma ou de outra.

— Diga oi para Aida por mim, — digo a Callum.

— Tenho certeza de que terei a chance em uma ou duas


horas, quando Miles nos acordar, — diz Cal.

Riona e eu voltamos para o Escalade e vamos para o seu


prédio.

— Podemos parar no estacionamento subterrâneo, — diz


ela. — Eu tenho uma vaga, embora não tenha um carro.

Posso ver por que Riona escolheu este apartamento – é


muito parecido com seu escritório de esquina. Alto e solitário
com uma vista deslumbrante. Eu posso dizer que ela gosta de
coisas que são esteticamente rígidas e completamente dentro
de seu controle.

Só quando estamos sozinhos no apartamento é que Riona


parece perceber que vou dormir aqui, dentro da bolha de seu
espaço pessoal.

— Estou bem no sofá, — digo a ela.

— Certo, — Riona diz, com uma expressão de desconforto.


— Vou pegar alguns lençóis limpos.

Desabotoei minha camisa e a tirei, planejando me lavar e


escovar os dentes na pia como normalmente faço.

Riona volta surpreendentemente rápido, carregando uma


pilha de roupas de cama limpas. Seus olhos voam pelo meu
torso nu e fico surpreso ao vê-la corar. Eu não a tomei pelo tipo
modesta.

— Aqui, — ela diz, empurrando a roupa de cama para


mim e não encontrando meus olhos.

— O que há de errado? — Eu digo, incapaz de resistir a


provocá-la um pouco.

— Não há nada de errado, — ela diz bruscamente.

Tenho quase certeza de que fiz a Riona honesta contar


uma mentira.

— Você precisa de pasta de dente ou algo assim? — Ela


murmura.
— Não. Trouxe meu kit de banho.

— Tudo bem. Boa noite, então.

— Boa noite, Riona.

Ela se retira para seu quarto, e ouço os sons abafados de


água correndo e pés leves andando enquanto ela se prepara
para dormir.

Porque sou um filho da puta intrometido, fuço um pouco


em sua sala de estar.

É assustadoramente limpa. Ao contrário de Dean, Riona


se sairia bem nas forças armadas. Seus livros são alinhados
com a precisão de um soldado. Não conseguiria encontrar um
grão de poeira com cem luvas brancas. Até o controle remoto
dela está colocado em um ângulo perfeito de noventa graus no
suporte da televisão.

Toda essa ordem me faz pensar. Em minha experiência,


quando alguém se apega com tanta força a um senso de
controle, é porque algo aconteceu com ele em algum momento
de sua vida que o fez se sentir impotente.

Penso em Riona descrevendo Luke Barker e como ele a


“apalpou” na festa de Natal. Sua voz estava calma como
sempre. Mas não me sinto calmo pensando nisso. Sinto uma
pontada de algo muito parecido com raiva. Quero colocar Luke
no topo da minha lista de pessoas com quem pretendo falar.
Coloco um lençol limpo em cima do sofá para proteger as
almofadas. Então me deito e caio em um sono leve. O sono de
um soldado – o tipo do qual você acorda facilmente.

O grito de Riona me sacode do sofá.

Antes mesmo de meus olhos estarem abertos, pulei e


estou correndo para seu quarto.

Abro a porta e acendo a luz.

Ela está enrolada em seus lençóis, rasgando e


arranhando onde eles estão enrolados em sua garganta.

Eu a puxo para fora da cama, envolvendo-a em meus


braços. Ela está vestindo apenas uma camiseta de seda clara
e shorts, e está tremendo de frio ou de medo.

— Shh, — eu digo. — Está tudo bem. Estou aqui.

Envergonhada, ela tenta se afastar de mim. Mas


mantenho meus braços ao redor dela, puxando-a contra meu
peito. Eu posso sentir seu coração martelando contra minha
pele nua, e seu corpo esguio tremendo.

— Eu pensei que estava me afogando, — ela engasgou.


Mais uma vez sinto aquela onda de raiva que um homem
colocou as mãos sobre essa mulher. Riona está desesperada
para parecer forte e independente. Mas a verdade é que ela é
frágil da mesma forma que todas as mulheres são frágeis –
menores que os homens e vulneráveis à violência.

Eu tenho uma irmã. Porra, eu mataria qualquer um que


tentasse tocá-la.

E sinto o mesmo desejo de proteger Riona. De mantê-la


segura. Não apenas porque Dante me pediu. Porque ela precisa
disso. Ela precisa da minha ajuda.

— Estou aqui, — digo a ela novamente. — Ninguém vai


machucar você.

Posso sentir seu coração batendo descontroladamente


contra meu antebraço. Parece um pássaro preso em uma
gaiola, lutando para sair. Todo o corpo de Riona está tremendo.

Mas depois de um minuto, ela para de lutar e afunda


contra meu peito, permitindo-me segurá-la. Permitindo-me
aquecê-la com meus braços, para que ela pare de tremer.

Acho que ela nunca permitiria isso, se não estivesse


exausta e apavorada. Na verdade, ela provavelmente ficará
envergonhada pela manhã.

Mas agora, ela aceita meu conforto.

Eu a seguro assim por quase uma hora, até que seu corpo
fique pesado e quente com o sono.
Eu acordo sozinha na minha cama com o sol entrando
pela minha janela.

Dormi até tarde, o que é estranho para mim.

Posso ouvir o tilintar de alguém se movendo na minha


cozinha. Percebo que é Raylan e me lembro de como acordei
gritando durante a noite.

Meu rosto queima, sabendo o quão idiota eu fui. Gritando


como uma criança com pesadelo.

Ele teve que entrar e me abraçar, como se eu tivesse cinco


anos.

Eu odeio que ele me viu assim. Fraca e vulnerável.

Por outro lado, a memória do sonho ainda está fresca em


minha mente. Eu estava nadando, mas não na piscina limpa e
iluminada da cobertura. Era noite e eu estava nadando em um
lago enorme e escuro. Minhas mãos pareciam
fantasmagoricamente brancas na água negra.
Algo me agarrou por baixo e me puxou. Eu podia ver o
reflexo da lua na superfície, diminuindo como uma alfinetada
de luz enquanto eu afundava. A água estava muito fria e
escura. A coisa que me segurou era monstruosamente grande.
Ele me agarrou com uma dúzia de tentáculos que apertaram
todo o meu corpo – em torno dos meus braços, pernas, peito e
garganta. Isso continuou me puxando para baixo, não importa
o quanto eu lutei. E quando eu finalmente tive que respirar
fundo, a água fria inundou meus pulmões.

Acordei rasgando os lençóis que estavam enrolados em


meu corpo. Ouvi alguém gritando e demorei muito para
perceber que era eu. Toquei meu rosto e senti que realmente
estava úmido e frio. Eu estava chorando em meu sono.

Espero por Deus que Raylan não tenha notado isso, pelo
menos.

Admito, eu me senti bem quando ele me segurou. Eu


estava com vergonha de mim mesma. E envergonhada por ele
ter entrado ali seminu, vestindo apenas a cueca samba-canção
com que dormia. Mas eu não podia negar o quão quente seus
braços estavam e seu peito nu pressionado contra meu rosto.
Ele era como um enorme cobertor recém-saído da secadora.
Seu calor parecia infiltrar-se em meu corpo, acalmando-me.

Mas agora tenho que enfrentá-lo. E estou autoconsciente


de novo.

Não querendo apressar essa reunião em particular, tomo


um banho primeiro e visto uma blusa, calça comprida e um
par de mocassins. Então não há mais nada a fazer a não ser ir
para a cozinha.

Raylan está mexendo no fogão. Ele tem quatro fritadeiras


diferentes funcionando – uma em cada boca – e está usando
meu avental sobre uma camisa de flanela limpa. Seu cabelo
preto parece úmido e limpo, como se ele já tivesse tomado
banho. Percebo que ele não se preocupou em se barbear, no
entanto. Sua espessa barba por fazer o faz parecer libertino.
Principalmente quando ele sorri, mostrando aqueles dentes
afiados.

Normalmente não deixo homens dormirem na minha


casa. Então, não estou acostumada com alguém tomando
conta da minha cozinha, usando minhas frigideiras e
espátulas, espirrando gordura no fogão.

Eu nem sei onde diabos ele conseguiu toda essa comida.


Certamente não comprei bacon e ovos e tudo o que ele usou
para fazer torradas.

Pelo menos posso sentir o cheiro forte de café. Eu me sirvo


de uma caneca.

— A comida está quase pronta, — diz Raylan.

— Normalmente só tomo café, — digo a ele.

— Café é uma bebida. Não é café da manhã.


Raylan serve dois pratos enormes cheios de bacon
crocante, ovos mexidos, torrada francesa grossa com manteiga
e xarope, e algum tipo de hash7 feito de pimentas e batata.

Ele coloca um prato na minha frente, tomando o assento


oposto para si.

— Não tem como eu comer tudo isso, — digo a ele.

— Isso é alimento para o cérebro, — diz ele, dando uma


enorme mordida na torrada francesa.

— São duas mil calorias. É como se fosse o dia inteiro no


mesmo prato.

— Não o meu dia inteiro. É preciso muito mais do que um


prato de café da manhã para alimentar este corpo, querida. —
Ele pega um pedaço de bacon e dá uma grande mordida nele
também.

Balanço minha cabeça para ele. — Você vai ter um ataque


cardíaco.

— Quando você já viu um cowboy morrer de ataque


cardíaco?

— É isso que você é? Um cowboy?

— Pode apostar. Criado em um rancho no Tennessee.

— O que aconteceu com ele?

7 Prato feito com carne picada, batata e cebola frita.


— Oh, ainda está lá.

— Por que você saiu?

— Eu fiquei inquieto. Queria ver o que mais havia no


mundo. Além disso... — Raylan sorri. — Eu nunca disse que
era um bom cowboy.

Tenho que admitir, o bacon no meu prato tem um cheiro


delicioso. Pego uma fatia e dou uma mordida. É crocante e
mastigável, tão perfumado e satisfatório quanto o filé de
costela da noite anterior. Se eu continuar passando tempo com
Raylan, vou me tornar uma carnívora.

— Viu? — Raylan diz. — Nada mal, hein?

Eu tento um pouco de hash também. As batatas estão


crocantes por fora e fofas no meio. Bem temperado com sal e
pimenta, e pimenta doce salteada e cebola.

— Você é um bom cozinheiro, — eu admito.

— Você gosta de cozinhar? — Raylan me pergunta.

— Não. Eu odeio, na verdade.

— Por quê?

— Todo aquele trabalho para fazer algo que vai acabar


cinco minutos depois.

Não conto a ele o outro motivo – odeio fazer qualquer coisa


que se espera de mim só porque sou mulher. Cozinhar, limpar,
cuidar de crianças... não gosto da ideia de querer fazer essas
coisas. Que eu deveria deixá-las me consumir enquanto os
homens gastam suas horas em trabalhos mais “importantes”.

Minha própria mãe nunca foi dona de casa. Mas ela


sempre foi submetida a meu pai. Ele é o chefe da família, e ela
é sua mão direita. Não quero ser a mão de ninguém.

É por isso que nunca vou me casar. Quando Nessa se


casou com Mikolaj, eu disse a ela para pegar o anel de nossa
avó. Era para ir para mim, como a filha mais velha. Mas não
espero usá-lo nunca.

Sei que hoje em dia as pessoas pensam que se casam


como iguais. Mas quando se trata disso, a carreira de alguém
e os objetivos de alguém têm que vir primeiro. Se um de vocês
receber uma oferta de trabalho em Nova York e o outro em LA,
como você escolhe para onde ir?

O egoísmo é uma receita para o divórcio. Vou pular todas


as etapas intermediárias e ficar solteira o tempo todo. Gosto da
minha própria empresa. Gosto da minha própria vida.

Ou pelo menos eu gostava antes que o mergulhador


viesse e estragasse tudo.

— O que foi? — Raylan diz.

— O quê?

— Você está carrancuda, — ele me diz.

— Eu só estava... sinto muito por te acordar, — eu digo,


sem encontrar seus olhos.
— Ei. — Raylan pousa o garfo e põe a mão sobre a minha.
É pesada e quente. Isso me lembra como seus braços estavam
quentes na noite passada. Sua mão envia a mesma calma
gentil pelo meu corpo. — Você não precisa ser forte o tempo
todo, sabe. Tudo bem se algo assim afetou você...

Eu puxo minha mão para trás, empurrando minha


cadeira para longe da mesa e me levantando.

— Estou bem, — digo a ele com firmeza. — Totalmente


bem.

Raylan continua comendo sua comida, obviamente


determinado a terminar o prato inteiro.

Na verdade, acho que ele está comendo até a última


mordida só para me irritar. Estou ali praticamente batendo o
pé, querendo ir.

— Qual é a sua pressa? — Ele me diz.

— Tenho muito trabalho a fazer hoje.

— É sábado.

— Estou no meio de um grande projeto.

— Acha que isso vai garantir a posição de sócia? —


Raylan pergunta, garfando sua última mordida de hash.

Eu coro. — Sim, na verdade, — eu digo.

— Isso não é de se esperar? — Raylan diz. — Já que seu


nome já está na porta?
— Não, não é, — eu estalo. — Mas isso é exatamente o
que as pessoas pensam. É por isso que tenho trabalhado mais
e fico até mais tarde do que ninguém. Porque do contrário, não
importa o quão inteligente eu seja, não importa quantos
negócios eu traga, todos presumem que cheguei onde estou
porque meu sobrenome é Griffin, e nenhum outro motivo.

— Tudo bem, tudo bem, — Raylan diz, levantando as


mãos em sinal de rendição. — Deixe-me lavar esses pratos e
depois vou levá-la para a casa dos seus pais.

Ele limpa a mesa da cozinha, depois empilha todos os


pratos na pia e a enche com água quente e sabão. Com rapidez
e eficiência, ele reverte o que parecia ser uma bagunça
intransponível na cozinha. Em menos de dez minutos, cada
prato é lavado, seco e colocado de volta exatamente onde ele o
encontrou, e as bancadas e o fogão foram restaurados ao seu
antigo estado cintilante. Ele até dobrou e pendurou novamente
o pano de prato.

— Isso a deixa satisfeita, sargento? — Ele me pergunta,


um brilho de diversão em seus olhos azuis brilhantes.

Às vezes, tenho a sensação desagradável de que Raylan


pode ler cada pensamento em minha cabeça.

— Sim, — eu digo afetadamente. — De volta ao normal.

Pego minha pasta, carregada com todos os arquivos que


trouxe para casa no fim de semana.
Eu roubei aquela pilha de acordos de compra da mesa de
Josh. Como eu suspeitava, ele ainda não tinha tocado neles.
Ele é um preguiçoso. Se ele passasse menos tempo espionando
e batendo papo e mais tempo trabalhando, ele poderia
realmente ter uma chance na posição de sócio.

Eu sei que o tio Oran disse para deixar Josh fazer isso,
mas eu já comecei os acordos de compra, e precisamos que
eles sejam concluídos antes de passarmos para a Fase Dois do
Projeto South Shore. Essa é a prioridade número um da minha
família agora, e dos Gallos também. Nós colocamos tudo o que
temos nele. Não posso arriscar que um idiota como Josh
estrague tudo.
Eu levo Riona de volta para a mansão moderna dos
Griffins na Gold Coast. É um palácio de vidro e aço, um
monumento de como sua família cresceu e floresceu em
Chicago.

Quando entramos na cozinha enorme e bem iluminada,


lembro que foi aqui que Riona e eu nos conhecemos. Olho para
ela para ver se ela está pensando a mesma coisa. Eu pego seu
olhar, fazendo um pouco de rosa aparecer em suas bochechas
pálidas.

Eu não sei por que eu gosto tanto de irritá-la. Acho que é


porque ela está tão determinada a manter aquele
comportamento perfeitamente composto o tempo todo. É como
se ela estivesse criando um desafio para mim. E sempre fui
alguém que está à altura de um desafio.

Imogen Griffin está terminando seu café da manhã. Ela


já está vestida para o dia em um daqueles vestidos elegantes
de estilo executivo, seu cabelo louro tão liso e elegante como o
vidro.
Riona e sua mãe são muito parecidas. Riona é um pouco
mais alta, com cabelos ruivos em vez de loiros. Mas olhar para
Imogen é como olhar vinte ou trinta anos no futuro de Riona –
prova do quão graciosamente ela envelhecerá. Como uma atriz
icônica que só parece ficar mais real com o tempo.

Eu poderia ter adivinhado isso sem nunca ter visto


Imogen, entretanto – Riona é muito teimosa para se permitir
parecer menos do que melhor.

Imogen se aproxima de Riona imediatamente e a beija na


bochecha.

— Como você está, querida? — Ela diz. Imogen passa a


mão suavemente pelo cabelo de Riona.

Estou surpreso ao ver que Riona permite isso. Na


verdade, ela encosta a bochecha na de sua mãe por um
momento. Ela obviamente respeita Imogen.

Mas ainda não admite que alguém tentando assassiná-la


a afetou minimamente.

— Estou bem, mãe, — ela diz.

— Imogen Griffin, — Imogen diz, estendendo sua mão


magra para mim.

— Raylan Boone.

— Obrigada por ter vindo nos ajudar, — diz ela. — Dante


fala muito bem de você.
— Estou surpreso, — eu digo. — Ele geralmente é tão
honesto.

Imogen sorri, seus olhos azuis fixos nos meus. — Ele é


honesto, — diz ela. — Passei a confiar nele. Nunca deixo de me
surpreender como até o pior dos inimigos pode se tornar
amigo. Ou o contrário.

Ela verifica o delicado relógio de ouro em seu pulso.

— Eu tenho que ir, — ela diz. — Tenho uma reunião do


conselho da Associação de Bibliotecas de Chicago. Riona –
Butcher e Meecham estão aqui para ficar de olho nas coisas.

Presumo que seja a equipe de segurança dela. Pretendo


dar uma olhada neles antes de partir, embora tenha certeza de
que os Griffin são extremamente cuidadosos com quem
contratam para esse tipo de posição.

Riona já está espalhando seu trabalho na mesinha da


copa. É óbvio que ela pretende mergulhar de cabeça.

Eu admiro sua ética de trabalho. Mas fica meio cansativo


observá-la – ela não dorme muito.

Callum entra na cozinha quando sua mãe está saindo.


Ele a beija na bochecha, quase exatamente do mesmo jeito que
ela beijou Riona. É sempre engraçado ver os pequenos hábitos
nas famílias – os gestos transmitidos como um código
silencioso que apenas os membros reconheceriam.

— Como está Miles? — Ela pergunta a ele.


— Fantástico, — ele diz. — Acho que ele e Aida são almas
gêmeas. Tudo o que eles fazem é cochilar, aconchegar e comer.

— É melhor você se levantar com ele à noite, — Imogen


diz em advertência. — Não deixe tudo para Aida.

— Você honestamente acha que ela permitiria isso? —


Callum ri.

Imogen sorri. — Não. Provavelmente não.

Imogen acena um adeus para todos nós, e Callum se


serve de uma xícara de café da grande jarra na bancada de
mármore branco imaculado.

— Você quer uma? — Ele me pergunta.

— Não, obrigado. Acabei de tomar uma xícara.

— Como vai o serviço de segurança? — Ele me pergunta


com um olhar para Riona, já curvada sobre seu trabalho.

— Ótimo, — eu digo.

— Mesmo? — Eu posso ouvir sua descrença moderada.

— Claro. — Eu sorrio. — O que poderia dar errado,


seguindo Riona por volta das vinte e quatro horas dos sete dias
da semana, constantemente bem ao lado dela, observando
cada movimento, ficando ao lado dela como se eu estivesse
cirurgicamente preso? Como ela poderia não gostar disso?
Riona não dignifica isso com uma resposta – ela mantém
os olhos nos papéis. Mas posso sentir o desdém irradiando dela
do mesmo jeito. Callum tem que trabalhar muito para não rir.

Em uma nota mais séria, eu digo: — Há quanto tempo


esses caras Butcher e Meecham trabalham para vocês?

— Seis anos para Butcher, oito para Meecham, — Callum


diz. — Podemos confiar neles.

— Tudo bem. — Eu concordo. — Apenas verificando tudo.

— Agradeço isso, — diz Cal. — Você está pronto para ver


o receptador?

— Definitivamente.

Cal engole seu café e coloca a caneca na pia. Eu posso


dizer pelas sombras escuras sob seus olhos que ele estava
dizendo a verdade para sua mãe – ele definitivamente está
acordando com um recém-nascido. Você não pode esconder
aquele olhar abatido, mas feliz dos novos pais.

— Estaremos de volta em algumas horas, — Callum diz a


Riona.

— Não se apressem, — ela responde, ainda sem olhar


para cima.

— Eu posso dirigir, — digo para Cal enquanto voltamos


para fora da garagem larga e curva onde deixei o Escalade.
— Obrigado, — diz Callum. — Isso é provavelmente o
melhor. Eu me senti como um zumbi no caminho para cá.

Sento atrás do volante, e Cal sobe no banco do


passageiro, esfregando o canto interno dos olhos.

— Não sei o que é isso de sono interrompido, — diz ele. —


Mesmo que você tenha oito horas, não é a mesma coisa.

— Não, — eu digo. — Nem mesmo perto.

Eu nunca durmo mais oito horas seguidas. Muitas noites


dormindo na areia, rocha ou terra, sempre tendo que manter
um ouvido aberto para interrupções – o tipo de interrupção que
pode matar você. Você nunca realmente recupera aquele sono
profundo e pacífico.

— Então, quem é esse cara que vamos ver? — Eu


pergunto a Cal.

— Ele é uma conexão, — diz Cal. — E ele é um trabalho


desagradável. Você está armado?

Eu concordo. — Sempre.

— Bom. Eu também. Espero que não chegue a esse ponto,


mas não tenho certeza se ele vai querer cooperar.

Cal me orienta enquanto dirijo até Riverdale. Fica no


extremo sul da cidade. Os bairros parecem ficar mais velhos,
mais pobres e mais degradados quanto mais ao sul vamos. Em
vez de arranha-céus, vejo prédios de apartamentos
atarracados de concreto, empresas fechadas com tábuas e
pontos de ônibus vandalizados.

A própria Riverdale parece pouco povoada em contraste


com o centro da cidade. A maior parte da área é ocupada por
pátios ferroviários, aterros sanitários e locais industriais,
incluindo uma grande estação de tratamento de águas
residuais.

Callum me diz para subir em direção aos trilhos da


ferrovia Union Pacific.

— Bem ali, — diz ele, apontando para o que parece ser


um armazém abandonado. Cada janela está quebrada e as
laterais de metal são cobertas por camadas com o que parece
vinte anos de grafite – cores e padrões tão densos que é difícil
dizer o que qualquer um deles deve representar.

— O carro vai estar aqui quando voltarmos? — Eu digo


ceticamente.

— Quem sabe. — Callum encolhe os ombros.

— Eles ainda têm trens passando por aqui?

— Sim, — diz Cal. — Uma tonelada deles. Provavelmente


quinhentos por dia. Eles ficam presos nos trilhos e saem
durante a noite. Então, os caras que trabalham no pátio
ferroviário avisam os outros sobre o que há nos vagões. E se
for algo que vale a pena roubar – armas, aparelhos de TV ou
sapatos de grife – ele desaparece naquela noite. As ferrovias
são seguradas, então eles preferem economizar dinheiro em
segurança em vez de tentar impedir o desaparecimento de
cargas.

— E o seu mediador aqui – qual é o nome dele?

— Zimmer, — diz Cal.

— Acho que ele facilita os roubos e encontra um lar para


as mercadorias.

— Sim, — diz Cal. — Exatamente. Ele é o intermediário.

Saímos do carro, andando pela calçada quebrada do


terreno baldio. É difícil acreditar que haja alguém dentro do
armazém, mas quando Cal bate três vezes na porta de metal,
ela se abre quase imediatamente.

Um segurança alto e gordo olha silenciosamente para


nós. Sua cabeça é tão grande e redonda que seus olhinhos de
porco são apenas fendas na pele de seu rosto.

— Estou aqui para ver Zimmer, — Cal diz calmamente.

O segurança nos apalpa com as mãos que são


surpreendentemente pequenas para seu corpo enorme. Mesmo
essa quantidade de esforço físico o faz respirar pesadamente.

— Deixem suas armas aí, — ele grunhe, apontando para


uma caixa de papelão colocada em cima de um banquinho.

Callum joga sua Glock na caixa sem reclamar. Eu


realmente não gosto de me desarmar em um lugar
desconhecido, mas se esse for o preço da entrada, acho que
não temos muita escolha.

Largo minha arma e sigo Cal para o armazém escuro.

É um tipo estranho de clube aqui. Vejo vários sofás e


poltronas empoeirados e muitos jogos. Uma mesa de sinuca,
hockey de mesa, futebol de mesa e três TVs separadas com
sistemas de jogos. Uma dúzia de jovens, de adolescentes a
vinte e poucos anos, estão vadiando, matando uns aos outros
em Call of Duty, e já bebendo, embora sejam dez horas da
manhã.

Callum segue direto para um cara que não pode ter mais
de vinte e dois anos. Ele está vestindo jeans skinny rasgados,
um moletom grande da Fila e um par de botas Yeezy. Ele está
fumando de um cigarro eletrônico e parece completamente
perdido.

— Bom dia, — Cal diz educadamente.

Zimmer acena lentamente com a cabeça.

— Podemos conversar em particular? — Cal diz.

— Você pode dizer o que quiser, — Zimmer diz a ele


preguiçosamente.

— É para minha privacidade, — Cal responde friamente.


— Não a sua.

Zimmer o olha com olhos estreitos e vermelhos. Mas


depois de um minuto, ele se levanta do pufe enorme em que
estava recostado e nos leva até o canto dos fundos do
armazém. Aqui todos nós podemos sentar em um divã secional
de idade e cor incertas. Sinceramente, prefiro não me sentar,
visto que está manchado com fluidos misteriosos. Mas esses
são os tipos de sacrifícios que você precisa fazer quando é
convidado de um gangster.

Zimmer se esparrama do seu lado no sofá. Cal e eu


sentamos em um ângulo de noventa graus.

— Então? — Zimmer diz, dando outra longa tragada em


seu cigarro.

Sem preâmbulos, Cal diz: — Quero saber se você


intermediou um golpe contra minha irmã.

Zimmer solta a respiração em uma nuvem de fumaça


espessa e branca. Ele enrola suas narinas e boca
simultaneamente. Seus olhos analisam através da fumaça,
escuros e brilhantes, como um dragão.

— Se eu desse esse tipo de informação, — diz ele, — que


tipo de mediador eu seria?

— Eu entendo isso, — Cal diz, mantendo sua voz


moderada. — Mas é o seguinte, Zimmer. Nunca tivemos
nenhum conflito. Eu fico na extremidade norte da cidade. Você
dirige as coisas como quer aqui embaixo. Mantemos um nível
de respeito mútuo. Se você fosse intermediar um golpe contra
um membro da minha família e eu descobrisse isso... eu
consideraria isso um ato de agressão.
Zimmer dá mais um trago em seu cigarro. Sua postura
relaxada não mudou. Mas posso ver um novo estado de alerta
em seus olhos e uma tensão em seus músculos. Seu rosto está
imóvel, mas há um brilho de raiva em seus olhos.

— Eu consideraria agressivo, — ele sibila, — se você


entrasse em minha casa e me ameaçasse.

O silêncio se estende entre Cal e Zimmer por vários


minutos. Não estou planejando dizer uma maldita palavra. Cal
conhece esse cara, eu não – mas estou observando todos os
outros na sala, com o canto do olho. Acompanhando o grande
segurança que está parado do nosso lado direito, perto o
suficiente para ser chamado a qualquer momento, e o resto do
pessoal de Zimmer também, que podem estar jogando Call of
Duty, mas sem dúvida armados – cada um deles.

Por fim, Cal diz: — Tenho uma informação em troca. Eu


sei que um vagão cheio de Rugers 8 desapareceu do pátio
ferroviário de Norfolk algumas semanas atrás. Cento e
quatorze armas espalhadas pela cidade. Principalmente aqui
no lado sul.

O rosto de Zimmer permanece impassível. Eu posso dizer


que isso não é novidade para ele.

Cal continua. — Eles pegaram três dos homens


envolvidos na noite passada. Bryson, England e Dawes. Dois
deles mantiveram a boca fechada. Mas o terceiro parece pensar

8 Companhia fabricante de armas de fogo.


que pode te conectar ao roubo. Ele está fazendo um acordo
com o promotor neste momento. Acho que você fodeu a
namorada dele alguns meses atrás, e ele está guardando
rancor disso. Ele parece pensar que, ao contrário de sua
abordagem sem intervenção usual, com esta remessa em
particular você testou uma das armas. A mesma que foi usada
para roubar a loja de bebidas em Langley. Lembra-se disso?
Aquele em que o balconista foi baleado? Dawes diz que sabe
onde está aquela Ruger em particular. Ele diz que ainda deve
ter suas digitais, junto com as do idiota que atirou no
balconista.

Enquanto Cal fala, Zimmer fica perfeitamente imóvel.


Mas seu rosto fica mais pálido, até parecer tão cinza quanto a
fumaça que ainda sai de suas narinas.

— Eu poderia te dizer onde eles estão mantendo Dawes,


— Cal disse calmamente. — Então você pode calar sua boca
por ele, antes que ele diga muito. Mas preciso saber quem
contratou aquele ataque contra Riona.

Zimmer solta a última fumaça restante de seus pulmões.

— Tudo bem, — ele sussurra baixinho. — Tudo bem.

Ele se senta mais reto no sofá, inclinando-se sobre os


joelhos e falando tão baixo que eu mal posso ouvi-lo.

— Eu não intermediei o ataque sozinho. Mas eu ouvi


sobre isso.

— Diga-me o que você sabe, — diz Cal.


É a primeira vez que a voz de Cal perde a casualidade. Há
um tom áspero em seu tom agora, e vejo a rigidez em seus
ombros. Ele está bravo ao ouvir a confirmação de que alguém
ousou contratar um assassino para atacar sua irmã.

— Ouvi dizer que um ataque ia acontecer e ninguém


poderia saber sobre. Deveria parecer um acidente.

Cal dá um pequeno aceno de cabeça quase imperceptível.


Isso é o que adivinhamos.

— Foi caro. Eles contrataram um cara que eles chamam


de Djinn9.

— Djinn? — Cal diz, franzindo a testa como se não


acreditasse em Zimmer. — Que porra é essa?

— Esse é o nome dele, — diz Zimmer defensivamente. —


Não sei o nome verdadeiro dele. Ninguém sabe. Você liga para
ele – e ele faz as pessoas desaparecerem.

— Tudo bem, — diz Cal, indo ao ponto que ele se


preocupa mais do que a identidade deste assassino. — Eu não
dou a mínima. Eu quero saber quem o contratou.

— Eu não sei! — Zimmer diz. — Eu não sei. Quando os


ataques são contratados, é um sistema duplamente cego. O
cliente não conhece o assassino, e o assassino não conhece o
cliente. É tudo anônimo. Assim ninguém pode delatar.

9 O Gênio.
Cal franze a testa, obviamente desejando ter
implementado um sistema semelhante entre ele e Dawes.

— Então, onde está o informante? — Zimmer exige.

— Eles estão prendendo-o na MCC10, — diz Cal. — Bloco


D.

Zimmer acena com a cabeça.

Cal se levanta do sofá, nosso negócio com Zimmer


obviamente concluído.

O robusto segurança nos segue todo o caminho até a


porta, onde recuperamos nossas armas.

— Não volte, — ele grunhe enquanto abre a porta para


nós mais uma vez.

Cal se vira e o encara com um olhar frio.

— Não me dê um motivo para isso, — diz ele.

Até mesmo o ar do pátio ferroviário degradado tem um


gosto fresco depois do interior daquele armazém. Voltamos
para o Escalade, que felizmente está intocado. Sem dúvida,
qualquer um que estivesse assistindo reconheceu Callum e
sabia que não devia foder com seu carro.

Foi bizarro assistir o político charmoso e bem-educado


derreter para que eu pudesse ver o gângster irlandês por baixo.

10Metropolitan Correctional Center; é uma prisão federal dos Estados Unidos em Chicago que detém
prisioneiros antes e durante os processos judiciais.
É fácil ver os Griffin como são hoje – uma das famílias mais
ricas e bem-sucedidas de Chicago. Você esquece que o império
deles foi construído sobre sangue e crime. Fergus Griffin, e seu
pai antes dele, e seu avô antes dele, não tinham escrúpulos em
esmagar qualquer um que ficasse em seu caminho. Eu
suspeito que Callum também é assim.

— Você não se importa se ele matar Dawes? — Eu digo


para Cal.

— Por que eu deveria? — Callum me fixa com seus olhos


azuis gelados. — Ele é um criminoso de baixo escalão, nem
mesmo leal ao próprio patrão. Eu não dou a mínima para ele.
Eu o estrangularia com minhas próprias mãos para manter
Riona segura.

Eu concordo. — Justo.

Eu deixei Cal falar, porque ele conhece essas pessoas e


eu não. Mas eu quero conhecer esse, chamado Djinn. Se vou
proteger Riona, preciso saber quem ele é e como funciona.

Por esse motivo, ligo para Dante e peço que me encontre


na casa dos Griffins.

Ele chega lá por volta das 13h, carregando uma grande


sacola de comida tailandesa. Ele a espalha pela longa bancada
de mármore, dizendo à Riona: — Faça uma pausa e coma com
a gente.

Riona larga a caneta, tentada pelo cheiro de satay de


frango e arroz de coco.
— Tudo bem, — diz ela.

Cal, Riona, Dante e eu servimos grandes pratos de


comida. Cal e Riona usam pauzinhos, mas Dante e eu pegamos
os garfos da gaveta de talheres. Comer com palitos de madeira
é a razão pela qual você não vê muitos tailandeses acima do
peso, aposto.

Enquanto comemos, Cal recapitula nosso encontro com


Zimmer.

Dante não parece nada satisfeito quando ouve o nome —


Djinn.

— Você o conhece? — Eu pergunto.

— Eu não o conheço, — diz Dante. — Mas eu sei que ele


é caro pra caralho. O melhor que você pode conseguir por aqui.
Um profissional.

Eu olho para Riona para ver como ela está reagindo.

Ela está mexendo em seu Pad Thai, obviamente não


muito feliz em saber que a pessoa contratada para a matar é
um pouco boa demais em seu trabalho.

— Ei, — eu digo a ela. — Nós vamos encontrá-lo.

— Prefiro encontrar a pessoa que o contratou, — diz


Riona.

— Fui encontrar-me com os russos esta manhã, — diz


Dante. — Yenin negou ter qualquer coisa a ver com isso. Mas
ele parecia muito satisfeito com isso do mesmo jeito. E duvido
que ele nos contasse se fosse ele.

— Precisamos descobrir mais sobre Djinn, — digo. — E


verificar as outras duas pessoas que Riona mencionou ter um
possível rancor.

— Vou procurar a família Hartford, — diz Dante.

— E vou encontrar o cara que o tio Oran demitiu, — diz


Cal.

Riona empurra o prato, mal tendo tocado na comida.

— Vou voltar ao trabalho, — diz ela. — Parece que vocês


têm tudo sob controle.
A semana que se segue é extremamente estranha.

Não estou acostumada a ter outra pessoa comigo


constantemente. Raylan fica ao meu lado manhã e noite, não
importa o que eu esteja fazendo. Acho que ele ficaria do lado
de fora do meu chuveiro se eu o deixasse.

Agradeço que ele esteja levando o trabalho a sério, mas


gosto do meu tempo sozinha. Estou ciente de que ele está
sempre me observando, mesmo quando estou tentando
trabalhar, ler ou me exercitar.

Eu acho que poderia ser pior. Sua companhia não é


totalmente desagradável. Ele insiste em cozinhar para nós
dois. — Porque do contrário eu morreria de fome, — diz ele,
aparentemente sentindo que o volume e a frequência de
minhas refeições deixam a desejar. E ele é um bom cozinheiro.
Ele faz macarrão carbonara com manjericão fresco, bacon e
ervilhas, e um frango marinado com frutas cítricas que serve
com risoto.
Como eu suspeitei durante nosso jantar com Dean,
Raylan é muito inteligente com aquele papo-furado de garoto
do campo. Enquanto estou trabalhando, ele costuma ler. Ele
folheia metade dos livros na minha estante, lendo A Redoma
de Vidro, O Fio da Vida, Barkskins e O Demônio na Cidade
Branca, tudo em uma semana.

— O que você mais lê? — Eu pergunto a ele, curiosa sobre


seu gosto.

— Gosto de qualquer livro que coloque você dentro da


cabeça de alguém, — diz ele. — Como este Demônio na Cidade
Branca. Você leu isso?

Eu concordo.

— Esse cara H.H. Holmes. Ele é muito fodido. Mas isso


me deixa curioso, de qualquer maneira. Tentando ver por que
ele fez todas as coisas que fez.

Raylan é observador. Sua atitude descontraída não me


engana. É óbvio que ele vê tudo e arquiva tudo.

— Você gosta de observar as pessoas, — eu digo.

— Sim, — ele concorda. — Eu gosto.

— Por quê?

— As pessoas são interessantes.

— Acho a maioria das pessoas muito chatas.

— Eu sou chato? — Ele sorri.


— Não, — eu admito. — Você não é.

Raylan não é chato. Porque ele é inteligente e porque é


um paradoxo. Pela maneira como ele fala sobre sua família e a
fazenda onde cresceu, sei que teve uma infância feliz. No
entanto, ele se sentiu compelido a se juntar ao exército e vagar
por todo o mundo. E na superfície ele parece simples e
amigável. Mas eu sei que ele é um soldado treinado que não
hesitaria em matar.

Eu posso ver que ele tem um lado mais intenso e


competitivo. Ele gosta de brincar, mas vejo isso vir à tona nas
circunstâncias certas.

Por exemplo, quando ele se junta a mim para meus


treinos noturnos.

Não voltei para a piscina da cobertura. Mesmo sabendo


que não é provável que o mergulhador volte e que Raylan esteja
comigo, não suporto a ideia de escorregar na água novamente.

Em vez disso, vou para a academia no andar logo abaixo.


Possui elípticos e esteiras, racks de agachamento e pesos
livres.

Raylan se junta a mim malhando, então, como ele diz, —


Eu não me transformo em um idiota preguiçoso apenas
sentado observando você trabalhar.

Todas as esteiras estão voltadas para a área de exercícios


do chão ao teto, para que você possa olhar para a cidade
enquanto corre. Raylan pega a esteira ao lado da minha e a
coloca em uma corrida constante, acompanhando-me
facilmente.

Eu gosto de correr. Dante e eu costumávamos correr


juntos no clima mais agradável de primavera e verão. Está
ficando muito frio para isso agora.

Eu posso ir por muito tempo. A corrida combina com


pessoas com constituição esguia. É mais fácil para mim
continuar indefinidamente do que alguém como Dante ou
Raylan com mais músculos. É muito peso para eles
carregarem.

Percebo que Raylan define seu ritmo e inclinação para


corresponder exatamente ao meu. Ele provavelmente está
fazendo isso para me irritar. Ou para me provar algo.

Para testar essa teoria, aumento meu ritmo de 6,5 para


7,2 e aumento a inclinação para 2%. Com certeza, ele faz
exatamente a mesma coisa, lançando-me um sorriso de lobo.

— Você não pode me ultrapassar, — diz ele. — Estamos


um ao lado do outro.

— Sério? — Eu digo, e aumentei novamente, para 8,0 e


3%.

Raylan me copia. Estamos correndo em um ritmo decente


agora, ambos respirando com dificuldade e ficando com o rosto
um pouco vermelho.
Depois de mais cinco minutos, aumentei a velocidade
para 8,5. Raylan faz o mesmo.

— Posso ficar para sempre assim, — digo a ele. Isso não


é exatamente verdade, mas uma pequena guerra psicológica
nunca fez mal a ninguém.

— Eu também posso, — ele diz, piscando para mim.

Eu tenho que admitir... a piscadela é meio sexy.

Tenho dito a mim mesma que Raylan não é tão atraente


e definitivamente não é meu tipo. Não tenho interesse em um
mercenário que usa camisa de flanela e tem prazer em me
provocar como um irmão mais velho chato. Gosto de homens
dignos e respeitosos. Homens que posso levar a sério.

Apesar desses fatos absolutos, encontro meus olhos


vagando até Raylan e a maneira como sua camiseta está
começando a grudar em seu peito largo, enquanto encharca de
suor.

Eu chicoteio minha cabeça novamente e aumento a


esteira para 9,0.

Raylan me corresponde passo a passo. Ele está sorrindo


para mim, apesar do fato de que ele está respirando com
dificuldade e uma pequena gota de suor está escorrendo pelo
lado de seu rosto.

— Realmente me colocando à prova, hein? — Ele diz.


— Você pode parar a hora que quiser, — eu digo, tentando
soar como se não estivesse sem fôlego nem um pouco.

— De jeito nenhum, — ele rosna.

O rosnado envia um arrepio pela minha espinha.

Para afugentá-lo, aumento a esteira para 10,0.

Estamos realmente correndo agora. Tenho pernas


compridas, mas Raylan também. Tenho resistência, mas
aparentemente ele também. Nenhum de nós está falando
agora. Estamos olhando para a frente, agitando nossos braços,
ambos ridiculamente determinados a não desistir.

Não sei por que comecei esta competição, ou por que


ambos estamos tão decididos a vencer. Quero provar a Raylan
que ele não pode me vencer e, aparentemente, ele sente a
necessidade de fazer o mesmo. Estamos correndo ferozmente,
obstinadamente, furiosamente.

Eu aumento a esteira para 10,5.

— Você está treinando para as Olimpíadas? — Raylan


arfa.

— Você pode desistir a qualquer momento, — eu digo.

Ele apenas ri.

Tenho a mais estranha mistura de aborrecimento e


admiração por ele. Eu quero bater nele – não sei por que é tão
importante para mim, mas é. E, ao mesmo tempo, uma
pequena parte secreta de mim não quer que ele desista. Eu me
conheço – estou sempre procurando pessoas para mostrar
fraqueza. Falhas. E então eu tenho desdém por eles. Um
pequeno pedaço de mim quer que Raylan me force a respeitá-
lo.

Eu posso dizer que ele está cansado. Ele está com o rosto
vermelho, suando, ofegante. Eu também – talvez até mais do
que Raylan. É uma batalha de vontades agora. Nossos cérebros
estão conduzindo nossos corpos para frente, apesar de nossa
exaustão.

Silenciosamente, lançando um olhar atrevido para mim,


Raylan aumenta a velocidade da esteira para 11,0. Tento fazer
o mesmo, mal conseguindo manter o ritmo o suficiente para
estender a mão e apertar o botão.

— Sou muitas coisas, — diz Raylan, — mas nunca


desistente.

Meus pulmões estão queimando e minhas pernas


também. Eu nunca corri por tanto tempo. Posso sentir meus
joelhos ficando bambos embaixo de mim.

De repente, o telhado e o chão trocam de posições.


Minhas pernas cedem debaixo de mim.

— Riona, que diabos! — Raylan grita.

Ele pula da esteira e me agarra antes que eu caia no chão.


Eu posso ouvir as esteiras ainda zumbindo em alta
velocidade, mas faíscas brancas estão piscando na frente dos
meus olhos. Raylan pega sua garrafa de água e espirra água
fria em meu rosto.

— Você está louca? — Ele diz.

— Saia, — eu o afasto. — Estou bem.

Não sei por que estou com raiva dele. Talvez porque perdi.
Talvez porque estou com vergonha de quase desmaiar assim.

— Que diabos está errado com você? — Ele diz.

— Você estava competindo comigo, — eu estalo de volta


para ele.

Minha cabeça está latejando e, ao mesmo tempo, sinto


muito calor e muito frio. Posso sentir o suor escorrendo pelo
meu peito, embora eu não esteja mais correndo.

— Você prefere se matar do que me deixar vencer? —


Raylan diz. Seu sorriso se foi. Ele parece devidamente irritado.

— Apenas me deixe em paz, — eu digo, ficando de pé.


Estou planejando me afastar dele, mas minhas pernas estão
muito bambas e quase caio de novo.

Raylan agarra meu braço. — Acalme-se e recupere o


fôlego.

Sei que é um bom conselho, mas odeio a maneira como


ele pensa que sabe o que é melhor para mim.
— Não me diga o que fazer! — Eu grito, puxando meu
braço para longe dele.

Graças a Deus somos as únicas pessoas na academia. Eu


odiaria que mais alguém testemunhasse a idiota que estou
sendo agora.

— Qual é o seu problema? — Raylan exige. — Só estou


aqui para te ajudar.

— Eu não preciso da sua ajuda!

— O caralho que não.

Ele não solta meu braço e isso realmente me irrita. Eu o


empurro com força no peito, sentindo o quão quente ele está
de tanto correr.

Raylan me puxa de volta. Quando tento empurrá-lo mais


uma vez, ele me agarra pelo rosto e me beija. É um beijo
áspero, sua barba negra arranhando meu rosto. É duro e
violento e posso sentir o gosto salgado de seu suor.

Eu me afasto dele e lhe dou um tapa no rosto.

— Não me beije, porra! — Eu grito.

Os olhos azuis de Raylan estão brilhando, e ele parece


completamente diferente de seu jeito alegre de sempre. Ele é
todo lobo agora, dentes à mostra e mandíbula rígida. Ele me
agarra pelo rabo de cavalo e me beija de novo, ainda mais forte.
Então ele me solta e nós nos separamos, olhando um para
o outro e ofegando audivelmente. Meu coração está martelando
contra minhas costelas como se eu ainda estivesse na esteira.
Posso praticamente ouvi-lo fazendo o mesmo. Nós dois
sabemos que cruzamos uma linha. Na verdade, pulamos a
linha com os dois pés.

Não consigo olhar nos olhos dele.

Pego minha garrafa de água e toalha e caminho de volta


para os elevadores.

Raylan está me seguindo, um metro e meio atrás.

Não importa a insanidade que acabou de passar entre


nós, ele não vai parar de me proteger. Nem por um segundo.

Entramos no elevador juntos, em silêncio e sem jeito.

Penso em uma dúzia de coisas que devo dizer. Mas não


consigo decidir se devo pedir desculpas ou gritar com ele um
pouco mais.

Então eu só fico quieta.

Voltamos ao vigésimo oitavo andar e entramos no meu


apartamento. Então vou direto para o meu quarto, enquanto
Raylan fica na sala para dormir sozinho no sofá.
Eu não sei o que diabos aconteceu ontem.

Nunca agi assim na minha vida. Fui criado para ser um


cavalheiro – não para pegar uma garota e beijá-la como um
bandido selvagem.

Talvez fosse a adrenalina da corrida de Riona. Ou o fato


de estarmos em constante proximidade nos últimos oito dias.
Ou o fato de que ela consegue me irritar de uma forma que não
entendo muito bem.

Não sei o que há com ela. Sempre tive essa compulsão de


superar desafios. E Riona é um desafio constante. Ela é
teimosa e obstinada pra caralho. Determinada a não ficar
impressionada comigo. Com a intenção de sempre fazer as
coisas do jeito dela, dane-se as consequências.

Talvez eu não devesse ter competido com ela. Eu sei como


ela é competitiva. Mas, pelo amor de Deus, eu também! Achei
que seria divertido. Então eu vi como ela estava levando isso a
sério. E acho que percebi que estava levando isso muito a sério
também.

Bem, agora me sinto como um imbecil.

Ela estava certa em me dar um tapa – eu merecia isso.

Sei muito bem que ela tem namorado.

Eu não gosto desse cara, no entanto. Entendo que ele é


bonito e um cirurgião chique e todas essas merdas. No papel,
ele é um bom par para Riona. Mas ela não precisa de alguém
rígido e adequado assim.

Ela precisa de alguém que a faça rir. Que pode ajudá-la a


relaxar um pouco. Não alguém que vai amplificá-la ainda mais.

Acho que parece que estou me descrevendo – não estou.


Sei que também não sou o cara certo para ela. Provavelmente
nos mataríamos. Além disso, meu estilo de vida não deixa
muito espaço para romance.

Sem romance – apenas muita experiência.

Já vi muita feiura, ganância e violência.

Mas também vi coisas lindas. Eu vi o sol se pondo em


Victoria Falls. Já montei camelos em dunas de areia maiores
do que qualquer onda do mar. Eu levei um helicóptero sobre
um vulcão meio-dia antes de sua erupção. E caminhei em
praias de areia preta que parecem um planeta estranho.
Eu mantenho uma lista dos melhores lugares. Talvez
para que eu possa mostrá-los a outra pessoa algum dia. Talvez
só para não os esquecer.

Posso ouvir Riona tomando banho e se preparando para


o dia. Eu vou e faço o mesmo, para que ela não tenha que
esperar por mim.

Demoro muito menos tempo para tomar banho.


Provavelmente porque não tenho meio metro de cabelo
vermelho-fogo para lidar. Eu fico pronto, então cozinho alguns
ovos e coloco algumas torradas. E faço o café bem forte porque
sei que Riona gosta desse jeito. É uma oferta de paz. Acho que
vai demorar muito mais do que café e uma boa noite de
descanso para acalmá-la.

Com certeza, ela sai correndo de seu quarto sem nem


mesmo olhar para mim. Ela se serve de uma caneca de café e
ignora o ovo ponche que coloquei em uma torrada com
manteiga para ela.

— Bom dia, — eu digo a ela.

— Bom dia, — ela responde friamente.

— Sobre ontem...

— Não precisamos falar sobre isso, — ela interrompe.

— Não estou tentando continuar com isso, — eu insisto.


— Eu só queria dizer... eu sinto muito.
Seus olhos verdes voam para mim por apenas um
segundo, depois desviam o olhar novamente. Não sei dizer se
ela ainda está brava ou envergonhada ou o quê. Talvez apenas
surpresa por eu ter me desculpado.

— Só... vamos deixar isso pra lá, — ela diz. — A coisa toda
foi constrangedora.

— Tudo bem, — eu digo.

Riona pega seu casaco e descemos para o estacionamento


subterrâneo. Eu verifico o veículo cuidadosamente antes de
entrarmos, incluindo olhar embaixo do carro para quaisquer
adições indesejadas. Enquanto subimos até o nível da rua,
posso dizer que é um dia feio. Frio congelante, ventoso e cinza
como ardósia. Pequenos pedaços de granizo açoitam o para-
brisa, finos e duros como areia.

Estive em muitos lugares quentes por muito tempo. Estou


com frio pra caralho, mesmo com o aquecimento do carro
ligado.

— Não posso acreditar nisso, — digo à Riona. — Depois


de todas as coisas boas que ouvi sobre os invernos de
Chicago...

Riona bufa um pouco.

— É apenas novembro, — ela diz. — Vai ficar muito pior.

— Como poderia ser pior?

— Apenas espere.
Nós dirigimos os quatro quarteirões até o escritório de
Riona. Aposto que ela está feliz agora que pegamos emprestado
o SUV de Dante. Não seria uma caminhada agradável.

Normalmente eu seria um cavalheiro e a deixaria bem na


frente do prédio enquanto encontrava estacionamento, mas
precisamos ficar juntos o tempo todo. Especialmente agora que
eu sei que o Djinn é aparentemente um filho da puta
implacável.

Riona e eu estacionamos a meio quarteirão de distância e


corremos para as portas de vidro duplo.

Em comparação com o exterior, o interior do edifício de


escritórios é quente e agradável. Posso sentir o cheiro de café
e muffins frescos do café no andar térreo.

Acompanho Riona até seu escritório. A maioria das


pessoas em seu andar já se acostumou a me ver agora.
Principalmente a assistente jurídica Lucy – ela me dá um
sorrisinho e acena.

Eu me sento em minha cadeira favorita no canto do


escritório de Riona, enquanto ela mergulha direto no trabalho.
Eu a vejo vasculhando pasta após pasta todos os dias, mas a
pilha de coisas que ela precisa fazer parece nunca encolher.
Ela deve estar aumentando constantemente.

Após cerca de uma hora, somos surpreendidos por uma


batida na porta.
São Dante e Nero. Dante está vestindo um casaco cor de
ervilha adequado, mas Nero só está com uma camiseta preta e
jeans. Estou supondo que ele é muito cabeça-quente para
sentir frio.

Dante me diz: — Achei que você gostaria de ir comigo falar


com aquele ex-funcionário. Nero pode ficar aqui com Riona.

— Não preciso de babá, — diz Riona sem tirar os olhos


dos papéis. — Posso ficar aqui sozinha por uma hora. Há cem
pessoas no andar comigo.

— Bem, já estou aqui, — diz Nero. — Então, você também


pode desfrutar da minha companhia.

Ele se inclina para a minha cadeira, sentando-se nela


assim que eu desocupo o lugar. Ele vai colocar os pés em cima
da mesa de centro de vidro de Riona. Ainda sem olhar para
cima, ela diz: — Nem pense nisso.

Nero sorri e passa as pernas por cima do braço da


cadeira, sentando-se de lado.

É estranho. Nunca tive problemas com Nero – gosto de


todos os irmãos de Dante. Mas não quero deixá-lo aqui com
Riona. Digo a mim mesmo que é porque eu deveria estar
olhando para ela, mantendo-a segura. Esse é o meu trabalho.
Mas, para ser totalmente honesto, eu olho para Nero com sua
aparência ultrajante e seu ar de ameaça que eu sei que atrai
as mulheres de uma maneira muito específica, e sinto algo um
pouco perto do ciúme.
O que é idiota. Dante já me disse que Nero está
completamente apaixonado por uma garota chamada Camille,
e Riona também está da mesma maneira com outra pessoa.
Portanto, não há nada para ter ciúme aqui. Nem um pouco.

Mesmo assim, saio do escritório com um humor estranho.

Quando voltamos ao elevador, Dante diz: — Como vai com


Riona?

— Bom. — Eu concordo.

— Realmente bom? — Dante pergunta.

— Sim. Quer dizer, temos nossas diferenças...

Dante ri. — Eu aposto. Ela é ótima, no entanto. Assim


que você chegar abaixo da superfície espinhosa.

— Sim, — eu digo. — Isso é o que estou descobrindo,

Não estou planejando contar a Dante sobre minha briga


com Riona. Eu definitivamente não vou contar a ele sobre o
beijo. Isso foi pura estupidez. Eu não vou fazer isso de novo.

Em vez disso, digo: — Você quer que eu dirija? Eu tenho


um carro muito louco.

Dante ri. — É melhor. Nero me trouxe em um carro velho


maluco que parecia que ia desmoronar tentando me carregar.
Eu não acho que eles construíram carros para pessoas do meu
tamanho nos anos 50.

— Eu não acho que eles tinham pessoas do seu tamanho.


— Exatamente. Você já viu um fisiculturista dos anos 50?
Eles tinham cerca de uns 80 quilos.

— Você poderia ter uma carreira de verdade no circo se


pudéssemos conseguir uma máquina do tempo, levá-lo de
volta aos velhos tempos.

— Obrigado, — Dante bufa. — Ninguém elogia como você,


Long Shot.

Dante tem o endereço de Luke Barker, o cara que Oran


demitiu depois que ele aparentemente tentou apalpar Riona na
festa de Natal da empresa.

Já se passou quase um ano desde então, então me parece


improvável que o cara ainda guarde rancor. Mas vale a pena
descobrir todas as pistas.

Dante e eu dirigimos até sua casa no Loop. É um belo


lugar no estilo Tudor em uma rua arborizada. Parece bom o
suficiente do exterior.

— Tem certeza de que ele está em casa? — Eu pergunto


a Dante. — No meio do dia?

— Sim, — diz Dante. — Eu liguei para ele mais cedo.

Apesar disso, leva um bom tempo para Barker atender a


porta depois que batemos. Eu ouço o som de algo sendo
derrubado no corredor, e uma maldição irritada. Em seguida,
ele abre a porta, ainda vestido com um roupão de banho e
parecendo com os olhos turvos e com a barba por fazer.
— O quê? — Ele diz. Então, ao avistar Dante, — Oh, certo.
Entrem.

O interior da casa é muito menos bem conservado do que


o exterior. Cheira a mofo e estragado, e as caixas de comida
pela metade enchem as bancadas da cozinha. Um pequeno
vira-lata Yorkie corre latindo em nossos tornozelos. Barker diz:
— Cale a boca, seu filho da puta! — Que o cão ignora
completamente.

O Yorkie está usando uma gola de strass rosa cintilante.


Isso, e as almofadas no sofá que dizem “Live, Laugh, Wine”11 e
“Cuddle Time”12 me levam a acreditar que uma mulher morou
aqui não muito tempo atrás. Provavelmente não agora,
entretanto – quando Barker abre sua geladeira, a única coisa
dentro é uma caixa de pizza, uma dúzia de garrafas de
Budweiser e um monte de garrafas de condimento.

— Querem uma bebida? — Barker diz, pegando uma


cerveja para si mesmo.

Acho que não é a primeira do dia.

— Claro, — diz Dante. Ele provavelmente está tentando


parecer amigável.

Barker abre as tampas das cervejas e desliza uma para


Dante.

11 “Vida, diversão, vinho”.


12 “Hora do afago”.
— Estou bem, — digo.

Barker dá um longo gole em sua cerveja. Ele nos olha com


olhos estreitos e vermelhos.

— O que é isso? — Ele diz. — Você sabe que eu não


trabalho mais para Griffin, Briar, Weiss.

— Sim, — diz Dante. — Eu sei disso. Eu queria saber se


você poderia me dizer por que demitiram você?

— Você sabe por quê, — diz Barker.

— Não, — Dante responde calmamente. — Eu não sei.

— Por causa daquela vadia, — Barker diz, tomando um


gole de sua cerveja.

O veneno em seu tom faz meu coração disparar.

— Você está falando sobre Riona Griffin? — Eu digo,


tentando manter meu tom neutro.

— Sim. Ela estava flertando comigo o tempo todo... não


conseguia tirar os olhos de mim. Então, na festa, nós dois
tomamos alguns drinks. Uma coisa leva a outra... e então ela
vai chorar para o tio.

Não consigo imaginar Riona “chorando” para ninguém. E


também não consigo imaginá-la flertando com esse saco de
merda desleixado. Ele é, pelo menos, dez anos mais velho que
ela. E mesmo que ele estivesse barbeado, tomasse banho e
vestido com um belo terno, ele ainda teria aquele olhar
presunçoso em seu rosto que eu sei que iria irritá-la.

— O que você quer dizer com ‘uma coisa leva a outra’? —


Eu digo, com os dentes cerrados.

Dante olha para mim. Ele pode dizer que estou ficando
chateado.

Barker não parece notar. Ele toma outro gole de sua


cerveja.

— Você sabe, — ele diz. — Estamos conversando,


bebendo... ela está usando um vestido decotado. Cada vez que
ela se move, eu posso ver o topo de seus seios, e ela sabe que
eu posso ver. Ela age toda tensa, mas você sabe como são as
ruivas... elas todas são umas feras na cama. Então ela fica tipo,
‘Com licença’, e caminha até o banheiro, e eu posso ver o jeito
que ela está andando, balançando a bunda, ela definitivamente
quer que eu a siga. Então eu sigo, e eu a empurro no banheiro
e puxo sua saia e...

Eu não sei em que ponto da história eu quebro, mas a


próxima coisa que eu sei, minhas mãos estão em volta da
garganta de Barker e eu o atirei contra a geladeira. Estou
sufocando a porra da vida dele e ele está engasgando e
cuspindo e tentando erguer meus dedos de seu pescoço.

O fato de que esse arrogante de merda pensasse que


Riona estava interessada nele, o fato de que ele a seguiu até o
banheiro e colocou as mãos sobre ela... isso me faz querer
matá-lo. Apenas eliminá-lo deste mundo.

Dante está me puxando de Barker, gritando: — Long


Shot, pega leve!

Eu libero meu aperto na garganta de Barker um pouco –


o suficiente para que ele possa falar.

— Você contratou alguém para vir atrás dela? — Eu


rosno. — Você estava tentando se vingar, porque ela fez você
ser despedido?

— Ela não apenas me fez ser despedido! — Barker cospe,


ainda tentando tirar minhas mãos de seu pescoço. — Minha
esposa também me deixou! Ela está se divorciando de mim! Ela
limpou a conta bancária, pegou meu carro e me deixou com
esse cachorro!

— Você contratou alguém para matar Riona? — Grito na


cara dele.

— O quê? Não! — Barker grita. — Você está louco?

Eu aperto sua garganta um pouco mais forte, levantando


seus pés do ladrilho da cozinha.

— Por que não? — Eu rosno. — Ela arruinou sua vida,


certo?

— Mesmo se eu quisesse, não tenho nenhum dinheiro,


porra! — Barker engasga, seu rosto ficando roxo. — Além dos
Griffins...
Sua voz falha, porque ele não está recebendo ar
suficiente. Eu tenho que relaxar meu aperto novamente para
que ele possa falar.

— O quê? — Eu digo. — O que tem os Griffins?

— Eles são a porra da... máfia, — diz ele com a voz rouca.
— Eu estava chateado. Mas não sou suicida.

Eu solto Barker. Ele esfrega a garganta dramaticamente,


tossindo e chiando. Posso ver as marcas dos meus dedos em
seu pescoço. Não me sinto mal por isso. Eu gostaria de fazer
muito pior a ele.

Dante olha para Barker, ofegando dramaticamente no


chão. O cara parece patético como o inferno. É bastante claro
que ele não consegue nem mesmo esvaziar suas caixas de
pizza, muito menos planejar uma vingança contra Riona.

— Vamos, — Dante me diz.

— Sim, deem o fora, — Barker diz com petulância. — Seus


malditos psicopatas. Bebendo minha cerveja e depois tentando
me matar.

Eu me viro, pronto para deixar a casa mofada de Barker.

Quando dou três passos para longe dele, ouço Barker


murmurar: — Espero que alguém dê um jeito nessa vadia
arrogante.

Eu me viro e o acerto – um cruzado de direita direto no


queixo. Ele bate na geladeira e cai no chão, desmaiado.
Quando enfrento Dante novamente, ele está me
observando, as sobrancelhas levantadas.

— Você está bem? — Ele diz.

— Claro. — Eu aperto minha mão direita. — Por que eu


não estaria?

— Eu não acho que ele teve nada a ver com a contratação


do Djinn.

— Nem eu. Mas ele ainda é um idiota.

O Yorkie está correndo em volta de nossos pés


novamente, latindo, mas não para nós – apenas latindo em
geral. Não parece muito preocupado com seu dono caído no
chão perto da geladeira. Na verdade, ele corre para a sala e
urina na perna da mesinha de centro, sem nenhuma
preocupação no mundo.

Uma vez que estamos do lado de fora no ar frio


novamente, Dante respira fundo. — Isso é melhor.

— Ele é uma bagunça, — eu resmungo. — Eu duvido que


uma merda como Barker tenha coragem de contratar o Djinn.
Ou o dinheiro para pagá-lo, se o que ele disse sobre sua esposa
limpar as contas bancárias foi verdade. Se não foi Barker e não
foram os russos, resta apenas a família Hartford.

— Sim. — Dante balança a cabeça lentamente. — O único


problema é que eu não quero exatamente ameaçá-los. Eles já
passaram por bastante.
— Nós não temos que ir com armas em punho, — eu digo.

— Sim? — Dante levanta uma sobrancelha para mim. —


Você vai ficar tranquilo dessa vez?

— Claro, — eu digo, encolhendo os ombros fora de seu


olhar. — Estou bem.

Eu não estou bem, entretanto. Eu não sei o que diabos


houve lá – eu perdi completamente a paciência. Isso é duas
vezes em dois dias.

Talvez eu não seja feito para essa vida de guarda-costas.


Estou investindo demais. Tudo envolvido nisso com um nível
de emoção que não é comum para mim.

Quando voltamos para o carro, meu telefone vibra com


uma mensagem do meu irmão:

Você perdeu o aniversário da mamãe. E o aniversário.

Ele se refere ao aniversário da morte de nosso pai.


Aconteceu apenas dois dias depois do aniversário da mamãe,
então é sempre uma época difícil do ano para ela.

Eu mando uma mensagem de volta:

Eu liguei para ela.

Uma pausa, então ele responde:

Ligar não é a mesma coisa que visitar.


Faz um tempo que não vou para casa. Quase três anos.
Mas quem está contando.

Posso imaginar o rancho tão claro quanto as


movimentadas ruas de Chicago bem na minha frente. Posso
ver os arvoredos de bétulas e quase sentir o cheiro de feno
limpo e carne de cavalo quente.

Sinto uma necessidade de estar em um lugar mais quente


e verde do que aqui.

Mas também sinto uma profunda tristeza e vergonha ao


pensar em visitar minha casa.

Então eu respondo:

Estou trabalhando agora.

Grady dispara de volta:

Você está sempre trabalhando.

Há uma pausa em que ele espera que eu responda.


Quando eu não respondo, ele manda mensagens de novo:

Mamãe machucou o pé. Ela está ficando velha demais


para fazer isso em tempo integral. Precisamos conversar sobre
o que faremos com o rancho...

Desligo meu telefone e o coloco no bolso, irritado.

— Problema? — Dante diz.


— Não. — Eu balancei minha cabeça. — Nenhum
problema.
Enquanto estou trabalhando, Nero está brincando com
seu canivete.

Eu costumava pensar que ele brincava com isso para


tentar parecer durão, mas vendo-o agora, percebo que é quase
como uma meditação para ele. A lâmina se move por entre seus
dedos com incrível velocidade e fluidez. Ele entra em transe,
seus olhos se tornando calmos e focados, e sua respiração fica
mais lenta até que seu peito mal sobe e desce.

É engraçado pensar que ele e Dante são irmãos, quando


Dante é tão áspero e de aparência brutal, e Nero é, por falta de
uma palavra melhor, simplesmente lindo. Em temperamento,
eles também são opostos – Dante deliberado e disciplinado, e
Nero impulsivo e feroz.

Ou, pelo menos, era assim que ele costumava ser. Hoje
ele parece mais relaxado e de melhor humor do que antes.

Dante me disse que Nero está louco por uma garota que
ele conheceu no colégio – Camille. Achei que Nero seria a
última pessoa no mundo a se apaixonar, mas em vez disso
acho que sou eu.

Ver Nero transformado em um humano quase razoável


me faz acreditar que milagres podem acontecer afinal.

Talvez seja necessário: um casal inesperado. Cal se


apaixonou pela filha de nosso pior inimigo. Nessa é casada com
o seu próprio maldito sequestrador. Nero teve seu coração
roubado por uma garota que ele mal notou no colégio. E Dante
está de volta com a mulher que arrancou seu coração.

Nesse caso, talvez Dean e eu estejamos condenados. Ele


é exatamente o meu tipo usual. Exatamente o que eu sempre
escolho para mim.

E mal estamos nos dando bem agora.

Tivemos um encontro um pouco estranho para o café no


início da semana. Desta vez, Raylan manteve uma distância
respeitosa em uma mesa diferente – fingindo que tinha alguns
e-mails para responder, mas eu suspeito que estava apenas
tentando dar a Dean e a mim algum espaço.

Realmente não ajudou. Dean estava mal-humorado. Ele


ficava me perguntando por quanto tempo toda essa coisa
ridícula de guarda-costas iria durar.

— Eu não sei, — eu disse irritada. — Se não


conseguirmos encontrar a pessoa que tentou me matar, acho
que a alternativa é que ele consiga me matar. De qualquer
forma, você não terá que se preocupar mais com isso.
— Oh, vamos Riona, — Dean disse, revirando os olhos
para o meu melodrama. — Você sabe que eu não quero que
você se machuque. — Ele se esticou sobre a mesa e agarrou
minha mão. — Eu apenas sinto sua falta. E estou cansado
desses encontros acompanhados da era vitoriana.

Eu puxei minha mão de volta. — Eu sei, — eu disse. —


Mas não há muito mais que eu possa fazer sobre isso.

A verdade é que eu poderia dizer a Raylan para me levar


até a casa de Dean para um encontro apropriado. Raylan
poderia monitorar a casa enquanto Dean e eu jantávamos
sozinhos, depois subíamos as escadas para um momento
privado. É assim que você trataria um segurança normal.

Mas Raylan não é um segurança normal. E não apenas


porque ele é amigo de Dante.

Há algo em Raylan que não permite que você o mantenha


à distância. Ele é muito perceptivo e muito pessoal. Muito
honesto e muito... ele mesmo. Não há camada de distância
profissional entre ele e eu. Nunca existiu.

Até Nero vê isso.

Ele levanta os olhos do canivete, fixando-me em seus


olhos cinzentos e frios, e diz: — Então, você e o cowboy já estão
fodendo?

Essa é uma tática clássica de interrogatório. Faça uma


pergunta direta e abruptamente para tentar levar o réu a
responder com honestidade.
— Não, — digo, sem dar a Nero o prazer de uma resposta
emocional. — Eu tenho um namorado.

— Mas você faria de outra forma.

— Não, — eu digo calmamente. — Eu não faria isso.

Nero bufa, obviamente pensando que estou mentindo.

— Eu sei que isso vai ser um choque para você, mas a


maioria das pessoas não fode com todas as pessoas que
encontram, — informo Nero.

— Elas fazem se eles forem gostosos, — diz Nero.

— Oh, então você acha que Raylan é gostoso? — Eu digo


inocentemente.

Para minha surpresa, Nero sorri. — Sim, — ele diz. —


Realmente encantador.

As maravilhas nunca cessam. Nero Gallo mostrando um


pouco de autodepreciação. Ele realmente deve estar
apaixonado.

Para testar essa teoria e tirar o foco de mim mesma, digo:


— Dante me disse que você está namorando alguém.

— Eu estou, — Nero diz, sem vergonha.

— Isto é sério?

— Sim, — ele diz com uma finalidade simples.


Isso é tão bizarro para mim. Nero era a epítome de um
sedutor. Ele não parecia se importar com nada ou ninguém.

— O que há de diferente nela? — Eu pergunto.

— Não tem nada a ver com ser diferente, — diz Nero, em


seu jeito enigmático. Nero às vezes me lembra o Gato de
Cheshire13 – ele responde às perguntas, mas não dá a mínima
se você entende suas respostas.

Normalmente, eu apenas o ignoro. Mas estou


genuinamente curiosa sobre isso. Eu quero saber como ele
pode mudar tão drasticamente. Eu costumava pensar que as
pessoas não mudavam nada.

— Explique-me, — digo, largando a caneta e dando-lhe


toda a atenção. — Eu realmente quero saber.

Nero fecha o canivete e o coloca de volta no bolso. Ele se


senta para frente, os cotovelos sobre os joelhos.

— Camille e eu somos iguais, — ele diz simplesmente. —


Não em circunstâncias ou experiências. Não do lado de fora.
Mas nas coisas que importam, estamos alinhados. Com o que
nos preocupamos. O que queremos. O que sentimos.

Eu realmente não entendo o amor. Eu pensava que os


opostos se atraem. Agora, Nero está dizendo que se trata de
encontrar alguém mais parecido com você internamente.

13Conhecido também como Gato Risonho, Gato Listrado ou Gato que Ri; é um personagem fictício de
Alice no País das Maravilhas.
— Então... vocês são apenas semelhantes, — eu digo.

— É mais do que isso, — diz Nero. — Existem as partes


que são iguais e as partes que preenchem os buracos umas
nas outras. Você não sabe o que está faltando dentro de você,
até que você encontre em outra pessoa.

Nunca pensei que discutiria sobre amor com Nero. Este


mês foi totalmente bizarro. Tenho mais perguntas que quero
fazer a ele, mas Raylan e Dante interrompem.

— Alguma sorte? — Eu pergunto a eles.

— Não. — Dante balança a cabeça. — Barker é um idiota,


mas um idiota falido e desmotivado, pelo que pudemos ver.

Eu olho para Raylan, que parece estranhamente culpado.


Nero, sempre com olhos de águia, percebe a mesma coisa.

— O que aconteceu com a sua mão? — Ele exige.

— Nada. — Raylan enfia as mãos nos bolsos da calça


jeans, mas não antes de eu ver a que Nero estava se referindo
– os nós dos dedos da mão direita estão definitivamente
inchados.

— Ele atacou você? — Eu pergunto a Raylan. Barker é


um idiota, certo, mas não posso imaginá-lo tendo coragem de
dar um soco em Raylan – especialmente não com Dante ali,
apoiando-o.

— Não, — diz Raylan. Ele não está olhando para mim e


parece irritado com as perguntas.
— Nós conversamos com John Hartford também, —
Dante me disse rapidamente, mudando de assunto. — O irmão
mais velho de Victoria. Ele está muito chateado com minha
família – ele sabe que ajudamos Bosco Bianchi. O que eu
gostaria pra caralho que não tivéssemos feito. Mas não acho
que ele saiba que você esteve envolvida. Então, se ele quer
vingança, eu não acho que estaria apontada em sua direção.

— Então nós aprendemos... absolutamente nada, — eu


digo.

— Sim, praticamente. — Raylan acena com a cabeça.

— Ótimo. — Nero se levanta da cadeira. — Parece uma


tarde bem passada.

— Tenho certeza de que você tinha coisas muito mais


importantes para fazer, — Dante bufa, balançando a cabeça
para seu irmão mais novo.

— Oh, eu não estou reclamando. — Nero lança um olhar


em minha direção. — Riona e eu estávamos tendo uma
conversa muito boa.

Dante levanta as sobrancelhas para mim, claramente


tendo tanta dificuldade em imaginar como seria o que eu
estaria tentando explicar para ele.

Dante e Nero saem, e Raylan senta em sua cadeira


costumeira no canto. Mas ele não está com seu bom humor
habitual. Na verdade, ele parece muito preocupado com
alguma coisa.
— O quê? — Eu digo a ele. — Você está bravo porque não
encontrou o que estava procurando?

— Não, — Raylan diz em breve.

— O quê, então?

— Nada.

Eu reviro meus olhos. Não quero ter que adivinhar por


que ele está irritado.

Após alguns minutos de silêncio, Raylan diz: — O que


Nero quis dizer?

— Oh. Estávamos conversando sobre ele e Camille.

— Isso é tudo? — Raylan diz desconfiado.

— Sim... — Eu respondo.

Se eu não soubesse melhor, pensaria que Raylan estava


com ciúme de Nero. Ele está agindo muito estranho.

— Você vai me dizer o que aconteceu com sua mão? —


Pergunto-lhe.

— Não, — diz Raylan.

Faço um som irritado e volto ao meu trabalho.

Quando finalmente chega a hora de partir, Raylan parece


ter relaxado um pouco. Ele pega meu casaco e o segura para
que eu possa enfiar meus braços nas mangas. Então ele abre
a porta para mim.
Normalmente não gosto quando os homens exageram
com gestos cavalheirescos, mas Raylan faz isso naturalmente,
sem fazer alarde. Tudo o que ele faz com as mãos é suave e
fácil: cozinhar, dirigir, abrir a porta. Ele provavelmente é ótimo
em cortar lenha, como ele disse.

Posso ver a luz de Oran ainda acesa em seu escritório,


então faço um desvio pelo corredor para dizer boa noite a ele.

Ele está curvado sobre uma pilha de papéis, parecendo


absorto e exausto.

— Boa noite, tio Oran, — eu digo. — Estou saindo.

— Boa noite, — diz ele distraidamente.

Tio Oran está tão bem vestido como sempre, mas agora
há mais cinza do que preto em seu cabelo, e ele tem olheiras.
Às vezes esqueço que ele é quase dez anos mais velho que meu
pai.

— Seu tio nunca se casou ou teve filhos? — Raylan me


pergunta quando entramos no elevador.

— Não. — Eu balancei minha cabeça. — Ele teve


namoradas – uma por seis ou sete anos. Ela era legal. Seu
nome era Lorelei. Ela trabalhava em uma galeria em River West
– era para artistas autodidatas. ‘Outsider Art’, eles chamavam.
Mas eles se separaram. Não sei por quê.

— Você é próxima a ele, — Raylan diz. Não é uma


pergunta.
— Sim. — Eu concordo. — Ele me fez interessar por
direito. Cal sempre foi o herdeiro do império, e Nessa era a
bebê. Você sabe que ela é tão querida, todo mundo a ama.
Então eu acho... não havia nada de especial sobre mim. Tio
Oran me fez sentir especial.

— Filha do meio clássica, — Raylan diz com um pequeno


sorriso.

— Você provavelmente é o mais velho. — Eu fungo. Ele


me lembra Callum e Dante – competente e responsável.

— Sim, — Raylan admite. — Mas eu não sou o maior. Meu


irmão mais novo Grady me derrotou. Ele tinha um metro e
oitenta na sétima série e não parou de crescer desde então.

Já ouvi Raylan mencionar seus irmãos antes. Sempre


com um tom de carinho.

— Como ele é? — Eu pergunto.

— Muito parecido comigo, mas com pior julgamento. Ele


sempre teve problemas ao crescer, e não mudou muito. Sua
esposa o acalmou um pouco – eles têm dois filhos agora. Ele é
o trabalhador mais esforçado que conheço. Faz o trabalho de
quatro homens no rancho.

— E a sua irmã?

— Ela é muito inteligente e boa com os cavalos. Mas fica


entediada facilmente. E ela tem um mau temperamento. Não
com animais, apenas pessoas.
Gosto de ouvir a descrição de Raylan. Sua voz é tão
calorosa e animada que qualquer coisa que ele diga ganha
vida.

— E sua mãe? — Eu pergunto.

— Ela é gentil, — Raylan diz simplesmente. — Ela sempre


nos fez sentir que éramos as coisas mais importantes do
mundo. Mas ela nos fez trabalhar pra caramba também, então
isso foi bom para nós. Se alguma vez deixássemos um trabalho
antes que a última parte dele estivesse terminada... essa era a
única maneira de realmente irritá-la.

Também quero perguntar sobre o pai de Raylan, mas sei


por comentários que ele fez de passagem que seu pai está
morto. Não parece certo trazê-lo à tona. Especialmente porque
Raylan não mencionou nenhum detalhe. Não sei se eles eram
próximos ou separados, ou o que o matou.

— Como é o rancho? — Eu pergunto em vez disso.

— Depende. Você gosta de cavalos? — Raylan diz.

— Nunca toquei em um cavalo na minha vida, — admito.


— Eu nunca vi um de perto. Acho que isso me torna uma city
slicker14 ou algo assim.

— Uma novata, — Raylan diz, sorrindo. — Ou uma


amadora.

14Expressão para alguém que está acostumado a um estilo de vida urbano e inadequado para a vida
no campo.
— Não sei se gosto de algum desses.

— Talvez apenas uma garota que ama Chicago, então, —


diz Raylan.

Entramos no carro e voltamos para minha casa antes que


eu perceba. Raylan está me contando histórias sobre o rancho.
Ele é fácil de falar e ainda mais fácil de ouvir.

Raylan começa a cozinhar enquanto ainda estamos


conversando e, apesar do fato de eu odiar cozinhar, ele me leva
a cortar cenouras para ele.

— Eu sou uma merda nisso, — eu o aviso.

— Isso é porque você está segurando a faca de forma


errada.

Ele vem atrás de mim e coloca as mãos sobre as minhas.


Sua mão é ligeiramente áspera e muito quente.

— Você tem que balançar a lâmina assim, — diz ele,


mostrando-me como balançar a faca do chef para que ela corte
a cenoura em discos uniformes, sem fazer os pedaços rolarem
descontroladamente em todas as direções.

Raylan cheira bem – não como uma colônia cara, como


Josh. Apenas como sabonete, sabão em pó e algodão limpo. Há
algo natural nele de que gosto. Ele não coloca produto no
cabelo – é macio e bagunçado. Ele raramente se barbeia e tem
calos nas mãos. Mas tudo isso me parece exótico, em
comparação com os homens bronzeados e penteados que
costumo namorar. Raylan é masculino de uma maneira
diferente – por não dar a mínima para suas roupas, seu carro
ou seu status social.

Como de costume, quando noto algo atraente sobre ele,


sinto a mesma compulsão de me afastar.

— Eu consigo, — eu digo, assumindo o controle da faca


sozinha.

— Tudo bem. — Raylan volta a dourar a carne, bem


temperada com sal, pimenta, cebola e alho.

Ele cozinha macarrão para nós com molho de tomate feito


do zero. Não parece tão difícil quando ele faz isso, embora
duvide que eu possa replicar qualquer coisa. É delicioso como
o inferno, no entanto. A mistura certa de rico, picante, ácido e
perfumado.

— Quem te ensinou a cozinhar? — Pergunto-lhe.

— Todo mundo, — ele diz. — Meu avô, avó, mãe, pai,


pessoas que conheci em minhas viagens... é a linguagem
universal. Todo mundo gosta de comida gostosa. Você pode se
relacionar com qualquer pessoa durante uma boa refeição.

Acho que isso é verdade. Até mesmo Raylan e eu


parecemos nos dar bem quando comemos juntos.

Raylan provavelmente se dá bem com todos, no entanto.

Eu pensei que ele era apenas um tipo de soldado


arrogante típico quando o conheci. Mas ele realmente tem uma
presença muito calmante. Ele sabe quando falar e quando não.
Quando apenas ter um silêncio amigável. Ele nem sempre está
tentando encher o ar de bobagens.

Depois do jantar, vamos sentar na varanda anexa à


minha sala de estar. Observamos as luzes da cidade – os outros
prédios altos, cada um com suas caixas individuais de luz
representando escritórios e apartamentos, cada um contendo
alguma outra pessoa vivendo sua vida. Os fluxos de carros nas
estradas abaixo são os mesmos – cada um carregando uma
pessoa para seu destino individual. Para eles, o que estão
fazendo é a coisa mais importante do mundo. Para nós, é
apenas mais uma luz flutuando na estrada, igual a todas as
outras.

Normalmente, esse pensamento me faria sentir isolada e


insignificante. Mas esta noite acho que a maioria dessas
pessoas provavelmente vai para a casa de alguém – talvez para
fazer macarrão ou assistir a um filme. E mesmo que essas
atividades sejam mundanas, elas são pacíficas e felizes.

— Você vê muito sua irmã? — Raylan me chama do nada.

— Nessa?

— Sim.

— Eu vejo, na verdade, — digo a ele. — Eu a encontro


para o almoço. Às vezes vou ver no que ela está trabalhando
em seu estúdio de dança – ela é uma coreógrafa.
— Dante me contou o que aconteceu com o marido dela –
com a máfia polonesa.

Nessa conheceu Mikolaj quando ele a sequestrou.


Estávamos em conflito com a máfia polonesa na época. No que
a princípio pensei ser Síndrome de Estocolmo, Nessa e Miko
desenvolveram sentimentos um pelo outro. Ele a deixou ir, o
que quase lhe custou o controle de seus homens e de sua
própria vida. Nessa voltou para ele e eles se casaram.

— Você sabe o que é engraçado? — Eu digo a Raylan.

— O que?

— Na verdade, eu gosto de Miko.

Raylan ri. — Você gosta?

— Sim. Quer dizer, não me entenda mal – ele é intenso.


Mas ele é inteligente e implacável, e dedicado à Nessa.

— Como é Nessa? — Raylan me pergunta.

— Todo mundo que a conhece a ama. Ela é gentil – como


sua mãe, eu acho. Ela sempre foi assim. Mesmo quando era
pequena, ela não suportava ver ninguém triste. Ela
compartilharia qualquer coisa com você.

Eu paro, pensando.

— Às vezes ela costumava me irritar, porque ela podia ser


infantil também. Muito passiva, muito gentil, muito ansiosa
para agradar meus pais. Talvez eu estivesse com ciúme. Ela é
tão simpática e eu sei que sou...

— O quê? — Raylan diz.

— Muito, — eu digo.

Raylan ri.

— Mas de qualquer maneira, ela cresceu, se mudando da


casa dos meus pais, se casando. Ela sempre foi criativa e tem
feito esses balés que são simplesmente selvagens e lindos. Eu
não sei nada sobre dança, mas eles são realmente lindos. E eu
respeito isso. Eu não sei – talvez fosse apenas nós duas
envelhecendo. Mas parece que temos mais o que conversar
agora.

— Eu também me sinto assim, — diz Raylan. — Com


meus irmãos.

— Você sente?

— Sim. Você envelhece e, quando se reúne, em vez de


falar sobre as pessoas que conhece e as coisas que costumava
fazer, pode apenas falar sobre a vida, sobre livros, filmes e o
mundo, e você cresceu e eles cresceram e todas as merdas
mesquinhas pelas quais você costumava brigar quando
crianças não importam mais.

— Sim, — eu digo. — Exatamente.

Já faz muito tempo que estamos sentados na varanda. Eu


tenho um cobertor enrolado em volta dos meus ombros para
me impedir de congelar, mas Raylan está apenas vestindo sua
camisa normal de botões.

— Você não está com frio? — Pergunto-lhe.

— Não, — ele diz. Depois de um minuto, ele sorri e admite:


— Na verdade, estou com muito frio.

Voltamos para o calor do apartamento, fechando a porta


de vidro deslizante atrás de nós.

Raylan e eu permanecemos na sala de estar, um tipo


estranho de tensão entre nós agora.

— Acho que vou para a cama, — digo.

— Boa noite. — Raylan acena com a cabeça.

Vou para o meu quarto, escovo os dentes e deslizo para


debaixo das cobertas.

Mas leva muito tempo antes de eu realmente adormecer.


Fico ali inquieta e confusa, perguntando-me por que me senti
tão relaxada na varanda, mas tão preocupada agora.

Eu acordo com alguém me puxando para fora da cama.


O ar está denso com fumaça preta, tão densa que estou
tossindo e tossindo, e meus olhos estão marejados de lágrimas.
Eu não consigo respirar.

— Abaixe-se! — Raylan grita, puxando-me para o tapete.

É um pouco mais fácil respirar aqui, mas não muito.

Raylan está amarrando uma de suas camisetas em volta


do meu rosto, fazendo um lenço improvisada. Eu posso ouvir
sons de estalos e estouros agudos, e está tão quente que o suor
está escorrendo pela minha pele.

— O que está acontecendo! — Eu grito. Minha garganta


parece crua e sufocada, mesmo com a camiseta cobrindo meu
rosto.

Não consigo ver nada. A fumaça e o calor estão piorando


a cada segundo.

— Precisamos sair daqui, — diz Raylan. Ele está puxando


os cobertores da minha cama e os lençóis também.

Ele joga um cobertor sobre nós dois e me puxa, ficando


abaixado no chão.

Quando saímos do meu quarto, encontramos uma sólida


parede de fogo. A porta da frente, a entrada e a cozinha estão
envoltas em chamas. Do chão ao teto ele se espalha,
espalhando-se pela sala de estar.
O calor é imenso, indescritível. Não consigo nem olhar
para isso ou queima meus olhos. Meu corpo está gritando para
eu fugir, mas não há para onde ir.

— Estamos presos! — Eu arfo.

Severamente, obstinadamente, Raylan me puxa em


direção à varanda.

— Espere, — diz ele, destrancando a porta de vidro


deslizante.

Eu não sei para o que ele está tentando me preparar, mas


quando ele abre a porta e me empurra para fora, o ar frio da
noite entra no apartamento. O influxo de oxigênio dá ao fogo
um novo fôlego. As chamas rugem pelo teto e por toda a sala,
incendiando o resto do meu apartamento em um instante. O
fogo se espalha, atingindo-nos como uma onda.

O edredom que Raylan jogou sobre nossas cabeças pega


fogo. Raylan o joga fora, e eu o vejo tombar de ponta-cabeça,
queimando como uma tocha enquanto cai os 28 andares até a
rua abaixo.

Usando o lençol para proteger a mão, Raylan força a porta


de vidro a fechar novamente, mas posso ver que o calor
chamuscou os cabelos ao longo de todo o braço. O vidro e o
metal já estão quentes ao toque, como a grelha de uma lareira.
A porta não vai aguentar por muito tempo. E estamos presos
aqui em cima nesta pequena varanda, sem saída de incêndio.
Estou tentando não entrar em pânico. Ainda estou
tossindo, e Raylan também. Todo o seu rosto está escuro de
fumaça, cortado pelas trilhas de suor que escorrem por sua
pele.

Nós vamos queimar até a morte. Estamos presos. O fogo


vai estourar pelo vidro a qualquer segundo. Nenhum caminhão
de bombeiros pode chegar aqui. Não entendo como o fogo se
espalhou tão rápido pelo apartamento. Eu não entendo o que
está acontecendo.

Posso ouvir sirenes distantes, mas não o alarme de


incêndio em si. O rugido e o crepitar das chamas são muito
altos. Eu nunca soube o quão alto o fogo poderia chegar.

Raylan está amarrando meu lençol na grade da varanda.


Não entendo por quê.

— Suba nas minhas costas! — Ele grita para mim. Sua


voz está rouca e sufocada pela fumaça. Seus olhos estão
vermelhos, mas a íris ainda brilha em um azul brilhante contra
seu rosto fuliginoso. É a única parte dele que ainda parece
familiar. Ainda assim, não entendo seu plano.

— O quê? — Eu arfo de volta.

— SUBA NAS MINHAS COSTAS!

Ele agarra minha mão e envolve meus braços em volta do


seu pescoço. Estou vestindo apenas uma camiseta de seda e
shorts, com os pés descalços. Ele está sem camisa em cuecas
samba-canção, mas seus pés estão enfiados nas botas, pelo
menos.

Estamos os dois tão suados e imundos que é difícil


segurar seu pescoço.

E acabei de perceber que ele está escalando o parapeito.

— VOCÊ ESTÁ LOUCO? — Eu grito.

Estamos na porra de vinte e oito andares no ar. Tão alto


que você mal consegue ver as ruas lá embaixo. Tão alto que o
vento gelado de novembro está soprando com força contra nós.

Se escorregarmos e cairmos, cairemos por cinco ou seis


segundos antes de atingirmos o pavimento. E quando
pousarmos, nossos corpos não vão apenas quebrar – eles vão
explodir.

— Se não sairmos desta varanda estaremos mortos! —


Raylan grita de volta.

Eu olho para as portas de vidro, mal segurando as


chamas furiosas. Enquanto observo, o vidro começa a rachar
e entortar.

— Oh meu Deus... — Eu sussurro.

Eu me agarro ao pescoço de Raylan, minhas pernas


enroladas em sua cintura por trás.

— Não me sufoque, — ele diz.


Tento relaxar meu aperto um pouco, enquanto ainda
seguro firme.

Ele passa a perna por cima do corrimão, segurando o


lençol com as duas mãos.

Estou balançando sobre o espaço vazio, segurando suas


costas.

Raylan começa a nos abaixar, passando de mão em mão


no lençol.

O tecido é esticado e esticado sob nosso peso combinado.


Posso ver seus braços rígidos com a tensão e suas mãos
segurando o material escorregadio. Seus dedos deixam marcas
de fuligem no lençol branco. Seus nós dos dedos estão pálidos
e tensos.

Eu não consigo assistir. Aperto meus olhos fechados,


segurando-o com todas as minhas forças. Posso sentir seus
ombros e costas tremendo com o esforço de carregar nosso
peso.

As mãos de Raylan escorregam e caímos meio metro antes


que ele segure novamente. Eu mordo meu grito, os olhos ainda
bem fechados. Posso ouvir o tecido começando a rasgar.

— Quase lá... — Raylan grunhe.

Eu arrisco um olhar.
Estamos no nível da varanda abaixo de nós, mas ainda
estamos pairando ao ar livre. A varanda é rebaixada. Não
conseguimos alcançar o corrimão.

— Eu vou nos balançar. Você tem que agarrá-lo, —


murmura Raylan, a mandíbula cerrada com força.

— Eu não... não sei se consigo. — Estou usando todas as


minhas forças apenas para segurar suas costas. Ambos
estamos escorregadios de suor e fumaça.

— Você consegue fazer isso, — Raylan diz em sua voz


profunda e calma. — Eu sei que você consegue.

Ele chuta as pernas para nos balançar para fora e para


dentro. O movimento é horrível. Isso faz meu estômago apertar.
Segurando firme em seu pescoço com meu braço direito, eu
alcanço com meu esquerdo. Meus dedos deslizam
desamparadamente pela grade de metal escorregadia. Eu
perco.

— Eu não consigo segurar! — Eu choro.

— Sim, você consegue, — diz Raylan. — Mais uma vez –


agarre bem.

Ele nos balança novamente, mais forte dessa vez. Eu ouço


o terrível ronronar do lençol se rasgando. Agarro a grade com
toda a minha força e nos puxo em direção a ela. Raylan joga
seu braço também. A grade me atinge nas costelas e dói pra
caralho, mas coloco meu braço em volta dela e seguro com
força. Raylan me empurra por cima e caímos no cimento. Meu
coração está trovejando no meu peito. Estou ofegante e
tossindo mais forte do que nunca.

O apartamento em si está escuro – ninguém dentro. Ou


eles já evacuaram o prédio ou nunca estiveram em casa. Eu
bato na porta de vidro, mas é inútil. A porta está trancada e
ninguém vem para abri-la.

— Afaste-se, — Raylan grunhe.

Ele chuta o vidro com a ponta da bota, em seguida,


estende a mão pelo buraco para destrancar a porta.

A fumaça sobe em nossos rostos. Mesmo um andar


abaixo, o calor, a fumaça e o barulho são intensos. Ela irradia
do meu apartamento lá em cima. Posso ver o teto cedendo.

— Depressa, — diz Raylan. — Isso pode entrar em colapso


a qualquer segundo.

Corremos pelo apartamento, que tem exatamente o


mesmo layout do meu acima. Nós empurramos a porta para o
corredor, onde posso finalmente ouvir o barulho constante do
alarme de incêndio. Vários outros residentes estão
cambaleando pelos corredores, tentando transportar animais
de estimação relutantes ou pertences que não querem arriscar
perder.

— Não pegue o elevador, — Raylan me diz


desnecessariamente. Não havia como arriscar me prender em
qualquer outro lugar.
Em vez disso, corremos para as escadas, meus pés
descalços logo sujos da descida interminável de vinte e sete
lances de escada de concreto.

As escadas estão lotadas de outros inquilinos. A descida


é tediosamente lenta. Algumas pessoas dos andares mais
baixos estão reclamando, pensando que a coisa toda foi apenas
uma broca. Isto é, até que eles vejam Raylan e eu, pretos com
a fumaça e Raylan queimou o braço direito por forçar as portas
da minha varanda a fecharem.

Tudo o que possuo está queimando, sobre a minha


cabeça. Eu deveria ter tentado pegar algo antes de corrermos
para a varanda? Estupidamente, penso na minha escova de
dentes elétrica nova que usei apenas duas vezes. Agora é
plástico derretido. Ou talvez apenas cinzas.

Acho que estou em choque.

Eu me sinto entorpecida. Minha cabeça é um balão,


flutuando sobre meus ombros, mal amarrado.

Se não fosse pelo braço de Raylan em volta dos meus


ombros, me guiando, acho que poderia desmaiar.

Raylan me leva até o estacionamento. Ele tira as chaves


do carro de sua bota. Isso me impressiona. Não sei como ele
teve a presença de espírito de agarrá-las. Não sei como ele
manteve a calma apesar de tudo isso.

Eu sinto que mal estou agarrando meu último resquício


de autocontrole.
— Como isso aconteceu? — Eu murmuro, minha
garganta ainda crua com a fumaça. — Como o fogo se espalhou
tão rápido?

— Eu acho que ele deve ter derramado um combustível


sob sua porta, — Raylan diz, severamente. — Eu acordei com
um ruído sibilante e em dois segundos toda a metade do seu
apartamento estava em chamas.

Posso ouvir mais e mais sirenes soando no nível da rua –


caminhões de bombeiros e carros de polícia chegando ao
prédio de todos os lados.

— Precisamos sair daqui, — diz Raylan. — Estamos


expostos. Isso pode não ser tudo o que ele planejou.

Eu aceno, entorpecida, e subo no banco do passageiro.

Raylan faz uma varredura no veículo para se certificar de


que não há nada plantado dentro ou embaixo dele. Então ele
entra no lado do motorista e liga o motor.

Minha cabeça ainda lateja por causa da fumaça. Eu


inclino minha cabeça contra a janela e fecho meus olhos.
Riona dorme por várias horas.

Eu dirijo pela noite escura, levando-nos para fora de


Chicago.

Eu olho para ela de vez em quando, assegurando-me de


que ela está apenas suja com a fumaça, que sua pele pálida e
delicada não foi queimada pelas chamas.

Nunca vi um incêndio se espalhar tão rápido.

Corri para o quarto dela, com medo de que, quando a


puxasse para fora de lá, estaríamos completamente engolidos.

Eu não sei como diabos protegê-la. Quando você está


constantemente em uma posição defensiva, você está em
desvantagem. É muito fácil para seu oponente escolher a hora
e o local de seu ataque. Você não pode estar preparado para
tudo o tempo todo.

Portanto, cabe a mim mudar o campo de batalha.


Vou tirar Riona de Chicago. Levando-a embora, para
algum lugar que este tal de Djinn não possa encontrá-la.

Rastrear esse filho da puta e proteger Riona não pode


acontecer no mesmo lugar ao mesmo tempo. Deixe Dante e Cal
fazerem a busca – vou levar Riona para algum lugar bem longe.

Quando Riona acorda, já estamos na metade do caminho


para Louisville. Ela se senta, esfregando os olhos doloridos e
piscando confusa para o longo trecho vazio da rodovia na luz
do amanhecer.

— Onde... onde estamos? — Ela diz.

— I-65, — digo a ela. — Passamos por Indianápolis, mas


você estava dormindo.

— O QUÊ!? — Ela grita. — Onde diabos você está me


levando?

— Estou levando você para o Tennessee, — digo a ela


calmamente.

— Para o Ten – eu não vou para o Tennessee! — Riona


grita.

— Você definitivamente vai, — eu digo.

— Raylan, — Riona diz, tentando manter uma aparência


de calma. — Vire o carro neste segundo.

Eu continuo dirigindo. — Eu não vou fazer isso, — eu


digo.
— Pare a porra do carro!!! — Ela grita.

Posso dizer que ela está muito chateada, então mantenho


meus olhos na estrada. Tento explicar meu processo de
pensamento para ela.

— Se ficarmos em Chicago, é apenas uma questão de


tempo até que esse cara nos atinja de novo, — digo a ela. —
Eu vou te levar a algum lugar que ele não possa te encontrar.
Seu irmão e Dante irão rastrear Djinn. E enquanto isso, você
estará segura.

Posso sentir o olhar furioso de Riona fixo em mim. Ela


está irradiando quase tanto calor quanto o incêndio do
apartamento. Se olhares pudessem fazer pegar fogo, eu seria
um briquete de carvão.

Mesmo assim, ela tenta manter a voz calma.

— Não posso ir para o Tennessee, Raylan, — diz ela. —


Eu tenho trabalho. Eu tenho reuniões. Eu tenho
responsabilidades.

— Você não pode fazer nada disso se estiver morta, —


digo a ela sem rodeios. — Temos internet em Silver Run. Vou
te dar um laptop e você pode trabalhar do rancho.

— O RANCHO!? — Riona grita. — Eu não quero estar em


um rancho! Eu não tenho nenhuma roupa. Ou uma escova de
dentes. Ou meus arquivos...
Sua voz some quando ela percebe que também não teria
essas coisas em casa. Porque todos eles simplesmente
pegaram fogo.

— Porra, — ela diz. — Minha pasta...

— Sim, — eu digo. — Eu realmente sinto muito. Não


consegui tirar nada.

Riona fica em silêncio por um minuto. Eu sei que ela está


calculando mentalmente tudo o que estava naquele
apartamento. Cada par de sapatos chiques ou livro favorito ou
lembrança que ela amava. Tudo se foi.

Finalmente, ela diz: — Você me tirou.

— Sim, — eu digo. — Foi por muito pouco, mas saímos


de lá juntos.

Agora eu arrisco um olhar em sua direção, e vejo seus


olhos verdes claros parecendo grandes e tristes em seu rosto
sujo. As manchas de fuligem a fazem parecer muito jovem,
como uma criança brincando na terra. Seu cabelo está tão
emaranhado e esfumaçado que parece mais castanho do que
vermelho. Não há como saber a cor que seu conjunto de pijama
de seda costumava ser.

O efeito é patético. Isso me dá uma pontada de culpa. Eu


sinto que deveria tê-la protegido melhor. Era meu trabalho ser
seu guarda-costas e deixei todo o apartamento dela queimar
em torno dela.
— Sinto muito, — eu digo novamente.

Riona suspira. — Você não precisa se desculpar, — ela


diz baixinho. — Você salvou minha vida.

— Bem, — eu digo, — mantenha esse espírito de gratidão.


Porque estou levando você para Silver Run. Mesmo se eu tiver
que jogá-la por cima do ombro e carregá-la até lá.

Aquele fogo verde acende nos olhos de Riona novamente.


— Você acha que sempre sabe melhor, não é? — Ela diz.

Eu encolho os ombros. — Qualquer ideia é melhor do que


nenhuma ideia.

Riona franze a testa, cruzando os braços finos sobre o


peito. — Teremos que parar em algum lugar, — diz ela. — Eu
preciso de roupas. Além disso, estou morrendo de fome.

— Eu também, — digo, sorrindo um pouco. — Pelo menos


podemos concordar nisso.

Paramos em Seymour e pagamos por um quarto no Motel


6 para que possamos tomar banho e nos limpar. Enquanto
Riona está no banho, vou no outlet ao lado comprar roupas
para nós dois. O balconista me lança um olhar insosso
enquanto eu entro pela porta, imundo e sujo, em minha cueca
samba-canção, botas e um moletom enorme que encontrei no
porta-malas do carro de Dante.

— Preciso de uma camisa, — digo a ele.

— Você quer calças também? — Ele diz.

A seção feminina não tem muita seleção, mas escolho


algumas coisas para Riona que acho que cabem nela. Não me
preocupo com casacos, porque mesmo depois de algumas
horas dirigindo para o sul, já posso sentir a temperatura
esquentando. Novembro no Tennessee não é nada como
novembro em Chicago. Provavelmente estará vinte e um graus.

O balconista embala minhas compras e eu as carrego de


volta para o motel, não querendo demorar muito.

Coloco as coisas de Riona na colcha barata e áspera.


Então eu troco de lugar com ela assim que ela sai do chuveiro.
Tento dar-lhe espaço no quarto confinado, e não olhar para ela
com apenas uma toalha branca enrolada em seu corpo, o
cabelo escuro e molhado em volta dos ombros. É difícil manter
meus olhos no chão. Esta é a única vez que Riona parece
vulnerável – sem a armadura de suas roupas profissionais, seu
cabelo brilhante e sua maquiagem elegante.

Esta é ela despojada, na sua forma mais natural e


adorável. Mas eu sei que ela não quer que ninguém a veja
assim, muito menos eu. Então, não deixo meus olhos vagarem
sobre ela como eles querem.
Em vez disso, tiro minhas próprias roupas sujas, aliviado
por ter o cheiro pungente de fumaça longe de mim.

É um banheiro pequeno de merda, o box do chuveiro mal


é grande o suficiente para que eu possa fechar a porta de vidro
enquanto estou lá dentro. Mas a água quente parece
incrivelmente relaxante após a noite insana que tivemos. Ela
bate nos meus ombros, me fazendo perceber como estou
dolorido da descida para a varanda inferior com Riona nas
minhas costas.

Não sei se já experimentei um momento mais


desesperador. Eu podia ouvir o vidro das portas da varanda
quebrando acima de nós. Eu podia sentir o lençol frágil
rasgando em minhas mãos sob nosso peso combinado. Eu
podia sentir os braços de Riona escorregando do meu pescoço.

Achei que fosse deixá-la cair.

Eu pensei que nós dois poderíamos queimar no inferno.

Estou furioso pra caralho com esse Djinn, esse bicho-


papão nos perseguindo. Parte de mim quer ficar em Chicago e
rastreá-lo, mesmo que isso signifique armar uma armadilha e
vigiá-la por dias. Mas não posso fazer isso com Riona – minha
prioridade número um tem que ser mantê-la segura. E é isso
que vou fazer.

Termino o banho e escovo os dentes com uma das


escovinhas descartáveis baratas fornecidas pelo motel.
Quando volto para o quarto, Riona está vestindo as
roupas da loja outlet – jeans, um par de botas de cowboy e uma
camisa de botão no estilo ocidental. Seu cabelo está úmido em
volta dos ombros – vermelho brilhante e ondulado. Não percebi
que era ondulado. Ela sempre o arruma de forma liso e suave.
Eu nunca a vi de jeans antes também. O jeans se agarra às
suas longas pernas. Ela parece muito gostosa, na verdade.

Tento manter meus pensamentos profissionais, mas


tenho que ser cego para não perceber.

Riona gesticula para todo o corpo dela.

— Sério? — Ela diz.

— O quê?

— Eles não tinham sapatos normais?

Eu ri. — Esses são sapatos normais. Suficientemente


normal. Qual é o problema? Você parece bem.

— Parece que meu novo álbum country vai sair a


qualquer momento.

— Bem... não estamos longe de Nashville. Então, se isso


for um sonho seu...

— Não é.

Eu sorrio, imaginando Riona no palco com uma guitarra


pendurada no pescoço. Eu realmente não consigo imaginá-la
cantando para o divertimento de outras pessoas. Ou fazendo
qualquer coisa para o prazer de outras pessoas.

— Confie em mim, — digo a ela. — Você vai se misturar


melhor com isso do que um de seus ternos Ally McBeal.

Assim que estamos ambos vestidos, atravessamos a rua


para a lanchonete decadente no estilo dos anos 50 que promete
“Café da Manhã o Dia Todo!” em sua placa desbotada. Como
são 7h20 da manhã, suponho que estaríamos tomando café da
manhã de qualquer maneira.

Riona e eu deslizamos para uma das cabines de vinil. Ela


torce o nariz para o menu laminado e a mesa de fórmica
vacilante.

— Café com creme, por favor, — ela diz à garçonete.

— O mesmo. Também panquecas, bacon, presunto, ovos


mexidos e batatas fritas, por favor, — digo.

Riona balança a cabeça para mim. — Nada pode diminuir


seu apetite, hein?

— Acho que toda aquela experiência me deixou com mais


fome, — digo. — Eu provavelmente queimei muitas calorias
correndo e escalando. Além de dirigir a noite toda.
Provavelmente deveria ter pedido uma omelete também.

Riona bufa.
Apesar de tudo isso, quando a comida sai – gordurosa e
crocante, e com um cheiro delicioso – posso vê-la olhando meu
bacon. Eu empurro o prato para ela.

— Vá em frente, — eu digo. — Há muito.

Riona pega um garfo timidamente e dá uma mordida nas


batatas fritas. As batatas estão bem douradas, cobertas de sal
e pimenta.

— Viu? Muito bom, hein? — Eu digo.

Eu sei que ela está com fome. Eu sei que ela quer mais.

— Não é terrível, — ela admite.

— Coma o quanto quiser.

Ela come metade do prato nos próximos dois minutos.


Por mais que ela não goste de admitir, a loucura da noite teve
seu efeito sobre nós dois. Ela também está morrendo de fome.

— Então, onde é Silver Run, afinal? — Riona me


pergunta.

— Bem no sopé das Smoky Mountains, — digo a ela. —


Perto do Parque Nacional Great Smoky Mountain. Não muito
longe de Gatlinburg ou Knoxville.

Riona me encara como se eu estivesse falando mandarim.

— Nunca ouviu sobre nada disso? — Eu a provoco.


— Eu conheço as Smoky Mountains, obviamente, —
Riona diz defensivamente. — E Knoxville.

— Oh sim? O que você sabe sobre Knoxville?

— Bem... — Ela cora. — Que é no Tennessee.

Eu ri. — Não saia muito de Chicago, hein?

— Eu já estive em lugares, — Riona diz rigidamente. —


Nova York. Paris. Londres. Eu já viajei.

— Mas não para o coração.

— Não. Eu nunca tive um motivo para isso.

— Bem, você vai adorar. — Eu sorrio.


Eu não poderia me sentir mais deslocada se Raylan
estivesse me levando para o Marrocos.

Eu nunca tive um par de botas de cowboy em meus pés


na minha vida. Nunca comi em um restaurante. E eu com
certeza nunca montei um cavalo, muito menos visitei um
rancho.

Quase acho que ele está me levando aqui apenas para me


torturar. Há muitos outros lugares que poderíamos ir que são
menos... estrangeiro.

Por outro lado, definitivamente me sinto a um milhão de


quilômetros de Chicago. E isso me faz sentir segura, de uma
forma estranha.

Antes de sairmos do motel, Raylan liga para Dante e avisa


para onde estamos indo. Meu telefone e laptop queimaram com
todo o resto do meu apartamento, então não tenho como entrar
em contato com ninguém.
— É melhor assim, — Raylan me diz sério. — Dante vai
dizer a Cal. Mas acho que ninguém mais deveria saber. O
objetivo de trazê-la aqui é te manter completamente fora do
radar. Esperançosamente, seu irmão e Dante podem descobrir
o que diabos está acontecendo, mais cedo ou mais tarde. Mas,
enquanto isso, não quero arriscar que esse cara seja capaz de
rastrear você.

Não gosto muito da ideia de fugir e me esconder,


desconectada da minha família e principalmente do meu
trabalho. Mas aquele fogo me assustou. Mais do que o quase
afogamento. Parecia uma escalada – como uma marca do
desespero desse cara para chegar até mim, não importa o quão
segura e protegida eu possa pensar que estou me sentindo.

— Eu preciso ligar para Dean, — digo a Raylan. — Se eu


simplesmente desaparecer e não atender nenhuma ligação ou
mensagem de texto, ele pode chamar a polícia. No mínimo, ele
virá ao meu apartamento. E provavelmente observará o buraco
na lateral do prédio.

Raylan considera isso.

— Tudo bem, — ele diz, finalmente. — Ligue para ele


também, do telefone do motel. Você memorizou o número?

Eu concordo. — Claro, eu sei.

Sempre me lembro de números – endereços, números de


telefone, aniversários. E os números nos arquivos legais. Eu
não sei por que eles ficam no meu cérebro. Eu poderia te dizer
os números dos arquivos de casos de anos atrás. São
informações inúteis na maioria das vezes – prefiro manter o
espaço do cérebro para outra coisa. Mas é assim que minha
mente funciona.

Raylan franze a testa, como se estivesse irritado por eu


saber o número de Dean. Como se ele pensasse que significa
alguma coisa.

— Posso ter um pouco de privacidade? — Eu digo.

— Tudo bem, — diz ele. — Mas não diga a Dean onde você
está. Não diga a ele para onde você está indo.

— Eu sei. Eu não vou, — eu prometo.

Raylan sai para me esperar no carro. Ele não precisa


carregar malas, porque é claro que não temos malas. Jogamos
os restos de nossas roupas velhas e manchadas de fumaça no
lixo.

Pego o telefone na mesinha de cabeceira e aperto o botão


de uma linha externa. Não me lembro da última vez que fiz
uma ligação em um telefone fixo. É estranho segurar um
receptor em vez de um celular. Estranho ficar conectada à base
do telefone por um longo fio em espiral, em vez de ficar livre
para vagar durante a ligação.

É tão engraçado como as coisas mudam tão rápido. Um


minuto, um pedaço de tecnologia é uma novidade e, antes
mesmo que você perceba, é a coisa mais normal e natural do
mundo. E a velha maneira parece um sonho distante.
Eu posso ouvir o telefone tocando. Estou planejando
deixar uma mensagem se Dean não atender.

Em vez disso, ouço seu rabugento e sonolento — Sim? —


Do outro lado da linha.

— Dean, sou eu, — eu digo.

— Riona? — Sua voz está rouca e confusa. — De que


número você está ligando?

— Estou em um hotel, — digo. Lembro-me da injunção de


Raylan contra a especificação de nossa localização.

— Por que você está em um hotel? — Dean diz. Sua voz


contém partes iguais de perplexidade e aborrecimento.

— Meu apartamento, uh, pegou fogo na noite passada.

— O QUÊ!?

— Sim. Eu vou ficar em outro lugar por... um pouco, —


eu digo.

— Onde você está? — E então, após um segundo de


hesitação, — Você pode ficar na minha casa, você sabe.

— Obrigada, mas eu ainda estou... eu ainda tenho Raylan


me observando, — eu digo.

— Ele está com você agora? — Dean diz. Há uma certa


severidade em seu tom.
— Não está certo perto de mim. Mas sim, ele está no hotel.
— Digo “hotel” em vez de “motel” para tentar fazer com que soe
menos sórdido.

— Vocês vão ficar no mesmo quarto?

— Nós não... não dormimos aqui ontem à noite.


Acabamos de usar o chuveiro. Não ao mesmo tempo, —
apresso-me em esclarecer.

— Então você está compartilhando chuveiros e quartos


de hotel com ele agora, — diz Dean. Seu ciúme é óbvio. E é
óbvio que ele está tentando arranjar uma briga.

— Ele é um guarda-costas, — eu digo, nem mesmo


tentando esconder meu aborrecimento. — Pare de tentar fazer
soar como algo que não é.

Mas, mesmo enquanto digo as palavras, estou me


lembrando daquele beijo na academia. Tentei empurrá-lo bem
para o fundo do meu cérebro. Tentei não pensar nisso
novamente. Foi apenas um momento de insanidade da parte
de Raylan – ambos estávamos excitados da corrida. Irritados
um com o outro por nossos próprios motivos estúpidos. Foi
impulsivo e irracional. Isso não significa nada.

Ainda assim, a memória rouba o tom da verdade da


minha declaração. Isso me faz parecer petulante em vez de
certa. Isso deixa uma sugestão de dúvida para Dean ouvir.

— Eu não estou bem com isso, — diz ele. — Eu não estou


bem com nada disso. Alguém está te perseguindo e tentando
te matar e eu apenas devo agir como se isso fosse normal? Você
tem um guarda-costas com você vinte e quatro horas por dia,
sete dias por semana, como se você fosse o presidente? Isso é
muito estranho, Riona.

— Eu sinto muito que alguém tentando ME MATAR seja


um inconveniente para você, — eu digo acidamente.

— Isso é uma loucura! Você está com esse cara e...

De repente, me sinto muito cansada. Foi uma longa noite


e uma manhã estranha, depois de uma das experiências mais
traumáticas da minha vida. Dean não vai entender isso. Ele
nunca iria entender nada disso.

Eu o interrompi no meio do discurso. — Você está certo,


Dean.

— Eu... o quê? — Essa é a última coisa que ele esperava


que eu dissesse no meio de uma discussão.

— Você está certo, — eu repito. — Você não deveria ter


que lidar com nada disso. Vamos fazer uma pausa e, talvez,
quando eu não estiver no meio de uma corrida pela minha vida,
possamos retomar as coisas novamente.

Há silêncio do outro lado da linha. Então Dean diz: —


Você está terminando comigo?

— Sim, — eu digo categoricamente. — Acho que sim.

— Inacreditável, porra, — diz Dean.


Eu ouço um clique e a linha morta.

Ele desligou o telefone.

Coloquei o fone no gancho, meu coração batendo forte.

Eu meio que disse isso por impulso. Mas não acho que
me arrependo. Quando examino o que sinto, é muito mais
próximo do alívio, na verdade. Eu tenho muito com que lidar
sem ter que cuidar dos sentimentos de Dean também. Isso é o
melhor.

Deixo o quarto do motel, juntando-me a Raylan no carro.

— Então? — Ele diz, colocando o Escalade em movimento.

— Então o quê?

Raylan hesita, como se ele estivesse se perguntando se


deveria insistir nos detalhes.

— Tudo certo? — Ele diz, finalmente.

— Sim, — eu digo, olhando pela janela. — Está tudo


ótimo.

Não sei por que simplesmente não digo a Raylan que


Dean e eu terminamos. Acho que é porque parece
constrangedor de alguma forma. E também talvez porque
prefiro manter essa barreira entre nós, por enquanto.

Sei que Raylan está tão ciente quanto eu de que não há


relacionamento entre nós dois. Ele foi contratado para fazer
um trabalho que é me proteger. Nós não somos amigos. E
definitivamente não somos amantes. Mal podemos nos
suportar, metade do tempo.

Ainda assim, existe aquela energia estranha que surge de


vez em quando.

Como aquele momento na academia. Ou até mesmo


nossa conversa na noite passada.

Eu não quero ter que lidar com mais nada disso.


Portanto, acho melhor se Raylan acreditar que estou em um
relacionamento com outra pessoa. É mais seguro assim. Para
nós dois.

Nós dirigimos pelo resto da manhã e pela tarde. Quase


sempre em silêncio. Raylan liga o rádio e entramos e saímos
das estações locais. Eu ouço um fluxo interminável de canções
country, pontuadas por rock ocasional ou música pop, e
algumas antigas.

Não posso negar que o Tennessee é surpreendentemente


bonito. Eu não sabia que era tão verde. Os campos são verdes,
e as montanhas menores, que mais parecem colinas. Além
disso, eu vejo os picos de um azul profundo dos Smokies.

Há muito espaço aberto entre as cidades. Raylan está


certo – eu realmente não saio muito da cidade. Não posso
acreditar que um dia poderíamos dirigir para um lugar que
parece tão diferente em todos os sentidos.
Enquanto dirigimos para um vale entre duas altas colinas
verdes, o rádio estala e uma nova música toca, forte e limpa. É
“Please Mr. Postman” das The Marvelettes.

Minha mãe costumava tocar essa música. Ela adora – não


tenho ideia do porquê. Ela ama muito a Motown e os primeiros
rock e blues.

“Mr. Postman” é tão fofa e cativante que era uma das


favoritas da Nessa, e minha também. Mamãe tocava e nós
pulávamos nos sofás, dançávamos e cantávamos juntas,
fingindo que segurávamos microfones. Fingir que tínhamos
colmeias e vestidos brilhantes e que éramos um trio da velha
guarda. Nessa, sempre preocupada com a coreografia, mesmo
em uma idade jovem, tentava nos fazer coordenar e dançar de
uma maneira apropriada para a época.

Não posso deixar de bater meus dedos contra a porta do


carro, balançando a cabeça ao som da música.

Raylan olha para mim com uma sobrancelha negra e


espessa erguida. Ele estende a mão e gira o botão para
aumentar o volume.

Isso é outra coisa que ninguém mais faz – ninguém espera


por uma carta do Carteiro. Mas o tom alegre e melancólico da
música é mais identificável do que nunca. E o refrão de piano
otimista. Isso me faz querer balançar meus ombros como
Nessa e eu costumávamos fazer. Especialmente quando
Raylan aumenta ainda mais a música e a bateria acompanha
a batida no volante.
Eu não posso deixar de sorrir. Eu canto junto por alguns
compassos, não me importando se eu sou uma péssima
cantora. Raylan ri e aumenta a música mais. Ele não conhece
a letra, mas ele faz o acompanhamento “Wa-ooo,” como se fosse
meu cantor reserva.

Isso dura apenas dois minutos. Essas velhas canções da


Motown são curtas. A música muda para outra coisa que não
reconheço e Raylan abaixa o volume novamente.

Estamos dirigindo em silêncio mais uma vez.

Mas nós dois estamos sorrindo.

Chegamos em Silver Run pouco antes da hora do jantar,


depois de dirigir quase o dia todo, com apenas uma breve
parada em Lexington para fazer xixi e comprar alguns lanches.
Nenhum de nós precisava de um almoço de verdade, não
depois do farto café da manhã que tomamos no restaurante.

Posso dizer quando chegamos perto, porque há uma nova


tensão nos ombros de Raylan. Ele se senta um pouco mais
reto, olhando em volta para os campos e florestas que ele
obviamente reconhece de uma forma muito íntima. Sei sem
perguntar que foi aqui que ele cresceu. Esta é sua casa.
— Quão perto estamos? — Digo mesmo assim, só para ter
certeza.

— É aqui, — diz Raylan. — 92 hectares ao nosso redor.


Esta estrada só vai a um lugar.

Passamos por um portão aberto com um arco de ferro no


topo. Letras embutidas formam o nome “Birch Haven”. Acho
que é adequado – é exatamente o que Raylan e eu estamos
procurando. Um porto seguro.

Estamos dirigindo continuamente para cima na estrada


sinuosa. A inclinação é pequena e gradual, mas logo uma vista
se abre abaixo de nós. A casa da fazenda foi construída no
ponto mais alto em quilômetros ao redor.

Vejo vários celeiros e estábulos grandes de cada lado, mas


a estrada sinuosa nos leva diretamente até a própria casa da
fazenda. A casa tem três andares, com um telhado alto e
pontiagudo e grandes janelas de vidro laminado na frente para
tirar vantagem de seu posicionamento de fortaleza. Ele é
construído com placas de um marrom-avermelhado profundo
que não são muito diferentes das da lateral do celeiro. No
entanto, a casa é muito mais grandiosa em forma e escala, com
portas altas, aquelas janelas amplas dando vista de todos os
lados e varandas generosas que circundam a casa em todos os
três níveis.

Árvores grandes e frondosas protegem as janelas e os


terraços. Um balanço bem antigo está pendurado no carvalho
antigo mais próximo da porta da frente.
Não ouvi a conversa de Raylan com sua família – presumo
que ele ligou para eles enquanto eu estava no banho. Mas ele
prometeu que avisou que estávamos chegando.

De certa forma, isso é pior. Quando chegamos na casa,


posso ver vários outros carros estacionados na garagem, como
se todos tivessem se reunido para o jantar. Eu sei que eles
devem estar animados por ter Raylan em casa. Ele me disse
que não volta para visitar há mais de três anos.

Eu sinto que não deveria estar aqui para esta reunião.


Isso é muito pessoal, muito íntimo.

Tarde demais agora, no entanto. A porta se abre e uma


mulher baixinha e bronzeada, vestindo jeans e uma camisa de
botão muito parecida com a que estou usando – embora muito
mais desbotada – sai correndo de casa. Ela está mancando,
com um pé em uma bota, mas isso não a está retardando
muito.

Ela joga os braços em volta de Raylan e o aperta com


força. Ela chega à altura do peito dele, mas parece forte e em
forma, seu cabelo grisalho puxado para trás em um rabo de
cavalo baixo. Suas unhas são cortadas curtas e sem polimento,
e suas pequenas mãos parecem altamente capazes quando ela
agarra os braços de Raylan e o puxa para trás para olhar em
seu rosto. Posso ver que seus olhos são de um azul tão
brilhante quanto os de seu filho.

— Você parece magro, — ela diz e ri.


Raylan não é nem um pouco magro. Ele tem ombros
largos e é musculoso. Mas quando seu irmão sai de casa, posso
ver como Raylan seria considerado magro em comparação. Seu
irmão parece um urso que aprendeu a andar sobre as patas
traseiras. Ele tem uma enorme barba preta e cabelos na altura
dos ombros, e é sete centímetros mais alto que Raylan e muito
mais largo. Posso ver o músculo em seus braços e ombros sob
a camisa de flanela, mas seu corpo também inclui uma barriga
generosa.

— RAYLAN! — Ele ruge.

Ele joga os braços em volta de Raylan e de sua mãe,


apertando-os com força até que sua mãe grita: — Tudo bem,
não quebre minhas costas, me deixe sair deste abraço!

— Oh, desculpe. — Ele sorri, deixando-a ir. — Eu nem vi


você aí, mãe.

É inacreditável que Raylan e seu irmão saíram dessa


senhora tão pequena. Difícil imaginar qualquer um desses
homens sendo pequenos o suficiente para que ela pudesse
segurá-los em seus braços.

— Você deve ser Riona, — diz Celia, aproximando-se para


apertar minha mão.

Como eu esperava, seu aperto é firme e competente.


Posso sentir os calos em sua palma.

— Obrigada por nos deixar ficar com você, — eu digo


educadamente.
— Esta é a casa de Raylan, — ela diz. — Ele nunca é um
visitante aqui.

Não há repreensão em seu tom. Apenas uma simples


declaração de fato.

— E você é igualmente bem-vinda, — ela me diz


gentilmente.

Grady não se contenta com um aperto de mão. Ele me


puxa contra seu peito largo para um abraço. Eu normalmente
odiaria isso – mas apesar de sua aparência selvagem, Grady
cheira bem, como sabonete e fumaça de madeira. E seu sorriso
mostra incisivos ligeiramente pontiagudos, muito parecidos
com os de Raylan. Eu me pego gostando dele imediatamente,
apesar do fato de ele ser barulhento e excessivamente familiar,
coisas que geralmente odeio.

A irmã de Raylan é a única que fica parada na entrada,


observando-nos em silêncio.

Ela tem cabelos grossos, longos e pretos como os dos


irmãos. Mas sua pele é mais escura – ainda mais profunda que
a de sua mãe. Seus olhos são castanhos, não os azuis de
Raylan. E ela não tem nada do charme descontraído de seus
irmãos. Ela parece feroz e um pouco selvagem. Como se ela
realmente não quisesse estar dentro de uma casa.

Raylan nos apresenta. — Riona, esta é minha irmã mais


nova, Bo.
Ela me observa, sem sorrir. Sem estender a mão para
apertar, seus braços se cruzaram firmemente na frente dela.

— Prazer em conhecê-la, — eu digo de qualquer maneira,


dando a ela um aceno respeitoso.

Não fico ofendida quando as pessoas não são amigáveis.


Na verdade, apenas reflete o que sinto por dentro. Portanto,
estou bastante confortável com isso. Nenhuma de nós precisa
fingir.

— Entre, — Celia nos diz. — O jantar está pronto.

O interior da casa da fazenda é aberto e arejado, não


lotado e aconchegante como eu esperava. Toda a mobília é
organizada para se concentrar nas janelas enormes e na vista
ampla da terra dos Boones.

Tudo é feito de materiais naturais. As tábuas de madeira


nuas das paredes e do teto, e as tábuas do assoalho gastas.
Tudo parece envelhecido e natural, embora perfeitamente
limpo. A mobília também parece ter sido feita à mão, incluindo
a enorme mesa da casa de fazenda na qual a mãe de Raylan
espalhou comida suficiente para alimentar um exército.

A esposa de Grady, Shelby, já está sentada à mesa com


seus dois filhos, que parecem ter cerca de cinco e sete anos de
idade.

— Oi! — Ela exclama quando entramos. Ela é bonita e


delicada, com seu cabelo loiro em uma trança e sardas nas
bochechas. Seus meninos são igualmente sardentos, embora
ambos tenham o mesmo cabelo preto dos filhos Boone. Eles
estão olhando famintos para a comida, impacientes para que
os adultos se sentem para comer.

— Desculpe por não ter levantado, — diz Shelby,


apontando para sua barriga de grávida. — Dá muito trabalho
ficar de pé hoje em dia.

— Fique onde está e fique confortável, — diz Raylan,


abaixando-se para beijá-la na bochecha.

Ela joga um braço em volta do pescoço dele e o beija de


volta com um afeto amigável.

— Você quase perdeu sua primeira sobrinha! — Ela o


acusa.

— Eu ainda posso, — Raylan diz. — Não sei quanto tempo


vamos ficar...

Todos na mesa voltam os olhos para mim, como se fosse


minha decisão. Devo informá-los que Raylan praticamente me
sequestrou, levando-me até a metade do caminho enquanto eu
dormia. Mas não quero contar a ninguém meus negócios
pessoais. Muito menos porque viemos em primeiro lugar.

— Eu também não sei, — eu digo.

— Não se preocupe, — diz Celia, balançando a cabeça. —


Sabemos que ninguém pode dizer a Raylan o que fazer. Muito
menos nós.
Há uma nota de reprovação agora. Eu olho para Raylan.
É claro que todos nesta mesa o adoram. Mesmo assim, ele
passa a maior parte do tempo do outro lado do mundo. Por que
exatamente?

Normalmente não estou interessada no drama familiar


das pessoas. Mas estou curiosa, neste caso particular. Há
muito mais em Raylan do que aparenta. Quero saber mais
sobre ele, ao mesmo tempo que sinto que realmente não devo
chegar perto dele de nenhuma maneira, forma ou modo. Isso
só pode causar problemas para nós dois.
Eu não esperava sentir tanta emoção por estar em casa
novamente.

Achei que tinha superado tudo o que aconteceu nesta


casa. Cada acerto complicado que eu tive que fazer.

Mas tudo está voltando com muito mais força do que eu


esperava.

De certa forma, estou feliz que Riona esteja aqui comigo.


Isso me dá algo em que me concentrar e impede que a conversa
com a família se torne muito pessoal. Eu sei que eles querem
perguntar por que eu não voltei para visitar com mais
frequência. Mas eles não podem me atacar com isso na frente
de Riona.

Estou feliz em vê-los.

Meu irmão Grady nunca esconde nada do que está


pensando ou sentindo. E minha irmã Bo acha que mantém
tudo reprimido, mas eu sempre posso ler seu rosto. E mamãe.
Eu sei que ela sentiu minha falta acima de tudo.
Lawson e Tucker parecem duas crianças completamente
diferentes das que conheci da última vez. Lawson era apenas
uma criança, mal falava, e Tucker era tímido e doce. Agora os
dois estão conversando a mil por hora um com o outro, e
lutando ferozmente pelo último pão, até que Shelby os separa
e os faz sentarem um de cada lado seu.

Riona está sentada rigidamente ereta em sua cadeira ao


lado da minha, obviamente se sentindo um peixe fora d'água.
A hospitalidade do sul pode ser muito. É calorosa e acolhedora,
mas também opressora e sufocante quando você não está
acostumado.

Ela é uma garota da cidade por completo. Tenho certeza


de que as colinas verdes intermináveis e os móveis de madeira
e o cheiro de cavalos e as travessas enormes de costelas,
biscoitos e espigas de milho são todos tão bizarros e exóticos
para ela como se eu a tivesse levado para Xangai e a
alimentado com peixe fermentado.

Eu gosto disso, no entanto. Gosto de ver Riona fora de


seu ambiente. Fora do controle da situação. Gosto de ver seus
olhos verdes penetrantes examinando todos na mesa, para que
ela possa se adaptar e superar. Riona tem um certo impulso
implacável de se destacar em qualquer circunstância com a
qual me identifique. Eu sou o mesmo.

No início, ela está tentando comer as costelas de maneira


organizada, usando a faca e o garfo, mas logo percebe que isso
é impossível. Ela vê o resto de nós – especialmente meu irmão
– atacando as costelas como animais selvagens, e ela
finalmente pega uma com as duas mãos e dá uma grande
mordida.

— Isso é muito bom, — ela diz à minha mãe. — Eu posso


ver onde Raylan aprendeu a cozinhar.

— Ele sempre pegava o melhor. — Minha mãe concorda.


— Ele faz torta de maçã melhor do que eu. Enquanto o pobre
Grady poderia queimar a água.

— Bo é a pior cozinheira, — diz Grady. Ele está apenas


afirmando um fato, não tentando deliberadamente irritá-la,
mas minha irmã lhe lança um olhar venenoso do mesmo jeito.

— Não gosto de cozinhar, — diz ela.

— Nem eu, — diz Riona.

Bo parece ligeiramente amolecida por alguém concordar


com ela pela primeira vez.

— O que você gosta de fazer? — Ela pergunta a Riona.

— Trabalhar, — Riona diz prontamente. Então ela parece


perceber que você também deve ter hobbies, então acrescenta:
— Correr e nadar também. E viajar.

Acho que ela acrescentou esse último porque é uma boa


resposta segura.

— Eu estava na equipe de natação da escola, — diz Bo.


— Acho muito calmante, — diz Riona. — O mesmo com a
corrida.

— Você já andou a cavalo? — Bo pergunta.

— Nunca montei um cavalo, — admite Riona. — Nunca


toquei em um.

Todos nós não podemos deixar de sorrir com isso, porque


por aqui, seria como dizer que você nunca andou de carro na
vida.

— Bem, — diz Bo, — é muito parecido com nadar, pois


limpa a cabeça e lava o estresse. Então, você pode gostar.

— Isso soa bem, — Riona diz, como se ela estivesse


realmente considerando isso.

Isso seria corajoso da parte dela. A maioria dos adultos


que nunca andou a cavalo não tem vontade de experimentá-lo
de repente.

Talvez ela esteja apenas sendo educada.

Para testá-la, eu digo: — Vamos dar um passeio pela


manhã.

Riona me fixa com seu olhar teimoso. Ela sabe que a


estou desafiando. E eu sei que ela odeia desistir de um desafio.

— Eu adoraria, — diz ela, sem uma centelha de


ansiedade.
É tão difícil não sorrir. Eu adoro provocar Riona, e adoro
obrigá-la a fazer coisas só para me irritar.

— Coloque-a em Penny ou Clover, — diz minha mãe em


tom de aviso. Ela está nomeando dois de nossos cavalos mais
doces e gentis.

— Claro, — eu digo.

— Então, conte-nos sobre o seu trabalho! — Shelby diz


alegremente para Riona. — Raylan disse que você é advogada?

— Sim. — Riona concorda.

— Isso deve ser tão interessante! Fazer discursos


dramáticos e argumentar no tribunal...

Eu rio um pouco com a ideia de Riona fazendo um


discurso dramático. Riona levanta o queixo orgulhosamente e
diz, sem olhar para mim: — É muito interessante.

— Qual foi o seu melhor caso? — Shelby pergunta, da


mesma forma que você perguntaria sobre o filme ou programa
de TV favorito de alguém.

— Bem... — Riona diz, realmente considerando a questão.


— Este não é o tipo de trabalho que costumo fazer. Mas minha
assistente jurídica estava tendo problemas com um ex-
namorado. Ele a estava perseguindo. Foi difícil conseguir que
a polícia fizesse qualquer coisa a respeito, porque o que ele
estava fazendo não era explicitamente ameaçador. Ele estava
deixando flores para ela em todos os lugares que ela fosse. Uma
rosa em seu carro, outra no banco de seu estúdio de ioga, rosas
fora da porta de seu apartamento, às vezes até na casa de sua
mãe. Ela poderia estar fazendo compras no supermercado e
viraria o corredor e veria uma rosa deitada ali. Isso a assustou,
obviamente, porque mostrou que ele a estava seguindo onde
quer que ela fosse. Mas quando ela chamou a polícia, o policial
respondente disse que ela deveria ficar feliz por seu namorado
querer lhe dar flores.

—... Ele fazia outras coisas também – ligar para o telefone


dela e para nosso escritório dezenas de vezes por dia de
números diferentes. Mas ele não deixava mensagens, então,
novamente, difícil de provar.

—... Por fim, conseguimos imagens de segurança do


supermercado e do estúdio de ioga para mostrar que ele a
estava seguindo. E Lucy sabia seu nome de usuário no Reddit,
então tiramos capturas de tela de alguns... posts chocantes
que ele fez sobre ela. Os posts eram violentos e ameaçadores.
Isso foi o suficiente para obter uma ordem de restrição.

—... Ele a violou duas vezes. Passou sessenta dias na


prisão. E finalmente ele se mudou para a Flórida. Então, Lucy
está muito mais relaxada desde então. E estou feliz com isso.

As bochechas de Riona ficam rosadas. Ela está satisfeita


com a memória da vitória e o peso tirado de Lucy.

Eu esperava que seu caso favorito seria um em que ela


realizou algo importante para sua família ou ganhou uma
promoção.
Riona me surpreende com frequência. Como quando ela
estava cantando no carro. Acho que nunca a vi tão desinibida
e simplesmente... feliz. Ela tem uma personalidade tão dura
que é fácil acreditar na impressão que ela passa
deliberadamente: que ela não é vulnerável ou emocional. Que
ela não pode se machucar. Que ela não é humana o suficiente
para se alegrar com prazeres simples e bobos, como cantar
uma velha canção no rádio.

Eu gosto dos dois lados dela. Eu gosto de sua coragem e


sua direção. E eu gosto que ela sinta coisas por baixo. Acho
que ela as sente intensamente, na verdade.

Riona e eu estamos exaustos, então eu a coloco em um


dos quartos de hóspedes logo após o jantar.

Posso ver minha irmã olhando curiosamente para o


corredor de seu quarto – verificando se Riona e eu estamos no
mesmo quarto de hóspedes. Não estamos – vou dormir no meu
antigo quarto, do outro lado da casa, como sempre faço.

Meu quarto é minúsculo e quase exatamente o mesmo


que eu deixei quando entrei para o exército aos dezoito anos.
Pôsteres de filmes nas paredes e uma cama minúscula que eu
sei que minha mãe limpa a cada dois meses, embora ninguém
esteja dormindo nela.

Riona fica com o melhor quarto de hóspedes. Tem uma


vista bonita para as pastagens atrás da casa e para o jardim.
Tem uma cama queen-size e um banheiro.

Vou dividir o banheiro no corredor com Bo. Está lotado


com as coisas dela espalhadas por toda a bancada e
transbordando das gavetas. Por mim, tudo bem – significa que
posso roubar o seu xampu.

Bo acabou de fazer aniversário também. Ela tem dezoito


anos agora. Mesma idade de quando fui embora. Eu me
pergunto se ela vai fugir por um tempo, como eu fiz. Ela sempre
foi a mais selvagem de todos nós.

Grady nunca foi embora e nunca iria. Ele conheceu


Shelby em sua aula de inglês da décima série. Ela é a única
garota por quem ele se interessou. Ela não se casaria com ele
até que voltasse da faculdade, mas ele esperou aqui
pacientemente, dirigindo para visitá-la na Universidade do
Tennessee todo fim de semana. Agora eles moram na casinha
que Grady construiu a um quilômetro e meio ao sul na
propriedade. Você poderia ver da varanda da frente, se não
fosse por todas as árvores no caminho. É perto o suficiente
para que eles possam dirigir para jantar em dois minutos, mas
longe o suficiente para dar-lhes um pouco de privacidade.
Shelby é veterinária equina, então trabalha com nosso
rebanho e os animais em fazendas vizinhas. Ela é incrível em
ajudar em partos difíceis – quase nunca perde um potro.

Grady cuida da maioria dos cuidados com os animais e a


própria terra. Ele tem fazendeiros que traz em alguns meses
de cada vez, mas é tão trabalhador que não precisa deles com
frequência. Ele me disse que tem feito selas artesanais em seu
tempo livre, embora eu não saiba quando esse tempo livre pode
acontecer.

Bo é boa em treinar. Mesmo sendo impaciente com as


pessoas, ela nunca perde a paciência com os cavalos.

Minha mãe é do mesmo jeito. Ela pode ser pequena, mas


não há um trabalho que ela não possa fazer no rancho. Todos
nós fomos ensinados a fazer cada parte do trabalho. Ela nos
ensinou, e meu pai também.

Olhando pela janela do meu quarto, estou pensando nele


acima de tudo. Eu posso ver as cerejeiras que ele plantou ao
longo da lateral da casa, porque ele sabia o quanto a mãe
amava as flores. As cerejas eram azedas. Ele as transformava
em tortas.

Quase consigo vê-lo sentado na cerca de madeira em volta


do pasto: longos cabelos negros. Camisa desbotada pelo sol.
Calça jeans solta na cintura.

Mas só consigo imaginá-lo de costas. Não consigo ver o


rosto dele.
Eu acordo de manhã cedo. Ainda mais cedo do que
quando tenho que entrar no escritório.

Pode ser porque adormeci às oito e meia da noite anterior.


Ou pode ser o canto dos pássaros do lado de fora da minha
janela. Não é mais alto do que o barulho da cidade – geralmente
posso ouvir os sons do tráfego ou batidas abafadas dos
apartamentos vizinhos no meu prédio. Mas estou acostumada
com isso.

Os pássaros são estridentes e insistentes. Não é um som


desagradável, mas que corta meu sono porque nunca tinha
ouvido nada parecido antes. Não bem na minha janela, logo de
manhã.

A luz do sol também parece diferente. Mais brilhante e


mais direto. Não filtrado pelos edifícios. Amarelo claro.

Existe uma certa energia que vem de acordar em um


lugar desconhecido. Sinto-me alerta e curiosa. Querer ver mais
de tudo em plena luz do dia.
Saio da cama e visto algumas das roupas que Bo me
emprestou na noite anterior. Ela é quase tão alta quanto eu e
quase da mesma constituição. Definitivamente, há mais
músculos em seu corpo. O rancho é mais árduo do que a
academia, eu acho.

Eu coloco a calça jeans de Bo, usada confortável. Sua


camisa é igualmente macia e limpa, com aquele cheiro de
roupa fresca. Eu prendo meu cabelo em um rabo de cavalo.
Não tenho nenhum dos meus suprimentos habituais – meu
alisador de cabelo de quatrocentos dólares é provavelmente um
pedaço de metal derretido agora, então não posso deixar meu
cabelo liso e macio como costumo fazer. Na verdade, na
umidade, está passando de ondulado para quase cacheado.

Odeio quando meu cabelo fica rebelde. Isso me faz sentir


impotente. Se não consigo controlar meu próprio cabelo, como
posso controlar alguma coisa em minha vida?

É frustrante não ter nenhuma das minhas coisas aqui –


roupas, calcinhas, delineador. Fico pensando que, se eu voltar
para Chicago, tudo estará lá esperando por mim, mas sei que
não é verdade. Tudo queimado. A única coisa esperando é a
tarefa enormemente assustadora de entrar com um pedido de
indenização por todas as coisas que perdi. Algumas das quais
podem nunca ser substituídas.

Pelo menos eu não tinha nada verdadeiramente


inestimável em minha casa. Nessa ganhou o anel da avó
quando se casou com Mikolaj, em vez de ir para mim como a
filha mais velha, como era tradição.

Não me arrependo de ter dito a mamãe para dar a ela.

Na época, eu tinha certeza de que nunca me casaria. Quer


dizer, ainda estou certa. E sempre foi mais adequado para
Nessa. Ela adora coisas bonitas, vintage e sentimentais. Coisas
que têm história. É por isso que ela adora viver na antiga
mansão de Mikolaj. Eu acho o lugar assustador pra caralho,
mas ela adora cada centímetro dele.

De qualquer forma, o anel foi feito para ela.

Qual seria a aparência da minha casa perfeita?

Achei que fosse meu apartamento. Porque era um espaço


que só pertencia a mim.

Agora a ideia de comprar outro lugar como o que acabei


de perder... isso não me excita. Na verdade, isso me faz sentir
uma espécie de pavor vazio que não entendo muito bem. Eu
amei aquele apartamento – por que não quero outro? Tenho
medo de ficar lá sozinha? Com medo de alguém derramar
gasolina debaixo da minha porta de novo?

Não acho que seja isso. Mas fico confusa quando tento
pensar o que quero no próximo mês ou nos próximos seis
meses. Normalmente, meu caminho a seguir é tão claro. Eu sei
exatamente o que quero alcançar.

De repente, estou estranhamente perdida...


Terminando o rabo de cavalo bagunçado, escovo os
dentes, lavo o rosto e desço as escadas.

Raylan já está sentado na cozinha com uma xícara de café


na frente dele e outra caneca fumegante na frente da cadeira
vazia ao lado dele.

— Isso é para mim? — Pergunto-lhe.

— Claro.

Eu sento e tomo um gole. O café é forte e escuro.

Raylan parece mais ele mesmo do que nunca. Seu cabelo


está bagunçado. Há algo selvagem e animalesco em seu cabelo,
a maneira como surge espesso e preto de sua testa, a forma
como suas sobrancelhas escuras parecem diabolicamente
pontiagudas acima de seus olhos azuis brilhantes e a forma
como seus pelos faciais contornam seus lábios e mandíbula
como traços de tinta ousados.

Não consigo imaginá-lo sem esse cabelo. Faz parte dele


tanto quanto o azul de seus olhos, ou seus dentes brancos de
lobo, ou a forma de suas mãos apoiadas em suas coxas
cobertas por jeans azul. Suas mãos são grandes, ásperas,
calejadas e marcadas em alguns pontos. Um arrepio percorre
minha espinha, olhando para elas. Uma de suas mãos fica
levemente tensa contra sua coxa, como se pudesse sentir que
estou olhando para ela.

Eu afasto meus olhos, tomando um gole de café quente


tão apressado que queima minha boca.
— Você quer um pouco de comida também? — Raylan me
pergunta.

Posso ouvir que ele está sorrindo, mesmo antes de olhar


para seu rosto.

— Você já comeu? — Pergunto-lhe.

— Sim, — ele diz. — Eu acordei há algum tempo. Mas tem


aveia no fogão.

— Estou bem, — digo a ele.

— Bem, — diz ele, empurrando a cadeira da mesa. — Você


ainda quer sair para dar uma volta?

— Claro, — eu digo.

Estou tentando parecer confiante, mas estou arrependida


do que me comprometi ontem à noite. Estou curiosa para saber
como é andar a cavalo, mas também estou percebendo como
ficarei totalmente fora de controle, sentada nas costas de um
animal cinco vezes meu tamanho. Ou mais – porra, não tenho
ideia do peso de um cavalo.

Eu poderia perguntar a Raylan, tenho certeza de que ele


sabe. Mas isso vai me fazer parecer ainda mais ignorante.

Tudo o que posso fazer é segui-lo pela porta dos fundos,


para o terreno vasto atrás da casa.

Vejo uma grande horta e outro jardim cheio de frutas e


flores: caules de framboesa, roseiras, lilases e macieiras.
Então, além disso, vejo os estábulos, dois celeiros e vários
pastos grandes.

Tudo parece limpo e bem conservado. Os celeiros


parecem recém-pintados e os campos bem aparados. Nenhum
lixo ou ferramentas fora do lugar em qualquer lugar à vista.

Posso ver dois cavalos parados ao lado do estábulo, já


selados, preparados. Um é enorme e cinza escuro – tão escuro
que quase parece preto. O outro é uma linda égua cor de
caramelo com crina e cauda pretas. Sua pelagem é tão lisa e
brilhante que quase parece metálica.

— O grande é Brutus, — diz Raylan. — A outra é Penny.


Ela é um amor – a melhor égua que temos. Então você vai
montá-la, enquanto eu levo Brutus. Ele não é tão legal, mas
fica bravo se Penny vai a algum lugar sem ele.

— Tudo bem, — digo, dando um amplo espaço para


Brutus. Ele olha para mim com seu grande olho preto, no qual
não consigo ver nenhum branco. Ele não parece amigável, mas
pelo menos não é agressivo.

Penny, ao contrário, põe ansiosamente o nariz aveludado


na palma da mão de Raylan, depois esfrega a lateral da cabeça
no ombro dele, fazendo um som suave de fungada.

— Você sentiu minha falta, Penny? — Raylan diz, em sua


voz baixa e rouca.
Não sei por que, mas ouvir o tom que ele usa com os
cavalos tem um efeito sobre mim também. Isso envia pequenos
arrepios pelos meus braços.

— Tudo bem, — Raylan diz para mim, calmo e confiante


como sempre. — Aqui está o que vamos fazer. Vou preparar
você para Penny primeiro... você vai colocar seu pé esquerdo
aqui no estribo, e você vai agarrar este pequeno botão aqui na
sela, é chamado de pomo. E vou ajudá-la a passar sua perna
direita por cima da égua. Eu meio que ajudarei a impulsionar
você.

Tentando não mostrar como estou nervosa, coloco meu


pé esquerdo no estribo mais próximo. Raylan está segurando
Penny com firmeza, embora eu suspeite que ela teria ficado lá
pacientemente de qualquer maneira. Mesmo que ela irradie
gentileza e não seja tão grande quanto Brutus, ela ainda é
muito mais alta do que eu esperava. Não vejo bem como vou
colocar minha outra perna sobre as costas dela, quando essas
costas são mais altas do que meu ombro.

No entanto, quando subo no estribo, Raylan coloca suas


mãos grandes em volta da minha cintura e me ajuda a
levantar. Com seu impulso, minha perna direita balança
facilmente sobre a sela.

Agora estou sentada nas costas de Penny, e é muito alto.


Ela é mais larga do que eu esperava – tenho sorte de ser
relativamente alta e ter pernas longas, caso contrário, seria
difícil colocar minhas coxas ao redor dela. Mas a sela é
confortável. Cheira bem a couro e Penny também cheira bem –
como feno limpo e luz do sol. Por baixo disso, um cheiro não
desagradável de suor animal.

Raylan me passa as rédeas e me mostra como segurá-las.

— Apenas fique sentada um pouco enquanto eu monto,


— ele me diz.

Ele pula nas costas enormes de Brutus em um


movimento suave que parece tão fácil quanto subir em um
meio-fio. Posso ver que isso é uma segunda natureza para
Raylan. Ele se senta confortavelmente no cavalo grande e
escuro, direcionando Brutus com o menor movimento da mão
nas rédeas ou com o calcanhar na lateral do cavalo.

— Dê a ela um pequeno toque com seus calcanhares tipo


assim, — Raylan me guia. — Não se preocupe, você não vai
machucá-la.

Dou um toque suave em Penny e ela começa a andar


obedientemente. Ela provavelmente está seguindo Raylan e
Brutus mais do que me ouvindo. Mesmo assim, fico feliz em
ver que ela não sai galopando.

Até mesmo andar me sacode mais do que eu esperava.


Suas espáduas e ancas rolam sob mim de uma forma que não
é muito regular. É difícil pegar o ritmo, então não balanço na
sela.

— Você está indo bem! — Raylan diz.


Eu tenho que rir disso. Demos apenas alguns passos. Eu
não estou indo bem, afinal.

Raylan fica perto de mim, Brutus um pouco à frente de


Penny para que fique claro quem está liderando. Ele mantém
o ritmo lento para começar. Atravessamos a campina. A grama
é um pouco mais alta aqui e cheia de minúsculas borboletas
brancas que voam para cima em nuvens de papel enquanto os
cavalos passam zunindo. O sol da manhã faz o orvalho brilhar.
A grama tem um cheiro doce e o ar está mais fresco do que
qualquer outro que já experimentei. Nenhum sinal de
escapamento como você sentiria em qualquer lugar da cidade.

É fresco – talvez quinze graus. Mas não sinto frio com o


sol brilhando em minha cabeça e o calor de Penny embaixo de
mim.

Depois que me acostumei a andar, Raylan me mostra


como trotar. Isso é menos confortável – tenho que me levantar
mais nos estribos e me sinto ridícula saltando sobre a égua.

— Na verdade, é mais confortável galopar, — diz Raylan.

— Eu não sei sobre isso... — Eu digo hesitante.

— Apenas agarre as rédeas assim — ele me mostra — e


se incline mais para frente, para que você fique mais perto do
pescoço dela...

Ele me ajuda a ficar em uma posição melhor. Em seguida,


ele grita: — HA! — E os cavalos correm.
Estamos em um campo aberto, verde brilhante e
aveludado. O chão é macio embaixo de nós, então
provavelmente eu ficaria bem se caísse. Mas não quero testar
essa teoria. Eu me agarro a Penny com meus joelhos,
inclinando-me sobre seu pescoço, agarrando com força as
rédeas até que quase cortam minhas mãos.

Seus cascos trovejam embaixo de mim. Raylan está certo


– na verdade é mais fácil seguir o ritmo de seus movimentos a
galope. O vento que sopra em meu rosto é frio, limpo e
revigorante.

Brutus parece emocionado por estar correndo. Ele está


esticando o pescoço, suas pernas poderosas se agitando, nem
mesmo parecendo sentir o peso de Raylan em suas costas. Os
dois cavalos correm juntos, apenas alguns metros entre eles.

É lindo, absolutamente lindo. As vastas extensões do


rancho parecem intermináveis ao nosso redor. O céu é como
uma enorme tigela invertida, de um azul brilhante como os
olhos de Raylan, quase sem nuvens. Meu coração está
disparado – em parte de medo, mas também de alegria. Meu
cabelo se solta do rabo de cavalo e balança ao vento atrás de
mim como o rabo de Penny. Não estou mais segurando as
rédeas com tanta força. Estou apertando Penny com minhas
pernas, querendo que ela corra cada vez mais rápido. Quero
sentir exatamente isso, cada vez mais.

Raylan está bem ao meu lado. Ele solta um grito, em parte


para incitar os cavalos, e em parte por pura felicidade. É o dia
mais lindo que já vi. Esses animais são poderosos e brilhantes.
Eles adoram correr. Eles parecem saber o quão prazeroso é
para nós também.

Raylan continua olhando para mim, certificando-se de


que estou confortável e segura. Certificando-me de que estou
gostando disso tanto quanto ele.

Nunca senti nada assim. Muitas das coisas que faço por
prazer – nadar, correr – têm como objetivo me acalmar.
Colocar-me em um estado zen.

Isso é o oposto. Eu me sinto iluminada. Eu me sinto viva.


Sinto-me apavorada, animada e emocionada, tudo ao mesmo
tempo. Posso ver cada cabelo dourado no pelo liso de Penny,
cada folha de grama verde brilhante, cada pássaro voando no
alto. Posso sentir o cheiro das árvores e da grama e até mesmo
da pele de Raylan com mais intensidade do que nunca.

Meus músculos estão doendo com o esforço de fazer algo


tão estranho à minha atividade normal. Mas é bom. Eu me
sinto poderosa como a égua. Ilimitada como o espaço aberto.
Selvagem como... como Raylan, eu acho. Ele sempre parece
uma força da natureza. Como se ele nunca pudesse pertencer
a uma cidade ou lugar. Ele é apenas ele mesmo, o tempo todo.
Onde quer que ele esteja.

Por fim, Raylan faz um som de clique e puxa as rédeas.


Brutus obedece com relutância, começando a trotar e depois
caminhar suavemente. Penny corresponde exatamente ao seu
ritmo. Posso sentir sua respiração rápida e o calor de seu
corpo. Eu estou do mesmo jeito – ofegante e suando. Mas
eufórica. Não querendo diminuir o ritmo.

— Por que você está parando? — Eu pergunto a Raylan.

— Há um riacho aqui em cima, — diz ele. — Os cavalos


podem beber um pouco.

Ele nos leva até um bosque de árvores. Com certeza,


posso ouvir a água correndo. As árvores crescem em uma linha
dupla em cada lado de um pequeno rio. É como um oásis na
grama.

O dia está esquentando, o sol está vindo mais


diretamente para cima. Estou com calor pela cavalgada, assim
como os cavalos.

Raylan desce das costas de Brutus e me ajuda a


desmontar. Ele tira as selas dos cavalos e os esfrega. Eles
rolam brevemente na grama, o que me alarma por um
momento quando Brutus tomba abruptamente e depois rola
com as pernas para cima como um cachorro faria. Eu rio,
divertida em ver um animal tão grande se comportando dessa
maneira.

Penny faz o mesmo assim que a sela é retirada. Fico feliz


em vê-los se divertindo, depois que nos carregaram até aqui e
me deram uma experiência como nunca tive antes.

Assim que rolam, bebem do riacho e começam a comer a


grama macia, arrancando bocados.
— Eles podem comer isso? — Eu pergunto a Raylan.

— É claro, — ele diz.

— Não sei nada sobre cavalos, — admito. — Ou qualquer


animal, na verdade.

— Você cavalgou tão bem, — diz Raylan. — Não acredito


que você nunca fez isso antes.

— Acho que é mais fácil na Penny.

— É, — Raylan admite. — Tivemos muitos cavalos bons.


Mas ninguém tão intuitivo quanto ela.

Raylan também está suando. Posso ver o suor claro


escorrendo pelo pescoço até a gola aberta da camisa. Posso
sentir seu cheiro, quente como a grama, forte como os cavalos.

— Você está com calor? — Ele me pergunta.

— Sim, — eu admito.

— A água é limpa, — diz ele, desabotoando a camisa. Ele


a abre e a tira, de modo que fica parado ali, com o peito nu,
apenas de jeans.

Eu não posso deixar de olhar. Já vi Raylan sem camisa


várias vezes, mas esta é a melhor aparência que ele já teve –
seus músculos inchados de cavalgar, sua pele brilhando com
o sol e suor, sua cintura parecendo incrivelmente apertada em
comparação com seus ombros largos e seus jeans gastos.
Raylan não é tão grande quanto Dante, mas ele é estético
de uma maneira completamente diferente. Se Dante é um
touro, então Raylan é um garanhão. Ele parece rápido e forte.
Esbelto e capaz.

Ele é exótico para mim como nenhum homem que


conheci antes. Conheci gângsteres, homens de negócios e
ricaços de todos os tipos. Mas nunca conheci um homem com
o charme e a autenticidade de Raylan. Nunca conheci um
homem que fosse bom em tantas coisas. Dean era o melhor
cirurgião torácico da cidade, mas não conseguiu consertar a
pia da cozinha para salvar sua vida. Acho que você poderia
colocar qualquer ferramenta do mundo nas mãos de Raylan e
ele descobriria.

Talvez eu esteja perdendo o controle, depois de todas as


coisas que passei nas últimas semanas. Mas eu me encontro
olhando para ele com admiração. Pensando que nunca vi um
homem mais atraente.

É quando ele começa a desabotoar a calça jeans.

— O-o que você está fazendo? — Eu gaguejo.

Eu nunca gaguejo, porra. Eu sou uma advogada. Sou


infinitamente articulada. Mas, quando Raylan abriu o zíper de
seu jeans, não poderia formar uma frase para salvar minha
vida.

— Vou me refrescar na água, — ele diz, sua boca se


curvando em um meio sorriso. — Quer se juntar a mim?
Ele deixa cair sua calça jeans. Em seguida, mantendo
seus olhos azuis brilhantes fixos nos meus, ele engancha os
polegares em sua cueca samba-canção e a puxa para baixo
também.

Seu pênis está pendurado entre as pernas, grosso, duro


e bruto. É ainda mais escuro do que seu corpo bronzeado, com
cabelos pretos aparados ao redor, tão grossos quanto os de sua
cabeça.

Meu coração está batendo tão forte contra minhas


costelas que parece uma batida contínua. Minha boca está
salivando, e não consigo parar de olhar para seu pau. Estou
corada de calor e sinto uma sensação de dor e aperto entre
minhas coxas.

Nunca senti essa resposta ao pau de um homem. Eu não


sei o que diabos está acontecendo comigo.

Talvez seja porque nunca vi um tão grande. Ou tão


animalesco. Está me fazendo responder como se estivesse no
cio.

Isso é tão diferente de mim. Nunca sou radical. Nunca


estou fora de controle.

Eu tiro meus olhos de seu corpo. Já vi Raylan quase nu


várias vezes. Mas completamente nu... isso é uma coisa
totalmente diferente. Há algo em vê-lo despido ao ar livre, em
seu ambiente natural. É muito mais poderoso.
Estou em seu espaço agora. Em suas terras. Em seu
controle.

Como se sentindo a mesma coisa, Raylan diz, em sua voz


profunda e autoritária: — Tire a roupa.

Ele nunca me deu ordens antes. Ninguém me dá ordens.

Minha inclinação natural é balançar minha cabeça e dizer


a ele para se foder. Isso é o que eu normalmente faria.

Mas então Raylan dá um passo em minha direção, e mais


gentilmente – no mesmo tom que ele usou com Penny – ele diz:
— Vamos. Tire a roupa. Entre na água. Você vai gostar.

E como se ele estivesse me hipnotizado, encontro meus


dedos desabotoando minha camisa. Expondo minha pele para
o sol e a brisa. Eu tiro minha camisa e o sutiã por baixo.

Eu posso sentir os olhos de Raylan vagando avidamente


sobre meus seios nus. Meus seios são pequenos e
extremamente pálidos. Os mamilos são rosa claro, pouco mais
escuros do que a minha carne.

Abro o zíper do jeans e puxo para baixo, minha calcinha


também.

Tenho um tufo de cabelo cortado tão vibrantemente


vermelho quanto o cabelo da minha cabeça. Os homens ficam
loucos por isso. Eles ficam obcecados com isso.

Eu olho para o rosto de Raylan, para ver o que ele pensa


do meu corpo.
Seus olhos são tão brilhantes que parecem estar em
chamas, como a chama azul sob um queimador de gás. Seus
lábios estão separados com fome, e eu vejo um brilho daqueles
dentes brancos e afiados.

— Vamos lá, — diz ele com voz rouca.

Ele desce para o riacho, para um lugar onde o rio se


alarga e se achata, criando uma pequena piscina. A água é
perfeitamente clara, então você pode ver as pedras lisas abaixo.

Raylan me dá sua mão para me ajudar a descer.

Seu toque é como um choque elétrico. A energia sobe pelo


meu braço e posso sentir meus mamilos enrijecerem. Cada
passo que dou parece fazer minha boceta esfregar os lábios.
Eu nunca estive nua ao ar livre antes. Eu nunca estive nua na
frente de um homem como este – um homem que eu não
deveria estar namorando ou transando.

A água está fria, mas não me dá um choque tanto quanto


a pele de Raylan. Eu mal posso sentir a água na minha carne
em comparação com a intensidade com que sinto seus olhos
vagando por mim.

Nunca o vi tão feroz. Seu calor e humor desapareceram,


substituídos por uma intensidade que eu nunca teria
imaginado que ele possuía.

Eu afundo no riacho, esperando que a água fria ajude a


esfriar minha luxúria.
Raylan faz o mesmo. Ele espirra água limpa no rosto e no
peito, limpando o suor. Ele afunda a cabeça e sacode as gotas
brilhantes de seu cabelo preto e espesso.

Tento não olhar para ele. Mas cada movimento flexiona


os músculos em seu amplo corpo. Quando ele se vira, não
posso deixar de olhar para suas costas largas e sua bunda
redonda e firme. Quando ele enxágua o cabelo, seus bíceps
incham como bolas de softball, e posso ver as faixas estreitas
de músculos correndo por suas costelas e pelo torso.

E então há aquele pau pesado, que balança e atinge sua


coxa com um baque audível. Não encolhe na água fria. Na
verdade, quando Raylan passa os olhos pelo meu corpo de
novo, acho que está inchando de excitação.

Posso sentir a água fria entre minhas coxas. O fluxo corre


entre os lábios da minha boceta. Não importa o quanto eu tente
mudar para parar a estimulação, ela só se torna mais intensa.
Posso sentir o rubor na minha pele pálida. Eu sei que Raylan
pode ver isso também. Ele pode ver meus mamilos duros como
pedra e meu rosto vermelho em chamas.

Digo a mim mesma que estamos apenas nadando


pelados.

Digo a mim mesma que nada vai acontecer.

Raylan é um profissional. Ele é meu guarda-costas. Isso


é tudo, é isso. Ele sabe que não quero mais nada...

Mas claro, isso é uma mentira do caralho.


Eu o quero. Eu o quero agora. Está tudo na minha cara.
Eu não consigo esconder.

— Você ainda está namorando Dean? — Raylan me


pergunta sem rodeios. Sua voz é baixa e intensa. Seus olhos
queimam nos meus.

— Eu... eu...

Essa porra de gagueira de novo. Eu deveria mentir e dizer


a ele que ainda estamos juntos.

Raylan é tentador de uma forma que me apavora. Nunca


fiquei tão excitada por um homem. Nunca me senti tão
desesperada.

Estou acostumada a ser perseguida. Estou acostumada


a ter vantagem.

Não tenho nenhuma vantagem com Raylan. Se eu abrir


mão agora, se eu ceder a esse desejo, estarei completamente
fora de controle. Estarei em território totalmente desconhecido.
Não entendo meu desejo por ele, ou o que sinto por ele como
homem. Às vezes ele me deixa louca. E às vezes eu o admiro,
contra minha vontade. Nada disso é normal para mim. Nada
disso é confortável.

Ele me assusta. Minha única proteção é fingir que não


quero isso. Fingir que estou comprometida com outro homem.
Mas não posso mentir para Raylan. Ele é muito honesto,
muito aberto. E muito perceptivo. Ele saberá se eu mentir. É
inútil.

— Eu terminei com ele, — eu admito.

— Por que você não me contou? — Raylan grunhe.

— Eu queria que você pensasse que eu estava


namorando, — confesso.

Que porra estou fazendo? Por que estou admitindo isso?

— Por quê? — Raylan diz.

Eu lambo meus lábios, sentindo o gosto do rio fresco e


limpo. — Você me assusta, — eu digo.

Nunca admiti estar intimidada. Nunca admiti ter medo,


ponto final.

— Isso... me assusta, — eu digo, gesticulando entre nós


dois.

Raylan se aproxima de mim, fechando o espaço entre nós.


Quase posso ouvir seu coração batendo tão rápido quanto o
meu. Tenho certeza de que ouviria, se não fosse o barulho da
água corrente.

— Eu disse a mim mesmo que não beijaria você de novo


sem sua permissão, — diz ele.

Eu engulo em seco.
— Mas essa foi uma promessa estúpida pra caralho, —
ele rosna. Ele agarra meu rosto entre as mãos e me beija com
força, ainda mais forte do que na academia. Seu peito nu e
quente pressiona contra o meu. Sua língua empurra em minha
boca. Sua barba arranha meu rosto.

Eu o beijo de volta, minhas mãos enfiadas em seu cabelo


preto e espesso. Seu cabelo está quente do sol, espesso e
áspero e vivo como pelo de animal. O cheiro de sua pele é forte
e selvagem.

Ele me levanta e me joga na margem do rio, na grama


aquecida pelo sol. Então ele sobe em cima de mim e me beija
ainda mais forte, esfregando seu corpo nu contra o meu. Posso
sentir seu pênis ereto agora, mais duro do que um atiçador.

Seus lábios devoram os meus, então eles correm


avidamente pelo meu pescoço, descendo até meus seios. Ele
chupa e mordisca meus mamilos, fazendo-me gemer e arquear
as costas. Enquanto isso, ele está tocando entre minhas coxas,
acariciando minha boceta levemente no início, depois um
pouco mais forte quando seus dedos ficam escorregadios e
molhados.

Estou encharcada. Mais molhada do que nunca.


Começou no momento em que o vi nu, e só piorou. O rio não
poderia lavar embora. Minha boceta está inchada e dolorida,
latejando com seu toque.

Eu esfrego contra sua mão. Estou louca por ele. Faminta.


Ele estende a outra mão para acariciar meu rosto, e eu
agarro seus dedos entre meus dentes e os mordo, em seguida,
chupo seu indicador e dedo médio, levando-os para dentro da
minha boca.

Nunca me comportei assim em minha vida.

Sinceramente, sou uma amante egoísta, fazendo apenas


o que gosto pessoalmente. Eu não fico de joelhos e chupo os
pênis dos homens – isso seria degradante. Eu deixo que eles
me adorem, mas não respondo da mesma maneira.

Com Raylan, não tenho orgulho. Ele desencadeou uma


fome em mim que eu nunca conheci antes. Estou selvagem pra
caralho por ele. Eu faria qualquer coisa por ele agora. Eu quero
prová-lo, tocá-lo, lambê-lo absolutamente em todos os lugares.
Eu o quero como nunca quis nada antes.

Eu quero esse pau. Eu quero isso dentro de mim agora –


em qualquer lugar, de qualquer maneira.

Pego o pau de Raylan em minha mão. É tão grosso que


meus dedos não se fecham completamente em torno do eixo.
Parece que está cem graus de calor escaldante. Posso sentir
que lateja como uma coisa viva.

Eu escorrego na grama para poder fechar minha boca


sobre a cabeça.

Estou literalmente salivando. Eu quero provar Raylan. Eu


preciso disso.
Fecho minha boca em torno de seu pau e começo a
chupar. Imediatamente, minha boca é inundada com um pré-
sêmen fino e quente. Tem um gosto delicioso do caralho. Estou
com uma fome voraz por ter pulado o café da manhã e
cavalgado por aí a manhã toda. Esse pré-gozo tem o gosto da
coisa mais satisfatória que já tive na boca. É salgado e rico e
tem gosto de pele e suor de Raylan. É como uma droga – quanto
mais eu consigo, mais eu quero.

Ataco seu pau com a minha boca, deslizando minha


língua para cima e para baixo no eixo, chupando forte na
cabeça. Uso ambas as minhas mãos, alternando entre chupá-
lo e levar suas bolas na minha boca enquanto deslizo minhas
mãos para cima e para baixo em seu eixo escorregadio.

Este é o boquete mais entusiasmado que já dei. É o


máximo que já gostei de sexo oral. Raylan está gemendo, suas
mãos enfiadas no meu cabelo. Seus quadris poderosos estão
bombeando em direção ao meu rosto, e aquela enorme e grossa
cabeça de seu pau está batendo contra a parte de trás da
minha garganta. É desleixado, úmido e primitivo, e o fato de
estar acontecendo ao ar livre em um campo torna tudo ainda
mais animalesco.

Raylan agarra meus quadris e me gira para que estejamos


voltados para direções opostas. Agora estou em cima dele, com
minha boceta em seu rosto. Ele afasta minhas coxas e enterra
o rosto na minha boceta.
Sempre pensei que os 69 eram estúpidos. Agora, pela
primeira vez, entendo o sentido. Quando você está
completamente perdido no sexo oral, você só quer mais, mais,
mais. Eu quero mais do seu sabor e cheiro. E mais de nossos
corpos moendo e se tocando.

Raylan está comendo minha boceta como um jantar de


dez pratos. Ele está lambendo, dedilhando e enfiando a língua
dentro de mim. É uma sensação fantástica demais. E ao
mesmo tempo, minha boca está cheia de seu pau, e o gosto de
seu pré-sêmen que vem em jorro após jorro, como uma
recompensa por chupá-lo do jeito que ele gosta.

Chupar seu pau de cabeça para baixo é mais difícil, mas


o ângulo ajuda seu pau a deslizar ainda mais pela minha
garganta. Eu relaxo minha mandíbula e tento tomar o máximo
que posso. Não consigo balançar a cabeça tanto para cima
quanto para baixo, mas não importa, porque ele está
empurrando os quadris e fazendo muito trabalho sozinho.

O que é bom, porque mal consigo me concentrar. Estou


perdida na sensação insanamente prazerosa de sua língua
lambendo meu clitóris e seus dedos empurrando para dentro
e para fora de mim. Seus dedos penetram minha boceta ao
mesmo tempo que seu pau empurra em minha garganta. Ele
está me estimulando tanto por via oral quanto por via vaginal.
A sensação dupla é extremamente intensa. Eu nunca soube
que um boquete poderia ser bom para mim também. Eu nunca
soube que meus lábios e língua poderiam ser tão sensíveis.
Nossos corpos estão pressionados juntos, minhas coxas
em volta de seu rosto e seu pau espetando minha garganta.
Posso sentir Raylan bombeando ainda mais forte, chegando
mais perto do limite.

Eu também estou perto. O orgasmo crescendo dentro de


mim está totalmente fora do meu controle. Estou esfregando
seu rosto, apertando minhas coxas, mas Raylan é quem está
provocando o clímax do meu corpo. São seus dedos esfregando
no lugar perfeito dentro de mim, e sua língua pressionando
contra o lugar certo no meu clitóris. O prazer está vibrando por
todo o meu corpo. Posso senti-lo pulsando pelas minhas
pernas e braços, até os dedos das mãos e dos pés. Todo o meu
corpo está vibrando com uma sensação longa e infinita.

Eu gemo em torno do pau de Raylan. Eu começo a gritar,


minha boca ainda cheia.

Estou gozando mais forte do que jamais gozei em minha


vida, com um orgasmo que torce meu corpo em nós.

E enquanto estou gozando, Raylan também está, no


fundo da minha garganta. Seu pau está tendo espasmos e
pulsando, liberando um espesso sêmen branco, uma torrente
dele. Normalmente nunca engulo, mas agora não tenho
escolha. Seu pau está enfiado muito fundo na minha garganta
para puxar para trás.

E eu amo isso. Eu quero que ele goze tão forte quanto eu


estou gozando. Quero que seja tão bom para ele quanto para
mim.
Sinto sua carga espessa pulsando em minha garganta.
Estou sufocando e engasgando com isso, e não dou a mínima.
Porque eu ainda estou gozando também, em toda a sua língua.

Isso continua e continua e continua. O tempo se estende.


O prazer se estende e aumenta e se estende novamente.

Então, finalmente, acaba.

Raylan tira seu pau da minha boca e eu rolo frouxamente


de costas, flashes brilhantes aparecendo por trás das minhas
pálpebras fechadas.

Raylan rola em cima de mim, me beijando. Posso sentir o


gosto da minha boceta em seus lábios e tenho certeza de que
ele pode sentir o gosto de seu esperma na minha boca. Isso é
totalmente anti-higiênico – algo que normalmente me enojaria.
Mas eu não dou a mínima. Ainda estou em um estado de
erotismo feliz, onde tudo é sexy para mim e nada parece
errado.

— Ai. Meu. Deus, — eu gemo.

— Há muito tempo que desejo fazer isso, — diz Raylan.


Minha cabeça está zumbindo no caminho de volta para
casa.

Aquilo foi... muito mais do que eu esperava.

Eu sabia que Riona tinha um monte de coisas


engarrafadas dentro dela. Raiva ou determinação ou algo
assim...

Mas eu não tinha ideia de que ela seria tão selvagem.

Ela foi crua e primitiva. Dez vezes mais sexy do que eu


esperava.

E aquele corpo... inferno de merda.

Nunca vi uma pele tão macia e perfeita. Ou uma boceta


tão perfeita. De pé na água, com seu cabelo ruivo todo rebelde
e ondulado em volta dos ombros, ela parecia Afrodite. Como
uma deusa feita de carne pela primeira vez.

E como uma deusa, ela tinha uma espécie de intensidade


aterrorizante. Sua pele estava mais pálida do que o normal por
causa da água fria. Ao lado disso, seu cabelo ruivo e olhos
verdes pareciam tão vívidos quanto uma cobra venenosa.
Talvez mais Medusa do que Afrodite.

Eu teria ficado intimidado, se não estivesse tão excitado.

Eu tive que me espirrar com água fria para manter meu


pau apenas semiduro. Porque Riona nua era a coisa mais linda
que eu já tinha visto.

Eu tinha minha ereção comprimida, então olhei para ela,


e vi aqueles olhos verdes fixos no meu pau, e eu sabia que ela
estava quase tão excitada quanto eu. Eu sabia que precisava
tê-la.

Esclareci o pequeno problema do ex-namorado – para o


benefício de Riona, não porque me importasse com o cirurgião.
Eu soube desde o segundo que o conheci que ele não era o
homem certo para ela. Ele não tinha uma fração da força
necessária para domar uma mulher como Riona. Para agarrá-
la e forçá-la a respeitar você.

Riona é uma lutadora. Ela é levada a enfrentar qualquer


homem que tente fazer valer seu poder sobre ela. Ela não será
levada com delicadeza.

Suspeitei que ela estava cansada de Dean por um tempo,


e apenas arrastando as coisas porque ele era um escudo útil
entre ela e eu. Uma forma de me fazer manter distância.
Ouvir que ela já havia terminado com ele me disse tudo
que eu precisava saber. Eu sabia que Riona me queria, quer
ela admitisse para si mesma ou não.

Então eu a agarrei e beijei e enterrei meu rosto naquela


doce boceta rosa com seu tufo de cabelo ruivo selvagem. Foi
inebriante. Ela tem um gosto doce e picante, como canela. Eu
podia senti-la respondendo a mim imediatamente, seu corpo
traindo qualquer controle que ela tentava manter.

E a maneira como ela chupou meu pau... bom Deus, era


como se ela estivesse morrendo de fome. Como se ela
precisasse do meu esperma para viver. Eu nunca teria pensado
que ela se entregaria daquele jeito. Achei que levaria meses
para descobrir esse tipo de ferocidade. Mas estava esperando,
logo abaixo da superfície. Morrendo de vontade de ser
libertado.

Agora quero estar perto de Riona. Eu quero agarrar as


rédeas de Penny e puxá-la para que eu possa descansar minha
mão na coxa de Riona e dizer a ela que ela é linda, e sexy, e
brilhante e teimosa. Que ela me deixa louco e eu não me canso
dela.

Mas eu sei que não posso fazer isso. Riona vai ficar
assustada.

Ela já está calada e pálida, deliberadamente sem olhar


para mim. Refletindo sobre o que aconteceu entre nós.
Passei cada minuto das últimas duas semanas com ela.
Conheço essa mulher melhor do que ela gostaria de admitir.
Eu sei que ela fica apavorada ao perder o controle. Ela fica
apavorada por eu ter visto através de sua armadura, visto a
pessoa real por baixo.

Agora que ela foi exposta a mim, ela quer se calar


novamente. Ela quer reconstruir essas paredes.

Não há problema... vou deixá-la pensar que está


funcionando. Que ela ainda está no controle dessa coisa entre
nós.

E então, quando chegar o momento certo... eu vou


capturá-la novamente. Vou encontrar seus lugares mais
vulneráveis, as rachaduras em sua armadura, e vou abri-los
totalmente. Vou agarrá-la – despojada, crua e genuína. E vou
forçá-la a admitir o que ela realmente gosta.

Mas ainda não. Agora, preciso recuar e dar espaço a ela.


Deixá-la ficar confortável novamente. Deixá-la pensar que ela
tem controle.

Enquanto isso, estou apenas ganhando tempo.

Voltamos por onde viemos, mais devagar na volta porque


tenho certeza de que Riona está dolorida de tanto cavalgar.
Este é um exercício desconhecido para ela, um movimento
desconhecido.

Fiquei surpreso com o quão bem ela se saiu.


Acho que não deveria – ela é inteligente e competitiva.
Rápida para descobrir algo novo. Sábia o suficiente para
respeitar os cavalos.

Quando voltamos para casa, vejo Grady no ringue de


treinamento redondo, perseguindo um cavalo novo. É um
Appaloosa, provavelmente de dois anos. Sua metade frontal é
lisa e preta brilhante, enquanto o dorso é branco com manchas
pretas salpicadas, como um tapete jogado sobre os quartos
traseiros. É um lindo animal, com pernas longas e uma cabeça
bem formada. Mas posso dizer imediatamente que é selvagem
e mal-humorado e totalmente não domado. Ele morde e estala
em Grady quando ele tenta se aproximar. Ele não colocou a
rédea em sua cabeça.

Eu paro os cavalos um bom caminho para trás – não


quero Brutus se irritando ao ver o outro cavalo e sua fúria.
Grady tenta novamente, sem sucesso, ajustar o cabresto sobre
sua cabeça.

Levo Brutus e Penny pelo longo caminho até o estábulo,


onde mostro à Riona como remover as selas novamente, como
alimentar, dar água e escovar. Ela parece genuinamente
interessada nisso, não pulando e vagando para longe assim
que o passeio termina, como tantos turistas fazem após
cavalgar pela primeira vez.

Riona é muito atenciosa com Penny, escovando sua


pelagem e dando tapinhas afetuosos nela.

— Ela é uma égua tão boa, — diz Riona.


— Ela é. — Eu concordo. — Brutus também, mas você
precisa lembrá-lo disso.

Dou uma boa carícia nos ombros de Brutus, como ele


gosta, e alimento-o com algumas cenouras. Penny ganha
maçãs, já que são suas favoritas.

— O que eles estão fazendo com aquele cavalo no curral?


— Riona me pergunta.

— Parece que Grady está tentando domá-lo, — eu digo.

— O que isso significa?

— Você tem que ensinar a um cavalo como aceitar um


cavaleiro. Aquele parece que nunca teve uma pessoa nas
costas.

Riona vai até a porta do estábulo para observar.

Ela fica imóvel, a cabeça ligeiramente inclinada,


observando Grady tentar novamente e novamente deslizar a
rédea sobre a cabeça do cavalo. Ele o ataca e morde, ou desliza
a cabeça para longe no último minuto, forçando Grady a girar
o cavalo novamente, segurando firme em sua crina.

— Quanto tempo leva? — Riona me pergunta.

— Pode levar algumas horas. Pode levar o dia todo. — Eu


rio. — Pode durar para sempre se Grady não acalmar um
pouco o cavalo.
Grady é obstinado e tenaz, mas nem sempre sabe como
se conectar com um cavalo. Ele trata cada um da mesma
forma. E nenhum cavalo é o mesmo.

Assim que Penny e Brutus estão comendo


confortavelmente, vou até a arena com Riona.

O Appaloosa está altamente agitado, tentando empinar,


mas impedido de fazê-lo pelo aperto de Grady em sua crina. O
branco de seus olhos aparece enquanto ele tenta desviar a
cabeça das mãos de Grady.

— Onde você conseguiu esse? — Pergunto-lhe.

— Dos Fosters. O nome é Star. Ela esteve correndo livre


com a mãe e o irmão nas terras deles, porque Allan Foster
quebrou a perna e não teve a chance de fazer merda nenhuma
com ela. Jemma Foster vendeu-a para mim barato porque ela
diz que ela é muito cruel para treinar.

Enquanto fala, a égua solta sua crina com um arremesso


brusco e começa a galopar ao redor do curral. Grady tem que
pular na cerca para não ser pisoteado enquanto Star anda ao
redor novamente.

— Puta que pariu — Grady grita, mal puxando as pernas


a tempo.

— Quer ajuda? — Eu pergunto.

— Você acha que ainda é o encantador de cavalos quando


mal viu um em três anos? — Grady ri.
— Acho que me lembro bem deles, — digo.

Eu olho para Riona. — Você está bem se eu assumir aqui


um pouco? — Eu pergunto a ela.

Eu sei que não tenho que segui-la a cada minuto


enquanto estamos no rancho. Estamos no meio do nada,
isolados do mundo. Ela está segura aqui.

Mas é estranho deixá-la sozinha por algum tempo depois


de termos ficado juntos por tanto tempo.

— Vá em frente, — ela diz. — Sua irmã me disse que eu


posso pegar o laptop dela emprestado. Se a sua Internet estiver
decente, provavelmente posso fazer login no Google Docs e
trabalhar daqui.

— Tudo bem, — eu digo.

Riona volta em direção à casa e sinto uma estranha


atração de seguir atrás dela.

Mas Star ainda está galopando ao redor do cercado,


bufando furiosamente, e Grady já parece com calor e agitado,
com o trabalho apenas começando.

Eu dou um tapa no ombro dele. — Vá em frente e pegue


um pouco de água. Eu cuido disso.

Eu caio no curral, parando no centro para que a égua


possa se acostumar comigo. Eu fico parado e relaxado,
levantando minhas mãos e dizendo: — Whoa. Calma, agora, —
em um tom baixo e reconfortante.
Eventualmente, Star cai para um trote, embora ela ainda
esteja deslizando em volta de mim, olhando-me com cautela.

— Relaxe. Relaxe, — eu digo.

Quando ela começa a andar, seguro sua crina, mas com


cuidado. Eu a deixei continuar se movendo, andando em volta
de mim, dando a ela a liberdade de levantar e balançar a
cabeça como ela quiser.

Eventualmente, quando ela se acalma um pouco, toco


seu rosto e orelhas e passo a mão pelo pescoço, para que ela
se acostume a ser tocada na cabeça.

— Tudo bem. Isso não é tão ruim, — eu digo, dando um


tapinha em sua bochecha.

Ela ainda não está exatamente confortável comigo. Mas


se acalmou um pouco.

Seguro a rédea perto de seu rosto para que ela possa ver
e cheirar a corda. Ela se esquiva de novo, e espero
pacientemente até que ela se acostume com a corda azul-claro
e a textura contra sua bochecha.

Depois de um longo tempo, coloco na sua cabeça.

Ela não gosta disso nem um pouco. Ela tenta se levantar,


relinchando, mas eu a seguro suavemente, acariciando sua
cabeça, esfregando seu pescoço e falando baixinho com ela.

Grady volta para fora de casa, tendo pego uma bebida e


provavelmente um pouco de comida também.
— E aí? — Ele diz.

Apenas pelo som de sua voz, Star se ergue novamente e


puxa a rédea, tentando se afastar de mim.

— Apenas fique aí, — eu digo para Grady, embora usando


meu tom mais suave para não assustar Star. — Você é feio e
está assustando-a.

— Já ouvi isso muitas vezes, — diz Grady, sorrindo. Ele


fica para trás, porém, fora da vista de Star.

Eu começo a descansar minha mão nas costas da égua.


Apenas acostumando-a ao peso e à pressão.

Ela nunca teve um cavaleiro em suas costas, nem por um


segundo. Ela nunca carregou nada, nem mesmo uma sela.

Eventualmente começo a pressionar um pouco mais forte


em suas costas. Deixando-a sentir um pouco de peso.

Ela continua circulando em volta de mim, mantida no


lugar pela minha mão em sua rédea. Eu começo a me inclinar
em suas costas e até me puxar para cima por um ou dois
segundos. Ela se assusta e foge nas primeiras vezes que faço
isso, mas, eventualmente, as pausas entre sentir meu peso
contra suas costas e ela se afastar se tornam mais longas e
mais espalhadas.

Gosto de domar cavalos apenas no pelo, sem sela. Eles


odeiam a sensação da sela quando não estão acostumados. É
mais tolerável para eles se sentirem apenas a pessoa, pelo
menos para começar.

É melhor para mim também. Posso sentir as batidas do


coração do cavalo trovejando, sinto como está ficando
superaquecido.

Então, quando finalmente me coloco nas costas de Star,


faço isso apenas com a rédea e a corda, nada mais. Nenhum
pedaço em sua boca. Tentando torná-lo o mais agradável
possível.

Ainda assim, ela pula e começa a correr. Ela está


tentando me afastar, embora não esteja com raiva o suficiente
para empinar ou rolar. Ela acha que pode correr para longe de
mim, se correr rápido o suficiente.

Eu não estou tentando segurá-la. Na verdade, é o oposto


– eu me inclino sobre seu pescoço e sussurro em seu ouvido,
incentivando-a a ir cada vez mais rápido.

Galopamos ao redor do cercado. Quando ela começa a


diminuir o ritmo, aperto meus joelhos contra suas ancas e a
incito correr mais rápido. Ela está galopando, correndo mais
rápido do que provavelmente já fez antes. Ela estava solta nas
terras do Foster, galopando onde quisesse. Mas não tinha
predadores, nada a perseguindo. Ela nunca correu totalmente,
com todas as suas forças.

Logo posso sentir seu coração batendo forte e seu ritmo


diminuindo.
Os cavalos só conseguem galopar por alguns quilômetros.
Eles podem percorrer um longo caminho em um dia. Mas eles
não são incansáveis.

Na verdade, o animal com maior resistência é um


humano. Você poderia derrubar um cavalo no chão, se tivesse
tempo e distância ilimitados para persegui-lo. Não somos tão
rápidos ou fortes quanto eles. Mas não há criatura mais tenaz
do que nós.

Star vai se cansar antes de mim. Eu sabia disso antes de


começarmos. E é por isso que eu já sabia o resultado dessa
luta.

Não houve batalha entre Star e eu. Eu já sabia quem iria


ganhar.

É por isso que me aproximei dela com gentileza e


paciência. Eu não tinha medo dela, ou medo que ela pudesse
me bater.

Eu só tinha que mostrar a ela que não sou seu inimigo,


não sou seu adversário.

Eu monto Star em alta velocidade até que ela se canse,


então eu a deixo galopar ao redor do cercado. Finalmente, ela
começa a trotar e depois a caminhar. Ela está cansada – não
espancada e quebrada. Apenas exausta o suficiente para ficar
em paz comigo nas suas costas.
Raylan está naquele curral por horas.

Eu me encontro atraída de volta para a janela novamente


e novamente para observá-lo.

Tenho o laptop de Bo e consegui acessar meus arquivos


pessoais. Não os de todos os da Griffin, Briar, Weiss, porque
eles não permitem acesso remoto de endereços IP
desconhecidos. Mas qualquer coisa que digitalizei por mim
mesma ainda posso abrir, ler e editar.

Portanto, deve haver muito o que fazer. Muito para


prender minha atenção.

Em vez disso, estou de volta à janela da cozinha,


observando Raylan galopar ao redor do cercado com infinita
paciência.

Ele não parece estar tentando acalmar a égua. Na


verdade, parece que ele está pedindo para correr mais rápido.
Acho que isso cansa mais cedo.
Não sei por que me sinto tão agitada, olhando para ele.

Estou impressionada com sua paciência e com sua


habilidade em montar a égua sem sela, equilibrando-se
perfeitamente, mal se mexendo quando a égua se assusta
abruptamente ou se vira, tentando tirá-lo.

E ainda assim... também sinto uma espécie de ansiedade.


Quase uma antipatia por Raylan. Eu olho para aquela linda
égua selvagem, e quase quero que ela o arremesse fora, para
que ele possa chutar seu caminho para fora do cercado e sair
trovejando pelo campo novamente.

É um impulso imaturo, eu sei.

É apenas uma égua. Foi procriada e criada para


trabalhar.

Mas há uma teimosia em mim, uma agressividade, que


quer ver aquela égua rebelde. Eu odeio vê-la quebrada.

Eu me forço a sentar à mesa da cozinha novamente, para


retornar às intermináveis fileiras de dados em minha planilha
de contrato de compra. Há alguns números que não estão
somando na coluna de depósito e estou tentando descobrir
quais números estão causando a discrepância.

Sempre fui boa em detectar padrões, especialmente em


números. Não gostaria de admitir isso em voz alta, mas tenho
uma paixão ardente por planilhas do Excel. Adoro as fórmulas,
as tabelas de dados organizadas, a maneira como as células
podem ser manipuladas para fornecer respostas a todos os
tipos de perguntas.

Finalmente, identifico o problema que está perturbando


minha estrutura perfeita.

Existem duas propriedades com quase o mesmo nome –


uma está listada como Benloch Commercial Lot 29 e a outra
como Benloch Commercial Lt 29. A princípio, acho que é
apenas um erro de digitação, mas então vejo que realmente há
um contrato de compra para ambas, e duas transferências
eletrônicas separadas para os pagamentos.

É estranho. Tivemos que comprar quase cem


propriedades para o Desenvolvimento de South Shore. Ainda
assim, estou surpresa que as duas tenham nomes tão
semelhantes. Especialmente com um significante numeral no
final. Terei que obter os documentos originais do escritório
para ver se isso está correto.

Envio um e-mail rápido para Lucy, pedindo a ela que


digitalize os documentos e os envie para mim.

Com isso feito, vejo-me vagando de volta para a janela


novamente para verificar o progresso de Raylan.

A égua finalmente desacelerou seu galope. Ela está


trotando ao redor do cercado agora, claramente exausta. Ela
ainda mantém sua cabeça erguida, no entanto. E vejo que
Raylan está apenas segurando a corda frouxamente, deixando
a égua pensar que ela tem controle de seu próprio movimento.
Porém, não. Está presa naquele curral. E não poderia
afastar Raylan, não importa o quanto tentasse. Está quebrada,
independentemente de saber ou não.

Eu me mexo, pressionando minha mão na parte inferior


das minhas costas. Vou ficar dolorida amanhã quando
acordar. Todo aquele passeio de hoje vai me apanhar.

Bo entra na cozinha. Ela está vestindo uma camisa


masculina enorme – provavelmente uma peça de Raylan ou
Grady. Seu cabelo preto está em uma trança solta. Não posso
deixar de notar o quão bonita ela é. Ela tem os traços
marcantes e lupinos de Raylan, mas em forma feminina. Seus
olhos são estreitos e ligeiramente levantados nos cantos
externos, seus lábios mais cheios.

— Esse laptop funciona para você? — Ela pergunta.

— Sim. Obrigada.

Ela agradece com um aceno de cabeça. — Você vai à festa


esta noite? — Ela diz.

Ela tem uma maneira abrupta de falar, sem nada do


charme descontraído de Raylan. Ela parece impaciente, como
se o resto do mundo estivesse se movendo muito devagar para
ela.

Eu entendo isso. Muitas vezes sinto que as pessoas estão


pensando e falando na metade da velocidade. É uma luta
constante para manter a aparência de paciência.
— Eu não sei, — eu digo. — Esta é a primeira vez que
ouço sobre isso.

— Você pode pegar roupas emprestadas, — Bo me diz. —


Eu sei que você não tem nenhuma. Raylan disse que todo o
seu apartamento pegou fogo.

Há um toque de simpatia em seu tom. Não muito, mas o


suficiente para provar que Bo não é totalmente insensível. Ela
certamente foi generosa com suas roupas e produtos de
higiene pessoal. Tenho a impressão de que ela não dá a mínima
para “coisas”, mas ainda agradeço. É difícil para mim aceitar a
bondade. Eu não seria capaz de suportar se ela fizesse um
grande alarido com o favor.

— Obrigada, — eu digo novamente. — Eu sei que essa


coisa toda é estranha. Nós aparecendo aqui.

Bo dá de ombros. — Raylan gosta de problemas. Ele


sempre gostou.

— É por isso que ele não ficou aqui? — Eu pergunto a ela.


— Não era aventura suficiente para ele?

Bo estreita os olhos para mim, olhando-me de cima a


baixo como se estivesse analisando o motivo por trás da minha
pergunta.

— Ele tinha seus motivos para ir embora, — diz ela por


fim.

Então ela se vira abruptamente e sai da cozinha.


Sinto que a ofendi, mas não tenho ideia de como. Ou
talvez ela não estivesse ofendida – ela apenas não queria deixar
espaço para mais perguntas.

Eu olho pela janela novamente, meus olhos


irresistivelmente atraídos para Raylan.

Sinto uma atração por ele diferente de tudo que


experimentei antes.

Não sei o que diabos aconteceu entre nós no rio. Nunca


senti nada assim. Eu estava completamente fora de controle.
E geralmente odeio essa sensação. Odeio mais do que qualquer
coisa.

Mas neste caso particular...

Quase valeu a pena a troca. Desistindo do meu senso de


segurança e dignidade, em troca da experiência sexual mais
transcendente da minha vida.

Nunca senti um prazer assim.

Posso sentir meu rosto em chamas, só de lembrar.

Não entendo como isso aconteceu. Nunca me senti tão


atraída por alguém. Nunca senti meu corpo responder assim...

E agora quero desligá-lo novamente. Quero fechar como


uma torneira, porque não sei aonde isso vai me levar. Não sei
o que vai acontecer se eu ceder a esse impulso novamente.

Eu quero ir embora e voltar para Chicago.


Estou impressionada com o rancho de Raylan, sua
família, sua vida pessoal. Oprimida por vê-lo aqui em seu
ambiente, onde ele está mais confortável, mais ele mesmo.

Ele está mais poderoso aqui, e eu estou mais confusa e


fora de forma. Não tenho nenhum dos adornos da minha vida
normal – minhas roupas, minha rotina, minha carreira, minha
própria família. Esses são os elementos centrais da minha
identidade. O que eu sou, reduzida a nada e trazida a este
lugar estranho?

Raylan e eu perdemos o almoço quando estávamos


cavalgando a manhã toda. Fiz um sanduíche para mim
enquanto trabalhava, mas ele ficou no curral, provavelmente
ficando com mais fome a cada minuto.

Ele passa tanto tempo com a égua que quase perde o


jantar também.

Estou sozinha na cozinha com Célia quando ela inicia o


jantar. Estou trabalhando no laptop de Bo, mas me sinto
culpada por vê-la descascar batatas e picar cenouras, sabendo
que comerei a comida quando terminar. Especialmente
considerando que ela está fazendo todo esse trabalho com uma
bota desajeitada no pé direito.

— Posso ajudar? — Eu pergunto a ela.

— Não há necessidade, — ela diz. — Você já está


trabalhando.
Seu tom é genuíno – ela não está tentando me cutucar
para oferecer novamente. Mas fecho o laptop e me levanto
mesmo assim, sentindo que devo contribuir, já que estou na
sua casa, vestindo as roupas de sua filha e comendo sua
comida.

— Eu não sei o que diabos estou fazendo, — digo a ela


honestamente. — Mas eu gostaria de ajudar.

— Cebolas fazem você chorar? — Ela pergunta.

— Eu não sei.

— Experimente cortá-las, — diz ela.

Ela me dá algumas cebolas amarelas, além de uma tábua


de cortar gasta e uma grande faca de chef que foi nitidamente
afiada repetidas vezes. A lâmina é afiada até uma espessura
frágil.

Pego o espaço no balcão ao lado dela e tento cortar e


descascar as cebolas.

Posso dizer que estou desperdiçando muito – é difícil tirar


a casca, sem tirar um ou dois anéis da cebola também. Então
meus pedaços têm formas e tamanhos diferentes, não
uniformes como quando vi Raylan fazer isso. Tento usar a
empunhadura da faca que ele me mostrou e o movimento de
balanço. Isso ajuda um pouco.
As cebolas estão ardendo nos meus olhos. Pisco com
força, enviando lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Limpo
meus olhos com as costas da minha mão, mas isso só piora.

— Algumas pessoas parecem imunes às cebolas, — diz


Celia. — Não você, isso é certo.

— Meus pedaços estão tortos, — eu aponto.

— Não importa. Eles terão o mesmo gosto de qualquer


maneira.

Celia usa a faca para raspar a cebola e colocá-la em uma


frigideira de ferro fundido, que já está fervendo de manteiga.
Ela refoga pedaços de cenoura, cebola e aipo todos juntos,
enchendo a cozinha com seu aroma saboroso.

— Você gostou de cavalgar esta manhã? — Celia me


pergunta.

Por um segundo, posso me sentir corando, como se Celia


pudesse adivinhar o que aconteceu no rio. Então me lembro
que ninguém sabe disso – tudo o que viram foi eu
experimentando um cavalo pela primeira vez. Por isso digo com
sinceridade: — Foi muito melhor do que esperava. Realmente
incrível, na verdade.

— A maioria das pessoas tem medo de cavalos se nunca


cavalgou antes.

— Eu estava com medo, no começo, — eu admito. — Eu


teria mais medo se estivesse em Brutus em vez de Penny.
Celia olha para mim, seus olhos azuis procurando meu
rosto.

— Eu posso ver por que Raylan gosta de você, — ela diz.


— Você é honesta. Isso é importante para ele. Ele não suporta
que mintam.

— Nós não... não estamos... — Eu paro. Quero dizer a


Celia que não estamos namorando, mas não posso dizer
exatamente que não há nada entre nós.

— Eu sei, eu sei, — ela diz, mexendo o conteúdo da


frigideira. — Ele me disse que vocês não estavam juntos. Mas
ele nunca trouxe uma garota para casa antes.

Apesar de não querer que Celia tenha uma ideia errada,


sua declaração me dá uma onda de calor de prazer. Eu teria
ficado com ciúmes ao pensar em Raylan trazendo outra mulher
aqui. Apresentando-a a sua família, levando-a a cavalo pela
primeira vez. Mesmo que eu particularmente não queira a
distinção, estou gostando de qualquer maneira. Saber disso é
tão novo para ele quanto para mim.

— Aqui, corte em pedaços pequenos, — Célia me instrui,


entregando um pouco de frango frio da geladeira.

Enquanto estou trabalhando nisso, ela enfarinha a


bancada e desenrola um grande pedaço de massa. Ela forra
duas formas de torta com a massa, enquanto também prepara
no fogão uma espécie de molho branco que tem um cheiro
amanteigado e delicioso.
— O que vai ser isso? — Eu pergunto a ela.

— Torta de frango, — diz ela.

Eu nunca tentei isso antes. Possivelmente minha


expressão trai isso, porque Celia diz: — Não se preocupe, é
bom.

— Tenho certeza de que é, — eu digo apressadamente. —


Eu não sou exigente.

Ao vê-la montar as tortas com o frango picado, os vegetais


salteados e o molho parecido com molho, isso me lembra um
prato irlandês.

— Minha família faz algo assim, — digo a ela. — Frango e


bolinhos.

— Claro, — diz Celia. — Isso é semelhante.

Celia me mostra como cobrir as formas de torta com outro


círculo de massa e, em seguida, frisar as bordas para selar a
parte superior e inferior da torta. Em seguida, ela faz pequenos
cortes no topo de cada torta.

— O que isso faz? — Eu pergunto a ela.

— Deixa o vapor sair. — Ela coloca as tortas no forno. —


Aí. Isso estará pronto em uma hora.

Sei que provavelmente deveria usar esse tempo para


tomar banho e trocar de roupa, mas me vejo demorando-me
na cozinha, que é quente e aconchegante e cheira a sálvia e
manteiga torrada. Quero falar mais com a Celia.

Então eu digo: — Raylan é tão bom com cavalos.

— Um dos melhores que já vi, — concorda Celia. Ela


limpa uma mecha de cabelo da testa com as costas da mão
polvilhada de farinha, dando-me um pequeno sorriso. — E não
estou dizendo isso apenas porque ele é meu filho.

Hesito, esperando não estar prestes a ofendê-la.

— Por que ele se alistou? — Eu pergunto. — Ele parece


adorar aqui...

Celia suspira. — Ele adora, — ela concorda. — Eu acho


que... acho que ele sentiu que precisava ir embora. Por um
tempo, pelo menos.

Eu franzo a testa, sem entender.

— Raylan disse a você algo sobre o pai dele? — Celia me


pergunta.

— Não. — Eu balancei minha cabeça. — Nada mesmo.

Uma omissão que percebi imediatamente, já que ele


falava abertamente sobre todo o resto de sua família.

Celia hesita um momento, como se estivesse decidindo o


quanto me dizer. Já vi isso antes em depoimentos – o desejo
humano de compartilhar informações, lutando contra as
infinitas consequências desconhecidas de nossas próprias
palavras. Posso ver que ela quer explicar, mas não quer irritar
Raylan.

Por fim, ela diz: — Não cresci em uma casa como esta –
grande e bonita, com todas as comodidades. Eu era o tipo de
muito pobre que você só vê no sul. Eu tinha um par de sapatos
e, quando eles ficavam pequenos demais para mim, cortava a
frente deles para que meus dedos do pé pudessem aparecer.
Tive sete irmãos e irmãs. Eu era a mais velha, então a maior
parte do cuidado com eles recaía sobre meus ombros.
Conseguir comida para eles era uma batalha constante. Eu
pegaria um pão de forma e faria sanduíches de margarina e
açúcar mascavo, se tivéssemos margarina ou açúcar mascavo.
E então todo o pão acabava e eu tinha que encontrar outra
coisa.

Ela aperta os lábios, como se estremecendo com a


memória das dores da fome. E eu percebo que as refeições
massivas que ela prepara e que enchem a mesa podem resultar
de um desejo desesperado de há muito tempo ser capaz de
alimentar as pessoas que ela amava com tanta comida
deliciosa quanto elas possam engolir.

— Saí da escola na décima série e consegui um emprego.


Eu trabalhava como garçonete em um bar de beira de estrada.
Eu não deveria estar servindo bebidas – eu não tinha nada
perto de vinte e um. Mas os proprietários conheciam minha
situação e precisavam de ajuda.
— ...foi difícil. Eu sei que as coisas parecem difíceis por
aqui agora, mas não é nada como era há trinta anos. Silver
Run era o tipo de lugar onde as pessoas não metiam o nariz
nos negócios dos outros. É por isso que ninguém fez nada
sobre o fato de meus pais estarem bêbados demais para
alimentar ou vestir seus filhos, ou garantir que qualquer um
de nós frequentasse a escola. E se algo acontecesse que
ultrapassasse os limites, as pessoas estavam mais propensas
a fazer justiça com as próprias mãos do que chamar o xerife.

Eu aceno lentamente. Sei exatamente como isso


funciona. Na máfia irlandesa, é a mesma coisa – cada família
dirige seus próprios negócios. E quando há um conflito, você
leva para um dos chefes. Nunca para a polícia ou qualquer
outro estranho.

— Então, — continua Celia, — servi bebidas e comida


para todos os tipos. Fazendeiros e caminhoneiros, agricultores
e operários. A maioria dos homens era local e razoavelmente
respeitosa comigo. Eles flertavam, provocavam ou talvez me
davam um tapinha na bunda de vez em quando. Mas eu estava
relativamente segura e ganhando dinheiro suficiente para que
meus próximos dois irmãos pudessem continuar na escola e,
com sorte, se formar. Então, uma noite, alguém que eu nunca
tinha visto antes entrou para comer.

Um arrepio percorre seu corpo, como uma brisa fria


soprando em sua nuca.
— Ele tinha cerca de quarenta anos, era alto e bonito. Ele
não estava vestido como os homens que eu geralmente via. Ele
vestia um terno adequado e seu cabelo havia sido cortado
recentemente. O que notei acima de tudo foi como ele estava
limpo. Nem uma partícula de sujeira em seus sapatos ou
calças. E suas unhas estavam sem manchas. Quase nunca
tinha visto um homem adulto assim. Ele também não estava
bronzeado. Seu rosto, pescoço e mãos estavam pálidos como
se nunca tivessem visto o sol. Então ele chamou minha
atenção imediatamente.

— ...eu fui até a mesa dele. Ele estava sentado com dois
outros homens que eu não reconheci, embora eles estivessem
usando as habituais calça jeans e camisa de botão. E eles eram
homens de aparência normal. Eles não chamaram a atenção
da maneira como Ellis fez.

— ...esse era o nome dele – ele se apresentou assim que


vim anotar o pedido. Ele tinha uma voz suave e culta. Um
sotaque do norte, o que o fez soar exótico para mim na época.
Ele disse: ‘Sou Ellis Burr. Qual o seu nome?’ Tão
educadamente e com tão genuíno interesse.

— ...acho que eu estava ficando mais vermelha do que


uma placa de pare. Nem sei se consegui dizer meu nome
direito. Ele pediu um martini Grey Goose, que também achei
indescritivelmente chique. Seus amigos pegaram uísque. E ele
me perguntou o que eu queria beber.
— Eu disse: ‘Não posso beber, tenho apenas dezesseis
anos’. E ele sorriu, mostrando os dentes mais brancos e
perfeitos que eu já vi. Eu deveria ter percebido o sinal que era
aquele sorriso, mas quando você é adolescente, não percebe
que é apenas uma criança. Você não percebe como os adultos
são diferentes de você. Você pensa que é um deles, ou perto
disso. Você não sabe da inocência e vulnerabilidade, você é
como um gatinho andando ao lado de um tigre.

Tenho uma sensação doentia de pavor com o destino


dessa história, mas não quero interromper Celia, nem mesmo
encorajá-la. Aprendi que quando alguém está no fluxo de uma
narrativa, a pior coisa que você pode fazer é atrapalhá-lo. Não
se você quiser aprender alguma coisa.

— Ele me fez mais algumas perguntas sobre mim,


enquanto eu trazia as bebidas e depois a comida. Não ousei
perguntar nada sobre ele. Eu descobri mais tarde, pelos
frequentadores regulares, que ele era um figurão em uma
empresa de materiais de construção em Knoxville. Ele acabara
de construir uma grande propriedade a cinquenta quilômetros
de Silver Run.

— ...Ellis pagou a conta da mesa, que chegou a talvez


sessenta dólares. E ele colocou três notas novas de cem dólares
na mesa.

—... Se ele estivesse lá quando eu as peguei, eu teria dito:


‘Isso é demais’ e me recusado a aceitar. Mas os homens já
haviam partido. Então, peguei o dinheiro, olhando para ele
como se fosse uma pepita de ouro. Como se fosse algo mágico
deixado por um gênio em um conto de fadas.

— ...então, algumas horas depois, depois de limpar todas


as mesas e fecharmos à noite, saí pelos fundos do restaurante
para pegar minha bicicleta. E havia um carro preto lustroso,
estacionado a três metros de distância da minha bicicleta. Ellis
saiu do carro e disse: ‘Deixe-me levá-la para casa’.

— ...eu nunca peguei carona com homens no trabalho.


Nem mesmo se estivesse chovendo. Mas eu senti que não
poderia recusar, porque ele me deu todo aquele dinheiro.
Então eu entrei no carro dele.

— ...eu nunca tinha estado em um espaço


verdadeiramente luxuoso antes. O brilho do painel e o cheiro
do couro... era como se eu estivesse sentada em um palácio
móvel. E o próprio Ellis parecia dez vezes mais poderoso e
intimidador, agora que eu estava em seu espaço, sentada ao
lado dele.

— ...mas sua voz estava tão suave e gentil como sempre,


enquanto ele me perguntava tudo sobre meus pais e meus
irmãos, e por que eu não estava na escola.

— ...ele me levou direto para casa, o mais respeitoso


possível, e me deixou na frente da casa.

— ...quando você é pobre... você pode ser incrivelmente


útil. Quando eu tinha oito anos, estava pagando nossa conta
de luz. Eu entendi um monte de coisas terríveis que nenhuma
criança deveria entender. E ainda assim... eu vivia em um
mundo de fantasia também. Eu tive que criar esses sonhos
para mim. Futuros possíveis que eu poderia ter algum dia. Se
eu ganhasse na loteria. Se eu me tornasse uma atriz famosa –
não importa que fosse terrivelmente tímida. Se eu ganhasse
uma viagem para Paris de alguma forma...

— ...então, quando saí do trabalho na noite seguinte e


Ellis estava esperando por mim... eu finalmente me senti
especial. E escolhida. Como se o destino finalmente tivesse me
notado.

— Ele foi tão bom para mim no início. Ele comprou


presentes para mim e para meus irmãos também. Nunca
pedindo nada em troca. Ele nunca colocou a mão em mim.
Quase imaginei a princípio que ele poderia querer me adotar,
como Daddy Warbucks em Annie...

— ...Claro, isso foi inocente de uma forma que eu não


deveria ser inocente, já que eu sabia melhor naquela época o
que os homens querem das meninas. Eu era virgem, mas
apenas graças a várias fugas limitadas.

— ...Eventualmente, Ellis esperava favores de volta de


mim. Mas a essa altura, eu estava profundamente em dívida
com ele... milhares de dólares em presentes e jantares e até em
dinheiro... eu senti que tinha que dar a ele tudo o que ele
queria.
— ...olhando para trás agora, ele provavelmente gastou
menos de três mil comigo. Que parecia todo o dinheiro do
mundo. Agora penso como me vendi barato para ele.

Eu não posso ficar quieta com isso. Eu digo: — Você era


uma criança. E você estava desesperada. Você não se vendeu.
Isso implica que você fez uma escolha.

Celia suspira. — Eu vi o caminho em que estava. E eu


nunca tentei deixar isso. Eu sabia sobre controle de
natalidade... ele se recusou a usá-lo. Eu continuei de qualquer
maneira. E é claro que logo fiquei grávida. Grávida de Raylan.

—... Ellis me pediu em casamento. Eu aceitei. Embora,


mesmo enquanto ele colocava o anel brilhante em meu dedo,
eu não sentia emoção. Eu sabia que estava presa. Sem ter
volta.

— ...as rachaduras em sua gentileza já começaram a


aparecer. Eu sabia que nunca tinha permissão para dizer não
a ele – sobre nada. Se ele pedisse o jantar para mim e eu
quisesse macarrão em vez de bife, nunca falaria. Se eu fizesse,
ele me puniria mais tarde. Não de uma forma óbvia. Mas com
algo sutil – como fechar a porta do carro na minha mão
‘acidentalmente’. Ou me forçando a perder a peça da escola da
minha irmã.

—... A primeira vez que ele me deu um tapa foi por causa
de algo tão pequeno... eu estava carregando uma jarra de
limonada para o deck dele. Ele tinha uma casa enorme no meio
do nada. Eu a tinha visitado apenas algumas vezes. Eu
tropecei na saliência que descia da cozinha para o deck. Deixei
cair a jarra e ela se espatifou, espalhando limonada por toda
parte.

— ...Ele me deu um tapa no rosto, forte. Doeu. Mas isso


me chocou mais. Meus pais eram dependentes, mas não nos
batiam. Lembro-me de seus olhos azuis claros observando
meu rosto. Assistindo para ver como eu reagiria.

— ...eu fiquei lá atordoada por um segundo. Tentando


decidir entre chorar ou sair correndo. E então, em vez disso,
disse: ‘Sinto muito’. E ele sorriu. Isso era o que ele queria ouvir.
Ele queria que eu aceitasse a culpa, mesmo que fosse um erro
inocente. E ele queria que eu aceitasse minha punição.

Celia faz uma pausa para umedecer um pano, para que


ela possa limpar a bancada enquanto conversamos.

— De qualquer forma, — ela diz, — não preciso contar


todos os detalhes do que aconteceu a seguir. Tenho certeza de
que você pode adivinhar. Homens como Ellis gostam de pensar
que são únicos e originais, mas na verdade eles não poderiam
ser mais previsíveis se estivessem operando com base em um
manual literal. Assim que nos casamos, assim que ele me teve
sozinha em casa, assim que fiquei grávida e não pude ir
embora... ele aumentou. Dia após dia suas restrições
aumentaram e sua violência cresceu.

—... Ele nunca deixou marcas que alguém pudesse ver.


Mas o resto do meu corpo... Eu estava coberta de
queimaduras. Cortes. Contusões. E às vezes, pior. Implorei a
ele para ter cuidado, para não machucar o bebê... Graças a
Deus ele não fez isso. Por suas próprias razões, não porque ele
se importasse com o que eu queria. Ele estava animado com o
bebê. Outro humano completamente sob seu controle.

— ...claro, para mim, a gravidez era uma bomba-relógio.


Uma contagem regressiva para o meu maior medo de todos –
que o que estava sendo feito para mim pudesse eventualmente
alastrar para uma criança inocente.

— ...Ellis ficou muito animado quando soube que íamos


ter um filho. Disse a mim mesma que isso significava que ele
nunca machucaria o bebê. Não importa o quão bravo ou
violento ele ficasse, ele nunca realmente perdeu o controle. Ele
nunca quebrou nada que importava para ele, ou deixou uma
marca em mim que pudesse ser visível em público. Foi tudo
muito calculado.

— ...mas então um dia ele realmente perdeu a paciência.


Um dos meus irmãos veio até minha casa para ver como eu
estava. Era o próximo mais velho dos meus irmãos, Abott. Ele
tinha apenas quinze anos, mas era alto. Assim como Grady é
alto. — Celia sorri fracamente.

— ...Ellis tinha câmeras instaladas em toda a casa e na


propriedade para que ele pudesse me observar
constantemente, mesmo enquanto estava no trabalho. Ele viu
Abott vir até a porta e me viu abrindo a porta. Embora eu não
o tenha deixado entrar e o fiz sair imediatamente, Ellis já
estava a caminho de casa.
— ...eu vi uma raiva nele naquela noite que eu nunca
tinha visto antes. Ele me bateu de novo e de novo no rosto.
Então ele encheu um copo cheio de água sanitária. Ele o
estendeu para mim e disse: ‘Beba’. Eu implorei e supliquei,
mas era como falar com um manequim. Seu rosto estava tão
imóvel e vazio. Apenas seus olhos brilhavam.

— ...ele agarrou meu rosto e levou o copo aos meus lábios.


Ele iria forçar minha garganta abaixo.

— ...eu disse: ‘Por favor, não me obrigue. Isso vai matar o


bebê’. Essa foi a única coisa que o tirou disso. Mas estava perto
– muito perto. Não sabia se ele ouviria da próxima vez.

— ...eu fugi no dia seguinte. Fiquei apavorada, é claro. Eu


sabia que ele me mataria se descobrisse. Eu nunca teria tido
coragem de ir, se o bebê não nascesse um mês depois. Eu
estava sem tempo. E eu nunca teria conseguido sair, se não
tivesse ajuda. Como mencionei, as pessoas aqui vão cuidar das
coisas sozinhas, se ficar ruim o suficiente. Apesar de tudo que
Ellis tinha feito para me isolar, eu ainda tinha um amigo...

Ela para. Estou extremamente curiosa sobre essa parte


da história, mas depois de tudo que ela me contou, sei que não
tenho o direito de exigir mais.

— Sinto muito, — diz ela, balançando a cabeça. — Eu não


queria que essa história fosse tão longa. Você provavelmente
está se perguntando por que eu toquei no assunto. Mas estou
prestes a ir direto ao ponto.
— Eu quero ouvir tudo, — eu asseguro a ela.

— Eu fugi, — ela repete. — Eu tive o bebê. Não aqui –


além da fronteira na Carolina do Norte, em terras Cherokee.
Era o único lugar que parecia seguro. O único lugar onde Ellis
não podia ir.

— ...meu amigo que me ajudou... sua família me acolheu.


Suas irmãs me ajudaram no parto e no bebê. Tive medo de não
sentir tudo o que deveria pelo bebê depois que nascesse.
Porque achei que poderia me lembrar muito de Ellis. Mas
desde o momento em que vi Raylan, eu o amei como nunca
amei nada. Mais do que meus pais ou irmãos ou eu mesma.

— ...fiquei seis anos lá. Meu amigo... tornou-se mais do


que um amigo para mim. Nos casamos. Ele sempre tratou
Raylan como seu próprio filho. Depois de termos mais dois
filhos... parecia errado fazer divisões não naturais entre eles.
Sempre quis contar a verdade a Raylan. Mas a verdade era tão
feia.

— ...e eles se adoravam. Mesmo que Raylan não fosse


tecnicamente seu filho, eles eram mais parecidos do que Waya
e seus próprios filhos de sangue.

— ...estávamos muito felizes; nenhum dia parecia o dia


certo para destruir aquela felicidade. Para colocar um fardo tão
feio em Raylan. Principalmente porque Ellis morreu. Portanto,
não havia chance de ele nos encontrar.
Eu posso ver lágrimas no canto dos olhos de Celia. Não
lágrimas de tristeza – lágrimas de felicidade, lembrando aquela
época em que ela estava livre novamente e casada com um
homem que realmente a amava, com três lindos filhos
pequenos correndo por aí.

— Esperei muito tempo, — diz ela. — Nós temos este


rancho. Mudamos para cá, todos juntos. As crianças
cresceram muito rápido. O tempo voou para longe de mim.

— ...Raylan encontrou minha antiga certidão de


casamento em uma caixa no sótão uma semana antes de seu
aniversário de 18 anos. Ele fez as contas e percebeu a verdade.
Ele estava com tanta raiva de nós. Ele se sentiu traído. Acho
que, embora ele nunca tenha dito isso, ele sentia que não
pertencia mais a este rancho ou à nossa família da mesma
maneira. Prometemos a ele que não importava – que as três
crianças herdariam o rancho, como sempre dissemos.

— ...eu não acho que ele acreditou em nós. Ele se alistou


logo depois.

— ...Waya disse que estava tudo bem. Raylan iria ver mais
do mundo, sua raiva desapareceria e, eventualmente, ele
voltaria para nós.

— ...mas então... — Agora suas lágrimas são certamente


lágrimas de tristeza. — Waya morreu em um acidente de carro.
Ele estava levando Bo de uma festa para casa. Outro carro os
tirou da estrada – nunca soubemos quem. Se foi intencional,
ou um motorista embriagado, ou um acidente estúpido.
— ...Raylan voltou para casa para o funeral. Esperávamos
que ele ficasse. Mas...

Ela para, pressionando os dedos nos olhos e tomando um


momento para se recompor.

— Acho que a culpa foi demais para ele. Ele nunca teve a
chance de se reconectar com Waya. Para contar a ele... que ele
sabia que Waya era seu pai. Independentemente do sangue. E
que ele o amava. Waya sabia de tudo isso, é claro. E Raylan
sabe disso também. Mas quando você não consegue dizer as
palavras...

Eu entendi aquilo.

Muitas vezes acho difícil dizer em voz alta o que realmente


sinto. Para dizer às pessoas o que significam para mim.

Se Cal ou Nessa ou minha mãe ou pai morressem, ou tio


Oran, eu teria muitos arrependimentos. Coisas não ditas que
me consumiriam.

Sabendo disso, você pensaria que eu ligaria para eles


agora e deixaria tudo ser dito.

Mas isso também não é tão fácil.

Minha simpatia por Raylan é intensa. Por Celia também.

Essa é outra coisa difícil de expressar. Como posso dizer


a ela o quanto agradeço por ela compartilhar isso comigo?
Como posso dizer a ela que meu coração dói por ela quando
era jovem? Que admiro que ela tenha conseguido ir embora e
que tenha mantido Raylan seguro?

Todas as palavras que vêm à mente parecem incisivas e


fracas.

Engulo em seco e digo apenas: — Obrigada por me dizer


isso, Celia. Eu... me preocupo com Raylan. E você sabe que
quando se preocupa com alguém, você quer compreendê-lo.

Isso não parece o suficiente, então acrescento: — Você foi


tão corajosa em partir. Você é muito forte.

Celia aperta meu ombro suavemente.

— Faz muito tempo que não falo sobre isso, — diz ela. —
Mas eu queria que você entendesse por que Raylan voltar para
casa significa tanto para nós. E para ele também, eu acho. Ele
trouxe você aqui por um motivo.

Não sei exatamente como responder a isso, então apenas


digo novamente: — Obrigada.

Celia sorri. — Vá lá para cima, — ela diz. — Você só tem


tempo para se lavar antes que esta torta esteja pronta.

Eu subo a escada rangente de volta ao meu quarto.

O quarto de hóspedes é um espaço lindo, como todos os


cômodos da casa da fazenda: claro, arejado e aberto. As
paredes e o teto são de madeira caiada de branco e o piso é de
carvalho escuro, parcialmente coberto por um tapete tecido à
mão. A linda colcha azul na cama, contra as paredes brancas,
me faz sentir como se estivesse dentro de uma nuvem, lá no
alto, no céu.

Posso ver uma peça de roupa estendida na cama – um


vestido. É claro e de verão, verde claro com uma estampa floral
da pradaria. Parece muito feminino para sair do armário de Bo.
Certamente foi ela quem colocou aqui para mim, no entanto.

Eu tomo um banho e tento brigar com meu cabelo, que


está se tornando menos cooperativo a cada dia. Eu costumo
alisar com todos os tipos de xampus e séruns caros de salão e
um arsenal de ferramentas. Aqui eu nem tenho um secador de
cabelo adequado. Eu tenho que deixar secar enquanto pego
emprestado um pouco da maquiagem de Bo.

Não compartilhamos a mesma cor, e Bo tende claramente


para o visual minimalista, com um toque de delineador preto
pesado. Ainda assim, ela tem seleção suficiente para que eu
possa adicionar um pouco de cor ao meu rosto pálido. Eu uso
seu blush e seu brilho labial.

Então deslizo no vestido, que fica muito bem.

Não é nada que eu usaria normalmente – muito feminino


e muito country. Mas admito, é bonito, com uma saia de
babados e uma fileira de pequenos botões na frente.

Assim que termino de me vestir, ouço Celia chamando da


cozinha: — O jantar está pronto!

Posso ouvir passos correndo de todos os cantos da casa.


Parece que todo mundo está tão faminto quanto eu.
Todos nós nos aglomeramos ao redor da mesa, que é
posta com louças incompatíveis de várias gerações diferentes.
Grady trouxe Shelby e os meninos para jantar novamente, e
Bo já está sentada, vestida um pouco mais do que o normal
com jeans preto rasgado e um top sem mangas, com brincos
de contas pendurados em suas orelhas.

— Por que você está tão chique? — Grady pergunta a ela.

— Eu não estou. — Bo faz uma careta.

— Deixe-a em paz, — diz Shelby. — Você é a última


pessoa no mundo a dar conselhos sobre moda.

Vou até a janela para verificar se Raylan ainda está no


cercado.

— Não se preocupe, ele entrou há um tempo, — diz Grady.

— Onde ele está agora? — Eu pergunto.

— Provavelmente se limpando. Ele estava uma bagunça.

Ninguém mais parece inclinado a esperar por Raylan – Bo


começa a servir uma porção generosa de empadão de frango, e
Celia passa uma cesta de pãezinhos quentes.

— Vocês sempre comem juntos? — Eu pergunto à Shelby.

— Quase todas as noites, — ela diz alegremente. — Mas


às vezes Celia e Bo vêm à nossa casa em vez disso.

Raylan apontou a casa deles para mim – fica a cerca de


um quilômetro de distância, não visível do jardim da frente por
causa das bétulas ao redor. Pelo que pude ver, é um pouco
menor que a casa da fazenda, mas mais nova.

Eu entendo esse tipo de estrutura familiar – a minha é


semelhante. Você cresce e começa sua própria família, mas
todos permanecem interligados. Este rancho é grande demais
para ser administrado por uma ou duas pessoas – é um
império de seu próprio tipo. Como a rede de influência da
minha família em Chicago.

— Ei, guarde um pouco para mim, — Raylan diz,


entrando na cozinha. Seu cabelo parece mais preto do que
nunca, ainda úmido do banho. Posso sentir o cheiro limpo de
seu sabonete e ver o rubor em sua pele por causa da água
quente. Ele está realmente barbeado pela primeira vez. Isso o
faz parecer mais jovem e também me lembra que ele é
surpreendentemente bonito sob a barba. Fiquei confortável
com ele nas últimas semanas. Agora me sinto desequilibrada,
como se ele fosse um estranho de novo.

Ele se senta bem ao meu lado. A manga de sua camisa de


flanela roça meu braço nu. É uma sensação quente, suave e
familiar. Eu relaxo um pouco.

— Você quer empadão? — Ele me pergunta. — Vou pegar


para você.

Sua voz está baixa e arrastada como sempre – tão familiar


quanto sua camisa. É engraçado ouvi-lo falar o mesmo, com
aquela cara que parece mais magra e mais nítida agora que
está bem barbeado.
Ele me serve uma enorme porção de torta.

— Riona ajudou a fazer isso, — diz Celia.

— Não me dê nenhum crédito, — eu digo, balançando


minha cabeça. — Eu só piquei cebolas.

— Essa é a parte mais difícil, — diz Celia, sorrindo para


mim.

A torta é deliciosa. É parecido com frango e bolinhos,


mas, honestamente, a comida de Celia é melhor que a da
minha mãe. Celia é mestre em temperar a comida para que
fique rica e saborosa, mas não exagerada. Exatamente como
Raylan cozinha.

Ela me impulsiona a uma segunda porção e garante que


todos tenham o que quiserem beber.

Ela tem sido incansavelmente gentil comigo durante todo


o tempo que estou aqui, garantindo que eu tenha toalhas
limpas e todos os produtos de higiene que preciso. Bo também.
Acho que é a hospitalidade sulista. Especificamente, a maneira
como eles oferecem as coisas com tanto calor e preocupação
genuína, então você se sentiria pior recusando o favor do que
aceitá-lo.

— Você está deslumbrante, — Raylan diz para mim,


olhando o vestido emprestado. — Esse é seu, Bo?

— Sim. — Ela concorda. — Tia Kel me deu de aniversário.


Eu nunca usei.
— Kelly ainda está tentando transformá-la em uma
pequena dama, hein? — Raylan eu admiro sua persistência, se
não seu controle da realidade.

— Bem, todas as coisas dão certo no final, — diz Celia. —


Porque fica lindo em Riona.

Tenho dificuldade em aceitar elogios ou qualquer tipo de


calor humano de pessoas que não conheço bem. Estou sempre
procurando o motivo oculto, o plano oculto. Mas por alguma
razão, talvez porque eu conheço Raylan muito bem agora, ou
talvez apenas porque toda a sua família tem a mesma atitude
de honestidade e praticidade, eu me sinto relaxada perto deles.
Posso desfrutar de sua simpatia e interesse sem sentir que eles
estão me bisbilhotando, procurando por minhas falhas.

— Você vai à festa também? — Raylan pergunta à Bo.

— Acho que sim, — ela diz sem muito entusiasmo.

— Gostaria de poder ir, — Shelby diz melancolicamente,


descansando a mão em sua barriga inchada.

— Você ainda pode vir, — diz Bo.

— Sim, mas eu não consigo dançar, então qual é o ponto,


— Shelby faz beicinho.

— Eu vou girar em torno de você, — diz Grady, sorrindo


e jogando um braço pesado em volta dos ombros. — Quem
sabe, pode fazer a bebê nascer mais rápido.

— Isso é verdade, — Shelby diz, animando-se um pouco.


— Vá em frente, — insiste Celia. — Vou colocar os
meninos na cama.

Todos nós nos coordenamos em limpar a mesa, enxaguar


os pratos e colocá-los na máquina de lavar louça. Participo
disso como se já o tivesse feito centenas de vezes. Ninguém sai
da cozinha até que a última migalha seja limpa da mesa. É
claro que na família Boone, todos trabalham juntos até que o
trabalho seja concluído. Não importa o quão pequeno esse
trabalho possa ser.

Então Raylan, Grady, Shelby, Bo e eu entramos em uma


caminhonete Ford surrada para que possamos ir para a festa.

Levamos mais tempo do que eu esperava para chegar lá.


Eu esqueço que tudo está tão espalhado no país. The Wagon
Wheel fica a quase sessenta quilômetros de distância, e são
sessenta quilômetros em estradas tortuosas e esburacadas,
onde você praticamente não pode viajar à mesma velocidade
que faria em uma rodovia.

Não tenho certeza de como achei que The Wagon Wheel


seria – acho que estava imaginando um pequeno centro
recreativo, com um punhado de caipiras presentes.

Em vez disso, vejo um grande edifício histórico, enfeitado


com luzes e já vibrando com a música lá dentro. O
estacionamento está cheio de caminhonetes de todos os tipos,
desde os modelos Platinum reluzentes até Chevys enferrujadas
que parecem presas por barbante.
— Não achei que houvesse muita gente morando por aqui,
— digo surpresa.

— As festas são populares, — diz Raylan. — As pessoas


vêm de todas as partes.

Ele me leva para dentro do prédio.

A pista de dança está lotada, assim como todo o salão.


Está uns bons vinte graus mais quente aqui do que lá fora.
Tem cheiro de couro, suor, bebida alcoólica e fumaça de
charuto. No palco, uma banda de cinco integrantes toca no
volume máximo. Eu não tenho ideia de qual música eles estão
tocando, mas é alta, otimista e estridente. Há um violino e um
banjo misturados com o baixo, guitarra e bateria de costume.

Eu não tinha planejado dançar. Por um lado, eu


realmente não sei como. Não música country, pelo menos. E
não tenho certeza se posso olhar na cara de Raylan depois do
que fizemos esta manhã.

Ainda assim, encontro meu pé batendo no ritmo da


batida.

— Quer uma bebida? — Raylan me pergunta.

— Claro, — eu digo.

Vejo Raylan se dirigir a uma das barracas de cerveja. É


difícil para ele abrir caminho no meio da multidão – em parte
porque está tão lotado aqui, e em parte porque ele continua
esbarrando em pessoas que reconhece, que querem dar um
tapa em seu ombro e perguntar o que diabos ele tem feito nos
últimos anos. Vejo que mais do que algumas mulheres o
cumprimentam com particular simpatia. Eu sinto um rubor
nas minhas bochechas quando uma bela morena aperta seu
braço e tenta mantê-lo falando o máximo possível. Raylan é
cordial, mas segue em frente.

Ele espera na fila e retorna alguns minutos depois,


carregando dois copos plásticos de cerveja com muita espuma.

— Isso é tudo que eles tinham, — ele diz se desculpando.

Eu tomo um gole. Normalmente não gosto de cerveja, mas


há algo no sabor forte e efervescente que parece combinar bem
com o cheiro de couro e feno. A cerveja é gostosa e gelada,
refrescante no espaço quente e úmido.

Raylan bebe a sua em questão de segundos, então ele


amassa o copo e sorri para mim.

Ele sempre ataca sua comida e bebida assim, como se ela


pudesse desaparecer se ele não engolisse rápido. Como se
fosse a coisa mais deliciosa que ele já provou.

Ele me puxa para a pista de dança da mesma forma, como


se não houvesse um momento a perder.

Raylan tem tanta energia inquieta, tanto impulso ativo.

— Eu realmente não sei como... — eu começo, mas ele já


está me puxando para seus braços, uma mão na minha
cintura e a outra segurando minha palma direita.
Eu conheço um pouco de dança de salão básica – você
aprende indo a festas e eventos chiques. Pelo que eu posso
dizer, a dança country não parece ter passos de dança
estruturado da mesma forma que uma valsa ou salsa. Em vez
disso, há um primeiro passo básico e, em seguida, muitos
rodopios e giros.

Raylan me direciona com suas mãos grandes e fortes, às


vezes descansando as duas na minha cintura para me girar de
um jeito ou de outro, às vezes trocando seu aperto entre
minhas mãos, ou colocando ambas as mãos sobre minha
cabeça enquanto eu giro.

Sou desajeitada no início, tropeçando algumas vezes. Mas


é muito mais fácil dançar com botas de cowboy em comparação
com os saltos altos que eu normalmente uso. E a liderança de
Raylan é realmente perfeita – ele me guia sem esforço,
mudando meu ritmo de uma forma e de outra, mergulhando-
me sobre sua coxa vestida com jeans e, em seguida, puxando-
me de volta para cima.

Ele faz tudo parecer tão fácil. Ele se move com uma
espécie de graça casual que desmente o fato de que ele é
realmente bom nisso.

Eu não sou uma grande dançarina. Mas aprendo rápido.


Uma vez que ele me coloca em um determinado movimento
uma ou duas vezes, posso antecipá-lo da próxima vez. Logo
estou fazendo uma espécie de giro de três partes, onde abaixo
minha cabeça sob sua mão no terceiro giro, e um movimento
em que Raylan envolve meus braços em volta do meu corpo,
me dá uma volta e depois me arremessa para o final de seu
alcance como um ioiô, antes de me puxar de volta e me
envolver em seus braços novamente.

No começo, estou focada em aprender os movimentos.


Mas quanto mais posso seguir sua liderança sem pensar, mais
noto o calor saindo de seu corpo e a tensão de seus braços
quando pressiono contra seu peito. Eu posso sentir o cheiro
picante de sua loção pós-barba.

Eu me encontro relaxando, derretendo contra ele como


manteiga em uma panela quente.

A pista de dança está lotada. Todos os tipos de garotos do


interior – bronzeados, musculosos e charmosos. Mas nenhum
deles é tão bonito quanto Raylan, nem mesmo perto. E
ninguém pode se mover como ele. Não sou a única mulher que
não consegue tirar os olhos dele. Tenho certeza de que muitas
dessas meninas adorariam interromper a dança, mas Raylan
não para por um instante entre as músicas. Ele está sorrindo
e cheio de energia, dançando mais rápido e mais forte a cada
minuto.

Não acredito que ele tem esse tipo de resistência, quando


sei que ele passou a tarde toda quebrando aquela égua.

Na realidade... a maneira como ele me conduz nas danças


me lembra a maneira como ele montou aquela égua.
Direcionando-a de maneira tão sutil e gentil que a égua
pensava que tinha liberdade para correr, enquanto o tempo
todo fazia exatamente o que ele queria.

Ele está fazendo a mesma coisa agora. Me direcionando e


me treinando, sem eu nem perceber. Ele está na frente e estou
totalmente sob seu controle.

Eu fico rígida, resistindo ao seu movimento.

Raylan coloca a mão nas minhas costas e me puxa para


mais perto, tentando me girar em sua órbita. Mas agora estou
me afastando dele, meu prazer em dançar evaporando.

Eu não quero ser treinada. Eu não quero ser quebrada.

— O que há de errado? — Raylan diz, parado, mas ainda


segurando minhas mãos.

— Não quero mais dançar, — digo.

— Tudo bem, — Raylan diz facilmente. — Vamos pegar


outra bebida.

— Só água, — eu digo. Eu culpo a cerveja pelo rubor


quente que me fez pensar que eu poderia dançar. Isso me fez
pensar que era uma boa ideia deixar Raylan me girar e me
inclinar da maneira que ele quisesse.

Raylan vai buscar algumas garrafas de água para nós. Eu


me inclino contra a grade de madeira que margeia a pista de
dança, olhando ao redor da sala. Vejo Grady e Shelby
dançando o melhor que podem com a barriga de Shelby no
caminho. Eles estão quase balançando, as mãos de Grady nos
quadris de sua esposa e Shelby se esticando o mais alto que
pode alcançar para cruzar as mãos na parte de trás do pescoço
dele.

Eu odeio a ideia de estar grávida – de estar


essencialmente debilitada, incapaz de andar ou correr
normalmente, meu corpo esticado e tomado por outra coisa
viva. Eu nunca fico com aquela excitação indireta que outras
pessoas parecem sentir. Muito pelo contrário – quando vejo
uma mulher grávida, tenho vontade de estremecer e desviar o
olhar.

Mesmo quando Cal e Aida tiveram seu bebê, eu me senti


desconcertada. Fiquei feliz por eles, mas ao mesmo tempo senti
que algum tipo de feitiço estranho tomou conta de ambos,
mudando-os para sempre. Não foi uma coisa ruim. Mas meu
irmão é pai agora. Ele é irrevogavelmente uma pessoa diferente
do que era antes.

Posso ver Bo parada do lado de fora da porta, na varanda


que circunda o prédio. Aproximo-me para falar com ela,
atraída por ela com seus ombros marcados pela melancolia e
por meu próprio desejo de respirar ar fresco por um momento.

Bo está olhando para os campos escuros. Lavado pelo


luar, a ferocidade desapareceu de seu rosto. Seus olhos
escuros parecem melancólicos.

— É bom aqui fora, — digo a ela.


A brisa fresca é maravilhosa depois do calor da pista de
dança.

— Eu vi você dançando, — Bo diz.

— Você gosta de dançar? — Eu pergunto a ela.

Ela balança a cabeça. — Eu não gosto de multidões. —


Então, com um meio sorriso, ela admite: — Mas também não
gosto de ficar sozinha. Acho que é por isso que estou parada
na porta como uma idiota.

Eu rio suavemente. Eu entendo esse sentimento – às


vezes vou a uma boate ou festa e, no minuto em que chego lá,
fico irritada com o barulho e a fumaça. Mas então, assim que
chego em casa novamente, sinto uma espécie de vazio em
branco.

— Eu gostaria de poder desfrutar das coisas tão


facilmente quanto todo mundo consegue, — eu digo.

Bo olha para mim, seus olhos escuros brilhando sob seus


cílios grossos. — Às vezes eu acho que eles estão apenas
fingindo se divertir. E outras vezes acho que é realmente
simples para o resto do mundo. Eles são um grupo de relógios
que funcionam bem, e estou perdendo uma engrenagem em
algum lugar...

O final de sua frase é abafado por uma motocicleta de


estilo retro entrando no estacionamento. É uma daquelas
motos da velha guarda que parece que deveria ser usada por
um carteiro na 2ª Guerra Mundial. Talvez fosse – nesta moto
em particular está faltando tanta tinta que é impossível dizer
a cor original, e o motor barulhento cuspiu uma nuvem de
fumaça preta.

O piloto é magro, usa jeans rasgados e uma jaqueta


surrada que parece tão velha quanto a moto. Quando ele tira
o capacete, sacode uma juba de cabelo preto que cai abaixo de
seus ombros. Ele tem maçãs do rosto salientes, nariz aquilino
e olhos escuros ainda mais ferozes que os de Bo.

Vejo Bo ficar tensa ao vê-lo. Parece que ela vai correr para
dentro da The Wagon Wheel, mas depois muda de ideia e fica
parada.

— Achei que você disse que não viria, — diz o piloto,


colocando o capacete no assento da mota e caminhando em
direção a Bo.

— Mudei de ideia, — diz Bo, sacudindo a cabeça.

— Eu poderia ter te buscado.

— Eu não preciso de uma carona sua.

O menino vai direto até Bo, então eles estão quase nariz
com nariz. Ela se mantém firme, recusando-se a recuar, os
braços cruzados na frente do peito.

O ar entre eles estala com a tensão. Mesmo que suas


frases sejam inofensivas o suficiente, cada palavra carrega
consigo uma corrente de desafio e ressentimento.
— Quem é essa? — O menino diz, sem realmente olhar
para mim. Seus olhos estão fixos nos de Bo, furiosos e sem
piscar.

— Riona, este é Duke, — Bo diz, apresentando-nos em


um tom monótono.

— Prazer em conhecê-lo, — eu digo. Duke me ignora


totalmente, mas eu não me importo, porque estou fascinada
pela tensão entre os dois. Não quero boas maneiras, quero
saber o que diabos está acontecendo.

— Você prometeu dançar comigo, — Duke diz, agarrando


o pulso de Bo.

Ela o arranca de suas mãos e o empurra com força no


peito para garantir.

— O inferno que eu prometi! — Ela grita.

Duke emite um silvo agudo, como o barulho que você


faria para corrigir um animal rebelde. Ele se empurra entre Bo
e eu, pisando para dentro de The Wagon Wheel.

O silêncio que ele deixa para trás é pesado e penetrante.

Estou dividida entre meu desejo de pedir detalhes à Bo e


o conhecimento de que ela provavelmente quer que eu cuide
da minha própria vida.

— Aí está você! — Raylan diz, entregando-me uma garrafa


de água. — Eu estava procurando por você.
— Onde está minha bebida? — Bo diz para ele.

— Eu não sabia que você estava aqui – você pode pegar


minha água.

— Água não é uma bebida, — Bo diz mal-humorada. Ela


ignora a garrafa de água oferecida e entra para pegar algo mais
satisfatório.

Eu torço a tampa e bebo a água, desidratada da minha


longa sessão de dança.

Raylan inclina a cabeça, observando-me.

— Por que você veio para cá? — Ele diz.

Eu fujo da pergunta, dizendo em vez disso: — Qual é o


problema com Bo e Duke?

— Oh, — Raylan ri. — Eles eram melhores amigos


enquanto cresciam. Um par de diabinhos se metendo em
problemas constantemente. Agora, eu não sei exatamente
sobre o que eles estão discutindo, já que não tenho estado por
perto ultimamente e só tenho algumas coisas de segunda mão.
Mas suponho que Duke queira ser mais do que amigo, e Bo
está chateada com isso.

— Ela não gosta dele desse jeito?

Raylan olha para mim, a sobrancelha escura erguida. —


As mulheres nem sempre sabem do que gostam.
Sinto a cor subindo em meu rosto. — Isso é muito sexista,
— eu digo.

Raylan encolhe os ombros. — Ok. As pessoas não sabem


do que gostam —. Ele sorri. — Especialmente mulheres.

Eu franzo a testa para ele, meu temperamento


aumentando. — Eu sei do que gosto e do que não gosto, — digo
a ele.

Ele continua sorrindo para mim daquele jeito irritante. —


Eu não acho que você saiba.

Quero dar um tapa em sua cara presunçosa novamente,


mas eu não daria a ele essa satisfação.

Isso é exatamente o que eu suspeitava. Ele acha que pode


me manipular. Ele acha que pode me quebrar.

— Vamos voltar, — eu digo friamente. — Estou cansada.

A expressão de Raylan mostra claramente que ele pensa


que estou mal-humorada, não cansada. Mas tudo o que ele diz
em voz alta é: — Tudo bem, vou buscar os outros.

À medida que voltamos para dentro de The Wagon Wheel,


o calor e a umidade estão mais fortes do que nunca. A banda
está pisando forte no palco enquanto tocam, e as botas dos
dançarinos também trovejam contra o piso de madeira. Parece
abalar todo o salão.
Raylan segue em direção a Grady e Shelby, que ainda
estão dançando juntos no canto, longe da selvageria dos outros
dançarinos.

Eu procuro por Bo. Em vez disso, vejo Duke dançando


com uma ruiva bonita. Ele está com as mãos nos quadris dela
e ela está olhando para ele com uma expressão sedutora,
obviamente satisfeita por estar tão perto dele.

Bo está parada na beira da pista de dança, da mesma


forma, observando-os enquanto engole metade de sua cerveja.
Seus olhos estão estreitados e dois pontos brilhantes da cor do
fogo em suas bochechas.

Duke não está prestando muita atenção na ruiva. Ele


continua olhando para Bo. Ele parece desafiador, mas também
um pouco desconfortável, como se estivesse se arrependendo
de sua estratégia.

Enquanto a música termina, a ruiva estende a mão para


colocar uma mecha de cabelo atrás da orelha dele.

Vendo isso, Bo se vira e começa a abrir caminho no meio


da multidão, indo em direção à saída. Duke abandona a ruiva
na pista de dança para que ele possa ir atrás dela. Ele alcança
Bo a cerca de um metro e meio de onde estou, então tenho uma
visão completa do que acontece a seguir, embora não consiga
ouvir o que estão dizendo por causa do barulho da música e
da multidão.
Duke agarra o braço de Bo. Ela o sacode com raiva. Ele
grita algo para ela, acenando com as mãos em frustração. Ela
revira os olhos e tenta se afastar dele novamente. Ele agarra
seu ombro e a gira. Então ela joga o resto de sua cerveja na
cara dele.

Isso tem um efeito semelhante a jogar um fósforo no meio


de uma poça de gasolina. Duke parece pronto para estrangulá-
la, seu rosto tão cheio de fúria que até Bo parece um pouco
envergonhada.

Mas a cerveja não se limitou a encharcar Duke.


Respingou na nuca dos dois homens que estavam atrás dele.
Os dois cowboys se viram, os punhos já erguidos.

Os cowboys não parecem se importar que Duke tenha


sido atingido com mais cerveja do que eles. Eles estão
procurando alguém para culpar, e ele é o culpado óbvio. Após
uma breve troca de insultos, o maior dos dois cowboys golpeia
Duke bem no rosto. Ele se abaixa sob o soco com uma
velocidade e fluidez que me choca, e também choca o cowboy.
O cowboy parece perplexo, como se tivesse acabado de
testemunhar um truque de mágica. Seu amigo reage um pouco
mais rápido, acertando Duke no lado com um soco.

Mesmo que ela tenha lutado com Duke cinco segundos


antes, Bo grita de raiva e corre para os dois cowboys. Ela chuta
o cowboy número dois, bem no estômago com o salto da bota,
depois acerta o queixo dele com um cruzado de direita. O
cowboy maior a agarra por trás, prendendo seus braços ao lado
do corpo, e ela chuta as duas pernas na frente dela, atingindo
o amigo novamente.

Agora Duke está devidamente chateado e joga o braço em


volta do pescoço do grande cowboy, sufocando-o até que ele
solte Bo. Mas os cowboys aparentemente não vieram sozinhos
– pelo menos seis outros caras estão se juntando à luta de
todos os lados.

Estou congelada no lugar, sem saber o que diabos fazer.


É uma confusão de pessoas, e não tenho certeza de quem está
de que lado. Especialmente quando Raylan e Grady entram na
briga. Raylan arranca um dos cowboys de cima de Bo e o joga
sobre a cerca de madeira na pista de dança. Grady está dando
socos à esquerda e à direita, levando um golpe no rosto que
nocautearia um urso pardo, mas simplesmente balança a
cabeça e volta para mais.

A briga se espalha como um vírus. Em segundos, parece


que todos estão lutando, e não posso dizer se há times ou
lados, ou apenas um monte de gente aproveitando a
oportunidade para liberar sua agressão em quem está ao lado
deles.

Alguém agarra meu braço, mas é apenas Shelby me


puxando em direção à porta, seu braço embalado
protetoramente ao redor de sua barriga.

— Vamos! — Ela grita.

— E quanto a Bo?
— Raylan vai trazê-la, — Shelby ofega.

Ela me puxa para fora até a entrada, que já está lotada


com os dançarinos que também queriam fugir da briga.
Algumas pessoas estão rindo e espiando pelas janelas,
comentando sobre a confusão lá dentro. Outros estão indo
para seus carros, obviamente sentindo que se divertiram o
suficiente por uma noite.

Eu ouço o toque de uma única sirene, distante, mas


inconfundível. Alguém chamou a polícia, embora eu não saiba
como um único xerife vai acabar com essa bagunça.

Raylan vem disparado pela porta, meio carregando e meio


arrastando Bo junto. Grady está bem atrás dele. Juntos, eles
marcham com a irmã de volta a caminhonete. O lábio de
Raylan está inchado e Grady tem o início de um olho roxo
impressionante. Mas ambos estão sorrindo.

— Você disse que não iria lutar esta noite! — Shelby diz,
batendo furiosamente no braço do marido. Ele parece sentir
isso tanto quanto um alce sente um mosquito. Ainda assim,
ele finge estar intimidado.

— Eu não comecei isso! — Ele diz. — Duke começou.

Bo parece um pouco culpada. Ela sabe que se alguém


começou a brigar, foi ela. Mas ela não fala nada e não vou
delatá-la.

Depois que Raylan colocou Bo no banco de trás, ele


agarra meus ombros e me olha.
— Você está bem? — Ele diz.

— Sim, claro. Estou bem, — garanto a ele.

— Tudo bem. Apenas certificando-se de que você não foi


atingida por estilhaços perdidos, — diz ele. — Você sabe...
copos vazios. Tabaco mascado. Suor de cowboy.

Eu sorrio, apesar de tudo.

— Não, — eu digo. — Nada como isso.

— Graças a Deus, — Raylan diz. — Você deixa uma gota


de suor de cowboy em você, e você nunca vai tirar esse cheiro.

— Você é um cowboy, — eu digo, baixo o suficiente para


que ninguém mais ouça. — E eu tenho quase certeza de que
tive seu suor em mim...

Raylan sorri. — Isso é diferente...

— Então, você gostou de sua primeira dança country? —


Shelby me chama do banco de trás.

— Isso foi... muito divertido, — eu admito.

— Você teve a experiência completa, — diz Grady. —


Nenhuma boa dança termina sem uma briga.

— Há muitas danças boas sem nenhuma luta! — Shelby


exclama.

— Diga uma, — Grady diz.


Shelby morde o lábio, obviamente sem saber uma
resposta imediata.

— Casamento da Carrie! — Ela deixa escapar.

— Uh. Jonny White espancou Carl Oakton na metade da


recepção. Logo antes de cortarem o bolo.

Eu posso ver Shelby carrancuda no espelho retrovisor,


mas ela não consegue pensar em nenhum outro exemplo para
provar sua afirmação.

Grady sorri presunçosamente, jogando o braço em volta


dos ombros de sua esposa e apertando-a com força.

Bo se senta ao lado do casal, em silêncio e carrancuda.

Raylan olha para ela.

— Você está bem, irmã? — Ele diz.

— Sim, claro, — diz Bo. — Estou bem.

Raylan acena com a cabeça e volta para a estrada, mas


posso vê-lo pensando, provavelmente juntando as peças no
que aconteceu.
Uma espécie de silêncio pacífico se espalha no carro.
Posso dizer que Shelby está ficando com sono, com a cabeça
apoiada no peito de Grady e as pálpebras caídas como as de
uma criança. Bo está olhando pela janela, embora a noite
esteja negra como breu e ela não possa ver nada nos campos
e na floresta por onde passamos.

Não sei o que diabos está acontecendo com ela e Duke,


mas não me sinto exatamente em posição de dar conselhos.
Estou perseguindo uma garota que mal me tolera, que parece
determinada a bater com a ponte levadiça na minha cabeça
toda vez que tento me contorcer para passar pela parede de
seu castelo.

A maldita Riona estava tão linda esta noite. Eu a amo em


suas roupas de advogada, mas nunca vi nada mais bonito do
que sua pele suave contra aquele vestido verde claro, com seus
cabelos ruivos soltos e ondulados sobre os ombros.

Ela parecia relaxada e livre de uma maneira que nunca


tinha visto antes. Estranhamente, ela parecia mais ela mesma
do que em Chicago. Ela estava sorrindo, dançando comigo
como se tivesse feito isso toda a sua vida. Ela tenta ser tão
rígida e severa, mas não é ela, na verdade. A verdadeira Riona
é aventureira, montando em um cavalo quando ela nunca
esteve a menos de três metros de um antes. Ela é graciosa,
rodando em meus braços como se tivesse nascido para dançar.
Ela é perceptiva, encontrando Bo quando Bo é tão espinhosa
quanto um cacto e não consegue se dar bem com ninguém,
incluindo seu maldito melhor amigo.

É isso que vejo quando olho para Riona. Uma mulher que
pode ser qualquer coisa e fazer o que quiser.

Mas ela parece determinada a negar.

Eu a senti se afastando de mim enquanto dançávamos.


Eu vi aquele ressentimento explodir em seus olhos novamente,
aquela recusa em se permitir desfrutar algo que ela estava
obviamente amando apenas alguns minutos antes.

Eu não a entendo.

Mas, porra, eu quero.

Eu quero isso mais do que tudo. Quero decifrar o código


de sua psique. Quero conquistá-la. Quero torná-la minha.

E não é só porque é um desafio. Talvez tenha começado


assim – Dante me chama de Long Shot por um motivo. Se você
me disser que não posso ter algo, quero dez vezes mais.
Mas já passou disso com Riona. Quanto mais tempo
passo com ela, mais percebo que ela tem uma força de vontade
mais forte do que um furacão. Eu admiro isso

Nunca quis uma garota do interior de temperamento


doce. Eu adoro Shelby – ela é o tipo certo de anjo para aturar
meu irmão. Mas eu não quero isso para mim.

Eu quero uma igual. Alguém que me empurra e me


desafia.

Eu quero uma parceira.

O único problema é que você não pode tornar alguém seu


parceiro contra a vontade dele. E não acho que Riona queira
se amarrar a mim por um maldito segundo. Acho que até a
ideia disso a assustaria.

Não sei como convencê-la a me dar uma chance de


verdade.

Mas tenho algumas ideias.

— Você pode simplesmente nos deixar em casa, — Grady


me diz.

— Claro, — eu digo, virando à direita na bifurcação da


estrada que leva a sua casa. Eu os deixo na frente de sua linda
casa branca, esperando apenas um minuto para ver se minha
mãe vai sair. A porta permanece fechada – estou supondo que
ela provavelmente adormeceu ao lado dos meninos quando os
estava colocando para dormir. É o que geralmente acontece.
Então eu levo Bo e Riona de volta para a casa da fazenda.
Bo salta assim que desligo o motor. Ela entra em casa pisando
forte, ainda nervosa com o que quer que tenha acontecido na
festa, e não quer falar com Riona ou comigo sobre isso.

Riona começa a andar na mesma direção, mas eu agarro


seu braço e puxo-a suavemente de volta, dizendo: — Espere
um segundo, quero falar com você.

— Está frio, — diz Riona.

Não está realmente frio – um pouco fresco no máximo.


Mas eu digo: — Venha aqui, então. Vai estar mais quente.

Eu a puxo para o menor dos celeiros, o mais próximo da


casa. No momento está vazio de animais – na verdade, há anos.
Meu pai o usou como área de trabalho por um tempo, e agora
Grady o usa para fazer selas. Cheira a feno limpo, maçãs e um
leve cheiro de Mary Jane15, porque Grady fuma aqui quando
está chovendo.

Há um banco de madeira com alças no centro da sala


onde Grady coloca as selas que são um trabalho em
andamento. Suas ferramentas estão dispostas em uma mesa
próxima, junto com uma lanterna, pedaços de couro e pedaços
de tiras de couro.

Eu acendo a lanterna, lançando um brilho dourado fraco


ao redor do espaço e criando uma floresta de sombras longas
e distendidas. A pele pálida de Riona parece luminescente e

15 Maconha.
seus olhos verdes brilham como os olhos de uma raposa
rondando a beira de uma fogueira. Ela parece desconfiada de
mim, envolvendo os braços em volta de si mesma e mantendo
distância entre nós.

— O que aconteceu esta noite? — Eu pergunto a ela.

— A luta? — Ela diz. — Eu realmente não consegui ouvir


o que Bo e Duke estavam dizendo...

— Não, isso não, — eu digo. — Antes. Quando estávamos


dançando.

Os olhos de Riona encontram os meus por um segundo,


então desvia o olhar com determinação.

— Não sei o que você quer dizer, — ela diz.

— Sim, você sabe. Estávamos dançando juntos. Você


estava se divertindo. E então você se afastou de mim. Você
ficou chateada e quis vir embora.

Os lábios de Riona estão pálidos e sua mandíbula parece


rígida. — Eu estava cansada de dançar, — diz ela.

— Você está mentindo.

Seus olhos brilham para mim, brilhantes e furiosos. —


Eu não minto!

— Sim, você mente. Diga-me a verdade. Diga-me por que


você queria parar.

— Não é da sua conta! — Ela grita.


Seus braços descruzaram e agora seus punhos estão
fechados ao lado do corpo. Do modo de defesa ao ataque. Tudo
bem – prefiro lutar do que bater minha cabeça contra uma
parede de tijolos.

— Diga-me por que você ficou com raiva de mim de


repente.

— Eu não gostei do jeito que você estava me guiando! —


Riona grita.

Não era isso que eu esperava que ela dissesse. — Do que


você está falando? — Eu digo.

— Quando estávamos dançando – você estava agindo


como se estivéssemos dançando juntos. Mas era você quem
estava no controle.

— Isso é dançar. O homem lidera, a mulher segue.

— Eu não quero isso! — Riona diz. — Eu não quero seguir


ninguém. Não quero ser controlada por outra pessoa.

— Foi só uma dança! — Eu digo, com uma risada


incrédula. — Eu sei como dar dois passos. Você não.

Eu não deveria ter rido, porque isso só a deixa mais


irritada.

— Não é só a dança! — Riona sibila. — É tudo. Você está


tentando me enganar sendo calmo, charmoso e engraçado...
Eu não posso deixar de sorrir um pouco. — Você acha
que eu sou engraçado?

— Não! — Riona grita.

— Mas você acabou de dizer...

— Você está tentando colocar uma rédea em mim, sem


que eu perceba!

— Eu... o quê?

— Eu vi você lá fora com aquela égua. Você estava agindo


com toda a calma e paciência com ela. Acalmando-a com uma
falsa sensação de segurança. Então você coloca a rédea nela,
e então você sobe nas costas. E logo você estava andando por
aí. E a égua galopava o mais rápido que podia, pensando que
poderia fugir de você. Mas não percebeu que já estava presa.
E então você simplesmente a cansava, até quebrá-la. Eu não
vou ser aquela merda de égua!

Eu fico lá em silêncio por um segundo, absorvendo o que


ela disse. Então eu balanço minha cabeça para ela.

— Você não sabe absolutamente nada sobre cavalos, —


digo a ela.

Riona faz uma careta. Uma das coisas que é tão irritante
sobre essa mulher é que ela fica ainda mais bonita quando está
brava. Suas bochechas ficam tão vermelhas quanto seu cabelo,
e ela parece feroz e imperiosa como uma imperatriz. É muito
perturbador. Mas agora, em uma coisa, estou certo e ela está
errada. E estou determinado a provar isso.

— O que você quer dizer? — Ela diz.

— Você não quebra um cavalo. Não da maneira que você


está dizendo. Você poderia bater em um cavalo, chicoteá-lo e
gritar com ele e, eventualmente, quebrar seu espírito, mas de
que adiantaria então? Ele ficaria com medo de você, nervoso e
arisco. Provavelmente iria se assustar quando você menos
esperava e te derrubaria, quebrando o seu pescoço.

Riona inclina a cabeça, ainda carrancuda, mas também


considerando o que estou dizendo. Ela gosta de discutir, mas
vai ouvir também.

— Aquela égua nunca tinha sido montada em sua vida.


Então, sim, eu tive que acalmá-la, facilitar para ela me aceitar.
Você está certa sobre isso. Mas assim que a montei, nós dois
queríamos correr. Ela começou a galopar e eu a incentivei a ir
cada vez mais rápido. Ela estava galopando pelos campos, mas
nunca foi perseguida, nunca correu antes. Ela nunca tinha
realmente corrido. Eu não quebrei aquela égua. Eu a libertei.
Eu mostrei a ela o que ela poderia fazer. E ela adorou isso.

Dou um passo mais perto de Riona, fechando o espaço


entre nós. Ela fica exatamente onde está, apenas levantando
um pouco o queixo para me olhar no rosto. Seus olhos estão
arregalados e sem piscar.
Eu passo meu polegar suavemente pela curva delicada de
sua mandíbula, em direção a seu lábio inferior carnudo.

— Não quero prender você, — digo a Riona. — Eu quero


despertar você. Eu quero libertar você. Eu quero mostrar o que
você realmente é...

Eu corro meu polegar em sua boca.

Os lábios de Riona se abrem.

Eu movo meu polegar e o substituo pela minha língua.


Eu deslizo minha língua em seu lábio inferior e superior, e
então no espaço entre eles. Quando ela abre a boca um pouco
mais, eu enfio minha língua dentro, provando-a. Eu agarro seu
cabelo ruivo espesso, enrolando-o em volta da minha mão
como uma corda, e puxo seu rosto para o meu, penetrando sua
boca com minha língua. Este não é um beijo casto – sou eu
tomando sua boca. Violando isso. Enchendo-a.

Eu quero que ela fique tonta e oprimida. Quero lembrá-la


de como é bom quando ela me deixa fazer do meu jeito com
ela.

Com certeza, ela derrete em mim, seu corpo inteiro


afundando contra o meu. Ela geme na minha língua. Posso
sentir seus lábios inchando com o beijo áspero, aumentando
sua sensibilidade. Posso sentir sua mandíbula relaxando,
deixando-me entrar cada vez mais fundo.

Eu puxo seu cabelo para inclinar sua cabeça para trás


ainda mais, expondo sua garganta branca e suave. Depois,
lambo do esterno, subindo pelo pescoço até a orelha direita,
fazendo-a estremecer de prazer. Seus mamilos se destacam em
pontos duros contra o vestido de algodão.

Eu rosno em seu ouvido, — Eu quero que você se


entregue a mim. Eu quero que você faça exatamente o que eu
digo. E se você não amar cada minuto disso... vou deixá-la
sozinha para sempre. Eu nunca vou te incomodar novamente.
Você concorda?

Riona hesita e eu puxo seu cabelo com um pouco mais de


força.

— Sim ou não? — Eu assobio.

— S-sim, — ela gagueja.

— Bom. — Eu solto seu cabelo. Em vez disso, agarro a


frente de seu vestido e o rasgo, os botões saltando e voando em
todas as direções. Seus seios nus se espalham, balançando
uma vez, os mamilos mais duros que vidro.

— Não... — Riona protesta, tarde demais. Ela está


preocupada em estragar o vestido emprestado.

Eu a agarro pela garganta e rosno em seu ouvido, — Cale


a boca. Você prometeu fazer o que eu digo.

Eu vejo aquele fogo de rebelião em seus olhos verdes, mas


é engolido pela luxúria. Ela quer isso tanto quanto eu, embora
odeie admitir. Eu posso sentir seu pulso vibrando contra
minha palma. Posso ver aqueles lindos seios nus arfando com
sua respiração rápida.

Eu apalpo seu seio rudemente com minha mão livre.


Aperto sua delicada suavidade e puxo o mamilo, rolando-o
entre o dedo e o polegar. Riona engasga.

Segurando sua garganta, acaricio seu outro seio. Eu me


revezo entre eles, beliscando e apertando, até que seus
mamilos rosa pálido estão inchados e mais escuros em dois
tons.

Então abaixo minha cabeça e pego seu mamilo em minha


boca. Eu agito suavemente com minha língua, até que a sinto
se contorcer. Então chupo forte. Riona solta um longo gemido
de alívio.

Eu aperto seu seio com a mão enquanto chupo o mamilo,


como se estivesse ordenhando. Posso sentir seus joelhos
enfraquecendo, seus braços circulando em volta do meu
pescoço para se apoiar.

Eu trabalho um seio e depois o outro. Riona agarra a


parte de trás da minha cabeça e pressiona minha boca com
mais força contra seu seio, querendo mais e mais.

Em vez disso, endireito-me e a arrasto até o banco para


selas. É da altura da cintura, apenas largo o suficiente para
uma sela.

Eu a curvo sobre o banco e afasto suas pernas com meus


pés. Pegando uma corda enrolada da parede, eu amarro suas
mãos na frente dela e prendo-as no banco. Em seguida, amarro
os tornozelos, um de cada vez, para que fiquem separados.

Posso praticamente ouvir sua frequência cardíaca


aumentar. Ela se contorce contra as cordas, com medo de ser
contida, querendo resistir a mim. Mas sei que ela também está
curiosa – curiosa sobre o que acontecerá se, pela primeira vez
na vida, ela abrir mão de todo o controle.

Depois de amarrá-la firmemente, dou um passo para trás


para admirar a vista. Ela está curvada sobre o banco,
totalmente indefesa. Seu cabelo vermelho brilhante cai em
torno de seu rosto, meio cegando-a. Seus seios nus estão
pressionados contra a madeira, seus tornozelos amarrados a
cerca de meio metro de distância.

Eu ando atrás dela e empurro sua saia, então o resto do


vestido está enrolado em sua cintura. Isso revela suas duas
nádegas brancas e suaves, redondas, cheias e atraentes à luz
dourada pálida.

Ela está usando uma calcinha de renda. A única coisa


que a cobre agora.

Pego uma tesoura da bancada, a lâmina brilhando na luz.


Eu a abro e fecho uma vez para que Riona possa ouvir seu som
vicioso.

Então coloco a lâmina contra a pele macia de seu quadril,


deslizando-a sob o cós da calcinha. Corto sua calcinha em um
estalo afiado. Eu faço o mesmo do outro lado, afastando os
pedaços de tecido para expor os lábios rosados e macios de sua
boceta, e a pequena abertura enrugada de sua bunda.

Agora ela está completamente vulnerável. Posso ver suas


pernas tremendo. A umidade brilha entre os lábios de sua
boceta. Minha boca enche de água.

Mas ainda não é hora para isso.

Em vez disso, volto para a parede e tiro um chicote de


montaria recém-feito. É um pouco mais comprido que meu
antebraço, feito de couro novo preto. A alça é rigidamente
trançada, com um pequeno laço de couro na cabeça. Eu bato
aquele laço contra minha palma, fazendo um som agudo de
estalo. Riona recua, tentando olhar para mim, mas presa no
lugar.

Passo o chicote pela lateral de seu seio nu. Ela estremece


ao toque e seus mamilos endurecem novamente.

Então eu passo o chicote de montaria por sua espinha.


Eu admiro a rigidez de sua cintura, alargando-se para sua bela
bunda em forma de coração. Eu passo o chicote pelo lado
esquerdo de sua bunda, pela coxa, então eu gentilmente
provoco o pequeno laço de couro em sua boceta nua, e por todo
o caminho até sua bunda, fazendo-a gemer alto.

Eu descanso minha mão livre na parte inferior de suas


costas.

— Se você fizer o que eu digo, vou recompensá-la, — digo


a ela. — Se você desobedecer, vou puni-la.
Eu posso sentir suas costas tensionada enquanto ela se
rebela contra a ideia de recompensa e punição. Mas a
curiosidade e a excitação a mantêm em silêncio.

— Só para deixarmos claro, é assim o castigo, — digo.

Eu balanço o chicote no ar, chicoteando-a com força na


bunda.

Riona grita, tentando se afastar, mas ela está amarrada


com força sobre o banco.

O chicote deixa um vergão rosa comprido naquele traseiro


branco como a neve. Sua pele é extraordinariamente delicada.
A visão dessa marca faz meu pau latejar de luxúria.

Eu a chicoteio novamente, do outro lado. Ela recua, mas


consegue conter o choro desta vez.

Dou mais um tapa nela e, dessa vez, ela quase não pula.

Ela não consegue parar de tentar manter o controle sobre


suas reações.

Tudo bem – veremos quanto tempo dura.

— Isso foi um castigo, — eu digo. — Esta é uma


recompensa...

Massageio sua bunda avermelhada com minha mão,


suavemente acalmando a dor. Riona relaxa e exala
suavemente, incapaz de resistir ao meu toque.
Alcanço entre suas coxas e toco sua boceta em vez disso,
correndo meus dedos sobre os lábios macios. Eu posso sentir
seu clitóris inchado se projetando entre os lábios. Deixo a base
do meu polegar dançar sobre ele, fazendo-a respirar
estremecendo.

Meus dedos estão escorregadios com sua umidade.


Massageio sua boceta, deslizando meus dedos entre suas
dobras, mas não a penetrando ainda. Apenas provocando seu
clitóris, deixando meu polegar deslizar sobre ele novamente e
novamente até que eu a sinto tentando esfregar contra minha
mão tanto quanto ela pode enquanto está amarrada pelas
cordas. Sua respiração se acelera e posso dizer que ela já está
à beira do clímax, de pura excitação.

Então eu puxo minha mão.

Riona geme de frustração.

— Ainda não, — eu digo. — Você não mereceu.

Ando até a frente do banco. Eu fico bem na frente de


Riona e desabotoo meu jeans. Retiro meu pau, que está duro
e latejante e já pingando pré sêmen.

Agarro meu pau pela base e o seguro para ela.

— Chupa, — eu ordeno.

Por um momento, Riona pressiona os lábios,


contemplando a desobediência. Mas ela está desejando uma
recompensa. Então abre a boca e me deixa alimentá-la com
meu pau.

Suas mãos estão amarradas e ela está imobilizada no


banco. Tudo o que ela pode fazer é relaxar o queixo e me deixar
empurrar para dentro e para fora de sua boca. Eu sinto sua
língua deslizando na parte inferior do meu pau, da base até a
cabeça.

Empurro superficialmente no início, depois mais fundo


enquanto meu pau é lubrificado por sua saliva. Logo estou
chegando ao fundo de sua garganta, fazendo-a engasgar.

É incrivelmente dominador usar sua boca assim. Não


significaria porra nenhuma se fosse uma garota qualquer, mas
Riona é uma rainha. É como se eu tivesse capturado Cleópatra
como meu espólio de guerra. Eu me sinto como um maldito
imperador.

Bombeio para dentro e para fora de sua boca, meu pau


tão inchado e quente que sinto como se fosse rasgar minha
própria pele. Sêmen ferve em minhas bolas, implorando para
ser liberado.

Ainda não, entretanto. Eu mal comecei.

Em vez disso, saio de sua boca dizendo: — Bom trabalho,


baby.

— Eu não sou sua baby! — Riona diz furiosamente.

— Oh, você não é?


Ando ao redor dela, pegando o chicote novamente e
batendo com força em sua bunda. Riona não consegue evitar
gritar.

— Ow! — Ela grita.

Eu a chicoteio novamente, no mesmo lugar.

— Porra! — Ela grita, se contorcendo e se mexendo.

CRACK!

CRACK!

CRACK!

Eu a chicoteio impiedosamente, até que suas nádegas


inteiras estejam rosa brilhante.

Então eu largo o chicote e enfio meus dedos dentro dela.


Ela engasga e sua boceta quente e molhada se contrai. Agora
ela está se contorcendo por um motivo totalmente diferente.

— Oh, Deus, — ela geme.

Estou esfregando seu clitóris e tocando-a em um ritmo


constante. Eu posso senti-la balançando contra minha mão,
suas coxas tremendo e sua boceta apertando em torno de
meus dedos.

— Apenas as boas meninas podem gozar, — digo a ela em


voz baixa.
Ela geme e pressiona com mais força contra minha mão,
desesperada por liberação.

— Diga que você é minha garota, — eu exijo.

Silêncio por um momento, então ela engasga, — Eu sou


sua!

— Minha para proteger?

— Sim, — ela ofega.

— Minha para mandar?

— SIM! — Ela grita, bem no limite.

Eu paro de tocá-la e ela grita de frustração.

Mas ela não teve que esperar muito. Em vez disso, eu a


agarro pelos quadris e empurro meu pau naquela boceta
apertada e molhada. Ela grita de prazer enquanto eu a fodo por
trás. Segurando firme em seus quadris, empurro nela
novamente e novamente, meus quadris batendo contra sua
bunda ainda mais alto do que o chicote.

Eu me abaixo para esfregar aquele pequeno clitóris


inchado no ritmo das minhas estocadas.

Leva apenas três segundos para empurrá-la do limite.


Sinto sua boceta apertando e se contorcendo em torno do meu
pau, e ela solta um grito longo e estrangulado quando eu
finalmente permito seu orgasmo.
O clímax continua indefinidamente. Cada impulso parece
arrancar outra onda de prazer dela.

Estou morrendo de vontade de explodir dentro dela ao


mesmo tempo. Minhas bolas estão latejando. O aperto rítmico
de sua vagina é quase irresistível. Mas eu me contenho, por
pouco.

Em vez disso, fico atrás dela e começo a comer sua


boceta. Lambo seu clitóris, sentindo o quão quente, inchado e
macio é contra a minha língua.

Riona grita, muito sensível ao orgasmo. Mas eu continuo,


suavemente no início, e então com um pouco mais de pressão
enquanto a sinto relaxar e começar a balançar contra minha
língua. Eu a lambo constante e profundamente. Construindo
um segundo clímax.

— Oh meu Deus... oh... Eu não consigo... — Ela arqueja.

— Goze para mim de novo, — exijo, meu rosto enterrado


em sua vagina.

Parece que sua boceta está pegando fogo. Ela tem um


gosto mais doce do que nunca. Sua boceta é aveludada contra
a minha língua, e estou lambendo cada vez mais forte,
empurrando meus dedos dentro dela.

— Ohhhh SIM! — Ela grita, enquanto ela começa a gozar


novamente.
Este orgasmo a atinge com força, como um martelo. Seu
corpo inteiro fica tenso. Ela faz uma careta como se estivesse
com dor, mas na verdade é prazer, um prazer tão intenso que
é quase insuportável.

Ela solta um pequeno soluço quando seu corpo


finalmente se solta. Ela está deitada sobre o banco de madeira,
fraca e exausta.

Desamarro as cordas em volta de seus pulsos e tornozelos


e a levanto do banco.

Ela está mole como roupa acabada de sair do


espremedor16. Ela nem consegue erguer a cabeça, que se apoia
no meu braço. Eu retiro o que resta do vestido, então seu corpo
esguio fica completamente nu.

Não terminei com ela ainda. Eu vou fodê-la até a


inconsciência.

Como a égua que galopou até a exaustão, vou mostrar à


Riona o auge do prazer que posso dar a ela, se ela se entregar
a mim.

Eu a levanto, seus braços em volta do meu pescoço e suas


pernas em volta da minha cintura. Então encontro um ponto
vazio na parede do celeiro e a pressiono contra ele, deslizando
meu pau dentro dela mais uma vez. Eu a fodo contra a parede
com a velocidade e ferocidade de um garanhão montando uma

16Esse espremedor em questão era uma máquina usada antigamente para retirar a água das roupas
após serem lavadas, era constituído em dois rolos de madeira no qual se colocava a roupa no meio e
manualmente se passava a peça entre eles, acelerando o processo de secagem.
potranca. Entro nela novamente e novamente, suas pernas
travadas em volta da minha cintura e seu clitóris esfregando
contra a parte plana do estômago logo acima do meu pau.

Eu bloqueio minhas mãos sob sua bunda, puxando-a


com força contra mim. Certificando-me de que meu pau a
preencha completamente, para que cada centímetro dela seja
estimulado.

Seus seios nus esfregam contra o meu peito, a fricção em


seus pequenos mamilos duros fazendo-a ofegar.

Pego um punhado de seu cabelo e a beijo novamente,


sentindo o gosto daqueles orgasmos em sua respiração, o gosto
de suor e sangue de meu próprio lábio partido.

Estou prestes a gozar. Eu não posso segurar muito mais


tempo.

Mas estou determinado a forçar mais um orgasmo de


Riona primeiro.

Ela está exausta, mas posso sentir seu clitóris esfregando


contra mim, e posso sentir sua boceta começando a ficar tensa
e apertar novamente.

— Goze para mim, — eu rosno em seu ouvido. — Goze


para mim agora.

Riona morde meu ombro com força, estrangulando seu


grito. Ela está gozando pela terceira vez, suas coxas cerradas
com força em torno de mim e seus braços agarrados ao meu
pescoço.

Desta vez, eu não poderia parar, mesmo que quisesse. Eu


irrompo dentro dela, um orgasmo que parece um aneurisma.
Minha cabeça explode ao mesmo tempo que meu pau, em uma
corrida brilhante e ofuscante que quase me nocauteia. Estou
gozando mais forte do que jamais gozei na minha vida.
Violentamente duro, com uma intensidade chocante.

Eu tenho que soltar Riona em uma pilha de feno limpo, e


eu caio em cima dela, ainda cego pelas luzes piscantes, com
meu pau ainda pulsando e pingando sêmen, embora eu tenha
puxado para fora dela.

Eu a envolvo em meus braços e a aperto com força,


incapaz de falar.

Riona parece delirante, as pálpebras tremendo.

Estamos ambos encharcados de suor, embora eu não


tenha percebido até agora. Acho que a temperatura no celeiro
subiu trinta graus.

— Isso foi uma loucura... — Riona geme, quando ela pode


finalmente falar novamente.

Eu a beijo mais uma vez, ainda com fome por ela.

Nós dois estamos muito fracos e exaustos para nos


movermos.

“Loucura” é uma palavra ambígua. Pode ser boa ou ruim.


Mas não preciso perguntar se ela gostou. Eu sei do que
Riona precisa.
Raylan me leva de volta para casa e todo o caminho até o
quarto de hóspedes. Acho que ele está planejando me colocar
na cama, mas digo a ele, inesperadamente, e surpreendendo-
o tanto quanto a mim, — Você vai ficar comigo?

Raylan parece surpreso, mas satisfeito.

— É claro, — ele diz.

Mesmo sendo uma cama queen-size, Raylan é grande o


suficiente para que ainda estejamos juntos no colchão, seu
peso nos fazendo rolar juntos no meio da cama. Com minha
cabeça apoiada em seu peito, posso sentir seu coração batendo
contra meu ouvido, firme e forte. É um som incrivelmente
pacífico. Tão regular quanto as ondas do mar.

Sinto minha frequência cardíaca desacelerar para


corresponder à dele. Minha respiração está ficando profunda e
pesada como o ar lentamente entrando e saindo dos pulmões
de Raylan.
Sinto-me exausta como nunca antes. Cada músculo do
meu corpo está relaxado, quente e ainda impregnado de
substâncias químicas do prazer.

Nunca estive tão satisfeita. Não apenas sexualmente –


mental e emocionalmente também. Esse sexo estimulou meu
cérebro e meu desejo diferente de tudo que já experimentei.

É paradoxal, porque eu teria pensado que ODIARIA ser


tratada assim. Eu odeio muitíssimo ser restringida, controlada
ou mandada. Mas não por Raylan...

Eu não entendo.

Como tudo que eu odeio poderia ser distorcido e


transformado a tal ponto que eu achei isso extremamente
excitante?

Mesmo quando estou caindo no sono, estou refletindo


sobre essa questão. Tentando entender o que acabei de
vivenciar.

Pouco antes de adormecer, vejo uma resposta brilhante,


como uma pepita de ouro no lodo de rio.

É porque o admiro.

Nunca transei com um homem que eu realmente


respeitasse antes. Eu sou tão arrogante que desprezo todos os
homens com quem namorei. Eles não me impressionaram.
Fora da minha própria família, um dos únicos homens que eu
realmente respeitava era Dante. Mas éramos apenas amigos.
Nunca experimentei o que é estimar totalmente um
homem. Para querer impressioná-lo. Para querer agradá-lo.

Houve uma espécie de prazer em ser dominada. Raylan é


tão bonito, robusto e capaz, que eu senti que ele merecia me
ter. Ele merecia me ter da maneira que quisesse.

Então, além disso, houve um alívio profundo e potente em


deixar ir... em deixá-lo assumir o controle da experiência
sexual. Não precisei pensar, planejar ou manter meu controle
rígido sobre a situação como normalmente faria. Em vez disso,
consegui libertar meu cérebro. Não havia domínio em meus
pensamentos ou em minha resposta física. Eu estava livre para
simplesmente experimentar o que estava acontecendo, sem
distrações.

Então, é claro, havia um terceiro elemento – quão


profundamente sujo e proibido tudo parecia. Ele me amarrou!
Ele me chicoteou! Ele me fodeu como um animal!

Eu deveria estar furiosa e enojada.

Mas ao invés disso... eu amei.

A parte perversa e rebelde de mim sente um profundo


prazer em desfrutar o que não devo gostar. Em abraçar o que
devo rejeitar.

Só funcionaria com Raylan, eu sei disso. Eu nunca


respeitaria outro homem o suficiente para permitir que ele
fizesse isso. O suficiente para QUERER que ele fizesse isso. E
eu nunca confiaria em ninguém assim.
Essa é a razão pela qual fui capaz de deixar ir... porque
eu confio em Raylan. Por mais dominante e agressivo que ele
possa ter parecido no momento, no fundo eu sabia que ele
nunca iria realmente me machucar. Eu permiti que ele
amarrasse minhas mãos porque sabia que o que se seguiria
seria prazeroso para nós dois. Eu sabia que, embora ele
estivesse fingindo me usar para seu próprio prazer, o tempo
todo ele estava observando minhas respostas, medindo minha
excitação e meu desejo, para que ele pudesse se afastar do
limite da dor no momento certo e me acalmar com exatamente
o tipo certo de toque.

Eu confio nele.

Só esse pensamento me atinge como um martelo.

Nunca confiei em ninguém fora da minha própria família


(incluo Dante nisso, porque ele é meu cunhado, afinal).

Mas eu confio em Raylan. Eu realmente confio.

Se seus braços pesados e quentes não estivessem em


volta de mim, acho que essa percepção poderia me aterrorizar.
Mas estou muito calma, muito esgotada e muito confortável
para sentir quaisquer sentimentos negativos agora.

Em vez disso, caio no sono, simplesmente maravilhada


por algo tão inesperado ter acontecido comigo.
Na manhã seguinte, acordo com a língua de Raylan entre
minhas coxas.

Ele está debaixo dos cobertores, chupando e lambendo


suavemente meu clitóris.

Estou tão corada e quente de sono que minha boceta está


incrivelmente sensível. Cada golpe de sua língua é totalmente
inebriante.

Meu cérebro ainda está pairando naquele estado


sonolento. Minhas memórias da noite anterior são vívidas e
fantásticas – reais e oníricas. Com cada toque da língua de
Raylan, sinto que estou vivenciando as melhores partes do
nosso encontro sexual novamente.

Lembro-me da aparência de seu corpo à luz da lanterna


– cada músculo saliente com o esforço. Sua pele brilhando.
Seus olhos azuis brilhantes intensos e animalescos. O brilho
de seus dentes quando ele rosnou para mim, ou quando jogou
a cabeça para trás de prazer.

Lembro-me de como ele pareceu se transformar na versão


mais dominante e poderosa de si mesmo. Quanto mais
dominante ele se tornava, mais minha excitação crescia. Eu
queria agradá-lo. E quanto mais eu o agradava, mais prazer eu
sentia, em um ciclo de reações sem fim.

Ele sabia exatamente o que eu precisava. Sua atenção


estava fixada em mim mil por cento. Aqueles olhos azuis
brilhantes estavam focados e intensos, e suas mãos pareciam
ter uma habilidade sobrenatural de arrancar uma reação do
meu corpo.

Nunca conheci ninguém tão perspicaz como Raylan. Eu


sei que posso ser difícil – teimosa, fria, controversa. A maioria
das pessoas não me entende de jeito nenhum.

Mas Raylan vê através de tudo isso. Esses olhos azuis


atravessam as barreiras que construí. Eles ultrapassam todos
os meus impulsos contraditórios. E ele encontra meus desejos
verdadeiros e reais. As coisas que eu quero que no final eu teria
jurado não querer.

Como agora – ele está comendo minha boceta suavemente


e cuidadosamente, então não há como acordar. Em vez disso,
estou recuperando a consciência gradualmente, estendendo
esse estado de felicidade onírica pelo maior tempo possível.

No momento em que estou totalmente acordada, minha


boceta está latejando de prazer, as ondas de alegria irradiando
para fora através do meu corpo aquecido pelo sono.

Assim que fico totalmente acordada, Raylan sobe em cima


de mim, seu pau brutalmente duro. Ele desliza para dentro de
mim facilmente, já que estou encharcada. Mas ainda é um
ajuste apertado, com um nível delicioso de fricção que eu só
experimentei com ele. Como se seu pau e minha boceta fossem
feitos um para o outro. Como se todos os outros parceiros com
quem estive fossem o sapato do tamanho errado com o pé
errado – desconfortável e sempre machucando.
Ele me enche perfeitamente, seu pau estimulando cada
zona de prazer. A cabeça de seu pênis esfrega contra aquele
lugar sensível dentro de mim, sua circunferência estimula toda
a minha abertura. E meu clitóris esfrega contra sua barriga
dura e plana com a quantidade exata de pressão.

Ele se apoia com os braços dobrados em cada lado da


minha cabeça e olha diretamente para o meu rosto.

Eu olho para ele, pensando como é incomum para um


homem ser tão bonito de perto. A maioria das pessoas são
melhores quando vistas à distância. É por isso que fechamos
nossos olhos quando nos beijamos.

Não Raylan. Com seu rosto a apenas alguns centímetros


do meu, vejo a clareza e o brilho de seus olhos. Eles são de um
azul vívido e elétrico, crepitando com energia. Suas íris são
circundadas por um anel preto profundo, da mesma cor de seu
cabelo. Esse cabelo da cor preta parece sedutoramente espesso
e macio, tanto que tenho que estender a mão e correr meus
dedos por ele, maravilhada por como se parece com um
arminho 17 , vibrante e vivo, como qualquer outra parte de
Raylan.

Eu não consigo parar de tocá-lo. Passo meus dedos pelo


lado de seu rosto, onde sua barba espessa e espinhosa já está
crescendo novamente. Gosto do jeito que delineia seus lábios
e mandíbula, dando a ele uma aparência malandra e perversa.

17 É um pequeno animal que pertence ao grupo das doninhas, muito parecido com um furão.
Então toco seus ombros e peito, tensionando com o
esforço de mantê-lo por cima na cama macia, e o exercício de
empurrar lentamente para dentro e para fora de mim.

Ele tem uma grande tatuagem em seu ombro direito, em


forma de escudo. Dentro do escudo está um cavaleiro
ajoelhado, segurando uma espada. O fundo do escudo é um
céu noturno, salpicado de estrelas e uma lua crescente. Eu sei
que deve ser de sua companhia mercenária, The Black
Knights. Aposto que todos os seus irmãos de batalha têm a
mesma marca.

Já vi tatuagens de mercenários antes – crânios, adagas,


cobras e armas, geralmente.

Me ocorre que os The Black Knights escolheram algo bem


diferente como símbolo – um homem ajoelhado em uma pose
de penitente. Não é agressivo ou violento. Em vez disso, parece
indicar cavalheirismo e honra.

Raylan é um bom homem.

Ele tem sido bom para mim.

Ele me protegeu. Ele me trouxe para sua própria casa


para me manter segura.

Eu olho para o rosto dele e me sinto segura. Eu me sinto


cuidada.
Essas não são sensações que vêm facilmente para mim.
Às vezes, tenho dificuldade em me sentir assim, mesmo com
minha própria família.

Mas Raylan não é obrigado a se preocupar comigo, como


a família. Se ele gosta de mim, se ele me protege... é
simplesmente porque ele quer. É real e genuíno.

Posso sentir meu clímax crescendo – está crescendo


constantemente desde que ele estava me chupando, mas agora
está no topo de um pico muito alto. E estou prestes a
despencar.

E pela primeira vez na minha vida, eu olho bem nos olhos


de um homem enquanto gozo. Não é estranho ou perturbador.
Em vez disso, o contato visual amplifica a sensação cem vezes
mais. Leva o prazer sexual e o combina com gratidão,
admiração e adoração. Ele costura sensação e emoção em um
clímax explosivo. Em vez de gritar, faço um som quase como
um soluço.

— Você está bem? — Raylan me pergunta, seus olhos


azuis cheios de ternura.

— Sim! — Eu clamo.

Ele esfrega o rosto contra o lado do meu pescoço,


inalando meu cheiro. Ele me solta também, gozando dentro de
mim com um longo gemido que me emociona da cabeça aos
pés.
Quando terminamos, ficamos ali por um longo tempo,
com Raylan ainda dentro de mim, e meus braços ainda
envoltos em seu pescoço. Estou sentindo o cheiro quente e
limpo de sua pele, o que é infinitamente atraente para mim.
Não consigo parar de pressionar meu rosto contra seu peito,
inalando lenta e profundamente.

Por fim, podemos ouvir o barulho do café da manhã


abaixo.

Raylan diz: — Acho melhor levantarmos antes que


comecem a gritar por nós. Essa é a desvantagem da vida no
rancho – ninguém suporta ver ninguém dormindo.

— Tudo bem, — eu digo. — Eu odeio dormir. É uma perda


de tempo.

Mas, pela primeira vez, isso não é verdade. Tive o melhor


sono da minha vida noite passada. Não é uma perda de tempo.

Raylan e eu vamos para o chuveiro.

Isso é outra coisa que eu geralmente evito – enfiar dois


adultos grandes em um pequeno chuveiro. Sempre considerei
isso um inconveniente ridículo.

Mas hoje, eu quero estar perto de Raylan. Eu quero estar


ao lado dele enquanto eu puder. Não me importo que demore
mais para tomar banho ou que às vezes tenhamos que trocar
de lugar sob o jato quente e, por um momento, estou tremendo
até que ele me puxa de volta para baixo e me ajuda a enxaguar
o cabelo.
É uma sensação adorável ter seus dedos grossos e fortes
massageando meu couro cabeludo, sentindo nossos corpos
pressionados juntos, todos escorregadios, molhados e limpos.

Quando saímos para nos secarmos com a toalha, um ou


dois centímetros de espaço entre nós parece demais. Tendo
caído nesta intimidade sem precedentes, tenho medo de nos
separar novamente, caso ela nunca se materialize novamente.

— Está com fome? — Raylan pergunta, enxugando seu


cabelo escuro e espesso.

— Morrendo de fome, — admito.

Eu sinto que poderia comer um café da manhã


escandalosamente grande como o de Raylan, até o último
pedaço de torrada.

Enquanto descemos as escadas barulhentas, uma


abundância de aromas deliciosos atinge minhas narinas. Os
Boones nunca decepcionam quando se trata de comida. A
mesa está abarrotada de panquecas do tamanho de pratos,
bacon, salsicha, ovos mexidos, ovos ponche, biscoitos e molho
e, estranhamente, o que parece ser mamão recém-fatiado.

Tucker e Lawson estão, cada um, atacando uma pilha de


panquecas encharcadas de xarope que frustrariam homens
adultos. Ou, pelo menos, homens adultos que não são Boones.

Grady e Shelby estão sentados ao lado de seus filhos.


Grady tem um olho roxo escuro como uma lata de graxa de
bota. Ele parece estar usando um monóculo gigante.
Celia está comendo ovo ponche com torrada. Ela olha
para cima quando seu filho mais velho entra na sala.

— Você esteve brigando também! — Ela diz


acusadoramente, vendo o lábio partido de Raylan.

— Ah, não foi nada, — Raylan diz com desdém. — Só um


pouco de poeira. Ninguém foi esfaqueado ou baleado. O xerife
Dawes estava chegando quando saímos – tenho certeza de que
ele mandou qualquer um que já não tivesse bebido o suficiente.

Celia olha para Bo. — Tammy Whitmore me mandou uma


mensagem e disse que foi Duke quem começou.

Bo fica ruborizada com culpa. — Não, na verdade não, —


ela diz, sem confessar exatamente o que aconteceu.

— Eu o vi dançando com Lindsey, — diz Shelby, sabendo


que ela está contornando a verdade.

— Ele estava — Bo diz.

Bo não parece estar com muito apetite esta manhã,


preferindo apenas uma caneca de café e algumas fatias de
mamão.

Estou enchendo meu prato de bacon e ovos mexidos,


dividida entre minha curiosidade em saber se Bo vai admitir o
que realmente aconteceu e minha necessidade desesperada de
comer uma tonelada de comida o mais rápido possível.

Mas Bo simplesmente empurra a cadeira para trás da


mesa, dizendo: — Isso é o suficiente para mim.
— Você mal comeu! — Celia protesta.

Ela se vira para mim, provavelmente esperando que eu


faça um comentário semelhante, mas em vez disso, estou com
as duas bochechas cheias como um esquilo e ainda estou
pegando mais.

Celia não consegue deixar de rir.

— Pelo menos estamos exercendo uma boa influência


sobre você, — diz ela.

— Sim, — eu murmuro, boca cheia e barriga feliz.

Raylan ri também, adorando que ele tenha conseguido me


convencer para as alegrias do café da manhã, se nada mais.
Sua risada é alta e maliciosa, do tipo que faz todo mundo rir.
Os meninos começam a rir, e logo Shelby e Grady também.

Eu gosto muito dessa família.

Eles são calorosos e acolhedores, despretensiosos e


trabalhadores. Eles amam os animais e a natureza.

Gosto deles e respeito-os, tanto pelas nossas diferenças


como pelas nossas semelhanças.

Não sei por que eles parecem gostar de mim também –


talvez sejam apenas gentis com todos. Mas sou grata da
mesma forma.

— Qual é o plano de vocês para hoje? — Celia diz para


Raylan e para mim.
— Eu tenho que correr para Knoxville esta manhã para
conseguir alguns tapetes novos para as baias dos cavalos, —
Raylan me diz. — Você quer vir comigo, antes de começar a
trabalhar?

— Isso é tentador, — eu digo. — Eu adoro comprar


tapetes para baias de cavalos...

Raylan ri. — Achei que poderíamos conseguir alguns


produtos de higiene pessoal e roupas, — diz ele. — Estou ciente
de que tapetes de baias de cavalos não são um grande atrativo
para você.

— Você não sabe o que está perdendo, — diz Grady. —


Um bom tapete flexível e espesso com aquele cheiro de
borracha fresca... eles deveriam fazer disso uma vela
perfumada.

— Você vai para a creperia depois? — Bo pergunta.

— Claro, — Raylan diz, facilmente.

— Então eu vou.

— Eu também, — Grady diz.

Todos nós nos amontoamos na caminhonete de Raylan.


Estou começando a gostar dos bancos amplos e confortáveis e
da vista das estradas empoeiradas do alto da cabine. Ao
contrário dos assentos, não há nada separando Raylan e eu.
Isso torna a viagem estranhamente íntima, nossas mãos livres
a apenas alguns centímetros de distância no assento.
Grady insiste em escolher a música, que é totalmente
country e quase sempre horrível. Isso não o impede de cantar
junto com todas as músicas e de tocar bateria no encosto dos
assentos. Eu normalmente acho isso irritante, mas hoje só me
faz rir. Talvez sejam todas as substâncias químicas do prazer
ainda circulando em meu sangue. Ou talvez seja o enorme café
da manhã que acabei de tomar. Seja qual for a causa, estou
com um humor estranhamente bom.

Enquanto dirigimos para Knoxville, a cidade me parece


surpreendentemente bonita. As ruas são arborizadas e
sombreadas, e os arranha-céus são construídos ao longo das
margens de um rio, semelhante a Chicago.

É mais movimentado do que eu esperava. As lojas e cafés


estão lotados de gente, e as ruas do centro parecem prósperas.
Não há lojas vazias ou fechadas com tábuas, e apenas um
pequeno prédio de tijolos à venda.

Há um ar agradável de simpatia – as pessoas sorriem ou


acenam com a cabeça ao passar por nós na calçada. Não sei
se é uma coisa do sul, ou se o sorriso de Raylan apenas faz as
pessoas quererem sorrir de volta para nós.

Raylan espera enquanto eu entro em uma farmácia para


comprar o que preciso, então vamos até algo chamado CAL
Ranch Store. Bo vai até a seção de armas de fogo, enquanto
Grady e Raylan pegam os tapetes. Estou distraída por várias
incubadoras cheias de ovos, nas quais dezenas de filhotes
estão chocando. Os filhotes parecem molhados e sujos, e não
tão fofos quanto os amarelos peludinhos na próxima caixa, que
aparentemente estão pulando por aí há pelo menos um ou dois
dias. Ainda assim, estou fascinada pelo processo lento e
meticuloso pelo qual eles escapam de sua prisão de casca.

Eu ainda estou lá quando Raylan retorna de transportar


os tapetes para a caminhonete.

— Você quer alguns frangos? — Ele me pergunta com um


sorriso.

— Não, — eu digo. — Estou surpresa que eles consigam


fazer isso, já que parecem tão fracos e desajeitados.

— Eles são mais resistentes do que parecem.

Ele pega um dos filhotes limpos e peludinhos da caixa de


vidro e coloca em minhas mãos. Estou impressionada com o
quão leve é e como é macio. Posso sentir seu batimento
cardíaco contra meu polegar, dez vezes mais rápido que o meu.
O filhote se aninha na minha palma, curtindo o calor.

Com todas as nossas compras concluídas, vamos ao


French Market Creperie, como Raylan prometeu. Raylan e eu
dividimos um crepe de banana, Nutella e nozes, e tenho que
admitir, é muito bom. Não muito diferente dos crepes que comi
na França.

Voltamos para o rancho, os pesados tapetes de borracha


para cavalos pesando na traseira da caminhonete.
Enquanto Raylan e Grady estão descarregando, eu volto
para a casa. Quero rever esses contratos de compra
novamente, para que possa decifrar a discrepância mais uma
vez.

Abrindo o laptop de Bo, noto o silêncio profundo da


cozinha, pontuado apenas por alguns rangidos das partes
mais antigas da casa, e o estranho som animal distante do
exterior.

É estranho estar sozinha.

Estou surpresa com a rapidez com que estou me


acostumando com o barulho e agitação do rancho e a
companhia quase constante do próprio Raylan. Duas vezes eu
me pego levantando os olhos do trabalho, prestes a fazer um
comentário para ele, apenas para perceber que ele está nos
estábulos, não na cozinha comigo.

Eu balanço minha cabeça com a minha idiotice e tento


me perder nos números como eu costumo fazer.

Pedi à Lucy que me enviasse esses documentos. Fico feliz


em ver que ela conseguiu encontrar tudo que eu precisava e
enviou vários e-mails para que nenhum dos anexos ficasse
muito grande.

Faço o download de todos e começo a classificar os dados,


comparando-os com a minha planilha anterior.

Depois de algumas horas de comparação intensa,


finalmente sou capaz de entrar naquele estado de foco quase
hipnótico, onde os números parecem fluir e flutuar pelo meu
cérebro, reorganizando-se em padrões que parecem ocorrer
quase fora do meu controle, como se estou observando o que
está acontecendo em vez de organizá-lo ativamente.

Os números sempre tiveram uma personalidade


particular para mim. 6 é sorte, 7 é ousado, mas poderoso. 9
pode ser complicado. 2 é útil. 5 sempre pode ser confiável. Eu
sei que isso é irracional, mas é um plano que me permite
reorganizar e memorizar sequências de números como se
fossem pessoas ou objetos, não apenas símbolos.

Estou olhando para a tela do computador, mas vejo o


fluxo de numerais em meu cérebro. Estou observando-os se
torcer e se reformar em padrões caleidoscópicos. Até o último...
o último... Eu vejo isso.

Eu vejo a irregularidade.

Eu vejo e entendo.

Soltei um suspiro longo e lento.

— Filho da puta, — eu sussurro.

Josh Hale tem roubado de nós. E não apenas um pouco...


muito.

Quando tivemos que comprar todo aquele terreno para o


Desenvolvimento de South Shore, ele duplicou algumas das
propriedades. Ele copiou os contratos de compra quase
exatamente – omitindo apenas um único número ou letra por
página. Dessa forma, os documentos pareceriam idênticos a
olho nu, mas poderiam ser classificados em pastas separadas
no sistema do computador.

Mas para onde foi o dinheiro? Essa é a questão.

Todos os números somam-se na planilha, com as


propriedades duplicadas removidas.

O que significa que o dinheiro que pagamos pelas


propriedades foi embora. Desviado para alguma outra conta
que não consigo ver aqui.

Eu sei que foi Josh, porque as únicas propriedades com


documentos duplos são as assinadas por ele e somente ele.

Mas não sei para onde diabos ele mandou o dinheiro.

Estamos falando de quase cinquenta milhões de


dólares...

Acho que Josh descobriu que não estava conseguindo o


cargo. E ele achava que merecia ser pago.

Sento-me na cadeira, a mente girando.

Tenho que contar para minha família, obviamente.


Principalmente para Cal. Tenho certeza de que acabei de
descobrir porque Josh me quer morta. Ele enfiou a cabeça no
meu escritório e me viu trabalhando nos contratos de compra.
Ele deve ter pensado que eu já sabia sobre as cópias – ou
estava prestes a encontrá-las.
Mas, estranhamente, não tenho pressa em ligar para Cal.

Quero falar com Raylan. Quero explicar o que acho que


encontrei e ver se ele acha que minhas conclusões são corretas
ou se perdi algo.

Não é que eu duvide de mim mesma – só quero sua


opinião. Passei a confiar nele ao longo dessas semanas. Às
vezes ele vê coisas que eu não vejo.

Então, espero que Raylan volte do conserto dos tapetes.

Ele entra na cozinha, suado e um pouco queimado de sol,


mas parecendo alegre.

— Você quer um pouco de limonada? — Ele diz, tirando


a jarra da geladeira.

— Não, — eu digo. — Bem... talvez eu queira.

A limonada parece muito boa.

Raylan serve um copo para cada um de nós, e bebemos


de pé, ao lado da pia.

— O que você está prestes a me dizer? — Ele diz, sorrindo


um pouco. — Você parece animada.

Eu explico o que encontrei e o que acho que significa.

Raylan escuta, seu rosto imóvel, exceto por uma pequena


linha de tensão entre as sobrancelhas.
— Então? — Eu digo quando termino. — O que você
acha?

— É muito rápido para aquele tal de Josh contratar um


assassino profissional, — diz ele. — Apenas algumas horas
desde a visão dos documentos em sua mesa até o momento em
que Djinn entrou na piscina...

— Ele sabe onde eu moro. Ele provavelmente até sabe que


eu gosto de nadar, esse filho da puta intrometido.

Raylan está quieto, torcendo o copo vazio entre os dedos


grossos.

— O quê? — Eu digo.

— Não sei. Faz sentido... se esse cara está roubando


dinheiro da sua família, ele faria qualquer coisa para encobrir.
Mas algo está errado...

Fico confusa por Raylan não estar concordando


inteiramente comigo. Eu sei que pedi sua opinião, mas não é
satisfatório saber que posso não ter resolvido isso.

— Onde você conseguiu os arquivos extras? — Raylan diz.

— Eu pedi à Lucy para enviá-los para mim.

Ele franze a testa. — Você disse a ela onde você está


ficando?

— Não, claro que não.

— Mas você mandou um e-mail para ela deste laptop?


— Sim, — eu digo hesitantemente. — Isso importa?

— Provavelmente não, — diz ele, mas parece preocupado.


— Você já ligou para o seu irmão?

— Não. Eu queria falar com você primeiro.

— Tudo bem. Bem, ligue para ele agora, se quiser.

Ele me entrega seu telefone. É um velho de Bo que Raylan


está usando, desde que seu celular pegou fogo no meu
apartamento junto com todo o resto.

Eu disco o número de Cal, colocando-o no viva-voz para


que Raylan possa ouvir o toque metálico ao mesmo tempo que
eu.

Cal atende depois de apenas alguns toques, parecendo


um pouco sem fôlego.

— Olá? — Diz ele, com aquele tom ligeiramente suspeito


que sempre faz quando não reconhece um número.

— Sou eu, — digo.

— Oh, certo, — ele diz. — Desculpe, sempre me esqueço


de salvar um contato para este telefone...

— Não importa, — eu interrompo. — Acho que sei quem


contratou Djinn.

— Você sabe? — Seu tom é ansioso e tenso. — Espere,


estou colocando você no viva-voz. Dante está comigo agora.
Eu ouço a voz retumbante de Dante. — O que aconteceu?
O que você descobriu?

Eu rapidamente faço um resumo novamente.

Há silêncio quando eu termino, Cal e Dante digerindo o


que eu disse.

Em seguida, Cal diz: — Esse merdinha asqueroso.

Cal só encontrou Josh uma ou duas vezes, mas não acho


que gostou dele mais do que eu. Cal sempre teve um ódio
particular por bajuladores e puxa-sacos. Acho que vem dos
dias dele naquela escola particular chique, onde outras
crianças tentavam atacá-lo por causa do nome de nossa
família.

— Se sairmos agora, provavelmente podemos pegá-lo no


escritório, — Dante rosna.

— É melhor ligar para o tio Oran e avisá-lo, — eu digo. —


Se você simplesmente aparecer lá e agarrar o funcionário dele,
ele ficará assustado.

— Sim, eu vou, — Cal diz.

— Vamos conseguir os detalhes do acordo de Josh, para


que possamos cancelar o golpe, — Dante me garante. — Eu
não me importo se eu tiver que arrancar cada porra de unha e
dente do corpo dele.

— Duvido que chegue a esse ponto, — digo. — Ele é um


meio puta.
— Não vai demorar muito, — diz Cal. — Você pode
começar a fazer as malas para voltar para casa.

Meu coração dá um pequeno salto no meu peito.

Olho rapidamente para Raylan, para ver sua expressão.


Seu rosto está imóvel, mas um músculo salta no canto de sua
mandíbula.

Eu quase tinha esquecido que voltaria para Chicago


assim que descobríssemos quem diabos estava tentando me
matar. Assim que Cal e Dante pegarem Josh, eles serão
capazes de arrancar dele os detalhes do ataque. Em seguida,
eles podem telefonar com o sinal. Djinn é apenas um assassino
de aluguel – ele não tem nenhum rancor contra mim.

A ideia de estar livre dessa mortalha é certamente


atraente. Eu quero ser capaz de ir aonde eu gosto e fazer o que
eu gosto de novo, sem me preocupar com algum bicho-papão
aparecendo para mim.

Mas, por outro lado... não estou totalmente animada para


deixar o rancho. Eu estava realmente me divertindo aqui.

Ainda assim, Cal está esperando para ouvir minha


resposta. Então eu lambo meus lábios secos e digo: — Sim.
Estou animada para voltar para casa. Senti saudades de vocês.

— Avisarei você assim que terminar, — diz Cal.

Ele desliga sem realmente dizer adeus, como se estivesse


em um filme. Aida sempre o provoca com isso. — Muito
ocupado e importante para perder meio segundo, Sr.
Alderman?

Eu não me importo. Eu também estou impaciente. E não


me importo com pequenas formalidades.

Estou muito mais preocupada com a estranha tensão


entre Raylan e eu. Tudo começou com nosso desacordo sobre
Josh. E agora parece ter se expandido para preencher todo o
espaço da cozinha.

— Tenho certeza de que Dante e Callum vão lidar com


isso, — Raylan diz, como se estivesse me tranquilizando.

— Eu sei, — eu respondo.

Não acho que seja isso que algum de nós esteja realmente
preocupado, mas é a coisa mais fácil de resolver.

Raylan hesita. Seus olhos azuis procuram meu rosto,


como se ele estivesse tentando me ler como sempre faz, mas
pela primeira vez ele está ficando sem expressão.

— Você quer voltar? — Ele me pergunta.

— Bem... eu tenho que voltar, — eu digo. — Já perdi


muito trabalho. E com a partida de Josh... Eu sei que parece
estúpido, porque aparentemente ele é um idiota traiçoeiro, mas
ele lidou com uma enorme carga de trabalho. Alguém tem que
compensar. Sem mencionar que está bem claro quem está
conseguindo o cargo agora.

— Parabéns, — Raylan diz estupidamente.


Meu peito está apertado. Eu sei que deveria estar feliz.
Finalmente estou conseguindo o que trabalhei por anos. Terei
meu nome na porta e no papel timbrado. Serei uma sócia, não
apenas uma funcionária. Serei igual ao meu tio aos olhos do
meu pai. E posso imaginar como o tio Oran vai me envolver em
um de seus abraços rígidos e apertados que cheiram a fumaça
de charuto, dizendo com sua voz rouca: — Muito bem, garota.

Eu quero essas coisas, tanto quanto eu sempre as quis.


Mas também quero que a expressão de mágoa desapareça dos
olhos de Raylan.

— Você vai voltar comigo, não é? — Pergunto-lhe.

Ele solta uma pequena exalação de ar. — Bem... você não


precisará mais exatamente de um guarda-costas, certo? E isso
é uma coisa boa, — ele se apressa em acrescentar.

— Certo, — eu digo. É verdade. Ainda assim, me sinto um


pouco aborrecida com essa percepção.

O que é ridículo. Eu achei que Raylan iria me seguir em


todos os lugares pelo resto da minha vida?

A questão toda era descobrir quem contratou o assassino


e voltar à existência normal.

Isso está feito. Ou quase feito.

— Além disso, — Raylan diz calmamente. — Não pretendo


sair para mais empregos. Pelo menos não em um futuro
previsível. Você provavelmente viu que minha mãe quebrou o
pé – vai sarar sem problemas, mas ela vai quebrá-lo novamente
se continuar trabalhando tanto quanto tem feito. Eu deixei ela,
Grady e Bo administrarem este lugar por muito tempo. É hora
de fazer uma escolha se quero participar ou não. Não é justo
eu deixá-los fazer todo o trabalho, agindo como se eu pudesse
voltar a hora que eu quiser.

— Então... você quer ser um fazendeiro? — Pergunto-lhe.

— Eu sou um fazendeiro, — diz ele. — Eu só fiz outras


coisas por um tempo. Eu não quero nunca este lugar picado e
vendido. Este é o meu lar.

Se Raylan tivesse me dito isso antes de eu ver este lugar,


eu teria pensado que ele era louco. Quem gostaria de morar no
Tennessee, depois de ter viajado o mundo?

Mas eu vi com meus próprios olhos o quão lindo Birch


Haven é. Quão infinito em espaço. Eu vi como Raylan está
conectado com sua família, e os animais, e as pessoas por aqui.
Ele se foi há anos e, quando voltou para casa, foi como se
quase nenhum tempo tivesse se passado. É assim que seu
vínculo é forte com este lugar – não pode ser corroído pelo
tempo ou pela distância.

Sinto o mesmo em relação a Chicago, de certa forma. Vivi


lá toda a minha vida. Eu conheço seus pontos turísticos, seus
sons, seus cheiros. Mas sou apenas uma pessoa entre milhões
em Chicago. Considerando que Raylan é necessário aqui. Sua
família e o rancho dependem dele para sobreviver, a longo
prazo.
— Eu entendo, — digo a ele.

— Você entende? — Ele diz.

— Sim. Este é um canto da terra que você possui. Isso é


diferente de apenas morar em algum lugar.

Ele acena lentamente.

E, claro, há a outra parte. Eu sei pelo que Celia me disse


que Raylan saiu daqui com raiva, pensando que ele realmente
não pertencia a este lugar. Mas isso nunca foi realmente
verdade. Sempre foi sua casa. E ele sempre deveria voltar aqui,
para curar aquela ferida.

Acho que ele finalmente está pronto para fazer isso.

Não devo dizer nada para impedir que isso aconteça. Eu


acho que ele precisa disso. Seriamente.

Não sei como trazer à tona o que sei, mas também não
quero esconder isso dele.

— Sua mãe me contou o que aconteceu um pouco antes


de você se alistar, — eu digo. — Ela me contou sobre o seu pai.

— Waya era meu pai, — diz Raylan imediatamente.

— Eu sei! — Eu digo rapidamente. — Foi isso que eu quis


dizer.

Raylan me olha com uma expressão estranha. — Estou


surpreso que ela tenha lhe contado, — ele diz. — Ela não gosta
de falar sobre isso. Obviamente, — ele dá uma risada curta e
melancólica, totalmente diferente de sua risada usual. — Já
que eu nunca ouvi falar sobre isso por dezoito anos.

— Você pertence aqui, — eu digo. — Eu só queria que


você soubesse... que eu entendo isso.

Raylan parece triste. Sua voz está tensa. — Toda família


tem uma história feia — Ele diz.

— A minha certamente tem. — Você poderia escrever uma


saga de mil páginas sobre a dor e o derramamento de sangue
na história dos Griffin. Outra para os Gallos também.

Quero perguntar a Raylan o que não posso perguntar à


Celia, porque não quero parecer intrusiva, depois de tudo o
que ela me disse. Mas a advogada em mim sabe que há mais
nessa história. Pelo que ela me contou sobre Ellis, ele nunca a
teria deixado escapar facilmente...

— Sua mãe me contou o que aconteceu, — eu digo. —


Mas não como ela escapou de Ellis Burr.

Não digo “seu pai” nem mesmo “seu pai biológico” porque
sei que Raylan não o vê dessa forma.

Raylan solta um longo suspiro. — Eu vou te dizer, — ele


diz. — Mas não aqui. Venha dar um passeio comigo.
Eu ando com Riona para baixo ao longo de uma avenida
de árvores de vidoeiro. Suas folhas mudaram totalmente de
verde para dourado, mais tarde no ano do que o normal, já que
tem sido um outono quente após um longo verão indiano.

Estou surpreso que mamãe tenha contado a Riona sobre


Ellis, mas também estou feliz de uma forma que não consigo
expressar a ela. É uma história que eu não teria contado sem
a permissão de minha mãe. E quero que Riona saiba disso. Eu
quero que ela saiba tudo sobre mim.

Além disso, mostra que minha mãe tem Riona em alta


conta. Ela confiou nela os segredos de nossa família. Ela
obviamente intuiu o que eu sinto por Riona, embora eu não
tenha dito explicitamente a ela.

A outra parte da história é algo que nossa família nunca


compartilhou com ninguém. Nunca esperei contar isso
sozinho, mesmo para uma futura parceira. Mas Riona é
diferente. Como ela disse, sua família tem seus próprios
segredos obscuros, sua própria história de violência. Eu sei
que ela não ficará chocada com nada que eu diga a ela. Posso
confiar que ela levará a história para o túmulo. Só uma filha
da máfia entende a verdadeira discrição.

Portanto, não estou nervoso enquanto caminhamos.

Estou apenas rolando a história na minha cabeça,


tentando pensar na melhor forma de explicar.

— Minha mãe tinha um amigo, — eu digo. — Um menino


que ela conhecia desde pequena. Semelhante a Bo e Duke. Eles
foram para a escola primária juntos. Eventualmente, sua
família voltou para a Carolina do Norte, para terras Cherokee.
Mas minha mãe e Waya ainda mantinham contato – ele iria
visitá-la quando sua família voltasse para Silver Run por
qualquer motivo. Embora, na época em que se casou, ela não
tivesse visto Waya havia quase três anos.

— Ela também tinha dois irmãos mais novos – talvez ela


tenha te contado?

— Um deles se chamava Abott e era grande como Grady,


certo? — Eu digo.

— Isso é exatamente correto. Tio Abott. O outro era o tio


Earl. Na época em que ela se casou, eles tinham apenas treze
e quinze anos. Mas ambos eram altos e endurecidos, se é que
você me entende.

Eu concordo. Nunca experimentei a pobreza, mas vi


meninos se tornarem homens ainda jovens.
— Antes de minha mãe se casar, ela ainda estava saindo
com os irmãos regularmente. Ainda cuidando deles. Assim que
ela se mudou para a casa de Ellis, ele a isolou completamente.
Eles não tinham permissão para ligar ou visitar. E minha mãe
quase não teve permissão para sair de casa. Nunca sem Ellis
ao lado dela.

— ...claro, eles estavam preocupados com ela. E não só


porque não havia mais ninguém para cuidar deles. Eles
tentaram deslizar bilhetes para ela, quando Ellis a levava para
a cidade. E duas ou três vezes eles tentaram visitar.

— ...havia portões em toda a propriedade e câmeras. Tio


Abott escalou o muro e conseguiu falar com ela quando ela
estava grávida de mim. Um pouco antes de ela dar à luz, na
verdade.

— ...ela tentou dizer a ele que ela estava bem, e ele


precisava deixá-la em paz. Mas ela estava vestindo uma camisa
branca, e ele podia ver hematomas em todos os braços, até
mesmo através da camisa.

— ...então ele foi embora. Mas ele ligou para Waya. Ele
disse: ‘Celia precisa de ajuda. Você vai ajudá-la?’ E Waya
dirigiu naquela noite, com duas de suas irmãs.

— ...eles esperaram do lado de fora da propriedade a noite


toda, até o início da manhã, com Abott e Earl no carro também.
Eles estavam com medo, discutindo se deveriam entrar
imediatamente. Eles estavam preocupados que Ellis pudesse
estar machucando-a, se ele tivesse visto Abott na câmera. O
que, é claro, era exatamente o que estava acontecendo. Mas
eles também temiam que ele pudesse fazer algo pior com ela se
os pegasse tentando entrar. Minha mãe havia dito a eles que
ele tinha dezenas de armas em casa – uma em cada cômodo.

— ...então eles esperaram, ficando acordados a noite


toda. Então, pela manhã, Ellis não saiu para trabalhar no
horário normal. Eles debateram novamente o que fazer.
Finalmente o BMW preto de Ellis se afastou, com ele sentado
no banco do motorista.

— ...eles esperaram que ele se afastasse completamente


da propriedade. Então uma das irmãs de Waya foi até a porta.
Eles sabiam que Ellis não a reconheceria na câmera.

— ...ela teve que escalar o muro. Então ela correu até a


porta. Tocou a campainha, apavorada caso ninguém
atendesse. Caso minha mãe não pudesse responder.

— ...mas ela atendeu. Minha mãe espiou pela janela e


abriu a porta. Seu rosto estava tão machucado e inchado que
ela nem conseguia ver Ama, apenas com um olho.

— ...Ama disse: ‘Estamos saindo agora. O que você quer


levar?’ E minha mãe disse: ‘Nada. Não quero nada desta casa.’
Ela tirou a aliança de casamento e a deixou no chão do
vestíbulo.

— ...elas tiveram que correr pela propriedade, sabendo


que Ellis provavelmente já estava correndo para casa o mais
rápido que podia. Elas chegaram ao muro e minha mãe não
conseguiu escalar, por conta da gravidez. Ama ficou de joelhos
para que minha mãe pudesse subir em suas costas, então ela
a ajudou a se levantar. Waya estava do outro lado para pegá-
la.

— ...eles partiram o mais rápido que puderam. Deixaram


o carro na estrada, fora da vista das câmeras, então Ellis não
saberia quem a havia levado.

Eu faço uma pausa. A próxima parte é a que ninguém


fora da minha família conhece. Ou pelo menos ninguém ainda
vivo. Eu olho para Riona. Andamos lado a lado todo esse
tempo, sem nos tocarmos, mas o mais próximo de nos
tocarmos. Nossas mãos apenas uma polegada de distância.

Riona parece tensa e expectante. Seu rosto está mais


pálido do que o normal, acho que por simpatia. Eu sei que ela
gosta da minha mãe e não gosta de pensar nela espancada,
maltratada e grávida.

É estranho pensar que estive tecnicamente presente em


todos esses eventos. Apenas um feto quase nascido, carregado
ao longo do caminho. Não me lembro de nada, obviamente. Só
estou aceitando o que minha mãe me disse depois que
encontrei sua certidão de casamento no sótão.

Ela estava disposta a me contar tudo, uma vez que eu


soube da verdade. Ela descreveu tudo em detalhes perfeitos, e
Waya acrescentou qualquer coisa que ela não sabia ou não
conseguia lembrar.
Está tudo gravado no meu cérebro. Foi a coisa mais
inesperada que já aconteceu comigo. Eu estava tão seguro e
protegido em minha vida. Nunca suspeitei por um segundo que
Waya não era meu pai “verdadeiro”.

Deus, eu estava com tanta raiva deles. Estou com


vergonha disso agora. Posso imaginá-los parados ali, minha
mãe doente de culpa e arrependimento, Waya olhando para
mim com seus olhos escuros gentis. Ambos tentando dizer
qualquer coisa que pudessem para me confortar. E eu gritando
com eles, envolto em minhas próprias emoções, sem pensar no
que eles haviam passado ou no que estavam sentindo.

Foi muita sorte encontrar a certidão de casamento.


Estava toda dobrada, enfiada em uma pasta com um monte de
documentos. Eu não estava procurando por isso. Se você pode
acreditar, eu estava procurando um velho conjunto de bonecos
de tartaruga ninja que escondi lá, pensando que talvez
pudesse vendê-los no eBay por alguns dólares.

Em vez disso, encontrei a certidão antiga, que na verdade


era uma cópia solicitada mais tarde, para que minha mãe
pudesse terminar a papelada para se casar novamente.

Ela pareceu horrorizada ao vê-la. Como se fosse uma


cobra que pudesse mordê-la. Tenho certeza de que ela gostaria
de ter jogado fora. Na época, eu gostaria que ela também
tivesse.

Agora não me arrependo de ter encontrado. Só me


arrependo de como reagi.
Algumas coisas não podem ser retiradas.

Demorei muito para continuar, perdido em pensamentos.


Riona estende a mão e toca meu braço, dizendo: — Você está
bem?

Eu limpo minha garganta. — Sim. Claro. Onde eu estava?


Oh, certo... minha mãe queria que Waya ficasse com ela. Ela
estava tão assustada. Mas ele a passou para suas irmãs, e elas
dirigiram de volta para a fronteira com as terras Cherokee, sem
parar nenhuma vez. Waya ficou com meus tios.

— ...a próxima parte foi a parte complicada. Eles


precisavam se certificar de que todos em Silver Run soubessem
que minha mãe havia fugido e que Ellis estava procurando por
ela. Mas eles não podiam deixá-lo chegar perto de encontrá-la.

— ...então Waya, tio Abott e tio Earl, e alguns dos irmãos


mais novos de minha mãe mantiveram vigilância em todos os
lugares que podiam. Foi mais fácil do que eles esperavam,
porque Ellis estava com uma raiva brutal. Ele foi até o xerife e
relatou que minha mãe foi sequestrada. Ele foi ao bar onde ela
trabalhava. Ele foi para a antiga escola dela e para as casas de
seus amigos. A casa dos meus avós também.

— ...ele gritou com eles e os ameaçou. Até quebrou


algumas janelas de sua casa. Bateu no meu avô quase sem
vida, embora ele provavelmente estivesse bêbado demais para
notar. Então Ellis agarrou uma das filhas mais novas – minha
tia Kelly. Ela tinha apenas quatro anos na época. Ele a agarrou
e agiu como se fosse arrastá-la para fora de casa. Talvez ele
tenha pensado que a manteria como refém ou algo assim, para
forçar minha mãe a voltar.

— Jesus, — sussurra Riona.

— Bem, o tio Abott entrou correndo em casa com seu taco


de beisebol da liga júnior e disse: ‘Solte-a ou vou quebrar a
porra da sua cabeça’. Ellis soltou tia Kelly e saiu.

— ...eles o seguiram por três dias. A certa altura, ele ficou


cara a cara com minha tia Lane enquanto ela o seguia do lado
de fora de um posto de gasolina, mas ele apenas olhou através
dela e continuou andando. Era irônico, porque Ellis tinha dado
a ela um skate de presente quando estava perseguindo minha
mãe. Mas ele nem mesmo reconheceu o rosto dela. Talvez ele
estivesse enfurecido demais para notar.

— ...de qualquer forma, no quarto dia, algumas pessoas


da cidade espalharam o boato de que minha mãe havia sido
vista em terras Cherokee. Ellis não tinha ouvido ainda, pelo
que meus tios sabiam, mas eles também sabiam que era
apenas uma questão de tempo até que ele o fizesse.

— ...então eles colocaram um prego nos pneus do carro


dele enquanto ele comia no bar onde minha mãe trabalhava.
Ele continuou voltando lá para ameaçar os proprietários e
assediar os outros clientes. Ele subornou alguns também. Não
funcionou – se alguém sabia onde minha mãe estava, não disse
a ele.
— ...Ellis voltou para o carro, mais do que um pouco
embriagado. Ele começou a acelerar pela estrada, de volta à
sua propriedade. A princípio, ele não percebeu que os pneus
estavam achatados. Waya e meus dois tios estavam seguindo
atrás dele, em um carro emprestado. Ellis continuou
acelerando, mesmo quando o pneu traseiro direito estava
balançando e caindo.

— ...por fim, o carro começou a entrar em fishtail 18 ,


desviou e saiu da estrada. Ele bateu com o BMW no espaço
entre duas árvores. Ficou bem preso ali. Tão apertado que ele
teve que pular no assento e sair pela porta de trás.

— ...ele tinha um grande corte na testa, mas fora isso ele


estava bem. Apenas xingando e reclamando. Ainda vestido com
um de seus ternos elegantes.

— ...Waya parou e disse: ‘Você precisa de uma carona?’

— ...Ellis poderia ter suspeitado se não estivesse


bebendo. Mas ele apenas disse, ‘Sim’, nem mesmo
agradecendo. E ele começou a andar até o carro. Ele se afastou
cerca de um metro e meio, parou e olhou para as janelas do
carro. Acho que ele viu que havia alguém no banco de trás.

— ...Waya abriu a porta do motorista, e Ellis enfiou a mão


na jaqueta, como se fosse pegar uma arma. Ele tinha uma, mas

18É um problema de manuseio do veículo; ocorre quando as rodas traseiras perdem tração, fazendo
o carro deslizar na estrada.
a perdeu no acidente. Quando ele percebeu, meus dois tios e
Waya já haviam pulado do carro e o cercado.

Eu paro, olhando para Riona para ver se ela sabe o que


está por vir. Posso dizer por sua expressão solene que sim.

— ...eles o arrastaram para a floresta. Tio Abott queria


matá-lo lentamente. Ele queria cortar, queimar e bater em
Ellis, como Ellis tinha feito com minha mãe. Mas Waya disse
que não. Seria complicado e barulhento e deixaria muitas
evidências. E ele disse: ‘Nós não somos como ele.’

— ...então eles apenas marcharam com Ellis por


dezesseis quilômetros dentro do bosque e atiraram na nuca
dele. Em seguida, cavaram um buraco e enterraram o corpo
sob terra e rocha o suficiente para que nenhum animal o
cavasse. Waya e Abott fizeram isso. Tio Earl ficou para trás
para mover o carro, no caso de alguém aparecer e ver o
acidente.

— ...então Waya levou meus tios para casa e ele voltou


para sua própria casa, onde minha mãe estava hospedada com
suas irmãs. Ela entrou em trabalho de parto uma semana
depois.

— ...depois que eu nasci, ele contou a ela o que eles


tinham feito. Ele não queria incomodá-la, mas também não
queria que ela se preocupasse com Ellis encontrando-a.

— ...ela queria voltar para a casa dos irmãos. Waya a


convenceu a ficar. Ele disse que precisavam esperar – para ter
certeza de que não haveria problemas para ela. Ele pensou que
pareceria suspeito se ela voltasse para casa, como se soubesse
que Ellis estava morto.

— ...Ellis foi relatado como desaparecido no início. O


trabalho dele reportou. O xerife encontrou o carro de Ellis
pouco depois. Houve uma caçada na floresta – eles pensaram
que talvez ele tivesse batido a cabeça no acidente e se afastado,
confuso. Mas eles não achavam que um homem ferido poderia
vagar muito longe, então eles procuraram apenas alguns
quilômetros. Eles encontraram um pouco de sangue no chão.
Então, algumas pessoas pensaram que foi um animal que o
pegou.

— ...todo mundo sabia que ele bebia no bar. Ele não era
local e não gostava de ninguém. Portanto, ninguém procurou
muito por ele.

— ...enquanto isso, minha mãe ficou onde estava. Ela se


apaixonou por Waya, ou se apaixonou por ele novamente. Eles
sempre se importaram um com o outro, enquanto cresciam.

— ...tio Earl veio morar com ela, assim como alguns de


seus irmãos mais novos. Ela engravidou de Grady. Casou com
Waya. Então, alguns anos depois, ela teve Bo.

— ...Ellis permaneceu como uma pessoa desaparecida


por vários anos. Então, finalmente, seu trabalho queria
reivindicar a apólice de seguro dele, então eles fizeram o
trabalho necessário para que ele fosse declarado morto.
— ...quando o fizeram, minha mãe descobriu que ela
própria era beneficiária de uma apólice de seguro bastante
robusta. Além da propriedade de Ellis. Ele não tinha
testamento, então tudo foi para ela.

— ...ela vendeu a casa em que viveram juntos, sem nunca


colocar os pés dentro dela novamente. Ela usou o dinheiro para
comprar o rancho. Todos nós nos mudamos para cá.

— ...claro, nenhum de nós, crianças, sabia nada sobre o


que tinha acontecido ou de onde o dinheiro tinha vindo. As
crianças não pensam em coisas assim. Estávamos todos
entusiasmados por ter uma casa tão grande. Exceto por Bo –
ela estava chateada porque estávamos indo embora. Ela
adorava viver em terras Cherokee, com toda a família de nosso
pai ao nosso redor.

— ...ele costumava nos levar de volta o tempo todo. Foi


assim que Bo e Duke ficaram tão próximos. Eles eram
companheiros de berço – nascidos na mesma semana de
agosto. Minha mãe e a mãe de Duke tornaram-se amigas
íntimas durante a gravidez e colocaram os bebês na mesma
rede para tirar uma soneca.

— ...Bo e Duke costumavam lutar como animais


selvagens à medida que envelheciam. Mas eles eram melhores
amigos também.

— Eles brigaram no baile, — Riona me conta. — Duke


estava dançando com outra garota.
Eu reviro meus olhos. — Eu acho que ele está
desesperado. Tentando fazer Bo perceber que ela está com
ciúmes.

— Você acha que eles têm sentimentos românticos um


pelo outro?

— Eu sei que eles têm. Você não pode ter um melhor


amigo por quem se sinta atraído. Isso é estar apaixonado. É
querer foder seu melhor amigo.

Riona ri. — Isso é tudo o que o amor é?

— Isso é o que deveria ser.

Ela olha para mim com aqueles olhos de cristal marinho,


depois os deixa cair de novo com a mesma rapidez.

— O quê? — Eu digo. — O que foi?

— Eu só estava pensando... há uma terceira parte.

— O quê?

— Você pode foder um monte de gente. E qualquer um


pode ser amigo. Mas há uma terceira parte para amar...
admirando a pessoa.

— Admirando-os?

— Sim. Isso é muito mais raro. Existem apenas algumas


pessoas que eu realmente respeito.
Neste momento, quero mais do que tudo ser uma dessas
pessoas. Ser respeitado e admirado por uma mulher como
Riona é uma verdadeira conquista. Eu sei que ela não dá sua
aprovação facilmente.

— Você me considera entre os poucos favorecidos? — Eu


digo, tentando manter meu tom casual.

— Sim, — Riona diz uniformemente. — Eu considero.

A forma como meu peito incha, você pensaria que acabei


de ganhar o Kentucky Derby.

— Obrigado, — eu digo. Por algum motivo, minha


garganta está apertada. — Você sabe que eu penso o mundo
de você, Riona.

— Eu sei disso, — Riona diz, seus olhos verdes olhando


para mim, claros e largos. — Você é melhor do que eu em
mostrar o que sente.

— Acho que tenho um palpite muito bom com você, —


digo. Então eu sorrio. — Na maioria das vezes, pelo menos.

— O que estou pensando agora? — Riona pergunta


baixinho.

Eu sei o que gostaria que ela estivesse pensando. Mas não


sei se tenho coragem de perguntar a ela.

Eu gentilmente toco sua bochecha, nossos rostos apenas


alguns centímetros de distância. Sua expressão está mais
vulnerável do que eu já vi antes. Não sei como chamei essa
mulher de Rainha do Gelo. Riona não é apenas uma coisa.
Depois que você supera a geada, ela tem um universo inteiro
dentro dela.

Abro a boca para falar, mas antes que eu possa dizer uma
palavra, Bo vem correndo até nós, com o rosto vermelho e
irritado.

— Shelby vai ter a bebê! Mamãe está indo para a casa


deles para cuidar dos meninos, e eu vou levá-los ao hospital.
Provavelmente ficarei lá, caso eles precisem de alguma coisa,
para que Grady não tenha que ir embora.

— O que você precisa que eu faça? — Eu digo.

— Cuide dos cavalos. Alimente todos e guarde-os à noite.

— Pode deixar. — Eu concordo.

— Por que vocês dois caminharam tão longe? — Bo


reclama, virando-se para correr de volta para casa.

Eu olho para trás para Riona, querendo continuar nossa


conversa. Mas o momento passou.

Ela diz: — É melhor voltarmos depressa, parece.

— Sim, — eu digo. — Você está certa.


Raylan e eu voltamos para a casa do rancho.

Ficamos do lado de fora da porta da cozinha, ambos


sentindo que havia mais a dizer um ao outro. Quando Bo nos
interrompeu, acho que Raylan estava prestes a me dizer outra
coisa. Depois que ele já me contou a história de sua família.

Eu não considero isso levianamente. Esse é um segredo


que eles guardaram por trinta anos.

Ele me disse porque confia em mim. Gostaria que


houvesse uma maneira de mostrar a ele que também confio
nele.

Mas tudo que posso dizer é: — Boa sorte com os cavalos.

Raylan sorri. — Obrigado. Quando eu voltar, vamos


tomar uma bebida juntos. É lua cheia esta noite. Podemos
sentar no deck.

— Isso parece lindo, — eu digo.


Eu pretendia entrar e trabalhar um pouco mais. Mas me
sinto estranhamente sem graça, depois do que descobri sobre
Josh. Isso me faz sentir como se o projeto estivesse
contaminado de alguma forma. Eu sei que isso é estúpido, mas
me incomoda como a verdade estava se escondendo bem sob
os dados, sem que eu a visse. É como perceber que há um
crocodilo flutuando bem sob a água. Mesmo que consiga puxá-
lo, você não olha para o lago exatamente da mesma maneira.

Acho que estou envergonhada por não ter percebido


antes. Eu não pensei muito em Josh. Estou surpresa que ele
tenha sido capaz de nos enganar por tanto tempo.

Espero que Cal e Dante já o tenham encontrado. Eles


provavelmente vão me ligar a qualquer minuto.

Ociosamente, eu viro o telefone de Raylan em minhas


mãos, esperando a tela se iluminar com a chamada. Quando
isso não acontece, coloco o telefone na mesa da cozinha e abro
o laptop.

Ainda estou distraída. Meu cérebro continua flutuando


de volta para minha caminhada com Raylan pelo caminho de
bétulas.

Sinto falta dele.

Parece tão ridículo, mas é verdade. Eu me acostumei com


ele estar ao meu lado quase constantemente. Quando ele vai
para outro lugar, sinto sua ausência.
Raylan se tornou como o sol na minha pele. Quente,
reconfortante, estimulante. Quando ele vai para outro lugar,
sinto frio e tédio. Como uma flor, apenas esperando o sol
voltar.

Isso é ridículo, eu sei. Digo a mim mesma para me livrar


disso e voltar ao trabalho. Para me perder em gráficos e
documentos e contratos de compra, para encontrar meu prazer
em um trabalho como sempre tive.

Posso ouvir a casa rangendo e gemendo enquanto o sol se


põe e o calor do dia desaparece. A mudança de temperatura
faz com que a madeira velha se contraia. Quase parece que
alguém está andando lá em cima, embora eu saiba que Raylan
e eu somos os únicos na propriedade no momento.

Não me preocupei em acender as luzes. Agora que o sol


está se pondo, a cozinha está ficando escura e sombria. A tela
do laptop é iluminada, então eu realmente não preciso da luz
para trabalhar. Mas ainda sinto um impulso de me levantar e
apertar o interruptor. Eu me sinto desconfortável, os pelos
minúsculos subindo em meus braços nus.

O telefone de Raylan vibra na mesa, assustando-me. Eu


atendo, vendo o número de Cal.

— Ei, — eu digo.

— Ei. Eu queria atualizá-la – não temos Josh.

Meu estômago afunda como um elevador. — O que


aconteceu? — Eu pergunto.
— Ligamos para o tio Oran e ele disse que Josh não tinha
ido trabalhar hoje – ele ligou dizendo que estava doente. Em
vez disso, fomos para a casa de Josh. Mas não havia ninguém
lá. O lugar estava uma bagunça do caralho. Era difícil dizer se
ele fez as malas e saiu, ou se ele é apenas um desleixado.

— O escritório dele é assim também, — digo a Cal.

— Procuramos nas ruas para ver se o carro dele estava


por perto. Subornamos o vizinho, mas ele disse que Josh saiu
naquela manhã no horário normal e ele não o viu voltar. Temos
olhos em qualquer lugar que possamos pensar...

— Você verificou o apartamento da namorada dele?

— Sim, o tio Oran nos contou sobre ela. Ela estava no


trabalho – disse que não tinha falado com ele naquele dia.
Pegamos o telefone dela, tentamos enviar mensagens de texto
e ligar para ele. Sem resposta. Fizemos com que ela nos desse
sua chave e revistamos seu apartamento. Porra nenhuma.

Eu não gosto de como isso soa.

Terminamos a ligação.

Meu estômago está se contraindo e se contorcendo. Eu


me sinto arrepiada de ansiedade.

Por que Josh foi embora de repente?

Ele deve saber que descobrimos o que ele fez. Mas como
ele poderia saber disso?
É uma coincidência? Ele sempre planejava pegar o
dinheiro e fugir, uma vez que acumulasse o suficiente?

Não acredito em coincidências tão grandes. Ele


desaparece no mesmo dia em que o procuramos? Isso parece
estranho.

Talvez ele tenha descoberto que Lucy me enviou esses


arquivos. Eu nunca disse a ela para manter isso em segredo.

Lembro-me de como Raylan reagiu quando contei a ele


sobre os e-mails trocados. Ele parecia desconfortável com isso,
como se eu tivesse cometido um erro. É possível rastrear um
endereço IP? Se eu mandar um e-mail para Lucy deste laptop,
alguém poderia localizar de onde veio meu e-mail? Eles
poderiam ter descoberto onde estou me escondendo?

Digo a mim mesma que estou apenas sendo paranoica.


Estou segura aqui – é por isso que Raylan me trouxe até o
rancho.

Foi apenas um e-mail.

Ainda assim, gostaria que Raylan estivesse aqui ao meu


lado, e não totalmente nos campos, reunindo os cavalos.

Silenciosamente, deslizo para fora da minha cadeira e


caminho até o balcão, onde as facas de Celia estão todas
encaixadas perfeitamente em seus slots em um bloco de
madeira entalhado. Eu retiro uma das facas – não o cutelo, que
é muito grande e pesado. Em vez disso, pego uma faca de peixe
– longa, fina e mortalmente afiada. Então volto para a mesa
novamente.

A cozinha está ficando muito escura. Eu poderia acender


a luz, mas algo me diz para não fazer isso. Em vez disso, muito
silenciosamente, fecho a tela do laptop, apagando o resto da
iluminação.

Então eu sento no escuro, ouvindo.

Ouço um pequeno rangido vindo de cima. Eu conheço a


casa da fazenda muito bem agora. Acho que o barulho veio do
quarto de hóspedes. Meu quarto.

Eu me lembro de como o Djinn estava esperando por mim


na piscina. Como ele esperou quase uma hora, quieto e calmo,
no fundo da piscina. Ele deve ter me visto escorregar na água.
Ele me observou nadar na piscina de um lado para outro, sobre
sua cabeça. Observando-me de baixo como um tubarão. Não...
como uma enguia em uma caverna.

Djinn é um predador de emboscada.

Ele gosta de se esconder, esperando e observando.


Sentindo prazer no esquecimento de sua vítima. Deixando-os
vagar cada vez mais perto.

Então, quando chegar o momento certo... ele ataca.

Meu coração está batendo forte contra minhas costelas.


Isso tudo poderia ser uma fantasia completa. Não há razão
para pensar que Djinn me encontrou aqui. Não há razão para
pensar que ele está se escondendo no andar de cima do meu
quarto, só porque ouvi alguns rangidos.

Mas não consigo tirar essa imagem da cabeça – uma


figura escura à espreita debaixo da minha cama. Esperando
que eu deite e durma, para que ele possa se levantar e envolver
o braço em volta da minha garganta novamente.

Estou congelada no lugar, querendo ir até Raylan, mas


com medo de cruzar os campos escuros sozinha. Estou
segurando o cabo da faca de peixe em meu punho, rígida e
imóvel na cadeira da cozinha. Fico atenta para qualquer outro
som que possa me dizer se o que estou imaginando é real ou
apenas uma fantasia paranoica, como uma criança que corre
do porão, pensando que há um monstro em seus calcanhares.

Silêncio. Silêncio total.

Eu sou uma idiota. Estou apenas me assustando,


sentada sozinha em uma cozinha escura.

Mesmo assim, quero Raylan mais do que jamais desejei


ver alguém. Se ele estivesse sentado ao meu lado no deck, com
uma bebida em cada uma de nossas mãos, eu não teria medo
de nada.

Ele deve estar quase terminando com os cavalos agora.


Eu vou sair para encontrá-lo.

Ainda segurando a faca, quase esquecendo que a tenho,


caminho rapidamente em direção à porta da cozinha. Está tão
escuro que estendo a mão meio cegamente, procurando a
maçaneta.

Assim que meus dedos se fecham em torno dela, um


braço se enrosca em meu pescoço.

Eu não tinha ouvido nada. Nem um rangido. Nem uma


respiração.

Djinn me agarra por trás e me puxa.

Seu braço é uma barra de aço em volta da minha


garganta, fechando meu ar em um instante. Ele me levanta do
chão, com uma força inumana. E aperta com mais força.

É muito familiar – estamos no ar em vez de na água, mas


estou mergulhada de volta exatamente onde estávamos. Estou
me afogando novamente, sufocando até a morte nos braços de
Djinn.

Sua outra mão está presa na minha boca. Não importa –


sem ar, não posso gritar. E mesmo se eu pudesse, Raylan está
muito longe para me ouvir.

Djinn observou e esperou. Ele sabia que eu estava


sozinha na casa.

A perda de ar é tão repentina que meus membros


enfraquecem. Meus dedos se afrouxam. Quase deixo cair a
faca.

Quase... mas não completamente.


Com cada fragmento de controle, eu a agarro com força.
Cegamente balanço para trás, visando seu corpo.

A faca de peixe mergulha em seu lado. Eu ouço um


grunhido de dor e fúria em meu ouvido. O primeiro som que o
ouvi fazer. Mas ele não desiste.

Seguro o cabo e puxo a faca de novo, em seguida, balanço


de volta para ele. Ele se afasta com o corpo, evitando a lâmina.
Mas ele tem que afrouxar o controle sobre minha garganta.

Assim que sinto seu antebraço afrouxar, viro meu queixo


para o lado e caio com todo o meu peso, escorregando para fora
de seu alcance. Eu balanço a faca descontroladamente, e desta
vez ela enfia em sua coxa. Eu perco meu controle sobre a
maçaneta. Djinn dá um grito estrangulado e me dá um soco
na lateral do rosto, jogando-me para trás.

Eu deslizo de volta pelos ladrilhos da cozinha. Pela


primeira vez, dou uma boa olhada no Djinn, em pessoa. Ou,
pelo menos, a melhor aparência que posso conseguir no
escuro. Ele está vestido com um traje preto justo, não muito
diferente do que ele usava na piscina. Sua cabeça está coberta
por um capuz apertado e seus olhos parecem
monstruosamente dilatados como os de uma mosca, porque
ele está usando óculos de visão noturna. A faca de peixe se
projeta de sua coxa.

Isso é tudo que vejo, antes de me levantar novamente e


correr para a porta. Eu a abro e corro para fora da casa, para
o quintal. Estou correndo descalça pelo caminho entre os
jardins de vegetais e flores. Eu grito o mais alto que posso, —
RAYLAN!!! — Não tenho ideia de quão longe ele está, ou se há
alguma chance de que ele possa me ouvir.

Estamos tão longe de tudo. Se eu tentar correr para a


estrada principal, terei de andar mais de um quilômetro pela
estrada. Está escuro como breu, as únicas luzes localizadas
diretamente ao redor dos celeiros e estábulos. Não tenho
estômago para a ideia de correr sozinha no escuro.
Especialmente quando eu sei que Djinn pode ver muito melhor
do que eu.

Então, corro em direção aos estábulos. Eu deslizo para


dentro, sentindo o cheiro quente dos cavalos, feno limpo e
aveia espalhada. Posso ouvir os cavalos se mexendo em suas
baias, seus pés batendo suavemente no chão de madeira.

Encontro a baia de Penny e entro com ela. Ela me


reconhece, dando um pequeno relincho suave. Ela esfrega o
lado da cabeça contra o meu corpo.

Eu digo, — Shh, — muito baixinho.

Estou ao lado dela, o coração acelerado.

Estou arrependida de não ter procurado algum tipo de


arma – até mesmo uma pá ou um chicote. Eu queria entrar
aqui o mais rápido possível, com medo de que Djinn puxasse
a faca de sua coxa e saísse de casa, então ele poderia ver para
onde eu corri.
Eu escuto com atenção, sem ouvir nada. Isso não
significa muito – já aprendi como ele pode se mover
silenciosamente.

Onde ele foi?

Não consigo ouvir nada além de cavalos.

Agora estou com medo por um motivo completamente


diferente. E se Raylan voltar? Djinn irá emboscá-lo. Raylan não
tem ideia do que está acontecendo – até onde ele sabe, Cal e
Dante pegaram Josh e cancelaram o ataque. Ele não tem ideia
de que alguém possa vir aqui nos procurar.

Eu mudo de pé, perguntando-me se devo tentar cruzar os


campos para encontrá-lo. Não posso ficar aqui me escondendo
enquanto Raylan também está em perigo.

Quando estou prestes a me mover, vejo as orelhas de


Penny se erguerem, rígidas, e ela dá um passo rápido para o
lado. Ouço o bufo zangado de Brutus na próxima cabine. Os
cavalos sentem o cheiro de outra pessoa. Alguém que eles não
reconhecem.

Djinn está dentro do estábulo.

Eu fico perfeitamente imóvel. Quase sem respirar. O


tempo parece atrozmente lento.

Não sei se ele me viu entrar aqui, ou se está apenas


procurando os lugares mais óbvios. Não sei com que cuidado
ele vai olhar, ou se está apenas olhando em volta antes de sair.
Não sei se ele tem uma arma ou a faca de peixe.

Eu espero, minhas pupilas tão dilatadas que posso ver


todos os fios da brilhante e acobreada pelugem de Penny. Ela
parece tão tensa quanto eu. Ela provavelmente pode cheirar
meu medo.

Eu não ouço passos. Estou esperando, rezando para que


Djinn tenha ido embora.

Então a porta da baia de Penny se abre.

Eu vejo os pés calçados de Djinn, parados logo após seus


cascos traseiros.

Sem pensar, dou um tapa forte no flanco de Penny. Ela


chuta para trás com as duas patas, acertando Djinn bem no
peito. Ele sai voando para trás, batendo contra a porta da baía
em frente a de Penny.

Estou correndo de novo, para fora do estábulo, pelo


jardim aberto.

Não grito por Raylan desta vez. Djinn está muito perto.
Eu não quero que ele me ouça.

Não... ele não está perto...

Ele está bem atrás de mim.

Posso ouvir suas botas no cascalho – é impossível ser


silencioso aqui. Eu ouço sua respiração irregular. Ele está com
falta de ar, gemendo a cada respiração. Ele está obviamente
ferido – possivelmente Penny quebrou algumas de suas
costelas. Mas ainda assim aquele filho da puta está ganhando
de mim. Ele é rápido e implacável. Ele nunca vai parar. Não
tenho mais armas. Se ele colocar o braço em volta da minha
garganta novamente, estou morta.

Ele está se aproximando. Tão perto que posso sentir seu


hálito quente no meu pescoço.

Então, do nada, Raylan o acerta de lado. Ele dispara em


nossa direção da direção da casa, atacando Djinn de lado,
derrubando-o pelos joelhos para que eles rolem sobre a pedra
esmagada.

— Corra, Riona! — Raylan grita.

Ele está lutando com o Djinn. Ele também não tem arma,
e eu vejo um lampejo de prata quando Djinn balança a faca de
peixe na direção do olho de Raylan. Raylan agarra seu pulso,
mal torcendo a lâmina a tempo. Em vez disso, corta sua
bochecha.

Raylan é na verdade o maior dos dois homens, mas nunca


vi alguém tão rápido quanto Djinn. Ele envia golpe após golpe
em Raylan, alguns bloqueados e alguns cortando Raylan no
antebraço e no ombro. Raylan tem uma mão na garganta do
Djinn e ele está apertando, enquanto tenta bloquear a faca com
a outra mão. Tudo isso acontece no espaço de dois segundos
enquanto estou enraizada no lugar, olhando para eles com
horror.
Eu não sei o que fazer.

Estamos bem ao lado do celeiro onde Grady faz as selas.


Onde Raylan e eu tivemos nosso encontro.

Corro para ele e pego dois itens do banco: a lanterna e


um furador. Eu corro de volta para Raylan, que está travado
em uma posição trêmula e estática com Djinn: a lâmina da faca
de peixe apontada para a garganta de Raylan, Djinn
pressionando o cabo com as duas mãos enquanto Raylan tenta
empurrar seus braços para trás.

Djinn parece desumano, aquelas lentes com olhos


esbugalhados fixos em Raylan, e seu rosto um ricto19 de fúria.
Viro a lanterna diretamente em seu rosto e a ligo.

A luz pisca direto nos óculos de visão noturna. Djinn uiva


e cambaleia para trás, tirando os óculos de proteção do rosto.
Ele está tropeçando e cego.

— Raylan! — Eu grito.

Eu jogo o furador para ele.

Ele o pega com a mão direita e o enfia no peito de Djinn.


Ele grita, incapaz de ver o que o atingiu. Ele sente isso
cegamente. Mas, ao contrário da faca de peixe, ele não
consegue puxar o furador. Está muito profundamente
enraizado, em um lugar muito vital.

19 Contração dos músculos da face ou da boca, que dá ao rosto o aspecto de riso forçado.
Em vez disso, ele cai de joelhos com um longo gemido
gorgolejante. Ele cai de lado, o cascalho cortando seu rosto.

Raylan chuta Djinn com a ponta da bota. Ele rola de


costas, sua boca ainda trabalhando silenciosamente.

Eu me aproximo, olhando para ele. Seguro a lanterna


para ver seu rosto.

Sem seus óculos, ele parece... completamente comum.


Ele tem um rosto suave, simples, de aparência quase gentil.
Olhos castanhos, grandes e vermelhos agora, mas quase
bonitos com seus cílios escuros sob as sobrancelhas retas.
Lábios finos e queixo pequeno. Um homem para quem você
nunca olharia duas vezes, passando na rua.

Suponho que isso foi útil em sua profissão.

Em vez disso, olho para Raylan.

Ele está ofegando pesadamente, sua camisa cortada em


seu ombro, sua bochecha direita sangrando.

Seus olhos azuis encontram os meus e eu vejo um alívio


infinito neles quando ele me olha, quando vê que estou segura.

Ele me puxa para seus braços, segurando-me com força


contra seu peito quente.

— Você está bem. Você está bem, — ele me diz.

Acho que ele está se tranquilizando.


Eu não posso deixar Riona. Eu a estou segurando,
provavelmente com muita força, mas não consigo relaxar meu
aperto.

Eu nunca deveria tê-la deixado sozinha em casa.

Como diabos Djinn a encontrou!?

Podem ter sido os e-mails – ele pode ter rastreado o


endereço IP. Ou talvez fossem os telefonemas.

De qualquer forma, não fui cuidadoso o suficiente. Isso


não vai acontecer novamente.

Beijo Riona, sentindo o gosto dos últimos resquícios de


adrenalina em seus lábios. Posso senti-la tremer com a corrida
pelo jardim.

— O que vamos fazer com ele? — Ela pergunta, olhando


para o corpo do assassino.

— Vou enterrá-lo em algum lugar de nossas terras, —


digo a ela.
— Não vá agora, — diz Riona.

— Eu não vou, — prometo a ela.

Não vou largá-la, nem por um segundo. Em vez disso, eu


a pego em meus braços e a carrego para dentro de casa. Eu a
carrego escada acima até o quarto dela e a deito na cama, em
cima das cobertas.

Então eu a beijo, prendendo-a contra os travesseiros.


Correndo minhas mãos sobre cada centímetro de seu corpo,
certificando-me de que nenhuma parte dela está ferida.

Nós dois ainda estamos acelerados. Estamos cheios de


uma energia nervosa que precisa ir a algum lugar.

Riona tira a roupa e sobe em cima de mim. Sua pele


pálida brilha ao luar que entra pela janela. Seu cabelo parece
castanho escuro e seus olhos são verdes como musgo. Ela
parece uma criatura que você pode encontrar nas profundezas
da floresta. Algo que o desviaria do caminho, que você
alegremente seguiria até sua condenação.

Ela monta em meus quadris, acariciando meu pau com


os lábios de sua boceta. É tão bom que acho que já estou
dentro dela, embora eu possa ver que ainda nem a penetrei.
Ela está apenas esfregando lentamente seu clitóris contra o
eixo do meu pau.

Eu poderia assistir seu corpo magro se contorcer em cima


de mim por horas. Ela está inumanamente bonita. Quase linda
demais para eu alcançar e tocar.
Mas é claro que não consigo resistir a fazer exatamente
isso. Eu acaricio seus seios. Ela se inclina para frente para
deixá-los cair em minhas mãos. Ela revira os quadris, deixando
seus mamilos escovarem contra minhas palmas no tempo que
ela esfrega. Seus seios são suaves e seus mamilos estão
rígidos.

Eu deslizo minhas mãos para baixo em seus lados até a


curva de sua cintura.

Seu corpo me lembra um violino – perfeitamente formado,


perfeitamente equilibrado. Eu quero tocá-la como um
instrumento. Eu quero arrancar dela os sons mais ultrajantes.

Riona se abaixa e agarra meu pau, finalmente deslizando-


o dentro dela.

Porra, oh meu deus, essa sensação... quente e


dolorosamente apertada. Mas tão macia e escorregadia. Ela
rola os quadris com mais força, cavalgando-me com firmeza.

Agora eu deslizo minhas mãos até sua bunda. Riona é


magra, mas tem uma bunda redonda e cheia. Firme de correr
e nadar. Isso enche minhas mãos. Posso sentir o músculo se
contraindo com cada movimento de seus quadris.

Ela se inclina para frente para que seus seios caiam bem
na minha cara. Eu pego um na minha boca, chupando seus
seios enquanto ela me monta. Estou meio apoiado nos
travesseiros, e pressiono minha mão contra suas costas para
puxá-la para mais perto, para que eu possa ter mais de seus
seios em minha boca.

Riona geme. Ela passa o braço em volta do meu pescoço,


mantendo meu rosto pressionado contra seu peito. Ela está
cavalgando mais e mais rápido, seus quadris se movendo em
arcos curtos e frenéticos enquanto ela aumenta a pressão
contra seu clitóris.

Agarro sua cintura novamente, ajudando a pressioná-la


com força no meu corpo. Empurrando meu pau mais fundo
dentro dela.

Seu cabelo quente e ondulado caiu em volta do meu rosto.


Eu amo o cheiro disso e a maneira como faz cócegas na minha
pele.

Eu não me canso dela. Cada vez que nos aproximamos


assim, quero mais. Eu quero que isso nunca acabe.

Pego seu rosto e a beijo quando ela começa a gozar. Ela


geme diretamente na minha boca enquanto o clímax lava sobre
ela, enquanto sua boceta aperta ritmicamente ao redor do meu
pau, e todo o seu corpo fica tenso como uma corda de arco.

Então ela desaba em cima de mim, e eu tenho que rolar


para que eu possa subir em cima dela e terminar sozinho.

Eu a rolo em seu estômago e a monto por trás. Eu a


imobilizo na cama e deslizo meu pau dentro dela novamente.
Eu a fodo com força, cada impulso do meu pau sacudindo a
cama inteira em sua estrutura.
Tudo o que consigo pensar enquanto faço isso é: Você é
minha. Eu mantive você segura... e agora você pertence a mim.

Esse pensamento me faz explodir dentro dela. Sinto que


produzo dez vezes mais esperma do que o normal quando estou
com Riona. Eu posso sentir isso pulsando fora de mim, jorro
após jorro. O volume me dá uma intensa sensação de alívio. O
calor úmido é erótico e primitivo. Eu sinto que estou
marcando-a. Reivindicando-a como minha.

Adormecemos assim, de bruços na cama, eu ainda dentro


dela.

Parece impossível dormir, depois da noite que tivemos.

Mas isso é o quão poderoso nosso sexo é... elimina até


mesmo o estresse mais intenso. Não deixando nada além de
calor pacífico em seu lugar.

Assim que a primeira luz cinzenta do amanhecer entra


pela janela, eu me levanto novamente.

Não posso deixar o corpo do Djinn deitado no jardim.

— Aonde você vai? — Riona diz, sonolenta.

— Eu tenho que mover... você sabe, — eu digo.


Riona se senta. Ela parece escandalosamente sexy à luz
da manhã – seu cabelo selvagem e emaranhado, sua pele
rosada de sono. Seus olhos estão surpreendentemente alertas.

— Eu vou com você, — ela diz.

— Você não tem que fazer isso.

— Eu quero.

Nós nos vestimos rapidamente, descendo as escadas e


saindo pela porta dos fundos.

Por um minuto, tenho a sensação doentia de que Djinn


pode ter desaparecido. Que ele pode ser impossível de matar.
Mas seu corpo está exatamente onde o deixamos – empoeirado,
ensanguentado e estranhamente patético.

Riona olha para ele e se vira, o rosto pálido e nauseado.

— Não se preocupe com ele, — eu digo a ela. — Basta


pegar um par de pás do celeiro.

Aponto para o anexo onde guardamos a maioria das


ferramentas.

Enquanto Riona pega as pás, tiro Brutus, Penny e Horatio


dos estábulos. Eu selo os primeiros dois cavalos, então coloco
o corpo do Djinn nas costas de Horatio. Horatio bufa, dando
alguns passos nervosos para o lado. Ele parece saber que há
algo errado com seu cavaleiro.
Eu ajudo Riona a subir nas costas de Penny, enquanto
carrego as pás comigo em Brutus. Nós cavalgamos pelos
campos. O sol está nascendo, brilhante e frio e cintilando na
grama polvilhada pelo gelo.

Cavalgamos até o canto mais distante e menos usado do


rancho. Eu escolho deliberadamente um local pouco atraente.
Não quero estragar nenhum lugar pitoresco com a memória de
Djinn.

Começamos a cavar.

Estou surpreso com a obstinação com que Riona se aplica


à tarefa. Eu não deveria estar – eu conheço sua ética de
trabalho. Mas é outra coisa vê-la levantando pá após pá de
terra rochosa pesada, até que o suor escorra pelo rosto e as
palmas das mãos com bolhas.

— Deixe-me terminar, — digo a ela, tentando fazê-la


parar.

— Não, — diz Riona, balançando a cabeça teimosamente.


— Eu posso ajudar.

Por fim, temos um buraco fundo o suficiente. Eu chuto o


corpo de Djinn nele. Então, sem cerimônia, temos a tarefa de
cobri-lo novamente.

Quando contei à Riona o que aconteceu com Ellis, mal


sabia eu que ela e eu também enterraríamos um corpo doze
horas depois. Uma daquelas piadinhas que o universo joga
conosco.
Riona parece estar pensando a mesma coisa. Ela me olha
com olhos solenes e diz: — Agora temos nosso segredinho.

Quando estamos quase terminando de preencher o


túmulo, meu telefone vibra no meu bolso. Eu o retiro, vendo o
número de Callum. Passo o telefone para Riona.

— Olá? — Ela diz.

Posso ouvir o zumbido da voz de Callum, mas não consigo


realmente entender as palavras. Eu observo o rosto de Riona
enquanto ela escuta, suas sobrancelhas escuras se juntando
em uma carranca.

— Tudo bem, — diz ela. — Obrigada por me dizer.

Ela encerra a ligação e devolve o telefone para mim.

— O que ele disse?

— Eles encontraram Josh.

Eu ajudo Riona a montar Penny mais uma vez. Subo em


Brutus, levando Horatio atrás de mim. Ele trota alegremente,
agora que não tem mais carga para carregar.

— Eles encontraram o carro dele no estacionamento de


longa duração do aeroporto, — diz Riona. — Ele estava no
banco da frente, morto. Parece que ele deu um tiro na própria
cabeça.

— Parece? — Eu pergunto.

Riona encolhe os ombros. — É o que eles disseram.


Eu franzo a testa. — Eles acham que ele estava tentando
conseguir um voo para fora da cidade... e o quê? Ele perdeu a
coragem? Achou que sua família iria alcançá-lo de uma forma
ou de outra, então ele poderia simplesmente acabar com isso?

— Acho que sim, — diz Riona.

Soltei um longo suspiro, pensando.

— E agora? — Eu digo, finalmente.

— Eu acho... eu vou para casa, — Riona responde.

É o que eu esperava. Mas suas palavras me atingiram


com força de qualquer maneira.

Não quero que Riona vá embora. E também não acho que


seja isso o que ela quer. Não de verdade.

— Você poderia ficar, — eu digo a ela.

Riona faz um som impaciente e desdenhoso. — E fazer o


quê? — Ela diz. — Me tornar uma fazendeira? Eu amo meu
trabalho.

— Você ama? — Eu digo.

Ela parece na defensiva. — Claro que sim.

— Não sei se isso é verdade.

Ela joga o cabelo para trás, estreitando os olhos para


mim. — Do que você está falando?
— Eu acho que você é boa no seu trabalho. E acho que
mantém você ocupada. Mas não acho que você seja realmente
tão apegada à construção do império Griffin.

Eu vejo aquele fogo verde queimando em seus olhos


novamente. Eu sei que estou irritando-a, mas não me importo.

— Você passa algumas semanas comigo e acha que sabe


o que é melhor para a minha vida? — Riona exige. — Você acha
que sabe melhor do que eu?

— Eu te conheço, Riona, — eu digo, calmamente. — Você


se acha independente e invulnerável. Você acha que quer
poder em sua família. Acho que você precisa de algo muito
mais pessoal do que isso.

— O quê? — Riona exige.

— Você precisa ser amada, — digo a ela. — Você não está


acima disso, mais do que eu. Você tem sido feliz aqui comigo.
Mais feliz do que você é em casa.

Riona me encara, os lábios pressionados. Posso dizer que


ela está com raiva, mas ela não deu uma resposta tão rápido
quanto eu esperava.

Ela engole em seco e então responde: — Eu gosto daqui.


Mas não vou abandonar tudo pelo que trabalhei em Chicago.
Eu quero esse cargo. Eu ganhei isso. Sou grata por tudo que
você fez por mim... tudo que sua família fez. Mas eu não
pertenço aqui. Esta é a sua casa, não a minha.
A decepção me invade, pesada e sombria.

Não tinha percebido o quanto esperava que Riona ficasse.


Depois de tudo que passamos juntos. Tudo o que aprendemos
um sobre o outro... eu pensei que ela tinha se ligado a mim,
como eu me liguei a ela.

Mas eu estava errado.

Ela está ansiosa para voltar para casa. Djinn se foi, e Josh
Hale também. Ninguém está mais atrás dela. Então ela não
precisa de mim. Eu fiz meu trabalho um pouco bem demais.

— Sinto muito, — Riona diz, suavemente.

Ela não me pede para voltar para Chicago com ela


novamente. Ela entende o que devo à minha família, depois de
sair todo aquele tempo.

Ainda assim, nenhum de nós parece muito feliz neste


momento. Estamos determinados, mas não contentes com
nossa escolha.

Nós cavalgamos de volta o resto do caminho para a casa


em silêncio.
Bo volta para casa por volta das dez da manhã, parecendo
exausta, mas feliz.

— Shelby e a bebê estão bem, — diz ela. — Eles vão


chamá-la de Frances.

— Frances? — Raylan diz, como se fosse uma palavra


estrangeira.

— Eu sei, — Bo diz, encolhendo os ombros. — Mas eles


parecem muito animados com isso, então não diga nada.

De repente, eu me sinto uma intrusa aqui. Tenho certeza


de que Raylan quer ir ao hospital para ver sua nova sobrinha.
Não acho que deva fazer parte disso. Os Boones deveriam
poder desfrutar de tudo isso juntos, sem eu estar no meio.

Falando baixinho com Raylan, digo: — Vou voltar para


casa hoje.

— Sozinha? — Ele diz. — Eu vou te levar.


— Não, — eu balanço minha cabeça, — É muito longe. E
você terá que voar de volta. Fique aqui com sua família. Vá ver
sua sobrinha.

Raylan não parece feliz, mas ele não discute comigo.

Eu não tenho muito para embalar. Não trouxe nada


comigo e, principalmente, tenho vestido as roupas de Bo.

Pretendo pegar de volta as botas de cowboy que Raylan


comprou para mim no outlet. Sei que não terei onde usá-los
em Chicago, mas me sinto irracionalmente ligada a elas. Elas
são extremamente confortáveis, no mínimo.

Eu me ofereço para reembolsar Bo pelo vestido que


Raylan e eu arruinamos, mas ela apenas bufa e balança a
cabeça. — Você estava me fazendo um favor rasgando isso. Tia
Kel está sempre tentando fazer com que eu me vista mais
feminina. Eu gostaria que ela economizasse seu dinheiro ou
me desse algo que eu realmente gosto.

— Como um lançador de granadas? — Raylan


interrompe.

— Sim, — Bo sorri. — Isso seria muito melhor.

Bo vai até a casa de Grady e Shelby para que ela possa


ajudar Celia a vestir os meninos para visitar sua irmãzinha.

Raylan alimenta e dá água aos cavalos, enquanto me


preparo para partir.
Nós nos encontramos no quintal – Raylan parecendo
cansado e sujo, eu segurando as chaves do Escalade em
minhas mãos.

— Tem certeza de que quer dirigir de volta sozinha? — Ele


me pergunta.

— Sim, — eu digo. — Eu acho que é o melhor.

Olho para seu rosto bonito e desalinhado. Gostaria que


ele me desse seu sorriso encantador mais uma vez – aquele que
me deixou louca no início. Agora acho que só me faria sentir
acolhida e feliz.

Em vez disso, Raylan me puxa para perto em um abraço.

Quando ele me solta, ele roça minha bochecha com um


beijo áspero.

Eu pego seu rosto e o beijo suavemente na boca em vez


disso.

— Obrigada, — eu digo, novamente.

Eu me afasto dele e corro para o carro. Eu não olho para


ele, mas meus ouvidos estão apurados. Ouvindo caso ele me
chame.

Raylan não grita para eu parar. Ele apenas observa


enquanto entro no SUV e ligo o motor.

Eu aceno para ele no espelho retrovisor. Ele levanta a


mão em retorno enquanto eu dirijo.
Demoro o dia todo para dirigir de volta a Chicago. É a
viagem mais longa e deprimente da minha vida. Cada momento
parece errado. Meu estômago está apertado e minhas têmporas
latejam de dor de cabeça.

Digo a mim mesma que estou fazendo a coisa certa.

Raylan e eu somos muito diferentes para ficarmos juntos.


Queremos coisas completamente diferentes da vida. Ele me
disse que quer se casar e ter filhos algum dia. Jurei centenas
de vezes que nunca vou me casar e também não estou muito
interessada em filhos.

Ele quer ficar naquele rancho e eu quero dirigir um


escritório de advocacia.

Simplesmente não somos compatíveis.

É como disse Nero – ele e Camille têm os mesmos planos,


os mesmos objetivos. Internamente, eles são iguais.

Raylan e eu somos diferentes por dentro e por fora. Sim,


aprendemos a não enlouquecer um ao outro. E aprendemos
muito bem como trabalhar juntos. E sexualmente falando,
somos compatíveis bem demais...
Mas você não pode construir um relacionamento
completo em torno do sexo. Eu gostaria disso... mas eu não
posso.

Ainda assim, sinto-me totalmente aborrecida enquanto


dirijo de volta para o coração de Chicago. É noite. Um vento
frio joga pedaços de lixo pela estrada. Poucas pessoas querem
enfrentar o frio, então as calçadas estão mais vazias do que o
normal.

Raylan me deu seu telefone. Eu uso para ligar para o


Dante.

O telefone toca e toca sem atender. Eu ia perguntar a ele


se eu poderia dar uma passada para deixar o SUV, mas não
quero dirigir até lá se ele não estiver em casa.

Sem pensar, vou na direção do escritório. É mais um lar


do que minha casa real. E, ao contrário do meu apartamento,
não estava totalmente queimado.

A torre de escritórios parece tão grande e imponente como


sempre. Costumava me dar uma grande emoção entrar pelas
portas duplas de vidro todos os dias. Pensando que este seria
um pedaço da cidade que eu possuiria algum dia.

Olhando para cima, posso ver duas ou três janelas em


nosso andar ainda iluminadas. Meu próprio escritório está
escuro. Mas tio Oran parece estar trabalhando duro.

Eu quero subir e sentar na minha cadeira atrás da minha


mesa. Quero me lembrar de quem sou e para que trabalho.
Não me sinto eu mesma há semanas. Sentar naquela cadeira
de couro confortável de novo será como voltar para dentro da
minha própria pele.

Estaciono o carro de Dante e entro, acenando para o


segurança na recepção. Carl me dá uma pequena saudação,
apertando o botão embaixo de sua mesa que ativa os
elevadores. Ele está acostumado comigo indo e vindo o tempo
todo.

Abro caminho pelas portas de vidro caras que levam os


nomes Griffin, Briar e Weiss. Assim que Weiss se aposentar,
pretendo que essa porta diga Griffin, Griffin e Briar. De jeito
nenhum eu não vou conseguir a parceria agora, com Josh fora
do caminho e eu sendo aquela que descobriu seu roubo.

O cheiro familiar do escritório me atinge imediatamente –


papel, tinta de impressora, o perfume de frésia que Lucy usa e
o lustra-móveis de limão e manjericão da equipe de limpeza.

Sinto uma onda de nostalgia, embora só tenha ido


embora há menos de uma semana.

Eu acendo a luz em meu próprio escritório. Espero sentir


a mesma sensação reconfortante, mas, em vez disso, noto
como o espaço é austero e frio. A estante parece encenada,
como um catálogo de móveis, e a mesa polida está tão vazia
que você pensaria que ninguém trabalhou aqui. Tudo parece
brilhante e caro, mas sem personalidade e calor.
Isso me faz pensar na casa da fazenda, onde cada peça
de mobiliário e cada detalhe de decoração parece contar uma
história de quem a fez e das pessoas que a usaram ao longo
dos anos. A casa dos Boones é um lar. Este é apenas um
escritório onde passei inúmeras horas trabalhando sozinha.

Sento-me atrás da mesa de qualquer maneira, tentando


recuperar meu senso de propósito e direção. É aqui que sempre
me senti mais poderosa e mais eu mesma.

Eu preciso sentir isso de novo.

Ligo meu computador, pensando que é o trabalho que


está faltando. Eu deveria mergulhar em meus antigos projetos.

Mas quando começo a classificar os arquivos, percebo


que metade dos meus projetos está faltando. Excluído do meu
computador sem deixar vestígios.

Antes que eu possa pesquisar para encontrar o que está


faltando, Angela Pierce enfia a cabeça no meu escritório.

— Ei, aí está você! — Ela diz. — Nós sentimos saudades


de você!

Angela é uma das advogadas seniores que trabalham


diretamente para o tio Oran. Ela é inteligente, argumentativa
e teimosa, então nos damos muito bem. Mas não sei o que o
tio Oran disse a todos sobre por que eu desapareci, então tento
ser vaga.
— Eu senti falta de vocês. Você sabe que eu odeio tirar
uma folga.

Angela sorri. — Estava contando os dias das minhas


últimas férias. Há um limite de relaxamento que posso
aguentar, antes de estar ansiosa para lutar com alguém
novamente.

— Você terminou esta noite? — Eu pergunto a ela.

— Sim. Eu estava examinando alguns registros de


impostos com Oran. Ele ainda está lá, se você quiser dizer oi.

— Oh, perfeito. Eu farei isso.

Ela torce o nariz, olhando-me de cima a baixo. — O que


você está vestindo? — Ela diz.

Eu tinha esquecido que ainda estava usando jeans e


botas de cowboy. Enquanto Angela se parece com o eu de três
semanas atrás, em um blazer creme impecável, calça cigarette
e salto alto Gianvito Rossi.

— Somente... tentando um novo visual, — eu digo.

Angela sorri. — Nada mal, — diz ela. — Devemos ver se


podemos fazer Oran concordar com a Sexta Casual assim que
Weiss se aposentar.

— Boa sorte com isso, — eu rio. — Você sabe que Oran


adora um terno de três peças mais do que qualquer pessoa.
— Verdade. — Ângela abaixa seu tom, inclinando-se um
pouco mais em meu escritório. — Ei, você ouviu sobre Josh?

— O quê? — Eu pergunto, bancando o idiota.

Angela faz uma careta. — Ele se matou.

— Sério? — Eu digo. Sou uma péssima atriz, mas Ângela


não parece notar. Ela está muito envolvida no drama dessa
fofoca em particular.

— Sim. Ontem mesmo. É tão estranho – nunca pensei


que ele fosse esse tipo. Você sabe, ele sempre pareceu tão cheio
de si. Acho que não deveria dizer isso, agora que ele está morto.

— Por que ele fez isso? — Eu pergunto a ela. Quero saber


se alguém ouviu falar do desfalque. Angela sempre sabe o que
está acontecendo no escritório – se houver um boato
circulando, ela será a primeira a saber.

Mas ela apenas balança a cabeça. — Quem sabe! Ele


estava brigando com a namorada. Mas aposto que não foi isso.

— Huh, — eu digo. — Bem, eu acho que nunca se sabe...

Ela dá um passo para dentro, falando ainda mais baixo.


— Aposto que era uma coisa de trabalho.

— O que te faz dizer isso?

— Bem, — ela lança um rápido olhar por cima do ombro


na direção do escritório do tio Oran. — Eu vi Oran brigando
com ele algumas vezes. Puxando-o para seu escritório para
conversas privadas, e então Josh saia parecendo estressado
pra caralho, como se tivesse sido repreendido. E ele estava se
gabando para Lucy de que o cargo estava garantido... mas o
resto de nós pensava que você iria conseguir. Então, se ele
descobriu que era seu... eu podia vê-lo perdendo o controle.

Ela percebe a expressão em meu rosto e rapidamente


acrescenta: — Não que eu esteja culpando você pelo que ele
fez! Não é sua culpa – você merece ser sócia. Você trabalhou
exaustivamente. Portanto, você não deve se sentir mal por isso.
Estou apenas dizendo... ele parecia meio delirante sobre isso.
Então que eu poderia vê-lo pirando, se fosse uma surpresa.

— Sim, — eu digo, lentamente. — Você pode estar certa.

— É tão estranho, — diz Ângela. — Ele agiu totalmente


normal o dia todo! E então ele sai e atira em si mesmo...

Estou prestes a acenar com a cabeça, mas algo fica preso


em meu cérebro – como uma unha prendendo no tecido.

— Espere, — eu digo. — Josh veio trabalhar ontem?

— Sim, — diz Ângela. — Ele esteve aqui o dia todo.

— Eu pensei que ele ligou? Disse que estava com gripe ou


algo assim?

Ângela franze a testa e balança a cabeça. — Não que eu


saiba. Ele definitivamente não estava gripado. Ele estava se
pavoneando como de costume, brigando com Lucy por causa
de uma carta que ela esqueceu de digitar para ele e reclamando
da máquina de café expresso.

— A que horas ele saiu?

— Eu não sei – cerca de quatro ou cinco horas? Cedo o


suficiente para que eu achasse que ele provavelmente tinha
um encontro com a namorada. Por quê?

Eu olho para ela sem expressão, minha boca aberta. —


Eu... nenhuma razão, — eu digo.

— É estranho, com certeza, — diz Ângela, jogando para


trás seu cabelo comprido e escuro. — De qualquer forma, fico
feliz em ver você de volta.

— Obrigada, — eu digo. — Te vejo amanhã.

Angela caminha em direção aos elevadores em seus saltos


altíssimos, pasta na mão.

Eu a vejo ir, meus pensamentos caóticos e conturbados.

Preciso falar com o tio Oran.


Eu levo minha mãe, Bo e os meninos até o hospital para
ver a bebê. Mesmo que esta seja sua terceira vez, Grady parece
que está maravilhado em se tornar pai novamente. Ele
continua dizendo: — Ela é a coisinha mais bonita que você já
viu. Você nunca viu um bebê mais bonito. Chame as pessoas
que fazem os anúncios da Baby Gap – aposto que pagariam
um milhão de dólares por uma foto dela.

Shelby parece muito mais exausta do que Grady, mas


igualmente satisfeita. Ela está sentada na cama do hospital
com seu vestido azul, seu cabelo loiro em um coque bagunçado
no topo de sua cabeça. A bebê está toda enrolada como uma
pequena salsicha em um pãozinho, deitada em paralelo ao
colo.

Os meninos olham para a bebê como se fosse um


alienígena.

— Eu pensei que seria uma menina? — Tucker diz.

— Ela é uma menina, — Shelby diz a ele.


— Então como é que o cabelo dela é tão curto?

— É assim que os bebês nascem, — diz Grady. — Você


era careca como um ovo até os dois anos. Olha, ela tem pelo
menos um pouco de cabelo. — Ele aponta para os fios loiro
pálido no topo de sua cabeça, o que a faz parecer um pintinho
amarelo felpudo.

— Ela é linda, — minha mãe diz. — Deixe-me segurá-la!

Shelby passa a bebê gentilmente. Para mim, ela diz: —


Onde está Riona?

— Ela foi para casa, — eu digo.

— Oh, — Shelby diz, parecendo desapontada. — Por quê?

— Ela não precisa mais de mim, — eu digo. — Como


guarda-costas.

— Quando ela volta? — Lawson pergunta.

— Eu não sei, — eu digo.

Na minha cabeça, penso: Provavelmente nunca. Mas não


adianta dizer isso a Lawson.

Minha mãe olha para mim, sua primeira netinha


aninhada em seus braços.

— Você vai ficar, não é? — Ela me pergunta.

— Sim, — eu prometo a ela. — Vou ficar.

— Bom, — mamãe diz. — Segure sua sobrinha.


Ela passa o embrulho quente da bebê em meus braços,
antes que eu possa responder. Frances é mais leve do que eu
esperava – leve demais para ser uma pessoa inteira, mas é
exatamente isso que ela é.

Eu carreguei armas e granadas, potros e cordeiros recém-


nascidos. Mas nunca um humano com apenas algumas horas
de vida. Eu me sinto inesperadamente nervoso e me sento na
cadeira ao lado de Shelby, para ter certeza de não deixar cair
o pequeno pacote.

A pele da bebê tem um cheiro doce e leitoso. Sua


mãozinha parece um botão de rosa enrolado. Suas unhas são
tão minúsculas que mal dá para vê-las, mas todas as cinco
estão presentes e perfeitamente formadas, até mesmo a unha
do mindinho.

Eu acaricio as costas de sua mão. É muito macia para ser


real. Mais suave que cetim ou seda.

Seu rosto está vermelho, com um pequeno hematoma na


ponta do nariz. Ela deve ter ficado presa durante o parto. Mas
seus pequenos traços são realmente adoráveis.

Eu me pergunto como seria a sensação de segurar meu


próprio filho. De ver uma mistura de minhas próprias
características e as características da pessoa que eu mais amo
no mundo. Posso imaginar a gratidão que sentiria por minha
esposa, por carregar meu filho e passar pela dor e trabalho de
parto para trazê-lo ao mundo. Posso imaginar o impulso
avassalador de cuidar de ambos. Para provê-los e mantê-los
seguros.

Eu senti aquele impulso em relação à Riona. Quando a


ouvi gritar meu nome, corri de volta para a casa em uma
velocidade que nunca havia atingido antes. E quando vi a
cozinha vazia com sua cadeira tombada e os respingos de
sangue nos ladrilhos, tive medo como nunca tive antes.

Corri de volta para o quintal e a vi correr para fora do


estábulo, com Djinn bem atrás dela. Eu o ataquei sem arma,
sem nenhum plano. Só de saber que eu tinha que salvá-la a
todo custo.

Eu ainda sinto aquele impulso. Eu sei que tudo acabou


agora, e ela deve estar segura em Chicago. Josh está morto,
Djinn está morto e ela tem sua família para protegê-la.

Mas ainda assim... eu sinto que ela precisa de mim.

Ou talvez seja eu quem precisa dela.

Eu passo a bebê Frances para Bo.

— Você quer uma bebida ou algo assim? — Eu pergunto


à Shelby.

— Eu adoraria um lanche, — diz ela. — Aquelas malditas


enfermeiras não me deixaram comer nada além de pedaços de
gelo enquanto eu estava em trabalho de parto.

— Elas lhe deram café da manhã depois, — Grady diz.


— Eu sei, mas ainda estou com fome.

— Vou pegar algo para você, — digo. Eu vi um café no


caminho, e há máquinas de venda automática em todos os
andares.

Eu desço primeiro para o café, pensando que Shelby


gostaria de um doce ou uma xícara de sopa. Enquanto
examino o menu, Bo se junta a mim.

— Você também está com fome? — Eu pergunto a ela.

— Não, — ela diz. — Eu só quero café.

Fazemos nossos pedidos – café para Bo e eu, sopa e um


sanduíche para Shelby. Pego para ela o pedido em tamanho
real, porque tenho certeza que Grady comerá metade dele.

— É melhor pegar alguns biscoitos para os meninos, —


diz Bo. — E café para a mãe.

Enquanto esperamos pela comida, ela diz: — O que você


vai fazer com Riona?

— O que você quer dizer?

Ela me olha como se eu estivesse sendo deliberadamente


estúpido.

— Você está obviamente louco por ela. Você vai agir como
se fosse deixá-la voltar para Chicago e nunca mais vê-la?

— Você é quem diz, — digo a Bo.


— O que isso deveria significar?

— Estou falando sobre você e Duke.

Ela enrubesce, carrancuda para mim. — Ele é meu


melhor amigo.

— Ele está apaixonado por você desde que vocês tinham


12 anos. Talvez até antes disso. E você perde a porra da cabeça
se outra garota olhar para ele.

— Não, eu não, — Bo resmunga.

— Você vai perdê-lo como amigo, de uma forma ou de


outra. Ou você deixa o relacionamento se desenvolver... ou
você vai perdê-lo para outra pessoa.

Bo não gosta nada disso. Ela joga para trás seu cabelo
preto, seus olhos brilhando para mim. — O que você sabe
sobre isso? Você nunca está aqui. Você não sabe como são
nossas vidas.

— Estou aqui agora, — digo a ela. — Então é melhor você


se acostumar com isso. Sou seu irmão mais velho – isso
significa que lhe dou conselhos sobre irmão mais velho. Goste
você ou não.

Bo range os dentes, considerando as muitas réplicas que


ela poderia me dar. Por fim, ela decidiu o seguinte: — Bem,
deixe-me dar um conselho de sua irmãzinha. Se você
encontrou uma garota que aguenta você, não deveria deixá-la
ir tão facilmente. Porque pode nunca mais acontecer.
Com isso, ela agarra seu café e se afasta de mim,
deixando-me carregar o resto da comida.

Carrego tudo para o quarto de Shelby, fazendo


malabarismos com os vários copos de isopor e sacos de papel.

— Obrigada! — Shelby diz agradecida, rasgando a


embalagem do sanduíche. Como eu suspeitava, Grady paira
em volta como um triste São Bernardo20 até que Shelby lhe
passa metade de seu BLT.

Minha mãe coloca a bebê no berço para que ela possa


beber seu café. Seus olhos são atraídos para a bebê
repetidamente.

— Eu gostaria que Waya pudesse tê-la visto, — diz ela. —


Ele amava bebês.

Às vezes, depois que uma pessoa morre, todos se sentem


obrigados a falar bem dela. Exagerar seus méritos e esquecer
todas as suas falhas.

Com meu pai, é o oposto.

Você nunca poderia fazer justiça ao quão bom homem ele


realmente era.

Ele não apenas amava bebês – ele era incrivelmente gentil


com todas as crianças. Ele riu e brincou conosco. Ensinou-nos
com infinita paciência como amarrar um cadarço, pular uma
pedra ou ordenhar uma vaca. Nunca gritava, mesmo quando

20 Raça de Cão.
fazíamos coisas estúpidas e irritantes. Ele responderia a
qualquer pergunta – se você perguntasse por que as nuvens
flutuam ou onde os ursos dormem, ele lhe daria uma
explicação que você realmente entenderia.

A única vez que ele era severo era se nos visse agindo de
maneira cruel. Isso ele nunca permitiu.

Sinto falta dele. Deus, eu sinto falta dele.

Eu gostaria que ele pudesse ter visto este bebê. E eu


gostaria que ele pudesse ter conhecido Riona. Ele teria
admirado o fogo e a determinação dela.

Todas as minhas lembranças de meu pai são boas.

O único arrependimento que tenho são coisas não ditas.


Coisas que eu deveria ter contado a ele quando descobri que
não éramos parentes de sangue. Mas nunca tive a chance.

Às vezes, as oportunidades surgem uma vez e nunca


mais.

Penso em Riona, voltando sozinha para Chicago.

Penso em nossa caminhada por entre as bétulas. Antes


de Bo nos interromper, eu queria dizer a Riona que nunca senti
por ninguém o que sinto por ela. Que acho que estou me
apaixonando por ela.

Eu quase disse isso.

Eu gostaria de ter dito.


O momento passou. E não virá novamente.

— O que há de errado? — Minha mãe me pergunta


baixinho.

— Eu acho que... posso ter cometido um erro com Riona,


— digo a ela.

Ela me olha com seus olhos azuis claros. Ellis também


tinha olhos azuis. Mas escolho pensar que meus olhos vieram
de minha mãe. Meu senso de humor e minhas habilidades
culinárias também. De Waya, o desejo de cuidar e proteger as
pessoas que amo. E os meios para fazer isso. Ele me ensinou
a caçar, a atirar e até a lutar. Ele sempre dizia: — Seja lento
com os punhos. Mas lute por coisas que importam.

— A maioria dos erros podem ser corrigidos, — diz minha


mãe.

— Eu prometi a você que estaria em casa para sempre


desta vez, — digo a ela.

Ela me dá um sorriso que enruga os cantos de seus lindos


olhos azuis.

— Não estou preocupada, — diz ela. — Você vai voltar


quando for a hora certa.

Eu posso dizer que ela realmente quis dizer isso. Minha


mãe nunca diz nada que ela não queira dizer.

Entrego as chaves da caminhonete à Bo. Ela não me


pergunta para onde estou indo, porque ela já sabe.
Corro para fora do hospital e sigo até o ponto de táxi.

— Preciso ir para o aeroporto, — digo ao motorista.


O silêncio no prédio de escritórios é quase total.

Com Angela indo para casa esta noite, apenas tio Oran e
eu permanecemos.

A caminhada até seu escritório parece longa. Posso ouvir


cada baque suave de minhas botas no tapete, bem como o
zumbido suave das luzes do teto.

Tio Oran tem o maior escritório da empresa. Maior ainda


do que o de Jason Briar ou o de Victor Weiss. É uma bela sala,
com prateleiras do chão ao teto cheias de livros caros com capa
de couro. As paredes são cobertas com mapas antigos e
amostras botânicas emolduradas. Um enorme globo pintado
repousa sobre um suporte dourado ao lado da mesa do tio
Oran, que foi construída com madeira de navios antigos, como
a mesa Resolute 21 no Salão Oval. A área de trabalho está
limpa, exceto por sua caneta Caran d'Ache de mil e duzentos

21 É a mesa utilizada pelo Presidente dos Estados Unidos disposta no Salão Oval da Casa Branca.
dólares e seu abridor de cartas que parece uma espada
medieval.

Seu escritório cheira agradavelmente a cera de abelha,


fumaça de charuto e conhaque. O cheiro do próprio tio Oran,
que sempre foi um dos meus favoritos. Se o tio Oran estava
vindo, isso significava que eu poderia escutar boas conversas
e piadas impróprias. E segredos também. Porque Oran sempre
tinha segredos para contar.

Sua porta está aberta apenas dois centímetros. Eu puxo


um pouco mais para que possa entrar.

Oran ergue os olhos imediatamente, seus olhos escuros


profundamente sombreados. A única luz em seu escritório vem
da lâmpada de sua mesa.

Eu não posso dizer se ele está surpreso em me ver ou não.


Tudo o que ele diz é: — Você está de volta.

— Sim, — eu digo.

— Onde está seu lindo guarda-costas?

— Em casa. No Tennessee.

— Ah, — ele diz, balançando a cabeça e pousando a


caneta. — Então você deu a ele os papéis de demissão.

— Achava que não precisava mais de vigilância constante.


Já que Djinn está morto.
Observo seu rosto muito de perto quando digo isso.
Procurando uma resposta.

Desta vez, vejo um lampejo de algo em seus olhos... não


é surpresa. Quase acho que é raiva.

— O assassino está morto? — Ele pergunta.

— Sim.

— Você tem certeza?

— Eu assisti ele morrer. Então eu o enterrei em um


campo. Então, sim, eu diria que ele está morto bem morto.

Tio Oran se inclina para trás em sua cadeira, os dedos


entrelaçados na frente dele.

— Sempre tão direta, Riona. Tão franca.

— Você costumava me elogiar pela minha honestidade


quando eu era criança.

— Isso eu fiz, — ele concorda. — Venha... sente-se.

Ele aponta para a cadeira do outro lado da mesa. É uma


cadeira grande, confortavelmente estofada. Já me sentei
dezenas de vezes. Esta noite parece diferente. O encosto reto e
os braços rígidos parecem severos e inflexíveis. Eles me
lembram as cadeiras de madeira usadas para eletrocutar
prisioneiros.

Eu me sento em frente a ele.


— Eu não gosto dessa roupa, — tio Oran diz com um tsk.
— Ou o cabelo. Lamento dizer, minha querida, você não está
no seu melhor.

Eu poderia dizer a mesma coisa ao tio Oran. As rugas em


sua testa são as mais profundas que já vi, e as olheiras
parecem hematomas. Acho que ele até perdeu peso. Seu terno,
geralmente tão impecavelmente ajustado, parece cair em seus
ombros.

Em vez disso, digo: — Foram duas semanas estranhas


para mim. Muito estranhas.

— Nada acalma uma semana preocupante como uma


bebida, — diz o tio Oran.

Ele se levanta e caminha até o globo. Sei de visitas


anteriores que várias garrafas de bebida alcoólica estão
escondidas dentro, bem como copos de vidro lapidado. Ele se
serve de um copo de conhaque e uísque para mim. Essas são
nossas bebidas habituais. Mas quando ele me passa o copo,
eu o coloco em sua mesa sem beber.

Tio Oran dá um longo gole, inclinando-se contra a borda


de sua mesa e olhando para mim.

— Sempre pensei que se tivesse uma filha, ela seria como


você, — diz ele. — Há uma certa crueldade, uma arrogância
em você que eu reconheço de mim mesmo. Mas a
honestidade... não sei de onde vem isso. — Ele ri. —
Certamente não de qualquer Griffin.
— Acho que vem do meu pai, — digo friamente. — Ele vai
pelo menos apunhalá-lo na frente, em vez de nas costas.

— Fergus? — Oran diz, com uma pequena ondulação no


lábio superior. — Ele é tão conivente como eles.

— Talvez você e eu não tenhamos a mesma definição de


conivência, — digo.

Tio Oran esvazia seu copo e o coloca suavemente sobre a


mesa.

— Talvez não, — ele diz.

Estou estudando seu rosto, perguntando-me como pude


tê-lo interpretado mal por tanto tempo. Nem sempre me
expresso como gostaria, mas geralmente sou boa em ler os
outros.

Sempre vi muito carinho lá. Agora acho que foi calculado,


em vez disso.

— Uma pena sobre Josh, — eu digo.

— Como assim? — Tio Oran levanta uma sobrancelha. —


Eu pensei que vocês se desprezassem.

— Nós nos desprezávamos. Mas foi muito inconveniente


da parte dele estourar a cabeça antes que Dante e Callum
pudessem falar com ele.
— Ou antes que pudéssemos recuperar o dinheiro que ele
pegou, — diz tio Oran, sem problemas. — Quanto você disse
que era? Vinte milhões?

— Por que você não me conta? — Pergunto-lhe.

Tio Oran sorri fracamente. — Você é a contadora forense.


Eu sou apenas o homem humilhado pelo fato de que todo
aquele dinheiro desapareceu na minha frente.

— Meu pai vai ficar muito bravo com isso, — eu digo. —


Mas não tão bravo quanto ele ficará quando descobrir que seu
próprio irmão o está roubando.

O rosto de Oran escurece. É como ver a água clara ficar


turva – suas verdadeiras emoções turvando sua fachada lisa.

— Essa é uma acusação muito séria, Riona, — diz ele. —


Especialmente da minha própria sobrinha. Que provas você
tem?

É isso que ele realmente quer descobrir. Esse é o objetivo


deste jogo – descobrir o que eu sei.

— Nunca fez sentido que Josh contratou Djinn, — eu


digo. — Ele só descobriu que eu estava trabalhando nos
acordos de compra naquela tarde. Mas você sabia há muito
tempo – com tempo mais do que suficiente para lançar um
ataque. E você sabia melhor do que Josh a que horas eu nado
todas as noites. Você até viu como eu estava trabalhando tarde
naquela noite em particular. Você me disse que eu deveria ir
para casa... mas eu fiquei. Você teve que esperar na rua,
esperando minha luz apagar? Tenho certeza de que foi
irritante.

A pálpebra do meu tio se contrai e tenho certeza de que


acertei. Ele realmente deve ter ficado parado ali na rua fria,
xingando minha capacidade de atenção.

— Você tirou os contratos de compra da minha mesa.


Você os colocou no escritório de Josh. Mas entrei e os agarrei
novamente. E eu os levei para casa comigo.

—... Claro, isso não teria importado se eu tivesse me


afogado. É por isso que parecia um acidente – para que
ninguém viesse procurar o assassino, ou mesmo se
perguntasse por que eu tinha morrido.

— ...estou assumindo que o Djinn pegou meu telefone


para que você pudesse verificar meus e-mails e ligações. Ver se
eu avisei alguém sobre as propriedades. Você pensou que eu
já sabia... mas essa é a ironia, tio Oran. Eu não tinha a porra
da ideia. Eu não tinha descoberto. Você pensou que eu
continuei pegando esses contratos de compra porque já estava
atrás de você... mas não foi nada disso. Eu só queria te
impressionar! Eu só queria o cargo.

Seus lábios se contraem de irritação. Ele não está me


respondendo, mas já sei que tudo o que estou dizendo é
verdade. Por mais que contradiga tudo que eu pensava saber
sobre meu relacionamento com meu tio, é a única explicação
que faz sentido. Esse homem que era meu amigo e mentor,
esse homem que eu pensei que me amava como uma filha... foi
ele quem tentou me matar. Para salvar sua própria pele.

— Você ainda precisava que esses arquivos fossem


removidos, então você fez Djinn incinerar meu apartamento.
Você esperava que isso se livrasse de mim também.
Infelizmente para você, eu tinha cópias digitais no meu
computador. Lucy as enviou para mim. Eu estou supondo que
você descobriu isso mais tarde, porque elas se foram agora.
Todas excluídas.

— ...você sabia que havia outra camada de proteção,


entretanto – você fez Josh assinar todos os documentos. É por
isso que você sempre passava todo aquele trabalho para ele.
Porque você sabia que ele não notaria as discrepâncias. Ele é
um advogado decente, mas um puxa-saco muito melhor. Ele
não questionaria nada que você lhe dissesse para fazer.

— ...ele era o bode expiatório perfeito. Todo mundo viu


que ele e eu éramos inimigos. Éramos rivais pelo trabalho e
odiávamos a coragem um do outro. Parecia crível que ele
contrataria alguém para me matar.

— ...mas você sabia que se Dante e Cal colocassem as


mãos nele, Josh cantaria como um pássaro. Ele sabia do
desfalque? Ele estava nisso?

O rosto impassível do tio Oran não revela nada. Apenas o


brilho de seus olhos escuros mostra que ele ainda está ouvindo
com atenção.
— Não importa, — eu digo. — Você tinha que se livrar
dele. Então você o mandou para casa mais cedo, antes que
Dante e Cal pudessem aparecer aqui. Disse a eles que ele
esteve doente o dia todo. Então você dirigiu até o aeroporto com
ele e forçou a arma sob seu queixo. Ou você contratou alguém
para aquele pequeno trabalho bagunçado? Não consigo
imaginar você recebendo sangue e massa encefálica em um de
seus ternos.

Os lábios de Oran se contraem de desgosto, o que me dá


certeza de que ele mesmo fez isso. Ele é mais velho que Josh,
mas é mais alto, e ele tinha a surpresa do seu lado. Josh não
esperava ser traído por Oran mais do que eu.

— Não, — eu digo. — Você fez isso. Você não podia


arriscar que algum suposto assassino estragasse o trabalho
novamente. Assim que Josh estava fora do caminho... suponho
que você transferiu parte do dinheiro para as contas dele para
fazê-lo parecer culpado. Não o suficiente para prejudicar
seriamente o que você roubou, mas o suficiente para que
saibamos que Josh não economizou com seu salário.

— ...e eu suponho que você pensou que Djinn iria se livrar


de sua última ponta solta no Tennessee. Pareceria que Josh
nunca teve a chance de cancelar o ataque. Todas as evidências
teriam sumido. Eu iria embora. Josh levaria a culpa. E você...
o que exatamente? Para que diabos você queria esse dinheiro?

Esta é a única parte em que Oran não consegue ficar em


silêncio. Seus olhos estão estreitos em fendas e seus dentes
amarelados estão à mostra enquanto ele sibila: — Eu queria
porque é meu. Foi devido a mim.

— Como você descobriu isso? — Eu exijo. Eu sei que o tio


Oran fica com 50% dos lucros do escritório de advocacia, o que
é uma boa quantia de dinheiro. O dobro do que os outros
sócios recebem. — Você é bem pago por administrar este lugar.

— Eu não deveria ser pago por nada! — Ele grita. — Uma


ação no escritório de advocacia... eu deveria ficar com metade
do império! Ou mais! Eu sou o filho mais velho, não Fergus.

— Você é o filho bastardo, — eu digo, friamente. Nunca


me importei com isso, mas estou muito zangada com Oran e
quero machucá-lo se puder, como ele me machucou. — Este
império é dez vezes maior que antes do avô, por causa do meu
pai. Ele é o único que o construiu até onde está hoje. Você não
fez isso. Você não poderia.

— Você não tem ideia do que posso fazer, garota — sibila


Oran.

Talvez ele esteja certo. Porque mais rápido do que eu


posso piscar, há uma arma apontada para meu rosto.

Eu zombo. — Você vai atirar em mim? Bem aqui no


escritório? Você não tem mais ninguém para culpar desta vez.
Você me mata, e meu pai vai te caçar como um cachorro e
cortar a carne de seus ossos uma grama de cada vez.

— Não vou matar você — zomba Oran. — Você vai se


matar.
Ele alcança sua mesa e tira um frasco de comprimidos.
Meu estômago se contorce ao ler o rótulo. Diz, “Riona Griffin”.
Ele tem uma receita em meu nome.

— Você não vai se safar com o mesmo truque duas vezes,


— digo a ele.

— Eu não sei sobre isso... — Oran diz. — Acho que


ninguém acredita que você seja feliz, Riona. Não de verdade. O
que você tem na vida além do trabalho? Nada.

Quando ele faz essa pergunta, por um momento selvagem


meu cérebro responde, Raylan. Até me lembrar que não o
tenho mais. Eu só o tive por um breve momento. Então eu o
empurrei.

Oran abre a tampa do frasco de comprimidos e o empurra


para mim. Ele brandiu a arma na minha cara. O cano parece
tão escuro e vazio quanto os olhos do tio Oran.

Não sei o que são os comprimidos, mas não importa. Eu


posso vomitá-los depois. Por enquanto, tenho que fingir que
coopero. Ou então ele simplesmente atirará em mim.

Oran está por um fio. Eu subestimei seriamente o


desespero do meu tio.

Eu vim aqui para confrontá-lo, pensando que ele ainda


era o homem que eu conhecia. Eu pensei que poderia
argumentar com ele. No mínimo, pensei que ele reconheceria
que tudo acabou, ele perdeu.
Eu não percebi quanto ódio estava fervendo sob sua pele.
Ódio contra meu pai... e contra mim. Ele nunca me amou. Ele
nunca me respeitou. Ele me usou quando era conveniente. E
quando entrei em seu caminho, ele tentou me afogar como um
rato.

Eu confiei nele. Mas ele nunca mereceu essa confiança.

Raylan fez. Eu gostaria de poder gritar por ele, como fiz


fora do celeiro. Eu gostaria que ele pudesse aparecer e me
salvar. Mas ele está a oitocentos quilômetros daqui. Passei o
dia todo dirigindo para longe dele.

Terei que me salvar, se quiser sobreviver.

— Pegue, — Oran vocifera para mim.

Pego o frasco de comprimidos. É pequeno e leve. As


pílulas brancas chacoalham lá dentro.

— Engula-os, — sibila Oran.

Eu coloco alguns comprimidos na palma da mão. Então


eu engulo com um gole de uísque.

O tempo está passando. Eu provavelmente tenho apenas


trinta minutos ou mais antes que eles comecem a fazer efeito.

— Pegue todos eles, — Oran ordena.

Provavelmente não importa quantos eu pegue. Vou ter


que vomitar todos eles de qualquer maneira. Ou Oran vai atirar
em mim — e os comprimidos não importarão por um motivo
completamente diferente.

Eu engulo o resto das pílulas com o resto do uísque.

Tik tok, tik tok.

— E agora? — Eu digo a Oran.

— Agora você escreve sua nota de suicídio, — diz ele.

— Eu preciso de papel.

Oran vasculha sua mesa. Ele puxa uma folha creme de


papel pergaminho grosso. Apenas o melhor para o tio Oran.

— O que você quer que eu escreva? — Eu digo.

Oran inclina a cabeça para trás, olhos fechados,


enquanto pensa no que deve dizer. Eu levanto sua caneta
folheada a ouro do suporte.

— Querida família, — ele começa. — Eu sinto muito por


fazer isso com vocês. Mas acho que é o melhor. Estou com muita
dor. Eu simplesmente não aguento mais...

Ele continua a ditar, e eu rabisco bobagens no papel,


fingindo escrever palavra por palavra. Suas sugestões são
dramáticas e ridículas – absolutamente nada do que eu
escreveria. Não que eu fosse escrever nada, porque eu nunca
me mataria, porra. Cal saberia disso, e Nessa também. Não
importa o que aconteça, eles não vão acreditar nessa besteira.

— Assine: Amor, Riona, — Oran ordena.


Eu rabisco uma assinatura que não se parece em nada
com a minha.

— É isso que você queria? — Eu digo, sentando-me para


que ele possa examinar o papel.

Oran se inclina sobre a mesa, curvando-se sobre a página


para poder ler o que escrevi. Eu vejo seus olhos escaneando,
então uma cor de raiva aparecendo em seu rosto.

— Não! — Ele grita. — Isso não é...

Pego o abridor de cartas e coloco nas costas de sua mão.


A pequena espada medieval atravessa sua mão, prendendo-a
na mesa.

Oran uiva e balança a arma na direção do meu rosto, mas


eu agarro seu pulso com as duas mãos e a empurro para cima.
Ele aperta o gatilho, atirando três vezes no teto. Pó de gesso
chove sobre nossas cabeças.

Eu bato em seu pé com força com minha bota de cowboy,


e então coloco meu joelho em sua virilha. Oran se dobra,
gemendo e praguejando.

Eu arranco a arma de sua mão.

Oran pode não ter estado realmente no IRA, mas ele sabe
como lutar. Assim que arranco a arma dele, ele me dá um soco
bem no rosto. O golpe me joga para trás, e a arma sai do meu
controle, desaparecendo debaixo da minha cadeira.
Oran tenta arrancar sua mão da mesa, mas ela está
presa. Ele uiva de dor, então agarra o cabo do abridor de cartas
para puxá-lo.

Enquanto isso, estou de joelhos tateando sob a cadeira,


tentando sentir a arma. Não sei se é por causa do soco de Oran
ou porque os comprimidos estão começando a fazer efeito, mas
minha cabeça está girando. O chão parece balançar para frente
e para trás debaixo de mim, e não consigo encontrar a arma.

Tio Oran pula em cima de mim, esmagando-me no tapete


com todo o seu peso. Ele tira o ar dos meus pulmões, então
estou ofegante, minha cabeça girando pior do que nunca.
Então ele tenta me puxar para cima novamente, puxando-me
para longe da arma.

Bem naquele momento, minhas mãos se fecham em torno


de algo frio e duro. Eu agarro o punho e enrolo meu dedo em
torno do gatilho.

Enquanto Oran me puxa para cima, giro a arma e aponto


direto para seu rosto.

Ele congela, com as mãos presas em meus ombros.

— Você não atiraria em seu tio... — diz ele, seus dentes


amarelados à mostra em um sorriso rígido.

— Eu absolutamente atiraria, — eu digo.

Eu puxo o gatilho, atirando nele bem entre os olhos.


As mãos moles de Oran me soltam e ele cai para trás. Eu
caio para trás também, instável em meus pés. Quando eu caio,
a parte de trás da minha cabeça atinge o tapete com um baque.

Eu rolo, e toda a sala gira em torno de mim. Enfio os


dedos na garganta, tentando me fazer vomitar. Eu engasgo,
mas não sai nada.

Merda.

Tento de novo, mas minha mão parece dormente e mole


na ponta do meu pulso. Minha garganta está inchada. Talvez
seja por isso que eu não posso vomitar.

Em vez disso, tento pegar o telefone, mas parece que está


a um milhão de quilômetros de distância, na mesa do tio Oran.
Estou rastejando e rastejando, mas não estou realmente indo
para lugar nenhum. Meus joelhos escorregam no tapete
oriental.

Oh meu Deus, acho que meu tio idiota finalmente vai


conseguir me matar, quando isso nem vai ajudá-lo mais.

Acho que ainda estou engatinhando em direção ao


telefone, mas minha bochecha está pressionada contra o
carpete, então não posso realmente me mover.

Eu sinto frio. Muito frio.

Eu queria que Raylan estivesse me segurando. Não há


nada mais quente do que seus braços.
Merda. Que maneira triste de morrer. Com tantos
arrependimentos em meu coração...

De repente, me sinto flutuar para cima. Ainda estou


congelando, mas estou pressionada contra algo quente. Eu
ouço um baque constante no meu ouvido.

Abro meus olhos novamente e vejo o rosto de Raylan. Isso


é impossível, então sei que devo estar sonhando.

Se este é meu último sonho, vou aproveitá-lo.

Os braços fortes de Raylan estão travados ao meu redor,


levando-me para fora do escritório...
Quando eu pouso em Chicago, pego um táxi direto para
o edifício do escritório do Riona. Tenho certeza de que é onde
ela estará, e com certeza, vejo uma luz acesa em seu escritório
de canto.

Carl está cuidando da recepção. Ele me reconhece de


todos os dias em que segui Riona e acena para mim dizendo:
— Ela já está lá em cima.

Eu pego o elevador, meu coração batendo forte. Já


repassei todas as coisas que queria dizer a ela no voo. Tudo o
que estou fazendo agora é torcer para que, quando ela me vir,
seu rosto se ilumine de felicidade, não de aborrecimento.

Mas quando chego ao andar dela, seu escritório está


vazio. Sua luz está acesa e sua cadeira está girando, como se
ela estivesse sentada nela há pouco tempo. Mas não há
ninguém por perto. O andar está silencioso.
Eu fico lá esperando, perguntando-me se ela foi ao
banheiro. Carl disse que ela estava aqui – ele teria notado se
ela fosse embora.

Eu espreito minha cabeça para fora da porta e vejo um


brilho fraco de luz no corredor.

Sigo naquela direção, reconhecendo a rota para o


escritório de Oran. Estou andando devagar no início, pensando
que Riona deve estar falando com seu tio. Mas está muito
quieto, muito quieto. Há um cheiro metálico no ar e outra coisa
– um leve cheiro de fumaça. Eu começo a andar e depois corro.
Abro caminho pela porta de Oran.

Oran está espalhado no tapete, os olhos vazios olhando


para o teto. Um buraco negro e redondo marca o meio de sua
testa, e uma mancha se espalha sob sua cabeça como um halo
escuro. Riona está deitada a três metros de distância, de
bruços.

Um som desumano sai de mim – a meio caminho entre


um rugido e um soluço. Eu corro até ela e a rolo, apavorado
com o que estou prestes a encontrar.

Seu rosto está machucado e pálido – mais pálido do que


eu jamais vi. Seus lábios estão ficando azuis. Mas ela não está
morta. Colocando meus dedos em sua garganta, sinto uma
pulsação. Fraca e errática, mas há.

Eu a pego em meus braços e corro para os elevadores. Ela


está muito leve e muito fria – sua pele está úmida, como se ela
tivesse acabado de sair da chuva. Enquanto descemos, já estou
chamando uma ambulância.

Os paramédicos a levam ao Northwestern Memorial e


fazem uma lavagem em seu estômago no caminho. Eles me
perguntam o que ela tomou, mas eu não tenho ideia. Fosse o
que fosse, tenho certeza de que ela não aceitou de bom grado.

As enfermeiras colocam uma intravenosa em seu braço e


a enchem de fluidos. Poucos minutos depois de o soro
fisiológico pingar em seu braço, a cor começa a voltar para
suas bochechas. Apenas um leve tom de rosa, mas me enche
de esperança.

Já liguei para Dante. Ele liga para Callum e Fergus. Este


é o primeiro a chegar ao hospital. Ele entra no quarto de Riona,
seu rosto branco como giz de fúria.

— Onde ele está? — Ele sibila para mim.

— Oran? — Eu digo. Estou ciente do fato de que,


independentemente do que ele possa ter feito, Oran ainda é
irmão de Fergus. — Ele está no escritório de advocacia. Mas
lamento dizer-lhe, senhor – ele está morto.

Eu vejo uma contração no canto da boca de Fergus. Uma


pequena careta. É imediatamente engolido por sua fúria fria.

— Ele tem uma sorte danada, então, — Fergus diz.

Ele se senta ao lado da cama de Riona, acariciando o


cabelo da sua testa. Esse cabelo ruivo é a única cor nela no
momento. Parece mais brilhante do que nunca contra sua
palidez.

Estou indeciso, porque acho que Fergus pode querer ficar


sozinho com sua filha. Mas não quero sair do lado de Riona –
nem por um instante.

Fergus pode me sentir parado atrás dele, meus olhos fixos


no rosto de Riona.

— Você não precisa ir embora, — ele me diz. — É por sua


causa que ela está viva.

— Eu não deveria ter deixado ela dirigir de volta sozinha,


— eu digo.

Fergus solta uma pequena risada. — Duvido que você


tenha muita escolha sobre isso, — diz ele. — Eu conheço
minha filha. Ela toma suas próprias decisões.

Ele se vira para me olhar completamente. Seu rosto me


dá um choque, porque é muito parecido com o de Oran. Além
de algumas pequenas diferenças na cor, Fergus poderia ser o
homem que vi morto no tapete uma hora atrás. Mas há uma
ferocidade em seu rosto que Oran não tinha. Os homens têm
a capacidade de reconhecer líderes – fica claro à primeira vista
que Fergus é um chefe.

— Os pais amam todos os seus filhos, — ele me diz. —


Mas nem todas as crianças são igualmente capazes de aceitar
o amor. Tentei mostrar a Riona o quanto a valorizo. Mas acho
que ela nunca entendeu o quanto ela significa para mim. —
Ele toca seu cabelo novamente, suavemente, assim como
Imogen fez na cozinha. — Não a estou culpando, — diz ele. —
Eu só gostaria de falar melhor a língua dela.

Eu olho para Fergus e penso em meu próprio pai. Penso


no dia em que descobri que Waya não era meu parente de
sangue. Ele era apenas meu pai cuidando de mim, me
ensinando, me protegendo e me amando. Ele era apenas meu
pai em todas as maneiras que importavam.

Não fui capaz de aceitar seu amor naquele momento.

Mas eu senti isso todos os dias desde então.

— Ela sabe, — digo a Fergus. — Confie em mim, ela sabe.

Fergus acena com a cabeça, lentamente. — Espero que


você esteja certo, — diz ele. Depois de um momento, ele
acrescenta: — Tenho uma dívida com você. O que quer que
estivéssemos pagando a você...

Eu o interrompo. — Não há dívidas.

Fergus persiste. — Sim, existe. Esquecer uma dívida não


significa que ela foi paga.

Ele pode ver que estou desconfortável. Que não quero ser
recompensado por cuidar de Riona.

Não por ele, de qualquer maneira. Só Riona pode me dar


o que eu realmente quero.
— Pense sobre isso, — ele me diz. — Então venha me
encontrar.

A maior parte da família de Riona vem ao hospital


naquela noite. Imogen chega logo após seu marido. Eles ficam
várias horas na esperança de que Riona possa acordar. Dante
e Callum chegam às 3:00 da manhã, atrasados pela
necessidade de se livrar do corpo de Oran primeiro.

— Não posso permitir que os outros advogados o


encontrem pela manhã, — Dante murmura para mim.

— Você tirou o tapete também? — Digo, lembrando-me


da mancha de sangue.

— Claro. Foi assim que carregamos o corpo. Cal desligou


as câmeras e disse a Carl para fazer uma pausa para fumar.

— Onde está o corpo agora?

— Enterrado na propriedade South Shore, — Cal me diz.


— Ele pode apodrecer na terra que usou para nos fraudar.

Cal parece não ter escrúpulos em enterrar o corpo do tio.


Nenhum dos Griffins derramou uma lágrima por Oran. Riona
teria. Mas o idiota tentou matar a única pessoa que realmente
o amava.

No início da manhã, assim que o sol está nascendo, uma


garota esguia e bonita com cabelos castanho-claros e um
punhado de sardas entra no quarto de Riona. Eu nunca a
conheci antes, mas eu sei imediatamente que esta é a irmã
mais nova de Riona, Nessa. A maneira como ela se move e fica
de pé a denuncia como dançarina. Além disso, ela está
carregando um enorme buquê de peônias, que eu sei que são
as favoritas de Riona.

— Oh! — Nessa choraminga, seus olhos verdes se


enchendo de lágrimas ao ver o hematoma na bochecha de
Riona. — Papai disse que ela não estava ferida...

— Ela está bem, — digo a ela. — Apenas dormindo.

Nessa agarra a mão de Riona e aperta. Ela largou as


peônias na mesa de cabeceira, totalmente esquecida em sua
ansiedade pela irmã.

Ela está chorando de verdade agora, as lágrimas


escorrendo por ambas as bochechas.

— Sinto muito, — ela diz. — Eu só... Riona parece tão


invencível. É difícil vê-la assim.

— Eu sei, — eu digo, balançando minha cabeça. — Ela


vai ficar bem, no entanto. Eu prometo.

Nessa olha para mim, realmente me vendo pela primeira


vez. — Você é o guarda-costas dela, — ela diz. — Raylan?

— Sim.

— Eu sou Nessa.

— Eu sei, — eu digo. — Riona fala muito sobre você.

— Ela fala? — Nessa diz, seus olhos brilhando de prazer.


— Sim, — eu digo. — Muito mais do que Callum. Ela
quase não gosta dele.

Nessa ri. A risada dela é mais alta do que a de Riona, mas


a cadência é a mesma.

— Você é engraçado, — ela diz. — Isso faz sentido.

— O quê?

— Riona finge ser tão séria. Mas ela gosta de rir... você só
tem que diverti-la.

— Eu descobri isso com o tempo, — eu digo. — Ela não


gosta de fazer nada da maneira mais fácil.

— Melhor não dizer isso muito alto, — sorri Nessa. —


Caso ela possa nos ouvir.

— Eu não ousaria dizer nada pelas costas que não diria


na cara dela.

Nessa olha para sua irmã adormecida, o rosto cheio de


afeto. Então ela morde o lábio, sua expressão preocupada
novamente.

— Pobre Riona, — ela diz. — Ela era tão próxima do tio


Oran... eu não posso acreditar que ele faria isso com ela.

Eu penso no que Fergus disse. E acho que gostaria de


fazer com Oran, se ele ainda estivesse vivo. Fergus está certo.
Oran saiu fácil, com um tiro certeiro entre os olhos.
Nessa vê a expressão assassina no meu rosto. Longe de
assustá-la, parece agradá-la.

— Estou feliz por ela ter você aqui, — diz Nessa. — Você
vai ficar aqui com ela?

— Sim, — eu digo, com firmeza. — Eu não vou a lugar


nenhum.

— Bom, — diz Nessa. Ela se inclina e beija Riona


suavemente na bochecha. — Diga a ela que vim vê-la, — diz
ela. — Voltarei à tarde.

— Eu direi a ela, — eu prometo.

Fico feliz por ser o único no quarto quando Riona


finalmente acorda. Eu odiaria sentar e deixar os outros se
aglomerarem ao redor dela. Eu odiaria tentar esconder o que
sinto.

Quando suas pálpebras se abrem, a primeira coisa que


ela vê é meu rosto. Eu observo sua expressão. Eu vejo o alívio
e a felicidade em seus olhos.

— Raylan, — ela sussurra.


Sua voz está rouca por causa do tubo que colocaram em
sua garganta.

— Você não precisa falar, — digo a ela.

— Sim, eu preciso, — ela diz.

Pego o copo de água gelada que as enfermeiras deixaram


e coloco o canudo em seus lábios para que ela possa tomar um
gole. Depois de engolir, ela pode falar um pouco mais fácil.

— Você me salvou, — ela diz. — Novamente.

— Você se salvou, — digo a ela. — Você atirou em Oran.

Ela franze a testa, aquele fogo verde queimando em seus


olhos. — Aquele idiota, — ela diz. — Ele roubou o dinheiro, não
Josh.

— Imaginei isso, — eu digo. — Não achei que você atirou


nele apenas por ter mau gosto para lenços de bolso.

Riona dá uma risadinha rouca. — Não brinque, — ela diz.


— Eu não posso rir agora.

— Não consigo evitar, — digo. — Eu faria qualquer coisa


para te fazer sorrir.

Ela está sorrindo agora. Ela estende a mão e toca meu


rosto, suavemente.

— Não acredito que você voltou aqui, — diz ela.


— Eu iria a qualquer lugar por você, Riona. Eu faria
qualquer coisa. Eu sei que provavelmente não deveria te dizer
isso. Você não gosta de nada se for muito fácil. Mas é verdade
– você me tem enrolado em seu dedo mindinho.

— Eu poderia dizer o mesmo para você, — ela diz,


arqueando uma sobrancelha perfeitamente moldada. — Eu sei
o que Long Shot significa.

— Sim? Bem, você foi o tiro mais longo que já dei. O que
você acha? Eu consegui?

— Sim, — ela tenta conter o sorriso, mas não consegue.


— Eu não sei como você fez isso, mas você acertou o alvo.

Eu não consigo parar de sorrir. Tenho que me inclinar


sobre sua cama de hospital para beijá-la. E o que deveria ser
um beijo gentil e cuidadoso se transforma em algo muito mais
difícil e profundo. Porque estou inundado com muita emoção –
aliviado por esta mulher que adoro estar sã e salva em meus
braços. Alegre por ela me querer aqui. E aquele desejo intenso
que é despertado pela suavidade de seus lábios e o cheiro de
sua pele. Um desejo que não dá a mínima que ela esteja presa
nesta cama com uma intravenosa no braço. Eu ainda a quero.
Eu a quero mais do que jamais quis qualquer coisa.

Não sei o que faria se a enfermeira não nos interrompesse.

— Não esmague a paciente, — ela me diz. — Você sabe


que eu nem deveria deixar você passar a noite aqui.
— Bem, você precisaria de muito mais enfermeiras para
me arrastar para fora daqui, — eu digo.

— Temos um enfermeiro chamada Barney, — diz ela. —


Ele era um atacante da Penn State22.

— Tudo bem, — eu sorrio, recuando para que a


enfermeira possa medir os sinais vitais de Riona. — Não mande
Barney para cima de mim.

22 Universidade da Pensilvânia.
As enfermeiras me obrigam a ficar três dias inteiros no
hospital.

Isso é quase intolerável – a tal ponto que, apesar de minha


gratidão pelo excelente cuidado e por todos os copos de água
gelada que me trazem, posso ter travado uma briga séria com
elas. Exceto que Raylan está bem ao meu lado, rindo e
brincando, suavizando meu mau humor por ter minha pressão
arterial medida pela oitocentésima vez.

Ele é minha rocha. A única pessoa que pode aliviar a dor


que sinto sabendo que o tio Oran tentou me matar. É uma
traição que corta fundo. Não só porque eu realmente respeitava
meu tio, mas porque julguei mal seu caráter. Isso põe uma
rachadura na minha percepção de meu próprio bom senso.

Mas eu estava certa sobre uma pessoa pelo menos: o


homem sentado ao meu lado. Raylan voou para Chicago para
se certificar de que eu estava segura. Ele me salvou, quando
ninguém mais estava lá para fazer isso. Ele não saiu do meu
lado desde então, exceto para escovar os dentes ou usar o
chuveiro no meu quarto de hospital.

Estamos tão felizes por estarmos juntos novamente que é


tudo o que falamos.

Não discutimos a questão iminente de como vamos ficar


juntos por um longo prazo. Eu sei que a família de Raylan o
quer de volta para casa. Mas minha família precisa de mim
aqui, mais do que nunca. Sem o tio Oran, eles precisam que
eu assuma o escritório de advocacia. Não apenas como sócia,
mas como sócio-gerente. Não pode ir para outra pessoa –
apenas um membro da família pode ser confiável com nossos
segredos mais vulneráveis.

Há um motivo mais urgente pelo qual preciso sair do


hospital: não quero perder o casamento de Dante e Simone.

Vai ser pequeno e íntimo – menos de vinte pessoas


presentes. Incluindo eu e Raylan.

O Dr. Weber insiste em fazer cem testes em mim antes


que eu possa ir embora. No final de tudo, ele conclui que posso
ter alguns danos leves no fígado, mas do contrário estou ilesa
pela tentativa de envenenamento do tio Oran.

— Preste atenção a ingestão de álcool nos próximos meses


e, com sorte, qualquer dano será curado, — diz o Dr. Weber.

— Presumo que não inclua vinho, — digo a ele.

— Definitivamente inclui vinho.


— E quanto a uísque?

Ele balança a cabeça para mim, sem graça.

— Vou garantir que ela se comporte bem, — diz Raylan.

— Você vai me proteger contra bebidas alcoólicas agora?


— Eu digo, dando a ele um olhar incrédulo.

— Se é isso que eu tenho que fazer.

Eu jogo meu cabelo para trás por cima do ombro. — Eu


gostaria de ver você tentar, — digo, friamente.

Raylan agarra meu braço e me puxa para perto, então


meu corpo está pressionado contra seu peito largo. Sua barba
por fazer coça minha bochecha enquanto ele se inclina para
sussurrar em meu ouvido. — Não pense que você está segura
só porque estamos em Chicago, querida. Posso encontrar um
chicote de montaria, se precisar.

A onda de luxúria que me atinge quase amolece meus


joelhos debaixo de mim. Se ele não estivesse me segurando
com aquele aperto de ferro no meu braço, eu definitivamente
tropeçaria.

Ainda assim, eu olho para aqueles olhos azuis brilhantes


com minha expressão mais altiva.

— Não vou facilitar para você da próxima vez, — digo.

— Fácil ou difícil... vou pegar o que eu quiser, — ele


rosna.
Eu tenho que me afastar dele antes que ele veja minhas
bochechas vermelhas como meu cabelo.

Raylan e eu nos separamos brevemente, então temos


tempo para pegar as roupas antes da cerimônia. Posso dizer
que ele não quer me deixar fora de sua vista, nem por um
instante.

— Está tudo bem, — digo a ele. — Não sobrou ninguém


para tentar me matar.

— Não tenho tanta certeza disso, — diz ele, com a


sobrancelha erguida. — Você tinha uma lista bastante robusta
de inimigos aqui, se você se lembra.

— Não estou preocupada, — digo. — Estou sendo muito


habilidosa em uma luta.

— Não posso discutir com isso, — Raylan diz, me dando


um último beijo rápido.

Nessa está esperando por mim na frente do hospital, em


seu jipe verde-exército. Ela testemunha o beijo e a conversa
prolongada antes de Raylan e eu nos separarmos.

Posso sentir sua empolgação enquanto deslizo para o


banco do passageiro.

— Isso foi apenas um atendimento ao cliente de alta


qualidade? — Ela diz. — Ou o guarda-costas tem sentimentos
sérios?
— Por favor, não chame de ‘sentimentos’, — eu digo,
revirando os olhos.

— Riona Griffin, é melhor você me contar TUDO agora! —


Nessa grita.

— Tudo bem, — eu digo. — Mas você tem que prometer


não surtar. Tem sido um par de semanas... muito intensas.

— Eu não vou surtar, — diz Nessa, mas ela já está


saltando em seu assento, mal conseguindo prestar atenção à
estrada enquanto se afasta do meio-fio.

— Não bata o carro também, — eu digo.

— Eu nunca bateria! — Nessa funga. — Só consegui duas


multas este ano. Minha direção melhorou muito.

— Vou fingir que você não disse isso.

Conto à Nessa uma versão resumida do que tenho feito


desde que meu apartamento pegou fogo. Eu posso dizer que
ela está morrendo de vontade de interromper uma centena de
vezes, mas mantém um controle sobre isso para que possa
ouvir o resto da história. Quando finalmente chego ao fim, ela
grita: — Não acredito! Talvez a minha irmã mais velha esteja,
possivelmente... se apaixonando?

Eu franzo a testa. — Você perdeu a parte em que nossos


objetivos futuros nos fazem viver a oitocentos quilômetros de
distância?
— Não, — diz Nessa, serenamente. — Eu simplesmente
não acho que isso importa.

— Como isso não importa?

— Porque o amor encontra um caminho! — Ela diz. —


Olhe para mim e para a Miko. Ele odiava nossa família. E todos
vocês o odiavam.

— Bem, ele sequestrou você e tentou nos extorquir...

Nessa revira os olhos.

— E ele incriminou Dante por assassinato...

— Exatamente! — Ela diz, alegremente. — E veja como


tudo acabou bem! Se Miko e eu conseguimos superar isso,
tenho certeza de que você e Raylan podem descobrir uma
maneira de fazer as coisas funcionarem.

Normalmente, o otimismo implacável de Nessa me


irritaria. Acho que é um sinal de como estou desesperada o fato
de hoje achar isso reconfortante. Eu quero encontrar uma
maneira de ficar com Raylan. Sem nenhum de nós perder as
outras coisas em nossas vidas que são importantes para nós.

Nessa e eu vamos às compras em Mag Mile, entrando e


saindo de boutiques chiques até encontrarmos os vestidos
perfeitos para o casamento.

É fácil encontrar algo para Nessa, porque tudo parece


perfeito em sua figura esguia de dançarina, contra sua pele
macia e seu cabelo castanho. Ela acaba comprando um vestido
lilás com fenda na coxa e mangas compridas bufantes. Isso me
lembra algo que uma estrela de cinema dos anos 1940 poderia
usar. Nessa sempre escolhe coisas que parecem vintage de
alguma forma, e sempre combinam com ela, porque ela tem
aquela beleza delicada e atemporal que caberia em qualquer
época.

É mais difícil para mim porque muitas cores contrastam


com o vermelho. Além disso, sempre evitei mostrar muita pele,
porque quero ser levada a sério. Mas hoje, ainda corada da
minha última conversa com Raylan, eu escolho um vestido
frente única em um rico azul-petróleo escuro. A seda fria flui
ao redor do meu corpo, acariciando minha pele.

— Oh meu Deus! — Nessa diz, quando ela vê. — Eu nunca


vi você parecer tão... perigosa.

— É muito para um casamento? — Eu pergunto a ela.

— Não! Você tem que comprá-lo. É o melhor que você já


pareceu.

Compro o vestido, não me preocupando em ofuscar


Simone. Ela é literalmente a mulher mais linda do mundo, com
o salário de modelo para provar isso. Não há como ela ser
ofuscada em seu próprio casamento.

No momento em que Nessa e eu temos nosso cabelo e


maquiagem feitos no Asha Salon, temos que ir direto para o
local. Felizmente comprei meu presente para Dante e Simone
semanas atrás, e ainda mais feliz, guardei-o na casa dos meus
pais. Nessa o trouxe com ela no jipe.

— O que você comprou? — Ela me pergunta.

— É uma impressão de onda sonora da primeira música


que eles dançaram, — digo a ela. — Está impresso em folha de
ouro e mandei emoldurar.

— Oh! — Nessa diz. — Eu gostaria que não estivesse


embrulhado para que eu pudesse ver.

— O que você comprou? — Eu pergunto a ela.

— Pão salgado e uma garrafa de Chateau Mouton-


Rosthchild. Além disso, lingotes de ouro para Henry e o bebê.
Mikolaj escolheu – são presentes de casamento poloneses
tradicionais, — explica Nessa. — Achei que Simone iria gostar
disso, já que ela esteve em todos os lugares.

— Tenho certeza de que ela vai, — eu concordo. Nunca


conheci ninguém mais culto do que Simone – ela é filha de um
diplomata e morou em todo o mundo, mesmo antes de começar
a modelar.

Nessa e eu dirigimos até Le Jardin, a enorme estufa onde


Simone e Dante se casarão. Suponho que escolheram este
lugar porque queriam vegetação e flores à sua volta, embora se
casem em meados de novembro. Ninguém sugeriu que eles
deveriam simplesmente esperar pelo verão – depois de ficarem
separados por nove anos, duvido que Dante esperasse um
único dia a mais para fazer de Simone sua esposa. Além disso,
Simone está grávida do segundo filho. Ela provavelmente quer
casar enquanto ainda é fácil caber em um vestido de noiva
padrão.

Mesmo que esteja ficando mais frio a cada minuto, Raylan


está esperando por mim do lado de fora. Ele sorri quando
chegamos, animado para me mostrar como ele fica em um
smoking de verdade.

Ele deveria estar satisfeito consigo mesmo – ele parece


muito bem. Ainda melhor do que eu esperava. O paletó cinza
esfumaçado é perfeitamente ajustado e sua barba e cabelo
parecem mais pretos do que nunca em contraste. Seus olhos
azuis adquiriram um tom de aço sob o céu cinza de outono.

Ele pega meu braço, olhando-me de cima a baixo com


óbvia apreciação.

— Maldição, mulher, — diz ele. — Bem quando eu acho


que você não poderia me impressionar mais do que já
impressionou, você sai daquele carro e me deixa louco.

— Você mesmo se arrumou muito bem, — eu digo. —


Onde estão suas botas?

Raylan sorri. — No carro. Não me tente ou irei buscá-las.

O interior da estufa é exuberante e úmido, embora não


seja desconfortável. Flores e videiras cruzam a treliça acima,
entrelaçadas com luz de fada. Um violoncelista barbudo toca
um cover de All of Me.
Um arco de ferro marca o local onde Dante e Simone se
casarão. O arco é tecido com folhas verdes e flores de cor
creme: orquídeas, peônias e rosas.

Raylan e eu nos sentamos do lado do noivo no corredor.


Estamos sentados atrás de Enzo Gallo, o patriarca da família
Gallo, e de Aida e Callum. Posso ver o pequeno Miles Griffin
espiando por cima do ombro de Callum. Ele foi pacificado com
uma chupeta enfiada na boca, mas seus olhos cinzentos ainda
parecem furiosos e seu cabelo escuro está espetado em todas
as direções.

Aida se vira para sussurrar: — Oi! — Ela aperta meu


joelho enquanto nos sentamos. Posso vê-la examinando
Raylan com grande curiosidade.

Duas filas atrás, Nero está sentado com o braço em volta


dos ombros de uma linda garota de cabelo escuro e
encaracolado. Deve ser Camille. Eu verifico suas mãos – com
certeza, eu localizo os restos de óleo nas pontas de suas unhas.
Exatamente como as mãos de Nero – prova de seu amor mútuo
por motores de combustão. Eles estão falando intensamente,
suas cabeças juntas, como se fossem os únicos dois humanos
no mundo.

Nessa deixou nossos presentes na mesa da recepção, e


agora ela está sentando em seu assento ao lado de Mikolaj,
diretamente atrás de mim. Miko tinha ficado em silêncio e
carrancudo até aquele momento, seu rosto pálido e cabelo
louro-claro em contraste com seu terno todo preto. Quando
Nessa se senta ao lado dele, sua expressão muda
completamente. Suas feições marcantes se suavizam em um
sorriso, e uma luz incide em seus olhos azul-gelo, até que ele
mal se parece com a mesma pessoa. Agora ele parece quase
acessível, e não como se ele pudesse matar todos nós. Ele
levanta uma mão fortemente tatuada, para colocar uma mecha
de cabelo atrás da orelha de Nessa. Em sua voz com sotaque,
ele diz: — Você está deslumbrante, moja mała baletnica.

Do outro lado do corredor, vejo um homem negro alto e


elegante em um smoking azul marinho. Ele está sentado com
uma mulher loira magra, com Henry imprensado entre eles.
Certamente é Yafeu Solomon, o pai diplomata de Simone, e sua
esposa Eloise. Henry é o filho de nove anos de Simone e Dante.
Ele parece muito mais alto do que nove anos, com uma cabeça
de cachos escuros e suaves e uma expressão gentil no rosto.
Ele está resolvendo um cubo de Rubik em silêncio enquanto
espera o início da cerimônia. Atrás de Henry está uma bela
jovem que acredito ser a tutora e babá de Henry. Ela
obviamente foi convidada porque é próxima de Simone, não
porque Henry precise ser supervisionado.

Meus pais entram em seguida, sentando-se atrás dos


Solomons porque não há mais espaço do lado de Dante. Minha
mãe aperta meu ombro no caminho para sua cadeira. Ela veio
me visitar no hospital todos os dias, embora eu tenha dito a
ela que não era necessário. Ela me trouxe roupas, produtos de
higiene, livros e revistas, castanhas do Brasil, frutas secas e
chocolate. Ela trouxe guloseimas para Raylan também, até que
mal houvesse espaço para alguém se sentar mais.

Acho que meus pais se sentem culpados pelo tio Oran,


embora nada disso tenha sido culpa deles. O engraçado é que
qualquer rancor que eu pudesse ter guardado contra eles
quando senti que Callum era seu herdeiro, e Nessa era sua
favorita... tudo se dissipou naqueles momentos em que eu
estava morrendo no tapete. Naqueles últimos segundos antes
de me afastar, não senti raiva ou ressentimento. Pensei comigo
mesma: “Fui amada”. Meu único arrependimento era não ter
mostrado aquele mesmo amor com força suficiente em troca.

A última pessoa a chegar é o irmão Gallo mais novo,


Sebastian. Ele está aqui sozinho, sem ninguém. Ele é o mais
alto dos meninos Gallo, mais alto ainda do que Dante. Ele anda
com um tipo esguio de graça, tendo finalmente se livrado do
mancar persistente que o atormentava depois que meu irmão
quebrou seu joelho. Seu rosto está sombrio, porém, com
sombras escuras sob os olhos.

Não conheço Sebastian bem. Eu sei que ele era um astro


do basquete, com sonhos de jogar profissionalmente. Foi
minha família que acabou com esses sonhos. Os Griffin e os
Gallos estabeleceram uma trégua, e Sebastian nunca mais
mostrou nenhum ressentimento por nós. Mas não consigo
imaginar que não queime em algum lugar dentro dele.

Ele não tinha nenhum interesse na vida da máfia. Ele foi


lentamente atraído para ela pela violência e pelo conflito dos
últimos anos. Eu sei que ele atirou em um dos homens de
Mikolaj – provavelmente a primeira pessoa que ele matou. Eu
me pergunto se isso o devora. Ou se parecia um passo
inevitável. Um destino que sempre esteve destinado a
encontrá-lo, de uma forma ou de outra.

Tudo que sei é que ele não parece feliz hoje. Ele se senta
atrás de meus pais, distante de seus próprios familiares.

O violoncelista faz uma pausa e uma música diferente


começa a tocar, leve e esperançosa: First Day of my Life do
Bright Eyes.

Eu olho para o corredor onde Simone e Dante estão


parados, de mãos dadas. Simone é alta, magra, bronze como
uma deusa contra seu vestido branco austero. Tenho certeza
de que qualquer estilista no país ficaria feliz em dar a ela seu
vestido mais ostentoso ou ultrajante. Em vez disso, o vestido
de Simone é simples ao extremo – sem adornos, ombro a
ombro, agarrando-se à figura aclamada como a mais perfeita
do mundo. Sua barriga lisa não mostra nenhum indício do
bebê que está carregando, embora eu tenha certeza de que sua
existência é um dos fatores que fazem Dante parecer mais feliz
do que eu já o vi.

Dante não consegue tirar os olhos de Simone. Ele é tão


corpulento e brutal que geralmente parece assustador em
qualquer tipo de roupa, até mesmo um smoking. Mas hoje a
beleza de Simone irradia com tal poder que até Dante parece
refinado. Ele parece o único homem no mundo que poderia
merecer tal beleza.

Eles caminham juntos pelo corredor, então se encaram


sob o arco. Henry se coloca entre eles, parecendo tímido, mas
feliz. Ele está com as alianças no bolso e as pega antes mesmo
que Enzo Gallo possa se levantar para realizar a cerimônia.

— Bem-vindos, amigos e família, — diz ele. — Não creio


que nenhuma união tenha sido mais ansiosamente esperada.
E eu sei que nenhum casal se amou com maior intensidade.
Dante, você gostaria de fazer seus votos?

Dante segura as duas mãos de Simone nas suas. Seus


dedos enormes engolem suas mãos finas para que não possam
ser vistas de fora.

— Simone, — ele diz. — Eu te amei desde o momento em


que vi seu rosto. Eu sei que isso vai soar superficial, já que
estou falando com a mulher mais linda do mundo. Mas eu
prometo a você, em seu rosto eu vi sua bravura, sua
inteligência e sua bondade. Assim que você falou comigo, foi
como se uma porta se abrisse em sua mente. Eu vi todo esse
outro universo de criatividade e inteligência. Uma forma de ver
as coisas que nunca imaginei. E eu queria passar por aquela
porta. Eu queria viver em seu mundo. Você causou tanto
impacto em mim que nunca mais me esqueci de você. Durante
todo o tempo em que estivemos separados, pensei em você
constantemente. Eu sonhei com você. Eu ansiava por você. Ter
você de volta em meus braços me traz uma alegria que não
consigo expressar. A realidade é cem vezes melhor do que eu
imaginava.

Ele faz uma pausa por um momento e olha para o filho.


Ele pousa a mão pesada no ombro de Henry.

— Obrigado, Simone, por voltar para mim. Obrigado por


trazer nosso filho. Obrigado por criá-lo. Henry, você já é um
bom homem. Estou tão orgulhoso de você.

Nunca ouvi Dante falar assim, com franqueza e


honestidade cruas. Ele sempre mantém seus sentimentos
reprimidos. Ou pelo menos, ele fez antes de Simone voltar para
sua vida.

Está tendo um efeito sobre mim que eu nunca teria


esperado.

Estou começando a me emocionar.

Nunca chorei em público, nenhuma vez na vida.


Certamente não chorei em um casamento. Mas, de repente,
meus olhos ardem e meu rosto fica tenso.

— Amarei você em cada momento da minha vida, — diz


Dante. — Cuidarei de você e vou protegê-la. O que você quiser,
eu pegarei para você. Serei seu melhor amigo e seu aliado. Vou
tornar sua vida melhor, sempre, e nunca pior.

Simone está chorando livremente, as lágrimas prateadas


em seu rosto corado. Ela é tão linda que é difícil até mesmo
olhar para ela. Ela está brilhando de felicidade, iluminada por
ela.

— Dante, você é tudo para mim, — diz ela. — Meu coração


e minha alma. Minha felicidade e meu porto seguro. A vida sem
você era solitária e amarga. A única coisa que me trouxe alegria
foi Henry, nosso filho. Ele é um pedaço de você e eu, a melhor
coisa que já fizemos. Eu o amo por si mesmo e o amo por como
ele me lembra você.

— ...eu prometo escolher você para o resto de nossas


vidas. Escolher você ao invés do medo ou do egoísmo. Da
ambição ou outras preocupações. Prometo nunca mais
decepcionar você. Prometo estar sempre lá para você. Prometo
dar a você todas as alegrias que esta vida tem a oferecer. Você
é o homem mais incrível que já conheci e prometo ser a esposa
que você merece.

— ...tenho muita sorte hoje. Eu sou a pessoa mais


sortuda do mundo.

Ela também coloca a mão no ombro de Henry, ainda


olhando para o rosto de Dante.

Eu quero olhar para Raylan, mas não posso. Sei que


estou prestes a chorar e não quero que ele veja.

As lágrimas são em parte por Dante e Simone – estou


muito, muito feliz por eles.
Mas também são lágrimas de angústia, porque estou
percebendo que amo Raylan. Eu realmente, verdadeiramente
o amo. E isso me apavora.

As palavras de Simone são como uma flecha em meu


coração.

Prometo escolher você ao invés do medo ou do egoísmo. Da


ambição ou outras preocupações.

É isso que o amor é? É colocar a outra pessoa acima de


seus próprios medos e desejos?

Eu pensei que poderia ser o acaso. E é por isso que pensei


que nunca me apaixonaria.

Mas agora me apaixonei, por acidente.

E eu quero esse amor. Eu quero Raylan.

Acho que posso querer ele mais do que todas as coisas


que eu queria antes. Mais do que meus medos e, sim, ainda
mais do que minhas ambições.

Isso me torna fraca e patética?

Tenho que desistir de mim para ter amor?

Sinto a umidade em minhas bochechas e, de repente,


Raylan coloca o braço em volta do meu ombro e me puxa para
perto dele, de modo que meu rosto fica escondido contra seu
peito. Ele está fazendo isso por mim – porque sabe que eu
odiaria que alguém me visse chorar. Até meus próprios amigos
mais próximos e familiares.

Ele me conhece muito bem. Ele sabe exatamente do que


preciso.

Lembro-me do que ele disse em Silver Run. Eu estava com


muita raiva dele na época. Agora me pergunto se ele estava
certo o tempo todo:

Você está mais feliz aqui. É aqui que você pertence: aqui,
comigo.

Estou com medo. Mas quero escolher Raylan ao invés


desse medo.
O casamento é o mais lindo que já vi. Espero que, se me
casar, seja em um lugar assim, só com as pessoas que mais
amo ao meu redor.

Depois da cerimônia, bebemos, dançamos e comemos, até


que todos estejam agradavelmente exaustos, incluindo Henry
e o mal-humorado bebê Miles, que cospe sua chupeta e começa
a gritar. Callum e Aida o empurram para longe em alta
velocidade, depois de mandar um último beijo para Dante e
Simone.

Riona está mais quieta do que o normal. Eu não me


importo, porque ela ainda me pede para dançar. Valsamos sob
o vidro e as estrelas, o ar cheio de oxigênio de toda a vegetação.
Desta vez, ela não se afasta de mim – nós dançamos em
perfeita sincronia, nossos corpos pressionados juntos e sua
cabeça contra o meu peito.

Após a cerimônia, voltamos ao Intercontinental Hotel,


onde aluguei uma suíte para a noite. Eu só esperava dormir ao
lado de Riona – ela acabou de sair do hospital, afinal. Mas
assim que a porta se fecha atrás de nós, ela salta sobre mim,
beijando-me com todas as suas forças.

Tenho que me forçar a beijá-la de volta com um grau


razoável de gentileza. Eu quero arrancar esse vestido dela. Ela
tem me deixado louco a noite toda, sua pele parecendo tão
pálida e brilhante como a lua, perto da rica escuridão do
vestido. Seu cabelo é como um fluxo de lava pelas costas,
quente e fumegante.

Ela nunca esteve mais bonita. É engraçado – estávamos


em uma sala cheia de mulheres lindas, mas eu só tinha olhos
para ela. Riona tem uma ferocidade que me agarra e me segura
com força. Quero saber o que ela está pensando e sentindo,
sempre. Ela é direta e um mistério. Forte e poderosa, mas
também frágil.

E, acima de tudo, ela é tão sexy. Ela está em cima de mim


com uma intensidade que eu nunca vi antes. Rasgando minha
camisa para abrir os botões, rasgando minha calça.

Eu a levanto e a jogo na cama, igualmente desesperado


para tê-la.

Quando beijo sua boca, ela tem gosto de champanhe.

— Você não deveria beber! — Eu a acuso. — Quando você


pegou champanhe?

— Só tomei um gole, — diz ela. — Enquanto você estava


parabenizando Dante e Simone.
— Sua coisinha travessa, — eu rosno, agarrando-a pela
garganta – embora não muito forte. — Como devo punir você?

Puxo a frente de seu vestido e pego seu seio em minha


boca. Eu chupo seu mamilo com força, até que ela grita.

— Pare com isso! — Ela grita, me dando um tapa.

Pego suas duas mãos e as coloco sobre sua cabeça. Então


eu volto para seus seios, observando que ambos os mamilos
estão eretos, estreitando os seios.

Levemente, passo minha língua em torno de seus


mamilos, sem colocá-los em minha boca. Eu os provoco com
minha língua até que seus braços estão tremendo em meu
aperto.

— Parar? — Eu digo. — Ou continuar?

— Continuar, — ela engasga.

— Diga ‘por favor, daddy’.

Ela franze a testa para mim e eu poderia rir alto com o


prazer de provocá-la. Eu sabia que ela odiaria isso. Eu toco seu
mamilo com minha língua, fazendo-a gemer de frustração.

— Por favor, daddy! — Ela diz, petulantemente.

Eu fecho minha boca em torno de seu mamilo novamente


e chupo suavemente. Acaricio seu seio com minha língua, até
que ela dá um longo e gemido suspiro de satisfação.
Então deslizo para baixo em seu corpo e vou trabalhar
entre suas pernas, em vez disso. Eu coloco suas pernas em
meus ombros e como sua boceta até sentir suas coxas
apertando em volta da minha cabeça, suas mãos empurrando
meu cabelo e seu clitóris esfregando contra minha língua.
Minha boca está cheia do gosto doce e ardente dela, como
canela e açúcar, como excitação pura e crua.

Nunca provei nada tão bom. Eu poderia passar horas


aqui.

Eu a deixei controlar o ritmo por um tempo, rolando seus


quadris contra minha língua. Então, quando posso sentir que
ela está perto do limite, agarro seus quadris em minhas mãos
e aumento a pressão da minha língua. Eu lambo mais rápido
e mais forte até ela ofegar, até ela cravar as unhas no meu
couro cabeludo, gritando: — Oh meu Deus! Oh meu Deus!

Ela ainda está com o vestido pela metade e eu com a


minha camisa, embora rasgada. Eu não me importo. Gosto de
nós meio vestidos. Gosto da aparência dela, com as roupas
puxadas para cima, o cabelo rebelde e bagunçado, a
maquiagem borrada. Eu amo a urgência, a luxúria impaciente
que não nos deixa levar nem mais um segundo para nos despir
adequadamente.

Eu a viro e entro nela por trás, eu sentado nos


calcanhares e ela no meu colo, deslizando para cima e para
baixo no meu pau. Afundar-me dentro de Riona é o puro
paraíso. A sensação dela é viciante. O gosto e o cheiro também.
Ela está sentada e eu a puxo com força contra o meu
peito, minhas mãos em seus seios nus. Eu acaricio seus seios
enquanto a fodo por trás, apertando e puxando seus mamilos.
Pego todo o seio dela em minhas mãos e eles se encaixam
perfeitamente, do jeito que cada parte dela se encaixa em mim.

Agarro seu cabelo e puxo sua cabeça para trás, para que
eu possa beijar o lado de seu pescoço. Eu a mordo suavemente
e chupo sua pele macia, minha outra mão ainda acariciando
seus seios.

Deixo marcas em todos os lugares que a toco. Sua pele é


tão delicada que posso ver as marcas vermelhas onde aperto
seus seios, onde mordo seu pescoço. Isso me faz querer
chicotá-la novamente, apenas pelo prazer de ver aqueles
vergões vermelhos em sua bunda perfeita. Isso me faz querer
provocar e torturar cada centímetro de seu corpo.

Eu amo como isso a torna selvagem. Quanto mais eu a


empurro, mais ela quer. Ela não se cansa disso. Ela está
montando meu pau, sua cabeça puxada para trás com minha
mão enrolada em seu cabelo. Ela pressiona minha mão com
mais força contra seu seio, implorando para que eu aperte com
mais força, para atormentar seus pequenos mamilos sensíveis.

Quero saber o que ela estava pensando naquele


casamento. Eu sei que ela não estava chorando por
sentimentalismo. Foi uma bela cerimônia, mas eu conheço
Riona – sua mente deve ter estado a ponto de transbordar, para
fazê-la reagir assim.
Eu a viro no meu colo para que possa olhar para seu
rosto. Eu a vejo cavalgar em mim, seus seios nus pressionados
contra meu peito. Eu a beijo profundamente, minha língua
enfiada em sua boca. Provando os últimos resquícios do
champanhe.

Eu posso ver que ela está bem no limite.

Eu também. Só posso esperar mais alguns segundos.

Eu a olho nos olhos e digo, muito baixinho: — Eu te amo,


Riona.

Eu vejo seu rosto se contorcer como no casamento. Como


se ela estivesse prestes a chorar. E então ela começa a gozar e
enterra o rosto na lateral do meu pescoço. Ela está se
agarrando a mim, esfregando-se contra mim, e eu a deixo
entrar. O que sinto é muito mais do que liberação sexual. É o
alívio de dizer em voz alta o que venho sentindo há tanto
tempo.

Quando eu acordo de manhã, ela se foi. O sol está


batendo nas janelas, iluminando o lugar vazio no colchão bem
ao meu lado.
Por um momento, sinto uma onda de pavor. Acho que a
assustei novamente.

Então eu vejo a nota no travesseiro.

Antes de pegá-la, digo a mim mesmo: confie nela. Confie


que ela não fugiu.

Leio a primeira linha de relance:

Não se preocupe Raylan, eu não fugi.

Eu sorrio para mim mesmo. Eu conheço Riona e ela me


conhece.

Há algo que tenho que fazer esta manhã. Não vai demorar
muito. Por favor, venha me encontrar lá embaixo às 12:00. Eu
prometo, estarei lá. Eu quero responder ao que você disse ontem
à noite.

Beijos

Riona

Não diz: “Amor, Riona”. Mas, afinal, estamos falando de


uma mulher acostumada à correspondência jurídica. Eu sei
que o “beijos” sozinho é um grande passo para ela.
Entro no chuveiro e me limpo. Na verdade, fiz uma mala
dessa vez, então não importa que Riona destruiu minha
camisa. Tenho uma camisa de flanela perfeitamente
confortável para substituí-la.

Uma vez que estou todo arrumado e pronto para sair,


desço as escadas para pegar um café e um muffin na cafeteria
do hotel.

São 11:00. Estou me sentindo calmo e confiante.

Quanto mais perto do meio-dia, um pouco de nervosismo


se instala.

Quero acreditar que Riona sente o mesmo que eu. Eu


quero acreditar que ela me ama.

Mas conheço tão bem quanto ela as barreiras que se


interpõem em nosso caminho. Cada um de nós tem
compromissos com suas famílias. Cada um de nós tem
objetivos.

Eu não sabia que Riona ainda estava em perigo por causa


de seu tio – vim para Chicago para correr atrás dela. Para fazer
essa coisa funcionar entre nós.

Mas eu não tinha um plano real. Enquanto penso nisso


agora, me pergunto se posso desistir do rancho e da minha
vida no Tennessee. Se ela me pedir para ficar, direi sim desta
vez?
Eu acho que preciso. Prometi à minha mãe que voltaria
para casa para sempre. Mas eu conheço minha mãe. Eu sei
que ela quer que eu seja feliz. Se eu contar a ela que Riona é a
coisa que me deixará mais feliz... ela vai entender.

Com isso decidido, eu finalmente sinto a propagação


pacífica de calor em meu peito. Quando Riona voltar, direi a
ela que ficarei aqui. Vou aprender a amar a vida na cidade. Ela
provavelmente vai assumir o escritório de advocacia, e eu
vou... descobrir algo. Sempre fui bom em me tornar útil.

Riona para no meio-fio em um táxi. Ela pula para fora,


carregando uma folha de papel enrolada na mão.

— Ei! — Ela diz. Suas bochechas estão rosadas de frio e


felicidade. — Está com fome? Há um restaurante na porta ao
lado...

— O que você acha? — Eu pergunto a ela, sorrindo.

Ela sorri de volta. — Acho que você está sempre com


fome.

— Você acertou.

Vamos até a porta ao lado. Enquanto caminhamos, Riona


desliza sua mão livre na minha. A facilidade do gesto faz meu
coração inchar no peito. Eu seguro a porta aberta para ela, e
ela entra com uma leveza incomum em seus passos.

— Mesa para dois por favor! — Ela diz para a anfitriã.

A anfitriã nos senta em uma mesa contra a janela.


Riona está sorrindo tanto que me faz rir. Nunca a vi tão
alegre.

— Você tem que me dizer o que está acontecendo, — eu


digo. — O suspense está me matando.

— Comprei um escritório, — diz ela.

Não era isso que eu esperava que ela dissesse.

— O que você quer dizer?

— Olha, — ela empurra o papel na minha direção. Eu o


desenrolo, alisando as bordas para que eu possa ver a imagem
impressa. Vejo um prédio de tijolos com janelas grandes e
quadradas. Parece familiar, embora eu não saiba por quê.

Eu leio o anúncio:

6800 W HILL Ave

$ 789.000

Edifício de escritórios de 255 metros quadrados em 26


hectares. Construído em 1949 e reformado em 2011. Possui 12
vagas de garagem, além de um subsolo de 77 metros
quadrados. Locação individual. Vista parcial do Rio Tennessee.

— Riona, — eu digo, lentamente. — Isso é em Knoxville.


— Eu sei, — ela diz. — Eu vi quando fomos à cidade para
pegar os tapetes para a baia dos cavalos.

— Você comprou um prédio... no Tennessee? — Eu sei


que pareço um idiota, mas não consigo acreditar nisso.

— Sim, — diz Riona. Ela está começando a parecer


preocupada – ou que eu não estou tão feliz quanto ela
esperava, ou que posso ter danos cerebrais. — É um pouco
longe do rancho – mas não tão ruim.

Eu simplesmente não consigo acreditar. Não quero


permitir que essa felicidade selvagem cresça dentro de mim,
caso não seja real.

Eu pego suas mãos e aperto com força. — Você quer


voltar para casa comigo?

Ela me olha com seus olhos verdes brilhantes e


brilhantes.

— Sim, — ela diz, simplesmente.

— E quanto a Griffin, Briar, Weiss? Sem seu tio... não


haverá um Griffin. A menos que você fique.

Riona suspira. — Eu sei, — ela diz. — Eu pensei sobre


isso. Por muito tempo, na verdade. Todo o tempo que estive no
hospital, senti o dever de ficar. Mas então eu percebi... dever
não é a mesma coisa que desejar. Só porque sempre pensei que
queria uma coisa particular de uma maneira particular... isso
não significa que não posso encontrar algo ainda melhor e que
quero isso ainda mais. Mesmo que eu ainda estivesse obcecada
pela ideia de um grande escritório de advocacia em uma cidade
grande... eu quero escolher você, Raylan. Eu quero escolher
você sobre qualquer outra coisa.

Eu balanço minha cabeça com espanto. Eu realmente


pensei que estava pegando o jeito de Riona. Então ela me bate
assim.

— Eu quero a mesma coisa, — digo a ela. — Eu estava


pronto para lhe dizer que ficaria aqui, em Chicago. E querida,
ainda estou disposto a fazer isso. Podemos escolher agora –
quero que você seja feliz, Riona. Se isso significa ficar, então
eu fico.

Riona apenas ri. — Eu não estava brincando – eu já


comprei este lugar. Enviei o depósito esta manhã. Usei o
pagamento do seguro do condomínio. E mesmo que não seja
um negócio fechado, eu não me importo. Já tive um ponto final
aqui. O que você disse é verdade, Raylan... o mais feliz que já
estive foi naquela semana no rancho com você e sua família. É
lindo e é tranquilo, e me sinto em casa. É onde eu quero estar.

Ainda não consigo acreditar. Eu me inclino sobre a mesa


e beijo Riona, para ter certeza de que estou realmente
acordado, e não apenas sonhando.

— Eu te amo, — digo a ela novamente. — Eu realmente


amo você.

— Eu sei, — ela sorri. — E eu te amo também.


Eu rio. — Doeu você dizer isso em voz alta? Foi difícil?

Ela ri. — Não. Eu pensei que seria difícil, mas não foi. É
bom dizer a você, finalmente.

— Finalmente?! — Eu grito. — Há quanto tempo você sabe


que me ama?

— Não sei, — Riona diz, séria. — Eu nem sabia o que era,


no começo. Mas agora tenho certeza.

Eu a beijo novamente. — Me deixe fazer você ter mais


certeza.
Meus pais estão decepcionados quando eu lhes digo que
eu vou me mudar definitivamente. Há uma montanha de
documentos e dados, todos os nossos arquivos mais
confidenciais, que precisam ser repassados para alguém. E
não há ninguém em quem possam confiar como uma família.

— Você pode pelo menos ficar até que o projeto South


Shore seja concluído? — Meu pai pergunta.

— Isso pode levar anos, — eu digo, suavemente. — E


sempre há outro projeto. Outro trabalho, outra crise. Nossas
vidas nunca foram calmas. Eu não acho que elas serão. Não
aqui, de qualquer maneira.

— É por isso que você está indo? — Ele me pergunta.

— Não, — eu balanço minha cabeça. — Estou indo por


Raylan. Mas vou admitir, a falta de perigo iminente pode ser
um bom benefício adicional...

Nessa joga os braços em volta de mim e me abraça por


muito mais tempo do que eu normalmente toleraria.
— Vou sentir sua falta, — ela soluça.

— Estou apenas indo para o Tennessee, não para a


Indonésia, — eu rio. — Você pode me visitar, sabe. E tenho
certeza de que voltarei aqui o tempo todo.

— Não, você não vai, — diz Nessa, balançando a cabeça


com uma seriedade surpreendente. — Quando você realmente
se apaixona... essa pessoa se torna o seu mundo. Você vai
voltar às vezes. Mas principalmente você vai querer estar com
Raylan. E estou feliz por você. Porque eu tenho a mesma coisa
com Miko. Eu vou sentir sua falta, no entanto!

Dante está irritantemente presunçoso sobre a coisa toda.


Ele está partindo em lua de mel para Portugal com Simone e
Henry, mas ele vem até a casa dos meus pais para se gabar.

— Fui eu quem apresentei vocês dois, — diz ele, sorrindo.

— Eu sei, — eu digo.

— Eu tive que fazer isso duas vezes. Porque você odiou


Raylan da primeira vez.

— Eu sei —, eu franzo a testa para ele.

— É melhor você nomear seu primogênito em homenagem


a min, por todo o trabalho que fiz.

— Eu não vou ter um primogênito, ou qualquer filho.


Ainda não quero filhos, isso não mudou.
— Veremos, — diz ele, com um ar enlouquecedor de
superioridade.

— Mesmo se eu tivesse, eu não os sobrecarregaria com o


nome Dante.

Seu queixo cai. — Dante é popular há oitocentos anos.


Tem história e seriedade.

— Nem é um nome verdadeiro! É um apelido! Você sabe


que o nome verdadeiro de Dante Alighieri era Durante.

Dante parece chocado e horrorizado. Acho que ele nem


sabia disso.

— Você está mentindo, — ele diz.

— Eu nunca minto.

Ele está cabisbaixo. — Mesmo? Isso é verdade?

Eu começo a me sentir culpada. — Não importa, — eu


digo. — Não é tão ruim. Se eu fosse ter um filho – o que eu não
vou – acho que poderia chamá-lo de Dante.

Dante sorri. — Estou cobrando isso de você.


Raylan e eu voamos de volta para Knoxville. Nosso voo é
cancelado, adiado e sai uma hora mais cedo do que o esperado,
então pegamos um táxi até a cidade para passar o tempo antes
que Bo nos pegue.

Raylan diz que devemos passar pelo meu prédio comercial


recém-comprado para que ele possa ver pessoalmente. Não é
tão grande quanto o enorme arranha-céus em que sonhei em
me tornar sócia, mas sinto uma onda de prazer profunda do
mesmo jeito. Este edifício pertence a mim, e somente a mim.
Este escritório de advocacia será meu. Vou construir do zero.

E tem vista para o rio, como eu sempre amei em Chicago.


Um rio diferente, mais tranquilo, em uma cidade mais quente,
onde mesmo no final de novembro só preciso de um suéter
leve.

Mesmo que estivesse frio, eu tenho um homem grande e


forte ao meu lado, irradiando calor de seu peito para minhas
costas, com seus braços em volta de mim.

— Vou visitá-la aqui todos os dias, — diz Raylan. — Vou


trazer o almoço.

— Eu não vou terminar nenhum trabalho se você estiver


por perto. Você é incrivelmente distrativo, — digo a ele.

— Eu? — Ele diz, inocentemente.

— Sim. Quando você deveria estar me protegendo, não


consigo dizer quantas vezes eu tive que dar uma olhada em
você, todo desalinhado e bonito naquela cadeira de canto.
Ele sorri. — Oh, eu sei que você olhou. Eu flagrei você
todas as vezes.

— O inferno que você flagrou!

— O inferno que eu não flagrei!

Ele me beija com força.

— Estou orgulhoso de você, — diz ele. — Já sei que você


será um grande sucesso. A melhor advogada de Knoxville,
garantido. Provavelmente de todo o Tennessee.

— Não do país inteiro? — Eu o provoco.

— Bem... tem aquele cara que tirou OJ...

— Johnny Cochrane? Ele nem está mais vivo!

— Tudo bem, — Raylan sorri. — Você é a melhor em todo


o maldito país, então.

Com o braço de Raylan em volta da minha cintura,


caminhamos até o World’s Fair Park. Damos um pequeno
passeio ao redor do lago, parando na Sunsphere. Seu vidro
folheado a ouro brilha, embora não seja um dia muito
ensolarado.

No lado oposto da torre, vejo uma garota com longos


cabelos negros em pé ao lado de um jovem magro em uma
jaqueta de couro surrada. Eles estão de costas para mim, mas
algo sobre o casal parece estranhamente familiar. Eles
parecem tensos, como se estivessem discutindo. A menina
começa a se afastar, e o menino a agarra e a puxa de volta. Ele
agarra seu rosto e a beija ferozmente. Por um momento ela
tenta se afastar, mas então ela o beija de volta, com a mesma
força.

Só quando eles se separam é que percebo que são Bo e


Duke.

— Oh! — Eu suspiro. — Vamos, não quero que nos vejam.

— Por que não? — Raylan diz.

— Eu não quero que sua irmã se sinta envergonhada.

Ele sorri. — Ela deveria se sentir estúpida. Já estava na


hora.

— Vamos! — Eu digo, puxando-o para longe. Eu o faço


andar todo o caminho de volta para a loja de crepe comigo.

— Essas crianças idiotas, — diz ele, balançando a cabeça.


— Por que eles não sabem que deveriam se apaixonar, quando
é tão óbvio?

Eu olho para ele, para seu sorriso de lobo e seus olhos


azuis brilhantes.

— É simplesmente óbvio, hein? — Eu digo.

— Sim, — ele diz. — Às vezes é claro que é para ser. Eu


soube desde o momento em que te vi.

— Tudo o que você sabia era que estava me deixando


louca.
— Sim, — ele sorri. — E eu queria te deixar muito mais.

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