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O Humano em Versos
O Humano em Versos
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo (5) SOBRE IMPORTÂNCIAS
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho, Manoel de Barros.
Nunca foi senão príncipe — todos eles príncipes — na
vida… “Um fotógrafo-artista me disse uma vez: veja que o pingo de
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana sol no couro de um lagarto é para nós mais importante do que
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; o sol inteiro no corpo do mar. Falou mais: que a importância
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balança
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam. nem com barômetro etc. Que a importância de uma coisa há
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em
foi vil? nós.
Ó príncipes, meus irmãos, Assim um passarinho nas mãos de uma criança é mais
Arre, estou farto de semideuses! importante para ela do que a Cordilheira dos Andes. Que um
Onde é que há gente no mundo? osso é mais importante para o cachorro do que uma pedra de
Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra? diamante. E um dente de macaco da era terciária é mais
Poderão as mulheres não os terem amado, importante para os arqueólogos do que a Torre Eiffel. (Veja
Podem ter sido traídos — mas ridículos nunca! que só um dente de macaco!) Que uma boneca de trapos que
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído, abre e fecha os olhinhos azuis nas mãos de uma criança é mais
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear? importante para ela do que o Empire State Building (...).”
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil, BARROS, M. Memórias Inventadas: A Segunda Infância.
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza. São Paulo: Planeta, 2006.