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GEOGRAFOS E GEOGRAFIAS — CONTRIBUICOES PARA A DISCUSSAO SOBRE A (NAO-) IMPORTANCIA DA GEOGRAFIA Jorn Seemann! RESUMO A Geogtafia continua sendo uma disciplina cientifica que enfren- ta graves dificuldades em ser compreendida e aceita dentto ¢ fora da Universidade. Tratando-se de uma disciplina heterogénea com diferentes paradigmas e correntes vigentes 20 mesmo tempo ¢ uma estrutura dicotomizada, a Geografia reflete seu ecletismo nas suas pesquisas € negligencia o possivel papel do geégrafo na socieda- de eno mercado de trabalho. ABSTRACT Geography continues as a scientific discipline that has to cope with serious problems of comprehension and recognition within and outside university. As a heterogeneous discipline with differ- ent dominating paradigms and thoughts at the same time, Geog- raphy reflects its eclecticism in its research and neglects the dis- cussion about the possible role of the geographer in society and ‘on the labor market. Introdugio Grande foi a gritatia entre os gedgrafos quando o MEC divulgou uma proposta para as Diretrizes Curriculares Nacionais, visando a teduzir a carga hordria dos cursos de gradua- gio em Geografia, de 2800 para apenzs 2000 horas no total. ‘Muitos geégrafos interpretaram esta proposta de “flexibilizacio” como primeiro paso para acabar com a profissio do geégrafo, como a reducao da carga teri como conseqiiéncia um saber geogrifico frnpilizado (“sucateamento”), Levando em conta a imagem da Geografia, que sempre foi considerada uma discipli- ‘na “suspeita” e que € vista como a ciéncia que trata da descricéo do ¢ da orientagao no espaco’, esta proposta no é novidade para os geégrafos. Fm vez de gerar um clima de crise de identidade, os gedgrafos devem aproveitar 0 momento € tefletit sobte os contetidos Objetivos da Geografia para justificar @ sua existéncia, também em oposicio 4 resignacko e desorientagio. Voltando-se aos scus prdprios contetidos e formas, a Geografia precisa conhe- cor melhor suas fraquezas para nao chegar A conclusio de que “Geografia nio tem existéncia nem futuro” (Bliot Hurst, 1979) Em seguida, pretendo analisar o cariter da Geografia como camped de dicotomias como, por exemplo, os bindmios Geografia fisica x Geografia humana, Geografia geral x Geografia regional ou Pesquisa geogtifica x Ensino de Geografia, que causam uma “polari- zagio” dentro da disciplina. A partir dessas considecagdes, perguntar-se-d em que 4rcas os geégtafos podem atuar ¢ qual 0 papcl do gedgrafo no planejamento c na politica. Espera-se contribuir para uma discussio mais ampla sobre a profissio do geégrafo. * Gedgrafo, professor substicato do Curso de Geografia da URCE Revista da Casa da Geografia de Sobral, Volume 2/3, no. 1, 2000/2001 87 ‘Toma-se como base de referéncia e ponto de pastida a discussio sobre a Geografia descnvolvida na Inglaterra nos anos 70 ¢ 80. Geégrafos e Geografias Num artigo intitulado “To claim the high ground: geography for the end of the century” (“Reivindicando 0 alto nivel: Geografia para o fim do século”), Stoddart (1987:329) ctitica severamente que “a Geografia no é mais reconhectvel como Geografia”. Parece que muitos gedgrafos esqueceram qual a intengéo central da disciplina. ‘Ao analisar a Geografia atual ¢ as suas correntes, chega-se A conclusio de que exis- tem vitias Geogeafias com varios patadigmas, emborn muitos gedgrafos estejam convenci- dos de que suas proprias idéias sobre a Geografia sejam as tinicas vilidas, Em resumo, cada um tem a proptia visio da Geografia — c, muitas vezes, a sua visio da “intengio central da nossa disciplina”, o que faz que se passe muito tempo travando brigas epistemolégicas. Na discussio sobre a existéncia da Geografia, Johnston (1986a:449), gedgrafo briti- nico de renome, observa que “no ha uma necessidade natural para uma disciplina de Geo- prafia, Geografia é uma erlagio humana, uma resposta a circunstincias particulares.” Pazem- se as ciéncias conforme as necessidades da sociedade que é responsivel pelo seu reconheci- mento dentro do sistema educacional. Argumentando assim, a discussio sobre 2 existéncia da Geografia concentra-se nas formas ¢ conteiidos da disciplina: seri que a Geografia é uma ciéncia ou apenas um método cientifico ou um “olhar geografico”? Estes pensamentos criticam sutilmente o papel que a Geogeafia atualmente exerce na sociedade, sobretudo 0 fosso que existe entre a Geografia académica e a Geografia aplicade, ‘A tarefa das universidades é claborar uma anilise da realidade social a partic da qual cla se transforma “de mera transmissora de conhecimentos produzidas em outras éreas ... em pro- dutora ¢ transmissora de conhecimentos sobre a rcalidade local ... contribuindo para que se proceda a0 desenvolvimento de um ensino auténtico ¢ desaliennante (se!f’ (Andrade, 1981, apad Aranha, 1989:15). ‘Ora, precisa-se definir primeiro o papel da profissio do geégrafo na sociedade. Em alusi a outta disciplina quase parente, a Antropologia, o dizer “Geografia €0 que os gedgrafos fazem” deixa tanto os gedgrafos quanto a sociedade confusos, embora no possa set negado uum certo ecletismo na Geografia. De fato, no ha uma Geografia, mas muitas Geografias, criadas como resposta as circunstincias especificas do tempo e espaco ¢ no contexto da divisio do trabalho académico, Tsso significa uma quase liberdade na utilizagéo de métodos € paradigmas, o que vem se agravando com as influéncias pés-modernas das tiltimas décadas, gerando uma “escola filo- séfica do vale-tudo” — em oposigio ao rigor abjetivo do positivismo (Dear, 1988:272). Latour (1994:50) observa que “o pos-modernismo é um sintoma ¢ nfo uma nova solugao. Vive sob 2 Constituigio moderna mas nao acredita mais nas garantias que esta oferece. Sente que ha algo de creado com a exitica, mas nfo saber fazer nada além de prolongat a critica sem no entanto acreditar em seus fundamentos”. Quanto i historia da Geogeafia, Capel (1989) observa que cada disciplina tem a sua histéria com verses para 0 “pibblico interno” e “externo , as vezes em contradigio a outras 4reas ou em sobreposigao com as disciplinas vizinhas. A “versio externa’ serve pata justificar a identidade, validade ¢ a narureza cieatifica da disciplina diante das comunidades cientificas “concortentes”, enquanto para 0 “uso interno”, 2(s) histéria(s) da disciplina serve(on) ou pata “socializar os nedfitos através da sua doutrinagio” ou para “defender 0 ponto de vista de um cicntista nas discusses com colegas”. Em artigo sobre as condigdes da Geografia ale’ no final dos anos 70 (“A disciplina dos que lavam a roupa branca. Sobre a génese ¢ as fungdes do oportunismo na Geografia”), Hard (1979) observa que nfo se trata de um oportunismo de pessoas, mas do oportunismo da disciplina, necessario para o sistema. Conseqaentemente, nio consta uma falta de caréter do geégrafo, mas da Geografia (Hard, 1979:13) ‘A Geografia atual enfrenta problemas epistemolégicos de uma natureza que nio SEEMANN, Jorn - Gedgrafos e Geografias ~ contribuigSes pare a .. 8 inclui apenas a discussao interna das abordagens geogrificas, mas também a relagZo da Geo- tafia com outras ciéncias, atrapalhando ainda mais a credibilidade do gedgrafo profissional nna sociedade. A ambigiiidade quase misteriosa da Geografia faz que ela se perca numa rede de dicotomias que nenhuma outra ciéneia tem de desvendar, Um dos problemas mais graves até hoje ¢ a imagem do gedgrafo na sociedade. Na sociedade, a profissio do gedgrafo € sindnimo do professor de Geografia, uma atividade diditica atrelada & Pedagogia e A mera decoracio de capitais, paises e rios principais, enquan- to o gedgrafo pesquisador permancce um fendmeno quase desconhecido na sociedade Em seguida, setiio analisados os principais problemas que a Geografia dos tempos atuais enfrenta. A Geografia como campeii de dicotomias ‘A Geografia se desgasta nas suas dicotomias. O modo de pensar ¢ pesquisar provoca uma separagio entre Geografia peral e Geografia regional, Geografia qualitativa e Geografia quantitativa, ensino de Geografia e Geografia aplicada e Geografia fisica e Geografia humana que fazem que Stoddart (1987:330) chegue & conclusio de que, dentro da Geografia, falamos linguas separadas e fazemos coisas muito diferentes, de modo que muitos tém abandonado a possibilidade de se comunicar com os colegas que nfo apenas trabalham na mesma disciplina, ‘mas também no mesmo departamento. Os gedgrafos humanos acham seus colegas fisicos “filosoficamente naive”, enquanto os fisicos eriticam nos humanos “uma falta de rigor”. ‘A dicotomia Geografia fisica - Geografia humana, muitas vezes, obriga um geégrafo a assumir uma destes duas posigdes, quer dizer, quem ttabalha na 4rea da Geografia fisica no precisa (ou as vezes nio deve) se preocupar com a Geografia humana e vice-versa. Isso pode resultar em uma especializagio “precoce” ¢ apressada, neutralizando as qualidades dos gedgrafos: a capacidade de compreender as dimensdes e interagoes de diversos fendmenos na superficie da Terra. Situando-se entre os pélos “natureza” € “sujeito/ sociedade”, entre os nao humanos e humanos’, “a Geografia tem suas raizes na busca e no entendimento da diferenci- acho de lugares, regides, paises ¢ continentes, resultante das relagdes entre os homens ¢ entres, estes ea natureza, Nao houvesse diferenciagao de areas, .., certamente a Geografia nao teria surgido” (Cortéa, 1987-7). Por ocasiio da 9* Aula Memorial para Carl Sauer na Universidade de Berkeley, California, Stoddart (1987) constarou que 0 seu enfoque de pesquisa (geomorfologia, bioGeografia ¢ arrecifes de comis) nfo tinha qualquer relagio com @ linha de pesquisa do saudoso Sauer (Geografia histérica/ cultural, México). Contudo, existia um interesse miituo em saber mais sobre as atividades do outro, porque “antigamente a Geografia era mais um conjunto de conbecinentos do gue wma atividade profissional” (Stoddart, 1987:327), fazendo lembrar grandes nomes como Hakluyt, Varenius, Humboldt. Esta tradicfo esté se perdendo e “inevitavelmen- te ensinamos aos nossos estudantes da mestna maneita. Nao é surpresa que o mundo em grandes pastes se admire o que nds somos.” ara ir mais longe, o mesmo autor alega que “os musos foram consteuidas entre nés, e muitos de nés passam seu tempo desprezando a validade intelectual com o que os nossos colegas se ocupam” (Stoddart, 1987327). A Geografia ¢ a interdisciplinaridade Dereetado este problema interno, a situagao se agrava no nivel interdisciplinar. Boudeville (apud Santos, 1990:102) observa que “a Geografia, a sociologia, a economia so interpretagdes complementates da realidade humana” ¢ “toda ciéncia se desenvolve nas fron- teitas de outras disciplinas e com elas se integra em uma filosofia”. Pergunta-se: por que criar frontciras dentro da propria Geografia? A reposta, talvez um pouco duvidosa, poderia ser: em ravA0 da abrangéncia da Geografia, os gedgralos precisam se especializar numa zea que Revista da Case da Geografia de Sobral, Volume 2/3, no. §, 2000/2001 89 dominam bem. Como resultado, gerum-se pessous extremamente especializadas, em alguns casos sem conhecimento nenhum de outros campos da Geografia que até pode criar chama- dos “Fachidioten’”, idiotas especializados. Seri que a virtude do geégrafo nio é ter uma vasta gama de conhecimentos num mundo de especialistas? Sob essa premissa de ser uma disciplina “dicotomizada”, Santos (1990:100) observa que “a Geogtafia padece ,mais do que as outras disciplinas, de uma interdisciplinaridade pobre ¢ isso est ligado de um lado & natureza diversa e multipla dos fendmenos com que trabalha o gedgrafo e de outro lado, a prdpria formagao universitiria do geégrafo.” Na visio das outras disciplinas sobre a Geografia, nossa disciplina se localiza entre a declaracio arto- gante de ser a “rainha das disciplinas”, “a sintese das ciéncias” ¢ a “ponte medidora para todas as outras disciplinas” e a negagio toral da nossa existéncia, pretendendo degradar o gedgrafo a uma espécie de guia de turismo que fornega informagoes de carter descritivo sobre determinada regio. Fragmentagio e especializagio Segundo Johnston (1986s), 0 problema da Geografia néo € a dicotomia entre a Geo- grafia fisica © a Geografia humana, mas a crescente fragmentagao da disciplina, Em busca de reconhecimento pelas outras disciplinas, abandona-se 0 conceito da Geografia como visio total das coisas. Por conseqiiéacia, os geégrafos sactificam sua visio holistica em detrimento de uma especializacZo ou na Geografia fisica ou na Geografia huma- na, ‘Ao defender a Geografia como disciplina inteira, nfo se sugere uma Geografia como ciéncia de sintese, mas no sentido de compreender o contexto de uma situaco, o que mostra com tode clareza o papel do gedgrafo como gencralista num mundo de especialistas. Deve-se admitir que uma visio mais ampla € ao mesmo tempo dificil e exige empenho consciente. ‘Mas se a fragmentagiio da Geografia se torna inevitével? Comentando sobre a “Integragao de Geografia humana e Geografia fisiea”, Goudie (1986) vé os sequintes argu- mentos possiveis para justificar uma fragmentaglo da Geografia: Primeito, « Geografia bumane, ao se ocupar com a anilise de padtoes espaciais das atividades humanas, nfo tem a necessidade basica de se ocupar com 0 ambiente fisico. Segun- do, o ambiente fisico se torna cada vez menos importante para o controle da natureza e dos padrdes das atividades humanas, isso também como resultado dos avangos tecnoligicos © a tejeicio do determinismo natural, Terceiro, a especializaggo seria uma conseqiiéncia incvité- vel do desenvolvimento de idéias ¢ servisia par promover rigor metodolégico. Quatto, argu- menta-se que, por motivos de comunicagio, os geomorfologistas se datiam melhor nas Geociéncias ¢ os gedgrafos humanos nas Ciéncias Sociais. Ultimo, as tentativas de gcdgrafos fisicos para mostrar sua relevaneia nos assuntos humanos fracassaram, porque eles nio leva- ram em conta os processos humanos. Por conseqiiéncia, muitos gedgrafos procuram uma “diregio definida”, deixando so lado os contetidos que consideram irzelevantes para 2 sua vida profissional. Sendo a Geogra- fia uma “‘ciéncia do espaco” ou até, nas palavras de Carl Sauer, “a ciéncia da diferenciago de reas”, Jobnston (1986a) propde uma diviséo regional em vex de uma divisio sistemética. Grosso modo, a Geografia deve-se ocupar com as diferengas do/no espaco em vez das igualda- des. Talvez. uma concentragio em pesquisas regionais possa ajudar a superar as discussdes infinitas sobre patadigmas e teorias, visando a uma Geografia voltada & pritica. Coppock (1974:14) constata que, de muita maneita, © conceito de especializagio é a antitese da abordagem holistica que os gedgeafos tém defendido. A especializacio, scja neces- siria ou no, no deve acontecer cedo demais, porque precisamos tentar identificar os compo- nentes comuns e essenciais de qualquer treinamento geogrifico, ¢ 0 objetivo deveria ser competéncia dentro de uma consciéncia mais ampla. ‘SEEMANN, Jom - Gedgrafos e Geogrefias - contribuigSes para a... 30 A irrelevancia das pesquisas O que um gedgrafo deve pesquisar? Argumenta-se que as cidncias tém como missio beneficiar a sociedade. Mas ser4 que sempre é assim? ‘Num comentario rispido, Stoddart (1987:334) diz que “no posso tomara sétio aqueles [gedgrafos] que promovem como temas dignos de pesquisa assuntos como a influéncia geo- grifica no cinema canedense ou a distribuigio de lanchonetes de fast-food em Tel Aviv” ou a nossa obsessao contemporanca pelos pormenotes monetitias da nossa sociedade urbana aflu- ente, subsidios governamentais ¢ tendéncias eleitorais” Deve-se perguntar, constantemente, se a pesquisa executada traz um beneficio ou uma utilidade para a sociedade ou apenas representa um csoterismo de uma meia dhizia de pessoas, achando um nicho temético na nossa disciplina ou utilizar esses conhecimentos apenas para subir na carreira. Stoddart (1987:334) deixa bem claro que “no podemos ter o luxo de investir tanta cenergia em coisas petiféricas.” Mas quem julga o que é petiférico ou no? A abstrag’o geografica Seguindo a critica sobre a irtclevncia de algumas pesquisas, os gedgrafos precisam analisat no apenas os contetidos, mas também a forma do seu trabalho. Stoddart (1987-331) ironiza que “muitas vezes, eles [os geografos] tratam do ‘espaco” ‘em ver do lugar, da ‘ago humans’ em vez dos homens, de categorias abstratas e simbolos numéricos em vez de situagdes especificas que, muitas vezes, sio a dura realidade”. Desta forma, nao surpreende que as pessoas nao encontram uma utilidade na Geo- grafia que nfo lhes conta nada sobre o mando em que vivem, o que revigora ainda mais a ignorancia piiblica sobre 0 mundo em que vivemos. A Geografia corre o risco de se degradar em uma filosofia do espaco: O gedgrafo fica no nivel de “filosofar” sobre a sua profissio, esquecendo-se do mundo real. Santos (1990:113) observa que, “quando se esta mais preocupado com a Geogeatia ‘em si mesma como ciéncia formalizada c ponco ou nada com zquilo que é, na realidade, seu objeto de estudo, ou seja, 0 espaco, cozre-se 0 grande tisco de cair no erro... de trabalhar mais ‘ou menos exclusivamente com conceitos do que com coisas.” Perpunta-se se é para definir a Geografia ou 0 espago. Nada € mais grave do que “confundir ... a ciéncia ela mesma ¢ 0 seu objetivo” (Santos, 1990:113). O geégrafo fora da universidade As melhores intengdes para “cortigit” a imagem dos gedgrafos nfo resultam em sada, se 0 gedgrafo continua sendo considerado dispensével na acio piiblica. Muitas vezes, as pessoas responsaveis pelo planejamento parecem nao estar conscientes da dimensfo espacial dos seus problemas e politicas, isso também como resultado das experiéncias que os proprios planejadores tiveram com a disciplina de Geografia na escola. Precisa-se encarat outro aspecto que dificulta a vida dos gedgrafos. Além das dicotomias mencionadas acima, o gedgrafo enfrenta 0 fosso entre a Geografia académica ¢ a Gcografia na pritica, 0 que mais uma vex mostea que e disciplina Geografia tem prioridade, € niio 0 gedgrafo, pois o gedgrafo tem como obrigagao mostrar a utilidade da disciplina. Segundo Coppock (1974:3), o papel principal da Geografia tem sido o ensino © ape- ‘nas em escala menor a pesquisa. Embora gedgrafos tenham contribuido como consultores € profissionais para o planejamento local, regional ou federal, a suz contribuicio era menor do que a de profissionais de outras disciplinas. Johnston (1986b:14) constata que a “profissio nao € Geografia. Antes, Geografia € a disciplina praticada por alguém que, provavelmente, prefere declarar sua profiss40 como professor universitério ow algum termo similar”. Revista da Casa da Geografia de Sobral, Volume 2/3, no. 1, 2000/2001 91 Hare (1974:25) pergunta se “geégrafos serlam consultores melhores, se eles conse guissem scr ouvidos?” De fato, poucos gedgrafos atuam nas politicas pitblicas onde predomi- ‘nam os economists, engenheiros ¢ burocratas administradores. Deve-se levar em conta o fato de que o planejamento esta dirigido para o futuro, enquanto muitos gedgrafos esto se preocupando com o pasado ou o presente ~ que nor- malmente jé tinha virado passado depois de analisado (Coppock, 1974:10). A Geografia nao deve cometer o erro de se apresentar como cigncia da “deserigfio da terra”, mas deve mostrar que & capaz de manejar a dinimica e nio a estética dos fenémenos no espago. ‘O mesmo autor exige dos geégrafos mais interesse pelo planejamento e pela politica e mais pesquisa nesta ditecio, estigios ¢ entrosamento para mostrar que a abordagem geogra- fica apropriada para a solucio de problemas ¢ 0 didlogo entre a profissio ¢ aqueles que implementam a politica oficial. Precisam-se mostrar as habilidades dos gedgrafos, senio ou- tras disciplinas vio preencher as lacunas. Gedgrafos tém contribufdo em muitas manciras para a compreensio ¢, menos freqiiente, para a solugio de problemas. eégrafo © o seu mercado — rumo a. uma Geografia regional apli- cada? Tora do ambiente académico, « fungi do geégrafo nio e muito conhecida. Stoddart (1987:331) compara a Gcografia com uma lingua que os geégrafos devem falar: A lingua da Geogtafia é local, distancia, area c posi¢io para mostrar as caracteristicas particulares de um lugar ou a “distingao do lugar” (distinctiveness of place). Neste pensamento, 2 Geografia volta cada vez mais i Geografla regional. “A tarefa ¢ identificar problemas geogrificos, assuntos sobre as homens ¢ o meio ambiente cm deteemi- nada regiio e nio problemas de geomorfologia ou histéria ou economia ou sociologia” Gtoddart, 1987:331), ‘Mais uma vez deve-se salientar que « Geografia precisa usar conhecimentos ¢ méto- dos para amenizar ou, talvez, resolver problemas geogrificos. ‘Mesmo que 0 apelo para uma “Geografia unida” seja utopico demais, o retorno a uma Geografia zegional pode melhorar a imagem e a credibilidade da Geogzafia na nossa sociedade, Em vez de uma Geografia da regido, deve-se praticar uma Geografia na regio, ¢ essa deveria ser uma Geograiia com compromisso— no apenas com os érgios financiadores, mas também com a populacio; nfio de uma maneira acritica, mas em pluralismo metédico.* Segundo Strohmeyer (1998:104), esse pluralismo dificulta a comparacao de conclusbes cien- tificas, mas no deve ser visto como produto de um ecletismo metédico mal compreendido mas como reflexio de uma decisio politica Par outro lado, os processos da globalizagao devem set levados em consideragzo: em vez de um regionalismo provinciano nas pesquisas, ¢ imprescindivel reconhecer a interligago de todas as escalas entre a local ¢ a global: nenhum lugar é uma ilbal Universidade e politica publica Quanto 4 ligagio da universidade a politica péiblica, Hare (1974) mostra menos pre- ocupagao com a Geografia como disciplina do que com o desempenho individual dos gedyrafos na drea de planejamento. “Nao quero vet o futuro principalmente influenciado por advoga- dos, engenheitos e lobbyistas de negécio” (Hare, 1974:28) O sucesso depende mais dos indi- videos do que da disciplina. Contudo, a politica continua sendo feita pelos politicos ou pelos seus assessores ¢ burocratas que continuam desconfiando dos conselhos de peritos. ‘Mas como deixar de lado 0 nosso “prejuizo académico” (Hare, 1974:31) e escrever e falar sobre opgdcs na politica? Primeiro, as universidades precisam dispor de uma estrutura adequada para essas parcerias. © contrato universidade - Grgio piblico exige uma estrutura profissional que se 'SEEMANN, 6m - Gedgrafos e Geografias - contribuigdes para a... 92 desvia um pouco da missio da universidade como instituigio de ensino (Coppock, 1974) Portanto, a situacio financeira de muitas instituigdes de ensino torna inevitavel a arrecadagao através de fontes alternativas. Sobrendo, essas pesquisas encomendadas podem garantir 0 entrosamento necessirio no planejamento. ‘Mas uma pesquisa aplicada para o planejamento também pode ser um problema para aprofissio do geégrafo por “distorcer a opiniio académica c prostituir a profissio” (Coppock, 197438), Hare (1974:25) chega 2 conclusio de que disciplinas académicas e politica publica so dominios separados e distintos, alegando que 2 Geografia como disciplina é irrelevante pam o planejamento na politica. Essa itrelevancia tem estreita relagio com os paradigmas vigentes como a quantificagio ou horizonte humanistico que, sem diivida, produzem um embasamento teérico vilido para a hist6ria da disciplina, mas, infelizmente, pouco eficiente para a solucio de problemas no plano de acio, porque existem dificuldades em passar do dominio intelectual para o politic. © planejamento prefere ages a curto prazo, com resultados visiveis, onde se prefere 0 con- creto 20 alsstrato, o simples ao complexo € 0 imediato & “

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