Novos prazos do Codigo Tributario
so favorecem o fisco
Paulo Pentendo F.
_ Neto
19 de julho de 2005, 19h06
A Lei Complementar 118, de 09 de fevereiro de 2005, trouxe inovagdes em matéria tributaria,
destinadas, precipuamente, 4 adaptagao dos institutos do direito tributario 4 nova Lei de Faléncias
(Lei 11.101, também de 09 de fevereiro de 2005). Dentre elas, focalizaremos aquelas que afetam
diretamente os prazos prescricionais a que esto sujeitos, de um lado, o Fisco, na propositura de
executivos fiscais, e, de outro, os contribuintes, na tentativa de repetir valores indevidamente pagos ao
Fisco.
De acordo com a alteragiio realizada no artigo 174, paragrafo dnico, I, do CTN — Cédigo Tributario
Nacional passa a ser o despacho do juiz que ordena a citagdo, e nao mais a propria citago, 0
momento em que se interrompe a prescrigdo da ago de execugio fiscal. Confira-se a nova redagio do
CIN:
“Art. 174. A ago para a cobranga de crédito tributério prescreve em 5 (cinco anos) contados da data
de sua constituigdo definitiva.
Pardgrafo tnico — A prescrigio se interrompe:
I— pelo despacho do juiz que ordenar a citag&o em execugao fiscal”
Anova configuragio do dispositivo veio ao encontro da redagao da Lei 6.830/80 (“Lei de Execugao
Fiscal”), a qual, em seu artigo 8°, pardgrafo 2°, estatui que “o despacho do juiz, que ordenar a citagao,
interrompe a prescriga0”, De acordo com a redacao original do CTN, a interrupgao em questo
dependia de “citagdo pessoal feita ao devedor”.
Pretendeu-se, com a inovagao da redacdo, afastar prejuizos da Fazenda Piiblica decorrentes de
expedientes desenvolvidos por devedores para dificultar a citagdio pessoal, bem como superar
discussao sobre a hierarquia das leis: havia um conflito entre a antiga redagdo do CTN (que é Lei
Complementar) ¢ a Lei de Execugao Fiscal (Lei Ordinaria), pois esta, como visto, tem redagao
praticamente idéntica 4 que agora se encontra no Cédigo Tributario Nacional.Houve modificagio significativa, portanto, na contagem do prazo previsto pelo CTN para a prescrigao
da ago de cobranga do crédito tributario. A antiga redaco do inciso fi
via referéncia a “citagaio
pessoal do devedor” como causa interruptiva da prescrigio. De acordo com a redagio atual,
entretanto, 0 despacho que ordena a citagao é o ato que faz interromper a prescrigdo. Para a melhor
compreensio do dispositivo, é preciso analisar mais de perto cada termo do artigo. Nesse sentido:
a) ago para a cobranga de crédito tributario consiste na agdo de execugao fiscal, proposta pelos
representantes judiciais da fazenda piiblica para a obtengdo do pagamento ou penhora dos valores que
o fisco considera devidos pelo contribuinte;
b) prescrigdo é a perda da pretensio de direito material pelo seu nao exercicio no prazo estipulado em
lei (art. 189 do Novo Cédigo Civil, cf. Nelson Nery Junior, Novo Cédigo Civil e Legislag’o
Extravagante Anotados, Sao Paulo, RT, 2002, p. 114). Assim, o Fisco tem um prazo para propor a
a
referida acima, sob pena de extinguir-se a pretensdo a concretizagao de seu direito;
-se com o langamento e significa a
c) a constituigdo definitiva do crédito tributario d
individualizagiio/concretizagio do montante devido, obtida pela verificagao concreta do fato juridico
tributario e determinagio de suas conseqiiéncias juridicas;
d) despacho que ordena a citagao é o primeiro ato praticado pelo Juiz para a formagao do proceso. Se
bem sucedida, a citagdo da causa a integragdo do réu ao litigio.
Verifica-se que houve um deslocamento temporal consistente na antecipagao do momento de
interrupgao da prescrigao. £ facil coneluir, pois, que houve prejuizo para o contribuinte: 0 prazo de
extingdo da pretensao executiva, que o contribuinte deseja ver escoado o mais rapidamente possivel,
passa a ser interrompido muito mais cedo. Em outras palavras, como se interrompe quase ab initio
prazo contrario 4 Fazenda (extintivo de sua pretensiio), as Procuradorias, responsaveis por compelir
judicialmente os contribuintes ao pagamento de seus débitos, podem continuar com a cémoda pratica
de promover suas agdes de cobranga somente as vésperas do vencimento do prazo, sem qualquer
consideragio acerca do tempo que sera gasto, pelo Judicidrio, para a citagao do devedor.
De acordo com o Juiz Federal Renato Lopes BECHO (A interrupgiio do prazo de prescrigdo, pela
Citagdo, na Lei Complementar 118/05, in Revista Dialética de Direito Tributario — RDDT 115, p.
108-115, abr. 2005), 0 despacho ordinatorio da citagao é, em geral, o primeiro ato do juiz depois de
receber 0 processo da distribuiga0, Da data em que se ordena a citagdo, pelo despacho, até seu efetivo
cumprimento, podem decorrer até alguns anos, fato que motivou a alteragio do dispositivo em
analise.
O contribuinte, sabendo que o crédito tributario fatalmente prescreveria, se nao fosse citado no prazo
legal, apenas aguardava que a prépria ineficiéncia do Fisco em propor a ago ou a morosidade da
Justiga na posterior citagGo dessem cabo da pretens4o executdria ou, caso isso nao ocorresse, poderia
valer-se de subterfiigios ¢ artimanhas para escapar A citagdo. A solugo encontrada pelo governo, emver de privilegiar a cficiéncia administrativa, mediante a melhoria dos quadros piiblicos, foi pela
consolidagiio ¢ reconhecimento legal de uma pritica viciosa dos exeqiientes, consistente em
protocolar as execugdes sempre em data préxima a ocorréncia da prescrigdo (ou seja, quase no final
do prazo), sem maior preocupagao quanto a possibilidade de a citagdo se concretizar em tempo habil.
E possivel argilir-se, contudo, que a institucionalizagao de referida pratica, a par de contrariar os
fundamentos da eficiéncia na gestao publica, fere principios basilares do Direito e do Processo, como,
por exemplo, o contraditério, 0 devido processo legal, a igualdade ¢ a isonomia (pois ha um
tratamento diferenciado entre governo e administrados), além de atentar contra os primados da
seguranga e certeza juridicas. Isso porque, no entendimento do citado autor, é preferivel “uma
interpretagiio que confira igualdade ao Estado ¢ aos Particulares no processo, obrigue o exeqiiente a
ser diligente ¢ incite o Poder Judicidrio a agir com presteza, sob pena de perda do direito dos cofres
piiblicos ao recebimento de certos valores”. Ademais, coaduna-se a tal argumento a tese segundo a
qual a LC 118/05, apesar de formalmente complementar, nao é, nesse particular, materialmente
complementar, pois trata de citagao, instituto eminentemente processual que deve, como tal, ser
objeto de lei ordinaria,
Ressalte-se, por fim, que o panorama legislativo atual ainda dé margem a mais um argumento em
favor da necessidade da citagdo e de sua célere realizagio. Trata-se da argiligdo de que a LC em
andlise nao afasta a aplicagdo do artigo 219 do CPC, segundo o qual a interrupgao da prescrigdo s6
acontece se o autor promover a citagdo do réu em 10 dias, prorrogaveis por no maximo outros 90,
contados do despacho que a ordena, ress
alvada a demora imputavel exclusivamente ao setor
judicidrio, providéncia que, ausente, acarreta a nao interrupgao da prescrigao. E 0 que se infere da
ligao do inexcedivel F. C. PONTES DE MIRANDA (Comentarios ao Codigo de Processo Civil, Tomo
III, Rio de Janeiro, Forense, 1996, p. 240), para quem “se a citagdio nao foi efetuada no prazo em que
devia ser, o despacho nao interrompeu a prescric&o (pardgrafo 4°), se foi, sim: a interrupgao foi na
data do despacho”.
Il, Prazo para repetigao de indébito nos tributos langados por homologagiio
A insergdo de uma norma pretensamente interpretativa sobre o artigo 168, I, do CTN, tem como efeito
pratico, para o contribuinte, a redugdo do prazo para a propositura de agdo de repetigdo de indébito
tributario (com a qual se objetiva reaver do Fisco quantias pagas indevidamente), de 10 para 5 anos.
“Art. 3° — Para efeito de interpretagao do inciso I do artigo 168 da Lei 5.172, de 25 de outubro de
1966 — Cédigo Tributario Nacional, a extingao do crédito tributario ocorre, no caso de tributo sujeito
a langamento por homologagao, no momento do pagamento antecipado de que trata o paragrafo 1° do
artigo 150 da referida Lei.”Até a edigdo dessa norma, que se pretende interpretativa, o cenario que se delineava era 0 que se
passa a expor. Os tributos langados por homologagao sdo aqueles que impdem uma sistematica de
recolhimento antecipado para que se opere a extingao do tributo, mediante um posterior ato
homologatorio. Isto é, o contribuinte apura, por si, o imposto, ¢ efetua o recolhimento, que fica sujeito
a uma futura homologagao do ente tributante, que pode ser expressa ou, caso 0 Fisco permanega
inerte, como ocorre no mais das vezes, tacita. Em relagdo aos tributos submetidos ao langamento por
homologagao tacita formou-se entendimento jurisprudencial e doutrinario a favor da interpretagdo que
confere um prazo total para se pleitear a restituigao de dez anos.
ALLei Complementar 118/05 trouxe uma norma aparentemente interpretativa sobre 0 artigo 168, 1, do
CTN, estabelecendo que a extingdo do crédito tributario ocorre no momento do pagamento antecipado
de que trata o artigo 150, paragrafo 1°, do mesmo Cédigo.
O que a nova lei complementar buscou foi a alterago legislativa de uma contagem de prazo para a
restituigao de tributos consagrada pela doutrina e acatada pela jurisprudéncia, chamada comumente de
“tese dos cinco mais cinco”, aplicdvel a tributos sujeitos & homologagao.
Areferida tese, que a alteragdo buscou derrubar, sustenta, coerentemente, que a extingdo do crédito
tributdrio ocorre somente ao tempo da homologagio (ato do Fisco), seja ela expressa ou tdcita. Como
a homologagdo expressa dificilmente se verifica na pratica, a extingZo pela homologagio tacita é a
mais freqiiente, e esta se da passados 05 anos do fato gerador. O outro prazo de cinco anos, para fins
de ingresso em juizo com a ago de repetigdo, conta-se a partir da referida data da homologagao
tdcita, que é precisamente a data da extingdo do crédito tributério referida no artigo 168, I do CTN.
Acxtingao do crédito tributario, no lancamento por homologagio, ocorre no momento da
homologagao dos atos praticados pelo contribuinte (pardgrafo 1° do artigo 150 do CTN), ou, na
omissao do fisco, cinco anos a partir da ocorréneia do fato gerador (pardgrafo 4° do artigo 150 CTN).
Veja-se a redagdo dos mencionados artigos:
“Art. 150. O langamento por homologagao, que ocorre quanto aos tributos cuja legislago atribua ao
sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa,
opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida
pelo obrigado, expressamente a homologa. (...)
§ 1° O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condigao
resolutéria da ulterior homologagio do langamento.
§ 4° Sea lei nao fixar prazo 4 homologagio, sera ele de cinco anos, a contar da ocorréncia do fato
gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Piiblica se tenha pronunciado, considera-sehomologado o langamento ¢ definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorréncia de
dolo, fraude ou simulagao”.
Como nao se pode falar em existéncia de um crédito tributdrio desprovido de um langamento,
praticado pela autoridade administrativa, os dizeres do paragrafo 1° (“ulterior homologagao do
langamento”) significam que a concordancia do Fisco com o pagamento efetuado ou transcurso in
albis do prazo para tal homologagao, fazem as vezes de langamento.
Afinal, “o recebimento de uma importancia pela Fazenda Piiblica sé se legitima como recebimento de
um erédito tributario, se for constituido pelo langamento, que, se nao tiver sido prévio, havera de ser
posterior, mediante a homologacio da atividade do obrigado” (Cédigo Tributario Nacional
Comentado, coord. Vladimir PASSOS DE FREITAS, 2a Ed., Sao Paulo: RT, 2004). No mesmo
sentido, Hugo de BRITO MACHADO (A questio da Lei Interpretativa na Lei Complementar n°
118/2005: Prazo para Repetigao de Indébito, in Revista Dialética de Direito Tributario — RDDT n®
116, maio 2005) assevera que “o crédito tributario somente se considera extinto com a homologag’o
do langamento”.
Logo, no caso da homologacao técita, somente comegam a ser contados os cinco anos para a
propositura da agdo de repetigdo de indébito a partir dos cinco anos que j4 haviam se passado desde 0
fato gerador. O transcurso dos primeiros cinco anos caracteriza, pois, a exting&o do crédito tributdrio
nos langamentos por homologagio, ¢ este ponto definido no tempo (extingao) & o momento eleito pelo
CTN como marco inicial da prescrigdo, que também é de 5 anos.
O entendimento consolidado na jurisprudéncia ¢ na doutrina é 0 de que 0 prazo de cinco anos para
prescrigdo do pedido de restituigao dos valores pagos indevidamente s6 pode ser contado depois de
passados cinco anos da homologagao tacita (data de extingdo do crédito tributario), totalizando-se dez
anos. Objetivando a alteragao do entendimento exposto acima, que se consolidara no Superior
Tribunal de Justiga ¢ nas insténcias de menor grau, houve a elaboragiio da LC 118/05, com a qual 0
governo pretendeu modificar, pela via legislativa, o entendimento judicial pacifico. Normas de feitio
falsamente “interpretativo” expedidas pelo Legislativo, como a comentada, deveriam ser repelidas
pelo Judicidrio, tendo em vista ferirem o principio constitucional da separagdo dos poderes. Afinal, 0
legislador pretendeu inovar o sistema juridico por meio do condicionamento do intérprete a uma
exegese diversa, em sentido e alcance, da que havia sido conferida pelo proprio Poder Judiciario.
Mas nfo s6 0 equilibrio entre os poderes resta combalido por essa agressao legislativa. Mario Luiz de
OLIVEIRA COSTA (Lei Complementar n° 118: a pretendida Interpretagiio Retroativa acerca do
Disposto no artigo 168, I, do CTN, in RDDT n° 115, abr. 2005), com base em abrangente pesquisa na
doutrina c jurispradéncia, conclui que a norma contida no artigo 3° da LC n? 118/05 s6 poderia ser
validamente interpretativa (¢ consenténea com 0 art. 106, I, do CTN) se fosse realmente necessaria
para esclarecer o significado de uma norma obscura. E cedigo, ademais, que a norma nao poderiaretroagir em prejuizo dos contribuintes, cujos direitos esto resguardados pelos prinefpios da
seguranga juridica e da irretroatividade in pejus.
Compartilhamos da opiniao do autor, no sentido de que o artigo 168, I, do CTN, nfo demandava
qualquer “norma interpretativa”, pois j4 havia sido exaustivamente tratado pelo Judiciario, em uma
pléiade de decisdes do STJ, além de ter contetido absolutamente inequivoco diante de uma
interpretagdo sistematica do CTN. Ora, 0 Cédigo Tributario Nacional define no artigo 156, VII, sem
qualquer claudicéncia, o momento da extingdo do crédito a que se refere 0 artigo 168, I. O artigo
“interpretado” tinha seus contomnos clara e exaustivamente definidos. E de se indagar se o legislador &
realmente incapaz de interpretar simultaneamente dois artigos de um cédigo ou se agiu, com
exorbitancia de fungdes ¢ desvio de finalidade, como mandatario — nao do povo, mas dos luminares
da politica fiscal do governo.
Na opinidio de OLIVEIRA COSTA, op. cit., seria possivel ar;
¢ sua total ineficdcia, também em relagao ao futuro, ma
jiir a nulidade do artigo 3° da LC 118/05
especialmente em relagdo aos pagamentos ¢
mesmo aos fatos geradores anteriores a vigéncia da lei (amparados pelos prineipios da irretroatividade
e da seguranga juridica).
Registre-se a opinido diametralmente oposta de Julio César ROSSI (Lei Complementar 118/205:
Efeitos na Prescrig&io e Decadéncia dos Tribut
ujeitos a Langamento por Homologagdo in RDDT
n° 116, mai, 2005), que admite a validade do referido artigo, reputando-o norma interpretativa
compativel com 0 ordenamento juridico, posigao da qual discordamos.
Ja Prof. Paulo Roberto LYRIO PIMENTA, em artigo solidamente construido (A aplicagdo da Lei
Complementar n° 118/05 no tempo: o Problema das Leis Interpretativas no Direito Tributario, in
RDDT n° 116, mai. 2005), assevera que o artigo 3° em exame, norma “pseudo-interpretativa”, é na
realidade lei nova e, como tal, deve ser aplicada integralmente a fatos geradores posteriores a sua
vigéncia, em face da aplicaco da lei tributéria no tempo.
Conforme noticia veiculada em 29 de abril de 2005 pelo jornal Gazeta Mercantil, Caderno A, pagina
8, o Superior Tribunal de Justiga, por meio de sua Primeira Seco, decidiu por unanimidade, no
Ambito do EResp n° 237.043-DF, que a redugo pela metade do prazo para pedir no Judiciario a
restituigao de tributo pago nao vale para as agdes judiciais que ja esto em curso, como defendia a
Receita Federal, mas somente para aquelas propostas a partir de 09 de junho de 2005 (data de entrada
em vigor da LC 118/05 e da nova Lei de Faléncias).
O Judiciario parece curvar-se aos destemperos de um Legislativo que lhe usurpou fungdes. Deve ficar
registrada, porém, a opiniao do Ministro Luiz FUX, para quem “Camuflou-se a realidade em processo
obliquo cujo unico objetivo foi o de anular, inclusive retroativamente, entendimento jurisprudencial
que se mostrava benéfico aos contribuintes ¢ prejudicial aos interesses do Fisco. (...) (Houve)manifesto desvio de finalidade e abuso de poder legislativo, usurpando a competéncia do Poder
Judicidrio em clara violagdo aos principios da independéncia c harmonia dos poderes, seguranga
juridica, irretroatividade, boa-fé, moralidade, isonomia e neutralidade da tributagdo para fins
concorrenciais”.
Nao bastassem tantas e to graves aftontas ao direito positivo, a inovagio feita pelo art. 3° da LC
118/05, como adverte 0 Prof. Kiyoshi HARADA (Repetigdo de indébito. Confustio em torno do prazo
prescricional trazida pela LC n° 118/05. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 603, 03/03/05. Disponivel
em: http://www L jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6396. Acesso em 02/05/05), cai em insuperdvel
contradigdo, na medida em que pretende tratar da repeticdo de um valor utilizado para extinguir um
ito que sequer tinha nascido! Indaga-
a
: jA que fato constitutivo do crédito é o langamento
(homologagao tacita, que, coincidentemente, também é seu fato extintivo), como é possivel conceber
que o mero pagamento antecipado, ainda nao homologado e plasmado de incerteza, possa ter
relevancia juridica tamanha a ponto fundamentar um pedido de restituiga0?
Na medida em que, de acordo com 0 artigo 156, VII, do CTN (“Extinguem o crédito tributaris
=)
VII — o pagamento antecipado e a homologagao do langamento, nos termos do disposto no art, 150 ¢
seus pardgrafos 1° e 4°”), é a conjugagaio do pagamento com sua homologagiio, ¢ nao o mero
pagamento isolado, que extingue o crédito tributario, no se pode admitir a repetigdo de algo que
ainda no se sabe ser devido ou indevido (indébito), pois simplesmente ainda nio passou pelo crivo
do fisco.
Hugo de Brito MACHADO SEGUNDO (Processo Tributario, Sao Paulo: Atlas, 2004, p. 387), ainda
antes da alteragio em comento, repelia a tese de que o prazo prescricional comegaria a correr desde 0
pagamento, baseando-se em argumentos que continuam validos, a saber, (“a”) a homologagao nao se
presta apenas para considerar o pagamento insuficiente, mas também para reconhecé-lo excessivo,
gerando a obrigagao de devolver o montante pago a maior, razdo pela qual o pagamento nao pode ser
considerado perfeito, valido ¢ eficaz desde 0 momento de sua realizagao.
No mesmo sentido, Luis Eduardo SCHOUERI (Compéndio de Legislagao Tributéria, textos de aula
inéditos, 2004), quando assevera que “esse desembolso do contribuinte nio se considera definitivo; é
uma antecipago de algo que ser apurado posteriormente”; e (“b”) s6 a partir da homologagio
expressa ou ticita o contribuinte pode ter certeza de que seu pagamento nao sera restituido, pois antes
disso “ndo ha pronunciamento da Fazenda sobre a apuraciio e o pagamento que o préprio contribuinte
efetuou”, ainda nao sendo correto falar em pretensao resistida pelo Fisco.
Note-se ainda que, para efeitos da repeticdo de indébito, ndo ha a menor relevancia em se perquirir se
o langamento, que faz nasccr o crédito, ocorreu na data da antecipagao (“auto-langamento”); se, por
ser ato privativo da administragao publica, deu-se no momento da homologagao; ou mesmo se é
concebivel o crédito tributario sem lancamento: o importante é que, em qualquer dos casos, a extingao
desse crédito, dies a quo do prazo prescricional, di-se com a homologagio, por imposigao sistémica.Além dos vicios apontados acima, portanto, conclui-se que a nova disposig&o padece de contradiga0
sistematica insanavel em relagio ao artigo 156, VII, do CTN, porquanto estabelega que, “para efeitos
de interpretagiio do inciso I do artigo 168”, a extingo, na realidade, ndo ocorre com a extingdo, mas
em um momento anterior!
Essa situacdo, na qual se utilizam dois pesos e duas medidas, tentando fazer a balanga pender a favor
do Fisco, é mais uma daquelas a repugnar a consciéncia juridico-tributaria do pais, Admitir a extingo
do crédito pelo pagamento equivaleria a conferir poder liberatério da obrigagao a tal ato e, levando-se
tal raciocinio ao extremo, qualquer pagamento, mesmo infimo, deveria ser acatado pelo Fisco, que
nao mais o poderia avaliar (pois a divida estaria saldada com 0 ato do adimplemento), esvaziando-se a
propria fungdo da homologagao.
aulo Penteas ja. Silva Neto
€ socio do escritério Lilla, Huck, Otranto, Camargo e Messina Advogados, bacharel em
Direito pela Faculdade de Direito da USP, bacharel em Administragio pela Fundago Getulio
‘Vargas e membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributatio.