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ACORDAO DO TRIBUNAL DE JUSTICA (Quarta Secgiio) 12 de janeiro de 2023 (*) «Reenvio prejudicial — Cléusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Diretiva 93/13/CEE — Contrato de prestagdo de servigos juridicos celebrado entre um advogado e um consumidor — Artigo 4.0, n.0 2 — Avaliagdo do carter abusivo das eléusulas contratuais — Exclusio das clausulas relativas a0 objeto principal do contrato — Cldusula que prevé o pagamento de honordrios de advogado de acordo com o principio do valor por hora — Artigo 6.0, n.o | — Poderes do juiz nacional perante uma cliusula qualificada de “abusiva”»> No processo C-395/21, que tem por objeto um pedido de decisdo prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Lietuvos Auk&¢iausiasis Teismas (Supremo Tribunal da Lituania), por Decisdo de 23 de junho de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justica em 28 de junho de 2021, no processo D.V. contra M.A, O TRIBUNAL DE JUSTICA (Quarta Se: composto por: C, Lycourgos, presidente de secgdo, L. S. Rossi, J-C. Bonichot, 8. Rodin ¢ ©. Spineanu-Matei (relatora), juizes, advogado-geral: M. Szpunar, secretério: A. Calot Escobar, vistos 0s autos, vistas as observagdes apresentadas: — _ emrepresentagdo de D.V., por A. Kakoskina, advokaté, - em_representagio do Governo lituano, por K. Dieninis, §, Grigonis ¢ V. Kazlauskaité-Svendioniené, na qualidade de agentes, — em representagao do Governo alemao, por J. Miller, U. Bartl ¢ M. Hellmann, na qualidade de agentes, = emrepresentagdo da Comissa agentes, ‘opeia, por J. Jokubauskaité e N. Ruiz Garcia, na qualidade de ouvidas as conclusdes do advogado-geral na audigncia de 22 de setembro de 2022, profere o presente Acérdio © pedido de decisio prejudicial tem por objeto a interpretagdo dos artigos 3.9, n.° 1, 4°, n.° 2, 6°, no 1,79, n° 1, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa as cldusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, 1.95, p. 29), conforme alterada pela Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu ¢ do Conselho, de 25 de outubro de 2011 (JO 2011, L304, p. 64) (a seguir “Diretiva 93/13») Este pedido foi apresentado no Ambito de um litigio que opde D.V., advogado, a M.A, seu cliente Quadro juridico Direito da Unido Nos termos do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 93/13: «Uma clusula contratual que nao tenha sido objeto de negociagdo individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigéncia de boa-fé, der origem a um desequilibrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos ¢ obrigagdes das partes decorrentes do contrato.» © artigo 4.° dessa diretiva prevé «1. Sem prejuizo do artigo 7.°, o carater abusivo de uma cldusula poderd ser avaliado em fimgao da dos bens ou servigos que sejam objeto do contrato e mediante consideragdo de todas as circunstincias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebrago, bem como de todas as outras cléusulas do contrato, ou de outro contrat de que este dependa. 2. Aavaliagio do cardter abusivo das clausulas nfo incide nem sobre a definigao do objeto principal do contrato nem sobre a adequagdo entre o prego e a remuneracio, por um lado, ¢ os bens ou servicos a fornecer em contrapartida, por outro, desde que essas cléusulas se encontrem redigidas de maneira clara ¢ compreensivel.» 3s termos do artigo 5.° da referida diretiva: «No caso dos contratos em que as cléusulas propostas ao consumidor estejam, na totalidade ou em parte, consignadas por escrito, essas cldusulas deverdo ser sempre redigidas de forma clara e compreensivel. [...}» O artigo 6.°, n.° 1, da mesma diretiva dispée: «Os Estados-Membros estipulardo que, nas condigdes fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cléusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional ndo vinculem 0 consumidor ¢ que 0 contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as clausulas abusivas.» artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 estabelece: «Os Estados-Membros providenciardo para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais, concorrentes, existam meios adequados ¢ eficazes para por termo A utilizagio das clusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional>» © artigo 8.° desta diretiva tem a seguinte redagao: «Os Estados-Membros podem adotar ou manter, no dominio regido pela presente diretiva, disposigdes mais rigorosas, compativeis com o Tratado [FUE], para garantir um nivel de protego mais elevado pata o consumidor.» Direito lituano Cédigo Civil 10 Sob 0 titulo «Cléusulas abusivas nos contratos celebrados por consumidores», o artigo 6.2284 do Lietuvos Respublikos civilinio Kodekso patvirtinimo, jsigaliojimo ir jgyvendinimo jstatymas Nr. VIII-1864 (Lei VIII-1864, sobre a Aprovagio, a Entrada em Vigor ¢ a Implementagiio do Cédigo Civil Lituano), de 18 de julho de 2000 (Zin., 2000, n.° 74-2262), na versio aplicavel ao litigio no proceso principal (a seguir «Cédigo Civil»), transpde a Diretiva 93/13 para o direito nacional. De acordo com este artigo: ed 2, So declaradas abusivas as cléusulas dos contratos celebrados por consumidores que néo tenham sido individualmente discutidas pelas partes e com as quais 0 equilibrio dos direitos e das obrigagdes das partes tenha sido efetivamente posto em causa em detrimento do consumidor devido & violagdo da exigéncia de boa-fé. L 6. Qualquer cléusula escrita de um contrato celebrado por consumidores deve ser redigida de Jo consideradas abusivas, maneira clara e compreensivel. As cldusulas contrérias a esta exigéncia 7. As cldusulas que descrevem 0 objeto do contrato celebrado por consumidores, bem como as ligadas 4 conformidade de um bem vendido ou de um servigo prestado e o seu prego, nfo devem ser apreciadas em relago ao carater abusivo, desde que essas cldusulas estejam redigidas de maneira clara ¢ compreensivel. 8. Quando o érgao jurisdicional declara uma cléusula (cléusulas) contratual abusiva (abusivas), essa cliusula (essas clausulas) é (so) nula(s) a contar da celebrag3o do contrato, mas as restantes cldusulas do contrato continuam a ser obrigatérias para as partes, se for possivel prosseguir a execugdo do contrato apds a anulago das cléusulas abusivas.» Lei IX-2066, Relativa d Profissdio de Advogado © artigo 50.° da Lietuvos Respublikos advokatiiros jstatymas Nr. IX-2066 (Lei IX-2066, Relativa Profissio de Advogado), de 18 de margo de 2004 (Zin., 2004, n.° 50-1632), sob a epigrafe «Remuneragao dos servigos juridicos prestados por um advogado», enuncia: 41. Os clientes pagam ao advogado os honorérios acordados no ambito dos servigos juridicos prestados nos termos do contrato. Ld 3, Para determinar 0 montante dos honorarios devidos ao advogado a titulo de contrapartida de servigos juridicos, ha que ter em conta o grau de complexidade do proceso, as qualificagdes © a experigncia profissional do advogado, a situago financeira do cliente, e outras circunstancias relevantes.» Despacho de 2 de abril de 2004 A Lietuvos Respublikos teisingumo ministro jsakymas Nr. IR-85 ,,Dél Rekomendacijy del civilinése bylose priteisetino uZmokestio uz advokato ar advokato padéjéjo teikiamg teising pagalbg (paslaugas) maksimalaus dydio patvirtinimo (Despacho n.° 1R-85 do Ministro da Justiga da Repiiblica da Lituania, sobre a Aprovagiio das Orientagdes Relativas ao Montante Maximo dos Honordrios a Pagar nos Processos Civeis pela Assisténcia Juridica — Prestagao de Servigos — de um Advogado ou Advogado-Estagidrio), de 2 de abril de 2004 (Zin., 2004, n.° 54-1845), na versio aplicavel a partir de 20 de margo de 2015 (a seguir «Despacho de 2 de abril de 2004»), estabeleceu recomendagdes sobre 0 montante maximo devido a um advogado ou a um advogado estagiério pela assisténcia prestada em processos civeis. Estas recomendagées foram aprovadas pela Ordem dos Advogados lituana, em 26 de margo de 2004, e constituem 0 fundamento que permite aplicar as regras do Cédigo de Processo Civil que regulam a fixagao das despes 12 14 15 7 18 19 20 a 22 Litigio no processo principal e questdes prejudiciais M.A., enquanto consumidor, celebrou, durante 0 perfodo compreendido entre 11 de abril e 29 de agosto de 2018, cinco contratos de prestagdo de servigos juridicos a titulo oneroso com D.V., na sua qualidade de advogado, a saber, em 11 de abril de 2018, dois contratos em processos civeis relativos, respetivamente, 4 compropriedade de bens e & residéncia de filhos menores, as modalidades de comunicagio e & fixagio de pensio de alimentos, em 12 de abril e em 8 de maio de 2018, dois contratos relativos a representag&o de M.A. perante a esquadra da policia e o Ministério Publico do distrito de Kaunas (Litudnia) e, em 29 de agosto de 2018, um contrato que tinha por objeto a defesa dos interesses de M.A. no Ambito de um processo de divércio. Nos termos do artigo 1.° de cada um desses contratos, o advogado comprometia-se a dar consultas jutidicas verbais elou por escrito, a preparar projetos de documentos juridicos, a efetuar a anélise juridica dos documentos ¢ a representar cliente perante diversas entidades, realizando os atos conexos, Em cada um dos referidos contratos os honoririos eram fixados no montante de 100 euros «por cada hora de consulta ou de prestagdo de servigos juridicos ao cliente» (a seguir «clausula relativa ao preco»). Os contratos estipulavam que «uma parte dos honordrios indicados [...] ¢ imediatamente devida, apés apresentagdo pelo advogado de uma fatura de prestagdo de servigos juridicos, tendo em conta as horas de consulta ou de prestagdo de servigos juridicos efetuadas» (a seguir «cliusula relativa as modalidades de pagamento»). Além disso, M.A. pagou adiantamentos de honordrios no montante total de 5 600 euros. D.Y, prestou servigos juridicos entre abril ¢ dezembro de 2018 ¢ entre janeiro e marco de 2019, & emitiu faturas para a totalidade dos servigos prestados em 21 ¢ 26 de margo de 2019. Nao tendo recebido todos os honordrios exigidos, D.V. intentou, em 10 de abril de 2019, no Kauno apylinkés teismas (Tribunal de Primeira Instancia de Kaunas, Lituinia), uma agdo destinada a obter a condenago de M.A. no pagamento de um montante de 9 900 euros a titulo de prestagdes juridicas realizadas, de um montante de 194,30 euros a titulo de despesas incorridas no ambito da execugo dos contratos, acrescidos de juros anuais que ascendem a 5% das somas devidas, calculados a partir da data da propositura da ago ¢ até 4 execugao da sentenga. Por Decisio de 5 de margo de 2020, este érgio jurisdicional considerou parcialmente procedente pedido de D.V. Considerou que, ao abrigo dos contratos celebrados, tinham sido prestados servigos juridicos num montante total de 12 900 euros. Todavia, considerou que as cléusulas relativas ao prego total dos cinco contratos eram abusivas e reduziu para metade os honordrios exigidos, fixando-os em 6 450 euros. Por conseguinte, o Kauno apylinkés teismas (Tribunal de Primeira Instancia de Kaunas) condenou M.A. no pagamento de um montante de 1 044,33 curos, tendo em conta a quantia ja paga, acrescida de juros anuais & taxa de 5 %, calculados a partir da propositura da ago e até & execugao da sentenga, ¢ no montante de 12 euros a titulo de despesas. D.V. foi condenada a pagar a M.A. 360 curos a titulo de despesas. Por Despacho de 15 de junho de 2020, 0 Kauno apygardos teismas (Tribunal Regional de Kaunas, Lituania) negou provimento ao recurso interposto por D.V., em 30 de abril de 2020, Em 10 de setembro de 2020, D.V. interpds recurso de cassagio desse despacho no Lietuvos AukS¢iausiasis Teismas (Supremo Tribunal da Litudnia), 0 érgio jurisdicional de reenvio. Este drgio jurisdicional interroga-se, em substancia, sobre duas problemdticas relativas, a primeira, & exigéncia de transparéncia das cliusulas em relagdo ao objeto principal dos contratos de prestagdo de servigos juridicos e, a segunda, aos efeitos da declaragao do carater abusivo de uma cliusula que fixa 0 prego desses servigos. Quanto a primeira destas problemiticas, o referido érgio jurisdicional examina, por um lado, a questo de saber se uma cliusula de um contrato de prestagéo de servigos juridicos, que no foi objeto de 23 24 2s 26 27 28 negociagao individual e que tem por objeto o prego desses servigos ¢ as suas modalidades de célculo, como a cliusula relativa ao prego, é abrangida pelo artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13. Considerando que é esse © caso, 0 érgio jurisdicional de reenvio interroga-se, por outro lado, sobre a exigéncia de transparéncia que uma clausula relativa ao objeto principal do contrato deve cumprir para escapar a avaliagdo do seu cardter abusivo, A este respeito, esse érgdo jurisdicional afirma que, embora a cléusula relativa ao prego esteja formulada claramente do ponto de vista gramatical, & possivel duvidar que seja compreensivel, uma vez que 0 consumidor médio nao esti em condigdes de compreender as suas consequéncias econémicas, mesmo tendo em conta as outras cléusulas dos contratos em causa, a saber, a cléusula relativa 4s modalidades de pagamento, que ndo prevé a apresentagdo pelo advogado de relatérios sobre os servigos prestados, nem a periodicidade do pagamento destes. Ora, o referido érgio jurisdicional recorda que, como resulta da jurisprudéneia do Tribunal de Justiga, a informagio, antes da celebragdo do contrato, sobre as condigdes contratuais e as consequéncias dessa celebragio & de importancia fundamental para um consumidor, porque é, nomeadamente, com base nesta informagdo que ele decide se se deseja vincular as condigdes redigidas previamente pelo profissional (Acérdio de 21 de margo de 2013, RWE Vertrieb, C-92/11, EU:C:2013:180, n.° 44). Embora admitindo a natureza especifica dos contratos em causa no proceso principal e a dificuldade de prever o niimero de horas necessério para prestar servigos juridicos, o Srgao jurisdicional de reenvio interroga-se sobre a questio de saber se é razoavelmente possivel exigir a um profissional que mencione um prego indicativo para esses servigos e se essa informagio deve figurar nesses contratos. PGe-se igualmente a questo de saber se a falta de informagées pré-contratuais podia ser compensada durante a execugao dos referides contratos e se a circunstincia de o prego s6 se tomar certo apés a representagio assegurada pelo advogado num determinado processo podia constituir um elemento itil nessa anilise, Quanto a segunda destas problematicas, esse érgio jurisdicional precisa que o artigo 6.2284, n.° 6, do Cédigo Civil assegura uma protegdo mais elevada do que a garantida pela Diretiva 93/13, na medida em que a falta de transparéncia de uma cldusula contratual é suficiente para que seja declarada abusiva, sem que se deva proceder ao seu exame & luz do artigo 3.°, n.° 1, desta diretiva. Por conseguinte, 0 referido érgao jurisdicional interroga-se sobre os efeitos que o direito da Unido atribui a declaragao do cardter abusivo de uma cléusula, A este respeito, 0 drgio jurisdicional de reenvio afirma que a invalidagdo da cléusula relativa ao prego deve acarretar a nulidade dos contratos de prestagdo de servigos juridicos ¢ 0 restabelecimento da situagdo em que o consumidor se encontraria se essas cldusulas nunca tivessem existido. Ora, no caso em aprego, isso conduziria a um enriquecimento injustificado do consumidor e a uma situago injusta em relagdo ao profissional que forneceu integralmente essas prestagdes de servigos. Por outro lado, esse érgio jurisdicional interroga-se sobre a questo de saber se uma eventual redugao do custo das referidas prestagdes nao prejudicaria o efeito dissuasivo prosseguido pelo artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 93/13, Nestas condigdes, 0 Lietuvos AukStiausiasis Teismas (Supremo Tribunal da Litudnia) decidiu suspender a instancia ¢ submeter ao Tribunal de Justis «1, Deve o artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13 ser interpretado no sentido de que a expressio “objeto principal do contrato” abrange uma cldusula — que nao foi individualmente negociada e que figura num contrato de prestago de servigos juridicos celebrado entre um empresirio (advogado) © um consumidor— relativa ao custo e a forma como este é calculado? 2. Deve a referéncia no artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13 ao cardter claro e compreensivel de uma cléusula contratual ser interpretada no sentido de que basta especificar na cldusula do contrato relativa ao custo (que fixa 0 custo dos servigos efetivamente prestados com base num valor por hora) o montante dos honorarios por hora devidos ao advogado? 29 3 Em caso de resposta negativa 4 segunda questio: deve a exigéncia de transparéncia ser interpretada no sentido de que abrange a obrigagao de 0 advogado indicar no contrato 0 custo dos servigos cujos valores exatos podem ser claramente definidos e especificados antecipadamente, ou deve também ser especificado o custo indicative dos servigos (um orgamento preliminar pelos servicos juridicos prestados), caso seja impossivel prever o numero (ou a duragao) de agdes especificas ¢ os respetivos honorérios, no momento da celebrago do contrato, ¢ indicar os riscos que podem conduzir a um aumento ou a uma diminuigdo do custo? No ambito da apreciagao da conformidade da clausula contratual respeitante a0 custo com a exigéncia de transparéncia, & relevante saber se a informagdo relativa ao custo dos servigos juridicos e 4 forma como este & caleulado é fornecida ao consumidor através de meios adequados ou consta do proprio contrato de prestagdo de servigos juridicos? E possivel compensar a falta de informagdo nas relagdes pré-contratuais com informagao fornecida durante a execugo do contrato? A apreciagio da conformidade da eléusula contratual com a exigéneia de transparéncia é afetada pelo facto de o custo final dos servigos juridicos prestados s6 ser conhecido apés a prestagdo destes ter terminado? No ambito da apreciagao da conformidade da cléusula contratual relativa ao custo com a exigéncia de transparéncia, € relevante que 0 contrato nao preveja a apresentagdo periddica de relatérios do advogado sobre os servigos prestados ou a apresentagdo periddica de faturas a0 consumidor, que permitiriam ao consumidor tomar em tempo itil uma deciso de recusa da prestagiio dos servigos juridicos ou de alterago do prego do contrato? 4, Caso o érgio jurisdicional nacional decida que a cliusula contratual que fixa 0 custo dos servigos efetivamente prestados com base num valor por hora no esta redigida de mancira clara compreensivel, como exige o artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13, deve apreciar-se se esta clausula é abusiva na acegdo do artigo 3.°, n.° 1, da referida diretiva (ou seja, no momento da apreciago do cariter eventualmente abusive da cléusula contratual, deve verificar-se se esta cliusula dé origem a um “desequilibrio significative” em detrimento do consumidor, entre os direitos ¢ obrigagdes das partes no contrato) ou, tendo embora em conta que essa clausula abrange informagdo essencial do contrato, o simples facto de a cliusula relativa ao custo no ser transparente é suficiente para que seja considerada abusiva? 5, © facto de, quando a clausula contratual relativa ao custo tiver sido considerada abusiva, 0 contrato de prestagdo de servigos juridicos ndo ser vinculative, em conformidade com 0 artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13, significa que é necessdrio restabelecer a situagdo em que 0 consumidor se encontraria se a cléusula que foi considerada abusiva nao existisse? O restabelecimento de tal situago significa que o consumidor ndo tem a obrigacdo de pagar pelos servigos jé prestados? 6. Caso a natureza de um contrato de prestagdo de servigos a titulo oneroso torne impossivel 0 restabelecimento da situagio em que o consumidor se encontraria se a clausula que foi considerada abusiva nao existisse (os servigos ja foram prestados), a fixagdo da remuneragdo pelos servigos prestados pelo advogado é contriria ao objetivo do artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 93/13? Em caso de resposta negativa a esta questio, o equilibrio real através do qual é restabelecida a igualdade das partes no contrato seria alcangado: (i) se 0 advogado fosse pago pelos servigos prestados ao valor por hora previsto no contrato; (ii) se 0 advogado fosse pago pelo custo minimo dos servigos juridicos (por exemplo, 0 previsto num ato juridico nacional), nomeadamente, recomendagées sobre o montante maximo dos honorarios pela assisténcia prestada por um advogado; (iii) se 0 advogado fosse pago num montante razoavel fixado judicialmente, tendo em conta a complexidade do caso, as qualificages © experiéncia do advogado, a situago financeira do cliente e outras circunstancias relevantes?» Quanto As questies prejudiciais Quanto & primeira questio Com a sua primeira questdo, o érgao jurisdicional de reenvio pergunta, em substincia, se o artigo 4.°, n° 2, da Diretiva 93/13, na acegdo desta disposicao, deve ser interpretado no sentido de que uma 34 35 clausula de um contrato de prestagio de servigos juridicos celebrado entre um advogado e um consumidor que nao foi objeto de negociagdo individual ¢ que fixa o prego dos servigos prestados segundo o principio do valor por hora é abrangida pelo «objeto principal do contrato». A este respeito, ha que recordar que 0 artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13 estabelece uma exeegio a0 mecanismo de fiscalizagao substancial das cléusulas abusivas, como previsto no ambito do sistema de protegdo dos consumidores instituido por esta diretiva, e que, consequentemente, esta disposigo deve ser objeto de interpretagdo estrita. Além disso, os termos «objeto principal do contrato», que figura na referida disposigdo, deve normalmente ser objeto, em toda a Unio Europeia, de uma interpretago auténoma e uniforme, que deve ser procurada tendo em conta o contexto da disposi¢ao e 0 objetivo prosseguido pela regulamentagio em causa (v., neste sentido, Acérdio de 20 de setembro de 2017, Andriciuc ¢ o., C-186/16, EU:C:2017:703, n.° 34 ¢ jurisprudéncia referida), No que diz respeito & categoria de cliusulas contratuais abrangidas pelo conceito de «objeto principal do contrato», na acegao do artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13, o Tribunal de Justiga declarou que essas cléusulas devem ser entendidas como as que fixam as prestagdes essenciais deste contrato e que, como tais, o caracterizam. Em contrapartida, as clausulas que revestem carater acessério relativamente as que definem a propria esséncia da relagdo contratual nao podem ser abrangidas pelo conceit de «objeto principal do contratoy [v., nomeadamente, Acérdios de 20 de setembro de 2017, Andriciuc © o., C-186/16, EU:C:2017:703, n.° 35 ¢ 36, ¢ de 22 de setembro de 2022, Vicente (Agio para pagamento de honorarios de advogado), C-335/21, EU:C:2022:720, n.° 78] No caso em aprego, a cléusula relativa ao prego tem por objeto a remuneragao dos servigos juridicos, estabelecida segundo um valor por hora. Tal cléusula, que determina a obrigaco do mandante de pagar os honordrios do advogado e indica a sua tabela, faz parte das cldusulas que definem a prépria esséncia da relagao contratual, sendo esta relagdo precisamente caracterizada pela prestagao remunerada de servigos juridicos. Por conseguinte, & abrangida pelo «objeto principal do contrato», na acegio do artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13. A sua avaliagio pode, além disso, respeitar 4 «adequagao entre o prego e a remuneragao, por um lado, e os [...] servigos a fornecer em contrapartida, por outro», na acegao desta disposicao, Esta interpretagdo € valida independentemente do facto, mencionado pelo érgio jurisdicional de reenvio na sua primeira questio prejudicial, de a referida cldusula nfo ter sido negociada individualmente, Com efeito, quando uma cldusula contratual faz parte das que definem a propria esséncia da relago contratual, tal sucede tanto no caso de essa cldusula ter sido objeto de uma negociagao individual como no caso de essa negociagao nao ter ocorrido. ‘Tendo em conta todas as consideragSes expostas, ha que responder & primeira questo que o artigo 4.°, n° 2, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que & abrangida por esta disposigao uma cléusula de um contrato de prestagdo de servigos juridicos celebrado entre um advogado e um consumidor que fixa o prego dos servigos prestados segundo o principio do valor por hora. Quanto & segunda e terceira questoes Com a segunda e terceira questées, que importa examinar em conjunto, 0 érgdo jurisdicional de reenvio pergunta, em substincia, se o artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que cumpre a exigéncia de redagdo clara e compreensivel, na acegdo desta dispo clausula de um contrato de prestagdo de servigos juridicos, celebrado entre um advogado e um consumidor, que fixa o prego desses servigos segundo o principio do valor por hora, sem incluir outras precisdes ou informagGes para ld da taxa hordria praticada, Em caso de resposta negativa, o rgio jurisdicional de reenvio pergunta quais as informagdes a comunicar ao consumidor na situagdo em que € impossivel prever o niimero efetivo de horas necessérias para prestar os servigos que sdo objeto desse contrato € se a falta dessas informagdes no Ambito da relagdo pré-contratual pode ser compensada durante a execugao do referido contrato. 36 Em primeiro lugar, quanto ao alcance da exigéncia de transparéncia das clausulas contratuai conforme resulta do artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13, 0 Tribunal de Justiga sublinhou que esta exigéncia, que figura também no artigo 5.° desta diretiva, ndo pode ficar reduzida apen: compreensivel das mesmas nos planos formal e gramatical, mas que, pelo contririo, dado que o sistema de protecio instituido pela referida diretiva assenta na ideia de que o consumidor se encontra numa situagdo de inferioridade face ao profissional, no que respeita designadamente ao nivel de informagao, esta exigéncia de redagdo clara © compreensivel das cléusulas contratuais ¢, logo, de transparéneia, imposta pela mesma diretiva, deve ser entendida de maneira extensiva (v., neste sentido, Acérdio de 3 de marco de 2020, Gomez del Moral Guasch, C-125/18, EU:C:2020:138, n.° 46 ¢ 50 e jurisprudéncia referida). 37 A exigéncia segundo a qual uma cldusula contratual deve ser redigida de maneira clara ¢ compreensivel deve ser entendida como impondo que 0 contrato exponha com transparéncia o funcionamento conereto do mecanismo a que a clausula em questdo se reporta ¢, sendo caso disso, a ‘io entre este mecanismo ¢ 0 estabelecido por outras cléusulas, de modo que esse consumidor possa avaliar, com fundamento em critérios precisos ¢ inteligiveis, as consequéncias econémicas que dai decorrem para ele (Acérdios de 20 de setembro de 2017, Andriciuc e 0., C-186/16, EU:C:2017:703, n° 45, ¢ de 16 de julho de 2020, Caixabank ¢ Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, C-224/19 e C-259/19, EU:C:2020:578, n.° 67 e jurisprudéncia referida). 38 Por conseguinte, a anilise da questo de saber se uma cléusula como a que esté em causa no processo principal é «clara e compreensivel», na acegao da Diretiva 93/13, deve ser efetuada pelo juiz nacional luz de todos os elementos factuais pertinentes. Especialmente, incumbe a este juiz verificar, tendo em conta as circunstincias que rodearam a celebragdo do contrato, se foram comunicados ao consumidor todos os elementos suscetiveis de ter incidéncia no alcance do seu compromisso que the permitam avaliar as consequéncias financeiras do mesmo (v., neste sentido, Acérdio de 3 de margo de 2020, Gémez del Moral Guasch, C-125/18, EU:C:2020:138, n.° 52 ¢ jurisprudéncia referida), 39 No que respeita, em segundo lugar, a0 momento em que esses elementos devem ser dados a conhecer ao consumidor, 0 Tribunal de Justiga declarou que 0 fornecimento, antes da celebragao do contrato, da informagao relativa as condigdes contratuais ¢ 4s consequéncias dessa celebragdo & de importincia fundamental para o consumidor. £, nomeadamente, com base nesta informagdo que este decide se deseja vincular-se as condigdes previamente redigidas pelo profissional (Acérdio de 9 de julho de 2020, Ibercaja Banco, C-452/18, EU:C:2020:536, n.° 47 ¢ jurisprudéneia referida). 40 No caso em aprego, ha que observar que, como precisa o drgio jurisdicional de reenvio, a cléusula relativa ao prego limita-se a indicar que os honorarios a receber pelo profissional ascendem a um montante de 100 euros por cada hora de servigos juridicos prestados. Esse mecanismo de fixagio do prego nao permite, na falta de qualquer outra informagao fornecida pelo profissional, a um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, avaliar as consequéncias financeiras que decorrem dessa clausula, a saber, o montante total a pagar por esses servigos. 41 E certo que, tendo em conta a natureza dos servigos objeto de um contrato de prestagdo de servigos juridicos, & muitas vezes dificil, ou mesmo impossivel, para o profissional prever, aquando da celebragdo do contrato, © mimero exato de horas necessdrias para prestar esses servigos e, consequentemente, 0 custo total efetivo dest. 42. Por outro lado, o Tribunal de Justiga declarou que o cumprimento, por um profissional, da exigéncia de transparéncia, prevista nos artigos 4.°, n.° 2, e 5.° da Diretiva 93/13, deve ser apreciado em relagdo aos elementos de que esse profissional dispunha no momento da celebrago do contrato que celebrou com 0 consumidor (Acérdio de 9 de julho de 2020, Ibercaja Banco, C-452/18, EU:C:2020:536, n.° 49). 4B Todavia, embora ndo se possa exigir a um profissional que informe © consumidor sobre as consequéncias financeiras finais do seu compromisso, que dependem de acontecimentos futuros, imprevisiveis e independentes da vontade desse profissional, no deixa de ser verdade que as informagdes que esti obrigado a comunicar antes da celebragio do contrato devem permitir ao 44 45 46 47 48 49 consumidor tomar a sua decisio com prudéncia e com pleno conhecimento, por um lado, da possibilidade de que esses eventos ocorram ¢, por outro, das consequéncias que podem acarretar relativamente & duragdo da prestagdo de servigos juridicos em causa, Estas informagdes, que podem variar em fungdo, por um lado, do objeto ¢ da natureza das prestagdes previstas no contrato de servigos juridicos e, por outro, das regras profissionais deontolégicas aplicaveis, devem conter indicagdes que permitam ao consumidor apreciar o custo total aproximado desses servigos. Trata-se da estimativa do numero previsivel ou minimo de horas necessarias para prestar um determinado servigo ou 0 compromisso de enviar, com intervalos razodveis, faturas ou relatérios periédicos que indiquem o nimero de horas de trabalho prestadas. Cabe ao juiz nacional, como foi recordado no n.° 38 do presente acérdio, avaliar, tendo em conta todos os elementos pertinentes que rodeiam a celebragdo desse contrato, se as informagées comunicadas pelo profissional antes da celebragdo do contrato permitiram ao consumidor tomar a sua decisio com prudéncia e com pleno conhecimento das consequéncias financeiras que a cclebragao do referido contrato implicava, Tendo em conta todas as consideragdes precedentes, ha que responder 4 segunda e terceira questdes que o artigo 4°, n° 2, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que ndo cumpre a exigéncia de redagdo clara e compreensivel, na acegdo desta disposigao, uma cléusula de um contrato de prestagdo de servigos juridicos celebrado entre um advogado e um consumidor que fixa 0 prego desses servigos segundo o principio do valor por hora sem que sejam comunicadas ao consumidor, antes da celebragdo do contrato, informagdes que Ihe permitam tomar a sua decisio com prudéncia ¢ total conhecimento das consequéncias econdmicas que a celebragio desse contrato acarreta, Quanto & quarta questio Com a sua quarta questio, o érgio jurisdicional de reenvio pergunta, em substancia, se o artigo 3.°, n& 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que uma cléusula de um contrato de prestagao de servigos juridicos celebrado entre um advogado e um consumidor, que fixa, segundo o principio do valor por hora, o prego desses servigos ¢ que é, assim, abrangida pelo objeto principal desse contrato, deve ser considerada abusiva pelo simples facto de néo cumprir a exigéncia de transparéncia prevista no artigo 4.°, n.° 2, desta diretiva. A este respeito, importa recordar que 0 Tribunal de Justiga declarou, no que toca ao artigo 5.° da Diretiva 93/13, que o cariter transparente de uma eldusula contratual constitui um dos elementos a ter em conta no ambito da avaliagao do cardter abusivo dessa cliusula que cabe ao juiz. nacional efetuar nos termos do artigo 3.°, n.° 1, desta diretiva. No Ambito desta apreciagao, incumbe a esse orgdo jurisdicional avaliar, a luz de todas as circunstancias do processo, num primeiro momento, o possivel desrespeito da exigéncia de boa-fé ¢, num segundo momento, a existéncia de um eventual desequilibrio significative em detrimento do consumidor, na acego desta iltima disposigao (Acérdio de 3 de outubro de 2019, Kiss e CIB Bank, C-621/17, EU:C:2019:820, n.° 49 ¢ jurisprudéncia referida). Como resulta da jurisprudéncia referida no n.° 36 do presente acérdio, a exigéncia de transparéncia das cléusulas contratuais tem 0 mesmo aleance nos termos do artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13 e nos termos do artigo 5.° da mesma (v. também, neste sentido, Acérdio de 30 de abril de 2014, Kasler Kaslemé Rabai, C-26/13, EU:C:2014:282, n.° 69). Por conseguinte, no ha que tratar diferentemente as consequéncias da falta de transparéncia de uma cléusula contratual consoante diga respeito a0 objeto principal do contrato ou a outro aspeto deste. Embora resulte da jurisprudéncia recordada no n.° 47 do presente acérdo que a apreciago do carater abusivo de uma cléusula de um contrato celebrado com um consumidor assenta, em principio, numa ayaliacao global que ndo tem unicamente em conta a eventual falta de transparéncia dessa cldusula, ha que salientar que os Estados-Membros podem assegurar, em conformidade com o artigo 8.° da Diretiva 93/13, um nivel de protegao mais elevado para os consumidores. 50 52 54 35 No caso em aprego, como resulta da decisiio de reenvio e das observagées apresentadas pelo Governo Jituano, a Repdblica da Litudnia optou por assegurar um nivel de protegdo mais elevado, na medida em que © artigo 6.2284, n.° 6, do Cédigo Civil dispe que as cldusulas contrérias 4 exigéncia de transparéncia sio consideradas abusivas. ‘Na medida em que os Estados-Membros continuam a ter a liberdade de prever, no seu direito interno, esse nivel de protesao, a Diretiva 93/13, sem exigir que a falta de transparéncia de uma cléusula de um contrato celebrado com um consumidor implique automaticamente a declaragao do seu cariter abusivo, nao se opde a que essa consequéncia decorra do direito nacional, ‘Tendo em conta todas as consideragdes precedentes, hé que responder 4 quarta questiio que o artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que uma cldusula de um contrato de prestago de servigos juridicos celebrado entre um advogado e um consumidor, que fixa, segundo 0 principio do valor por hora, o prego desses servigos e que integra, por conseguinte, o objeto principal desse contrato, no deve ser considerada abusiva pelo simples facto de no cumprir a exigéncia de transparéneia prevista no artigo 4.°, n.° 2, desta diretiva, salvo se 0 Estado-Membro cujo direito nacional se aplica ao contrato em causa previu expressamente, em conformidade com o artigo 8.° da referida diretiva, que a qualificagdo de «cléusula abusiva decorre desse mero facto. Quanto & quinta e sexta questies Com a quinta e sexta questées, que importa examinar em conjunto, o drgio jurisdicional de reenvio pergunta, em substancia, se os artigos 6.°, n.° 1, e 7.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que, quando um contrato de prestago de servigos juridicos celebrado entre um advogado ¢ um consumidor nao pode subsistir apés a supressdo de uma clausula declarada abusiva que fixa 0 prego dos servigos segundo o principio do valor por hora e esses servigos foram prestados, se opdem a que o juiz nacional decida restabelecer a situagzo em que 0 consumidor se encontraria na falta dessa cléusula, mesmo que isso leve a que o profissional nao receba nenhuma remunerago pelos seus servigos, ou substitua a referida cliusula por uma disposigo de direito nacional relativa ao custo maximo da remuneracdo a titulo da assisténcia prestada pelo advogado ou pela sua propria apreciago sobre o nivel de remuneragdo que considera razoavel para esses servigos. Para responder a estas questdes, importa lembrar que, como resulta da jurisprudéneia do Tribunal de Justiga, a declarago do carter abusivo de uma cléusula constante de um contrato deve permitir restabelecer a situagdo de direito e de facto em que 0 consumidor se encontraria na falta dessa cléusula (v., neste sentido, Acérddo de 31 de maio de 2018, Sziber, C-483/16, EU:C:2018:367, n° 34 ¢ jurisprudéncia referida). Por forga do artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13, incumbe ao juiz nacional abster-se de aplicar as cléusulas abusivas, a fim de que no produzam efeitos vinculativos para o consumidor, salvo se 0 consumidor a isso se opuser. No entanto, esse contrato deve subsistir, em principio, sem mais nenhuma alteragio a nao ser a resultante da supressio das cliusulas abusivas, na medida em que, em conformidade com as regras do direito interno, a subsisténcia do contrato seja juridicamente possivel (Acérdao de 25 de novembro de 2020, Banca B, C-269/19, EU:C:2020:954, n.° 29 e jurisprudéncia referida). Quando um contrato celebrado entre um profissional e um consumidor nao pode subsistir apés a supresso de uma cldusula abusiva, o artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 ndo se opde a que o juiz nacional, em aplicagdo de principios do direito dos contratos, suprima a clausula abusiva substituindo-a por uma disposiggo de direito nacional de carter supletivo em situagGes em que a invalidagio da cléusula abusiva obrigue 0 juiz a anular 0 contrato no seu todo, expondo assim 0 consumidor a consequéncias particularmenie prejudiciais, que o penalizariam (Acérdio de 25 de novembro de 2020, Banca B, C-269/19, FU:C:2020:954, n.° 32 ¢ jurisprudéncia referida). No caso em aprego, o érgio jurisdicional de reenvio interroga-se sobre as consequéneias a retirar do eventual reconhecimento do carater abusivo da cldusula relativa ao prego. Esse érgao jurisdicional 60 61 62 63 64 considera, por um lado, que os contratos em causa no proceso principal niio podem subsi: cléusula ¢, por outro, que a situago em que © consumidor se encontraria na falta da referida clausula ndo poderia ser restabelecida, uma vez que este beneficiou dos servigos juridicos previstos nesses contratos. A este respeito, hi que observar que, como resulta da jurisprudéncia referida nos n.°° $4 a 56 do presente acérdo, o reconhecimento do cardter abusive da cléusula relativa ao prego implica a obrigagdo do juiz nacional de se abster de a aplicar, salvo se consumidor a isso se opuser. O restabelecimento da situagao em que o consumidor se encontraria na falta dessa clausula traduz-se, em principio, incluindo no caso de os servigos terem sido prestados, na sua dispensa da obrigagdo de pagar os honorarios fixados com base na referida cléusula, Por conseguinte, no caso de © drgdo jurisdicional de reenvio considerar que, em aplicagio das disposigdes pertinentes de direito intemo, os contratos nao poderiam subsistir apés a supressiio da clausula relativa ao prego, o artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 no se ope a declaragio de invalidade dos mesmos, mesmo que isso leve a que o profissional nao receba nenhuma remunerago pelos seus servigos. S6 no caso de a invalidago dos contratos no seu conjunto expor o consumidor a consequéncias particularmente prejudiciais, que o penalizariam, ¢ que 0 érgio jurisdicional de reenvio dispée da possibilidade excecional de substituir uma cléusula abusiva anulada por uma disposigdo de direito nacional de cardter supletivo ou aplicivel em caso de acordo das partes no contrato em causa. No que respeita as consequéncias que a anulagdo dos contratos em causa no processo principal poderia implicar para 0 consumidor, hd que observar que, tratando-se de um contrato de miituo, o Tribunal de Justiga declarou que a anulago no seu conjunto tomaria, em principio, imediatamente exigivel o montante do empréstimo remanescente em divida, numa medida suscetivel de exceder as capacidades financeiras do consumidor, e poderia implicar consequéncias particularmente prejudiciais para este liltimo (v., neste sentido, Acérdio de 3 de marco de 2020, Gémez del Moral Guasch, C-125/18, EU:C:2020:138, n.° 63 e jurisprudéncia referida), Todavia, o carter particularmente prejudicial da anulagdo de um contrato ndo pode ser reduzido unicamente as consequéncias de natureza puramente pecuniétia. Com efeito, como afirma o advogado-geral nos n.°° 74 e 76 das suas conclusdes, nao esta excluido que a anulacio de um contrato relativo a prestagéio de servicos juridicos ja prestados possa colocar o consumidor numa situagdo de inseguranga juridica, nomeadamente na hipdtese de o direito nacional pemitir ao profissional reclamar uma remuneragio desses servigos com um fundamento diferente do do contrato anulado. Além disso, também em fungdo do direito nacional aplicdvel, a invalidade do contrato poderia eventualmente ter incidéncia na validade ¢ na eficdcia dos atos praticados ao abrigo deste. Por conseguinte, se, tendo em conta as consideragdes precedentes, o érgdo jurisdicional de reenvio coneluir que a anulago dos contratos em causa no seu conjunto teria consequéneias particularmente prejudiciais para o consumidor, o artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 nao se opée a que esse érgio jurisdicional substitua a cléusula relativa ao prego por uma disposigao de direito nacional de cardter supletivo ou aplicdvel em caso de acordo das partes nos referidos contratos. No entanto, importa que essa disposigdo se destine a ser especificamente aplicada aos contratos celebrados entre um profissional € um consumidor e ndo tenha um alcance de tal modo geral, que a sua aplicagao equivalha a permitir, em substincia, ao juiz nacional fixar com base na sua prépria estimativa a remuneraco devida pelos servigos prestados [v., neste sentido, Acérdio de 8 de setembro de 2022, D.B.P. e 0. (Mittuo hipotecdrio denominado em divisas estrangeiras), C-80/21 a C-82/21, EU:C:2022:646, n.°° 76 ¢ 77 « jurisprudéncia referidal. Desde que o Despacho de 2 de abril de 2004, mencionado na decisao de reenvio, contenha tal disposigdo, 0 que incumbe ao érgdo jurisdicional de reenvio verificar, esse despacho pode ser utilizado para substituir a cldusula relativa ao prego por uma remuneragao fixada pelo juiz. 65 66 67 68 69 Em contrapartida, 0 6rgdo jurisdicional de reenvio nao pode completar os contratos em causa no proceso principal com a sua propria estimativa relativa a um nivel de remuneragio que considera razodvel para os servigos prestados. Com efeito, como resulta da jurisprudéncia do Tribunal de Justiga, quando o juiz nacional declara a nulidade de uma cliusula abusiva num contrato celebrado entre um profissional e um consumidor, esse juiz no pode completar o contrato modificando 0 conteido dessa cliusula (Acérdio de 25 de novembro de 2020, Banca B., C-269/19, EU:C:2020:954, n.° 30 e jurisprudéncia referida), A este propésito, o Tribunal de Justiga considerou que, se fosse possivel ao juiz nacional modificar 0 conteiido das clausulas abusivas desse contrato, essa faculdade poderia prejudicar a realizagio do objetivo de longo prazo previsto no artigo 7.° da Diretiva 93/13. Esta faculdade contribuiria para climinar 0 efeito dissuasivo exercido sobre os profissionais através da pura e simples nao aplicagao de tais cldusulas abusivas ao consumidor, uma vez que os referidos profissionais ficariam tentados a utilizar essas cléusulas, sabendo que, embora as mesmas viessem a ser invalidadas, 0 contrato poderia ainda assim ser completado, na medida do necessario, pelo juiz nacional, de modo que se assegurasse 0 interesse dos referidos profissionais (Acorddo de 18 de novembro de 2021, A. S.A., C-212/20, BU:C:2021:934, n.° 69 e jurisprudéncia referida). Tendo em conta todas as consideragdes precedentes, ha que responder 4 quinta e sexta questdes que os artigos 6.9, n° 1, e 7.9, n.° 1, da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que, quando um contrato de prestagdo de servigos juridicos celebrado entre um advogado e um consumidor ndo puder subsistir apés a supresstio de uma cliusula declarada abusiva que fixa 0 prego dos servigos segundo 0 principio do valor por hora, tendo esses servigos sido prestados, nao se opdem a que o juiz nacional restabelega a situagdo em que o consumidor se encontraria na falta dessa cléusula, mesmo que isso leve a que o profissional no receba nenhuma remunerago pelos seus servigos. No caso de a invalidagao do contrato no seu conjunto expor o consumidor a consequéncias particularmente prejudiciais, 0 que incumbe ao érgio jurisdicional de reenvio verificar, estas disposigdes no se opdem a que o juiz nacional sane a nulidade da referida cléusula substituindo-a por uma disposigdo de direito nacional de cariter supletivo ou aplicével em caso de acordo das partes no referido contrato. Em contrapartida, estas disposigdes opdem-se a que o juiz nacional substitua a cléusula abusiva anulada por uma estimativa judicial do nivel da remuneragao devida pelos referidos servigos. Quanto as despesas Revestindo o processo, quanto As partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante 0 6rgio jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto as despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentagdo de observagdes ao Tribunal de Justiga nao sdo reembolsaveis. Pelos fundamentos expostos, 0 Tribunal de Justiga (Quarta Seco) declara: 1) O artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa as clausulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, conforme alterada pela Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, deve ser interpretado no sentido de que: 6 abrangida por esta disposigo uma cliusula de um contrato de prestagio de servigos juridicos celebrado entre um advogado ¢ um consumidor que fixa 0 prego dos servigos prestados segundo 0 principio do valor por hora. 2) O artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13, conforme alterada pela Diret iva 2011/83, deve ser interpretado no sentido de que: no cumpre a exigéncia de redacao clara ¢ compreensivel, na acegio desta disposigio, uma clausula de um contrato de prestagio de servicas juridicos celebrado entre um advogado e um consumidor que fixa o prego desses servicos segundo o principio do valor por hora sem que sejam comunicadas ao consumidor, antes da celebragio do contrato, informagées que Ihe permitam tomar a sua decisio com prudéncia e total conheeimento das consequéncias econdémicas que a celebragao desse contrato acarreta. 3) O artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 93/13, conforme alterada pela Diretiva 2011/83, deve ser interpretado no sentido de que: uma cliusula de um contrato de prestacio de servigos juridicos celebrado entre um advogado e um consumidor, que fixa, segundo o principio do valor por hora, o prego desses servigos ¢ que integra, por conseguinte, 0 objeto principal desse contrato, nao deve ser considerada abusiva pelo simples facto de nao cumprir a exigéncia de transparéncia prevista no artigo 4.°, n.° 2, desta diretiva, salvo se o Estado-Membro cujo direito nacional se aplica ao contrato em causa previu expressamente, em conformidade com o artigo 8.° da referida diretiva, que a qualificagio de «cliusula abusivan decorre desse mero facto. 4) O artigo 6°, n, 2011/83, 1, € 0 artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 93/13, conforme alterada pela Diretiva devem ser interpretados no sentido de qu quando um contrato de prestagio de servicos juridicos celebrado entre um advogado e um consumidor nio puder subsistir apés a supressio de uma cliusula declarada abusiva que fixa o prego dos servigos segundo o principio do valor por hora, tendo esses servicos sido prestados, nao se opdem a que o juiz nacional restabelega a situagao em que o consumidor se encontraria na falta dessa cliusula, mesmo que isso leve a que 0 profissional nio receba nenhuma remuneragio pelos seus servigos. No caso de a invalidacio do contrato no seu conjunto expor o consumidor a consequéncias particularmente prejudiciais, 0 que incumbe a0 drgio jurisdicional de reenvio verificar, estas disposigdes niio se opiem a que o juiz nal sane a nulidade da referida clusula substituindo-a por uma disposigao de direito nal de cariter supletivo ou aplicdvel em caso de acordo das partes no referido contrato, Em contrapartida, estas disposigées opdem-se a que o juiz nacional substitua a clausula abusiva anulada por uma estimativa judicial do nivel da remuneracio devida pelos referidos servigos. Assinaturas Lingua do proces: itano

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