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Soja e terapia sintética têm igual ação na

menopausa
Estudo da Unicamp mostra que alimento reduziu ondas de
calor e secura vaginal

Para Sociedade Brasileira do Climatério, terapia de reposição


hormonal ainda é a melhor opção para alívio de sintomas nas
mulheres

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Um alimento em pó, à base de soja e cálcio, é tão eficaz no


combate dos sintomas da menopausa quanto a terapia de
reposição hormonal (TRH) convencional, aponta um estudo da
Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), que foi
apresentado no final de setembro em um congresso norte-
americano sobre climatério. A soja contém proteínas e isoflavonas,
uma classe de fitoestrógenos "imitadores" do hormônio feminino
estrogênio, que apresenta queda na menopausa. O composto
avaliado no estudo foi desenvolvido por pesquisadores brasileiros e
já está sendo vendido. Para os pesquisadores, o produto é uma
opção segura e eficaz a mulheres que não querem usar os
hormônios sintéticos. Em 2002, o estudo WHI (Women Health's
Initiative) mostrou que a TRH pode aumentar os riscos de câncer da
mama e doenças cardiovasculares. Na menopausa, 75% das
mulheres têm queixas de ondas de calor. Sentem ainda suores
noturnos, incontinência urinária, ressecamento da pele e secura
vaginal, irritabilidade, perda da concentração e da libido e
depressão. Em 30% dos casos, os sintomas são severos. A longo
prazo, o déficit hormonal está ligado ao aumento de osteoporose e
doenças cardiovasculares e cognitivas, entre outras. "Tanto o
composto como o hormônio melhoraram as queixas de ondas de
calor, dores no corpo e secura vaginal de forma parecida; não
houve diferença estatística significante", diz o ginecologista Lucio
Carmignani, um dos autores do estudo. Embora avalie o estudo da
Unicamp como "muito criterioso" e com resultados "bastante
confiáveis", o ginecologista César Eduardo Fernandes, presidente
do conselho científico da Sociedade Brasileira do Climatério, afirma
que a TRH sintética ainda é a melhor opção para aliviar os sintomas
e prevenir doenças cardiovasculares e osteoporose. Na sua
opinião, os resultados favoráveis do estudo com o composto de soja
podem ter ocorrido porque as mulheres selecionadas,
provavelmente, não apresentavam sintomas, como ondas de calor,
muito intensos. "Se fossem pacientes ricamente sintomáticas, talvez
o resultado pudesse ser outro." A ginecologista da Unicamp Adriana
Orcesi Pedro, outra autora do estudo, reforça que só foram
selecionadas mulheres com sintomas moderados e severos. "Nos
EUA, a repercussão do estudo foi muito positiva. Eles buscam
alternativas à terapia hormonal, mas ainda não conseguiram
desenvolver um alimento que tenha tido a sua efetividade
comprovada em um estudo como o nosso."

A metodologia

O estudo foi randomizado, duplo-cego e controlado por placebo. Em


outras palavras, houve uma escolha aleatória do produto que cada
participante recebeu e ninguém soube o que estava consumindo de
fato. Foram triadas 1.520 mulheres entre 40 e 60 anos, mas só 60
foram consideradas aptas para o ensaio: 20 usaram o produto de
soja (Previna); 20, a TRH de baixa dosagem (Activelle); 20
receberam placebo. O alimento à base de soja conseguiu reduzir
em 65,4% as ondas de calor e em 40% as dores musculares e
articulares, segundo Lucio Carmignani. A nutricionista Andrea Frias,
que é conselheira científica da Sociedade Brasileira de Alimentos
Funcionais e integrou a equipe que desenvolveu o composto, atribui
os efeitos do produto a uma maior quantidade de isoflavona e
proteínas da soja. "É bem superior à encontrada no grão da soja ou
no tofu." Embora o estudo tenha apontado benefícios parecidos
entre o alimento e a TRH, Carmignani diz que, em geral, as
mulheres que usam hormônios costumam relatar melhora dos
sintomas em uma "proporção maior e mais rápida" do que as que
usam produtos de soja. Segundo ele, o produto não deve ser
encarado como substitutivo da TRH. "Ele é apenas uma opção para
as mulheres que não desejam fazer uso da terapia hormonal. A
decisão sobre qual terapia de reposição é a mais indicada deve ser
tomada em conjunto com o médico." O ginecologista José
Aristodemo Pinotti, que coordenou na USP um estudo semelhante
sobre o composto de soja, o vê como uma boa alternativa. "A
quantidade de hormônio [sintético] deve ser a menor e pelo menor
tempo possível."

NA INTERNET - Leia mais


www.sobrac.org.br/
APÓS PESQUISA, CAI PRESCRIÇÃO DE HORMÔNIOS
SINTÉTICOS

O estudo WHI mostrou um aumento do risco de câncer de mama e


de problemas tromboembólicos entre as mulheres que usavam
reposição hormonal sintética; depois disso, as prescrições de TRH
caíram em todo o mundo; no Estado de São Paulo, houve um
decréscimo de 25,2%

Estudo avalia estratégias de tratamentos


DA REPORTAGEM LOCAL

Uma nova pesquisa patrocinada pelo NIH (instituto nacional de


saúde dos EUA) vai avaliar quais tratamentos são realmente
efetivos e seguros para combater as ondas de calor e os suores
noturnos, sintomas mais comuns na menopausa.

A iniciativa reúne pesquisadores de importantes centros médicos,


como as faculdades de medicina de Harvard, Indiana, Pensilvânia e
Washington. A pesquisa vai durar cinco anos e custará US$ 4,4
milhões/ano.

Entre as estratégias de tratamento que serão avaliadas estão o uso


de antidepressivos, como as paroxetinas, baixas doses de estradiol,
técnicas de respiração e programas de exercícios físicos.

Segundo o médico Richard Hodes, diretor do NIA (instituto


americano de envelhecimento), após estudos como o WHI, que
levantou os riscos da terapia hormonal, surgiu a necessidade
urgente da indicação de tratamentos que sejam seguros e efetivos
no combate dos sintomas.

"Agora, esse trabalho multicêntrico e multidisciplinar vai permitir que


os pesquisadores testem outras opções, como as terapias
alternativas, para provar se também são eficazes contra as ondas
de calor", diz Sherry Sherman, uma das responsáveis pelo projeto
no NIA. Segundo ela, a terapia de reposição hormonal convencional
é ainda considerada a mais efetiva forma de controlar os sintomas
da menopausa.
Riscos

Na avaliação do ginecologista César Eduardo Fernandes, terapias


alternativas, como as que propõem o uso da soja, trazem um
elemento de sedução muito grande às pacientes. "A soja carrega a
fama de ser natural, mas tem efeito farmacológico. Tanto que, se a
paciente tiver risco de câncer de mama ou se já houver tido tumor,
não pode fazer uso de terapêutica com hormônio, inclusive a soja.
O mesmo acontece se ela tiver alto risco de trombose."

Fernandes explica que existem benefícios "cristalizados" da


terapêutica hormonal, quando iniciada no momento oportuno, como
a redução de fraturas provocadas por perda de massa óssea. "A
soja parece melhorar a densidade do osso, mas não há estudos
mostrando que ela previne fraturas." (CC)

Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/saude/sd1410200803.htm
Jornal Folha de São Paulo – saúde – 14 de outubro de 2008

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SOJA ELIMINA OS SINTOMAS DA MENOPAUSA


NUTRIÇÃO – ALIMENTOS – SOJA – ISOFLAVONAS –
HORMÔNIOS

Profa. Dra. Jocelem Mastrodi Salgado,


Nutricionista -

Um alimento à base de soja, desenvolvido pela nossa equipe


(Hospital das Clínicas - USP) em parceria com a Fundação de
Gastroenterologia e Nutrição de São Paulo - FUGESP, está sendo
considerado hoje a mais recente alternativa no combate dos
sintomas da menopausa.

A comprovação veio através de um estudo com mulheres, realizado


por médicos do Departamento de Ginecologia da USP. A pesquisa
comprovou que o alimento testado à base de soja e rico em
isoflavonas, é tão eficaz no tratamento dos sintomas da menopausa
quanto um medicamento usualmente utilizado para a reposição
hormonal (TRH). De acordo com os médicos-pesquisadores, o
alimento testado reduziu os sintomas da menopausa como calor,
insônia, nervosismo, dores de cabeça e palpitação e não
apresentou nenhum efeito colateral.

Atualmente, o tratamento mais comum para a menopausa


empregado pelos médicos é a TRH - Terapia de Reposição
Hormonal, cujo objetivo é administrar de forma adequada os
hormônios que o organismo não produz mais. No entanto, um
grande grupo de mulheres não pode se beneficiar deste tratamento
por conta de contra indicações existentes, além de haver uma
grande preocupação quanto ao risco aumentado de câncer de
mama.

Recentemente, estudos científicos divulgados nos EUA, levaram o


FDA a um anúncio oficial determinando que os fabricantes dos
hormônios estrogênios e progestogênios, empregados na TRH,
alertem médicos e pacientes sobre os riscos de as drogas
causarem câncer de mama e problemas cardíacos.

Na procura de alternativas para o tratamento de mulheres


sintomáticas na menopausa e que estão contra indicadas para o
uso de TRH, os médicos do HC-USP testaram de forma científica e
comparativa os benefícios de um alimento desenvolvido por nossa
equipe da ESALQ-USP de Piracicaba, em parceria com a FUGESP
- Fundação para o Estudo da Nutrição e da Gastroenterologia, em
relação a um medicamento utilizado usualmente em TRH.

Em forma de leite em pó, o composto avaliado apresenta um


conteúdo significativo de isoflavonas e proteínas de soja, além de
ser enriquecido com cálcio, para a proteção óssea.

A pesquisa concluída em março deste ano, e que resultou nesse


estudo apresentado agora pelo HC, mostrou que esse alimento é
mais seguro e tão eficaz quanto o medicamento testado no combate
aos sintomas da menopausa, e confirmou também, que não existe
nenhum risco colateral para a saúde.

O estudo comprovou ainda que esse alimento é ideal para o grupo


de mulheres que têm contra-indicação para a TRH, principalmente
aquelas com histórico anterior de câncer ginecológico, câncer na
família, mioma uterino, alterações mamárias de risco, trombose
vascular, colesterol, hipertensão elevada, diabete de difícil controle
e problemas hepáticos graves.

Os resultados obtidos pelos médicos do Hospital das Clínicas


reforçam as informações científicas de que as isoflavonas da soja,
substâncias com a mesma ação do estrogênio produzido pelo
organismo, são capazes de atuarem sobre os sintomas indesejáveis
da menopausa. Associadas ao cálcio e às proteínas de soja, essas
substâncias agem ainda como protetoras da osteoporose e das
doenças cardiovasculares.

A pesquisa

O objetivo da pesquisa foi comparar os efeitos do alimento à base


de isolado protéico de soja com um medicamento empregado para
TRH.

Do grupo estudado participaram 98 mulheres saudáveis que


relatavam sintomas da menopausa. Desse total, 48 receberam o
repositor hormonal à base de estrógeno associado à progesterona,
em pílulas de uso oral.

Outras 50 mulheres receberam duas doses de 30 gramas do


alimento à base do isolado protéico de soja, rico em isoflavonas,
consumido com água, leite ou sucos. A pesquisa durou 4 meses,
tempo considerado amplamente suficiente para se avaliar os efeitos
sobre os sintomas da menopausa e os efeitos adversos.

No final do estudo, os pesquisadores tiveram uma grande surpresa


ao constatar que o alimento testado havia demonstrado a mesma
eficácia do hormônio sintético, utilizado para comparação. Em
ambos os grupos, os sintomas da menopausa foram reduzidos
significativamente em todas as mulheres avaliadas.

Outro resultado importante foi a ausência de reações adversas no


grupo que utilizou o alimento. Treze mulheres (ou 26,5% do grupo
que recebeu a TRH) abandonaram o estudo relatando problemas
como tromboflebite, mastalgia (dores nas mamas), retorno da
menstruação, entre outros.

No grupo que recebeu o alimento, apenas 16% não concluiu o


tratamento. De acordo com os médicos, as razões alegadas pelo
grupo que recebeu o alimento não foram efeitos adversos, mas
esquecimentos ou dificuldades em comparecer ao hospital para
retirar o alimento, o que significa uma adesão praticamente total.

A pesquisa conduzida pela equipe da Faculdade de Medicina da


USP está sendo publicada em revista especializada e será
divulgada nos próximos congressos de ginecologia e climatério no
Brasil e exterior.

Informações adicionais sobre o estudo clínico podem ser obtidas no


site www.estudosojamenopausa.com.br.

Profª Jocelem Mastrodi Salgado,


Titular de Vida Saudável da ESALQ/USP/Campus Piracicaba. Autora dos
livros: "Previna Doenças. Faça do Alimento o seu Medicamento" e "Pharmácia
de Alimentos. Recomendações para Prevenir e Controlar Doenças", editora
Madras.

Fonte:
http://www.uol.com.br/vyaestelar/vida_saudavel.htm

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Comer para quê?


Jornalista elabora experiência para entender os dilemas da
vida de quem pode comer de tudo

Estudante almoça sozinha em refeitório; escritor descreve como nossos


hábitos alimentares mudaram ao longo do tempo

GIOVANA GIRARDI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A clássica teoria segundo a qual nós somos aquilo que comemos
ganha um adendo no livro "O Dilema do Onívoro", recém-lançado
no Brasil. Para o jornalista americano Michael Pollan, você é sim "o
que" come, mas também "como" come.

Ao contrário de outras espécies, que têm dietas muito restritas – e


para os quais comer é uma questão meramente biológica –, nós
podemos nos alimentar de praticamente qualquer coisa do reino
animal ou vegetal. E se isso foi uma vantagem para nossa evolução
e expansão pelo mundo inteiro, hoje deixa muita gente no dilema a
que Pollan se refere em seu livro. Diante de inúmeras
possibilidades, às vezes parece simplesmente impossível decidir o
que comer, acredita o autor.

Senão, vejamos. Para um coala, o cardápio se restringe às folhas


de eucalipto. Para os humanos modernos e urbanizados, as
dúvidas vão desde "carne ou massa?" na hora do almoço a "óleo de
girassol ou de milho?", na frente de uma gôndola de supermercado.
Mas a dúvida está longe de ser apenas questão de gosto. Cada vez
mais se trata dos possíveis benefícios e malefícios dos alimentos.
Quantas vezes nos deparamos diante da dúvida sobre comer ou
não comer algo porque aquilo pode aumentar nossa taxa de
colesterol; se devemos abandonar a carne e sermos vegetarianos;
se para viver mais é preciso se alimentar disso ou daquilo. Isso sem
falar na questão calórica.

Da caça ao fast food


Pollan usa esta inquietação como fio condutor de uma espécie de
história natural dos nossos hábitos alimentares. Ele investiga as
origens e a evolução da nossa relação com a comida -como
passamos de caçadores-coletores, que sabiam exatamente o que
estavam ingerindo, para consumidores de produtos industrializados
que não fazem a menor idéia do que está por trás de um nugget
congelado e frito na lanchonete.

E mais do que isso: como nos deixamos influenciar por pesquisas


de resultados duvidosos que dizem o que faz bem ou o que faz mal
ingerir quando historicamente fomos evoluindo para distinguir essas
coisas na natureza.

É bem verdade que Pollan baseia toda a sua tese na população


norte-americana, paradoxalmente obesa e neurótica com dietas
da moda, que ao mesmo tempo come as mais complexas
gorduras, mas corta totalmente os carboidratos acreditando que
vai emagrecer.

Mas de modo algum esse regionalismo tira a validade da obra aqui


no Brasil. A impressão que dá é que isso tenha sido mais uma
opção mercadológica que antropológica. Afinal, o sucesso dos livros
de dietas mirabolantes é mundial, e a própria obra de Pollan ficou
na lista dos mais vendidos por semanas nos Estados Unidos.

A idéia do jornalista foi então investigar a cadeia alimentar – na


verdade as cadeias, porque ele defende que hoje existem três
totalmente diferentes: a industrial, a orgânica e a "associada à
esfera da caça e da coleta". O intuito era, escreve ele, "recuperar as
realidades biológicas fundamentais que as complexidades da
moderna indústria de alimentos fazem o possível para manter longe
dos nossos olhos".

Para isso ele acompanha, do começo ao fim, cada uma dessas


cadeias. Vai da plantação de milho que abastece a indústria
alimentícia à fast food comida em um carro em movimento. Visita
fazendas inovadoras e experimenta pratos orgânicos até encerrar
sua expedição, por fim, na "refeição perfeita" – caçada, colhida e
cozida com suas próprias mãos.

Para saber o que mudou na visão humana sobre alimentos, essa


etapa se fazia necessária. "Esperava lançar alguma luz sobre a
maneira como comemos hoje ao me impregnar da maneira como
comíamos então [na pré-história]", escreve, enquanto conta o
processo de aprender a caçar atirando e matando – e a crise de
consciência por trás disso – até comer.

Nesta etapa, pela primeira vez ele diz ter noção exata do que
estava comendo, e dos custos físicos, emocionais e financeiros de
sua obtenção. Todos os produtos que estavam no prato. O prazer
da refeição, diz, foi acima de tudo resultado da consciência
completa.
LIVRO - "O Dilema do Onívoro"
Michael Pollan; ed. Intrínseca, 479 págs., R$ 49,9

Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2907200702.htm
Jornal Folha de São Paulo – Folha Ciência – Domingo, 29 de julho
de 2007.

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ENTREVISTA

MICHAEL POLLAN

Estaríamos melhor com banha de porco


que com margarina
Autor de livro sobre comida diz que dieta ocidental é invenção
da indústria e que tradição deve guiar o que as pessoas
comem
Alia Malley

Michael Pollan

OS MAIS NOVOS conselhos sobre dieta acabam de vir dos EUA:


primeiro, coma comida. Depois, não coma nada que sua avó não
reconheceria como comida. Se isso parece óbvio para você, diz o
jornalista americano Michael Pollan, vá ao supermercado -e tente
imaginar uma dona-de-casa de meados do século 20 tentando
decifrar dezenas de rótulos com ingredientes impronunciáveis de
"substâncias semelhantes à comida" nas gôndolas. Em seu novo
livro, "Em Defesa da Comida" (editora Intrínseca), ele lança um
ataque impiedoso à indústria e aos cientistas da alimentação, que,
ajudados por um governo americano complacente e por jornalistas
confusos, transformaram a dieta ocidental em uma máquina de
adoecer.

Essa revolução maligna na maneira como os americanos -e, por


tabela, o resto do Ocidente- comem se instalou plenamente anos
1980. Nessa década, diz o livro, os alimentos deixaram de ser
vistos como entidades completas (uma cenoura, um tomate, um
bife) e passaram a ser comercializados pelo que continham de
nutrientes: caroteno, licopeno, proteínas. A indústria passou a
"engenheirar" a comida de forma a torná-la irreconhecível, tudo em
nome do lucro, disfarçado de benefício à saúde.

Qual foi o resultado? "Nossa saúde dietária é pior hoje do que era.
Há mais obesidade, mais diabetes", diz Pollan. O enfoque nos
nutrientes, que teve seu início nos anos 1960, virou uma ideologia,
o "nutricionismo". Segundo o americano, essa ideologia é baseada
na "ciência ruim" da nutrição, que é incapaz de produzir resultados
consistentes em estudos epidemiológicos sobre dieta. Isso porque
os nutricionistas buscam avaliar nutrientes, mas um alimento é
maior que a soma de suas partes.

[ Um dos pecados dessa abordagem, argumenta, foi a


condenação das gorduras saturadas de origem animal. ]

Um dos pecados dessa abordagem, argumenta, foi a condenação


das gorduras saturadas de origem animal. No lugar delas, os
nutricionistas nos deram as gorduras trans, que hoje o mundo
inteiro – o Brasil inclusive – se esforça para banir. "Estaríamos
melhor com banha de porco", disse Pollan à Folha. Leia a
entrevista. (CLAUDIO ANGELO)

FOLHA - O sr. diz que a comida virou presa da ideologia. Como


assim?
MICHAEL POLLAN - Meu argumento é que a maneira como
pensamos sobre a comida e como desenhamos a comida hoje em
dia caiu presa de uma ideologia que chamo de nutricionismo. O
nutricionismo é a crença de que o que importa na comida são os
nutrientes: as proteínas, os minerais, as vitaminas. E, se você
obtiver o bastante dos bons nutrientes e ficar longe dos ruins, esse
é o caminho para a saúde.
Essa é uma visão muito reducionista tanto da comida quanto da
saúde. A comida é mais do que a soma de suas partes nutrientes. O
propósito dessa ideologia é dar mais poder para a indústria da
alimentação, porque ela consegue redesenhar a comida de uma
maneira que a natureza não consegue, e dá também muito poder a
especialistas na nossa sociedade, sejam cientistas ou jornalistas.
A maior objeção é que pensar na comida dessa maneira não tem
funcionado. Nós estamos reengenheirando a nossa comida há 30
anos para ter mais coisas boas e menos coisas ruins, mas a nossa
saúde dietária é pior hoje do que era. Há mais obesidade, mais
diabetes, e tirar da comida a gordura -supostamente um nutriente
mau- não ajudou. Estamos comendo mais carboidratos e ficando
mais gordos e diabéticos.

FOLHA - Então não há nada errado com a gordura?


POLLAN - Excesso de qualquer coisa é ruim, mas a gordura não é
a vilã que achávamos que fosse. A gordura é um nutriente
criticamente importante, e há gorduras boas e ruins. Jogar todas as
gorduras no mesmo balaio foi um erro enorme. E afastar as
pessoas das gorduras animais e aproximá-las de gorduras
hidrogenadas vegetais também foi um erro. As gorduras trans
fazem muito mais mal.

FOLHA - O Ministério da Saúde do Brasil quer banir as gorduras


trans, mas está enfrentando uma enorme resistência da indústria,
que diz que isso seria "voltar à era da banha de porco". Isso é ruim?

POLLAN - Eu tenho duas respostas a isso: um, nós provavelmente


estaríamos melhor com banha de porco do que com gorduras trans.
Ela é mais saudável. Dois, há vários outros óleos vegetais que não
precisam ser hidrogenados. É tudo uma questão de economia. Eles
poderiam fazer batatas fritas com azeite de oliva e elas seriam
deliciosas. Só que custariam mais. Ameaçar o público com o retorno
da banha de porco, primeiro, não é tão assustador; segundo, não é
verdade.

FOLHA - O público não está saturado com pesquisas sobre dieta?


Hoje eu nem cubro mais estudos que dizem que o café faz mal ou
bem, pois o próximo desmentirá o anterior.
POLLAN - Sim, é essa a situação do leitor hoje. Nós temos feito
reportagens em excesso sobre uma ciência muito imperfeita. O
estado do conhecimento nutricional é muito primitivo. Não sabemos
o bastante para dizer se café faz bem ou mal...

FOLHA - Por que não dá para fazer estudos controlados com


comida.
POLLAN - Exatamente. Você tem uma miríade de fatores, como
estilo de vida, outras coisas que as pessoas comem, genética etc.
Então em que conhecimento podemos confiar? Meu argumento em
"Em Defesa da Comida" é que nós temos uma outra forma de
conhecimento, que é a tradição. A sabedoria das nossas avós. E,
quando se trata de comida, essa sabedoria pode ser mais profunda
e mais útil que a dos nutricionistas -até agora, pelo menos.

FOLHA - Por outro lado, alguém poderia argumentar que as nossas


avós tinham um cardápio muito pouco variado, e elas também
morriam, e mais cedo que as avós modernas, na média.
POLLAN - A maioria dos ganhos na expectativa de vida vieram da
prevenção da mortalidade infantil até os cinco anos de idade. E
também tivemos coisas como ponte de safena e novos remédios.
Mas as taxas de obesidade e diabetes eram muito menores há cem
anos do que são hoje. Sim, a ciência e a tecnologia têm ajudado a
prolongar a vida, mas mas não por meio da dieta. A dieta tem
trabalhado na direção oposta.

FOLHA - Seu livro é sobre como as pessoas comem nos EUA, mas
a realidade de países como o Brasil é diferente. O que temos a ver
com isso?
POLLAN - O jeito americano de comer está dominando o mundo. O
Brasil e a Argentina estão rumando na direção da agricultura de
forragem. Vocês estão arrasando seus campos naturais para
plantar soja. E o que acontece com essa soja? Ela vira forragem
barata para gado, que vira comida processada.
Então, o hábito de ir ao supermercado, o hábito de ir ao fast-food,
essas coisas estão se espalhando pelo mundo. Minha esperança ao
publicar esse livro é que as pessoas que ainda não perderam sua
cultura alimentar lutem mais para defendê-la contra a onda de fast-
food.

FOLHA - O sr. defende um bocado a comida local e os orgânicos,


que são a nova moda nos países ricos. Mas nós vivemos num
mundo de mais de 6 bilhões de pessoas, e a agricultura precisa ser
industrial e usar pesticidas em grande escala.
POLLAN - Pode ser que os orgânicos não sejam a resposta para o
mundo inteiro, mas há modelos de agricultura em grande escala
que não usam muito pesticida e são mais sustentáveis. Se você
pensar na rotação que eles usam na Argentina, são cinco anos de
gado no pasto e três anos de grãos, você pode produzir a melhor
carne do mundo e três anos de grãos que podem ser plantados sem
fertilizante e sem herbicidas.

FOLHA - Embora a Argentina tenha mergulhado de cabeça na soja


transgênica...
POLLAN - Eu sei. Essa é uma das maiores tragédias do mundo
hoje. Eles estão abrindo mão de um produto muito superior, que é a
carne deles, em prol de um casinho passageiro com a soja
transgênica. Eu acho que eles olharão para trás em algum ponto e
se darão conta de que foi um grande erro.

FOLHA - As recomendações da FDA são seguidas ao redor do


mundo. Mas o sr. diz que a FDA não é exatamente confiável. Por
quê?
POLLAN - Qualquer país que siga a nossa pirâmide alimentar
precisa saber como ela é feita. E não é um quadro bonito. O
governo dos EUA precisa negociar cada mensagem sobre a comida
com a indústria afetada.
Eles não apenas incluem o consenso científico sobre quanto açúcar
você pode comer, mas têm de negociar com os usineiros, que
querem aumentar esse valor. Então, eles tentaram dizer que 10%
de açúcar na dieta era razoável, mas a indústria brigou e insistiu em
25%. Isso não é informação científica, é informação política,
negociada com a indústria. Você deve tomá-la com um grão de sal.

FOLHA - Não é meio ridículo escrever um livro ensinando bom


senso às pessoas?
POLLAN - (Risos) Eu jamais imaginei que pudesse vender um livro
que se baseia num conselho às pessoas para comer comida. Isso é
sintomático da nossa situação. Meu último livro dizia às pessoas de
onde a comida vinha. Nós nos desconectamos tanto da comida que
você precisa de jornalistas para dizer de onde a comida vem e que
é preciso comê-la.

Frase
"Eles [a FDA] tentaram dizer que 10% de açúcar na dieta era
razoável, mas a indústria brigou e insistiu em 25%. Isso não é
informação científica, é informação política, negociada com a
indústria"
MICHAEL POLLAN
jornalista americano, autor de "Em Defesa da Comida - Um
Manifesto", Editora Intrínseca, 2008.

Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2109200802.htm

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“E não é que o Kevin Trudeau tem razão?”


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