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A linguagem humana do mito a ciéncia José Luis Ftorin No principio era o Verbo: 16 Verbo estava em Deus ¢ 0 verbo era Deus. Jou Linguagem e lingua A linguagem é a capacidade especifica da espécie humana de se comunicar por meio de signos. Entre as ferramentas culturais do ser humano, a lingungs ‘ocupa um lugar parte, porque o homem no est programado para aprender fisica ou matematica, mas esti programado para falar, para aprender linguas, quaisquer que elas sejam. Todos os seres humanos, independentemente de sua escolaridade menos que tenham graves problemas psiquicos ou ou de sua condigao social neuroligicos, falam, Uma crianga, por volta dos trés anos de idade, esse dispositive extremamente complexo que € uma lingua. ‘A linguagem responde a uma necessidade natural da espécie humana, a de ‘comunicar-se. No entanto, ao contririo da necessidade de comer, dormir, respirar, 14. Unguieica? Que & iso? manter relagdes sexuais, etc., ela nao se manifesta de maneira natural. Ela deve ser aprendida. No caso da linguagem verbal, ela deve ser aprendida sob a forma ‘de uma lingua, a fim de se manifestar por meio de atos de fala, A lingua ¢ um sistema de signos especificos aos membros de dada comunidad A aptidao para a linguagem é um trago genético, Sua realizagiio, no entanto, passa por um aprendizado, que é do dominio cultural, como testemunham os ‘casos das criangas selvagens, cuja capacidade de linguagem nao se desenvolveu. s sentidos podem manifestar-se de diversas maneiras: por meio de sons, lagens, como na pintura, por como no caso da linguagem verbal, por meio de meio de gestos, como nas linguas de sinais utilizadas pelos surdos. Temos lin- ‘guagens néo mistas, cujos significados se manifestam apenas de uma maneira: & escrita, a pintura, a escultura, a lingua de sinais; temos linguagens mistas, cujos significados se manifestam de diferentes maneiras, como o cinema, em que os sentidos sd veiculados pelos sons da linguagem verbal e da nvsiea, pelas imagens da linguagem visual, ete. Assim, podemos falar da linguagem como capacidade specifica da espécie humana de produzir sentidos, de se comunicar, mas também das linguagens como as diferentes manifestagdes dessa capacidade, Uma ordem de parar no transito pode concretizar-se por meio da palavra “pare” pronunciada por um guarda; por um sinal de um apito; pelo gesto de abrir a palma da mio em posigdo vertical; pela luz vermelha do semaforo. Sao diferentes linguagens que comunicam a mesma significagio, Hjelmslev, no primeiro capitulo de seu Prolegdmenos a uma teoria da lin- _guagem, escreve uma das mais belas paginas sobre o papel da linguagem na vida dos seres humans AA linguagem (...] ¢ uma inesgotavel riqueza de maltiplos valores. A linguagem é inseparavel do homem e segue-o em todos 0s seus atos. A linguagem € 0 instrumento gragas ao qual 0 homem modela seu pensamento, seus senti- mentos, suas emogdes, seus esforgos, sua vontade e seus ates, o instrumento gragas ao qual ele influencia e é influenciado, a base altima e mais profunda dda sociedade humana, Mas é também o recurso ultimo e indispensavel do homem, seu refiigio nas horas solitarias em que o espirito luta com a exis- téncia, e quando 0 contlito se resolve no mondlogo do poeta e na meditagao do pensador. Antes mesmo do primeiro despertar de nossa consciéncia, as palavras jé ressoavam a nossa volta, prontas para envolver os primeiros germ rdgeis de nosso pensamento e a nos acompanhar inseparavelmente através da vida, desde as mais humildes ocupagdes da vida cotidiana até os momentos, Alingvagem humane 15 mais sublimes e mais 4s lembrangas encarnadas pela linguagem, fora e calor. A linguagem nao tum simples acompanhante, mas sim um fio profundamente tecido na trama imos dos quais a vida de todos os dias retira, gragas do pensamento: para o individuo, ela € tesouro da memoria ¢ a consciéncia vigilante transmitida de pai para filho. Para o bem € para 0 mal, a fala é a rmarea da personalidade, da terra natal ¢ da nagio, 0 titulo de nobreza da humanidade. O desenvolvimento da linguagem esté to inextricavelmente ligado 0 da personalidade de cada individuo, da terra natal, da nagao, da humanidade, da prépria vida, que € possivel indagar-se se ela nfo passa de um simples reflexo ou se ela ndo é tudo isso: a propria fonte de desenvolvimento, dessas coisas. (1975: 1-2) Ha um provérbio popular que diz: “Palavra no quebra osso”, Esse ditado quer contrapor a palavra a agao, quer dizer que a ago é que conta, pois a lin- ‘guagem no tem nenhum poder. Um golpe, mas nao uma palavra, é que quebra ‘0850, Esse provérbio vé as coisas de maneira simplista. Vamos analisar para que serve a linguagem Fungées da linguagem Em primeiro lugar, a linguagem € uma maneira de perceber o mundo. “Este deve ser o bosque”, murmurou pensativamente [Alice], “onde as coisas nao tém nomes”.[..] la devaneando dessa maneira, quando chegou a entrada do bosque, que parecia muito imido e sombrio, “Bom, de qualquer modo é um all vio”, disse enquanto avangava em meio as arvores, “depois de tanto calor, entrar dentro do... dentra de qué?” Estava assombrada de nao poder lembrar o nome. “Bom, isto &, estar debaixo das... debaixo das... debaixo disso aqui, ora”, disse colocando a mao no tronco da drvore. “Como essa coisa se chama? E bem capaz de ndo ter nome nenhum...ora, com certeza nao tem mesmo!” Ficou calada durante um minuto, pensando. Entao, de repente, exclamou: ~ Ah, cent iss0 aeabou acontecendo! E agora quem sou cu? Eu quero me lembrar, se puder. (Carroll, 1980: 165-6) Esse texto, retirado do livro Através do espelho e 0 que Alice encontrow la, mostra que Alice, quando entra no bosque em que as coisas ndo tem nome, & incapaz de aprender a realidade em torno dela, de saber 0 que as coisas sto. 1830 significa que as coisas do mundo exterior s6 tém existéncia para os homens quando 16 Unguistia? Que & isso? sto nomeadas. Quando fazemos essa afirmagdo nfo estamos querendo dizer que a realidade nao existe independentemente das pessoas ou que ela seja uma criagiio de sua mente, mas que s6 atentamos para as coisas por intermédio da linguagem. Em outras palavras, s6 pela linguagem 0 mundo ganha sentido para nos. Por outro lado, cada lingua é uma forma de interpretar a realidade, (0 segundo projeto era representado por um plano de abolir completamente todas as palavras, fossem elas quais fossem [...]. Em vista disso, propds-se que, sendo as palavras apenas nomes para as coisas, seria mais conveniente que todos os homens trouxessem consigo as coisas de que precisassem falar ao discorrer sobre determinado assunto [..].[...] muitos eruditose sabios aderiram ao novo plano de se expressarem por meio de coisas, cujo tnico inconveniente residia em que, se ‘um homem tivesse que falar sobre longos assuntos e de varia espécie, ver-se-ia obrigado, em proporgdo, a carregar nas costas um grande fardo de coisas, a menos de poder pagar um ou dois criados robustos para acompanhé-to |.) ‘Outra grande vantagem oferecida pela invengao consiste em que ela serviria de lingua universal, compreendida em todas as nagdes civilizadas, cujos utensilios ‘eobjetos sto geralmente da mesma espécie, ou to parecidos que o seu emprego pode ser facilmente percebido. (Swift, 1998: 194-5) Esse trecho do livro Viagens de Gulliver narra uma invengao dos sébios de Balnibarbi. Eles propdem substituir as palavras, que, segundo eles, tém o incon- veniente de variar de lingua para lingua, pelas coisas. Quando alguém quisesse falar de uma cadeira, mostraria uma cadeira; quem desejasse discorrer sobre uma bolsa apresentaria uma bolsa e assim sucessivamente. A hist6ria narrada por Swift € uma ironia as concepedes vulgares que imaginam que a compreenso da realidade independe da lingua que a nomeia, que pensam que as palavras so etiquetas que se aplicam a coisas classificadas independentemente da linguagem. A lingua & uma forma de categorizar 0 mundo, de interpreti-lo. ‘Aimpossibilidade de o sistema imaginado pelos sibios de Balnibarbi funcionar nao € 0 inconveniente pratico de que cada um teria que carregar muitos objetos, se fosse falar de muita coisa, As coisas nao podem substituir as palavras, porque a lingua no é apenas um sistema de mostragdo de objetos. As coisas nao desig- nam tudo 0 que uma lingua pode expressar. Mostrar um objeto no indica, por exemplo, sua pertenga a uma dada classe. No Iéxico de uma lingua, agrupamos os nomes em classes. Maga, pera, banana ¢ laranja pertencem a classe das frutas Ao se exibir qualquer fruta, nao se pode exprimir a ideia da classe frura. Nao se Alingvagem humana 17 poderiam expressar ideias mais gerais, apresentando objetos. Nao produzimos palavras apenas para designar as coisas, mas para estabelecer relagdes entre elas © comenti-las, Mostrar um objeto nao exprime as categorias de quantidade, de zénero, de posse, nao permite indicar sua localizagao no espago, ete. A lingua no € um sistema de mostragdo de objetos, porque permite falar do que esta presente do que esta ausente, do que existe € do que niio existe, porque possibilita até criar novas realidades, mundos no existentes. uuagem ¢ uma atividade simbélica, 0 que significa que as palavras eriam cconceitos ¢ eles ordenam a realidade, categorizam o mundo, Por exemple, eri mos o coneeito de nascer do sol. Sabemos que, do ponto de vista cientifieo, nao existe nascer do sol, uma vez que é a Terra que gira em tomo do Sol. Contudo, criado pela linguagem, determina uma realidade que nos encanta idade sso, cria-se uma nova palavra esse conceito, 1 todos. Apagar 0 que foi escrito no computador ¢ visto como uma al diferente de apagar o que foi escrito a lapis. Por para denominar essa nova realidade, deletar, que & considerada diferente de apa- gar. Afinal, 0 instrumento desta ago & uma borracha, enquanto se deleta, com um clique, um texto selecionado. No entanto, se esses voedbulos distintos nao cexistissem, nfo perceberiamos a atividade de escrever no computador como uma ago diferente daquela de escrever & maquina, Uma nova realidade, uma nova invengaio, uma nova ideia exigem novas palavras, € so 0s novos termos que lhes conferem existéncia para toda a comunidade de falantes. ‘As palavras formam um sistema independente das coisas nomeadas por elas, ‘6 que quer dizer que cada lingua pode ordenar 0 mundo de maneira diversa, ‘exprimir diferentes modos de ver a realidade, Nao ha uma homologia entre a ‘ordem da lingua ¢ a ordem do mundo. O inglés, por exemplo, tem duas palavras, finger e toe, para expressar aquilo que denominamos dedo. A primeira significa © dedo da mao; a segunda, o do pé. [sso quer dizer que, para nds, as extremida- des das maos ou dos pés constituem a mesma parte do corpo. Para os falantes de inglés, so duas coisas muito distintas. O inglés tem dois termos, pig e pork, para designar 0 que chamamos porco. O primeiro denota o animal vivo, 0 segundo refere-se ao alimento preparado com a care do suino. Em portugués, dizemos Havia muitos porcos no chiqueiro € O tempero do porco ficou no ponto certo. Em inglés, no primeiro caso, usa-se pig , no segundo, pork. A mesma realidade iferentemente em inglés € em portugués. Naquel © animal & € categorizada © alimento feito com a carne do animal sio vistos como duas coisas distintas. 18 Linguistica? ave ¢ sso? Neste, porco indica uma tnica coisa, seja vivo, seja morto ¢ preparado para ser zr -se um sapato ou uma ‘consumido, Em portugués, veste-se uma roupa, mas c uva. Em inglés, nos dois casos, usa-se fo wear. [sso significa que a lingua é uma maneira de recortar a realidade, de ordenar o mundo, de categorizar as coisas, as agdes, 0s sentimentos, ete. Por essa razao, a linguazem modela nossa maneira de perceber e de ordenar a realidade, Vamos explicar melhor o que significa dizer que a linguagem interpreta 0 mundo, Um tomate ¢ uma fruta ou um legume? Do ponto de vista botinico, & uma fruta, No entanto, na feira, 0 tomate esti entre os legumes, Nenhum ser do mundo pertence a uma determinada categoria preexistente a linguagem. A lingua nao é uma nomenclatura que se aplica a uma realidade ja categorizada Ela é um meio de categorizar o mundo, Ela cria categorias ¢ poe nelas 0s seres. Isso nao ocorre somente com os seres coneretos. Também acontece com as ages, 08 processos, etc, Imaginemos que uma pessoa mate outra, Essa ago pode ser categorizada como assassinato, quando alguém tira a vida de outrem por vinganga; como acidente, quando alguém esti manuseando uma arma € policial cla dispara e mata alguém; como cumprimento do dever, quando u mata um sequestrador que se preparava para atirar na vitima; como um ato de heroismo, quando 0 soldado mata o inimigo no campo de batalha; como perda temporéria da razo, quando alguém por uma forte emogao mata uma pessoa. Essa categorizagao determina nossas atitudes; prendemos 0 assassino, perdoamos quem foi vitima das circunstincias; elogiamos o policial que matou © sequestrador; damos uma medalha ao herdi, Mas a lingua nao é s6 0 instrumento pelo qual percebemos 0 mundo, ndo é apenas uma forma de interpretar a realidade.’ A lingua ¢ também o meio pelo qual interagimos socialmente, No texto que segue, temos uma reprodugio feita pela revista Veja de um diilogo travado entre Francisco de Paula Medeiros, a epoca diretor de produgio da Petrobras, ¢ alguns reporteres. Pergunta ~ Qual ¢ a finalidade de sua visita a Aracaju? Resposta ~ Que pergunta besta. Rotina P— Que poderia informar sobre a implantago da unidade de aménia ¢ ureia em Sergipe? R—Nao é da minha dea P—Quais as perspectivas de aumento da produgdo petrolifera no Estado? R— Nao sou computador. Alingvagem humane 19 P— Qual o montante de investimentos que a Petrobras aplicara este ano em Sergipe?” R — Nao posso ter na cabeea, P—Qual a atual produgdo de Sergipe em terra e no mar’? R— Voeés ndo sabem isso? Vocés entendem de metros eubicos? P- Foram localizadas novas jazidas de wis natural? R~Giléncio), (16 de janeiro de 1977: 12) Na interagdo entre 0 diretor da Petrobras e os jomnalistas, os repérteres nao obtiveram nenhuma informagao. O engenheiro da Petrobras transmitiu uma imagem antipatica e prepotente, a ideia de que ele tem total desprezo pela imprensa Diz-se que a fungao principal da linguagem é comunicar, No entanto, ha duas questdes que devem ser pensadas. De um lado, comunicar nao é s6 transmitir informagées, pois as pessoas se comunicam até para niio dizer nada, De outro lado, comunicar nao € um ato unilateral, mas € um jogo em que um parceiro da comunicagio age sobre o outro. A comunicagao é, antes de qualquer coisa, relacionamento, interagao. Por isso, a linguagem é um meio de agao reciproc € um meio de imteragir com os outros, é um lugar de confrontagdes, de acordos, de negociagoes. Na interago, usamos a linguagem com diferentes fungdes. AA linguagem serve para informar. Essa fungao é denominada informativa ou referencial. © Conselho Regional de Medicina (Cremerj) proibiu a participagdo de médicos em partos domiciliares e nas equipes de sobreaviso, que Ficam de plantio para 0 ceaso de alguma complicagao (0 Estado de S: Palo, 24 de julho de 2012, 410) Com a linguagem, armazenamos conhecimentos na memoria, transmitimos ‘esses conhecimentos a outras pessoas, ficamos sabendo de experiéneias bem- sucedidas, somos prevenidos contra as tentativas malsucedidas de fazer alguma coisa. Gragas a linguagem, um ser humano recebe de outra pessoa conhecimentos, aperfeigoa-os e transmite-os, ‘A fungao informativa da linguagem tem uma importancia central na vida das pessoas, consideradas individualmente ou como grupo social. Para cada indiv 20 Linguistica? Que & iss0? ara 0 grupo social, possibilita o duo, ela permite conhecer © mund. de conheeimentos e a transferéncia de experiéncias. Por meio dessa fungio, a linguagem modela o intelecto. Ea fungo informativa que permite que o trabalho conjunto se di COperar bem essa fungao da linguagem possibilita que cada individu continue nvolva, sempre a aprender. Alem de prestar-se a fungio informativa, a linguagem serve para influenciar ¢ ser influenciado. E a chamada fungao conativa da linguagem. ‘Vem pra Caixa voce também. Essa frase fazia parte de uma campanha destinada a aumentar 0 nimero de correntistas da Caixa Econ6mica Federal. Para persuadir as pessoas a tormarem-se clientes da Caixa, usa-se um convite expresso numa linguagem bastante cologuial Por exemplo, emprega-se a forma vem, forma de segunda pessoa do imperativo, em lugar de venha, forma de terceira pessoa, que, na norma culta, deveria ser utilizada quando se usa voce, Com a linguagem, levam-se os outros a fazer determinadas coisas, a crer em determinadas ideias, a sentir determinadas emogdes, a ter determinados estados de alma (amor, desprezo, desdém, raiva, etc.). Por isso, pode-se dizer que ela ‘modela sentimentos, emogdes, paixdes [Nao se leva as pessoas a fazer certas coisas, apenas com a ordem, 0 pedido, siiplica, Ha textos, como o publicitario, que nos influenciam de maneira bastante sutil, com tentagdes € sedugdes, dizendo-nos como seremos bem-sucedidos, atraentes, charmosos, se usarmos determinadas marcas, se consumirmos certos produtos. A provocagao e a ameaga, que sao expressas pela linguagem, também servem para levar alguém a fazer alguma coisa. A linguagem alivia as dores, consola os aflitos, apazigua a célera, aumenta a coragem e assim por diante A linguagem nao se destina apenasa informar ea influenciar, ela serve também para expressar a subjetividade. E a denominada fungao emotiva da linguagem. Eu sem voce Sou s6 desamor [Um barco sem mar ‘Um canto sem flor Tristeza que vai Tristeza que vem Sem voeé, meu amor, Eu nfo sou ninguém (Haden Powell e Vinicius de Moraes. Samba em preldis. Universal, 1963) Nesse trecho, quem fala esta exprimindo seus sentimentos por causa de um rompimento amoroso. Com palavras, objetivamos © expressamos nossos sen- timentos ¢ nossas emoydes. Exprimimos a revolta ¢ a alegria, sentimento amoroso € explodimos de raiva, manifestamos desespero, desdém, expressamos 0 desprezo, admiragdo, dor, tristeza, Inimeras vezes, contamos coisas que fizemos, para afirmarmo-nos perante o grupo, para mostrar nossa valentia ou nossa er digo, nossa eapacidade intelectual ou nossa competéncia na conquista amorosa, ‘Quando falamos ou eserevemos, transmitimos uma imagem nossa, por meio do tipo de linguagem que usamos, do tom de voz que empregamos, ete Com a linguagem, objetivamos os fendmenos subjetivos, exteriorizamos 0 que estava dentro de nds, libertamo-nos de emogdes penosas. Mas a linguagem nao se presta somente a informar, a influenciar, a exprimir fas emogdes ¢ 0s sentimentos. Na cangao “Sinal fechado”, Paulinho da Viola ex- plora o tema dos encontros apressados entre velhos amigos que nio se veem hi ‘muito tempo e so obrigados a conversar, sem ter muito que dizer um ao outro: Olé, como vai? vou indo, e vocé tudo bem? Tudo bem, eu vou indo, correndo, pegar meu lugar no futuro. E voce? ‘Tudo bem, eu vou indo em busca de um sono tranquilo, quem sabe? ‘Quanto tempo. Pois €, quanto tempo, {Paulinho da Viola, Sinal fechaulo Philips, 1978) Nese caso, a linguagem esti sendo usada na fungao fitica, isto é, aquela que serve para criar lagos entre as pessoas e manté-los. Quando estamos num grupo de pessoas, numa festa, por exemplo, nao € cortés manter-nos em siléncio, olhando uns para os outros. Nessas ocasides, a conversagao & obrigatéria, porque o siléneio poderia parecer hostil. Por isso, 22 Linguistica? Que ¢ i507 ‘quando niio se tem assunto, fala-se do tempo, repetem-se historias que todos conhecem, contam-se anedotas que todos esto cansados de saber. A linguagem, esse caso, tem como jinica fungao manter os lacos sociais. Quando encontramos alguém e Ihe dizemos Tudo bem?, nao se quer, de fato, saber se ele est bem, se esti doente, se est com problemas. A formula é uma maneira de estabelever um vineulo social (0s hinos, como, por exemplo, o hino nacional ou os hinos dos clubes de futebol, tém a fungao de criar um vinculo entre os habitantes de um pais ou entre os torcedores. Nao importa que as pessoas nao entendam bem o signi- ficado da letra do hino nacional, pois ele nao tem uma fungao informativa, O que tem importincia é que, ao canti-lo, sentimo-nos participantes da comu- nidade de brasileiros. ‘A linguagem nao se destina somente a informar, a influenciar, a exprimir emogies e sentimentos, a criar ou manter lagos sociais, mas ela serve também ir para falar sobre a propria linguagem, como neste trecho a seg Papai, que ¢ plebiscito? [..] — Plebiscito ¢ uma lei decretada pelo povo romano, estabelecide em comicios (ln: Gongalves, 2006, 148-50) Esse pequeno trecho foi retirado do conto “O plebiscito”, de Artur Azevedo, em que se satiriza a imagem do pai sabe-tudo. O filho pergunta-lhe 0 que ¢ ple biscito e, como ele nao sabe endo quer confessar sua ignorancia, esbraveja que o filho deveria saber e que ele est perguntando s6 para testar seus conhecimentos, Depois de fazer uma cena, vai para o quarto onde ha um diciondrio. Mais tarde, volta para a sala e explica que plebiscito & um sistema de promulgagao de leis inventado pelos romanos, em que 0 povo Vota diretamente determinada proposi- ‘go, Nesse caso, pai e filho estavam usando a linguagem para explicar 0 sentido produzido pela propria linguagem, Quando dizemos frases como A palavra céio é um substantivo; E errado dizer “a gente viemos"; Estou usando 0 termo “diregiao" em dois sentidos; Nao é mui- 10 elegante usar palavrdes, estamos falando nao de acontecimentos do mundo, ‘mas estamos tecendo comentarios sobre a pripria linguagem. Em outros termos, estamos usando palavras para referir-nos a palavras. Eo que se chama fungao metalinguistica. A atividade metalinguistica ¢ insepardvel da fala, Mesmo quando Allingvogem humane 23 falamos sobre 0 mundo exterior (0s acontecimentos, as coisas) € 0 mundo interior (os sentimentos, as sensagdes, etc), intercalamos comentarios sobrea nossa fala e dos outros. Quando dizemos, por exemplo, Desculpe a grosseria da expressao, estamos comentando 0 que dissemos, estamos dizendo que no temos o habito de dizer uma coisa tao vulgar como a que estamos enunciando. Todos os estudos. sobre a linguagem so metalinguisticos. A gramatica é, assim, a linguagem em fungiio metalinguistica As artes sfo linguagens e, portanto, quando elas falam da propria arte, temos. também metalinguagem. A poesia que trata da poesia & uma metapoesia, 0 teatro que trata do teatro é um metateatro; o cinema que trata do cinema ¢ um metaci- nema e assim por diante, ‘Vejamos dois exemplos de metapoesia, O primeito & © poema “Autopsico- rafia”, de Femando Pessoa, em que o poeta discute 0 problema do sentimento exposto no poem; o segundo é um soneto de Cruz e Sousa, em que 0 poeta co- menta a elaboragao de um soneto, destacando sua forma tradicional (os quartetos © 08 tervetos) ¢ os recursos poéticos (a rima, por exemplo).. © poeta é um fingidor. Finge to completamente Que ehega a fingir que & dor A dor que deveras sente E 0s que leem o que esereve, [Na dor lida sentem bem, [No as duas que ele teve, Mas s6 a que eles nao tém. E assim nas calhas de roda Gira, a entreter razio, Esse comboio de corda ‘Que se chama coragao. (4997: 176) Nas formas voluptuosas 0 Soneto Tem fascinante, cilida fragranci Eas leves, langues curvas da elegancia De extravagante e mérbido esqueleto, A graga nobre e grave do quarteto Recebe a original intolerancia, ‘Toda a sutil, secreta extravagancia Que transborda terceto por terceto, E como um singular polichinelo ‘Ondula, ondeia, curioso ¢ belo, Soneto, nas formas caprichosas. [AS rimas dio-Ihe a pirpura vetusta E na mais rara procissdo augusta ‘Surge o sonho das almas dolorosas. (1965: 190-1) Dois exemplos de metamiisica so os eldssicos “Samba de uma nota so” € “Desafinado”, ambos de Tom Jobim e Newton Mendonga. Tivemos, no Brasil até mesmo uma metanovela de televisdio: a novela Espetho magico, de Lauro (César Muniz, apresentada, nos anos 1970, na rede Globo. Nessa novela, havia ‘outra novela, que se chamava Coguetel de amor ¢ que era escrita por uma das uro César Muniz pretendia, ao personagens, um escritor de telenovelas. O que discutir o fazer novelistico, era mostrar todos os clichés de que uma novela é feta. Como ha dois niveis de linguagem, a linguagem-objeto e a metalinguagem, as artes falam do mundo e, assim, nos dao a conhecer os seres humanos, a Historia, etc. ¢ falam de si mesmas e, assim, nos revelam o proprio fazer antistico.. ‘A linguagem nd se presta apenas para informar, influenciar, expressar emo- ‘Ges € sentimentos, eriar e manter lagos sociais ¢ falar da prépria linguagem, ela 6 também lugar e fonte de prazer. Brincamos com as palavras. Os jogos com o sentido ¢ 0s sons so formas de tomar a linguagem um lugar de prazer. Divertimo-nos com eles, Manipulamos 0s vocabulos para deles extrair satisfagao. ‘Oswald de Andrade, em seu manifesto antropofiigico, diz. Tupi or not iupi. Trata-se de um jogo com a frase shakespeariana Zo he or not to be. Conta-se que Emilio de Menezes, quando soube que uma mulher muito gorda sentara-se no banco de um Gnibus e este quebrara, fez 0 seguinte trocadilho: £ a primeira vez que vejo um banco quebrar por excesso de fundos. A palavra banco esti usada em dois sentidos: “mével comprido para sentar-se” ¢ “casa baneiiria”. Também esti empregado em dois sentidos 0 termo fiundos: “nidegas” e “capital, dinheiro” Alingvagem humona 25 Verifica-se que a linguagem pode ser usada utilitiria ou esteticamente, No primeiro caso, ela€ utilizada para informar, para influenciar, para manter 0s lagos sociais, ce. No segundo, para produzir um efeito prazeroso de descoberta de sen- ia, importa mais o que se diz. tidos. Quando se usa a linguagem em fungdo util Em fungdo estética, o mais importante & 0 como se diz, pois o sentido também criado pelo ritmo, pelo arranjo dos sons, pela disposig&o das palavras, ete Na estrofe a seguir, retirada do poema “A cavalgada”, de Raimundo Correia, a sucesso de sons oclusivos, /p/,/. Kb, /d, /e/, sugere 0 patear dos eavalos: Eo bosque estala, move-se, estremece. Da cavalgada o estrépito que aumenta Perde-se apés no centro da montanha, Observe-se que a maior concentrago de sons oclusivos ocorre no segundo verso, quando se afirma que o barulho dos cavalos aumenta, Nos versos a seguir, do poema “Noite de S. Joao”, de Jorge de Lima, o poeta nao quer transmitir aos leitores nenhuma informagao sobre fogos de artficio, nem deseja leva-los a tomar cuidado com eles. O que ele quer de fato ¢ imitar, nas palavras, 0 ruido que eles fazem, para descrever seu espetdculo nos céus. Dai a quantidade de sons sibilantes (s/z) ou chiantes (expressos na escrita por digrafo ch e pela letra x), que imitam 0 sibilo e o chiado dos fogos, ea onomatopeia ich - bum. O delegado proibiu bombas, foguetes, busearpés Chamalotes checoslovacos enchem 0 chao de chamas rubras Chagas de enxofre chinesas chiam choram cheiram ‘numa nuvem de chispas, chispas de todos os tons listas de todas as cores eno fim sempre um Tehi- bum! (4997: 218) 26 Linguistica? Que 6 i507 A linguagem nao se presta somente para perceber 0 mundo, para categorizar arealidade, para propiciar a interagao social, para informar, para influenciar, para exprimir sentimentos € emogGes, para criar e manter lagos socials, para falar da propria linguagem, para ser fonte e lugar de prazer, mas serve também para esta- belecer uma identidade social ~ Te abanca, indio velho, que ta incluido no prego. ~ Ai-diz.o paciente. ~ Toma um mate? — Ninaio - geme o paciente, = Respira fundo, tché, Enche o bucho que passa ( paciente respira fundo. O analista de Bagé pergunta — Agora, qual é 0 causo? — _E depressao, doutor CO analista de Bagé tira uma palha de ts da orelha ¢ comega a enrolar um cigarvo, — Tote ouvindo — diz. ~ Euma coisa existencial, entende? = Continua, no mas, — Comego a pensar, assim, na finitude humana em contraste com o infinito césmico. Mas tu é mais complicado que receita de creme Assis Brasil E entio tenho conscincia do vario da existéncia, da desesperanga inerente ‘a condigao humana, E isso me angustia — Pos vamos dar um jeito nisso agorita baforada —O senhor vai curar a minha angistia? = Nao, vou mudar 6 mundo. Cortar 0 mal pela mandioca, ~ diz o analista de Bagé, com uma (Verissimo, 2004: 15-16) Luis Fernando Verissimo criou uma personagem, que se tomou um clissico do humor brasileiro, o analista de Bagé. O analista, embora nao seja nada ortodoxo na analise da alma humana, diz-se um freudiano “mais ortodoxo do que caixa de maisena”. Trata os problemas dos pacientes como quem amansa cavalo. E um gaiicho de uma franqueza rude, que considera bobaem todos os problemas sta é criada pela linguagem ¢ na linguagem. De psiquicos. A identidade do an tum lado, ele usa a variedade regional gaiicha em sua fala; tratamento com 0 pro- ome tu, concordando com a terceira pessoa; perda das semivogais em ditongos de palavras como pois e mais, que se tomiam pos € mas; léxico regional, como, Allingvagem humana 27 por exemplo, abanca, indio vetho, mate, tché. De outro, mostra sua franqueza rude: por exemplo, quando diz. que nao vai curar angiistia do paciente, mas vai mudar o mundo ou quando afirma que o paciente é mais complicado que receita de creme Assis Brasil (Oso de uma determinada variedade linguistica marca a incluso num dado grupo social e da uma identidade a seus membros. Aprendemos a distinguir as diversas variedades e, quando alguém comega a falar, sabemos se a pessoa é um gaticho, um carioca, um paulistae assim por diante. Sabemos que certas expresses pertencem a fala dos mais jovens; outras indicam que o falante tem mais idade. As variantes linguisticas conferem uma identidade ds pessoas, sejam elas pessoas do mundo real ou personagens, que sio pessoas de ficgao, Ridicularizar a variante usada por alguém é uma atitude muito agressiva, pois ‘estamos zombando do préprio ser das pessoas. Existe um julgamento social sobre as variantes: algumas silo consideradas elegantes ¢ outras, feias. Do estrito ponto de vista linguistico, nao existem formas feias ou bonitas, pois elas se equivalem. Escarnecer de alguém, por causa da variante linguistica utilizada, ¢ mostra de preconceito, de dificuldade de conviver com as diferengas. As recorréncias de tragos linguisticos da expresso (por exemplo, ritmos, rimas) e do contetido (por exemplo, selecao lexical, construgao de personagens), isto é, 0 estilo, criam uma imagem do falante. Paulo Mendes Campos tem uma cerénica, em que mostra que um mesmo fato pode ser narrado de diferentes pon tos de vista, empregando diferentes estilos. O fato € 0 sewuinte: “o corpo de um homem de quarenta anos presumiveis & encontrado de madrugada pelo vigia de uma construgao, a margem da Lagoa Rodrigo de Freitas, no existindo sinais de morte violenta”. Observe-se um dos estilos: Estilo reacionstio (Os moradores da Lagoa Rodrigo de Freitas tiveram na manha de hoje o profundo desagrado de deparar com o cadaver de um vagabundo que foi logo escolher para morrer (de bébado) um dos bairros mais elegantes desta cidade, como se ja ndo bastasse para enfear aquele local uma sérdida favela que nos envergonha aos olhos dos americanos que nos visitam ou que nos dao a honra de residir no Rio. (1979: 32) (© mesmo fato, contado por um reaciondrio ou por um progressista, € muito diferente. Dizer 0 corpo ficou dx margens da Lagoa é muito diferente de dizer 0 2B Linguistica? Que 618507 corpo ficowall entregue as moscas que pululam naguele perigoso foco de epidemic dizer corpo de um homem ¢ distinto de cadkiver de um vagabundo. A linguagem cria a imagem de um reacionario ou de um opositor aos governantes. E preciso muito cuidado para nio rotular alguém disso ou daquilo, pois a identidade é movel, nao ¢ fixa. Uma pessoa ora & reacionéria, ora & progressista; ora mostra-se durona; ora sensivel. Por outro lado, ela pode simular uma imagem {que quer transmitir a seus interlocutores. Por isso, ¢ frequente encontrar pessoas ‘que mudam o que dizem conforme © meio em que estao. A linguagem nao se destina apenas a perceber o mundo, a categorizar a realida- de, a servir de instrumento de interago social, a informer, a influenciar, a exprimir sentimentos e emogGes, a criar ea manter lagos sociais, a falar da prépria linguagem, a ser fonte ¢ lugar de prazer, a forjar uma identidade para o falante, mas € também uma forma de agai. a) Depois da chuva, apareceu um bonito arco-iis b) Pego desculpas por ter chegado atrasado, A primeira frase fala de um evento do mundo, 0 aparecimento de um. arco-iris depois da chuva. Pode, por isso, ser submetida a prova da verdade. © acontecimento mostrado por ela pode estar ou ndo de acordo com o que acontece no mundo. Se, de fato, apareceu um arco-iris depois da chuva, a frase € verdadeira. Em caso contrério, é falsa, Jé a segunda frase nao relata Portanto, ela um evento do mundo, ¢ a realizagio do ato de pedir desculpas, no pode ser submetida a prova da verdade, pois, quando alguém pede des- culpas, no se pergunta se o ato verdadeiro ou falso. A pessoa esti, de fato, pedindo desculpas. O ato pode ter sucesso ou nao. Sé teri sucesso se forem observadas certas condigdes: por exemplo, a pessoa que pede desculpas deve ser a mesma que ofendeu alguém, porque um pedido de desculpas feito por uma terceira pessoa ndo vale. Na lingua, temos enunciados que servem para fazer uma constatagio a res peito dos eventos ou dos estados do mundo € temos outros que sao a realizagio de um ato, Isso quer dizer que a linguagem € também uma forma d . pois ha determinados atos que se realizam quando se diz um determinado enunciado, Sao exemplos de atos que acontecem ao dizer: Ordeno que voce saiea daqui; Aposto dez reais como vocé néio consegue fazer isso; Declaro aberta a sessio. Alingvagem humana 29 Ardem acontece, quando alguém enuncia ordeno; a aposta efetiva- - quando alguém declara aposto: a sesso se abre, quando alguém diz declaro aberta a sesso. Esses atos se realizam de muitas formas: uma ordem se di também quando se usa um imperativo (por exemplo, Saia dagui), um pedido efetua-se quando se diz, por exemplo, Uma esmola pelo amor de Dews. Muitas vezes, e de maneira indireta, Por exemplo, se alguém esses atos efetivam- 9 inverno, entra numa sala, cujas janelas estdo todas abertas, e diz. Esté muito frio aqui. ele nao estard constatando a temperatura ambiente, mas estard certamente pe- dindo que se fechem as janelas. © mesmo acontece quando a mie diz ao Fillo Seu quarto esté: uma bagunca. Nesse caso, ela nao estard constatando o estado de arrumagao do quarto, mas ordenando que ele seja arrumado. © falante tem uma grande capacidade de compreender esses atos de fala indiretos: se alguém pergunta Vocé sabe onde fica a estagdo?, nao esta solicitando que o outro diga se sabe ou nao a localizagao desse lugar, mas esté pedindo que Ihe seja expli cado onde se localiza. Seria muito estranho que diante de tal pergunta a pessoa respondesse apenas Sei Além dos atos que se realizam ao dizer, ha outra forma de agir no mundo pela linguagem. Sio 0s atos produzidos nao ao dizer, mas em consequéneia do dizer. Cecilia Meireles mostra isso no belo poema “Romance das palavras aéreas”, de que vamos reproduzir alguns versos Ai, palavras, ai, palavras, Que estranha poténcia a vossa! ‘Todo sentido da vida principia a vossa porta ‘o mel do amor cristaliza ‘seu perfume em vossa rosa; sois 0 sonho e sois a audacia, calinia, ftria, derrota, A liberdade das almas, ai, com letras se elabora, E dos venenos humanos sois a mais fina retorta [..] Reis, impérios, povos, tempos, elo vosso impulso rodam (1.985: 493) 80. Linguistica? Que isso? A poeta vai, nesse poema, falar do poder da palavra, Ela serve para o bem € para o mal, isto é, as consequéncias que ela produz sao positivas ou negativas, Com a palavra, declaramos amor; com ela, caluniamos e, assim, destruimos 0 ; com ela seduzimos e fazemos que outro; com ela, mostramos nossa audaci: 6 outro se enamore de nés; com ela, ampliamos nossa mente e, assim, liberta- mos nossa alma; com ela, magoamos, espezinhamos, humilhamos e, por isso, eebemos novos ela é a mais fina retorta dos venenos humanos; com ela, con novas utopias ¢, por isso, derrubamos a tir com ela, sonhamos em construit mos €, Fojetos soci ia; alteramos os proj sistemas politicos, criamos novos tempos uma nova vida; com ela, fazemos planos; com ela, elogiamos ¢ apoii im, incitamos os outros a seguir em frente; com ela, corrigimos; com el Jer em consequéncia daquilo que dizemos ass repreendemos. O que podemos fe € ilimitado, A linguagem é uma forma de o homem agir no mundo, porque ha agdes que se realizam ao dizer ¢ ages que ocorrem em consequéncia do que se diz, A linguagem nao se presta apenas para perceber mundo, para categorizar a realidade, para realizar interagdes, para informar, para influenciar, para exprimir sentimentos e emogdes, para criar e manter lagos sociais, para falar da propria linguagem, para ser lugar e fonte de prazer, para estabelecer identidades, para agir ‘no mundo, mas também para criar novas realidades: A menina apareceu gravida de um gavido. Velo falou para a mae: © gavitio me desmogou A mie disse: Vocé vai parir uma drvore para a gente comer goiaba nela. E comeram goiaba, Naquele tempo de dantes nao havia limites para ser. ‘Se a gente encostava em ser ave ganhava 0 poder de algar Sea gente falasse a partir de um eérrego a gente pegava murmirios, Nao havia comportamento de estar. Urubus conversavam sobre auroras, Pessoas viravam drvore. Pedras viravam rouxindis. Depois veio a ordem das coisas e as pedras Alingvagem humana 31 tém que rolar seu destino de pedra para o resto dos tempos, 'S6 as palavras nfo foram eastigadas com ‘a ordem natural das coisas, AAs palavras continuam com seus deslimites. (Barros, 1998: 77) O poeta Manoel de Barros fala do tempo em que as coisas nfo tinham limites Nele, tudo podia acontecer: urubus conversavam sobre auroras, pessoas viravam Jrvores, pedras se transformavam em rouxindis e assim por diante, O poeta mostra acontecimentos impossiveis, como a mie dizera filha que ela iria parir uma arvore para que comessem goiaba nela e isso acomtecer (“e comeram goiaba”) ou alguém desejar (= encostar em ser) ser ave € ganhar 0 poder de algar vo, para revelar que ndo havia limites para os acontecimentos, Depois, veio a ordem natural das, coisas e as pedras tém que rolar seu destino de pedra para o resto dos tempos, isto é, cada coisa tem uma fungo no mundo. No entanto, as palavras nao foram castigadas com essa ordem natural, elas continuam, segundo 0 poeta, com seus deslimites. Nesse belo poema, © que o poeta nos mostra é que as palavras, ou seja, a linguagem, nao so um decalque do mundo, nao se limitam a reproduzir a ordem natural das coisas, mas so um instrumento com que os homens podem ccriar as realidades que bem entenderem. Esse poder criador da linguagem esté presente nas narrativas religiosas. Na Biblia, conta-se que Deus eria o mundo pela linguagem: “Deus disse: Faga-se a luz, Ea luz foi feita” (Genese, 1,3). ‘A linguagem nao fala apenas daquilo que existe, fala do que nunca existiv Com ela, imaginamos novos mundos, outras realidades. Essa é a grande fungio da arte, que é um modo de organizagaio da linguayem: mostrar que outras manei- ras de ser so possiveis, que outros universos podem existit. O famoso filme de Woody Allen 4 rosa piirpura do Cairo mostra isso de maneira bem expressiva, Nee, conta-se a historia de uma mulher, que tinha um cotidiano muito sofrido que era maltratada pelo marido. Por isso, ela refuugia-se no cinema, assistindo a filmes de amor, onde a vida é glamorosa. Um dia, 0 gala sai da tela ¢ eles vao viver juntos uma série de aventuras, Nessa outra realidade, os homens sao gentis, a vida niio é monétona, © amor nunca diminui e assim por diante Uma fungao importante da linguagem é seu poder de eriar realidades, que revelam 08 anseios, os temores, as expectativas do homem da época em que foram criadas. O homem pode criar uma realidade futura, como em muitos fil- 32. Linguistica? Que i302 mes de ficedo cientifica, em que a terra é um lugar sombrio, poluido, dominado por gangues que impdem a lei do mais forte (veja, por exemplo, o filme Duna) Isso revela a angustia com a destrui¢ao do meio ambiente € com a quebra das normas sociais. Pode construir realidades em que os computadores dominam os homens (veja, por exemplo, o filme 200/, uma odisseia no espago), 0 que ‘mostra a angistia diante das aceleradas mudangas produzidas pelas novas tecno- Jogias. Também o homem pode idealizar 0 passado. Criar novos espagos, como. a Terra Média, que aparece no Senhor dos Anéis, de Tolkien; a Ilha dos Amores, ‘onde os navegantes portugueses, segundo a epopeia Os Lusiadas, de Camoes, encontram muitos prazeres e descansam depois das fadigas da expedigao de Vasco da Gama, Criam-se com a linguagem personagens, que nos ensinam a conhecer melhor os seres humanos: por exemplo, Dona Flor, de Dona Flor e seus dois maridos, de Jorge Amado, que mostra o desejo dos seres humanos de cont iar o trabalho € 0 prazer, pois © primeiro marido € Vadinho, o sujeito folgazdo, que representa o principio do prazer, enquanto 0 segundo, Teodoro, & ‘um homem metédico, que é # imagem do trabalho. A linguagem permite eriar as realidades que quisermos, pois ela nao esta submetida, como nos diz Manoel de Barros, aos limites da ordem natural das coisas. Ela da ao homem 0 poder considerado divino de eriar universos. Depois de analisar todas as fungies da linguagem, compreende-se por que ela 6 onipresente, Sem ela, ndo se pode estruturar © mundo do trabalho, pois ¢ ela que permite a cooperagao entre os homens € a troca de informagSes ¢ de experiéneias. Sem ela, © homem nao pode conhecer-se nem conhecer o mundo. Sem ela, nao se exerce a cidadania, porque os eleitores no podem influenciar 0 governo. Sem cla nao se pode aprender, sem ela no se podem expressar os sentimentos, sem ela no se podem imaginar outras realidades, sem ela nao se constroem as utopias € os sonhos. Sem ela... Sem ela... Sem ela. A reflexdo sobre a linguagem Por esse papel tao importante & que sempre “a linguagem cativou o homem enquanto objeto de deslumbramento € de descrigiio na poesia ¢ na ciéncia” (Hjelmslev, 1975: 1-2). Se ela esta presente em todas as atividades humanas, se & constitutiva do estar do homem no mundo, conhecer a linguagem & con! Allingvagem humane 33 © homem. Nos primérdios da marcha do homem sobre a Terra, os mitos tentam \2uas, cexplicar as origens da linguagem e a diversidade das li No Génese, vé-se que a linguagem ¢ um atributo da divindade, pois o Criador dela se vale, quando realiza sua obra. No primeito relato da criagdio, Deus cria 0 mundo fi lando. No inicio, néo havia nada. Depois, ha 0 eaos, No principio, criou Deus 0 céu ea terra. A terra, contudo, estava vazia ¢ vaga e as trevas cobriam o abismo ¢ 0 Espirito de Deus pairava sobre as aguas. (I, 1-2) A passagem do caos a ordem (~ cosmo) faz-se por meio de um ato de lingua gem. E esta que da sentido ao mundo. O poder criador da divindade é exercido pela linguagem, que tem, no mito, um poder iloeucional, ja que nela ¢ por ela se ordena o mundo. Deus disse: Faga-se a luz, Ea luz foi feita, E viu Deus que a luz era boa: e separou ‘a luz eas trevas. Deus chamou a luz diae as trevas noite; fez-se uma tarde e uma ‘mana, primeiro dia, (i 3S) Até 0 quinto dia, o Senhor vai criando linguisticamente o mundo, No sexto, depois de fazer os animais da terra, cria 0 homem Fagamos 0 homem a nossa imagem e semelhanga; ¢ que ele domine os peixes do mar, ¢ as aves do céu, e os animais da terra, € todo réptil, que se move na terra, E Deus criou o homem a sua imagem: & imagem de Deus criou-o, macho e fémea eriou-os. (1, 26-7) Mas ha, no primeiro livro da Biblia, uma segunda narrativa da eriagdo, 0 ho- mem é feito de barro, portanto, nao mais com a linguagem, mas com o trabalho das mios: Entio, 0 Senhor Deus modelou homem com o barro da terra, e soprousthe no rosto 0 sopro da vida, ¢ 0 homem tornou-se um ser vivo. (ii, 7) ‘O mito mostra que as duas categorias fundadoras do cosmo, do sentido, so a linguagem (primeiro relato da criag0) e o trabalho (segunda niarrativa). Alias, nesta, nfo s6 o homem foi feito de barro, mas também os outros animais. O que diferencia aquele destes é que o homem é composto de dois principios distintos: © barro da terra (corpo) eo sopro de Deus (alma). A mulher foi feita de uma cos- 34. Linguistica? Que ¢is0? tela de Adio. Quando o Criador leva a mulher ao homem, este realiza um ato de inguagem, um ato de denominagao. Depois,o Senhor Deus transformou acostea, que trara de Adio, numa mulher ¢ levoura para Adio Este disse: “Este € o osso de meus 05505, came de minha came: seré chamada mulher, porque foi tirada do homem”. & por isso que o ho ‘mem deixar seu pai e sua mie e se uni a sua mulher; ¢ eles serdo dois numa s6-camne. (1, 22-4) ‘A lingua admica é uma faculdade divina dada ao homem, para que ele, de- nominando cada uma das coisas criadas, apreenda o Universo. A proporgao que Ada descobre o mundo, denomina os seres, pois uma coisa s6 existe na medida em que tem um nome, ou seja, entra no universo da linguagem Disse também o Senhor Deus: Nao € bom que o homem esteja s6, fagamos-Ihe tum auxilio semelhante a ele, Tendo formado 0 Senhor Deus do barro todos os animais da terra e todas as aves do céu, levou-os para Adiio, para que visse como 1s chamaria; caca um deveria portar onome que Adao Ihe tivesse dado. E chamou ‘Adao por seus nomes todos os animals, e todas as aves do céu, ¢ todas as feras da terra, (1, 18-20) O episédio da torre de Babel explica o mistério da diversidade das linguas. Os homens pretenderam fazer uma torre que chegasse aos eéus. Deus foi cles faziam e nfo aceitou sua pretenso, Como castigo, provecou a confusdo das linguas, A diversidade linguistica ¢ vista, entio, como maldigao, como castigo a soberba dos homens, er 0 que Todos se serviam da mesma lingua e das mesmas palavras.(..] Disseram-se uns aos outros: Vinde, fagamos tijolos € cozamo-los no fogo. Os tijolos serviram- thes de pedra e 0 betume, de cimento, Disseram: Vinde, fagamos uma cidade € uma torre, cujo cume atinja o céu, Celebremos nosso nome antes que nos dispersemos por toda a tetra. Ora, Deus deseeu para ver a cidade e a torre que os fills de ‘Adao edificavam e disse: Bis que todos so um s6 povo e falam uma tinica lingua Comegaram a fazer isto e nto desist, até que tenham completado sua obra ‘Vamos, desgamos ¢ confundamos sua lingua, para que um nao entenda mais a vor do outro. (1, 18-9) No Novo Testamento, apares A narrativa conta que o Espirito Santo desceu sobre os apéstolos sob a forma ¢ 0 relato do chamado milagre de Pentecostes. Allingvagem humane 35 de linguas de fogo. [sso permitiu aos apdstolos seja falar todas as linguas de seus ouvintes, vindos de diferentes paises (“... € comegaram a falar em varias linguas”. Atos, 1, 4), seja serem compreendidos pelos ouvintes como se falassem a lingua de cada um (“porque cada um ouvia-os falar em sua propria lingua”). Espantavam-se todos e maravithavam-se, dizendo: Poracaso todos estes homens 4que fala no sao galileus? Como ouvimos cada um nossa lingua mater? Os Parts, © 0 Medas, ¢ 08 Elamitas, e os que habitam a Mesopotémia, a Judeia, 1 Capadéci, o Ponto ea Asia, a Frigia ea Panta, o Egito a pate da Libia, que & prixima de Cirene, e 0s Romanos que esto aqui também os Judeus € 05 Prosélitos, e os Cretenses e os Arabes: ouvimo-los falar em nossas linguas as maravilhas de Deus. (Atos, 11) Pode-se entender que os apstolos falavam numa espécie de “esperanto mistico”, numa lingua que reconstitui a lingua addmica (Yaguello, 1984; 31). Esse episédio ¢ muito importante, porque, se, com a morte de Cristo, os homens receberam a salvagio e, assim, tiveram a possibilidade de anular as maldigdes da primeira queda, com o milagre de Pentecostes, pOe-se um termo a maldigio da a.unidade, e, dessa forma, segunda queda: a diversidade das linguas opde-se aq © ciclo do mito completa-se, Observe-se a explicagao sobre a origem do mundo ¢ da linguagem dada por uma sociedade bem diversa: ‘Uma das grandes escolas de iniciagdo da savana sudanesa, 0 Komo, diz que a palavra (Kuma) era um atributo reservado a Deus, que por ela eriava as coisas: o que Maa Ngala (Deus) diz €”. No comego, s6 havia um vazio vivo, vivendo dda vida do Ser. Um que se chama a si mesmo Maa Ngala. Ento ele eriou Fan, ‘0 ovo primordial, que, nos seus nove compartimentos, alojava nove estados fundamentais da existéncia. Quando esse ovo abriu, as criaturas que dai sairam ‘eram mudas. Entio para se dar um interlocutor, Maa Nuala tirou uma parcela de ‘cada uma das eriaturas, misturou-as € por um sopro de Fogo que emanava dele ‘mesmo, constituiu um sera parte: © homem, ao qual deu uma parte de seu proprio nome (Maa). (Petter, 2002: 11) Os dois mitos expostos anteriormente, engendrados em sociedades muito di- ferentes, narram a origem da linguagem de maneira muito proxima: a linguagem € um atributo da divindade, que é concedido ao homem. Alias, o mito vai mais 36 Linguistica? Que ¢is0? longe. No inicio do Evangelho de Sio Joao, que serve de epigrafe a este texto, diz-se que a linguagem nao sé estava em Deus, mas ela era 0 préprio Deus. Mais tarde aparece a reflexao linguistica, que & feita pelos fildsofos. Por exemplo, Plato, no Crétilo, estuda o estatuto do nome, algo que nao &a propria coisa, Como instrumento e imagem, cle implica a natureza ¢ a convengao. Com isso, comega a delinear-se o problema da significagao. Se a linguagem conduz a alguma coisa fora de si, 0 nome & um signo e, portanto, pode-se analisar seu sig- nificado. Em Platio, 0 nome € 0 ldgos da coisa ¢ 0 discurso € 0 digas da relagao entre as coisas. Surge 0 problema da adequagdo entre a linguagem ¢ a realidade, No Cratilo, o nome tem uma relagao de semethanga com a coisa nomeada, 0 que implica certo grau de representagio. No Sofista, \lequagdo nao € buscada nos acordo existente entre as termos, mas em sua articulag#o, que € um reflexo do especies. Nesse légos discursivo, no ha convengao, pois a articulagao das partes da proposigdo revela a articulagdo das esséncias. A representagiio das esséncias, feita pelos nomes, permite certo grau le convengao, o que no acontece no dis- curso, pois a relagdio entre as espécies € natural e, por conseguinte, universal (Cf Neves, 2005) No periodo heleni lizagdo de uma disciplina gramatical, pois ele € marcado por um intenso plu- rilinguismo, ou seja, um confronto de linguas € culturas. Ora, esse ambiente ico, as condigdes historicas propiciam a instituciona- pluritingue, ao invés de produzir uma profunda mescla de cultura, intensifica © zelo de preservagio da lingua considerada mais pura e elevada, 0 grego. Exalta-se o ideal helénico contra os heirbaroi. Isso implica o exame atento dos fatos linguisticos, aqueles revelados pelo uso conereto da lingua, bem como 0 estabelecimento de padrdes normativos para a lingua que constitui, na visio helénica, o modelo mais elevado de analogia, 0 grego. O helenismo precisa ser difundido; a lingua grega, ensinada, para ser preservada da corrupgdo. O ensino de padrdes linguisticos implica o estabelecimento dos quadros da gramaitica, que & a exposigdo das analogias no Ambito das formas linguisticas. © modelo dessas formas so 0s autores clissicos. No entanto, € curioso o mundo dos conceitos. Assim como nas narrativas s6 existe 0 herdi porque ha o vilio, a analogia sé pode ser estabelecida, quando se tem em vista a anomalia, Ambas supdem-se € explicam-se. Ademais, a ideia de lingua comum (a koiné) esti na base da codi :stabelecem- cagiio das nogdes gramaticais e associa-se & nogdo de norma, quadros de flexdo como paradi as; mapeiam-se os desvios e as irregularidades Alingvogem humana 37 determinados pelo uso. Assim, esté inaugurada a disciplina gramatical, que tem por objeto a sistematizago dos fatos da lingua. A filosofia fornece-Ihe as bases tedricas. A lingua vai pouco a pouco sendo considerada auténoma: primeiro, da realidade; em seguida, das categorias do pensamento. Isso possibilita, nas eon~ digdes histéricas particulares do perfodo helenistico, o levantamento dos fatos coneretos do uso correto ¢ eficiente da lingua. E, a partir dai, 0 estabelecimento das classes de palavras e de suas flexes nao mais como suporte das categorias ulares de sua da logica, mas como uma realidade em si. Nas condigdes parti emergéncia, a gramética é normativa, Ela separa-se da filosofia, que fica sendo ‘© dominio dos conceitos, ja que a linguagem ¢ um dominio especitico, uma vez que ela no é uma imagem fiel das relagdes diakticas (Cf. Neves, 2005). ‘A gramitica foi o modelo de reflexao Linguistica durante toda a Antiguidade, a [dade Média ¢ parte da Idade Modema, Depois surge a filologia: Jéem Alexandria havia uma escola “filologica”, mas esse termo se vinculow ‘sobretudo ao movimento criado por Friedrich August Wolf a partir de 1777 e que prossegue até nossos dias. A lingua nao é o iinieo objeto da Filologia, que quer, ‘antes de tudo, fixar, interpretar, comentar os textos; esse estudo a leva a se ooupar também da historia literaria, dos costumes, das instituigaes, ete ; em toda parte usa seu método proprio, que é a critica, Se aborda questes linguisticas, fa-lo sobretudo para comparar textos de diversas épocas, determinar a lingua peculiar de cada autor, decifrar ¢ explicar inscrigSes redigidas numa lingua arcaica ou ‘obscura, (Saussure, 1969: 7-8) Mais modemamente constitui-se a Linguistica como ciéneia da linguagem. A Linguistica é uma ciéncia, porque ela, ao contririo da gramética, no se pre- tende normativa (nao tem por finalidade prescrever como se deve dizer), mas se {quer descritiva e explicativa (tem por objetivo dizer o que a lingua é e por que & co niio diz que uma reagao é certa ow errada, um nada espécie nio deveria existir ou que ela é feia, assim). Assim como um quim bidlogo nio declara que detern ‘um astrénomo nao classifica os corpos celestes em bons ¢ maus, ui linguista no condena certas maneiras de fatar, nao as declara inexistentes, no presereve como se deve falar, mas procura descrever e explicar as construgdes, as formas, Por exemplo, explicar por que aparece o chamado gerundismo, por que se usa 0 pronome dhe em fungiio de objeto direto em lugar dos pronomes que serviam para expressar essa fungdio sintitica, 0, @, 08, as

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