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DIRETOR PAULO DUARTE NESTE NUMERO: LUCIE MAZAURIC — R. TCHU- MI — AQUILINO RIBEIRO — ROGER BASTIDE — OTTO MARIA CARPEAUX’ — GUILHERME Fl GUEIREDO. — ANTONIO BRITO DA CUNHA = J. ADERALDO CASTELO — ORACY NOGUEIRA — PAULO MENDONGA — A. G. BRAGAGLIA — PAULO DUARTE 2 : OTTO MARIA CARPEAUX SITUAGOES EXISTENCIAIS A uns dois ou trés anos quase rebentou uma guer ra literdria entre a Franga ¢.a Italia, por moti- | vo de um artigo na “Gazette des Lettres”, no f qual Lucienne Jean-Darouy exumou um to- mance meio esquecido na Itdlia e inteiramente =¢| desconhecido na Franga, “La Peste a Urana”, de aa FE) R. M. de Angelis. A situacio fundamental e o = enredo dessa obra sao parecidissimos com os de “La Peste”, de Albert Camus. Impressionante é, inclusive, o fato de 0 romance francés se passar na cidade do autor, em Oran, en- quanto 0 autor italiano inyentou, para teatro da sua obra, uma cidade de nome quase igual, Urana. Resta acrescentar que “La Peste” é de 1947 e “La Peste a Urana” de 1943. Quem conhece os inimeros casos de coincidéncias em tbdas as literaturas de todos os tempos nao tiraré conclusdes precipitadas em desabono de Albert Camus, Justamente a mais estranha das coincidéncias — Camus néo teria escolhido nascer na Argélia para antecipar a Urana de de Angelis — exclui a hipétese de pligio. Nio, Albert Camus nfo é um plagiador. Mas seus enredos tém o hab to de encontrar-se em obras de outros. revendo sobre “L’ftranger”, de Camus, 0 eritico andnimo do “Times Literary Suplemenc’ afirmou que ja tinha lido essa bis toria de um condenado & morte: em “The Postman Always Rings Twice’, de James M. Cain, autor americano cuja fama na Franca foi feita pelos existencialistas. Mais um acaso? Nao é o ultimo. Camus até parece agir deliberadamente, embora sem declarar suas fontes, Na pagina 206 e seguintes do seu livro “L’Homme révolt¢”, falando dos conflitos de consciéncia dos terroristas russos na época do tuarismo, cita varias yezes 0 famoso revolucionario Boris Savinkov, autor intelectual do atentado contra o grao-duque Sérgio. Nao i nora, portanto, o homem que publicou em 1909, sob o pseuddnimo Y. Ropchin, o romance “O cavalo palido”, cujo enredo é 0 mesmo da peca “Les Justes”, de Albert Camus. OTTO MARIA CARPEAUX SITUAGOES EXISTENCIAIS A uns dois ou trés anos quase rebentou uma guerra literéria entre a Franca e a Italia, por motivo de um artigo na Gazette des Lettres, no qual Lucienne Jean- Darrouy exumou um romance meio esquecido na Italia e inteiramente desconhecido na Franca, La peste a Urana, de R. M. De Angelis. A situagdo fundamental e o enredo dessa obra parecidis- simos com os de La Peste, de Albert Camus. Impres- sionante 6, inclusive, 0 fato de o romance francés se passar na cidade do autor, em Oran, enquanto o autor italiano inventou, para teatro da sua obra, uma cidade de nome quase igual, Urana. Resta acrescentar que La Peste é de 1947 e La Peste a Urana de 1943. Quem conhece os intimeros ¢: de coincidéncias em todas as literaturas de todos os tempos nao tiraré conclusées precipitadas em desabono de Albert Camus. Justamente a mais estranha das coincidéncias — Camus nao teria escolhido nascer na Argélia para antecipar a Urana de Angelis - exclui a hipétese de plagio. Nao, Albert Camus nao 6 um plagiador. Mas seus enredos tém o habito de encontrar-se em obras de outros. Escrevendo sobre L'Etranger, de Camus, 0 critico anénimo do Times Literary Supplement afirmou que ja tinha lido essa histéria de um condenado A morte: em The Postman Always Rings Twice, de James M. Cain, autor americano cuja fama na Franea foi feita pelos existencialistas. Mais um acaso? Nao é o ultimo. Camus até parece agir deliberadamente, embora sem declarar suas fontes. Na pagina 206 e seguintes do seu livro L'Homme ve ‘, falando dos conflitos de consciéncia dos terroristas russos na €poca do tsarismo, cita varias vezes 0 famoso revoluciondério Boris Savinkov, autor intelectual do atentado contra 0 grao-duque Sérgio. Nao ignora, portanto, o homem que publicou em 1909, sob o pseudénimo V. Répchin, o romance O cavalo palido, cujo enredo é 0 mesmo da peca Les Justes, de Albert Camus. SITUACOES EXISTENCIAIS 253 JA temos repelido a hipétese de plagio. Nessas coisas impoe- se a maior cautela. O caso tem relagées dbvias com as chamadas in- fluéncias; e talvez nao seja de todo inutil citar um exemplo recente, Num artigo publicado em “Letras e Artes” chamei a atencio para as coincidéncias impressionantes entre o delirio de Braz Cubas e 0 “Pidlogo della Natura e di un Islandese”, nas “Operette morali” de Leopardi; deixando aberta a questio se Machado de Assis tinha conhecido as obras em prosa do grande poeta italiano. Um amigo, nao acreditando nessa possibilidade, revelou, por sua yer, as incon. testivveis semelhancas entre a famosa pagina de Machado de Assis e, por outro lado, um poema de Victor Mugo. Quem teve razio? Machado no pode ter feito um amélgama de coisas tio heteroge. neas. Quanto a mim, acredito que se trata, no caso das semelhangas yerbais com o poema de Hugo, nao de influéncia, mas de reminis. céncias. Tenha Machado conhecido ou nao o didlogo de Leopardi, muito mais instrutivo me parece 0 confronto com 0 texto do poeta italiano, que foi péssimista e materialista assim como Machado, do que a comparacio com Hugo, que o brasileiro certamente conhe- cia melhor, mas cujo otimismo espiritualista nio Ihe podia dizer gran- de coisa, As coincidéncias s6 tém importancia quando existem afie nidades intimas. A mesma norma se impde no estudo comparativo de versées do mesmo enredo, aproveitado por varios autores, As sim entendo, pelo menos, a adverténcia de Benedetto Croce contra os trabalhos dessa natureza: cujo verdadeiro assunto nio ¢ 0 enredo, mas sim, 08 respectivos autores. Pouco nos interessa a migragio do tema Orestes-Electra, de Euripides até O'Neill; enquanto nio nos oferece oportunidade para estudar melhor Euripides ¢ O'Neill. 0 aproveitamento dos enredos tragicos gregos & frequentissimo na li- atura universal. O ex-amigo de Camus, Sartre, também fez sua > d histéria das Orestias, em “Les mouches", E asi como ha varios casos dessa natureza na carr asim ha outros na de Sartre, Todo mundo conhece “Huis clos”; mas nem todo mundo repa- rou a quase identidade dessa peca com o quarto ato do drama ine e Crime” (1893), de Strindberg, O- personage. principal da obra sueca, Maurice, diz em certo momento ) sua noiva, eriminosa nose; “Desprezamo-nos mutuamente ¢, no canto, devemos casar, ficar juntos, Eis o inferno.” Lendo, no texto succo, essa frase, s6 podemos admirar os criticos que encane taram metade da filosofia de Sartre sintetizada na frase de Inez, em “Huis clos: “Lrenfer, c'est les autres,” Podemos concluir que os escritores existencialistas tm afinidas des com de Angelis, com Cain, com Savinkoy, com Euripides, com Suindberg, com meio mundo. ‘Todos cles, Pois Simone de Beauvoir, on “Les bouches inutiles”, também deu apenas solucho diferente ao. asim como éle é cri JA temos repelido a hipétese de plagio. Nessas coisas impée-se a maior cautela. O caso tem relagées ébvias com as chamadas influéncias; e talvez no seja de todo inttil citar um exemplo recente. Num artigo publicado em Letras ¢ Artes chamei a atengéo para as coincidénci impressionantes entre 0 delirio de Bras Cubas e 0 Dialogo della Natura edi un Islandese, nas Operette morali de Leopardi; deixando aberta a questdéo se Machado de Assis tinha conhecido as obras em prosa do grande poeta italiano. Um amigo, nao acreditando nessa possibilidade, revelou, por sua vez, as incontestéveis semelhancas entre a famosa pagina de Machado de Assis e, por outro lado, um poema de Victor Hugo. Quem teve razéio? Machado nfo pode ter feito um amélgama de coisas tao heterogéneas. Quanto a mim, acredito que se trata, no caso das semelhangas verbais com o poema de Hugo, nao de influéncia, mas de reminiscéncias. Tenha Machado conhecido ou nao o didlogo de Leopardi, muito mais instrutivo me parece o confronto com o texto do poeta italiano, que foi pessimista e materialista assim como Machado, do que a comparaeso com Hugo, que o brasileiro certamente conhecia melhor, mas cujo otimismo espiritualista no lhe podia dizer grande coisa. As coincidéncias s6 tém importancia quando existem afinidades intimas. A mesma norma se impée no estudo comparativo de verses do mesmo enredo, aproveitado por varios autores. Assim entendo, pelo menos, a adverténcia de Benedetto Croce contra os trabalhos dessa natureza, cujo verdadeiro assunto n&éo 6 o enredo, mas sim, os respectivos autores. Pouco nos interessa a migracéo do tema Orestes- Electra, de Euripides até O'Neill, enquanto néo nos oferece oportunidade para estudar melhor Euripides e O’Neill. O aprovei- tamento dos enredos tragicos gregos é frequentissimo na literatura universal. O ex-amigo de Camus, Sartre, também fez sua contribuigao a historia das Orestias, em Les mouches. E assim como ha varios casos dessa natureza na carreira literaria de Camus, assim ha outros na de Sartre. Todo mundo conhece Huis clos; mas nem todo mundo reparou a quase identidade dessa peca com 0 quarto ato do drama Crime e crime (1893), de Strindberg. O personagem principal da obra sueca, Maurice, diz em certo momento 4 sua noiva, criminosa assim como ele é criminoso: “Desprezamo-nos mutuamente e, no entanto, devemos casar, ficar juntos. Eis o inferno”. Lendo, no texto sueco, essa frase, s6 podemos admirar os criticos que encontraram metade da filosofia de Sartre sintetizada na frase de Inez, em Huis clos: “L’enfer, c’est les autres”. Podemos concluir que os escritores existencialistas tém afinidades com de Angelis, com Cain, com Savinkov, com Euripides, com Strindberg, com meio mundo. Todos eles. Pois Simone de Beauvoir, em Les bouches inutiles, também deu apenas solugao diferente ao 24 ANHEMBI conflito prefigurado em “Os cidadaos de Calais” (1917), de Georg Kaiser. Nesse ultimo caso ha uma circunstancia agravante: 0S dois autores, a francesa e 0 alemao, beberam na mesma fonte (embora em trechos diferentes): na crénica de Froissart. Depois dos auto- res antigos e modernos, também entram em cena os medievais. Esse negécio das fontes promete resultados surpreendentes, dos quais um, o mais estranho (e a vitima é, outra vez, Camus), ja comuniquei num ensaio do meu recente livro “Respostas € Per- guntas”, editado pelo grande amigo José Simedo Leal. No mesmo ano em que se representou em Paris “Le Malen- tendu”, de Camus, em 1947, exumou um teatro de Londres uma ve- Jha peca esquecida de George Lillo, “The Fatal Curiosity” (1736), que tem exatamente 0 mesmo enredo. Mas Lillo nao foi a fonte de Camus. Pois este j4 contara a histéria num episédio de “L’Etran- ger’, onde 0 personagem principal afirma que o leu “num velho jornal da Europa central”. Escrevendo sobre Camus, na revista “Horizon”, 0 fildsofo inglés Ayer disse, um pouco ingenuamente: “Nao se pode saber se a historia se baseia em fatos ou se foi inven- tada por Camus”. Nao, senhor, pode-se, Pois a historia é, real- mente, “da Europa central”, mas nao de um jornal alemio e sim de um dramaturgo alemio: 0 enredo de Camus é 0 do “Dia de 24 de feyereiro” (1810), de Zacharias Werner, peca que o proprio Goethe encenou no teatro de Weimar. No artigo citado ainda discuti a hipdtese da infiltracao do enredo de Werner na Franga, através do melodrama dos anos de 1820 (Pixérécourt e outros) e, depois, do Grand Guignol. Pois ento ainda nao tinha lido a plena afirn go da hipdtese em “A influéncia do romAntico alemao Zach Werner na Franca”, de Emil Wismer, tese de Neuchatel, 1928. Werner nao inventara, alids, seu assunto. Tinha assistido, na mocidade, a uma representacio da pega “Blunt” (1781), de Carl Philipp Mori, que é, por sua vez, uma adaptagio da ~ “Fawl Curiosity", de Lillo, Mas, na verdade, 0 caso é muito mais complicado, Meu ami- go Brito Broca me chamou a atengio para o fato de que a mesma historia do filho assassinado pelos proprios pais existe no folclore de varios paises, inclusive em Portugal. Ora, aquele esquecido Lik lo ¢ 0 autor da primeira tragédia burguesa: London Mer chant” (1731), Poi expécic de “aburguesador” profissional, Sua “Fatal Curiosity" ¢ aburgucsamento de um enyedo arqui-velho, da *Merope", tratado por Euripides, Maffei, Voltaire, Alfieri, Almeida Garrett, Matthew Arnold c¢ varios outros. Parece que o tema clu, 1100 modlificado, no folclore. Pois o folclore é 0 grande reposi aS do que se pode chamar de situagbes basicas. RS ~ Conhecido € 0 livro em que Georges Polti, referindo-se a « sites 46 Carlo Got Schiller, quits deauaurar que <6 ae conflito prefigurado em Os cidaddos de Calais (1917), de Georg Kaiser. Nesse tiltimo caso hé uma circunsténcia agravante: os dois autores, a francesa e o alem&o, beberam na mesma fonte (embora em trechos diferentes): na crénica de Froissart. Depois dos autores antigos e modernos, também entram em cena os medievais. Esse negécio das fontes promete resultados surpreendentes, dos quais um, o mais estranho (e a vitima é, outra vez, Camus), jé comuniquei num ensaio do meu recente livro Respostas e perguntas, editado pelo grande amigo José Simedo Leal. No mesmo ano em que se representou em Paris Le Malentendu, de Camus, em 1947, exumou um teatro de Londres uma velha peca esquecida de George Lillo, The Fatal Curiosity (1736), que tem exatamente o mesmo enredo. Mas Lillo no foi a fonte de Camus. Pois este jé contara a histéria num episédio de L’Etranger, onde o personagem principal afirma que o leu “num velho jornal da Europa central”. Eserevendo sobre Camus, na revista Horizon, 0 filésofo inglés Ayer disse, um pouco ingenuamente: “Nao se pode saber se a hist. se baseia em fatos ou se foi inventada por Camus”. Nao, senhor, pode- . Pois a histéria 6, realmente, “da Europa central”, mas nfo de um jornal alemao e, sim, de um dramaturgo alemao: o enredo de Camus 6 0 do Dia de 24 de fevereiro (1810), de Zacharias Werner, peca que o préprio Goethe encenou no teatro de Weimar. No artigo citado ainda discuti a hipétese da infiltragdo do enredo de Werner na Franca, através do melodrama dos anos de 1820 (Pixérécourt e outros) e, depois, do Grand Guignol. Pois entao ainda néo tinha lido a plena afirmagao da hipétese em A influéncia do romantico alemao Zacharias Werner na Franca, de Emil Wismer, tese de Neuchatel, 1928. Werner nao inventara, alids, seu assunto. Tinha assistido, na mocidade, a uma representacao da pea Blunt (1781), de Carl Philipp Moritz, que 6, por sua vez, uma adaptagao da — Fatal Curiosity, de Lillo. Mas, na verdade, o caso é muito mais complicado. Meu amigo Brito Broca me chamou a atengdo para o fato de que a mesma historia do filho assassinado pelos préprios pais existe no folelore de varios paises, inclusive em Portugal. Ora, aquele esquecido Lillo é 0 autor da primeira tragédia burguesa: The London Merchant (1731). Foi espécie de “aburguesador” profissional. Sua Fatal Curiosity 6 aburguesamento de um enredo arquivelho, da Mérope, tratado por Euripides, Maffei, Voltaire, Alfieri, Almeida Garrett, Matthew Arold e v: 0 grande repositério do que se pode chamar de situacdes Conheeido é o livro era que Georges Polti, referindo-se a opinides de Carlo Gozzi e Sehiller, quis demonstrar que s6 existem 36 SITUAGORS EXISTENCIAIS B situagSes dramaticas. Recentemente, outro autor francés aplicou a essa idéia as regras da arte combinatéria, chegando a varios milha- res de situagdes. Num sentido mais geral, mais “basic”, talvez nem sequer sejam 36. Sao aquelas perante as quais o homem se encontra por assim dizer nu, chamado a escolher “radicalmente”: as situagdes bdsicas de téda filosofia existencialista. Sao poucas. E dai, sempre se repetem. Uma delas é a convivéncia intima de duas ou trés pessoas: a situagao de “Huis clos”. Outra é, como em “L’£tranger”, a do ho- mem condenado a morte: pois todos nds estamos condenados a morte, apenas ignorando quando a sentenga seri executada, Si- tuagéo basica é a da coletiyidade ameacada por epidemia (“La Peste”) ou assediada pelo inimigo (“Les bouches inutiles”). Ai ja entram fatores histéricos, que prevalecem na situagio dos intelec- tuais chamados a agir revolucionariamente, dos “meurtriers déli- cats” do “L’Homme révolté”, dos “Justes” do teatro de Camus. E entéo, ninguém ja se admirara que coincidéncias semelhantes ds obser- yadas no caso dos autores existencialistas também se encontrem em outros autores, que nao sao existencialistas mas tratam de situagées existenciais: George Orwell, ao escrever, em 1949, “Nineteen Ei- ghty-Four”, certamente nao tinha lido “L’Uomo é forte” (1988), de Corrado Alvaro; mas, no inglés e no italiano, sio exatamente idén- ticas as situagdes e as Teagoes dos personagens numa sociedade to- talitiria, Mais feliz foi Moliére, que sempre se aproveitou de enredos alheios, dizendo alegremente: “Il m’est permis de reprendre mon bien ot je le trouve.” Os de hoje também exercem « arte de “re prende”, Mas o que o mundo thes oferece nio ¢ 0 “bien” ¢ sim o mal. OTTO MARIA CARPEAUX situagdes dramaticas. Recentemente, outro autor francés aplicou a essa ideia as regras da arte combinatéria, chegando a varios milhares de situagées. Num sentido mais geral, mais “basico”, talvez nem sequer sejam 36, Sao aquelas perante as quais o homem se encontra por assim dizer nu, chamado a escolher “radicalmente”: as situacdes basicas de toda filosofia existencialista. Sao poucas. E dai, sempre se repetem. Uma delas é a convivéncia intima de duas ou trés pessoas: a situacdo de Huis clos. Outra é, como em L’Ftranger, a do homem condenado a morte: pois todos nés estamos condenados a morte, apenas ignorando quando a sentenea sera executada. Situacao basica 6 a da coletividade ameagada por epidemia (La Peste) ou assediada pelo inimigo (Les bouches inutiles). Ai j4 entram fatores historicos, que prevalecem na situagao dos intelectuais chamados a agir revolucionariamente, dos “meurtriers délicats” do L’Homme révolté, dos Justes do teatro de Camus. E entao, ninguém ja se admirard que coincidéncias semelhantes as observadas no caso dos autores existencialistas também se encontrem em outros autores, que nao sao existencialistas mas tratam de situacdes existenciais: George Orwell, ao escrever, em 1919, Nineteen Eighty-Four, certamente nao tinha lido L’womo é forte (1938), de Corrado Alvaro; mas, no inglés e no italiano, séo exatamente idénticas as situacdes e as reacdes dos personagens numa sociedade totalitaria. Mais feliz foi Moliére, que sempre se aproveitou de enredos alheios, dizendo alegremente: “II m’est permis de reprendre mon bien of je le trouve”. Os de hoje também exercem a arte de “reprende”. Mas o que o mundo lhes oferece nao é o “bien” e sim omal. OTTO MARIA CARPEAUX

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