Otto Maria Carpeaux. ‘Situações existenciais’, Anhembi, São Paulo, pp. 252-255, abr. 1955.
(Digitalização componente da página “Bibliografia periódica de Otto Maria Carpeaux na imprensa brasileira”, no Wikipédia).
Título original
Otto M. Carpeaux: "Situações existenciais" (1955)
Otto Maria Carpeaux. ‘Situações existenciais’, Anhembi, São Paulo, pp. 252-255, abr. 1955.
(Digitalização componente da página “Bibliografia periódica de Otto Maria Carpeaux na imprensa brasileira”, no Wikipédia).
Otto Maria Carpeaux. ‘Situações existenciais’, Anhembi, São Paulo, pp. 252-255, abr. 1955.
(Digitalização componente da página “Bibliografia periódica de Otto Maria Carpeaux na imprensa brasileira”, no Wikipédia).
DIRETOR
PAULO DUARTE
NESTE NUMERO: LUCIE MAZAURIC — R. TCHU-
MI — AQUILINO RIBEIRO — ROGER BASTIDE —
OTTO MARIA CARPEAUX’ — GUILHERME Fl
GUEIREDO. — ANTONIO BRITO DA CUNHA =
J. ADERALDO CASTELO — ORACY NOGUEIRA
— PAULO MENDONGA — A. G. BRAGAGLIA —
PAULO DUARTE
2 :OTTO MARIA CARPEAUX
SITUAGOES EXISTENCIAIS
A uns dois ou trés anos quase rebentou uma guer
ra literdria entre a Franga ¢.a Italia, por moti-
| vo de um artigo na “Gazette des Lettres”, no
f qual Lucienne Jean-Darouy exumou um to-
mance meio esquecido na Itdlia e inteiramente
=¢| desconhecido na Franga, “La Peste a Urana”, de
aa FE) R. M. de Angelis. A situacio fundamental e o
= enredo dessa obra sao parecidissimos com os de
“La Peste”, de Albert Camus. Impressionante é, inclusive, o fato
de 0 romance francés se passar na cidade do autor, em Oran, en-
quanto 0 autor italiano inyentou, para teatro da sua obra, uma
cidade de nome quase igual, Urana. Resta acrescentar que “La
Peste” é de 1947 e “La Peste a Urana” de 1943.
Quem conhece os inimeros casos de coincidéncias em tbdas as
literaturas de todos os tempos nao tiraré conclusdes precipitadas
em desabono de Albert Camus, Justamente a mais estranha das
coincidéncias — Camus néo teria escolhido nascer na Argélia para
antecipar a Urana de de Angelis — exclui a hipétese de pligio. Nio,
Albert Camus nfo é um plagiador. Mas seus enredos tém o hab
to de encontrar-se em obras de outros.
revendo sobre “L’ftranger”, de Camus, 0 eritico andnimo
do “Times Literary Suplemenc’ afirmou que ja tinha lido essa bis
toria de um condenado & morte: em “The Postman Always Rings
Twice’, de James M. Cain, autor americano cuja fama na Franca
foi feita pelos existencialistas. Mais um acaso? Nao é o ultimo.
Camus até parece agir deliberadamente, embora sem declarar suas
fontes, Na pagina 206 e seguintes do seu livro “L’Homme révolt¢”,
falando dos conflitos de consciéncia dos terroristas russos na época do
tuarismo, cita varias yezes 0 famoso revolucionario Boris Savinkov,
autor intelectual do atentado contra o grao-duque Sérgio. Nao i
nora, portanto, o homem que publicou em 1909, sob o pseuddnimo
Y. Ropchin, o romance “O cavalo palido”, cujo enredo é 0 mesmo da
peca “Les Justes”, de Albert Camus.OTTO MARIA CARPEAUX
SITUAGOES EXISTENCIAIS
A uns dois ou trés anos quase rebentou uma guerra
literéria entre a Franca e a Italia, por motivo de um
artigo na Gazette des Lettres, no qual Lucienne Jean-
Darrouy exumou um romance meio esquecido na
Italia e inteiramente desconhecido na Franca, La
peste a Urana, de R. M. De Angelis. A situagdo
fundamental e o enredo dessa obra parecidis-
simos com os de La Peste, de Albert Camus. Impres-
sionante 6, inclusive, 0 fato de o romance francés se
passar na cidade do autor, em Oran, enquanto o autor italiano inventou,
para teatro da sua obra, uma cidade de nome quase igual, Urana. Resta
acrescentar que La Peste é de 1947 e La Peste a Urana de 1943.
Quem conhece os intimeros ¢: de coincidéncias em todas as
literaturas de todos os tempos nao tiraré conclusées precipitadas em
desabono de Albert Camus. Justamente a mais estranha das
coincidéncias — Camus nao teria escolhido nascer na Argélia para
antecipar a Urana de Angelis - exclui a hipétese de plagio. Nao, Albert
Camus nao 6 um plagiador. Mas seus enredos tém o habito de
encontrar-se em obras de outros.
Escrevendo sobre L'Etranger, de Camus, 0 critico anénimo do
Times Literary Supplement afirmou que ja tinha lido essa histéria de
um condenado A morte: em The Postman Always Rings Twice, de
James M. Cain, autor americano cuja fama na Franea foi feita pelos
existencialistas. Mais um acaso? Nao é o ultimo. Camus até parece
agir deliberadamente, embora sem declarar suas fontes. Na pagina 206
e seguintes do seu livro L'Homme ve ‘, falando dos conflitos de
consciéncia dos terroristas russos na €poca do tsarismo, cita varias
vezes 0 famoso revoluciondério Boris Savinkov, autor intelectual do
atentado contra 0 grao-duque Sérgio. Nao ignora, portanto, o homem
que publicou em 1909, sob o pseudénimo V. Répchin, o romance O
cavalo palido, cujo enredo é 0 mesmo da peca Les Justes, de Albert
Camus.SITUACOES EXISTENCIAIS 253
JA temos repelido a hipétese de plagio. Nessas coisas impoe-
se a maior cautela. O caso tem relagées dbvias com as chamadas in-
fluéncias; e talvez nao seja de todo inutil citar um exemplo recente,
Num artigo publicado em “Letras e Artes” chamei a atencio para
as coincidéncias impressionantes entre o delirio de Braz Cubas e 0
“Pidlogo della Natura e di un Islandese”, nas “Operette morali” de
Leopardi; deixando aberta a questio se Machado de Assis tinha
conhecido as obras em prosa do grande poeta italiano. Um amigo,
nao acreditando nessa possibilidade, revelou, por sua yer, as incon.
testivveis semelhancas entre a famosa pagina de Machado de Assis
e, por outro lado, um poema de Victor Mugo. Quem teve razio?
Machado no pode ter feito um amélgama de coisas tio heteroge.
neas. Quanto a mim, acredito que se trata, no caso das semelhangas
yerbais com o poema de Hugo, nao de influéncia, mas de reminis.
céncias. Tenha Machado conhecido ou nao o didlogo de Leopardi,
muito mais instrutivo me parece 0 confronto com 0 texto do poeta
italiano, que foi péssimista e materialista assim como Machado, do
que a comparacio com Hugo, que o brasileiro certamente conhe-
cia melhor, mas cujo otimismo espiritualista nio Ihe podia dizer gran-
de coisa, As coincidéncias s6 tém importancia quando existem afie
nidades intimas. A mesma norma se impde no estudo comparativo
de versées do mesmo enredo, aproveitado por varios autores, As
sim entendo, pelo menos, a adverténcia de Benedetto Croce contra
os trabalhos dessa natureza: cujo verdadeiro assunto nio ¢ 0 enredo,
mas sim, 08 respectivos autores. Pouco nos interessa a migragio do
tema Orestes-Electra, de Euripides até O'Neill; enquanto nio nos
oferece oportunidade para estudar melhor Euripides ¢ O'Neill. 0
aproveitamento dos enredos tragicos gregos & frequentissimo na li-
atura universal. O ex-amigo de Camus, Sartre, também fez sua
> d histéria das Orestias, em “Les mouches", E asi
como ha varios casos dessa natureza na carr
asim ha outros na de Sartre,
Todo mundo conhece “Huis clos”; mas nem todo mundo repa-
rou a quase identidade dessa peca com o quarto ato do drama
ine e Crime” (1893), de Strindberg, O- personage. principal da
obra sueca, Maurice, diz em certo momento ) sua noiva, eriminosa
nose; “Desprezamo-nos mutuamente ¢, no
canto, devemos casar, ficar juntos, Eis o inferno.” Lendo, no
texto succo, essa frase, s6 podemos admirar os criticos que encane
taram metade da filosofia de Sartre sintetizada na frase de Inez, em
“Huis clos: “Lrenfer, c'est les autres,”
Podemos concluir que os escritores existencialistas tm afinidas
des com de Angelis, com Cain, com Savinkoy, com Euripides, com
Suindberg, com meio mundo. ‘Todos cles, Pois Simone de Beauvoir,
on “Les bouches inutiles”, também deu apenas solucho diferente ao.
asim como éle é criJA temos repelido a hipétese de plagio. Nessas coisas impée-se a
maior cautela. O caso tem relagées ébvias com as chamadas influéncias;
e talvez no seja de todo inttil citar um exemplo recente. Num artigo
publicado em Letras ¢ Artes chamei a atengéo para as coincidénci
impressionantes entre 0 delirio de Bras Cubas e 0 Dialogo della Natura
edi un Islandese, nas Operette morali de Leopardi; deixando aberta a
questdéo se Machado de Assis tinha conhecido as obras em prosa do
grande poeta italiano. Um amigo, nao acreditando nessa possibilidade,
revelou, por sua vez, as incontestéveis semelhancas entre a famosa
pagina de Machado de Assis e, por outro lado, um poema de Victor
Hugo. Quem teve razéio? Machado nfo pode ter feito um amélgama de
coisas tao heterogéneas. Quanto a mim, acredito que se trata, no caso
das semelhangas verbais com o poema de Hugo, nao de influéncia, mas
de reminiscéncias. Tenha Machado conhecido ou nao o didlogo de
Leopardi, muito mais instrutivo me parece o confronto com o texto do
poeta italiano, que foi pessimista e materialista assim como Machado,
do que a comparaeso com Hugo, que o brasileiro certamente conhecia
melhor, mas cujo otimismo espiritualista no lhe podia dizer grande
coisa. As coincidéncias s6 tém importancia quando existem afinidades
intimas. A mesma norma se impée no estudo comparativo de verses do
mesmo enredo, aproveitado por varios autores. Assim entendo, pelo
menos, a adverténcia de Benedetto Croce contra os trabalhos dessa
natureza, cujo verdadeiro assunto n&éo 6 o enredo, mas sim, os
respectivos autores. Pouco nos interessa a migracéo do tema Orestes-
Electra, de Euripides até O'Neill, enquanto néo nos oferece
oportunidade para estudar melhor Euripides e O’Neill. O aprovei-
tamento dos enredos tragicos gregos é frequentissimo na literatura
universal. O ex-amigo de Camus, Sartre, também fez sua contribuigao a
historia das Orestias, em Les mouches. E assim como ha varios casos
dessa natureza na carreira literaria de Camus, assim ha outros na de
Sartre.
Todo mundo conhece Huis clos; mas nem todo mundo reparou a
quase identidade dessa peca com 0 quarto ato do drama Crime e crime
(1893), de Strindberg. O personagem principal da obra sueca, Maurice,
diz em certo momento 4 sua noiva, criminosa assim como ele é
criminoso: “Desprezamo-nos mutuamente e, no entanto, devemos casar,
ficar juntos. Eis o inferno”. Lendo, no texto sueco, essa frase, s6
podemos admirar os criticos que encontraram metade da filosofia de
Sartre sintetizada na frase de Inez, em Huis clos: “L’enfer, c’est les
autres”.
Podemos concluir que os escritores existencialistas tém afinidades
com de Angelis, com Cain, com Savinkov, com Euripides, com
Strindberg, com meio mundo. Todos eles. Pois Simone de Beauvoir, em
Les bouches inutiles, também deu apenas solugao diferente ao24 ANHEMBI
conflito prefigurado em “Os cidadaos de Calais” (1917), de Georg
Kaiser. Nesse ultimo caso ha uma circunstancia agravante: 0S dois
autores, a francesa e 0 alemao, beberam na mesma fonte (embora
em trechos diferentes): na crénica de Froissart. Depois dos auto-
res antigos e modernos, também entram em cena os medievais.
Esse negécio das fontes promete resultados surpreendentes,
dos quais um, o mais estranho (e a vitima é, outra vez, Camus), ja
comuniquei num ensaio do meu recente livro “Respostas € Per-
guntas”, editado pelo grande amigo José Simedo Leal.
No mesmo ano em que se representou em Paris “Le Malen-
tendu”, de Camus, em 1947, exumou um teatro de Londres uma ve-
Jha peca esquecida de George Lillo, “The Fatal Curiosity” (1736),
que tem exatamente 0 mesmo enredo. Mas Lillo nao foi a fonte
de Camus. Pois este j4 contara a histéria num episédio de “L’Etran-
ger’, onde 0 personagem principal afirma que o leu “num velho
jornal da Europa central”. Escrevendo sobre Camus, na revista
“Horizon”, 0 fildsofo inglés Ayer disse, um pouco ingenuamente:
“Nao se pode saber se a historia se baseia em fatos ou se foi inven-
tada por Camus”. Nao, senhor, pode-se, Pois a historia é, real-
mente, “da Europa central”, mas nao de um jornal alemio e sim
de um dramaturgo alemio: 0 enredo de Camus é 0 do “Dia de 24
de feyereiro” (1810), de Zacharias Werner, peca que o proprio Goethe
encenou no teatro de Weimar. No artigo citado ainda discuti a
hipdtese da infiltracao do enredo de Werner na Franga, através do
melodrama dos anos de 1820 (Pixérécourt e outros) e, depois, do
Grand Guignol. Pois ento ainda nao tinha lido a plena afirn
go da hipdtese em “A influéncia do romAntico alemao Zach
Werner na Franca”, de Emil Wismer, tese de Neuchatel, 1928.
Werner nao inventara, alids, seu assunto. Tinha assistido, na
mocidade, a uma representacio da pega “Blunt” (1781), de Carl
Philipp Mori, que é, por sua vez, uma adaptagio da ~ “Fawl
Curiosity", de Lillo,
Mas, na verdade, 0 caso é muito mais complicado, Meu ami-
go Brito Broca me chamou a atengio para o fato de que a mesma
historia do filho assassinado pelos proprios pais existe no folclore
de varios paises, inclusive em Portugal. Ora, aquele esquecido Lik
lo ¢ 0 autor da primeira tragédia burguesa: London Mer
chant” (1731), Poi expécic de “aburguesador” profissional, Sua
“Fatal Curiosity" ¢ aburgucsamento de um enyedo arqui-velho, da
*Merope", tratado por Euripides, Maffei, Voltaire, Alfieri, Almeida
Garrett, Matthew Arnold c¢ varios outros. Parece que o tema clu,
1100 modlificado, no folclore. Pois o folclore é 0 grande reposi
aS do que se pode chamar de situagbes basicas. RS ~
Conhecido € 0 livro em que Georges Polti, referindo-se a «
sites 46 Carlo Got Schiller, quits deauaurar que <6 aeconflito prefigurado em Os cidaddos de Calais (1917), de Georg Kaiser.
Nesse tiltimo caso hé uma circunsténcia agravante: os dois autores, a
francesa e o alem&o, beberam na mesma fonte (embora em trechos
diferentes): na crénica de Froissart. Depois dos autores antigos e
modernos, também entram em cena os medievais.
Esse negécio das fontes promete resultados surpreendentes, dos
quais um, o mais estranho (e a vitima é, outra vez, Camus), jé
comuniquei num ensaio do meu recente livro Respostas e perguntas,
editado pelo grande amigo José Simedo Leal.
No mesmo ano em que se representou em Paris Le Malentendu, de
Camus, em 1947, exumou um teatro de Londres uma velha peca
esquecida de George Lillo, The Fatal Curiosity (1736), que tem
exatamente o mesmo enredo. Mas Lillo no foi a fonte de Camus. Pois
este jé contara a histéria num episédio de L’Etranger, onde o
personagem principal afirma que o leu “num velho jornal da Europa
central”. Eserevendo sobre Camus, na revista Horizon, 0 filésofo inglés
Ayer disse, um pouco ingenuamente: “Nao se pode saber se a hist.
se baseia em fatos ou se foi inventada por Camus”. Nao, senhor, pode-
. Pois a histéria 6, realmente, “da Europa central”, mas nfo de um
jornal alemao e, sim, de um dramaturgo alemao: o enredo de Camus 6 0
do Dia de 24 de fevereiro (1810), de Zacharias Werner, peca que o
préprio Goethe encenou no teatro de Weimar. No artigo citado ainda
discuti a hipétese da infiltragdo do enredo de Werner na Franca, através
do melodrama dos anos de 1820 (Pixérécourt e outros) e, depois, do
Grand Guignol. Pois entao ainda néo tinha lido a plena afirmagao da
hipétese em A influéncia do romantico alemao Zacharias Werner na
Franca, de Emil Wismer, tese de Neuchatel, 1928.
Werner nao inventara, alids, seu assunto. Tinha assistido, na
mocidade, a uma representacao da pea Blunt (1781), de Carl Philipp
Moritz, que 6, por sua vez, uma adaptagao da — Fatal Curiosity, de
Lillo.
Mas, na verdade, o caso é muito mais complicado. Meu amigo Brito
Broca me chamou a atengdo para o fato de que a mesma historia do filho
assassinado pelos préprios pais existe no folelore de varios paises,
inclusive em Portugal. Ora, aquele esquecido Lillo é 0 autor da primeira
tragédia burguesa: The London Merchant (1731). Foi espécie de
“aburguesador” profissional. Sua Fatal Curiosity 6 aburguesamento
de um enredo arquivelho, da Mérope, tratado por Euripides, Maffei,
Voltaire, Alfieri, Almeida Garrett, Matthew Arold e v:
0 grande repositério do que se pode chamar de situacdes
Conheeido é o livro era que Georges Polti, referindo-se a opinides de
Carlo Gozzi e Sehiller, quis demonstrar que s6 existem 36SITUAGORS EXISTENCIAIS B
situagSes dramaticas. Recentemente, outro autor francés aplicou a
essa idéia as regras da arte combinatéria, chegando a varios milha-
res de situagdes. Num sentido mais geral, mais “basic”, talvez
nem sequer sejam 36. Sao aquelas perante as quais o homem se
encontra por assim dizer nu, chamado a escolher “radicalmente”:
as situagdes bdsicas de téda filosofia existencialista. Sao poucas.
E dai, sempre se repetem.
Uma delas é a convivéncia intima de duas ou trés pessoas: a
situagao de “Huis clos”. Outra é, como em “L’£tranger”, a do ho-
mem condenado a morte: pois todos nds estamos condenados a
morte, apenas ignorando quando a sentenga seri executada, Si-
tuagéo basica é a da coletiyidade ameacada por epidemia (“La
Peste”) ou assediada pelo inimigo (“Les bouches inutiles”). Ai ja
entram fatores histéricos, que prevalecem na situagio dos intelec-
tuais chamados a agir revolucionariamente, dos “meurtriers déli-
cats” do “L’Homme révolté”, dos “Justes” do teatro de Camus. E
entéo, ninguém ja se admirara que coincidéncias semelhantes ds obser-
yadas no caso dos autores existencialistas também se encontrem em
outros autores, que nao sao existencialistas mas tratam de situagées
existenciais: George Orwell, ao escrever, em 1949, “Nineteen Ei-
ghty-Four”, certamente nao tinha lido “L’Uomo é forte” (1988), de
Corrado Alvaro; mas, no inglés e no italiano, sio exatamente idén-
ticas as situagdes e as Teagoes dos personagens numa sociedade to-
talitiria,
Mais feliz foi Moliére, que sempre se aproveitou de enredos
alheios, dizendo alegremente: “Il m’est permis de reprendre mon
bien ot je le trouve.” Os de hoje também exercem « arte de “re
prende”, Mas o que o mundo thes oferece nio ¢ 0 “bien” ¢ sim
o mal.
OTTO MARIA CARPEAUXsituagdes dramaticas. Recentemente, outro autor francés aplicou a
essa ideia as regras da arte combinatéria, chegando a varios milhares
de situagées. Num sentido mais geral, mais “basico”, talvez nem
sequer sejam 36, Sao aquelas perante as quais o homem se encontra
por assim dizer nu, chamado a escolher “radicalmente”: as situacdes
basicas de toda filosofia existencialista. Sao poucas. E dai, sempre se
repetem.
Uma delas é a convivéncia intima de duas ou trés pessoas: a
situacdo de Huis clos. Outra é, como em L’Ftranger, a do homem
condenado a morte: pois todos nés estamos condenados a morte,
apenas ignorando quando a sentenea sera executada. Situacao
basica 6 a da coletividade ameagada por epidemia (La Peste) ou
assediada pelo inimigo (Les bouches inutiles). Ai j4 entram
fatores historicos, que prevalecem na situagao dos intelectuais
chamados a agir revolucionariamente, dos “meurtriers délicats”
do L’Homme révolté, dos Justes do teatro de Camus. E entao,
ninguém ja se admirard que coincidéncias semelhantes as
observadas no caso dos autores existencialistas também se
encontrem em outros autores, que nao sao existencialistas mas
tratam de situacdes existenciais: George Orwell, ao escrever, em
1919, Nineteen Eighty-Four, certamente nao tinha lido L’womo é
forte (1938), de Corrado Alvaro; mas, no inglés e no italiano, séo
exatamente idénticas as situacdes e as reacdes dos personagens
numa sociedade totalitaria.
Mais feliz foi Moliére, que sempre se aproveitou de enredos
alheios, dizendo alegremente: “II m’est permis de reprendre mon
bien of je le trouve”. Os de hoje também exercem a arte de
“reprende”. Mas o que o mundo lhes oferece nao é o “bien” e sim
omal.
OTTO MARIA CARPEAUX