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Guilherme de Azevedo, Guerra Junqueiro e Gomes Leal: : A QUEDA DE UM D, JOAO “(.) Son pecadores sin grandeza, simples Tornicadores, gente liviana.Don Juan no es mas que una exageracion de los postas, (.j«Cando morité don Juan Tenorio», repito a los cuatro vientos de la rosa, sin fa menor ‘esperanza. los vientos se callan(...” Gendarme de Bévotte, 20 esquecer a contribui¢do portuguesa, no seu célebre esiudo da universal literatura donjuanescaé, ndo sé ignora uma projecgao de um dos mais fecundos mitos da imaginag&o espanhola, como perde a oportunidade de valorizar uma faceta rica do nosso francesismo.A verdade ¢ que,como bem nota Fidelino Figueiredo em Donjuanismo e Anti- -donjuanismo em Portugal, foi justamente pela verso molieresca que o simbolo primelro se divulgou entre nés8 com duas publicagdes de cordel tao distantes da pega francesa quanto a corte de D. José |, nas suas imposigées éticas e estéticas, se encontrava desfasada da corte de Luis XIV, Pode, alids, dizer-se que fol Moliére quem primeiro universalizou 0 mito com o seu Festin de Pierre, amalgamando com indiscutive! singularidade versdes lallanas ¢ francesas de autores menores como Cicognini, Dorimond ® Villiers, Esta 6, portanto, um contributo para a dinémica de francesismo que a Arcddia Lusitana inaugurara entre nds com a importagio de obras de dramaturges franceses clissicos, visando, neste plano especifice, a restauragao dos géneros draméticos. Porém, também em Portugal, Don Juan vird a extravasar_o universo teatral em que Tirso de Molina o tera concebido para vaguear na epistolo- gratia do Cavaleiro de Oliveira4, no lrismo gartettiano do “eterno feminine”, ue @ a expresso supetiativa da "endemia donjuanesca do Romantismo”S, ou ainda na mera glosa da lenda de Tirso com Sim6es Dias®. Era como se um Don Juan portugués nao se pudesse permitir 0 seu poderoso aventu- relrismo erbtico e livre, de to espartifhado que fora, e se tornasse vitima da brandura multas vezes asfixiante da nossa tradigSo lirica amorosa, E assim se Vao definido os tragos de um D. Jodo nacional que se afigura, ora rebaixado e miserdvel, ora se ergue em simbolo de fonte de vida, quando no se mantém numa identidade intermédia,conforme o pinta Tedfiio Braga ‘em Ondina do Lago,7 promovendo-o primeiro a conceit fllosétice e depois reduzindo-o a uma. devassidao corrupta. Sao estas essencialmente as duas direcgSes que o mito toma na Literatura Portuguesa e que, se num segundo 253 momento da sua evolugéo Silva Galo o transcendentaliza® 1é-lo sobretudo or teacgao @ todo um combativo antidonjuanismo de alguns poetas que integram a mesma geragdo intelectual,tals como Gullherme de Azevedo, Guerra Junqueiro e Gomes Leal. Estes apéstolos da “ideia nova" todos oles discipulos mais ou menos reverentes do revolucionarismo poético & Antero,a0 beberem tanto no romantismo convulsionéiio de Quinet, Hugo e Michelet,como no positivismo de Comte, Taine @ Proudhon, nao podiam deixar de converter D. Joo num alvo privilegiade de critica e de camparha contra um ro- mantismo de vocacao sentimental, & la Lamartine, ou a la Musset, que era 2 feigdio do mito enquanto representagao de uma libertinagem satecentista, bem aristocratica. ‘Na sua fungao moralizadora inequivacamente epocal, A Morte de D. Jodo, obra que em 1874 trouxe 0 triunfo. a um Junqueto, as vezes mais, dorado como activista de grandes causas sociais do que apreciado como poeta, , no dizer de Pierre Hourcade, “avant tout un poéme utiltaire concu immédiatement comme tel, et réalisé selon les exigences d'un genre qui Fadmet point les fantaisies du créateur'’, Neste particular, Ficelino de Fi- gueiredo fala até de um “método homospatico,” de uma “postica terapéu- tica'para caricaturar o que considera ser a visao simplista de uma geragao que vivia a “hora idilica de lua de mel da imaginagao com « espirito cientifico, bodas ilusorias, casamento polltico que pretendeu abarca” dois derrotismos, © da morte da poesia e 0 da bancarrota da ciéncia (...),10 enquanto obsté- culos @ um progresso de justiga social, a um paraiso de allanga entre a ciéncia e a consciéncia. “Quando estes dois termos do espirito humano, hd tantos séoulos afastados, se identificarem numa harmonia completa, 0 homem desde esse momento sera justo, sera bom, sera feliz’, 0 idealismo sentimental e 0 clericalismo, isto 6, D. Juan e Jeovah, devem ser mortos, J ndo por uma providéncia vingativa, mas exclusivamente no tribunal de toda a sociedade, por prinefpios materiais © de moral social Este mito agora humanizado e inglotio esté jd bem longe da sétira social do Dom Juan de Moligre, no sentido em que alude mais proximamente a0 Dom Juan autobiogréfico de Byron ou ao her6l roméntico de Zorilla'2, Havia que os destituir da sua aura mistica de aventura de identidade que seduziu 0 Romantismo, ao atribuirihes numa primeira fase um pape! do vates libertadores dos preconceitos socials, antes de os vulgarizar em meros campedes de sensualidade. "8 Porém, se é de facto um lugar comum afirmar ‘que Guerra Junqueiro conjuga o lirismo épico de Hugo com o satanismo de Baudelaire,'4 ainda que Hourcade saliente que o posta é a um tempo baudelairiano na forma e julgue ser antivaudelairiano nes ideas, 15 o certo 6 que 0 seu D. Jodo esta nos antipodas desse herdi serene perante o inferno, vencedor contra Deus, que habita Les Fleurs du Mal'®, Na realidade, é também esse satanismo que Junqueiro ataca no *Prefacio a segunda edigo” 254. de A Morte de D. Joao: “O assunto do meu poema @ a corupgao @ lr bertinagem d'uma parte da sociedade, corrupedo manisfestada na literatura desde 0 idealismo ingénuo @ dissoluto do Raphael de Lamertine, alé ao realismo descaradé e vil dos escriptores do segundo Império"t7 © tom ironicamente didéctico e saturado de moralismo com que, por exemplo, aconselha os maridos pouco envolventes a protegerem as suas esposas, se forem belas, 8 alia-se neste prefécio ao deslumtramento epocal perante 0 avango cientifico e & obrigago de 0 poeta ser um homem do seu tempo'®, Um D. Jodo modemo Iria, agora, deixar de reinar para morret "a pedir esmola, coberto de chagas @ de vermes, no esterqullineo, como um malandro ignobit29, num estilo nu @ cfu, 0 que em termes de recepgao terd desencadeado 0 sucesso © 0 escéndalo, e assim se explica 0 tom Justifcative e condutor desta_introdugao. E 0 prdprio Junqueiro que se in- digna: “..) e fechais (...) as portas da vossa estante a quem teve a audacia indesculpdvel de castigar severamente todas essas libertinagens literarias’2* Consciente da accao directa da poesia sobre os costumes, segundo 0 en- tendimento da época, o autor de A Morte de D. Jofio propée uma literatura honesta que dissolva a "sentimentalidade doentia do Romantismo desgrenhiado e plegas’, responsével pela “devassidao idealista, a prostituigao do matriménio, 1a desordem moral, enfim, 0 amor demagogo, 0 amor livre"22. Com frase enfatica © caudalosa, este Victor Hugo portugués®® retoma em *Nota,” no ‘fim da obra, 0 horror dos pootas de "boulevard, das “cocotes", do “cognac”, da nicotina, para ndo falar do épio, das “tistezas pantanosas, sombriamen- te ridfculias"?4 © afogadas num bordel, cujas referéncias so por demais francesas. Dai que © horizonte de identificagao deste D. Jodo seja bem o pecado que a Franga social e artistica do Segundo Império muito fantasmaticamente simboliza e em que Junqueiro tera sido induzido através dos Poemas de Macadam de Carlos Fradique Mendes. E, no entanto, de sublinhar que 0 conhecimento da vida francesa em A Morte D. Joao é muito indirecto e essa Babilénia foi mais imaginada pelo autor do que contirmada: *...) Jun- queiro saturé de réminiscences indirectes de la culture frangaise a dirigé toute la violence de la satire contre un état social quil simaginait étre celui de Paris et quill voulait emp&cher de s’étendre au Portugal (..."28. Também. Ferreira de Brito reflacte sobre 2 matriz cultural francesa na geragao de 70 para concluir que ‘a France était pour ces jeunes un mythe qui, comme tous les mythes, altire et repousse 2 la fols"20, evidenciando o quanto autores como Antero, Ega, Oliveira Martins, Germano Meireles devem, uns mais do que outros, @ essa cultura, a cuja influéncia poderosa ao mesmo tempo renunciavam e cediam. Aliés, também Junqueiro renega 0 mesmo roman- tismo @ satanismo, aproximados no seu ataque, que caracterizam a sua cobra em geral, ¢ af engendram uma renovago imagistica ¢ vocabular. Se 255 em "Nola", 0 poeta de A Morte de D. Jodo visa a realizagao da justiga através da extincao de Jeovah, mais no faz do que prociamar no seu estilo ppréptio @ grandiloquente, o anticlericalismo que inspira Eca, Ramaino, Oll- veira Martins e Teofilo Braga. Ha-de-Ihes actescentar un projecto de tilogia ‘em que ndo sé mataré esse Deus surdo de A Velhice do Padre Etemno, ‘como obriga D. Jodo & evolugo, desde 0 idealismo, através da divida, até ao aniquilamento, para coroar essa trindade com um deismo regenerador que aproximaria Cristo e Prometou. ‘A motte do posta impediu a publicagao do longo poema de que nos legou exclusivamente 0 esbogo. No entanto, porque Junquelro havia mani- festado a intengo de dedicar a obra a Luis de Magalhies, este sou amigo do s6 vem a publicar a estrutura desse projecto, como o prefacia muito escla- recedoramente. Prometeu libertado corresponderia, assim, ao triunfo da liber- ‘dade que resumitia uma nova ordem social e moral nas iguras de Prometeu, cua “londa 6 verdadeiramante a Epopela da Humanidads’, e do Gristo, cula doutrina sempre exerceu uma “iresistivel sedugdo solre o seu spirit" Porém, Guerra Junqueiro concretiza a sua luta contra o idealismo li+ terdrio que poetizou e engrandecou um D. Jodo diletartemente entregue a uma mistica da leviandade, com a impunidade com que os primeiros sons dos tambores republicanos comegam a_ameagar a atistocracia, no Portugal finissecular. O posta de A Vitéria de Franga nunca deixaria nas maos de Deus 0 castigo do seu D. Joko; aquele que até na devassiddo € refinado e altivo, nobre, deve, em 1874, enquanto parasita, morrer de fome nas mos da sociedade. A falta de guihotinas, Junqueiro assassira todos os que ndo trabaiham para comer: "Appellar para a justica de Deus, como no quinto acto dos dramas moraes, ¢ 0 supremo cynismo, porque 6 negar a justiga dos homens, mostrando que a sociedade & impotente para castigar 0 culpado’2®, Mas se voz do republicanismo em Portugal era francesa, tamibém © etam os filtros inebriantes do pecado. Essa Babilénia, antro de vicio, coincide confusamente com uma Franga do Segundo Império assim imagh- nada: 0 poema “A Guitarra de D. Joao” inicia-se com um quadro de “spleen” charuto, cognac, chic, jéias de plaqué, vinho de Bordéus, vitinas de La- cenaire, Rigolboche e palido crevé®9. De uma sensualidade deploravel, este hocturno associa @ suigestéo dos cristais, das cangoes de Offenbach, das sodas e da dogura com um infemo de cortesis que derramam 0 amor na mors, De *hedionda pallidez", “oocas de canibaes’, “de formas vis, ri- diculas," com “olheiras fatas", estas "Venus triviaes" dellam-se numa atmos fera em que o requinte dessa ‘miseria elegante’, dos “viclos delicados", as langaré exemplarmente para a “enfermaria d'um lugubre rospital"®, A origem inalienavelmente aristocratica de. Juan obriga Junquelro a imprimir enfase {A desvalorizagao do gesto senhoril dessas vaguissimas arquiduquesas que Imperia supera em morbidez, “finura, graga, geometria/ Da modemna paixao, 256 louca, desordenada’, capaz de diluir “a negra flor do tediof Que Satanaz cultiva em nosso coragaio"3". Nem mesmo a rainha das sedutoras e das devassas consegue arrancar D. Joao da abulia nilista, mera doenga dos sentides extremados, que hé-de invalidar 0 germe do préprio mito, o infinite nna sensacao, Prefigurado jé 0 homem degenerescente de D. Jofio © a Mas- ‘cara de Anténio Patricio, na outonal brandura da sua "nonchalance’ perante até _a fina flor da beleza feminina, este desgragado, que chega a desejar ‘a excitagao de Cristo no. calvario € de Judas no remorso, conhece, enfim, a vontade da morte%, ‘Se Imperia dialoga ao longo deste poema com D. Joi é, ainda, para reforgar a sua vocapao promodial de Eva, a serpente corruptora, desafiadora de Jeovah, No entantanto, é de notar que 0 mito de D. Juan parece tomar a feigdo de uma vinganga posterior de Addo sobre a esséncia da mulher, que conduz & revelago do prazer e do corpo. A vitima, fantastica ainda que climplice por quase amor, decide sacrificar aquela que asteve na origem da sua explustio do paraiso, aquela que 0 destituiu do seu angelismo. So- frendo dessa nostalgia, 0 Addo que ha em D. Juan vinga-se aura mutiph cada prostituigéo do teminino em que, no fundo, procura sempre a restituigao da intagridade edénica. como se Adso, despeitado por ter sdo despromovido pelo patrdo divino, nunca tivasse sabido degustar, compreendar, a sagrada liggo da pele © do sabor que Eva, libertadora e menos mesquinha na obe- diéneia, teve a Humanidade e 0 génio de Ihe propocionar, ganhando com Isso 0 mitico desprezo dos homens, a misoginia, mesmo a mais civilizada, consoante as épocas € os eufemismos®®. Contudo, na obra junqueiriana, trata-se de recuperar, 2 0 paternalismo do momento hist6rico 6 ébvio, a mulher decente, aquela cue secularmente se penitencla da bela mancha de Eva.%4 © sagredo do fascinio de D. Joao 6 exterior @ sua pessoa e@ consiste na ondulada vibragéo musical de uma guitarra, o que retira excepcionalidade intrinseca & dinamica de apropriagao. Tanto mais que estranhamente este homem desgastado revela aberiamente (© seu segredo, “uma guitarra/ um talisman sublime/ Que pertenceu outrora a D. Jodo Tenorio’®®, capaz de acender uma mérmore ipassivel, Simbo- lizando, assim, a fogosidade do amor meridional, JA que centém os vapores dos jardins de Seviiha, Granada .. com que inebria as viigens. Téo puras ‘quanto Addo antes da queda, so “criangas perfumadas,/ Doces como Jesus, frescas como alvoradas" que D. Jogo envenenou, conduzindo-as ‘20s lupanares “sem coragdo, usurarias da came, agiotas da paixGo\..." Aqui é ja bem o romantica social que se concentra nas causas reais da podridao: essa_imensa prostituigo que atira mulheres para asilos sombrios @ para valas comuns ¢ que tem origemn na animalidade. Sim, 0 D. Juan de Tirso da Molina era ele préprio, a guitarra, ele mesmo continha 0 segredo do fulgor da conquista, essa fina cortesia, enquanto que este D. Jodo nada 287 & sem o seu Instrumento que reduz a mulher a uma serpente. Por isso, até porque de Sevilha, a serpente deve ser morena, porque moreno © feiticeiro foi sempre 0 pecado no ferinino: Morenas, ‘norenas,/ Sentinco: -me triste, lembrei-me,/ Fugiram-me as penas, Morenas! Morenast96, Peto contrario, a Ioira doce e franzina, pélida, casta, que deslumbra D. Joao pela inacessibilidade com que D. Elvira levou 0 D. Jotio de Moliére ao matriménio, nao negligenciando, a origem nobre da alva menina, o que muito interessa a um homem da estirpe de D. Joao¥7, E normal que este este restipo com olhinhos azuis do Fomantismo seja rebaixado na pena satirica de Junqueiro, pelo analtabetismo que a impede de ler os avangos epistolares, falsos © sofisticados, do conquistador. A maior caricatura social da igno- rancia feminina surge, deste modo, na probabilidade destas Evas roman- ticas mal saberem ler, apesar de usarem "a Classica folra de videlra, cortada pelos moldes de Paris. Incapaz de seduzit essa imbecil dourada, este ‘apequenado D. Joao portugués vé-se obrigado a roubar a guitarra do mitico D. Juan de Sovilha, até porque presencia e sente os efeitos dessa balada: “(.) Ea minh’alma sinistra e turmulae/ Sentiu-se boa, oxigenada, esperta, (2 a “grande flor morena, a flor mais bela / Das margesns quentes do Guadalquivir” caiu nas gartas dessa melodia.9® ‘A chave deste sucesso e deste t6nico reside certamente no nivel mais instintivo em que D. Juan Tenorio mantém as suas alitudes @ que corres- ponde, como é sabido, a certo paradigma do homem espanol, 0 “toréador" bruto ¢ irresistivel para as donzelas lletradas e passivas de todos os tempos: "Desmaio, anceio,’ Fico tremente, Como o selvagem! Que ao vir da ara~ ‘gem, Ancioso escuta/ O sopro ardente/ Da fera bruta"*®. Por seu lado, a ‘mulher situa-se bestialmente entre a *Febril Panthera, Pambinha mansa, olho de fera, Rit de creanga”ét que nos leva a crer que estariam bem um para © outro. Na verdade, Guerra Junqueiro consegue degradd-los e concede ‘0 prémio da tonta Julieta lusitana ao incapaz D. Jodo, sem confirmar nenhum métito pessoal aquele que j& ndo € mais do que a caricatura do sedutor, visto como canibal das alvas cames da menina.s2 E agora evidente que este poerna conslitui uma notavel parédia do Romantismo até pelo seu desenlace: o antiquado herdi da Renascenga © da cavalaria vem de espadachim reivindicar a sua goria, a sua guitarra, junto do nosso D. Jodo que o mata com um modemo tro de revdlver®. Com elo, esval-se o mito roméntico, até porque o novo D. Joao destréi € guitarrifha e com ela a vollpia ¢ 0 inevitavel "spleen" das grandes paixoes, ‘a0 ponto de se entragar A noite da morte expiatéria“4, Auto-punidor, este humilde devasso nao encara bravamente a morte como os seus antepassados desde Mozart - porque nao ja em Moliére, por ambiguidade? - até Baudelaire Entrega-se apenas, reverente, como Addo, aquele a quem Eva, no fundo, nada conseguiu ensinar. Eo inferne de quem prefelia ser anjo ¢ a infe- 258 licidade das mulheres respeitéveis que no poder sentir as delicias dessa guitarriha momentanea mas reveladora, No entanto, ¢ de salientar que A Morte de D. Joto esta longe de ser um poema uno. Pelo contrério, esta obra permite lrapar um perourso poético de quinze anos e conhecé-la significa compreender 0 Junqueiro anterior a Os Simples, desde a criagdo de Baptismo de Amor até & escrita de A Velhice do Padre Etemo, Todos os criticos parecem ter seguido a linha de Anténio Sérgio, que, nos seus Ensalos#8, acentua a incoeréncia do personagem de Don Juan, primeiro inocente @ depois cinico. Tenderam, Portanto, a considerar que A Morte de D. Jodo era uma recolha de poemas ispersos, 0 que Pierre Hourcade vem a contrariar: “(...) mais un ragard attentit découvre sans trop de peine les lignes de soudre, Ce livre n'est lun ouvrage moral et révolutionnaite que par réfiéxion et a posterior (..)4, Esta obra conteria, ora 0 herdelto de Musset e de Byron, ora o mais ousado poeta revolucionario, cujas marcas realisias Oliveira Martine viria a lamentar pelo pessismisme forgado do culto da fealdade.«” Na verdade, quando na “primeira Parte” desta “obra em babylonia”, Messalina maniesta a sua vontade périida de esmagar (...) Falstaff, Satanaz, Tartufo, Sganarello’, os que vestem o fraque e a batina preta, remetendo 1ndo s6 para o universo dramdtico de Shakespeare, como para o de Moliére @ respectiva concepeéo barroca de “theatrum mundr- “A vide é uma far- {gadal8 -, vamos conhecer, ainda, um poeta, que, indignado, a recusa: “(..) Eu nao podia amar-te, néo podial Ligar 0 génio, 0 fogo sacrossanto,’ A ‘esplendida loucura/ Ao réptl que se estorce em noite escura No catre d'uma orgial..‘®. Na parte Ill, “O Encontro’, é 0 efeito cémico que produz mais tarde “o sonho de D. Joao82, Entre larvas tétricas @ verdejantes prados, D. Joao encontra-se num cemitério, onde bem ao gosto de “O Noivado de Sepuicro de Anténio Feliciano de Castiiho, evoca a meméria das suas vitimas amadas, Beatrizes e Julietas, que respondem com solugos, em coro. Verdadeiro painel de tragédia, esta voz colectiva que lembva, por exemplo, fa simbélica mulher de véu que surge no fim do Don Juari de Moliére, ro: gando-the que se arrependa, lamenta o seu purgatério: “..) Manda-nos Deus lavar com nosso pranto ardente/ Os beijos que nos dest2, os beljos cér do sol (..."51. Indiferente & maldigao que estas sombras ultrajadas Ihe langam, D, Joao ironiza hereticamente a propésito do céu, lugar decadente, desde que Jeovah morreu modemamente de apoplexia. Com uma curiosa marca de actualidade, este clnico amante empresta “chic” a um inferno de artistas satinicos, bem 20 gosto de ParisS2 Ja no poema seguinte, “Os Saltimbancos", Jo&o perde todos os seus Pergaminhos, acompanhando, nas feitas, prostitutas beratas @ acrobatas, a mesmo tempo que evoca nostalgicamente a sua velha grandeza ro- manticasS para, por fim, confimar as adversidades finisseoulares contra a 259 sua estratégia. Para além desse “divino artigo quatrocentos @ um do Cédigo Penarss, D. Jodo é a exemplar prova da faléncia do romantismo sentimental: roto, igndbil, careca, pobre, vende fittos e manhas, necrol6gios em versos @ attigos de moral§5 na companhia de uma Imperla desdentada ¢ de hi tides famintos. Se neste posma D. Jogo se situa, ainda, no lebirinto negro da sua ncia, em’Uitimos Momentos".os derradeitos versos de A Morte de D. Jodo, a igndbil criatura desafia as beatas, os sacerdotes, a atenuarom a sua miséria num dia de chuva em que todos 0s crentes se sentam & lareira, no sofé da sua f@, Nem Deus escapa & provocagio, tal como 0 D. Juan de Moligre que tenta lever 0 pedinte a responsablizar Deus pela sua miséria: "Para que eu soja um verdadeiro erente/ Corn muitissima 18 nos tous assombros/Tu que fizeste jé parar 0 sol/ Digne-te, 6 Deus, langar reste meus hombros/ um capote espanhol’S®, As quase “faroust last Wwords' desde D. Jogo t8m 2 dignidade ou a energia licda, se nfo quisermos valorizar tanto esta tltima dindmica, de nos fazer notar a podridao do mundo @¢ do céu - 0 Deus dos catdlicos hé-de morrer_com D. Joaols? -, ao mesmo tempo que se pde a venda. Consciente da iminéncia da morte, impenitente, impermedvel ao arrependimento e, neste t6pico, préximo ainda do Dom Juan de Moligre © de Mozart, expira muito fislologicameme por fome e nunca por remorso58, Mais empedrenido no pecado do qu2 bravo na dor, este . Jodo, com a sua morte, dé lugar @ uma nova era de pureza, cuja descrigao 89 nos afigura, hoje, quase infantis ‘Camilo Castelo Branco, em Noites de Insénia néo podia deixar de sublinhar a “substancia estrangeira” deste livio, ressalvando porém a alta qualidade da sua poesia, mas acrescentando que A Morte de D. Joso é ma "basta sementelra de impiedades"®, Ainda em 1942, Anténio Cabral, rum texto trstemente polémico que dé voz & ala catdisa mais tradicionalista, afirma que *se nos afaga a musica do verso, fere-nos o desbragamento da ideia', neste tivo “sem nexo, nem fio condutor.. de construgae ataba- thoada’, Nao havia de tardar a resposta sentida de Maria Isabel Guerra Junqueiro, fiha do poeta.s* Aliés, em 1885, a publiegao de A Velhice do Padre Eterno cumpre ai mais uma vez a veia articlercalista, de gesto geracional, com poemas sonoros e frontais como “Acs Simples", em que 0 autor denuncia a traigéo da Igreja a Cristo8?, “Parasitas’, que evocam os Sallimbancos", j4 que os histrides que exibem & tufoa um aborto para obter rendimento so comparados aos “iunémbulos da Ciuz/ Que andaes pelo Universo ha mil © tanto annos/ Exhibindo, explorandc o corpo de Jesus."®9 E, desde logo, inleressante notar que Junqueiro dedica essas cin- quent balas, assim qualfica 0 poeta os cinquenta 20emas de A Velhice do Padre Eterno,6 & meméria de Guihorme de Azevedo, posta @ quem multe deve. Piere Hourcade, no Capitulo Ill da obra cilada, analisa as 260 relagdes entre A Morte de D. Joao © A Alma Nova de Guilherme de Azevedo, para concluir que “toute la fausse inspiration frangaise, tout le mélange de littérature et de polltique”, “L’anticléricalisme de l'anticatholicisme ‘sans atténuations* aproximam os dois autores.65 E certo que Guilherme de Azevedo, dez anos mais rovo do que Jun- ‘queiro, segue com Aparigdes, obra publicada em 1867, os “clichés do Ro- ‘mantismo lamattiniano, mas em 1871, com Radiagdes da Noite, e sobretudo, ‘em A Alma Nova, em 1874, é j& um discipulo de Vitor Hugo e a sua poesia 4& social. Desta forma, este notével cronista do sée, XIX assume-se como seguidor desse Vitor Hugo que “estimula o brio dos herdis, levantando-se ‘como Dante (..) para fulminar 0 despotismo (..)"8, Este tom revolucionaiio aliado a uma sua deficiéncia fisica valeramihe a alcunha de “dlabo coxo", perfeltamente justiicada pela expressao de Candido Figueiredo: “(..) com grave escandalo dos pianos de provincia e do canto chéo dos sacristios, Guilherme surgiu com um tubarao nefasto nas costas da Pévoa de Varzim'®s7 Tomas da Fonseca, no seu profacio & 2 adigao de A Alma Nova, salienta a inovagéo deste autor dentro da sua goragao: "(..) E embora esta obra sucedesse as Heras e violetas de Guilherme Braga, e as Odes Mo dernas de Antero de Quental, precedeu a malor parte das produgées lite- rarias de Junqueiro, as satiras de Gomes Leal (Traigdo,Heteje, Anti-Cristo) © 0 filosofismo de Teixeira Bastos (Vibragdes do Séculs) (..).68 E com uma assumida consciéncia de pertenga geracional que Guilherme de Aze- vedo dedica A Alma Nova a Antero de Quental,"um obeiro honesto do pensamento: 2 alma licida moderna © generosa”%, Moderno ao ponta de ser considerado precursor de Cesario,7 ao adoptar elementos do concreto e do urbano, e beber na poesia baudelairiana o gosto pelo macabro, na ‘conjugagao poética da dor e do prazer e alé no hedonism com que encara a morte. E ainda interessante sublinhar que, mesmo na interpretagéio do mito de D. Juan, segue em *O Ultimo D. Juan’, segundo Manuel Simées, © Baudelaire do “Don Juan aux eniers."7! Com eleito, se 0 poeta portugués chama a si o universo da morte inerente a0 poema francés, em Baudelaire ergue-se a porsonagem mitica ainda A sua condigéo romantica de herdi, pela bravura com que encara inferno e pelo fascinio que derradeiramente D. Elvira mostra por ele. O ‘timo D. Juan” 6 j4 0 inicio do apocalipse do mite romantico, como em ‘A Morte de D. Joo, a orua punigao do devasso desmascarado. O poema refere “Violagdes brutais” que levaram mulheres as “sossegadas lousas” dos cemitérios. "Aquele", @ @ pronome aponta com desprezo 0 sedutor, & identticado com o grau mais basico do instinto, j4 que é com “gula” que “morde as mais sagradas cousas", 6 com animalidade que aborda a maior alvura, ao ponto de afugentar 0s proprios animals que devoram os cadaveres + *(-) Dihorror faz recusar os trémulos chacais’.72 Este ‘animal do amor’ 261 aproxima-se do D. Jodo de Junqueiro neste primarismo, mas néo encanta por nenhuma guitarra - "Nao descanta & viola, & noite os seus enlevos"- na noite propicia aos amantes de outrora. Um D. Jtan moderne, 0 que ‘50 dirige &s mulheres, mesmo As menos romanticas - “gantis belezas dhoje, 6 astros dos Passeios,” que “Ihe no langaes, a furto, a escada de retrés™- lage na ‘sombra", por estratégia.73 O tom profilatice do poema aconselha ‘as mulheres mais castas, mesmo as Donas Elviras que casaram primeiro ‘com Deus, como em Moliére, a que se protejam contra “os vendavais dos beijos’, “as neites de luar’, a torrencialidade natural desse {mpsto eficaz.74 © poeta parece assumir equi a finalidade preventiva do autor de A Morte de D. Jodo, no seu protacio dedicado aos “chefes de familia’, com 0 tom ‘ameagador de “um dia ha-ce chegar! mas um dia vird’, como quem anuncia 6 fim do mundo, que mais néo € 0 fim de D. Joao. Este amante é, do mesmo modo, to decadente quanto o de Junqueiro em “A Guitarra de D. Jo80": “informe, tosco, sem garbo, sem pudor, grotesco, intame, vil’. Esta ‘acumulagao de horrores pretende impressionar e persiadir as mulheres a {quem o poeta se dirige educetivamente: "..) nas grandes solidées ira dormir convaseo,! mordendo em cada seio o lirio mais gentil”.75 Contudo, na quinta estrote, o poeta transfere-se para a sociedade ainda romantica, povoada dessas “virgens romanescas" que poderiam cair na busca do etéreo de pacotilha, propria desse herdi romantizado, quando, na verdade, D. Juan procura s6'"os corpos nus, as belas cares trescas", desprozando a emotividade dessa entrega.’® D. Juan nao pertence ao Universo puro, ideal - "Ngo vive como nés de céndidas mentiras?? - limita ‘se a degradar "as pilidas Elviras’ ©, apesar de ja nao ter 0 aspecto do cavaleiro de antigamenta, ¢ rei na corrupcao7®. No entanto, "um hailto divino" das ‘flores sentimentais” poderd fazer fugir esse “velho D. Juan", “feroz con quistador’, até porque ele é a morte”9. O grande "Cesar-Verme" representa (0 Império irremediavel na morte sobre o Homem, no que o poeta tem de Idealismo e de vontade crladora, No fundo, a ultima estrofe esclarece-nos quanto a identidade do “titimo D. Juan” das nosssas vidas, no seu fascinio fe na sua tirania, na impossibilidade de se fugir & morte que ceifara a energia oriadora do posta: “mas que um dia viral (..\/ colner ¢ que ficou de tantos ideais’®0, Integrando a mesma geragdo intelectual de Junqueiro e de Azevedo, Gomes Leal define, em Claridades do Sul, o seu primeiro livre publicado ‘em 1875, as linhas essenciais da sua poesia, ainda ullra-romantica na forma ena inspiragdo, mas ja de uma temética pamasiana que se matiza co universo ureano e pecartinoso de Baudelaire. Allés, em "A Bolla Flor Azul referi-se-4 ao poeta francés, delimitando, no fundo, o s3u espago de afinida- de com ele: "EU nao sou 6 fatal e triste Baudelaire/Mtas analyso 0 Sol 6 ecomponho as rosas (..)®". Pasta das contradigGes de uma vida entre 262 otausto ea miséria, os amores venals ¢ a ideal fantasia, pceta das injusticas socials, Gomes Lealé? situa o seu D. Juan no mesmo plano degenerescente do devasso de Junqueiro e de Guilherme de Azevedo. Nem 0 degradando até & morte, nem o elevando & contingéncia da efemerdade da vida, 0 poela de Claridades do Sul surpreende D. Juan nos ridiculos momentos. finais da - “Ultima Phase da vida de D. Juan" - e antecha, em epigrate, 1a dehonrosa morte do heréi legendario, a solugo moderna para a sua extinggo: “Afinal D. Juan vinha hole @ morer d'uma incigastao". Com o subtitulo intrigante de “Amor de Cosinha’, este poema apresenta-nos um Sancho Panga mals uma vez ao nivel do instinto mais primério, ao ponto de jd nem sugatir o Quixote que fora dos saloes romanticos.83 Confundindo mulheres com comida, circunserevendo a sua existéncla ‘a0 mero universo culinétio, D, Juan devora a ama de um cura com exoesso © essa avidez hé-de valer-ihe a morte: “(..) Desejos que hao-de dar na morte escural (..)"84. 0 sistematico grau comparativo de superioridade com ‘que 0 amante qualifica a fémea releva de toda uma ret6tica fécil do ena- Moramento. Assim © seu “cabelo € mais fino que 0 our,/, @ a sua vor “mais bella que 0 metal’ E os cantos catholicos do céro’. Mantendo-se na rea seméntica do religioso, 0 que muito o liga & tradigéo libertina do D. Juan de Moliée, por provocagao, o suieito postice continua a comparar os “sous labios vermelhos @ discretos” &s “romas das cercas cleticais" e “os seus olhos sombrios... mais pretos/ Do que 0 lalim escuro dos missaesi8, ‘Sem espiritualidade, mesmo falsa que fosse, este D. Juan cispersa a melan- ccolia romantica, que nem confessa, numa bulimia certamente angustiada; quase surpreeendido pelo prior nas lides amorosas, @ escondido pela {mea “alegre e franca como a vinha” e conduzido ao sano @ & more na dispensaés De resto, na tradi¢ao mitica do donjuanismo, a infidelidade © 0 pecado convocam sempre uma intervengao puntiora de Deus através da morte37. © exagero, agora 86 tristemente alimentar, que caracteriza este Don Juan de Gomes Leal, 6 a feigdo possivel com que o antigo herdl tem de se conformar nestes anos do século XIX. J nfo se Ine concede o favor do jogo da hiprocrisia e da sética social em quo se refuga a personagem de Moliére, no contexto da corte de Luis XIV; este D. Juan moderno & igualmente destituido da inquietagao ideal, da vontade finamente sentimen- tal, da doce amoralidade do amante romantico®®, Despromovide & catego- fia_de vencedor de causas faceis, esta sombra do pederoso mito da Conquista impossivel e saborosa consome os amores olerecidos que a cidade lasciva esbanja: "Quando, alta noute, D. Juan passeia,/ Ella poe- lhe em lelléo a mocidade(,..)8° Simbolo da impunidade © vicio aristocraticos, da falaciosa sent mentalidade a Castilho,90 D. Juan ¢ o velho Portugal das sacristias & dos varandins deviam morrer sem piedade, ao som da Marsslhesa. 263, NOTAS 1. BALLESTER, Gonzalo Torrente, Don Juan, Barcolora, Ed. Destino, Dest- nolibro, 1983, 6* ediggo, p.p. 25 e174. ‘2. Refiro-me a tese indlspensdvel para qualquer donjusnista: De BEVOTTE, Georges Gendarme, La légende de D. Juan, son évolution dans ta littérature des crigines au Romantisme, Paris, 1906. ‘3. FIGUEIREDO, Fidelino de, Donjusnismo e antixionjuanismo em Por- tugal, Coimbra, imprensa da Universidade, 1929, p. 9. continua: "(..) Em 1775 ublicou-se duas vezes,num falheto de cordel, o Convidado de Pedra ou D. Juan Tenorio, 0 Dissoluto, que ¢ uma tradupao da pega de Malena.) 4. Cl. OLIVEIRA, Francieco Xavier de, (em Franga. Chevalier Oliveira) Cartas (‘Recreapio, | Gap. XIV." A propésto’ do amor), em que este se revela fenquanto teérico do donjuanismo. '5 A expresso 6 de Fidelino de Figueiredo, op. cit. p. 25 e significa a estética de um donjuanismo vivo OU vivido da forma como Garrett 2 teré experimentado: 5. 27'-*© donjuanismo garrtiane rende-se & Mulher, buscando aprisionar em cada amor o fragmento duma grande e fugitva alma dnica... 6. Dias, José Simbes, "Xécara de D. Joao" ¢ "Bandolim de D. Joso", poemas incluides em A Fotha, 1836. 7. BRAGA, Tedfilo, Ondina do Lago, Porto, 1866, prema em que © aulor segue, alternadamente, © caminho da mistficagdo de D. Jao © o da morte em Seegraga.agora tomada como simbolo de um eéculo XVI degradante, no s2u ‘sentimentalismo, '. GAIO, Manvel da Silva, Novos poemas, Coimbra, 1906, posma “D. Joao". ‘Aqui deixo a referdncia sem mais desenvolvimento porquanto, @ questiio merecia lum outro artigo, '8, HOURCADE, Pierre, Guerra Junquelro et le probleme des influences rangaises dans son oeuvre, Parle, Société dEdktion des Belles Settees, 1992, p. 109 -"ll sagiirait dune démonstraton cohéronte et logique, cestadire, dune Bouvte pansée & un moment determiné et réalisée méthodiquement en vue de Fetfet moral & produire” 40, FIGUEIREDO, Fidelino de, op. olt, p. 37. 11, JUNQUEIAO, ‘Guerra, A Morte de D. Joao, Lisboa, Liv. A. M. Pereira, 1087, 4* ‘edigdo, “Ptolacio de Segunga Edinao", p. 10. 42. Relirome 30 Don Juan de Byron e a0 Don Juan do Zorila 18. A literatura romantica francesa efiou 0 Don Juan de Mandra ou la Chute d'un ange de Alexancre Dumas (1836) © um conto de Mérimée, “Les Ames du Purgatoie ou les Deux Don Juan" (1834). J& © Don Giovanni de Mozart na letra ‘de Da Ponte, consagta 0 homem de reboldia socislmente consequente. 14. Ver FIGUEIREDO, Fidelino do, Histéria da Literalura Realista, Coimbra, Imprensa da Universidade, 12844, cap. 3 8. HOURCADE, Piorte, op. elt, p. 123 *(..) D'ol | résuite que Junqueiro fest bien a la fois baudelairen ou pseudobaudelairion, 1 faitdans la forme,et antibaudlairen en ilusion dans les idées(.). ‘6. ver 0 pooma de Baudelaire, ‘Don Juan aux enters" (cluido em Les Flours du Mal), cltima estrote 264 47. JUNQUEIRO, Guerra, op. cit, "Pretécio da Segunds Edigao', p. 16. 18, Idem, ibid, p. 16: (..) Es casado? Amas tua mulher? Ela é bonita? Maull... Desconfia de’D. Jodo... A tua mulher € essenciaiments fraca, nervosa imaginativa... depois, repara bem, tu bem sabes, tens um joanet» hediondo, vestes mal, e, francamente, desculpa-me, tu nio és bonito” ‘19. Idem, bf, p. 13: "..) O posta tom pois obrigagSo de ser um homem do seu tempo, E necessério que as odes, isto é, que 0 sou sentimento esteja fexactaments paralelo aos resultados." E de notar que as po. 13 614 deste prefacio ddesenvolvem as diferentes fases da Humanidade om termos de criagio © que muito lembram a andlise, mais brihante © desenvolvida, de Vitor Hugo na cua "Préface a Cromwet. 20. Idem, Ibid, p. 15. 2A. Idem, ible, p. 20 22. Idem, Ibid, pp. 22 ¢ 23 28. HOURCADE, Piero, op. cit, cap. Il 24, JUNQUEIRO, Guerra, op. cit, "Nole”, p. 20. 25. Cf. HOURCADE, Piette, op. cit, p. 128. E 0 autor continua: "Par lA se confirme notre hyothse Gur lo caractbre ‘estioint et supericial de ses lectures frangaises. Un Musset déformé, un faux Baudelaire, un Lamatina simplié pour les bescins de la polémique, un Hugo avant tout polique et détenseur du peuple: cest tout ce quil connait de not fitérature du XIX sicécte” 25, Cl. BRITO, Ferveta de, "La génération des Eorivains Portugals de 1870 ella Matice Culture Frangaise’, in La Licorne, Facuité des Lettes ot des Langues de [Université de Poitiers, 1983, p, 16. 0 autor deste texto no s6 remonta as forigens do francesismo em Portugal, para enguadrar nessa velha tendéncia da Geragio de 70, como precisa a paradoxal atitude de diferente autores que integram fesse movimento intelectual 27. JUNQUEIRO, Guerra Prometheu Libertad, Porto Lit. Charcton, 1928, pp. 14 © 22. Depols de Prometeu tentar liberiar 0 Homem, restivindo-he a foress prodigiosas ca sua natureza ver a desmoralizer, j4 que of homens sao naturakmerte ‘maus. Na cena do citimo eanlo, Prometeu eritanize-ce e liberta-e (Canto V, p. 48) 28. A Morte de D. Joao, ed. cit, “Nota”, p.. 823, Nesta pagina escreve ainda: “Eu segui um caminho diferente, D. Jodo, na sua qualidade de parasita morre como deve morrer. de fome. Quem no trabalha nao tem dieito & vida" 29, Cf. Idem, Ibid, ed, cit, Parte Il: "A Guitarra de D. Jodo", pp. 233, 284, 285, 236 © 237. 80, Idem, Ibid, od. cit, pp. 294 © 235 3. Idem, bic, p. 238 ‘82, Idem, Ibid, p. 239: "Quem me dera gomer no teu calvstio, 6 Christol’ Quam me dera sentir 6 teu remorso, © Judas." e "Se esgotel fralmente os sonhos do imorevisto, Se ja nfo posso ter as sensagces agudas! Da virtude © do mal, Porque € que ainda existo?.” 83. Idem, Ibid, p. 240: “..) E tenho as alleracgbes nenosas da sempentel ‘Com que Jeavah teniou nossos primeiros pags. ‘34, Idem, fbie., p. 238: “Abandonam da esposa o selo casto e branco/Para salisfazorom a doida phantasiay €, torpos 0 febris entram cambaleando/ Na alcova ‘upeial ao despontar do aia.” 265 35, Idem, Ibid, p. 241 36. Idem, Ibid, p. 248. 87, Idem, Ibid, p. 247: “Era filha dum conde millorario, Como todos 0s condes. das balladas/ vivendo sollaro! Num castello de ameias rendihadas (.)" ‘28, Idem, Ibid, p. 249, onde se 18: "..) alé parece Que ache! ceria poesial ‘Que a branca Julieta niéo soubassa! Os mysteios fataos da ontographia. Ficava assim com a innocéneia Intela/D'uma Eva fol2’ 88, Idem, Ibid, pp, 250 © 253 440, Idem, Ibid, p. 251 41, Idem, Ibid, p. 252 42, Idem, Ibid, p. 253 "..) Ela me disse: D, Jogo sou tual! E como era bella assim! As loiras trancas! Encobriamsino os seios virginaes... Oh frescura da carne das cfeancas! Oh dentadas damorl.. Oh Cannibaeslt.) 48. Idem, fbrd., p. 258: "..) Ia atirar-me um golpe ao cora © n'esse mesmo instante/ Cahiu morto no chéo. 44. Idem, Ibid, vor as trés Glimas estofes do poomé, p. 257: “Ao sair do bordel pegou na guitarra/ Quebrou-a com os pés.desfel-a em nil pedagos/ E depois exclamou: © noite, 6 mencenilal Estendel sobre mim os venenosos. bragos!. 145. cl, SERGIO, Anténio, Ensalos, Tomo il, Coimbra, Tp. da Atlantida, 1949, 2 od, p45, 148. HOURCADE, Pierro, op. cit, p. 145. Na p. 147 zcrescenta: "i fait co qui alfirme ne pas voulor fare, et se sonne peu de ce qu'l proclame hautement..” 47. Cl. MARTINS, Oliveira, Dispersos, Lisboa, Bibioteca Nacional, 1923, p. 26. 48. JUNQUEIRO, Gusrra, A Morte de D. Jodo, ed. cit. p. 69, 49. Idem, Ibid, p. 163 50. Idem, Ibid, p. 263: "(..) A embriaguez crearavine este drama’. J& na . 81, © posta secrevia: ‘Dizia-me © outro dia um bom sujet! Bardo mais puro {do que © pura arminho,/A Poesia prossegue de tal geltoy/ Que as musas mortem, se encarece o vinho" ‘51, Idem, Ibid, “O Sonho de D. Jose *, p. 269. 52. Idem, ibid, p. 272: “{..) Para perder a alma 6 hoje necessario/ ou ter ‘muito dinheito 9u ter muito talento: Chamarmo-nos Voltaire, ou ser-se milionario” 53, Idem, Ibid, p. 289: can) Eu ful 0 D. jodo, o tipo da altvez, © doido meneetrel, romantico, sombrio, Quo fot por muito tempo 0 espectro do burguse Eu ful 0 D. odo, 0 lubrico vacio Do poema sensual do grande lord inglez." 54. Idem, Ibe, p. 290. 55. Idem, fbi, pp. 290, 291, 292 © 293, 86. Idem, Ibidl, “Uttimos Momentos’, p. 307. 57. Idem, Ibieh, p. 308: "..) Homens © deuses tudo esta perdidol, cf. pp. 309 © 310. 58. Idem, Ibid, p. 312: "D. Jodo (expirando) Nao 6 remorgo...6 forme 59, Idem, Ibid, p. 313: 08 Ultimos versos conjugem ‘o rosieler da aurora” Eu disparei, 266 com "um grande beljo luminoso @ casto' de Deus, mais “o calico vibrando, 180 limpidot de uma cotovia e uma “estvela da manha ..". Este é hoje um quacro ‘excessivamente previsivel e mondtona que quase nos faz desejar o mundo colorido @ paradoxal de D. odo, 60. BRANCO, Camilo Castelo, Noltes de Insénia, Chardon,1874. 61, CABRAL, Anténio, O talento @ os desvarios de Guerra Junqueiro. 0 desequilforio de um grande poeta, Lisboa, Porugdlia, 1974, p. 67. Um exemplar desta obra, existonte na Biblioteca Municipal do Porto, contém, em apéndice, as respostas publicadas da filha do posta, 62, JUNQUEIRO, Guerra, A Velhice do Padre Eterno, Porto, Chardon, 1885, we) E multo embora a vossa igrela se contiste E a excomunhao papal nos abrase e destru, A analse € feroz como uma langa em riste E a verdade cruel como uma espade" pe: 63. Idem, Ibid, p. 14. Também poemas como °O Baptismo" so profundas refloxies de {8 exigante, enquanto que poemas "Como se faz um monstro* ou "A Sesta do Snr. Abade, “Circular, paradiam, até ao grotesco, 2s falsos ministros de Deus. 64. Idem, Ibid, “Nota”, p. 14 *..) Colleceio de 50 poesias que sio 50 balas, {que pattindo de diveiscs pontos, vao todas baler no mesmo alvo (..). 65. HOURCADE, Pierre, op. cit, pp. 192 € 134. O autor conclu na p. 143: “(u.) Don Juan, lorsque ses youx se dessillent prociame que la moderne riique atué le dogme vain de la divinité de Jésus (..) Junguelro renchérit encore sur Guilherme Azevedo, mais si sa verve enrchit les thames outrages et dobscuités plus hardies, alle ne leur ajoute aucune idée nouvelle (.) 66. AZEVEDO, Guilherme de, Radiag6es da Noite, Lisboa, Tip. Univer- sal,1871, p. 5. 67, FIGUEIREDO, Candido de, in Ocidente, vol. ,1881,p.203. 68, FONSECA, Tomas da, in “Profdcio’ a AZEVEDO, Guifierme de, A Alma Nova, Coimbra Imprensa da Universidade, 1923, 2° ed,, p. 35. 69, AZEVEDO, Guilherme de, A Alma Nova, Lisboa, Imprensa Nacional, 1981, p. 5: "A Antero de Quental “Mau amigo, Este Livro parece-me um pouco do nosso tempo. Sorrindo ou combatendo, fala da, Humanidade © da justiga, inspirando-se no mundo que nos rodela E porque julgo que ele segue na diteogdo nova dos espirtes, oferego-a a lum obreito honesto do pensamento: @ uma sima Nicida modema e generosa.” Dezembro de 1872 Guilherme de Azevedo 70, Idem, tbid, “introcugao de Manuel Simées", p. 13 “Guilherme s'Azevedo Precursor de Cesério" ou ainda, Dionisio, Mario, Perspectiva da Literatura Portuguesa do Sec. XIX, voll, Atica, 1847, p. 487. 71, Idem, Ibid, nota n® 35: “(..) E paralraseando 0 prépio Baudelaire para quem a descoberta da Poe foi uma descoberta do seu eu sutterrineo podor-so- 267 via dizer de Guilherme de Azovodo em relagéio 20 posta francés: i vu (.) non seulement des sujets révés par mol, mais des phreses, pensées par mei, el éertes paar Wi.) 72. Idem, Ibid, poema XXXV, *O Utimo D. Juan”. p. 103, 1° estiote. 73. Idem, Ibid, p. 103, 2 estroie, 2 versor(..) ele vive na sombra 74. Idem, Ibid, p.103, 3" estroie ed) ‘as sede muilo embora as virgens sem desejos, 185 monjas vrginais, uns pudlicos dragdes; fechal 0 niveo colo aos vendavais dos beijos, @ 48 noltes da luar 06 vossos corapées." 78. Idem, Ibid, p. 103, 42 este. 76. Idem, Ibid, p. 103, 6 estrofe oe) E 0 quo ele adora muito, 6 virgens romanescas, rio & 0 que abrigais do et6reo e virginal: ‘adora os corpos nis as bolas cames frescas, deixando 0 resto a vos danados do ideal 77. Wdem, ibid, p.108 6° esto: *) ‘no comunga do amor esse lustre pao.” 78, Idem, Ibid, p. 104 7* estote “i ‘no usa dlespadachim; no traz osporas dioura mas vive como o8 rela das grandes corupgias" 79, Idem, Ibid, p. 104 7 esteot: () Flores sentmentais tremei do paladino, do velhe D. Juan,feroz conquistador, 80. Idem, biel, altima estrofe: “od mas que um cla vité, na cindida epiderme nna sagrada nudez dos colos virginais , fem hinos de triunfo — 0 grands Gésar-Vermet colher © que ficou de tantos.ideais'”. © poema “Os sonhos mortos' da p. 52 da mesma cbta retoma a mesma tomatica: Sio elas! as visdes dos meus dias follzes, 0: ‘meus sonfios virginals, as minhas iusdes, ‘que a sciva dio agora aos vermes e as raizzs, ‘que em pasto dio seu corpo a novos coracdss or 1. LEAL, Gomes, Claridades do Sul, Lisboa, Braz Pirhelro Ed,, 1875, p. 24 82. Idem, Ibid. p. 10. No poema f podriddo da Sociedade: 268 janela do Ocidente', Gomes teal lamenta “a Os reis ressonam nas davassas festas: Jit 08 frulos do Mal esto crescidos (..)" Podiamos muitiplear as exemplos em “Acusagao a Crsto,” *Lisbos", 89, Idem, Ibid, “Utima Phase da vida de D. Juan’, p. 128: i) Cangados dos vaos fagos de bengal Como Pansa adeei o Pensamento E abandonet os ideals da sala- = Pelo amor da cosinha succulento! 84, Idem, Ibidl, pp. 128 2 estrote. 85, Idem, bic, pp. 128 © 129. 186. Idem, idl, p. 129. 6° estrofe - “Fugiu de mim a va. melancholia Ella 6 franca @ alegre como a vinha..” Btostote = (..) Os olnos della fazom mais defuntos Dos que © padre acompanha nos enters! UGitima estrote - (.) Mas levou-me a um sitio agasalnado E dorm toda a noite na dispersal” 87, ROUSSET, Jean Le Mythe de Don Juan, Paris, Fayard, 1972, chil £88. Idem, fbid,, "O cannibal’, p, 254, onde © posta da conta do antigo estatuto mitico de Oon Juan: Ge) Come eu quisora ser nos sonhos della Um rel das lendas, 0 fatal D. Juan cy 89, Idem, Ibid, “A Cidade", sip... 2¥ estrote 90. SCHEIDL, Ludwig, Fausto na Weratura Portuguesa e Alema, Coimbra, INRC, 1987, Nesta obra, p. 43,0 autor rtere a valorizagdo de Don .uan no Rmantism: {.) sobreludo a partr da época de Mozarida Ponto - inlorretando e identficando, 28 avonturas amorosas e erdticas com uma problemdtioa que no 6 essencialmente diferente da do especulador e sabio insatisieto, Fausto na busca do Absolto." Urbano Tavares Rodnigues, em O Mito de Dom Juan e Outros ensalos, Gacém, Fé, Ensaio, | 1981, 2° et; pp. 32-35, sinteliza visao particular dos trés pootas aqui estudades o afirms, p. $2: "..) O antrdonjuanismo dos poetas pantie tatios da segunda geragio romantica é manifesto. Rendidos a idea do progresso ldos fem Hegel e em Vico, em Spencer e Darwin, deslumbrados pelo grande clardo da Comuna, antiolarcais © anticapitalistas, ambicionando para a poesia um caracter cien tifeo e para a humanidads proleléria'a emancipacio econémica, menosprezam de lum mode geral o contelide humane e © sentido fldsdtico da figura de D. Juan, para ‘considerarem de preferéncia, num contexto social, os futos danintios do seu egotismo. Nele véem apenas duramente e em posturas desvantajosas, com intuito polemistico, © sbaritsmo camal ou uma torpe devassido pretensamente ‘aristocratica” (..) 289

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