Você está na página 1de 5

1

A REFORMA PROTESTANTE DO SÉCULO XVI


Motivações e Desdobramentos Práticos
Romanos 1.16,17

INTRODUÇÃO

A Reforma Protestante do século XVI foi um fenômeno variado e complexo, que incluiu fatores
políticos, sociais e intelectuais. Todavia, o seu principal foco, foi religioso, ou seja, a busca de um
novo entendimento sobre a relação entre Deus e os seres humanos, uma vez que a Igreja
Medieval havia afastava-se cada vez mais das Escrituras.

1. O que motivou a Reforma?

O final da Idade Média foi marcado por muitas convulsões políticas, sociais e religiosas. Na área
religiosa, houve a erosão do ideal da cristandade. A sociedade coesa sob a liderança da igreja e
dos papas, estava se esfacelando. A religiosidade era meritória, com missas pelos mortos,
crença no purgatório e invocação dos santos e Maria. Ao mesmo tempo, havia grande
ressentimento contra a igreja por causa dos abusos praticados e do desvio dos seus propósitos.
Isso é ilustrado pela situação do papado no final do século 15 e início do século 16. Os
chamados papas do renascimento foram mais estadistas e patronos das artes e da cultura do
que pastores do seu rebanho. A instituição papal continuou em declínio, com muitas lutas
políticas, simonia, nepotismo, falta de liderança espiritual, aumento de gastos e novos impostos
eclesiásticos.

Apesar da existência, anterior, de outros protestos contra as doutrinas da Igreja Medieval, foi
apenas no século 16 que o movimento de reforma alcançou proporções gigantescas. Esse
movimento mudou definitivamente o Cristianismo mundial.

2. O início da Reforma

Vivendo sob esse ambiente obscuro, tanto teológico quanto moral, foi que surgiu o principal
reformador: Martinho Lutero. Ele era um monge agostiniano nascido na Saxônia que resolveu
protestar contra os abusos da Igreja. Então em 1517, Lutero pregou 95 Teses (a maneira usual
de convidar-se uma comunidade acadêmica para debater algum assunto) na porta da Capela de
Wittenberg. Esse documento falava especialmente contra a questão das indulgências e
apontava para a verdadeira doutrina bíblica da justificação pela fé. Logo, uma cópia das teses
chegou às mãos do arcebispo, que as enviou a Roma. No ano seguinte, Lutero foi convocado
para ir a Roma a fim de responder à acusação de heresia. Recusando-se a ir, foi entrevistado
pelo cardeal Cajetano e manteve as suas posições. Em 1519, Lutero participou de um debate
em Leipzig com o dominicano João Eck, no qual defendeu o pré-reformador John Hus e afirmou
que os concílios e os papas podiam errar.

Em 1520, foi dado a Lutero, sessenta dias para retratar-se ou ser excomungado. Os estudantes
e professores da universidade queimaram a bula e um exemplar da lei canônica em praça
pública. Nesse mesmo ano, Lutero escreveu várias obras importantes, especialmente: O
Cativeiro Babilônico da Igreja e De Servo Arbítrio (A Liberdade do Cristão ou A Escravidão da
2

Vontade). Isso lhe deu notoriedade imediata em toda a Europa e aumentou a sua popularidade
na Alemanha. No início de 1521, foi publicada a bula de excomunhão para Lutero, então ele
compareceu a uma reunião do parlamento, a Dieta de Worms, onde reafirmou as suas ideias.
Foi promulgado contra ele o Edito de Worms (foi um decreto do imperador romano Carlos V que
proibiu os escritos de Martinho Lutero e rotulou-o como inimigo do Estado), que o levou a
refugiar-se no castelo de Wartburgo, sob a proteção do príncipe-eleitor da Saxônia, Frederico, o
Sábio. Ali, Lutero começou a produzir uma obra-prima da literatura alemã, a sua tradução das
Escrituras.

A intenção de Martinho Lutero não era dividir a Igreja, mas convidar os teólogos a um debate e
reflexão. Seu objetivo era promover uma reforma na igreja de dentro para fora, a fim de que ela
retornasse às Escrituras e se tornasse mais semelhante a Cristo.

3. Movimentos Protestantes

O termo “Reforma”, no singular, não é o mais apropriado. O movimento tomou várias formas.
Países diferentes, teólogos diferentes, tinham ênfases diferentes. Então, a Reforma Protestante
foi um movimento heterogêneo. Isso significa que várias manifestações ocorreram nos países
europeus. No geral, esses movimentos de reforma concordavam sobre os pontos centrais da fé
cristã. Haviam algumas discordâncias sérias, mas em sua maioria, era questões secundárias.

Os principais movimentos foram:

 Luteranos, com a reforma na Alemanha sob a liderança de Martinho Lutero e Filipe


Melanchton.
 Reformados, com a reforma em Zurique sob a liderança de Ulrico Zuínglio, e em
Genebra com João Calvino.
 Anabatistas, também em Zurique com Conrad Grebel e Felix Mantz. Esse movimento
era mais radical e conflitava, inclusive, com o movimento reformado de Zuínglio.
 Anglicanos, com a reforma na Inglaterra sob a liderança de Henrique VIII e depois
Eduardo VI e Maria I.

4. As principais doutrinas da Reforma

De forma geral e resumida, o movimento de Reforma baseava-se em três pontos principais:

A centralidade das Escrituras (Sola Scriptura). A Reforma trouxe uma rejeição à ideia de
revelação continuada e deu ênfase à verdade de que somente a Bíblia é a Palavra de Deus
infalível e inerrante. Isso significa que a revelação de Deus para o homem está completa e
possui plena autoridade sobre todos, e nenhuma tradição jamais poderá equipará-la ( Tota
Scriptura).

A justificação pela fé. Os reformadores rejeitaram qualquer ideia de justificação pelas obras que
resultaria numa salvação meritória. Mais tarde esse ponto acerca da verdade bíblica sobre a
obra da salvação foi sintetizado nos lemas: Sola Gratia (somente a graça), Solus Christus
(somente Cristo), Sola Fides (somente a fé) e Soli Deo Gloria (somente a Deus a glória).
3

O sacerdócio de todos os crentes. Os cristãos reformados entenderam que o único intermediário


entre Deus e o homem é Cristo, e que através de sua obra todos os cristãos verdadeiros são
feitos reis e sacerdotes, no sentido de que eles possuem acesso direto a Deus. Com isso, o
conceito de divisão entre clero e leigos foi rejeitado, visto que a Igreja é a comunhão dos fiéis.

5. As consequências da Reforma

A Reforma Protestante causou uma divisão irreversível na Igreja Ocidental. Essa divisão foi
acompanhada de muitos conflitos violentos entre católicos e protestantes. Infelizmente as
pessoas matavam em nome da fé. Um triste exemplo desta realidade foi a história noite de São
Bartolomeu (24 de agosto de 1572), onde, estima-se, que cerca de 30.000 huguenotes
(presbiterianos franceses), foram mortos em uma emboscada católica.

Para tentar combater os movimentos protestantes, a Igreja Católica promoveu o que ficou
conhecido como “Contra-Reforma”. Nesse período o Tribunal do Santo Ofício (a Santa
Inquisição) foi um dos instrumentos utilizados. Também houve um tipo de Reforma Católica, com
a tentativa de resolução de alguns erros e problemas do próprio catolicismo.

Apesar de tudo isso, a Reforma Protestante levantou a bandeira do Evangelho fazendo com que
despertasse novamente aquele Cristianismo fundamentado nas Escrituras; um Cristianismo cujo
centro é Cristo, semelhantemente ao que havia na Igreja do período apostólico. A Reforma
Protestante foi o maior movimento espiritual desde o Pentecostes (Atos 2).

6. É necessário, uma nova Reforma?

Depois de 500 anos, muitas pessoas se perguntam se é possível uma nova Reforma
Protestante. Essa questão surge da constatação da realidade lamentável em que se encontra
grande parte das comunidades protestantes atualmente. Todavia, é claro que uma reforma como
a que ocorreu no século 16 não será mais possível.

Uma série de fatores num ambiente histórico específico convergiram para o fenômeno da
Reforma Protestante. Obviamente isso nunca mais se repetirá. Além do mais, quando a Reforma
aconteceu só havia uma Igreja que precisava ser reformada.

Já na atualidade, temos milhares de igrejas que se distanciaram em menor e maior grau das
Escrituras. Isso significa que embora uma Reforma Protestante como a que teve lugar no século
16 não seja mais possível, a verdade é que a Igreja continua clamando por reforma.

Independentemente da época, Satanás sempre levanta seus agentes para tentar distorcer e
manipular a Palavra de Deus. Então os verdadeiros cristãos são diariamente apresentados
diante de novos desafios em que é preciso defender a causa do Evangelho.
4

Por esse motivo a frase do teólogo reformado Gisbertus Voetius (1589-1676) é tão pertinente:
Ecclesia Reformata et Semper Reformanda Est , que significa: “A Igreja é Reformada e está
sempre se reformando”.

Essa frase indica a necessidade constante de a Igreja estar preocupada em se parecer mais e
mais com Cristo e em sempre se aproximar das Escrituras como seu alvo principal. A Igreja deve
manter em mente que a Palavra de Deus jamais muda.

7. A influência da Reforma na vida cristã

A Reforma aconteceu no século XVI e desdobrou-se com força até o final do século XVII e início
do século XVIII, quando movimentos de caráter racionalistas e humanistas começaram a ganhar
notoriedade. Contudo, os sinais que marcaram a caminhada da Igreja Cristã quanto aos desvios
precisam estar vivos em nossa mente para, todas as vezes que os percebermos, liguemos a luz
de alerta e o corrijamos para que não cresçam.

7.1. A Cosmovisão Reformada


Os cânones oriundos da Reforma, não são apenas sistematizações doutrinárias, mas uma
cosmovisão. O que isso significa na prática? Que não só, aquilo que diz respeito aos serviços
religiosos (aquilo que envolve o culto), mas todas as áreas da minha vida, precisam funcionar
sob a perspectiva dos valores bíblicos da Reforma. A forma como eu trato as pessoas, como eu
administro os meus negócios, como crio meus filhos e cuido do meu casamento, como zelo pelo
culto do Senhor, etc.

7.2. A Bíblia é a Palavra de Deus


A Confissão de Fé de Westminster afirma o seguinte, com base na própria Escritura o que é a
Palavra de Deus:

A autoridade da Escritura Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida, não
depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas depende somente de
Deus (a mesma verdade) que é o seu autor; tem, portanto, de ser recebida, porque é
a palavra de Deus. (CFW I. IV, 2 Tm 3.16; 1 Jo 5.9; 1 Ts 2.13)

A própria Reforma, em si, foi um movimento da “Palavra”. Lutero teve o seu coração aquecido e
estimulado a repousar com confiança na Palavra, afinal, foi o texto de Romanos 1.17, de início,
que o levou a reflexão e mais tarde, durante a Reforma ele deu testemunho desta Palavra:

Eu simplesmente ensinei, preguei, escrevi a Palavra de Deus; fora isso, eu não fiz
nada. E, então, enquanto eu dormia ou bebia cerveja de Wittenberg… a Palavra
enfraqueceu o papado de tal forma, como nenhum príncipe ou imperador causou
tamanho dano antes. Eu não fiz nada. A Palavra fez tudo.

Seguindo o princípio de Cosmovisão e o testemunho dos nossos irmãos da Reforma, todas os


aspectos da vida deles foram marcados pela obediência à Palavra do Senhor e não pelo
pragmatismo. As questões da vida, eram respondidas e vividas pela orientação das Escrituras.
5

A Reforma não foi uma revolução, onde há quebras de paradigmas, mas, ao contrário, foi um
retorno às bases. Foi um retorno às Escrituras, foi um dissipar da névoa obscura que impedia o
povo de Deus de ter acesso à Palavra de Deus; foi a retirada dos trapos romanistas, dos
entulhos papistas que encobriam o verdadeiro sentido da Palavra.
7.3. Um retorno à devocionalidade

Algo que seguiu à Reforma, além da visão missionária, foi percepção de que o servo de Deus,
deve estar constantemente em contato íntimo com o seu criador. Uma necessidade percebida
pelos cristãos que experimentaram a Reforma foi a de uma vida devocional. A santidade pessoal
e a pureza doutrinária, precisavam caminhar juntos.

O Puritanismo foi um dos movimentos mais longos e permanentes (Séc. XVI e XVII) de
devocionalidade pessoal que se desdobrava na vida pública. O objetivo principal era completar o
que a reforma protestante não tinha conseguido: reformar o culto anglicano, restabelecer os
valores do Reino na área política, doméstica e social desejando que os ingleses pudessem viver
a fé de modo reto. Acreditavam, também, que seria através da pregação e do ensino do
evangelho que tal aconteceria. Esse movimento, oriundo da Reforma, nos desafia à refletir se
não estamos, hoje, voltando a antiga dicotomia, onde fazemos separação entre profano e
sagrado.

Temos nos dedicado a oração, ou nossas reuniões são apenas pro formes, com discursos
automáticos, repetitivos? Temos orado com mente e também com o coração? Sentimos falta dos
momentos de oração ou esses são apenas eventos pontuais. Os reformadores eram homens e
mulheres de oração.

“Eu temo mais as orações de John Knox do que os exércitos de 10 mil homens contra nós”,
disse Maria, rainha da Escócia sobre as orações de John Knox. John Knox deixou um legado de
oração para seus filhos e netos, alguns dos seus descendentes morreram com os joelhos duros
como chifre de boi, o homem que tinha orações que até a Rainha temia, em tudo recorria a Deus
Knox é pai do que conhecemos como presbiterianismo (1560).

O desejo pelo conhecimento e crescimento na Palavra de Deus, deve ser algo inerente na vida
do cristão.

7.3. A fé pública
A fé pública não deve ser confundida com jargões evangélicos ou formações de guetos. Os
reformadores eram homens de seu tempo. Eram profissionais liberais (advogados, médicos,
economistas, administradores, etc). Não se isolavam do mundo, pelo contrário, estavam atentos
aos acontecimentos e realidades que os cercavam. Tinham voz profética para clamar contra o
erro.

Como herdeiros da Reforma, precisamos acompanhar nossos irmãos do passado neste trabalho.
Questões têm surgido no mundo que precisam de respostas e essas respostas têm que ser
bíblicas. Como respondemos ao aborto, a eutanásia, a ideologia de gêneros, ao divórcio, aos
crentes que não querem ter filhos, a crentes que chamam pets de filhos. As respostas a essas
questões, não podem ser pelo senso comum, mas bíblicas, saudavelmente bíblicas.

Você também pode gostar