Societalização. Este Novo Padrão De: Palavras-Chave: Modernidade, Globaliza-Key Words: Modernity, Globalization

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O artigo examina as características e The paper examines the characteristics
bases institucionais dos processos de and institutional bases of the individualiza-
individualização social em contextos de tion processes in contexts of late modernity
modernidade tardia e globalização do espaço and globalization of the social space.
social. A individualização refere-se aos Individualization refers to the mechanisms
mecanismos e processos que tornam a and processes, which turn the perception
percepção dos problemas sociais como of social problems into individual
problemas individuais, em função de problems, in view of psychological and
disposições psicológicas e familiares. family dispositions. Globalization and
Globalização e individualização apresentam- individualization emerge as two sides of a
se como duas faces de um novo modo de new mode of societalization. This new
societalização. Este novo padrão de pattern of individual/society articulation
articulação das relações indivíduo / expresses, in the biographisation of social
sociedade exprime na biografização dos problems, some of the most dramatic
problemas sociais algumas das mais consequences of the weakening of the   
dramáticas conseqüências do enfraqueci- problematization of the social in the public
mento da problematização do social no space and in collective action.
espaço público e na ação coletiva. Doutora em Sociologia pela USP.

Palavras-chave: modernidade, globaliza- Key words: modernity, globalization,


Professora Adjunta do Departamento de
ção, individualização social e trajetórias social individualization, biographic
Serviço Social
biográficas. trajectories.

    

Assistente Social.

Mestranda do Programa de Pós-


Graduação em Serviço Social da UFSC,
Bolsista CAPES.


 
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  individualização social. Ensaiam-se institucional. [...] Utilizo a pa-


aqui algumas idéias sobre o papel que lavra industrialização para

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desempenham o saber experto e os me referir às relações sociais
presente trabalho tem
agentes profissionais da área social que acarreta o emprego gene-
por finalidade demons-
nos processos de individualização em ralizado da força física e da
trar a importância que
geral, e, particularmente, na constru-
assumem os processos de individua- maquinaria nos processos de
ção das trajetórias biográficas. Final-
lização social nas sociedades contem- produção. Neste sentido, cons-
mente, o presente ensaio desemboca
porâneas, fundamentalmente do ponto titui um dos eixos institucionais
em algumas hipóteses que deverão
de vista da sua estreita associação com da modernidade. Outro de
ser retomadas em futuras pesquisas
as dimensões institucionais da globa- seus aspectos é o capitalismo,
sobre o tema.
lização em contextos de modernidade termo que deve ser entendido
tardia. Nesse sentido, a questão da como sistema de produção de
individualização pode ser interpretada
como conseqüência de uma recente e !     mercadorias que abrange tan-
to os mercados de produtos
generalizada renovação dos mecanis-  "  #  $% competitivos quanto a trans-
mos institucionais que participam da &  %'  formação em mercancia da
regulação das relações entre indivíduo
e sociedade. De modo geral, a
 força de trabalho. (GIDDENS,
individualização refere-se aos meca- 1991, p. 26-27).
nismos e processos que tornam a per- O termo modernidade designa, ge-
cepção dos problemas sociais como ralmente, um conjunto de condições A modernidade, em Giddens
problemas individuais, em função de sociais de alcance sistêmico (diferen- (1995), alude fundamentalmente ao
disposições psicológicas e familiares. ciação estrutural, racionalização, campo institucional, já que as institui-
As crises sociais apresentam-se des- universalização) e de caráter multidi- ções modernas, por seu dinamismo,
se modo como crises individuais e, de- mensional (econômico, político, cultu- impacto generalizado e quebra com
vido a isso, não são geralmente perce- ral, psicossocial, etc.), baseados no de- as formas de conhecimento e ação
bidas como ancoradas no domínio do senvolvimento de saberes e práticas tradicionais, diferem de todas as for-
social (BECK, 1992). Em termos cul- instituídas e instituintes de novos mas precedentes de ordem social.
turais, isso significa que na parâmetros espaço-temporais (AU- Com efeito, a modernidade produ-
modernidade tardia assiste-se a uma GUSTO, 1993) para a produção e a ziu o surgimento de um duplo proces-
decomposição das fontes de significa- reprodução da vida em sociedade. Em so: de um lado, homogeneização
do coletivas (consciência de classe, fé termos históricos, a emergência, a con- universalizadora e reducionista da sub-
no progresso, etc.), as quais tornam- solidação e a crise da modernidade jetividade, e, do outro, fragmentação
se objetos de desencantamento e es- abarcam um período extenso que re- ou “quebra das territorialidades huma-
gotamento, ao mesmo tempo em que monta a um tipo de existência social nas tradicionais”. (GUATTARI, 1987,
sua perda leva às instituições a depo- da qual ainda hoje fazemos parte: p. 181; 1992, p. 15). De qualquer ma-
sitarem as funções de suporte nos in- neira, as duas tendências podem ser
divíduos: este é um dos significados que [...] utilizo a palavra ´mo- interpretadas como duas faces de uma
adquire o conceito de processo de dernidade´ num sentido muito mesma moeda, que se caracteriza prin-
individualização na teoria social con- geral para me referir às insti- cipalmente pelo enfraquecimento am-
temporânea, principalmente na obra do tuições e formas de compor- plo e deliberativo de um ethos denso
sociólogo alemão Ulrich Beck, pers- tamento impostos inicialmente representado na apertada rede de im-
pectiva que será adotada para o trata- na Europa posterior ao feuda- perativos morais próprios da ordem pré-
mento do tema no presente texto. lismo, mas que no século XX moderna (GIDDENS, 1995; HEL-
O artigo consta de duas partes. A ganharam, devido a seus efei- LER, 1995).
primeira dedica-se ao exame da tos, um caráter histórico mun- Os processos de secularização,
modernidade como experiência con- dial. O termo ´modernidade´ racionalização, urbanização e diferen-
temporânea, particularmente no que pode ser considerado aproxi- ciação, entre outros, determinaram o
diz respeito às dimensões globalização madamente equivalente à ex- desenvolvimento de novas caracterís-
e individualização. A segunda parte da pressão ´mundo industrializa- ticas nos campos da ideologia, da ci-
discussão refere-se às trajetórias bi- do´, enquanto seja aceito que ência, da técnica, da religião, da arte
ográficas e estilos de vida como al- a industrialização não se re- e praticamente de todas as formas do
vos privilegiados dos processos de duz unicamente a seu aspecto saber, transformações que se expri-


 
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mem na alteração das pautas de rela- seqüentemente, que as relações en- institucional contemporâneo, principal-
cionamento das instituições com os tre formas sociais e eventos locais e mente no que diz respeito à regulação
indivíduos. distantes se alongassem. Para Gid- das relações indivíduo / sociedade.
dens (2002, p. 27) a globalização se
Isto não significa pensar a mo- É precisamente nesta última di-
refere a este processo de alongamento
dernidade como experiência uniforme. mensão onde podem ser localizados
e pode ser compreendida, de modo
Neste sentido, pode-se dizer que não os mecanismos institucionais que sus-
geral, como a “interseção entre pre-
existe uma modernidade porque mui- tentam as formas contemporâneas de
sença e ausência, ao entrelaçamento
tas modernidades são possíveis, prin- individualização dos agentes sociais.
de eventos e relações sociais ‘à dis-
cipalmente no momento contemporâ- Isto pode ser melhor compreendido se
tância’ com contextualidades locais”.
neo (BECK, 1997). Por isto, serão ex- analisarmos os sentidos e alcance que
postos a seguir alguns traços estrutu- É necessário pontuar que a globa- adota a noção de individualização no
rais da modernidade que admitem ní- lização é um conceito de caráter interior da teoria social contemporâ-
veis e graus de implantação diferenci- polissêmico e multidimensional2 . Aqui nea, sentidos quase sempre fortemen-
ais de acordo ao contexto considerado está sendo considerada como um as- te vinculados à questão da constru-
em cada caso. Estes traços foram es- pecto associado a um “novo modo de ção da ordem, especialmente no que
colhidos partindo de diferentes auto- societalização” que tem permitido a diz respeito às relações entre indiví-
res cujas fontes teóricas e materiais expansão da modernidade reflexiva a duo e sociedade.
empíricos se encontram em muitos diferentes sociedades locais. Neste sen- Como assinala Santos (1995, p. 5),
aspectos afastados do tipo de realida- tido, podemos interpretar que a experi-
de social que inspira a realização des- ência da modernidade tardia em dife- [...] a regulação social da
te trabalho, pois têm como principal rentes partes do mundo contemporâneo
modernidade capitalista se,
referência as sociedades desenvolvi- estaria associada aos processos de
por um lado, é constituída
das do mundo ocidental. Entretanto, globalização. Na interpretação de Ianni
trata-se de aspectos das instituições (1996) a globalização possui alcance por processos que geram de-
modernas que transcendem as frontei- civilizatório e alta densidade social: sigualdade e exclusão, por
ras nacionais. Assim, o caráter hete- outro, estabelece mecanis-
rogêneo das formações sócio-culturais A globalização do mundo ex- mos que permitem controlar
latino-americanas possibilitou a emer- pressa um novo ciclo de expan- ou manter dentro de certos
gência de formas descontínuas, alter- são do capitalismo, como limites esses processos. Me-
nativas e híbridas que revelam a incor- modo de produção e processo canismos que, pelo menos,
poração e ao mesmo tempo a supera- civilizatório de alcance mun- impedem que se caia com
ção do grand récit da modernidade. dial. [...] Assinala a emergên- demasiada freqüência na de-
Trata-se de uma heterogeneidade que
cia da sociedade global, com sigualdade extrema ou na ex-
seria um dos efeitos da implantação não
uma totalidade abrangente, clusão extrema. Estes meca-
uniforme da modernidade como expe-
riência (DOMINGUES, 1999; complexa e contraditória nismos visam uma gestão
YUDICE, 1991). (IANNI, 1996, p. 11). controlada do sistema de de-
sigualdade e de exclusão.
Por outro lado, não se pretende Este tipo de processo tem sido
nesta seção realizar uma caracteriza- objeto de inúmeras interpretações. Trata-se de mecanismos cuja exis-
ção global da modernidade do ponto Para os fins da presente discussão tência e funcionamento apoiam-se nas
de vista institucional; apenas tenta-se interessa salientar a importância que instituições sociais. Neste sentido,
identificar e discutir algumas proprie- assume a globalização da vida social poder-se-ia afirmar que as instituições
dades da experiência da modernidade como elemento constitutivo de um desempenham um papel fundamental
contemporânea ou tardia1 que apre- novo modo de societalização, carac- na regulação das relações entre agen-
sentariam uma estreita relação com os terizado pelo desenvolvimento dos, tes e estruturas sociais. Assim, auto-
processos de individualização social. entre outros, seguintes aspectos: con- res como Beck (LASH; WYNNE,
Uma das características da moder- solidação de um novo padrão de acu- 1992) consideram que, quando a mo-
nidade como experiência contempo- mulação capitalista; transformações dernização atinge um certo nível, os
rânea consiste no seu caráter globa- no mundo do trabalho; emergência de constrangimentos de natureza estru-
lizante. Sem dúvida, a modernidade uma nova questão social; inadequação tural sobre os indivíduos diminuem, já
produziu um nível de distanciamento das respostas e instrumentos de ges- que são as próprias forças do proces-
tempo-espaço como nunca houve em tão do social ao novo quadro de pro- so de mudança estrutural que tornam
períodos precedentes, permitindo, con- blemas, e transformações do tecido os atores mais livres com relação à


 
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estrutura. Para que a modernização lecionar e escolher representam ver- [...] a desintegração das cer-
seja bem sucedida nessa fase, os dadeiros imperativos socioculturais: os tezas da sociedade industri-
agentes sociais devem eles mesmos indivíduos são convocados a recolher al, assim como a compulsão
se livrar desses constrangimentos e articular os fragmentos de um mun- para encontrar e inventar
como forma de permitir o processo do dilacerado do ponto de vista da sig- novas certezas para si e para
modernizador. Segundo Beck (LASH; nificação subjetiva. 3 os outros que não a possuem
WYNNE, 1992), trata-se de uma Conforme foi registrado em um (BECK, 1997, p. 25-26).
mudança estrutural da vida privada, trabalho anterior (MITJAVILA,
baseada na individualização dos agen- 2002), as transformações das relações Assim, a individualização significa
tes privados, os quais estão forçados entre indivíduo e sociedade teriam desincorporação e reincorporação
a tomar decisões sobre si mesmos, chegado a ponto de privar as distin- dos modos de vida da sociedade in-
como com quem se casar, ter filhos, ções de classe de sua identidade. Isto dustrial por outros modos novos. Con-
definir preferências sexuais, etc. Li- não significaria o desaparecimento das tudo, este processo não ocorre base-
vres de pressões estruturais, os indi- desigualdades sociais baseadas em ado na livre decisão dos indivíduos
víduos devem construir reflexivamen- clivagens tradicionais, e sim sua como evidencia Beck (1997, p. 26):
te suas próprias biografias. Isto pode redefinição em termos de uma
ser particularmente observado no individualização dos riscos sociais: os A individualização é uma
mundo do trabalho, o qual apresenta problemas sociais passam a ser per- compulsão, mas uma compul-
cada vez mais exigências em termos cebidos em função de disposições são pela fabricação, o auto-
de restruturação, respostas flexíveis psicológicas e familiares, como se fos- projeto e a auto-representa-
e rápidas, características que incluem sem independentes das contradições ção, não apenas da própria
também a utilização do tempo livre. sistêmicas que os determinam biografia, mas também de
De certo ponto de vista, poder-se- (MITJAVILA, 2002, p. 136). seus compromissos e articula-
ia afirmar junto com Rosanvallon ções à medida que as fases da
vida mudam, porém, eviden-
(1995) que a modernidade tardia está (    temente, sob as condições
vinculada a uma inflexão decisiva na
gerais do Welfare State [...].
percepção do social. Assim, a crise    %
do Estado Providência não implica
Neste quadro são colocadas exi-
apenas uma série de mecanismos que   )   gências para que o indivíduo se cons-
enfraquecem, transformam ou supri-
titua como um indivíduo a fim de que
mem fatores de integração social, # )  * possa participar das proteções e be-
como também representam um apelo
nefícios materiais e simbólicos asso-
à responsabilidade dos indivíduos nos  $%   ciados ao modelo do Welfare State.
processos de gestão dos riscos soci-
Este indivíduo deve ser capaz de to-
ais. Trata-se de transformações do    +  mar decisões sobre si mesmo ou so-
edifício social que não só alteram as
frer as conseqüências que lhe serão
percepções quanto à incerteza, mas      auto-infligidas em caso de fracasso.
também levam a uma relação diferen-
Essas decisões não são livres, como
te dos indivíduos com o Estado.      foi dito, e
Esta orientação pode ser mais ex-
tensamente interpretada como uma    , [...] colocam o indivíduo
transformação global das relações como um indivíduo que está
entre os indivíduos e as instituições no centro das coisas e
As conseqüências sociopolíticas da
sociais (ROSANVALLON, 1995). E desestimula os modos de vida
individualização podem ser devastado-
em certa medida, a referida transfor- e a interação tradicionais,
ras, principalmente se considerarmos
mação, por sua vez, pode ser consi- (BECK, 1997, p. 27).
que nem todos os indivíduos e famílias
derada como uma radicalização do
poderão desenvolver formas bem su-
padrão introduzido pela modernidade A modernidade tardia também pro-
cedidas de resposta biográfica às no-
desde seus inícios, segundo a qual os voca transformações nas fontes de
vas exigências da vida social.
sujeitos tanto individuais quanto cole- significado coletivo e específicas de
tivos são submetidos a uma “lógica de Configura-se então, um processo grupo como, por exemplo, a consci-
mercado” simbólica. A modernidade de individualização, que pode ser en- ência de classe e a crença no pro-
cria, então, uma situação na qual se- tendido como gresso. Beck (1997) observa que a


 
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reflexividade da modernidade produz dentais para o mundo da so- móbil. Todas essas exigênci-
“uma crise institucional fundamental ciedade industrial, mas sim as não ordenam nada, mas
e mais extensivamente profunda na da sociedade industrial para requerem que o indivíduo con-
sociedade industrial tardia”. a turbulência da sociedade sinta em se constituir como um
O declínio de sujeitos coletivos de risco global. Espera-se indivíduo, para planejar,
como o Estado, a comunidade e os sin- que elas convivam com uma compreender, projetar e agir
dicatos, que teoricamente garantiam a ampla variedade de riscos – ou sofrer as consequências
proteção dos indivíduos e seus direi- globais e pessoais diferentes que lhe serão auto-infligidas
tos, conduz à imposição de todo o es- e mutuamente contraditórios. em caso de fracasso.
forço de definição sobre os indivíduos.
Cabe realçar também que a no- Assim, os processos de indivi-
As oportunidades, ameaças, ção de individualização não possui dualização registram-se em um con-
ambivalências da biografia, alguns dos significados que muitos lhe texto caracterizado pela perda de vi-
que anteriormente era possí- atribuem. No contexto da perspecti- gor de antigas certezas e suportes
vel superar em um grupo fa- va aqui adotada, individualização não coletivos e, ao mesmo tempo, pela
significa atomização, isolamento, so- compulsão por procurar novas certe-
miliar, na comunidade da al-
lidão, desconexão ou o final mesmo zas. Aliás, os processos de desvin-
deia ou se recorrendo a uma
de todo tipo de sociedade. Tampouco culação acontecem simultaneamente
classe ou grupo social, devem com a construção de novas interde-
individualização é sinônimo de eman-
ser cada vez mais percebidas, pendências, inclusive aquelas de na-
cipação ou ressurgimento do indivíduo
interpretadas e resolvidas pe- tureza global. Por isso, pode-se afir-
burguês após de sua desaparição
los próprios indivíduos. Cer- (BECK, 1997). mar junto com Giddens (1991) que a
tamente, ainda podem ser en- individualização e a globalização cons-
contradas famílias, mas a fa- Resulta interessante a argumenta- tituem, de fato, duas caras do mesmo
ção de Beck (1997) em torno da idéia processo de modernização reflexiva.
mília nuclear está se tornan-
de individualização. Para este autor,
do uma instituição cada vez Neste quadro de análise, é preciso
individualização não implica a substitui-
mais rara. Há desigualdades ção de antigas certezas por uma situa- que um aspecto do problema seja ade-
crescentes, mas as desigual- ção de vazio. Ao contrário, trata-se do quadamente definido: a individualização
dades e a consciência de clas- surgimento de uma nova forma de con- não está baseada em decisões livres
se perderam sua posição cen- duzir e organizar a vida, já não mais dos indivíduos. Na linguagem sartreana
tral na sociedade (BECK, obrigatória e vinculada a modelos tradi- poder-se-ia dizer que os indivíduos es-
1997, p. 18). cionais e sim baseada em elementos tão condenados à individualização.
matriciais do próprio Estado de Bem- Neste sentido, a biografia padrão tor-
Porém, poder-se-ia dizer, junto com Estar. Este último pressupõe a existên- na-se uma biografia self made ou, nas
Beck, que as formas que adota a cia do indivíduo como ator e construtor palavras de Giddens, uma biografia re-
individualização nas sociedades con- de sua própria biografia, identidade, per- flexiva (GIDDENS, 1995).
temporâneas diferem em muitos as- tenças, compromissos e lealdades. Com Ao mesmo tempo, os processos de
pectos daquelas que fizeram parte dos efeito, no Estado de Bem-Estar, os di- individualização típicos da moder-
processos de consolidação da reitos sociais apresentam-se como di- nidade tardia não devem ser reduzidos
modernidade simples. Beck (1997, p. reitos individuais e, mais especificamen- ao privado. Beck adverte que, pelo
18) refere-se a essa distinção nos se- te, como direitos dos indivíduos traba- contrário, estendem-se à política num
guintes termos: lhadores, já que o aceso à proteção e sentido novo: os indivíduos individuali-
benefícios materiais do Estado de Bem- zados, dedicados ao bricolage de si
Para Georg Simmel, Emile Estar pressupõe determinada relação mesmos e de seu mundo, deixaram de
Durkheim e Max Weber, que com o mercado de trabalho, na imensa ser aqueles que “desempenhavam um
teoricamente moldaram este maioria dos casos. Nesse sentido, Beck papel” no mundo da modernidade sim-
processo e o esclareceram em (1997, p. 27) aponta o seguinte: ples, no sentido postulado pelo funcio-
vários estágios no início do nalismo. Isto estaria obedecendo à
século XX, a diferença está A participação no trabalho, passagem de uma modernidade “ine-
no fato de que atualmente as por sua vez, pressupõe uma quívoca” para uma modernidade
pessoas não estão sendo “li- participação na educação, e “ambivalen-te”, caraterizada pela co-
bertadas” das certezas feu- ambos pressupõem a mobili- existência de múltiplas tramas
dais e religiosas-transcen- dade e a prontidão a ser discursivas (BAUMAN, 1991).


 
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É preciso também sublinhar que a Esta complexidade dos processos do para um futuro previsto. A
questão da individualização não se de individualização pode ser atribuí- auto-apropriação do passado
reduz ao problema da alienação nas da, em grande parte, à origem e es- é realizada à luz do que é pre-
sociedades capitalistas. Neste aspec- trutura dos próprios mecanismos e visto para um futuro (organi-
to, pode-se concordar com a afirma- dispositivos que lhe outorgam susten- zado). Portanto, a trajetória do
ção de Santos: tação política e cultural. Com efeito, eu possui uma coerência que
poder-se-ia hipotetizar que uma das deriva da consciência cog-
A erosão da proteção institu- conseqüências mais significativas da nitiva sobre as diferentes fa-
cional, sendo uma causa, é globalização consiste no adensamento ses da vida.
também um efeito do novo tecno-político e, ao mesmo tempo, na
· A reflexividade do eu é contí-
darwinismo social. Os indi- universalização e padronização das
nua e generalizada. O indivíduo
víduos são convocados a tecnologias políticas a serviço das es-
é permanentemente interpela-
serem responsáveis pelo seu tratégias de individualização dos agen-
do, pedindo-se a ele que se in-
destino, pela sua sobrevi- tes sociais. Isto pode ser especial-
terrogue a si mesmo sobre o
vência e pela sua seguran- mente observado na importância que
que acontece, o que pensa, o
ça, gestores individuais das adquirem as trajetórias biográficas e
que sente e o que faz. Esta con-
os estilos de vida para os processos
suas trajetórias sociais sem dição apresenta elementos
de individualização do social, assunto
dependências nem planos compatíveis com a identificada
que será abordado a seguir.
predeterminados. No entan- por Michel Foucault (1991) na
to, esta responsabilização confissão como mecanismo de
ocorre de par com a elimi- poder e de construção do sa-
nação das condições que a - ./ 0*#  ber no mundo moderno: a fala
poderiam transformar em       individual constitui uma fonte
energia de realização pesso- 0 inesgotável de conhecimento
al. O indivíduo é chamado da verdade sobre o indivíduo
a ser o senhor do seu desti- moderno.
É possível concordar com
no quando tudo parece es- Giddens (1995, p. 49) quando afir- · A reflexividade do eu se esten-
tar fora do seu controle. A ma que a “reflexividade da de ao corpo, entendendo o mes-
sua responsabilização é a modernidade atinge o coração do mo como parte de um sistema
sua alienação; alienação eu”, o qual exige ser explorado e de ação mais do que como um
que, ao contrário da aliena- construído como parte de um pro- mero objeto passivo.
ção marxista, não resulta da cesso que permite vincular a mudan- · A realização do eu implica em
exploração do trabalho as- ça pessoal e a mudança social. um equilíbrio entre oportuni-
salariado mas da ausência Giddens (1995) aponta, entre ou- dade e risco, dada a consci-
dela. Esta responsabilidade tros, cinco pressupostos que susten- ência secular do risco inerente
individual pela trajetória tam a responsabilização do indivíduo às estratégias de cálculo a
social é uma culpa por um na construção das trajetórias biográ- adotar pelos indivíduos em re-
passado que verdadeira- ficas em condições de modernidade lação ao futuro, num mundo
mente só existe à luz de um e que podem ser resumidos da seguin- de múltiplas ofertas de iden-
presente sobre o qual o in- te maneira: tidade e de ação.
divíduo não tem qualquer Uma das manifestações mais rele-
· O eu é geralmente considerado
controle. A solidão que da- como um projeto reflexo do qual vantes do desenvolvimento de novos
qui resulta faz com que o in- o indivíduo é responsável. Nas padrões de individualização pode ser
teresse individual, qualquer palavras do próprio Giddens observada na crescente importância
que ele seja, não pareça sus- (1995, p. 98), a consigna seria: que assumem os estilos de vida nas
ceptível de se poder congre- “Não somos o que somos, mas sociedades contemporâneas. Assim, na
gar e organizar na socieda- o que nos fazemos”. ordem pós-tradicional da modernidade
de capitalista e de poder rei- “o eu se torna um projeto reflexivo”
· A construção das biografias
vindicar segundo as vias po- que deve ser explorado e construído
individuais segue uma linha
líticas e organizacionais pró- (GIDDENS, 2002, p. 37).
organizada segundo uma tra-
prias deste tipo de socieda- jetória que assinala a passa- A expressão estilo de vida se en-
de (SANTOS, 1995, p. 27-28). gem de um passado conheci- contra amplamente difundida no nível


 
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da linguagem comum. No campo das O principal fundamento desta afir- também um meio de poder e
Ciências Sociais, só foi recuperada mação radica no papel que assumem estratificação.
recentemente, procurando-se identi- os sistemas expertos, que podem fa-
ficar suas origens e significados4 . zer do estilo de vida um instrumento Apesar dos indivíduos se defronta-
normalizador, participando desde di- rem permanentemente com uma
Algumas abordagens tendem a
ferentes âmbitos de ação e envolven- pluralidade de escolhas nas circunstân-
considerar a questão dos estilos de
do uma diversidade de agentes e for- cias da modernidade tardia, os padrões
vida de uma perspectiva na qual a
mas de autoridade. Por conseguinte, de estilo de vida não são tão amplos.
sua importância institucional reside no
a construção da biografia orientada Na verdade, a oferta de estilos de vida
papel dos atores individuais perante
pelos estilos de vida não estaria ve- é cada vez mais padronizada.
os processos de eleição que derivam
dada aos setores excluídos ou de po-
da pluralização dos mundos de vida, Um estilo de vida envolve um
breza, pois
no sentido conferido por Peter conjunto de hábitos e orien-
Berger et al. (1979) a esta expres- [...] o ´estilo de vida´ se re- tações e, assim, tem uma cer-
são. Deste ponto de vista, o estilo
fere também às decisões to- ta unidade – importante para
de vida se transforma no resultado
madas e às linhas de ação uma sensação de continuida-
de viver num mundo pós-tradicional
adotadas em situações de li- de da segurança ontológica
no qual é imposta a necessidade de
escolher entre diversas alternativas mitação material rigorosa; – que liga as opções num
(GIDDENS, 1995). Na perspectiva entre estes padrões de esti- padrão mais ou menos orde-
de Giddens (2002), o estilo de vida lo de vida pode ser incluí- nado. Alguém que está com-
pode ser definido como um conjunto da também a rejeição mais prometido com um determina-
relativamente integrado de práticas ou menos deliberativa de do estilo de vida necessaria-
que um indivíduo abraça, as quais formas mais difusas do com- mente veria várias opções
funcionam como fonte de satisfação portamento e consumo como ‘inadequadas’ a ele ou
de necessidades utilitárias e, princi- (GIDDENS, 1995, p. 15). ela, da mesma forma que ve-
palmente, como suporte para a cons- ria os outros com estivesse em
trução de narrativas em torno da Desse modo, os indivíduos na alta interação. Além disso, a se-
auto-identidade. modernidade devem seguir um estilo de leção ou criação de estilos
vida, no qual são obrigados a escolher,
de vida é influenciada por
em termos de como agir e também so-
pressões de grupo e pela vi-
 %  % bre quem ser (GIDDENS, 2002).
sibilidade de modelos, assim
Embora muitas de nossas ativi-
    dades cotidianas estejam abertas à
como pelas circunstâncias
socioeconômicas (GID-
escolha obrigatória, isso não signi-
    fica que
DENS, 2002, p. 80-81).

É característico ainda que frente


    [...] todas a escolhas estão às opções de estilo de vida, o planeja-
abertas para todos, ou que mento da vida seja incorporado como
  $& as pessoas tomam todas as uma estratégia importante. Junto com
decisões sobre as opções com os padrões do estilo de vida, os pla-
  0% pleno conhecimento da gama nos de vida
de alternativas possíveis
, (GIDDENS, 2002, p. 80). [...] são conteúdo substanci-
al da trajetória reflexiva-
    Quem toma e como toma decisões mente organizada do eu. O
sofre a refração das relações de po-
+    der preexistentes. Por isso, Giddens
planejamento da vida é um
meio de preparar um curso
(1997, p. 95) afirma que a
%0  de ações futuras mobilizadas
em termos da biografia do eu
[...] abertura da vida social
   à tomada de decisão não
(GIDDENS, 2002, p. 83).
deve ser identificada ipso
  %, facto com o pluralismo; é
Dessa forma, o planejamento da
vida, enquanto construção reflexiva da


 
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auto-identidade exige do indivíduo a Para Foucault (1991), o desenvol- Bauman (2000) apresenta uma
organização do tempo em termos de vimento do saber científico e técnico análise bastante esclarecedora a res-
preparação para o futuro e interpre- estabeleceu seus “jogos de verdade” peito disso quando afirma que as op-
tação do passado. em estreita relação com técnicas es- ções individuais em matéria de estilo
pecíficas que os seres humanos utili- de vida encontram-se limitadas por
As escolhas de estilo de vida zam para se entender a si mesmos.6 dois conjuntos de restrições: um que
e o planejamento da vida não Desde a ótica empregada no presen- remete à agenda de opções ou con-
são simplesmente constitutivos te trabalho, a questão do estilo de junto de alternativas efetivamente dis-
da vida cotidiana dos agen- vida pode ser inscrita no desenvolvi- poníveis, e outro que é definido pelo
tes sociais, mas constituem mento mais amplo das tecnologias código de escolha. Este último com-
ambientes institucionais que do eu enunciado por Foucault. preende as regras que indicam com
base em que se deve preferir uma
ajudam a dar forma a suas O saber científico/técnico desem-
coisa a outras e quando determinada
ações. Essa é uma das razões penha um papel fundamental na cons-
escolha resulta adequada ou não.
por que, nas circunstâncias trução e difusão padronizada de esti-
Ambos os conjuntos de restrições
da alta modernidade, sua in- los de vida. Um dos mais notórios
configuram o quadro em que opera a
fluência é mais ou menos uni- exemplos de participação do saber
liberdade de opção individual.
versal, independente de quão experto nesse quesito pode ser acha-
do no caso da medicina. Tanto a me- A desconstrução da política decor-
objetivamente limitadoras
dicina clínica quanto a saúde pública re precisamente do fato das instituições
possam ser as situações soci- mostram uma crescente produção políticas terem abandonado ou diminu-
ais de indivíduos ou de gru- discursiva no que diz respeito à no- ído seu papel de criadoras de código e
pos particulares (GIDDENS, ção de estilo de vida. Principalmen- agenda. Ao mesmo tempo, isso não
2002, p. 84). te através de campanhas e outras significa que se amplia o âmbito de
ações de educação para a saúde, ob- opção individual. Significa, sim,
Não desconhecendo que os indiví- serva-se uma progressiva ênfase no
duos e os grupos realizam suas esco- papel etiológico das escolhas feitas [...] que a função de estabele-
lhas biográficas em função de condi- pelos indivíduos em matéria de estilo cer código e agenda está sen-
ções e oportunidades objetivas, igual- de vida quanto aos danos à saúde. do decididamente transferida
mente pode-se afirmar que tanto os das instituições políticas (isto
estratos “menos privilegiados” quanto Uma das conseqüências mais im-
portantes deste componente discur- é, eleitas e em princípio con-
os “mais prósperos” constituem refle-
sivo é o papel atribuído pelo saber troladas) por outras forças.
xivamente sua auto-identidade e são
médico e outros sistemas expertos ao [...] O recuo ou autolimitação
afetados pelas influências globalizantes.
autocontrole e à modelização de con- do Estado tem como efeito mais
De outro ponto de vista, o estilo dutas. Os indivíduos são assim exor- destacado uma maior exposi-
de vida pode ser interpretado como tados pelas autoridades expertas a ção dos optantes tanto em im-
uma das expressões que assume o que avaliar suas próprias vulnerabili- pacto coercitivo (agendador)
Michel Foucault designa como dades, procurando não sucumbir na como doutrinador (codifica-
tecnologias do eu5 , e que define nos doença e conseguindo mudar seus dor) de forças essencialmente
seguintes termos: comportamentos para evitá-la não políticas, primordialmen-
(LUPTON, 1993, p. 427). te aquelas associadas aos mer-
[...] tecnologias do eu, que
permitem aos indivíduos rea- Em condições de modernidade tar- cados financeiro e de consu-
dia, observa-se que a construção das mo (BAUMAN, 2000, p. 79-80).
lizar, por sua conta ou com a
biografias adquire uma importância
ajuda de outros, certo núme-
ainda mais estratégica. Quando as Porém, trata-se de forças cujos
ro de operações sobre seu perspectivas de construir espaços suportes institucionais não foram ain-
corpo e sua alma, pensamen- coletivos se enfraquecem e se tornam da o suficientemente analisados pe-
tos, conduta, ou qualquer for- cada vez mais nebulosas, a proble- las Ciências Sociais contemporâneas.
ma de ser, obtendo assim uma matização do social começa a ser Muitas são as interrogantes que emer-
transformação de si mesmos transferida para o domínio espacial e gem a respeito das características e
com o fim de atingir certo es- temporal do eu (BAUMAN, 2000). modos de funcionamento das tecno-
tado de felicidade, pureza, Sem sombra de dúvidas, a conseqüên- logias políticas que tornam possível a
sabedoria ou imortalidade cia mais dramática disso consiste na individualização dos agentes sociais
(FOUCAULT, 1991, p. 48). desconstrução da política. em tempos de globalização.


 
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Neste sentido, cabe perguntar que tante, é preciso consignar que essas 1992) e pela imposição ao indivíduo
classe de tecnologias políticas estaria preocupações não incluem, pelo me- do imperativo social de constituir sua
dando sustentação às novas estraté- nos de maneira privilegiada, análises própria biografia baseada nas ofertas
gias de gestão do social que seriam sobre o papel que neles desempenham identitárias e nos estilos de vida dis-
típicas das sociedades contemporâne- os agentes profissionais.7 poníveis no mercado simbólico da
as. Nesta direção, percebe-se que as contemporaneidade.
A questão do papel das profissões
novas modalidades de individualização requer um exame mais detalhado, ta- Trata-se de uma alteração significa-
e controle sociais afastam-se das es- refa que ultrapassa os objetivos do tiva das relações entre indivíduo e insti-
tratégias punitivas e assistenciais tra- presente estudo. No entanto, pode-se tuições sociais que se exprime em uma
dicionais – sem serem inteiramente provisoriamente afirmar que algumas notável contradição. Como assinala
excluídas – para desenvolver novas profissões, como a de médico e a de Augusto (2001), no preciso momento
modalidades de gestão da questão assistente social, encontram-se peran- em que o valor “realização de si” emerge
social. Como observa Castel (1986, te desafios muito interessantes, intro- como um dos pontos principais de ma-
p. 241), substituem-se as anteriores duzidos por esse quadro de transfor- nifestação da individualidade, acentuam-
tendências a segregar ou reintegrar mações institucionais que se exprime se as contradições inerentes aos pro-
ao corpo social os elementos indese- nos processos que aqui foram exami- cessos de individualização contemporâ-
jáveis ou desviados – através de in- nados. Conforme sugerem alguns re- neos. Estes se desenvolvem sob um
tervenções punitivas ou corretivas – sultados de pesquisas (MITJAVILA, modo de societalização que torna
pelas atuais tecnologias dirigidas a 1999), novas funções e competênci- crescentemente impossível a auto-
atribuir destinos sociais diferentes aos as estariam aparecendo como exigên- nomização individual, exigindo até dos
indivíduos de acordo com suas capa- cias institucionais para diversas cate- indivíduos mais desprotegidos e caren-
cidades para empreender com suces- gorias profissionais (assistentes soci- tes de suportes sociais, que assumam a
so a “biografização” dos problemas ais, psicólogos, educadores, médicos, responsabilidade individual pelas con-
sociais, assumindo em nível individual etc.). Por isso, as trajetórias sócio-his- seqüências indesejáveis dos perigos tan-
as mais brutais exigências da tóricas destas profissões serão pro- to internos quanto daqueles que provêm
competitividade e da rentabilidade. fundamente alteradas a partir dos no- do ambiente.
No entanto, é necessário observar vos mandatos institucionais associa-
Devido a isto, na literatura socioan-
com prudência as novidades que intro- dos aos processos de individualização tropológica sobre este tema, pode-se
duzem estas mudanças, principalmente social. No entanto, trata-se apenas de verificar uma crescente preocupação
com relação aos processos de re-quali- uma hipótese cujo valor atual restrin-
pelas conseqüências sociopolíticas dos
ficação e redefinição dos papéis tradi- ge-se a impulsionar e orientar pesqui-
processos individualizadores. Não
cionais dos agentes técnicos. Trata-se sas específicas sobre os campos pro-
obstante, é preciso consignar que es-
de fenômenos muitos recentes como fissionais e suas conexões com as tas preocupações não ultrapassaram,
para poder ponderar adequadamente novas tecnologias individualizadoras. ainda, o status de assuntos a serem
sua significação e enraizamento soci- incluídos nas agendas de investigação
ais. Contudo, a literatura e a pesquisa das Ciências Sociais.
em torno do tema apontam para um re-  1 #
conhecimento da expansão relativa dos Um desses assuntos refere-se à par-
processos de individualização e, não ticipação do saber experto (cientifico-
A experiência da modernidade no técnico) nos processos de individua-
poucas vezes, da responsabilização e
momento contemporâneo parece es- lização social. Determinados agentes e
culpabilização das pessoas. Neste as-
tar nos introduzindo numa nova for- categorias profissionais ocupam, devi-
pecto, pelo menos do ponto de vista das
ma de societalização que se traduz, do à natureza de suas competências e
expectativas institucionais, o papel dos
como foi analisado ao longo do pre- posições institucionais, papéis relevan-
agentes técnicos é fundamental para a
sente trabalho, na emergência de no- tes como guardiães da ordem insti-
vigilância e socialização dos indivíduos
vas modalidades de individualização tucional. Em virtude da divisão do tra-
nos processos de adoção de estilos de
dos agentes sociais. A individualização balho instaurada pelas tecnologias de
vida avaliados como “saudáveis” e “cor-
não significa individuação (entendida individualização social, o saber experto
retos”, segundo os padrões dominantes.
como personalização, singularidade ou apresenta-se como um elemento essen-
Na literatura socioantropológica emancipação) e sim uma substituição cial para a construção das biografias in-
sobre este tema, pode-se verificar das formas habituais de atribuição de dividuais e dos estilos de vida. Assis-
uma crescente preocupação pelas identidade (baseadas na classe, a fa- tentes sociais, psicólogos, médicos e
conseqüências sociopolíticas dos pro- mília, o gênero, etc.) por padrões bi- educadores representam algumas das
cessos individualizadores. Não obs- ográficos institucionais (BECK, áreas do saber experto e da interven-


 
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ção profissional que se situam no cora- BAUMAN, Z. Em busca da política. na ordem social moderna. São Paulo:
ção dos processos individualizadores. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000. Editora da Universidade Estadual
Participam de maneira estratégica na Paulista, 1997. p. 73-133.
_____. Modernity and ambivalence.
construção, empregando de novo a ex- _____. Modernidad e identidad
Cambridge: Polity, 1991.
pressão de Bauman (2000), tanto das del yo. El yo y la sociedad en la época
agendas quanto dos códigos que em tem- BECK, U.A reinvenção da política: rumo
contemporánea. Barcelona: Ediciones
pos de globalização orientam a cons- a uma teoria da modernização reflexiva.
Península, 1995.
trução das trajetórias biográficas. In: BECK, U.; GIDDENS, A.; LASH,
S. Modernização reflexiva: política, _____. As conseqüências da mo-
Isto encerra perigos e desafios dernidade. São Paulo: Editora Univer-
tradição e estética na ordem social mo-
para os campos do saber cientifico e sidade Estadual Paulista, 1991.
derna. São Paulo: Editora da Univer-
técnico envolvidos nestes processos.
sidade Estadual Paulista, 1997. p. 11-71. GUATTARI, F. Caosmose. Um novo
Ao focalizar a questão dos estilos de
_____. Risk Society. Towards a New paradigma estético. Rio de Janeiro:
vida “saudáveis ou corretos”, por
Modernity. London: Sage Publications, Editora 34, 1992.
exemplo, algumas categorias profis-
sionais encontram-se especialmente 1992. _____. Revolução molecular: pul-
expostas ao risco de responsabilizar BECK, U., GIDDENS, A., LASH, S. sações políticas do desejo. São Paulo:
e culpar os indivíduos, como se suas Réplicas e críticas. In: In: BECK, U.; Brasiliense, 1987.
trajetórias biográficas fossem apenas GIDDENS, A.; LASH, S. Moderni- HELLER, A. Biopolítica. La mo-
o resultado de escolhas individuais e zação reflexiva: política, tradição e dernidad y la liberación del cuerpo.
espontâneas, ignorando sua verdadei- estética na ordem social moderna. São Barcelona: Península, 1995.
ra e profunda natureza institucional. Paulo: Editora da Universidade IANNI, O. A era do globalismo. Rio
Porém, a percepção destes riscos Estadual Paulista, 1997. p. 205-254. de Janeiro: Civilização Brasileira,
deveria ser uma fonte de renovação dos BERGER, P. et al. Un mundo sin 1996. Cap. 1.
desafios intelectuais que a questão da hogar. Modernización y conciencia, LASH, S.; WYNNE, B. Introduction.
individualização introduziu na teoria so- Santander: Sal Terrae, 1979. In: BECK, U. Risk society. Towards
cial desde suas próprias origens: indiví-
BERIAIN, J. Representaciones a new modernity. London: Sage
duo e sociedade têm sido sempre con-
colectivas y proyecto de modernidad. Publications, 1992.
ceitos mutuamente referidos e situados
no centro das clivagens conceituais que Barcelona:Anthropos, 1990. LUPTON, D. Risk as moral danger:
organizaram a trajetória das Ciências CASTEL, R. De la peligrosidad al the social and political functions of risk
Sociais. Trata-se de uma problemática riesgo. In: ALVAREZ-URÍA, F; discourse in Public Health. Interna-
que remete aos jogos de opostos que VARELA, J. (Ed.) Materiales de tional Journal of Health Services.
desvelaram os cientistas sociais de to- Sociología crítica. Madrid: La n. 23, p. 425-35, 1993.
dos os tempos: totalidade / particulari- Piqueta, 1986. p. 219-243. MITJAVILA, M. O risco como
dade, exterioridade / interioridade, recurso para a arbitragem social.
DOMINGUES, J. M. Modernidade,
materialidade / subjetividade, sujeição / Tempo Social. Revista de Sociologia
tradição e reflexividade no Brasil
emancipação, individual / coletivo, por da USP. São Paulo: USP, n. 14, v. 2,
contemporâneo. In: DOMINGUES, J.
mencionar alguns dos mais expressivos. p. 129-145, out. 2002.
M. Criatividade social, subjetividade
Recebido em 02.03.2004. Aprova- e a modernidade brasileira contem- _____. O risco e as estratégias de
do em 24.04.2004. porânea. Rio de Janeiro: Contra Capa medicalização do espaço social:
Livraria, 1999. p. 143-172. Medicina Familiar no Uruguai (1985-
1994). Tese (Doutorado em Socio-
FOUCAULT, M. Tecnologías del
#& yo. Y otros textos afines. Barcelona:
logia). São Paulo: Universidade de São
Paulo, 1999.
Paidós, 1991.
MOREY, M. Introducción: la cuestión
AUGUSTO, M. H. O. Tempora- GIDDENS, A. Modernidade e del método. In: FOUCAULT, M.
lidade, individualidade e ordem social. identidade. Rio de Janeiro: Jorge Tecnologías del yo. Y otros textos
Fronteras, n. 4, p. 63-73, 2001. Zahar Ed., 2002. afines. Barcelona: Paidós, 1991.
_____. O indivíduo na teoria social e na _____. A vida em uma sociedade pós- ROSANVALLON, P. La nueva
literatura: o momento contemporâneo. tradicional. In: In: BECK, U.; GID- cuestión social. Repensar el Estado
Cadernos CERU, n. 4, série 2, p. 5-31, DENS, A.; LASH, S. Modernização Providencia. Buenos Aires: Ediciones
1993. reflexiva: política, tradição e estética Manantial, 1995.


 
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SANTOS, B. S. A construção Weber representam, a respeito, as e progressivo declínio como campo


multicultural da igualdade e da influências mais importantes. de especialização. A produção mais
diferença. In: CONGRESSO BRA- Também destaca que as noções recente tende a se enquadrar em
SILEIRO DE SOCIOLOGIA, n. 7, destes autores acabaram se tra- estudos articulados com a sociologia
1995, Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: duzindo no que atualmente se do trabalho. Inclusive, o melhor e o
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais entende como “estilo de vida” na pior da herança do estrutural-
da UFRJ, 1995. p. 1-56. língua comum, isto é, os esquemas funcionalismo norte-americano
de percepção e formas de conduta voltado para o estudo das profissões
VIOLA, E.; LEIS, H.R. Mudanças na
ligadas ao consumo e à publicidade. parece não ter achado substitutos na
direção de uma globalização multidi-
teoria social contemporânea no que
mensional complexa In: Condição 5 Na verdade, Foucault se refere às
refere à investigação das relações
humana e modernidade no Cone Sul. “tecnologias de si mesmo”. O
entre instituições sociais e campos
Ed. Florianópolis: Cidade Futura, 2003. termo “eu” estaria apontando, não
profissionais.
p. 259-292. ao próprio sujeito, mas a seu
interlocutor interior: “ele mesmo”
YUDICE, G. Posmodernidad y
(self; soi) (MOREY, 1991). Myriam Raquel Mitjavila
capitalismo transnacional en América
Latina. In: GARCIA CANCLINI, N. 6 Michel Foucault (1991) concebe a myriam@cse.ufsc.br
(Comp.) El debate sobre la moder- existência de outros três tipos Programa de Pós-Graduação em
nidad en América Latina. México: principais de tecnologias: (i) de Serviço Social.
Consejo Nacional para la Cultura y produção, focalizadas à produção, Centro Sócio-Econômico - UFSC
las Artes, 1991. transformação e manipulação das Campus Universitário – Trindade
coisas; (ii) os sistemas de sinais, Florianópolis/SC
dirigidas ao uso dos sentidos, sinais,
2 símbolos ou significações; (iii) de Cristiane da Silva de Jesus
poder, que consistem numa cris-didi@bol.com.br
objetivação do sujeito, através da
1 Adota-se aqui a perspectiva de Rua Sagrado Coração de Jesus, 189
submissão a certas formas de
Anthony Giddens (1995), que utiliza Morro das Pedras
dominação. É interessante
a expressão modernidade tardia Florianópolis/SC
sublinhar que para Foucault, estas
para referir às formas institucionais CEP: 88066-070
tecnologias (nenhum dos seus
que a modernidade adota na contem- quatro tipos) não costumam
poraneidade, incluindo, ou não suas funcionar isoladamente, embora
versões mais radicalizadas, suas individualmente consideradas
transformações e crise. possam estar associadas com
2 A literatura sobre o tema tem formas particulares de dominação.
destacado, entre outras, as dimen- Ainda que todas impliquem formas
sões: política, econômico-pro- de aprendizagem e de modificação
dutiva, militar, financeira, gover- dos indivíduos, a obra de Foucault
nabilidade global, comunicacional- – e é reconhecido por todos –
cultural, científico-tecnológica, aponta fundamentalmente, no que
Populacional-migratória, epidemio- se refere às tecnologias, à análise
lógica, criminal-policial e ambien- das tecnologias do poder e do eu.
tal-ecológica. Uma abordagem 7 Isto não significa ausência de
multidimensional da globalização trabalhos sobre o papel de uma ou
pode ser consultada em Viola varias profissões em determinadas
(2003). áreas da vida social. Muitos desses
3 P. Berger, The Sacred Canopy, trabalhos constituem reflexões, em
New York, 1967, citado por Beriain ocasiões extremamente lúcidas e
(1990). provocadoras, sobre as práticas
profissionais desde a ótica desse
4 Anthonny Giddens (1995) salientou
mesmo campo profissional. O que se
recentemente que, de acordo com
pretende salientar é que a sociologia
suas próprias indagações, os
das profissões experimentou, nos
escritos de Alfred Adler e Max
últimos vinte anos, um considerável


 
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