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Aarq letura moderna no Brasil ORIGEM A arquitetura moderna no Brasil, apesar de sua subita emergéncia, nao é uma eclosao espontanea. Como em varias manifestagdes de ordem cultural, é do exterior que é preciso buscar sua origem. Por volta de 1930, jovens arquitetos puristas se reuniram sob a diregao de Lucio Costa para estudar as obras dos grandes mestres europeus da nova arquitetura que nascia. Conheceram assim a obra de Gropius, ainda presente nessa época na Bauhaus, de onde Hitler em breve ia expulsé-lo, Conheceram igualmente a obra de Mies van der Rohe e sobretudo as teorias de Le Corbusier. Entretanto, j bem antes dessa data, a revolugio literdria “modernista”, nascida em Paris, surgira no Brasil. Na Europa, a moda era ento a arte dos povos primitivos, sobretudo a arte negra. As forcas vivas do instintivo venciam com preponderdncia nos meios inte- lectuais. Nossos jovens escritores e artistas vindos de Paris se encontraram diante de um culto novo por tudo o que fosse ingénuo, barbaro, antiintelec- tual, anticivilizado, antiocidental. Compreenderam a contribuigdo que pode- riam representar os valores instintivos e primitivos que eles podiam fazer sur- gir de seu proprio solo, sem que lhes fosse necessrio busca-los em Africa, na Asia ou nas ilhas perdidas do arquipélago ocednico, Foi de Montparnasse e de Montmartre que eles descobriram seu pais. Seu evangelho fundamentou-se entao na fusao de dois termos opostos: cultura e instinto. No campo da arquitetura, a partir de 1927, Flavio de Carvalho e Warchav- chik puderam ser considerados como pioneiros representando os dois termos da antivese. Mas 0 modernismo na arquitetura foi muito diferente do moder- nismo literario. A questao nao era descobrir ou redescobrir o pais, Este sempre estivera lé, presente com sua ecologia, seu clima, seu solo, seus materiais, sua natureza e tudo o que nele ha de inelutavel. Sem primitivismo como entre 0s literatos e os musicos e sem nacionalismo, ideologico como entre os escritores. politicos, a realidade geografica e fisica é, para um arquiteto, alguma coisa de absoluto e de primordial. Para os demais é, de certa forma, uma matéria de es colha ou de interpretagao. A propésito do modernismo, Lucio Costa escreveu: “Liles se tornam moder Nos sem se aperceber disso, preocupados unicamente em estabelecer de nove @ conciliagao da arte com a técnica ¢ de tornar acessiveis & maioria dos homens 0s beneficios agora possiveis da industrializagaio”, A inspiragao doutrinaria do grupo purista de Lucio Costa, Niemeyer, Cat los Leao, Moreira, Reidy, fundida nas idéias de Le Corbusier, criou assim en- tre eles um estado de espirito revolucionario, Seu dogmatismo tedrico dessa época lhes foi necessa io a fim de levar a bom termo seu papel de militantes. Este dogmatismo repousava, contudo, sobre um sentimento bem moderno: a £ (o que vos falta aqui) nas virtualidades democraticas da produgao em. massa. Esta disciplina teérica Ihes permitiu colocar em pratica suas idéias no momento oportuno. As teorias de Le Corbusier eram entao, para estes jovens jacobinos, pu- rismo arquitetnico, segundo a expresso mesma de Lucio Costa, 0 “livro sa- grado da arquitetura moderna brasileira”. : Por que esta aceitagao em bloco das idéias de Le Corbusier? E sua coloca- cdo em pratica quase stibita? O carater revolucionario destas idéias foi conta- gioso para o estado de espirito no Brasil nesse momento. F.que, em 1930, 0 pais vivia num clima de revolugao. A crise econdmica que acabava de explodir em 1929, em Nova York, se propagara rapidamente pelo Brasil. Aqui, ela se devia A queda do preco do café no mercado mundial; teve como conseqiiéncia 0 desequilibrio de toda nossa economia, baseada nessa exportagio, € como ou- tra conseqiiéncia, direta ou indireta, a revolugio politica. Gracas As contradigées dessa época transitéria, Lucio Costa foi umn belo dia chamado a direcao da Escola Nacional de Belas-Artes, ato verdadeiramente revolucionario. No mesmo instante, queimam-se, dia e noite, milhares de to- neladas de café, para fazer subir seu prego. Também nos Estados Unidos quei- mam-se quilémetros de plantagées de algodio, o que parece como o citrnulo do antifuncional e que é, de fato, perfeitamente irracional. Nesse clima contraditorio, a ditadura se instala entre nés, mas, se no do- minio politico ¢ a reagdo que domina, em certos setores isolados como a ar quitetura, é a revolugao que domina; entdo vemos produzir-se 0 que Se chama as vezes de “milagre” do Ministério da Educagio, onde, pela primeira ver punham-se em pratica as teorias de Le Corbusier, mas com uma independén- cia de pontos de vista, uma preocupagtio de adaptagio as condigdes locais ver- dadeiramente admirdveis. De um dia para outro, a arquitetura moderna era langada e parecia ter adquirido a maturidade. ‘Além do mais, esta obra 6 uma realizagio coletiva de Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Affonso Reidy, Carlos Ledo, Jorge Moreira e Ernani Vasconcelos. No mesmo momento, realizava-se 0 Conjunto da Pampulha, verdadeiro odsis, fruto das condigées politicas excepcionais da época, quando wm grupo de governan tes com plenos poderes, pelo amor a seu prestigio, decidiram, come os principes absolutistas dos séculos xVi1 ¢ xvill, construir esse capricho magnitico Para melhor captar o carater particular de nossa revolugao da arquitetura no plano social artistico, seria titil fazer um ligeiro paralelo entre & revolu- qo brasileira ¢ a revolugio mexicana, Ksta tiltimna teve lugar antes que & 100 nossa; possuia, em certos aspectos, um carater racial. Foi, nesse sentido, um protesto das ragas autéctones oprimidas. A revolugao mexicana teve sobretudo um carater de restauracao, de revanche do pedo indio contra 0 ocupante branco, contra o conquistador espanhol, destruidor de antigas culturas, de an- tigas civilizagdes representadas em nossos dias pela velha raiz popular do pais Entre nés, nada disso; nada de velhas culturas, mas uma populagio dispersa de indios némades. Mesmo o negro é trazido de fora; apesar da escravidao a que foi submetido, trabalhou no mesmo sentido que 0 portugués, isto é, para conquistar a terra selvagem, para domesticar a natureza virgem. O carater reivindicativo ou, antes, vindicativo das ragas oprimidas oferece aos artistas mexicanos seus temas no plano social e politico. Eis por que, na arte, é a pintura que conhece sua mais bela realizagdo, mas a pintura social representada pelo mural afresco. O muro foi conquistado pela pintura, nao a pintura para o muro, isto é, para a arquitetura, Esta nao conheceu, como no Brasil, uma revolucao total, permaneceu o que era antes da revolugao. Entre nés, ao contrario, é a arquitetura que precedeu o mural. Os jovens arquitetos foram os verdadeiros revolucionarios; ¢ a revolugao que eles empreenderam foi a sua, em nome de ideais sociais e estéticos muito afirmados, bem mais profundos que os dos politicos e de sua revolugao, além do mais muito super- ficial. No Brasil, a primazia no plano artistico coube a arquitetura, o impor- tante era criar algo novo, ali onde o solo era ainda virgem. Depois, os acontecimentos politicos e sociais se sucederam, a economia pouco a pouco se restabeleceu, 0 clima democratico retornou, ao passo que a arquitetura, amadurecida, ja mais enraizada em nosso meio e na aceitagao popular, se encontra diante de tarefas cada vez mais dificeis e complexas. Em particular, diante daquela, decisiva entre todas, da organizagao racional de nossas cidades, das que ja existem e das que sio criadas a cada dia nas regides ainda intactas do pais. CONDICIONAMENTO SOCIAL E POLITICO A rapidez com que se desenvolveu a nova arquitetura nos anos febris que pr cederam a iiltima guerra nao deu tempo a um crescimento mais natural. A ditadura é a liberdade total do Estado e a opressao quase total dos cidadaos. A do Brasil, sem constituir excegao a regra, concebeu leis em cima de cada dia, cuidando acima de tudo de sua propaganda, e buscou em sua tendénci totalitéria atrair a si os jovens arquitetos cujas idéias ¢ concepgdes eram, el tretanto, de inspiragdo completamente oposta, Estes tiltimos trabalharam. com efeito, para a ditadura, mas sem renunciar a suas idéias. Os novos construtores utilizaram-se do poder de agdo dos ditadores par por em pratica suas idéias. Souberam fazer compreender ent&o tudo 0 que pensavam e sonhavam realizar. A ditadura thes ofereceu esta possibilidade, mas resultou dat uma contradigio, ainda nao totalmente superada, eutre O8 ideais democraticos e sociais implicitos na nova arquitetura, entre seus princl pios racionais ¢ fimcionalis! as ¢ as preacuipagées de autopropaganda, de exibl- gio de forga, o gosto do stmtoso e da riquent para imipressionur os responsd veis pela ditadura, simbolizada, talvez entio, pelo “brio” is vezes excessive € as formas gratuitas que se tornaram moda © “milagre” do Ministério da Kducagio nio péde ser realizado a nio ser em razao de sua “grandiosidade” ¢ de seu programa impositivo. Sem o gosto do grande conforto, da fruigio, do poderio e da riqueza de um governador de Estado de poderes ilimitados, Pampulha, o primeiro grande conjunto de Os car Niemeyer, nao teria sido encomendado, tampouco realizado. Uma parte do lado faustuoso da nova arquitetura vem, sem diivida, de seu comércio ini cial com a ditadura. Certos aspectos de gratuidade experimental das constru- ges da Pampulha procedem do programa de capricho e de luxo do pequeno ditador local. As verdadeiras preocupagies sociais s6 apareceriam bern mais tarde, depois da guerra, quando um pouco por toda a parte a restauragao da democracia se impusera. evidente, portanto, que a Pampulha nao podia senio ser um fruto da ditadura, ao passo que Pedregulho é a obra de uma época jé democratica. A defasagem entre uma arquitetura de orientagao realmente social, feita segundo o espirito de seus criadores para colocar a servigo do homem os bene ficios da produgdo em massa, e as condigdes sociais, econdmicas ¢ politicas sob as quais ela nasceu marcou com seu selo todos os primeiros anos de realizagao. [Até nossos dias, 0 arquiteto no Brasil nao era senéo um engenheiro ¢ fazia seus estudos na Escola Politécnica. Além do mais, a maior parte constitui aqueles que sao, ao mesmo temps, seus proprios empregadores. Esta combina- do hibrida nao é sempre feliz, pois as fungoes respectivas so bastante desse- melhantes, ¢ isso aparece freqiientemente no trabalho pratico e jé A mesa do desenhista, no momento da concepgao do projeto. O desenvolvimento rapido da nova arquitetura nao é tampouco uma con seqiléncia exclusiva das condigdes politicas da época, mas, em diltima andlise, uma conseqiiéncia das condigdes econdmicas anormais: prosperidade econd mica devida & guerra e a inflagio. As construgdes eram enti realizadas um pouco por toda parte, ao acaso, segundo a marcha frenética da espectlagio. Em 1951, calculava-se que em Sao Paulo, em uma hora, construiaim-se quatro casas ¢ meia. Ora, ¢ claro que nessa velocidade doida, superamericana, o fur turo era sacrificado ao imediatismo. Desde entdo, a febre se acalmou, Conhecemos mesmo agora uma grave crise financeira ¢ de produgio. O entusiasmo inicial dos jovens arquitetos cedeu lugar a preocupagies mais graves 101 A consciéncia dos problemas mais sérios referentes a toda verdadeira arquitetura, como a da habitagio popular, nao deixa despreocupados os cons- trutores; preocupam-se com questées muito complexas; com a criagéo de uma indiistria e com quadros que podem se utilizar de técnicas novas A arquitetura moderna apresenta de maneira radical 0 problema do urba nismo que, por sua vez, apresenta de modo nao menos radical o da organiza cao racional de toda a sociedade. Os melhores de nossos arquitetos de hoje sao cada vez mais conscientes de todos estes problemas. Lucio Costa, 0 veterano do modernismo arquitetdnico entre nés, expressa bem todas essas preocupa- ges quando, num ensaio bastante recente,! faz voto de que se conciliem de novo a arte e a técnica para o bem de toda a populagao. Infelizmente, estamos ainda muito longe disso. Deve-se reconhecer que nossas realizages mais belas, nossos palacios mais belos, sdo ainda uma ilha na imensidao do pais. O proprio Lucio Costa reco- nhece o fato, muito fastidioso, de que a jovem arquitetura esta em atraso diante do desenvolvimento geral do Brasil. Isso cria uma defasagem lamenta-' vel entre o que é concebido e 0 que é possivel e realizavel. O mais grave problema, o da habitag&o popular, permanece intocado. Ape- nas se esboca. Em nossa primeira Bienal de Arquitetura, o jiri internacional concedeu o prémio a Affonso Eduardo Reidy pelo Conjunto Residencial de Pedregulho. O juri considerou esta bela realizag&o de Reidy como um exem- plo para o Brasil, porque através dela, por sua solugdo audaciosa no campo da habitagio, fez-se obra social. Abre As realizagdes novo caminho. A unidade construida pela municipalidade do Rio se localiza num dos bair- ros mais antigos e mais pobres. O terreno apresenta um desnivel de cingiienta metros. A forma sinuosa do bloco principal responde precisamente as condi- Ses topograficas existentes. Mas Pedregulho é ainda obra isolada: em torno a ela esto favelas, barracos, a efervescéncia da miséria e um urbanismo cadtico. TENDENCIAS Opinio unanime, a contribuigao mais original e significativa, do ponto de vista técnico dos arquitetos brasileiros, é a protegdo contra o calor. E normal que seja num pais de clima tropical e subtropical que aparegam as solugdes mais audaciosas e eficazes para este problema, Ainda aqui Le Corbusier foi um promotor; foi ele quem, para seu projet nio realizado de Barcelona, concebera os primeiros brise-soleil maveis orient los na pratica, mas, aind® veis. Coube aos jovens arquitetos brasileiros utiliz Jes que vel? nesse caso, demonstraram invengao e leveza pessoal notaveis. Koi del + fixos, orientivers, be sem todo? toda esta variedade de sistemas brise-soleil, move lantes, horizontais ¢ verticais, hoje conhecidos, adotados ¢ adaptade: 102 103 mundo. S elé a eu Papel é duplo: nao somente protegem do calor, mas ainda podem n Permitir captar a brisa que, nas cidades litoraneas do Brasil, com morna dogura, atenuando os excessos do sol tropi edificio Caramuru na Bahia, concebeu um sistema nat de ar. Niemeyer, sopra, com efeito, 1. P. A. Ribeiro, para o ural de condicionamento d Para o seu hotel em Ouro Preto, utilizou o princfpio aplicado as janelas das velhas casas coloniais que era jA um sistema de brise-soleil Os painéis méveis dos brise-solei! animam as fachadas ¢ criam, as vezes, Btagas aos jogos de sombras e de luzes, e a utilizagdo da cor, uma impressio Pictural. Os irmaos Roberto, de inicio, depois Lucio Costa, Niemeyer em seus Principios, Reidy, Rino Levi, Franscico Bolonha elevaram essas invengGes a uma verdadeira arte grafica, bidimensional. Através dos brise-soleil, a imaginagao plastica de nossos arquitetos recriou as fachadas e, através das paredes fenestradas, as tramas, os claustros, 0 co- bogé, os painéis montados sobre chassis deram o toque proprio a nossa arqui- tetura moderna, feito de encanto, graga audaciosa e de nervosismo. Isso terminou por criar uma espécie de tendéncia entre nossos arquitetos, que se distinguem pela atengio dada as pesquisas plasticas no plano das su- perficies, talvez em detrimento de um pensamento espacial mais articulado e mais aprofundado, nos jogos dos volumes e dos espacos interiores Una indicagio de que este problema da integragio funcional e plastica ainda nfo esta resolvido aparece no fato curioso de que as tentativas de reves timento das paredes em mosaico com azulejo, por exemplo, velha e encanta- dora arte portuguesa transplantada para 0 Brasil colonial e morta no século passado, ainda nao deram resultados convincentes. Nada do que foi feito neste sentido do ponto de vista decorative em nossos edificios modernos pode ser comparado com os brilhantes resultados obtidos pelos préprios arquitetos, com seus préprios meios, no jogo sutil das superficies Depois de se demorar, também ele, em certas experiéncias bem-sucedidas nesses jogos de superficies, Oscar Niemeyer, obedecendo sem ditvida as exi- géncias de seu temperamento, se entrega cada vez mais a um gosto barroco pelas grandes formas irregulares e amplas curvas. Por esse lado, ele repre- senta uma outra tendéncia, a que busca as solugées plasticas nos jogos de vo lumes, na articulagao dos espagos, 0 verdadeiro campo das experiénci cas arquiteténicas. O perigo, com Niemeyer, é que freqiientemente dir-se-ia que ele esquece a importancia do programa em fungao da liberdade do par- tido e da preferéncia a uma forma gratuita, uma grande curva no perfil espe tacular do conjunto, Ha perigo em confundir os volumes articulados com o perfil sinuoso das curvas, mas, de todo modo, esta tendéncia corresponde tal vez a uma constante cultural, se no for racial. 0 Brasil, nao 0 esquegamos, nasceu sob o signo do barroco portugués ¢, parcialmente, do espanthol Deve-se reconhecer, contudo, a linearidade que nossos arquitetos observam s plasti 104 nas velhas construges senhoriais, coloniais ¢ imperiais edificadas pelo rude mestre-de-obras portugués com a intuigo da concordancia necessaria com > meio ambiente, 0 clima e os materiais que se encontravam in loco. Urn dete, tragos mais caracter{sticos ¢ a constante predomindncia da horizontalidade Bolonha, M. M. Roberto e Lucio Costa sio muito sensiveis ao encanto calmo desta dominante horizontal. Encontrarao nas velhas casas rurais, sobre tudo em Pernambuco, regiao de nosso Cicero Dias, janelas de grades leves em madeira ¢ paredes fenestradas para permitir a aeragio. Vejam, estes arquitetos nao buscam deliberadamente uma tradigao em suas preocupagses de fachada e de horizontalidade em relagio ao sol e aos acidentes de terreno, mas, ao final, terminaram por descobrir certas afinidades bem distantes entre 0 que facem hoje e as velhas casas dos séculos xvii e xvill. Ii a beleza linear que seduz 0 espi- rito de um Lucio Costa ou um Bolonha, mais que a monumentalidade ou a ex. plosao dinamica dos volumes 4 maneira de Niemeyer. As velhas igrejas barro. cas de Minas tém algum sentido no amor de Niemeyer pela forma curva Assim, 0 amor pelas ondulagdes corajosas, pelas linhas sinuosas de Nieme- yer nao significam wma irrupgao sbita, um capricho puramente individual e a expresso de um temperamento na severidade da arquitetura brasileira de nossos dias, Trata-se de uma repercussio distante, de uma explosio cultural em forma do génio criador do povo. Arouca? desempenha o papel de um ante- passado de Niemeyer. ESPAGOS CIRCUNDANTES, JARDINS, INTEGRAGKO O ideal seria nao fazer distingao entre os espagos interiores e exteriores. Os exemplos, a esse respeito, sio muitos. Nao ha um tinico dos arquitetos sérios que tenha negligenciado este aspecto da construgao. Lucio Costa ¢ um mestre da integragao das construgdes com o meio circundante. Henrique Mindlin obteve 0 prémio da Bienal por sua casa particular em Petropolis onde, da sala de estar, é-se transportado para um terrago-jardim sob a ala dos quartos; aberto de trés lados, sem solugao de continuidade se nao fosse por uma parede mével de vidro. Os espagos exteriores prolongam a casa. Coloca-se entao 0 problema do jardim. Nés podemos pretender ter trazido para isso uma nova solugao, o que o professor Giedion acentua.> O parque, 4 maneira francesa do século xvii, era o ideal dos defensores dé um pretenso estilo colonial. fi ainda um habito dos jardineiros das nossas nicipalidades cortar as arvores como se tosa, de maneira divertida, 0 pélo dos cachorrinhos de raga, Essa pratica nao é sendo um sincretismo entre & velba arte topidria de origem romana e a estilizagio voluntaria do jardim & frances A verdadeira natureza, nossa natureza tropical transbordante, era our admitida, embora cerimoniosamente, (s jardins eram concebidos em tor"? 105 canteiros privilegiados de flores de esséncias raras, isto é, cultivadas, ao passo que as flores do pais nunca eram ali admitidas. Foi preciso que chegasse um artista jovem, um pintor, Roberto Burle Marx, para que esses preconceitos fossem esquecidos, Ele foi o primeiro a tra- zer & nova arquitetura uma notivel contribuigo no campo de uma arte que the é complementar: a do jardim. Ele concedeu direito de cidadania as plan- tas plebéias. Utilizou-as como verdadeiro paisagista, pintor e arquiteto. José Lins do Rego, o romancista brasileiro, teve muita razdo em dizer que nossos antepassados portugueses comegaram sua tentativa de civilizagao na terra selvagem lutando contra a paisagem, pois esta era o inimigo.* Eles nao tiveram tempo de amar a natureza e trataram a floresta com o machado em punho, Segundo ele, dom Joao, o Regente, ao fundar no Rio o primeiro jar- dim boténico, fez vir das Antilhas a palmeira imperial, solene e altaneira, que seria o simbolo vegetal de uma época nova. Tornou-se a marca do jardim de estilo imperial, isto &, do neoclassico, trazido pelos artistas franceses, vindos com Lebreton no século XIX, a convite do entdo regente. Excetuando-se o jardim, nem a escultura, nem a pintura, e nem mesmo a decoragaio das paredes pelos azulejos atingiram um nivel razoavel de integra- do com a arquitetura. Todas as tentativas feitas até agora no mesmo sentido so ainda ao acaso, indecisas, pouco conclusivas. Pintores e escultores, com ra- ras exceges, e em ocasiées felizes, nao esto ainda preparados para a tarefa que a nova arquitetura lhes solicita. Sua formagio, diversa da dos arquitetos, nao se adapta mais as novas condigdes. Nao tém a humildade necessiria para compreender que a grande arte de nosso tempo nao pode ser feita por capri- chos individuais ou romanticos. A integracao das artes que a nova arquitetura pede exclui as vedetes, as estre- las da pintura de cavalete, desvestida de qualquer pensamento especial. As novas geragdes de pintores e escultores estdo mais proximas desta sintese. Querem fa- zer da arte uma atividade pratica e eficaz de nossa civilizagao. Eis por que pene- tram na escola dos construtivos, a fim de chegar a uma verdadeira sintese, con- digdo indispensdvel a criagio do estilo que o mundo e 0 futuro esperam de nés. [Texto introdutdrio a exposigdo Arquitetura Brasileira Contempornea, realizada no Museu de Arte Moderna de Paris em 1953-] 1 Intervengdo de Lucio Costa no 1 Congresso Internacional de Artistas, patrocinado pela Usco e realizado em Venera em setembro de 1952. Lucio Costa, Registro de wna vivéncia, pp. 268-275, (N.0.} 2 José Pereira Arouca, oficial pedreiro e construtor portugués (1733-1795). [N.0.] 3 Ver pp. 155-158 da presente edig&o. 4 Ver pp. 287-291 da presente edigdo.

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