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[1]. GUSTAVO CAPANEMA Depoimento sobre 0 edificio do Ministério da Educagao Quando entrei para o Ministério da Educagao, em 1934, estava ele instalado no edificio da Assembléia Legislativa do Estado da Guanabara. Aquela época, encontravamo-nos no final do periodo do governo provisério, instalado pela Revolugao de 1930 e extinto com a Constituigio de julho de 1934. Com a re- constitucionalizagao do pais, promovida pela Carta de 1934, tomei posse na pasta da Educagio. Acabava, portanto, o periodo de governo ditatorial do pre~ sidente Getilio Vargas, comegado em outubro de 1930. Com a vitéria da Revolugiio de 1930, verificava-se 0 seguinte: nao havia, no Brasil, Ministério da Educagao. Os assuntos da educagio estavam vinculados a0 Ministério da Justiga e Negécios Interiores. O presidente Getiilio Vargas, logo que se empossou como chefe do governo provisério, em fins de outubro de 1930, entendeu de destacar do Ministério da Justiga o Servigo da Educagao ¢ 0 da Saude Publica e Assisténcia Social para formar um ministério especiali- zado, a que deu o nome de Ministério da Educagio e Saiide Publica. O novo Ministério foi instalado no edificio onde funcionava 0 antigo Con- selho Municipal da cidade do Rio de Janeiro, aquele belo edificio popular mente chamado “Gaiola de Ouro”. O professor Archimedes Meméria — que nos tempos de entdo esteve em grande voga — foi o arquiteto que projetou esse edificio, impregnado daquelas coisas da arquitetura académica da época. E foi la que o professor Francisco Campos, nomeado primeiro ministro da Educagio e Saiide Publica pelo presidente Getilio Vargas, em novembro de 1930, instalou aquele ministério. Foi também ali que eu, em 1934; No alvore- cer da época constitucional — porque sendo a Constituigdo de 18 de julho de aay 1934 creio eu, havia sido nomeado mintistro al pelos dias 24 ou 25 de julho do referido ano - instalei-me, alias, muito bem acomodado, O prédio é uma obra muito bonita, com boas instalagies para o restrito gabinete do Ministério da Kducagio ¢ Saitde Piblica daquela ¢pora, uma ver que os servigos executives do ministério permanceiam nas suas antigas de pendéncias no Rio de Janciro. Ocorreu, porém, que, com a inauguragio do periodo constitucional, s mente, do érgio legislativo da municipalidade do Rio de Janciro, que reela argiv a necessidade do local para a instalagio, nova mava a sua casa. Senti-me ameagado de despejo. ‘Tina de entregar a Gaiola de Ouro para o antigo Conselho Municipal, de que é sucedanea, hoje, a Assembléia Legislativa do Estado da Guanabara. Tive que tomar duas providéncias: alugar salas para 0 meu gabinete — afinal instalado em dois andares do edificio Rex, na rua Alvaro Alvim — e de despesas em que vinha sendo pautada a obra do governo revolucionario, tinha- mostrar ao presidente Getilio Vargas que, apesar da politica de restri mos que pensar em construir a nova casa do Ministério da Educagio. A mu- danga da capital federal, naquele tempo, era ainda uma coisa em que nin- guém acreditava, era uma providéncia que se estava deixando para o futuro, para um ou dois séculos depois, apesar do preceito constitucional. Pedi ao pre- sidente que me autorizasse abrir um concurso para a construgao de um novo edificio para o Ministério da Educagao e Satide Publica. O prefeito da cidade na ocasidio, Pedro Ernesto — muito conhecido na his- toria do Brasil pelo seu vigor revolucionario, pelo seu ardor civico, pelas suas qualidades —, doou, para construgio do Ministério, aquela quadra situada entre a rua Santa Luzia e a avenida Aratijo Porto Alegre e, ainda, entre a rua da Imprensa e a avenida Graga Aranha. Tudo ali era naquela época wma es- planada vazia, resultado do desmonte do morro do Castelo com o aproveita- mento da terra removida para o aterro da baia, empreendimento concluido no periodo do governo do deposto presidente Washington Luiz. Portanto, aquele local era um deserto, um matagal. Autorizou-me o presidente a abrir concurso para o projeto do novo edifi- cio. O concurso era a regra de entdo, como o é hoje. Aberto 0 concurso & julga- dos os trabalhos apresentados, foi escolhido, em primeiro lugar, o projeto do arquiteto Archimedes Meméria que, além de ser 0 autor do edificio da Camara Municipal, o era também do Palacio Tiradentes, onde funcionava Camara dos Deputados no Rio de Janeiro. Ele era, também, o diretor da Es cola Nacional de Belas-Artes e, a im, um homem muito importante. O pt meiro lugar tinha direito a um prémio de cem contos de réis que, em 1935" era uma quantia respeitavel, Por essa época, a construgio do edificio era, para mim, uma preocupagl? secundaria. Minha atengao estava voltada principalmente para os campos ¢* rea satide publica e da educagao. Havia necessidade de uma reestruturagio do en- sino primario, do ensino profissional, do ensino secundario, do ensino agricola — afeto que era ao Ministério da Agricultura — e do ensino superior, ao qual eu queria conferir o carter de verdadeiro ensino universitario, tirando-lhe aquela feigao antiga que perdura ainda hoje, de um ensino ministrado em. escolas “esparramadas” numa cidade em que os alunos e os professores nao tém convivéncia, nao hd tempo integral e nao ha vida em comum. A cidade universitaria com que sonhei seria uma cidade universitaria onde os estudantes teriam bolsa de estudos; os professores teriam tempo inte- gral de modo a trabalhar o dia todo na universidade. Eu queria realizar no Rio de Janeiro, ent&o, uma primeira tentativa de verdadeiro ensino universi- tario. Iria construir ali uma cidade universitaria, Essa expresso “cidade uni- versitéria” que dei ao empreendimento nao tinha para mim 0 mesmo sentido que a palavra tem em Paris, cité universitaire, que é, apenas, o lugar onde os estudantes habitam, Esta seria a residéncia dos estudantes e, também e prin- cipalmente, 0 conjunto das faculdades, a reitoria, as faculdades com institutos anexos e tudo 0 mais que constitui aquilo que, nos Estados Unidos e na Ingla- terra, se chama campus. Quer dizer, toda a cidade que constitui o bloco inteiro da universidade. Eu queria fazer, entao, num terreno que encontrasse no Rio de Janeiro, uma cidade universitaria de primeira ordem. professor Aloisio de Castro, da Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro, ja falecido, sugeriu-me chamar ao Rio de Janeiro, para aju- dar-me no empreendimento, o arquiteto Marcello Piacentini, que estava, por aquela ocasiao, terminando, em Roma, a construgao da cidade universitaria e que, portanto, tinha uma experiéncia muito interessante. Além de ser um ar- guiteto moderno e muito conceituado, era o diretor da Escola de Arquitetura da Universidade de Roma e presidente do Instituto de Arquitetura. Enfim, era uma figura famosa naquele tempo, no campo da arquitetura e do urba- nismo. Achei muito boa a idéia, pois a indicagdo vinha a calhar com minhas cogitagées. Sendo ele uma sumidade no assunto “cidade universitaria”, era também um homem que podia, de certo modo, colaborar na hora em que eu estava as voltas com o problema do edificio do Ministério da Educagao. O professor Marcello Piacentini chegou ao Rio de Janeiro em agosto de 1935, depois de aberto e julgado o concurso, Chegou para tratar apenas da construgao da cidade universitaria. Mas, muito ocupado que era em Roma, nao podia se ausentar por mais de uma semana ou quinze dias. Vinha por Bentileza do governo italiano e por prestigio do professor Aloisio de Castro, ue era amigo dele, e porque eu mantinha, também, relagdes cordiais com o embaixador da Italia, que nos ajudou muito a trazé-lo. ; aa cay Marcello Piacentini escolheu um terreno na Urea que, naquela ‘@.em grande parte desabitada. 1.4 ndo havia aquela escola do Ministé- 124 da praia Vermelha: tudo era de rio da Guerra, nem aqueles grandes palécic serto. Havia ali um quartel do Exército que, na Revolu foi de tal forma canhonado que ficou inteiramente destruido, tanto que o Exército 0 abandonou, Grande parte do terreno era ocupada pela Faculdade de Medicina, pelo Instituto Nacional de Surdos- Mudos ¢ pelo Hospital de Aliena Jrca, estendendo-se pelos lados Comunista de 1935, dos. Daquele tinel que agora la existe, até a L do Pao de Agitear, tudo formava um vasto terreno, maravilhoso para a implan. tagdo de uma cidade universitaria, pois ali havia 0 mar, a montanha, os melho- res elementos urbanisticos — uma localizagao especial num recanto da cidade, © professor Marcello Piacentini achou espléndido o lugar e fez. um ligeiro esbogo do projeto. Mostrei-lhe, também, o projeto premiado do professor Me. méria, dizendo-lhe que estava horrorizado com 0 mesmo e que nao o executa- ria. O projeto era uma coisa horrivel, um pouco “marajoara” e nao estava a altura das anteriores realizagdes do professor Meméria. Comuniquei ao pro- fessor Marcello Piacentini essa minha impressao e queria, de certo modo, ver se ele me amparava no meu desejo de abandonar 0 projeto. Era uma situagao muito dificil, especialmente em meio a uma opiniao pi- blica inteiramente aderida aquele tipo de arquitetura e, de certo modo, havia a dificuldade do governo, as despesas realizadas, e.0 prémio que deveria ser con- ferido. O professor Marcello Piacentini disse: “Eu néio o faria. O senhor tem toda a razao, Isso nao serve, definitivamente. Eu Ihe dou o conselho de nao o fazer”, Informei, entAo, ao presidente da Republica que eu estava disposto a assu- mir a responsabilidade de nao realizar o projeto, que lhe iria fazer uma pro- posicao por escrito para pagar ao professor Memoria o prémio que lhe cabia. O governo tinha o dever de pagar o prémio, mas nao de executar 0 projeto vencedor. Lutei com uma certa dificuldade, pois o professor Memoria tinha muito prestigio na Agao Integralista Brasileira que, naquele tempo, dava apoio muito vigoroso ao presidente Vargas. Além disso, 0 professor Memoria era um dos membros da tal Camara dos Quarenta, que era um drgio muito importante, ao que me parece, da Agao Integralista Brasileira. Era ele tam- bém um arquiteto muito conceituado e, afinal de contas, 0 diretor da Escola Nacional de Belas-Artes e amigo pessoal do presidente. Havia todas essas dificuldades. Mas o presidente, que sempre prestigiou seus ministros, concordou em que eu niio executasse 0 projeto. O professor Memoria escreveu-lhe uma carta reclamando da injustiga da minha decisio, ane 0 presidente deu me mio forte!. O professor Memoria ficou, dai por aa con atanciado de mim, Nao houve malqueréncia entre nds pontado, sentindo-se desprens Lara evidentemente, Ele ficou dese . cutamos 0 projeto, que on iBiave Porque pagamos o prémio, mas nko e* nada de grave. O gra Para ele a principal pretensio, Mas ndo houve ‘Po seguiu o ritmo da vida administrativa. Contei entao ao presidente a minha decisio de no abrir novo concurso cu impressionado para o projeto, pois o resultado poderia ser 0 mesmo, Fics ; com a beleza dos projetos de Lucio Costa, Reidy, Carlos Leo, dos arquitetos novos e jovens que competiram e que nao haviam sido premiados no con curso. Havia projetos muito interessantes, inteiramente revoluciondrios, intei- ramente novos. Eram “um estouro”. Entao, disse ao presidente: Fiquei muito impressionado nés poderiamios tentar no Brasil fazer uma experién- cia com a arquitetura nova, com essa “rapaziada” que temos ai, de primeira ordem. Vamos fazer uma coisa corajosa, interessante. Vale a pena, Comporemos uma co- miso, com esses rapazes, encarregada de fazer um projeto do Palacio do Ministé- rio da Educagao e Satide Publica, livremente. Vamos dar-lhes oportunidade de fa- zer uma coisa avangada, Com a autorizagao do presidente, compus uma comissio constituida por Lu- cio Costa, Affonso Eduardo Reidy, Ernani Vasconcellos, Carlos Ledo, Jorge Mo- reira e Oscar Niemeyer. Lembro-me que eram uns trés ou quatro concorrentes e que passaram a fazer parte dessa nova comissio e, eles proprios, indicaram varios outros elementos, Fiz a comissio a partir desses elementos, La na placa de inauguragao do edificio esta mais ou menos isso: “Este edificio foi cons- truido sob 0 risco original de Le Corbusier e com os projetos feitos pelos arqui- tetos tais € tais”. Lucio Costa era o mais idoso deles e também o que tinha mais prestigio. Ja era uma figura de grande importancia na arquitetura brasileira, de orientagao moderna e havia sido diretor da Escola Nacional de Belas-Artes, De modo que era ele presidente natural dessa Comissdo e tinha carta branca para fazer o edificio do Ministério naquela quadra em que esta atualmente. O edificio do Ministério eu considerava secundario. O principal para mim era a cidade universitaria, que estava atacando com mais vigor, entusiasmo e imeresse. Como ministro da Educagdo, sonhava com a fundagao da Universida- de Nova, da cidade universitéria que seria padrao para o mundo, de uma univer- Sidade de primeira ordem, equiparada as dos Estados Unidos e Inglaterra. Co- ‘mo eu estava perante esses dois problemas, a Comissao veio a mim e me propés: V-Bxa. poderia chamar Le Corbusier, que & 0 maior arquiteto do nosso tempo, 0 Brande mestre, o grande inovador, o grande revolucionario, uma figura muito com. batida e que nao tem uma grande realizagio no terreno prético, mas que, pelo que ‘ lé nos seus livros e na sua doutrina, é o lider da arquitetura nova do mundo. “Poi nao . “ contany ca?” ~ Fespondi-lhes — “Vou chamné-lo”. Tratei de me por em om Le Corbusier, a fim de que ele viesse ao Brasil para eseas duas "ou melhor, como dizia Lucio Costa: Us Para ajudar-nos e orientar-nos na construgao do edificio do Ministério da Educa- a0. Queremos fazer uma coisa nova, mas no queremios nos arriscar a um tio grandioso empreendimento, a uma realizagao tao monumental, que seria a primeira do mundo, sem primeiro ouvir o conselho do grande mestre no mo mento da nova arquitetura, Além do mais, ele vem também ajudar a fazer a ci dade universitaria Naquela ocasiao, ja estavamos organizando o projeto da cidade universita. ria. Para isso, havia também uma comissio, da qual fazia parte Lucio Costa e composta de engenheiros, de representagdes de todas aquelas instituigdes. De modo que eu estava com esses dois problemas, em ambos os quais a frente o professor Lucio Costa, Entao, Le Corbusier foi por mim chamado para esses dois objetivos: a cidade universitéria e 0 Palacio do Ministério da Educagaio ¢ Saude Piblica. Quando Le Corbusier chegou, deu-se aquilo que os senhores ja devem ter conhecimento: é que nao poderiamos fazer contrato com ele em virtude das leis brasileiras. Teria que pagar-lhe por outro modo. Como idealista que era, no exigia muito. Combinamos o seguinte: ele teria uma terceira incumbén- cia no Brasil, além das duas ja citadas: a de fazer um ciclo de conferéncias so- bre a arquitetura nova, mediante remuneragao. Chegando ao Brasil, comegou de pronto a trabalhar, pois ele era um homem muito ativo, brilhante, escrevia muito bem. Inici ou uma série de conferéncias com um sucesso extraordinario. Tive a ventura de assistir a todas elas. Num trecho de L’Architecture d’aujourd’hui ele diz o seguinte: “Ei interes- sante observar que o ministro Capanema assistiu As minhas seis conferéncias, enquanto que o embaixador da Franga néo esteve presente senao na pri- meira”.? Ele ressalvava o abandono em que se achava pela sua gente, pelo seu Pais. Mas salientava ainda que eu lhe dava uma importancia tal que havia ido assistir as seis conferéncias, ¢ muito interessado do comego ao fim. Comecei a ficar interessado e me apaixonei pelas suas exposigies ¢ tenho, no Meu arquivo, os originais dessas conferéncias, taquigrafadas, que nunca fo ram publicadas, Quando ele veio ao Brasil em 1gag, eu advogava no interior de Minas Gerais, em Pitangui. Em 1930, fui para Belo Horizonte ocupat cargo de secretario particular de Olegario Maciel, presidente eleito do Estado — como se designava entao. Encontrava-me distanciado de tudo que se rela cionasse com arquitetura Apaixonei-me pela matéria quando tive que construir o edificio. Ai fique! acontece comigo q ndo comego a mexer con & \ temperamento, Fiquei como secretario particular do ges* © apenas durante um ou dois meses. Com a vitéria da Revol ° Bovernador me nomeou secretario do Interior, cargo que exe do mei nador do Estad, Gio de 30, 126 27 até 1933. Nesse periodo me secundava numa turma de gente muito moderna em que comecei a desenvolver contatos A comissiio comegou o trabalho juntamente com Le Corbusier, Quando de sua chegada, ele oferecen duas solugde: comegou acha nido que naquele lugar o edificio nao ficava bem, que aquela quadra Jo servia. Por aquela época, o mar vinha até a rua chamada Beira-Mar, que é aquele caminho que vai do aeroporto até o Hotel Glér . Tudo aquilo era mar, De modo que Le Corbu sier achava que eu devia fazer o edificio ali, em frente ao mar, onde hoje é a Maison de Franco, a Casa da Italia. Ble © 1 Muito teimoso. Queria que eu fizesse o edificio la. K.14 projetou um edificio muito bonito, longo e baixo Quem o ajudava muito nos seus projetos, quem era o enfant gaté de Le Corbu- sier era 0 Oscar Niemeyer, Como era 0 mais jovem e desenhava muito bem, Oscar Niemeyer passou a ser o “sacristiio” de Le Corbusier. Eile nfo fazia nada sem o Oscar. 0 Oscar convertia as suas idéias logo em desenhos. Le Corbusier fez esse primeiro esbogo e 0 trouxe para mim. Disse-lhe, en- 180: “Eu no posso fazer esta obra por uma razao fundamental —o terreno & da prefeitura”, Bu ja havia “feito 0 diabo” para obter aquela outra quadra. “Nao posso conseguir do prefeito Pedro Ernesto que me dé mais terreno, E de- pois, também, iria levar uns dois anos para se conseguir novo terreno. | impos- sivel. Nao tenho muito tempo no ministério. & preciso iniciar logo essa obra.” Eu nao imaginava que ficaria onze anos no Ministério da Educagao. Pen- sava que ficaria mais dois anos, pois estavamos em 1936 € 0 presidente Geti- lio Vargas havia sido eleito pela Assembléia Constituinte para um mandato que terminaria em principios de 1938. Exa preciso, entao, nos apressarmos. Nao iria eu gastar mais de dois anos para iniciar 0 projeto. Insisti com Le Cor- busier que era naquela mesma quadra que havia recebido do prefeito Pedro Ernesto que ele deveria projetar 0 prédio. Le Corbusier executou um antepro- jeto, em esbogo para o edificio, um risco. Ao mesmo tempo, o assunto da cidade universitaria j4 estava em outro ponto. & que haviamos chegado a conclusao de que para fazé-la na praia Vermelha teriamos de gastar muito dinheiro nao s6 com desapropriagdes, mas para localiza-la nalgum lugar mais seguro dentro daquela area ja des- crita. Tudo era muito dificil. Fui, aos poucos, fazendo um levantamento: das possibilidades e verifiquei que o que mais convinha era desistir daquile. Surgiu, entdo, a idéia de fazer a cidade universitaria na Quinta da Boa Vista, que era um jardim maravilhoso para servir logo de campus para a univer- sidade. Aquela area estendia-se por uma vastidao de terrenos, abrangendo, inclusive, o local onde hoje esta situado o estidio do Maracand, LA nio seria muito dificil construir a cidade universitéria, Seria apenas uma questo de um certo esforgo, que seria muito menor do que @ sua construgio na praia Vermelha. 128 Quando Le Corbusier chegou, j4 estavamos com esta idéia. Havia jé um escritorio composto de professores cuidando do assunto, e Le Corbusier e Nie. meyer passaram a trabalhar no projeto. A comissao existente no ministério ti nha o carter de assessoramento, de opinar, mas nao era executiva. A execu tiva era o Le Corbusier e o Niemeyer. Oscar Niemeyer estava fazendo o papel de secretario de Le Corbusier, quer desenhando, quer ajudando-o em tudo mais. A cada dia Oscar Niemeyer crescia e desenvolvia mais sua capacidade. O projeto que Le Corbusier fez e que esta na obra dele seria situado na Quinta da Boa Vista. E uma beleza. Para examiné-lo, nomeamos uma comissao de professores que era com- posta de homens eminentes — Ernesto de Souza Campos, de Sao Paulo, que ive até hoje, deve estar com uns 80 anos, ¢ Inacio Azevedo do Amaral, dire- tor da Escola de Engenharia. Ficariam trabalhando como os dois elementos que definiriam o programa da cidade universitaria: reitoria, faculdade de di- reito, faculdade de filosofia, de medicina, de arquitetura, institutos, residén- cias, enfim, todo o conjunto, esclarecendo, essencialmente, quantas salas se- riam necessarias, quantos metros quadrados etc. Por essa ocasidio, veio ainda da Europa um auxiliar de Marcello Piacentini, chamado Vitrio Mopurgo, professor também em Roma, para ajudar naquelas idéias de Le Corbusier. Verificou-se depois que nao se poderia construir a cidade universitaria na Quinta da Boa Vista pelas grandes dificuldades que surgiram — a via férrea passava pelo meio do terreno ete. Encontramos, afinal, um terreno maravilhoso em Vila Valqueire, na Zona Norte, proximo ao Campo dos Afonsos. Posterior. mente, demos preferéncia pela Ilha do Fundao, onde, realmente, comecamos a construgao. Nessa época, eu ainda era ministro. Quando sai do ministério, em 1945, ja estava a cidade universitaria sendo planejada na Ilha do Fundao. Praticamente, ficou parada até hoje, pois vai sendo construida muito lenta- mente. A minha resolugao era sempre no sentido de prestigiar a arquitetura nova. Eu nao faria uma cidade universitaria a ndo ser como grande monu- mento da arte moderna. Era mais ou menos 0 mesmo espirito de Brasilia. Havia, em primeiro lugar, as dificuldades de terreno. Vocés nao podem imaginar a luta, o sofrimento, as providéncias que tive que tomar durante anos seguidos para encontrar, afinal, um terreno satisfatorio e, ainda mais, Para adquiri-lo com aquela dificuldade de verbas que tinhamos, Em segundo lugar, havia o proprio custo da cidade universitaria, da sua construgao. Eram ©ssas, portanto, as grandes dificuldades. Quantas e quantas vezes eu vi que @ coisa exigia um heroismo, um trabalho imenso, Le Corbusier realizou, simultaneamente, suas trés fungdes: a de fazer 0 an- ‘eprojeto da cidade universitaria, a de fazer 0 anteprojeto, ou risco inicial, do edificio do Ministério da Educagao e a de promover uma série de conferéncits Ele realizou grandes conferéncias, 0 que justificava a remuneragio que receb!® 129 Depois, foi embora. Dai por diante, as coisas desenvolveram-se da se guinte maneira: 0 projeto do edificio do Ministério da Educagio foi feito por essa comissio, cuja composigio j4 enunciei. 0 projeto da cidade universitaria foi também sendo desenvolvido por um grupo de arquitetos, 0 principal dos quais era Oscar Niemeyer. Iniciamos, entao, a construgio do edificio do Mi- nistério, que demorou muito tempo para ser concluido. Naquela época nao se edificava, no Brasil, com a facilidade de hoje, e nem os materiais de constru- do eram essas maravilhas que vemos por ai e nem tampouco tinhamos di. nheiro sobrando e nem a arquitetura daquele tempo tinha os recursos de que dispde atualmente. A guerra, de certo modo, prejudicou a sua construgao. Sé pude inaugurar o edificio em 1945, apés 0 que, entao, se foram fazendo aque- las esculturas, os jardins etc. Tudo aquilo foi muito dificil para nés. ‘Ai foram langados nomes como os de Portinari, Celso Antonio, para quem o Congreso Nacional acaba de votar uma pensio, porque ele esté na miséria, inclusive passando necessidades. Colaborou também Lipchitz, em uma escul- tura na parede curva do auditério. Aquela parede devia ter uma escultura, ¢ uma escultura ali era uma coisa muito dificil. Tentamos com o Celso Antonio, com o Bruno Giorgi, com o Brecheret, enfim, com muitos escultores brasilei- ros. Nenhum dava certo. 0 Celso Antonio fez uma escultura muito bonita para 14, uma beleza de escultura. Fez a maquete e eu e Lucio Costa fomos vé-la. Entao, Lucio Costa me disse: “Da idéia de uma borboleta pregada na parede”. Entao, eu lhe disse: “Olha, Lucio, vocé liquidou com o projeto inicial, eu j4 nao fago mais”. ‘A nossa idéia a respeito do projeto é de que fosse ou representasse uma vi- toria, uma coisa como A vitéria de Samotracia, A vitoria de Samotracia era 0 que estava na minha cabega, embora eu ndo a conhecesse ainda, Ela nunca es- teve no Brasil. $6 muito tempo depois é que pude vé-la em Paris. A vitéria de Samotracia me entusiasmava muito. Eu queria uma coisa como aquilo, wma coisa daquele género, com aquele sentido. Foi entéio que Oscar Niemeyer su- geriu-me que indagasse se o Lipehitz, que estava em Nova York, poderia vir fazer a escultura. Lipchitz era um grande escultor polonés, extraordinariamente avangado, moderno e, ao mesmo tempo, de grande capacidade realizadora ¢ que estava nos Estados Unidos, refugiado do nazismo. Como eu me dava muito bem com Nelson Rockefeller, hoje governador do Estado de Nova York ¢ naquela époce ‘mogo ainda, pedi-lhe pelo telefone internacional que perguntasse uo Lipchitz sobre essa possibilidade. Como dirigente do Museu de Arte Moderna de Nova York, Nelson Rockefeller estava em contato com esses artistas europeus que entravam nos Estados Unidos como imigrantes. © Lipehitz mandou-me uma revista contendo um desenho dele que me impressionou muito e que ele gostaria de realizar, intituldo Prometeu domt nando o abutre, em que a lenda de Prometeu sendo comido eternamente, como castigo, pelo abutre, era por ele concebida de forma diferente: um Pro. meteu que se liberta do abutre, que domina o abutre, que esmaga 0 abutre. Com essa concepgao ¢ que ele fez o desenho publicado na revista que me mandou. Achei aquilo muito bonito e espléndido. Disse-Ihe que poderia co megar a obra. Entao, ele fez um esbogo com meio metro de largura num cubo de meio metro de aresta. Depois que lhe pedi que executasse 0 projeto, mandou-nos um gesso — que esta ld na parede é a reprodugao em bronze do modelo enviado. Mas, quando chegou 0 trabalho, eu j4 pressentia que 0 nosso tempo estava termi- nando, que o governo teria que sair: as eleigGes ja estavam marcadas para 2 de dezembro de 1945. Conclui que nao teria tempo suficiente para termina-la, porque tinha que chamar técnicos para ampliar aquilo em dois metros de al- tura e dois metros de largura, conforme concebida por Lipchitz. A que la se encontra tem um metro de altura por um metro de largura. Eu tinha, por conseguinte, que duplicar aquilo em gesso e, depois, transformar 0 gesso em bronze. Fiz os calculos de quanto tempo precisaria para acaba-la e verifiquei que nao teria prazo. Eu iria sair do ministério, na melhor das hipéteses, em principios de 1946.0 melhor seria mandar fazer em bronze aquile mesmo e, depois com o tempo, forcejar fora do governo a fim de ampliar a escultura. Colocamos a obra no lugar daquele jeito. Mas aquilo est4 desproporcio- nal. O Lipchitz nunca quis vir [ao Brasil para] ver, porque ficou com raiva. Achou que aquilo nao era o que ele queria fazer. Nao considerou terminado o trabalho, porque queria que, depois de fundida a escultura, fosse por ele feito um trabalho manual de acabamento. Mas ele nao queria vir, até por- que eu saira do ministério. Meu plano era 0 de conseguir que 0 governo fizesse a ampliagio e que o Lipchitz viesse para termina-la, 0 que nao foi feito até hoje. E. possivel, quem sabe, que algum dia se faga aquilo que estava no projeto inicial. Em 1937, 0 quadro politico e a situagio mundial complicaram-se de tal maneira que o governo, do qual eu fazia parte, deu o golpe de Estado, as v peras da sucesso de Gevilio Vargas, quando ja se apresentavam como candi- datos José Américo de Almeida e Armando de Salles Oliveira, governador de So Paulo. Decretou-se uma nova Constituigio, que era para ser plebiscitada e nao 0 foi. O governo que devia terminar, pois, em principios de 1938, Pr longou-se até 1945, quando as Forgas Armadas, em 29 de outubro, nos dept seram, porque havia chegado a hora final daquele regime, da ditadura Vat gas. Foi uma deposigao muito amistosa, porque j4 saimos todos para set eleitos. O presidente Getilio foi eleito senador pelo Rio Grande do Sul ¢ de putado por varios Estados, 0 que era, ent&o, permitido, Eu fui eleito por Mr nas Gerais para a Constituinte. 0 fato € que, com a duragao que tivemos, pude fazer a obra com certa len- tidio, porque, como j4 0 disse anteriormente, estava preocupado com muitas aquele edificio iria ter tamanha im- outras coisas, mas eu nao imaginava que portancia, mesmo porque ele era isolado naquele local. Era o tinico edificio moderno no Rio ¢ era muito ridicularizado. A principio, a reagio era de combate. Fui, durante anos a fio, combatido, ri- dicularizado por todo mundo. Aquele edificio era conhecido no Rio de Janeiro como “Capanema Maru”, nome que 0 povo lhe dava porque tinha forma de navio, e “Maru” eram os navios japoneses que freqiientavam muito 0 porto do Rio de Janeiro. Mas os artistas, os escritores, de um modo geral, e 0 proprio presidente Vargas eram a favor da renovagio. O presidente, pelo menos, admi- tia que se fizesse ali, ao lado do Ministério do Trabalho, do Ministério da Fa- zenda, aquela coisa totalmente diferente que era 0 Ministério da Educacao. O edificio do Ministério da Educago, como diz Mindlin no seu livro, em inglés e em francés, logo no inicio, “é a primeira realizacdo monumental da arquitetura nova em todo o mundo”. (Entrevista concedida em 12 dez. 1968 aos arquitetos Alberto Xavier, José Carlos Coutinho e Luiz Fisberg, professores do 1AA da UnB, no recinto do Congresso Nacional. Ver, abaixo, “O ministro que desprezou a rotina”, de Carlos Drummond de Andrade. 2. LArchitecture d'aujourd’hui, s/n, Boulogne (Seine), p..o, set. 1947.

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