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2006, Eos nsitu Jot Ll Rasa Sundar ‘Nedra avtorza a reproduc depres deste ro pasa fs acatricos toa de dla elec, desde que mencionada afr. oordenagia eo: io card Soares Prodi eta Lie Gustavo Soares “Tego: Esabth Marie Mali araia Reviso fa: og Pre Projet Gia e Capa Kt Galan ee, Even "Sexo conc sev ou classe contra ass. So Pauls: Fitorainstu Jose Lu Rosa Sunderman, 2008. 148, (Cleo 10 n.12)-2 edo epressi0 211) Ise: 978.85-90156-414 |. Mules opesée 2, Opessod mule ogen. Taam enn 3 Ta i esa eT SS Tavs Fos Eat tc tat oe Lu fos Sicerarn ‘verde Nove de uo, 9256 Bea Vta io Pau» Basi «01313-000+ 55-11 253 5a01 \endasoedtarasundemann. con. « wv edorasundemsan com bt SUMARIO 07 Apresentagio a segunda edi¢io brasileira 13. Preficio da autora 19 Mulher e familia: uma andlise histérica 57 O mito da inferioridade da mulher 103 Sexo contra sexo ou classe contra classe 131, Como a mulher perdeu sua autonomia + como poders reconquisti-la * 169 Notas APRESENTACAO A SEGUNDA EDICAO BRASILEIRA Mariticha Fontana Publicado pela primeira vez no Brasil em 1980 sob 0 titulo Sexo contra sexo ou classe contra classe em co-edigéo das editoras Proposta Editorial e Versus, este livro de Evelyn Reed ganha merecida reedicao. Ele é uma ferramenta poderosa para a luta pela liberagio das mulheres contra o machismo crescente desta sociedade neoliberal capitalista, imperialista decadente. Antrofiéloga © marxista, essa norte-americana que vivenciow as grandes manifestagoes de mulheres 8 Evelyn Feed na década de setenta nos EUA, mergulha em pro fundidade na explicagio da origem da opressio da mulher ¢ derruba um a ui os mitos sobre a inferio~ tidade do sexo feminino, demonstrando que as mu- Theres nao podem ser consideradas o “segundo sexo” que sio totalmente falsas as idéias que apresentam a ‘mulher como um ser oprimido desde sempre Ela vai buscar as raizes da opressio na pré-hists- ‘ia e mostrar que na maior parte do tempo desde que «a humanidade existe sobre a Terra, as mulheres nao apenas niio eram sexo oprimido, mas desempenha- ‘vam papel preponderante ~a sociedade se constituia sob 0 matriareado, onde as relagbes sociais,culturais sexuais cram igualitirias. Vai demonstrar que, além da opressio da mulher ter aparecido junto com a monogamia, ela € fruto da sociedad de classes; nasceu com a explorasio, a pro- priedade privada, o Estado, a familia, sendo portan- to produto sociale histdrico e nao natural, biolégico ou divino, Vai provar ainda que, de todos os sistemas ‘ou modos de producio fuundados na explorasto (an- tigo/escravagista; feudal ou capitalista) € no sistema capitalista que a mulher é mais degradada © oprimi~ da, desmontando assim a fas idéia de que a mulher cestaria realmente se “libertando” nessa sociedade, apesar de todas as reformas conquistadas com muita Sexo contra sexo ou classe contra class@ 9 lta, Dialeticamente demonstrard que sob 0 capita- lismo a luta das mulheres pode avangar muito, mais ainda se conectadas com 0 socialismo. Também vai discutir 0 papel historico da familia, produto da so- ciedade de classes, e suas transformagdes, apontando cesta como uma instituigo reacionéria, seja na socie~ dade antiga, feudal, seja sob a sociedade capitalista. Por outro lado, esse livro representa uma enorme lufada de ar freseo na atmosfera poluida pelos ‘estu~ dos de género’, impregnados pela reacionéria *pés- ‘modernidade” académica, ¢ pelas ideologias burgue- sas, que, propagadas pelas ONGs, tém sufocado a lta de liberagzo das mulheres, buscando aprisioné-la ao sistema capitalista, a0 Estado, ao mercado ¢ aos ‘monopélios ¢ desvié-la do seu caminho realmente libertador, da sua unidade com os homens trabalha~ doses na luta pelo socialismo. Especialmente a partir dos anos noventa houve uma dispersio ¢ uma flagrante institucionalizagao dos movimentos de mulheres, Isso pode ser iden- tificado no crescimento das ONGs (Organizagoes “Nao-Governamentais") “feministas’, financiadas por governos, pelo aparetho de Estado, empresas, ‘agcos e, inclusive, onganismos internacionais e im= perialistas. 10 Evelyn Reed ‘Tais organizagées e suas falsas idéias reduzem a Ita contra a opressto a uma luta por “reformas” nos limites da sociedade capitalist, e muitas teorias ten- tam conduzi-la a uma “guerra de sexos”. Mas, coma afirma Evelyn Reed, a luta pela libera= ‘0 das mulheres € inseparduel da luta pelo socal «) A lta de classe é um movimento de opo sto, nd de adaptagdo(..) A subjugagdo das mulheres caminkou lado a lado com a dominagao das massas trabalhadoras pela classe dos bomens patrées.(..) As mulheres pobres sao torturadas, ao mesmo tempo, ‘pela obrigardo de ewidar des filbos e da casa, ¢ tra~ ‘balhar fora para contribuir no sustento da familia As muiberes, portanto, foram condenadas a seu estado de opressio pelas mesmas farcas e relagées sociais que Jevaram a opressito de uma classe sobre outra, de uma raga sobre outra, de uma naga sebre outra. Eo siste- ‘ma capitalista ~ 0 estdgio maior de desenvabvimento dda sociedade de classes ~ a fonte principal da degrada ioe opresito das mulheres.) quem sao os melhores caliados das mulberes no combate por sua iberasao? As ‘sposas dos bangueires, dos generais, dos advogades abastades, dos grandes industrias, os trabathadores nnegros ¢ brancos que litasm par sua propria iberasdo? Sexo contra sexo ou classe contra classe n Este livro leva a perguntar quais sio 0s nexos entre a luta pel liberasao das mulheres ea luta pelo socialismo. E, a0 contritio do stalinismo, demonstra que a luta contra todas as opressdes tem tudo a ver ‘com a luta contra toda a exploragao e pelo socialismo. Como diz ela em um dos seus artigos: (mesmo que os objetioos wltimes da liberasio das ‘mulheres ndo pessam ser alcangades antes da revolte- fo socialista, isso nd significa que a lta por refor- ‘mas deva ser postergada atéa hora final. (..) Por que cas mulheres devem levar a cabo sua luta pela lbera~ tos, em siltima instancia, para a vitoria da revolu- io socialist serd necessiria a ofensiva de toda a classe trabalbadora® A rao disso, & que nenbum setor oprimide da so- ciedade (..)pade canfiar a outras forvas a diresio 2.0 desenvolvimento de sua luta pela liberdade — ainda aque esas forgas se comportem como aliadas, Rechaga~ ‘os a posigao de alguns grupos politicos que se dizem marsistas, mas que no reconbecem gue as mulberes dewers dirigir e organizar a luta por sua emancipa- ‘vito, da mesma forma que nae chegam a compreender por git os negros devem fazer 9 mesmo. 2 Evelyn Reed Num momento em que o proletatiado dé sinais de luta ¢ reentrada em cena , em que mais uma cri- se capitalista espreita 0 horizonte no mundo € que as mulheres trabalhadoras, duplamente oprimidas «© super-exploradas sob 0 eapitalismo, comesam a ‘¢ reorganizar em nosso pais, como demonstrou o T Encontro de Mutheres da Conlutas, que reuniu mais de mil mulheres, a publicacio deste livro, mais do que oportuna, € necessiria. 10 de setembro de 2008 PREFACIO DA AUTORA Depois de anos de letargia e de submissio a0 status quo, wna nimero cada ver. maior de rmulheres americanas levanta a cabega para unirem-se a0s ne~ {gros rebeldes e aos estudantes radicnis, em sua lula ‘contra o sistema capitalista. Esta vanguarda de mu theres militantes teclama o fim do estado de inferio~ ridade 20 qual esti relegado nosso sexo ¢ submete as instituigbes e os valores da sociedade atual a uma dura critica. Suas reivindicagdes vao desde 2 aboli- 40 das discriminagoes praticadas contra 0 sexo fe minino no campo do trabalho, até a revisto das leis reacionarias sobre 0 sborto, sustentadas pela Igreja e pelo Estado, + Os grupos de liberagio da mulher, strgidos em. torno d&ta luta pela igualdade, debatem seriamente 0s diferentes problemas tedricos € priticos que sur- 4 Evelyn Reed ‘gem, Exatamente igual ao que fizem os afto-ame- ricanos quando tentam compreender porque foram relegados a um estado de eseravidao € como sera possivel libertarem-se rapidamente, estas mulheres recentemente conscientizadas querem saber como € por que estiveram subjugadas por leis machistas € 0 «que podem fazer frente a esta situayao. Sem divida, quando buscam uma explicagio, descobrem com surpresa que ha pouquissima infor- ‘maglo disponivel sobre este tema. Existem muitos estudos que tratam do desenvolvimento do sgénero Jhumano em seu conjunto, desde os tempos mais an- tigos até nossos dias. Mas, se quiserem ir mais além ‘em suas indagagdes, onde encontrardo um sumério confiavel dedicado & evolusio da mulher, que possa servir para langar alguma luz sobre certas questies desconcertantes que se referem a sua situasao social, ‘que muda através dos tempos? Avescassez de dados sobre um tema que é do mé- xximo interesse para a metade do género humano ndo deve nos surpreender. A historia foi escrita até nossos roprios dias do ponto de vista das classes dominan- tesedo sexo dominante, Portanto, ainda esti por ser feita uma relagio completa das contribuisoes que a mulher deu ao pro- resso social. A documentagéo auténtica de tudo © ‘Sexo contra sexo ou classe contra classe 15 que ela realizou até agora foi escamoteada, limitada, desvalorizada; do mesmo modo e pelas mesmas ri- 2z6es que as lutas e as vitdrias da populagio trabalha- dora e das minorias oprimidas. "Todos 05 oprimidos, inchisive as mulheres, ne= cessitam agora, urgentemente, escrever e reescrever sua propria historia para exibi-la ¢ corrigir as falsfi- cages. Ao mesmo tempo, esta tarefa deve ser reali- zada em meio ao calor da luta por sua emancipagio e como instrumento para a mesma, Um estudo amplo da historia da parte feminina do género humano tera que s¢ iniciar necessatia~ ‘mente, nas origens mesmas da sociedade. O perfodo ‘mais antigo, o do estado selvagem, é, ou deveria ser, um campo muito especifico da antropologia. Como cigncia dedicada a0 estudo da pré-histéria ou da pré- civilizagao, 2 antropologia tem uma enorme impor tincia para a “questo da mulher’, eisto €0 que tento expor aqui, Seus descobrimentos, interpretados compreendidos em seu justo valor, podem servir para destruir muitos dos mitos que, contudo, prevalecem, preconceitos que existem sobre a mulher, ¢ podem se converter em uma valiosa ajuda para o movimento de sua liberasao. Por txemplo, as mulheres das sociedades pré- ivilizadas eram tanto economicamente indepen- 16 Evelyn Reed dentes como sexualmente livres, Nao dependiam de ‘maridos, pais ou protetores, para conseguirem sua subsisténcia, ¢ ndo cram humildes, nem se mostra- vam agradecidas por qualquer migalha que recebes- sem. Na sociedade comunitéria, trabalhavam junto com outras mulheres e outros homens em beneficio de toda a comunidade, dividiam os resultados de sen trabalho sobre uma base igualitéria. Segundo os costumes, decidiam clas mesmas, autonomamen- te, acerca de seu comportamento sexual. Nao eram objetos que se pudesse possuir, oprimir, manipular ¢ explorar. Como produtoras ¢ procriadoras eram ‘eabeca reconhecida de uma sociedade matriarcal, € ‘ram honradas ¢ respeitadas pelos homens. Sem diivida, quando estes fatos foram descober- tos pela primeira vez, pelos antropélogos do século passado, estas versdes das formas primitivas de onga- nizasio social ofenderam ¢ alarmaram os guardiges do status quo, exatamente como acontece em nossos dias, Suas objegdes tiveram efeitos negativos sobre © desenvolvimento da ciéncia antropolégica, ¢ ser viram, inclusive, para impedir e retardar a elabora- ‘s40 de uma historia da mulher que fosse auténtica € completa. Existem sazées politicas para esta obstinada re- sisténcia. O descobrimento de que as mulheres nem Sexo contra sexo ou classe contra classe 7 sempre foram consideradas como 0 “segundo sexo”, relegadas a um estado de inferioridade, sentio que, 40 contritio, desfruraram de uma imensa capacidade criativa, social e cultural, continha implicagdes peri- gosamente “subversivas”: ameagava minara suprema- cia, tanto do homem como do capitalismo, Porque, se era verdade que o sexo feminino tinha tido uma participagio fundamental na sociedade comunitaria primitiva, por que nao iria poder fazer 0 mesmo na reconstrusdo das relagdes sociais, em um nivel hist6- rico mais elevado? Uma vez que as mulheres atuais, feustradas e re~ beldes, tivessem compreendido o que suas antecesso- ras puderam realizar em dado momento, ¢ qual havia sido 1 posigio influente que possuiam, dificilmente se contentariam em permanecer no seu atual estado de inferioridade. As adeptas dos movimentos de li- berag&o da mulher no somente se sentiriam reforea~ das, sendio muito methor equipadas em sua luta pela aboligio da sociedade capitalista que as humilha, ¢ pela construgio de uma nova sociedade, uma socie- dade melhor, na qual todos os seres humanos ¢ am= bos 0s sexos fossem livres. 18 Evelyn Reed -exploragdo das massas trabalhadoras pelos propriet- (Glog capltaltias, Portanto, 25 mulheres poderiam se assegurar de um controle pleno de suas vidas, € con- formar seu préprio destino, unicamente como forga integrante da revolugao socialista mundial. Este livro deseja ser uma pequena contribuigto ‘0 tremendo trabalho que espera a mulher em nossa época revolucionaria. Ao conformar nosso presen te € nosso futuro, teremos que reconstruir também nosso passado, por dificil que possa ser. Conforme se estenda o atual processo de conscientizacio, no ‘me resta divida alguma de que um niimero cada vez maior de mulheres revisard criticamente a larga mar- cha do género humano, ¢ realizari novos descobri- mentos, e divulgari tudo aquilo que jé se chegou a conhecer sobre a verdadeira historia de nosso sexo, 15 de junho de 1969 MULHER E FAMILIA: UMA ANALISE HISTORICA? ‘Todos os presentes estio conscientes de que ¢s- tamos vivendo um periodo de crescentes agitagées € tensbes sociais. Isto fica evidente através das mani- festagdes de protesto € pelos movimentos de libera~ a0 que ha tempos ocupam as manchetes de jornais. Em primeiro lugar, aparece 0 repidio a Guerra do Vietna, na qual Washington est queimando mi- Ihdes de milhares de délares, enquanto descuida das netessidades mais elementares do povo norte-ameri- ccano no §ue se refere & habitasao, educagao, cuidados :médicos, bem-estar social ete. Temos também as re 20 Evelyn Reed voltas nas comunidades negras, que buscam o fim de sua pobreza ¢ do racismo. Os estudantes,subjugados pelo sistema prevalecente de coersio e de lavagem cerebral, tentam liberar as escolas e universidades da ingeréncia das grandes indiistrias e das personalida- des poderosas. Portanto, nfo é nada surpreendente que junto a essas ondas de descontentamento ¢ mili- tincia tenha sido despertado o interesse e se desen~ volvido novamente os movimentos pela liberagio da mulher. Sexo contra sexo ou classe contra classe a Na vanguarda, as jovens de hoje, sobretudo as| luniversitirias, questionam as antigas normas ¢ os-| ftumes que limitam a vida da mulher ao marido, Ito lar e & familia. Suspeitam terem sido enganadas quando as fizeram acreditar que as mulheres repre- Ientavam 0 segundo sexo, algo inferior, algo que tem lque ser satisfeito com o ser um pouquinho mais que juma mulher zelosa de seu lar ou viver uma vida ocio- a. Com toda justisa, elas acreditam que possuem ‘érebros ¢ talentos, da mesma forma que drgios se- tuais € reprodutores, ¢ que tém sido despojadas de nua liberdade para poderem expressar sua capacidade ‘dose perspectivas mais amplas que aquelas is que se acham restringidas, Tal coisa néo é surpreendente, dada a magnitude ¢ o alcance do problema. A “ques- to feminina” no afeta um grupo minoritério; as mulheres representam a metade da espécie humana, Por outro lado, abrange temas importantes ¢ muito sensiveis, como o das relagdes sexuais, os laos farai- liares ¢ outros problemas intimos entre as pessoas. ‘Um dos maiores obsticulos com que nos de- frontamos ¢ a falta de informagio concreta sobre a transformagio histérica da mulher e da familia, Tal coisa € muito util para que a mulher se mantenha ignorante e submissa 20s mitos que se propagam em ‘sua volta. As jovens rebeldes sentem instintivamente que de algum modo, em algum momento e por meio de algumas foreas invisiveis, foram submetidas & es- jcravidio € relegadas a um estado de inferioridade. Elas nao sabern como isto aconteceu, ¢ necessitam saber como chegaram a este ponto ¢ quem ou o que é [responsivel por tal coisa, frindora em quase todas as esferas da vida social. No entanto, encontram-se em dificuldades quan- do se trata de articular suas queixas e formular suas reivindicagdes por urna vida mais rica em significa- A maioria das mulheres ndo compreende que seu problema nio existia antes da instaurasdo da socieda- dede classes, que as desclassificou da elevada posigio de igualdade que desfrutavam na sociedade primiti- va. Muité-vagamente, se dio conta do fato de que a submissio das mulheres caminha paralelamente com 2 Evelyn Reed 4 exploragio dos trabalhadores em seu conjunto, com as discriminagoes praticadas contra os negros e utras minorias. Por esta razio, elas mesmas nao en- tendem que uma vez abotida a sociedade capitalista € instauradas relagoes de tipo socialista, as mulheres serio emancipadas como sexo, pelas mesmas forgas que liberario todos os trabalhadores e minorias ra- ciais de sua opressio ¢ alienacio. 20 campo da antropologia, com seus importantes descobrimentos sobre a evolugio da mulher, da fa- iia e do conjunto da humanidade. Em primeiro lugar, um breve eshogo do desen- volvimento da propria antropologia, para compreen- dermos porque tantos desses conceitos foram distor ciddos e mistificados. ae pouco mais de cem anos, Em seu inicio, era considerada por seus fundadores como 4 ciéncia das origens sociais e da evolugéo. Através de suas investigacdes, estes esperavam poder tragar © desenvolvimento da humanidade desde as origens ré-historicas até a civilizagao, ou seja, chegar até 0 atual periodo histérico. A antropologia, portanto, seria definida como ‘Sexo contra sexo ou classe contra classe B Exatamente por ser uma ciéneia da evoluglo, antropologia foi objeto de muitas controvérsias. Da mesma forma que a biologia, que se desenvolveu também no curso do século XIX, esta ciéncie fez balangar os conceitos erroneos que prevaleciam até entio sobre o passado da humanidade e, além disso, comesou a derrubar as més interpretagbes existentes sobre a questéo da mulher. Por isso, foi considerada elas forgas conservadoras como uma ciéncia poten- cialmente subversiva, e muitas barreiras se levanta- ram no caminho de seu livre e completo desenvol- vimento. A primeira batalha entre o dogmatismo obso- eto ¢ os descobrimentos cientificos desenvalveu-se ‘no campo da arqueclogia. Segundo o Antigo Testa-~ ‘mento, a humanidade tinha nio s6 uma origem divi- ‘na, como sua hist6ria era breve, contava com menos de cinco mil anos. Nao obstante, os fésseis escava- dos pelos primeizos arqueslogos demonstravam que a vida humana havia se iniciado jé ha milénios. Tal coisa representava um desafio aos dogmas religiosos ¢ as idéias petrificadas que prevaleceram durante 0 Ultimo século, ¢a principio, esses descobrimentos fo- ram acolhidos com rancor ¢ desconfianga, Somente depois de virias décadas e depois de haver um aci- mulo de provas contundentes, esta resistencia se des 4 Evelyn Reed vaneceu, Atualmente todo 0 mundo cientifico accita que a vida comegou hé mais de um milhao de anos, «que outras formas sub-humanas ou hominidas pre~ cederam a evolusio do homem até o Homo sapiens ‘A segunda grande batalha contra 0 obscuran- tismo se deu com a teoria de Darwin da evolugio orginica, que evidenciou a origem animal da hu- manidade, Este foi um golpe muito mais sério a0 dogmatismo mistico religioso, do que simplesmen- te estender a histéria da humanidade para tempos ‘mais remotos, porque implicava o fato de que o ho- mem nio era criagio de um ser divino, e sim fruto da evolugio de um ramo evoluido dos primatas. A ira ea fiiria que rodearam esta teoria anti-religiosa duraram virias geragies. Em alguns estados, a lei proibiu que esta teoria fosse ensinada nas escolas. Somente este ano o estado de Arkansas foi empur- rado, a golpes'e pontapés, ao século XX, gragas & coragem ¢ espitito de luta de uma professora que forcou o Estado a admitir o ensino da teoria da evo- lugao em suas escolas. Nos estados mais progressis~ tas do mundo, esta resisténcia foi quebrada ha mais tempo, ¢ hoje a teoria de Darwin ¢ aceita como pre- missa fundamental na investigagio cientifiea sobre as origens da humanidade. ‘Sexo contra sexo ou classe contra classe 25 © término destas lutas, que cntravam em conflito fundamental com os dogmas teolgicos, no resol- veu todas as disputas surgidas em torno da jovem ciéncia da antropologia. A batalha mais aspera, que hoje ainda continua, nao foi contra a religido, e sim ‘a que se da no campo da sociologia. As conclusdes dos fundadores da antropologia demonstravam que antes do nosso sistema existia um tipo de sociedade totalmente diferente. E em certas esferas das relagées hhumanas, ainda que em outras nfo, aquela havia sido superior & nossa, jé que a organizagao social primmi- tiva estava baseada em uma democracia auténtica € em uma igualdade completa, inclusive na igualdade sexual. As autoridades constituidas na sociedade capi- talista nfo podem tolerar algumas ciéncias, desde a antropologia até a economia, que proclamem aber- tamente toda a verdade sobre o que representa nossa sociedade, como uma sociedade que explora e oprime tanto 08 operixios como as mulheres. Portanto, nfo é surpreendente que durante o século XX teaham sur- pido novas escolas de antropdlogos, que repudiam ‘05 métodos ¢ descobrimentos de seus predecessores, desviandg esta ciéncia por caminhos ¢dizesdes com- pletamente diferentes, 26 Evelyn Reed Em milos destes sevisionistas, a antropologia, ‘como cincia da evolugio social, viu-se desnorte- ada de seus promissores caminhos, convertendo-se ‘num simples eatilogo descritivo de uma “variedade” de ciéncias. Uma vex que muitas pessoas, inclusive estudantes de antropologia, possuem pouco conhe~ cimento sobre este desenvolvimento, vejamos como {oi possivel que isto acontecesse. Eles ¢ seus colegas partiam do ponto de vista evolucionista, Hl Tambem eram substancialmente materialistas, ou seja, €OASidE= © mais notivel expoente deste método evolucio~ nista © materialista foi Lewis Marga que o utili zou para caracterizar os #siprinelpalsjestigiosido ‘Sexo contra sexo ou classe contra classe a7 ‘progresso humano: desde o estigio selvagem, até a _cvilizagio, passando pela barbie. Hoje em dia, po- demos inclusive estabelecer a duragio de cada uma dessas trés épocas. A primeira, o estiigio selvagem, foi o mais prolongado, pois ocupa quase 99% da vida humana sobre a terra. A barbirie comegou com a agricultura ¢ a criagio de gado, hi cerca de 8,000 an _E digno de se observar 0 fato de que Marxe En- _ gels, os criddores do socialismo cientifico, viram-se _ are ficou tio impres- sionado com os descobrimentos de Darwin, que inclusive queria Ihe dedicar a sua obra mais impor tante, O Capital. Engels desenvolveu mais a questio central colocada por Darwin, a qual este mesmo nio conseguira responder: como € que nossos progeni- ‘ores haviam conseguido superar o passo inicial de peut yunie ) pe de seres humanos? do macaca em homem, Engels explica que foi a ativi- dade prodtiva sistematica que converteu os antro- SS 28 Evelyn Reed Sociedade’, ¢ isto teve implicagées muito importan- tes para a “questo da mulher” No caso da antropologia, © livro de Morgan, denominado Sociedade Antiga, chegou até Marx, vindo dos Estados Unidos através das miios do so- cidlogo russo Maxim Kovalevsky. Imediatamente, Marx comesou a fazer anotagSes sobre 9 mesmo, Para tirar suas proprias conclusdes sobre o primei- 10 periodo de evolugio social. Depois da morte de Mars, estas notas foram publicadas por Engels em sua famosa obra Origem da familia, da propriedade privada ¢ do Estado, em 1884. Como disse em sua introducao a primeira edigto, “na América, Morgan havia descoberto, a seu modo, o conceito materialista, da historia, elaborado por Marx ha quarenta anos”. O livro de Engels sublinhava os isperos contras- tes entre a sociedade primitiva sem classes ¢ nossa so- ciedade de classes, ¢ tirava as inevitiveis conclusdes sociolégicas do material recolhido pelos antropélo- 08. Morgan, Tylor, Rivers e outros, néo buscaram ‘uma sociedade igualitaria, nem mesmo imaginavam que esta sociedade pudesse ter existido. Porém sen- do. investigadores escrupulosos, que informavam hhonestamente ¢ com exatidio os resultados de seus estudos, redescobriram que as sociedades selvagens brithavam pela auséncia de instituigdes de classe, ‘Sexo contra sexo ou classe contra classe 29 fundamentais em nossa sociedade. Estes pontos fo- ram elaborados por Engels, em sua obra. Em primeiro lugar, os meios de: produgso eram propriedade comum, ¢ cada membro da comunidade trabalhava sob bases igualitirias a todos 08 demais. Isto € fundamentalmente diferente do que acontece ‘em nossa sociedad, Nao existia uma classe rica do- ‘minante que explorava a classe operéria para aumen- tar seu poder. Portanto, Morgiin ¢ outros, definiram a sociedade primitiva como um sistema de “comunis- mo primitivo”. Em segundo lugar, nfo existia um aparato-estatal coercitivo, com seus exércitos de homens armados ¢ de policias que serviam de brago armado da classe rica governante, para manter subjugado o povo tra” balhador. A sociedade primitiva tribal era auténoma edemocritica, uma sociedade na qual todos os mem- bros eram iguais, inclusive as mulheres. Em terceiro lugar, embora nossa sociedade clas~ sista seja patriarcal em sua constituigao, tendo a fa~ milia paterna como unidade fundamental, a socie~ dade primitiva era matriarcal, e sua unidade estava constituida pela gens materna ou pelo cla materno, Além disso, a supremacia machista, que se susten~ ta sobit 0 mito de que as mulheres representam um sexo inferior, existe somente em nossa sociedade de 30 Evelyn Reed classes patriarcal. No primitivo sistema matriarcal, Finalmente, os primeiros antropélogos descobri- ram que # unidade familiar, tal como conhecemos, também nfo existia. A sociedade tribal estava com- posta por uma rede de clis, formado cada um por irmios e irmis correspondentes. Com este sistema de classificaglo através do parentesco, todos os mem- bros se identificavam, no por meio de seus préprios Jacos familiares, mas através de suas relagdes tribais ou do cla, Deste modo, ao aplicar seu método histérico comparativo, os primeiros antropdlogos colocaram em evidéncia, involuntariamente, as instituigdes- have de nossa sociedade capitalista, descobrindo sua total auséncia nas sociedades primitivas. Gragas a es- ssas consideragdes, o titulo da obra de Engels tornou- @e tim indicative extradrdindsio OGRE, “da propriedlade privada'e do Estads, Engels sublinhou também 0 fato de que quando nio existiam esses instituigées classistas, as mulheres ocupavam uma posigio relevante, gozando de grande liberdade & independéncia, em Alagrante contraste com o papel ‘Sexo contra sexo ou classe comtra classe 3 subordinado e degradante que lhes destinou a socie- dade de classes. descobrimento desta notivel diferenga en- tre os dois sistemas sociais — o sistema primitive igualitirio © © nosso opressivo sistema capitalista ~ transformou-se em um duro golpe sobre algumas ddas mais importantes fiegées que circulam em nosso sistema cultural. Seria dificil dizer o que era mais doloroso para o poder constituido: 0 fato deque a __ sociedade primitiva fora coletivista, igualitaria e de- _ mocritica, ou 0 fato de que fora matriarcal ¢ que as_ mulheres ocuparam nela posigées influentes ¢ res- " peitadas pela comunidade. Da mesma forma, pare- ia repulsive o fato de que a familia paterna=que se _ afirmava que sempre existira ~ tinha sido instituida _muito mais tarde na historia, e que sua origem coin cidia com a passagem do sistema social matriarcal Foram esses descobrimentos, ¢ mais ainda, as conclusdes radicais extraidas pelos maristas, 0 que provocou longas e amargas lutas entre as diversas es- colas antropolégicas. As novas tendéncias que sur- giram no século XX repudiaram os métodos ¢ os descobrimentos dos precursores, tachando Morgan, Tylor € ag outros de “antiquados e fora de moda”. Embora se dividam em virias tendéncias, os “difu- 22 Evelyn Reed sionistas’, os “Funcionalistas” ¢ os “estruturalistas’, as diferencas entre eles sio menores, em comparacio ‘com sua oposigdo comum a qualquer apreciagao ma- terialistahistorica da antropologia. Suas posigbes es- ‘ao perftitamente representadas pelos discipulos de Franz Boas nos Estados Unidos, Radeliffe-Brown na Inglaterra e Lévi-Strauss na Franga. ‘Todos esses narradores, de diversas orientasies, repudiam qualquer conceito unificado do progresso histérico do homem, e limitam-se principalmente a estudar as culturas © 08 costumes de grupos sepa~ rados de povos primitives, comparando uns com os ‘outros ou com a sociedade civilizada. Seu objetivo principal é defender que sempre existiu uma varie~ dade ou diversidade de culturas. Tal fato € inegivel. ‘Mas uma observacio clementar deste tipo nao exclui ‘a necessidade cientifica, mais avangada, de estabele- cer as etapas de desenvolvimento social que a huma- nidade atravessou no curso de sua larga ¢ completa evolugao. Sobre um desses “narradores’, o professor Leslie A. White, da Universidade de Michigan, dis- se 0 seguinte: ‘Sexo conra sexo ou classe contra classe 3B Além de serem anti-materialistas, séo anti-intelec- suas ¢ anti-filesifces ~ porque albars com desprexa qualquer teorizagio — ¢ também sia attinevolucio~ nistas. Sua missio é demonstrar que nda exstem leis nem significades na etnologia, que nao existe um ritmo ou wma razio nos fenémenos culturais, que a ctoiltzago ~ nas palaoras de R. Hl, Lowie, 0 expo- ente mais ilustre desta Silosofia" ~£ mais de gue wma “mistura sem plangjamento™ ow “embrulbo caético"> ‘De fato, este “pacote castico” nfo existe nem na histéria nem na propria pré-histéria, e sim nas men- tes ¢ nos métodos destes antropélogos. Eles segui- ram um processo histérico unitério € néo o desmem- braram, para obterem uma “mistura sem sentido” de dados descritivos. Ao assim proceder, deixaram fora © periode mais longo ¢ mais remoto da historia da humanidade, que € 0 periodo do sistema matriarcal de organizagio social. Porém, é precisamente este sistema que nos proporciona a informaglo essencial para compreendermos os problemas relacionados ‘com a mulher e com a familia. Continuemos a exa- minar, pois, este aspecto da pré-histéria. Wma das fibulas favoritas de nossa sociedade & ade que a mulheres sao por natureza um sexo in- ferior, ¢ que so inferiores devido a suas fangées re- 4 Evelyn Reed produtoras, A historia se explica assim: a mulher esti obrigada a ficar em casa porque tem que cuidar de seus filhos, ¢ portanto seu lugar € lar. Como “corpo doméstico”, naturalmente representa desde o ponto de vista social, um “zero”, 6 “segundo sexo", enqquan- to.0s homens, que se sobressaem na vida econdmica, politica e intelectual, representam um sexo superior. De acordo com esta propaganda patriarcal, as fun oes maternas da mulher se instrumentalizam para Justificar as desigualdades existentes entre os sexos de nossa sociedade ¢ a posigio subalterna ocupada pela mulher. ‘A descoberta do papel dominante assumido pela ‘mulher na sociedade matriarcal primitiva destedi este ito capitalista. A. mulher da época selvagem dava & Juz seus filhos e continuava livre, independente, ¢re~ presentava 0 centro da vida social e cultural. Isto vai de encontro a um ponto muito doloroso, porque afeta no somente a “questio feminina” como também a *sagrada familia”. Tal contraste se agrava pelo fato de que esta igualdade e estas liberdades caminham paralelas também com algumas relagdes sexual ‘yres, tanto por parte dos homens como por parte das mulheres, em agudo contraste com as rigidas restri- ‘90es sexuais impostas 4 mulher em nossa sociedade dominada pelo homem SS A ‘Sexo contra sexo ou classe contra classe 38 Outro aspecto da vida primitiva dificil de ser aceite’ pelos conservadores, ¢ 0 fato de que os pri mitivos nao sabiam ¢ nao se preocupavam em saber quem era 0 pai de cada filho que nascia. Os filhos no cram uma propriedade como os demais artigos de propriedade privada, nem eram_estranhos uns 408 outros, de acordo com a sua riqueza, classe ou raga de suas familias. Todos os adultos de um cli se consideravam pais sociais de todas as criangas, € se preocupavam com todos, igualitariamente, Nzo ‘existia uma situaglo tio trigica e anormal como a de uma crianga super-alimentada de um lado, ¢ do outro criangas abandonadas, doentes ou famélicas. Na sociedade comunitéria, em que ainda ndo existia a familia como um micleo isolado, era imitil¢ irele- vante saber quem era o pai biolégico, ou inclusive a sic biolégica. Estes perturbadores descobrimentos eram di: ficeis de digeris, e encontraram grande resisténcia. ‘As objesdes apresentadas pelos dissidentes podem ser resumidas em dois pontos: 1) jamais existin uma sociedade matriarcal constituida dessa forma; na época selvagem, as mulheres estavam to degradadas, como’suas igmis civilizadas de hoje-em-dia. O mé- ximo que se pode afirmar € que, na “variedade” de culturas existentes, alguns grupos haviam edotado 36 Evelyn Reed © curioso costume da descendéncia e do pazentesco ‘matrilinear, ainda que seja preciso se explicar o como € 0 porque foi colocada em pritica esta situagao ta0 estranha; 2) 0 néicleo familiar, tal como o conhece- ‘mos hoje, no € um produto histérico tardio, como afirmam os primeiros antropélogos € os marxistas; cle sempre existiu e sempre existiu o pai de familia. Estas duas afirmagses, de que o matriarcado nunca existin e de que, ao contritio, sempre existin 0 pai de familia, desenvolvem-se paralelamente. For ‘mam 6 principal bloco que dificulta o avango te6- rico no campo da antropologia, e a aquisicao de um quadro verdadeiro da historia primitiva da mulher. Portanto, vamos resumir brevemente algumas provas que depoem a favor da existéncia inicial do sistema matriarcal de organizagio social. pois de ser publicado no estudo de J. J. Bachofen, — Das Mutterrechet, de 1861,em que o autor assinalava ‘a posi¢ao predominante que a mulher tinha na socie~ “dade antiga. Tentando compreender 0 porque disso, Bachofen concluia que L ‘Sexo contra sexo ou classe contre classe 37 Em sua esséncia, esta tese acentua as fungdes -maternais da mulher como fonte de poder. O resul- tado parece paradoxo, porque em nossa sociedade a principal raziio de que se langa mao para justificar o estado de inferioridade da mulher, € precisamente a sua fungi procriadora, Entio, como pode ser que aquilo que considera mos a mais grave desvantagem da mulher, ou seja, a sua fungio materna, pode dar lugar a uma posicdo preeminente nas sociedades imac SCE m outras palavras, em ‘um determinado ponto da luta pela sobrevivencia e por nutrir e cuidar das criangas, comegaram a em= preender 0 caminho da atividade produtiva, ¢ esta nova fungao deu-thes a capacidade de organizar © dirigir as primeiras formas de vida social. “Muitgs estudiosos, como V. Gordon Childe, Sir James Frazer, Otis Tafton Mason ¢ Briffault, cita- ram detalhadamente a ampla gama de atividades 38 Evelyn Reed produtivas desenvolvidas pelas mulheres primitivas, © 0 papel crucial que com isto tiveram na clevacio do género humano para além da modesta economia da idade selvagem, i "aga da guerra, as mulheres desenvolverama maior | _ parte dos instrumentos, dos conhecimentos e téeni- cas que estavam na base do progresso social, Da co theita espontinea de frutos, passaram a horticultura rudimentar ¢ depois & agricultura. Entre a grande -rimica, a curtivao de peles,atecelagem, aconstrugio. de habitagées, ete, Foram as mulheres que desenvol- Assim, foram nao s6 as primeiras trabalhadoras industria’ € as primeiras agricultoras, mas desenvolveram tam- De acordo com o demonstrado por Engels, todas ‘as sociedades se basearam em ms Sexo contya sexo ou classe contra classe 39. da vida~ se converteram na cabeca social e dirigente depupenmntts © se puderam realizar esta ta- refa, € porque trabalhavam juntas, sem estarem dis- ppersas em Iares separados, onde cada mulher ficasse encerrada para realizar essas mesmas tarefis para seus priprios fins, Padi Siete a) Gal Na América, os aborigenes chamavam suas mu- Iheres de “governadoras” do cla e da tribo, ¢ tinham por clas a mais alta consideragio. Quando chegaras 6 primeiros conquistadores, procedentes das nagdes patriarcais civilizadas da Europa, onde as mulheres | estavam ha tempos subordinadas, fiearam surpre- endidos pelo fato desses “selvagens” nio poderem to- mar decisoes coletivas importantes sem consultar as mulheres e sem o consenso destas, bark cer juntarmos a teoria de Briffault sobre matriareado com a teoria do trabalho no inicio da 40 Evelyn Reed Sociedade, de Engels; veremos que as mulheres antes de serem “corpos domésticos’, foram as criadoras ‘mantenedoras da primeira organizacio social da hu- manidade. ‘Como Engels demonstro a dutivas: Mais concretamente, €iimetade feminina) “da humanidade, que iniciou e conduziu estas ati- -vidades produtivas, a quem devemos 0 erédito de ‘uma maior participagio na grande ato de eriaglo © ‘devagio‘de ginerovhumanioEsta ¢ uma visio da participagio que a mulher teve na historia muito di- fercnte da visio biblien de Eva, visio pariarcal que a considerou responsivel pela “queda do homem’. “Na realidade. 0 que acontecew no ponto mais im> -portante da evolucko social foia queda da mulher. Como se produ esta iaversto io drastic? Ns verdade, ela teve inicio com a introdugao de grandes mutdangas na estrutura da sociedade, e com o rom- pimento do antigo sistema comunista (ow comu- nal), Enquanto as mulheres mantiveram suas ins- tituigdes coletivas, conseguiram nao ser derrotadas; ‘mas quando surgiu novo sistema de propriedade privada, o matriménio monogiimico ¢ a familia, a5 mulheres se dispersaram e cada uma se converteu em uma esposa solitéria e mae confinada a um lar ‘Sexo contra sexo ou classe contra classe a isolado. Enquanto estavam unidas, representaram uma grande forsa social, Separadas. isoladas umas das outras, e confinadas 2 cozinha e & educagio dos filhos, perderam todo 0 seu poder. Este proceso histérico foi entretanto negado ¢ obscurecido por aqueles que desejam manter os mitos e defendem a existéncia eterna da instituigo matrimonial eda familia. Edward Westermark, que foi considerado du- rante muito tempo como a méxima autoridade no campo do estudo do casamento ¢ da familia, ten tou levantar as raizes desta instituig¢do até mesmo ‘no préprio mundo animal. Sua tese é equivocada, porque nao faz distingio entre necessidades naturais, ‘e fungées que compartilhamos com os animais, ¢ as instituigbes sociais exclusivamente criadas pelo ser humano, Dessa forma, ao mesmo tempo que com- partilhamos com os animais as funges fisiolégi do sexo ¢ da procriaglo, nada existe no mundo ani- ‘mal que se parega com a instituigo do casamento © da familia patriarcal. Até certo ponto, podemos fa- larde uma familia materna, ainda quea forma mais exata de denominé-la seja “descendéncia materna’. Na natureza, €a mde quem alimenta e cuida de seus descendedftes, até que estes estejam suficientemente maduros para cuidarem de si mesmos. Entio, até 2 Evelyn Reed mesmo esta familia matriarcal & rompida,e os indi ‘viduos se dispersam cada um para o seu lado. Quando passamos do mundo animal para o mun do humano =a ‘no encontramos ainda a familia, “animal. Nao existe uma irmandade de machos no mundo animal. Ao contririo, o mundo da nature- za esti submetido a disedrdias e a luta dos animais que competem entre si para conseguirem alimentos ¢ um par. Na sociedade tribal, por outro lado, todos os homens do cli estavam unidos solidéria e fraternal- mente sobre a base dos prineipios coletivistas da vida produtiva e social. GEEEEMD Em todo 0 mundo primitivo, enquanto no havia aparecido ainda a familia pater- ‘Sexo contra sexo ou classe contra classe 4B ‘na ou esta se encontrava pouco desenvolvida, eram os irmos das mies que realizavam aquelas fungdes que ‘em nossa sociedade sio assumidas pelos pais. Uma boa descrigéo desta instituigao & fornecida pelo an- tropdlogo E. Adamson Hocbel: A base nuclear de susu (matriarcade) # a relagae de parentesco entre irmao ¢irms. O marido no tem nada a ‘ver. xteto seu papel coma procriadors€substtudo total ou parcialmente pelo irmao da mi... 0 peso principal da ceducagio das rianyas para que assumam 6 trabalbo des ‘omens recai sobre 0 irméa da mie. Seus sobrinbos ber= dam quase todos 05 seus bens. ali, onde 0 sus estd for temente institucionalizado, 0 pai, tal come o conbecemas, _fica totalmente fora do jogo 4 " “init, Normalmente esta afirmagao se assenta sobre a base da dependéncia econdmica da mulher: se nfo houvesse maridos, quem manteria as mulheres e seus, filhos? Em outras palavras, fazem com que acredite- mos que as mulheres sempre foram seres indefesos ¢ depeniféntes, e que sem um pai de familia na cabe- ‘ga de cada uma das pequenas unidades familiares, 44 Evelyn Reed a sociedade acabaria praticamente entrando em co- dap Primitiva nio 56 sobreviveu, mas prosperou, isso Porque no sistema comunitério, todas as'iiulheres) Nenhuma mulher dependia de wm homem para o seu Sustento, € nenhuma criatura dependia de wm pai ou inclusive de wna mae para se manter, Como novos participantes exondmicos no sistema Sx. obstante, enquanto a comunidade reteve seus princi ios coletivistas, nfo chegoua existir uma dependéncia ou desigualdade familiar. Toda a sociedade satisfazia ‘as necessidades de cada um de seus membros, ¢ todos ‘os adultos eram, socialmente falando, “mies e pais" ‘de toda singe da coms ‘auava sendo a base das relactes envinis Quando 05 conquistadores europeus chegaram na Amética & procura de ouro ¢ encontraram os in- digenas que habitavam este continente, nenhuma das duas partes péde compreender o modo de pensar, os ‘Sexo contra sexo ou classe contra classe 45 costumes ¢ 0 nivel de desenvolvimento da outra; fi- lavam diferentes linguagens sociais — a “€ respondeu: Ti é insensato. AAmas somienté seis > | Proprios filhos, nés amamos todas as criancas da tri oss ara elas, todos somos pais emis”. — Outro missionério jesuita, confuso com 0 con- taste entre a sociedade civilizada, estipida e vida por dinkeiro que havia deixado na Europa, e a gene rosidade dos indigenas entre os quais havia se esta- belecido, escreve 0 seguinte: ‘mew e 0 que € seu, e podemos dizer que o que perten- cea alguém, também pertence a um outra.. somente 08 cristtos que vivem nas nossas cidades utilizam 9 dinkeiro, Os outros no 0 tocem, Eles cbamams de “serpente dos francese?,e dizem que entre nés a gen- te rouba, calunia, trai ¢-vende-se um ao outro por dinkcire.. consideram estranko que alguém pessa ter ‘mais Bens de que ume outro, e que agueles que passuam ais sgiam mais estimador que agueles gue possu nos. Eles munca Brigam nem lutam entre 46 Evelyn Feed |A desintegragio desta sociedade comunal se iniciou ha uns seis ou oito mil anos, com a in- trodugao da agricultura extensiva e da criaglo de igado em grande eseala. Estes sistemas permitiram uma acumulasio material necessiria para se che- gar a-uma economia mais eficiente e a um novo modo de vid:, (eee UPSTATE “Soas estabelecidas em torno de um pedago de terra, ‘para cultivar o solo, criar o gado e trabalhar nas GIT A ersiga comuna tribal, jé em plena decomposicio, comesou a ceder em todos os tres Primos formaranse os chs separados E bastante significative o fato de que no primei- 10 periodo agricola muitas familias patriarcais ainda trabalhavam sobre a base dos principios de igualdade ‘ede democracia herdados do passado. Em se tratan- do de familias agricolas, constituiam grandes micle~ 0s produtivos, todos 05 seus membros trabalhavam conjuntamente para se manterem € manterem seus proprios filhos ¢ os velhos. Além disso, todas as fa- Sexo contra sexo ou classe contra classe 4a milias de uma comunidade agricola cooperavam nos cempreendimentos de maior projesio, como a prepa- ragao de novas terras, 0 plantio © armazenamento da colheita e dos grios, a construgio de habitagies, 08 projetos de irrigagao etc. Os pais destas familias constituiam os pais do lugar, que supervisionavam ‘estes trabalhos e se preocupavam com o bem-estar de toda a comunidade. Nestas condigdes de vida fa- miliae coletiva, as mulheres continuavam mantendo ‘uma posigio de relativo prestigio ma vida produtiva e social maior parte ‘das riquezas acabou nas mios de uma minora privi- legiada que consegui dominare dirigira comunida- de, bem como explorar um nimero maior de traba Thadores, Entre os antigos pais do lugar, comegaram 4 surgie 08 reis-sacerdotes, os nobres, os guerrciros ‘seus séquitos, que viviam em templose palécios © ggovernavam 0 resto da populayio. Comegaram com reinos fo tipo agricola ¢ amadureceram-se com as civilizagoes grega e romana, surgindo os poderes a Evelyn Reed opressores do Estado para dessa forma legalizar ¢ perpetuar 0 governo da classe rica sobre as massas ‘trabalhadoras. Este processo nifio $6 destruiu a irmandade ow ‘“fraternidade entre os homens’, como também 6. (GREED 05 juristas romanos que codificaram as leis sobre a propriedade privada formularam tam~ bém o principio do Briffault nos diz o seguinte, sobre 4s origens da constituigio patriarcal da sociedade de classes: prinpro patriarcal, a lei pela qual oO transmite a propriedade a seu filbo, foi evidentemen’ ‘te uma inovasle ds patricia, ou sea, des partiddrias da ordem patriareal, dos ricos, dos proprietrias. Ei tes desintegraram o primitivo ela materno, fermandd familias patriarcais que “dirigiam fora de dla”. O: Patricesestabeleceram a linha de descendincia pater ‘na, e consideraram 0 pai e ndo-a mie como base parentesco,® ‘Sexo contra sexo ou classe contra classe 49 Muito mais grave que esta modificagto na base do parentesco, foram as novas leis sobre a proprie- dade. Antes, toda a propriedade era comuniticia € “iam a0 cla. Agora, a propriedade era somente do era transmitida, dentro da linhagem familiar, ‘seusimaridos;Acontece, entretanto, que o dominio e © poder do homem no derivam de nenhuma supe- rioridade biolégica, fisica ou mental do macho sobre a femmes, c sim das exigenctas sécio-econdmicas de Na nova sociedade os homens se converteram em princpais produto: oo ED “onncadas em casa efcaram limitadas& seid fax GEIB Pesalojadas de sew antigo lugar na sociedade, indo somente se viram privadas de sua independéncia 30 Evelyn Reed econémica, como, inclusive, de'sua antiga liberdade sexual. A nova instituigio do mattiménio monoga- ‘mico surgiu para serviras necessidades da proprieda- de, que a partir de entio era possuida pelo homem. (Boe e que heRLEM SUR PrOPHEUAEED Ie 1s #0 " 2 eee EEE OE ETE verdade, significou sempre monogamia somente para mulher, jé que somente a mulher era gravemente castigada pelo marido ou pela lei quando quebrava os votos matrimoniais, QE iii ice _ 8€ converteu em um animal doméstico, euja funcie GED priprio terme GMD, que wiginalmente significa ‘comesou a ser usado entio, NENG Engels ci: Ce conjunto de escravos que pertencem a um 36 bomen. esta expressia foi inventada pelos romancs para de~ signar Sy ts il. ena Sexo contra sexo ou classe contra classe 31 Nio é do conhecimento de todos o fato de que orginal ner TS As pessoas tra balhadoras, que viviam de seu trabalho agricola, simplesmente se juntavam, tal como acontecia no passado, ja que na sociedade primitiva o matrimonio legal nao era necessério nem desejivel. Mas com 0 surgimento da vida urbana e da igreja, gradualmente (0 matriménio se estendeu a toda a populago indus- trial, com 0 propésito de obrigar legalmente os que trabalhavam a manter sua mulher ¢ filhos que nao possuiam outros meios de subsisténcia. Segundo os socidlogos americanos Reuter ¢ Runner, as consequ- ncias foram as seguintes: Quando a mulber deixou de producti, se converte ‘em um ser dependente:A total manutentio da mulber dia familia passow a ser responsabilidade de homem, € 0 matriménic, pela primeira vex na existéncia da Iumanidade, converteuse em um peso econimico grave. Foi apoiado pela lei pela religito, e refergado com uma nova idéia: a de que a manutensio das mir heres ¢ filbos era uma obrigasaa natural ¢ um dever “do Boagems 2 Evelyn Reed _ também os trabalhadores cram submetidos & explo- "Tago e roubo da sociedade capitalista. Antigamente, era toda a comunidade que mantinha e protegia seus membros, adultos ou ctiangas, desde 0 bergo até a tumba. A partir de agora, esta imensa responsal dade ¢ limitada a cada unidade familiar isolada, que deve cumpri-ta da melhor forma possivel. = existem garantias de que 0 pai ou a mae tenham um trabalho garantido ou um salério adequado para res- ponder as suas obrigacées. LL: capaz de destruir muitos mitos que foram propagados sobre este tema, e nos oferece uma visio da realidade dos fatos. Por exemplo, de acordo com o Antigo Testamen- to, dizem-nos que o mundo comegou a existir hé uns ‘inco mil anos, quando na realidade fat somente o ‘Sexo contra sexo ou classe contra classe 3 mundo patriarcal que comegou a existir a partir da- quele tempo, ¢ este foi precedido por quase um mi- thao de anos de histéria matriarcal. Assim mesmo, dizem que nossa sociedade, baseada na propriedade privada, com suas determinagies, opressies, egois- mo e avidez, existiu sempre, € que seus males sio devidos a “natureza humana” imutavel. Sem dividas, # antropologia nos ensina que nas sociedades primi- tivas existin uma forma toralmente diferente de na- tureza humana, ¢ exatamente porque aquela era uma sociedade coletivista, Por fim, sempre nos dizem que as mulheres fo- ram sempre o sexo inferior, e isso devido as suas fun- ‘g0es de progenitoras. A mie-natureza é responsa- bilizada pela degradagio das mies da raga humana, ‘Uma ver. mais, a antropologia nos ensina exatamente © contrario. (Nio foi a natureza, e'sim a sotiedade de ‘classes. a responsivel pela desiewaldade sexual. Pre- cisamente quando a sociedade comunitéria foi der rotada, estas antigas governantas da sociedade foram também derrotadas ¢ isoladas, dispersadas sepa- radas em seus lares solitirios, q™ammnIiemiEntase -tarefas sufocantes da cozinha e de cuidar das criadas. ‘Todos esses conhecimentos que podemos con- seguir atratés do estudo da pré-histéria nfo 36 ajudario a mulher a compreender seu dilema, mas 54 Evelyn Reed também Ihes proporcionario diretrizes sobre como proceder na luta pela sua emancipasio, que agora comesa a surgir. Mais importante ainda, as mulhe- res comegaram a sair de seus pequenos lates isolados para s¢ reunirem nas ruas, em manifestagées de pro- testo, tanto contra a guerra? como a favor de outras reivindicagdes que afetam especificamente as mu- Iheres, ‘Todos estes movimentos esto ainda em sua fase inicial, mas sio dignos de vitérias ainda mais, importantes que esto para acontecer. Neste nova fase da luta, & imprescindivel que as mulheres possam elaborar uma teoria ¢ um progri- ‘ma que respondam 3s suas necessidades e Ihes per titam alcangar seus objetivos. Isto ainda esta por se fazer. Por exemplo, o New York Times entrevistou no ano passado algumas mulheres do grupo de libera- ‘a0 chamado NOW (O: ‘a0 Nacional para as ‘Mulheres), liderado. Te (RAIL. O axtigo do Times intitulava- -

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