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Iris Barbosa Goulart PSICOLOGIA DA _ EDUCACAO Fundamentos Teéricos Aplicacées 4 Pratica Pedapdgica sa EDITORA 21? Edigao y VOZES Digitalizado com CamScanner 1 Psicologia da Educagao: seu campo de estudos e seu fundamento cientifico A primeira e mais dificil tarefa de quem se prope a escrever um texto sobre um campo cientifico, jovem e ja marcado por uma complexa histéria, é delimitar o que vem a ser este campo. No caso da Psicologia da Educacio, esta tarefa deve ser precedida de algumas consideracées. 1) A Psicologia, no Brasil, desenvolveu-se estreitamente ligada a “Gncia em nosso pais. Na realidade, nio foi a Psicologia da Educa¢ao que derivou da Psicologia, mas sim a segunda que derivou da primeira, pois historicamente, no Brasil, desde o inicio do século, a Psicologia da Educa¢ao tornou-se o funda- mento basico da educagao. $6 na década de 1960 surgiram os primeiros cursos de Psicologia. 2) Tanto a Psicologia quanto a Educagao esto inseridas num qua- dro hist6rico, politico, econémico e social. A insergao da Psi- “cologia da EAUCaGHO neste quadro nos torna possivel compre- ender as caracteristicas bem espectficas que esta ciéncia adqui- riu no Brasil ¢ ainda.a variagao de seu contetido conforme a re- lato entre o momento histérico e as teorias psicologicas ou educacionais nele dominantes. ‘Tissa alirmativa nos leva a concluir que a ciéncia nao é neutra nena desinggressada; ela nasce ligada a interesses histéricos, ou a :é motivada historicamente, embora sua nature; sta, Motivagao. a Sipe Digitalizado com CamScanner ) A Psicologia, assim como outras ciéncias, provavelmente por motivos ligados as duas conclusdes anteriores, tem evo! juide, através da oposigao de teorias radicais, €, heste momento, nao chegou ainda a conclus6es gerais, vilidas para todos os espe- Gialistas nesta area. Reverido o quadro das correntes internacionais da Psicologia contemporinea, pode-se concluir que a Psicologia se apresenta , como uma associacao de disciplinas; a Psicologia alema com Wundt e Fechner ¢ resultante do encontro da Psicologia com a Filosofia; a Psicologia inglesa, com Galton, resultou da convergéncia do evolu- cionismo de Darwin com a Psicometria; a Psicologia soviética deriva diretamente da Neurofisiologia animal estudada por Pavlov. A Psi- cologia americana, constituida sobre o experimentalismo da Psico- Jogia fisiologica de Wundt e submetida a influéncia do darwinismo, étributaria também do positivismo comtiano e tem, como solo para sua constitui¢ao, o ambientalismo vigente na América. Algumas “escolas psicolégicas” ou “sistemas” se desenvolve- ram no século XX, sendo que, geralmente, a emergéncia de um “Gecorre da oposicio ao outro. Giannotti (1980) chama atencao para 0 “principio da tolerdncia epistemoldgica”, segundo o qual as ciéncias se alimentam nao s6 do debate, mas sobretudo da oposi- cdo mais radical — a oposicao entre os varios paradigmas a que se submetem as diversas teorias. Assim, nossa posicao mais radical sera sempre a contrapartida de outra posi¢ao radical. Tem-se de reconhecer, pois, que as ciéncias avan¢am na me- dida em que uma teoria nega as raizes da outra. Diante do exposto, passamos a tentar conceituar Psicologia da Educacio, clarificando o que vem a ser seu objeto e campo de estudo. Um dos caminhos geralmente usados para se estabelecer os limites da Psicologia da Educacio tem sido a andlise hist6rica. Tem-se situado o surgimento da Psicologia Educacional no ini- le Thorndike, al nomeou, pela primeira vez, esta area de estudos ¢ lhe deu corpo doutrinario. A ideia que Thorndike ti- 10 Digitalizado com CamScanner nha dos conhecimentos psicologicos que podem ser aplicados a educagio era muito ampla e, na edigdo de 1913 a 1914, incluiu, nesse imbito, virtualmente, todo o conhecimento de Psicologia que tivesse possibilidade de ser quantificado. Antes do uso exclusivo e definitivo do termo Psicologia Edu- gacional, varios educadores ou filésofos ja haviam expressado _-Suas preocupacdes com relacao ao tema, Em Platio jd se encontra ‘um problema fundamental da educagao; a importancia atribuida Z crianca e os cuidados para que ela nao seja corrompida pelo adulto. Passando pela visio ampla da educagio de Aristételes, a Psicologia da Educa¢ao encontrou um marco indiscutivel na figu- ra de Rousseau. Seu romance pedagégico O Emilio, embora pre- tendesse atingir 0 arcebispo de Paris, que aspirava a expulsio de Rousseau da Franga, estabeleceu os fundamentos da pedagogia moderna. Sem divida, foi esta obra de Rousseau que exerceu in- fluéncia sobre Pestalozzi para que escrevesse Como Gertrudes educa seus filhos, assim como influenciou Basedow e Froebel. Provavelmente a Psicologia Educacional se beneficiou, tam- bém, de trabalhos de origens diversas: o estudo cientifico do edu- ‘cando — iniciado por Darwin, Pérez, Compayré, no seu aspecto Dioldgico de Galton, Sully, McDougall, Balard, Neuman, Stern, Stanley Hall e tantos outros no seu aspecto psicologico. Se com Montaigne, Vives, Comenius, Locke, Fénelon, a ne- cessidade de mudanga de orientagdo dos métodos educacionais se evidenciava, e se com Rousseau, Pestalozzi, Basedow a preocu- pacéo com o conhecimento do educando ocupava o primeiro plano, a aplicacdo da Psicologia 4 Educacio se fez mesmo sentir foi na obra de Spencer, Binet, Claparéde, Thorndike, W. James, jaget, lon, Gesell e tantos outros, cujos estudos influencia- ram diretamente a Psicologia. A definicao dos limites da Psicologia Educacional a partir do seu histérico tem sido feita, geralmente, seguindo uma wajetéria que coloca Psicologia ¢ Educacéo numa proximidade tal que tor- na possivel perceber-se o relacionamento entre elas no panorama do pensar humano. Até o final do século XIX, toda referéncia feita 4 Psicologia Educacional esta associada aos Alésofos europeus. Foi a pantir do u Digitalizado com CamScanner pragmatismo de William James que o pronunciamento nor- te-americano se fez sentir. Discutindo mais profundamente este pragmatismo, vao-se descobrir suas raizes mais profundas “na ra- ‘Zio pratica de Kant, na exaltagao da vontade de Schopenhauer e na John Dewey, cuja posicao gerou uma Filosofia e uma Psicologia da Educacdo. Para ele, eraymais importante fazer ciéncia do que fazer literatura, tanto na Psicolagia quanto na Educacao; acrescentava que a Psicologia nao deveria ser livresca, mas chegar aos alunos através da pratica. Estava, assim, lancada a pedra fundamental da Escola Ativa e a Filosofia da Educagao norte-americana voltada para o momento da industrializacdo; ambos os movimentos presen- tes na obra de Dewey, Democtacia ¢ Educagéo. No inicio do século XX, enquanto Dewey se preocupava com a educaco, como ela deve ser ministrada na escola, Thorndike estava preocupado com as questdes sobre aprendizagem. Baseado no comportamento de Watson e no funcionalismo de James sur- giu, nos Estados Unidos, um enfoque peculiar para os problemas da educacdo e as questdes sobre aprendizagem. i O estabelecimento definitivo da Psicologia Educacional fez surgir, a partir de 1930, formas bem especificas de pesquisa, tais como estudos comparativos de métodos de ensino. Logo em se- guida, as preocupagoes voltaram-se para os experimentos cléssi- cos de laboratério sobre aprendizagem, medidas de inteligéncia, solugao de problemas. O préximo passo nesta evolucio foi a invasio pela Psicologia do campo especifico da pesquisa em educagao, tratando de temas “como 0 professor, 0 ensino programado, estatisticas escolares. See ar ee aplicada 3 educacio passou a ser caracterizada muito mais pelo método de pesquisa em educacdo do que pelos problemas especi- ficos de uma area de estudos aplicados & educacio. 1. Catacéo feta pelo Professor Joel Martins na PUC-SP, em 1983, em Seminario sobre Psicolo- gia ds Rducario. Digitalizado com CamScanner Considerando-se a evolucio histérica da linha de pensamen- to curopeu ou norte-americano, verifica-se que a Psicologia Edu- cacional nao pode ser identificada como uma area consagrada de estudos e que os psicdlogos educacionais nao tém uma identida- de propria. Pode-se, em vez disso, identificar um corpo de pes- quisa que ora se inclina para a Psicologia, ora para a Educacao, ora para um espaco intermedidrio entre as duas. Outro caminho para delimitagao desta area de estudos con- siste em recorrer as definigdes contidas em alguns dos textos clas- sicos de Psicologia Educacional. Para Klausmeyer, “a Psicologia Educacional lida com a identificacéo e a descricgo de principios de aprendizagem e de desenvolvimento humano e condigées de ensino relacionadas para aperfeigoar praticas educacionais”. Para Gage e Berliner (1975), “Psicologia Educacional ¢ a ciéncia que fornece insight sobre a maioria dos aspectos da pratica educacional e mais especificamente dos processos de ensino- aprendizagem’’, ao passo que “ensino define-se como a sequén- cia de eventos, tais como 0 comportamento do professor, que in- tencionalmente afetam a aprendizagem do aluno”. Esta énfase sobre os métodos define uma nova utilidade da Psicologia Educacional, que é melhorar a atuacao dos professores, porque lida diretamente com os meios através dos quais eles de- vem se comportar. Entretanto, esta abordagem de Psicologia Edu- cacional centrada no ENSINO ainda nao retine muitos adeptos. O critério usado por Mello (1975) é 0 da delimitagio dos campos da Psicologia da Educacao e da Psicologia Escolar, con- trapondo-as. Segundo a autora, “a Psicologia oferece 4 Educagao dois tipos de contribuicio: a primeira, cientifica, consiste nO Co- como técnico interessado no desenrolar do proceso ediicacio- apenas uma 4rea de trabalho que se vale do campo de estudos da Psicologia da Educacdo e que pode ser considerada parte dela. Finalmente, parece-nos oportuno expor nossa propria opi- nigo sobre o que vem a ser a Psicologia da Educacio. Trata-se de 13 Digitalizado com CamScanner uma ciéncia aplicada & educacio, cujo objetivo é, numa relacdo permedvel com as demais ciéncias pedagdgicas, oferecer subsidi- 60s para que o ato educativo alcance, plenamente, seu objetivo. Quando se usa a expressio Psicologia Educacional, é preciso ‘entender que educacional € 0 termo que esté adjetivando 0 subs- tantivo psicologia. Entretanto, 0 que se tem feito é tomar o se- gundo elemento da locug3o como substantivo e dai fazer derivar a conceituacio desta area. A delimitagio deste campo segundo o ritério de definir o que é psicologia ¢ o que é educacio é impré- pria por ser contaminada por modismos epistemolégicos, tema- ticos, ete. ‘ Acducagio é um empreendimento social, por isso é um ma- crofeaémeno, cuja caracterizagio €muladisciplinar. Ocorre uma abordagem multidisciplinar quando um conjunto de profissio- ‘nals estuda um mesmo tema, cada UM Sob Sua propria Gtica, cada ‘Um evidencando sua competéncla numa determinada area. Este Tipo de abordagem requer, pois, que cada especialista— 0 filéso- fo, 0 psicélogo, 0 socidlogo, etc. — tenha bem nitida a visio de necessirio, pois, recuperar o especifico de cada dis- ciplina, para que se possa dar conta do fenémeno educacional. (O cspecialista em Psicologia Educacional esté preocupado com © universo que’ agency RIGHT HIS opie come competéncia. Jamais serd possivel atingir o objetivo de melhorar a cacao, cial Se Doone cee nse ea Taciiarse Gada una das dsdplinaselsdomadasY sawcisio. = ‘A Psicologia da Educagio compreende, pois, a utilizacio de moat cus anom feeds dilea piso ‘ssuntos que intereseam cepecificamente a educacao e 3 investi- "Num primeiro momento, deve-se pretender, portanto, a ctificagdo € conhecimento dos fendmenos jé analisados pela tnvesugecio pura da cféncia psicolégica e que, de alguma forma, estejam relacionados a0 proceso educativo. Incluem-se aqui, pois, os estudos sobre aprendizagem, desenvolvimento, adapta- cdo pessoal ¢ social, inteligéncia ¢ aptidées, relacionamento in- terpessoal, grupos sociais ¢ fendmenos que ocorrem no seu inte- rior, Psicologia Diferencial e outros. Num segundo momento € apés a familiarizacao com esses estudos, a Psicologia Educacional deve propor-se o levantamento de problemas relacionados aos individuos ¢ aos grupos envolvidos no processo da educagio e a investigagio aplicada, ou seja, a linha de pesquisa mats préxima da realidade com a qual cla devera trabalhar. Neste sentido, a Psicologia Educacional tem se constituido numa designacao genérica para alguns campos especiais de in- Vestigacao da ciéncia psicol6gica e para uma érea especifica de "pesquisa sobre aspectos psicolégicos do processo educacional. ‘As teorias psicol6gicas tém constituido, ao longo dos ilkimos anos, 6 fandamento cientifico da Psicologia Educacional. Algu- nas delas, devido & sua a.com 0 campo da educacio, foram mais facilmente assimiladas e passaram a constituir formas “de abordagem dos problemas psicol6gicos ligados & educasio. Decidimos, assim, enumerar estas posigdes tebricas e proceder & anilise do cenério no qual clas surgiram, a visio da natureza hu- mana que possuem seus principais autores; as contribulgdes que cada uma delas trouxe para a educagdo ea uma critica de tais con- tribuigdes. Incluimos nesta anilise: a) a psicologia experimental e a psicometria; 'b) 0 comportamentismo, com énfase & teoria de Skinner; ©) 0 nio diretivismo; 4) a psicanilise; €) a teoria de Jean Piaget. 1s Digitalizado com CamScanner 2 Psicologia Experimental e Psicometria 2.1 Movimentos impulsionadores No inicio deste século, 0 pensamento quantitativo passou a ‘constituir uma caracteristica essencial e nao periférica da Psicolo- gia. Parece haver uma sequéncia bem definida no desenvoh mento da Psicologia, quando os construtores da Psicometria en- contram suas raizes nos laboratérios de Psicologia Experimental. © modelo das ciéncias naturais, que inspirou 0 uso do controle na ciéncia do comportamento humano, sugeriu também o inte- resse pelas leis universais, apliciveis a todos os sujeitos que expe- rimentavam um fendmeno psicolégico. Foi nos laboratérios em ‘que 2 lei era buscada que o imeresse pelo diferenciavel emergiu. Assim, enquanto a Psicologia Experimental tentava descobrir os padrdes universais de realizacdo (as uniformidades) e considera- ‘va as diferengas de resultados como “erros” do instrumento ou da situagio, a fungio bisica da Psicometria consistia na avaliagao cas diferencas entre os individuos ou entre as reagdes de um mes- mo individuo em momentos diversos. Os testes constituem os principais instrumentos da Psicome- tia ¢ seu amplo desenvolvimento esti associado, em todo o mundo, a algumas necessidades: a primeira é a caracterizagio da normalidade € a consequente identificagio da excepcionalidade 150 caso Ga inteligéncia, ou da identificagio de algumas varidveis, no caso de psicopatologia. A segunda necessidade é 0 melhor aproveltememte dos recursos durante a guerra, tendo em vista xuas aptiddes ou seu equilfbrio psicoldgico. Finalmente, o tiltimo impulso a0 desenvolvimento dos testes foi a divisio do trabalho na indiistria ea consequente necessidade de se adequar o homem a0 trabalho. Na Europa, foi a busca de um padrio de normalidade o ele- mento impulsionador do desenvolvimento dos testes. Enquanto na Alemanha a evolugio das ideias seguiu uma oriemtagio que gradualmente se afasta da Escola de Wundt, na Inglaterra se cla- boraram os fundamentos de uma estatistica aplicivel ao estudo dos fendmenos psiquicos. Mas foi na Franca que o interesse pela psicopatologia acabou culminando na criacio de instrumentos destinados & identificacio da anormalidade, Nesse pafs, Charcot (1825-1893), professor de Anatomia Patolégica, tornou célebre sua clinica, que recebeu o nome de Escola de Salpetriére. Por ela passaram especialistas do mundo inteiro e a histéria registrou que foram seus alunos Janet, Freud e Binet. ‘Uma breve revisio do percurso hist6rico da psicologia fran- cesa expe Ribot (1839-1916) que consagrou toda sua obra 3s doencas da memeéria, da vontade e da personalidade, ensinando Psicologia Experimental na Sorbonne (1885) e Psicologia Experi- mental e Comparada no College de France (1889). Pierre Janet (1895-1947), sucessor de Ribot no College de France (1902) € diretor do Laboratério de Psicologia de Salpétriére, antecipou a psicologia moderna com sua “psicologia de conduta”, unindo a Glinica “psicopatologia” defesa de uma psicologia objetiva. A psicologia francesa foi, desde o inicio, considerada experi- mental, para que nio se pudesse duvidar de seu cariter cientifico. Mas nem Ribot nem Janet fizeram experiéncias ¢ Georges Dumas (1866-1946) sé consagrou a isso parte de sua atividade. Entre- tanto, seus estudos de psicopatologia prepararam o pensamento psicolégico para a diferenciagio normal-anormal, vinda através de Binet que, com seu método comparativo, desenvolveu uma psicologia individual, com a preocupagio de saber "como fun- cionaa maquina mental”. Neste contexto, é compreensivel como Binet chegou j elaboragio de seus testes de inteligéncia, recursos. que possibilitavam a caracterizagio da inteligéncia normal ¢ a identificagio da excepcionalidade. Digitalizado com CamScanner Entre os psicélogos europeus, o interesse pelo exame clinico de pacientes psiquiitricos foi responsivel pela elaboragio de tes- tes destinados a medir fingdes complexas. Kraepelin, usando operagées aritméticas simples, pretendeu fazer a caracterizacao de individuos; posteriormente, com Ferrari, outro psicdlogo ita- liano, planejou varios testes, desde os motores até a interpretacio de figuras. Ebbinghaus, um psicélogo alemio, elaborou testes de meméria ¢ completagio de sentencas que, aplicados a escolares, nio apresentaram correspondéncia com 0 desempenho escolar. Nos Estados Unidos, com repercussio em todo 0 mundo, {ez-se sentir a influéncia dos dois grandes conflitos mundiais so- bre o desenvolvimento da Psicologia. A Primeira Grande Guerra (1914-1918) consagrou os testes de inteligéncia e de aptidées especificas, que se mostraram iiteis 8 selecdo e orientagao de ho- mens convocados pelas Forcas Armadas. A ampla utilizagio da Psicologia, nessa época, forgou 0 aparecimento dos testes coleti- vos ea fusio do pensamento estatistico de Galton & visio analitica de Binet. A consequéncia foi um expressivo desenvolvimento dos testes de aptiddes € de sua utilizacao. A Segunda Guerra (1940-1944), devido a seu cardter mais ideolégico ~ é a democracia x o fascismo — fez com que a preocu- paclo se deslocasse da deteccdo de aptidées para aspectos relacio- nados & personalidade, is relagdes sociais, ao equilibrio emocio- nal oui moral dos combatentes. Af vao ter origem os testes proje- vos, escalas de atitudes € outros recursos que, nesta ocasiio, abriram caminho para o estudo da personalidade. Durante 2 Primeira Guerra, Woodworth jé havia usado a Fo- Iha de Dados Pessoais, um questionério de personalidade destina- do & identificagao de casos graves de neurose que impediam a pritica do Servigo Militar. Mas foi no decorrer da Segunda Guerra que realmente floresceram os métodos projetivos para estudo da personalidade, técnicas que representam o protétipo de uma in- vvestigagio dindmica e holistica da personalidade, isto é, aborda- ‘gens que 2 tomam como estrutura em evolusio, cujos elementos ‘constitutivos se acham em interagio. e A Revolugio Industrial constituiu o terceiro impulso dado a0 desenvolvimento da Psicometria. Quando 0 proceso de produ- io de mercadorias evoluiu da manufatura para a instalagio da grande industria, algumas consequéncias se tornaram bem e dentes; a primeira foi a nitida separagao entre trabalho manual ¢ trabalho intelectual, com evidente vantagem do segundo, ja que a maquina contém na sua estrutura a definigio de sua forma de utilizacio; a segunda, que decorre da primeira, é a instituigio da figura do trabalhador coletivo em substituigio a0 tabalhador in- dividual, que devia possuir todas as habilidades requeridas pela tarefa. Quanto mais 0 trabalho foi parcelado em tarefas simples, tanto mais limitado se tomou o wabalhador, de quem pouco se exigia e a quem cada vez mais se alienava, por tomnar-se desco- nhecedor de sua participagdo real no processo. A questo das aptiddes é uma decorréncia deste contexto. As medidas psicolégicas emergiram novamente como recursos des- tinados a identificar “o mais apto” para 0 exercicio das fungSes. As baterias de testes conheceram, neste momento, o periodo de sua maior utilizacdo e as grandes indiistrias criaram seus setores de psicologia, onde o registro de todas as medidas de aptidées dos empregados garantia o controle das situagbes e até a predicio de certos eventos. Na verdade, o uso dos testes apenas reproduzia a separagio entre o trabalho manual eo intelectual: ocupagdes manuais e ati- vidades burocraticas repetitivas eram aconselhadas aos menos dotados, enquanto os postos de direcio e as fungSes intelectuais exam reservadas aos melhor dotados Embora 0 cariter ideoldgico desse uso da psicologia nio possa ser posto de lado, a época tio préxima do uso de testes na indhistria constituiu uma oportunidade para a validacio e aperfeigoamento destes instrumentos. © periodo que vem se seguindo a este tem sido marcado pela preocupacio com as consequéncias dos programas de testes para 0 estabelecimento de uma sociedade democritica, Antes de nos determos na critica, devernos passar em revista © desenvolvimento das medidas psicolégicas do mundo. 9 Digitalizado com CamScanner 2.2 Os cenirios do aparecimento € evolugio dos testes Alemezha: a Psicologio Experimental como suporte da Psicomettia Ara cientifica moderna comegou, no terreno das ciéncias fi- seas, no século XVIIL Rapidamente, 0 método cientifico esten- dcu-se is cigncias biolégicas, e, no inicio do século XIX, a fisiolo- ga experimental tornou-se foco de interesse nos laboratorios da Alemanha e de outros paises europeus. Muitas das medigées estu- dadas por estes fisiblogos constituiam 0 campo dos primeiros psicdlogos experimentais, cujo interesse foi se estendendo, gra- dualmente, 2 assumtos claramente mais psicolégicos. A Psicologia Experimental nasceu em 1879, no Laboratério de Leiprig, foi continuada no Laboratério de Beaunis em 1889, em Paris, € no laboratério de James, nos Estados Unidos. Dei- xxou-nos 0 legado do respeito pelo método experimental e a pre- cisio da técnica certo nimero de delineamentos experimentais récnicas estatsticas que puderam ser adaptadas aos problemas de medigio psicolégicos. A Alcmanha representa na histéria da Psicometria um papel de desaque, porque no laboratério de Leipzig formou-se toda ‘uma geragio de psicélogos, desenvolveram-se centenas de traba- hos experimentais e, na refutagdo dos pontos de vista de Wundt, surgiram as bases da psicologia diferencial No final do século XIX, em face a uma psicologia experimen- talempinsta, técnica ¢ centifica — psicologia do contetido — desa- brochou uma outra psicologia, baseada na tradi¢ao de uma filo- sofia cujo principio era a atividade do espfrito humano —a psico- Jogia do ato, cujo inspirador foi Brentano (1838-1917). Entre os discipulos de Brentano acham-se Kofka, Langfeld e também Kob- Jer que, em 1921, o sucedeu. D3 reagio de um aluno de Wundt, Killpe (1862-1915), nas- cou Iscola de Wareburg, que propés experimentar com proces- sos ments superiores € tentou fazer pelo pensamento o que Ebbingaohs (1859-1909), outro alemio, fizera pela meméria. Pelo aprecnder o canteiido dos dados conscientes, os psicélogos dessa escola propuseram fracionar os momentos de uma operagio mental € dirigir a atengio a um destes momentos de cada vez ¢ chegaram, desse modo, i introspeccio experimental sistemitica, Amorte prematura de Killpe pds fim sua psicologia, enquan- toa psicologia do ato, que nasceu a partir de Brentano, experimen- tou desenvolvimentos fecundos gragas a psicologia da Gestalt. A origem do gestaltismo se encontra na escola austriaca, composta de discipulos diretos c indiretos de Brentano: Meigon, Witasck, Blyenfels, este ultimo descobridor das "Gestaltqualitiven’ Contra o clementarismo das psicologias associacionistas, 2 Gestalt surgiu através dos estudos de percepgio de Max Werthei- mer (1880-1943) e de seus discfpulos Kohler ¢ Kollka. A cles se devem as leis fundamentais da Gestal Tharie, que passa a conta, também, com Kurt Lewin, um fisico originério da Escola de Berlim que, como os outros representantes do gestaltismo, emigrou para 0s Estados Unidos, onde produziu a maior parte do seu trabalho. Os testes projetivos que se diferenciam dos testes de aptidio pela ambiguidade do material que apresentam e pela liberdade que dio aos sujeitos para responder situam-se dentro das tendén- cias do gestaltismo e da psicandlise. Ha uma sequéncia facilmente identificivel entre 0 progresso da Gestalt e os métodos projetivos: 0 teste de associacio de pala- vras de Jung (1904) é um pouco posterior a Erhenfels;o teste de manchas de tinta do suigo Rorschach (1920) € um pouco poste- rior a Wertheimer e 0 TAT (Thematic Aperception Test) de Mur- ray (1935) esté bem préximo de Kurt Lewin, A ppsicologia projetiva ampliou a psicologia da forma, Enquan- to para o psicdlogo a analise de figuras ambiguas ¢ ilus6es 6u- co-geométricas representa terreno fértil para a descoberta de for- ‘mas perceptivas ¢ intelectuais e de suas leis, a anilise da percep- fo que o testando faz de uma figura amb{gua representa 3 sua in- terpretagdo do mundo e de suas relagdes com os outros. ‘A influéncia da psicanilise é ainda mais nitida, As associagoes pedidas pelo psicanalista e denominadas livres sio, de fato, rigo- rosamente determinadas, pela histéria do cliente ¢ seus conflitos. uw Digitalizado com CamScanner Logo, tas sitnagdes podem ser interpretadlas como reveladoras de tendéncias e conflitos mais profndos. Ingle: © quantfcaso dos avaiages AAs duas principais contribuigdes do grupo britinico ao de- senvolvimento da medigio psicolégica foram: uma profunda preocupacio pelo estudo das diferengas individuais ¢ a invengio de téenicas estatistias ¢ instrumentos que possibilitaram quant- ficar a avaliagio psicolégica. A Psicologia Experimental viveu seu maior progresso na In- slaterra, gracas a Francis Galton e Charles Darwin, que venceram as resisténcias impostas pela estrutura universitéria, As tcorias evolucionistas, tanto de Lamark quanto de Darwin, postulavam a hereditariedade biolégica e psicoldgica ¢ a escola inglesa empre- ‘endeu varias pesquisas para analisar tal hereditariedade. Em 1883, Galton, pesquisador das relagdes entre ambiente e hereditariedade, publicow a obra Inquires into Hum Faculty and its De- ‘dopant, que passou a ser considerada a origem da psicologia cuemifica € do método de testes. Preocupado em medir as apti-

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