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VITORIA PBRES. DE OLIVETRA O CAMINO DO SILENCIO + UM ESTUDO DE GRUPO SUFI Diosertagie de Mestrado apresentada ao Departamente de ANTROPOLOGIA S0- CIAL do Instituto de Filosofia e Ciéneias Humanas da Universidade Estadual de Compinas, CARLOS RODRIGUES BRANDAGL” Grientador / Novembro/i991 lOL4c 16805/BC AGRADECIMENTOS ‘Aos professores: Carlos Rodrigues Branddo, meu orientador, que com seu apoio, sugestées e questionamen- tos enriqueceu este trabalho. José Jorge do Carvalho, meu co-orientador, que acrediteu neste projeto desde oinicio e com seu apoio, svgestées e discussdes afudou a conere- tint-lo. Rubem César Fernandes, que ao acreditar na idéia deste trabalho e me sugerir os orienta- dores, foi de ania ajuda inestimdvel. Aos tr8s pelo carinho e amizade que me dediea- rain ¢ pelo exemple de dedicaga ao ensino 2 Antropelogia, agradepo de coracio. Aos membros do Grupo Su que por nua colaboras.ie tornaram posaivel esto trabalho, Em especial a Luts e Agha A todos 05 amigos: que me rjudaram das mais diversas formas com tanto empenhe ¢ cavinig. Em especial ua mou inno Edgard, polo apuro griifics deste trabalho. SUMARIO 10-INTRODUGAO ww ee ed 20-OSUFISMO 6 ee ee TD 2.1De que Sufismoestamosfalando . . . eT 220 ldedriodoGrepo 5 ee ee 0 221O motive 2. ee 8 2.2.2 Oidedriopropriamentedito . 2... 1 ee 10 8.0-OGRUPOSUPE) 2 6 0 3.1.0 Grupo —Duas Caracteristicas Morcantes 2... ss At 3.2.0 Grupo —~ A pesquisa, a constituig&o e a organizagdo externa do grupo. 46 B8O0Grupe—abistoria 2 6 AB 3.40 Grepo— Um esbogo a partir de biografias =. 2 2 2... 48 3.50 Grupo—Cingressonogrupo 6 ee ee OB 3.60 Grupo—Amulhernogrupo se ee ee ee BE 9.70 Grupo — As regras da ordemnagshbandi . . ss ew. 64 3.80 Grupo — Quadros Bstatisticos 6. ee ee 6 4.0-A NOVA CONSCTENCIA RELIGIOSAROGRUPO . . . . . . 9 5.0-OSRIPUAISOUEXERCICIOS 6. 2... ee 6.0-CONCLUSAG 2 6. ee D ANEXOS 0 0 ee 8 BIBLIOGRABIACITADA © 0 ee ee ee 108 BIBLIOGRAS SUPLEMENTAR SOBRE 0 SUFISMO soe ee 6 108 CAPELULO I INTRODUCAO objetivo deste trabalho ¢ fazer um estudo etnogréfico sobre o grupo de autoconhecimento denominado “grupo de estudos sw”, “grupo sufi” ou “Tradigiio”. Arelevancia deste estudo se deve a que vem preencher um espago no mapea- mento que esta sendo realizado ¢ que tem tentado apresentar de uma forma sistemdtica a diversidade e a mudanga no waiverso veligioso brasileiro. Com esta tese sobre o “grupo sufi’, “grupe de estudes sufi” ou “Tradigao” tenho a intengiio de contribuir para este didlogo sobre esta diversidade e também para o moior desta mudanga, ou seja a busca de sentido. Que tipo de sentido € este? Quem esta buscando sentido num grupo come esse? O que este grupo oferece? No caso do presente traballio tentaremos responder essas quostées dentro do grupo estudado ¢ tendo como universe os seus merabros. Ao buscar conceituar o grupo me depare! com uma série de desafios conceituais, ou seja, come classificd-lo? Uma seita, um grupo religioso, wna organizago r ou um grupo de autoconhecimento? Rejeitanios a palavra seita pelu excesso de conotagSes associadas a esta palavra. Como explicou Leilah Landim (Landim, 1989:17): “mantenda sempre os termos utilizados nos textos, encon- tramos ai que as seitas 800 reing do inauténtice, da impos- tura, da charlatanice, da fraude.” Ademais se nur sentido 0 grupo poderia ser considerado uma seita, entenden- do scita em sua concepplo classica na soziologia da religiao, onde “serve como um modelo pere organizer uma minoria cog- nitiva contra um meio hostil ow, pelo menos, descreitte,” (Berger, 1969:173) Em outro, pelo seu cardter individuslizante, onde nao hé o preselitisme, ner a exigéncia de crengas em dogmas, mas uma forte énfase experimental ¢ mesmo psicolégica’, se alastaria desta concep¢ao. Por este motivo, recusamos também a definigdo de Troeltsch, citada por Abumenssur (Abumanssur, 1989:24), de “Crgani- zagao Mistica” “caracterizada pelo individualismoe a defesa da liberdade pessoal, « organizagdo mistica foge do radicalismo das seitas e da santidade institucional da igreja. Acaba por aglutinar-se numa associagda voluntdria de individuos com idéias ¢ pensa- 1 Paicologia entendida aqui, camo conceile araplo de estude de comportamantes, motivaries & meeanismos do ser humane, mentos iguais adequada W expresséo religiosa de algumas classes privilegiadas” Esta definigdo poderia estar mais préxima, mas é ainda restritive a0 onfatizar a “expressiio religiosa” (por nossa opeao de n&o usd-la, passaremos por alte outros pontos dessa definipao que também seriam problemdticos), Decidi, portanto, pelo termo:grupo de autoconhecimento, sem esquecer entre- tanto que este conceito estaria incluido em dois conceitos mais abrangentes como grupo religioso —entendendo religido como uma ligagao estavel com uma concepsaio transtemporal da realidade’; e grupo mistico — entendendo misticismo como 0 anseio humano por comunhdo pessoal com Deus’. Grupo de autoconhecimento descreveria mais especificamente o grupo estudado, j& que inicialmente muitas pessoas se aproximam buscando autoconhecimento, sem ter muito claro para si mesmas, se isso incluiria ou ndo, uma relagéio com Deus. Isto também € reforgado pelo préprio Sufismo, onde Deus nao é um coneeito 2 ser aprendido, mas uma experiéncia a ser feita apés um desenvolvimento de cerias capacidades de percepsdo do ser humano. Inicialmente, portanto, reforgando obje- tivos menos religiogos ¢ mais ligados A psicologia, percepgao e autoconhecimento. ‘Algumas vozes em um grupo sufi pode nfo haver, om certes perfodes, nenhera referéncia a Deus, trabalhando-se conceitos psicolégicos como condicionameuto ¢ fazendo-se exercicios respiratérios ou de visualizagao de cores ou outros. O religioso sendo entendido por vezes como um. contexto dentro do qual certos processes ¢ experiéncias podem ser descritos ou realizados de forma intelegivel. O mou interesse no grupo nav foi de inicio um interesse académico por wm objeto de posquisa, apesar de ter conhecide o grape pouco tempo apés a conclusiio dos créditos no Mestrado em Autropologia. Hé dois anos entretanto, quando veltei a estudar Antropologia, me surgin a idéia de pesquisar este grupo. (Par que nao!) Esta tese 6 0 resultado de 12 anos de convivéncia, participagao ¢ observarde neste “grupo de estudos sui”, Esta modificagao de foco de participante-observadora para observadora- parti cipante, fo! muito rica, Comecei a viver a questdo do estranhemento no grispo do qual também eu participava. Tendo em mente «.. a promessa antropoligice exige que o sujeito consinta em distinguir entre suas conviegces absolutas ¢ sua atividude especializada de antropéloge” (Dumont, 1988:204). Com o euidado constante de néo justificar ou usar os argumentos do grupo, que na verdade ou teria que explicar®, Ao mesmo tempo entendendo que a objetividade como conceito absoluto nao existe e assuminde que a antropologia € uma atividade também intorpretativa ¢ ndo apenas observadora, 2 Geertz, 1968 3 Arberry, 1979, 4 Veracsse respeite Carles Alberto Pereira emt "Notas de uma viagem A curiosa tribe dus potas”, 1880:180 0 que chamamos nossos dados sdo realmente nos prépria construgio das construgdes de ouiras pessoas,...” (Geertz, 1989;19), “os textos antrapoldgicos sdo eles mesmos interpretagées e, na verdade de 2° ¢ 3° indo.” (Geertz, 1989:19). ‘No meu caso era ainda mais explicito que cu estudava na aldeia endo a aldeia’. O meu movimento era saix de dentro do grupo para observ4-lo de fora. Era comegar a “estranhar” algo que me era “familiar”. Bra utilizar um novo foco para perceber 0 grupo. Um enfocamento antropolégico, isto é, buscando entender 0 grupo nfio mais como alguém que o vivia, mas agora como alguém que o pensava’. O sentido que poderia fazor para mim como membro do grupo, j4 nao era © que importava, mas sim um sentido do pensamente e agdo partilhados pelo grupo, portanto, mais amplo, e dentro de um campo mais polémico, 0 campo da reflexdo antropoldgica. Se por um lado a minha participagéo no grupo era uma Timitagéo, por outro Jado era uma vantagem. A partir dela eu teria a possibilidade de fazer com muito mais facilidade uma descrigéio mais densa, diferenciando uma piscadela de um tique involumtdrio’, ou seja, seria capaz de entender certas sutilezas daquele universe, porque eu também partilhava do mesmo oédigo. Dizendo de uma forma estranha, eu poderia também ser uma informante. Por outro lado, 0 perigos exam evidentes e varios ¢ cu precisava estar ex um estado de constante alerta para nao tentar justificar o que deveria demonstrar, para néo deixar escapar os ponies de referéncia antropoléyicos através dos quais eu deveriu observar. Entretanto meu objetivo sempre esteve muito claro e serviu para me orientar durante 0 meu trabalho que pare mim era —ndo escrever um livre para o grupo mas sobre o grupo. Ficou claro no peéprio trabalho que para exerever sabre o grupo, eu teria que mostver o grupa sufi ¢, portanto, parte do trabalho seria tevar as pessoas para dentro do sufismo, para ento serem capazes de rofletir sobre 0 Sufism e sobre este grupe espectfico de estudes sus. Este grupo iniciow-se no Rio, onde tem o maior ndmero de membros, expan- dindo-se para varias capitais e cidades brasiletvas, Privilegiei o grupo do Rio, como foco central de observagdo, onde fiz av entrevistas num total de 20. O material utilizado além das enirevistas foi o resultado da observapao e participagda em reunides, encontros (nacionais e¢ internacionais), editora; anotagbes postericres de conversasinformais; livros sobre o Sufisnve; textos de leitura; palesivas; textos sobre os exerefcios. Durante o desenrolar de trabalho articule entrevistas com textes de Ieitura do grupo (que todos conhecera), ¢ observagses, para explicar certcs comportamentos © mostrar como se desenvolve ¢ estabelece uma construgdo de uma forma de perepe da realidade. O papel da leitura no grupo é muito relevante, se comparamos com outros grupos de objetives similares, A leitura é entendida como um estudo ¢ uma reflexdo, 5 Geertz, 1888.82, 6 Ver s este respeito “O Mundo Invisivel” de Maria Laura V. C, Cavalcanti (Cavaleanti, 1989), 7 Ver adiseussio de Geertz, sobre est conceite de Gilbert Ryle (Geertz, 1989216). 4 caliteratura sufi como analdgica ou provocativa® sendo sua intengao levar o leiter a fazer ou sentir alguma coisa, operando muitas vezes com um efeito retardada, isto 6, na hora em que se 1é, pode-se n&o compreender 0 sentido da Ieitura, mas posteriormente isto poderd acorrer quando uma situagdo vivida trouxer o sentido que naquele momento faltava. A citagao de livros @ textos lidos por todos do grupo, foi por isso considerada por mim como parte da etnografia. Dos livros sobre Sufismo, utilize apenas os considerados desta corrente ou ligados a ela de alguma forma, ja que nosso objetive nio é uma diseussiio do Sufismo (como categoria ampla e abrangente), mas uma descrigdo do “grapo de estudos sufi” ou “Tradigao” no Brasil e mais especificamente no Rio de Janeiro. Os autores utilizades para dar um ereabougo tebrico ao trabalho eo Clifford Geortz, Peter Berger, Gilberto Velho, Roberto da Matta, prineipalmente em torno do questdes mais gerais ou epistemoldgicas ou seja de uma visio da Antropclogiae da participagdio ¢ cavolvimento do antropélogo com seu abjeto de estudo, Quando discuto a categoria para denominar o grupo utilize o trabalho de Leilah ‘Landim junto com outros trabalhos da publicapao “Sinais dos Tempes”. A discussiio da Nova Gonsciéncia Religiosa parte dos trabalhos de Robert Bellah, Stoven Tipton, Luiz Eduardo Sonres ¢ José Jorge de Carvalho. _ Na parte sobre os rituais utilizo como interlocutor 0 antropélogo $.J. Tambiah e também o psicélogo Robert Ornstein ¢ ¢ psiquiatra Arthur Deikman, os dois Ultimos nos seus estudos sobre meditagdo, percepgiio 6 misticisma. O capttulo dois tem uma parte incial que é um esclarecimento sobre o Sufiemo do qual estamos falando, especificando 2 correnie (e porta-vozes) a que o grupo esté ligado, pois o Sufismo também é (como j4 dissemos) uma denominagao que abrange odd nome a diversos outros grupos distintos do aqui estudads, Explico aqui especificamente como o grupo entende a relagdo do SuGismo com o Islamismo, ja que Sufismo € comumente definido como tun “esoterismo islamic” Este grupo entretanto entande o Sufismo como uma verdade sem forma e apesar de reconhecer uma bese oriental e islamica, esta nfo implica em neohur tipo de conversiio ao Islamismo ou pratica de comportamentos e usosa néo ser os adequados aeste tempo ¢ a comunidade em que vivem, A ovtra parte deste capftula é um mergulho no universo conceitual do grupo com 0 objetive de parmitir ac leitor compreender os pontos de,referdneia no qual apéiam seus membros. Discutimes ali a compreens&o de conceitos e temas rele- vantes para 0 grupo tais como a experiéncia e seu papel, a percepeso, o condiciona- mento, a aprendizagem, a mecanicidade, a auto-observacao, as virtudes ¢ seu pape! a flexibilidade, o relativismo, a verdads, o papel da emogao ¢ do intelecto, a reflexdc, ‘or, a ilogicidade, as coincidéricias, o"Homem Perfeiio”, 3 ade, o papol do Mestre, a velagdo mestre-discipulo, a obediévcia, a trllopia “tempo - lugar - pessoa”, o papel do esforgo © do sacrificio, a baraka, os milagres, 0 desapego ov “estar no inundo sem ser do mundo”, a normalidade, o “estar presente”, aunidade, o amore Deus. 8 Shab LE, 197%). . & Nao pretendo fazer aqui uma exegese da espiritualidade sufi, mas apresentar como’o Grupo compreende esta espivitualidade ea utiliza na sua constragaio de uma visio de mundo. Optei por deixar o grupo falar através dos sous membros ¢ da sua Hieratura. Esta opgdo deveu-se prinzipalmente ao fato de que j4 que estamos falando de conceitos, de formas de perceber a realidade ou seja da construgdo de uma forma de percepeo, um meio vidvel de chegax até cla, seria através da deserigao dos membros, do que cntendem quando se fala sobze os diversos temas, como perecbem. Volto a falar sobre percepgae no capitulo 5, onde explico que através de exereicios de meditago e zikrs 0 grupo sufi muitae vezes busca tornar 0 sujeito consciente de que a consciéncia pessoal tanto como a realidade social sio construidas ¢, portanto, podem ser mudadas. Os livros bésicos de estudo e leitura do grupo, utilizados como fontes, publica- dos pela editora do grupo — edigdes Dervish — sfo os seguintes’: O Sufismo no Ocidente (5.0.), Textos Sufis (T.S.) — ambos coleténeas andnimas —, Os Mestres de Gurdjieff (M.G.} de Rafael Leffovt, O Caminho do Buscador (C.B.) transorigo de palestras de Omar Ali-Shah. Para facilitar, ao citar estes livros nos capitxilos que ge soguem, utilizarei as siglas indicadas entre parénteses apés cada titulo. Os outroslivvos citades sao de Iciturae referéncia, isto 6, necessariamenlenem todos do grupo leram todos, apesar de serem conhecidos. Muito do material utilizado estava em inglés e os traduzi para fazer citagdes, quando for este o caso, acrescen- tarei a letra T, apSs a eitagdo. Durante 0 desenrelar do trabalho cito varios contos suis que os informantes contavam para explicar certos aspectos e optei por transcrevé-los na verse em que aparecera nos livros. Nocapitulo trés deserevo a vida no grupo, como ogrupo se vé, como seidentiica, 9 que os membros dizem buscar, que tips le sentido encontram neste grupo, utilizande principalmente entrevistas e obs. vagées. Tenho tambérn em conta a discussdo da Nova Consciéncia Religiosa ¢ procuro trazer ao debate aspects aypecifiecs que servom para distinguir este grupe de outros enquadrades nesta categoria. ‘A doserigo do Grupo por esse caminho se deve a que sendo um Grupo de autoconhecimento, ou ceja, uma via interior, no é como uma igreja ou uma religido tradicional, portanto, o poder e as estruturas hierérquices nao t2m o mesmo valor e peso que teriam por exemplo, num estude que visasse Aquelas organizagées. No capitulo quatro discutirei as caracteristicas da “Nova Consciéacia Religio- sa” procurando relacioné-las com o Grupo. Aponte quea preeniinéncia da cosmologia alternativa nesta “nova consciéncia religiosa” delineia este conceito ¢ cria novos pardmetros para qué se pensom os sujeitos ¢ os grupos des quais pariicipam, No capitulo cinco, diseuto os rituais ou excrcicios. A caracterfstica bisica dos imesties, a partir da qual cc descneadeia todas as cutras, é a forme de ver estes rituais e exercicios como formulagses tansitérias. 9 Ver areferéncia bibliogesifica para us outras informagées. 6 Para fazer a andlise dos rituais do grupo parto da abordagem performaiticu de SJ. Tambiah, Explico sua abordagem e trato o material aqui cstudado segundo a mesma, que me pareceu a que mais dava conta e explicava certos aspectos desses rituais. Passo entiio a explorar mais intensamente dois aspectos: a visdo do ritual como um “mecanismo gatilho” ou veiculo para um estado de consciéncia alicrado, ¢ também como algo oscilando entre dois pélos: ossificagdo e revivificagdo, ou seja como uma formulagdo transitéria, Introduzo no final uma discussdo sobre estados alterados de consciéncia e o aspécto terapéutico a que inicialmente serciriam as meditagdes utilizando os autores Robert Ornstein e Arthur Deikman. Aproveito entdo para doserever os varios tipos de meditagio c algumas de suas fungics ¢ qnais sao as utilizadas pelo grupo. Mostro a partir desses estudos e da observagaio de como o grupo vive esses rituais (meditagdes, exercicios), que uma de suas fungdns basicas é trabalhar a percepsao, procurando tornar consciente seus limites ¢ assim ampli Ja, Também ao buscar parar ou diminuir o didlego interno do sujeito, visa abrir espagos para que ele possa contactar com outras realidades inteviores. ‘Aconclusioé.utilizada para comparar o grupo estudado com outros que buscam autoconhecimente, ou com aspectos de outros grupos religiosos. Tomo 0s conceitos exotérico € esotérico para delimitar fronteivas e situar este Grupo frente a seus interlocutores mais ou menos préximos, Enfatizo caracteristicas do grupo estudado em relag&o 20 universo religioso brasileiro, principalmente o despojamento do grupo ndo 86 em termos de objetos, simbolos, rituais, cosmologias, como também de catarses ou vivincias e experiéneias emocionais, ou seja 0 cardter intrespectivo deste grepo. Apesar de estar consciente de que esta serd uma verséio do grapo sufi que concorreré com outras™, espero ter salvado ¢ “dito” neste discurso de sua possibili- dade de extinguir-se ¢ té-lo de alguma forma fixado em formas pesquisdveis". Ser tradutora do sistema stfi para a minha linguagem de antrepdéloga. nae foi uma terefa facil, principalmente porque ¢ Sufismo acredita ser impossivel explicar o Sufismo de uma forma académica. Jiria que mais que tradutora, tentei construlz uma ponte entre dois universos de significagao. 10° Ver Gilberto Velho em Nunes, 19744 11 Vor Geeriz, 1989:3. CAPITULO IE O SUFISMO 2.1 De que Sufismo estamos falando Este grupo Sufi é orientado por Gmar Ali-Shah, também chamado de Agha, polos membros do grupo. Ele, seu irmao Idries Shah e seu pai Ikbal Ali-Shak (jd falecido), so os expoentes desta corrente do Sufismo, ligada a escola Sufi Naqsh- bandi. A famflic Shah é “hasiemi” ou seja, efio descendentes do Profeta Maomé. O gropo sufi aqui eatudado 6, portanto, de escola sufi Nagshbandi. Eles entendom o Sufismo core algo viva, que se adequa ao tempo, Tuger © pessoa, ndo-apegado a uma forma externa rigida, e compativel com o modo de vida ocidental. ‘Todos os trés tém varios livros’ eseritos sobre 0 tema e sfio conhecidos intorna- cionalmente. Outras correntes, e 08 estudiosos em sua maioria, e6 aceitam 0 Sufisme camo oaspecto esotérico do Istamismo e pressuptem a necessidade da pratica mugulmana a0 Sufiemo”, Por entenderem alguns que a universatidede estaria justamente 3a sna particalaridade, no caso no Islamismo*, A corrente a qual este grupo est ligado afirma a ligagdo intrinseca (mas néo-excludente) do Sufismo ao istamismo, enizetanto nfo considera que os membres, dos grapos Sufis Ocideniais precisem se converter em mugulinanos para serem capazes de se beneficiar eparticipar destes grepos, o que de certa forma seria mesmo contrério 20 cardtor do Sufismo, gue sempre se adequox ao tempo, hagar e pessoa. Omar Ali Shah ¢ Idries Shah ao se referirem a este tema, sempre reforgam 0 cardter temporal do Sufisms e afirmeam sua presenga permanente, no importando em que forma, através de toda histéria humana. O Sufismo sendo entendido, portanto, come vma metdfora expressando a possibilidade eos meios do ser humano atingir um nivel de consciéncia mais elevado. “A tradigdo sufi néo conheve fronteiras. E uma tradigao que existiu nos coragdes e mentes dos homens desde os primér- dios da civilizagéo. Devido a seus embasamente oriental, alguns aconsideram apenas mais unt culto do Oriente. O Sufisine ndo é um eulto nem uma religizo: € uma filosofia prétioa baseada em téenicas experimentadas ecomprovadas. I, amo a historia mostrou, fuciimente assimilada pela cultura ccidental, 1 Verreferéncia bibliogratica. 2 Ver acsse respeito em Arberry, 1956 Lings, 1975; © Campos, 1996. 3. Bntretante proprio Lings ao falar do Sufiemo através dos séeulos ¢ confirs Sufismona atualidade diz "as manifestaroes do contate dirato coma Ori variadas” (Lings, 1978:123 T). pois suas verdades basicas sGo universalmente reconhecidas ¢ apenas sua técnica diferente. Mas serd que essa diferenca de técnica representa wna desvantagem? A resposta é ndo, pois essas téenicas, tal como sao usadas pelos mestres Sufis no Ocidente, néo reqwerem atividades incompativeis com a vida no Ociddente.” (C.B.:13) “Como os Sufis reconheceram 0 islamismo como manifes- tagdo do surgimento essencial do ensinamento transcendental, nao poderia haver conflito interior entre o islamismo e o sufis- mo. Admitiu-se que o Sufismo correspondia a realidade interior do islamismo, assim como ao aspecto equivalente de todas as outras religides e tradigdes genuinas.” (Shah [, 1977:53) Outros trechos de autores famosos como RUMI e IBN EL ARABI, que viveram respectivamente nos séculos KITT ¢ XII da nossa era, em pleno apogeu do Sufismo enquanto expressiio islmica dizem 0 seguinte: “Cruz e eristéos, palo a palmo examinei. Ble néo estava na cruz. Fui ao templo Hindu, ao antigo pagode. Em nenhum deles havia rastro algum. Fui ds terras altas do Herat, ¢ a Kandahar. Othei, Ele néo estava nos altos nem nos vales. Decidamente, escaleia (fabulosa) montana de Kaf Alisé havia a morada do (legendlario} péssare Anga, Fui a Kaaba de Meco. Hle nao estava ali, Perguniei por ele a Auvicena, 0 fildsofo. Ble estava além do aleance de Avicena.,,Olhei dentro do meu pré- prio coragéio. Neste, seu lugar, ev Ovi, Néo estova em nenium outro.” (RUMI, em Shah I, 1974:126, 127 T.) “Meucoragdo podeossumir qualquer aparéncia. O coragais varia deacordocom.as varlacées da consciéncia mais profunda Pode aparecer na forma de um prado de gazelas, um claustra de monjes, um templo de {dolos, uma Kacba de peregrinos, es tdbuas do Tord para certas ciéncias, 9 legado das paginas do Cordo. ‘Meu dever 6a divida do Amor, Aceito livre e desejosamente qualquer carga que me for imposta. O amor é como 0 amor des amantes, exceto que 2m vez de amar o fenémena, eu amo o Essencial. Hssa religido, esse dover, 6 0 meu, ¢ 6 a.minke fe." (IBN EL ARABI, em Shak J, 1974:99, 100 T.) Estas caracteristicas de adequagto 8 vida ocidental moderna ¢ poues énfase agio do Sufismo com o islamismy estéo muito pres sentes no grupo. Nes conversas ¢ entrevistas que tivemos cori diversos membros, quase nunca s¢ men- cionava o Islamismo ¢ apesar de diversas repetigdes que atualmente fazom, aerem em Arabe ¢ de tradigtio corfinica, as possoas tendem a toma-las como exereicios técnicos e a ndo associarem as meemas com # priica islimica propriamente dita, So reconhece uma base oriental, mas que é muito ampla ¢ nda implica em nenkum 9 tipo de conversdo islamica ou prdtica de comportamentos e usos a nao ser os adequados a este tempo e a comunidade em que vivem, Se diz que George I. Gurdjieff’ que viveu na Europa e Estados Unidos, entre a primeira ea segunda guerras mundiais, onde formou varios grupos de desenvol- vimento, atraindo intelectuais, artistas ¢ pessoas diversas; estaria ligado a uma divulgagio do Sufismo, adequade para aquela época, sem nenhuma conotagio mugulnana, apresentando-o como uma via para um nivel de consciéncia mais elevado. Autores cléssicos do Sufismo como Rumi, Attar, Ibn El-Arabi, Jami, Ansari, Al-Gazali, Halim Sana‘? sao conhecidos e lidos no Grups. Os contos e poemas do Rumi, 03 poemas do Ansari e do Hakim Sanai sao estudados. A tematica tratada nestes livros é atual e fala da busca do ser humano pelo autoconhecimento ¢ da transformacao que devo se operar nele para que tal objetive se realize. Se encontra nostes aviores, as dificuldades que 9 buscador encontra, os “véus” que Ihe atrapa- Tham como o egofsmo, 0 oxgulho, o auto-engano, a preguiga, ete, e também o papel do Mestre, da disciplina, da ohediéncia, o entrave do condicionamento, a necessidade de urna percepgaio adequada, o ongano das aparéncias. Observei que no Grupo iodo este material se harmoniza de forma natural com o trabalho que o Grupo desenvolve segundo as instragdes @ 4 guia do Mestre que seguem, Este. preocupagio, se de fate, o Sufismo 6 ou niéio islamico, se para ser sufi é necessdrio ser mugulmano, nao existe no grupo, a questdo para eles é bastante clara, por isso ndo me demorarei nesta discuss&o, para ndo me distanciar do meu objetivo —o grupo. “O Sufiemo é ume verdase sem forma.” Ibn el-Jalali. “O Sufismo 6, de foto, no religido, mas um corpo de conheciment im sistema mistico, nem uma ." Idries Shah. 4 Ver mais a usse rospeito em Leffort, 5 Sobre esses outores, ver voferéncia |b) 10 2.2 O Idedrio do Grupo 2.2.1 O motivo Como disse anteriormente, esta parte do trabalho se propde.a percorrer os pontos de referéncia do Grupo, que sao usados na construgdo de uma forma de perceber 0 mundo partilhada por seus membros, Com a convivéncia, a pratica ea leitura, eles vio se fanuiliarizande com os conceitos o temas. Usei o termo ponte de referéncia, pois enquanto pontos de referéncias, estes conceitos ¢ temas sao tomados como indicagéio de caminho ou orientagio, portanto, pressupondo uma trilha ¢ uma caminhada. Ou seja, é dada uma indicardo, um enfoque (pontos de referéncia) ecada um ao participar do Grupo (trilha), desenvolve isto segundo seu nfvel e sua expe- riéncia (caminhada), Por isso, apresentarei os pontos de referéncia desta construcaio, constatando porém que existe uma variedade de compreensdo dos mesmes pelos membros, ou seja, nfveis dos mais superficiais aos mais profundos podem ser encontrados, Nao discutirei os temas ou conceitos em si, ou seja tedrica eteclogicamente, mas 08 discutirei em situagao. Por entender que o meu objetivo aqui é mostrar que pontos de referéncia sdo utilizados pelo Grupo e de que forma, Jé que a meu ver, mais entre os Sufis do que em outras experiéncias religiosas, esta construcie de uma viséio de mundo é 0 que constitui as bases da propria identidade do grupo enquanto tal, como veremos no capitulo III com mais detalhes. Este grupo recorre em muito pouco a elementos cerimoniais externas existindo, portanto, pouco ritual no sentido da exteriovidade ceremonial tipica das religdes como a Umbanda, Candombié, Catélica. Também é quase inexistents uma cosmologia, Faz parte do sistema de idéias ¢ prineipios deste Grupo nao valoriaar nada externo, por isso é através de sua viséo de mundo que se identificam. Vem dat minha escolha em descrever os elementos desta visto particular de mundo, em detrimento de uma etnografia mais particularizada da organiznpao social do Grupo e mesmo do seu processo ritual. Deixarei também para a conclusdo, a comparagiio deste Grapo com outros que tratam de alguns destes temas de uma forma diferente. 2.2.2 O ideario propriamente dito “Tentar transmitir o sentido do pensamento e da agao sufis de forma convencional, simplificada ou prosaica & sinteti zado na conkecida frase sufi: Mandar um beijo por men- sageira,” (Shah I, 1977-44) O Cariter Experimental de Sufismo th Sufisme segundo seus porta-vozes, mestres, estudantes, tem um card ter experimental, que por isto, além de certo ponte é impossivel explicd-lo ow mesmo aprecid-lo. Esta dificuldade bdsica, segundo os sufis, estaria sempre presente em dois nfveis, em qualquer trabalho que pretenda falar do Sufismo. Em primeirolugar pola necessidade imperativa de se fazer a experiéncia, Como dizem: “Quem prova, conhece”®, Porianto, sem prové-fo, seria impossivel conhecé-lo e isto ¢ constante- mente repetido. No grupo, esta caracteristica é ressaltada pelos membros quando falam da sua experiéncia e acham dificil tentar explicé-la a alguém que nao experimentou. Nas palavras de um informante: Como voce explica para alguém 0 gosto de um café. Sim, voed poderd dizer que é amargo, preto, liquido, mas enquanto a pessoa ndo experimentar, néo vai saber o que & 0 caf’. Vooe conhece aquela histéria sufi sobre o cha?" Isto é algo bastante real e vivido pelo grupo, que por exemplo ao falar dos exercicios que fazem, dizem: “VYooé tem que fazer os exerefctos para saber se eles funcio- nam ou néo?” “Como posso falar de uma técnica que ainda ndo apliguet no meu dia @ dia pare avaliar 0 resultado?” “Ralar dealgo que voce experimentou 6uma situagdo; falar de alge do qual vocé apenas tert uma teoria na cabega 6 outra situagdo bem distinta,” “B aquela historia do mapa e do territério, a mapa nao é a terrilério.” Esta nceessidade de experimentar também nao invalida para eles que-voce nao possa se aproveiter de experiéncias anteriores de outyas pessoas. Omar Ali- Shah, o mostre que orienta o trabalho do grupo, em uma de suas palestras alecta para ¢ fato de que a necessidade da exporiéncia nao invalida que tambéan ve tire proveito das experiéncias atheias. “Algumas pessoas insistem em que certas coisas devent ser experimentadas pessoalmente, Isso estd absolutamente correto, mas esis experiéricias nde se 080 wo acaso, As pessoas experi- mentam certas coisas correiumente depois de terem tido, ow tirado proveito de uma cérta quentidads de ensinamento e sabedoria de outras pessoas — entdo chega um ponio em que uma experiéncia pessoal de wma certa natureza se torna neces sdria, De forma que € isso: tirar proveito de um ensinamento, de umconselho, de uma sabeduria, de técnicas —e em ocasiées, quandoa pessoa estiver preparacdacu quandofor necessério que 6 Acompreensio do Sufismo como um "sebor" adéin do futo de que por buscar umn sonhecimenio direto, ta) tipo de esahecimente seria mais eomparével a experiénzias dos sentides do que 80 conhecimenta mental (Lings, 198827) 7 Vor esta histéria eornpleta nos anexos. tenha uma determinada experiéncia, gue experimente um deter. minado sabor, uma determinada sensagao — talvez Ue seja posstvel experimentar' ¢ compremnder. Como eu digo, o experi- mentar, o fazer, e aquilo qe voce poderia chamar de aspecto tedrico cuminham: juntos. wu. Ha pessoas que dizem: Experiéncias, étimo! Vou experimentar de tudo uma vez. E entéo voce diz: Certo, experimente cianureto; Vé e¢ experimente apanhar uma cascdvel — certamente esta sera uma experiéncia muito pro- funda , se a pessoa sobreviver, ficaré um. pouco mais sabia.” (C.B.:210,21D) Em um nivel, portanto, entende-se no Grupo, que hé que provar para conhecer, mas isto ndo invalida quo também se possa aproveitar até um certo ponto do conhecimento advindo de experiéncias de outras pessoas, ¢ mais ainda quo é necessario se preparar para ser capaz de tirar o proveito que a experiéncia pode dar, a experiéneia nao é imediata, apesar de ser direta. O segundo nivel da dificuldade basica, mencionada no infeio, € que além de certo ponto éimposstvel fatar de certas experiéncias usando a linguagem e termos de roferdncia convencionais, dado a carater indoseritfvel das mesmas nestes armies familiares. Esta caracterfstica da incomunicabilidade esta presente na maior parte das escolas misticas®. 0 Sufismo mesmo quando porvezesniio estd se referinde ‘auma experiéncia mystica propriamente dita, mas a umn certo tipo de percepsao que se desenvolveria com o trabalho, se refere a esta inconmmnicabilidade, a esta impos- sibilidade de descrever experiéncias nao familiares com termos familiares. Em sinteso, para falar do Sufismo com propriedade é necessério, portanto, té-lo de alguna forma experimentada, pois sendo é, segundo dizem, como querer ler umacarta, sem abrir envelope ou falar de um sabor (coisa jd dificil em si limitada) que nunca se provou. Para os sfis, sex um tebrico do Sufismo, cu um académaice do Sufismo, seria paralelo a ser um tedrico de natagéo sem nunca ter entrado em wna piscina ¢ nadado na Agua. O Sufismo 6, portanto, uma experiéncia direta, apesar de néo serimediata, eo tipo de conheciments com o qual lida seria mais comparével a experiéncias dos sentidos (ndo que seja uma experiéncia dos sentides, j4 que as experiéncias misticas para um Sufi, esto além do mundo dos sentidos) do que ao conhecimento mental. ALeiiura ne Grupo — Os Contos Apesar desta ineomunicabilidade inezente @ este tipo de experiencia, muitos livros foram escritos por Mestres Sufis de passade ¢ do presente, que sempre tentaram ir um pouco além deste limite, mdi esquecendo de ressaltar a presonga desta limitagaio, ldries Shah, que 6 conhecide por scus muitos livros eseritos, explica que a fangio da literatura no Sufismo seria a seguinte: @ Firth ao partir para anatisar e que os tnistices dizem acerea da sus experiéncia, observa que o mistice enfitiva esta incomenieabitidade, mas que o faz com palavras, utilizande-as tambéen, para deserover suas experiéacias. (Firth, 1904:287-299) “Muita literatura suf 6 analdgica ou provocativa. Sua intengdo é levar voce a fazer ou sentir alguma coisa, Esta alguma coisa ndo estd vonfinada ao gosto ou ndo gosto, & esperanga ow medo, ao pensamento intenso, a discussao com seus amigos, Estas formas vostumeiras de lidar com quase qualquer coisa simplesmente mascaram o contetido educacio- nal e de desenvolvimento. E antes que a pessoa chegue a este onto, as coisas que foram lidas deixam um rastro. Este rastro, néo necessariamente regisirado pela pessoa. “adormecidas’, eré digerido emoutra drea quando experiancias adéquadasestejam. operando.” (Shah I, 1977(b):21 T.). A literatura sufi, portanta, teria seu lugar no processo de aprendizagem do disofpulo e 2 experiéncia 0 seu; ambos o¢ fatores, segundo dizem, estio presentes no grupo ¢ 0 disefpulo deveria aprender o valor de ambos na sua vida. No material de leitura do grupo encontramos as palestras dos Mestres sobre os diversos temas e principalmente 9s cgntas. Os contos e fitbulas so considerados vefculos ou formulas precisas? im- porlantes para a preservagdo e transmissio das idéias. Como um método antigo para formular e transmitir um conhocimento que ndo pode ser expresso do outra forma. Indica-se a familiarizagdo com os contes através da leitura, “considerando-o como um paralelo consistente ¢ produtivo de certos estados da mente, ou como ima alegoria deles, Os simbolos do conto sto seus personagens; « conduta dos personagens sugere & mente a maneira como a conscitnela humana se comporta as vezes.” (8.0.:21) Afirma-se, no Sufismo, que as histérias sao obras de arte conscientes, feitas intencionalmente para sevem utilizadas por pessoas que por sua vez soubes- sem como utilizé-las. Estes contos sdo usados freqientemente como analogias, metdforas e servem para tratar de temas, que de cutra forma, seriam dificies de serem explica- dos. "Nao se trata apenas de contar ume historia com uma moral primitiva; trata-se de fazer um comentario a respeito de alguas processos da vida.” (Shah I, 1977:74) Os varios niveis des contos « hietérias sdo também enfatizados. 0 conteddo emocional, intelectue!, humoristico, moral ou de entretenimento, seriam alguns dos niveis.de um conto ou histéria, sugerindo-se que haveriam outros niveis nos quais eles também operariam e pederiam ser proveitosos. Os contes utilizedos no Grape sido compilados dos grandes mestres Sufis do passado. Parte deste material est4 nos livros cldssicos de Sutismo come os de Rumi, Attar e outros, e parte foi compilada e adaptada para o Ocidente por Hcbal Ali-Shah, Idries Shah e Amina Shab, que tem diversos livros publicadcs com contes. 9 Vera esse respeito em 5.0. ¢% Mu ‘0 indicadas nos livros de Jeitura do Grupo certas técnicas de Ieitura dos contos ¢ outros materiais, tais como: ~ observar como um conto ou material de cnsinamento o esti afetando; — fixar sua atengéo sobre suas préprias associagées c fatores emocionais; -- familiarizar-se com certas histérias e reté-las 0a mente como se esti- vease memorizando uma férmula; — estudar 0 material: (1) em fungio de seu contetido evidente ou de scu significado de fato; (2) depois, em fungao da relagdo que tem com a pessoa, detectando os erros que o material poderia corrigir no modo de pensar da mesma; (3) e em fungao da comunicagiio deste material fora desses dois dominios. A partir do exposto, pode-se perceber o papel singular e especifico que tem, a leitura no Grupo. 0 Grupo, portanto, educa seus membros @ leitura, Adverte-se que esta leitura nfo deveria ser quantitativa —néo se trata de conhecer uma grande quantidade de hisiérias, mas qualitativa. A histéria é uma ferramenta que pode ser utilizeda, desde que se aprenda como fazé-lo™*. Aprendendo a Aprender — 0 condicionamento como barreira Distinta de outras escolas misticas, ¢ Sufismo entretanto néo reales 0 “quistrio” ov “coisas do além’, insistindo eempre que através de suas téonicas se pode desenvelver 2 pexcepodo ¢ fizer a experiéncia, Esta linguagora atuai do Sufiemo, que se refere a si mesmo como uma flosofia pratica e compativel com o modo de vida ocidental, parece ser o que atrai o tipo de pessoas que buscam este caminho. Pessoas estas que, como falaremos mais adiante, térm em sua grande parte uum nivel de escolaridade bastante elevado™, O Sufismo chega a ce referir a si mesmo'como uma eféneia ji owe como esta teria também seus métodos, téenicas e necessidade de treinamento na sua disciplina especifica. “Autoridades sufis cléssicas se veferem.a.este método como uma ciéncia no sentido em que é unz corpo especifico de conhe- eimento, aplicudo segundo principios conhecidos por um Pro- fessor, para atingir um resultado espectfico ¢ previstvel.” @eikman, 1979:182 T.) Segundo exemplificam, pare estudar matemética ou fisica, ote, tern que se obtcr um troinamento adequado, assim também ¢ com 0 Sufismo. Este atids é um tema sempre enfatizado: a necessidade de aprender a aprender. Segundo os sufis, devido ao condicionamento a que somos submetides torna-se muito dificil apren- der algo novo, pols estamos sempre roduzinde 0 novo aos nossus snodelos jé estabelecidos. 10 Atualmente hd no Grupo, algumas persons, que estio brabalhande eom contos so especiati- tando na arte de contar histérias tendo come panto de partida, as premissas deseritas na Sufismo. 11 Ver geiifices no final deste capitulo. “Se o individuo admite que suas bases de pensamenito séo incompletas ou inaplicdveis, estard ferindo sua auto-estima, algo que geralmente nao esté disposto a fazer. Uma vez que sua auto-estima se enconira alicercada no pequeno sistema que ele construiu, ou que outros construtram para ele, néo é de sur- preender que ele se esforce por proteger esse sistema.” (S.0.:2). Este tema do condicionaments que foi tratado por Mestres Sufis do passado, antes mesmo que a psicologia existisse como uma diseiplina cientifiea, tem atraido a atengdo de psicélogos e muitos estudos ¢ pesquisas tém sido feitos para estudar como as escotas sufis antigas (¢ também outras escolas esotéricas) traba- Thavam e atuavam no condicionamento”, O Sufismo, portanto, possibilitaria, “os métodos para esgueirar-se pelo complexo de treinamen- to que torna a maioria das pessoas prisionciras do seu meio ¢ do efeito de suas experiéncias” (Shah I, 1977:49). Este tema do condicionamento € bastante abordado pelas pessoas do grupo, quo se referem freqiientemente a necessidade de observar “sex proprio condicionamento” e “dar-se conta de como se é condicionado”, Nos textos recorre-se constantemente a este tema, enfatizande a presenga do condicionamento nas ati- tudes humanas ¢ ¢ obstacwlo que representa para a aprendizagem, “"Rejeigta e aceitagdo da mesina forma que esperanga e temor ado altitudes condivionadas, As pessoas Ihes agrada uma coisa ¢ thes desagrada outra, simplesmerte porque, sebendo-o ou ndo, foram anteriormente sensibilizades a esse respeito. Julgam de acords com critérios que ndo sto sendo medidas de avaliagde que, acidental ow propositalmente nelas foram im- plantadas.” (L.8..45) “O que ndo quer dizer que a tendéncia humana ao condi- cionamento ndo tenka valor. Bla é essencial, pois do contrdrio ohomem ndoaprenderia, Mas enquanto torna posstveis alguns processos de uprendizagem, inibe outros. * (7.8.47). “Esta em uma posigdo diftcil porque quer aprender, mas aprender de uma forma por ele mesrao estabelecida, Raramente o diz de forma ciara, Mas seu comportamento 0 demonstra. Quando faz perguntas, clas sdo enguadradas de tal forma que mostram 0 que se lhe est passundo na mente, Dificilmente se pode esperar de tal individuo scudagaes de boas vindas, quando pensa que esta sendo atacacto, e quando lhe € dito que seu ‘proceso de pensamento freafirmada por geragies de figuras de auioridade como intelecto soberano) néo pode. ser usado da forma que propés.” (T.S.: 48) 12. Ver sobre este assunto o capftule sobre Sufisme, basecde em ALGhazzali (Mestre suft do s60-XD, no livre “Teorias da Personalidade” (Padigan, 1986:889-870), Também em Shab I, 1974;05, e o eapstule 6 deste trabalho, . 16 “As pessoas sito condicionadas desde o tempo de bebés — socialimente, economicamente, politicamente, religiosamente ¢ de todos os modos possiveis. las crescem numa sociedade afetada de manciva semelhante. Oitenta por cento do condicio- namento que as pessoas recebcran & medida que forain cres- cendo aparece no seu compartimanto ¢ na sua atitude: Nos mexicanos somos assiin, Nés franceses somos assim, Nos isso ¢ aquilo somos assado. Nem todo esse condicionamento é nocivo — se for um condicionamento que o ajuda na vida, entéo quer se chame condicionamento ow experiéncie — 6 uma coisa valiosa. Mas se for um condicionamento que Ihe diz o que pensar e como reagir, isso pode ser perigoso, pois talues ignore ogue voc! poderia chamar de pereepgdo interior ou instinto.” (C.B.:200,201). Asreferéncias ao tema stio muitas ¢ enfatizam principalmente o papel no troinamento humano da recompensa e do castigo ¢ a desestabilizagao que acuntece num grupo quando se remover estes dois fatores™. Ha no grupo uma atengao constante a esses dois aspectos. O castige ea recompense sio vistos como dois lades de uma mesma meeda, o condicionaments. Os membros do Grupo entender que participar de um grupo exige certas atitudes (reqiiéncia, participago), mas que o seu comportamento deve ser fruto da sua necessidade e da compreenséo da importAneia do que tém que cumprir, sem entretante estar atrelado ao modo de sex castigado ou a esperanga de receber uma recompensa. Naturalmente esta questio é sutil e é vivida pelo Grupo de uma forma bastante realista, ou seja, como aprendizes: reconhecendo em si mesmos muitas vezes o medo & autoridade, ao castigo, como o motor de suas atitudes. Pelo menos de inicio, tendo conhecimento do que significa isto e sendo incentivados a observar dentro de si mesmos como funciona. Se fala om umaatitude superior do ser humano que ultrapassoueste nivel. Um dos exempilos citados o da mfstica sufi Rabiah al-Adauya que viveu no século a. “Oh Deus, se Te venero por medo da Inferno, queima-me nele, e se Te venero esperanda 6 Paratso exclua-me dele; mas se Te venere por Ti mesmo,ndo me negues Tue eterna beleza.” (Attar, 1985:72 T) ‘As pessoas do grapo tém bastante cuidado em nao buscar recompensa, em “fazer por fazer”, “dar por dar”, sem esperar algo em troca, Apesar de afirmarem ser muito dificil, como disse um: informante: “Passamos a conta do que pensanos que fezemnos por alguém ou pelo grupo, pots ne fundo estamos buscando recom pense”. No grupo, por isto, ndo hé “reconbecimentos” das pessoas que se dedicam mais ou menos, e nem prémios ado inctitufdos oficialmente, Entre as pessoas da 13 Reproduxi em anexos, 0 capitulo XI de S.0, intitutade “Recompensa ¢ Castigo”, que trata espocificarnente desta terndtica

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