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GETULIO VARGAS: © ESTADISTA, A NAGAO E A DEMOCRACIA Luiz Carlos Bresser-Pereira Em marco de 2007, 0 jornal Folha de S.Paulo convidou duzentas perso- nalidades brasileiras a dizer quem julgavam haver sido o “maior brasileiro de todos os tempos” e Gettlio Vargas foi o escolhido. O resultado nao foi surpresa para mim, porque vejo Vargas como o estadista do Brasil no século XX; na nossa historia, s6 a figura de José Bonifacio de Andrade e Silva com a dele se ombreia. O valor desse tipo de pesquisa é relativo, dada a legiti- midade discutivel da “amostra” e 0 carater subjetivo do voto, mas mesmo assim o resultado é significativo. E também o € 0 fato de que o segundo colocado na pesquisa foi Juscelino Kubitschek, o presidente a quem coube completar a tarefa iniciada por Vargas. Ao escolherem os dois grandes presidentes, os pesquisados estavam também reconhecendo que o grande momento da histdria brasileira foi de 1930 a 1960. A figura e a contribuigSo de Vargas ja foram analisadas com competén- cia por historiadores e bidgrafos, de forma que nao cabe fazer uma outra andlise histérica de seu governo com fatos e citagdes. Nao me parece rele- vante discutir a politica econémica do ex-presidente, porque esta também j4 foi amplamente tratada por outros autores.’ Nem é meu objetivo fazer um perfil com a enumeragio de suas qualidades e defeitos, de seus muitos acertos e erros. Parece-me, todavia, que hé uma abordagem que poderia ser Util: a do ensaio de teoria politica. Importa saber como a aco politica de Vargas se relacionou com a construgao da nagao e do Estado brasileiro, e, 1 Além dos capitulos deste livro, ver, entre outros, Leff (1968); Wirth (1970); Fonseca (1989; 1996), Vianna, S. B. (1990); Leopoldi (1996). O segundo governo de Vargas foi também exa- minado pelo economista que chefiou sua assessoria econdmica, Rémulo de Almeida (1986), da qual fizeram parte também Jesus Soares Pereira e Ignacio Rangel. 94 LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA em consequéncia, com a revolugao industrial e nacional, e com a transi¢io de um Estado oligarquico para um democratico. Por que sua figura é tao importante para os brasileiros, apesar de haver governado o Brasil de forma autoritaria? Por que considerd-lo um estadista? Terd sido porque comandou a industrializagao e a formacao do Estado-nacio brasileiro, ou teria sido ele apenas um politico contraditério, como alguns propéem, ou um lider popu- lista que enganava 0 povo, como outros sugerem? Para responder a essas questées neste trabalho, vou discutir trés temas encadeados, tendo Vargas como referéncia: 0 conceito de estadista e a historia, a revolugdo nacional brasileira e a relacdo entre o populismo e a democracia. Em sintese, afirmo, primeiro, que o estadista é 0 dirigente politico que, nao obstante suas pro- prias fraquezas e hesitacdes, tem a visdo antecipada do momento histérico que seu pais ou sua nacao esta vivendo e tem a coragem de enfrentar o velho em nome do novo; segundo, que um momento decisivo na histéria de um povo — o da Revolugiio Nacional e Industrial — é aquele no qual esse povo se transforma em uma na¢io nao apenas formal mas real, ao mesmo tempo que completa sua transic4o para o capitalismo; e, terceiro, que a democracia s6 se consolida em um Estado-nacao depois que ele completou sua revo- lucao capitalista, de maneira que o controle direto do poder politico deixa de ser condi¢ao necessdria para a apropriacao do excedente. Sob essas trés perspectivas, concluo que Vargas foi o grande estadista que o Brasil teve no século XX. Vargas tem muitos adversarios: desde os remanescentes da oligarquia exportadora paulista e dos intelectuais de esquerda da Escola de Sociologia da Universidade Sao Paulo até os neoliberais de hoje cuja hegemonia desde 1991 levou o Brasil novamente a condigiio de quase colénia. Os primeiros nao o perdoam por haver “traido” a revolucao liberal que esperavam que fossea Revolugaode 1930 e, em seguida, por havé-laderrotadona Revolugo de 1932; Boris Fausto (1983), por’exemplo, salientou que o empresariado paulista nao participou da Revolugao; pelo contrario, a Fiesp apoiou o candidato governamental Julio Prestes. Na verdade, como demonstra Fonseca (2011, p.4), nado houve traicdo, porque a Alianga Liberal defen- dia a diversificago da economia, e apoiou, como também Vargas o faria nos primeiros anos de seu governo, as “industrias naturais” que utilizassem matérias-primas e produtos agricolas e pecuarios nacionais. Os segundos, porque adotaram a “teoria da dependéncia associada” que nao tornava a GETULIO VARGAS: O ESTADISTA, A NAGAO EADEMOCRACIA 95 autonomia nacional condicio do desenvolvimento, e porque definiram o populismo politico negativamente como uma forma demagégica de propor a alianca dos trabalhadores e das esquerdas com a burguesia; os ultimos, porque a industrializagéo que Vargas promoveu implicou forte intervengao do Estado na economia. Puderam, assim, diminuir o papel da Revolugao de 1930 e o de Vargas na histéria brasileira, ao mesmo tempo que negavam a possibilidade de existéncia de uma burguesia nacional no Brasil, ou seja, de um empresariado industrial identificado com o interesse nacional.’ Vargas é também criticado por ter sido conservador e autoritdrio. Mais recente- mente, o neoliberalismo dominante nos Estados Unidos entre 1980 e 2008, eno Brasil desde o inicio dos anos 1990, acusou 0 nacional-desenvolvimen- tismo de Vargas de atrasado e de incapaz de promover o desenvolvimento econémico, nao obstante o fato de que as taxas de crescimento tenham sido muito maiores entre 1930 e 1980 em comparacio as vigentes desde 1991.° Oex-presidente foi sem duvida um personagem complexo e contraditério, mas 0 importante é 0 resultado final que emerge, e este é extraordinario. Discutirei as criticas a Vargas a partir de duas formas de avaliar os fatos eas figuras historicas: a visao liberal e normativa, que os retira do contexto histdrico e social, e supde que a histéria seja a simples transic4o do autorita- rismo tradicional para a democracia moderna, ea visdo histérico-estrutural, para a qual essa transig&o passa pela revoluco capitalista, ou seja, pela formacio do Estado-nagio e pela industrializagéo, que ocorrem sempre no quadro de regimes autoritarios. S6 depois de completadas a revolucao nacional e industrial — s6 depois que o excedente econdmico deixa de ser apropriado pela forga para ser apropriado no mercado — que a democracia torna-se um regime viavel e, mais do que isso, consolidado.’ 2. Nao obstante, vinte anos mais tarde um dos mais ilustres representantes da Escola Paulista, Weffort (1985, p.158), reconheceu o papel de Vargas: “foi o tnico politico brasileiro das quatro tltimas décadas na historia deste pais, cuja eficdcia politica sobreviveu a sua propria morte {...] creio que se pode imputar a Getiilio Vargas o papel histérico de criador do Estado moderno no Brasil”. 3 O periodo propriamente varguista termina em 1960 com o governo Kubitschek, mas o nacional-desenvolvimentismo s6 entra em colapso em 1980; os anos 1980 so um periodo de crise, nao se enquadrando nem no desenvolvimentismo nem na ortodoxia convencional. 4 Essa visdo da histéria e da democracia esta em Bresser-Pereira (2011). Entendo que a revo- lugiio capitalista, ou seja, a transicdo das sociedades agrarias letradas para as sociedades in- dustriais ou capitalistas, foi constituida de trés revolugdes menores: a comercial, a nacional e 96 LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA O estadista e a historia Um estadista é sempre um politico com qualidades extraordindrias de inteligéncia e capacidade de lideranca, mas nem todos os lideres politicos com essas qualidades se transformam em estadistas. E preciso também que chegue ao poder em um momento da historia em que a sociedade e a econo- mia de seu pais estejam enfrentando uma crise e se tornando maduras para a mudanga. Nesses momentos, abre-se a oportunidade para o surgimento de um dirigente politico capaz de se antecipar ao movimento da sociedade. Vargas apareceu na vida politica brasileira em um desses momentos. Quem primeiro compreendeu essa condic&o dos estadistas foi Hegel, quando afirmou que todos os grandes homens da histéria podem ser chamados de heréis na medida em que suas realizagées nao derivam do curso regular da historia, mas da manifestacdo de um “espirito interior”, de uma ideia geral que contém o que esta maduro para acontecer. Ao pensar assim, o grande filésofo formulava de maneira inovadora uma filosofia da historia que Marx e Engels, em seguida, transformariam no materialismo histérico — a extraordinaria teoria da historia que marcaria toda a ciéncia social. Desde entao, perdeu sentido narrar a histéria por meio de seus grandes guerreiros ou seus grandes politicos, geralmente confundidos com herdis, e se tornou necessario situar todos os acontecimentos e os seus grandes personagens no contexto econémico e social mais amplo em que estio inseridos. Mais especificamente, tornou-se necessério relacionar a histéria social e politica com os estagios de desenvolvimento tecnolégico e as respectivas formas de propriedade ou modos de organizar a producio. Esse tipo de anilise, entretanto, embora ofereca um quadro fundamental do que esta ocorrendo, é muito geral para permitir previsdes do que vai acontecer. O marxismo vulgar tentou fazer tais previsdes, e fracassou ao usar de forma literal o voluntarismo revolucionério do proprio Marx. Hoje, no extremo oposto, vemos 0 economicismo vulgar reinante entre economistas neoclassicos e analistas politicos neoliberais que tudo explicam a partir do desempenho econ6émico dos governantes. Marx sempre teve claro para si proprio que a a industrial. As duas tltimas geralmente coincidem, embora uma indique a formagao de um Estado-nacao efetivamente auténomo e a outra o momento de industrializagao rapida que transforma uma sociedade agraria e mercantil em uma sociedade plenamente capitalist. GETULIO VARGAS: 0 ESTADISTA, ANAGAO EADEMOCRACIA 97 histéria é feita pelos homens, que o Estado, o mercado e as demais institui- Ges sdo construcées sociais. Ora, a partir dessa dupla constatac&o — de um lado, que a histéria tem uma logica relacionada com o desenvolvimento tecnoldégico e econdmico, de outro, que é um campo de liberdade ao refletir a vontade dos homens, e sua maior ou menor capacidade de enfrentar as oportunidades e os desafios — é que se abre o espaco para a aco politica e para os estadistas. Alguns exem- plos nos ajudam a compreender esse fato. Henrique VIII foi um rei que compreendeu a oportunidade que a Reforma representava para seu pais, e dotou a Inglaterra de uma religido propria que foi importante para que pudesse iniciar sua revolugao nacional. A Revolucao Francesa nao logrou produzir um estadista entre os revoluciondrios, mas afinal permitiu que um estadista, Napoledo, a transformasse em uma revolucio efetivamente burguesa. Bismarck foi apenas um primeiro-ministro, mas compreendeu oatraso da Alemanha e foi o grande estadista da unificagao e da revolucio industrial alema. Franklin Delano Roosevelt foi um lider democratico que encontrou os Estados Unidos em plena crise econémica e teve a coragem de enfrentar as elites da sua época para fazer seu pais tanto avancar nos planos social e democratico como ter éxito econdmico. Depois da Segunda Guerra Mundial, no quadro da reconstrugao de seus paises, Charles de Gaulle e Conrad Adenauer devolveram grandeza a seus paises. Cada um desses homens poderia ter falhado, e se isso houvesse acontecido, a histéria seria outra. Poderiam nao ter sido estadistas, mas dirigentes mediocres, ou, pior, poderiam ter produzido nao um avango, mas um atraso, como foi o caso de Juan Peron na Argentina ou de George W. Bush nos Estados Unidos. Podemos distinguir trés tipos de lideres politicos: aquele que se antecipa a sua sociedade, o que a acompanha e aquele que a faz voltar para tras. A grande maioria esté na segunda categoria. Da mesma forma que, em um plano mais amplo, o Estado é uma expressio da sociedade, de suas forcas e de suas fraquezas, seus governantes também sdo em geral meros produtos médios dessa sociedade. Possuem qualidades pessoais, ambigo e sorte para chegar a chefia do governo, mas dificilmente logram se sobrepor a sociedade que os produziu. Outros, seja por uma questio de incompeténcia, de arro- gancia ou de falta de um minimo de espirito republicano, ou ainda por uma combinacio desses defeitos, tomam decisdes equivocadas e causam males profundos a seu povo; sao o inverso dos estadistas, porque so olham para 98 LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA tras, ainda que acreditem fazer o oposto. Os estadistas sao 0 terceiro eo mais raro tipo de lider politico. Este tem capacidade de se antecipar aos fatos, de compreender em que sentido estado caminhando os acontecimentos, porque sabe ou intui quais as aliangas internas e internacionais é preciso fazer, quais decisdes tomar e quais postergar. Um estadista é um solitario que ouve a muitos, mas toma suas decisdes a sés e assume a plena responsabilidade por elas. Tem amigos, mas nao hesita em abandoné-los. Seu critério para tomar as decisdes nao é apenas o poder pessoal, mas também 0 poder nacional, a realizacao de sua visdo de futuro. Vargas foi um estadista, porque teve a visdo da oportunidade que a Grande Depressio dos anos 1930 abria para o Brasil iniciar sua indus- trializagdo e completar sua revolucao nacional e capitalista. Foi um lider nacionalista e popular que encontrou um pais agrario e atrasado quando assumiu o governo e, 24 anos depois, o deixou industrializado e dinamico. Hoje, no quadro de uma sociedade novamente dependente desde o inicio dos anos 1990, essas duas palavras — nacionalismo e populismo — sio usadas de forma negativa pelo pensamento hegeménico, mas foi o nacionalismo econémico de Vargas que o tornou um estadista, e foi seu “populismo” ou o carater nacional-popular de seus dois governos (sua capacidade de se relacionar diretamente com o povo e atender a algumas de suas demandas) que abriu espaco para a democracia no Brasil ao promover sua revolucgao capitalista. Sua acio politica foi marcada pela indignagao frente ao atraso e a dependéncia do pais. Seus adversdrios foram a oligarquia dominante na Primeira Repdblica, caracterizada pelo liberalismo retérico e por uma falsa democracia marcada pelo coronelismo, a fraude eleitoral e a exclusdo dos analfabetos. Vargas teve a visio e a coragem para promover a indus- trializacdo do Brasil, mas isso nao significa que, ao chegar ao poder, tivesse a visdo completa de sua misséo. Tampouco os outros estadistas citados a tiveram. Ele era um produto de sua época ¢ das limitagées que ela impunha: sua visao era incompleta, fragmentada, e ele a foi completando aos poucos, por tentativa e erro, corrigindo o rumo ao sabor das oportunidades e dos obstaculos. O estadista, em seus dois governos, antes e depois da Segunda Guerra Mundial, compreendeu que o Brasil precisava constituir-se como verdadeira nacao e definir uma estratégia nacional de desenvolvimento; compreendeu que essa estratégia implicava a formacao de um grande pacto politico popular e nacional e a rejeicdo dos conselhos e pressées que vinham GETULIO VARGAS: O ESTADISTA, ANACAO E ADEMOCRACIA 99 do Norte; em outras palavras, precisava rejeitar os diagnésticos e propostas liberais que afirmavam a vocagao agraria do Brasil, que ignoravam que o desenvolvimento econédmico é um processo de transferéncia de mao de obra para setores com valor adicionado per capita cada vez mais elevado, e que se apoiavam na lei das vantagens comparativas do comércio internacional para justificar politicas econémicas que manteriam o pais eternamente sub- desenvolvido. Percebeu, quando chegou 4 presidéncia da Republica, que ja existia uma classe de empresarios industriais que poderia se constituir na base do desenvolvimento econémico do pais, mas que faltava a essa classe a lideranga politica necessaria; deu-se conta, também, que reorganizando o Estado e dotando-o de uma burocracia publica de primeira qualidade, esta poderia ser a sécia ideal da burguesia industrial no processo de industriali- zagao; reconheceu que o capitalismo brasileiro ja produzira um operariado urbano, tratou de se aproximar dele e buscar legitimidade politica para seu proprio poder nessa classe; e, finalmente, sendo ele proprio membro da oligarquia que dominava secularmente o pais, entendeu que nao podia governar sem ela, e por isso logrou dividi-la, aliando-se a sua parte voltada para o mercado interno. Apoiado em um pacto politico popular-nacional que liderou, Vargas foi aos poucos definindo uma estratégia econémica desenvolvimentista. Conforme observou Nathaniel Leff (1968, p.22): desde os anos 1930 a politica econémica em relagao ao café mostrou importan- tes diferengas quando comparada com a de 1906-1930, quando a intervengio era feita de forma clara em favor dos cafeicultores. Em contraste, no periodo moderno, quando os interesses do governo central e 0 do exportador de café divergiam em relagio a politica do café, o governo fez prevalecer sua vontade. Nio € surpreendente que o setor exportador de café e os liberais pau- listas que desde o inicio do século dominavam a politica brasileira tenham sido a fonte principal de oposic¢ao a Vargas em seus dois governos. Ao adotar essa politica econdémica, o ex-presidente agia em parte intui- tivamente, em parte copiando a experiéncia de outros paises que haviam se industrializado depois da Inglaterra: nem ele nem os economistas de entdo tinham o conceito de “doenga holandesa” — uma falha de mercado existente nos paises que exploram recursos naturais abundantes e baratos que causa 100 LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA a sobreapreciacio artificial e permanente da taxa de cambio e, dessa forma, inviabiliza a industrializagdo e, portanto, o desenvolvimento econémico. Também nao sabiam que é por meio de um imposto sobre a exportagao des- ses bens, proporcional 4 gravidade ou dimensao da doenga holandesa, que esta € neutralizada.° No entanto, o conflito politico que logo no inicio de seu governo se estabelecerd entre a burguesia paulista produtora e comercializa- dora do café tera como origem o que os cafeicultores chamavam de “confisco cambial” — um imposto mal disfargado sobre a exportagao de commodities que existiu no Brasil entre 1930 e 1990 e foi fundamental para seu desen- volvimento econémico. Nao se sentindo com poder politico suficiente para aprovar um imposto sobre exportacao, os governos desse periodo o estabe- leciam indiretamente: ou definiam um sistema de cambios miltiplos, como foi o da Instrugao 70, de 1953, ou entao estabeleciam um sistema de tarifas sobre tudo que se importava e de subsidio para a exportagao de manufatu- rados, o que implicava, na pratica, a taxacdo das exportagSes de commodities remuneradas pela taxa de cambio nominal. Dessa forma, neutralizava-se a tendéncia a sobreapreciago ciclica da taxa de cambio existente nos paises que tém o problema da doenga holandesa e garantia-se 4 industria uma taxa de cambio correta, de “equilibrio industrial” — uma taxa que tornasse com- petitivas as empresas que utilizassem tecnologia no estado da arte mundial. John D. Wirth (1970, p.25) assinala que o confisco cambial existiu desde o inicio do governo Vargas. Os exportadores nao eram em principio prejudi- cados, porque o que eles perdiam com o imposto recebiam de volta com a depreciacao cambial — uma depreciagao que, dado o preco internacional da commodity, decorria do deslocamento da curva de oferta da commodity em relagao a taxa de cambio para a esquerda, o que significa que os exportado- res s6 estariam dispostos a exportar a mesma quantidade que exportavam se a taxa de cambio se depreciasse e compensasse o imposto. Mas eles nao compreendiam esse fato e protestavam, defendendo o cambio livre. 5. Embora fosse um fenémeno secular que aparece com o desenvolvimento capitalista e o sur- gimento de economias de mercado, a doenga holandesa s6 se tornou conhecida nos anos 1960 quando os holandeses a identificaram como doenga ou falha de mercado. O primeiro paper definindo-a teoricamente por meio da existéncia de uma economia com dois setores foi de Corden e Neary (1982), 0 segundo, salientando a existéncia de duas taxas de cambio de equilibrio, a de “equilibrio industrial” e a de “equilibrio corrente”, foi de Bresser-Pereira (2007; 2008).

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