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Relatório

Psicologia Cognitiva I.

Mestrado Integrado em Psicologia

Ano lectivo 2017/18

A INFLUÊNCIA DA PALAVRA VIOLENTAMENTE SOBRE A OBSERVAÇÃO DE


VIDROS NO CHÃO

Docente

Profª Doutora Célia Rasga

Discentes:

25676- Hugo Henriques

25737- Inês Bernardino

25751- Sara Ferreira

25908- Filipa Lourenço

25965- Margarida Rodrigues

Turma 2
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ENQUADRAMENTO TEÓRICO

A memória é a capacidade psíquica através da qual conseguimos conservar e


lembrar/relembrar eventos passados resultante da conexão sináptica entre neurónios (Tulving
& Craik, 2000).

A primeira experiência a ser realizada no contexto da memória humana foi efetuada


em 1885 por Ebbinghaus. Não havendo um número suficiente de sujeitos para realizar as
experiências o autor teve de se usar a si mesmo como participante, ensinando-se sílabas
aleatórias (e.g., DAX, LOC).

Consequentemente, procurou testar a sua capacidade de retenção dessas listas com


vários intervalos de tempo, registando o tempo que levava para reaprender as listas, adotando
o critério da repetição. Como resultado, conseguiu concluir que a retenção de sílabas sem
sentido diminui à medida que o intervalo de retenção aumenta, porém, a taxa de esquecimento
demonstra-se mais lenta.

A codificação é o processo através do qual adquirimos informações a partir da


decifração de estímulos captados do exterior em códigos individuais (Brown & Craik, 2000).
Durante esse processo, interações entre o hipocampo e regiões neurocorticais com outras
estruturas cerebrais estão envolvidas (Markowitsch, 1995; McCormick, Moscovitch, Protzner,
Huber, & McAndrews, 2010).

Após codificadas, as informações são arquivadas através do processo denominado


armazenamento (Izquierdo, 2011). A partir da recuperação conseguimos aceder a essas
informações armazenadas.

Em 1995, Wilson, Baddeley & Kapur realizaram um estudo num músico chamado
Clive Wearing, que em 1985 havia sofrido uma infeção no cérebro. Quando Clive recuperou,
aparentava ter amnésia e só conseguia reter informações por curtos períodos de segundos,
sendo que os únicos conhecimentos que possuía da sua vida eram memórias vagas de quem
costumava ser e de vezes em que tinha dirigido peças musicais.

Após uma visita dos seus colegas de coro ele descobriu que ainda conseguia dirigir
peças como antigamente. Este facto mostra-nos que a memória é muito complexa e que não
possui apenas um simples sistema, conduzindo à investigação aprofundada sobre o assunto.
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A primeira tentativa para dividir a memória em diferentes sistemas foi proposta por
Atkinson e Shiffrin (1968) cujos, afirmaram a existência de três componentes: armazém
sensorial (onde a informação sensorial é retida); memória a curto prazo (recebe e guarda
informação do armazém sensorial e da memória a longo prazo); memória a longo prazo
(transforma a informação da memória a curto prazo e é guardada indefinitivamente).

Teorizou-se ainda, que a memória a curto prazo tinha uma capacidade limitada para
conter informações. Esta capacidade foi denominada de “Memory Span” e refere-se ao
número de elementos que conseguimos recordar de imediato (Miller, 1956; Brener, 1940).

Waugh e Norman (1965) distinguiram quatro processos úteis para descrever as


atividades que envolvem o uso dos tipos de memória. A repetição refere-se aos processos que
fazem refresh aos conteúdos armazenados na memória a curto prazo. A codificação refere-se
ás operações mentais efetuadas na informação que chega ao armazém sensorial. A elaboração
remete aos estabelecimentos de ligações entre informações que já possuíamos e novas
informações captadas. Por fim, a recuperação é o processo pelo qual retiramos informação da
memória para uso corrente.

Certamente, todos nós já esquecemos algo, ou seja, tivemos um lapso de memória. Face
a esta situação sentiu-se a necessidade de encontrar uma resposta para o porquê de isto
acontecer.

Broadbent (1958), foi um dos investigadores a apontar uma causa para tal
acontecimento, referindo que um dos principais motivos do esquecimento é a passagem do
tempo/envelheciemento, resultado do enfraquecimento gradual dos chamados “traços” da
memória.

Muller e Pilzecker (1990), foram também investigadores que procuraram explicações


para este fenómeno, chegando à ideia de que uma aprendizagem que possuíamos
anteriormente poderia interferir na aquisição de outras. A este fenómeno foi dado o nome de
interferência.

Outro problema que se levanta quando nos referimos à memória é o quão fidedignas
estas são. Neufeld, Brust e Stein (2010), foram investigadores que estudaram o fenómeno das
falsas memórias, que são lembranças de eventos que, embora não tenham ocorrido são
recordados como se tivessem efetivamente ocorrido.
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Uma das metodologias mais utilizadas para investigar este conceito foi o paradigma
DRM (Deese-Roediger-McDermott) que consiste em apresentar aos sujeitos listas de palavras
associadas entre si. As palavras de uma lista estão relacionadas entre si sempre com o mesmo
tema (e.g., sono, almofada, cama) que são associadas a dormir (Gallo, 2010).

Apesar, de a palavra dormir não aparecer na lista de palavras, normalmente, os sujeitos


indicam que a palavra estava presente devido à associação.

O efeito de recência e de primazia são outras das características mais universais da


memória humana. O efeito de recência consiste em melhor relembrar os estímulos que foram
apresentados no fim da lista (Baddeley e Hitch, 1977) e em adição o efeito de primazia refere-
se a uma maior facilidade em relembrar os estímulos que são apresentados no início da lista.

Ainda no contexto das falsas memórias, foi teorizado que a maioria das pessoas são
bastante incertas a contar detalhes como a velocidade, o tempo e a distância (Bird, 1927;
Whipple, 1909). A maior parte dos indivíduos têm imensas dificuldades em estimar o tempo
de duração de um acidente rodoviário sendo que, a tendência é dizer que os mesmos são de
longa duração (Block, 1974; Marshall, 1969; Ornstein, 1969).

Elizabeth Loftus e John Palmer (1974) realizaram um estudo onde os participantes


respondiam a perguntas sobre acidentes rodoviários e as velocidades dos automóveis.
Segundo Fillmore (1971), foi observado que dispor a palavra “violentamente” altera as
respostas dadas pelos participantes, inferindo que as velocidades respondidas pelos
participantes são mais baixas quando não estão expostos à pergunta com a palavra
“violentamente”.

Na experiência em contexto abordamos e estudamos o tema das falsas memórias.

HIPÓTESE: Haverá um maior número de participantes que iram atestar ter visto vidros
no chão quando confrontados com a palavra “violentamente”.

VARIÁVEL INDEPENDENTE (VI): A presença/ausência da palavra “violentamente”.

VARIÁVEL DEPENDENTE (VD): Observação de vidros no chão (Operacionalização:


número de respostas positivas e negativas)
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MÉTODO

Amostra

A amostra contempla vinte e oito alunos que realizaram a experiência. inte e quatro
eram do género feminino e quatro do género masculino, sendo que todos eles eram da turma 2
e frequentam o curso de Mestrado Integrado em Psicologia no ISPA-IU.

A turma foi dividida aleatoriamente em dois grupos: Grupo 1 (onze raparigas e dois
rapazes) e Grupo 2 (treze raparigas e dois rapazes). A média de idades dos dois grupos eram
19,15 [DP = 1.2] para o Grupo 1 e 19,6 [DP = 1.5] para o Grupo 2.

Material

O material necessário para a realização desta experiência foi um powerpoint que


contava com vários diapositivos onde se podia observar um vídeo de aproximadamente dez
segundos, onde dois carros (um vermelho e outro de cor acinzentada) percorriam uma estrada
no mesmo sentido e um terceiro carro (de cor laranja), que vinha em sentido contrário, embate
no carro acinzentado.

Este mesmo vídeo surge duas vezes ao longo do powerpoint, acompanhado por duas
questões: “Qual a velocidade dos carros quando bateram um no outro?” e “Qual a velocidade
dos carros quando bateram violentamente um no outro?”.

Seguiram-se a estes diapositivos dois grupos de palavras aleatórias, as quais os indivíduos


que contemplaram a amostra tiveram de memorizar o maior número possível. Posteriormente,
surgiram seis questões às quais cada elemento da turma teve de responder:

1. “Quem teve um desempenho melhor na segunda lista do que na primeira?”;


2. “Da primeira lista, quem recorda a palavra mel?”;
3. “Da primeira lista, quem recorda a palavra doce?”;
4. “Da segunda lista, quem recorda a palavra Furioso?”;
5. “Da segunda lista, quem recorda a palavra zangado?”;
6. “Quem é que se recorda de ver vidros no chão?”.
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Procedimento

Após a entrada dos alunos na sala de aula a docente da cadeira começou por relatar
uma memória que possuía dos seus tempos de infância, nomeadamente a primeira que se
conseguia recordar.

Em seguida, para que se pudesse iniciar a experiência, a amostra foi dividida


aleatoriamente em dois grupos (Grupo 1 e Grupo 2) e foi dada a instrução de abandonar a sala
ao grupo 2, enquanto os elementos do grupo 1 permaneciam na mesma.

Ao grupo 1 foi incutida a tarefa de observar um vídeo atentamente onde podiam


visualizar dois carros (um vermelho e outro de cor acinzentada) que percorriam uma estrada
no mesmo sentido e um terceiro carro (de cor laranja), que vinha em sentido contrário,
embatendo no carro acinzentado. Foi lhes pedido que, finalizado o vídeo, respondessem
individualmente à questão “Qual a velocidade dos carros quando bateram um no outro?”
numa folha de papel.

Feito isto, foi solicitado ao Grupo 1 que abandonasse a sala enquanto o Grupo 2
reentrava na mesma. Os elementos do grupo 2 teriam de visualizar o mesmo vídeo, porém
estes teriam de responder, também individualmente numa folha, à questão “Qual a velocidade
dos carros quando bateram violentamente um no outro?”.

Posteriormente foi instruído ao Grupo 1 que regressasse à sala de aula e que em


conjunto com o Grupo 2, observassem duas séries de palavras e que memorizassem o maior
número possível. Após ter surgido a primeira série os alunos tiveram um minuto para apontar
as palavras que tinham sido capazes de recordar sendo que, de seguida surgiu a segunda série
onde também teriam de efectuar a mesma tarefa.

Concluída esta parte da experiência foi dada a instrução de que surgiriam uma série de
questões às quais ambos os grupos teriam de responder colocando a sua mão no ar caso a sua
resposta fosse “sim”. As perguntas foram as seguintes:

1. “Quem teve um desempenho melhor na segunda lista do que na primeira?”;


2. “Da primeira lista, quem recorda a palavra mel?”;
3. “Da primeira lista, quem recorda a palavra doce?”;
6

4. “Da segunda lista, quem recorda a palavra Furioso?”;


5. “Da segunda lista, quem recorda a palavra zangado?”;
6. “Quem é que se recorda de ver vidros no chão?”.

RESULTADOS

Os resultados abaixo apresentados foram elaborados com base nas respostas


fornecidas pelos elementos que visualizaram os vídeos pela primeira vez. Devido ao
conhecimento prévio da experiência em contexto, por parte de três elementos (um elemento
do Grupo 1 e dois do Grupo 2) que integravam a amostra, estes não contemplam os
resultados.

Observação de vidros sem a presença


da palavra "violentamente"
Número de participantes

12
10
8
6
4
2
0
Observou Não observou

Figura 1: Número de participantes do Grupo 1 que constataram ter observado vidros no chão
sem a presença da palavra “violentamente”.

Observação de vidros na presença da


palavra "violentamente"
Número de Participantes

8
7
6
5
4
3
2
1
0
Observou Não observou
7

Figura 2: Número de participantes do Grupo 2 que constataram ter observado vidros no chão
perante a presença da palavra “violentamente”.

Como se pode verificar nas figuras 1 e 2, existe um maior número de participantes que afirma
ter observado vidros no chão no local de embate quando confrontados com a palavra
“violentamente.
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DISCUSSÃO
Com base nos resultados recolhidos podemos inferir que os participantes que
integraram a amostra e que foram expostos à palavra “violentamente”, constataram observar
vidros no chão apesar de estes não existirem. Visto isto, pode-se concluir que os nossos
resultados vão de encontro com a nossa hipótese.

O facto de a palavra “violentamente” surgir a uns participantes e a outros não foi a


causa principal da criação de uma falsa memória uma vez que, foi feita a associação entre um
acidente violento e a presença de vidros que é uma constante nestas situações. Os estudos de
Elizabeth Loftus e John Palmer (1974) sobre a memória permitem-nos suportar esta teoria.

A colocação da palavra “violentamente” altera as respostas dadas pelos participantes,


sendo que a forma como a pergunta é feita causa uma mudança na representação da memória
do acidente. O facto de o verbo surgir na pergunta leva o participante a responder de uma
forma “mais sincera” ao acidente. Neste caso, os participantes recordam detalhes que não
aconteceram, mas que são proporcionados por acidentes de alta velocidade (Fillmore, 1971).

Outro fator que pode ter influenciado as respostas dos participantes foi a distância de
tempo que levou a ser perguntado aos mesmos se tinham observado vidros no chão e ainda
pelo facto de antes de a pergunta surgir, ter sido incutido aos participantes a tarefa de
memorizar um máximo de palavras aleatórias que constavam numa lista (Filmore, 1971).

A experiência em questão tem implicações de grande amplitude no nosso dia a dia,


uma vez que as falsas memórias num contexto de justiça podem influenciar os rumos das
investigações policiais (Kassin, 2001; Brainerd & Reyna, 2005).

Analisando os casos de identificação de suspeitos, as testemunhas que são incutidas


com esta tarefa várias vezes tendem a ilibar um culpado ou julgar um inocente devido à
criação de uma falsa memória.

De acordo com as teorias de Kassin (2001) e de Brainerd e Reyna (2005) o


enviesamento para identificar sujeitos da nossa própria raça, a identificação de alguém por
semelhanças a outra que nos parece familiar e a identificação de uma pessoa que tem
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características mais parecidas com o culpado relativamente a outras pessoas que se encontram
nos lineups são consequências fruto das falsas memórias e que podem prejudicar alguém.

Esta experiência apresentava algumas limitações, nomeadamente o facto de a amostra


ser constituída por poucos elementos comparativamente ao número total da população o que
dificulta a retirada de dados conclusivos. Também a fraca qualidade do vídeo pode ser
indicada como uma limitação uma vez que pode induzir em erro a presença de vidros ou não.

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