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Capítulo 4

ESTADO E SOCIEDADE NA CONSTRUÇÃO


DE INOVAÇÕES NAS POLÍTICAS SOCIAIS
DE LAZER NO BRASIL
Leila Mirtes Santos de Magalhães Pinto

As políticas sociais no Brasil estão mudando, mesmo que muitas


administrações ainda continuem a “empurrar” suas gestões como se nada de
diferente acontecesse. Vários municípios^ estão gradualmente percebendo que
a dinâmica e complexidade dos sistemas sociais modernos exigem outras
respostas e caminhos.
Já vivemos processos que não perdem de-vista o princípio básico da
política, que é a experiência que se constrói nos acordos e conflitos diários,
vividos no interior de relações sociais historicamente situadas, que impac- tam
nas vidas dos indivíduos e das coletividades. Aos poucos, muitos entendem
que política não é um contrato a ser cumprido pelo Estado. É, sim,
. processo estatal de alocação e distribuição de recursos, que envolve um
conjunto de contradições de interesses regulados por várias instituições e
condicionados por mediações que tomam possível reduzir antagonismos e
construir movimentos positivos voltados ao interesse público.
Quando falamos em políticas sociais,estamos tratando, pois, de ações
que garantam os direitos dos cidadãos. Dallari (1983), com base na origem
etimológica grega da palavra, afirma que política é arte (implica sensibilidade
para conhecer os sujeitos, suas necessidades e demandas para a promoção do
bem comum) e ciência (fundamenta-se em estudos sobre o comportamento
humano) de governar (trata de relações de poder)'e de cuidar das decisões
sobre problemas de interesse da coletividade (refere-se, pois, à vida na polis,
ou seja, à vida em comum nas cidades).
Nesse sentido, o Estado cumpre vários papéis. Um deles é ligado ao
exercício da cidadania das pessoas. Lembrando que, segundo o cientista .
político Theodore Marshall (1967), ser cidadão é gozar de três tipos de .
direitos: sociais, civis e políticos, que devem ser garantidos pelo Estado. Os
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direitos civis (conquistados no século XVIII) correspondem aos direitos


individuais de liberdade, igualdade, propriedade, ir e vir, segurança, expressão de
idéias, crenças, escolhas, culturas. Os políticos (século XIX) são relativos à
participação coletiva, à liberdade de associação e reunião, à organização política e
sindical, à participação eleitoral e democrática. E os direitos sociais (século XX) se
referem ao direito mínimo de bem-estar económico e de “levar a vida de um ser
civilizado” com direito ao trabalho, à saúde, à educação, à aposentadoria, ao lazer,
ou seja, ao bem-estar social previsto pela Constituição.
Mas, se ser cidadão é gozar de direitos sociais, civis e cívicos, em nossa
realidade nem todos são cidadãos plenos. Nem todos usufruem de seus direitos, na
mesma medida. Por isso, os estudiosos do assunto sempre enfatizam que a
cidadania, embora seja de direito, não é dada, é algo a ser conquistado, em
condições diferentes de conquista - considerando ações que influem na qualidade
de vida, protagonizadas por atores, grupos sociais e instituições diferentes;
considerando também que os contextos sociohistóricos são diferentes, de país para
país, de região para região.
Mas, o que tem sido feito nas políticas sociais para concretizar os direitos
dos cidadãos?
No Brasil, as políticas sociais vêm apresentando mudanças significativas
iniciadas com a (re)democratização do país e consolidadas a partir da promulgação
da Constituição brasileira de 1988, que, dentre os direitos sociais, considera o lazer
como direito de todos os cidadãos, contexto que instigou inovações na gestão das
políticas sociais brasileiras.
No âmbito das políticas, a inovação é uma discussão que vem sendo
balizada nos debates sobre racionalidades aplicadas às gestões privada e pública.
Humberto Marques Filho (2001) lembra que o tema reacendeu-se nos anos 70,
dadas as profundas transformações nos processos produtivos em escala mundial.
Naquelas circunstâncias, a inovação foi considerada como um processo que
envolve o uso, a aplicação e a transformação de conhecimentos técnico-científicos
em problemas relacionados com produção e lucro. Seu caráter comercial ligava-se
às transformações tecnológicas, de mercado e de fomento de ncvos hábitos de
consumo. Posteriormente, mudanças nas formas de gestão privada dão origem à
“inovação organizacional”. Com a globalização e as exigências do mercado quanto
a racionalidades na produção, esse debate transferiu-se para a esfera de serviços e,
nesta, para o serviço público e o âmbito do Estado. A “Reforma do Estado” e a
emergência de um “Estado em ação” - consequentes da (re)democratização do país
- consolidaram a importância de mudanças na prestação dos serviços públicos.
- • Como diz Edna Castro (2001), à medida que a inovação passou a se constituir
em preocupação da gestão pública, algo “novo” foi introduzido nesse contexto
pelas forças associativas dos movimentos sociais em prol do incremento da
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cidadania. O debate sobre a construção de direitos dá ao conceito de cidadania uma


posição central e ao conceito de inovação, novos sentidos. O direito, enquanto
exercício de possibilidade, requer que seja visto como fruto da dinâmica de uma
sociedade que busca a cidadania e, nessa dinâmica, surgem (ou reascendem) novos
direitos.
Estudos que vimos realizando (Pinto, 2002a) mostram que as lutas pela
democracia potencializaram uma ampliação dos limites da política, provocando
alterações nos procedimentos políticos, com a institucionalização de práticas
sociais em políticas públicas, incorporando demandas pelos direitos coletivos e
pela revitalização do campo ético, da participação associativa no nível de poder
local. Esse movimento provoca alterações especialmente no papel do Estado, mas
também no mercado.
No entanto, essas inovações enfrentam barreiras nos municípios
historicamente governados pelas oligarquias locais e interesses particulares. Além
disso, a urbanização acelerada agrega novos problemas aos já existentes,
deslocando as esferas de decisão para os meios urbanos aumentando demandas
quanto aos vários setores urbanos e, no interior de cada um deles, acentuando
diferenças de oportunidade para as camadas da população. Mais ainda: em décadas
de ditadura e governos “democráticos”, a modernização e eficiência foram
enfatizadas com significados neoliberais.
Dos desejos e lutas para superar os dilemas crescentes no contexto da
redemocratização do país, a idéia de inovação, implícita ou explicitamente, passou
a recorrer ao significado de ‘novo’ como algo oposto ao ‘antigo’ ou ‘presente’, nas
formas de gestão pública paternalista, populista e assistencialista, discussão que
nos fez refletir sobre os vários e distintos projetos de sociedade e Estado, que são
referencial teórico, político e ideológico das transformações sociais.
Mas a inovação não é apenas ruptura em relação às práticas anteriores e ao
conteúdo das políticas. Pode, também, ocorrer a partir de pequenos avanços. Nisso
há diferenças entre inovação e melhorias. Algumas políticas podem ser
consideradas importantes melhorias na localidade, sem significar uma inovação
propriamente dita. A crítica à gestão pública que predominou, no Brasil, até a
década de 1980, pode contribuir para a identificação de inovações nas políticas
públicas como, por exemplo, quanto aos pontos críticos do padrão burocrático de
intervenção. E importante, contudo, lembrarmos que dificilmente uma política
inova em
relação a muitos aspectos. Alguns passos em direção mais significativa para a
população são relevantes.
Algumas mudanças, ainda, podem ser tidas como inovação mesmo que
não sejam objetivamente novas, mas que sejam assim percebidas pelos agentes
envolvidos no processo da experiência analisada. Esse aspecto é importante,
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pois, quando explicitado, contribui para destacar a pluralidade de significados


de inovação e valorizar a compreensão do vivido. Nesse sentido, a inovação
constitui-se em um novo olhar s ’bre limites enfrentados e alternativas
construídas.
Esse entendimento de inovação me remete à avaliação de nossas políticas
públicas de lazer com um olhar atento aos modos como a gestão pública tem
concretizado seus objetivos e atendido o interesse público; interesse que, sendo
construção histórica, é distinto em cada época.
Como mostram os estudos de Souto, Bava e Paulics (2001), o interesse
público pode ser definido como resultado, sempre precário e provisório, da
garantia de condições mínimas de qualidade de vida e cidadania para uma dada
população. Resulta de negociações que envolvem os atores sociais e políticos de
determinada localidade, seus conflitos e tensões e, ao mesmo tempo, o
desenvolvimento de alternativas criativas para problemas de diversas ordens.
A discussão sobre a gestão pública dos interesses coletivos sinaliza para
“novos” desafios, instigadores de mudanças efetivas no modelo de gestão,
pública de interesses atualmente em desenvolvimento. Isso implica mudanças
em relação ao estilo gerencial dominante em nossas práticas políticas. Estes, na'
maioria das vezes, têm sido orientados mais para a execução de planos de
trabalho predefinidos, cujas atividades têm fim em si mesmas, focalizando a
administração de objetivos programáticos e operacionais dos projetos e o
cumprimento das atividades e processos determinados pela equipe gestora, e
menos para uma construção mais coletiva, fruto de negociações de interesses
junto aos cidadãos diretamente interessados.
Implica, também, novas formas de pensar e articular os segmentos
sociais/setores, reunindo elementos de mudança em relação a experiências
passadas. Nisso, há uma dimensão de tempo importante: um passado que nos
mostra limites a serem superados no futuro por meio de ações efetivas no
presente.
Boaventura Santos (1998) lembra que a História nos ensina que não há
mudanças políticas sem movimentos sociais capazes de pressionar a favor das
inovações desejadas. A pressão da sociedade organizada impulsiona a
democratização dos governos locais e uma reforma de Estado orientada para a
defesa dos interesses públicos. O reflexo de mudanças
deconentes da recepção coletiva de redefinição de práticas, da necessidade de
democratizar a gestão com participação da comunidade, de pressões sociais
provocadas por demandas quantitativas e/ou qualitativas face às transformações na
esfera social, económica e política são elementos favoráveis às inovações.
Inovação na gestão pública fala, pois, de processos de várias dimensões e
desenhos, sempre se referindo à necessidade de mudar algo importante para certo
contexto. Uma questão fundamental para essa nossa reflexão é: o que inovar nas
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políticas públicas de lazer em nossa realidade?


O curso da história das políticas de lazer, no Brasil, nos aponta dois aspectos
que precisam ser inovados. O primeiro deles enfatiza as dimensões da justiça social
e da cidadania. Vide o conjunto de iniciativas que têm como ob- jetivo central a
democratização da gestão pública, buscando superar as barreiras postas ao processo
democrático, promovendo a participação, a inclusão com equidade e a
acessibilidade a diversificadas oportunidades de lazer.
O segundo enfatiza o compromisso político com a inovação. Isso porque as
políticas estão sujeitas aos determinantes que interagem no contexto, que
configuram o tipo de mudança adotada, o seu tempo de implantação e suas
particularidades. A potencialização da inovação está sempre associada à existência
de ambientes favoráveis a ela, ou seja, ao desejo e à ação dos dirigentes, servidores
e população beneficiária a fim de romper com práticas tradicionais da cultura
política e concretizar mudanças efetivas. Implica assumir o campo de tensão entre
o discurso racional, a realidade que se quer mudar e a realidade institucional na qual
se produz.
Esses dois desafios mostram que a inovação deve estar associada aos
valores e objetivos do sistema e não apenas à mudança em relação a uma situação
prévia. Não pode ser analisada como um processo espontâneo, mas associada a
certa orientação e sua peirnanência no tempo. Por isso, é importante o estudo do
modelo vigente, buscando identificar os mecanismos facilitadores e inibidores das
inovações, bem como a capacidade de sua estrutura e ação de estabelecer mudanças
tanto nos processos quanto nos resultados das intervenções políticas em exercício.
Embora esse seja um dos nossos desafios no campo do lazer há quase vinte
anos, muito ainda devemos fazer para que essa conquista seja garantida no Brasil,
especialmente se considerarmos que esse não é um processo automático e nem fácil,
pois implica mudanças culturais, políticas, de mentalidade, conceitos e valores
atribuídos ao lazer e às práticas políticas e, principalmente, implica na capacidade
organizativa daqueles que defendem essa mudança.
O Brasil, como a América Latina, durante séculos, projetou políticas das
potências coloniais, gestando históricas experiências de violência e exploração das
populações indígenas, dos trabalhadores negros, de crianças, jovens, mulheres,
idosos e outros sujeitos e grupos. Nesse contexto, herdamos modos de fazer política
centrados em trocas de vantagens pessoais ou pressões de grupos que administram
interesses culturais difundidos pelo mercado, ou grupos isolados, e não a partir das
necessidades socioculturais da população.
Essa é a história de uma-sociedade desigual, que vive muitas contradições,
como pode ser visto nos grandes centros urbanos. Neles podemos observar, por
exemplo, como milhões de pessoas em condições de alto índice de pobreza e
vulnerabilidade convivem, lado a lado, com os grupos de maior poder aquisitivo e
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oportunidade sociocultural. Isso sem considerar as dimensões continentais de nosso


território, com diferenças regionais incríveis em todos os aspectos: económico,
ambiental, educacional, social e cultural. Mas nosso país, ao mesmo tempo, reúne
pessoas com extraordinária capacidade de produção cultural e de solidariedade.
Sendo assim, a superação das desigualdades com as quais lidamos exige a
leitura e a compreensão dos modos de intervir politicamente nessa realidade que
alavanquem experiências centradas nas pessoas e no pacto social ético necessário
à garantia dos direitos de todos.
Esse desafio nos motivou a, no presente texto, analisar um paradigma
emergente na política social brasileira, hoje - políticas participativas procurando
captar seus aspectos fundamentais e experiências inovadoras nas políticas de lazer.
Para isso, aliamos pesquisa bibliográfica e entrevistas com sete gestores de
lazer que têm construído experiências, em políticas públicas e corporativas de lazer,
desenvolvidas nas diferentes regiões brasileiras, experiências identificadas em
publicações difundidas no país.1
Esperamos que as experiências narradas por esses gestores, contribuam
para instigar reflexões e análises das práticas vividas pelos depoentes. É importante
lembrar que, ao conversarmos com esses gestores, estamos ouvindo ações
coletivas, construídas por muitos atores sociais, em dadas circunstâncias históricas,
que propiciaram resignificações das práticas polí- ticás vividas. Experiências que
misturam permanências e mudanças, mesmo que as falas dêem ênfase às novas
descobertas. O contexto vivido é dialético e, nele, convivem pessoas com
experiências, opiniões, valores, finalidades, sentidos e significados diferentes. É
bom esclarecer, também, que, com a citação, na íntegra, de falas não queremos
apenas descrever experiências. Ao contrário, nosso foco está na indagação sobre o
contexto mais amplo em que essas experiências acontecem e o que geram de
possibilidades em termos de qualidade de vida, cultura, política e de lazer.
Essas observações se traduzem num importante aspecto da nossa reflexão:
o projeto político deve ter um rumo claro, definido, mesmo que a prática política
conviva com antagonismos diversos, variando de acordo com os projetos de cada
sociedade e os momentos históricos.
Daí se destaca uma questão orientadora da nossa conversa nesse momento:
o que muda no modo dominante das políticas sociais para que possamos considerá-
las inovadoras?
Muito há que se discu tir para avançarmos na construção de respostas para
essa pergunta tão abrangente, porém, alguns aspectos ressaltaram-se no estudo que
realizei sobre o assunto2.
Analisando as inovações percebidas em experiências emergentes vividas
no campo das políticas sociais de lazer, no Brasil, hoje, destacam-se os aspectos
relacionados:
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1. À institucionalidade;
2. Ao objetivo principal;
3. À prioridade;
4. Ao enfoque;
5. À lógica de tomadas de decisões e
6. Ao financiamento.

Quanto à institucionalidade
Iniciamos a discussão pelo aspecto da institucionalidade, pois as mudanças
que vêm sendo observadas nas políticas sociais brasileiras são gestadas,
especialmente, com base em mudanças do sentido dominante de institucionalidade,
segundo o qual o Estado exerce monopólio nas políticas sociais: desenhando,
implementando, unificando funções, financiando e controlando suas ações.
Propostas emergentes mudam esse quadro, assumindo a pluralidade de setores co-
responsáveis pelas políticas sociais.
Para Bresser Pereira e Grau (1998), a construção das políticas sociais
envolve, além de setores informais como a família, quatro setores sociais formais,
considerando as esferas e formas de propriedade relevantes no capitalismo
contemporâneo. São eles: o setor público estatal (detém o poder de Estado e/ou é
subordinado ao aparato do Estado); o público não-estatal (conhecido por terceiro
setor, ou setor não-govemamental, que se volta ao interesse público e não tem fins
lucrativos, mesmo regido pelo direito privado); o corporativo (também sem fins
lucrativos, é orientado
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pelos interesses setoriais de um grupo ou corporação como, por exemplo,


os sindicatos, associações clubísticas, sistema S e outros) e o privado, voltado ao
lucro ou consumo privado.
A mudança do paradigma da institucionalidade das políticas sociais
brasileiras se tomou mais visível no Brasil dos anos 90, a partir da crise do Estado
de Bem-estar Social que colocou “em cheque” a capacidade de o setor público
estatal prover o bem-estar de maneira universal. Essa crise colocou em debate os
papéis do Estado, mercado e família na garantia do bem-estar individual e coletivo.
Essas discussões trataram da crise financeira e da suposta insuficiência do Estado,
propagada pelo pensamento neoliberal, que enalteceu as virtudes da auto-
regulamentação do mercado, do associativismo civil e do setor privado.
Sílvio Bava (2002) lembra que é importante não esquecermos que o
reconhecimento de vários setores com interesse público não quer dizer que estes
tenham papéis substitutivos das políticas públicas. As vezes, até, de certa forma,
suas açoes começam “tapando buracos” onde o Estado não dá resposta adequada,
mas a tendência está na função mais significativa da organização da sociedade civil:
articular diversas forças sociais para melhor construir respostas aos problemas que
atingem a todos.
Esse contexto nos faz pensar também que os direitos não são, portanto,
garantidos apenas pela promulgação de leis. Valendo-nos delas, precisamos
descruzar os braços e unir pessoas, grupos e organizações no cumprimento das
nossas responsabilidades. A cidadania organizada delega ao Estado funções
importantes para a sedimentação de canais de participação. O espaço coletivo,
porém, revela que uma política social não pode ser desenvolvida somente na esfera
pública, requer pactos entre os setores sociais e a sociedade civil na elaboração e
gestão das políticas, de modo organizado e consciente dos problemas prioritários a
serem tratados e opções possíveis para a conquista do “direito a ter direito”, como
discutido por Hannah Arendt (apud Telles, 1999).
Segundo Azevedo e Prates (1991), as políticas orientadas pela participação
coletiva implicam mudanças nas práticas individuais, grupais e institucionais,
operadas no plano interpessoal e no das organizações. Requerem, pois, mudanças
na gestão que orienta as relações interpessoais formais e de poder entre os atores
envolvidos no processo: a população beneficiária, gestores, provedores,
financiadores e parceiros dos vários setores sociais. Implicam, pois, inovações
diversas quanto à gestão das políticas sociais, como discutimos a seguir.
Quanto ao objetivo principal
O paradigma dominante no campo das políticas sociais tem como objetivo
principal o universalismo da oferta de serviços sociais, ou seja, há oferta
homogénea, pretensamente aberta a todos e de alto custo como saúde, educação,
lazer. Já o paradigma emergente, nas políticas sociais, muda o foco do objetivo
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principal, passando a considerar a universalidade dos direitos sociais, isto é, o


atendimento das necessidades básicas de todos os cidadãos com base nos princípios
da inclusão e equidade.
A inclusão com equidade se faz pelo atendimento às necessidades
diferenciadas dos sujeitos e grupos por meio de ações também diferenciadas, sem
estigmatizar suas diferenças (PBH, 2001).
Essa mudança de foco revela que, quanto mais se consolida a cidadania
mais se amplia a luta pela própria cidadania, e por inclusão. Isso porque um dos
graves problemas da democracia, é a injustiça social revelada pela desigualdade do
acesso a condições básicas e dignas de vida. Essa dura realidade retrata as
diferenças entre sujeitos e grupos sociais, que colocam “às claras” a exclusão de
muitos que têm suas necessidades desconsideradas ou precariamente atendidas.
As desigualdades produzem profundas segregações, abalando as bases
estratégicas da vida dos excluídos. Uma política de inclusão com equidade nos
coloca diante do reconhecimento e da valorização das necessidades das pessoas e
seu desenvolvimento social e humano, fruto de ações em um conjunto de condições
objetivas e subjetivas que proporcionam a qualidade de vida.
Assim, as ações políticas de lazer baseadas na inclusão com equidade
buscam a criação de condições que permitam aos diversos, atores sociais serem
reconhecidos e participar de escolhas no lazer, condições básicas para que seus
interesses, suas demandas e necessidades sejam atendidos. Para isso, as ações
políticas procuram prever, criar e usar canais de expressão e diálogo com a
população, como destacam os gestores convidados a participar desse nosso estudo.
Al: Ouvimos o público por meio de trabalho coleti.vo, diálogo, reflexão e
respeito sobre o dito. Procuramos qualificar nossos recursos humanos e
comunidades para exercício da crítica, autocrítica e trocas de experiências.
A2: Realizamos reuniões, conferências, orçamento participativo, plenária
temática sobre cultura, esporte e lazer. Criamos conselhos gestores, Conselho
Municipal do Desporto e Fundo Municipal de Desenvolvimento do Esporte e
Lazer. Cada ação demandou muita divulgação e contato com comunidades,
motivando a participação.
Bl: Procuramos ouvir as comunidades nJs atendimentos permanentes,
treinamentos de lideranças e diálogos com agentes de lazer das comunidades,
construindo com elas alternativas; discutimos o lazer no Orçamento Participativo
do município, desenvolvemos ações interdisciplinares para qualificar o
levantamento e atendimento de demandas.
B2: Realizamos pesquisa de opinião com servidores; entrevistas;
Conferência Municipal de Esporte e Lazer; intervenções lúdicas no trabalho e
comunidades; mobilização de representantes comunitários; levantamento de
anseios, dificuldades, potencialidades.
Cl: Fizemos seminários distritais e encontros com as comunidades, trocas
de experiências e construção de calendário de ação para a cidade, definindo locais
e prioridades. Criamos conselhos municipais de cultura, educação, turismo,
esporte, lazer e meio ambiente. Fomentamos a participação, sistematizando
necessidades, práticas locais, ações que dão certo, problemas e seus controles,
custeio, investimentos dos setores e assuntos temáticos: negros, índios, deficientes,
mulheres, idosos, homossexuais e crianças.
Dl: Desenvolvemos trabalhos com grupos considerando pesquisas de
necessidades, de expectativas e de satisfação, caixas de sugestões, bate-papos
informais; observação, registro e análise do envolvimento das pessoas nas
atividades, mapeamos seus contextos, desejos, necessidades e inclusão/
acessibilidade nos nossos projetos.
El: Construímos e sistematizamos, coletivamente, reflexões e
conhecimentos que dêem sentido e significado às nossas ações, desenvolvemos
formação continuada e em serviço dos profissionais para a construção coletiva dos
programas socioeducativos, conscientizadores e lúdicos, estabelecendo um
referencial de qualidade reconhecido em âmbito nacional, sem “engessar” as ações
desenvolvidas nos diferentes Estados.
Esses depoimentos reafirmam o que diz Melucci (2001) quando destaca a
democracia como prática da liberdade e, por isso, direito de construção de espaços
sociais de reconhecimento, representação e expressão de identidades, que se
afirmam nas diferenças entre o eu e o outro. A liberdade resulta da necessidade de
que todos tomem parte da sua vida social, agindo para promover os interesses e as
necessidades de todos (dimensão civil da cidadania); diz respeito, também, ao fazer
parte da vida em sociedade, com oportunidade de pertencer a um sistema,
identificando-se com os interesses gerais dos grupos e comunidades (dimensão
cívica). A existência simultânea dos componentes e valores que
estruturam essas duas dimensões é condição para que a ação política seja
autónoma.
A mudança de paradigma do objetivo buscado hoje pelas políticas sociais
se traduz na compreensão da política de lazer não mais como modo de preencher
tempos ociosos das pessoas, mercadorizar práticas culturais ou fazer favor a
alguém, como aconteceu e acontece em nosso meio, mas como ação que influi na
constituição de identidades individuais e coletivas, de corpos em movimentos,
falas, sonhos, erros, gostos, afetos, conhecimentos, culturas, atitudes, funções e
papéis sociais, que sofrem influência das condições de homem, mulher, criança,
jovem adulto, idosos, negro, índio, branco, com diferentes habilidades corporais
e outras especificidades.
Nessa concepção, o campo das decisões políticas inclui novos sujeitos,
como trabalhadores, índios, imigrantes, mulheres, homossexuais, crianças,
jovens, idosos, deficientes físicos, presidiários, enfermos e outros com
necessidades especiais. E atribuída especial relevância ao multiculturalismo e às
memórias que expressam as diferenças coletivas e individuais, valorizando
culturas particulares historicamente desconsideradas pelos grupos de poder.
Enfim, como campo de vivência de política inclusiva, o lazer é
reconhecido como tempo/espaço/oportunidade de constituição de sujeitos e
identidades individuais e coletivas.

Quanto aos critérios de prioridade e


de expansão do modelo
Historicamente, as políticas públicas foram institucionalizadas tendo como
prioridade a população beneficiária e os setores que podiam fazer pressão no
Estado, como a classe média e os grupos organizados, gerando, com isso, um
acesso segmentado e uma ampliação progressiva, de
i cima para baixo, no atendimento de outras camadas da população. Exemplo
disso foi o direito à previdência social, que até recentemente era apenas de quem
a ela contribuía, ou seja, os trabalhadores do mercado formal.
Mudança significativa nesse contexto acontece a partir do momento em
que políticas sociais passam a assumir o princípio da equidade associado ao da
universalidade, como critério de prioridade e expansão do modelo de políticas
sociais. Ou seja, o princípio da universalidade dos direitos combinado com o
princípio da equidade no acesso. É o que se identifica como focalização na
tradução da política em programas sociais - busca de
maior precisão possível dos beneficiários potenciais e desenho de programas que
assegurem, por meios diversos, um impacto per capita elevado sobre o grupo
Leila Mirtes Santos de Magalhães Pinto

selecionado, ou seja, os mais necessitados.


A focalização permite melhorar o desenho do programa e, quanto mais
precisa for a identificação do problema (carências a satisfazer) e de quem o padece
(população alvo), mais fácil será desenhar medidas diferenciadas e específicas para
a solução, aumentando a eficiência no uso dos recursos escassos e elevando o
impacto produzido pelo programa ao concentrar os recursos na população de maior
risco (BID, 1997).
Assim, a democratização (direitos sociais ao alcance de todos) implica
inclusão que requer equidade. Esta implica acessibilidade (vivência concreta das
oportunidades disponíveis) dos '-ujeitos e grupos às oportunidades de bem-estar e
qualidade de vida, garantidas pelas políticas sociais, aqui se destacando o lazer
como garantia tanto de bem-estar como de qualidade de vida.
Esses princípios partem do reconhecimento de que as pessoas e os grupos
sociais são diferentes entre si em vários aspectos (físicos, culturais, sociais,
económicos e outros). Esses grupos também têm condições diferentes de acesso ao
que está disponível em seu meio. Todavia, as políticas sociais devem ter caráter
universal, independente das diferenças socioculturais e limites vividos. Se existem
diferenças que impedem o acesso, devem-se construir políticas que o viabilizem,
como é o caso, por exemplo, da política de assistência social, da política do idoso,
das pessoas com deficiência etc.
As políticas de lazer devem avançar nessa direção, ampliando e
diversificando oportunidades culturais, superando barreiras que possam dificultar
ou impedir o acesso dos usuários a tais oportunidades/políticas. Para tal, precisam
reconhecer o lazer como tempo/ espaço/oportunidades de liberdade de escolha com
vista à vivência diversificada de práticas culturais. Esse argumento desafia as
políticas a atender as demandas do maior número de pessoas, considerando as
necessidades especiais dos sujeitos e grupos, o que requer suporte necessário às
escolhas e ao uso do que foi disponibilizado. Ou seja, a mudança precisa se traduzir
em ações programáticas, mas também na tecnologia física, material e humana que
garanta acesso a todos.
Por isso, temos que refletir criticamente sobre o ceme do problema a atacar.
Sobre isso, Kliksberg (2000) nos lembra que as desigualdades não se referem
somente às carências materiais - como pobreza socioeconômica que conduz à fome,
ao desemprego, às doenças, ao desabrigo, à falta de acesso a bens e serviços, como
o lazer e outros. Pedro Demo (1996) lembra que
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lidamos, especialmente, com pobreza entendida como repressão do acesso


aos benefícios sociais aos quais todos nós, por lei, temos direito, em decorrência,
principalmente, da falta de consciência política dos direitos e deveres sociais,
desigualmente distribuídos entre nós.
O compromisso com a redução de desigualdades sociais é histórico e supõe
a necessidade e a possibilidade de os cidadãos participarem de ações políticas que
sejam,
primeiro preventivas, indo às raízes do problema, evitando que [as
desigualdades] se processem; segundo redistributrvas de renda e
poder, o que implica atingir concentrações de privilégios, processos de
enriquecimento, acumulação de poder, centralizações administrativas [e
o direito à informações sobre processos e resultados das ações,
que qualifica novas conquistas]. Em terceiro lugar equalizadores de
oportunidades, partindo-se do pressuposto de que as oportunidades
foram apropriadas pelo grupo dominante. Uma face desse desafio é a
universalização [de todos os direitos sociais]: todos devem ter acesso
às oportunidades de modo incondicional, com a mesma qualidade. Em
quarto lugar (promotora de] política social que deve ser, sempre que
possível, emancipatória, unindo autonomia económica [voltada à
auto-sustentação] com autonomia política [alicerçada por práticas
participativas conscientemente vividas]
(Demo, 1996, p. 21-3).
Nesse quadro de demandas são muitos os limites a serem superados para a
garantia do acesso ao lazer: preconceitos; dificuldades financeiras; escassez de
tempo disponível; dificuldades de moradia e transporte urbano; barreiras fisicás
para pessoas portadoras de necessidades especiais; acesso geográfico difícil; falta
de conhecimentos/informações sobre as oportunidades culturais disponíveis;
restrita oferta de vivências culturais etc. Por isso, as políticas de lazer precisam ser
também articuladas com políticas de garantia de renda mínima, trabalho, provisão
de serviços para a família, saúde, educação, planejamento urbano, transporte,
cultura, esporte e outras. •1
Para garantia do acesso da população à maior gama possível de vivências
de lazer, é imprescindível construção, manutenção e uso viabilizado de espaços e
equipamentos. É preciso gerar oportunidades de vivências de diversificados
conteúdos culturais no lazer: físicos, esportivos, artísticos, sociais, intelectuais,
tecnológicos, turísticos, dentre outros. E, também, garantir polivalência de
animação lúdica, mobilizada pelos usuários, grupos, comunidades e profissionais
qualificados.
A acessibilidade amplia-se, assim, com a animação de equipamentos
culturais construídos e os disponíveis na natureza. Espaços que, muitas vezes, não
são reconhecidos por comunidades ou órgãos de preservação cultural. Nesse
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sentido, a ocupação espacial precisa ser aliada ao controle, preservação, proteção


e valorização do meio ambiente. Precisamos cuidar dos rios, das matas, campos,
cachoeiras, praias, florestas, montanhas e outros espaços naturais usados no lazer.
Essa é uma questão em que o poder público pode interferir muito, por
exemplo, por meio de leis de uso e ocupação do solo, definindo exigências
referentes à construção e ao uso de áreas para parques e outros equipamentos de
lazer. Além disso, uma rede de serviços com infra-estrutura adequada, agentes
capacitados, oferta contínua de atividades de lazer para a população são
extremamente importantes para a acessibilidade ao lazer.
O acesso responsável ao património cultural disponível é, pois, indis-
pensável à democratização do lazer: exige competência não só do poder público,
como dos setores sociais, considerando a qualidade de prestação de serviços a ser
garantida pela sua eficiência, eficácia e ação socioeducativa conscientizadora sobre
o lazer. Exige consciência necessária para o acesso às oportunidades de
participação no lazer, considerando os géneros da prática, assistência e busca de
conhecimentos e de participação crítica e criativa, superando as vivências
conformistas no lazer.
Com o objetivo de promoção de acessibilidade, os gestores entrevistados
destacaram algumas experiências vividas, por exemplo:
Al: construção, manutenção e animação de Unidades Recreativas (32
parques e praças), do Ginásio Municipal Tesourinha e do Parque Araribóia (novo
ginásio e a cancha de bocha coberta foram oriundos do Orçamento Participativo e
os banheiros e almoxarifado construídos com verbas exclusivas da comunidade)
onde são promovidas diversas atividades para todas as idades. Revitalização dos
Centros de Comunidades (administração de equipamentos esportivos dos Centros
de Comunidade); Marina Pública (criação de Escola Pública de Vela); promoção
continuada de eventos para todas as idades (Em Cada Campo Uma Escolinha;
Programa Brincando na Rua; Programa Lazer e Saúde; Porto Verão); atividades
específicas para crianças (Projeto Graxaim, Brincalhão, Brinquedoteca, Brincando
no OP); política especifica para futebol de várzea da cidade, para estudantes da
educação básica, idosos, e mulheres.
A2: Centro Esportivo Municipal (qualificado para realização de atividades
recreativas diversas); construção e manutenção de 125 equipamentos públicos de
esporte e lazer, gerenciados por conselhos
\ gestores; construção de parque para esporte e lazer no meio rural; Núcleos
de Atendimento Comunitário (NACs) - Unidades esportivo-recreativas ;
com acesso gratuito transformam espaços públicos em áreas de lazer
1 permanentes; Central do Esporte e Lazer: reúne e difunde calendário anual
| de eventos da área realizados no município e as opções de esporte e lazer à
| disposição da população (parceria com diversas entidades); Curso de
Estado e Sociedade na Construção de Inovações.. 57

Gestão Esportiva: parceria Ministério de Esporte e Instituição de Ensino


Superior; realização de atividades específicas para crianças Jovens, adultos
l e idosos, estudantes; pessoas portadoras de deficiências, associações de
í bairros, atletas amadores; programas sistemáticos e eventos (Bate coração,
í Festerando, Festa da criança, Brinca Enxutão).
Bl: a constituição de Centros de Referência Regionalizado de Esporte
e Lazer reuniu vários programas: Recrear (recreação para pessoas de
diferentes idades); Superar (política municipal de inclusão das pessoas
portadoras de deficiências nas atividades de esporte e lazer), Vida Ativa
(política de Esporte e Lazer para população acima dos 50 anos); MEL (difusão
esportiva para crianças e adolescentes, incluindo os pertencentes à população
de rua); Caminhar (educação conscientizadora da população para saúde e
qualidade de vida); Dente de Leite (promoção do futebol campo para crianças
e adolescentes, incluindo os pertencentes à população de rua); Bom de Bola,
Bom de Escola (escolinhas de esporte para crianças e adolescentes das classes
menos favorecidas, incluindo os pertencentes à população de rua).
B2: programas com orientação técnica e acompanhamento
pedagógico, psicológico e social: Lazer e Trabalho (integração cultural entre
servidores municipais e seus familiares); Lazer na Cidade (fomento do lazer
e integração cultural entre as regiões da cidade, promovendo ações
demandadas pelas comunidades, escolas, creches, associações de bairro etc.);
2o Tempo (promoção esportiva e recreativa para crianças e adolescentes, em
convénio com os govemos estadual e federal e parcerias com clubes e
ONG’s); Viva o Esporte Viva Melhor (aprendizagem e aprimoramento das
técnicas esportivas para crianças, adolescentes e pessoas com restrições e
necessidades especiais); Futebol Melhor (atende demanda das comunidades
relativa ao futebol de campo); Bicicross (disponibilização de pista oficial
aberta à comunidade, cursos e treinamento). Promoção de vários eventos de
lazer, de competição e festivais em diferentes níveis técnicos (iniciação ao
alto rendimento).
Cl: projeto político pedagógico: escolas de esporte (nas escolas
municipais e instituições conveniadas); Vivências Corporais (para crianças,
jovens, adultos e idosos); Cultura, Escola, e Alegria (para alunos,
trabalhadores da educação, pais e população dos entomos das escolas; projeto integrado
à alfabetização de jovens e adultos); Contador de História (preservação da memória da
cultura do estado, reaproxima pessoas de todas as idades); Mala do Livro (acesso às
produções literárias e não-literárias reunidas pela comunidade); Projeto Folclore (nas
escolas municipais, preservação de diversas manifestações da cultura popular); Cores da
Cidade (movimento cultural de ressignificação da pichação); Escola Circo (para crianças
e adolescentes, prioriza quem vive em situação de risco); Dança (vivências corporais e
58 Leiia Mirtes Santos de Magalhães Pinto

Mostra de Dança); Brinquedoteca (nos espaços esportivos e culturais da cidade, abertas


às comunidades e escolas); Felizcidade (criação de grupos e movimentos organizados de
lazer, que atuem nas perspectivas interdisciplinar e de co-gestão com a prefeitura);
eventos esportivos e de lazer para servidores municipais, comunidades e escolas.
Dl: para atender trabalhadores das empresas industriais, suas famílias e
comunidades são desenvolvidos, nas empresas e dependências do SESI (clubes do
trabalhador, teatro, escolas, colónia de férias etc), programas corporativos como: SESI
Ginástica (desenvolvido por meio de exercício físico sistemático e realizado por livre
escolha.dos sujeitos); SESI Arte (promoção da arte e cultura, considerando suas diversas
manifestações); SESI Esporte (promoção, da prática esportiva democrática, consciente
e com autonomia); SESI Turismo (conjunto de opções de lazer caracterizadas pela
atividade turística, utilizando a estrutura física do SESI e seu entorno). Além desses
programas, são desenvolvidos projetos especiais elaborados e implementados a partir de
demandas específicas de cada unidade, parceiros externos ou comunidades locais. Um
projeto especial poderá vir a se tomar programa corporativo caso a(s) demanda(s) que
atende for(em) sistemática(s), ou seja, considerado no conjunto de prioridades do SESI,
definidas por avaliação técnica e/ou estratégica da entidade.
El: Programas:
1. Lazer na empresa - promoção de estilo de vida saudável por meio de
assessoria, consultoria e desenvolvimento de projetos de lazer nas áreas de
atividade fisica/v:ercício físico (Programa SESI Ginástica na Empresa;
avaliação física; reeducação postural; fitness)\ arte (teatro informação; coral);
esporte (formação de times; torneios internos), turismo (pacotes turísticos;
Colónias de Férias) e eventos (festas comemorativas; gincanas; concursos.);
" • 2. SESI esporte - promoção da prática esportiva de participação, formação e
rendimento voltada à valorização humana pelos Jogos do SESI; esporte de
inclusão social; formação físico-esportiva; atividades físico-esportivas de
participação; assessorias e consultorias e eventos esportivos;
3. SESI Cultura-promoção de acesso às vivências artístico.- cul- ( turais
diversificadas, capacitação de gestores da cultura; organização de Banco de
Dados (Censo Cultural do País); Gestão do Conhecimento e da Informação
na Cultura; circulação de espetáculos; projetos especiais de implementação
do Programa SESI Cultura em empresas e escolas; incentivo à dramaturgia
(educativa); realização da Bienal das Artes e do Prémio Bianual
“Marcoantonio Vilaça para as Artes Plásticas” (2004/primeira edição;
exposição itinerante com vencedores em 2005/2006).
Estado e Sociedade na Construção de Inovações.. 59

Quanto ao enfoque
Por um lado, as políticas sociais ainda mantêm o enfoque nos meios, isto é, na
cobertura à infra-estrutura física e recursos materiais para instituições prestadoras dos
serviços sociais, tendo-os como indicadores, isto é, como medida de avaliação da
relação custo-benefício no gasto público social. O gasto social é a soma de todos os
gastos do estado que possui conotação social. Não é um indicador adequado para o
desenvolvimento social - que se relaciona também com o desempenho económico do
país - nem adequado ao investimento em capital humano, por ser elevado e, muitas
vezes, mal utilizado para alcançar essa finalidade.
Por outro lado, cada vez mais, as políticas sociais inovadoras focalizam os fins,
orientando-se por resultados: impactos dos programas sociais e magnitude dos
benefícios de acordo com os objetivos, definidos com base em reais necessidades e
tendo por fmalidade mudanças nas condições de vida dos beneficiários. O indicador
utilizado é a relação custo-impacto, que permite apreciar se o programa está otimizando
os recursos e maximizando o impacto, ao menor custo possível.
Mas isso não é fácil. QuantaS vezes encontramos a valorização de uma ação ou
entidade pelo muito que ela gastou, sem se preocupar com os resultados efetivos de
quantas pessoas atendeu? A intensificação dos meios é muitas vezes confundida com a
realização dos objetivos.
Por isso, o primeiro passo para concretizar políticas participativas é a realização
de diagnósticos sobre a realidade vivida pelos beneficiários das
62 Leila Mines Santos de Magalhães Pinto

novos conhecimentos sobre eles e orientar ou fundamentar tomadas de decisões.


A criação de significados (manifestados é negociados nas práticas de tomada de
decisões), além de estruturar a percepção, por todos, dos problemas e das oportunidades
vividos, produz uma estrutura de sentidos e propósitos comuns que dá identidade e valor
às ações realizadas.
Choo (1998) nos ajuda a entender que a qualidade desse processo depende da
forma como pessoas, grupos e organizações lidam com o “conhecimento tácito” (usado
pelas pessoas para realizar suas atividades e dar sentido a elas, expresso pelas habilidades
na realização das ações, não usando regras pré-defmidas) e com o “conhecimento
explícito” (expresso formalmente por sistemas de símbolos e, por isso, comunicado
usando regras, métodos e outras formas de registro difundidas amplamente).
Alguns dos resultados citados pelos gestores com os quais conversamos
expressam como conhecimento, informação e participação têm influído na superação de
problemas vividos pelas políticas de lazer em nossa realidade. Vejam só! Os principais
resultados citados são:
Al: a coerência entre discurso e prática; aumento de participantes nas atividades
com maior consciência sobre o que fazem; avaliação positiva feita por eles; aumento e
diversidade das ações oferecidas; grande número de voluntários como parceiros;
qualidade do trabalho; grau de satisfação da maior parte dos funcionários da Secretaria.
y42: ver a comunidade acreditando, vivenciando e reivindicando
lazer.
Bl: melhor estrutura gerencial da Secretaria; capacitação direta de líderes
comunitários e indireta de pessoas da região onde atuamos; integração de projetos,
setores, departamentos e servidores municipais; maior acesso às atividades
desenvolvidas; orientação das comunidades sobre uso de espaços e equipamentos
disponíveis para o lazer; produção científica e pedagógica sobre práticas de
conscientização da comunidade sobre o lazer na sua vida.
B2: conquista de espaço para ações, reflexões e participações no lazer da cidade;
continuidade do trabalho, independentemente do segmento político partidário à frente
das primeiras idéias, sensibilização da população e gestores da cidade para o lazer;
parcerias com outros órgãos da Prefeitura, clubes, empresas, ONGs; mapeamento de
projetos comunitários existentes.
Cl: a descentralização das políticas, inclusão e acesso de maior parcela da
população ao lazer; aumento de equipamentos de lazer nos bairros periféricos, da auto-
estima de muitos que vivem na cidade e investimento/recursos públicos para o setor,
com participação popular na definição das políticas; a ação intersetorial entre as
secretarias do govemo.
, Dl: cooperação do grupo de trabalho; crescimento pessoal e profissional de cada
um da equipe; consciência de onde estamos e para onde vamos; construção de uma
política com uma “causa” comum - a educação para a autonomia no lazer - independente
Estado e Sociedade na Construção de Inovações.. 20

do campo de atuação - artes/esporte/turismo/atividade física; reconhecimento


institucional de que é possível um trabalho “sério” sem ser sisudo; importância da
“rede”; maior satisfação dos beneficiários.
El: maior organicidade na articulação e no alinhamento teórico-prático dos
nossos programas em tomo de objetivo comum e construção coletiva das ações; nova
visão sobre os conteúdos (princípios, conceitos estruturadores, valores e procedimentos)
da política de lazer; busca do romper da dicotomia entre planejamento/
execução/avaliação; reconhecimento de que a política de lazer está no dia-a-dia dos
profissionais; busca de sentido e significado das ações; lazer na entidade deixa de ser
visto como “atividade” e passa a ser reconhecido como dimensão cultural, alinhada aos
nossos objetivos estratégicos; busca de sistematização de conhecimentos para propor
tecnologia de ação social integrada que subsidie nossos programas socioeducativos
lúdicos.
Esses dados apontam também para o aspecto das inovações políticas que discuto
a seguir.

Quanto à lógica de tomadas de decisões


Nesse sentido, as mudanças mais significativas que temos vivido nas políticas
sociais se revelam nas mudanças relativas ao modelo burocrático, orientador das
políticas dominantes, segundo o qual são adotadas estratégias macro, definidas pelo
Estado, considerado quem sabe sobre o que e por que fazer. Os usuários dos serviços
oferecidos são definidos sem critério de seleção.
Essa lógica centralizadora reflete um momento em que nossa sociedade se regula
pela lógica do mercado, impõe um padrão de sociabilidade individualista, privatista,
competitiva, concorrencial, não considerando o interesse público e demonstrando que a
democracia e cidadania como valores não encontram espaços.
Ao contrário, um paradigma emergente de política social focaliza uma lógica de
tomada de decisões definidas por projetos nos quais os usuários participam em suas
proposições e controle. As ações políticas são dinamizadas na convivência e atuação
ativa dos atores sociais nelas envolvidos, organizados sob diversas formas de ação em
que estes têm efetivas condições de influir no processo e usufruir a experiência vivida
seja pela participação do tipo “restrita” e/ou “ampliada”.
Para Azevedo (1991), a participação restrita caracteriza-se pelo envolvimento
da comunidade diretamente beneficiada no projeto político específico ou programa de
âmbito local. Já a participação ampliada refere-se à capacidade dos grupos
organizados de influenciar, direta ou indiretamente, as macroprioridades e diretrizes das
políticas sociais, seja na formulação, reestruturação ou implementação de seus
programas/projetos.
66 Leila Mirtes Santos de Magalhães Pinto

Por exemplo, as iniciativas voluntárias de participação no lazer (Pinto, 2002b)


são exemplos de participação restrita, pois representam o envolvimento da comunidade
em ações de lazer realizadas no âmbito local. Já as discussões dos orçamentos
participativos que incluem o lazer (Zingoni, 1999; Rodrigues; Gutterres, 1996) podem
se caracterizar como participação ampliada, influenciando tomadas de decisões no
âmbito municipal.
Enfim, como esclarece Benevides (1996), a participação de que falamos é aquela
que se realiza por meio de canais institucionalizados que garantem a intervenção direta
dos beneficiários da política nas atividades de sua formulação e controle das ações
implementadas. A cidadania ativa pela participação é, pois, um princípio democrático,
e não um favor ou receituário político que pode ser aplicado como medida ou
propaganda de govemo, sem continuidade constitucional: é a realização concreta da
democracia.
Mas, ao lado de ganhos a favor da cidadania (e da participação como um dos
princípios desta), lidamos com dificuldades na sua concretização. Isso porque muitos se
referem à participação sem a noção do que significa, sem consciência de sua inserção
nas discussões sobre poder na sociedade, que imbrica os direitos sociais, civis e
políticos.
Como enfatiza Melucci (2001), as r.r.^ociações são fundamentais para manter a
liberdade coletiva. Para isso, é necessário garantir espaços sociais, preservados do
controle repressivo, que garantam a liberdade de pertencimento, ou seja, de se fazer
representar. A representação significa a capacidade de dar voz às demandas e aos
interesses dos sujeitos ali representados. A prática participativa é, portanto, um espaço
político que assegura a continuidade das demandas e a sustentabilidade de ações, pois
mobiliza os atores coletivos envolvidos.
Um espaço configurado desse modo necessita de abertura para o diálogo baseado
no respeito ao outro e às identidades dos sujeitos e comunidades, o que é básico para
compartilhar idéias e objetivos. A participação requer, pois, postura de sujeitos, grupos
e organizações em relação a si mesmos, aos outros, aos ambientes em que vivem, bem
como valores, significados e sentidos que atribuem à sua ação política. Por isso, não
pode ser meramente induzida por dirigentes ou outras lideranças. Ela é um processo de
interação face a face, que nasce de relações partilhadas com grupos organizados. Esses
se constituem pertencimento dos indivíduos a uma coletividade clarameníe identificada,
com regras e objetivos definidos e com interesses comuns. Ela é, pois, uma relação de
mão dupla: determinada pelo modo corno o sujeitó lida com o grupo e pelo modo como
o grupo favorece o processo de identificação, com e inclusão no mesmo.
As políticas participativas de acessibilidade associam-se à construção de espaços
políticos para negociação de interesses públicos e pactos sociais, envolvendo atores
sociais e gestores de diferentes setores empenhados na conquista de direitos.
Como diz Laura Veiga (2001), as inovações políticas, ao introduzir novos atores
Estado e Sociedade na Construção de Inovações.. 22

no processo decisório, ampliam as condições de atendimento às demandas prioritárias


das comunidades. Também aumentam as dificuldades da elaboração e implementação
das políticas, pois não é fácil atender a todos os interesses e superar os limites vividos.
Por isso, na prática, a política inclusiva requer consensos e negociações entre os
participantes. Requer que gestores e público beneficiário encontrem Juntos, maneiras
de enfrentar os desafios.
Novas estratégias têm orientado a reorganização das funções e formas de gestão,
desafiado os governos municipais e setores que atendem interesses públicos na busca
de eficiência e equidade na formulação e execução de suas políticas sociais, como
discutidos a seguir.

Descentralização da administração
pública e de decisões
E o processo de transferência de poder de níveis centrais para periféricos, o que
promove a reestruturação do aparato central, não para reduzi-lo, mas para torná-lo mais
ágil e eficaz (PBH, 2001). A descentralização é, pois, uma estratégia que se baseia na
gestão de proximidade. Funda-se no pressuposto de que tudo aquilo que for possível
deve ser realizado em um nível da administração pública mais próximo do cidadão, isso
sem perder de vista a necessária garantia de “equidade” e redistribuição de bens e
serviços públicos no espaço da cidade.
Como argumenta Marco Aurélio Nogueira (1997), essa é uma prática que se
refere às estratégias técnicas, fiscais, administrativas e, também, político-participativas,
já que só acontece quando envolve diretamente a população beneficiária das ações
promovidas. O princípio da descentralização amplia a participação das comunidades e
as aproxima do governo, possibilitando maior agilidade e controle das ações e decisões
governamentais, bem como prática política mais justa e menos autoritária. Instiga a
redefinição do funcionamento burocrático, no sentido de fazer a administração
funcionar desde a ponta, na qual se dá a interface com o cidadão. Ao aproximarmo-nos
territorialmente dos cidadãos, precisamos respeitar a heterogeneidade e a complexidade
de cada região, suas carências e potencialidades.
Deve-se considerar a territorialidade das ações descentralizadas, ou seja: qual
recorte relevante no espaço, considerando escala e acessibilidade a bens e serviços
(PBH, 2001), se quer privilegiar, tendo em vista os objetivos a serem alcançados? Para
Ricci (2001), a definição do território acontece por meio de três movimentos: o primeiro
consiste da integração dos equipamentos públicos; o segundo, da reorganização do corpo
técnico; e o terceiro, da redefinição das áreas homogéneas.
As decisões devem ser compartilhadas com o público local por meio do incentivo
66 Leila Mirtes Santos de Magalhães Pinto

a estruturas colegiadas territorializadas. O objetivo é articular formas de democracia


direta - os próprios beneficiários decidem sobre as políticas - com formas representativas
- eleição de representantes que fazem a mediação entre o Estado e a sociedade civil. Na
prática, podemos perceber essa teoria política pelo modo como são vividas as instâncias
de tomadas de decisão nas experiências políticas, considerando as características e
experiências próprias de cada contexto. Vejamos alguns exemplos:
Al: foram muitas reuniões e encontros de qualificação dos recursos humanos:
muito diálogo, paciência e humildade.
A2: as decisões foram tomadas nas reuniões de planejamento da equipe da
Secretaria e com a comunidade, Conselho Municipal, Conferências, Orçamento
Participativo, Plenária Temática, Congresso da Cidade.
Bl: os técnicos da Secretaria coordenavam os projetos sociais de esporte e lazer.
Havia uma coordenação geral para implantação do setor de ação comunitária no
organograma da Secretaria. Ás ações desenvolvidas eram decididas com as lideranças
comunitárias participantes de cada projeto.
B2: no programa Lazer e Trabalho as decisões foram tomadas com os servidores.
No programa Lazer na Cidade discutimos com a comunidade por meio das regionais
administrativas, associações, grupos organizados. Elaboramos Pré-Conferências
Regionais de Esporte e Lazer para diagnosti-
| car anseios, potencialidades e lideranças de cada região da cidade, preparan
do para a 2a Conferência Municipal de Esporte e Lazer do município. Na |
Secretaria, nossa principal instância de decisão é o Conselho Gestor e nos
Pontos de Encontro de Lazer discutimos e decidimos com os agentes comu-
nitários.
Cl: as instâncias de decisão são os: Encontros das Comunidades,
Congressos Temáticos e Setoriais da Cidade, Conselhos Municipais das áreas
afins, Encontros com Famílias.
Dl: o envolvimento da alta direção é básico para o sucesso da
mudança. Foi fundamental o envolvimento do Conselho/ Superintendência,
corpo técnico, gerentes, assessores, analistas, terceiros, parceiros, estagiários
e beneficiários (representantes).
El: as instâncias de decisão foram de nível estratégico.
O local que é força é também limite. As ações descentralizadas sem
dúvida são úteis, mas não podemos descuidar do acúmulo progressivo de
forças que precisam se consolidar por meio de medidas mais amplas em outros
níveis de poder.
Uma possibilidade de efetiva participação na cidade, citada por todos
os gestores entrevistados, é o Orçamento Participativo (OP). Essa é uma
estratégia fundamental para as políticas sociais, uma vez que reflete a direção
política das relações económicas referentes ao processo estatal de alocação e
Estado e Sociedade na Construção óe Inovações. 61

distribuição de valores conforme as prioridades dos municípios.


O alcance de certo patamar de equidade implica a combinação de opções
políticas: negociação de interesses, incentivos à acumulação e ao crescimento,
provisão de meios de subsistência aos mais carentes e ações redistributivas.
Segundo Rodrigues e Gutterres (1996), o OP contribuiu para aumentar
a consciência da população e da administração municipal sobre a importância
do lazer como fator de qualidade de vida. Por intermédio dele, muitas regiões
de Porto Alegre priorizaram investimentos também na área de lazer
(construção de ginásio poliesportivo, praças e parques com fixação de
profissionais de Educação Física nesses locais, reforma de campos de futebol
e quadras esportivas).
Al: a Prefeitura apostou na criação e execução de um planejamento,
pautado em eixos temáticos, que possibilitou ações intersetoriais entre as
secretarias e criação de uma esfera pública não estatal de planejamento e
controle social que, de 1997 até 2000, se expressou pelo OP e, de 2001 até
2004, avançou para o Congresso da Cidade. O Congresso da Cidade foi um
planejamento socialmente construído, experimentado a partir de 2001,
incorporando o acúmulo de quatro anos de OP (uma vez que se constataram
políticas, para o que é necessário o envolvimento destes. E são muitos os problemas que
vêm sendo identificados quanto às políticas sociais de lazer em nosso meio, como, por
exemplo:
Al: é ainda restrito, por parte do governo e da população, o conhecimento da
importância do lazer para a qualidade de vida dos cidadãos. O lazer merece maior
investimento financeiro e educativo para se consolidar nas políticas sociais.
A2: em nosso município precisa ser melhorada a consciência da população e dos
gestores de que a participação, embora dê mais trabalho e exija predisposição de todos,
não pode ser substituída por benesses, que até podem sanar questões e problemas
pontuais* mas não contribuem para a emancipação da população. Não fomos educados
para a participação e isso dificulta muito.
Bl: falta maior participação das comunidades no desenvolvimento de ações no
lazer e de políticas favoráveis ao desenvolvimento sustentável da comunidade.
Precisamos avançar nas questões administrativas com maior descentralização das ações,
combinadas com a criação de Conselho Municipal de Esporte e Lazer e Conferências
Públicas Deliberativas. A Secretaria precisa ampliar parcerias com setores públicos
estadual e federal e Terceiro Setor.
B2: precisamos melhorar a comunicação e interlocução da Secretaria com a
comunidade. Pensando nisso, trabalhamos no planejamento das pré-Conferências
Regionais, a ocorrer neste 2005. Fazemos com o que temos, mas estamos muito longe
do que queremos. As demandas são tantas!!!
60 Leila Mirtes Santos de Magalhães Pinto

Cl: precisamos melhorar a comunicação/divulgação das ações desenvolvidas.


Os veículos utilizados eram os mais alternativos. Os veículos de comunicação com
maior abrangência - rádio, imprensa escrita e TV - na maioria das vezes não tinham
interesse pelo lazer. Daí a necessidade de criarmos rádios comunitárias e de mais tempo
para consolidar a participação popular.
Dl: a sociedade hoje exige formação académica dos profissionais de lazer para
atuar em políticas participativas, maior disponibilidade de tempo de todos os
envolvidos, processos menos burocráticos e decisões mais rápidas.
El: necessitamos da construção de um modelo mental corporativo, que ainda é
individual. À medida que os modelos mentais são explicitados e compartilhados,
expande-se a base dos significados compartilhados, na organização e aumenta a sua
capacidade para realizar ações integradas.
Precisamos ainda maior alinhamento conceituai, ampliando a reflexão sobre a
própria prática, seus sentidos, significados e intencionalidades.
Curiosamente, a maioria dos gestores entrevistados destaca que o
principal problema a enfrentar é a falta de conscientização, conhecimento e
informações a respeito do lazer tanto por parte dos gestores como por parte da
população beneficiária.
Esse dado nos remete a discussões que vêm sendo realizadas por Sílvio
Bava (2002) ao afirmar que, para concretizarem-se as inovações políticas é
preciso que haja atuação constante e qualificada da sociedade que estimule a
participação consciente, pois o objetivo principal não é apenas atender
necessidades materiais do público-alvo, mas, especialmente, fortalecer a
capacidade dos cidadãos se auto-govemarem nos diversos aspectos da vida
coletiva, justificativa que faz com que um governo | socialize o
poder. É oque destaca Sílvio Bava (2002, p. 87):
nunca é demais lembrar que é pela associação livre de vontades
■ «*'-
que o poder se cria. Desenvolver a capacidade da população de
exercer a cidadania, isto é, a capacidade de saber escolher, efetivar
escolhas e se beneficiar delas é a mola central desse processo.
;| Inovações importantes nas políticas sociais são construídas pelos
processos continuados de qualificação em serviço de quadros profissionais : |
e promoção de políticas socioeducativas conscientizadoras. A participação
| - dos dirigentes à população beneficiária - em todo processo também é
. fundamental para alicerçar o envolvimento de todos, desde a fase diagnostica.
| Um outro aspecto importante diz respeito ao monitoramento da ação
| em desenvolvimento, ou seja, ao acompanhamento sistemático da ação com
vistas a verificar a adequação de seus objetivos e metas, metodologias, tendo
em vista o resultado que se deseja atingir com a ação. Assim, ao longo | do processo, é
Estado e Sociedade na Construção óe Inovações. 61

indispensável a “gestão das informações” levantadas em todo


o monitoramento da ação, organizadas e disponibilizadas de modo que |.
todos possam ter acesso a elas e ampliar seus conhecimentos sobre o vivido, o
que é básico nos processos de tomadas de decisões e comprometimento com
| a ação. Esse compromisso é mais evidente quando há agilidade nas
informações - o processamento destas reflete tanto incertezas do setor ou
I organização quanto consciência sobre as fontes que melhor respondem às
necessidades dos sujeitos e grupos.
Para Chun Wei Choo (1998), nos processos centrados na participação
das pessoas, as informações podem ser usadas com base em | três objetivos
principais, que são: dar significados às ações realizadas, gerar
:
!
68 Leiia Mirtes Santos de Magalhães Pinto

enormes limitações da experiência de planejamento participativo centrado na elaboração


do orçamento da cidade). O Congresso da Cidade foi um passo além do OP, discutindo as
politicas públicas a partir de uma visão integral da cidade. O mais importante não era
apenas entender os problemas e as necessidades do espaço onde se morava para demandar
obras, serviços e equipamentos, mas entender a cidade como um todo, suas dinâmicas
sociais contraditórias e problemáticas. As Políticas de Esporte e Lazer passam a ser
planejadas a partir das diretrizes de govemo, amplamente discutidas e organizadas com
diversos grupos sociais da cidade.
Em Caxias do Sul, também, o aumento de equipamentos de esporte e lazer deu-se
pela priorização da população das diversas regiões da cidade no OP. Segundo Bonaiume
(2004), até 1?97 mais de 50% desses equipamentos se localizavam no centro do
município. No final de 2004, esse índice caiu para 30%.
Outra possibilidade efetiva de participação na gestão das políticas públicas, citada
pelos gestores entrevistados, foi a criação dos conselhos. Cada um tem sua criação
estipulada por lei. Foram criados como instrumentos de expressão, representação e
participação da sociedade, com potencial para promover transformação política. São
espaços de co-gestão e de co-participação entre govemo e sociedade civil, que podem se
constituir instrumentos importantes de mediação entre govemo e sociedade.
Os conselhos são órgãos colegiados encarregados de formular, acompanhar e
fiscalizar as políticas públicas setoriais, considerados indispensáveis para a
descentralização e democratização das políticas públicas por serem oportunidade de
decisões mais coerentes e realistas quanto aos problemas, necessidades, construção de
alternativas e transparência administrativa (Grau, 1998).
Contudo, esse instrumento tem apontado limites quanto à participação cidadã. Em
sua maior parte, os conselhos são paritários, ou seja, metade é representante da sociedade
civil organizada e a outra metade agentes governamentais, todavia, a assimetria existe.
Por exemplo, a atuação dos representantes da sociedade civil é voluntária, enquanto os
agentes governamentais são remunerados pela participação, utilizando do horário de
trabalho remunerado para participar dos conselhos.
Há, ainda, diferenças significativas entre os representantes da sociedade civil. Não
são todos iguais. Há associações e grupos mais organizados do que outros, sendo que
muitos membros de associações e grupos ficam à mercê das pressões de representantes de
governos, que buscam controlá-los para interesses próprios. Outras vezes, como a
comunidade não se mobiliza para o lazer, o gerente municipal decreta a formação de um
conselho, de cima para baixo, captando voluntários que vão participar e reproduzir a
lógica das relações de poder daquele local. Os conselhos, enfim, são diferentes entre si. E,
mesmo quando funcionam adequadamente e os voluntários participam, não substituem o
govemo. O conselho estabelece diretrizes, coloca limites e pode cobrar se o govemo não
atuar de acordo com eles.. A margem de manobra de qualquer govemo na hora de
implementar, porém, é muito grande.
Sílvio Bava (2002) lembra ainda que, em relação aos conselhos de gestão, além
da falta de recursos disponíveis para implementação das políticas, enfrentam outra
Estado e Sociedade na Construção de Inovações.. 69

dificuldade que é a falta de capacitação da população para elaboração, implementação,


avaliação e prestação de contas desse modo de gestão, ficando à mercê dos técnicos do
setor público, isso quando os conselhos não são instituídos por prefeitos que apenas
querem garantir repasse de verbas, nomeando amigos e partidários para sua composição.
Ricci (2001) destaca ainda a importância da parceria entre público e privado no
campo das políticas sociais e da descentralização. Para ele, quando a transferência de
poder se faz para cooperativas e associações ou outro tipo de coletividade sem fins
lucrativos, deve ser feita uma descentralização máxima, que precisa ser limitada nos casos
em que o govemo permanece como fiador das condições que viabilizam o desempenho
satisfatório das funções desenvolvidas.
Para o autor são várias as formas de operacionalização da descentralização
extragovemamental: tradicionais concessões de obras e serviços públicos, contratação de
obras ou serviços subordinados às normas gerais de licitação e terceirização de serviços
em que certas atividades de um ente público são transferidas a fornecedores particulares,
conservando-se, entretanto, o controle estatal sobre quantidade, qualidade e preço dos
bens e serviços fornecidos.
Setores sociais, setores institucionais, pessoas passam a estabelecer parcerias de
vários tipos: con vénios entre instituições, acordos, contratos e, de modo fundamental,
renovam modos de gestão: intersetoriais, em rede. Há equilíbrio dos diversos interesses
em jogo. O que vale é que todos ganham. Por exemplo, públicos ganham melhores
serviços, profissionais a capacitação, os conselhos a eficiência do trabalho, a prefeitura
ou entidade a visibilidade política de sua ação.
Intersetorialidade
A intersetorialidade é outra condição necessária para superar a fragmentação
existente no planejamento e execução das políticas setoriais, bem como.para garantir uma
gestão sinérgica e equalizadora que supere as superposições e competições dos diversos
programas e ações setoriais. As estruturas colegiadas de gestão serão espaços de,
consolidação dessa integração, coordenados pelas áreas centrais e contando com a
participação das áreas temáticas e regionais (Rosa, 2001).
A intersetorialidade é compreendida como um princípio que privilegia a
integração matricial das políticas sociais, tanto na fase de formulação quanto nas de
execução e monitoramento. Essa matricialidade representa o eixo coordenador e
organizador dessas políticas, potencializando sua integração, com impacto positivo em
seus efeitos (PBH, 2001).
As ações devem ser integradas de modo interdisciplinar, envolvendo profissionais
e multifúncionalidade dos equipamentos que articulam diversos serviços e atividades.
Exemplificando, a escola pode incorporar também posto de saúde, centro cultural, espaço
de lazer; os centros esportivos públicos podem incorporar ações preventivas de saúde,
educação informal, complementação alimentar e educação para o lazer. Essas e outras
propostas implicam planejamento e gestão em rede.
70 Leiia Mirtes Santos de Magalhães Pinto

Gestão em rede
A gestão em rede é a construção de espaços de convergência de vários atores
sociais que se completam à medida que articulam esforços para atuar em relação a
objetivos comuns, otimizando recursos e impactos de cada ação no público beneficiário,
que também é comum (Ricci, 2001).
Assim, a gestão em rede consiste, em última instância, da fusão das ações de
setores a partir da territorialização da gestão, pois não há como resolvermos sozinhos os
problemas sociais. Cresce a necessidade da compreensão do todo do contexto e das
relações de complementaridade e interdependência entre as partes envolvidas no trato dos
problemas. Por isso, a gestão em rede baseia-se na inter-relação de necessidades e suas
influências mútuas, bem como na articulação de diversos campos sociais no trato das
demandas atendidas na sua globalidade. Requerem a compreensão dos beneficiários das
ações políticas, considerando a totalidade de suas necessidades socioculturais (familiares,
escolares, de trabalho, lazer, comunitária, culturais etc.).
Para isso, a lógica é simples. Há integração de ações interdependentes,
complementares entre elas e com equifínalidade. Ou seja, todo ator - individual ou
coletivo - está inserido numa rede de sistemas que pode mobilizar e promover mudanças
desejadas na ação sociocul- tural vivida (Sesi, 2005).
As redes dependem das alianças que conseguem estabelecer internamente nos
setores/organizações e com parceiros extemos. Os processos de tomadas de decisões
baseiam-se na participação ativa, critica e criativa das pessoas, seu sentir e agir
coletivamente, cujo aprendizado provavelmente será mais tácito que explícito. Por sua
vez, os sujeitos, grupos e comunidades constroem novos conceitos sobre as atividades
vividas e desenvolvem novos sistemas de atividades que evoluem historicamente. Os
conhecimentos afetam preferências e comportamentos dos indivíduos. A participação
afeta as decisões das organizações e essas decisões afetam o ambiente, que influi nos
conhecimentos e nas preferências dos indivíduos.
Assim, as políticas participativas em rede, ao implicar co-responsabilidades nas
tomadas de decisões sobre ações a serem desenvolvidas, requerem definição de
competências e atribuições na elaboração e gestão das políticas setoriais e superação no
centralismo das decisões. Os dirigentes precisam se fazer reconhecidos como gerentes dos
assuntos de interesse público, com a responsabilidade pelo diagnóstico, programação,
supervisão e continuidade das ações de lazer do âmbito a que referem.
No entanto, convivemos com resistências, formas disfarçadas de clientelismo,
ineficiência e inoperância que podem bloquear ou corromper a descentralização de gestão.
Essa não é uma prática política simples, ela envolve várias instâncias da cidade -
entidades, movimentos e grupos - exigindo recursos e sinergias (Nogueira, 1997).
Além disso, nossas experiências de gestão de políticas vêm nos mostrando que
existem muitos limites a transpor no desenvolvimento das ações intersetoriais e em rede.
São dinâmicas muito diferentes das culturas vividas e exigem uma nova sociabilidade,
novos modos de liderança que implicam menos saber mandar e mais ouvir e interagir.
Compreender e exercitar essas experiências são importantes para enxergarmos como a
Estado e Sociedade na Construção de Inovações.. 71

dinâmica da gestão pode dinamizar a cultura e ampliar o poder articulador das práticas
sociais e culturais.
Assim, as políticas participativas requerem um novo perfil de liderança, pois
participação implica novas formas de pensar a relação e partilhar poder entre sujeitos,
grupos, organizações. A participação está vinculada à cultura, valores e hábitos pessoais
e coletivos. As lideranças são desafiadas a participar de mudanças na cultura política local,
a ver e a ler a realidade. Precisam ser mobilizadoras de ações, saber participar da
formulação e da implementação das políticas, seus programas e projetos, sendo sensíveis
às possibilidades e aos limites vividos na concretização de sonhos e necessidades. São
comprometidos com a discussão de problemas coletivos, o protagonismo dos sujeitos e a
realização de ações conscientes e lúdicas.
Para que essas formas de gestão tenham êxito, voltamos a afirmar que há
necessidade de superarmos a centralização e controle arbitrário da comunicação, bem
como a precariedade de informações e usos das tecnologias de informação. É fundamental
a gestão da informação, não apenas reunindo, mas disponibilizando dados levantados
pelas avaliações continuadas e que facilitem o diálogo, o intercâmbio, a compreensão e
superação de limites, a otimização de possibilidades e a modernização da gestão, com a
criação de redes dinâmicas e funcionais.

Quanto ao financiamento
Há mudanças também significativas em relação ao financiamento das políticas
sociais dominantes e emergentes. Nas primeiras, os recursos são da própria instituição
Estado, arrecadados por meio de fontes fiscais, sempre sendo limitados em relação a
demandas. Nesse sentido, nas políticas sociais emergentes o Estado não é o único ator da
política social. Há um co-fínanciamento, o usuário contribui com parte. Outra forma de
recuperação dos custos é mediante cobrança de tarifa por serviços públicos, de quem pode
pagar. Nisso há um problema, pois essa forma de gestão marginaliza os mais pobres.
Outro aspecto que muda quanto ao financiamento se refere à asignação de
recursos, pois, segundo o paradigma dominante, as políticas sociais são políticas de oferta,
isto é, oferecem bens e serviços com os quais pretendem solucionar ou paliar o problema
social, convivendo com problemas de competência na promoção desses serviços. O novo
paradigma instiga mudança nesse sentido, requerendo competência de promotor,
financiador que transfere poder de compra instigando a criação de um quase mercado, e
liberdade de escolha do consumidor, que tem informações sobre os serviços.
Estado e Sociedade na Construção de Inovações.. 32

. Há também flexibilização do acesso aos financiamentos para a área social, estratégia


que tende crescer à medida que as ações democratizadas adquirem maior peso e
importância no cenário político.
Outra mudança se refere à criação de fundos municipais, mecanismo que, junto
com o conselho e o plano municipal, recebe recursos públicos e outros para desenvolver
programas e projetos em áreas específicas, dentre elas o lazer. A constituição de um fundo
orçamentário representa outra forma de garantia de recursos, além da destinação de verbas
para a área do lazer no orçamento anual do município e a busca de recursos para a
execução de projetos em diferentes órgãos e esferas de apoio/ financiamento.
Um exemplo: em Caxias do Sul, o Fundo Municipal de Desenvolvimento de
Esporte e Lazer (FUNDEL) foi criado na 1a Conferência Municipal de Esporte (2001) e
implantado em 2004. É um investimento de recursos públicos que financia ações na área,
beneficiando as comunidades por meio de entidades esportivas, organizações
comunitárias, sindicais, não-govemamentais e outras promotoras do esporte e lazer na
cidade. Em 2004, foram recebidos 121. projetos e selecionados 62, atendendo
aproximadamente 14 mil pessoas em atividades comunitárias de esporte e lazer, além de
atletas e equipes da cidade (Bonalume, 2004).
Analisando, também, os orçamentos participativos como estratégias de ampliação
de recursos para as políticas sociais, Sílvio Bava (2002) entende que sejam mecanismos
criados para que os cidadãos possam participar do processo de definição de prioridades e
aproveitamento dos recursos públicos, embora, muitas vezes, neles haja muita
participação e pouco orçamento. Há apenas o empenho de pequenas verbas públicas, o
que mostra que não há mudanças de prioridades no conjunto dos gastos públicos. O que
se dá, em gerai, é justificado sob a alegação de que o restante já está comprometido com
outras despesas como pagamento de pessoal, manutenção etc. Com isso não se concretiza
a participação cidadã.
Apesar das dificuldades na criação de mecanismos participativos de gestão,
financiamento e controle das políticas sociais os passos já vividos são decisivos para
inovações políticas.
* **

Mas, em que mesmo as políticas sociais, especialmente as de lazer, têm inovado?


As análises das práticas políticas em geral, em nosso meio, mostram que muitas
ações consideradas inovadoras não inovam tanto assim. Muitas
72 Leila Mirtes Santos de Magalhães Pinto

entre sujeitos, grupos, organizações. A participação está vinculada à cultura,


valores e hábitos pessoais e coletivos. As lideranças são desafiadas a participar de
mudanças na cultura política local, a ver e a ler a realidade. Precisam ser mobilizadoras
de ações, saber participar da formulação e da implementação das políticas, seus programas
e projetos, sendo sensíveis às possibilidades e aos limites vividos na concretização de
sonhos e necessidades. São comprometidos com a discussão de problemas coletivos, o
protagonismo dos sujeitos e a realização de ações conscientes e lúdicas.
Para que essas formas de gestão tenham êxito, voltamos a afirmar que há
necessidade de superarmos a centralização e controle arbitrário da comunicação, bem
como a precariedade de informações e usos das tecnologias de informação. E fundamental
a gestão da informação, não apenas reunindo, mas disponibilizando dados levantados
pelas avaliações continuadas e que facilitem o diálogo, o intercâmbio, a compreensão e
superação de limites, a otimização de possibilidades e a modernização da gestão, com a
criação de redes dinâmicas e funcionais.

Quanto ao financiamento
Há mudanças também significativas em relação ao financiamento das políticas
sociais dominantes e emergentes. Nas primeiras, os recursos são da própria instituição
Estado, arrecadados por meio de fontes fiscais, sempre sendo limitados em relação a
demandas. Nesse sentido, nas políticas sociais emergentes o Estado não é o único ator da
política social. Há um co-fínanciamento, o usuário contribui com parte. Outra forma de
recuperação dos custos é mediante cobrança de tarifa por serviços públicos, de quem pode
pagar. Nisso há um problema, pois essa forma de gestão marginaliza os mais pobres.
Outro aspecto que muda quanto ao financiamento se refere à asignação de
recursos, pois, segundo o paradigma dominante, as políticas sociais são políticas de oferta,
isto é, oferecem bens e serviços com os quais pretendem solucionar ou paliar o problema
social, convivendo com problemas de competência na promoção desses serviços. O novo
paradigma instiga mudança nesse sentido, requerendo competência de promotor,
financiador que transfere poder de compra instigando a criação de um quase mercado, e
liberdade de escolha do consumidor, que tem informações sobre os serviços.
.. Há também flexibilização do acesso aos financiamentos para a área social,
estratégia que tende crescer à medida que as ações democratizadas adquirem maior peso
e importância no cenário político.
Outra mudança se refere à criação de fundos municipais, mecanismo que, junto
com o conselho e o plano municipal, recebe recursos públicos e outros para desenvolver
programas e projetos em áreas específicas, dentre elas o lazer. A constituição de um fundo
orçamentário representa outra forma de garantia de recursos, além da destinação de
verbas para a área do lazer no orçamento anual do município e a busca de recursos para
a execução de projetos em diferentes órgãos e esferas de apoio/ financiamento.
Um exemplo: em Caxias do Sul, o Fundo Municipal de Desenvolvimento de
Estado e Sociedade na Construção de Inovações.. 73

Esporte e Lazer (FUNDEL) foi criado na 1a Conferência Municipal de Esporte (2001) e


implantado em 2004. É um investimento de recursos públicos que financia ações na área,
beneficiando as comunidades por meio de entidades espoitivas, organizações
comunitárias, sindicais, não-govemamentais e outras promotoras do esporte e lazer na
cidade. Em 2004, foram recebidos 121 projetos e selecionados 62, atendendo
aproximadamente 14 mil pessoas em atividades comunitárias de esporte e lazer, além de
atletas e equipes da cidade (Bonalume, 2004).
Analisando, também, os orçamentos participativos como estratégias de ampliação
de recursos para as políticas sociais, Sílvio Bava (2002) entende que sejam mecanismos
criados para que os cidadãos possam participar do processo de definição de prioridades e
aproveitamento dos recursos públicos, embora, muitas vezes, neles haja muita
participação e pouco orçamento. Há apenas o empenho de pequenas verbas públicas, o
que mostra que não há mudanças de prioridades no conjunto dos gastos públicos. O que
se dá, em geral, é justificado sob a alegação de que o restante já está comprometido com
outras despesas como pagamento de pessoal, manutenção etc. Com isso não se concretiza
a participação cidadã.
Apesar das dificuldades na criação de mecanismos participativos de gestão,
financiamento e controle das políticas sociais os passos já vividos são decisivos para
inovações políticas.
* **

Mas, em que mesmo as políticas sociais, especialmente as de lazer, têm inovado?


As análises das práticas políticas em geral, em nosso meio, mostram que muitas
ações consideradas inovadoras não inovam tanto assim. Muitas buscam garantir o
cumprimento de leis tentando democratizar direitos por meio de ampliação de
atendimentos para a população alvo, mas mantendo o processo das práticas políticas
dominantes. Nesse sentido, há atendimento mínimo das necessidades, muitas vezes
mantendo-se o sentido compensatório.
Por outro lado, as experiências relatadas com gestão de políticas de lazer mostram
que existem inovações nas políticas sociais vividas em nosso meio. O que mais chama
atenção é que se ampliam os debates sobre a democratização no país, principalmente
incluindo o lazer na pauta dessas discussões. Isso é algo novo na história das políticas
sociais brasileiras.
Ampliam-se também as experiências participativas, embora algumas delas tenham
resultados mais significativos no que se refere à participação popular nas tomadas de
decisões políticas como mostram, por exemplo, os relatos dos municípios de Porto Alegre
e Caxias do Sul.
Nas experiências participativas, ao ser permitido que diferentes atores possam
falar quanto ao direito ao lazer, observo que as pessoas chamam a atenção para questões
mais amplas relacionadas aos problemas sociais como um todo (falta de educação
conscientizadora sobre a vida social e dilemas historicamente vividos, articulando
questões do lazer com os demais fatores de qualidade de vida como saúde, educação,
74 Leila Mirtes Santos de Magalhães Pinto

trabalho, segurança, participação etc).


Outra inovação revelada refere as experiências corporativas que mostram dados
de um cenário de pactos éticos, que mudam sentido de políticas filantrópicas, utilitárias e
compensatórias para políticas de defesa de direitos. Os casos do SESI exemplificam isso.
Cresce o exercício da responsabilidade social.
As inovações nas políticas sociais revelam que os vários setores sociais e a
sociedade estão se aproximando, ampliando articulações e mobilizando esforços
conjuntos para enfrentar os problemas sociais por meio de estratégias, algumas vezes
ousadas, outras vezes tímidas, mas que igualmente surtem efeitos interessantes nos
gestores e públicos beneficiários.
Não há dúvida de que nos jogos de poder influi mais quem detém instrumentos
mais eficazes de pressão; de que avanços implicam o envolvimento dos dirigentes, mas
que também a pressão da sociedade vem provocando reformas do Estado e das
corporações. Não há dúvida, ainda, de que os vários instrumentos participativos e a
promoção de ações conscientizadoras vêm anunciando essas possibilidades e requerendo
a presença mais ativa da população.
• s • Refletem, assim, a direção política do desenvolvimento, que passa a ser tratado não
apenas como síntese econômico-política (acumulação e utilidade social), mas como ação
social do Estado no que diz respeito à promoção de justiça, superação de desigualdades e
pobrezas diversas, com vista à promoção dos direitos sociais da cidadania e consequente
desenvolvimento social, humano, económico e ambiental, como discute Patrícia Zingoni
(2002).
A construção de um ambiente de transparência efetiva, de respeito mútuo, de
dignidade nas relações e honestidade na apresentação dos problemas, construção de saídas
precisa estar latente em todos os momentos discutidos - dos objetivos ao financiamento.
Isso não acontecia nas práticas baseadas na desonestidade, espoliação, violência e
hipocrisia. Por isso, não basta melhorar as técnicas sem melhorar as relações, sem mudar
a cultura política e o reconhecimento do valor do lazer na vida das pessoas e coletividades.
A importância das experiências relatadas neste texto precisa ser considerada não
propriamente pelo volume de resultados quanto às pessoas e percentual de orçamento
envolvido, mas pela mudança cultural. Quem já participou de experiências dessa natureza
sabe o que estou dizendo, lembra com certeza do brilho nos olhos e voz embargada de
cidadãos que núnca vivem a oportunidade concreta de ter “voz” na política de sua cidade
ou de sua entidade. E isso é muito sério. O cidadão precisa, é fato, ser respeitado pelo
poder dirigente da ação, pois este é um exercício concreto de garantia de um fator de
qualidade de vida e cidadania: a participação.
Por isso, espero que as análises aqui tecidaspossam ajudar um pouco a
construirmos “novos olhares” e a ter bom-senso no julgamento dos efeitos diversos e
multiplicadores de nossas práticas políticas, nossos programas, nossos projetos e ações
que realizamos no lazer.
E, como esses argumentos destacam a importância de (re)lermos os processos
históricos das políticas de lazer no país, buscando entender seus avanços, recuos,
permanências, convido você a partilhar comigo a discussão que construo a esse respeito
Estado e Sociedade na Construção de Inovações.. 75

no próximo capítulo deste livro.

Notas
1. Conversamos com duas gestoras do Rio Grande do Sul. A primeira (identificada como Al),
foi secretária municipal de esporte e lazer de Porto Alegre no período de 1998 a 2004,
durante govemo que valorizou e incentivou a participação dos cidadãos de diversas formas.
A segunda (À2), viveu experiência participativa de lazer em Caxias do Sul, de 1999-2004,
que começou com o programa do govemo municipal eleito. Esse programa previa a
construção de uma cidade institucionalmente democrática e participativa e, no lazer, a
participação comunitária como diretriz norteadora. Em Minas Gerais também identificamos
duas experiências participativas de lazer. A primeira aconteceu em Belo Horizonte (BI)
desde 1993, quando a administração municipal assumiu características de um governo
popular comprometido com os segmentos mais desfavorecidos da população e passou a
desenvolver ações comunitárias participativas de lazer, assumido, esta, ccmo fim e meio
educativos para cidadania, qualidade de vida e participação democrática. A segunda
realizou-se em Contagem (B2) desde 1998, tendo continuidade mesmo com mudança de
partido responsável pela administração municipal. O início dessa história foi a discussão do
lazer do servidor municipal, gerando o programa de “Lazer e Trabalho”, implementado
como programa “Lazer na Cidade”. O estado do Pará nos dá exemplo de política
participativa de lazer articulada pela Secretaria Municipal de Educação/ Coordenadoria de
Esporte, Arte e Lazer de Belém (1997-2004). Segundo duas gestoras que viveram essa
experiência (Cl) a história do município revela demandas pelas políticas participativas. A
cidade conviveu, por séculos, com relações conflituosas e antagónicas entre os interesses
hegemónicos das elites e os diversos movimentos sociais que demandavam a superação de
políticas clientelistas e fragmentadas, no lazer, realizadas nos poucos equipamentos da
cidade. O Departamento Regional do SESI na Bahia nos mostra um exemplo de politica de
lazer corporativa, integrada aos interesses da sociedade, política destacada pela ação
intersetorial, que gere?.,' parcerias internas e externas entre o campo do lazer e outros
campos da ação sociaí. A depoente dessa experiência (Dl) ressalta que tudo começou com
a consciência dos educadores de lazer de que o modelo tradicional - centrado no saber
unilateral do corpo técnico da instituição - não promovia o envolvimento dos beneficiários
dos programas de lazer, uma condição indispensável para o sucesso estes. A conscientização
dos educadores de lazer foi crescendo com as capacitações continuadas que geraram
construções coletivas a partir de reflexões sobre o vivido. A política nacional do SESI, cuja
liderança (El) encontra-se em Brasília, é outro exemplo de ação política corporativa que
conseguiu articular os 26 estados brasileiros e o Distrito Federal na reestruturaçãó da
Política de Lazer da entidade. A ação participativa foi um dos princípios que nortearam esse
processo (2002-2005). A experiência acumulada da entidade no lazer forneceu a matéria-
prima pará a reformulação dèssa política que se fez refletindo e (re)significando a própria
prática.
2. Vários dados apresentados nesse texto sijo extraídos de pesquisa que realizei e publiquei
no livro Políticas participativas de lazer (Pinto, 2005).

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sociais e ação coletiva. Anuário de antropologia, política e sociologia, Ciências Sociais Hoje.
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76 Leila Mirtes Santos de Magalhães Pinto

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