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Políticas da Imagem – vigilância e resistência na dadosfera

Giselle Beiguelman

É nesse contexto que se constitui a sociedade disciplinar, conceituada pelo filósofo


francês Michel Foucault. A industrialização, a cidade moderna e a formação dos
Estados nacionais são pautadas por novas demandas, que impõem novas regras para
que os corpos operem com a velocidade, a eficiência e os padrões de comportamento
que o trabalho e o espaço urbano solicitam.

São os “corpos dóceis” de Foucault.

Enunciada na vitória da fotografia sobre a estereoscopia, essa desvinculação implica


ima transformação radical no olhar, para muito além de uma simples substituição de
tecnologia de imagem por outra. Afinal, a supressão do contato físico com as coisas
como constitutivo da visão “significou deslocar o olho da rede de referenciais
encarnados na totalidade e na sua relação subjetiva com o espaço percebido.

A percepção de imagens não é natural, mas uma experiência histórica.

Existe um condicionamento do corpo à percepção de acordo com as mídias – imagens


em movimento ou não.

“Adestramento da atenção” nas salas de cinema.

Ilusão da Imagem:

Ilusão especular de Arlindo Machado: No livro, Arlindo Machado denuncia como uma
espécie de “misticismo” a crença na objetividade da fotografia e em sua fidelidade ao
real. Demonstra também a distância entre o mundo visto pelo olho e aquele interpretado
pela câmera, mapeia o sentido histórico dos códigos operados pela técnica, bem como
os artifícios que a própria linguagem adota para dissimulá-los.

Fotografias não humanas como satélites e imagens produzidas por máquinas para
serem lidas por máquinas, como QR Codes e códigos de barras. As imagens invisíveis,
que “fazem” coisas e mediam nossas vidas.

... formas de percepção que reconfiguram as relações do olhar, dos modos de ver e de
sermos vistos.

Touch screen e jogos como wii evidenciam o caminho do olhar se expande dos olhos
para outras partes do corpo.

“Veja com os olhos, olhe com o corpo todo”

No caso da criação de imagens porosas, tácteis, aliadas à Realidade Aumentada:

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Mas não estaria aí inscrita uma indicação de um mundo assombrado por imagens que,
transitando ininterruptamente por telas de todos os portes e formatos, sufocam a
capacidade de reconhecer suas proximidades e distâncias com o real, até se tornarem
invisíveis e anestésicas? Que outras políticas do corpo estão em pauta nesse processo
em que nos convertemos em fantasmas de nós mesmos?

(...) é o teórico brasileiro Erick Felinto quem situa o fantasma como chave de leitura
para. Acultura contemporânea, assombrada por fantasmas eletrônicos e digitais, “em
que as imagens na tela possuem uma realidade mais intensa e vívida que a do nosso
cotidiano”. Ganhando dimensões tridimensionais e multiplicando-se em canais on-line,
como o Instagram e o TikTok, as imagens tornaram-se um dos espaços mais
importante de sociabilidade e comunicação do século.

Não seria exagero afirmar que a cultura visual contemporânea é indissociável da


produção imagética nas redes. Nunca se fotografou tanto como em nossa época. Em
2015, estimou-se que a cada dois minutos eram produzidas mais imagens que a
totalidade das fotos feitas nos últimos 150 anos. Essa era uma estimativa
relativamente modesta, considerando-se que à época existiam 1 bilhão de dispositivos
com câmera (entre os 5 bilhões de celulares ativos).

As imagens contemporâneas rompem regimes estéticos e subvertem não apenas os


modos de fazer canônicos, mas também os modos de olhar.

... tudo pode ser registrado e postado antes mesmo de ser vivido, como se a
documentação pudesse prescindir do fato e da experiência das coisas.

Pacific é também, nos seus procedimentos de montagem, um cinema do homem sem


a câmera. “Gênero” cada vez mais recorrente na filmografia pós-YouTube, enuncia
uma estética que tira partido da organização das redes e em bancos de dados,
convertendo o dado em mídia, como definiu o teórico das humanidades digitais Lev
Manovich.

Discussão de algoritmos e SEO – Search Engine Optimization na questão da


visibilidade. Darwinismo social: o mais acessado sempre será o mais acessado. Vence
sempre o mais forte.

Estatuto do sujeito e da imagem na contemporaneidade: estética dos bancos de


dados. Cocriação, participação, exclusividade. Conteúdos são criados e a partir dos
dados dos espectadores (na falta de palavra melhor), adaptados para uma fruição
única e personalizada.

Existe escuta nas redes, ou apenas espaço para uma fala ininterrupta?

Se o século XIX criou as regras para amestrar os corpos dóceis, as redes sociais
consolidaram as normas dos olhares dóceis. Fala isso após uma discussão crítica sobre
os mesmos conteúdos, lugares, ângulos e perspectivas serem exaustivamente
compartilhados no Instagram. Mais do mesmo.

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Cultura do compartilhamento e cultura da vigilância: nas redes sociais, nossos
conteúdos são vinculados ao horário, dia e, por vezes, ao lugar de onde postamos.
Com a mineração de dados, isso permite um mapeamento detalhado dos nossos perfis
e consequente direcionamento de mensagens e publicidade.

Nunca estivemos tão próximos e tão distantes de Guy Debord, quando afirmava que “o
espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação mediatizada por
imagens”. Próximos porque tudo depende do compartilhamento e consumo de
imagens, ou seja, da relação mediatizada, e distantes porque essa relação mediatizada
não é produto de uma alienação do sujeito, como Debord pressupunha, mas pela ação
do sujeito em sua performance nas redes.

Algoritmos aprofundando questões sociais como o racismo. Lembrar da prova de LV II,


que os algoritmos aprendem e são programados por homens que, por sua vez, estão
em um contexto social, histórico e cultural e respondem a ele. Preconceito algorítmico.

A diferença do sistema de vigilância atual pro panóptico, que foi a idealização que mais
se aproximou dele é que os grandes olhos que nos monitoram veem pelos nossos
olhos (por meio dos dados que fornecemos)

Nick Couldry denomina datacolonialismo: sistema pelo qual a acumulação de capital é


decorrente do extrativismo de dados, e não da produção.

A ameaça não é mais sermos capturados pelo olho vigilante do big brother de Orwell,
mas de nos tornarmos invisíveis e desaparecermos.

Estética da Vigilância

Na vida social por tudo já dito e na vida cultural com a emergência de reality shows,
hidden cameras etc.

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Internet das coisas: interconexão de objetos às redes; máquina-máquina | Inteligência
ambiental: ecossistema entre máquina e humanos, como a realidade aumentada, o
consumo mediado etc.

Estado de claustrofobia de massa: Paul Virilio – a incapacidade humana de leitura de


várias imagens no dia a dia urbano, dos sistemas de dados e de reconhecimento facial,
de detecção de pontos de calor etc.

Van Dick: com a web 2.0 e a explosão dos aplicativos no cotidiano, migramos da noção
de plataforma como “coisa” para a de plataformização do processo. Gigantes como
Google, Facebook e Apple estão de tal forma entranhadas na vida cotidiana que
reorganizam as práticas culturais, a partir de uma nova infraestrutura econômica,
política e ideológica.

Geomídias: plataformas que mesclam tecnologias existentes em um novo modo de


imagem digital.

(...) em um mundo mediado por bancos de dados de toda sorte, somos uma espécie de
plataforma que disponibiliza informações e hábitos, conforme construímos nossas
identidades públicas nos diversos serviços relacionados ao nosso consumo, lazer e
trabalho. Somos, portanto, corpos informacionais que podem não só transportar
dados, como também ser entendidos como um campo de escaneamento e
digitalização de informações.

Racismo algorítmico. O caso da escolha do substituto de Daniel Craig para James Bond:

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Deepfake:

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Desobediência tecnológica:

Glitch: estética de pane comunicacional e da ruína tecnológica

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Capitalismo fofinho: um regime que celebra, por meio de ícones gordinhos e
arredondados, um mundo cor-de-rosa e azul-celeste, que se expressa a partir de
onomatopeias, likes e corações, propondo a visão de um mundo em que nada
machuca e todos são amigos. (p. 164)

É isso que faz da vigilância, no contexto da digitalização da cultura em que vivemos,


uma prática não necessariamente coercitiva. Ela pode operar, e de fato opera, de
forma naturalizada, pela necessidade de se fazer parte do todo, de ser visível, e
também de forma compulsória, pela necessidade de ser socialmente computável.

Você pode escolher se integrar ou não às redes sociais, por mais que isso implique em
sua invisibilidade. Mas é mais difícil escolher estar ausente em um contexto como o da
pandemia de covid-19, em que o compartilhamento dos dados pode significar a
proteção da sua saúde.

“Coronavida” – amei o termo

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O mesmo vale para a arte.

Brandificação da vida:

Sobre os about us das redes sociais como YouTube e FaceBook:

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Repetem-se, como mantras, cada uma [das plataformas] com seus acordes próprios, as
ideias de uma comunidade para todos, o espaço aberto, a cultura grátis, o
compromisso com o compartilhamento e a conexão entre pessoas. Mas que tipo de
esfera pública podemos de fato discutir a partir de espaços de confinamento subjetivo
e sensorial tão evidentes? E se essas apropriações têm, como discutimos ao longo
deste livro, sua fundação assentada na dominação das imagens que produzimos e nas
que são produzidas algoritmicamente sem que saibamos ou vejamos, a discussão
passa necessariamente por outra ética das imagens e das redes.

Isso implica, no ponto de partida, a recusa da noção de virtualidade como uma


dimensão à parte do real, uma espécie de “universo paralelo” que responderia a uma
lógica própria. Politizar a discussão sobre os dados é hoje estratégico e os meandros
das eleições de Bolsonaro e Trump, nos Estados Unidos, são exemplos quase
autoexplicativos dessa urgência. Mas esse reconhecimento implica também a
consciência das materialidades das redes, não só do ponto de vista de sua
infraestrutura física, como dos seus fluxos.

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