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MÚSICA

Faixa a faixa: Don L


"Roteiro pra Aïnouz,
Vol. 3"
© Autumn Sonnichsen

O rapper cearense conta as histórias


por trás de cada faixa de seu novo
EP

Escrito por Luana Dornelas


20 min de leitura · Publicado em 12.07.2017 · 18:23 UTC-3

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O rapper cearense Don L, que em 2015 foi


um dos convidados da ocupação PULSO,
que rolou no Red Bull Station, lançou
recentemente seu novo EP, intitulado
"Roteiro pra Aïnouz, Vol. 3", em referência
ao diretor de cinema Karim Aïnouz. O disco,
lançado quatro anos após sua última
mixtape, foi produzido pelo Don em parceria
com Deryck Cabrera e co-produzido pelo
Leo Justi, DJ Caíque, Sants e Luiz Café.

Este é o primeiro disco da trilogia RPA e


conta com muitas participações, entre elas
Lay, Diomédes Chinaski e Terra Preta. Neste
trabalho Don L expressa seu inconformismo
com o mundo e reflete de certa forma o
momento sócio-político caótico do Brasil.

Convidamos o Don para contar um pouco


das histórias por trás de cada produção do
álbum. Dá o play e descubra os segredos
por trás de cada faixa.

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1 – Eu Não te Amo

Quando o Diomedes me mandou a música


“Sulicídio”, um dia antes de ser lançada, essa
que seria a intro do meu disco já tinha a voz
dele gravada. O Deryck me mandou a
primeira parte do beat, eu escrevi até ali e
depois chamei ele pra gente criar junto a
parte de transição, e a parte que o Chinaski
vem rimando. Naquele tempo eu já achava o
Chinaski um dos melhores rappers
brasileiros, com um background parecido
com o meu, ele sendo de Recife, cidade
parecida com Fortaleza, de onde eu vim. Ele
era a pessoa perfeita por vários motivos. Eu
queria apresentar alguém novo, e do
Nordeste, pra cena de rap brazuca, logo na
intro. Alguém que fosse uma continuidade
do que a gente construiu com o Costa a
Costa, e que ao mesmo tempo
representasse um retorno ao velho Don L lá
em Fortaleza, que é o Don L do RPA1, o que
dá esse conceito de loop que tá presente
nesse trampo todo. Na transição eu tô
falando disso, do antigo Don L ali naquelas
ruas que inspiraram minhas primeiras rimas,
já me sentindo deslocado, tentando criar
uma rota de fuga e até uma realidade
paralela pra prisão das circunstâncias. Faço
esse paralelo à minha situação atual em São
Paulo, que é sobre o que eu começo a
música falando, porque é em essência a
mesma coisa, e aí o Diomedes entra falando
dele, que tá vivendo a versão 2017 do meu
2007, nessa desconstrução e reconstrução
constante da noção de tempo e espaço que
é o RPA em geral, preparando pra próxima
faixa.

2 – Fazia Sentido

Aqui eu continuo de onde o Diomedes


parou em 2017, só que em 2007 ou antes
disso, quando eu só tinha um gravadorzinho
minicassete onde eu registrava meu
sentimento em forma de rimas, sozinho num
quarto sem reboco numa ocupação de
favela batizada de Marrocos, em frente à um
conjunto habitacional conhecido como São
Pedro. Nessa ideia de filme, imagino o
Diomedes rimando numa rua vizinha só que
em Recife, numa atmosfera como a dos
sonhos onde esse tipo de coisa acontece, e
a câmera correndo um ou dois becos pra
chegar em mim, em 2007 em Fortaleza,
como se fosse ao mesmo tempo. Sou eu e
minhas rimas contra o mundo num quarto
sem reboco, me exercitando a cada dia até
me sentir como se eu tivesse um exército
comigo, como uma rebelião de escravos se
preparando pra tomar a liberdade à força, e
aí vem o Terra Preta nos coros do refrão e
depois no final, representando isso. Isso
tudo tá implícito ali no primeiro verso e
refrão, e aí já volta pra 2017 de novo, nesse
contexto atual bagunçado da música e o
rap, traçando esse paralelo temporal, numa
de pôr ordem no caos e cada coisa em seu
lugar, me situando dentro desse contexto. O
beat do Deryck tem esse feeling de luta,
meio afro-beat, e a mix do Luiz Café trouxe
esse contraponto ali no refrão: na minha
parte, é uma voz com reflexos de quarto
pequeno, praticamente sem cômodos, em
contraponto à várias vozes do Terra ali como
um coro gigante de cem pessoas a céu
aberto. Eu precisava ainda de uma voz
feminina em alguns backings do final, e aí
tive a sorte de poder contar com a linda voz
da Srta. Paola.

3 – Aquela Fé

Agora cê pode imaginar que eu fiz flexões


até cair de cansaço naquele quartinho da
faixa anterior, e quando a câmera dá uma
volta de 360 graus pelo cenário e volta pra
mim: eu tô sentado no chão da sala de um
apartamento no décimo oitavo andar do
centro de São Paulo, com vista pra selva de
concreto, frenética. Aliás, aquele barraco da
faixa anterior também tinha uma vista pra
uma outra selva de concreto, só que em
frente ao mar, mais ou menos da mesma
altura, no topo do morro. Agora as paredes
têm reboco e eu tô num cenário de fim de
festa, sozinho de novo, em meio às garrafas
vazias e bagunça da noite anterior. Sentindo
o loop e o peso do cansaço, eu percebo que
a diferença principal daquele quarto de
favela pra esse apartamento não tá no
reboco da parede, nem na vista, nem na
cidade, nem em nada em minha volta, mas
num tipo de fé ingênua que aquele "velho
eu" tinha, e percebendo que perdi em
algum ponto do caminho, eu sinto a
necessidade dela de volta. Esse é o cenário
que eu via quando ouvi pela primeira vez o
beat do DJ Caique, que é a instrumental da
primeira parte dessa música, no meio de
uma dezena que ele tinha me mandado, e eu
escutava meio desmotivado, entre uma aba
e outra de mensagens de fãs nas redes
sociais me falando da relação deles com a
minha música. Eu já tava escrevendo uma
resposta pra uma dessas mensagens,
dizendo pro moleque não seguir meus
passos, que não tinha dado muito certo, até
que eu percebi que na verdade ele é que
tinha o que eu precisava, ele tinha aquela fé
que eu tinha perdido, e aí eu só fechei a aba
de mensagens e comecei a escrever a
música no Evernote. Quando terminei essa
parte, pensei que o beat tinha que dar uma
virada, a ideia tinha que dar uma virada,
minha vida tinha que dar uma virada. Eu
tinha que trazer o Constantino nesse som. Eu
sempre chamei o Gallo de Constantino
[Constantine, o Hellblazer], pela intensidade
que ele lida com anjos e demônios na vida
dele, e por ser um cara que tem uma fé que
sempre me intrigou, que parece que
persegue ele e não o contrário. Exorcista de
favela. É o cara que o irmão pecador quer
trocar uma ideia quando o assunto é muito
denso pro pastor. Então a gente faz outro
retorno a Fortaleza, na pele de um cara que
tava comigo lá em 2007, e que em 2017 tá
trampando no resgate de almas,
literalmente, nas ruas de Fortaleza,
ensinando redução de danos pra viciados
em pedra. Quando eu ouvi essa parte que
ele diz no verso: “dividindo um café com um
mendigo em trapos que canta versos que
vivi noutro momento”, reconheci que ele
falava do Nathan, moleque que era o fã
número 1 do Costa a Costa na quebrada,
que em 2016, por aí, eu soube que tava em
situação de rua, e nesse dia que o Gallo
trombou ele, me mandou um áudio de
WhatsApp, cantando um verso nosso
daquela época e lembrando um dia que
colou num backstage de show nosso, no
auge da nossa fé ingênua. Aí tive que
chamar o Deryck de novo, e a gente fez aqui
em casa a parte final, que eu escrevi
enquanto ele criava a linha de piano e já fui
gravando a guia, que o Terra Preta depois
também ajudou dando um reforço onde
minha voz não chega. Eu tinha gravado uma
guia do refrão e acabei usando alguns dos
meus backings, mas precisava de um cara
que conseguisse chegar naquele falsete
exatamente como eu queria, com alma,
técnica, e a voz ideal. O nome dele é Eddu
Ferreira.

4 – Cocaína

Esse é um ponto de virada no RPA3. Eu tinha


falado sobre a adrenalina como anestésico,
lá na intro, me referindo àquele momento da
minha vida, de dez anos atrás, quando eu
tentava romantizar o ódio pra encontrar o
amor. Aquele era um ponto de virada, e esse
é um novo, que se desenvolve nas próximas
quatro faixas. É um mergulho no caos.
Depois da desilusão, a dose de adrenalina.
Se é isso que tá tendo, deixa eu sentir no
máximo. É sacar muito bem o que tá
acontecendo e o grau de inviabilidade de
qualquer mudança substancial a curto prazo,
e se adaptar a isso, se camuflar no caos e
criar uma realidade paralela, e tentar ser feliz
pra hoje dentro de uma matrix. Quando você
sofre um acidente brusco, seu corpo
descarrega uma dose de adrenalina muito
alta e você não sente a dor, e então você
tem a chance de se adaptar à ideia de ter
levado um tiro, por exemplo, ou ter perdido
um braço. Tão importante quanto a
realidade é a forma que cê lida com ela, pra
criar ilusões até o ponto em que elas se
tornam insustentáveis e você precisa destruí-
las por completo pra reconstruir novas. Essa
faixa é o mergulho, o pico de adrenalina, o
foda-se essa porra toda. Foi também a faixa
que me deu mais trabalho pra ficar perto de
como eu queria. Eu peguei um beat do
Goss, e escrevi ela em dois dias. Depois
comecei a mudar umas coisas, queria umas
viradas de bateria de verdade, e queria uma
guitarra. Levei no estúdio de um amigo, o
Renato Parmi, que colocou essa guitarrinha
rítmica do refrão. Mas eu precisava de uma
guitarra mais rock’n’roll, na música toda,
dançando comigo no caos. Foi aí que eu
chamei um cara de quem sou fã, e há muitos
anos esperava uma oportunidade de
colaborar numa música, o melhor guitarrista
do mundo, meu conterrâneo Fernando
Catatau. Quando esse maluco me mandou o
que ele tinha feito, era uma parada tão
genial que eu precisava adaptar todo o
resto. Tentei gravar uma bateria acústica, e
um Wurlitzer, quando eu tava participando
do projeto Pulso da Red Bull, onde tive
acesso a uns músicos que eu não conhecia e
ao estúdio. Acabei usando só as viradas de
bateria, e o resto serviria depois pro
interlúdio que segue na próxima faixa. Eu
ainda queria umas 808 nos versos, que criei
com o Cesinha [CESRV] onde gravei as
vozes, depois que já tinha todo o resto e
retimbrei em casa. Eu precisava de vozes no
refrão e foi aí que o Eddu Ferreira chegou
outra vez fodamente na missão.

5 – Cocainterlúdio

Eu queria um interlúdio instrumental que


representasse o efeito prolongado ainda
daquele mergulho no caos. A imagem era
essa de ultrapassar correndo as Ferraris do
engarrafamento. Cocaína. Eu tinha aquela
bateria e teclados que eu não tinha usado na
faixa anterior, e queria uma sessão de metais
com um solo de sax. Foi a minha
oportunidade pra chamar outro zika. Eu só
dei a idéia do feeling que eu queria, o tipo
de jazz fritação de mente que eu queria
nessa faixa, e mandei a base que eu tinha
editado, do material que eu tinha gravado na
Red Bull, pro Thiago França, melhor
saxofonista do mundo. Ele criou a sessão de
sopros inteira e o solo, e gravou tudo em
take 1, no estúdio C4. Eu tinha ligado o Luiz
Lopes, dono do estúdio, do tipo de som que
eu queria, e perguntado quanto seria porque
eu não sabia quando ia poder pagar. É um
estúdio de ponta o do Luiz, e eu queria os
metais do França no melhor esquema. Ele
me falou que tinha uns mics de fita lá, e um
preamp boladão pra esse tipo de som. A
bateria e o teclado não tinham exatamente o
som que eu queria, porque foram gravadas
mais de improviso no projeto Pulso da
Red Bull, e faltava um baixo, que pedi pro
Gustavo Portela, de Fortal, e o Rodrigo Coei,
de Recife, gravarem a distância mesmo e me
mandarem. O talento final ficou por conta do
Luiz Café que montou tudo comigo lá em
Niterói e mixou, fazendo essa parada toda
gravada em picos diferentes funcionarem
juntas. Na real, o disco inteiro foi gravado
assim, onde dava e do jeito que dava, até
chegar no feeling aproximado do que eu
queria, sempre contando com o Café pra
consertar na medida do possível as falhas
técnicas, e ainda fazer uma mix criativa em
cima disso. Passei quase um mês em Niterói
pra gente conseguir chegar num resultado
que satisfizesse os dois.

6 – Mexe pra Cam

Seguinte à minha imersão no caos, a criação


de uma realidade paralela, particular. Dentro
dela um lugar seguro, um refúgio. Pequenos
vícios. Um amor. Um caso. Algo de bom pra
ser lembrado. “Strange Days [Estranhos
Prazers]” é um dos meus filmes preferidos.
Muitas vezes eu me senti como o Lenny
nesse filme; traficando experiências em
mídia digital, seguindo cegamente uma
missão antiga que desembocou em
caminhos totalmente diferentes do
imaginado, vivendo de uma profissão
perigosa, com o status de alguém que tá
fazendo dinheiro, mas na real tá ralando pra
pagar as contas. Hoje em dia quase todas as
pessoas têm celular com câmera, e a maioria
usa isso de uma forma muito mais doida do
que a "droga do futuro" imaginada nesse
filme dos anos 90. As pessoas simulam
experiências, encarnam personagens e
estilos de vida maquiados, e vendem isso,
compram isso, consomem e são consumidos
por isso. Tudo é um reality show e ao mesmo
tempo nada é muito real. Um dia desses
circulou em grupos de WhatsApp um vídeo
de uma molecadinha, da minha cidade,
alguns com cara de 16 anos, se filmando
dentro de um carro cheio de armas, indo
matar outros moleques, com sorriso na cara
e expressão de quem tá dentro de um jogo
de videogame. Eles não estavam só indo
matar alguém. Eles estavam indo se filmar
matando alguém. E isso é construção de
status dentro do reality show de favela atual
da molecadinha de facções criminosas,
como é pro casal ir à praia produzir uma foto
se beijando de frente pro mar. Nessa música
eu quis fazer o contrário. Falar de um
momento íntimo, de um filme particular, e
também inverter um pouco esse lance
machista do risco dos nudes e revenge porn
ser uma coisa negativa pra imagem da mina
exposta, quando na real otário é quem
quebrou o contrato íntimo e publicou. É um
som que tem esse feeling de felicidade
passageira, de sexo quente, da possibilidade
desse pôr do sol ser o último. É sobre sexo e
solidão ao mesmo tempo. Porque o vídeo é
repetível, a vida não. O momento é único. Eu
tinha acabado de conhecer a Lay nessa
época e já sabia que ela seria uma das
maiores artistas do rap brasileiro, prestes a
lançar um disco histórico, que foi o 129129
dela. Uma mina muito de verdade, que tem
uma busca pela substância também através
da estética e imagem, como afirmação e
arte mesmo, muito além do superficial. O
beat é do Sants, moleque bom da eletrônica,
um dos meus beatmakers favoritos. Ele me
mandou uma prévia do beat pronto, eu
gravei a guia inteira, e aí um certo dia o hd
dele quebrou e ele perdeu as pistas
originais do beat. A gente teve que fazer de
novo junto, porque como ele cria os
próprios timbres dele, alguns não ficavam
iguais, e mesmo que fosse impossível ficar
igual, eu queria o mesmo feeling. No final
isso foi positivo porque foi no meio dessa
session de recriação do beat, na minha casa,
que ele criou meio de freestyle o beat da
próxima faixa, Ferramentas.

7 – Ferramentas

Ouvindo esse beat olhando a vista da minha


varanda, eu sentia um sentimento recorrente
e que não é dono de uma palavra no
dicionário. Talvez metanostalgia, não no
sentido de uma nostalgia dentro de uma
nostalgia, mas no sentido de uma nostalgia
fora do tempo, uma saudade do que eu
poderia estar vivendo agora. Não é uma
frustração, simplesmente, porque envolve
um sentimento de prazer e um gosto de
champanhe na boca, mas incompleto,
faltando algo importante, que eu já tive
quando faltava algo, que eu tenho agora. Eu
tinha fechado com um amigo de colar na
quebrada dele, Favela do Colombo. Gato
Preto, baiano de Feira de Santana, foi o cara
que lá atrás em 2007, quando eu tinha dado
uma bagunçada na cena do rap com a
mixtape do Costa a Costa, e o clima tava
tenso, me ligou e disse que eu podia colar
em São Paulo quando eu quisesse que
ninguém ia mexer, que ele garantia com o
que fosse preciso. Parceiro de fé e
ferramentas. Mais ou menos um ano depois
ele foi parar num presídio de segurança
máxima onde passou oito anos, e a gente
perdeu um pouco o contato, a não ser pelas
notícias que um amigo nosso em comum,
Duguetto, me passava sobre ele, que sempre
mandava um salve. Quando voltou pra rua,
eu tava em São Paulo, ele ficava sempre
entre a favela e algum lugar perto do centro
onde eu tava, e a gente ficou mais próximo,
se vendo frequentemente, trocando ideias.
Essa música eu escrevi depois de uma
dessas nossas conversas, sobre nossa
caminhada, sobre os caminhos do rap, sobre
nossas ideias de vida, nossa fé, nossas
ferramentas, e vários planos que foram
interrompidos alguns meses antes desse
disco sair, quando infelizmente o irmão foi
assassinado. A voz no final da música é um
áudio de WhatsApp dele, nesse mesmo dia.
Além do beat do Sants, tem uns synths
adicionais meus e do Deryck, que fez
produção e pós-produção quase no disco
todo comigo, além de tocar essa guitarra do
final num teclado de computador, usando
um plugin de baixo nas notas agudas. Não é
o ideal, mas a gente tá falando de
ferramentas, e pra isso era a que tava tendo
no dia. Teve o feeling, e eu sabia que podia
contar com o Café também.

8 – Se Num For Demais

Então a gente chega no auge do RPA3, que


é o fundo do poço no momento da subida,
depois do mergulho, da imersão completa,
que é a Cocaína e o interlúdio, o refúgio de
Mexe pra Cam, e a recaída metanosgálgica
em Ferramentas. Agora você aceitou a
queda, o rolê no inferno, e falou ok, era só
isso memo? Pode ficar com o troco. E parte
pra uma nova reconstrução, uma
redescoberta de si mesmo. É quando você
pode ver a parte positiva da destruição, que
é gerar espaço, matar coisas em você pra
permitir outras nascerem. Talvez os cinéfilos
estranhem as referências que cito no
decorrer do disco, e outras que cito aqui
nesse faixa a faixa, pra quem tá falando de
um disco que tem no título o nome de um
diretor que pertence à outro circuito, mas é
aí que tá o lance. Logo ali na intro eu cito o
personagem Escobar, e o Tony Montana,
bandidos-heróis que muitas vezes você vai
encontrar numa foto de capa de Facebook
de alguém que, ao mesmo tempo, defende a
maioridade penal de adolescentes, e vota
em políticos de campanhas policiais. Porque
eles não são reais. Porque você não sente
nenhuma dor quando assiste à esses filmes
ou séries. Inclusive eles estão na mesma
categoria de personagens apesar de um ter
existido de fato e o outro ser totalmente
fictício. No decorrer do disco eu cito outros,
a maioria holiudianos, até chegar nesse
ponto, nessa faixa. Quando eu percebo que
cheguei no fundo do poço e preciso
terminar de destruir o que sobrou pra uma
reconstrução completa, eu digo que minha
vida é um loop do Fight Club, mas dirigido
por Aïnouz. É uma quebra de paradigma.
Porque é muito real. Porque o Aïnouz é
daqueles diretores que faz você sentir
inclusive o tédio, o vazio. Não apenas
entender, tipo, ah ok, aqui o personagem
sentiu um vazio, e agora a gente pode
continuar nossa história à prova de déficit de
atenção e continuar com a ação! Não, você
precisa sentir o vazio. Você precisa sentir a
dor. E isso torna real, porque só a dor é real.
E a nossa treta é mais pesada. Nosso deserto
tá mais pra Saara do que Arizona. E minha
vida tá mais pra um filme do Aïnouz. A dor é
real. Nessa o Café fez beat, produção, mix e
master, e eu acrescentei esses gritos, de um
sample que eu tinha guardado a muito
tempo esperando uma oportunidade pra
usar, e encaixou perfeitamente.

9 – Laje das Ilusões

Aqui o renascimento das ilusões, outra vez. É


como um apanhado geral de imagens dos
três volumes do RPA, em velocidade ultra-
rápida, como as imagens de uma vida na
mente de alguém passando por uma EQM. É
sobre essa sede de vida, e essa sensação de
estarmos sempre muito aquém das nossas

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