GEOGRAFIAS EMOCIONAIS: A QUE LUGARES (NÃO) PERTENCEMOS?
Por Cíntia Oliveira Tavares
Karoline Kimberlly Pereira Batista Marcella Mendes Custódio Rebeca Limongi de Morais Tainá Santos de Farias
A concepção de geografias emocionais se refere à pluralidade de manifestações que
os espaços podem assumir na trajetória física e psicológica dos sujeitos. Nesse sentido, os impactos emocionais causados pela relação entre os lugares físicos e a ideia de pertencimento caracterizam nossas vivências em sociedade. As formas de expressão dessas emoções se traduzem, de maneira interdisciplinar, na investigação do quanto a identidade dos indivíduos é constituída pelo meio em que vivem ou pelo qual passam. Considerando-se os movimentos migratórios da contemporaneidade, não apenas a nossa permanência nos espaços como também nossa diáspora, indicam movimentos cuja reação manifestada nos indivíduos pode assumir o sentimento de refúgio e abrigo, mas também de medo, conflito e resistência. Assim, é pela experimentação dos espaços, seja ela positiva ou negativa, que o conceito de geografias emocionais pode ser compreendido. A influência exercida pela materialidade dos espaços físicos em que habitamos compõem parte da nossa apreensão do mundo. Logo, a forma como percebemos os ambientes ao nosso redor e os elementos que o caracterizam provocam múltiplas significações. As relações estabelecidas com a cidade diferem das relações estabelecidas com o campo, que também divergem se o ambiente se mostrar hostil, como é o caso da composição urbana contemporânea, e, principalmente, se exteriorizam de outras formas quando se trata de migrações forçadas, contextos de guerra e trânsito cultural. Tais experiências com a geografia desestabilizam conceitos pré-determinados, como o de nacionalidade e pertencimento natural à terra, na medida em que essas noções só podem ser incorporadas se apropriadas da multiplicidade de sentidos que podem adotar num mundo cujos trajetos se entrelaçam por meio de diversos percursos. Uma vez que o fazer literário é perpassado pela representação do real, encontra-se em abundância na literatura a ideia de geografias emocionais, pois a desterritorialização é tema constante de obras clássicas e contemporâneas. Como exemplos, podem ser mencionadas as obras O Quinze, de Rachel de Queiroz; A Cidade e as Serras, de Eça de Queiroz; A Casa dos Espíritos, de Isabel Allende e Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto. O que une essas obras é a constância da relação espaço-sujeito de modo indissociável, partindo do ambiente para a dimensão interior e emocional dos personagens acerca dos lugares que ocupam ou pelos quais transitam. No livro O mundo mutilado, de Prisca Agustoni, as geografias emocionais se manifestam a partir das emoções experienciadas por um eu-lírico que está em retirada de sua terra natal. É possível perceber, na voz desse eu-lírico, diversos pensamentos conflitantes entre si, devido à saída de seu lugar habitual, que se mostra hostil, para um outro desconhecido, que carrega certa esperança de sobrevivência. A obra de Agustoni é marcada, desde o título, por fortes imagens que podem causar um desconforto proposital ao leitor, colocando-o em contato com as angústias vividas nesse contexto de fuga. A autora constrói a atmosfera do livro a partir da primeira sensação do exilado, abordando em seus poemas o medo, a dor e a frustração de necessitar sair do seu território, chegando, por fim, no sentimento de esperança ao conseguir cruzar os limites do que antes era visto como impossível, mesmo que cercado por um incômodo constante de não pertencimento àquele espaço. No trecho “A derradeira fome/ a próxima sede/ a fuga primeira/ tudo começou/ na enseada do medo./ Desde então/ nenhuma trégua foi dada/ e o paraíso agora/ mudou de lado.” é construída a imagem da escassez que o eu-lírico enfrenta na qual a única solução seria atravessar as fronteiras do paraíso, um lugar que carrega, em sua essência, uma visão de fartura, paz e calmaria, contrapondo-se à cena dos primeiros versos. Em seguida, mais uma imagem referente ao espaço é evocada: “Somos os frutos estranhos/ presos aos galhos/ de uma árvore/ que nos repudia/ não há refúgio/ em quintal proscrito”. Dessa vez, a relação de segregação no território é mais explícita, trazendo à tona a tristeza de não ser aceito nem reconhecido como parte integrante daquele lugar que é considerado “casa”. Além disso, a chegada ao novo espaço também apresenta fortes retratos. Ao escrever “terra terra terra à vista/ eis as boias de ancoragem/ como cruzes fincadas num campo/ fileira de carimbos e assinaturas, papéis amassados e retratos 3x4/ o passe-partout para a fronteira do futuro”, a autora estabelece um outro clima, diferente do apresentado no início da obra. Aqui, ao chegar a uma nova terra, o eu-lírico demonstra um espírito renovado. É possível estabelecer que o novo ambiente pode se tornar um lugar de retomada da vida, um lugar repleto de possibilidades e de recomeços, a partir de uma configuração inédita de (re) existência e, assim, há uma expectativa de futuro. Através da obra de Agustoni, é explicitado na prática o conceito de geografias emocionais, uma vez que o ambiente do refugiado (nesse caso) está ligado diretamente às suas emoções. Tal relação conversa com diversos outros assuntos, como a questão da identidade do indivíduo, da situação político-social nos territórios e como isso afeta os povos, do pertencimento cultural, da segurança dentro e fora do seu espaço de origem, entre outros. Portanto, falar de geografias emocionais é falar de travessias terrenas, psicológicas e sociais.