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= PIERRE DARDOT” \E CHRISTIAN LAVAL. *§ ENSAIO SOBRE A SOCIEDADE NEOLIBERAL eee i aes ESTADO A de SiTio oe Cn eae eae aA eee Ree aoa ieee et nee ete ue oer préticas de dominagdo. E também reconhecer a ecessidade de nomed-lo a partir de sua atuali- Cen ee ee eet Giron Mute ecu ec ( Cae oe a ne Peer oe ue en Ue Ce Demet Cesena Cure niny A aplicagéo de recursos analiticos pouco artodo x03, que concilia filologia dos conceitos e investi- ees Mac tel no pce ace ne een Teens eee Cc econ Pec uC MeCN un teen grec Pier Oat STN ne ec cet una e a Leen Cie eo oe Pee Ook en Cae oe ee eee ta CEN er tee eee eat oes ieee Ne Rea ner se generalizar para todas as esferas sociais. entre per eco eerie ecu ciuee COM Neue tern oto Pose euC sco ut er ee aOR cae liberalismo configuraria uma racionalidade politic Pen enti Re eee iricir BALE MA EN RR é 2 3 ¥ g 2 (© Fakons Us Decne, Ps F208, 2010, Tia oak a Mole rn monde a alc nie Gis erie! ana king ‘Baie lela Mae and press Un Cpe Trace Madara Eee Prpentde Hoses Vein ‘Cpe Romi Ae: ft cy Ob (209) Beierdiopls Alas one. Ara Ys \ Rane Gil Teas fin, iy Dod, Leonards Ft, MaseneMepst, aura Buon, Resa Sue, Tae Baron, Tio Car CUPBPASIL. CATALOGAGAO NA PUBLICAGAD SINDICATO NACIONAL DOS EDITORESDELIVROS,@) ‘Attra ai do mind sobs oid ener ire Dank (Ganda) ‘Tad de a lain wn ir Kv mbt ISBN 9745.7559.48-1 Brendan pedis ug patel nan ost ee Ca ouvnge indi a ater Cerowrage pub dosed da rope Aid Ls Pion datropamnesd Aiea eaten 2014 Caos Drwmttont de Andee dela ne route de acTtowrine Fane Miostre fanga dex A aps aoa Tuclirocinou com angeinda Eels, publ no dmb da Progen de Apia & se 2016 Tognonade pois Rtlcngs do Cale Drurnond de Andrade dl ator coy convo apie do one Tenino Peel anc da Regie Exeter Dowie Leena PANES adios do de 2096 BOITEMPO FOITORIAL Jy For cos Li. Tus Gera Lae 373 ep442-000 Si Pade SP ‘shtcaboitenpoeieia combs rrpisianpedieaoom | wvmlopibiempe.com-br qrndaninel rafschenye |eoopicesrelitaines srmyounibecon/taene L SUMARIO Preficio & edicao brasileira... Agradecimencos, Introducio& edi inglesa (2014 I A RteUNDAGAO INTELECTUAL... 1 Crise do liberalismo e nascimento do neoliberalismo .. 2 O Coléquio Walter Lippmann ou a reinvengio do iberalismo.. 3 O ordoliberalismo entre “py de sociedade’ © homem empresarial, Eade fore, guardito do diene privado ANOVA RACIONALIDADE, A grande virada..s i As origens ordoliberas da construgao da Lasop © governa empresarial A Eabtice do sujeito neoliberal Conclusio — O exgotamento da democracta liberal Indice onoméstico .. Indice analitico, PREFACIO A EDIGAO BRASILEIRA Um sistema pés-demoeritic O ncoliberalismo tem uma histria ¢ uma coeréncia, Combatd-lo exige rio se deixar iludis, fazer uma andlise hicida dele. O conhecimento cxftica do neoliberalismo sio indispenséveis. A esquerda radical ealternativa rio pode contentar-se com dentincias ¢ slogans, muitas vezes confusos, parciais ou atemporais. Assim, é errado dizer que estamos lidando cor o “capitalismo”, sempre igual a ele mesmo, e com suas contradigbes, que tavelmente levariam 4 roina final. Eficécia politica pressupse uma andlise precisa, documentada, circunstanciada ¢ atualizada da situacéo. O capitalismo é indissociivel da histéria de suas metamorfoses, de seus descarrilhamentos, das lutas que o transformam, das esteatégias que 0 senovam. O neoliberalismo transformou profundamente capitalismo, ransformando profundernence as sociedades. [Nesse sentido, 0 neoliberalismo nao € apenas uma ideologia, um tipo depolfcica ccondmica. # um sistema normativo que ampliou sua influgncla ao mundo inteico, estendendo a logica do capical a vodas as relagdes sociais ea todas as esferas da vida. Aoobra que vocé leri que finalmente esta disponivel em porragués gra- ges2editora Boitempo, foiescrita no perfodo de gestagSo da crise financeira mundial de 2008, Foi publicada no momento em que se podia constatat 4 amplidio dos estragos causados pelo neoliberaismo, A conviccio que tinhamos a0 escrevé-la possuia fundamento: a crise néo foi suliciente para fazer © neoliberalismo desaparccer. Muito pelo conteirio, 2 crise apareceu pata as classes dominantes como uma oportunidade inesperada. Melhos, como um modo de govemo. Ficon demonstrado que 0 neoliberalismo, eae YP a aaa ee 8* Anorarerdodo mundo apesar dos desastres que engendra, possui uma nocivel capacidade de au- tofortatecimento, Fle fe. surgit um sistema de normas € instinuigées que comprimeassociedades como um 7s deferea. As crises nfo sio para ele uma ceasldo para limitar-se, como aconteceu em mcadias do século XX, mas um melo de prosseguir cada ver com mais vigor sua trajewsria de ilimitapao. O capicalismo, com ele, no parece mais capar de encontrar compensacées, concrapartidas, compromissos. A maneira come a crise de 2008 foi provi- soriamente superada, com uma inundacio de moeda especulaciva emitida pelos bancos centrsis, mostra que & légiea neoliberal escapa de manciza extrzordinariamente perigosa © aciimulo de tensbes ¢ problemas nio resolvidos, 0 reforgo de ten déncias desigualitirias © desequilibsios especulasivos preparam dias cada vex mais dificeis para as populagées. No entanta, © cariter sistémico do isposicivo neoliberal torna qualquer inflexao das politicas conduzidas muito dif, ou mesmo impossivel, no proprio Ambito do sistema. Com preender politicamente © neoliberalismo pressupée que se compreendst a natureza do projeto social ¢ politico que ele representa e promove descle 08 anos 1930, Ele traz. em si uma ideia muito particular da demoera que, sob muitos aspectos, deriva de um antidemecratisne: 0 direito pri vado deveria ser isentado de qualquer deliberagio ¢ qualquer conteole, mesmo sob a forma do sufrigio universal, Essa ¢ razio pela qual a lgica nao controlada de autoforealecimento e radicalizacéo do neoliberalisme obedece, hoje, a um cenitio histérien que no é o dos:nos 1930, quando ‘ocorreu uma revisio das doutrinas ¢ das politicas do “laisee-fiire”. Esse sistema fechado impede qualquer anrocorrecto de trajetoria, em particular em razio da desativagio do jogo democritica ¢ até mesmo, sob ccrtos as- pectos, da politica como atividade. O sistema neoliberal esta nos fazendo entrar na era pés-democritica Na auséneis de margens de manobra, o confionto politico com 0 sisterna neoliberal enquanco tal € inevitével. Mas esse confroni0 também € problemitico, porque é dificil reunir as condig6es em que ele se di. O sistema neoliberal ¢instaurado por forgas e poderes que se apoiam ins nos outros em nivel nacional ¢ internacional. Oligarquias burocrisicas e poli- ticas, multinacionais, atores finanoeiros ¢ grandes organismos econdmicos internacionais formam uma coalizagéo de poceres concretos que exereem certs fungio politica em escala mundial. Hoje, a relagio de foreas pend inegavelmente a favor desse bloco oligdequico. Preficio & eigie basen * 9 ‘Aléan dos fatores sociol6gicos e politicos. os préprios mébscis subjetivos da mobilizagio sio enfiaquecides pelo sistema neoliberal: 2 acto coletiva se tornox: mais diffll, porque os individuos sio submietidos a um regime de concoriéacia em todos os niveis. As formas de gestio na empresa, 0 de- semprego ea precariedade, a divida ea avaliagio, sio poderosas alavancas de concorséncis incerindividual e definem novos modos de subjetivagio. A polarizacao entre os que desistem ¢ os que sio bem-sucedicos minaasolida- riedade e a cidadania, Abstencio eleicoral, dessindicalizagao, racismo, uido parece conduziri destruigao das condigies do colecivo e, por consequeéncia, a0 enfiaquecimenta da cxpacidade de agir contra o nealiberalismo. © sofrimento causado por essa subjetivacao neoliberal, a mutilagio que ela opera na vida comum, no trabalho e fora dele, sio tais que nia podemos excluir a posthilidade de ima revolt antinealihers! de grande anyplide cm suites paises, Mas nao devemos ignorar as mutages subjetivas pro- vocadas pelo neoliberalismo que operam no sentido do egotsmo social, da nnegagio da sofidariedade e da redistribuigio e que podem desembocar em movimentos reacionérios ou aré mesmo neofascistas. As condiges de um confronte de grande amplitude entre logicas contedsias foxgasadversas em escala mundial estdo se avolumando. ‘A esquerda somente poder tirar partido disso se souber remediar a pane de imaginagdo que vem sofeendo. A faléncia histérica do comunismo dde Estado contribuiu em muito para sua ruina. Se quisermos ultrapassar 0 neoliberalismo, absindo uma alternativa positiva, cemos de desenvolver uma capacidade coletiva que ponha a imaginasio politica pata trabalhar a partir das experimentagbes edas lutas do presente. O prineipio da comm que ema- ra hoje dos movimentos, das lutas ¢ das experigneias remeve a um sistema de peisicas diretamente contritias & racionalidade neoliberal ¢ capazes de sohicionaro con)unto das relacbes sociais. Essa nova razdo que emerge das priticas fax prevalecer o uso comum sobse a propriedade privada exclusiva, © autogoverno democritico sobre 0 comando hiersrquico ¢, acima de tudo, corna a coatividade indissocisvel da codecisio ~ nao ha obrigagio politica sem participagio em uma mesma atividade, Como escrevemos tas éilkimas linhas deste live, precisamos trabalhar por uma outra resco do mundo Pierve Dardot e Christian Laval Fevereiro de 2016, ACRADECIMENTOS Este liveo é devedor, em primeiro lugar, de todas aquelas erodes aq {que participaram nos siltimos anos do seminario “Question Mars’, no qual foram apresentadas © discucidas nossas pesquisas sobre © neoliberalismo, Queremos agradecer especialmente aos participantes que enriqueceram nossa reflexzo coletiva com suas apresentagSes, om particular Gilles Dostaer “Agnés Labrousse, Dominique Plihon, Pascal Pest ¢ Isibelle Rocher. Deve mos muito a nosso editor, Hugues Jallon, que acomparnha desde 0 inicio a ppequenaavennusa do seminstio “Question Marx" enosajudou enosmemente com seus conselhos para a composigéo da obra. Agradecemos igualmente a Bruno Auesbach, pela releitura atenta e paciente do osiginal Mas nada disso teria side possivel sem a amizade fel e6 apoio inselectual de El Mouhoub Mouhoud, que se assaciou desde o infeio & redagio deste livro, tampouco sem a ajuda tio canstante quanto preciosa de Anne Dardor, jas veres releu ¢ organizou 0 original, sem nuncs medit esforcos, INTRODUGAO A EDICAO INGLESA (2014)* “Ainda ndo terminamos com o neoliberalismo” era a primeiza frase da Lncodugio 4 primeira edigan francesa deste livia, pubbcada em janeiro de 2009, Na época, queriamos dissipar o quanto antes a ilusdes que surgizam ‘com a faléncia do banco Lehman Brothers, em setembro de 2008. Muitos pensavam, na Europa ¢ nos Estados Unidos, que a crise inanceira soara as ‘badaladas finais do neoliberalismo e que seria a vez do “tetorno do Estado” cea rgulagio dos mercados. Joseph Stiglitz pereorria o mundo anunciando “o fim do neoliberalismo”, eautoridades politicas, como. presidente francés Nicolas Sarkozy, proclamavam a reabilitagao da incervengao governamental Perigosas, uma ver que poderiam susciear uma desmobilizagio politica, essay ilusdes no tinham r2z0es para nos deixar admizadas: baseavam-se num erro de diagnéstico amplamente compartilhado, © qual nossa obra rinha o objetivo de combater. Enganar-se sobre a verdadlita nacureza do neoliberaismo, gnorar sua histria, nfo enxergar suas profundas motivagbes sociaisesubjetivas era condenar se cegueirae continuas desarmado diante do que néo ia demorar a acontecer: longe de provocar © enfraquecimento das politicas nevliberais, a cxise conduziu a seu brutal fortaecimento, ma forma de planos de austeridade adotados por Estados cada vex ras aivos imence publicado na Franca, em 2009, este liveo teve uma edi ingles, fedusida eadaptada em 2013 e visa em 2014, Embora a presente traduco tenha sido fica partido original francés, aedicio que ora se apveienta ao lecorbrasileino Incorpacou, por meio de cotejo € coma supervisio dos autores, a reducio, as adap tages eas conregées da edigdo inglesa cle 2014, enue cas, esta inusodueto revista& ampliada. (NE) 14 + Arnova santo do mando na promogio da I6gica da concorréncia dos mercades financeiros. Parecia- -nos, ¢ hoje nos parece mais do que nunca, que a anilise da génese € do funcionamento do neoliberalismo € condigao para uma resisténcia eficaz em escala curopeia e mundial. Ainda que precenda respeitar os critérios da pesquisa cientifica, este livio néo é académico no sentido tradicional do termo, mas precende-se primeiro, ¢ acima de tudo, uma obra de esclareci- mento politico sobre essa Logica normativa global que 0 neoliberalismo. Em uma palavra, a compreensio do neoliberalismo a nosso ver, uma questio estranigica universal Um erro de diagnéstico A partic do fim dos anos 1970 edo inicio dos anos 1980, 0 neoliberalismo fo interpretado em geral como se fosve ao mesmo tempo uma ideologia © uma poitticw econdmica divetamente inspitada nessa idcolbgia. O niicleo dco dessa ideologia seria constituido por uma identificagio do mereado com ama realidade navural!, Segundo essa oncologia nacuralista, hastaria deixar essa reaidace por sua propria conta para ela alcangar equilibrio, estabilida de crescimento. Qualquer intervencio do governo s6 poderia desregular perturhar esse curso esponcineo, logo convinha estimular uma atitude abscencionista. O neoliberalisma compreendico dessa forma apresenta-se como reabilitacio pura e simples do laisee-feire, Considerado do ponto de vista de sua implantagio politica, foi analisada de pronto de forma muito estreita, segundo a perspicaz observagio de Wendy Brown: (Como insesumenro da politica econdmica do Estado, como desmantelamen- to dos autos sociais, da progresividade do imposto ¢ outrasferramencas de redistibuigao de riqueras de um lado c com o estilo da ativida entraves a0 capital mediante a desregulamencagéo do sistema de sade, trabalho edo meio ambient= de outeo Ene credo nacuralisa, que ert 0 de Jean-Laptiste Say « Frédéric Basciat, i pes feitamente formalado nos saguintes termor pelo ens rancts Alain Mine: 'O capicalismo nao pode mui, ele 60 eso natural da sociedade. A democracia nao € ‘estado natural da sociedade, O mercado, simi" (Cambio 16, Madsi, 5 dex 1999, Wendy Brown, Ler habits neuf del politique mondiale, ntoubenalume ex néoconer- tcznte(erad. Chiintine Vivier, Philippe Mangeot e labelle Sint-Saéns, Paris, Les Prairies Orclinares, 2007), p. 37. Ese ens incisive nor sjudos: muita formulae noses propria compreensio do neviberaismo, Introdusio i edigao inglesa (2014) © 15 Se admitirmos que sempre hé “intervengio”, esta € unicamente no seatido de uma agéo pela qual 0 Estado mina os aficerces de sua propria existéncia, enfiaquecendo a missio do servigo piblico previamente confiada ade, “Intervencionismo” exchusivamente negativo, podedamos dizer, que nada mais € que a face politica ativa da preparagao da vevirada do Escado por ele proprio, portanto, de um anti-intervencionismo como prinetpio. No é nossa intend contestar a existéncia e a difusto dessa ideologia, tampouco negar que ela tenha alimencado as policicas econdmicas impulsio- nnadas macigamente a partir dos anos Reagan ¢ Thatcher eencontradoem Alan Greenspan, 0 "maestro de Wall Street’, seu adepto mais fervoroso — com as eonsequiéncias que todos conhecemos?. O que Joseph Stiglitz chamou com justiga de “fanarismo do mercado” 6, alids, 0 que os periddicos Wall Street Journal, The Economist © codes 0: equivalences a0 redor de mundo sabem fomentar melhor entre seus leitores*. Mas o neoliberalismo esté muico dis tance dese resumir a um ato de fé fandtice na naturalidade do mercado. O trande cero cometido por aqueles que anunciam a “morte do liberalism” & confundira represeatagio ideoldgica que acompanha aimplantacio das po- Iiticas neoliberais com a normatividade prética que caracceriza propriamente o neoliberalismo. Por isso, 0 rclativo deserédito que atinge hoje a ideologia do Leisee faire nio impede de forma alguma que o neoliberalismo predomine ‘mais do que nunca enquanto sistema normative dotado de cera efciéncia,, isto, capaz de oriencar intecnamentea pritica efetiva das governos, das em- presase, paraalém deles, de mithdes de pessoas que nao téen necessariamence conscincia disso. Este & 0 ponto principal da questio: como & que, apesar das consequéneias catastréficas a que nos conduziram as poliieas neoliberais, essas politicas sio cada vex mais ativas, a ponto de afundar os Estados e as sociedades em crises poiticase retcocessos sociais cada vee mais graves? Como € que, ha mais de trina anos, essas mesmas politicas vém se desenvolvendo € se aprafundando, sem encontrar resistencias suficientemente substanciais| para coloci-as em xeque? “A bi, de Frédéric Bastiat {tead. Ronaldo da Silva Legey 2. sd, Rio de Janeiro Init Liberal, 1991), eso livo de caboccies de Ronald Reagan no inicio das ‘nos 1960. Ver Alain Laurens, Le lihratime amértcaiz (Pati, Les Bolles Lectes 2006), p. 17, Joseph Siglte, Un auare monde contre le fearione du marche (ead. Pas Cher, Pats, Fayad, 2006) 16 + Annova raraa do rmunda A resposta nao € endo pode sr limitada apenas aos aspectos “negativos" daspoliticas neoliberas, isto 6,4 destruigo programada das regulamentacoes ¢ das instituigaes, O neoliberalismo nao destr6i apenas regras, instieuigbes, direitos. Ele também produz certos tipos de celagSes sociais, certas manciras de vives, certas subjetividades. Em outras pakwras, com 0 neoliberalismo, 6 que estd em jogo é nada mais nada menos que a forma de nossa exinéncis, isto €, a forma como somos levados a nos comportur, a nos relacionar com, fos outios © com nds mesmos. O neoliberalismo define certa norma de vida nas sociedades ocidentais ¢, para além dela, em todas as sociedades que as seguem no caminho da “modemidade”. Essa norma impoe a cada um de nds que vivamos num universo de competicio generalizada, intima os assa- Jasiados € 2s populagGes a entrar em lua econdmica uns contra 0s outros, frdena as relagées sorinis segundo 0 modele de mercado, obvriga 4 justifear desigualdades cada vex mais profundas, muda atéo individuo, que é instadoa concebera si mesmo ¢acomportar-se como umnaempresa. Ha quase um ergo deséculo, essa norma de vida rege as politicas pillieas, comanda as relagées econdmicas mundiais, cransforma a sociedade, remodels a subjetividade. As circunstincias desse sucesso normativo foram descrtas iutimeras veres. Ora sob seu aspecto politico faconquista do poder pels Forgts neoiberais), ora sob seu aypecto econdmico (0 répido crescimento do eapitaismo financciro glo balizado), ora sob seu aspecto social (a individualizagio das relayies socials is expensas das solidariedades colecivas, a polarzacio extrema entre ricos € pobres), ora sob seu aspecto subjerivo (0 surgimento de um nove stijeieo, © desenvolvimento de novas patologias psiquieas). Tudo isso so dimensées complementares da none nazdo do mundo, Devemos entender, por isso, que «ssa rario ¢ global, nos dois sentidos que pode ter o termo: é “mundial”, no sentido de que vale de imediato para 0 mundo todo; ¢, ademais, longe de Tinitas-se A esfera econdmica, tende & toralizacio, ico é a “fazer © mundo” por seu poder de integracio de tadas as dimensbes da existéncia human. Razao do mundo, mas 26 mesmo tempo ura “razdo- mundo” 7 Aldsia de uma razio configuradore do mundo enconta-seem Max Weber, embora se cefra essencialinente & oidem ezondmica capita, ee “imenso casa” que “impée ao individuo page mas armadilhas do mercado as normas de sua stividade cconémica” (L2thigue protatense ot Frit du capitelion, tad Isabelle Kainowski, Pacis, Champs Flammarion, 2000, p. 93-4 [ed bras: dice protestants «0 epirito de capinaliono, trad. José Marcos Mariani de Macedo, ed. Antonia Flav Pituci, ‘fo Paulo, Companhia das Letras, 2012). Contudo, numa passager dessa reat Incrodusio A edigio inglesa (2014) « 17 O neoliberalismo como racionalidade A tese defendida por esta obra é precisamente que 0 neoliberalismo, antes deser uma ideologia ou uma politica econdmica, éem primeiro lugar ¢ fundamentalmente uma racionalidade e, como tal, onde a estruturar ¢ ‘organizar nfo apenas a ago dos governantes, mas até prépria conduta dos governados. A racionalidade neoliberal tem como caracteristica principal a sencralizagéo da concorréncia como norma de conduta ¢ da empresa coma modelo desubjerivagia. O rermo racionalidade nao é empeegedo aqui como sum eufemismo que nos permite evitara palavra “eapitalismo”. O:nealibera- Tismo €a ntzto do capitalism contemponinee, de tim capitalismo desirapedida de suas referéncias arcaizantes ¢ pleaamente assumido como consttugie histdrica e norma geral de viela, © neoliberalismo pode ser defi 0 de discursos, priticas e dispositivos que determinam um modo de governo dos homens segundo o principio universil da concorténca. ( conecito de “racionalidade politica” foi elaborado por Michel Foucault em relago direta com as pesquisas que dedicow & questie da “governamen talidade”. Assim, encontramos na explanagio do curso dado no Collage de France em 1978-1979 — publicado com o titulo de Nascimento da biopol tie — uma apresentagio do “plano de antlise” escolhido para 0 estudo do neoliberalismo: tase, diz Foucault, em resumo, “de um plano de anslise possivel oda ‘ravio governamenta, isto &, dos tipos de racionalidade que sic empregados nos procedimentos pelos quais se dirige, através de uma administraggo de Estado, a conduta dos homens*”: Uma racionalidade politica é,nesse sentido, una racionalidade “governamental”. aa 30 cariter “elaivo”e “impessoal” do amar x0 préximo no calvinis- mo, encontamos a expresso “coofigurasia rackonal do cosmo social” (Ibidem, 1-175), Ness sentido, edesde que o socal no ssja redid a apenas mats uma dat sdmenses da existéncia humana, poderiamos dizer que 2 ezio neoliberal & mice Irecinmente « io de nase "eosino social” Michel Roucault, Naisavce de la biopetingue (Paris, Seuil(allimard, 2004) fed bras: Natnouee da bippalitia, rnd. Révrardo Brandso, Sio Pulo, Mattins Fontes, 2008), Fsse curso constitu aroferbneiaconteal pela qual s ordena toda a andlise de neoliberalismo enssiada nesta obra, Idem, 327: xeproduico em Dit er ders (1976-1988) (Pcs, Gallimard, 2001), 823. Sobre a nogio de aclonalidade politics, ver ainda esta dlcima obra, p. 818 e166, 18 + Arnova raxto do mundo Devemos nos estender ainda sobre o sentido desia nogio de “governo": “Teacase [+] nao da instituigao"governo’, mas daatividade que eonsisteem reget a concluta des homens no interior de um qudro.¢com insteumentos de Estado”, Foucaul rotoma virias vezes essa ideia do governo como atividede,

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